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Livre tradução de trecho do livro:

"Comedy Improvisation. Exercises and


techniques for young actors"
de Delton T. Horn.
Meriewether Publishing Ltda. Colorado Springs, Colorado.

Tradução não autorizada: Luana Maftoum Proença - Traduções para fins didáticos -
FAVOR NÃO PUBLICAR OU DIVULGAR.

O ESPÍRITO CÔMICO E A IMPROVISAÇÃO


Muitos escritores tem especulado sobre o que faz a comédia "tick" (funcionar). Ninguém
conseguiu realmente explicar porque algumas coisas são engraçadas e outras coisas não são. Eu
certamente não irei arriscar meu pescoço nisto e tentar oferecer respostas definitivas. Mas eu
acho que será útil considerar alguns princípios da teoria da comédia em como se aplicam na
improvisação.
A comédia cresce em uma ambígua entidade que nós podemos chamar de "espírito
cômico". Não é algo metafísico, só um rótulo conveniente para qualificar algo como engraçado ou
divertido.
O espírito cômico incorpora muitas coisas, incluindo pontos de vista e tons. A maioria das
teorias da comédia foca em um ou mais dos seguintes elementos: surpresa, reconhecimento,
superioridade, rebeldia e agressividade, e ludicidade.
Nós iremos considerar brevemente cada um destes elementos em como se aplicam a
improvisação.

SURPRESA
Surpresa é uma das partes mais importantes da maioria das piadas. Quantas piadas
foram engraçadas na segunda vez que você ouviu? Você provavelmente não riu na segunda vez
que você ouviu uma certa piada porque você já conhecia punch line (a tirada da piada, a frase
dentro da narrativa que faz a piada em si). A surpresa não existe.
Claro que, a surpresa é parte inerente de qualquer improvisação. Porque os atores estão
criando o "texto" enquanto eles seguem a cena, ninguém sabe com certeza o que vai acontecer
adiante. É inevitável se ter alguns graus de surpresa. Até os performers1 estão suscetíveis a
serem surpreendidos.
A surpresa sozinha não é suficiente para criar comédia. Só porque alguma coisa é
inesperada, não significa necessariamente que é engraçada. A mais pesada, a tragédia mais cruel
estará cheia de surpresas, ou será chata.
O elemento surpresa não é essencial para todos os tipos de comédia. Algumas coisas são
até mais engraçadas quando nós sabemos o que virá. Eu posso assistir os velhos curtas de O
Gordo e o Magro várias e várias vezes e ainda curtir a comédia. Eu praticamente memorizei
alguns por ter assistido tanto, então é óbvio que não existe mais surpresa alguma envolvida, mas
os filmes ainda são engraçados por causa de outro elemento.
Ainda assim, a surpresa é inegavelmente importante na comédia em geral. Na
improvisação, o inerente elemento da surpresa leva a si mesmo ao espírito cômico. Em algum
grau, o elemento surpresa da improvisação é relacionado ao elemento da ludicidade, que será
discutido depois.
1
Em inglês a palavra “performer” é usada para designar o artista, o ator que performa. Usa o conceito amplo de performance, além do
movimento e manifestações artísticas oriundos das artes visuais. Opto por manger o termo justamente por sua amplitude e por isto
considerar que me mantenho mais fiel possível ao texto original.
RECONHECIMENTO
Quando nós reconhecemos uma verdade cômica, nós rimos. "Sim", nós pensamos, "É
desse jeito mesmo. Não é bobo? Não delicioso?".
O humor que se baseia no reconhecimento tende a ser mais repetível. Pode ser engraçado
várias vezes. Frequentemente o elemento surpresa enfatiza a experiência do reconhecimento
cômico, então alguns humores baseados no reconhecimento são mais engraçados da primeira
vez. Mas mesmo quando o elemento surpresa é perdido, ainda é divertido.
Uma boa improvisação, sendo cômica ou não, quase sempre demanda do elemento do
reconhecimento. Se não conseguimos reconhecer (e entender) o que está acontecendo, a cena
de improviso não irá fazer sentido algum, naturalmente. Num nível mais importante é menos
óbvio, se não reconhecemos a verdade do que está acontecendo, a cena não tem porquê algum.
Fica só divagando, e quem liga para isso?

SUPERIORIDADE
A maioria dos teóricos em comédia mencionam o elemento superioridade. A tolice dos
personagens cômicos presumidamente faz o público se sentir melhor sobre si mesmo. Por isto,
segundo os teóricos, tantos personagens cômicos são apresentados como estúpidos ou
possuindo algum outro defeito (covardia, ganância, etc.) em alto grau. Por outro lado, se um
personagem cômico não tem defeitos, não existe muito espaço para humor. Perfeição não é
engraçada. Se o personagem não tem defeitos, como nós podemos rir dele ou dela? Não existe
nada para se fazer piada sobre.
Pessoalmente, eu acredito que o elemento de superioridade tem sido super valorizada nas
escritas teóricas sobre comédia. Eu acho que o humor cresce mais no reconhecimento das falhas
humanas do que qualquer sensação de que nós (o público) somos melhores do que o
personagem cômico. Nós reconhecemos nos personagens cômicos nossas próprias falhas, ou as
falhas de pessoas que conhecemos, e nós rimos. O exagero da comédia faz este reconhecimento
menos doloroso. Nós reconhecemos nossas falhas, mas nós não estamos tão mau quanto o
personagem cômico. Esta é provavelmente a extensão do elemento superioridade na maioria das
comédias.
Se o criador de um personagem superior sente-se tão superior ao personagem, o
personagem quase certamente falhará. O personagem não será crivelmente motivado. As
tentativas de humor sobre o personagem tenderão a ser desastradas e sem graça. Perfomando,
especialmente num formato de improvisação, o ator tem que ser muito, muito cuidadoso com o
elemento da superioridade. Lembre-se, o personagem cômico não é engraçado para si mesmo.
Ninguém nunca faz coisas para mostrar o quanto é estúpido. O personagem precisa pensar que
está se comportando adequadamente, ou não funcionará. Este conceito será discutido com um
pouco mais de detalhes mais tarde no capítulo sobre caracterização.

REBELDIA E AGRESSIVIDADE
O espírito cômico é naturalmente rebelde. É o eterno inimigo das regras e regulamentos.
Rejeita tradições sérias e tabus culturais. Ele zomba de vacas sagrados e faz buracos na
dignidade. Se deleita na anarquia e no caos. Em uma palavra, o espírito cômico é "safado". Não
tem interesse nenhum em obedecer nada além de suas próprias urgências.
Muita rigidez numa estrutura de Improv prejudica a chance do humor. Também tende a
fazer com que a cena improvisado seja chata e sem vida, mesmo se você estiver fazendo uma
improvisação que não é cômica.
Mas você também não pode ir muito longe para o outro extremo. Muita anarquia resultará
unicamente numa confusa e incontestável trapalhada sem graça. O espírito cômico trabalha
melhor num certo tipo de estrutura definida. A estrutura deve ser solta o bastante para permitir que
o espírito cômico se rebele, mas também precisa dura o bastante para dar ao espírito cômico algo
contra a que se rebelar. A tensão entre a anarquia natural do espírito cômico é as regras da
estrutura elevará ambos.
Por causa da rebeldia natural do espírito cômico, a comédia frequentemente é ofensiva.
Ela alegremente quebra todos os tabus.
Nos últimos anos houve uma forte tendência a deliberar ofensa e vulgaridade à comédia.
Eu até ouvi um comediante atestar que a função da comédia é a de ofender. Isto é ridículo. Na
verdade, se para para pensar, comédia que ofende não consegue divertir. Ninguém nunca ri de
nada que o ofende. Comédia "ofensiva" só funciona quando é percebida tanto também quando é
direcionado a outra pessoa. O público ri para mostrar sua presumida superioridade sobre os
puritanos que são ofendidos. Frequentemente as pessoas que podem vir a ser ofendidas vão rir
de qualquer forma, para mostrar como elas são abertas e desprendidas. Algumas risadas também
podem nascer do constrangimento, mas elas têm muito pouco haver com o verdadeiro espírito
cômico.
O verdadeiro espírito cômico não vai sair do seu caminho para ser ofensivo. E nem vai sair
desse caminho para evitar ser ofensivo. Ele simplesmente não se preocupa em ser ofensivo ou
não.
Em termos práticos, todo comediante deve considerar a questão da ofensa. Até quanto
você irá usar em seu material? Em algumas situações de performance você pode se sair hora do
que em outras. Em alguns clubes de comédia, vulgaridade e ofensa parecem ser esperadas. Mas
isto não quer dizer que você deve seguir as expectativas. Você só deve trabalhar um pouco mais
para manter a limpeza.
Todo performer cômico deve estabelecer seus próprio padrões. Como regra geral, eu
aconselharia se manter limpo da ofensa descarada e o material vulgar, principalmente numa
estrutura de improviso. Por um lado, parece ser um tanto tolo arriscar perder uma parte da plateia.
E também, se você tem o hábito de trabalhar limpo, você não terá problema algum se você tiver
que começar a performar em um ambiente mais restrito. Muitos comediantes tem um problema
sério quando tem a chance de fazer TV.
A razão mais importante para limitar o humor vulgar em improviso é porque ele é muito
fácil. Frequentemente a única "piada" é "Ha, ha, ha! Alguém disse algo impróprio!" Não se requer
muito talento para conseguir uma risada barata de uma palavra de quatro letras. Uma boa
improvisação deveria ser um desafio constante. Se você for atrás das risadas fáceis, você
raramente falhará, mas o seu sucesso não será mais do que medíocre. Será duro ter algum
orgulho do seu trabalho em Improv se você não está fazendo algo mais do que qualquer idiota
pode fazer bem.

VULGARIDADE
Eu nunca irei defender qualquer tipo de censura. Alguns humores vulgares e ofensivos são
muito, muito, engraçados quanto tem alguma perspicácia envolvida. Mas quando a ofensa e
vulgaridade por si mesmos são o que é "engraçado", não parece haver muito porquê em usá-los.
Comediantes que dependem fortemente do tipo de risada barata são invariavelmente sem talento
ou muito preguiçosos para criar qualquer coisa melhor. Enquanto alguns apreciam algum sucesso
limitado, suas habilidades como performers chegam ao auge precoce e então estagnam. Desafiar
a si mesmo sempre para um novo e constante crescimento. Improvisação não o deixará estagnar
a não ser que você trapaceie e pegue a rota fácil do humor barato.
Claro, palavras de quatro letras e vulgaridade são apenas um tipo de ofensa. Humor étnico
e esteriótipos também são arriscados. Um material político forte ou piadas sobre religião ou
assuntos morais irão fazer com que perca parte do seu público quase que com certeza. Eu não
estou dizendo que você não pode usar tal material. Pode ser que tal material possa vir a criar uma
ligação forte com aqueles que estão na plateia e que concordem com você. Você sempre deve
estar atento do preço da ofensa. Sempre irá, por definição, limitar seu apelo com o público.
Pelo outro lado da moeda, não se contenha para tentar evitar qualquer coisa que possa
provavelmente vir a ofender alguém. Por um lado, isto não pode ser feito. As mais inocula e
aparentemente inofensiva piada provavelmente irá ofender alguém. Você não pode se preocupar
com doidos que aparentemente querem achar algo para serem ofendidos, eu frequentemente sou
surpreendido pela coisas que algumas pessoas reclamam.
Mas se você sabe antecipadamente que a piada tem obviamente um potencial ofensivo,
você deveria considerar se vale a pena fazê-la. Este é um julgamento individual e subjetivo que
deve ser feito caso a caso.
HOSTILIDADE
A comédia é frequentemente considerada como um ato de agressão. Muitos teóricos dão
uma considerável ênfase na hostilidade como um elemento primário da comédia.
Muitas comédias são inquestionavelmente hostis. Você só tem que considerar o estilo
usado por comediantes como Don Rickles, entre outros. Mas podem as suaves reminiscências da
infância de Bill Cosby serem chamadas de agressivas ou de hostis? Talvez seja mais apropriado
considerar a comédia como um ato de crítica ao invés de agressão. Praticamente todo humor
implica que algo está errado, se algo fosse perfeito, como alguém poderia fazer uma piada sobre
isso? Perfeição não é engraçado. Algumas críticas são agressivas e hostis e algumas não são. Eu
penso que isso é verdade para a comédia também.
Geralmente, a agressão verdadeira, o humor hostil não funcionamento bem na
improvisação. Isso tende a ser ameaçador para o público, fazendo as pessoas estarem menos
sujeitas a rir. E isso também faz com que ele provavelmente venha a importunar. Se o performer
for hostil, o público também será. Este tipo de problema será discutido num capítulo adiante.

LUDICIDADE
Provavelmente o mais importante elemento no humor é a diversão, ou ludicidade. Se não
for divertido, não será engraçado. O público, claro, deve achar a experiência agradável, mas os
performers devem se divertir também,p. Os performers não devem parecer estar se esforçando
para serem engraçados, ou o delicado ar da comédia será perdido. É um trabalho pesado, mas o
esforço nunca deve aparecer.
Muito dos elementos assumidos da hostilidade e superioridade da comédia são realmente,
em minha opinião, somente a ludicidade. Observe alguns filhotes brincando de vez em quando.
Eles rosnam e mostram os dentes, então pulam uns nos outros e lutam. Mas não existe uma
verdadeira agressão neles. Eles só estão brincando.
Muita da aparente agressão da comédia vem da necessidade dramática do conflito
(discutido brevemente). Sem conflito não existe ação ou história. O conflito implica em duas ou
mais forças em desacordo com uma outra, então a aparente agressão é um pouco inevitável.

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