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O VALE

NA

APRECIAÇÃO DO
PADRE CÉSAR
O Padre José Vicente César foi um estudioso da Doutrina do
Amanhecer, acompanhando de perto os trabalhos de Tia Neiva, participando
de reportagens e avaliações desde o início do Vale do Amanhecer, fazendo
observações criteriosas e pertinentes não só em publicações no Brasil como
no exterior, principalmente na Alemanha.
Os trabalhos do Pe. César foram importante veículo para propaganda
das atividades do Vale, embora fazendo algumas conotações não muito
apropriadas, uma vez que se basearam em premissas não corretas, deixando
de fora algumas observações importantes sobre as atividades e trabalhos do
corpo mediúnico, bem como aspectos da própria filosofia doutrinária.
Embora com alguns enfoques equivocados, sua presença e atividade
sempre foram objeto do carinho e atenção de Tia Neiva, do Trino Tumuchy e
demais componentes da Doutrina, com seu trabalho endossado pela
Espiritualidade Maior. Tanto que recebeu um presente diretamente de Pai
Seta Branca: um machado inca, materializado no portão da Estrela
Candente.
Temos algum material produzido pelo Pe. César, inclusive uma fita
cassete contendo palestra que o Pe. César fez na Universidade de Brasília,
sobre o Vale, e as imagens dele quando do desencarne de Tia Neiva.
Há algumas deficiências em áreas que poderiam ter sido examinadas
com maior rigor e profundidade, mas isso não compromete, de forma
alguma, a grandeza do presente trabalho, que foi muito importante para
harmonizar nossa corrente com os segmentos católicos, como pode ser
visto nos comentários finais da presente obra, evitando algum choque e
preconceitos, a tal ponto que já temos a aceitação, em vários lugares, da
nossa Doutrina pelas autoridades eclesiásticas locais. Por exemplo, em uma
cidade do Espírito Santo, o pároco local encaminha pessoas para serem
atendidas no Templo do Amanhecer, quando sente que o problema escapa à
sua área de ação.
Como se trata de material não só descritivo do Templo à época como,
também, altamente útil para nossa compreensão de muitos aspectos de
nossa Doutrina, aqui reproduzimos, graças ao trabalho do Adjunto Regente
RYPURÃ, Kotay 108 Taumantes, Mestre CARLOS ROBERTO MORAES DE
FREITAS, de Vila Velha, ES, com a inserção de algumas fotografias apenas
para ilustrar, a matéria divulgada em três edições da revista:

A T U A L I Z A Ç Ã O
Revista de Divulgação Teológica Para o Cristão de Hoje.

Propriedade dos Missionários Sacramentinos De Nossa Senhora.

Fundada em dezembro de 1969.

Dir. Responsável: Pe. Dr. Luiz Augusto Paes Barreto.


Editora Teológica: Pe. Paschoal Rangel, S.D.N.
Colaboradores: Professores do ICFT da UCMG.

Ano Vlll , 95-96 - Novembro/ Dezembro – 1977.

EDITORA O LUTADOR

DIREÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:
Rua Irmã Celeste, 185, Bairro Pe. Júlio Maria Caixa Postal 2428 30000 –
Belo Horizonte, MG

Salve Deus!
Trino Regente Triada TUMARÃ
INTRODUZINDO
1 . Um Assunto quase inteiramente original, que só recebeu
cuidados publicitários por parte de algumas revistas ilustradas, mais
na base de informações leves e fotos/documentários, além de notícias
rápidas da imprensa de Brasília, praticamente confinada ao DF,
merece hoje um primeiro artigo de fundo do Pe. José Vicente César,
SVD, diretor do Instituto Anthropos do Brasil. Com rigor científico, o
antropólogo mineiro, residente em Brasília, tem pesquisado, já vai
mais de um ano e meio seguido, o fenômeno ao mesmo tempo social,
religioso, comportamental, antropológico, do “Vale do Amanhecer”.
Vamos publicar uma série de três artigos sobre o assunto, Este
primeiro tenta historiar o fenômeno, mostrando suas origens,
descrevendo o local, o Templo, alguns ritos, assim como estudando as
figuras-chave do ‘movimento’: Mário Sassi, o ‘intelectual’ do “Vale do
Amanhecer” e o sistematizador de sua “Doutrina”, e Tia Neiva, a
vidente, ou como prefere dizer o Sr. Mário Sassi a “Clarividente”, que
deu início a todo aquele movimento, em torno à qual se centraliza a
fenomenologia e a ‘revelação’ da Doutrina do Vale. O artigo nos
pareceu interessantíssimo, sobretudo quando se considera que uma
das preocupações maiores da Pastoral Católica atual é a religiosidade
popular. Nos artigos seguintes o Autor fará um estudo da doutrina e
fenomenologia, numa profundeza e objetividade que está fazendo ficar
admirado o próprio Mário Sassi, com quem o Pe. Vicente César tem
mantido contato freqüente e esclarecedor, com o qual tem conferido
inclusive na fonte, as interpretações que dá.

2 . O próximo número deverá sair muito em breve, de modo a


terminar assim – mesmo com alguma dificuldade e muito atraso - o
ano de 1977... Posso, porém, assegurar-lhes que para 1978, temos
perspectivas editoriais mais otimistas.

A DIREÇÃO.
O VALE DO
AMANHECER
Pe. José Vicente César.

PARTE I

Em 20 de Maio de 1976, estive pela primeira vez no VALE DO


AMANHECER em Brasília, e foi muito por acaso. Meu interesse
principal era visitar o marco da futura Capital do Brasil, um monumento
erguido em 1922, impropriamente denominado e conhecido como
Pedra Fundamental de Brasília. Entre a povoação do Vale do
Amanhecer e a referida Baliza demarcatória, intercede uma distância
de dois quilômetros e pouco mais, ambos a uma altitude média de mil
metros acima do nível do mar. Naquela manhã de maio (dia 20 era
quinta-feira), registrei em meu diário a seguinte observação: “O
ambiente de Vale do Amanhecer é impressionante, a praça ou
‘extensão do Templo’, arranjada com certo gosto, valendo-se do meio-
ambiente brasileiro. O Templo nem se fale, é algo de tocar fundo nos
espíritos incautos: um sincretismo espetacular onde a ingenuidade de
nosso povo ignorante vê-se explorada ao máximo”.
No entanto, depois de várias outras visitas, de estudos acurados
e muita reflexão, tive de corrigir aquela primeira impressão, como se
verá deste despretensioso ensaio sobre a obra de Tia Neiva e seu
companheiro Mário Sassi.
O Vale
do
Amanhecer
se parece
com uma
pequena
aldeia, 5
quilômetros
ao sul de
Planaltina, a
única cidadezinha dentro do atual Distrito Federal, que já existia antes
da construção de Brasília. O nome de Vale lhe cabe quase de
natureza por achar-se numa baixada à margem esquerda do riacho
Pipiripau que, com o Córrego Quinze e o Rio Mestre D’Armas, vão
formar o Rio de São Bartolomeu que corre em direção norte-sul a leste
de Brasília. A projetada barragem de São Bartolomeu que formará um
enorme lago, bem maior do que o Paranoá ao redor da Capital, não irá
quase prejudicar as construções existentes em função da obra de Tia
Neiva, pois as águas atingirão apenas algumas partes da baixada. Ao
contrário, abraçado pelas águas de um lago maior que a baía de
Guanabara, o Vale do Amanhecer assumirá sem dúvida um aspecto
ainda mais místico e convidativo, sem esquecer as atrações turísticas
da paisagem.
Para quem está em Brasília, o acesso ao Vale do Amanhecer é
relativamente fácil, principalmente quando se dispõe de condução
própria: toma-se a estrada asfaltada que leva a Planaltina e a
Formosa, saindo pelo eixo central da Asa Norte. À altura do Km 18
entra-se à direita, em ampla estrada otimamente encascalhada com
apenas 10 Km até o Vale. Também pode-se passar por dentro de
Planaltina, donde parte ônibus regular até o portão do Templo de Tia
Neiva.

INFORMAÇÕES GERAIS

O Vale do Amanhecer é uma comunidade “sui generis” que se


denomina ORDEM ESPIRITUALISTA CRISTÃ, registrada oficialmente
em cartório pro forma como OBRAS SOCIAS DA ORDEM
ESPIRITUALISTA CRISTÃ. Ocupa uma área de 22 alqueires goianos,
pouco mais de um milhão de metros quadrados, cedidos pelo Governo
do Distrito Federal pelo prazo de trinta anos, até o fim do século. Aí
residem 500 pessoas ou pouco mais, em sua maioria crianças
carentes e abandonadas, ou adultos em recuperação social. Mais de
50.000 (cinqüenta mil) pessoas de todas as categorias sociais passam
mensalmente pelos muros e portões do Vale, em busca de socorro e
orientação para seus problemas. Projetam-se no momento
remodelações e ampliações nos pátios e edifícios de molde a permitir
o atendimento a mais de cem mil visitantes por mês, tal o surto de
progresso que experimenta este movimento sócio-religioso. Atender
às pessoas individualmente, cada qual por sua vez, sem pressa nem
afobamento, nem limitações de horário e de espaço, sem a mínima
exigência financeira. Eis a finalidade básica e única do Vale do
Amanhecer, tudo realizado através de “um espiritismo moderno”,
atualizado, o “Mediunismo ou Doutrina do Amanhecer”.
Geograficamente falando, a
área em questão, não se apresenta
tal qual um vale como talvez imagina.
Trata-se antes, de uma planície com
ligeiras elevações ao longe e alguns
outeiros cobertos de vegetação
rasteira ao fundo, no poente. Ao pé
de uma dessas colinas espraia-se ao
ar livre o Solar dos Médiuns, também
conhecido por “Extensão do Templo”,
tendo como bastidor de um enorme palco, o Morro SALVE DEUS,
inscrição em grandes letras brancas de cal ou cascalho sobre o capim
verde-ouro. A saudação “Salve Deus” que se tornou quase uma senha
para os seguidores da “Doutrina do Vale do Amanhecer”, é de
tradição universal entre os
povos católicos da Europa e
goza de respeito, agrado e
simpatia do povo brasileiro,
com sua secular tradição
Cristã. Por aí, começa a
nova “religião” muito bem,
atingindo os sentimentos e
a índole profundamente
religiosa das populações rurais que vão inchando nossos centros
urbanos. O Solar dos Médiuns ou Estrela Candente, compõem-se um
conjunto de escadarias e cachoeiras artificiais, de um espelho d’água
em forma de gigantesca estrela com 79 metros de raio. Ao fundo do
palco, no tope de muitos degraus e patamares, surge radiosa uma
representação colorida do sol nascente que pode ser divisada de
longe, antes mesmo de penetrar-se no Vale. No centro do espelho de
água, apoiando-se levemente sobre uma plataforma triangular, como
também no cume do Morro SALVE DEUS, erguem-se duas colossais
elipses, com setas dirigidas para o alto, quais antenas destinadas a
captar as energias psicomagnéticas do Cosmos ou Espaço do Reino
Central, ou Centro Crístico. Dispostos simetricamente ao longo dos
seis ângulos da Estrela que forma o mencionado espelho de água,
foram construídos 108 bancos de pedra com seus respectivos leitos
ou esquifes. Neles em determinadas solenidades, se deitam os
Médiuns revestidos de cógulas monacais marrons, assentando-se no
banco adjunto a respectiva participante feminina. Estas edificações
denominadas “conjunto iniciático”, estão isoladas por cercas rústicas.
Há uma lanchonete nas imediações e alguns caramanchões de palhas
à moda indígena emprestando ao cenário aspecto de bucólica
tranqüilidade.
Mas o ponto central de toda
novidade no Vale, é o TEMPLO DO
AMANHECER construído de cimento e
alvenaria, em forma de elipse com 2.400
m2 (dois mil e quatrocentos metros
quadrados) de área coberta. Possui uma
única porta de entrada e saída, maciça,
rústica, sugerindo vetustas edificações
dos antigos egípcios ou das culturas pré-colombianas da América. A
frente dá para o oriente de onde nasce o sol. Entra-se pela esquerda
da porta, seguindo-se a direção movimental dos ponteiros do relógio, e
perfazendo-se uma volta completa pelo interior do santuário num ar de
indescritível tranqüilidade mística. Por toda a parte, panos e rendados
de cores variadas, cortinas e cortinados predominantemente
vermelhos nas frestas e janelas, impedindo a entrada da luz direta do
dia. Lâmpadas elétricas discretamente montadas conferem ao
ambiente um matiz de espiritualidade e convite aos arroubos
espirituais. No centro destaca-se um “palco” em que se realizam
grandes funções litúrgicas, com uma pira de incenso, e no fundo uma
grande imagem de Jesus Cristo à guisa de muitos templos católicos,
graves cruzeiros negros, sem o crucificado, apenas ornados com uma
longa toalha branca entrelaçada nos braços. Existem pelo menos três:
um atrás da estátua de Cristo; outro, à esquerda, entre os “castelos”
das Nityamas e do Desenvolvimento dos Aparás; um último, próximo à
saída entre o Castelo Verde e a Linha de Passe.
Ultrapassados os umbrais do Templo topa o visitante com vasto
painel de dizeres sagrados: Alguns, da Bíblia, outros, com frases de
Tia Neiva. Logo atrás, as pinturas do “Pai Seta Branca” e da “Mãe
Yara”, diante dos quais um defumador encimado por uma cruz. E
estamos, parece, no lugar mais sagrado do santuário, o “Sanctum
Sanctorum”, a Mesa Triangular, um triângulo isósceles cuja base jaz
paralela ao lado da entrada. Aí se realiza o ritual de “dar passagem a
sofredores”, e, durante as funções de “cura” no Templo, deve
permanecer em cada ângulo da Mesa um médium para estabelecer a
continuidade das correntes de forças sidero-psíquicas, que envolvem
o Templo. Ainda na área central se acham os tronos Vermelhos e
Amarelos, e muitos outros objetos e figuras sacrais. A descrição, que
se está fazendo, é reduzida e sumária, tornando-se quase impossível
relatar tudo o que os olhos contemplam naquele extraordinário
ambiente de misticismo sincretista. No fundo do ângulo oposto da
elipse que forma o Templo, há enorme imagem do “Pai Seta Branca”
(Índio), artisticamente iluminada, a que talvez mais atenção chama aos
visitantes. Atrás do Índio, que seria uma reencarnação de São
Francisco de Assis, separada por cortina clara, vem a sala de cura
com mais de 20 leitos cobertos de panos vermelhos. Por aí passam e
são submetidos a rituais de cura, quase todos os que procuram alívio
a seus males e necessidades.
Do lado de fora do Templo, à
direita da entrada principal e
única, vê-se uma massuda
estrela de seis pontas, de
concreto armado, apoiada em
dois pilares acima do solo, com
uma seta cravada no centro,
simbolizando o “Pai Seta
Branca” onde se lê esta
advertência: “Filhos! O homem,
que tentar fugir de sua meta
cármica ou juras transcendentais, será devorado, ou se perderá como
um pássaro que tenta voar na escuridão da noite!” À esquerda, um
pouco mais afastado, ergue-se uma tosca construção de alvenaria de
dois andares, pequenina, denominada “Castelo das Mensagens”. O
andar térreo serve de lojinha onde são vendidas lembranças,
souvenirs, postais e objetos de devoção, constituindo a tônica as
representações os retratos de Tia Neiva. O piso superior do “Castelo”,
a que se ascende por uma escada, apresenta-se mobiliado com
escrivaninha e estantes, e é onde a Clarividente Tia Neiva faz suas
meditações e recebe mensagens, gravadas em fitas magneto-fônicas
ou escritas “propria manu” para posterior exegese de um reduzido
grupo de Médiuns sob a direção de Mário Sassi.

BIBLIOGRAFIA
No mais, cumpre salientar que existe abundante bibliografia a
respeito do Vale e da Doutrina do Amanhecer, principalmente nos
jornais diários da Capital Federal. Foi escrita inclusive uma dissertação
de mestrado, apresentada em 31 de agosto deste ano de 1977 ao
programa de Pós–Graduação em Antropologia Social do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. A tese
que leva o título de “A Cura no Vale do Amanhecer”, tem como autora
Ana Lúcia Galinkin sob orientação do professor Roberto Cardoso de
Oliveira. Deixando de lado os muitos erros de linguagem nela
contidos, faz mister lê-la com reservas e “cum granu salis”, porquanto
o mais capacitado informante sobre a Doutrina do Amanhecer, Mário
Sassi, não concorda com várias asserções da pesquisadora da
Universidade de Brasília. De molde a evitar polêmicas não entraremos
em apreciação de trabalhos já publicados a respeito do Vale do
Amanhecer, restringindo-nos tão-somente ao que se pode averiguar
em fonte segura e fidedigna. Os folhetos e livros, todos publicados
pela Editora Vale do Amanhecer, são redigidos pelo “Intelectual” Mário
Sassi:

1. MENSAGENS – Uma série de sete mensagens aos Templos


do Amanhecer, escritos sob os olhos da Clarividente Neiva. As seis
primeiras, de 1976; a sétima, de 1977. O folheto nº 2 traz as
mensagens de fim de ano (1971-1975) do Pai Seta Branca; e o nº 5
Trata de assuntos indígenas: “O pequeno Pajé”.

2. FASCÍCULOS – Em número de três, de 1977, intitulados


“Instruções Práticas para os Médiuns”.

3. MÁRIO SASSI – Três livrinhos: 1974 (3ª Edição) – No limiar


do IIIº Milênio. A 1ª Edição, mimeografada, apareceu em 1970.
Brasília – D.F. 1976 – 2000 – A Conjunção de Dois Planos (2ª
Edição). Brasília 1976 – Sob os Olhos da Clarividente (2ª Edição).
Brasília.

4. REPORTAGENS – Revista mensal Planeta, nº 60, setembro


de 1977. São Paulo. – Manchete, 29-12-1973 e 15-5-1976.
Recomendam-se pelo material fotográfico
que é mais fiel do que os textos mesmos.
5. DISPONHO, também de um manuscrito, mimeografado, de 32
fls.: “O que é O Vale Amanhecer”, sem autor nem data, mas que me
foi entregue por Mário Sassi neste mês de dezembro de 1977. É de
sua lavra.

I. PERSONAGENS DA “HISTÓRIA”
Quem passa pelo VALE DO AMANHECER, sem tomar
conhecimento ou travar contacto com seus dois líderes religiosos e
carismáticos, corre risco de pouco ou nada entender de como funciona
e pode funcionar todo aquele ecletismo de atividades ‘para
religiosas’. O fenômeno não surgiu da noite para o dia, mas teve sua
própria evolução histórica com um surpreendente desenvolvimento
para tão curto espaço de tempo. De acordo com o líder intelectual da
Vale do Amanhecer, Mário Sassi (1977:1), o movimento doutrinário e
religioso como tal, remonta fundo na história num “caminho percorrido
pelos Espíritos... veteranos neste Planeta, todos com 19 ou mais
encarnações, juramentados ao Cristo e que se especializaram no
trabalho de socorro, em períodos de confusão e insegurança”. Trata-
se de “ciclos embora variáveis em termos de contagem do tempo” que
se repetem a cada dois milênios, havendo séculos intermediários com
interpretações de fases. Por exemplo: estes últimos três séculos da
bimilenária Era Cristã estariam explodindo em “fantásticas conquistas
sócio-econômicas” embora perdendo notoriamente em questão de
humanismo e solidariedade Cristã. Ante a assim chamada “morte
civilizatória” surgem os anseios da alma humana em torno de bases
mentais “mais firmes, mais calcadas na imortalidade da civilização”.
“Atender a essa necessidade, é exatamente a finalidade e a missão
desse grupo de espíritos, que aparecem sob a égide da Vale do
Amanhecer” (ib. p. 2).

1. Mário Sassi, Mestre Tumuchy


Geralmente se começa pela história ou biografia de Tia Neiva, a
Clarividente do Vale, mas acho que, para uma percepção mais
profunda dos eventos e
êxitos da “Doutrina do
Amanhecer”, a figura do ex-
líder da Juventude Operária
Católica (JOC) de São
Paulo conta mais. Mário
Sassi nasceu a 29 de
novembro de 1921, à rua do
Oriente, 96, no bairro do
Brás, em São Paulo,
Capital, num ambiente
social de negociantes
judeus. De família pobre e
simples, pais desajustados,
vivendo em ‘cortiço’, como eram conhecidas as ‘favelas’ de então,
passou por muitas necessidades, sofrendo imenso por não ter
oportunidades de desenvolver seus cabedais intelectuais. Num grupo
escolar da Mooca conseguiu apenas alcançar o terceiro ano por volta
de 1930/31. Fez o curso de madureza em 1945, na Escola Dr. Souza
Diniz, da Praça da Sé, sem sequer ter freqüentado aulas. No ano
seguinte, conseguiu um diploma de ginásio em Jacarezinho, Norte do
Paraná. Depois, na Vila Mariana, cidade de São Paulo, cursou o
Científico.
A 8 de dezembro de 1946, com 25 anos de idade, na festa e na
igreja da Imaculada Conceição dos Frades Capuchinhos, na avenida
Paulista com rua Brigadeiro Luiz Antônio, desposou Mário a socióloga
Moema Quadros von Nazingen, que lhe deu cinco filhos, e da qual se
separou em 1968. Estudou Filosofia e Ciências Sociais na
Universidade de São Paulo, quando as faculdades ainda funcionavam
na rua Maria Antônia. Em 22 de Março de 1974, obteve desquite legal
de Moema Quadros, ligando-se maritalmente com Tia Neiva em
regime matrimonial, no Vale do Amanhecer. De maneira aleatória
freqüentou cursos de Psicologia, Relações Públicas, Jornalismo e até
de Anatomia. Curtiu situações angustiantes durante a juventude,
porque seus pais eram de condições modestas. Mário mesmo, sempre
quis ser e passar por pessoa de outra classe. Entusiasmou-se pelos
movimentos leigos da Igreja, foi líder da JOC, admirava o Padre Carlos
Ortiz que, entretanto, abandonou as fileiras do clero. Nunca se sentia
firme na fé. Cultivou amizade intensa por vinte anos com o franciscano
alemão frei Honório Naeper em contactos quase diários no Convento
de São Francisco. Em 1942 tomou reproche pessoal do arcebispo
paulopolitano, Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, por causa de
desavenças “litúrgicas” com o vigário de Cristo Rei (Bairro de Tatuapé)
Pe. Clemente Dettmar, da congregação do Verbo Divino (S.V.D.).
Ninguém conseguia pensar-lhe as chagas espirituais abertas pelas
ansiedades íntimas de não poder perseverar na virtude da castidade
Cristã. Escrupuloso, vivia de confissões sacramentais cada semana.
Embora enriquecendo-se do extraordinário lastro de cultura européia
de Frei Honório, percebeu, por volta de 1963/64, que o frade germano
se sentia do mesmo modo frustrado e irrealizado em sua missão.
Ávido de palmilhar caminhos não batidos transferiu-se para
Brasília em 1962, quando o País experimentava atabalhoadas
efervescências sócio-políticas. Sob as graças do etnólogo e porta-voz
do governo Goulart, Darcy Ribeiro, tornou-se assessor de Relações
Públicas da novel Universidade de Brasília, matriculando-se ali na
condição de aluno de Ciências Sociais. Com a Revolução de Março de
1964 passou a ser visado pelo novo regime implantado no Brasil,
ficando também seus dois filhos extremamente revoltados contra o
“sufoco” a que foi submetido o Centro Integrado de Ensino Médio
(CIEM), onde estudavam. Um deles liderava movimentos
contestatórios, sendo tido na conta de subversivo. Nessas
circunstâncias adversas, insatisfeito e sentindo-se irrealizado no
contexto da fé católica que, a seu ver, lhe não oferecia (leigo que era)
oportunidades alargar-se em suas aspirações espirituais e sociais,
entrou casualmente em contacto com dona NEIVA CHAVES ZELAYA,
quando ela entrava no sétimo ano de suas manifestações mediúnicas.
Era em 1965. Mário Sassi oferecera carona em seu automóvel a
uma pessoa que ia à cidade satélite de Taguatinga, a 10 Km do Plano
Piloto de Brasília. No Lote 15 da Quadra Norte Comercial (QNC) nº
11, morava a “Clarividente” em pobre barraco que servia como local de
culto e alojamento das crianças abandonadas. Ele mesmo, no livro
“2000 – Conjunção de Dois Planos” (1076: 13 ss) narra como se deu o
primeiro encontro: “A porta da casa se abriu e a pessoa que eu havia
conduzido fez sinal para que me aproximasse. Saí do carro com má
vontade e entrei na casa modesta. Na pequena sala estava sentada
uma senhora de uns quarenta anos, modestamente vestida e em cuja
figura se destacavam os cabelos longos e os olhos pretos,
penetrantes. Foi-me apresentada como ‘dona Neiva’ e eu, muito a
contragosto, aceitei o cafezinho. Mas não podia despregar os olhos
dela. Fez-se silêncio por alguns minutos e ela ficou-me olhando com
ar pensativo... Depois das amenidades de costume, ela me
surpreendeu com suas palavras.
- O senhor está sofrendo muito, disse ela; será que não poderia
voltar aqui para conversarmos?
- Como é que a senhora sabe? Retruquei, o que a senhora está
vendo?
- Volte aqui e eu lhe digo; veja se pode voltar hoje à noite,
respondeu ela. Venha, que eu quero ver o seu quadro espiritual.
Despedi-me apressado, meio confuso, e o resto do dia, passei
mais desligado que de costume... Embora preparado para mais uma
decepção, minha curiosidade persistia. Eram quase onze horas da
noite quando ficamos relativamente a sós...
- Seu Mário, disse ela, o senhor é uma pessoa insatisfeita, mas
tem uma grande missão a cumprir. Sua vida vai mudar completamente
e o senhor irá encontrar a realização que tanto tem procurado...Tira
essa idéia de suicídio da cabeça...
Meio constrangido, desandei numa torrente de queixas
amarguradas... Mais desabafado, fui-me compenetrando de que não
estava diante de uma criatura comum. Passado o primeiro momento
de surpresa, notei que ela se havia referido a algumas passagens da
minha vida íntima, traçando um quadro muito acurado de minha
realidade. Isso sem eu ter dito nada ou quase nada além do meu
nome e idade!
Era evidente que eu estava diante de um fenômeno novo e com
todas as características de autenticidade. Como para dirimir qualquer
dúvida, toda vez que ela fazia alguma afirmação acrescentava: “Digo-
lhe isto em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Nossa conversa foi longa e profunda. Quando deixei a casa, já
de madrugada, eu havia penetrado num mundo novo. Minha vida se
apresentava então com um quadro nítido, com uma explicação para
cada fato. De repente, tudo começou a fazer sentido, a ter uma
correção lógica. Sentia-se invadido por forças desconhecidas e a
divisar um mundo acolhedor, no qual havia um lugar para mim!
Passei o resto da noite insone e excitado. No dia seguinte, tão
pronto pude livrar-me das obrigações mais prementes, corri para
Taguatinga. Isso se repetiu nos dias subseqüentes e, três anos
depois, em 1968, mudei-me para lá. Nesse ano eu passei a ser um
Doutrinador, de tempo integral, no modesto Templo de Ordem
Espiritualista Cristã.
Esta transcrição autobiográfica da conversão-decisão de Mário
Sassi, poderia parecer um tanto longa. A meu ver, contudo, constitui
este episódio ponto-chave para perfeita inteligência do fenômeno
mediúnico de Tia Neiva. Provisoriamente chamamos a atenção do
leitor para os seguintes elementos colhidos nesta narração: em 1965
Neiva entrava nos quarenta anos de vida, e Mário, nos quarenta e
quatro. Como ambos, ainda hoje em 1977, conservam boa aparência
física, supõe-se ter brotado daí um relacionamento especial de afeto,
ela viúva e ele já separado de sua esposa Moema, desde 1964.
Depois, o fato de dona Neiva penetrar-lhe passagens da VIDA
ÍNTIMA, deve tê-lo impressionado sobremaneira, como sói acontecer
na história da humanidade, bastando mencionar, v.g., a conversão da
Samaritana junto ao Poço de Jacó: “Vinde e vede um homem que me
disse tudo o que eu tenho feito” (João, 4,29). Por último, o espírito
perfeccionista de Sassi à procura de uma mulher ideal que o
completasse em suas aspirações intelectuais. Neiva Chaves Zelaya, a
“Clarividente”, iria domar e dominar esta personalidade máscula,
fazendo-o o “vaso de eleição” para a divulgação entre o mundo ledor
da estranha e nova “Doutrina do Amanhecer”.

2. Tia Neiva, a Clarividente

Bastaria o epíteto “vidente”, que


todos entendemos como uma pessoa
com a faculdade de visão
sobrenatural de cenas futuras, ou
passadas em lugares distantes. Mas
o Sr. Sassi insiste em emprestar ao
vocábulo “Clarividente” um sentido
todo místico aplicável especialmente
à fundadora do Vale e da Doutrina do
Amanhecer – Neiva Chaves Zelaya.
Nasceu Tia Neiva em Propriá,
Estado de Sergipe, aos 30 de
outubro de 1925. Tendo 17 anos
casou-se em Ceres, Goiás, porque,
filha de um topógrafo, acompanhava
o pai em suas andanças profissionais
(Sassi 1974:6). Viúva aos 24 anos, com quatro filhos a sustentar, não
titubeou em ser a primeira motorista de caminhão do Brasil com
carteira profissional registrada, isto em 1949. Revólver no porta-luvas,
às vezes com as crianças na cabine do grande veículo de carga, dona
NEIVA fazia-se respeitar e admirar por todos os que a encontravam
pelas poeirentas estradas do interior do Brasil, levando vida ilibada, e
não de prostituta ambulante, como pretendiam alguns.
De 1954 a 1956 fixou-se a “chaffeuse” em Goiânia, onde
trabalhou num ônibus de lotação em que um de seus próprios filhos
exercia o ofício de cobrador. Em maio de 1957 transferiu-se para
Brasília, em plena febre de construção, onde retomou suas atividades
de motorista de caminhão, recebendo a ficha nº 2525 da NOVACAP
(Companhia Urbanizadora da Nova Capital). Em fins (Natal) deste
mesmo ano de 1957 (M.Sassi 1974:6 ou 1977:2, fala de 1958 ou
1959) como me assegurou a própria Tia Neiva, manifestaram-se nela
os primeiros fenômenos mediúnicos. Residindo nesta ocasião no
Núcleo Bandeirante, recorreu ao Padre Roque Valiatti Batista,
Salesiano, pioneiro da Pastoral Católica em Brasília. Este dispunha de
escasso tempo para atendê-la, tendo-a na conta de “energúmena”
que deveria procurar algum psiquiatra. Dona Neiva estimava a
comunhão eucarística, mas sofria de escrúpulos. Assim, não ousava
aproximar-se da sagrada mesa sem antes confessar-se
sacramentalmente. Descendia de família tradicionalmente católica,
contando inclusive com tios padres e tias freiras.
Assim descreve o Sr. Sassi (1977:2-3) o que se passou com a
“Clarividente”: “Começaram a suceder com ela estranhos fenômenos
na área do paranormal, de percepção extra-sensorial, para os quais
nem a ciência nem a religião locais forneceram explicação.
Manifestações violentas e bizarras que os psicanalistas e exorcistas
não conseguem superar, para desilusão de uma criatura de tradição
católica e pouca instrução. O único amparo razoável, foi encontrado
na área do espiritismo, uma vez que as manifestações se pareciam
com a fenomenologia habitual dessa doutrina. Inicia-se o trabalho
espiritual, que culminou com a eclosão de sua “Clarividência e a
Aceitação” total da missão”.
“Incompreendida pelos homens – prossegue M. Sassi – ela teve
de se voltar para o que lhe diziam os espíritos. Só neles começou a
encontrar a coerência necessária para não perder o juízo e ter-se
tornado apenas mais uma doida a ser internada. A partir daí ela
deixou de obedecer aos “Entendidos”, e tornou-se dócil às instruções
dos seres, invisíveis aos olhos comuns, mas para ela não só visíveis
como também audíveis”.
Inicia-se nova fase na vida de “Dona Neiva”: faz-se mister
abandonar seus serviços profissionais a fim de dedicar-se mais ao
próximo, sobretudo às crianças pobres e abandonadas, numerosas no
contexto pioneiro do Distrito Federal. Esta altruística prestação de
serviços garantiria e justificaria perante a opinião pública e as
autoridades constituídas, a autenticidade da “Doutrina do
Amanhecer”, talqualmente consta no Evangelho (Atos): “Coepit Jesus
Facere e docere” – Jesus começou fazendo, para depois, ensinar sua
doutrina. A ‘Práxis’, no caso a caridade, é o teste, o argumento
decisivo. Mas ouçamos o Sr. Mário : “Logo que Neiva dominou a
técnica do transporte consciente, isto é, a capacidade de sair do corpo
conscientemente, deixá-lo em estado de suspensão semelhante ao
sono natural, e se deslocar em outros planos vibratórios, ela começou
seu aprendizado I n i c i á t i c o “. Atente-se ao termo iniciático,
porquanto sua correta conceituação constitui elemento básico na
Doutrina do Amanhecer. Prossegue o “Intelectual” do Vale (p. 4):
“Nesse período, que durou de 1959 a 1964, ela se deslocava
diariamente até o Tibet e lá, recebia as instruções iniciáticas de um
Mestre Tibetano. Esse Mestre ainda está vivo, chama-se, traduzindo
em nossa linguagem, UMARAMA”.
O vocábulo “Umarama” não permite explicação razoável através
de léxicos. A transcrição gráfica mais correta, por mim ouvida à própria
Tia Neiva, seria “Umahan” (Sassi – 2000, A conjunção de Dois Planos
– 1976, página 32). Segundo o Sr. Sassi esse intenso trabalho
espiritual, teria acarretado à vidente transtornos respiratórios com
reflexos nos pulmões e indícios de tuberculose.
Então, através dos préstimos do Senador Nogueira da Gama e
do Deputado Austregésilo Mendonça, foi levada a Belo Horizonte
onde, aos 11 de maio de 1965, deu entrada no Sanatório de
Tuberculoses da Imaculada Conceição, dirigido pelas freiras Servas
do Espírito Santo. Responsável pelo internamento foi o Dr. Oscar
Costa, sendo assistente Dr. Mário Pires, falecido em 24 de outubro de
1974. De sua ficha, consta que era filha de Antônio de Medeiros
Chaves e Maria de Lourdes Medeiros Chaves. O falecido marido
chamava-se Raul Alonso Zelaya. Passados apenas dois meses e meio
, Tia Neiva abandonou o Sanatório com ALTA MELHORADA, a 2 de
agosto de 1965. Observe-se: Tanto as informações de M. Sassi como
as de A. L. Galinkin (1977:35) sobre o tempo e motivo do tratamento
de Neiva na capital mineira, são inexatas.
Além da tuberculose, de acordo com o parecer de M.Sassi, sofria
também de um câncer de pulmão, o que tudo parece, se esvaiu
“mercê de muita força espiritual e determinação do Alto”. Restou-lhe,
entretanto, um enfisema pulmonar que lhe causa dores permanentes.
Conforme entrevista, estampada no diário “Correio Braziliense” (18-9-
77) deste ano, “Tia Neiva está próxima do fim... com os dias
contados”. Mas assegura que, ainda depois da morte, continuará
enviando à Terra sua mensagem de Amor. Completando o quadro de
confusa cronologia com respeito aos fenômenos mediúnicos de Tia
Neiva, afirma em uma mensagem ter-se a “Clarividência” revelado
nela em 1957. Em todo caso, tais pequenas diferenças de datas e
números não prejudicam essencialmente o conteúdo do novo
“Evangelho”. No tratado seguinte, em que falaremos de “Pai Seta
Branca”, muita coisa se esclarecerá ao leitor atento. Por ora, mais
algumas rápidas pinceladas na biografia de Tia Neiva.
Tudo leva a crer que, logo de início, teve ‘visões’ de um índio
adornado de penas alvas, posteriormente identificado como “PAI
SETA BRANCA”, retratado comumente com uma flecha branca e
prateada nas mãos. Os vizinhos do Núcleo Bandeirante onde morava,
interpretaram de chofre o fenômeno como de caráter espírita ou
espiritista. Ela mesma, todavia, teve horror a estas coisas, de tradição
católica que era. Levada a um consultório médico, declarou estar se
sentindo louca por causa de suas ‘visões’, de vez que, ali mesmo,
estava vendo um tal de Sr. Juca, pai do clínico que a estava
atendendo, falecido fazia sessenta e dois dias. O doutor confirmou
realmente ter seu progenitor morrido exatamente dois meses atrás,
ficou perplexo, dizendo outrossim “que o caso dela estava fora da
alçada da psiquiatria” (Galinkin 1977:35). Dona Neiva saiu bastante
descontente por saber-se pessoa com predisposições mediúnicas.
Neste transe, valeu-se da orientação de “uma senhora de nome
Mãe Neném que lhe ajudou nos primeiros transportes com fonia.
Esse trabalho tinha duas importantes funções: o reequilíbrio
psicofísico de Neiva e o recebimento, por esse meio, de instruções
espirituais. Desde então, tendo assistido (é o próprio Mário quem fala)
a transporte com fonia, feitos por ela, e esse mecanismo de contato
me fascina e desafia minha atitude científica”. (Sassi, 1976 – 2000, a
Conjunção de Dois Planos, p.24). Sua “Mãe Espiritual” era Etelvina,
profetiza da “Tribo” (Sob os Olhos da Clarividente, p.135), que também
exerce papel no funcionamento do Vale. Tanto Neiva como Mário se
consideram descendentes de “tribos ciganas”, como se tratará mais ao
depois. Houve também um médium vidente de nome Agenor, que
formava no grupo de Mãe Neném, todos notoriamente influenciados
pelas leituras de Chico Xavier, de Uberaba, em Minas Gerais. Merece,
por fim, citar o português Sr. José Manuel dos Anjos Soares Guedes,
que administra a livraria local do Vale, onde se vendem livros velhos e
literatura ligada a temas espíritas e publicações da Editora Vale do
Amanhecer.

3. Pai Seta Branca, O Índio

Caracterizar e situar a figura do


ameríndio PAI SETA BRANCA, no
contexto da Doutrina do Amanhecer,
é das tarefas mais espinhosas para o
crítico e historiador. Provavelmente
represente ele o papel mais
significativo em todo o movimento do
Vale. Sua imagem, colocada em
trono de destaque no Templo, como
já se mencionou alhures, descreve-
se, resumidamente assim: um índio
em pose ocidental, de olhos
rasgados (nada de pálpebra
mongólica, tão típica de nossos
silvícolas!) e zigomas salientes
lembrando feições do Antigo Egito,
cabeça encimada por um enorme
cocar de plumas brancas, pretas nas pontas, adorno este mais comum
aos índios norte-americanos do que aos brasileiros. Seu pescoço
aparece envolto em colares de origem inca. Suas mãos suportam uma
flecha branca, como alvas são as suas vestes, e seu ar, de
tranqüilidade e paz. Tentemos conciliar as duas versões de Mário
Sassi (Mensagem nº 2, 1976:11-13; ms. de 1977: 23 e 24) sobre o
trabalho pacificador de Seta Branca, por volta de 1532, no extenso
território do Império Inca que descia do Equador até o Chile e a
Argentina. A alusão parece referir-se à derrota de Atahuallpa em
Cajamarca aos 16 de novembro de 1532, feito prisioneiro do
conquistador espanhol Francisco Pizarro.
“A região dos Andes ainda dormitava nos resíduos da civilização
Incaica, quando chegaram os Europeus. – Na linha que mais tarde
formaria a fronteira a chamar de “brazil”, habitava uma tribo de índios,
cujos espíritos já haviam encarnado como Equitumans, Tumuchys e
Jaguares”. (Nota: Não consta que Pedro Álvares Cabral tenha
denominado “brazis” a Ilha de Vera Cruz por ele descoberta em 1500).
Prossegue Sassi (1976:12): “Seu cacique era alto, bronzeado, de
feições andinas e tinha o olhar penetrante dos espíritos evoluídos...
Bem para o oeste (Sassi 1977:23), nas fronteiras então existentes
com a América Hispânica, nos contra-fortes dos Andes, havia um
poderoso cacique cujo exército era composto de cerca de 800
guerreiros. Neste tempo, enquanto os portugueses, franceses e
holandeses disputavam a conquista do litoral Este da América do Sul,
os espanhóis penetravam ao Sul e ao Norte em direção ao Centro-
Oeste... Particularmente, certa tribo incaica estava colocada na
trajetória dos ímpios cristãos, e seria dizimada com certeza. – Um
mensageiro chegou pedindo socorro à tribo dos velhos jaguares... 800
guerreiros foram enfrentar os espanhóis. Poucos da tribo o sabiam,
mas o grande cacique, como Pai João e Pai Zé Pedro, era o espírito
reencarnado de um Mestre Planetário, que já havia sido um Jaguar,
um Espartano, um Faraó e, já na Idade Média Européia, o espírito que
se chamou Francisco, canonizado pela Igreja Católica com São
Francisco de Assis... O chefe pouco falava... seu coração estava
impregnado com a força do Amor, do Perdão, da Tolerância e da
Humildade do Cristo Jesus. Todos o amavam, e um guerreiro mais
afeiçoado preparou uma ponta para a sua lança e deu-lhe de
presente. Essa peça fora feita de alvo marfim, tirado talvez de algum
fóssil. Com essa ponta sua lança passou a caracterizá-lo, e ele se
tornou lendário como o “Cacique da Lança Branca”. Seta ou Lança,
deveriam ter a mesma raiz lingüística, e seu nome chegou até nós
como Seta Branca. Reverenciado doutrinariamente, para nós no
Templo do Amanhecer, Ele é PAI SETA BRANCA.
“No descampado de um planalto andino as duas facções se
defrontaram... Seta Branca subiu a uma pequena elevação e falou...
Enquanto falava, ele segurava sua lança alva com as duas mãos e a
levantava, na forma iniciática (o grifo é nosso!) de oferenda aos
deuses. Na medida em que discursava, descia sobre aquele campo de
batalha iminente, um clima de paz e doçura... Até um cavalo se
ajoelhou, e seu cavaleiro perplexo deixou cair as armas. O grande
Cacique enfrentou os Espanhóis com muita diplomacia, evitou o
derramamento de sangue, sem deixar de salvar aquela tribo Inca e por
esse feito, acrescentando à sua atuação humanitária, ganhou nome
de Cacique Seta Branca”.
“E assim, os episódios de verdadeiro heroísmo espiritual foram
sucedendo de um lado e de outro. Do Brasil-Colônia ao Império, no
litoral escravocrata e no Oeste selvagem, o Sistema Crístico foi sendo
implantado com rotulagem diferente mas igual no seu cerne,
preparando o advento do próximo Milênio. É preciso ter em conta
esses fatos e muitos outros impossíveis de serem relatados aqui, para
se entender o fenômeno Vale do Amanhecer”- conclui M. Sassi
(1977:24).
O leitor terá de munir-se de paciência até que alguns termos e
conceitos vão clareando. A Doutrina do Amanhecer apresenta-se
sinuosa e complexa, eclética, com ressaibos de nacionalismo ou
nativismo. Vejamos como o “Intelectual” do Vale tenta justificar o
ferrete da escravidão índia e negra que persistiu no Brasil por quase
quatro séculos. Com a palavra M. Sassi (1977:18-23); “Portugal
dominava os mares dos Séculos XV e XVI ..., estabelecendo colônias
por toda a parte, fazendo comércio de especiarias, de que surgiram
os escravos. No decorrer dos anos, a escravidão se tornou uma
instituição, um hábito normal na vida, aceito inclusive pelas religiões...
Para o plano espiritual, a escravidão foi na realidade o movimento
redentor, a Grande Prova dos espíritos missionários, dos endividados,
dos orgulhosos, pois tinha mais sentido iniciático: a morte, a
eliminação da personalidade, com isso obrigando a emersão da
individualidade. Como no teatro, em que as vezes o artista se
sobrepõe ao personagem, certo número de escravos lançou as bases
da etapa final da Escola do Caminho (nota: O Evangelho, o
Cristianismo), criando as raízes da religiosidade brasileira.
Dentre esses escravos estava um sem número de Jaguares,
que por sua vez haviam sido
Equitumans e Tumuchys. Dos velhos
líderes se destacaram dois espíritos
excelsos que, na qualidade de
missionários, se submeteram à difícil
prova; duas individualidades que
representaram os personagens Pai
Zé Pedro e Pai João... Não podendo
impor as exigências do corpo e da
alma, o escravo era praticamente
obrigado a ceder às exigências de seu espírito. Daí nasceram as
práticas mediúnicas entre os escravos do Brasil... Mais tarde (p.21),
Pais João e Zé Pedro, voltaram em novas encarnações, ainda como
escravos, mas desta vez nascidos na Índia. A partir desse retorno, as
práticas foram evoluindo, agora com o lastro místico da Índia e do
Tibet. Nasceu a mediunidade iniciática e com ela a ‘passagem’ de
espíritos sofredores, a redenção mediúnica”.
As incursões de “Seu Mário” no mundo dos espíritos – do que
ele se mostra sinceramente convencido - raia pelas lides do
inimaginável, simplesmente. Para explicar por exemplo, o
aparecimento das Princesas de Mãe Yara, que eram sete, ele rebusca
as ruínas de Pompéia, destruída pelo Vesúvio. Seus espíritos (a
Doutrina do Amanhecer não gosta de falar em ‘almas’, pois que até os
teólogos católicos vão abandonando de sorrate a distinção dicotômica
alma-corpo, que tanto desvirtua a integridade da pessoa humana),
encarnaram-se em Jaguares: Seis crioulas e uma branca de família
portuguesa, a qual donzela não se conformava com a situação do
Brasil-Colônia. Começou então a ascensão das crioulas, no que muito
contribuíam Pai João e Pai Zé Pedro com suas astúcias de escravos
experimentados. Houve mesmo uma Cachoeira das Crioulas (p.23),
ponto de irradiação das forças espirituais. Em resumo, a magia dos
Pretos Velhos cobria os contactos entre os planos dos escravos e dos
senhores, arranjando-se as coisas de tal modo que o Brasil seria o
ambiente propício e ideal, preparado para um novo tipo de relações
sócio-religiosas que preparam o Terceiro Milênio a iniciar-se.
Neste contexto de relações afro-
hindú-brasileiras, faz-se mister ainda uma
palavra sobre “Mãe Tildes” ou “Matildes”,
donde vem o nome “Lar das Crianças de
Matildes”, entidade jurídica, filantrópica,
que em parte, justifica a razão de ser do
Vale do Amanhecer como obra de
assistência social pela qual recebe ajudas
oficiais, parcas por sinal.
Na Bahia, o topônimo Angical parece
muito comum. Em nosso caso trata-se de
duas enormes fazendas ao sul daquele
Estado, para onde se refugiavam escravos
forros, políticos, exilados e aventureiros de
toda sorte. O ponto de encontro era a
fazenda da ex-escrava Matildes, casa conhecida também como por
“Gongá de Mãe Tildes”. “Essa foi a última encarnação da maioria dos
Espíritos, antes da atual, que compõem a falange dos Jaguares de Pai
Seta Branca” (Sassi 1977:25). O relacionamento entre “Mãe Tildes” e
“Pai Seta Branca” transparece do capítulo ‘Os Primeiros Passos’
(pp.25-30) do livro de Sassi – Sob os Olhos da Clarividente” (1976).
Por aí se infere que Tia Neiva vê e ouve nos dois planos,
sensorial e extra-sensorial, simultaneamente. Num momento de
desafio e angústia diante de uma pessoa que iria morrer por culpa
sua, ela conversa com o espírito “Mãe Tildes”, amiga do plano
espiritual (p.27). Para casos de doença Tia Neiva vale-se do médico
espiritual “Vovô Indú”. Da longínqua Índia, as cenas se voltam para
bailarinas do antigo Egito, Tia Neiva comete um crime, pelo qual deve
expiar. Mas Mãe Tildes, de um “Pagé”, ajeita as coisas, e mais uma
vez a Clarividente penhora seus olhos ao Cristo no sentido de jamais
faltar à verdade. Restabelecida a doente que, entretanto, deveria
sucumbir dois anos depois de doença do coração, “todos agradecem a
Deus e a Seta Branca”.
A falange de Pai Seta Branca conta 30.000 (trinta mil) espíritos,
“identificados através dos milênios com as mesmas tendências e,
atualmente, absolutamente integrados no Sistema Crístico. Alguns
desses espíritos já se redimiram na Lei Cármica, e estão no comando
da missão, junto ao Pai Seta Branca, o responsável por ela. Outros
estão encarnados, ainda na fase de redenção cármica e cumprem sua
missão no Vale do Amanhecer. Outros ainda estão para chegar,
aguardando a vez nos planos Etéricos. Alguns são Mentores e Guias,
outros são médiuns encarnados e todos seguem rigorosamente o
Planejamento Espiritual. Pai seta Branca está no Comando Geral,
enquanto que a Clarividente Neiva comanda a missão na Terra. Esse
é o quadro remoto resumido da origem do Vale do Amanhecer” conclui
M.Sassi (1977:25).
Cumpre todavia, colher mais alguns dados sobre Pai Seta
Branca a fim de que seu papel de primeira plana no Vale permaneça
fora de qualquer dúvida. Resumamos alguns informes colhidos à
MENSAGEM nº 2 da interpretação de Mário Sassi (1976). Ele toma
como ponto de partida 320 séculos, ou seja 32 mil anos, quando se
encena o “Grupo Civilizatório” dos Equitumans, indivíduos de 3 a 5
metros de altura, imortais, sem que pudessem transmitir este privilégio
extraordinário a seus descendentes. Parece até uma alusão ao livro
de Gênesis (6,4): Havia gigantes sobre a Terra. No que tange aos 320
séculos, é muito pouco para a idade da humanidade que já ultrapassa
a casa dos dois ou três milhões de anos. Também na América a
presença do Homem, vem atestada em mais de cinqüenta mil anos.
Os Equitumans chegaram aqui em naves interplanetárias, fixando-se
nos Andes e na costa do Pacífico e “reinando” por dois mil anos.
Então acontece uma
hecatombe: um corpo
extraterreno, como uma nave
espacial gigantesca, a “Estrela
Candente” cruza a órbita da
Terra e sepulta a civilização
dos Equitumans na região do
Lago Titicaca entre o Peru e a
Bolívia. O lago resultou de
uma lágrima da maravilhosa
estrela. “Esse acontecimento, realizado sob a benção de Deus, teria
sido executado sob a direção de um Mestre Planetário, um espírito
que hoje nós chamamos Pai Seta Branca; ele foi o comandante da
Estrela Candente!” (p.8). Cinco mil anos depois, é a vez da civilização
dos Tumuchys, cientistas, artesãos, alheios às artes de guerra. Faziam
uso da energia solar, para o que construíram grandes maquinismos,
cujos vestígios ainda são encontradiços nas Pirâmides do Egito e da
América. “O Grande Tumuchy, o responsável por essa missão
extraterrena, era o Espírito então encarnado, que nós hoje
conhecemos como PAI SETA BRANCA” (p.9). (Observe-se que o
epíteto ”Grande” (Mestre Tumuchy) que Galinkin (1977:43) atribui a
Mário Sassi, está em desacordo com a Doutrina do Amanhecer).
Transcorreram os milênios, surgindo enfim outro grupo
civilizatório, a falange dos Jaguares, para controlar as multidões de
raças que povoavam o globo. Por fim chegou a Era do Cristo Sol, de
nosso Senhor Jesus Cristo, o Sistema Crístico, caracterizado pelo livre
arbítrio e o tridimensionamento do Homem: Corpo, Alma e Espírito. O
Homem estava apto para o perdão do Cristo Jesus. Dentre os
escolhidos para a renovação espiritual, existe um espírito veterano
que comandara a Estrela Candente, o Grande Tumuchy e que já
encarnara o Grande Jaguar: “Agora ele era o pequeno Francisco de
Assis, o Poverello da Úmbria, São Francisco de Assis! Mais tarde, ele
se chamou PAI SETA BRANCA” (P.11).
Tempos passados, Seta Branca se encarnou numa tribo de
ciganos. Mário e Neiva, que agem sob o signo deste índio, andam
preocupados em encontrar, na história de seus antepassados,
relacionamento com esse povo errante e de origens incertas (p.20).
Foi a partir de 1959, quando Dona Neiva se decidiu a aceitar a árdua
missão, que Seta Branca estabeleceu seu programa de preparar a
Terra para o 3º Milênio. 1984 é o término da Era Crística. O Homem
perderá sua segurança física. Haverá escurecimento resultante de
fenômenos desordenados da Natureza. Virá então o Espírito
Consolador (nota: o Espírito Santo da Doutrina Católica?), uma das
facetas da Lei do Perdão do Cristo Jesus. O Homem sem ele, apenas
no âmbito do seu conjunto Corpo-Alma, só tem conceito do transitório
(p.24 e 25). Sassi se ocupa e preocupa com os flamígeros “discos
voadores” (p.26) que, a seu ver, se originam da esfera inferior –
“etérica” – da Terra, e não dos planos espirituais.

PARTE 2
Introduzindo
1 . Publicamos em nosso último número a 1ª parte de um
trabalho exaustivo de pesquisa e interpretação, do Pe. José Vicente
César, SVD, diretor do Instituto Anthropos do Brasil, com sede em
Brasília, sobre o fenômeno sócio-religioso do “Vale do Amanhecer”.
Hoje, publicamos a 2ª parte do estudo. Este, muito mais
exigente, pois o Pe. César se impôs à tarefa nada fácil de articular,
esclarecer, dividir sistematicamente e interpretar a “Doutrina do
Amanhecer”. O trabalho dele, de cunho estritamente científico, procura
ser o mais objetivo possível, apolêmico, descritivo, permitindo-se
apenas aqui e ali algumas pequenas observações sobre incoerências,
contradições, imprecisões, enganos dos “Mestres” ou “Doutrinadores”
do Vale. Na prática, toda a doutrina vem através de Tia Neiva que
recebe as ‘revelações’ por meio de vozes ou visões, ou nítidas
inspirações.
A Doutrina do Amanhecer é um sincretismo espírita-católico-
hindú-indígena-africano. As fontes de pesquisas são relativamente
abundantes e originais, porém de árduo manuseio. O mérito principal
do trabalho que publicamos está na organização das idéias. Mas há
outra coisa: o Pe. César, no seu afã de objetividade, tem ido
freqüentemente ao Vale e conferido pessoalmente com Mário Sassi e
Tia Neiva tudo o que escreveu. Suas interpretações estão, pois,
“sacramentadas”, aprovadas pelo Doutrinador e pela “Clarividente”.
Apesar de mais metodicamente ordenadas, o ecletismo enorme que
permeia a Doutrina do Amanhecer, torna a leitura meio árdua. Para o
estudioso, porém, um manancial riquíssimo.
2 e 3. (...)

I I - A DOUTRINA DO AMANHECER

Associada à médium Dona Neném, que a ajudou no


desenvolvimento de suas forças espirituais e mediúnicas, Tia Neiva
funda no Núcleo Bandeirante de Brasília a UNIÃO ESPIRITUALISTA
SETA BRANCA (UESB), registrando-a em cartório a 4 de julho de
1959. Neste mesmo ano, recebe a Clarividente ordens de cima para
se mudarem de localidade, procurando um ambiente rural. E se
transferem para Serra do Ouro, próximo a Alexânia, km 73 da Estrada
Federal BR-060 que liga Brasília a Anápolis, onde a rodovia faz “sete
curvas” dentro de majestoso
panorama. Acompanharam-nos
as quarenta crianças que a
entidade atendia de maneira
precária através da
generosidade de amigos e
admiradores. Em Serra do Ouro
montaram farmácia, pequena
serraria, produção de farinha,
além de um sistema de hospedagem oferecida aos clientes que
deveriam submeter-se a tratamento mais prolongado, o que tudo em
proveito da manutenção dos órfãos indigentes.
Em 1964, Dona Neném separa-se de Tia Neiva, rumando para
Goiânia onde estabeleceu seu próprio grupo de “trabalhos espirituais”.
Neiva Chaves Zelaya, acompanhada de seus quatro filhos, uma nora,
quatro famílias e as quarenta crianças retornam ao Distrito Federal,
fixando-se em Taguatinga (Lote 15 – QNC 11), onde funda a ORDEM
ESPIRITUALISTA CRISTÃ, que em cartório a 15 de abril de 1964,
leva o nome oficial de OBRAS SOCIAIS DA ORDEM
ESPIRITUALISTA CRISTÃ. “Neste mesmo ano – as informações são
de A. Lúcia Galinkin (1977:28) – iniciaram a construção de um Templo
em um outro lote, distante três quadras da residência, cujo direito de
posse fora comprado pela Ordem Espiritualista Cristã, e em 25 de
maio do ano seguinte (1965) inauguraram o Templo, para onde
transferiram os trabalhos espirituais”. Em 15 de dezembro de 1966 a
entidade jurídica LAR DAS CRIANÇAS DE MATILDE, recebeu registro
em cartório e no Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), sob o
nº 244.741/67. Em 1973 foi a mesma instituição declarada de utilidade
pública pelo Governo do Distrito Federal.
Passados quatro anos em Taguatinga, perde a Ordem
Espiritualista Cristã o direito à posse do terreno por ela ocupado. Em
1969 insistem os mensageiros espirituais de Tia Neiva que volte para
a zona rural e, neste mesmo ano e começos de 1970, instala-se a
Ordem Espiritualista Cristã ao sul da cidade de Planaltina, no local da
antiga Fazenda Mestre D’Armas, de Francisco M. Guimarães,
desapropriada em 1948, quando já se planejava a transferência da
Capital Federal para o Planalto Central. De Galinkin (1977:1) ainda se
colhem estas informações: “O fazendeiro F.M. Guimarães obteve dos
órgãos competentes o direito de arrendamento de uma extensão de 22
alqueires ao redor da sede da fazenda; quando a Ordem religiosa teve
autorização do proprietário para ocupar o terreno, tentou comprar este
direito de arrendamento, o que foi negado pelos órgãos oficiais”.
Permanece, pois, certa expectativa por parte dos moradores que
já estão construindo casas de alvenaria e definitivas ao redor do
Templo do Amanhecer. Por fim dar-se-á um “jeito brasileiro” na
situação. Além disso, o Vale do Amanhecer dispõe (em suas casas
rústicas e pobres), de água encanada, de energia e luz da Companhia
de Eletricidade de Brasília (CEB).
Funcionam também uma escola com 200 alunos, dirigida pela
Secretaria de Educação do governo do Distrito Federal, algumas
lanchonetes (com preços razoáveis sem nenhum propósito fraudulento
de explorar os freqüentadores e clientes do Vale), oficina mecânica
(desde que são numerosos os veículos que lá acorrem), salão de
costura, pomar, lavoura, etc. Além do Amanhecer no Distrito Federal,
há outros Templos (que Sassi denomina “físicos”) em Minas Gerais:
Abaeté, Pirapora e Unaí; em Goiás: Alvorada do Norte, Anápolis e
Luziânia; em Pernambuco: Olinda; no Amazonas: Manaus. A
Clarividente e o Intelectual, entretanto, manifestam-se contra a
proliferação de tais Templos, por isso que reafirmam o propósito de
não estarem criando nova religião. Cerca de quinze mil médiuns se
acham inscritos no fichário do Vale, e comprometidos a certo número
de horas de trabalho Espiritual dentro de seus muros. Não percebem
nenhum provento pelos serviços prestados. A própria Tia Neiva,
recebe através do Banco Real, uma pensão de viúva no valor de
apenas Cr$ 509,02. O orçamento financeiro do Vale do Amanhecer
gira em torno de cem mil cruzeiros mensais.
Em todas as publicações escritas se insiste que aos clientes e
médiuns, fora dos limites do Vale do Amanhecer, não é exigido
nenhum compromisso de comportamento moral ou social. Isto constitui
ponto pacífico, confirmado a mim pessoalmente pelo Sr. Mário Sassi.
Mães solteiras, prostitutas, desquitadas, amigadas conjugalmente
participam ativamente dos serviços e ofícios.
Concernente às meretrizes (insignificante minoria no Vale),
cumpre advertir que, exatamente na vizinha cidade de Planaltina,
funcionam “legalmente” os únicos bordéis do Distrito Federal, profissão
preexistente no lugar cuja continuidade foi reivindicada pelas
autoridades locais como ‘conditio sine qua non’ para a vida econômica
do antigo município. Intra muros não se serve nenhuma espécie de
bebida alcoólica. Aos médiuns e demais filiados ao serviço
permanente do Vale, é rigorosamente defeso, também fora de casa,
mesmo em festas sociais, a ingestão de qualquer líquido espirituoso.
Neste contexto cabe recordar que “Seu Mário”, em sua vida
pregressa, descendente de italianos, apreciava mesa farta, regada de
vinhos generosos e outros licores. Aliás, em conversa com ele, percebi
que conta com inumeráveis casos de alcoólatras cujo
restabelecimento neurovegetativo sucede praticamente irrecuperável.

1. Missão e finalidade geral

Tarefa árdua do cientista é classificar e hierarquizar os ecléticos


da Doutrina do Amanhecer. Colher dados entre as dezenas de
médiuns e doutrinadores, que atuam continuadamente no Vale, produz
pouco resultado, porquanto a maioria deles não penetram os segredos
e mistérios de todos aqueles movimentos. Fonte segura, com
explicação para tudo, é Mário Sassi. Portanto seus escritos,
principalmente os mais recentes, servir-nos-ão de base para a
presente tentativa de classificar ou meter em categorias com certa
concatenação lógica as teorias desta manifestação popular em torno
de novas idéias religiosas.
Não constitui novidade no Brasil o aparecimento cíclico de
manifestações ou movimentos em torno de líderes carismáticos tanto
políticos como religiosos. Dos últimos basta recordar a Guerra de
Canudos, quando se viu o novo governo da República forçado a
mobilizar consideráveis forças militares, para desmontar toda uma
organização de aparência política e rusticamente contestatória ao
regime que deveria substituir a Monarquia derrubada em 1889. São de
nossos dias as pregações místicas de Alziro Zarur que, através dos
microfones de uma rádio-emissora, tanto êxito conseguiu no
arrebanhamento das massas populares para a sua duvidosa Legião
da Boa Vontade. Antropólogos, Sociólogos e Teólogos, sabem
perfeitamente que tais irrupções populares pressupõem comumente
profundos potenciais místicos que vêm à tona em determinadas
condições favoráveis, sobretudo quando surgem dificuldades ou
tensões sócio-econômicas e políticas. Sentimento religioso é quase
sempre uma válvula de escape por onde extravasam paixões ou
anseios desta ou daquela maneira reprimidos.
A quase perfeita fusão de três
importantes complexos culturais – o
branco, o índio e o negro, obtida pela
atitude tolerante e compreensiva dos
colonizadores lusitanos, enriqueceu de
maneira extraordinária e talvez única na
moderna história da civilização a
formação étnico-cultural do povo
brasileiro. Daí despontou uma amálgama
cultural e religiosa de tal amplitude que se
torna sumamente penoso fixar com
precisão as origens de ritos e crenças
populares no Brasil. No presente estudo
tentamos analisar o fenômeno do Vale do
amanhecer da maneira mais objetiva possível, fornecendo ao leitor
grande número de informações, para que cada qual possa formar
opinião e juízo correto sobre tão momentoso assunto. O exame dos
conceitos ou da ideologia que regem o andamento do novel
movimento poderia perecer prematuro ou, mesmo, precipitado; em
todo caso arriscaremos empreendê-lo, embora reconhecendo de
antemão quanto nos falece de competência para tanto.

* * *
“O Vale do Amanhecer é uma comunidade Espírita de Brasília,
fundada a quase dois decênios. Nesse recanto Espiritual não existe
preocupação em provar a existência dos Espíritos ou contacto com
Eles. Esses fatos são traduzidos em resultados palpáveis, para os
quais nenhuma ciência ou teologia tem explicações. Mas a Missão do
Vale não é fazer doutrina, fundar religião, congregar prosélitos ou
profetizar. A missão tem sido tão somente atender angustiados que
procuram alívio”.
Assim consta na orelha da primeira capa, interna do livro de
Mário Sassi “Dois mil: A Conjunção de Dois Planos”, 2ª edição -1976.
Os grifos são nossos e salientam os elementos chaves seguintes:
Trata-se de ideologia espírita ou espiritista; as curas espirituais obtidas
no Vale são resultados palpáveis, inexplicáveis pelos conhecimentos
atuais da Ciência, não se deseja fazer doutrina, etc. na realidade
existe a “Doutrina do Amanhecer”, o fenômeno tem aparência de
religião organizado com prosélitos, apóia-se prenúncios de um terceiro
milênio com data marcada para 1984 e faz “profecias” sobre
terremotos e assuntos políticos (“Correio Brasiliense” de 18/09/1977;
cf. também Mensagem nº 2, que reflete a de 31/12/1972, 1976:24. O
ponto culminante, porém, está no atender angustiados... ou sejam as
“curas” ocorridas, os “milagres” do Vale. Como argumentava o próprio
Cristo Jesus: “se não acreditais em mim, acreditai ao menos em
minhas obras” (João, 10,38;14,11).
Os adeptos ou, pelo menos alguns deles como Mário Sassi
(1976 “Dois Mil: A Conjunção de Dois Planos”, p.31 e ss.), vivem a
convicção de estarem preparando a humanidade para o fim da Era
Crística, e entrada no terceiro milênio: “Daqui partirá a preparação
correta dos fatos extraordinários que irão ocorrer nos dias que se
seguirão. Aqui seremos os porta-vozes do Espírito da Verdade, que
tão alto falou através de Kardec. Não advogamos exclusivismo, nem
julgamos sermos os únicos portadores das mensagens celestiais.
Apenas proclamamos nossa autenticidade espiritual, nossa dedicação
integral à ajuda aos nossos semelhantes e ausência de qualquer
interesse, seja pecuniário ou doutrinário.”
“Ninguém tem qualquer obrigação para conosco; nós é que
temos obrigações para com a Humanidade. Neste livro seremos os
portadores das notícias de um povo de outro planeta, apelidado por
nós de ‘O Planeta Monstro’ devido ao seu tamanho em relação à
Terra. Seus habitantes são gente como nós, espíritos ocupando
corpos físicos. São moleculares, mas sua composição é diferente da
nossa”.
Planeta Monstro é a Estrela Capela, a maior da constelação do
Cocheiro ou Auriga, e das mais gigantescas até hoje divisadas.
Conhecida também pelo nome de Cabra, está situada no hemisfério
celeste boreal, não longe do Touro e dos Gêmeos. O papel deste
Astro descomunal que Sassi (1976:32; 1977:28) designa como
‘Planeta Monstro’, revela-se de suma importância para correta
inteligência da filosofia do Amanhecer. Preside os destinos da Terra
desde o princípio, estabelecendo variados contactos com os
‘terráqueos’, intensificados e ‘materializados’ de acordo com as
necessidades cá de baixo. “Todos os espíritos encarnados na Terra –
Acentua Sassi (1977:28) – vieram de Capela e um dia retornarão para
este Mundo. Os Capelinos são físicos, embora não se possa afirmar
que sejam da nossa natureza física. Sabemos apenas que sua forma
é semelhante à nossa, ou melhor, nós nos assemelhamos a eles”.
“Entre Capela e a Terra existem os ‘planos intermediários’, que
também poderiam ser chamados de ‘lugares’ ou ‘etapas’, da trajetória
dos espíritos que vêm ou que vão nesse percurso entre dois pontos
físicos”. Aí os espíritos se revestem de corpos adequados às leis dos
mencionados planos, sendo denominados precariamente de ‘corpos
etéricos’ ou estado etérico. Forçando uma explicação, conclui o
próprio Seu Mário “que os espíritos viajam mas os seus corpos físicos
não”, revestindo-se então de corpos etéricos, ‘extra-sensoriais ou
paranormais’
Após minhas advertências
sobre o risco de atribuir
importância religiosa aos ‘Discos
Voadores”, o intelectual do Vale
procura minimizar esses
‘fenômenos’ de fantasia popular.
Em todo o caso, porém, não
poderá negar que seus escritos
andam inçados desses
aparecimentos duvidosos. É sua
esta reflexão de 1977 (p.28/29) :
“O registro no campo
consciencional das atividades
etéricas, é feito de maneira
diferente das atividades
sensoriais; ele é feito e traduzido
para a percepção e elaboração mental de acordo com dados pré-
existentes no banco de memória cerebral. Por esse fato básico é que
as coisas do Céu são concebidas de acordo com as coisas da Terra.
Portanto, não existe coisa mais terráquea do que os Discos Voadores
que ‘comprovadamente’ são ‘vistos’.
E prossegue mais adiante na mesma preocupação; ‘Se os seres
que se apresentam com suas naves forem apenas espíritos da Terra,
isto é, espíritos desencarnados que habitam o etérico da Terra, eles
são os construtores dessas naves e podem ser vistos e apalpados,
uma vez que são materiais ou materializados; se porém forem Seres
de Capela eles serão vistos apenas pela visão etérica – também
chamada de mediúnica – uma vez que essa é a maneira natural de se
relacionarem conosco, maneira essa que não interfere com a Lei da
Terra e respeita o livre arbítrio do Homem’.
Existem portanto, espíritos da Terra, materiais ou materializados,
desencarnados, no âmbito ‘etérico da Terra’ – e os “Seres de Capela”
perceptíveis tão somente pela visão mediúnica, donde surge
comumente confusão entre os dois fenômenos mercê de nossa
ciência ‘limitada pelo conceito bi-polarizado de positivo e negativo, e
não sabe que esses dois pólos se fundem num só, chamado espírito’.
Neste contexto, merece explicação a doutrina espírita em torno
do ectoplasma, termo criado pelo fisiologista francês Carlos Roberto
Richet (1850-1935) para designar algo fluido e misterioso que se
desprenderia do corpo dos médiuns em transe, donde o fenômeno das
‘materializações’ dos fantasmas. Em anatomia ou fisiologia, o
ectoplasma, como significa o próprio nome grego é um a camada
periférica de transparência vítrea, envolvendo a zona central da célula
ou endoplasma. Ectoplasma é o mesmo que exoplasma.
Os Capelinos do sr. Mário e da Tia Neiva manipulam energias
mais sutis que nosso ectoplasma, podendo manifestar-se fisicamente
agora, como o fizeram outrora. “Esse dispêndio energético entretanto
não é feito pelo simples fato de que sua mensagem pode ser e é
transmitida pelo processo mediúnico, como foi dito acima, o qual não
dispensa a participação voluntária do Homem, não interferindo assim
no seu livre arbítrio, nem com as leis do planeta” (Sassi 1977:30).
As naves de capela são chamadas pela clarividente de
“Chalanas” e “Estufas”, diferentes em forma e constituição dos falados
‘Disco Voadores’, segundo ela, freqüentes nas visões bíblicas. E o
argumento dessas naves fantasiosas ocupa o cerne da Doutrina do
Amanhecer, interpretando o ‘jogo’ preparatório do iminente Terceiro
Milênio. Senão vejamos o que escreve sr. Mário em 1976 (2000 – A
Conjunção de Dois Planos’, pp.32/33): “Os Capelinos virão ajudar na
difícil e catastrófica passagem deste milênio para o próximo...”como
socorristas, para nos conduzir através dos desastres físicos, psíquicos
e espirituais que se abaterão sobre nós nos próximos 20 ou 30 anos...
Seus aparelhos irão causar assombro... Basta imaginar, por exemplo,
um imenso aparelho metálico sulcando os céus em velocidade
fantástica, com resultados danosos para as aerovias, as
comunicações e o equilíbrio da atmosfera, para termos uma idéia do
que pode acontecer...Os pólos da Terra se aquecerão e o gelo neles
contido irá se derreter. A imensa quantidade de água resultante irá se
derramar pelos Continentes e com isso os mares mudarão de
posição...” – Aliás, a maioria desses fenômenos se deram no correr de
milhões de anos da história da Terra, continuam se sucedendo
normalmente, quase que de maneira imperceptível tal a lentidão da
natureza. A migração dos pólos, v.g., é fato aceito pacificamente pela
ciência, conhecido desde o começo do século. Mas voltemos aos
líderes do Vale: “O ser humano dos próximos 30 anos será um
excepcional, e nisso os nossos amigos de Capela irão nos ajudar
muito. Seus missionários já estão prontos para a tarefa e suas
vanguardas já estão ativas em muitos pontos da Terra...Na verdade
eles estão fazendo muitas experiências, na busca da melhor forma
para sua presença na Terra. Os ‘Discos Voadores’ são amostra disso.
Entre eles e nós existe um plano intermediário, o Plano Etérico. O
problema deles é manipular as forças e homogeneizá-las em cada
plano: o deles, o etérico e o nosso. Sua maior atividade atual reside na
preparação dos seres que irão habitar a Terra no terceiro milênio.
Milhões de seres humanos freqüentam suas escolas e vão sendo
preparados para o futuro, mas esses seres não têm consciência disso
na sua memória física; sabem-no pela sua mediunidade, sua
inspiração... Esses alunos de Capela são os que procuram amar o
próximo desinteressadamente, os missionários de todas as categorias,
os precursores das idéias novas”.
Muito mais ainda se poderia falar a respeito do planeta monstro
Capela, cuja importância na mundividência (Weltanschauung) do Vale
do Amanhecer os temas subseqüentes demonstrarão à farta.

2. Conceitos fundamentais
No estabelecimento e precisação dos elementos básicos da
Doutrina do Amanhecer, não se perca de vista que o sr. Sassi é o
intérprete oficial das coisas todas que Tia Neiva julga ver e perceber
em seus transportes místicos e mediúnicos. Tratando-se de pessoa
muito lida e experimentada, forçoso é admitir que as visões da
Clarividente passam por alguma reelaboração. Assim, nem sempre se
pode averiguar o que seja mensagem de Tia Neiva ou elucubração do
‘Intelectual’. Donde o estilo desta pesquisa, escorada à medida do
possível em literatura escrita e já dada a lume. O complexo ecletismo
da Doutrina do Amanhecer não permite esclarecer tudo e todos os
conceitos de uma só penada, num único capítulo. Doravante é que o
paciente leitor irá se informando de idéias, de termos e conceituações,
citados aqui e acolá.
O subjetivismo, a carência de lógica do Espiritismo do
Mediunismo e, no caso, do Vale do Amanhecer, é reconhecida pelo
próprio Mentor (Sassi 1974:87/88) de Tia Neiva: “A vidência é
mediunidade interpretativa; o que o vidente vê, ele é obrigado a
traduzir em imagens e palavras compreensíveis aos de fora de sua
vidência. Não há, portanto, maneira alguma de ser comprovado...
Quem então terá condições de interpretar uma orientação espiritual
com autenticidade? A resposta é única: O Doutrinador. Somente este
médium tem condições de interpretação correta de uma mensagem,
pelo simples fato de que seu raciocínio normal é iluminado pela sua
mediunidade. O Doutrinador ouve, lê, compara e sintetiza com muito
maior possibilidade de isenção”. Analisemos todavia alguns conceitos
à maneira de como apresentados nas publicações do Vale.

a) Deus – Cosmogonia – Religião

Tanto Neiva como Mário consideram-se fiéis cristãos e, até,


portadores de sólida formação Católica, como já se acentuou alhures.
Mas o sr. Sassi revela-se, geralmente, bastante liberal em seu modo
de interpretar o mundo, o aparecimento do universo, selecionando
aqui e acolá conhecimentos esparsos em enciclopédias atualizadas.
Conversar com ele é agradável, porque não se fixa em suas opiniões.
Ao contrário, aceita mui gentil e maneirosamente as opiniões de seu
interlocutor. Ultimamente,
assevera, ‘recebeu ordens
superiores’ para parar um
pouco com as publicações
escritas sobre o Vale,
certamente para que
reflita mais sobre os
problemas ventilados, amadurecendo melhor seus conceitos e
doutrinas.
Para ele o Universo é infinito (Sassi 1974:14), ‘Fora de nossa
capacidade conceptual.Concebemos apenas galáxias e sistemas,
mediante alguma verificação e muita imaginação’. A Terra pertence a
uma galáxia e é pequeniníssima em comparação aos mundos que nos
rodeiam. O Homem se caracteriza pela consciência que tem de si
mesmo, mas ‘como espécie não sabe sua origem e nem qual será o
seu fim. Tem, porém, capacidade de especular sobre ambos... Para
cada forma de vida existem sentidos apropriados. O sistema de
memória permite a continuação das espécies. Ela existe na intimidade
das partículas e nos arquivos complexos da Humanidade. A escolha
de um conjunto de memórias proporciona a existência, por tempo
indeterminado, de um tipo humano ou uma espécie’.
Há outros seres não verificáveis pelos sentidos cujos efeitos são
percebidos no chamado ‘plano físico e psíquico’ (p.15). Registram-se
dois aspectos fundamentais do homem: um palpável que é o corpo;
outro sensível, a ‘psique’, ou manifestações psicológicas. Ambos
conjugados ‘formam a personalidade – o Ser Humano diferenciado,
característico e único’. “A psique, ou alma, é gerada pela
convergência da memória física e do aprendizado recebido do meio-
ambiente. Ambos se originam de outros indivíduos, outras
personalidades. Além das atividades psicofísicas, o indivíduo
apresenta outro tipo de manifestação, cujas origens não são do corpo
ou da psique. Essas pertencem a outra ordem de ‘memórias’, que
chamamos ‘espírito’. Portanto o Homem é levado à ação mediante
três tipos distintos de estímulos: o físico, o psíquico e o espiritual”. Os
conceitos acima explanados se revelam importantes para a perfeita
inteligência da doutrina espírita tal qual é ensinada e revelada no Vale
do Amanhecer.
As memórias ‘física’ e ‘psicológica’ deixam-se interligar sem
dificuldades no quadro da filosofia universal aristotélico-tomística, mas
a ‘espiritual’ constitui elemento característico do Kardecismo,
funcionando ‘num plano adimensional, num organismo paralelo ao
conjunto psicofísico’, denominado espírito. Sua herança ‘transcende o
tempo, pois representa o acervo de muitas vidas’ (p.16). Face a estas
três ‘faixas vibratórias, a física, a psíquica e a espiritual, todas agindo
ao mesmo veículo, o ser humano apresenta variações de
comportamento a cada momento. A hegemonia de uma ou outra faixa
determina a tônica que caracteriza uma pessoa’, variando ‘conforme
as circunstâncias, principalmente em função da idade’. É o que se diz
em Antropologia: cada homem forma um mistério à parte, devendo ser
estudado em sua individualidade.
“O universo é um todo contínuo e em perpétuo movimento”. De
acordo com os sentidos pelos quais é concebido, ele também se
apresenta como físico, psicológico e espiritual . Já a interpretação
espiritual do universo é feita pelo sentido religioso, uma percepção
indefinida de fatos que escapam à racionalização, tanto física como
psicológica. Classifica-se, pois, de ‘mundo espiritual’ tudo o que
escapa ao sistema indutivo ou dedutivo”. As faixas ou movimentos
vibratórios dos mencionados planos ou universos são perceptíveis e
verificáveis por qualquer pessoa através do senso comum da
observação.
“A organização do Mundo Espiritual embora situada em termos
corpusculares é de difícil conceituação, pois sua movimentação
escapa completamente à sensibilidade sensorial. Sua percepção é
feita por processos que, embora verificáveis nos efeitos, são
imponderáveis na estrutura e na mecânica. O campo consciencional, a
sede dessas percepções, é chamado o ‘EU’, uma abstração definida,
uma quarta dimensão nitidamente separada das outras três. ‘EU’ sinto
o meu corpo, percebo a minha psique e sou obrigado a admitir a
presença do meu espírito – simultaneamente. Mas sou sempre o ‘EU,
algo separado do meu corpo, da minha alma e do meu espírito, pois
registro a todos eles” (p.17). Até parece estar-se lendo os ‘Principes
de Philosophie” (l, 7,10) de Renato Descartes, que reconhecia como
primeira verdade a realidade de sua própria existência, por isso que
pensava: Cógito, ergo sum (Penso, portanto existo), reflexão, aliás
encontradiça nos Solilóquios de Santo Agostinho (livroII, cap.I).
Em alguns lances o sr. Mário Sassi (2000 – A Conjunção de Dois
Planos, 1976:32) descamba para um humanismo ou ativismo
antropocêntrico: “Para o ser humano não é necessário saber como é
Deus, nem como Ele faz ou pretende. O importante é saber como é o
ser humano e o que ele faz ou pretende fazer. Conceitos teológicos
como o de ‘sobrenatural’ não resolvem: ‘Afinal, a humanidade ainda
engatinha nos filósofos gregos ou nas teologias inócuas. É por isso,
Neiva, que urge levar essas idéias (scil. do mediunismo) para a
massa. Mas levá-las como são, idéias do ‘natural’, e não idéias do
sobrenatural . Acho mesmo que o que tem impedido maior número
de pessoas de resolverem seus problemas, tem sido o conceito de
‘sobrenatural’ (Sob os Olhos da Clarividente, 1976:140).
O Espiritismo em sua ‘práxis’ mediúnica considera a Religião
“como um modelo de comportamento” que não deveria exigir do
indivíduo determinados padrões sociais ou psicológicos. “Religiões
representam épocas, latitudes e longitudes de maior ou menor
extensão e profundidade, variando portanto no tempo e no espaço”
(Sassi 1974:81). Noutros passos (p.22), abordando o tema Religião
sob ângulos mediunistas, afirma: “Religião é um conjunto de conceitos
que procura estabelecer uma ligação entre dois pontos desconhecidos
– o princípio e o fim das coisas... Basicamente, consiste numa forma
padrão de comportamento que estimula, além do conjunto psicofísico,
o mecanismo espiritual. A prática religiosa procura despertar as forças
latentes dos seres humanos no sentido de ‘servir a Deus’, em
detrimento da tendência natural de ‘servir ao Diabo’. Deus e Diabo
representam forças opostas e extremadas. Em todas as religiões, as
duas figuras emergem com nomes e representações os mais
variados”. Depois de concluir que a mediunidade vem a ser a força
básica e instrumental de todas as religiões, pontifica seguro: “A não
aceitação desse fator torna a religião motivo de angústia e sofrimento,
quando deveria ser exatamente o contrário... A tentativa de
padronização do comportamento produz a angústia. É desumano
viver-se sob o peso do medo, pecando não contra a consciência mas
contra um conjunto de textos”.
Religião, como se sabe, é um termo de conceito equívoco,
elaborado no contexto antigo sócio-político do Império Romano e
difundido pelo Cristianismo em todo o mundo ocidental. Jesus Cristo,
ao que parece, não tencionava fundar nenhuma nova religião, mas
aperfeiçoar a ordem das coisas através de uma nova mensagem, o
Evangelho, como diz a própria expressão original grega, uma boa
nova de paz e fraternidade universal. Coisa semelhante pretende o
Vale ou a Doutrina do Amanhecer, trazida pelo Pai Seta Branca,
transmitida à Tia Neiva e elaborada por M. Sassi. Este, ao falar de
certas vivências religiosas como causadoras de angústias, estará
provavelmente refletindo suas próprias experiências de fervoroso
católico, irrealizado em suas aspirações de liderança e
desenvolvimento espiritual. Sobre isso nos referimos ao tratar dos
personagens desta ‘História’, donde inferirá o leitor mesmo a
importância das longas introduções desta pesquisa. À medida em que
o Vale do Amanhecer se expandir, institucionalizando-se em formas
rígidas, tornando-se mais uma Religião, sobretudo pelo caráter
proselitista absorvente (de que já se percebe os primeiros indícios –
como se verá mais adiante), perderá certamente muito de atual
dinamismo carismático, como aconteceu ao Catolicismo,
nomeadamente após a descoberta dos novos mundos de África, Ásia
e principalmente América.
Respeito às formulações religiosas supra exaradas, continuam
esposadas pelo ‘Intelectual do Vale’, reafirmadas em recente trabalho
(Sassi 1977:2) : A Doutrina do Amanhecer oferece “ao Homem
angustiado e inseguro uma explicação de si mesmo e um roteiro para
a sua vida imediata... trabalho que não poderia ser feito seguindo-se
as velhas formas de religiosidade, considerando-se ‘velhas fórmulas’
os documentos escritos, as revelações de ‘Iluminados’de ‘profetas’,
das ‘tradições’, das ‘doutrinas secretas’ e da ‘dogmática’de modo
geral, empregada na base da fé e do medo... O Homem só adquire
segurança quando o equacionamento de sua vida se apresenta
verificável, para ele individualmente, qualquer que seja sua posição
sócio-econômica...” E finaliza peremptório: “Por esse motivo
fundamental, o movimento ‘Vale do amanhecer’ foi calcado na
existência de um Espírito Clarividente, cujas afirmações e
ensinamentos pudessem ser testados e verificados individualmente,
pela experiência de cada participante, sem jamais dar margens a
dúvidas e incertezas”. Crê que a Doutrina do Amanhecer apresenta
“aspecto dinâmico, de contínuo fazimento, que se adapta, a cada
momento, às necessidades dos seres humanos que são atendidos.
Todas as instruções para as atitudes, construções, rituais e planos de
trabalho continuam vindo por intermédio de Tia Neiva” (p.5).
Os fiéis do Vale, parecem tranqüilos quanto ao futuro de sua
Doutrina, mesmo quando morrer ou desencarnar a Clarividente:
“...haverá naturalmente algum outro processo de instruções... O ciclo
atual está prestes a terminar, o mundo irá passar por grandes
transformações, que já se tornam evidentes ao senso comum e,
naturalmente, os responsáveis pelo comando da missão do Vale do
Amanhecer, Pai Seta Branca e seus Ministros, já terão planos prontos
para funcionar”.

b) Reencarnação e Mediunismo

Para se entender alguma coisa do Vale do Amanhecer é mister


estar familiarizado com idéias e doutrinas “fora das religiões
tradicionais” – explica Mário Sassi (1977:0). Qualquer pessoa que se
interessar pelas coisas espirituais, ainda que não seja adepto de
alguma religião, já ganha a classificação de ‘espiritualista’ segundo os
parâmetros do Vale. Mas os seguidores de Tia Neiva formam uma
‘classe indefinida’, tendo como traço comum a crença da
reencarnação ou, no mínimo, a admissão da atividade de espíritos
sem corpos - os desencarnados. O que é certo, é que o fenômeno de
reencarnação ou, reincorporação de almas ou espíritos é básico na
Doutrina do Amanhecer. Sem isso não se percebe e, menos ainda, se
vive o acontecimento do Vale. Aí existem somente duas classes de
pessoas: Médiuns e Clientes. Aproximadamente meio por cento dos
freqüentadores (de duzentos, apenas um), clientes portanto, sentem
necessidades de desenvolver suas qualidades ou capacidades
mediúnicas (p.7).
No decorrer dos tempos
passam os espíritos por encarnações
sucessivas, ocupando corpos físicos
(densos) com conseqüentes
limitações e sofrimentos próprios da
matéria. Desde que o Espiritismo se
afasta da rígida Doutrina Católica da
existência de um Purgatório ou de
penas eternas no Inferno, reencarnar
passa a sentido de expiação através
dos sofrimentos e incômodos deste
mundo, etapa natural e necessária
para atingir certo grau de evolução
ou progresso espiritual. Como se diz
por aí: Tudo se paga neste mundo, a
não ser que se morra de desastre.
No caso da reencarnação ‘pagam-se’
também as dívidas, contraídas em encarnações pretéritas. Não se
realce todavia este aspecto negativo da expiação, como fez Ana L.
Galinkin (1967:54) em sua dissertação, porque as normas básicas de
conduta do Amanhecer se substanciam no Amor, na Tolerância e na
Humildade evangélicas. “Com essas três condições é possível a
qualquer ser humano reformular sua existência, adquirir uma visão
mais ampla da vida e equacionar seus problemas desta Terra” (Sassi
1977:13). É designada também como posição Crística que noutros
contextos, significa o bimilenarismo cristão, fase que se aproxima do
fim, entrando-se no Terceiro Milênio, caracterizado pelo perfeito
acasalamento Ciência-Religião, através do qual o ser humano se
liberta das angústias que o cercam.
A própria Tia Neiva ajuíza estar sendo a reencarnação cada vez
mais aceita pela Ciência, embora repelida pela ‘Teologia Tradicional’
que rejeita do mesmo modo o mediunismo ou mediunidade. O
‘Intelectual’ perfaz o pensamento da Clarividente: “A verdade é que
estamos no fim de uma Era Civilizatória e muitos fatos, aparentemente
novos, estão sendo aceitos pela humanidade. O principal é que haja
sempre focos de luz Crística disponíveis para os que buscam a luz”
(1976, ‘Sob os Olhos da Clarividente’, p.141).
O Intérprete do Vale mostra-se generoso e liberal em seus vôos
de exegese bíblica. Abrindo o capítulo da ‘Infra-Estrutura Crística’
sobre a prática do mediunismo, revira um pouco o versículo 20 do cap.
18 do Evangelho de São Mateus: “Onde houver duas ou mais pessoas
reunidas em Meu nome, Eu estarei entre elas em Espírito e Verdade.
Esta promessa do Mestre Jesus, repetida antes de qualquer trabalho
mediúnico, é a melhor forma de garantir para ele a assistência dos
espíritos superiores. “Essa frase evangélica pode ser repetida em
todos os quadrantes do Globo, em qualquer língua, pois dificilmente o
seu sentido pode ser deturpado” (Sassi 1974:80). Pois bem, numa
frase tão curta e sintética, com apenas 15 palavras na mais antiga
versão latina, e 16 no original grego, aditou a tradução ‘sassiana’ das
interpretações, a segunda com manifesta tendência Espírita. Os textos
primeiros da Bíblia só permitem esta leitura: “Onde estão dois ou três
congregados em Meu Nome, aí estou
no meio deles” com apenas 14 termos
em vernáculo.
Neste teor prossegue o Sr.
Sassi: “O Mestre Jesus representa,
no atual Ciclo de Peixes, o Cristo
atuante, a manifestação sensível de
Deus aos seres humanos. Pouco
importa se a apresentação se faz em
termos de Budismo, Hinduísmo,
Catolicismo ou outras roupagens
religiosas. A presença Crística se
evidencia através de fatores que são
comuns e inconfundíveis a todo o
espírito, encarnado na Terra ou em
outras condições nas suas
imediações. Toda religião, doutrina, iniciação, ciência oculta,
conhecida ou não da atual humanidade, esotérica ou exotérica, se
caracterizará como Crística, se a atitude fundamental que sugerir se
puder resumir em três palavras: Amor, Humildade e Tolerância”.
Na Doutrina do Amanhecer ocorre com freqüência a expressão
Carma e seu adjetivo cármico, concepções herdadas da filosofia
hindu. Convém recordar que o aprendizado iniciático de Tia Neiva, Ela
o recebeu do mestre tibetano Humahan ou Umarama no período de
1959 a 1964. Portanto, carece de alguns esclarecimentos sobre idéias
da longínqua Índia para inteligência dos acontecimentos do Vale, e
mais ainda se absorve, de caminho, que Pai Seta Branca é um índio,
e que nossos nativos ganharam este nome por acaso na história, não,
porém, sem alguma fatalidade dos planos superiores.
Não cabe naturalmente aqui uma
especulação profunda da complexíssima
filosofia religiosa da Índia donde se originou o
conceito C a r m a, no sânscrito karman.
Trata-se de um problema de vida e morte
gerando angústia, cujas causas, de acordo
com os mais antigos textos dos Upanichades
(Upanishad), meio milênio antes de Cristo, se
encontram na ambição (kama) e na ação do
ativismo desordenado (karman). Derivado da
raiz kri, ‘carma’ significa dever, necessidade
ou ação que boa ou má, terá retribuição, e
retribuição sempre nesta vida ou neste
mundo, através de renascimentos ou de reencarnações. Relacionada
com a migração das almas ou espíritos, a Doutrina do Carma
popularizou-se como fatalidade do destino, descambando para
expiação de dívidas e faltas morais.
No Vale se aprende que vivemos o Ciclo de Peixes e do Carma,
cujo símbolo é a estrela de seis pontas, considerada de Davi no Antigo
Testamento e revivida atualmente na bandeira do Estado de Israel.
Sassi (1974:81) empresta-lhe especial importância, já que seus
‘triângulos eqüiláteros sobrepostos representam a evolução e a
involução’. E prossegue: “Carma significa o pagamento de dívidas
anteriores, liquidação de débitos. Por isso a figura de Jesus aparece
como o Redentor, o Salvador, o Amigo que ajuda a pagar nossas
dívidas”. Repare-se desde agora que o ‘Padre Nosso’ na liturgia do
Vale segue versão tendenciosa da Vulgata Latina de perdoar ‘as
nossas dívidas, se nós perdoarmos os nossos devedores’. Mas sobre
este tema voltaremos mais tarde no capítulo da liturgia.
* * *
Mediunismo e
Mediunidade derivam-se do
vocábulo ‘Médium’, que quer
dizer meio: o ser humano
colocado como intermediário
entre as forças superiores e
seus semelhantes aqui neste
mundo, um ‘Meditador Dei et
Hominum’, (Mediador de Deus e dos homens), como ensinou o Papa
Pio XII em uma encíclica. Donde se vê como o Espiritismo explora ao
máximo os ricos filões do Evangelho. Então conclui o Sr. Sassi
constituir a base prática do mediunismo, a manipulação do fenômeno
mediúnico em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que leva os
adeptos a se reunirem é a aceitação do próprio fenômeno como tal,
contanto que se não confundam problemas espirituais com religiosos.
“Essa sutil distinção entre as inquietações do espírito, e o fato
puramente psicológico de pertencer ou não a uma religião, deve ser
buscada em termos individuais” (p.81).
Próprio da Doutrina do Amanhecer é a constante presença de
um DOUTRINADOR que permanece ‘todo ouvidos’ ao lado do médium
enquanto esse efetua a cura espiritual de seu cliente. Com isso
procuram Tia Neiva e Seu Mário corrigir a interminável história de
fraudes conscientes ou inconscientes, praticados por médiuns
exagerados e exibicionistas, apontados pelo codificador do
Espiritismo, Leão Hipólito Denizart Rivail (Allan Kardec), e por ele
vigorosamente profligados em meados do século passado. Sendo a
faculdade mediúnica uma propriedade do organismo, não depende
evidentemente das qualidades morais de seu portador, etc. O papel do
DOUTRINADOR no Vale é de importância capital e, até decisiva. Todo
o Fascículo nº 2 das Instruções Práticas para Médiuns é consagrado
em núcleo à preparação esmerada dos Doutrinadores.
Chegou entretanto, o momento de precisar a especiosa distinção
entre alma e espírito que nos fornecerá justa compreensão do
fenômeno espiritista. Uma alma é ‘fabricada’ em cada encarnação
juntamente com o corpo. O espírito porém, sempre existiu, é sempre o
mesmo. Na missão do Doutrinador (Fascículo 2:54) colhemos estas
asserções: “A alma está em plano transitório, e o espírito é
transcendente. Cada um deles se manifesta em nosso campo
consciencional de formas totalmente diferentes, impossíveis de
serem confundidos”. Existem nesse assunto “duas posições básicas:
uma de interesse seu, que irá satisfazer seu egocentrismo natural, sua
necessidade pessoal, isto é, a satisfação da sua alma, e a outra que
irá contrariar esses interesses e irritar o seu ‘ego’; a probabilidade
mesma é que essa outra alternativa beneficie alguém, mas esse é o
lado do espírito!” Quem pois, rejeitar o ensinamento mencionado que
separa claramente alma de espírito, não conseguirá penetrar os
mistérios de Allan Kardec, e menos ainda julgar o fenômeno e a
‘práxis’ do Vale do Amanhecer.
Aí afloram várias funções com nomes próprios, hierarquias e, até
mesmo ‘Tronos’ ou sejam, pequenas mesas com apenas um lado
disponível, onde se assentam o cliente e o médium de incorporação, o
Apará. Tentei saber a origem deste vocábulo, pensando que viesse de
povos africanos, mas nem Mário nem Tia Neiva me deram qualquer
explicação. Ela recebe este e outros termos como Clarividente sem
preocupar-se com suas procedências.
A primeira etapa do iniciante
consiste em assimilar as idéias do
Vale do Amanhecer: vide Fascículo
p.10 e ss. Após uma palestra nos
‘Tronos dos Pretos Velhos’, as ‘águas
do rio da vida’ passam a correr no
canal mediúnico. Os pontos de
captação e transmissão de força
espiritual do ‘novato’, existentes na
periferia do corpo (‘perispírito’), na
terminologia de Tia Neiva
denominados Chakras, são abertos.
Nomeiam-se: Chakra Coronário
bem em cima da cabeça, que
alimentam a força do Doutrinador;
Chakra Umbilical na região do Plexo Solar (expressão muito a gosto
de M. Sassi), que elabora o desenvolvimento maior do médium Apará.
Apará é propriamente o médium incorporador, elemento que
recebe imediatamente as forças ou vibrações sidero-magnéticas dos
espíritos superiores (ou inferiores) a serem aplicadas no cliente que,
nos ‘Tronos´, se acomoda a seu lado. Por trás do Apará permanece
atento, de pé, o Doutrinador, ‘cuja mediunização torna seus sentidos
mais alertas (ao contrário do Apará que fica semi consciente)’, sendo
responsável por tudo o que ocorrer durante o atendimento da ‘Cura’.
Ele ‘acompanha o trabalho do Preto Velho ou do Caboclo, esclarece o
cliente, doutrina os sofredores que o Preto Velho ou o Caboclo puxam
do cliente e garante o máximo possível a satisfação do atendido’
(Sassi 1977:8). Os Aparás são preparados para o fenômeno da
incorporação através dos Mentores, outra função de realce no
‘endoutrinamento’ do Vale. O mentor orienta o Apará na incorporação
dos ‘Guias, ou seja, espíritos do Plano Superior que irão exercer sua
missão por seu intermédio’. Os ‘Guias’ apresentam-se nas três
‘roupagens: Pretos Velhos, Caboclos e Médicos’ (Fascículo 2º-
1977:44).
Doutrinador é, provavelmente a 5ª essência da doutrina e
‘práxis’ do Amanhecer. As figuras dos Aparás, dos Guias, dos
Mentores e outras mais encontram-se também com outros nomes e
fórmulas em quase todas as seitas de Allan Kardec. ‘Porém, a
mediunidade do Doutrinador’- Salienta o Fascículo 2º :53, supra citado
–‘Não existe antes da Missão de nossa Clarividente. Ninguém jamais
se lembrou, ou foi considerado possível, que pudesse existir um
transe mediúnico com base na consciência plena, no sistema nervoso
ativo. A figura do Doutrinador foi criada em nossa corrente, em
Brasília, em 1959’. Daí para frente o mediunismo passou a ter, no Vale
do Amanhecer, um certo controle que pode atalhar muitos
desprazeres e indesejáveis conseqüências para os líderes do
movimento. Fala-se mesmo de uma base científica para caracterizar o
fenômeno. Resumindo, a missão por excelência do Doutrinador seria
de transformar a pessoa do Médium Apará num instrumento do
espírito (não da alma, conforme se distinguiu anteriormente!), ‘Ser
um intermediário, um Médium, entre os planos superiores e a Terra’
(ib.p.56).
Neste contexto, M. Sassi passa numa digressão pelo campo da
exegese evangélica: A Doutrina do Amanhecer baseia-se no
Evangelho e no sistema Crístico; todavia as Escrituras não oferecem
segurança sobre o genuíno ensinamento de Jesus Cristo, por causa
das muitas cópias e versões que tanta polêmica e discussão tem
suscitado nestes últimos dois milênios de Cristianismo. Talvez
prevendo todos esses azares por que passaria sua doutrina, edificou o
Divino Mestre um ‘sistema’ que lhe garantiria autenticidade,
‘implantado no planeta e no coração dos Homens’. A função do Vale ‘é
a de fazer funcionar o Sistema Crístico na Terra, aplicando no
cotidiano as Leis Crísticas. Se essas Leis não estão claramente
expressas no Evangelho, ou se ele não tem condições de ler, seja por
falta de escolaridade ou de tempo, aprende pela sua mediunidade’
(p.57).

b) Sistema Crístico – Milenarismo

Se o Espiritismo e, no caso, a Doutrina do Amanhecer não


negassem a natureza divina da pessoa de Jesus Cristo, quase que
passariam por uma forma, um tanto estranha vá lá, de viver o
Evangelho conforme as seculares e autênticas interpretações da Igreja
Católica. Esta, porém, sob nenhuma condição, abre mão do mistério
Trinitário de Deus em Três pessoas distintas, cada qual participando
igual e totalmente da mesma divindade: O Pai é Deus, o Filho é Deus,
e o Espírito Santo é Deus.
Tratando-se aqui de uma questão extremamente delicada em
que, pelo menos teoricamente, Mestre Mário e Tia Neiva, de
tradicional formação católica, manifestam convicções que os excluem
da organização eclesial visível da Igreja, vamos simplesmente
expondo os pontos da Doutrina do Vale quase que literalmente como
se acham em seus escritos e publicações.
A existência de um Deus Criador não é posta em dúvida,
permanecendo, porém, sua natureza fora de nosso alcance mental. “É
impossível para um espírito encarnado, isto é, para nós imaginar ou
idealizar esse Deus. Qualquer concepção humana estará
automaticamente reduzindo-o ao tamanho de nosso mecanismo
psicológico. Essa redução é incoerente com a própria idéia de Deus”
(p.59). São antropomorfismos.
Como no Antigo Testamento se falava de ‘Deus Pai’, ‘Deus
Criador’, ‘Deus de Israel’, complicando ainda mais o problema ‘ os
exegetas do Cristianismo identificaram a figura de Jesus como Deus.
Mas não ficaram só nisso e, talvez para tornar esse ‘Deus’ mais
maleável nas suas construções religiosas, fizeram-No gerar como um
Homem que gera um filho, ao seu ‘filho único’ que seria Jesus. E
assim foram criando outros ‘mistérios’ que se tornaram o desespero de
toda a Humanidade por todos os séculos (p.60). O que tudo só
serviria para trazer imensa angústia aos seres humanos.
“Para evitar essa complicação, que não leva à parte alguma, e o
que é pior, nos desvia de nossa própria realidade, da nossa vida e dos
objetivos para os quais viemos a este planeta, o Mestre Jesus
resolveu tudo com poucas palavras: “Eu sou o caminho da verdade e
da vida, ninguém vai ao Pai senão por Mim “ (João 14,06)”. Após uma
tradução livre, sob encomenda, modificando essencialmente os textos
originais do Evangelista, dá vazão ao argumento pré concebido de que
Jesus não é Deus: “Neste caso, Deus seria a verdade absoluta; Jesus
Cristo o portador da verdade que leva a Deus. O ‘Eu’ centraliza no
campo consciencional o caminho a ser percorrido por cada ser
humano, cada qual segundo seu destino” (p.61).
Cristo, o ‘ungido’ pelos óleos santos, que recebeu uma especial
consagração para determinada missão, ‘seria então o co-autor, o co-
responsável pelo Universo mais próximo da nossa capacidade
concepcional...Jesus personifica, para esses dois mil que estão
terminando, o Cristo ou apenas Cristo”. Usando uma comparação de
continente e conteúdo, como o caso do copo e da água nele contida,
finaliza que Deus e Cristo se tornaram perceptíveis e definíveis na
figura de Jesus. “Outros seres como Jesus existiram antes e existirão
depois, mas também nesse sentido a nossa capacidade de verificação
é limitada” (p.62).
Jesus teria fundado uma escola Iniciática, denominada Escola
do Caminho, encontradiça em parte nos Evangelhos, onde se acham
também pormenores sobre o Sistema Crístico, inclusive sobre as
“Casas Transitórias do Mundo Etérico”. “Desde a vinda de Jesus ao
Planeta até nossos dias, essa Escola vem atuando e encaminhado a
evolução dos bilhões de espíritos que nele se matricularam,
encarnando e reencarnando na Terra... Os resultados aparecem em
todos os seres humanos e não somente naqueles que se identificam
como religiosos... Ela não pertence a grupo nenhum, não é privativa
de apenas alguns seres humanos, mas é de toda a Humanidade em
todos os tempos. Nesse sentido, toda a Humanidade é Cristã, isto é,
está incluída no Sistema Crístico do qual a Escola do Caminho é a
executora, nestes dois Milênios para esta parcela da humanidade”.
(Cf. pp 63/64).
O Vale do Amanhecer é uma das Escolas do Caminho,
organizada por um Mestre Planetário, Pai Seta Branca, o índio das
Regiões Andinas reencarnando a figura de São Francisco de Assis, e
tendo como pólo oposto Mãe Yara, ambos chefiando uma falange de
aproximadamente três mil espíritos, especializados em missões dentro
do Sistema Crístico, mas remontando a mais de 30.000 (trinta mil)
anos. (Veja-se o nº 3 do 1º cap. Sobre Pai Seta Branca). Estes
espíritos excelsos passaram por provas e reveses, ‘eram na maioria
de suas encarnações, fidalgos ou viviam nas imediações dos nobres,
dos guerreiros, dos Reis e dos Governos’ (p.64).
Conhecidos como Equitumans, Tumuchys e Jaguares viram-
se, na Era Cristã, “tocados pela Lei do Perdão, da Humildade e do
Amor”. Pelo fim do século décimo, primeiro milênio do Cristianismo,
“Eles estavam tão embaraçados nas suas tramas (o Sr. Mário,
infelizmente, não esclarece quais sejam ou seriam), que a Lei Crística
os recolheu ao Etérico. Eles então passaram por um sono cultural de
muitos séculos e foram sendo preparados para a missão do advento
do Terceiro Milênio” (p.65).
Assim entramos na questão do Milenarismo ou Bimilenarismo na
Doutrina do Amanhecer. O Sr. Sassi e Tia Neiva (como já se observou
alhures) andam preocupados com suas origens e ascendências
ciganas, Ela talvez por ter viajado muito por esses mundos de Deus,
ele também por ter tido vida agitada a começar, parece, com seus
ancestrais já na Itália com supostas ligações a um grupo – de nome
Caquiximochi – desses negociantes errantes em indeterminadas
regiões da Rússia onde deram início à Magia Branca do Cristo.
Faltam apenas vinte e poucos anos para o ano 2000. Dentro de
6(seis) anos deverão ter início os grandes sinais do Terceiro Milênio
para substituir o Sistema Crístico do Ciclo de Peixes pela Era do
Aquário – 1984 está às portas (Sassi 1974:89). Jesus Cristo, o grande
Orixá e Mestres dos Mestres, veio pessoalmente a este Planeta:
“Naves gigantescas, com pilotos experientes dos Planos Etéricos,
vararam a densa matéria e foram abrindo caminhos para o Céu.
Plataformas espaciais foram estabelecidas, a fim de receber os
espíritos que começavam a se libertar do jugo físico e da prisão
etérica. No plano físico, os missionários encarnados se organizavam
em sistemas mediúnicos e os primeiros médiuns começaram a
exercer sua piedosa missão de dar oportunidade aos espíritos
acrisolados. A esse fato se deve a confusão inicial do Cristianismo e o
nascimento de tantas seitas. Para que houvesse ectoplasma
adequado às desobsessões maciças não poderiam existir os grupos
harmônicos e espiritualizados. Por outro lado, a tônica predominante
era a da psique obsidiada pelas especulações filosóficas e
intelectuais” (2000 – A Conjunção de Dois Planos, 1976:225/226).
Até hoje o Evangelho ainda não conseguiu completar o
processo. Doravante é que virá a realização final do ‘Ciclo Redentor’.
Dois mil anos são nada em comparação aos milênios anteriores, ou
milhões de anos que recentes achados arqueológicos na África nos
convidam a retroceder na longa história da Humanidade. ”Espíritos
tenebrosos, acrisolados há milênios nas sombras vão sendo
desalojados e lançados na Terra física”. Não obstante funciona o
processo Redentor sem quebra de continuidade através do trabalho
de espíritos evoluídos e altamente cristianizados. Existem na Terra
sete pontos de irradiação, um deles é Esparta, na Grécia, e um outro
se chama Brasília. Sua missão e a do Vale do Amanhecer consistem
em ‘elucidar o Homem para o Terceiro Milênio’. Tais espíritos são
chamados “Astronautas”..., “figuras louras e belas, cinturões cheios de
botões misteriosos”, encontradiços nos livros de ficção científica, por
sinal leitura predileta de Mário Sassi (Sob os olhos da Clarividente,
1976: 225 – 227).
Comumente se transportam em ‘disco voador’. Utilizam-se
também de ‘um sistema de projeção triangularizada’ nas montanhas
do Tibet e dos Andes. ‘A última estação de retransmissão é um ponto
situado no Vale do Amanhecer. Mas eles não projetam apenas o som,
mas sim a eles mesmos, numa espécie de sistema de televisão, muito
avançado’.
O invisível mundo etérico que nos cerca, predominará sobre o
físico em que ora gememos e sofremos. Até que a Terra atinja este
plano mais sutil, terá que suportar as dores do ‘gigantesco parto
sideral’, intensificadas já nos tempos atuais. “Fenômenos
desconhecidos acontecerão visivelmente, sensivelmente. Muitos
desses fenômenos já estão existindo mas ainda são confundidos com
os fenômenos já conceitualizados. Apenas os precursores terrenos e
os ‘astronautas’ exilados na Terra sabem disso”. Mencionam-se,
outrossim, fenômenos no campo do Espiritismo e da Parapsicologia.
Nem resolve dizer que coisas análogas já se deram no passado.
Existe agora uma ‘diferença evolutiva’. Basta que nos reportemos às
‘Espirais Ubaldinas, às Volutas de Pietro Ubaldi na Grande Síntese,
para entendermos fácil’ (p. 227). Ubaldi, italiano, pertence aos corifeus
da “Filosofia Espiritista”; meio visionário e profeta, estribando-se em
nubiloso Monismo evolucionista, preconiza, com Humberto de
Campos, o “Brasil como coração do Mundo e Pátria do Evangelho”,
líder da Nova Civilização do III Milênio.
Levando em conta a distinção entre alma e espírito (do que se
falou mais antes), vai M. Sassi (1974: 89-93) prosseguindo em suas
convicções de que tenebrosos aconteceres estão à vista. Às mortais
almas e seus corpos, restam somente duas dezenas de anos, mas o
começo de tudo já vem logo aí, em 1984. “Para os Espíritos que
habitam essas almas e esses corpos, haverá novos caminhos a
percorrer, novos corpos e novas almas”, enfim sempre um ‘jeito à
brasileira’. Haverá ‘novas formas civilizatórias, novos conceitos de
vida. Vêm à baila problemas demográficos de superpopulação, como é
moda corrente, de ecologia e de poluição. Os sistemas políticos não
funcionam a contento, o Homem perde sua individualidade, a
liberdade é apenas aparente... periodicamente as neuroses eclodem
coletivas em guerras e doutrinas extremadas’. E nos fornecem a
explicação-chave para os males que nos afligem: “A conseqüência
direta da desagregação da alma aumenta a ansiedade pela
tranqüilidade do espírito. Essa atitude explica a atual busca mística e
religiosa. As religiões tentam ir ao encontro dessa demanda, mas sua
própria infra-estrutura apenas humana, psicológica, constitui
obstáculo. Falta o caminho mais seguro que corresponda à realidade
humana, que sirva de farol às mentes obscurecidas e abra caminho
para o espírito”. E passa a citar o capítulo 24 de São Mateus, onde
Jesus profere as profecias do fim do mundo, valendo-se do cenário da
destruição de Jerusalém, ocorrida 40 anos após a morte do Divino
Mestre.
O reino de Cristo não é deste
mundo, mas um reino de paz e
tranqüilidade de espírito, em que
predomina a vibração do espírito. O
sistema Crístico indica o caminho. Jesus,
na Doutrina do Amanhecer, é o
Caminheiro; há no Templo um Oráculo
da Cruz do Caminho. Em tudo, porém,
cabe ao mediunismo estabelecer uma
‘nova perspectiva’, melhor adaptada ao
quadro atual. O Homem de hoje não se
satisfaz apenas com a forma. As religiões
são excessivamente formais,
estratificadas. O Mediunismo desce às
essências e pouco se preocupa com a
forma. O que interessa nele é que o ser
humano possa se encontrar,
individualmente, e tenha um bom
instrumental para equacionar sua vida,
que é sempre única e inimitável.
O ponto mais crucial da Doutrina do Amanhecer é sua
interpretação do Milenarismo ou Bimilenarismo, pois que aceita os
períodos cíclicos de cada dois mil anos antes de nossa Era. Mas
qualquer ajuizamento mais rígido em torno dos conceitos e das
conseqüências tiradas dos ensinamentos do Vale, corre risco de ser
rejeitado, como foi o caso da dissertação de mestrado de Ana Lúcia
Galinkin (1977), da Universidade de Brasília. Por isso, na presente
pesquisa, ativemo-nos a citar as próprias palavras do ‘intelectual’
Sassi. Onde o leitor encontrou obscuridade, fica mesmo obscuro,
porquanto as ‘revelações’ da Clarividente nem sempre podem ser
entendidas e interpretadas corretamente pela escola que a rodeia,
cujo líder naturalmente é o Sr. Mário. Nem adianta falar em seguidores
da Doutrina do Amanhecer (Galinkin 1977:50), pois a maioria das
pessoas que freqüentam o Vale não se preocupam tanto com teorias e
especulações, senão que andam principalmente em busca de alívio
para seus males espirituais e corporais. Aliás, é esta sem dúvida a
tônica das publicações provenientes da pena de Mário Sassi: fazer,
agir, trabalhar, ajudar a quem estiver precisando de auxílio, sobretudo
moral.
Também não se exagerem – insiste Sassi – as atribuições do
Pai Seta Branca como reencarnação de São Francisco de Assis, figura
privativa da Igreja Católica, pois o Vale do Amanhecer faz questão de
constituir ‘algo próprio’, e não um mero sincretismo religioso-espírita
sob certa predominância de “práxis cristã”. O índio pacificador, que
falava aos conquistadores espanhóis em começos do século XVI,
ocupa lugar de destaque na Doutrina do Amanhecer, pode ser quase
comparado a Jesus Cristo (que não é Deus!), todavia não é Ele quem
decide sobre os destinos do mundo e dos tempos com seus milênios.
Parece mais um ‘executor’ das ordens divinas nos planos superiores,
enquanto Tia Neiva comanda na Terra a missão de preparar a
humanidade para penetrar no III Milênio, que será a Era do Aquário
com domínio do Espírito e da Ciência. Somente uns poucos adeptos
do Vale se consideram descendentes de antigas tribos ciganas que,
como Mário e Neiva, procuram reencontrar-se neste novo centro de
captação de energias espirituais. Note-se entretanto, que os primeiros
ciganos aportaram ao Brasil pelo fim do século XVI, sob o Reinado
Espanhol, não tendo porém, influenciado quase nada na formação de
nosso povo.
Concluindo, dizemos que o Bimilenarismo não exerce tanta
influência na vida prática do Vale do Amanhecer. A maioria dos
milhares de médiuns e a quase totalidade dos clientes que lá chegam,
parecem preocupados com suas necessidades materiais e espirituais.
Mesmo em caso de as ‘profecias’ com data marcada para 1984 não se
realizarem como vêm descritas na literatura do Amanhecer, a Obra e a
Missão irão avante. Ali tudo transcorre de maneira muito simples e
tranqüila, sem preocupações teóricas de ordem especulativa ou
intelectual. Não se faz polêmica, evitam-se discussões, não se exige
identificação de ninguém, ninguém sofre repressões por suas atitudes
pessoais principalmente ‘extra muros’, fora dos limites geográficos da
entidade. Respeito a essas questões se falará logo mais.

d) Alguns aspectos morais

Na Doutrina do Amanhecer insiste-se freqüentemente no Livre-


Arbítrio, conceituação teológica (e católica) que reconhece a
Liberdade do Homem de escolher entre o bem e o mal, tornando-se
destarte, responsável perante Deus, sua consciência e perante os
seus semelhantes, neste último caso com decorrências penais. No
contexto da reencarnação, postulado incondicional para penetrar-se
nos ensinamentos do Vale, os males que afligem o indivíduo neste
terreno peregrinar, podem ser atribuídos a falhas cometidas em
encarnações anteriores. Aliás, percebe-se claramente o teor desses
argumentos nos ‘Primeiros Passos’ da própria Tia Neiva (Sob os
Olhos da Clarividente 1976:29), angustiada por episódios de um
passado tenebroso, referto de crimes hediondos. Nesse transe quem a
conforta é a negra Mãe Tildes pela voz do mentor espiritual Pajé:
“Seus crimes – disse ele –, sempre tiveram cunho impessoal, em
enredos políticos e na tentativa de evoluir outros. Este, porém, foi todo
pessoal, e é por isso que Nicácia está agora nas suas mãos. Se salvá-
la, você dará o testemunho da sua missão, e aproveitará a única
oportunidade de conseguir o perdão do crime cometido num momento
de paixão”. Nicácia seria o espírito de uma bailarina egípcia, por onde
já transara também o de Tia Neiva, de que já houve referência mais
atrás no capítulo do Pai Seta Branca.
Pelo conhecimento dos ‘caminhos cármicos’ a Clarividente não
se ajuíza com direito ‘de julgar’ ou ser juiz de ninguém (p.33). Não
aconselha nem exige que se abandonem os amores clandestinos, mas
ajuda onde pode com todo carinho – ponto fundamental da Doutrina
do Amanhecer. “O que não se pode é subordinar o auxílio espiritual a
conceitos preestabelecidos da moral ou de como as coisas devem ser.
Deixemos isto por conta de Deus e dos seres que criou”. No dilema
entre sexo e morte, exclama a Clarividente: ‘Afinal, amar não é
pecado’, palavra que não consta do dicionário espírita (p.94).
Outro aspecto muito
em voga no Espiritismo
aparece: o das almas
gêmeas, para justificar
uniões conjugais fora das
Leis em vigor. O casamento
singular, um homem com
uma única mulher,
indissolúvel por toda a vida,
revela-se questão
delicadíssima para a moral
cristã, máxime pela
disciplina austera da Igreja
Católica. Esta rigidez
tradicional de que se não
abre mão, face ao embate
do novo ambiente social
causado pela civilização
industrial, vem provocando
sérios impasses na
consciência ética de numerosos fiéis que, formalmente, estão
proibidos de participar na vida sacramental da Igreja. Esta falta de
entrosamento na vivência íntima do Corpo Místico de Cristo, dada a
propensão do brasileiro a manifestações de caráter coletivo, social e
familiar, tem ocasionado verdadeiras corridas dos católicos para outros
credos e formas religiosas em que as Leis da união matrimonial
parecem mais suaves, e os costumes menos rígidos.
A estória das almas gêmeas, remonta aos tempos de Cristo,
retratando o Amor de Lívia e Emanuel, sendo este um tal Senador
Públio Lêntulo, inclusive com delegações na Judéia ao tempo do
Imperador Tibério. Lívia, seguidora de Jesus, intercedendo por este
perante Pilatos (Mateus, 27,19?), fora acusada de ser amante do
Procurador Romano, e martirizada 25 anos mais tarde no Circo
Romano, por adúltera. Emanuel, em pleno século XVI reencarnou no
missionário jesuíta Pe. Manuel da Nóbrega (coincidência do nome
Manuel); sua pequena filha Flávia é também uma das encarnações do
famoso médium mineiro Chico Xavier, de Uberaba. Deste provém a
canção “Almas Gêmeas”:

Alma gêmea da minh´alma,


Flor de Luz de minha vida,
Sublime estrela caída
Das belezas da amplidão!...

Quando eu errava no mundo


Triste e só, no meu caminho,
Chegaste devagarinho,
E encheste-me o coração.

Vinhas nas bênção dos deuses,


Na divina claridade,
Tecer-me a felicidade,
Em sorrisos de esplendor!...

És meu tesouro infinito.


Juro-te eterna aliança,
Porque eu sou tua esperança,
Como és todo o meu Amor!

(Rafael A. Ranieri – Recordações de Chico Xavier, S. Paulo,


1976: 53-57).

Desde março de 1974, Mário e Tia Neiva uniram-se pelo vínculo


matrimonial segundo o rito do Vale do Amanhecer. Da parte da
Clarividente, viúva, nenhum obstáculo, mas ele está casado com
Moema enquanto esta for viva, de acordo com os sagrados cânones
da Igreja Católica. Como porém, insinuamos ao retratar a biografia do
intelectual, o encontro de ambos em Taguatinga, por volta de 1965, foi
como que um reencontro de duas ‘almas gêmeas’, num abraço
avassalador, ambos maduros e enriquecidos das mais diversas e
duras experiências da vida real, do cotidiano, do terra-a-terra. Donde,
o se mostrarem de inesgotável paciência, e de extrema compreensão
para com as pessoas desajustadas.
O reconhecimento de Tia Neiva pelo afeto e dedicação do Sr.
Sassi é público, tanto assim que, à esquerda da entrada do Templo,
se ergue um pedestal-monumento ‘ad perpetuam rei memorian’ onde
se lêem os dizeres refertos de unção e afetuoso agradecimento:
“Salve Deus! Mário, recebestes pelos meus olhos de Clarividente
o Espírito da Verdade, e com ele enunciastes a volta dos
Equitumans, desencadeando a ciência do Jaguar Tumuchy. Então
a recompensa de Deus te faz e te ilumina por todo o universo,
Primeiro Jaguar nos Templos do Amanhecer”.
Insiste continuamente o Sr. Sassi (1977:26) que a Doutrina de
Tia Neiva NÃO É UMBANDA, NEM CANDOMBLÉ, NEM
KARDECISMO, NEM INDUÍSMO, NEM TEOSOFIA OU
CATOLICISMO, senão que “uma doutrina com sentido universal com
base no Sistema Crístico”. Identifica-se, todavia, com o Espiritismo
pela crença na reencarnação que remonta aos albores de
antiqüíssima tradição iniciática. Aos médiuns da corrente, não se
permite tecer críticas ou censuras a quaisquer doutrinas ou religiões.
Nada obstante o conhecimento das três preposições evangélicas
“Amor, Tolerância e Humildade”, de informações pessoais do
Intelectual e da própria Tia Neiva, estou a par de algumas quizílias do
Vale, verbi gratia, que os médiuns ligados oficialmente à Doutrina do
Amanhecer, não podem participar dos sacramentos da Igreja Católica,
sendo-lhes vetada terminantemente a comunhão eucarística. Porque,
dizem, isto viria quebrar e tumultuar os ‘fluxos’ espirituais e magnéticos
do Templo, constituindo, outrossim, notório abuso e falta de respeito
mútuo entre as confissões religiosas.
Honra seja feita, durante esses quase dois anos em que venho
visitando o Vale do Amanhecer, nada percebi (embora vale dizer, o
tenha procurado até com certo acinte) que desabonasse a conduta e
os ‘mores’ daquela instituição. Sobretudo na parte de dinheiro,
geralmente o ponto fraco desses movimentos, em parte alguma notei
qualquer tipo de exploração. O que se nota é muita pobreza e
simplicidade. Também nos bares e lanchonetes cobra-se comumente
o preço justo, parece com uma mínima base de lucros. Os próprios
líderes, Mário e Tia Neiva, vivem em barraco comum, abafado, e
certamente com algumas goteiras durante as chuvas, têm refeições
frugais sem nenhuma bebida a não ser água natural. Nenhum
segredo: todo o mundo entra e sai à vontade, numa sobriedade que
nos faz lembrar como deveriam ter sido os primeiros tempos do
Povorello de Assis. No que tange a certos aspectos da moral
afetiva, fora alguns namoricos, o ambiente transpira paz e
tranqüilidade, compreensão e mútuo auxílio.
De um ou outro médium se ouve esta ou aquela blasonaria de
que a influência do Vale desce a todos os recantos do Distrito Federal,
principalmente entre as altas cúpulas da administração. “Com a
saudação SALVE DEUS, penetra-se em toda a parte, abrem-se
acessos desde o mais humilde porteiro de um Ministério até o Palácio
de Presidente da República, cortam-se filas de espera nas repartições
públicas, nos bancos, etc.” De fato, a julgar pelos nomes de pessoas
que são deixadas nas banquetas e mesas de oração, vê-se que muita
gente grande passa por lá, mesmo de classes pouco afetas a
religiosismo. A título de ilustração esta lista manuscrita de um
matutino brasiliense, encontrada na ‘Extensão do Templo’ em 22 de
novembro de 1977:

“SALVE DEUS – Fernando Câmara, Diretor Comercial; Jaime


Câmara Júnior, Diretor-Superintendente; Wilson Pedrosa, Gerente
Industrial; Vítor Daniel Mosqueira, Chefe de Impressão. Toda a
Direção do JORNAL DE BRASÍLIA. – Antônio Batista Reis,
Roberval Sobral Barros, Alexandre Coelho da Silva, Ângelo
Cavalari, José Carlos Gomes, Carinhoso, Bonitinho. SALVE DEUS
todos da Impressão do JORNAL DE BRASÍLIA – Setor de
Indústrias Gráficas”.

- Também alguns bilhetinhos com papel timbrado do


“Gabinete do Ministro, do Ministério do Trabalho”, encimados com
as Armas da República Federativa do Brasil: Alvina Cavalcante
Gama, 27 anos. Mestre Sol, 2ª Samaritana; Eva Apolônia Correia,
39 anos, 1ª Samaritana. Estrela Candente. SALVE DEUS!”

No mais, importa lembrar que Brasília é considerada uma cidade


sem convívio social definido, para onde acorrem muitos desajustados.
Notória parte dos funcionários, para cá transferidos, já levavam vida
conjugal irregular em suas cidades de origem, a começar pelos altos
escalões do Governo Federal, inclusive membros do Congresso
Nacional. A quem observa ainda que perfunctoriamente a clientela e
os freqüentadores do Vale não escapa o apreciável número de
automóveis luxuosos, madames da sociedade, carros oficiais, etc.
Outros pontos e porquês tornam-se mais claros no capítulo
subseqüente que trata da hierarquia, Em resumo, seguindo o preceito
evangélico do não julgueis e não sereis julgados, não se exige
nenhuma forma de comportamento, mas o “Vale aceita a pessoa
como ela é, sem discriminação. Quanto pior for a situação do
paciente, tanto em relação a si mesmo como ao meio em que vive,
maior é a sua necessidade de ser recebido com amor e tolerância... O
Vale nada tem a ver com as pessoas fora do recinto... O cliente tem
direito a ser atendido e nada fica a dever, nem sequer a obrigação de
ser adepto da Doutrina... A única coisa que é exigida dos Médiuns é a
abstenção do álcool mesmo fora do recinto”... (Sassi 1977:15).

3. A Hierarquia no Vale do Amanhecer


Para melhor inteligência das “hierarquias celestes e terrestres”
na Doutrina do Amanhecer, faz mister lançar alguns esclarecimentos
sobre o reino dos espíritos, à maneira de como são analisados pelo
Mestre do Vale, cuja autoridade lhe vem toda da Clarividente. Passo
importante no Espiritismo e de inumeráveis conseqüências no
Mediunismo é o fenômeno da morte cuja trágica fatalidade buscam
minorar e esvair sob o eufemismo do desencarne. Não perder de vista
a distinção entre alma e espírito; este preexiste àquela que é criada
juntamente com o corpo, e a qual, após o desencarne, ainda
prossegue alimentando-se de energias da
Terra. Para o espírito que seria quase
eterno como Deus (antes e depois), a vida
encarnada neste mundo constitui nada
mais que um ‘curso na escola da Terra’
(Sassi 1974:28). Vejamos mais: “Para que
a alma subsista ao desencarne, ela se
separa do corpo físico, parte do sistema da
personalidade está concentrado... Como
não tem um corpo para seu sustento, ela
passa a se alimentar de outros corpos
(ectoplasma?) se isto estabelece o
relacionamento inevitável entre vivos e
mortos”. Daí consegue o Espiritismo
explicar um mundo de fatos estranhos,
geralmente meio misteriosos. O
desencarne pode suceder fácil ou difícil,
dependendo da maneira como o
agonizante viveu.
“O processo dura cerca de 24 horas,
no desencarne considerado normal, isto é,
que se dá por moléstia. Depois do último suspiro, ou seja a cessação
do processo metabólico, o espírito deixa o corpo e se coloca pouco
acima dele em posição inversa em relação à cabeça, se o paciente
estiver deitado em decúbito dorsal. A partir desse momento, começa a
absorção do acervo da personalidade que acaba de morrer. Na
medida em que o espírito vai recebendo os fluídos e emanações, ele
vai formando um novo corpo e este vai-se distanciando do cadáver.
Terminando o processo, o novo habitante do mundo invisível se afasta
e o corpo inanimado entra em decomposição. Neste mundo, o espírito,
com toda a bagagem, entra no estado semelhante ao indivíduo que
acabou de falecer. Ele ainda é considerado um cadáver, até que o
destino tomado lhe dê condição de ‘vivente’ do plano em que se
encontra” (p.29). No caso de desastre ou acidente, o desencarne se
realiza antes do ato traumático.
Então o espírito desencarnado dirige-se a um lugar ‘dimensional’
no Astral superior, denominado Pedra Branca, onde passa sete dias
– provavelmente anda este número sagrado, relacionado com as
missas de sétimo dia da liturgia católica. “Ali ele chora, maldiz,
rejubila-se, alegra-se ou entristece, na medida em que vai tomando
conhecimento do que lhe aconteceu. Seu despertar é o momento
solene do exame de consciência sem as distorções do mundo
sensorial e dinâmico”. Usando do Livre Arbítrio, em consonância com
a Doutrina do Amanhecer, decide-se o espírito por uma nova
encarnação, ou também pode rejeitá-la, evidentemente. Existe ainda
um outro local no Astral Superior, de nome ‘Canal Vermelho’, em tudo
parecido com a Terra, tendo Igrejas de diferentes credos, casas, ruas,
iguais às que o espírito conheceu antes de seu desencarne (Galinkin
1977:50). Aí ficam os espíritos pouco firmes na Doutrina, num
ambiente semelhante ao da Terra em que viveram.
Não é fácil penetrar toda teia emaranhada das divagações
espíritas, principalmente em se tratando de considerações de além
túmulo. Ainda estes últimos ensinamentos do Sr. Sassi (pp.29/30): ‘Se
cumpriu seu destino e exauriu seu carma, o espírito abandona o plano
físico e é levado para uma estação intermediária do etéreo, conforme
a falange ou família espiritual a que pertence. Nessas casas
transitórias, ele se prepara para voltar ao planeta de origem, onde
estava antes de vir a Terra. Devido às condições difíceis desse
período, o espírito é chamado sofredor. Esse estado pode durar
apenas alguns dias ou séculos. Isso depende Se o Mentor não
consegue encaminhá-lo logo após a volta da ‘Pedra Branca’, ele o
deixa entregue ao próprio destino, pois terminou sua missão junto
àquele espírito. Este se torna assim um espírito errante, que vai aos
poucos perdendo a identidade, atraído por outros espíritos nas
mesmas condições, nas macumbas e ambientes semelhantes
somente dele (grifo nosso). Neste mundo o espírito (encarnado) tem
de lutar e realizar-se ou entregar-se à fuga, ao suicídio lento, ao
parasitismo, tendo então que pagar dívidas após o desencarne.
Forçado a permanecer na Terra, ele se torna um sofredor. Mas a
misericórdia divina, ainda assim lhe dá novas oportunidades, pois
ninguém é abandonado neste mundo de Deus”. É interessante como
se desce a pormenores sobre elementos, até agora, meros frutos de
imaginação: “O espírito sofredor se alimenta das energias sutis e
fluídicas dos seres humanos, do ectoplasma colhido de plantas,
animais, trabalhos de macumbas e outras fontes desconhecidas dos
humanos. Possui um peso molecular variável com sua densidade.
Quando doutrinado e fluidificado a um ponto ideal, adquire leveza
suficiente para ser magneticamente levado para os postos de socorro
espiritual”. O Evangelho serve para tudo; o caso da legião de
demônios, narradas nos sinópticos (Mateus 8, Marcos 5, Lucas 8), que
se apossou de uma vara de porcos, merece esta exegese: “Naquele
tempo, haviam (sic!) tantos espíritos desencarnados, ainda na Terra,
que era comum um Homem ser portador de mais de um espírito,
havendo casos em que muitos espíritos habitavam o mesmo corpo,
como no caso acima” (p.31).
No mais, nunca se realce demais, a Doutrina do Amanhecer se
gloria de seguir à risca os preceitos do Evangelho, porque “o esquema
só funciona em sua plenitude quando sob seus auspícios” (p.32).

a) Hierarquia celeste

“Na hierarquia sideral existem todas as categorias de espíritos e


infinitos graus de evolução. A Terra é uma complexa Universidade,
com toda categoria de alunos. Uns vêm apenas completar o curso,
outros vêm para um aperfeiçoamento, outros para fazer um curso
completo” (Sassi 1974:38). A comprovação do mundo invisível e
espiritual é atestada na base da experiência pessoal e individualizada
e das revelações ‘Iniciáticas’. Embora admitindo os sete planos dos
grupos iniciáticos (cf. p. 35), a saber o físico, etérico, astral, mental e
os três planos crísticos ou búdicos (= pai, filho, espírito – Deus, Verbo,
Universo), pensa o Mestre Tumuchy (ib.) bastarem os três planos:
Físico (corpo), Psicológico (Alma), e Espiritual (Espírito). “O importante
é saber que o mundo invisível não é necessariamente o mundo
espiritual, da mesma forma que o mundo dos micróbios não é o
mundo das Almas, embora ambos sejam invisíveis aos nossos olhos”.

Deus – Inteligência cósmica, criadora e mantenedora do


Universo. O conceito de criação “ex nihilo”, do nada, não aparece
muito claro. Também se rejeita a doutrina católica da Santíssima
Trindade. Freqüentemente ocorrem explicações que levam ao
panteísmo, em que incidem inúmeras conceituações religiosas desde
que se afastem do ortodoxismo católico.

Jesus Cristo – Constitui figura extraordinária; embora invocado


e louvado como “Nosso Senhor” (uma das provas conclusivas de sua
divindade de acordo com a mentalidade semítica da linguagem
bíblica), não é Deus, pelo menos segundo o teórico Mário Sassi. A
Clarividente, todavia, na prática, o trata em paridade divina. Venera-se
por excelência como o mediador entre Deus e os homens, por sinal
doutrina eminentemente católica. Neste sentido Jesus é “Médium”, o
meio, o caminho. No livrinho Hinos Mântricos, dos 25 cânticos
consignados, 16 fazem referência especial a Jesus Cristo. Os hinos do
Doutrinador, da Consagração aos Mestres, da Junção, dos Mestres –
os mais solenes – destacam a figura do Nazareno, e que o “Divino
Seta Branca fica juntinho aos pés de Jesus”. No “Hino do Sofredor”
(p.16) Jesus é cantado como “Criador do Universo ” (Deus).

Maria – A Mãe de Jesus, ocupa lugar de honra na Tríade


iniciática: Deus-Pai, Jesus Cristo e a Virgem Santíssima. “Concebida
sem Pecado”, portanto, aceita-se o dogma católico muito recente
(1854) da imaculada conceição, bem como as tradições antigas de
que seus pais se chamariam Sant’ana e São Joaquim. No hino ‘Ave
Maria’ (p.22), fala-se até, em ‘adorá-la’. Donde se infere quão
enraizados se aconchegam no coração feminino de Tia Neiva os
ensinamentos católicos bebidos com o leite de uma Mãe fervorosa.

Pai Seta Branca – O índio, depois da “Tríade Iniciática”, ocupa


seguramente o primeiro lugar na Doutrina e Práxis do Amanhecer, o
que por outras, já consta suficiente na primeira parte desta pesquisa,
quando traçamos seu retrato. É o Mentor da doutrina, responsável
pela missão da “Corrente Indiana do Espaço no Planeta Terra”. É
“Divino”, é a Lei de Deus, a Luz, mas a grandeza quem concebe é
Jesus, que é também o Salvador. São Francisco de Assis seria uma
das encarnações do Indígena Andino, invocado no Vale sob o nome
de SIMIROMBA com a chave dos três dedos (polegar, indicador e
médio), simbolizando o Amor, a Tolerância e a Humildade.

Mãe Yara – É o pólo complementar do Pai


Seta Branca, com uma falange de Princesas do
Reino de Yemanjá. Este Orixá feminino, a mãe
d’água dos Iorubas, Rainha Yemanjá, parece ser a
Mãe de Yara que se tornou esposa, “pólo
complementar”, de Seta Branca. Mentora dos
Doutrinadores, destacando-se pela austeridade e
sobriedade nas palavras (Hinos Mântricos p.23).
Tem-se também na conta de uma reencarnação de
Santa Clara, irmã de S. Francisco de Assis. (Galinkin 1977:G1).

Vovó Marilú – “Velhinha encarquilhada, toda


feita de amor e luz” merece um hino (p.26).
Vovozinha ou, simplesmente, Vozinha do espaço, é
Mãe espiritual de Seta Branca, protetora especial
dos meninos e meninas do ‘Lar das Crianças de
Matildes’. Esses menores a imploram, e são
atendidos imediatamente; ai de quem os perturbar
ou causar-lhes algum mal. Algumas entidades
femininas da falange dos Pretos Velhos Indianos,
chamam-se do mesmo modo “Vovós”: Catarina,
Maria Conga, Cambina, Jurema, Maria do Oriente, e muitas outras,
encarregadas de conduzir as pessoas necessitadas ao Vale.

Tapir – Comanda a falange distribuidora das forças,


coordenando as operações da Doutrina do Amanhecer. Recebe
ordens do Comando Superior, que distribui ao corpo de Médiuns.
Parece muito relacionado com o Povorello de Assis (p.12).
Pretos Velhos Indianos –
Trata-se de espíritos que se
encarnaram em escravos africanos
ao tempo do Brasil Português e do
Império. Importa, entretanto, recordar
que a conotação afro-brasileira do
Vale se reveste de sentido amplo,
com raízes HIndus, sendo
alimentada atualmente sobretudo
pelas “reservas espirituais” das
cabeceiras do rio Nilo, coração da
África Tropical. Gozando hoje de um
“Estado de Luz”, são tidos os Pretos
Velhos na conta de Entidades de
comunicação, dialogam com
pacientes, dão conselhos... Eis-lhes
os nomes mais conhecidos: Pai
Joaquim de Angola, Pai Zé Pedro, Pai Tomás, Pai Joaquim da
Cachoeira, Pai João de Aruanda. Os Pretos Velhos apresentam-se
como Guias dos Aparás, cujo nome figura no escudo de cada
Médium. Lembrando a passada posição de escravos, “Têm uma
postura meio encurvada”, sacudindo a cabeça quando estão ouvindo
os ‘clientes’, fazendo um certo movimento com os dedos como se
fosse um leve tremor, às vezes tamborilando levemente a mesa,
lembrando os movimentos de uma pessoa idosa. Todas as ‘Entidades
de Luz’, incorporam com os dedos abertos, diferentemente dos
‘Espíritos das Trevas’, (sofredores) que incorporam com os dedos
crispados, à semelhança de garras e, algumas vezes, escondem as
mãos atrás das costas (Galinkin 1977:57). No plano espiritual a
escravidão negra teve “Sentido Iniciático, de eliminação da
personalidade e emersão da individualidade”, como ficou dito antes –
ver cap. De Pai Seta Branca - , trabalham nos ‘Tronos vermelhos’, dão
consulta nos ‘amarelos’, e deitam a bênção final na ‘Linha de Passes’,
a última repartição à saída dos Templos. Sua roupagem, como a dos
‘Caboclos e Médicos’, é das mais humildes que um ‘espírito de Luz’
pode trajar. Outros elementos, para melhor inteligência da escravidão
negra no Brasil, serão fornecidos na 3ª parte, sobre a liturgia.
Caboclos – Reencarnações de
espíritos indígenas com funções
análogas às de Pretos Velhos, um
pouco mais rudes e fortes quando
incorporados. Alguns nomes
masculinos: Tupã, Sete Flechas,
Caboclo das Pedreiras,
Tupinambá...Femininos: Cabocla
Jurema, Janaína, estas com grandes e
belos retratos nos painéis do Templo.

Médicos do Espaço ou
Espirituais – Formados em Medicina
na Universidade do Espaço. Eis alguns
nomes famosos na história: José de
Arimatéia, Juliana Lindemberg,
Eurípedes Bastos, Dr. Fritz (Zé Arigó
em Congonhas, Minas Gerais), José
Sarrasseno, Ana Maria, José Queirós – Segundo Galinkin (1977: 59).
Mas corrige M. Sassi: Espíritos não trabalham no Vale do Amanhecer,
pois pertencem à falange dos Kardecistas. Informação pessoal, em
20-2-78.

Capelinos – Do ‘Planeta Monstro’, a estrela Capela,


extraordinariamente evoluídos, com a missão de auxiliar os
“encarnados” cá na Terra. “Entidades de Luz”, incorporam-se
raramente e só em Médiuns ou na Clarividente Tia Neiva, que
conversa com eles, sendo mais conhecido o de Johnson Plata (Sassi,
2000 a Conjunção de Dois Planos, 1976: 112). Por aí se sabe que
Tiãozinho, o Mato-Grossense Sebastião Quirino de Vasconcelos,
afogado juntamente com sua ‘alma gêmea’ Justininha, por volta de
1927, que Tiãozinho se tornou no Capelino Stuart. Seu retrato acha-se
entronizado à esquerda do Altar do Pai Seta Branca, sendo invocado
para resolver “situações intrincadas”, uma espécie de Santo Antonio
Casamenteiro. Em sete anos de trabalho com Tia Neiva, “graduou-se
como Engenheiro Sideral, especialidade do mundo espiritual que trata
de problemas planetários” (p.113). Além disso possui astronave
própria de nome “Chalana”, e comanda uma nave-mãe “estufa”.
Como “capelino” ele se chamava Stuart, responsável pela Torre
de Desintegração, por onde devem passar os corpos enviados da
Terra, para serem transformados em matéria etérica. E nesse teor e
estilo complica-se mais e mais a ‘hierarquia espiritual’.

Espírito
das Trevas –
O Inferno não
existe para os
teóricos do
Espiritismo,
por não terem
clareza
suficiente do
conceito
eternidade.
Até o Diabo
vai salvar-se.
Ana Lúcia
Galinkin
(1977:62) nos
informa sobre
estes
espíritos: “São
de diferentes
tipos e
organizam-se
também em
falanges de
sete, com um líder. Cada um destes sete por sua vez, é líder de outros
sete, e assim indefinidamente, mas não existe um líder supremo. São
chamados espíritos das trevas, porque vivem na escuridão, não
enxergam e nem ouvem e não conhecem o Amor Crístico. São
densos, não possuem a fluidez própria dos espíritos de Luz. São
pouco evoluídos e recebem o nome genérico de Sofredores, porque
vivem a vagar e sofrem na Escuridão. O seu contacto com os
encarnados é sempre prejudicial, trazendo doenças e perturbações de
várias ordens, mas este contacto é necessário para estes espíritos,
porque eles se alimentam do ectoplasma (sic!) do encarnado”.
Provocam obsessões, donde a denominação de espíritos
obsessores. Ainda há os Elítrios – em sua última encarnação
submetidos a torturas e mentais, morrendo em estado de ódio; tomam
até, forma de “cabeça de macaco”. Os cobradores – que convivem
com pessoas perversas e, agora, vêm-lhes “cobrar” os prejuízos
causados. Isto acontece muito, principalmente aos filhos em relação
aos pais. Os Exús – noutra encarnação foram intelectuais, rejeitaram
a doutrina do amor e do perdão. Aceitam a Deus, mas negam a Cristo.
Líderes no plano espiritual. Nos Hinos mântricos canta-se um especial
ao Sofredor, abandonado à mercê de nossas percepções. São os
sofredores, filhos de Deus e nossos irmãos, que por falta de
compreensão foram lançados na escuridão. No final do Hino lhe é
pedido que não “Peque”, esquecendo-se da doutrina espírita cujo
dicionário ignora o termo “pecado”, e mais ainda da gramática
portuguesa: “Siga, Siga (3ª pessoa), não peques (2ª pessoa) mais te
peço eu / Nesta Corrente Indiana, Siga com Deus!”.
Resumindo, os “Espíritos da Luz” moram em lugares apropriados
do Astral Superior, enquanto os “Das Trevas”, vagam surdos num
reino de escuridão. No “Limiar do III Milênio, Mário Sassi (1974:69-79)
consagra todo um capítulo ao fenômeno das obsessões. A mais
comum é a “obsessão por desencarnado” causado pelos
“cobradores”. Obsessão por “falanges” através de espíritos afins,
“geralmente em número de sete ou seus múltiplos” (p.72) que
“efetuam uma cobrança de algo que lhes foi feito coletivamente por um
único indivíduo”. Obsessão licantrópica (dos lobisomens, como diz a
palavra grega licantropia), dos doentes mentais que se julgam
transformados em lobos. Marcante presença dos malvados elítrios,
“condensados em ódio”. Obsessão epilética com origem num ou mais
elítrios, tornando-se obsessiva quando aqueles “espíritos” atingem o
cérebro do paciente. Obsessão possessiva , em que “o espírito se
liga ao indivíduo pela afinidade vibracional, usando os plexos nervosos
como pontos de contacto... o obsessor desdobra uma parte de si
mesmo e penetra na metade do corpo do paciente” (p.75), o que é
freqüente entre os vivos. Desconforto físicos e dores indefinidas na
perna, constituem os indícios da enfermidade. Depressões, sentimento
de culpa, arrependimento, revolta,
nomeadamente à noite.
Obsessão do próprio espírito, em
que “o agente possessor é o
próprio espírito do paciente”
(p.76); comum entre intelectuais
“que se adaptam a uma linha
unilateral de pensamento”,
chegando-se a esquizofrenia que aumenta quando o paciente ouve
seu próprio nome. Obsessão religiosa, originada “em geral da
educação religiosa, divorciada da educação comum para as coisas da
vida”. Neste contexto exaure seu Mário (p.77) os recalques de antigas
frustrações e irrealizações pessoais de católico atuante que era:
“Obsessão religiosa é a escravidão espiritual em suas várias
modalidades de expressão, a prova mais contundente de
antropomorfismo aplicada às coisas do espírito. Deus feito à imagem e
semelhança do homem. São conceitos de bem e mal, o bom e o mau,
o positivo e o negativo, particulares da Terra com um aval forçado do
Deus Universal, o Inconcebível”. Os obsessores desta ordem assistem
numa região do plano etérico da Terra, denominada pejorativa e
tendenciosamente nos meios iniciáticos como “Vale das Sombras”.

Sobre a desobsessão, trabalho fundamental do mediunismo e,


praticamente, a razão de ser do Vale do Amanhecer, falaremos mais
de esmiuçado no capítulo das ‘curas’. De agora, entretanto, não
deixamos ao menos de apontar a básica contradição interna da
“Doutrina do Amanhecer”, pelo menos como sistema filosófico-
religioso: pois, se de um lado o ‘Intelectual do Vale’ profliga tão
veementemente os antropomorfismos subjacentes às principais
manifestações religiosas até hoje conhecidas, de outro lado ele,
intérprete ‘oficial’ das doutrinas da Clarividente, só escreve e
prescreve, todo o tempo, formas externas de religiosismo em
divagações prodigiosas por mundos espaciais de que nenhuma
Ciência tradicional dá notícia, idéias concretizadas numa ‘liturgia’
sincretista, rica de gestos e cerimônias, dignas de figurar entre os
cultismos mais primitivos da história humana.

b) Hierarquia terráquea

O leitor atento deverá ter percebido quais os personagens de


fulcro, reencarnado entidades históricas, que formam a cúpula
hierárquica no Vale do Amanhecer. Em primeiro lugar a Clarividente
Neiva Chaves Zelaya, de liderança única, gozando da lealdade
pessoal dos ‘adeptos’ que confiam inteiramente em seu carisma de
instrumento e transmissora dos planos do Pai
Seta Branca no sentido de preparar a
humanidade para o ingresso próximo no III
Milênio.
Ao lado de Tia Neiva, teoricamente abaixo dela mas, na prática,
representando papel de suma importância na divulgação da
“Doutrina”, coloca-se o intelectual e secretário da Ordem
Espiritualista Cristã, Mário Sassi, Mestre Tumuchy. Recorde-se que
os Tumuchys eram missionários, com existência há 30 mil anos
passados, “cientistas”, construtores de pirâmides e outros edifícios
megalíticos. Foram sucedidos, entre 25 e 15 mil anos passados , pelos
Jaguares, mais numerosos que os Equitumans e Tumuchys. Os
Jaguares criaram o sistema social (‘manipuladores das forças sociais’),
deixando marcas em todos os povos, donde o fato de a figura do felino
onça aparecer em tantos monumentos antigos, naturalmente
consoante afirmações do Sr. Sassi (1977:16). O cacique Seta Branca
pertencia à tribo dos Velhos Jaguares, reencarnando ultimamente em
São Francisco de Assis. E a falange do índio ‘Jaguar’escolheu para
atuar, nesta derradeira etapa da Escola do Caminho (Cristianismo,
Sistema Crístico), a Clarividente Neiva, “devido ao seu preparo
milenar”, tendo já passado por várias encarnações. Tia Neiva não é,
pois, uma reencarnação do espírito de Seta Branca, mas recebe dele
e “transmite instantaneamente todas as ordens, pois se comunica
conscientemente” com todos os planos do Sistema Crístico
(Fascículo 2, 1977:65-66). Neste último meio século outros espíritos
da falange de Seta Branca se reencarnaram, reunindo-se em torno
Dela.
Isto esclarecido, entendemos que tanto Mário como Tia Neiva
são “Mestres Jaguares”, Ele Sol e Ela Lua, esta com a falange de
“Nityamas, Magos e Aparás”, aquele com os “Doutrinadores”. E assim
terminaria propriamente toda a Hierarquia do Vale do Amanhecer.
Cumpre reparar, entretanto, que tanto Tia Neiva como Seu Mário
não se deixam ensamblar em nenhuma ordem de categorias, por isso
que não possuem falanges nem pertencem a nenhuma delas. Ele
concentra em si mesmo todo o corpo mediúnico do Vale do
Amanhecer, é o Mestre Sol Jaguar número um e único no renque dos
Doutrinadores.
Aparentemente não
transfigura nenhuma
graduação ou ordem de
governo. Através das
funções e, sobretudo, dos
uniformes e vestes, é que
se percebe alguma coisa de
‘Classes’. Este assunto, porém, trata-lo-emos no capítulo seguinte da
‘Liturgia’, que também se altera com freqüência, tendo-se em conta
que tudo anda ainda pelos começos e ensaios. E observe-se: sobre
descenderem de ciganos, como querem e julgam, nômades irrequietos
por natureza e destino; Mário e Neiva, mais o corpo mediúnico do
Vale, tropa avançada do exército de Seta Branca, recebem “Todas as
ordens e instruções do Comando e as executa de acordo com os
planos de trabalho. Isso explica porque o Ritual e os Templos vão
sendo construídos e modificados com tanta rapidez. Entre 1959 e
Planaltina – Brasília.
1976 foram construídos 8 Templos, Rodovia6- DF-
dos15 quais já foram
UNAÍ – demolidos”
MG.

(Fascículo 2, 1977:66).
Para os trabalhos no Templo, com início pelas dez horas da
manhã, forma-se uma certa “ordem” de atribuições, todavia mais em
função dos serviços a serem prestados: Presidente Geral e Presidente
do Dia que supervisionam os demais Presidentes dos: Tronos
Vermelhos e Amarelos, da Cura, da Linha de Passes, da Indução e da
Junção. Desses talvez merecesse destaque o presidente da Mesa
Triangular, sem esquecer o do “Radar de Comando” que vigia de
maneira global tudo o que se passa no interior do recinto sagrado.
Abaixo de cada uma dessas secções estão os “Aparás” e
“Doutrinadores”.
Gráfico I – Vale do Amanhecer em 1977 / 78.

LESTE

A A 6
9

8 7

1
11
3
5 Pombal 10
4

NORTE 2 SUL

TEMPLO.

A – Muros .
1 – Residência de Mário e Tia Neiva.
2 – Castelo das Mensagens.
3 – Creche.
4 – Estrela de concreto armado.
5 – Toca do Pequeno Pajé. – Estrela Candente.
6 - Futebol.
7 – Rodoviária.
8 – Oficinas Mecânicas.
9 – Escola.
10 – Casas de alvenaria.
11 – Residências dos Médiuns. + ou – 500 metros p/ a “extensão do
Templo” ou “Estrela Candente”.
OESTE .

Nota: Estes dois Gráficos ilustram a descrição do “Vale do Amanhecer “ (Gráfico I), e o “Templo do Vale” (Gráfico II).
Esta descrição saiu em o Nº 93 / 94 de ATUALIZAÇÃO.

GRÁFICO I I NASCENTE.

Linha de Passes Sirene.


e Memorial . ENTRADA.

Leito das forças


Decrescentes.
Oráculo da Cruz Anteparo Secretaria
Do Caminho. Cabala
Castelo dos
Delfos.

Pai Seta Branca Castelo


Mãe Yara. dos
Devas.

Defumador Divindades
de mescla inferiores
do campo. da Índia.
Oráculo
de Pai Radar.
Seta Elipse (Comando)
Branca. Meias
Luas.

Mesa Evangélica.
NORTE Presença DIVINA.
SUL .

Castelo 00
da Água. Pira. Castelo dos
Indução. Aparás.

Jesus Cristo o Caminheiro Sala de


Espera.
“Tronos”.

Castelo Fig. Tiãozinho. Fig. Mãe Tildes.

ALTAR DE PAI SETA BRANCA


96 METROS. dos

Doutrinadores. Castelo da Junção Sala das Curas.

Castelo da 1ª Iniciação Aparás.


de
Médiuns.

POENTE.
TEMPLO – VALE DO AMANHECER – BRASÍLIA – DF. 1977 / 78.
ANTROPHOS DO BRASIL

PARTE 3

I I I . A LITURGIA DO VALE

Conjuntura ímpar, facultada pelo Vale do Amanhecer ao


pesquisador, é dispor de um informante intelectualmente preparado,
pessoa equilibrada e aberta a profícuas discussões em todos os
campos de “seu Reino Espiritualista”, o Sr. Mário Sassi, sempre pronto
e lesto, paciente em esclarecer, sem se alterar, nos pontos de
inumeráveis dúvidas com que se defronta alguém interessado em
penetrar os escrínios daquela organização. Apesar das incessantes
mudanças, levantadas com freqüência pela Clarividente sobre planos
e realizações da Ordem Espiritualista Cristã, o secretário-geral vai
conseguindo coordenar todo um sistema ideológico extremamente
complexo sem resvalar em aparentes e desagradáveis contradições.
Mercê de sua benevolência, é que este despretensioso estudo vem
assumindo um caráter de inesperado aprofundamento não previsto de
início.
Ao redigir esta terceira parte (fins de
fevereiro de 1978), chegaram-me ao
alcance mais algumas fontes escritas
sobre a Doutrina do Amanhecer, que
serão, evidentemente, aproveitadas e
emalhetadas no presente contexto,
embora alguns desses dados se
enquadrassem com melhor propriedade
em capítulos anteriores. Além do
material impresso, temos também o
falado, continuamente renovado através
de longos e contínuos contactos com o
Vale em demoradas conversas com M.
Sassi e Tia Neiva. Possuímos os
folhetos com as mensagens de fim de
ano do Pai Seta Branca, em 31 de Dezembro de 1976 e 1977, ambas
perpassadas de terrores apocalípticos, cabendo aos “Jaguares do
Amanhecer”, escudados por Jesus a heróica missão de impedir “a
força dos irrealizados cavaleiros milenares, que vem cavalgando na ira
de uma vingança desproporcionada”. Os adeptos do Vale serão “os
primeiros conquistadores do limiar do Terceiro Milênio”. A mensagem
de 1977, além dos cavaleiros apocalípticos “da guerra, da discórdia,
das enfermidades”, registra uma frase de conceitos discrepantes (os
grifos são nossos): A fé sem a Ciência é o perigo iminente do espírito
empreendedor nesta Era Atual, enigma intraduzível do homem
piedoso, inseguro, que, distante da crença, é lançado às velhas
estradas, destruindo sua personalidade, renunciando às conquistas e
permanecendo em suas crenças, perdendo-se na busca real do
caminho, e se distanciando de suas origens e de seus mundos
colonizados”. Avalie-a o leitor mesmo.
Todavia a aquisição de maior vulto foi a do “Manual de
Instruções, para os Médiuns da Corrente Indiana do Espaço”,
impresso no Serviço Gráfico do Senado Federal em 1972. Trata-se da
1ª edição impressa, já que uma mimeografada correra em 1970 com o
novo Título NO LIMIAR DO III MILÊNIO, arrolada no começo deste
estudo. O cotejo das duas edições impressas, assume valor peculiar
por apresentarem modificações de monta na Doutrina do Amanhecer,
o que se aduzirá nos respectivos contextos.
A missão primordial do Vale identifica-se com prestar
atendimento sobretudo espiritual aos necessitados de alívio,
propiciando ao “homem angustiado e inseguro, uma explicação de si
mesmo e um roteiro para sua vida imediata” (Sassi 1977:2). Portanto
faz-se mister uma palavrinha inicial sobre as doenças e suas possíveis
causas que os “liturgos” da Tia Neiva procuram, através de energias
mediúnicas, detectar e sanar. Doença é falta de saúde, anormalidade
física ou psíquica, que perturba o estado da pessoa. “As alterações
psicológicas tanto podem ter sua origem num fato expresso
conscientizado, como num fato inconsciente ou subliminar” (Sassi
1974:57). Nem a medicina tradicional nem a psiquiatria conseguem
explanar satisfatoriamente os mistérios do inconsciente e
subconsciente, donde a necessidade das práticas mediúnicas que
desta ou daquela maneira, são cumpridas na quase totalidade das
religiões conhecidas.
Teriam as enfermidades, pela teoria do Amanhecer, sua etiologia
num plano invisível, no campo do plano físico. O espírito como tal se
acha isento de doenças, mas pode ser portador delas. “Ao reencarnar,
ele traz, na sua ‘memória’, o esquema de outras encarnações e se
liga, pelos corpos invisíveis, aos déficits energéticos de sua ‘cota’ e
procura fazer ressarcimento” (ib.). Sob este aspecto o mal-estar passa
a ter sentido educativo, como parte do mecanismo cármico, e coerente
com a situação atual do planeta. Neste argumento, além da conhecida
tríade corpo-alma-espírito, insiste o intérprete do Amanhecer na
existência do livre arbítrio que, neste caso, significa o pleno uso da
razão (pp. 58/59). Uma criança que ainda não atingiu o uso da razão,
quando doente, causa mais sofrimento a seus pais e parentes que a si
mesma. A morte “em nada afeta seu espírito, mas atinge muito o
espírito dos pais”. Os menores de idade “não têm vida mediúnica da
mesma forma que não têm autonomia sócio-econômica”. Somente os
adultos possuem “livre arbítrio em condições de viver uma dor” ou
evitá-la pelo trabalho espiritual. Deixando o campo espiritual das
enfermidades cármicas, até “programadas”, ocorrem também outros
fatores, cármicos de algum modo, provocadores de doenças, como
sejam: “viver numa região insalubre ou trabalhar em condições” que
lhe são favoráveis, não se perdendo de vista ser a “Terra um Planeta
de retificação dos espíritos, e os destinos particulares de cada
espírito”.
Esgotados os
recursos médicos
para os males
físicos, mentais e
sociais, busca,
então, o paciente
angustiado alívio
junto ao espiritismo
que lhe acena com a
solução pelo fator
transcendental,
aspecto em que o
doente passa a ser
visto como um reencarnado, com existência antes do nascimento
neste mundo e – depois de morto. De per si deveria o espiritismo
circunscrever-se ao campo afeto aos fatores transcendentais, mas na
realidade as enfermidades se confundem, dada a unidade do ser
humano. Concluem seguros os espíritas que o mediunismo soluciona
o problema, apresentando-se como “traço de união entre a Ciência
Médica e a Ciência Espiritual” Sassi (1972, Manual de Instruções, p.
32).

Regra geral, no Vale do Amanhecer, entram em tratamento


exclusivamente as enfermidades de ordem espiritual, não se dando,
sequer, diagnóstico de doenças comuns de etiologia física, e menos
ainda medicamentos de qualquer espécie. Aos clientes que o
desejarem, recomenda-se o uso interno de água “fluidificada”,
existente em algumas torneiras ou bicas , montadas próximas à saída
do Templo, na Fonte de Iemanjá. “Em todos os casos sempre se
sugere que o paciente procure o médico, ou continue com o
tratamento que porventura esteja fazendo... Se o cliente apresenta
sintomas de mediunidade excessiva, é aconselhado o seu
desenvolvimento, porém sempre é chamada sua atenção que isso
tanto pode ser feito aqui como em qualquer outro lugar de sua
preferência” – recomenda o intelectual Sassi (1977:9).
* * *
Falou-se pouco ainda de crianças e menores de idade, sem
pleno uso da razão e, por isso, incapazes do fenômeno mediúnico.
Ora, no Vale do Amanhecer moram regularmente duas centenas de
meninos e meninas, em parte órfãos meio abandonadas, acolhidas
carinhosamente por Tia Neiva sob a égide da entidade jurídica LAR
DAS CRIANÇAS DE MATILDES, registrada em cartório a 15 de
dezembro de 1966 e no Conselho Nacional de Serviço Social, com a
declaração de utilidade pública pelo Governo do Distrito Federal. Com
razão se há de perguntar: qual a educação religiosa que o Vale
ministra a este mundo infantil até a entrada dos 14 anos de vida?
Da mensagem nº 6, de 1976, “O Pequeno Pajé”, colhemos os
tópicos principais desse parágrafo, abordando aspectos pedagógicos
bastante interessantes. Ao norte do Vale (ver planta em anexa) existe
a “Toca do Pequeno Pajé”, que está sendo transferida para perto da
creche, mais ao alcance das crianças. Trata-se de uma organização
paralela às atividades do Templo, destinada “a ambientar as crianças,
até os 14 anos de idade, com a atividade mediúnica”, sem praticá-la
propriamente, por causa de ‘seus aspectos angustiados’. No mais,
trajam uniformes parecidos com os dos médiuns, “fazem o seu
trabalho”, recebem passes, são tratados pelos mentores espirituais,
etc,... “Tudo sem falar em mediunidade, espiritismo ou religião” –
Insiste o folheto, p.6. Ouçamos mais a fundamentação desta atitude:
“A energia mediúnica é produzida na intimidade dos ossos, na medula,
‘no tutano’. Desde a formação do feto humano, até mais ou menos 7
anos de idade, essa energia se dilui no organismo, de tal maneira que
toda criança é um ‘médium natural’. Esse fenômeno varia de criança
para criança, dependendo de fatores complexos que circundam cada
uma, mas, de modo geral, todas ‘vêem’, ‘escutam’, ‘tocam’ o mundo
invisível... Os sentidos vão-se desenvolvendo e se firmando e, nessa
proporção vão diminuindo as percepções do mundo invisível até
desaparecerem por completo na faixa dos 7 anos”.
No que tange à candente questão
se à criança deva ser, ou não,
ministrado algum tipo de religião,
responde M. Sassi (p.9): “Sim, é lógico
que as crianças devem ter uma
religião. Mas essa religião deve ser tão
natural, tão lógica que ela não tenha
que abandoná-la tão pronto se sinta
adulta... Essa é a ‘nossa’ religião, um
aspecto particular e único da nossa
formação multidimensional, a
necessidade de relacionamento com
outros planos de nosso universo
particular, a busca do ‘nosso Deus’.
Transpirando possivelmente recalques de sua vida pregressa
com experiências e desilusões dos fervores da mocidade, conclui
seguro o intelectual do Vale que somente o tipo de “religião natural”
proposto, poderá poupar à criança a “angústia de ter que se libertar do
logro”, a ela impingida na infância.

1. Sacerdócio mediúnico.
Num dos primeiros contactos pessoais com Mário Sassi, foi ele
dizendo que sua vida no Vale do Amanhecer era como de um
sacerdote, dedicado inteiramente, dia e noite, ao serviço dos
necessitados. Tanto o Intelectual como a Clarividente levam realmente
uma vida pobre, repleta de desprendimentos, cheia de sacrifícios e
mesmo de angústias financeiras, pois não é nada fácil manter obras
sociais e de assistência espiritual gratuitas sem rendas financeiras
estáveis, dependendo-se de dotações oficiais e da boa vontade dos
médiuns.
Todo o trabalho do Vale se baseia na mediunidade, técnica de
manipulação de energias espirituais de origens e conteúdos ainda
pouco precisos e determinados do mundo psíquico. Estas forças extra-
sensoriais parecem alimentadas pela própria energia animal do
organismo, recebendo as denominações de ectoplasma, fluído ou
magnético animal. A mediunidade constitui uma “arma de Deus”, uma
espada de dois gumes, que defende mas também pode prejudicar a
quem dela faz usos indevidos, é um “espinho atravessado na carne”.
Cada ser humano carrega consigo um “turbilhão de energias”, de
forças desconhecidas, uma combinação de fatores diversíssimos e
incalculáveis que o tornam único e incomparável em sua
individualidade. Em antropologia dizemos: cada homem constitui um
mistério ou enigma a ser estudado e considerado à parte. A Doutrina
do Amanhecer mostra preferência pelos termos “indivíduo,
individualidade”, procurando eliminar o de “personalidade” mais ao
saber da teologia aristotélico-tomística para as explanações do
mistério de Deus Uno, e Trino nas pessoas.
O Vale só conhece duas “classes” de médiuns: Doutrinadores e
Aparás, os primeiros caracterizados pela “tônica cerebral”, oriunda na
predominância do sistema nervoso ativo, os Aparás com a tônica
neurovegetativa das regiões inferiores do corpo, aptos para os
fenômenos da incorporação. Tanto um, como o outro, operam em
qualquer tipo de trabalho do Templo, e é de acordo com isso que
recebem um “guia assistente”. Os guias dos Aparás no plano espiritual
acima da faixa reencarnatória, chamam-se espíritos de luz, preparados
em escolas para se manifestarem como “Pretos-Velhos”, “Caboclos”,
“Médicos”, etc. Um mesmo médium exercita a função nos “Tronos”
com seu Preto Velho ou Preta Velha, na Linha de Passe com seu
Caboclo, ou na Sala de Curas com seu Médico.
Os Doutrinadores possuem, do mesmo modo, seus guias mas
com outra ordem de idéias, de vez que lhes cabe a responsabilidade
total do trabalho durante a manipulação mediúnica. Seus guias são as
sete Princesas, de que houve fala no capítulo do “Pai Seta Branca”,
“espíritos fidalgos, são os que se preocupam com o sentido doutrinário
da Lei de Jesus, os que ensinam a pescar”. As 7 princesas, todas
crioulas ou mestiças, com exceção de Janaína que é portuguesa, têm
nomes de origem indígena: Iracema, Iramar, Janaína, Janara, Jandaia,
Jurema e Juremá; Janaína denomina outrossim, Iemanjá, origem
africana, mãe d’água dos Iorubas, correspondendo às várias
invocações de Nossa Senhora no culto Católico.
No Vale do Amanhecer sobressaem três categorias de pessoas:
os clientes, pacientes ou doentes, os Aparás como instrumentos de
comunicação dos espíritos e os Doutrinadores, que são os
responsáveis pela pureza da comunicação, ou seja desse intercâmbio
espiritual. Para uma mais profunda inteligência do fenômeno
mediúnico, damos o esquema das funções psicofísicas como
aparecem no Manual de Instruções (1972, página 21) :

Chacras, Plexos, Órgãos e Mediunidade


A rede nervosa é um intrincado de ramificações que atingem
todo o corpo humano. Em determinadas regiões, eles formam centros
de distribuição chamados plexos. Os plexos ligam-se a centros do
perispírito chamados chacras. Chacras, plexos conjugados alimentam
órgãos e escoam a produção mediúnica.

Chacra. Plexos. Órgãos. Mediunidade.


Cardíaco. Hipófise.
Frontal. Cavernoso. Olhos. Vidência.
Ouvidos. Audiência.
Nariz. Olfativa.

Laríngeo. Cervical. Língua. Fonação.


Laríngeo. Ouvidos. Audiência.
Laringe. Fonação.
Faringe. Fonação.
Coração.
Pulmões.

Umeral. Braquial. Espáduas. Psicografia.


Braços. Automática ou
Antebraços. Semi-Automática.
Mãos. Passes.

Cardíaco. Braquial. Coração. Passes.


Pulmões Irradiação.
Pericárdio.

Estômago. Sofredores.
Solar Fígado. Magia – Negra.
Umbilical. ou Rins. Obsessão.
Epigástrico. Ovários.
Testículos.
Baço.
Pâncreas.
Bexiga.

O termo chacra ou chakra não vem registrado no vocabulário


usual. Plexo, conhecido na Anatomia, é uma rede de filetes nervosos,
vasculares, entrelaçados em muitas ramificações. O esquema nos
mostra os diversos matizes da mediunidade: os mais equilibrados
como os doutrinadores nas partes superiores do corpo, os sublimes na
região do coração, e os das “sofredoras” na região inferior do corpo.
Com isso temos quase uma dúzia de tipos mediúnicos, cujos apelidos
principais são:
1) Sofredor - de funções ventrais mais complexas;
2) Passista - no Plexo Cardíaco;
3) Psicógrafo – Plexo branquial: ouve e vê enquanto sua mão
escreve (caso de Chico Xavier) ;
4) Audiente – Vozes na cabeça, de aproveitamento difícil;
5) Comunicador – Plexos cervical e laríngeo com muita fala;
6) Vidência ou Clarividência – No caso de Tia Neiva, em que o
fluxo ou fluído magnético ativa os plexos cardíaco e cavernoso,
formando-se uma imagem no cérebro com traços subjetivos; é fácil de
aproveitar-se desde que o vidente seja criterioso e honesto;
7) Do olfato - Com que os médiuns percebam cheiros do plano
Etérico e Astral: “Espíritos de luz trazem perfumes de flores; Espíritos
inferiores trazem cheiro de enxofre...”
8) Mediunidade de Transporte –
Durante o sono o espírito, se afasta do corpo
físico: “Sonhar é enquadrar em imagens da
experiência, as coisas estranhas que o
espírito faz fora do corpo”. Ultimamente o
Vale vem-se dedicando de modo particular
ao problema de explicar e interpretar o sono,
crendo o Sr. Sassi que trará muita novidade
a respeito disso.
9) – Médium de efeitos físicos - Em
que o fluído produz modificação na matéria
física, exterior a seu corpo, sem
incorporação; “com esse fluído, pode-se
materializar ou desmaterializar, mudar padrões vibratórios e
magnéticos, transportar objetos, produzir ruídos, etc”. (Sassi 1972:31);
10) – Médium Doutrinador - Portador de fluído especial,
elaborado no cérebro, “no sistema mental concreto”... “emitido pelos
órgãos sensoriais superiores e pelas pontas dos dedos das mãos”;
não sofre pressão alguma nos plexos inferiores abaixo da cabeça,
pelo que não apresenta sintomas de incorporação ou perda de
consciência; constitui-se no médium por excelência, responsável pela
autenticidade do fenômeno mediúnico; por se não desonerar
normalmente de suas cargas sidero-magnéticas, leva vida
desequilibrada, angustiada, descrente, dominado por agressividades
ou passividades excessivas: Dores de cabeça, distúrbios digestivos,
incômodos cardíacos, geralmente sem remédio no quadro da medicina
comum; o que tudo parece refletir recalques e experiências pessoais
de seu Mário e Tia Neiva. Já que na Doutrina do Amanhecer este tipo
de Médium representa papel preponderante, recolhamos mais estes
informes em que transparecem traços pessoais do ‘intelectual’.: “Por
tendência natural, o Doutrinador tem interesse na cultura intelectual.
Tenha escolaridade ou não, ele absorve sempre os aspectos
intelectivos do meio em que vive. Sua apresentação, pois, é cheia de
justificativas e demonstrações de conhecimento. No seu arrazoado,
predomina a análise racional, com tendências ao cerebralismo.
Revela-se então, verdadeiro bloqueio da recepção espiritual. O
excessivo racionalismo, é empecilho ao contacto com o
transcendental. Sua alimentação intelectual é horizontal, isto é, nutre-
se de idéias elaboradas por si e ou por outros, justifica tudo
dialeticamente em contínuo transformismo, sem nada criar. Em
resumo: Ele não sabe mediunizar-se”. (Cf. Sassi 1972:26-28).
Destarte deve o Doutrinador submeter-se a certa
“desassimilação intelectual”, despreocupando-se totalmente do
aprendizado habitual de leituras, experiências e pesquisas, e
recebendo apenas as informações necessárias à técnica da
mediunização. Atente-se às muitas vezes mencionada distinção entre
personalidade e individualidade, para compreensão do arrazoado
subseqüente : “No estado normal, sob o domínio da personalidade, o
doutrinador manifesta seu temperamento, sua cultura e seus
preconceitos. Ele aborrece. Ao mediunizar-se, porém, ele entra em
sintonia com sua individualidade, o repositório de sua experiência
milenar, seu Eu superior, seu Cristo Interno. Seu Mentor e seus Guias
encontram então acesso à sua “psiquê” e trazem suas vibrações
benéficas ao ambiente. Há verdadeira Transfiguração” (p.29). A
presente asserção sugere reminiscências nos líderes do Vale, das
doutrinas Católicas, da especial presença de Deus Uno e Trino nas
pessoas em estado de graça santificante. Nomeadamente Tia Neiva
confessa de público que crê no mistério da Santíssima Trindade e,
coerentemente, na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Já seu
Mário diz que Cristo é “Divino”, como todos nós o somos, no sentido
de sermos participantes, fagulhas de Deus. No caso, Jesus de Nazaré
teria sido a máxima manifestação de Deus, na história dos Espíritos: e,
assim, se retorna outra vez à mais antiga das comemorações cristãs –
à Epifania do Senhor, à manifestação de Deus aos Homens.
Neste contexto afigura-se sincera a afirmação do Sr. Sassi
(1974:51) de ser o Evangelho o mais completo manual de vida, no
qual “qualquer espírito em trânsito na Terra poderá encontrar todas as
condições para o melhor aproveitamento de sua estadia no Planeta”.
Existe, todavia um Evangelho Vivo, “orientação Crística que é
ministrada a todos os seres humanos da Terra e que não depende
exclusivamente da transmissão pelos sentidos, seja falada ou escrita”.
Aí, ele se insurge contra a exegese bíblica e as tradições
eclesiásticas, interpretação autêntica da Mensagem, monopolizada
pela Igreja que se considera senhora única da Revelação. O que ainda
fica mais ilustrado nesta frase: “O Evangelho Vivo, é uma luz potencial
que reside, faz parte intrínseca do organismo de todos os espíritos,
que habitam o Sistema Solar e, talvez, de outros sistemas”.

Enumeram-se sete, as funções do Doutrinador:

1ª - Aprender, interpretar e conceituar a doutrina praticada pelo


grupo mediúnico;
2ª - Organizar, administrar e desenvolver os médiuns;
3ª - Abrir e fechar os Trabalhos;
4ª - Assistir e controlar a todo e qualquer trabalho de
incorporação;
5ª - Interpretar as situações dos Médiuns quando incorporados:
Se, tratar-se de
Mentor ou Guia, atendê-lo respeitosamente; se “Sofredor”,
doutriná-lo,
entregando-o aos planos espirituais;
6ª - Ministrar passes magnéticos de equilíbrio aos médiuns de
incorporação;
7ª - Controlar com sua mente, qualquer situação anormal de
pessoas ou grupos,
mantendo sempre seu equilíbrio pessoal, o que poderá
conseguir sem
externar qualquer gesto.

O incorporador nunca trabalha sem incorporar-se, perdendo


parcialmente o estado de consciência! São nove, as funções do
Médium de incorporação:
1ª - Passagem de sofredores;
2ª - Cura de doenças;
3ª - Comunicações;
4ª - Passes;
5ª - Desobsessão;
6ª - Psicografia automática;
7ª - Materialização;
8ª - Transporte;
9ª - Desdobramento, desenvolvimento com fonia.

* * *
Os médiuns de ambos os sexos, inscritos e fichados na Corrente
Indiana do Espaço, em serviço regular no Vale do Amanhecer de
acordo com seus cronogramas e rituais, são chamados missionários, e
se têm na conta de sacerdotes em analogia com outras confissões
religiosas. Missionários de outros credos, particularmente da Igreja
Católica, merecem os Líderes do Vale toda estima e respeito,
considerados como grandes heróis e mensageiros da paz e do amor
de Deus. Intra muros, no recinto do Vale, o médium só esteja a serviço
dos necessitados: “Não tente ser amigo nem admita ser inimigo de
ninguém... Seja apenas o médium e evite ser o cidadão. O médium
não faz negócios, não namora, não discute futebol, nem pede dinheiro
emprestado...”(Fasc. 1, 1977: 25).
O Sol e a Lua e o número sete, simbolizam “algo de sagrado” na
devoção do Vale do Amanhecer.
Completando a
descrição inicial do Templo,
resta realçar o centro
geométrico do recinto, onde
se sente a Presença Divina
entre a Pira Sagrada e a
Mesa Doutrinária. Ali, no
“Sanctum Sanctorum”, diante
da Imagem de Jesus Cristo, o
Caminheiro, está
representada a Terra,
ladeada pelo Sol e pela Lua.
Por detrás das leves cortinas transparentes e discretamente
iluminadas, figuram os sete (7) planos do Homem, espírito encarnado
com 7 Raios de forças. Em seu corpo físico, os sete (7) “Plexos e
respectivos Chakras”. “O círculo maior destaca o Plexo Solar com seu
chakra Umbilical. As duas taças representam o sangue que fornece o
ectoplasma. As duas setas, uma subindo e a outra descendo,
simbolizam a macrocirculação... As estrelas simbolizam Maianti e as
nossas casas transitórias” (Fasc. 3, 1977:81). No Solar dos Médiuns
ou extensão do Templo ao ar livre levanta-se imponente e radiosa
uma gigantesca imagem dourada do Sol Nascente com sete raios,
cada qual com sete linhas que “Alimentam o Planeta Terra”, elementos
sidero-magnéticos catalisáveis pelos médiuns consoante a capacidade
espiritual de cada um. Relembre-se que as Princesas somam também
sete, preenchendo uma das sete linhas de um Raio solar. Mário Sassi
e Tia Neiva são o sétimo de um sete, posições únicas no Vale,
significando que completam uma “linha” de representação crística na
Terra. Propriamente falando, não se filiam a nenhuma falange: ela
“Mestre Jaguar Lua” recebendo ordens diretas de Pai Seta Branca, e
executando-as através da falange de Nityamas, Magos e Aparás; ele
“Mestre Jaguar Sol, Tumuchy número único”, interpretando as
mensagens, como chefe dos Doutrinadores.

1. Classes hierárquicas.

As posições
“hierárquicas” dos
médiuns no Vale do
Amanhecer são criadas
para eles no sentido
estrito e radical do
serviço evangélico do
“vim para servir, e não
para ser servido”. Os
cargos apresentam-se
como verdadeiros
encargos, cargas de trabalho gratuito e voluntário em favor dos
necessitados e angustiados. Os postos foram criados para os
médiuns, e não estes para aqueles. Cada qual, situado num ponto da
longa trajetória de seu espírito, se engaja em determinada missão que
escapa a qualquer apreciação humana: como médium ele atua em
individualidade transcendente, libertando-se de sua personalidade
transitória de cidadão. A caridade evangélica – mandamento máximo
Sistema Crístico – consubstancia-se na Lei do Auxílio, razão de ser da
Doutrina do Amanhecer. Despertadas as heranças energéticas
adormecidas no íntimo do ser humano, vai o principiante,
paulatinamente, revelando suas afinidades com os diversos tipos de
trabalho, donde se formam as falanges dos médiuns, nascidas
espontaneamente, quando então a Clarividente, e só ela
pessoalmente, as classifica, conferindo a cada um sua “Placa” de
ofício.
O critério de conglomeração de grupos ou falanges não deriva
de suas personalidades presentes, transitórias – de vez que se
patenteiam suas disparidades no campo econômico e social –, mas
remontam às suas “origens” no mundo dos espíritos ao qual o médium
se vê vinculado desde o início de sua carreira encarnatória. De acordo
com as tendências espirituais de cada indivíduo, os médiuns se
agrupam em falanges ou, melhor, “Linhas” de trabalho na missão da
Lei do Auxílio, não havendo, portanto, organização hierárquica
propriamente dita. Naturalmente se dá o caso de estas linhas
comporem em seus quadros com maior ou menor número de
participantes, duas delas, de Tia Neiva e Seu Mário, com um único
indivíduo: Primeira Mestra Sol Jaguar e Primeiro Mestre Sol Tumuchy
sem falanges neste planeta. O que, cabe realçar, não os diferencia
dos demais colegas, a não ser na função sagrada de servir.

a) Principiante, Iniciado e Mestre.

Em que pese às dificuldades retro ponderadas de se estabelecer


algum quadro de “Classes” no Vale do Amanhecer, vamos tentar com
ajuda especial do Sr. Mário (entrevista de 22/02/78) levantar alguns
títulos classificatórios em função dos trabalhos prestados no Vale:

Jaguar Positivo Principiante – Reconhecível exteriormente por


uma bata branca de mangas compridas, arregaçadas quando em
função - um roupão de médicos e dentistas, fechado ao pescoço;
calça azul-marinho ou marrom. Caindo do ombro direito, pelas costas
junto ao quadril esquerdo, à maneira da estola dos diáconos na antiga
liturgia católica, uma fita roxa e amarela com uma cruz preta, distintivo
do doutrinador, ou triângulo vermelho dos aparás.

Jaguar Ninfa Principiante - Os integrantes femininos do Vale


tomam o nome de “ninfas”. A principiante traja vestido longo, branco,
fechado no pescoço, mangas de três quartos sem pregas, com um
cinto folgado abaixo do busto, atado à frente. Fita igual à do Jaguar
Positivo.

O principiante é considerado médium em desenvolvimento,


sendo-lhe defeso o trabalho público. Participa somente nos “trabalhos
de desenvolvimento” e, nos dias de atendimento ao público, apenas
observa ou aprende lições dos instrutores. O tempo de
desenvolvimento varia de pessoa para pessoa, . Uma vez considerado
“desenvolvido”, passa por um teste que lhe confere a devida
“Classificação”. Esta consiste numa espécie de identificação, feita
pelos seus próprios “mentores e guias”, sob investidura direta da
Clarividente Tia Neiva. Aí se determina a “linha” a que pertence por
afinidade, sua “família espiritual”, seu mentor mediúnico, responsável
perante o Templo pelo trabalho do novo médium. Tem o nome escrito
numa plaquinha de cartolina recoberta de plástico, com que é
considerado “emplacado”. Emplacados, por exemplo, com nomes de
aparás “Pai João de Aruanda, Caboclo Tupinambá, Pai Joaquim de
Angola, Vovó Cambina...” ou com nomes das doutrinadoras “Iracema,
Janaína, Juremá, as 7 Princesas”, o médium poderá atender só e
exclusivamente na “Linha dos Passes”, nos “Tronos”, ou na “Mesa de
Doutrina”. Direito a participar nos trabalhos da “Cura”, da “Junção” ou
da “Indução”, unicamente depois de “Iniciado em Dharma Oxinto”
(Caminho de DEUS), quando pronuncia os primeiros juramentos.

Médium Iniciado (Jaguar ou Ninfa) – Concernente ao uniforme,


acrescente-se o escudo, pequeno colete branco de plástico ou couro,
com a “Estrela Iniciática” de David, onde vem estilizado o livro do
Evangelho. A estrela dos Aparás apresenta-se adornada com um X ,
sinal de que seu portador pode trabalhar tanto no plano da Terra
(“sofredores”) como nos planos superiores dos “Espíritos da Luz”. O
Escudo do Doutrinador, tem o sinal duplo : , indicando achar-se ele
capacitado a distinguir ambos os planos mencionados,
freqüentemente baralhados durante o fenômeno da incorporação.
Após da iniciação o médium tem o direito a usar o uniforme de Jaguar.
Os jaguares positivos vestem camisa preta de gola aberta, enfiada por
baixo da cinta de uma calça marrom; as ninfas trajam blusa preta
rendada e saia marrom.
Mestres Jaguares – O Jaguar iniciado permanece nesta função
o tempo que desejar, já que sua presença no Templo se revela
insubstituível, pois é um “médium básico”, manipulando todas as
energias curativas e desobsessivas, dirigindo trabalhos e mesmo
abrindo a “Corrente Mestra”, se for o caso. Chamado a participar do
mestrado, recebe as instruções de praxe e, uma vez considerado
“pronto”, faz a cerimônia da “Elevação de Espada”. De então pode
trabalhar no Solar dos Médiuns, ou “Estrela Candente”, a Extensão do
Templo como se mostrou no início deste estudo. Doravante chamar-
se-á Mestre Sol ou Mestre Lua, segundo seus predicados de
Doutrinador ou Apará.

Mestre Sol Positivo (Homem) – Capa marrom à moda das


togas romanas com gola alta em cujas costas figura o nome da
falange a que pertence, e suas posição nela, como: 1º Mestre Luz
Evangelho, 17º Mestre Sacramento, 12º Mestre Sol Sublimação. Este
tipo de cógula monacal, é vestida por cima do uniforme de Jaguar e de
uso exclusivo nas participações dos trabalhos na Estrela Candente,
nos recintos da Junção e Indução, no Oráculo do Pai Seta Branca, na
Capela de Delfos e demais salas sagradas do Templo

Mestre Lua Positivo (Homem) – Capas de cores variadas, em


tons azulados. Nas costas a inscrição da respectiva falange.

Mestre Sol Ninfa (Mulher) – Vestidos longos com formatos e


adornos característicos de suas falanges. À frente da saia um grande
Sol Iniciático, com sete raios dourados. Através das várias cores se
percebem as posições das falanges.

Mestre Lua Ninfa (Mulher) – Vestes coloridas como as


anteriores de Mestre Sol, constituindo o ornamento dianteiro de uma
ou mais luas prateadas.

b) Falanges Especializadas

Afora os “Principiantes, Iniciados e Mestres”, existem ainda as


falanges especializadas sem pertencerem necessariamente ao
mestrado. Coligimos seis grupos:
Samaritanas – Jaguares, Ninfas, Aparás ou Doutrinadores, de
longos vestidos de cor tirante a roxo, e mantos na cabeça, geralmente
mulheres emancipadas ou casadas. Prestam auxílio em todas as
cerimônias e trabalhos do Templo, emanando-o com as energias de
sua falange, enquanto o percorrem a cantar.

Nityamas (termo próprio do Vale) – Mocinhas nas condições das


samaritanas supra mencionadas, usando véus e saias coloridas,
roupas de ciganas e quejandas. Função análoga a das samaritanas
com sentido menos rígido, mais alegres enfim.

Magos – Rapazes e meninos de bata preta, bordada de ouro, e


recobertos de capinhas azuis. As mesmas incumbências das
nityamas.

Devas – A esta falange incumbe especificamente cuidar das


classificações do mestrado e controlar todas as cerimônias iniciáticas.
Trajam capa azul com inscrições individualizantes: 1º Mestre Devas,
2º Mestre Devas, etc. trata-se de uma pequena falange, com poucos
membros, integrada exclusivamente por “Mestres”.

Centuriões – Composta de mestres com vocação especial a


instrutores e dirigentes. Nela não têm acesso Aparás. Arcam os
centuriões com a maior parcela de responsabilidade no Templo com
obrigação de participar de todas as aulas, duas vezes por semana,
geralmente à noite. Incumbe-lhes, rigorosamente, conhecer a Doutrina
do Amanhecer e o perfeito funcionamento do Templo. Comprovada
sua aptidão e capacidade, recebem o escudo com o distintivo do
Jaguar, tornando-se candidatos a “Orixás Regentes”. Orixás são
divindades intermediárias da religião Iorubana Jeje-Nagô, da costa
leste africana, encarregadas do intercâmbio entre o Ser Supremo e o
Homem. Ocorrem com maior freqüência no Vale: Iemanjá, Obatalá,
Oxosse e Oxalá. Obatalá parece ser o maior de todos (Sassi 1972:
18). Atenda-se por agora que os elementos religiosos de origem
negra, na Doutrina do Amanhecer, se revestem de interpretação
própria, como se patenteará no parágrafo dos ritos e símbolos.

Recepcionistas – Falange de Jaguares Positivos ou Ninfas,


afeiçoados ao atendimento direto do público, velando pela boa ordem
dentro e fora do Templo. Ostentam no braço a figura de um Jaguar
estilizado.

3. Cura Espiritual

Doença na doutrina do Vale equivale a desequilíbrio do “Sol


Interior”, sistema psíquico-anatômico, cujo centro ou esfera se localiza
na região umbilical, no “Plexo solar ou epigástrico”, conforme se
distingue no Manual das Instruções (1972:21), anteriormente
mencionado. Denomina-se, igualmente, “Centro Coronário ou Sistema
Coronário”, ajustando-se em três esferas sobrepostas, que controlam,
cada qual por sua vez, em termos de fluxo e refluxo, as energias de
três campos vibratórios distintos, já do conhecimento do leitor: os
mundos físico, psíquico e espiritual.
O “Plexo Solar” do mundo físico aparece relacionado com um
disco solar de 7 (sempre o famígero número 7!) raios, cujos
terminações, distribuídas no organismo, formam outros tanto plexos,
os chakras subcutâneos, consoante as mais recentes averiguações de
Sassi (1978).
O mundo psíquico, segunda esfera do
sistema coronário, situa-se na região cardíaca e
no sistema nervoso central – é o “Micro Plexo
ou Alma” com vibrações mais rápidas além das
barreiras do som. “Adimensional e atemporal”,
tem como instrumento principal a mente, donde
se originam as doenças mentais.
Mundo Espiritual, terceira esfera para
captar as emissões do espírito e do mundo
“transcendente”, também chamado perispírito ou
Espírito da Terra, com 99,9% (noventa e nove
vírgula nove por cento) de possibilidades de
reencarnar-se.
Nestes três planos se refugiaram as causas das enfermidades e,
em visão mais ampla, sempre no espírito, por transcender ele o corpo
e a alma, determinando através da Lei do “Livre Arbítrio” suas
condições mesológicas deles, do corpo e da alma, a saber. Na
Doutrina do Amanhecer fala-se do “Equilíbrio do Sol Interior” .
Dada a unidade vibratória dos três centros coronários a cura
será dirigida simultaneamente aos três planos correspondentes, por
isso que intervenções unilaterais só tendem a intensificar o
desequilíbrio. O Médico Clínico intervém no corpo, o Psiquiatra na
Alma, mas somente a Religião como “religamento do homem
transitório (personalidade) com o transcendental (individualidade) “
pode curar em profundidade. Concluindo, tudo o que se faz no Templo
é Cura, embora haja uma sala especial para este fim. Ali porém, são
tratados somente as pessoas com distúrbios fisiológicos. Muita gente,
entretanto, pensa que doentes são só aqueles com tais sintomas. Ao
contrário, difunde-se mais e mais a convicção de que grande parte dos
incômodos que afligem a humanidade, têm suas causas em
perturbações mentais.
Papel importante no trabalho da cura representam as forças e
energias das assim chamadas cargas magnéticas, fator básico ao
equilíbrio mediúnico. No Vale, o médium deve estar ligado “em cadeia”
com seus colegas, donde resulta “a principal fonte de capacidade
magnetizadora e desmagnetizadora” (Sassi 1972: 59 ss). No Vale do
Amanhecer, dentro do Templo e ao redor dele reúnem-se às vezes,
duas centenas e mais de médiuns para tratarem quatro ou cinco
centenas de pacientes. Num ambiente saturado de forças atuantes em
sintonia com o estado de espírito tensivo dos clientes (fé, ansiedade,
medo, expectativa, curiosidade), provoca-se a liberação do fluído
magnético-animal acompanhada de um ‘tônus’ favorável de não-
resistência em suas pessoas, ávidas de cura.

a) Tratamento Mediúnico

É o próprio Intelectual (Sassi 1972: 60) que nos descreve o


fenômeno máximo do Vale: a cura espiritual na atmosfera saturada de
forças sidero-magnéticas do Templo. Captadas as energias e
devidamente expurgadas de elementos negativos, começa o “trabalho”
desse modo: “Dispostas as duas filas, Negativos e Positivos, formam
duas baterias de forças que desembocam no Presidente e seus dois
auxiliares, o Farol Mestre e o Instrutor Mestre. Inicia-se o canto do
Mantra Fundamental. Cantando, os Médiuns liberam seu fluído
específico, o que diminui a resistência físico-animal, surgindo daí sua
mediunização gradualmente. A eficiência do Médium no trabalho em
começo vai depender justamente desse fenômeno inicial”.
“O Presidente abre o trabalho e nesse momento ligam-se os dois
planos, o físico e o espiritual. Neste instante, o Presidente é o mais
legítimo ‘Médium”, o comutador, o intermediário entre os dois planos.
Da sua eficiência vai depender o desenvolvimento da tarefa a
executar”.
“Segue-se a preparação das várias cadeias mediúnicas que irão
atuar. Forma-se a Mesa de Doutrina com número menor de Médiuns
na base do triângulo, com um Presidente e dois faróis (mestres) nos
ângulos da base; encaminham-se os Médiuns para os tronos, um
Doutrinador e um Incorporador em cada trono. Forma-se a Ponte
Magnética na porta de entrada dos pacientes e se distribuem os
Médiuns passistas”.
“Junto à Pira, se colocam os Médiuns Especiais de cura,
habituados a receber os Guias Dirigentes”.
“O Presidente então, abre o trabalho da noite e dá ordem de
incorporação. Todos incorporados, a ponte entoa novamente o
‘Maianti’ e os pacientes vão entrando em grupos, passando sob ela e
sendo distribuídos pelos Tronos. Daí são encaminhados para a linha
de passes ou para a Pira”.
“Ao passar sob a ponte Magnética, esta atua como um imã que
absorve as cargas mais densas, ao mesmo tempo que ‘desmagnetiza’
o paciente”.
“No Trono, o Guia verifica a situação do paciente e inicia a cura.
Qualquer que seja a moléstia de ele se queixe, sempre existe a
presença de Sofredores, Obsessores, Possessores ou resíduos
magnéticos (cargas). Qualquer que seja a hipótese, o Guia faz seu
trabalho. Se for um simples Sofredor, ele o atrai para o Médium, para
a Doutrina do Doutrinador presente; se for um Obsessor, ele inicia sua
Doutrina e manipula raios fluídicos, que dão início à sua separação do
paciente; se notar a presença de emanações do Possessor, ele
reforça as defesas do paciente e o recomenda para o trabalho
mediúnico de desenvolvimento. Por último, se o paciente é portador
de cargas magnéticas, ele o encaminha para a Pira, onde existe um
dispositivo, A Corrente Franca, capaz de absorver estas cargas”.
“Se o paciente estiver sendo assediado por uma falange, ele faz
a ‘puxada’, isto é, transfere-se para a Mesa, que atua como poderoso
magneto”.
A esta altura, removidas as causas essenciais da “doença”, o
cliente se tornou apto para a cura propriamente dita. Como “doente
normal” será sujeitado às seguintes recomendações de Médiuns da
Pira e passistas que, com adminículo da “troca fluídica”, renovam as
energias, estimulando o metabolismo. Na hipótese de enfermidades
crônicas e incuráveis, socorrem os “Guias especializados” com suas
energias próprias somadas às do Templo. Mas a cura e mesmo a
simples melhora restam subordinadas às possibilidades do próprio
doente, de acordo com seus carmas (p.62). Trata-se, então, de
excelente auxílio espiritual para dispor o “encarnado no ponto de sua
trajetória planetária”. E revezam três “Passes” importantíssimos aos
fenômenos de curas e bênçãos, dependentes que sempre estão de
poderes sobrenaturais, fora de nosso alcance. Mas...
- “Se o doente estiver programado para desencarnar daí a uns
dias ou horas, o tratamento espiritual não vai evitar sua morte,
mas vai apenas colocá-lo em melhor posição para esse
desencarne”.
- “Se for portador de moléstia insidiosa, que programou como
reeducação ou ressarcimento cármico, a moléstia não é
afastada. Se o obsessor ainda não terminou sua “cobrança”,
ele permanece”.
- “Em nenhuma hipótese o paciente pode dispensar o
tratamento médico normal. Ao contrário, depois de uma cura
espiritual, o paciente pode se beneficiar imensamente dos
recursos da Medicina, pois as causas restantes no seu corpo
são do plano físico. Naturalmente, excluem-se os casos em
que os problemas eram apenas de ordem subjetiva ou social
na sua manifestação exterior” (p.62).

Neste contexto incumbe algum esclarecimento sobre os


“Passes”, vocábulo de freqüente usança na Doutrina do Amanhecer, e
que traz o nome num dos recintos do Templo – A linha dos Passes -
(onde está sendo montado também o “Memorial”, uma espécie de sala
de “ex-votos”. O Passe magnético constitui ponderável recurso dos
Doutrinadores e da Corrente Indiana do Espaço, a ser empregado em
qualquer eventualidade, já que ele, “além de aliviar a tensão
magnética do paciente, produz uma Ionização, ou seja, envolve a aura
de forma a isolá-lo das emanações do ambiente”. Restaura, outrossim,
o equilíbrio magnético do próprio Médium, particularmente nos casos
de incorporação.
Observe-se, mais uma vez, que partes essenciais deste ritual
vêm sendo modificadas no sentido de aperfeiçoamento.
* * *
Como foi observado em vários passos desta pesquisa, o
fenômeno do Vale do Amanhecer se apresenta complexo, de
conceituação emaranhada, difícil de ser enquadrada em esquemas da
lógica costumeira. Faz, pois, mister dizer ainda algumas palavrinhas
sobre a “Sala de Cura”, a “Junção” e a “Indução”, para que tudo fique
entendido por inteiro.

Na Sala de Cura o fenômeno incorporativo é, praticamente, o


mesmo dos “Tronos”, com apenas ligeiras nuanças na forma: O “Guia”
incorporador é o “Médico”, especializado na cura espiritual, que não
receita, não faz diagnósticos e quase não toca no paciente. “Nesse
caso a conversa é quase nula e o problema é mais de liberação do
ectoplasma e controle da posição de incorporação. A única coisa que
o Apará tem que se precaver, quando trabalha na Sala de Cura, é com
suas próprias superstições” – reconhece o próprio Mário Sassi (Fasc.
2, 1977: 48). “Sabedor” que pretende ser de tudo o que acontece, não
venha o Apará recomendar ‘aquele santo remédio que sua avó usava’.
(p.49).

O Castelo de Junção acha-se contíguo à Sala de Curas, também


atrás do altar do Pai Seta Branca. No trabalho de “Junção” o Apará
recebe seu Guia Médico, incumbido de controlar o ectoplasma a fim
de que se não misture “A Junção é Cura Iniciática, feita com fluído de
Doutrinadores” (ib.).

A Indução que tem seu “Castelo” ou sala, ao lado do Oráculo de


Pai Seta Branca
(cf. Planta do Templo), é o lugar destinado à absorção das cargas
negativas de que os Aparás estejam sobrecarregados, sem nenhuma
relação com a questão dos espíritos. Estas cargas que “não falam
nem gritam”, passam ao Doutrinador cuja mão é presa firmemente
pelo Apará depois de tanto “Trabalho” na incorporação.

Resumindo, para penetrar o fenômeno da Cura Mediúnica, como


se realiza no Vale do Amanhecer, compete prefigurar a ser humano no
argumento da “Lei de Auxílio de Jesus” no quadro do Amor e Perdão.
Neste contexto o Médium se torna no instrumento intermediário entre
Deus e o Homem, objetivando o fluxo e refluxo das energias, supostas
evidentemente em quem “aceita a Doutrina”, que alimentam os
mencionados três planos. Delas a mais dócil e de fácil acesso é o
ectoplasma, fluído magnético animal – “A força do Jaguar”. Não se
trata, com efeito, do ectoplasma citológico senão que apenas de um
transplante semântico, criado por Carlos R. Richet no século passado.
Enquanto “encarnado” há mister o espírito dessa energia por
harmonizar-se com a alma e o corpo do indivíduo; uma vez porém,
“desencarnado”, necessita dele, que é encontradiço nos “encarnados”,
donde todo esse relacionamento complexo entre o mundo de cá e o
de lá, entre vivos e mortos consoante nossa terminologia tradicional ou
concepção teológica mais ampla, entre o natural e o sobre natural. A
relação encarnado-desencarnado “conduzida nos moldes da Lei do
perdão é o chamado ‘espiritismo Cristão’. Elevado a um sentido
Iniciático e científico, é... Vale do Amanhecer” – infere M.Sassi.

OBSERVAÇÃO FINAL: O Espiritismo, como se sabe, gira


essencialmente em torno de doenças e cura. Como o Brasil é por
muitos considerado um “Hospital de doentes”, ninguém se admira dos
extraordinários êxitos que religiosismos baseados em bênçãos, rezas,
passes, curas e quejandos, encontram por toda parte. No Vale do
Amanhecer – asseverou-me seu Mário – foram detectados 82 (oitenta
e duas) formas de esquizofrenia ou hebrefenia. As enfermidades de
origem psíquica, que no Vale são consideradas espirituais, podem ser:

Programadas: A pessoa que opta pela doença grave cujo


causador é o Elítrio. Opção pela encarnação e pela sujeição ao
assédio de cobradores (causa).

Não programadas: A pessoa tinha relação com o espírito;


causa: obsessor ou sofredor que não aceita a Jesus Cristo como
enviado de Deus; agente causal: um Exu (pessoa viciada e malfazeja,
instigada pelo obsessor).

O esquema seguinte que transcrevemos de Ana Lúcia Galinkin


(1977: 101) será adminículo útil ao leitor interessado em aprofundar-se
na Doutrina do Amanhecer.

ESQUEMA RELACIONANDO : AGENTE CAUSAL, SEUS SENTIMENTOS,


AFINIDADES, ATITUDES E RELAÇÃO COM O OBSEDIADO.
Relação c/ o
Agente Causal Obsediado
Sentimento Atitude Afinidade Obsediado Quando
Encarnado

“Elítrio” Ódio Intencional Inexistente Inespecífico Inexistente


Desejo de liderança,
“Exu” de fazer prevalecer Intencional Ideológica Específico Inexistente
as próprias idéias (Não Cristão) (Não Cristão)

“Cobrador” Vingança Intencional Inexistente Específico Existente


(cobrança) (devedor)

1-Existentes
Intencional no caso de Específico 1- Existentes -
“Obsessor” Amor, Amizade, (Ajudar, ou estarem na (quem Pessoas que se
Ódio Prejudicar). mesma faixa se entrega à entregam ao
vibracional; bebida, à vício
2- drogas, às 2- Amigos ou
Inexistente ações vis). inimigos.

Inexistente, estado Inespecífico ou Pode ou não ter


“Sofredor” de inconsciência Não intencional. Inexistente Específico existido

“Elítrio em
função do Inexistente Não Intencional Inexistente Específico Inexistente
Livre
Arbítrio”

b) Alguns Ritos e Símbolos.


Ensina a Doutrina do Amanhecer estarem os fatores mediúnicos
“sempre presentes em todos os ambientes, onde haja pessoas
reunidas” (Sassi 1974: 86), bastando para um “trabalho deliberado”
qualquer aposento, desde que reservado para isso, por causa da
impregnação. À medida que o movimento vai assumindo maiores
proporções com o aumento natural dos participantes, aparece também
o Templo. Determinar o modelo adequado do ritual cabe “aos
Mentores”, já que “cada falange de espírito tem seu próprio sistema”.
Seja o problema simplificado, “evitando agregar hábitos doutrinários
ou religiosos de outros grupos”. A estrela de seis pontas é considerada
símbolo iniciático universal, a água veículo de cura e a cruz “sempre
representou o ser humano encarnado”. E se desce na interpretação
dos pormenores de suas partes integrantes: “A aste (haste) inferior é o
Homem Físico, com todo atavismo, o suporte material da vida; os
braços horizontais representam a alma, os mecanismos psicológicos,
o negativo e o positivo, o branco e preto, o eterno dualismo em que se
debate a mente concreta; a (h) aste superior representa o espírito, a
antena do transcendente” (p.39). E as frases seguintes, por sinal com
reticência, definem o estilo dos voejos imaginosos do intérprete de Tia
Neiva : “Antes da consolidação do ser humano no Planeta, quando o
Céu se confundia com a Terra, talvez nos tempos da Lemúria, a cruz
tinha quatro braços iguais e simétricos. Quem tem olhos para ver...
Missão, pois , é viver em função do espírito e com os olhos no
transcendente. É amar ao próximo como a si mesmo...”
Ao Sr. Sassi não lhe sabe bem a doutrina de São Paulo que
prega “um Cristo crucificado”. No Vale do Amanhecer as cruzes estão
nuas e limpas, com uma toalha branca nos braços, como na Sexta
Feira Santa, após o aparecimento do corpo de Jesus. Escorando-se
em aparições de Johnson Plata, ouve Tia Neiva estes esclarecimentos
(na pena de Mário, evidentemente) sobre Jesus e as Leis Crísticas:
“Um dos objetivos desses espíritos (mestres e doutores da
Universidade Vale das Sombras, já falecidos ou melhor,
“desencarnados”) é levar ao desânimo os encarnados que tentam
seguir a trilha do Mestre Jesus. Para isso, eles fomentam o culto de
Jesus Sangrando, pendurado na Cruz. São sanguinários como você,
Natachan! (nome de Tia Neiva em transportes místicos) ... Vocês na
Terra amam de preferência Jesus açoitado, sofrido, humilhado! Na
verdade, esse Jesus é apenas o reflexo do masoquismo inconsciente
de vocês, das suas dores inaceitas e das frustrações. O verdadeiro
Cristo Jesus é todo suavidade, bem diferente daquele dos seu
crucifixos e suas esculturas cheias de vermelho sangüíneo! “(2000 a
Conjunção de Dois Planos, 1976: 121).
Um quarto para as dez horas da manhã faz-se ouvir a estridente
sirene do Vale do Amanhecer, quinze minutos antes de começarem os
“trabalhos”. Já um código convencional que todos entendem: 1 toque –
encerramento; 2 toques – trabalhos especiais; 3 toques(curto-médio-
longo) – trabalho oficial; 4 toques - reunião de todos os que se
encontram no Vale.
Os filiados à Doutrina do Amanhecer, os médiuns
particularmente usarão a saudação SALVE DEUS!, ao encontrar-se
um com o outro, dentro ou fora do Vale, ao cruzar-lhe o portão, ao
entrar e sair do Templo, neste caso abrindo-se os braços de frente
para a Pira. Caminhar devagar, tendo as mãos cruzadas às costas.
“Não converse a não ser o estritamente necessário, assim mesmo em
voz baixa. Evite a todo o custo gesticular, rir ou gritar” (Fasc. 1, 1977:
15).
Há três rituais solenes de abertura: às 10, 15 e 20:30 horas. Às
seis da tarde forma-se uma “Corrente universal”, quando todos os
adeptos, onde quer que estejam, se encadeiam mentalmente com as
captoras antenas elipsoidais do Templo e do Vale – é o momento mais
propício para arroubos místicos. No tempo aprazado, em ponto, o
Presidente dá o sinal e todos entoam o Hino Maianti, também grafado
“Mayanty” ou na prática, pela Lei do menor esforço, pronunciado
palatizadamente “Manhante”. Significa na linguagem iniciática de Tia
Neiva “amanhecer, alvorecer, clarear”, cantando especialmente nas
aberturas dos “Retiros e Trabalhos Especiais”. Trata-se de uma
composição melodiosa, tranqüila , no estilo dos hinos sacros antigos
da Igreja Católica, sobre que se falará logo mais.
O Ritual da Abertura inicia-se com a formação de alas a partir do
Presidente que se posta em frente à “Presença Divina, entre o Sol e a
Lua, seguido do Médium “Segundo Farol”. As ninfas à esquerda e os
homens à direita, todos com as mãos cruzadas atrás. O Presidente
pronuncia sua preparação e a Chave de Abertura; “Meu Senhor e Meu
Deus” – Diz em voz elevada “ao colocar o defumador nas brasas, com
ambas as mãos convergindo para o braseiro” (Sassi 1972 :12). Esta
famosa confissão da divindade de Jesus é atribuída ao apóstolo incréu
Tomé (João, 20,29), não deixando de constituir aresta esquiva na
liturgia do Vale, cuja Doutrina, ao menos em teoria, rejeita a natureza
deífica do Nazareno. A seguir o Presidente, abrindo e suspendendo os
braços até a altura dos ombros, com as mãos juntas de palmas para
baixo sobre a Pira, reza: “Senhor, faze a minha preparação para que
neste instante possa eu estar contigo”. Ato contínuo, levanta os braços
até pouco acima da cabeça, com as mãos distantes uma da outra,
fazendo a chamada para a Corrente Mestra do Oriente Maior. Ao sair,
postando-se diante da Pira pelo lado externo, inclina-se
reverentemente e repete “Meu Senhor e Meu Deus!”. Então é a vez do
“Farol”, do “Instrutor” e dos demais médiuns cumprir o mesmo
cerimonial, só não levantando as mãos, gesto privativo do Presidente.
Terminada a preparação, cada médium, em passando pelo “Farol ou
pelo Instrutor”, recebe de um deles a indicação do trabalho nesse dia:
Mesa, Passe ou Doutrina, tudo realizado mui discretamente. Aí cessa
o Hino Maianti.
No Ritual de Linha de Passes, a Mesa Doutrinária “está
concentrada e serve como bateria de Força” (p.14). A saudação é
“Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”, três vezes no começo e
outras tantas no fim. Lê-se um trecho do Evangelho, se houver.
Depois de algumas defumações e repetidos “Louvados-seja”, os
médiuns “incorporam”, e os “guias e os Mentores fazem a autolimpeza.
Terminada esta, o “segundo” faz um sinal para os doutrinadores e
estes encaminham o público. Se houver disponibilidade, o Presidente
deve tomar um passe negativo e um positivo. No caso de Pretos
Velhos, deve-se prover um banquinho para o médium e outro para o
paciente. Não se aconselha o ajoelhamento. Durante todo o tempo o
“segundo”e os doutrinadores devem ficar atentos a todos os
acontecimentos e procurar guiar os pacientes para que tudo saia com
elegância e proveito”.

c) Angical

Na primeira parte deste


estudo, no capítulo de Pai
Seta Branca, houve uma
ligeira referência ao
topônimo ANGICAL para
onde se teriam retirados
escravos e outros
aventureiros – Gongá de
Mãe Tildes – parece uma
fazenda da ex-escrava
Matildes. Tratando-se
embora de uma região no
atual território baiano,
onde existe uma cidade e município com este nome, até o presente, a
Clarividente não “revelou” o local daquele antigo arraial do Império. O
argumento inteiro da participação africana nas doutrinas e ritos do
Amanhecer, remonta fundo na história, começando pela América
antecolombiana. Mário Sassi está convencido de que, há 20 ou 25 mil
anos, floresceu uma pujante civilização em Yucatan no México, cujos
habitantes manipularam tremendas energias (como hoje, as nucleares)
que, irracionalmente desencadeadas, os destruíram. Cumpre, todavia,
observar que a presença do Homem em terras americanas, embora
tenha acontecido para lá de 50 ou mesmo 100 mil anos, é considerada
recente. No caso da península de Yucatan a arqueologia só nos fala
da cultura dos Mayas, ao tempo de Cristo, ergueram na região
grandes marcos monólitos com inscrições, v.g., as do sítio
Caminaljuyú, denominados estelas, “stela” em castelhano. Mais
anciãs, porém menos conhecidas são as culturas Izapa e La Victória,
retrocedendo até um milênio antes da nossa Era.
Sigamos, entretanto, as ponderações do Intelectual: Os Íncolas
de Yucatan conservaram recolhidos e ocultos estupendos
conhecimentos que foram parar na África Central junto à cabeceira do
rio Nilo. Houve uma longa preparação a fim de que tais “planos” ou
conhecimentos pudessem ser revelados, e isto se deu através da
escravidão negra que entrou no Brasil, trazendo as energias e
sabedorias dos “Pretos Velhos”, resignados com o destino, nada
obstante tivessem poder misterioso capaz de destruir seus patrões e
algozes. “No Congá , é que se ocultava a verdadeira Ciência, fato não
explorado pelo sociólogo Gilberto Freyre em suas publicações” –
finaliza M.Sassi (22,20,78).
Angical – É um trabalho tradicional do Vale do Amanhecer,
realizado exclusivamente pelos Médiuns, duas vezes por mês,
oportunidade que lhes vem sendo facultada de libertar seus
“cobradores espirituais”. Deriva-se, parece, de uma antiga
“encarnação” passada no Brasil Português ou Imperial, ocasião em
que numerosos integrantes dessa ‘corrente’ se encontram no sítio
acima referido e – discutido. Nos últimos tempos, como pude verificar
em fevereiro de 1978, houve alguma situação crítica na organização
de seus ‘trabalhos’ no Vale, provavelmente já superada.
Outra expressão muito comum entre os seguidores da Doutrina
do Amanhecer é a do Retiro ou Plantão. Estão de “Retiro” os médiuns
da Corrente Indígena (*) do Espaço presentes no recinto do Vale,
particularmente nas imediações do Templo e do Solar dos Médiuns,
em trajes rituais, à disposição da clientela que por ventura comparecer
em dias não destinadas ao atendimento público, como sejam:
segunda, terça, quinta e sextas-feiras. Os médiuns, todos devem
“fazer Retiro” uma vez por mês pelo menos. Os que moram
extramuros, desobrigam-se geralmente desse preceito nos dias de
“Trabalho Oficial”, quarta-feira, sábado e domingo, quando então
inúmeros pacientes acodem ao Vale em busca de solução para seus
problemas e angústias. O ritual e horário do atendimento nos dias de
“Retiro”, são basicamente o pouco antes descrito, mais simplificado
evidentemente.

(*) Obs. do digitador Rypurã: Todos os erros, de concordância, doutrinários, de


Leis, estão de acordo com o “original” do Pe. José Vicente César, portanto não é
descuido, apenas transcrevo o original!

d) Hinos Mântricos

O mediunismo se baseia na manipulação e controle das energias


espirituais, quer dizer do “espírito”, no sentido da codificação de Allan
Kardec. O médium será tanto mais forte quanto maior for sua
capacidade de “passar” essas energias em benefício de seu próximo,
necessitado de tratamento. Sob domínio da mente que, por sua vez,
depende de fatores externos da matéria física e orgânica, deixam-se
essas forças, através de sons rítmicos e cadenciados, dirigir-se em
forma de faixas e vetores energéticos. “Isso no Oriente se chama
‘Mantra’ ou ‘Mantrans’. No Sânscrito dos Brâmanes, o mantra é uma
fórmula sagrada de cânticos divinos”. “Hinos Mântricos, 1976: 3”.
Também criou a Literatura sassiana o neologismo imantrar que
significa “Impregnar por meio de mantras... composições sonoras,
emitidas por palavras, músicas, cantos, etc. e que produzem efeito no
plano físico. Mantra luminoso significa o mantra emitido por um
médium desenvolvido e equilibrado, cujo ectoplasma é claro, limpo e
luminoso” (Mensagem 2, 1976: 29).
Mantra é vocábulo do sânscrito clássico significando “fórmula
sagrada, sentença, arbítrio, oração, canto, hino, palavra mágica,
conselho, decisão, etc”. Os Vedas da famosa sabedoria Hindu
dividem-se em 4 grandes secções: Rigveda (hinos), Samaveda
(melodias), Jadjurveda (fórmulas oblacionais) e Atharvaveda (palavras
mágicas), remontando provavelmente a 1500 anos antes de Cristo. No
cimo dessas coleções destacam-se os mantras como hinos de
fórmulas sagradas.
Os Hinos da Corrente Indiana do Espaço são tidos pelos adeptos
do Vale, na conta de composições mântricas ditadas pelos Guias
espirituais, cujas funções mais importantes são: facilitar a emissão
fluídica pela boca; estabelecer o contacto com a Casa Transitória e os
Umbrais nos momentos oportunos do Trabalho; sintonizar as falanges
de acordo com a natureza deste, harmonizando o ambiente (Cf. Sassi
1972:19). Estes cânticos e hinos, “recebidos pela Médium Tia Neiva,
foram ditados pelo espírito do General Plance”. Dele também é a
“Prece da Corrente Branca Oriental do Universo... num ambiente antes
da meia noite com uma vela e um defumador, a Jesus filho dileto do
Homem”, invocado como “Senhor e Deus de Infinita Bondade” (Sassi
1972:19).
A Clarividente Neiva recebe a letra e a música, transmitindo-as
aos médiuns que as aprendem paulatinamente. Face à maleabilidade
da Doutrina do Amanhecer em adaptar-se com presteza aos
momentos e circunstâncias, alguns se tornam mais, outros menos
usados. “Cantando esses hinos o Médium se torna mais participante
do processo e, ao mesmo tempo, desassimila mais ectoplasma para
seu próprio benefício” (Hinos Mântricos, p. 4). Vamos examinar alguns
deles, principalmente aqueles que se acham gravados em discos de
longa duração por “Gravações Elétricas S.A.” (Discos Continental),
São Paulo, 1977.

1 – Mayanty: Cantado nas aberturas dos retiros e


trabalhos oficiais “para ajudar os Médiuns a se mediunizarem”, na
linguagem iniciática denota “amanhecer, alvorecer, clarear, etc”.
Tratando-se de composição poética importante, transcrevemo-la na
íntegra com alguns comentários.

Mayanty, Mayanty
Do Astral Superior
Tu que És refúgio
De enfermeiros do Senhor.

Sopro Divino do Senhor


Prana, oh Prana, tú em favor
Sei que atendes onde hasteia
A bandeira rósea do Amor.

Aqui neste Templo hasteamos


A bandeira rósea do Astral
Velhos Marcianos ingressados
No Pronto Socorro Universal.

Mayanty, querida Mayanty


Que o Senhor nos concedeu
Guardas querida Mayanty
Tudo que for em favor meu.

Essas singelas quatro estrofes escondem um sentido


profundíssimo da Doutrina do Amanhecer. O cerne de tudo é a palavra
prana, no sânscrito é escrito com a longo e n lingual, em torno do qual
giram os conceitos de “Astral Superior”, “Enfermeiros”, “Sopro Divino”e
“Socorro Universal”. Admitindo-se que Tia Neiva tenha “recebido” isto
em transe místico ou iniciático, e que lhe falecem conhecimentos
literários da complexa filosofia e riquíssima literatura teológica da
Índia, dificilmente se pode compor algo melhor e mais simples do que
esta poesia, cuja música transpira melodioso encanto e perene
tranqüilidade. Prana significa originalmente “hálito, vento, respiração,
sopro vital, uma certa aura do corpo humano” e em filosofia, o
Intelecto condicionado ao conjunto da criação universal. Daí o “Sopro
Divino do Senhor”, o Espírito Santo do Cristianismo, amor resultante
do Pai e do Filho, encarnados nos “Enfermeiros do Senhor... no Pronto
Socorro Universal”. Prana em ideologia hindu mais recente fala da
energia cósmica em suas múltiplas manifestações. Conecta-se
também com apan ou seja: “expiração” que, de sua vez, se prende a
um radical sanscrítico com sentido de “descartar-se, aniquilar-se numa
entrega mística ao Absoluto, conceito transmitido na quarta estrofe.

2 – Consagração aos Mestres: O 2º do disco (p. 8 dos


Hinos Mântricos). Os mestres são os “Caminheiros de Jesus”...
“Missionários ajudando os espíritos em trânsito na Terra”. Jesus é
cantado como um “fiscal” a inspecionar o andamento da práxis do
Vale, baseada na doutrina de Seta Branca: “Resplandece uma
Doutrina/ Seta Branca Consagrou / Revistai Jesus querido / Seta
Branca nos guiou”. O hino é executado nas jornadas e andamento das
cerimônias. A música é um “andante” de ¾ um pouco parecida com a
melodia da “Hóstia Santa Imaculada”, nº 146 da Harpa de Sião do Pe.
J. Batista Lehman, da congregação do Verbo Divino (ed. de 1963,
p.100).

3 - Hino da Estrela Candente: O 3º do disco (p.9 dos H.


Mântricos). Estrela Candente, é o conjunto iniciático Solar dos
Médiuns, a extensão do Templo. Cantado durante as Consagrações,
nas Luas Cheias, por exemplo, principalmente nas incorporações das
Princesas de Iemanjá. Amálgama de Amores divino-humanos: Ninfas
de amor, nityamas cantando e louvando a Jesus, deixando-se entrever
o Amor do Pai Seta Branca para com Yara, mãe querida, numa corte
do Reino Central... “Prenúncio de nova era”. O tom marcial da música
agrada menos, como algumas toadas alegres dos cânticos da
Campanha da Fraternidade, executados de maneira meio barulhenta
durante o tempo sagrado da Quaresma.

4 - Hino do Doutrinador: A figura do Doutrinador, revela-


se de importância capital fiel execução da Doutrina do Amanhecer,
característica precípua desta forma de espiritismo. “Cantado sempre
que no Templo se precisa de uma atitude de afirmação e confiança
(nº. 4 do disco, p. 7 dos Hinos Mântricos). A estrofe 3ª e última, explica
o sentido da cruz com um véu branco nos braços, que os
doutrinadores levam, desenhadas nas costas: “Esta cruz, que levas
em suas costas / Farol que ilumina na dor/
És luar nas noites escuras / Alivia e esclarece o sofredor”. A melodia
se parece um pouco com a marcha “Brasília, Capital da Esperança”,
muito em voga por ocasião da inauguração de Brasília em 1960.

5 – Hino dos Mestres: O nº 5 do disco, p. 20 dos Hinos


Mântricos. “O Mestrado do Vale do Amanhecer foi a conquista
definitiva do Plano Iniciático pelo Corpo Mediúnico. Desse Mestrado,
partirão as grandes jornadas em direção ao próximo Milênio, e na luta
contra os Vales Negros da Incompreensão. Este conjunto mântrico é
para ser cantado nas cerimônias em que os Mestres participam com
suas Indumentárias”. São 8 estrofes. Jesus vem logo na primeira,
como figura ímpar, ao passo que Pai Seta Branca não é mencionado.
O estribilho insiste bisando nos “Mestres Lua transmitindo / A voz
direta do Céu”, referência à Tia Neiva que, em sua Clarividência,
permanece em contacto contínuo com os planos superiores. Aliás,
muitas religiões realçam este aspecto de autenticidade da revelação
de Deus a certos personagens da História – e com certa exclusividade
como acentua a Igreja Católica, embora com alguma abertura e
compreensão depois do Concílio Vaticano II.

6 – Profecia de Jesus: O nº 6 do disco, texto de 6


estrofes, distribuído em folheto complementar. Copiamos as duas
primeiras quadras que falam das personagens e dos elementos
chaves da Doutrina do Amanhecer: Jesus, Lua (Neiva), Sol (Mário),
milenarismo, povo eleito, magia original de Seta Branca, etc. Melodia
calma e solene.

Jesus prevendo a Nova Era


Seus filhos na Terra preparou
A Lua emana a voz direta
O Sol conduz Doutrinador.
Seta Branca ensinou
A Magia Oriental
Revelando novos mundos
A um povo oriental.

Na face B do disco temos:


1 – Hino da Junção: Este Cântico complementa o trabalho
iniciático realizado em sala especial, a da Junção, “para libertação de
Elítrios, espíritos acrisolados no ódio que produzem moléstias graves
localizadas. A operação “espiritual” revela-se complicada: às vezes faz
mister lançar mão de vários Aparás e Doutrinadores, para situar no
paciente o sítio exato onde se encontra oculto o Elítrio Malfazejo, no
corpo ou num determinado órgão do cliente. Aí através de inúmeras
manipulações consegue-se determinar a “forma” do Elítrio que vai
passando ao Apará, “corporificando-se” como um feto (invisível,
evidentemente), sendo por fim, com sua nova “forma”, libertado no
espaço. E é preciso precaver-se, porque ele pode voltar. A melodia
deste hino, e mais seus textos mântricos constituem adminículo
sobremaneira valioso na expulsão e afastamento dessas correntes
negativas da inveja e maldade (Hinos, p. 19). Jesus e sua força
espiritual impõem-se em todo poema, inclusive nos dois versos finais
das estrofes, os quais são bisados. A segunda: “Meu Pai Simiromba,
meu Pai / Que forças benditas nos deu” se refere a São Francisco de
Assis, como já esclareceu anteriormente pelo vocábulo Simiromba da
linguagem iniciática do Vale. As “forças benditas” são distribuídas por
Tapir (anta em lingüística tupi-guarani), comandante da falange que
coordena as operações da Doutrina do Amanhecer, recebendo as
ordens do Comando Superior e repartindo-se ao corpo mediúnico. No
hino próprio do Tapir (p.12), elemento de cultura autóctone brasileira,
o Grande Oriente de Oxalá se casa com o Poverello de Assis. Neste
contexto cabe relembrar a devoção ou simpatia profunda da
Clarividente pelo Fundador das Famílias Franciscanas. A melodia
respira calma e majestade.

2 – Hino a Mãe Yara: Yara é filha de Iemanjá, possuindo


sua própria falange de Princesas do Reino de sua Mãe Rainha. Foi a
rosa colhida por Seta Branca no jardim de Iemanjá, casando-se com a
Princesa do Mar. Yara é a Mentora por excelência dos Doutrinadores.
O ritmo da música é alegre e vivo, sob acompanhamento de pandeiros
e atabaques.

3 – Hino da Estância do Amanhecer: Estância do


Amanhecer, é o primeiro Templo construído depois Vale, em Unaí,
Minas Gerais:
“Terra mineira abençoada,
Seta Branca de amor veio trazer
Com Jesus a luz do Evangelho
Na Estância do Amanhecer”. (Hinos Mântricos, p. 24).

“Tapir anuncia com amor / Que Jesus na Terra já deu / Revistar


os filhos de luz / Escolher o povo de Deus”.

4 – Hino do Amanhecer: Hino oficial, a ser cantado nas


aberturas e fechamentos de trabalhos e ocasiões solenes. Fundo
musical de piano e clarineta delicado.
Sob o Céu azul do Amanhecer
Seta Branca de amor apareceu
Com as ordens do Oriente nos faz ver
A grandeza que Jesus nos concedeu.

Prana - luz aqui resplandeceu


Do Oriente Maior que é Tapir
Conduzindo as almas tristes para Deus
Neste Templo de Esperança e de porvir.

Salve Deus, Criador


Do universo, És o Senhor.
A Bandeira rósea de Jesus
Nosso símbolo de fé sempre há de ser
Tremulando neste Vale ela traduz.
As mensagens que do Astral queremos ter!

5 – Estrela Guia: Os “guias” são espíritos da luz com papel


de primeira plana na cura mediúnica. Trata-se de um “Canto de
atendimento das emergências mediúnico-espirituais. Sempre que a
situação de trabalho se torna tensa ou pesada, faz-se a chamada da
Estrela-Guia, tudo se acalma e a tranqüilidade toma conta do
ambiente” (p.11). O texto cita três cavaleiros do Senhor: Os reis do
Fogo Bendito, da Terra e do Mar”, mencionando outrossim, o “povo
de Oxosse”, orixá da caça e dos caçadores. Atente-se que os Pretos
Velhos são os Guias dos Aparás; caça e caçadores, conectam-se com
cavaleiros, matas e selvas, protegidas dos maus espíritos pelos
oxóssis, grafia mais usual, inclusive pronunciada oxitonamente
como”Oxossi” ideado às vezes como São Jorge Cavaleiro, de lança
matando o Dragão.

6 – Alertai, Missionários: Faixa 6, do lado B do disco;


texto no folheto complementar. Ritmo de marcha, um alerta
convidando os missionários para a Missão de uma nova Era. A
segunda estrofe, com seu estribilho, relata a transferência de Tribo
(cigana) da Grécia para Brasília, carreando para cá heranças de
forças, assunto que ventilamos ao falar sobre o Sistema Crístico.

A Tribo do Velho Mundo


De Esparta à Atenas surgiu
Com suas heranças de forças
Pr’o Amanhecer transferiu.

Das planícies macedônicas aqui


Pr’o Brasil Jesus mandou
Missionários em muitas linhas
Rituais, tudo é amor.
* * *

Foram publicados outros hinos ainda não gravados em disco;


alguns merecem comentários. Hino de Abertura (p. 13) e Hino de
Encerramento (p. 18) : O assunto versa em torno da falange dos
Pretos Velhos mas, como se deixou antever em mais de um tópico,
vindos da Índia pelo caminho do México (Yucatan) e da África,
destarte diz-se “Falange dos Pretos Velhos Indianos”. Em ambas as
poesias se menciona a ‘Divina Aruanda’, toponímio de Luanda, São
Paulo de Luanda, capital da Angola. Ocorrem outras variantes gráficas
análogas: Aluanda, Aluanguê, Aruandê, Zaluanda, Aruenda. Aruanda,
no presente contexto, parece referir-se a uma corrente de forças
mediúnicas do Vale. “No término de quaisquer trabalhos, onde tenha
havido passagem de sofredores, a principal preocupação é eliminar do
ambiente as emanações pessoais”, resultantes do ectoplasma “lodoso
e esverdeado” deixado pelo sofredor ao se libertar do plano físico.
“Este Mantra ajuda a modificação vibracional e restaura o equilíbrio
dos Médiuns e do ambiente” (p. 18).

Além desse, há mais 4 hinos referentes aos Pretos Velhos:


Luzes do Céu (p.14) em que Jesus “altaneiro” envia ao Templo do
Amanhecer “seus trabalhadores Velhos Indianos; Hinos dos Pretos
Velhos (p. 15) aos quais cabe “a maior soma de tarefas num trabalho
mediúnico”. As entrelinhas deixam transparecer resquícios da situação
humilde e escrava dessas “meigas figuras de cor”, como no Hino de
Pai João (p.17) por onde se infere estar Mãe Tildes (ver na 1ª parte o
capítulo sobre Seta Branca) casada com Preto Velho: Preto Velho
Indiano Abençoado / Mãe Tildes é teu lindo amor / Hoje nas altas
Hierarquias / És escravo de grandes regalias. Pai João tem ordem do
Hindu Superior para levar às alturas os tiranos sem amor. No Hino do
Sofredor, Jesus é “Criador do Universo” (p.16). Pela explicação
introdutória, os espíritos desencarnados “sofredores” por não poderem
queixar-se, pedir e falar como os encarnados seres humanos, “ficam à
mercê de nossas parcas percepções. Por isso é que existem mais
mantras para eles”.
Para os meninos e meninas do Lar
das Crianças de Matildes, existe
meia dúzia de canções : Hino à Vovó
Marilú, Cisne, Passarinho, Hino do
Pajezinho, Aldeia Encantada e Hino
dos Pequenos de Assis. Também
Canção de Aniversário, de
Casamento, Encantos do
Amanhecer, Luziânia do Amanhecer,
Noite de Paz e Ave Maria,
comentada na 2ª parte, quando se
falou da hierarquia celeste. Hinos às
Virgens Tupinambás (Sassi
1972:64), Juramento à Bandeira
Universal (p.89). Hino dos
Soldadinhos (p.83) por onde se
deduz ser o inspirador dessa poesia
General Plance, uma Entidade ou espírito dos Planos Superiores:
“General Plance vibrou / Um comando superior... Urubatan o nosso
Marechal... Seta Branca Comando Geral... Jesus, o nosso quartel /
Queremos juntinho do Céu”.

PADRE - NOSSO DO VALE DO AMANHECER.


Pai nosso que estás no Céu e em toda parte / Santificado
seja o Teu Santo Nome/ Venha a nós o Teu reino/Seja feita a Tua
Vontade/ Assim na Terra como nos Círculos Espirituais.
O pão nosso de cada dia nos dá hoje, Senhor! / E perdoa as
nossas dívidas, se nós perdoarmos os nossos devedores/ e não
nos deixes cair em tentações, mas livra-nos de todo mal / porque
só em ti brilha a luz eterna, a luz do reino e da glória dos séculos
sem fim.

Este acréscimo aclamatório como conclusão da obração


dominical, ultimamente usado em ocasiões solenes da liturgia católica,
é de antiqüíssima tradição do Cristianismo. Só que, ao que me foi
dado saber, os “Liturgos” do Vale, andaram suavizando um pouco a
força do Texto católico: “Vosso é o reino, o poder e a glória pelos
séculos dos séculos”. A sensibilidade da Doutrina do Amanhecer não
condizia o conceito de Poder. As versões primeiras falavam de “poder”
(verbo poder).*

Alguns Termos e Conceitos.

Canal Vermelho – Cidade Etérica muito semelhante às nossas


cá da Terra, com casas, ruas, Igrejas, etc. Para lá são encaminhados
certos espíritos que ainda tenham dúvidas “a serem removidas”. A
principal vantagem dele é facilitar o “relacionamento ectoplasmático
com a Terra. Um espírito passa por um trabalho e é entregue no
Canal; logo mais à noite, quando os Médiuns que o trataram estão
dormindo, seus espíritos se deslocam para o Canal, levam consigo o
seu ectoplasma e lá continuam o trabalho com o espírito que passou o
dia. Na Terra o Médium não vê o espírito mas, no Canal, ele está no
mesmo plano do espírito e pode fazer sua Doutrina com muito mais
eficiência” (Mensagem 4, 1976: 15).

Cassandras - Naves espaciais etéricas que ao pôr do Sol de


cada dia, conduzem os espíritos libertados da Terra.

Bandidos do Espaço - Espíritos desencarnados, proclives à


ação negativa, desligados de qualquer falange. Bandoleiros, sua
principal presa são os espíritos inseguros: Prendem-nos e abusam
deles, vendendo-os “para certas falanges que mantêm o sistema de
escravização”.

Função – Ato de ajuda aos seres humanos no período de


transição deste mundo.

Mayanty – Maiante, Manhante: Mundo etérico, plataforma onde


se encontram os espíritos de um outro “Planeta – Matriz” em caminho
da Terra.

Amacê – Na linguagem iniciática do Vale, palavra de origem


africana: Concentração de energia super magnética, como o Vale do
Amanhecer, para adaptá-la e distribuí-la em benefício dos homens. Os
espíritos que controlam a energia do misterioso triângulo das Ilhas
Bermudas não são Crísticos (opiniões de Sassi) mas procedem do
fundo mar. A catedral de Brasília não serve para captar energias - daí
seu esvaziamento e falta de atração. “A missa católica é um
movimento iniciático de alta tradição”.

Magia Branca - Em oposição à magia negra, é a “Alta magia de


Nosso Senhor Jesus Cristo”. Tia Neiva, pelo mestre Tibetano
Humahan, aberta para sua “milenar individualidade, é a Sacerdotisa
da Magia Branca.

Sistema Coronário - Ultimamente, março de 1978, a


Clarividente do Vale vem “aperfeiçoando a Doutrina sobre o Sistema
Coronário”, centro vital do ser humano, composto de três esferas:
Plexo físico, Microplexo e Plexo Etérico. Trata-se de três planos
vibratórios diferentes, maneiras de o “Sopro Divino”, e “Verbo” (Verbo
Divino??) se manifestar na Terra.

Plexo Físico – Esfera Coronária física, centro vital onde as


energias preexistentes na Terra são assimiladas, transformadas e
distribuídas... Aí se registram todos os fatos da existência, as
heranças genéticas, as resultantes cármicas, atuações da alma, do
espírito.

Microplexo - Segunda esfera coronária, comanda as funções


da alma, a psychê dos Gregos. Sua função é absorver, assimilar e
emitir as energias dos dois planos, do espírito e do corpo, uma
espécie de “nêutron” do átomo. Recebe os eflúvios do “Plano
Espiritual”, levando a personalidade a agir consoante as Leis
transcendentes, confundindo-se, por isso, com o espírito.

Plexo Etérico - Instrumento do espírito para sua ação no


homem, perceptível e reconhecido através das energias com que se
reveste. Na Terra ele é chamado perispírito por assumir alguma
materialização exterior. Age através da alma, a qual mesma não “cria”,
mas tão só transforma o já criado. Está “dimensionada e limitada pelo
nêutron”. O espírito ultrapassa as “barreiras do nêutron”, buscando no
ultra-som, na ultraluz e na ultramatéria as coisas que o alimentam e o
homem. Perispírito, entretanto, constitui o “espírito aprisionado na
situação do encarnado”. Percebe o leitor que as coisas se complicam
e se tornam mais confusas à medida que esclarecidas pelo Sr. Sassi.

Santificado – Estado em que se encontra um espírito depois de


percorrida a estrada desta vida em veículos físicos e etéricos, sujeito
que se encontra a esses planos mesmo depois de desencarnado. Ao
término do percurso ele se torna um “Espírito de Luz”.

Sol Interior – Conceito ainda em fase de elaboração na Doutrina


do Amanhecer em torno do homem, a vida mais completa e complexa
do planeta Terra. Valendo-se de modernas e atualizadas teorias
atômicas, bem como do que foi exposto sobre o “Sistema Coronário”,
conclui o “intelectual” pela existência de um “Plexo Solar” na região
interna do baixo ventre à altura do umbigo.

CONCLUSÕES
O Vale do Amanhecer impressiona em todos os sentidos, pelo
simples fato de tratar-se de uma realidade, uma experiência religiosa
ou de cunho espiritual atraindo a seus portões, mensalmente, cerca de
70.000 (setenta mil) pessoas à busca de alívio para suas angústias e
de remédio para suas dores. A maioria dos visitantes ou clientes,
pertencem às camadas pobres e deserdadas da população, sem
veículos próprios de locomoção, tendo de quedar-se lá, em meio a
muito desconforto, cinco e mais horas até que sejam atendidos,
cumprindo todo o extenso e complexo ritual da “cura espiritual”. Pois,
convém acentuar, o tratamento mediúnico do Amanhecer é
exclusivamente espiritual. A beber ou ingerir, somente a água
cristalina das fontes “fluídicas” nas bicas e torneiras do Templo.
Divergências sérias na doutrina e na práxis ritual ou mesmo na
administração material dos bens da comunidade, parece-me, não
existem. As poucas que têm ocorrido, foram atalhadas com facilidade
mercê a liderança inconteste de Tia Neiva, a Clarividente. A confiança
na autenticidade da Doutrina e sua viabilidade prática pairam acima de
qualquer dúvida, por isso que toda a “práxis”, antes de
institucionalizada, é aplicada e vivida voluntária e descontraidamente
por todos.
Humanamente falando, revela-se incerto e inseguro o futuro da
obra de Neiva e Mário Sassi, como incerto e volúvel é o “modus
vivendi” de ciganos, ainda que “espirituais”, por quem se querem
ambos passar: penúrias monetárias, contas fechadas nas instituições
financeiras. O que tudo tem induzido a lançar-se mão de recursos em
negócios de loteamento de terrenos, cujos proventos mantenham ao
menos, as obras sociais de assistência às crianças lá recolhidas.
Outro elemento marcante que pervaga o Vale é o da sinceridade
entre todos, líderes, médiuns e mais humildes servidores. Reina
naturalmente muita credulidade, ingenuidade mesma, inexplicável em
pessoas lidas e cultas como Mário Sassi e o livreiro luso José Manuel
dos Anjos Soares Guedes. Então a convicção com que o “Intelectual”
narra suas experiências espirituais e mediúnicas, a manipulação das
forças sidero-magnéticas, é de deixar o pesquisador abasbacado,
desorientado. Ele e a Clarividente mostraram-me grandes fotografias
coloridas de cerimônias realizadas no Solar dos Médiuns, em que
aparecem lindos raios de linhas brilhantes como se misteriosas faíscas
elétricas brotassem do solo. Interessante como pessoas inteligentes,
grandes gênios da Humanidade, com o apagar dos anos, na velhice,
demonstram tendência a aceitar fatos extra-sensoriais. Que Tia Neiva
esteja convicta de tantos fenômenos “espirituais”que se passem com
ela, a gente admite, visto tratar-se de mulheres, por natureza
inclinadas a acreditar em fenômenos preternaturais. Mas, no caso do
Sr. Sassi, resta um verdadeiro mistério difícil de ser deslindado.
Ele vive a pobreza evangélica em todos os riscos da
interpretação do Poverello de Assis: Sobriedade, frugalidade,
abstenção de bebidas alcoólicas. Moram em construções rústicas com
miseráveis instalações higiênicas, falta de esgotos, numa palavra, uma
existência de favelados.
O Milenarismo ou, mais propriamente, o bimilenarismo não
representa papel decisivo na realização da Doutrina do Amanhecer,
como pudesse parecer pela literatura publicada até o momento. Do
mesmo modo a data de 1984, prefixada para término da Era Crística e
concomitantemente, início da terceira fase de atuação do Vale, ou seja
o desencadear do Sistema Iniciático-Científico, não inspira cuidados
aos corifeus Neiva e Mário que interpretam mais flexível e menos
rigidamente esta determinação calendarística. Da parte dos adeptos
quase ninguém se preocupa com leituras e especulações deste
gênero – queixa, aliás, de seu Mário.

CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS (PASTORAIS)


A Arquitetura do Vale do Amanhecer, cujo único edifício de
monta é o Templo, revela-se simples, pobre, diríamos “cabocla”, toda
levantada com recursos naturais do humilde ambiente rural brasileiro:
bancos, altares, adornos, imagens, quadros, figuras, símbolos, tudo
singelo, construído com o esforço abnegado dos próprios médiuns. O
que simplesmente não transpira é o problema do dinheiro. O serviço
espiritual é inteiramente gratuito.
Nada de polêmica ou discussão. A regra é fazer, trabalhar, agir
em favor do próximo. Não se insere em questões sócio-políticas do
País. Política são partidos, divisões entre o povo de Deus. Quanto
mais a Igreja imiscui em assuntos políticos, meramente sociológicos e
econômicos, tanto mais ela perde sua influência moral de mãe e
mestra dos povos e das nações. Regendo-se por um sistema de
monarquia absoluta, sacral, hierárquica – papas, bispos, vigários
nomeados sem nenhuma consulta direta ao povo de Deus – à Igreja
falece autoridade para pregar modelos democráticos aos estados
modernos, já que sua forma histórica de governo se enraíza em
padrões do Império Romano. O anúncio do Evangelho condiciona
reforma sociais e mesmo políticas, sem as supor todavia como
“conditio sine qua non” de sua encarnação nas culturas por mais
diversas que sejam. A boa-nova pode ser e foi pregada desde o início
a pobres e escravos, a ricos e poderosos, sem distinção de classes e
de posses materiais.
Talvez um campo que poderia
ser melhor explorado pela Igreja
através de seu prestígio e autoridade
espiritual, seriam os meios de
comunicações cujo controle está nas
mãos do Governo. Aí, sim, o
episcopado nacional, os Srs. Bispos,
unidos e unânimes naturalmente,
deveriam dirigir representações às
autoridades competentes no sentido
de moralizar os espetáculos públicos,
nomeadamente os de Televisão –
uma vergonha nacional. Este
constitui sem dúvida, campo
específico da Missão moralizadora da
Igreja. Formando as consciências de
acordo com as exigências Cristãs do
Evangelho, as demais reformas sociais viriam por si mesmas, sem
necessidade de apelar-se a recursos escusos.
Na “Liturgia” do Vale dois elementos reclamam a atenção do
observador: Os Hinos e as vestimentas. Os cânticos são sérios,
tranqüilos baseados em melodias tradicionais do barroco brasileiro
como os que se executavam antigamente nos Templos Católicos.
Nenhuma preocupação de “novidades”, de ritmos agitados de sambas
ou de outras melodias profanas de filmes e cinemas. É hora, por
exemplo, de repensar o que está acontecendo coma Campanha da
Fraternidade cujos cânticos “novos” e em sons e ritmos desusados,
vem causando perplexidade nas igrejas e deixando o povo
desorientado. A nova geração não conhece os hinos antigos, sem que
se tenha fixado nos atuais cuja característica é não criar, não digo
tradição, sequer um uso ou costume. No entanto, ensina a sabedoria
de todos os tempos que, sem história e tradição, sem respeito para
com o passado, não se constrói nenhum futuro.
A Igreja Católica do Brasil parece ter-se esquecido de que este
país foi intensamente evangelizado durante quase quatro séculos,
tendo surgido de nosso ambiente étnico uma expressão “sui generis”
de cristianismo, fortemente enraizados no povo através de irmandades
e associações tradicionais, portanto movimentos leigos no melhor
sentido da palavra. Ao clero só incumbia a parte sacra da liturgia e da
pregação da doutrina. No fim do século passado tudo foi revirado, o
Brasil foi considerado um país “catequisado”, não porém
“evangelizado”, como querem os novos historiadores estrangeiros
incumbidos de “reescrever a história” de uma tal América Latina, como
se isto fosse terra de ninguém onde qualquer novel “estoriador” pode
“cavar e descavar” a bel-prazer. Acorreram as novas congregações
religiosas na Europa com suas “próprias” devoções, as únicas
verdadeiras e admissíveis, desbancando-se as tradicionais do povo
brasileiro: festas padroeiras, procissões, semanas santas, etc.
As irmandades do SS. Sacramento, dos Senhor dos Passos, do
Carmo, do Rosário e outras ficaram de lado, a ordem era: Apostolado
da Oração, Congregações Marianas, Filhas de Maria, Damas do
Coração de Jesus, Ação Católica e suas passageiras agitações; mais
recentemente: Legião de Maria, Cursilhos de Cristandade, Equipes de
Nossa Senhora, Movimento de Casais, de Jovens e um mundo de
siglas. O que tem perseverado mesmo são as humildes Conferências
de São Vicente de Paulo, porque vão ao cerne do Evangelho de Servir
aos pobres sem muita dependências dos organismos clericais. Os
uniformes, as fitas, as opas foram desprezadas, ridicularizadas pelos
padres moderninhos que em seu lugar nada puseram, mas entendem
muito bem de destruir o que os antigos com tanto suor e sacrifícios
edificaram, não na areia movediça da onda maníaca das novidades.
No Vale do Amanhecer, as vestes “litúrgicas” são singelas mas
vistosas, principalmente as femininas, o que vai ao encontro das
aspirações estéticas do sexo fraco. Em tudo, porém, sobressai a
dignidade, o respeito pela função que cada um exerce. Quem vê a
seriedade dos rituais, a convicção e calma com que são executados, a
unção das preces e dos hinos religiosos, percebe facilmente porque
alastram pelo Brasil Católico as seitas espíritas e os cultos mais
exóticos. É que a Igreja tem dessacralizado demais o culto divino,
particularmente a Santa Missa, com ritmos musicais estranhos, quase
carnavalescos – dentro do próprio tempo sagrado da Quaresma. Em
muitas igrejas, sem excluir colégios de freiras, a primeira comunhão,
por exemplo, que agora foi rebatizada com a novidade da primeira
eucaristia, passou a ser (opinião de uma professora da universidade
de Brasília) “uma festa de piquenique onde nada sobra da saudosa e
edificante cerimônia da tradicional primeira comunhão”.
O Povo de Deus aspira a seriedade, contemplação, ambiente de
recolhimento e oração. As Missas, agitadas de maçantes explicações
e cantorias, mais aparentam certos programas dominicais de televisão,
sem um minuto de pausa para reflexão interior.
Mas o ponto elevado na Doutrina do Amanhecer é a “Cura”
individual, o atendimento pessoal dos pacientes, nisto parece residir
todo o segredo, a chave do rápido desenvolvimento do Vale. Cada um
tem de ir lá, demorar-se, expor seus problemas, deixar-se tratar com
toda a calma. Se não sai curado, pelo menos volta satisfeito, renovado
em suas esperanças e – sobretudo com desejo e propósito de voltar.
Isto nos força a refletir sobre a confissão sacramental e individual da
Igreja, hoje bastante esquecida e pouco praticada. Que tesouro
estamos perdendo! Porque tantas doenças mentais, porque tantos
psicólogos e psiquiatras? À medida em que se fecham os
confissionários abrem-se os centros espíritas e mais cresce o número
das clínicas de males da mente, da alma. Os padres quase não
acreditamos mais nas bênçãos e nos sacramentais, nos poderes de
benzer e abençoar a nós conferidos tão solenemente por ocasião das
ordenações sacras; no entanto, no Vale do Amanhecer e por todo o
território nacional pululam os rituais de benzimentos e de passes.
Discutimos tantas teologias exóticas de fora, importadas de
universidades européias, agora a da “Libertação”com pronunciada
tendência política, mas a verdadeira libertação espiritual do povo
brasileiro, a liturgia “brasílica” autóctone não brota nem medra entre
nós , porque nossos teólogos só entendem das “casuísticas” de Roma,
de Paris, de Bruxelas e alhures. Urge pois, um estudo profundo, uma
revisão autêntica dos processos evangelizadores porque passou
nosso povo, a fim de se pôr paradeiro a tantas experiências
desencontradas que ultimamente vimos, em nome de Cristo,
impingindo à consciência religiosa e Católica dos fiéis brasileiros.

* * *
SALVE DEUS!

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