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Crises Capitalismo Global
Crises Capitalismo Global
Recife
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“O impulso fundamental que define a máquina capitalista e movimenta ela nasce de novos bens de
consumo, de novos métodos de produção e transporte, de novos mercados, das novas formas de
organização industrial que a empresa capitalista cria. (...). Esse processo de destruição criativa é o fato
essencial sobre o capitalismo. O capitalismo consiste na destruição criativa e todas as suas
preocupações vivem nela (...). Normalmente o problema central não é como o capitalismo administra as
estruturas existentes, o problema relevante é a forma como ele cria e destrói as estruturas existentes”.
J. A. Schumpeter1
“Por outro lado, se a taxa de expansão do capital total, a taxa de lucro, é o estímulo do capitalista,
(como a valorização do capital é sua única finalidade), sua queda está desacelerando a formação de
novos capitais independentes e, assim, aparece como uma ameaça para o desenvolvimento da
produção capitalista, ele promove superprodução, especulação, crises, e excedente de capital junto com
excesso de população.” Karl Marx2
”É o tecido barato, o algodão e tecido rayon barato, botas, automóveis e assim por diante, que são as
conquistas típicas da produção capitalista, e não melhorias que significam muito para o homem rico. A
realização capitalista normalmente não é produzir mais meias de seda para rainhas, mas trazê-los para a
área de garotas de fábrica, em troca da diminuição contínua do esforço de trabalho.” Joseph
Schumpeter.3
“Eu acredito muito seriamente que o capitalismo não é apenas a melhor forma de organizar a atividade
humana do que qualquer projeto planejado, qualquer tentativa de organizá-la para satisfazer as
preferências específicas, para apontar o que as pessoas consideram um fim tão bonito ou agradável,
mas também é a condição indispensável apenas para manter essa população viva que já existe no
mundo. Eu considero a preservação do que é conhecido como o sistema capitalista, do sistema de livre
mercado e da propriedade privada dos meios de produção, como uma condição essencial da própria
sobrevivência da humanidade”. -Friedrich Hayek4
“As falhas marcantes da sociedade econômica em que vivemos são sua incapacidade de garantir o pleno
emprego e sua distribuição arbitrária e desigual da riqueza e dos rendimentos.” John Maynard
Keynes5
“Capitalismo foi sempre uma falha para as classes pobres. Hoje o capitalismo está falhando também
para a classe média.” Howard Zinn6
O fato de que o capitalismo, até agora, conseguiu sobreviver a todas as previsões de sua morte
iminente, não precisa significar que ele será para sempre capaz de fazê-lo; não há prova indutiva aqui, e
não podemos descartar a possibilidade de que, da próxima vez que o capitalismo necessita de qualquer
cavalaria para seu resgate, ela pode não aparecer. Wolfgang Streeck7
3
Sumário
Sumário ......................................................................................................................................... 3
Tabelas .......................................................................................................................................... 7
Gráficos ....................................................................................................................................... 12
Quadros ....................................................................................................................................... 17
1. Introdução ........................................................................................................................... 19
2. Conceitos ............................................................................................................................. 32
a. Capitalismo ....................................................................................................................... 33
i. Introdução ................................................................................................................... 34
ii. Capitalismo – perspectivas históricas ......................................................................... 40
1) Os primeiros passos do capitalismo mercantil, agrário e financeiro ...................... 46
2) Industrialização e liberalismo - Do capitalismo concorrencial para o capitalismo
oligopolizado ................................................................................................................... 59
3) Crises do capitalismo global no século XIX – a Longa Depressão e o crescimento
acelerado até a Primeira Guerra Mundial ....................................................................... 74
4) Do capitalismo competitivo para o capitalismo organizado ................................... 83
5) O Brasil na evolução capitalista até a Primeira Guerra Mundial............................. 92
6) O período entre as guerras – entre laissez faire e intervenção .............................. 99
7) O capitalismo fordista e keynesiano na era do ouro depois da II Guerra Mundial107
8) O capitalismo global na era neoliberal .................................................................. 109
iii. Capitalismo - perspectivas teóricas ....................................................................... 112
b. Conjunturas, crises e depressões econômicas ............................................................... 125
i) Cíclo conjuntural e crises........................................................................................... 127
ii) Tipologia das crises.................................................................................................... 133
iii) Crises financeiras....................................................................................................... 136
iv) Tipos de crises financeiras..................................................................................... 138
v) Contágio das crises financeiras ................................................................................. 146
vi) Crises financeiras na perspectiva de diferentes correntes de pensamento
econômico ......................................................................................................................... 147
c. O papel do Estado na economia: Neoliberalismo versus Keynesianismo ...................... 149
i) O papel do Estado na economia na perspectiva histórica ........................................ 156
ii) O poder politico do Estado como uma fonte de poder social .................................. 159
iii) As elites e os 99% .................................................................................................. 163
iv) As intervenções do Estado na economia e na sociedade civil .............................. 167
v) O Estado de bem-estar social na discussão .............................................................. 169
vi) Uma análise empírica do papel do Estado na economia ...................................... 172
vii) A governança do Estado em tempos de globalização e neoliberalismo ............... 176
d. Instituições, interesses, ideias e ideologias na transformação social............................. 179
4
Tabelas
Tabela 1 Estimação do PIB per capita do Projeto Maddison (1990 International Geary-Khamis
dollars) 1300 - 1800 49
Tabela 2 Número dos veleiros europeus para Ásia 54
Tabela 3 Chegada de escravos africanos nas Américas 1500-1870 (mil) 55
Tabela 4 Commodities das importações europeias da Ásia 1513 - 1780 56
Tabela 5 Capacidade da navegação do Reino Unido e do mundo, 1470–1913 (mil toneladas) 58
Tabela 6 As três maiores forças navais 1650 - 1720 (em mil toneladas) 58
Tabela 7 A indústria têxtil de algodão em Europa 1834 - 1913, Número de fusos de algodão
(Cotton spindles) (mil) 62
Tabela 8 Importações e reexportações de têxteis de algodão de Índia e exportações britânicas
de têxteis de algodão 1663 - 1853 62
Tabela 9 Preços reais de fios e peças de roupa de algodão (diferentes qualidades)
(deflacionados pelo índice geral de preços) Grã-Bretanha 1780 – 1829 63
Tabela 10 Preços de algodão cru em Grã-Bretanha, pence per libra, 1680-1879 63
Tabela 11 : Índice do volume da produção industrial nacional 1750 - 1913 64
Tabela 12 Participação dos quatro países centrais na produção industrial mundial (%) 64
Tabela 13 Produção de carvão (milhões de toneladas) e ferro (mil toneladas) 64
Tabela 14 Participação (em %) de países centrais e periféricos no PIB global e na população
1500 - 2018 67
Tabela 15 Extensão ferroviária em quilômetros em países escolhidos 1840 -1900 72
Tabela 16 Tarefas médias (% do valor) sobre produtos manufaturados em países escolhidos 73
Tabela 17 A longa depressão na Alemanha, na nos Estados Unidos, na França e no Reino
Unido1 77
Tabela 18 Comparação da evolução dos preços na depressão longa (1871-1873/1893), na
recessão 1921 e na Grande Depressão Estados Unidos 79
Tabela 19 Crescimento do comércio internacional e do PIB global (% a.a.) 1817 - 1940 79
Tabela 20 Estoque de capital estrangeiro 1914 (US$ milhões - taxas de câmbio correntes) 80
Tabela 21 Colônias (incluindo os domínios do Reino Unido) dos poderes centrais (Área em
quilômetros quadrados (milhões) e população (milhões) em 1876 e 1914) 82
Tabela 22 Distribuição setorial da população ocupada por setores (%) 1800, 1870 e 1913 90
Tabela 23 Principaís mercadorias da exportação brasileira (1821/1950) 94
Tabela 24 Imigração Brasil 1884 - 1933 95
Tabela 25 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos 1914-1918
(%) 101
Tabela 26 Dívida pública em moeda nacional (1913 =100) e em relação ao PIB 103
Tabela 27 Gastos públicos totais em percentagem do PIB (%) 1980 - 2013 172
Tabela 28 Gastos públicos sociais em percentagem do PIB 1980 - 2013 173
Tabela 29 Informações econômicos sobre os sete países mais populosos da América Latina 174
Tabela 30 Gastos totais e sociais do Governo (Central/Geral) 1990 -2014 (em % do PIB) 174
Tabela 31 Desigualdade de renda e pobreza no Brasil 1976 - 2014 175
8
Tabela 32 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão 201
Tabela 33 Recessão em 1921: Índices da produção industrial (I)/manufatura(M) em países
escolhidos (1920=100) e comparação com a Grande Depressão dos anos 1930 (1929 = 100) 226
Tabela 34 Tendências recessivas 1925-1928 229
Tabela 35 Composição setorial do PIB e da ocupação, Brasil 1900 – 2000 230
Tabela 36 Taxas médias de crescimento e desvio padrão do PIB e dos setores da economia,
população e PIB per capita, Brasil 1900 – 2000 231
Tabela 37 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos (%) 1914-
1918 234
Tabela 38 Retorno ao padrão ouro, saída do ouro, paridade de volta em relação a paridade
antes da guerra, queda da produção industrial, países escolhidos 235
Tabela 39 Distribuição da emissão de títulos estrangeiros de dívida nos Estados Unidos 1919 –
1929 238
Tabela 40 Valor adicionado e produção bruta na agricultura mundial, 1870-1938 (Índices,
1913=100) 239
Tabela 41 Valor das Exportações agrícolas 1929 240
Tabela 42 Principaís mercadorias da exportação em valor (1901/1950) 242
Tabela 43 Produção, preços, e comércio internacional na Grande Depressão 250
Tabela 44 A Grande Depressão: Pico e Fundo, Queda da Produção Industrial e do PIBpc,
recuperação até 1938 e saída do padrão ouro, Países escolhidos 251
Tabela 45 Desemprego no período entre as guerras e na Grande Depressão 252
Tabela 46 Grande Depressão Estados Unidos: Variação percentual do PIB real e seus
componentes e do deflator do PIB e dos componentes (Contas Nacionais trimestrais) 261
Tabela 47 Grande Depressão Estados Unidos 1913 – 1939 263
Tabela 48 Agregados monetários EUA 1920-1938 265
Tabela 49 Suspensão dos Bancos na Grande Depressão nos Estados Unidos 1928-1934 268
Tabela 50 Índices Valor, volume e preços das exportações mundiais, dos EUA, Alemanha e
Brasil 1921-1938 (1929 =100) 271
Tabela 51 Adoção e suspensão do Padrão câmbio ouro 274
Tabela 52 O lado real da economia alemã 1925-1938, Índices (129 =100) com exceção do
desemprego (em %) 277
Tabela 53 O lado monetário da economia alemã 1925-1938, Índices (1928 =100) 278
Tabela 54 O balanço de pagamentos alemão (milhões Reichsmark) 280
Tabela 55 Dívida pública alemã (milhões Reichsmark) 281
Tabela 56 Dívida do governo central alemã 1913-1923 (milhões de Mark e Goldmark calculado
a taxa de câmbio do US$) 282
Tabela 57 Dívida pública/PIB % 1913-1938 Países centrais escolhidos 282
Tabela 58 Taxas de crescimento anuais do PIB e do PIBpc para países europeus e para os
Estados Unidos para períodos escolhidos 287
Tabela 59 Grande Depressão Reino Unido 1913 – 1939 288
Tabela 60 Grande Depressão França 1913 – 1939 289
Tabela 61 Perspectivas macroeconômicas da Grande Depressão no Brasil (Índices 1929 = 100)
295
Tabela 62 O lado monetário da economia brasileira na Grande Depressão 297
9
Tabela 125 Perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e
Brasil 1980-2012 567
Tabela 126 Mercado de crédito - sentido amplo – dos Estados Unidos 1995 -2011 (bilhões de
US$) 594
Tabela 127 Títulos lastreados em hipotecas, Agências e não Agências, CDO e CDO sintético
2002- 2012, (bilhões de US$) 595
Tabela 128 Conta Corrente em % do PIB (Média 2000/12), Reservas internacionais Bilhões US$
2012, Mudança Reservas 2012/2000 607
Tabela 129 Déficit estrutural (em % do PIB) e Dívida pública (em % do PIB) dos Estados Unidos,
do Reino Unido e da área do euro 2004 - 2015 615
Tabela 130 Crises bancáriassystemicas em paísese escolhidos 2007 - 2012 620
Tabela 131 Perspectivas macroeconômicas para os países no centro da crise da dívida
soberana na área do euro 2000-2012 625
Tabela 132 Perspectivas econômicas da economia grega 1995 - 2017 629
Tabela 133 Índice PIB trimestral seus componentes com ajuste sazonal 2008 (3. Trimestre
=100) 633
Tabela 134 Exportações brasileiras por grupos de produtos 2009/08 (com participação na
paute de mais de 1%), Valor milhões de US$ fob, variações 2009/08 em valor, volume e preço
636
Tabela 135 Fluxos de remessas, Transações unilaterais Brasil 2000-2011, Milhões US$ 638
Tabela 136 Renda de investimento estrangeiro direto, Investimento de carteira e outros
investimentos Brasil 2000-2011, Milhões US$ 638
Tabela 137 Fluxos Investimento estrangeiro direto para o Brasil 2001 – 2009, estoques IED
2010, Milhões de US$ 641
Tabela 138 Investimento estrangeiro direto e em carteira (ações e renda fixa) e outros
investimentos estrangeiros Brasil 2000 – 2012 642
Tabela 139 Médias mensais para Investimentos estrangeiros em períodos críticos 643
Tabela 140 Coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das variáveis
financeiras no regime de câmbio administrado e de câmbio flutuante 663
Tabela 141 Estatísticas descritivas de variáveis financeiras escolhidas no período de regimes de
câmbio administrado (1994:10 – 1998:12) e flutuante (1999:01 -2013:05) 665
Tabela 142 Taxa de crescimento contínuo de variáveis financeiras e crises internacionais
representadas por dummies 667
Tabela 143 Estatísticas descritivas das variáveis: Investimento estrangeiro direto, de carteira
(ações e renda fixa) e outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária 1995:01 –
2013:05 668
Tabela 144: Investimento estrangeiro direto, de carteira (ações e renda fixa) e outros IE
específicos e crises internacionais representadas por dummies 668
Tabela 145: Taxa de crescimento contínuo de variáveis do lado real da economia brasileira e as
crises internacionais representadas por dummies 669
Tabela 146 Taxa de crescimento contínuo de variáveis da inflação IPCA da economia brasileira
e as crises internacionais representadas por dummies (defasadas em três meses) 1998:08 –
2013:06 670
Tabela 147 Resultados das regressões das variáveis do lado real da economia sobre o IPE e
seus valores defasados 673
12
Tabela 148: Resultados das regressões dos investimentos estrangeiros sobre as taxas de
crescimento contínuo do IPE (com erros padrão robustos HAC) 674
Gráficos
Gráfico 1 : PIB per capita de Alemanha, Itália (centro-norte), Holanda, Inglaterra e Espanha
1600 – 1800 57
Gráfico 2 Renda per capita na Inglaterra, nos Estados Unidos (USA), na Holanda (Países Baixos),
Alemanha e França 1750 – 1900 67
Gráfico 3 Índices de preços Estados Unidos 1869 – 1930 76
Gráfico 4 Índices de preços Reino Unido 1786 – 1924, 76
Gráfico 5 Índices produção industrial, têxtil e da indústria pesada Reino Unido, 1854 – 1924, 78
Gráfico 6 Estrutura do emprego nas unidades operacionais locais (fabricas) das empresas
alemães na indústria 1882, 1895, 1907 e 1925, 85
Gráfico 7 Emprego médio nas diferentes formas jurídicas das empresas alemães 1882, 1895,
1907 e 1925 86
Gráfico 8 Valor em libras esterlinas das exportações e importações brasileiras 1821 – 1913 96
Gráfico 9 Valor em libras esterlinas das exportações de algodão, borracha, café, e açúcar 1850
– 1913 97
Gráfico 10 Inflação de custo de vida RJ, Preço médio de café (Reis/kg) Taxa de câmbio
(Pence/mil réis) Brasil 1820 – 1913 98
Gráfico 11 Índices de preços por atacado (1913=100), Reino Unido, Estados Unidos, França e
Alemanha (para hiperinflação 1920/1923 faltam os dados no gráfico), 102
Gráfico 12 Índices de preços por atacado (1913=1), Alemanha na hiperinflação 1922/06-
1923/12 faltam dados), 103
Gráfico 13 Índices PIB per capita (1913 = 100) França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos
1918 – 1939 (Maddison data), 105
Gráfico 14 Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil 1980-2014, ciclo conjuntural (retirando
a tendência de crescimento através de um filtro Hodrick – Prescott e suavizando os hiatos
também com este filtro) 129
Gráfico 15 Índice composto de crises financeiras (Reinhart e Rogoff (2009)) e Índice de crises
reais, 1900 – 2014 209
Gráfico 16 Fluxos internacionais de capital 1815 até 2014 do trabalho de Carmen Reinhart,
Vincent Reinhart e Trebesch [2016] 212
Gráfico 17 PIB real 1925-1939, Estados Unidos, Alemanha e Brasil, Taxa de desemprego 215
Gráfico 18 Grande Depressão: Índice DOW Jones (Índice de preços de ações EUA) 1920-1941
215
Gráfico 19 Taxa de inflação anual para Alemanha, Estados Unidos, França e o Reino Unido de
1900 até 1938 224
Gráfico 20 Índice PIBpc (1913 =100) Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido 228
Gráfico 21 Taxa de crescimento do PIB Brasil 1913 – 1939, estimativas do IBGE, do IMF e do
Groningen Growth and Development Centre (GGDC). 230
Gráfico 22 Estados Unidos Índices dos preços da agricultura (1929 = 100) 1913-1937: geral (58
produtos), culturas (crops), carnes, algodão 241
13
Gráfico 23 Índices de preços das exportações de café (em moeda nacional e estrangeira), de
açúcar e algodão (em moeda nacional) 1913 -1939 243
Gráfico 24 Investimento em equipamento das empresas, em estruturas não residenciais e
residenciais Estados Unidos 1919 – 1939 254
Gráfico 25: Índice Dow Jones e taxa de crescimento contínuo do índice Dow Jones e taxa
suavizada de crescimento (HP λ =5) 1920-1941 255
Gráfico 26 Produção industrial mensal real (preços de 1929) e o índice DOW JONES janeiro de
1929 até dezembro de 1938 256
Gráfico 27 Valor nominal da produção, preços da agropecuária, e renda líquida da agricultura
nos Estados Unidos 1913 – 1939 257
Gráfico 28 Taxas básicas dos bancos centrais de Alemanha, Estados Unidos, França e Reino
Unido 1919 – 1938 267
Gráfico 29 Reservas em ouro dos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, do reino
Unido e da França em milhões de US$ junho 1928 até outubro de 1933 [US$ 20.67 por ounce]
268
Gráfico 30 Participação na renda nacional dos 10%, 1% e 0,1% no topo na distribuição de
renda nos Estados Unidos 1913 – 1945 269
Gráfico 31 Base monetária, Reservas bancárias e moeda em poder do público, Alemanha 1924
– 1938 280
Gráfico 32: Crise Alemanha junho 1929 – dezembro 1933, Desemprego (mil), Índice de
produção industrial (junho 1929 =100), Índice de preços das ações (junho 1929 =100), Índice
das exportações (junho 1929 =100) 286
Gráfico 33 Índice PIB real, produção industrial, valor exportações, PIB agricultura, Brasil 1918-
1939, 292
Gráfico 34 Valor exportações e importações (US$ Milhões), taxa de câmbio mil-réis – libra,
Brasil 1920-1939 292
Gráfico 35 Valor exportações moeda nacional e estrangeira Brasil 1920-1939 293
Gráfico 36 Valor exportações de café moeda nacional e estrangeira, quantidade exportada de
café, Brasil 1920-1939 294
Gráfico 37 Preço de café em moeda nacional (Eixo esquerdo) e moeda estrangeira (Eixo
direito) e taxa de câmbio mil reis libra (Eixo esquerdo) 295
Gráfico 38: Lucros líquidos das corporações nos Estados Unidos 1920 – 1938, nominais e reais,
Índice de preços ao atacado 302
Gráfico 39 Participação dos 10%, 1%, 0,1% camadas com renda maior na renda nacional dos
Estados Unidos 1913 -2012 303
Gráfico 40 Crises financeiras no período de 1925 até 1938, baseado em dados de
http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/ 306
Gráfico 41 Preços de commodities, Fluxos internacionais de capital de capital (dados de
Reinhart e de Feinstein e Watson), Percentagem dos países em default de 46 países na
amostra 1925 – 1938 309
Gráfico 42 Participação dos países em default sobre a dívida externa (sem ponderação e com
ponderação pelo PIB) entre 1920 e 1939 323
Gráfico 43 Taxa de câmbio US$/£ setembro de 1929 até dezembro de 1938 (desvalorização da
Libra esterlina em setembro de 1931 e do US$ em abril de 1933), Taxa básica dos Estados
Unidos e do Reino Unido, Produção industrial dos Estados Unidos (Índice 2012 = 100) 328
14
Gráfico 44 PIB e seus componentes (Índices 1929:3 = 100) Estados Unidos 1929:3 – 1939:12
330
Gráfico 45 Deflator do PIB, Índice de preços ao atacado, Deflator de bens de consumo duráveis
e não duráveis, e Índice de preços de ações (1929=100) para os Estados Unidos 1929 -1940 332
Gráfico 46 Índices (1929=100) para a base monetária, M1, depósitos e – em milhões de marcos
– MEFO letras de câmbio e cupões de impostos, Alemanha 1929 – 1933 338
Gráfico 47 Produção de bens de investimento (Valor e quantidade) e ecomendas de indústria
na indústria, Alemanha, 1929 – 1934 359
Gráfico 48 Emprego industrial (Índice 1929 =100) em Alemanha, Canada, Estados Unidos e
Suécia 1929 – 1940 361
Gráfico 49 Rentabilidade sobre o capital próprio (%) das companhias abertas industriais
Alemanha 1928 – 1939 364
Gráfico 50 Taxas médias de crescimento do PIB real (%) em diferentes períodos entre 1950 e
2015 para Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 397
Gráfico 51 Hiato do PIB (em % do PIB potencial, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos 1950
– 2015 (séries suavizadas) 398
Gráfico 52 Taxa média anualizada de inflação (%) para períodos entre 1950 e 2015, para
Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos, 398
Gráfico 53 Taxas de inflação para Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão 1951 – 2015
399
Gráfico 54 Inflação dos preços de petróleo e inflação do deflator do PIB dos Estados Unidos
1950 – 2015 399
Gráfico 55: Taxa de desemprego média para períodos entre 1950 e 2015, para Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 400
Gráfico 56 Dívida pública (em % do PIB) 1950, 1973, 1983, 2007 e 2015 Para Alemanha, Grécia,
Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 401
Gráfico 57 Taxas de crescimento (%) da dívida pública em % do PIB em eutsche distintos entre
1950 e 2015 Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 401
Gráfico 58 Dívida pública em % do PIB da Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos
1950 – 2015 402
Gráfico 59 Dívida das famílias em relação ao PIB (%) 1970 – 2015 Alemanha, Grécia, Japão,
Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 403
Gráfico 60 Dívidas das empresas não financeiras em relaçã ao PIB 1970 – 2015 Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 404
Gráfico 61 Taxas de câmbio do marco alemão, franco francês, cem ienes (eixo de esquerda) e
da libra (eixo da direita) 1960 até 1980 408
Gráfico 62 Reservas internacionais (incluindo ouro em dólares correntes) de Alemanha, Japão,
França e Reino Unido 1960 -1974 410
Gráfico 63 Taxa de desemprego na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1970 – 1990 424
Gráfico 64 Taxa de inflação na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985 424
Gráfico 65 Taxa de crescimento do PIB na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985
425
Gráfico 66 Taxa de crescimento do PIB real (%), da indústria de transformação (%), do
investimento bruto real (%) 1960 – 1985 426
15
Gráfico 67 Taxa de Inflação IPC-FIPE, IGP-DI FGV (%) e taxa de desvalorização cambial da
moeda nacional em relação ao dólar (US) em %, 1960 – 1985 427
Gráfico 68 Índices de quantum e de preços da exportação e da importação Brasil, índice dos
preços de commodities da agricultura, 1960 – 1985 428
Gráfico 69 Dívida Externa e Reservas Internacionais (Milh. US$) [Eixo esquerdo] Preço de
Petróleo (US$/barrel) [Eixo direito] 1960-2012 429
Gráfico 70 Dias de greve (em mil) nos países centrais 1960 até 2008 431
Gráfico 71 Taxa de densidade sindical em alguns países centrais (%) 1960 – 2012 432
Gráfico 72 Taxas de crescimento dos salários nominais (%) em alguns países centrais, 1960 –
1985 433
Gráfico 73 Taxas da inflação IPC (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985 433
Gráfico 74 Taxa dos aumentos salariais reais (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985 434
Gráfico 75 Índices lucros reais, Compensação real dos empregados, Lucros setor
financeiro/lucros totais (%), Estados Unidos 1960 - 2012 436
Gráfico 76: Preços de petróleo (barrel) em US$ correntes, em US$ de 2013 (eixo esquerdo) e a
taxa de inflação nos Estados Unidos (Índice de preços ao consumidor PIB – eixo direito) 1960 –
2015. 440
Gráfico 77 Taxa básica nos Estados Unidos (Federal Funds rate, efetiva) e taxa de juros dos
bancos para seus melhores clientes (prime Rate) 1959 – 2011 441
Gráfico 78 Produção de petróleo mundial, OPEP, não OPEP (sem União Soviética antiga), União
Soviética antiga 1960 – 2013 441
Gráfico 79 Produção de petróleo do Irã, Iraque, Kuwait, Saudi Arábia, 1960 – 2013 442
Gráfico 80 Taxa de crescimento do PIB global (%), Comércio internacional de bens (% do PIB
global), Estoque de investimento direto (Ingresso em % do PIB) 1960 - 2016 448
Gráfico 81 Ativos Financeiros Globais e PIB Global (Trilhões US$) 464
Gráfico 82 Fluxos de capitais trans-fronteiras (IED: Investimentos estrangeiros diretos) 1990-
2007 (Trilhões US$) 465
Gráfico 83 Taxa da inflação nos países centrais 1960 – 2013 e da taxa de inflação dos preços de
petróleo 488
Gráfico 84 Taxa de inflação IPC Estados Unidos [% a.a.], Taxa básica Estados Unidos [% a.a.],
preço de petróleo [US$ por barril], Índice dos preços de commodities de metais básicos, e da
agricultura 1960 – 1996 489
Gráfico 85 Taxa de inflação IPCA (% a.m.) e desvalorização (+) cambial Brasil 1980 – 2017 508
Gráfico 86: Taxa de Inflação IPCA (% a.a.) Taxa de juros SELIC – mercado (% a.a.), Meta de
inflação (% a.a.) Brasil 1995 – 2017 508
Gráfico 87 Fluxos financeiros internacionais em diferentes segmentos Brasil 1960 – 2012 519
Gráfico 88 Risco Brasil e taxa de câmbio R$/US$ 10/1994 até 02/2002 551
Gráfico 89 Índice BOVESPA e taxa de juros SELIC de mercado de 10/1994 até 02/2002 551
Gráfico 90 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Saldo da balança comercial (em
milhões US$), Déficit fiscal em % do PIB, Transações correntes em % do PIB 554
Gráfico 91 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Investimento estrangeiro direto
(acumulados os últimos 12 meses), Investimento estrangeiro de carteira (acumulados os
últimos 12 meses), e outros investimentos estrangeiros (acumulados os últimos 12 meses) 555
Gráfico 92 Brasil 2002 até 2004: Risco país e taxa de câmbio R$/US$ 558
16
Gráfico 93 Índices (1980:1 = 100) dos índices de mercado de ações norte-americano Standard
& Poor’s 500, Dow Jones Industrial e NASDAQ 1980:1 até 2013:5 570
Gráfico 94 Base Monetária (eixo esquerdo) e Federal Funds Rate (efetiva) (eixo direito) nos
Estados Unidos 1980 – 2013:5 572
Gráfico 95 Taxa de crescimento do PIB dos Estados Unidos e das taxas de crescimento das
exportações de Alemanha, Brasil, China e Japão 2006:01 – 2011:03 (dados com ajuste sazonal,
% sobre o trimestre anterior) 579
Gráfico 96 Índices (2000:01 = 100) de preços das commodities minério de ferro, petróleo,
açúcar, soja 2000:01 – 2016:02 580
Gráfico 97 Índices (2010 = 100) dos preços de ações Estados Unidos, Brasil, China, área do euro
(19 países) 2001 até 2017 581
Gráfico 98 TED spread (%) entre 2007:01:01 até 2008:31:12 582
Gráfico 99 Expansão do dinheiro, M1, M0 (base monetária), reservas bancárias e do crédito
bancário 588
Gráfico 100 Taxas de crescimento no período de 2000-2011 do dinheiro, M1, M0 (base
monetária), reservas bancárias e do crédito bancário 588
Gráfico 101 Razão preço – lucro do mercado acionário (S&P) e taxa de juros de longo prazo dos
Estados Unidos 1881 – 2017 [Shiller: Irrational Exuberance" Princeton University Press, 2000,
2005, 2015, updated] 600
Gráfico 102 Preços das casas (real), Custos de construção (real), População, Índice de taxas de
juros Estados Unidos 1890 – 2017 [in Robert J. Shiller, Irrational Exuberance, 3rd. Edition,
Princeton University Press, 2015, as updated by author} 601
Gráfico 103 Evolução (Índices 1995:1 =100) dos preços residenciais nos mercados imobiliários
dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha 1995 – 2012 602
Gráfico 104 Evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados Unidos, para o
Reino Unido e a Espanha 1995 -2011 602
Gráfico 105 Estados Unidos 1995-2012 Dívida do setor não financeiro, dívida de hipotecas
residencial e comercial e credores das hipotecas US$ Bilhões 604
Gráfico 106 Desequilíbrios globais: Conta corrente (em % do PIB) Alemanha, Brasil, China,
Estados Unidos, Japão, Saudi Arábia 1990 - 2017 608
Gráfico 107 Taxas de juro de curtíssimo prazo (‘call money’) Área do euro, Estados Unidos,
Japão e Reino Unido 2000 - 2017 612
Gráfico 108 Ativos dos bancos centrais em relação ao PIB (%) 2007 até 2013, Banco Central
Europeu (European Central Bank – ECB), Federal Reserve (FED), Bank of England (BoE), Bank of
Japan (Boj) 613
Gráfico 109 Spreads (em pontos percentuais) de títulos da dívida soberana (10 anos) dos
países em crise sobre os títulos soberanos da Alemanha 623
Gráfico 110 Produção Industrial (Índice Jan/2004 =100), Exportações e Importações de bens
(acumulados por 12 meses) US$ Milhões Brasil 2004-2012 634
Gráfico 111 Índices (julho 2008 = 100) Exportações, Na Conta Capital e Financeira:
Investimento estrangeiro em carteira ações, Investimento estrangeiro em renda fixa, Crédito
Comercial, Outro Crédito, e Taxa de câmbio R$/US$ e Índice BOVESPA 635
Gráfico 112 PIB, Consumo das Famílias, Consumo do Governo, Investimento (FBCF) Brasil 2000
– 2019 3. Trimestre (Para visualizar melhor as crises o eixo horizontal foi interrompido em 80)
645
17
Gráfico 113 Produção industrial (Índice dessazonalizado), geral, bens de capital, bens do
consumo, bens do consumo duráveis, Janeiro 2002 – Outubro 2019, (eixo vertical
interrompido em 50) 646
Gráfico 114 As Commodities mais importantes na pauta de xportações brasileiras2014 647
Gráfico 115 Índice de preços internacionais de soja, minério de ferro, petróleo, carne de boi,
açúcar 2000 – 2017 648
Gráfico 116, Taxa de desemprego e desocupação (%), Taxa de inflação (IPCA), taxa de câmbio
R$/US$, Brasil 2000 -2019 649
Gráfico 117 Dívida bruta do governo geral, Déficit fiscal nominal e primário ejuros nominaisdo
setor público, tudo em % do PIB Brasil 2000 – 2019 650
Gráfico 118 Brasil 2000:12 – 2019:10 transações correntes (em % do PIB), o saldo da balança
comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$), investimentos estrangeiros líquidos em
carteira (acumulado em 12 meses, milhões de US$) 651
Gráfico 119: Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil e hiato do PIB 1980-2012 656
Gráfico 120 Taxa de câmbio R$/US$, Taxa Selic mensal (% a.m.), Reservas internacionais
brasileiras (Bilhões US$) 1994:8 – 2013:5 (área sombreada: crises internacionais) 658
Gráfico 121 Risco país Brasil (spread EMBI+BR pontos básicos), Índice BOVESPA (pontos) e
Investimentos estrangeiros da carteira (IEC) 1994:8 – 2013:5 (áreas sombreadas: crises
internacionais) 660
Gráfico 122 Taxa de inflação (12 meses %) IPCA, IPCA comerciáveis, IPCA monitorados, IPCA
Núcleo 1995 -2013 664
Gráfico 123 Índice da pressão especulativa (IPE) nos mercados financeiros brasileiro 1994:10 –
2013:05 e sua Primeira Diferença de ln(IPE) (áreas sombreadas períodos de crise) 672
Gráfico 124 Índice (1991 = 100) dos trabalhadores industriais no mundo, na China e nos
Estados Unidos 700
Gráfico 125 Participação (%) dos trabalhadores industriais no emprego total no mundo, na
Alemanha, na China, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, no Japão, e no Reino Unido 1970 –
2010 701
Quadros
Quadro 11 Efeitos prováveis das crises financeiras em diferentes regimes cambiais sobre
variáveis financeiras específicas 661
Quadro 12 Fatores que podem explicar o ciclo conjuntural e as crises 677
Quadro 13 Alternativas de luta contra o capitalismo para trabalhadores e camponeses 691
19
1. Introdução8
“Money makes the world go around” 9
“Dinheiro fornece dois fundamentos indispensáveis para o capitalismo. Primeiro, sem um padrão de
valor confiável o cálculo econômico torna-se cada vez mais difícil fazendo o capitalismo vacilar. Em
segundo lugar, capitalismo é praticamente sinônimo com a existência do capital-dinheiro sob a
forma de dívida bancária, que financia a produção, o consumo e a especulação. Existem duas partes
relativamente autônomas para uma economia capitalista – a parte monetária e a parte material -
que se entrelaçam em uma interdependência delicada. A inovação tecnológica pode ser dinâmica
somente assumindo o risco do financiamento para um futuro desconhecido. É essa projeção de
risco temporal, baseada na premissa de que a dívida será paga, com que o capitalismo se torna no
mesmo momento dinâmico e frágil.”. Geoffrey Ingham 10
O capitalismo foi fundado em um pacto Faustiano. Os diabos da avareza e da usura foram liberados,
no entendimento de que, depois de ter levantado a humanidade a sair da pobreza, eles iriam sair da
cena. Um paraíso de abundância se seguiria, com todos os homens livres para viver como só os
poucos felizes tinham vividos antes. Este mito pode ser encontrado em Marx, Mill, Marcuse e
outros. Horários e mecanismos variados, mas todos concordaram que, mais cedo ou mais tarde, de
uma forma ou de outra, a hora feliz viria. Caso contrário, por que a labuta, miséria e deformação de
sentimento? O capitalismo precisava de uma visão radiante, sem ela, as suas humilhações seriam
intoleráveis. No entanto, como os contos de fadas nos dizem, o diabo honra a promessa
apenas em letras, não na realidade. É verdade, nós somos mais ricos do que nunca, e é verdade, as
horas de trabalho diminuíram. Mas o paraíso de abundância não chegou. A busca sem fim da
vantagem material – em palavras de Mill "pisando, esmagando, cotovelando, e pisando em outros"
- continua a ser a nossa sorte para o futuro previsível. (...) A experiência tem-nos ensinado que os
desejos materiais não têm limites naturais, (...). O capitalismo se baseia precisamente nesta
expansão infinita de desejos. É por isso que, para todo o seu sucesso, ele permanece tão pouco
amado. Ele nos deu riqueza além da medida, mas tirou o principal benefício da riqueza: a
consciência de ter o suficiente. Robert e Edward Skidelsky11
O objetivo central do trabalho é descrever e analisar os impactos das crises do capitalismo
global sobre o Brasil, com ênfase nas crises pós Plano Real. As referências teóricas mais
importantes para descrição e avaliação destas crises é a literatura sobre a Grande Depressão
da década de 1930, sobre a crise da regulação do capitalismo global na inspiração Keynesiana
– Fordista – e de Beveridge na década de 1970 e sua suposta solução através da ascensão do
pensamento neoliberal, e sobre a crise financeira global de 2008/2009 [A Grande Recessão] e
seus impactos na área do euro desde 2010 [a crise na área do euro]. Estas crises profundas
tinham efeitos não somente sobre produção e emprego no nível global e no Brasil, mas
também sobre o pensamento econômico e político e com isto sobre as relações de poder nos
países mais afetados. Estas crises profundas foram também períodos de transformações
econômicas, políticas, culturais [ideológicas] e sociais importantes. A Grande Depressão da
década de 1930 [na imaginação pública com início em outubro 1929 com a quebra da bolsa de
Nova Iorque] foi a crise mais séria do capitalismo global levantando dúvidas sobre o futuro do
modelo capitalista de produção e transformando pensamentos e estruturas políticas e
econômicas em muitos países, com consequências desastrosas na Alemanha com a ascensão
de Hitler e o nacional-socialismo ao poder em 30 de janeiro de 1933, levando o mundo para o
caminho para a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. As outras grandes crises iniciam
20
Crises globais atingem sempre muitos países do mundo, países centrais e mercados
emergentes, mas nas crises os países são atingidos de forma diferenciada, uma perspectiva
global generalizada enfrenta o perigo de nivelar as diferenças. Por esta razão a narrativa sobre
as crises do capitalismo global precisa - muitas vezes - desviar o olhar global para os eventos
21
em países específicos como Brasil, Alemanha, Estados Unidos e outros países atingidos pelas
crises.
Num capítulo posterior é feita uma tentativa de resumir as teorias de crises sob as
perspectivas de diferentes correntes de pensamento econômico. No último capítulo se
encontra uma tentativa de descrever e repensar os movimentos sociais que em seguida da
crise financeira global de 2008/2009 tentam abrir alternativas de transformações do
capitalismo global para ‘outro mundo possivel’.
Mas todas estas crises profundas da economia capitalista global mostravam também a
flexibilidade do capitalismo em mudar os caminhos das políticas públicas, das estratégias
empresariais e dos pensamentos econômicos como reflexo das crises para reconduzir a
economia global novamente nos trilhos de crescimento e da inovação, mas no mesmo
momento criando novos problemas. Na década de 1990 foi o modelo alternativo do socialismo
burocrático no leste europeu que quebrou, não somente por causa de problemas econômicas,
mas também – e provavelmente em primeiro lugar – por falta de liberdades democráticas.
Para as elites nos países centrais parecia que o capitalismo global nos moldes neoliberais ficava
como única alternativa viável, mas nas crises seguintes, com foco na crise financeira global,
este pensamento enfrentava sérias dúvidas.
A crise financeira global dos anos 2008/2009 foi a crise mais grave do capitalismo global desde
a Grande Depressão da década de 1930. Desenvolveu-se de uma bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos fomentada por uma política monetária expansionista
e uma expansão expressiva do crédito hipotecário, ajudada por inovações financeiras, e a
facilidade dos Estados Unidos de financiar com juros baixos déficits na conta corrente e no
orçamento do governo através da maciça entrada de capitais de países superavitários como a
23
Poucos economistas previam a crise, ainda menos previam o pânico financeiro que se seguiu a
falência do banco de investimento Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008. Com esta
data a crise tornou-se global: a concessão do crédito cessa, os mercados financeiros entram
em pânico e muitas economias no mundo entravam em uma recessão profunda. O Brasil
sentiu também os impactos da crise, embora o sistema financeiro brasileiro mostrasse mais
estabilidade do que os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da Europa, mas houve queda
da produção e das exportações, uma falta temporária de liquidez e de crédito, mas a
recuperação já começou na primavera de 2009. Nos países centrais somente políticas
monetárias e fiscais muito expansionistas, usando instrumentos novos, e o salvamento de
instituições financeiras pelo Estado evitavam uma crise de dimensões da Grande Depressão da
década de 1930. Mas os custos da salvação foram distribuídos para os contribuintes de
impostos e a crise do setor privado tornou se uma crise do setor público que está carregando
dívidas públicas cada vez mais pesadas e assumindo riscos do setor privado.
24
Nem Marx duvidava das forças dinâmicas do capitalismo de criar riqueza e inovação, embora
distribuindo esta riqueza de forma desigual, mas a história parece afirmar que períodos de
crescimento elevado e da euforia econômica são seguidos por períodos de desconfiança e
crises com quedas da produção e aumento do desemprego, como o conceito da destruição
criativa de Schumpeter [1993] caracteriza de forma excelente. Schumpeter enfatiza na citação
acima [1], que o problema central na avaliação do capitalismo não é como o capitalismo
administra estruturas existentes, mas como ele cria novas estruturas e destruí as existentes,
através de novos bens de consumo, novos métodos da produção e de transporte, novos
mercados e novas formas de organização industrial. De forma um pouco diferente também
Hayek [Hennecke, p. 61 pp.] avalia o mercado e a competição menos como um instrumento
para equilibrar oferta e demanda e mais como um instrumento de descoberta e avaliação de
novos produtos e processos, usando informações dispersadas entre os agentes econômicos.
Sempre houve o desejo dos homens de enriquecer, mas o fato novo na acumulação de capital
sem fim no capitalismo foi que o capitalista típico no sentido de Weber não desfruta a riqueza
acumulada (pelo menos não totalmente), mas investe os lucros novamente para criar mais
25
Há uma discussão acadêmica sobre o período exato da evolução de uma economia capitalista
como Wallerstein [(2) 2011, p. 7] está resumindo:
Três datas para uma ruptura: cerca de 1500, 1650 e 1800, três (ou mais) teorias da história:
1800, com ênfase na industrialização como a mudança crucial; 1650, com a ênfase seja no
momento da emergência dos primeiros Estados “capitalistas” (Grã-Bretanha e Países Baixos) ou
do surgimento das principais ideias “modernas” de Descartes, Leibniz, Newton, Spinoza e
Locke, e 1500, com destaque para a criação do sistema-mundial capitalista [com a expansão
marítima de Europa para as Américas e a Ásia] distinta de outros sistemas econômicos.
Obviamente manufaturas têxteis, comércio de longa distância com bens de luxo e a atividade
de bancos já existem no século XIV nos Estados cidades mais importantes no norte de Itália
(Veneza, Milão, Florença e Gênova) e eles podem ser vistos como as primeiras sementes de
uma economia capitalista. Se o foco da definição do capitalismo é somente na procura de
riqueza e dos lucros, o ponto de partida poderia ser muito anterior desde período, porque a
procura de riqueza e lucro através do comércio, contrabando, tráfico de escravos e guerra já
existe em culturas antigas. Marx [(1), 1968, p.779] chamou o primeiro período na evolução do
capitalismo a acumulação primitiva:
existem muitas partes do mundo onde não existem tendências de convergência para os
padrões de vida nos países ricos.
A Grande Depressão tinha também impactos fortes sobre o Brasil, queda das exportações de
commodities agrícolas como o café, queda dos preços, acumulo de estoques e parcialmente
destruição da superprodução de café. A crise com a moratória sobre a dívida externa, a saída
do padrão ouro com desvalorização da moeda nacional na era Vargas abriu espaço para a
mudança politica para um Estado autoritário, mas também para a industrialização do país. No
século XXI a crise financeira global de 2008/2009 levou a economia global novamente ao
perigo de um abismo econômico, político e social, mas políticas monetárias e fiscais
fortemente expansionistas e prolongadas evitam até hoje – em 2018 – uma nova Grande
Depressão. O Brasil sentiu também os impactos desta crise especialmente através da queda
das exportações e dos investimentos, bem como da queda do crédito externo, mas a economia
brasileira recuperou se muito mais rápido de que as economias dos países centrais e o sistema
financeiro brasileiro mostrou uma estabilidade em um mundo onde crises bancárias e crises
das dívidas soberanas atormentavam o mundo desenvolvido.
A análise do capitalismo (ou de uma economia de mercado, como seus defensores chamam o
capitalismo) aprecia a dinâmica econômica do capitalismo, mas sob duas perspectivas
diferentes: Num lado uma visão harmônica do mundo capitalista – a mão invisível dos
mercados livres de Smith leva a economia para um desenvolvimento contínuo das forças de
produção e do padrão de vida da população. Noutro lado a visão marxista com foco nos
conflitos e crises no mundo capitalista em um cenário das desigualdades sociais crescentes.
Arrighi [2010] e Schumpeter [1993 e 1997], enquanto com posições ideológicas muito
diferentes, enfatizam a dinâmica e flexibilidade do capitalismo na sua longa história, resumido
no conceito da destruição criativa de Schumpeter, mas enfatizam – bem como os marxistas –
29
Estas crises estruturam a parte central do trabalho. A Grande Depressão dos anos 1930 e a
crise da reestruturação capitalista na década de 1970 são episódios tão importantes para a
história do capitalismo global e para a análise seguinte das crises nos anos neoliberais, que
merecem uma reflexão mais extensa neste trabalho. O centro do trabalho analisa de forma
mais extensa as crises do capitalismo global nos anos neoliberais: as crises mais importantes
com impactos sobre o Brasil foram as crises nos mercados emergentes, México (1994/1995),
30
Outro foco relacionado com as crises do capitalismo global são as transformações econômicas,
politicas, sociais, e ideológicas que seguem como impacto das crises. Cada crise profunda do
capitalismo global deixa suas cicatrizes, ela deslegitima elites governantes e ideologias
dominantes. As crises somente são superadas com a transformação de instituições econômicas
e politicas. Transformações profundas muitas vezes também acontecem no ambiente
ideológico e cultural. As crises chamam para novos conceitos, novas ideias, novos dirigentes, e
novos caminhos. Se as necessidades de novos caminhos de ação social são evitadas a
sociedade pode entrar em um processo de decadência. Por esta razão este trabalho tenta não
somente ser uma narrativa sobre a história das crises e suas causas, mas também uma
narrativa sobre as transformações profundas das sociedades atingidas pelas crises.
Especialmente a Grande Depressão da década de 1930 e a crise da década de 1970 foram
palco de transformações profundas, no Brasil também a Grande Depressão e a crise da dívida
externa na década de 1980 foram marcas de transformações profundas. Para a crise financeira
global de 2008/2009 parece ser cedo demais para discutir sobre transformações. O último
capítulo do trabalho - Epilogo: Outro mundo é possível? Perspectivas dos movimentos
anticapitalistas - tenta desenhar algumas tendências neste sentido.
Depois esta introdução se encontra uma discussão dos conceitos centrais para este trabalho:
os conceitos do capitalismo (global), das crises e dos ciclos conjunturais do capitalismo, bem
como uma discussão sobre o papel do Estado na economia, focando a divergência entre
keynesianismo e neoliberalismo, e um capítulo sobre as [grandes] transformações de
instituições, ideias e ideologias em tempos das crises. O Estado entra na análise dos conceitos
porque historicamente a evolução de Estados nacionais fortes acompanha o desenvolvimento
31
Na parte seguinte encontra-se a história e a análise econômica das crises mais sérias do
capitalismo global no século XX e XXI, seguida de uma análise das teorias econômicas que
tentam explicar as crises. Na última parte do trabalho avaliam-se os movimentos
anticapitalistas contemporâneos e suas perspectivas para uma alternativa ao sistema atual do
capitalismo global: outro mundo é possível? Todas as partes deem ênfase nas perspectivas
brasileiras na discussão dos tópicos.
Obviamente o trabalho somente pode mostrar tendências e contar uma história discutível das
crises e seus impactos, porque a história aqui relatada, a história política e econômica das
crises não segue de forma determinista, mas é sujeita as contingências da vida, ao acaso e a
possibilidade dos homens de mudar o rumo da história através do conhecimento, da inovação,
do carisma de pessoas e instituições específicas, do discurso político e econômico, da revolta e
revolução, que deixam – muitas vezes - somente o caminho para uma explicação singular das
crises e não abrem a possibilidade de uma explicação teórica unificada.
Provavelmente o tempo das “Grandes Narrativas (Lyotard)” realmente acabou, mas com
certeza também ideias específicas das grandes narrativas do pensamento econômico e político
como o pensamento clássico, austríaco, keynesiano, marxista, liberal e neoliberal e outros
podem refletir de forma eclética a descrição e explicação das crises e seus impactos, sem a
intenção de formular uma teoria unificada. A dificuldade é diferenciar em nessas narrativas
entre sinal e ruído [Silver, 2013], entre tendências deterministas e eventos contingentes. A
consequência é que as crises são diferentes, embora existe a possibildade de categorizar certas
formas de crises.
Para ter uma base melhor de discursar sobre as crises do capitalismo global e seus impactos
sobre o Brasil é necessário aprofundar os conceitos de capitalismo, de crises, da intervenção
do Estado, e do papel das instituições e ideias na evolução capitalista nos próximos capítulos.
32
2. Conceitos
A narrativa e análise das grandes crises do capitalismo global com impactos sobre o Brasil
precisam começar com uma discussão curta dos conceitos mais importantes do estudo:
capitalismo e crises (econômicas). O capitalismo como um sistema econômico de produção
expandiu-se desde o século XIV até hoje quando se tornou o sistema econômico quase global.
Por esta razão encontra se aqui em primeiro lugar uma curta discussão sobre a história do
capitalismo como sistema mundial de produção, focando nos países centrais da Europa e nos
Estados Unidos e obviamente contando também o papel do Brasil nesta história. Nesta
narrativa histórica curta entram também as crises econômicas mais importantes até a primeira
Guerra Mundial de 1914 até 1918. As crises do capitalismo global nos séculos XX e XXI são
tema dos capítulos centrais deste trabalho. Segue uma curta discussão dos conceitos dos ciclos
conjunturais e das crises econômicas (depressões), com foco nos diferentes tipos de crises
financeiras, que para muitos economistas são a causa por que recessões em ciclos conjunturais
normais tornam se depressões profundas e prolongadas.
O trabalho usa em muitas de suas narrativas a estrutura de Mann [2013 (2), p. 1 p.] sobre as
fontes de poder social para explicar as crises do capitalismo global, que são sempre crises
econômicas com um fundo de lutas políticas e ideológicas no nível nacional e de lutas
geopolíticas de poder no nível mundial. Por esta razão encontra-se na discussão sobre os
conceitos básicos um capítulo sobre o papel do Estado na economia e um capítulo sobre
instituições, interesses, ideias e ideologias refletindo o fundo político e ideológico na história
do capitalismo e de suas crises. Os conceitos de Mann sobre as fontes de poder social são
descritos no capitulo sobre o papel do Estado na Economia. Aqui também é discutida a
estrutura vertical hierarquizada e institucionalizada de poder, renda e riqueza, que diferentes
correntes de pensamento chamam de elites (as vezes chamadas elites funcionais, para evitar a
contaminação com ideias de Pareto, Mosca e Michels), classe dominante ou mais
recentemente plutocracia e noutro lado as camadas e classes governadas, o povo.
33
a. Capitalismo
"Capital (...) foge turbulências e conflitos e é da natureza ansiosa. Parece muito verdadeiro, mas
não é toda a verdade. Capital tem horror diante da ausência de lucro ou de lucro muito
pequeno, como a natureza diante do vazio. Com lucro adequado o capital torna se corajoso.
Dez por cento com certeza e você pode aplicar o capital em todos os lugares; 20 por cento, e o
capital torna se animado, 50 por cento, positivamente audacioso; com 100 por cento pisa em
todas as leis humanas; 300 por cento, e existe nenhum crime que o capital não arrisca, mesmo
com o perigo de ser enforcado. Se turbulência e conflitos trazem lucro, o capital vai estimular
ambos. Contrabando e tráfico de escravos são provas para isto" Karl Marx 15
“Uma visão está ganhando aceitação generalizada de que gerentes das empresas e líderes
trabalhistas têm uma "responsabilidade social" que vai além de servir o interesse de seus
acionistas ou de seus membros. Esta visão mostra um equívoco fundamental do caráter e da
natureza de uma economia livre. Em tal economia, há uma e apenas uma responsabilidade
social das empresas - usar os seus recursos e se envolver em atividades destinadas a aumentar
seus lucros, desde que permaneça dentro das regras do jogo, o que é dizer, se engaja em
aberta e livre concorrência, sem engano ou fraude.” Milton Friedman16
Ganância, na falta de uma palavra melhor, é boa. A ganância é certa. Ganância funciona.
Ganância esclarece e captura a essência do espírito evolutivo. Ganância, em todas as suas
formas; ganância para a vida, por dinheiro, por amor, conhecimento, marcou a subida do
homem e cobiça não só irá salvar a corporação Teldar, mas outra corporação defeituosa -
chamada os Estados Unidos. Gordon Gekko no filme “Wall Street” (1987), baseando se no
“junk bond king” Michael Milken17
No presente estágio planetário, o “problema do capitalismo”, a disfunção mais gritante e
potencialmente explosiva da economia capitalista, está mudando da exploração para a
exclusão. É essa exclusão, mais do que a exploração apontada por Marx, um século e meio
atrás, que hoje está na base dos casos mais evidentes de polarização social, de
aprofundamento da desigualdade e de aumento do volume da pobreza, miséria e humilhação.
Zygmunt Bauman18
O que Daniel Bell chamou de “contradições culturais do capitalismo” está na origem do mal-
estar ideológico de hoje: o progresso do capitalismo, que necessita de uma ideologia
consumista, solapa pouco a pouco a própria atitude de frugalidade (ética protestante) que
tornou o capitalismo possível. O capitalismo de hoje funciona cada vez mais como uma
“institucionalização da inveja”. Slavoj Zizek19
“Apesar do temor de Carlyle de que a modernidade viria a transformar todas as relações
humanas em relações econômicas, o verdadeiro Homo Economicus – buscando sem cessar em
cada transação a maximização da sua utilidade – continua a ser raro e, para a maioria de nós, é
uma espécie de monstro. Cotidianamente, homens e mulheres subordinam o interesse próprio
a algum outro motivo, seja ele o ímpeto de jogar, vadiar, copular ou destruir. Nesse sentido, a
lógica do dinheiro não passa de um elo na comprida e emaranhada cadeia de motivação
humana.” Niall Ferguson20
As crises são essenciais para a reprodução do capitalismo. É no decorrer de crises que as
instabilidades do capitalismo são confrontadas, remodeladas e reestruturadas para criar uma
nova versão do que é o capitalismo. Muito seja demolido e devastado para abrir caminho para
o novo. As paisagens uma vez produtivas são transformadas em lixões industriais, antigas
fábricas são derrubadas ou convertidas em novos usos, os bairros da classe trabalhadora ficam
gentrificados. Em outros lugares, as pequenas fazendas e as explorações camponesas são
deslocadas pela agricultura industrializada em larga escala ou por novas fábricas elegantes. (...).
Mas o que é tão impressionante em relação às crises não é tanto a reconfiguração total de
paisagens físicas, mas as mudanças dramáticas de pensamento e compreensão, de instituições
e ideologias dominantes, de lealdades e processos políticos, de subjetividades políticas, de
tecnologias e formas organizacionais, das relações sociais, dos costumes e gostos culturais que
34
informam a vida diária. Crises agitam nossas concepções mentais do mundo e do nosso lugar
nele profundamente. David Harvey21
“O comunismo tinha uma causa - que, em termos ideais, era a igualdade e a prosperidade para
todos, que todas as pessoas eram e podiam ser iguais -, mas não possuía um mecanismo
apropriado para defender essa causa. Ao passo que o capitalismo é um mecanismo que, para
mim, parece carecer de uma causa. Será que o importante é que todos ficarmos ricos ou será
que a vida é mais do que isso? Porque, quando ganhamos dinheiro, raramente ele parece ser
suficiente. A questão é: estamos correndo o risco de jogar o bebê para fora da banheira
juntamente com a água? A água da banheira é a ineficiência e a intolerância do comunismo,
enquanto o bebê é o seu idealismo. E infelizmente é isso o que está faltando ao capitalismo.
Existe um câncer no coração do capitalismo. É a falta de uma causa que agite o coração. Por
que tudo isso e para quem?” Charles Handy22
i. Introdução
Como as citações acima mostram o conceito do capitalismo é um assunto controverso, embora
o próprio conceito do capitalismo entrasse relativamente tarde na discussão acadêmica,
provavelmente no fim de século XIX (Kocka, 2013, p.9), mas os conceitos do capitalista e do
modo de produção capitalista e as ideias básicas de uma economia de mercado já entravam
muito antes nesta discussão. Mercados já existiam por muito tempo na história humana.
Embora os mercados sejam um elemento importante do capitalismo a existência de mercados
precede historicamente estruturas capitalistas em muitos séculos.
Os clássicos da discussão sobre o capitalismo são na visão de Ingham (2008) Smith, Marx,
Weber, Schumpeter e Keynes, embora em Smith e Marx a própria palavra capitalismo foi não
ou pouco usada. Todos esses clássicos viam o capitalismo como um sistema dinâmico de criar
riqueza e aumentar o padrão de vida de um país e de sua população. Mas eles enfatizam
diferentes perspectivas, a auto regulação harmônica da economia através da mão invisível de
Smith, que substituiu a mão visível do Estado (no mercantilismo) através de mercados livres e
comércio internacional livre. Com Marx começa a discussão critica do capitalismo, enfatizando
a distribuição desigual do poder, da renda e da riqueza (exploração) entre trabalhadores e
capitalistas e a propensão do capitalismo de gerar crises profundas (bem como a concentração
crescente do capital no desenvolvimemto capitalista). Em Weber o foco está na divisão entre
família e empresa capitalista e na racionalidade da forma da organização da produção bem
como na evolução de uma burocracia estatal eficiente. Em Schumpeter a ênfase está no papel
do capitalista empreendedor para a inovação dos processos de produção e dos produtos
(destruição criativa) e no papel dos bancos e do crédito para financiar as inovações. Enquanto
em Smith a mão invisível dos mercados parece garantir um desenvolvimento capitalista
equilibrado e harmonioso, em Schumpeter e ainda mais em Marx o desenvolvimento
equilibrado é a exceção, a força da destruição criativa das inovações e o conflito sobre a
distribuição da renda e das condições de trabalho entre capitalistas e a força de trabalho leva a
35
Capitalismo pode ser definido em primeira aproximação como um sistema econômico onde as
empresas (ou na conceituação marxistas os meios de produção) são – na sua maioria – na
propriedade privada e os donos dos meios de produção (capitalistas) produzem bens e
serviços para mercados competitivos com o objetivo de obter lucro usando mão de obra livre,
acumulando (parcialmente) os lucros para expandir a produção (acumulação de capital) e
ganhar vantagens competitivas através da inovação em novos produtos e processos de
produção. Por esta razão os direitos de propriedade são vistos como uma instituição básica do
capitalismo. Do controle dos direitos de propriedade pelos capitalistas deriva o controle dos
capitalistas e seus gerentes sobre os processos da produção e a força de trabalho levando ao
conceito marxista de exploração e dominação da força de trabalho pelos capitalistas. Mas
embora a propriedade da empresa capitalista abre a possibilidade de fazer lucros ela também
enfrenta o risco de fazer prejuízos por causa da incerteza sobre o futuro em que todas as
decisões econômicas estão sujeitas.
Nesta definição os quatro elementos devem se relacionar com o capital, o fator de produção
fisicamente presente em prédios ou maquinas, ou em melhoramentos da terra, ou em pessoas
com conhecimento especifico. A eficácia do sistema capitalista conduzidos por mercados e
preços depende dos incentivos que suas instituições criam. Instituições são no sentido de
North as regras do jogo da sociedade, regras formais como lei e constituições, regras informais
37
como convenções e regas de conduta, e a eficiência com que eles podem ser forçados por
terceiros ou pelos contratantes.
Pode ser que esta definição é mais ampla e menos ideológica do que uma definição que usa os
conceitos de lucro, acumulação e inovação, mas também de certa forma deixa com isto fora os
conceitos que historicamente entram centralmente na formação do conceito do capitalismo
global. Pareçe que falta alguma coisa importante nesta definição, a procura de lucro que
estimula a produção capitalista. Importante também é anotar que enfatizando o motivo de
lucro e da acumulação do capital, que não devem ser esquecidos outros fatores e motivos que
podem explicar a evolução do sistema capitalista no ambiente nacional, bem como global,
motivos como a vontade pelo poder, privilégio, status, reconhecimento através da criação e
acumulação de riqueza pelos capitalistas.
Embora o objetivo de lucro através da acumulação de capital é o incentivo central para a classe
capitalista e os direitos da propriedade nas empresas é a instituição central que garante a
apropriação dos lucros pelos capitalistas. Mas igualmente importante para o desenvolvimento
capitalista e a transformação econômica – como especialmente Schumpeter enfatiza – é o fato
de que as empresas capitalistas operam em um ambiente de competição, não somente em
uma competição de preços, da qualidade e do marketing, onde grande parte da teoria
econômica focaliza seu interesse. Schumpeter [2003, p. 82 pp.] enfatiza que a competição “do
novo produto, da nova tecnologia, da nova fonte de abastecimento, do novo tipo de
organização (...) – esta concorrência determina uma vantagem decisiva de custo ou de
qualidade que não somente atinge as margens dos lucros e da produção das empresas
existentes, mas atinge os fundamentos e a própria existência das empresas”. (...). Esta
competição das inovações “não somente influência de fato os empresários, mas é também
uma ameaça permanente. [Esta ameaça de inovação] disciplina antes de atacar”. Schumpeter
afirma [2003, p. 83.] que este processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o
capitalismo. “É aquilo em que consiste o capitalismo e em que toda preocupação capitalista
tem de viver”. Para Schumpeter esta ameaça de inovações de concorrentes diminui com a
crescente oligopolização dos mercados nas últimas décadas do século XIX, embora com vista
na inovação contemporânea nas tecnologias de informação e comunicação esta hipótese
parece contestável. Para Schumpeter o problema relevante não é como o capitalismo
administra as estruturas existentes, mas como ele cria novas estruturas e destrói velhas
38
estruturas, “uma construção teórica que negligencia esse elemento essencial do caso
negligencia tudo o que é mais tipicamente capitalista sobre ele; até mesmo se logicamente
correta, bem como de fato, é como Hamlet sem o príncipe dinamarquês”. [Schumpeter, 2003,
p. 86]
O capitalismo, então, é por natureza uma forma ou um método de mudança económica (...),
mas nunca pode ser estacionário. E este carácter evolutivo do processo capitalista não é apenas
devido ao fato de que a vida econômica se passa em um ambiente social e natural que muda e
através de sua mudança altera os dados da ação econômica; este fato é importante e essas
mudanças (guerras, revoluções e assim por diante), muitas vezes condicionam a mudança
industrial, mas eles não são seus motores principaís. Nem é este carácter evolutivo devido a um
aumento quase automático na população e no capital ou das mudanças de sistemas
monetários (...). O impulso fundamental que define e deixa a máquina capitalista em
movimento surge de novos bens novos de consumo, de novos métodos de produção ou
transporte, de novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa
capitalista cria. [Schumpeter 2003, p.82 p.]
Marx e Engels [2000] já apontavam para esta força dinâmica e inovativa do capitalismo:
Importante para a análise a seguir é num lado considerar na evolução do capitalismo global e
de suas crises a dimensão doméstica (nacional) da introdução e propagação de instituições
capitalistas num país. Noutro lado é importante considerar a dimensão internacional da
expansão das instituições capitalistas para outros países e especialmente a difusão de
transações internacionais entre os países para formar um sistema mundial capitalista no
sentido de Wallerstein [2007]: o capitalismo global. Wallerstein [2011 (1)] considera o século
XVI com a expansão portuguesa e espanhola para as Américas, África e o extremo Oriente,
seguida pelos holandeses e ingleses como inicio da formação de um sistema capitalista
mundial, fortalecendo o comércio internacional e introduzindo os primeiros movimentos
internacionais de capital e da migração forçada de escravos, e voluntária de colonos e
trabalhadores. Com a revolução industrial o comércio internacional e os movimentos
internacionais de capital expandem se expressivamente, especialmente com a queda dos
custos e da aceleração do transporte e da comunicação começando na metade do século XIX
(Navios a vapor, ferrovias, telégrafo, etc.). No fim do século XIX já existe um sistema global
capitalista desenvolvido sob a hegemonia britânica com o sistema monetário internacional
padrão ouro. As décadas depois de 1870 são, por esta razão, também chamadas de primeira
globalização com comércio internacional, movimentos interacionais de capital e migração
internacional crescendo mais rápido do que a produção mundial. Neste período do
desenvolvimento capitalista nascem também as primeiras empresas gigantes nos Estados
Unidos e na Alemanha, criando novas formas de organização e gerenciamento. O aumento das
necessidades de financiamento cria também um sistema financeiro mais amplo, bancos, outras
instituições financeiras, e mercados financeiros. A previsão de Weber de um mundo como uma
jaula burocrática de aço descreve algumas tendências no ambiente de empresas gigantes bem
como num setor publico com burocracias kafkaescas, mas mais típico do capitalismo global
parece ser a característica de um sistema econômico sem centro, sem regulação planejada,
sem o grande irmão. No capitalismo global contemporâneo as criticas de tornar o mundo
culturalmente uniforme precisam ser contempladas sob a perspectiva da criação de
40
Sugiro conceber capitalismo, passado e presente, 'liberal' como "coordenado", como uma
economia política em desequilíbrio permanente provocado pela inovação contínua e conflito
político generalizado sobre a relação entre justiça social e econômica; sobre atritos entre
obrigações de defesa coletiva dos indivíduos contra os impactos da "destruição criativa", e
obrigações individuais para ajustar às mudanças económicas; e sobre os limites morais, se
houver, à perseguição individual de vantagem económica. À medida que a crise atual nos
lembra com força, é teóricamente e empiricamente muito mais instrutivo para o estudo do
capitalismo contemporâneo se concentrar, não sobre a estabilidade, mas sobre a incerteza, o
risco, a fragilidade, a precariedade e a natureza geralmente transitória e nunca completamente
pacificada dos acordos sociais e políticos em sociedades capitalistas. Wolfgang
Streeck, How will capitalismo end? Posição 3935
Na sua evolução histórica a economia capitalista sempre foi inserida (‘embedded’) na
sociedade geral, dirigida, regulada e incentivada por ações e intervenções do Estado. Em
guerras pelo poder geopolítico e pela hegemonia econômica e ideológica as intervenções e o
planejamento do governo mostravam uma economia de guerra – em muitos países –com
traços de uma economia planejada, embora sem mudanças na propriedade dos meios da
produção. Instituições como a lei e o poder dos Estados garantem a propriedade privada e a
confiança no funcionamento de mercados livres. Houve de certa forma, deste o século XV,
uma evolução paralela de Estados nacionais fortes como Espanha, Inglaterra e França e do
sistema do capitalismo global. O Estado precisava de uma economia crescente para fornecer
os impostos que financiavam guerras e conquistas. Esta relação entre guerras e a formação de
Estados nacionais fortes, enfatizado por Tilly [1990], aplica se mais para os países europeus do
que para o resto do mundo. O capitalismo nacional precisava o poder de um Estado forte para
garantir os direitos de propriedade e os lucros e para conquistar novos mercados e para evitar
ou amenizar a concorrência externa.
WALLERSTEIN (2011 (2), p. 7) delibera sobre três épocas que poderiam definir o início da
produção capitalista: o primeiro período possível são os anos desde 1500 com a criação de um
sistema de capitalismo global através descobrimento, conquista, comércio e exploração de
continentes desconhecidos e conhecidos, especialmente pelos espanhóis e portugueses,
seguidos pelos holandeses, ingleses e franceses, embora o comércio internacional foi em
primeiro lugar de bens de alto valor em pequena escala. Com a Renascença em Itália e em
outros países e com a reforma luterana e calvinista evolui também um ambiente cultural de
individualismo que favorece estruturas capitalistas. O segundo candidato é o período desde
1650 com a emergência dos primeiros Estados fortes nacionais capitalistas: Holanda e Grã-
Bretanha e da emergência das ideias iluministas24 modernas centrais de Descartes, Espinosa,
Newton e Locke; o terceiro candidato é o período desde 1800 com a revolução industrial e a
urbanização, começando na Inglaterra, acompanhada por mudanças políticas, em primeiro
lugar pela revolução francesa. Para muitos economistas e históricos a revolução industrial,
começando no fim do século XVIII, e no ambiente político a revolução Francesa desde 1789, é
vista como o ponto de partida quando o sistema capitalista de produção se tornou o sistema
econômico hegemônico, pelo menos na Europa Ocidental. Embora é importante anotar que já
muito antes da revolução industrial existiu um capitalismo agrário e comercial na Inglaterra,
Holanda, França, Alemanha e Itália de Norte. Importante também é anotar que no período da
dupla revolução (industrial na Inglaterra e política na França) as ideologias iluministas tevem
também seus reflexos de descolonização nas Américas, com a revolução americana de 1775
até 1793, a revolução no Haiti (1791 - 1804), as guerras de libertação e a independência da
América Latina espanhola desde a década de 1810 (com exceção de Cuba), e em 1822 a
independência do Brasil, embora aqui em com uma transição mais ou menos pacifica. A
descolonização de América Latina foi também reflexo da intervenção militar de França na
segunda metade da década de 1800 em Portugal e Espanha.
Os autores de “The Cambridge History of Capitalism, Volume I: The Rise of Capitalism: From
Ancient Origins to 1848” [2014] tentam descobrir tendências capitalistas muito mais antes, nas
culturas de Mesopotâmia, da China e Índia antiga, na Grécia antiga e no império romano. Eles
encontram comércio exterior, relações de crédito e monetárias, e produção manufatureira
estimulada pela procura do lucro, uso de trabalho assalariado e escravo e períodos de
crescimento do padrão de vida. Mas o espirito capitalista nunca tornou se hegemônico nestas
épocas e – neste trabalho – esta época não seja refletida.
capitalista adicione um novo motivo: a acumulação de capital não para o consumo ou para a
ostentação, mas para o investimento produtivo ou financeiro para criar mais lucro, um motivo
que não conhece limites. Como Zizek [p. 14] lembra na citação no inicio do capítulo uma das
contradições culturais de capitalismo é que o funcionamento do sistema necessita de certa
frugalidade da classe dos capitalistas para financiar investimento e inovação, enquanto no
mesmo momento é também necessária uma ideologia consumista para realizar no mercado o
valor da produção. A criação e ampliação do crédito abrem uma possibilidade de investir sem
antes poupar, uma ideia que especialmente Schumpeter defende focando na importância dos
bancos para financiar a inovação, embora a aplicação desta hipótese para a industrialização na
Inglaterra é controversa. A diferença entre a riqueza em forma de tesouro de ouro e o capital
lembra Sloterdijk [2013, p. 323] seja que o tesouro fica preguiçosamente passivo neste
processo de acumulação e ostentação de ouro e da riqueza, enquanto o capital está sempre
ativo num turismo de investimento e inovação, procurando lucro.
focar a perspectiva nacional e global do capitalismo bem como sua evolução histórica, sem
nivelar as particularidades nacionais e históricas através de uma generalização forte de
estágios ou modelos.
Esta discussão mostra a importância que Arrighi [2001] ponha na flexibilidade e no ecletismo
do capitalismo. No mesmo artigo ele descreve também a estrutura das três camadas do
capitalismo, descrito por Braudel: A camada da vida material, uma economia elementar e
quase autossuficiente. A segunda camada das relações de mercado, onde uma coordenação
através de preços coordena oferta e demanda: nesta camada grande parte da ciência
econômica é focada. A terceira camada acima é o mundo das grandes capitalistas na visão de
Braudel citado por Arrighi [2001, p. 113]: “a zona do anti mercado onde os grandes predadores
agem e a lei da selva governa. Este é o lar real de capitalismo, hoje e no passado, antes e
depois da Revolução Industrial.” As relações entre grandes empresas e a elite política no Brasil
revelada nos processos recentes de corrupção fazem pensar em esta terceira camada e
também na já enterrada teoria do capitalismo monopolista de Estado.
É importante lembrar no sentido desta citação a crise financeira global de 2008/2009. O poder
dos atores no sistema de financeiro fica obvio quando bancos e outras instituições financeiras,
grandes demais para falir, são salvados pelos Estados nacionais e pelos bancos centrais, dívidas
privadas, prejuízos privados e riscos privados assumidos são transferidos para as contas de
Estado, em último lugar os contribuintes de impostos precisam pagar para os impactos dos
excessos dos financistas.
Não é possível discutir aqui toda história e todos os conceitos do capitalismo global, mas
interpretando as grandes crises do capitalismo global (A grande Depressão dos anos 1930, a
Crise na década de 1970, a crise financeira global de 2008/2009 e suas consequências) como
períodos de transformação do capitalismo global e suas instituições é possível mostrar a
mudança do capitalismo organizado liberal depois da Grande Depressão da década de 1930
para o modelo do capitalismo regulado nos moldes de Keynesianismo-Fordismo e do Estado de
bem estar social (Beveridge). A crise da década de 1970 mostra a mudança do capitalismo
organizado nos moldes keynesianos para um capitalismo desregulado e globalizado nos
moldes do pensamento neoliberal. Com a crise financeira global de 2008/2009 e seus efeitos
na Europa esperou-se uma mudança para mais regulamentação e intervenção do governo,
mas ainda não houve transformações profundas com exceção de uma politica monetária
altamente expansionista por tempo prolongado, que pode ser interpretado como uma
repressão financeira prejudicando poupadores para salvar governos e bancos altamente
alavancados com taxas reais de juros negativas.
45
Incentivos para esta corrida geopolítica entre os países concorrentes para o poder na Europa
foi a vontade de poder e uma missão imaginada de christianizar o mumdo, o desejo de
enriquecer através de ouro, da prata, e do lucro comercial, mas também como na revolução
científica a pura curiosidade humana pelo novo. A criação de organizações capitalistas, como
as companhias das Índias na Inglaterra e na Holanda, e a lenta evolução de Estados
burocráticos acompanhou esta primeira onda de globalização.
Na tabela a seguir mostram se estimações de dados sobre o PIB per capita de 1300 até 1800
[Bolt e Zanden, 2013: Projeto Maddison] para países, que são importantes na narrativa sobre a
evolução do capitalismo nestas épocas, e o império Otomano como comparação. O ano de
1348 entra nesta tabela, porque neste ano a peste negra espalhou se pela Europa com morte
de quase um terço da população europeia, que levou a mudanças sociais, econômicas e
culturais. É necessário advertir que os dados estimados precisam ser encarados com cautela,
porque são reconstruções ex - post baseados em referências precárias nestes séculos, uma
contabilidade nacional em sentido moderno existe somente depois da segunda guerra
mundial. Os dados mostram uma mudança do centro produtivo de Itália de Norte (com
Veneza, Genova, Florença e Milano como Estados-cidades mais importantes) para Holanda (e a
49
área hoje chamada de Bélgica) e com a ascensão da Inglaterra desde 1700 (os historiadores
enfatizam as datas da experiência republicana sob Cromwell [nas décadas na metade do
século XVII] e da Revolução Glorioso de 1688 como datas mais importantes das mudanças que
levavam a ascensão da Inglaterra entre os poderes europeus).
Tabela 1 Estimação do PIB per capita do Projeto Maddison (1990 International Geary-Khamis
dollars) 1300 - 1800
Itália Estados Império
Holanda Inglaterra Bélgica Espanha
Norte Unidos Otomano
1300 1.588 892 864
1348 1.486 876 919 907 580
1400 1.716 1.195 1.205 819
1500 1.503 1.454 1.134 1.467 846 660
1600 1.336 2.662 1.167 1.589 892 587*
1700 1.447 2.105 1.540 1.375 814 900 700
1800 1.336 2.609 2.200 1.361** 916 1.296 740
Fonte: Bolt e Zanden 2013
* 1650, ** 1812
Neste capítulo e nos próximos a estrutura do trabalho mostra os seguintes elementos básicos
na descrição do processo do desenvolvimento do capitalismo na escala global, as estruturas e
mudanças econômicas e sociais, o papel do Estado nas relações econômicas e na competição
politico e militar entre países da Europa, a criação de Estados fortes e a introdução de
burocracias, em primeiro lugar para financiar as atividades dos Estados; as crises econômicas e
financeiras; e as ideologias econômicas prevalentes.
Não existe uma narrativa mestra para explicar a expansão europeia para o mundo e para a
evolução de tendências capitalistas nos países da Europa. Os focos são na onda da primeira
globalização induzida pelos descobrimentos e acompanhadas de capitalismo mercantil (para
Ásia, as Américas, Africa e as mares do Sul), nas mudanças culturais dos séculos XV e XVI com
inovações cientificas e tecnológicas, financeiras, e gerenciais, nas artes, na religião e na
filosofia, na criação de Estados nacionais fortes na França e na Inglaterra com inovações nas
finanças públicas, na queda lenta do feudalismo.
A expansão europeia começa no século XV e para muitos historiadores isto marca o fim da
idade média da história humana na visão eurocêntrica. Nos séculos XV e XVI os fundamentos
do poder da igreja católica começam a ruir, o feudalismo com fortes laços dos agricultores com
a terra está em mudança, as cidades crescem e Estados soberanos se desenvolvem e a
renascença na Itália e a reformação luterana e calvinista na Europa mudam o cenário cultural e
abrem novas perspectivas nas artes, na religião e na interpretação do lugar do homem no
mundo (humanismo e individualismo). A renascenca traz uma reavaliação da cultura grego-
50
Harari [2015, posição 3822 pp.] mostra a importância da revolução cientifica para a
modernização das sociedades:
O centro deste capitalismo mercantil se desloca no tempo como Braudel afirma [1997, p.78]:
“Em caso de Europa e das zonas que conquistou, nos anos 80 do século XIV Venezia torna-se
um centro25. Em vez de 1500 há subitamente um salto grande de Veneza para Antuérpia,
depois - entre 1550 e 1560 – uma volta para o mar mediterrâneo, esta vez em favor de
Genova; finalmente o centro econômico migra entre 1590 e 1610 para Amsterdam, onde fica
para quase dois séculos. O centro se desloca entre 1780 e 1815 para Londres e 1929 para o
outro lado do atlântico, para Nova Iorque.” Embora o crescimento econômico não se
sustentasse no Norte e centro de Itália, a Holanda perdeu sua posição central no século XVIII
para Inglaterra com uma marinha que sustentou a hegemonia da Britânia nos mares e a
expansão colonial, com isto o Reino Unido se tornou o império britânico. O ano de 1929, que
Braudel usa para a mudança para a hegemonia dos Estados Unidos é discutível, porque neste
ano a Grande Depressão eclodiu nos Estados Unidos. Depois da Primeira Guerra Mundial (1914
– 1918) os Estados Unidos já se tornavam a maior força industrial (Isto já no inicio de século
XX) e o maior credor do mundo, mas o isolacionismo politico dos Estados Unidos depois do fim
da guerra fez que os Estados Unidos não assumissem a posição hegemônica na economia e
politica mundial (embora forem o país economicamente mais forte), que nos tempos de
padrão ouro antes da Primeira Guerra Mundial a economia britânica exibiu.
Hegemonia significa dominação. As crises vêm no período de transição entre os diferentes regimes
hegemônicos. Seus exemplos [de Wallerstein] são a transição da hegemonia da República Holandesa para
a do Império Britânico, e novamente a partir da britânica para a hegemonia americana. Estes ciclos
geopolíticos tendem a ser de comprimento mais variável do que os ciclos econômicos. Da Holanda para a
Inglaterra durou pouco mais de cem anos, da Grã-Bretanha para os Estados Unidos levou cinquenta. A
hegemonia americana está agora em declínio e logo chegaria a seu fim, diz ele, após um reinado de cerca
de setenta a oitenta anos. Ele, compreensivelmente, não tem certeza de que está a seguir. Ele postula a
hegemonia chinesa como um futuro possível, mas ele parece pensar mais provável que não haverá única
hegemonia. Dada sua visão hobbesiana da necessidade humana de um único soberano, isto cria
problemas. Ele não vê as duas crises do capitalismo e da hegemonia como um minando ou complicando o
outro. Em vez disso em determinados momentos as crises capitalistas e os ciclos hegemônicos coincidem
e se reforçam mutuamente para produzir uma crise sistêmica. Esta é uma teoria sucinta, cheio de
conhecimentos, mas tenho dificuldade em aceitar qualquer uma das metades da mesma. Em primeiro
lugar, considerar a sua lista de hegemonias históricas. A República Holandesa parece uma escolha bizarra
como primeira potência hegemônica da Europa. No final do século 17 os holandeses estavam entre as
pioneiras de algumas instituições capitalistas, eles se defenderam bem em terra e no mar, e eles
adquiriram algumas colônias. Mas eles nunca dominavam a Europa, sem falar o resto do mundo. Os
Habsburgos e França foram os principaís poderes neste momento na Europa, mas o continente (e seus
impérios) teve geopolítica essencialmente de poderes múltiplos. Grã-Bretanha foi mais dominante no
século XIX, pois era a principal potência capitalista industrial com a maior marinha, o maior império, e por
um tempo a moeda de reserva, mas nunca foi hegemônico sobre o continente europeu que se baseou em
uma politica de equilíbrio de poder entre outros Estados nacionais para se proteger. Wallerstein, em
seguida, vê um período de rivalidade entre duas hegemonias potenciais, a Alemanha e os Estados Unidos,
antes do triunfo dos Estados Unidos. Ele descreve o período de 1914-1945 como uma "guerra de trinta
anos" entre os dois, uma descrição estranha para guerras em que os Estados Unidos só entravam
tardiamente, e apenas quando atacado pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. A hegemonia americana
foi de fato estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, mas principalmente como consequência não
intencional de uma guerra iniciada pela bravata fascista e militar suicida da Alemanha e do Japão, ainda
que estes conseguissem terminar com os impérios britânico e francês. A hegemonia dos EUA sobre grande
parte do mundo foi concluída pela União Soviética se virando para o interior em uma autarquia
económica. Tal conjunto contingente de eventos resultava de interações complexas entre todas as quatro
fontes de poder social26. Os Estados Unidos já foram no período entre guerras a primeira potência,
embora sem a Segunda Guerra Mundial o dólar provavelmente teria compartilhado o papel de reserva
com outras moedas nacionais, mas teve muito menos poder militar ou geopolítico no período entre as
guerras. O resultado da guerra foi que a América se tornou a grande exceção histórica, o único império
global, o único verdadeiro hegemon que o mundo já viu [embora na Guerra Fria houve enfrentamentos
entre os blocos das democracias liberais capitalistas e o bloco do socialismo burocrático]. Mas com apenas
um único caso, é difícil identificar ciclos hegemônicos. No entanto, concordo com Wallerstein que os
Estados Unidos têm sido hegemônicos no passado recente, de que sua hegemonia está enfraquecendo, e
que pode muito bem acabar por volta de 2020 para 2025. Este processo histórico-mundial único pode
levar a uma crise específica para os Estados Unidos.
53
O século XVII, o século dos holandeses, depois das guerras de libertação contra os Espanhóis
(1568 – 1609 e 1621 – 1648 com a independência formal da Holanda em 1648), o comércio
com o norte da Europa, a pesca no mar de norte, a expansão para o Extremo Oriente, o
crescimento dos mercados locais e internacionais, o crescimento da produtividade na
agricultura, leva a uma dinâmica econômica que torna a Holanda o país mais rico e admirado
na Europa, com países como Inglaterra e França tentando imitar os sucessos holandeses. Os
países de Espanha e Portugal que lideravam a expansão europeia nos séculos XV e XVI,
perdiam lentamente sua posição como líderes no ambiente geopolítico europeu, porque o
Espanha expandiu suas forças demais em guerras europeias (Holanda e no nível naval a perda
da Armada em 1588), mas sem perder sua posição como poderes coloniais importantes. O
século levou também a uma cultura florescente e tolerante na Holanda (como antes na
renascença no Norte da Itália com nomes como Botticelli, Rafael, Michelangelo, da Vinci), que
atraiu imigrantes de todos os países. Nomes como Rubens e Rembrandt na pintura, Espinosa
na filosofia e Grotius na ciência jurídica são exemplos da dinâmica cultural de Holanda.
A dinâmica de mercados livres levou aos palcos novos comerciantes e financistas, interessados
em fazer lucros, calculistas e racionais, que são os elementos básicos de uma economia
capitalista embrionária no sentido de Weber. Investimentos, muitas vezes financiados por
créditos, levavam a ganhos da produtividade na agricultura e na manufatura.
The Cambridge Handbook of Capitalism (Volume 1, posição 6134 pp.) descreve as cidades
Estados da Itália do século XIV como berçário do capitalismo:
Os Países Baixos nos séculos XV e XVI exibiam uma unidade legal, política e econômica cada vez
maior, até uma guerra civil, a revolta holandesa (1568 – 1572), estabeleceu a parte norte e sul
dos Países Baixos em muito diferentes caminhos de desenvolvimento econômico e político. No
Norte, a República holandesa tornou-se o que tem sido denominado a primeira economia
moderna, enquanto no Sul a paralisação virtual do comércio marítimo forçou uma
reorganização da economia (...). O VOC [A companhia das Índias Orientais criada em 1602]
adquiriu duas outras características definidoras de corporações modernas, permanência e
responsabilidade limitada para os gestores, mas isso nunca tinha sido a intenção dos
fundadores. (...). Entre 1602 e 1795 o VOC empregou um total de 975.000 homens. O setor
54
industrial que subiu em conjunto com a expansão comercial da República mostrou também
uma crescente demanda de mão-de-obra, notadamente no processamento de géneros
alimentícios importados e matérias-primas. (...). Em meados do século XVI, a madeira, a
cerveja, o arenque e o sal eram setores bem estabelecidos, logo seguidos por novos ramos,
como o açúcar, diamantes, pau-brasil, seda, um pouco mais tarde também café, tabaco, e
indústrias de substituição da importação (...). Os mercados financeiros nos Países Baixos
revelam um elevado grau de dinamismo e variação desde muito cedo. As técnicas financeiras
espalhadas por países com a mesma facilidade que outros tipos de informação. Tão cedo
quanto o décimo primeiro século, por exemplo, a hipoteca da propriedade apareceu no vale da
Meuse, então economicamente a região mais dinâmica (...). Letras de câmbio só se espalharam
além de centros comerciais como Bruges ou Antuérpia quando o comércio exterior atingiu uma
escala suficiente para reembolsar a recolha e divulgação de tais informações (...). O carácter do
mercado financeiro de Amesterdão deve, por conseguinte, ser entendido da enorme liquidez
em seu coração. Comerciantes estrangeiros correram para lucrar com a liquidez e as baixas
taxas de juros associadas a ela, inchando os depósitos do Wisselbank. Em meados do século
XVIII contas em Amesterdão financiavam comerciantes de grãos em Berlim e fabricantes de
algodão em Bruxelas.
O desenvolvimento da navegação com a Europa do Norte o sucesso do comércio da
Companhia das Índias Orientais com o Extremo Oriente no século XVII, a construção de navios,
a construção de canais e o uso da energia das moinhas de vento, bem como o aumento da
produtividade na agricultura através da introdução da horticultura fez a economia holandesa a
economia mais dinâmica da Europa [The World Economy, p. 20] até o fim do século XVII.
Depois a economia inglesa tornou-se lentamente o líder na Europa. A tabela a seguir mostra a
liderança da Holanda no comércio com a Ásia, porque depois da conquista da Constantinopla
em 1453 pelo império Otomano o comércio de longa distância por terra da Veneza e Genova
com o Extremo Oriente perdeu sua importância.
As maiores atrações econômicas iniciais das Américas foram [The World Economy, p. 19] as
riquezas de ouro e prata em México e Peru e o desenvolvimento de uma economia de
plantação com importação de escravos negros. O transporte de ouro e prata das Américas
para Europa foi de 2.708 toneladas de ouro e de 72.825 toneladas de prata entre 1500 e 1800
[The World Economy, tabela 2-8]. A colonização por europeus no cone sul das Américas e na
América de Norte desenvolveu se mais tarde.
dos portugueses da Índia, e das importações dos holandeses da Companhia da Índia de Leste
(VOC) e dos Ingleses da Companhia da Índia de Leste (EIC) do Extremo Oriente.
Embora Portugal e Espanha fossem os primeiros nas rotas para as Américas e o Extremo
Oriente, as guerras frequentes de Espanha e o descuido com o setor manufatureiro pelos
espanhóis e pelos portugueses deixavam as riquezas fluir para países como Holanda, Inglaterra
e França sem desenvolver a própria economia. Espanha um império poderoso no século XVI,
ondo o sol não se põe, no século XVII já foi um país em decadência.
Gráfico 1 : PIB per capita de Alemanha, Itália (centro-norte), Holanda, Inglaterra e Espanha
1600 – 1800
sistema desenvolvido de finanças públicas (embora a dívida pública depois das guerras
napoleônicas chegou a mais de 200% do PIB) e da força naval da Inglaterra, que depois da
vitória de Trafalgar (1805) começava a reinar nos mares.
Total de Total de
capacidade capacidade
Vela Vapor Vela Vapor
equivalente em equivalente em
vela em t vela em t
Reino Unido Mundo
Tabela 6 As três maiores forças navais 1650 - 1720 (em mil toneladas)
em fevereiro de 1637 [Kindleberger/Aliber p. 302], a bolha das ações da Companhia dos Mares
do Sul no Século XVIII na Inglaterra, que estourou em setembro de 1720 [Kindleberger/Aliber
p. 302], e a bolha das ações da companhia de Mississipi no século XVIII, que estourou em maio
de 1720 [Kindleberger/Aliber p. 302]. A última bolha é economicamente mais interessante
porque mostra o experimento de John Law em usar a emissão de papel moeda na monarquia
francesa para expandir a economia francesa e resolver os problemas da dívida pública francesa
e – ao mesmo momento – expandir a demanda para as ações da companhia de Mississipi,
criando uma especulação desenfreada para estas ações que acabou com o estouro da bolha e
uma desconfiança no valor de moeda papel que durou nos próximos séculos. Embora a
emissão de papel moeda resolvesse a curto prazo os problemas da economia francesa, a
expansão descontrolada de papel moeda levou ao fracasso. As crises financeiras foram
também acompanhadas de fraudes e crimes financeiras, que incluíam a emissão de ações de
empresas com o objetivo, por exemplo, [Chancellor, p. 93] “para melhor curar doenças
venéreas”, “para uma roda de movimento contínuo”, para “promover um empreendimento de
imensa vantagem, mas que não deve ser do conhecimento de ninguém”.
Descrevendo o processo da industrialização na Inglaterra com inicio entre 1750 e 1760 como
“Revolução Industrial”, o próprio conceito da “Revolução Industrial” é controverso entre
historiadores. Em primeiro lugar por que o processo da “Revolução Industrial”, que iniciou um
processo de crescimento sustentado do produto per capita em Europa, não é uma ruptura
rápida das estruturas econômicas, sociais e politicas que normalmente o conceito da revolução
implica, mas um processo de mudanças que se estendem por décadas e para alguns
historiadores até o fim do século XIX. Em segundo lugar por que o processo não somente induz
a mudanças importantes no setor da indústria, mas também por que é antecipado na
Inglaterra por ganhos importantes de produtividade na agricultura e da expansão comercial e
militar da Inglaterra para América do Norte, as ilhas caribes e a Índia. As mudanças da
industrialização também levam a mudanças importantes em outros setores, urbanização,
criação e fortalecimento de instituições de Estado e inovações nas finanças privadas e públicas.
A industrialização na Inglaterra levou outros países da Europa ocidental a copiar os sucessos da
Inglaterra com um certo atraso por causa das guerras revolucionárias e napoleônicas de 1792
até 1815 no continente, parcialmente sob fortes incentivos estatais (por exemplo, na Prússia) e
usando tarifas para defender indústrias nascentes.
“Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo.
Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo
desenvolvimento e sua maior brutalidade, aqui a civilização jaz milagres e o homem civilizado
torna-se quase um selvagem.” A. de Toqueville a respeito de Manchester em 1815 28
Este capítulo tenta mostrar uma narrativa da evolução do capitalismo global desde a revolução
industrial na Inglaterra nas últimas décadas de século XVIII e da revolução francesa de 1789
até a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). A narrativa tenta mostrar descritivamente com a
ajuda de estatísticas históricas, que nestes tempos foram obviamente mais frágeis, a evolução
de um capitalismo da empresa familiar em mercados competitivos em Inglaterra para um
capitalismo organizado nos países centrais antes da Primeira Guerra Mundial, um capitalismo
de grandes corporações, aplicação de conhecimentos científicos na produção, em mercados
oligopolizados em ramos importantes da produção, e da crescente inter-relação entre
corporações e instituições do Estado. Esta evolução para um capitalismo das grandes
corporações e da crescente intervenção dos governos nos países centrais é também enfatizada
em um capítulo posterior. A narrativa mostra tendências da evolução do capitalismo, não um
processo determinístico de certos estágios de desenvolvimento para captar a hipótese básica
do trabalho de que contingências históricas são mais importantes do que esquemas teóricos. É
também importante lembrar que este processo de concentração, oligopolização e regulação é
mais importante para o continente europeu e nos Estados Unidos, do que no Reino Unido.
Na Inglaterra a revolução industrial começando no fim do século XVIII foi precedida por uma
mudança profunda na agricultura com aumento significativo da produtividade fornecendo
mão de obra para industrialização. A industrialização começou com a inovação no ramo têxtil,
na mineração de carvão usando a inovação da máquina a vapor, a na infraestrutura com a
construção de canais e o melhoramento das estradas. A força animal e humana foi
parcialmente substituída por maquinas e a energia de carvão de madeira substituída pelo
carvão e coque, embora já existiam antes da revolução industrial moinhas de água e de vento
como fonte de energia. Alguns historiadores pensam que a ampla presença do carvão na
Inglaterra foi uma das causas de que este país foi o primeiro em se industrializar.
Landes [1994, p.6] destaca a sucessão de mudanças tecnologias seguidas por novas formas de
organização industrial. Os avanços materiais ocorreram em três áreas (1) substituição das
habilidades humanas por dispositivos mecânicas; (2) a energia inanimada (em primeiro lugar a
maquina a vapor) substituiu a força humana e animal29; e (3) a melhora acentuada nos
métodos de extração e transformação de matérias primas (indústrias metalúrgicas e químicas).
A produção industrial já existiu muito antes nas manufaturas onde a mão-de-obra tradicional,
não mecanizada, trabalhava sob supervisão. A disciplina nestes tempos era mais frouxa, no
sistema fabril mecanizado a disciplina foi mais acirrada e finalmente chegou ao seu ápice com
o Taylorismo – Fordismo no início de século XX que dividiu totalmente o trabalho manual e o
trabalho de supervisão, de planejamento e de gerenciamento da produção. Criou se uma força
de trabalho concentrada nas grandes aglomerações industriais que dependia totalmente dos
salários de sua venda da força de trabalho – o proletariado industrial. Os aumentos da
produtividade seguindo estas inovações tornavam os produtos mais competitivos e
desindustrializavam, por exemplo, as manufaturas indianas, a maior indústria têxtil de algodão
mundial e com vantagens competitivas na qualidade até então. Na formulação de Marx “A
burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos da produção e,
por conseguinte, as relações de produção (...). A necessidade de mercados cada vez extensos
para seus produtos leva a burguesia para todo globo terrestre. (...). Os baixos preços de suas
mercadorias são a artilheira pesada que derruba todas as muralhas chinesas (...). Obriga todas
as nações, sob pena de extinção, a dotarem o modo de produção da burguesia (...).” Todos os
autores que analisam os primeiros passos do capitalismo industrial e concorrencial enfatizam a
dinâmica das empresas capitalistas na inovação de novos produtos e processos, na abertura de
novos mercados, nos aumentos da produtividade e da riqueza (embora distribuída de forma
desigual) e na expansão geográfica sob as formas de comércio internacional, movimentos
internacionais de capital, abertura forçada de mercados (por exemplo, China no século XIX),
colonialismo e imperialismo.
Landes [1994, p. 13] enfatiza que a Revolução Industrial trazia também mudanças nas
estruturas de poder, a classe empresarial aumentou em tamanho e força politica e ameaçou a
hegemonia da aristocracia rural. É, obviamente, este aumento do poder econômico levou
também a tentativa de participar ou dominar a politica nacional.
A revolução industrial em Inglaterra começando na década de 1760 foi em primeiro lugar uma
expansão da indústria têxtil de algodão, substituindo a manufatura de lá e linho que antes
predominava na produção de têxteis na Inglaterra, que foi consequência do espirito
empreendedor, do investimento de capital acumulado em maquinas, da inovação na indústria
62
Tabela 7 A indústria têxtil de algodão em Europa 1834 - 1913, Número de fusos de algodão
(Cotton spindles) (mil)
A tabela a seguir mostra que a manufatura indiana de têxteis de algodão foi mais competitiva
do que a manufatura inglesa até a mecanização começou em Inglaterra (em primeiro lugar no
condado de Lancashire) com as inovações do processo de fiação e tecelagem e com o uso da
energia de maquinas a vapor. No primeiro período as exportações indianas de têxteis de
algodão para a Grã-Bretanha são muito maiores, e parcialmente reexportados para outros
países da Europa, ainda que tivesse politicas protecionistas da Grã-Bretanha nestes tempos, no
segundo período a maior competitividade da indústria têxtil britânica leva a um aumento
expressivo das exportações britânicas e a queda das exportações indianas e da
desindustrialização parcial da Índia em relação ao ramo da produção de têxteis de algodão.
As tabelas a seguir mostram que os preços dos têxteis de algodão em termos reais caiam
significativamente com o aumento da produtividade através da mecanização e da organização
fabril e a queda dos preços leva a Grã-Bretanha a se tornar o centro industrial da Europa (ou,
pelo menos, certas regiões da Grã-Bretanha), que os outros países da Europa (e os Estados
Unidos e mais tarde o Japão) tentam a imitar. A segunda tabela mostra que os preços de
algodão cru aumentam com a demanda em ascensão da indústria britânica e depois começam
a cair com o aumento da produção de algodão nos Estados Unidos, no Egito na Índia e também
no Brasil (com exceção do período da guerra civil norte americano entre 1861 e 1865).
1680-89 7 1780-89 23
1690-99 7 1790-99 24
1700-09 7 1800-09 17
1710-19 9 1810-19 19
1720-29 10 1820-29 16
1730-39 10 1830-39 8
1740-49 10 1840-49 5
1750-59 16 1850-59 6
1760-69 16 1860-69 15
1770-79 16 1870-79 8
Fonte: BROADBERRY/GUPTA
Estados Unidos já estavam em frente. (Japão depois do período Meiji desde 1868 se
industrializando também rapidamente). Antes da Primeira Guerra Mundial em 1913 houve um
crescimento expressivo nos Estados Unidos e a Alemanha estava superando o Reino Unido (na
produção industrial por capita em 1913 o Reino Unido estava ainda em frente da Alemanha
[Mann, 2012 (1) p. 263]). A tabela a seguir mostra que em 1870 o Reino Unido estava ainda em
frente na industrialização mundial, mas em 1913 os Estados Unidos e a Alemanha estavam em
frente do Reino Unido. A tabela a seguir mostra na produção de carvão e de ferro gusa a
liderança do Reino Unido seguida pelos outros países da Europa, embora nas últimas décadas
antes da Primeira Guerra Mundial a produção de aço, bem como as novas indústrias químicas
e eletrotécnicas já estavam os ramos lideres inovadores na produção mundial.
Tabela 12 Participação dos quatro países centrais na produção industrial mundial (%)
1870 - 1913
Produção de carvão
Reino Unido França Alemanha Áustria Bélgica Rússia
1820-4 17,7 1,1 1,2 0,1 - -
1840-4 34,2 3,5 4,4 0,5 4,1 -
1860-4 86,3 10,0 20,8 4,1 10,2 0,0
65
Mais ou menos até 1800, a distribuição da prosperidade modesta foi a mesma em quase todos
os países do mundo durante milênios. Enquanto uma pequena elite levava uma vida
confortável, a grande maioria permaneceu na pobreza abjeta. [...]. Tudo isso mudou
repentinamente na Inglaterra no início do século XIX. (...)
Em cidades selecionadas na Suíça e na Alemanha, a proporção das classes mais baixas na
população urbana no final da Idade Média do século XV estava entre 50 e 75%. (...)
E mesmo quando a Revolução Industrial começou (...), inicialmente apenas uma pequena parte
da economia britânica e, posteriormente, apenas muito poucos outros países europeus foram
dominados pela nova dinâmica. Por enquanto, a velha pobreza continuava deprimente em
todos os lugares. Ao contrário, em algumas regiões o sistema econômico tradicional
desmoronou e novas formas de empobrecimento se espalharam. (...).
Enquanto Friedrich Engels e Karl Marx se referiam à crescente miséria dos trabalhadores
industriais, especialmente na Inglaterra, e viam o crescimento do “exército industrial de
reserva” como a verdadeira razão da miséria em massa, outros, como o economista e
historiador Bruno Hildebrand, referiu-se à continuidade da pobreza pré-industrial,
especialmente rural. Eles esperavam da indústria emergente a solução, em vez de um
agravamento da questão social da época. (...)
Somente a extensa industrialização no século XIX criou a base para um crescimento econômico
acelerado e estável em poucos países.
A revolução econômica na Inglaterra foi acompanhada em França da revolução politica de
1789 [até 1795 ou até a queda de Napoleão em 1815] que para sempre mudou o discurso
politico. Os monarcas soberanos perdiam a legitimidade de reinar uma sociedade
66
hierarquizada, onde nobreza e clero tinham posições privilegiadas. Embora depois da queda de
Napoleão em 1815 houve uma restauração do sistema monárquico autoritário até a revolução
europeia de 1848 [com exceção do Reino Unido, onde já houve um sistema da monarquia
parlamentar desde 1688 (embora com sufrágio muito restrito) e já houve uma curta republica
no século XVII], mas o caminho para uma sociedade mais justa e igualitária demorou séculos e
ainda hoje está um processo de avanços e retrocessos, a ideia de uma sociedade democrática
sem privilégios entrou no imaginário do homem comum com a revolução francesa. Hobsbawm
[1997, p. 17] relata algumas palavras, “que foram inventadas ou ganharem seus significados
modernos” depois da revolução industrial na Inglaterra e da revolução politica na França:
“Indústria, fabrica, classe média, classe trabalhadora, capitalismo, socialismo, aristocracia,
ferrovia, liberal, conservador, nacionalidade, proletariado, crise (econômica), utilitário,
estatística, sociologia, jornalismo, ideologia, greve, pauperismo”.
Existe uma discussão controversa sobre o problema quando começou a “Grande Divergência”
entre o mundo ocidental e o resto do mundo. Maddison e Landes [The World Economy, p. 49]
defendem a posição que a Europa já tinha uma posição mais avançada na economia mundial
antes da “revolução industrial”, provavelmente neste sentido a grande divergência já pode ser
alocada no século XVI com a expansão europeia para as Américas e o extremo oriente, com a
revolução cientifica do século XVI e XVII (Copérnico, Erasmus, Bacon, Galileu, Hobbes,
Descartes, Petty, Leibniz, Huygens, Halley e Newton etc.), com as mudanças culturais da
renascença, com a formação de Estados modernos e com avanços tecnológicos (na produção
de bens, mas também nas finanças privadas e públicas e na tecnologia e organização militar).
Bairoch e parcialmente Pomeranz [The World Economy, p. 49] defendem a posição que em
1800 a China foi mais avançada em produtividade e renda per capita e somente depois teve o
avanço rápida da economia europeia e norte-americana, começando a grande divergência.
Maddison comenta que na opinião dele a data da grande divergência deve ser antes de 1800.
67
O gráfico a seguir mostra o crescimento da renda per capita em alguns países centrais de 1750
até 1900, mostrando o papel central que a economia britânica alcançou no século XIX.
Gráfico 2 Renda per capita na Inglaterra, nos Estados Unidos (USA), na Holanda (Países Baixos),
Alemanha e França 1750 – 1900
Em uma perspectiva histórica mais prolongada pode se ver a Grande Divergência entre alguns
países centrais do Oeste e alguns países da Ásia e da América Latina (como um todo) na tabela
a seguir.
China 23,5 28,8 22,9 36,6 28,1 24,4 21,7 22,5 20,7
Estados Unidos 0,5 0,3 0,2 1,0 3,2 5,4 6,0 5,4 4,6
França 3,4 3,3 3,6 3,0 3,0 2,3 1,7 1,3 1,0
India 25,1 24,3 27,3 20,1 19,9 17,0 14,2 14,8 16,6
Japão 3,5 3,3 4,5 3,0 2,7 2,9 3,3 2,8 2,1
Reino Unido 0,9 1,1 1,4 2,0 2,5 2,5 2,0 1,4 1,0
Fonte: The World Economy, 1–2001 AD, IMF : WEO database 2018
Espirito empreendedor, cultura cientifica da racionalidade (século das luzes) fazem também
parte das raízes do capitalismo industrial, mas noutro lado também a cultura romântica
criticando o sistema fabril como moinhos sombrios e satânicos [William Blake], romantizando
a idade média com suas instituições firmes e contrariando a modernidade em que “todas as
relações fixas e enferrujadas, com seu séquito de crenças e imaginações tornadas veneráveis
pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo
que é solido evapora-se, tudo sagrado é profanado, e os homens são forçados a ver (...) suas
relações com olhos sóbrios.” [Marx, 1972, p. 465].
69
O lado sombrio da expansão capitalista foi a expansão do trabalho escravo no sul dos Estados
Unidos com violência e tortura, depois da expulsão e/ou matança dos aborígenes indianos
norte-americanos da terra para a colonização e para criar plantações de algodão, ajudado pelo
novo Estado norte-americano, que na constituição previu liberdade para todos, excluindo
praticamente escravos e os aborígenes indianos destes direitos humanos. O lado sombrio no
lado britânico foi a introdução do trabalho fabril para os trabalhadores vindo dos campos,
expulsos pelas privatizações de terra antes comuns (“enclosures”), deixando uma classe
trabalhadora em situação deplorável: salários baixos (até a segunda metade do século XIX)
com horas longas de trabalho, trabalho infantil, condições de trabalho miseráveis e habitações
superlotadas e miseráveis. No lado externo trafico de escravos, expansão do império britânico
através da politica e da força militar, subjugando passo a passo a população de Índia e abrindo
pela força naval o comércio para China em duas guerras de ópio, com ganhos dos
comerciantes britânicos neste trafico de drogas da Índia para a China fazendo grande parte da
população da China dependentes do ópio. O lado sombrio da procura do lucro pelo capitalismo
fica obvio, embora trazendo o crescimento sustentado da renda per capita para os países
centrais.
A primeira revolução industrial na Inglaterra teve seu centro na indústria têxtil, impulsado
pelas inovações em maquinas e na energia das maquinas a vapor, mas também na produção
de ferro e na substituição da lenha pelo carvão. Existe uma discussão controversa sobre o
problema da existência de ciclos longos da inovação com períodos onde as inovações se
concentram e a economia expande-se expressivamente e tempos com poucas inovações em
que a economia está estagnada, em recessão ou depressão, os ciclos de Kondratieff
[Schumpeter, 2010, p. 179 pp.].
internacional livre com as ‘Corn laws’ de 1846, embora já na década de 1830 houvesse
diminuições de taxas sobre importações [O’ROURKE/WILLIAMSON posição 251 pp.].
O século XIX depois das guerras revolucionárias e napoleônicas entre 1792 e 1815 (com a Grã-
Bretanha entrando nestas guerras somente em 1793) foi um século de paz na Europa (com
exceção das guerras curtas nas décadas de 1850 e 1860 pela unificação nacional de Itália e
Alemanha (1870/1871) e a guerra na Crimeia (1853/1956). Muitos países da Europa ocidental
neste século tentavam imitar o sucesso britânico industrializando-se e introduzindo
instituições britânicas de capitalismo. Houve outros fatos importantes neste ‘longo século XIX’
que alguns historiadores contam da revolução industrial na Inglaterra e da revolução politica
francesa (1789 – 1795/1815) até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914.
economia planejada e meios de produção socializados, deixando pouco espaço para mercados
livres, empreendedores e a iniciativa privada. A ideologia da socialdemocracia aceita mercados
livres e tenta diminuir os defeitos do capitalismo através de leis e instituições que protegem a
classe trabalhadora e garantem um nível básico de vida para os excluídos através do Estado de
bem-estar social. Honneth [2016] também afirma que as ideologias socialistas e comunistas
focalizavam demais que somente com as mudanças nas estruturas econômicas seguindo uma
revolução socialista uma sociedade mais justa, igualitária e solidária poderia ser alcançada
perdendo de vista os sucessos das democracias liberais em garantir os direitos humanos das
pessoas (os direitos civis, políticos e sociais) e com isto perdendo de vista também que a luta
pelo socialismo deve ser sempre uma luta por estruturas econômicas e políticas que garantem
mais liberdade, solidariedade e igualdade, mas também uma luta por reconhecimento humano
e dignidade humana.
O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro com a hegemonia politica (embora politicamente a Grã-Bretanha
somente agisse como força equilibrando as forças continentais de França, Prússia, Áustria e
Rússia) e econômica da Grã-Bretanha, acompanhada do colonialismo e imperialismo.
exista uma discussão controversa sobre as datas quando os salários reais da classe
trabalhadora e suas condições de trabalho começavam a melhorar (1830, 1870 ou 1890).
Economicamente na década de 1840 a expansão das ferrovias dava impulsos defasados para a
indústria de ferro e aço, da metalúrgica e de mineração de carvão e com a introdução das
ferrovias e depois dos navios a vapor o resultado foi uma diminuição expressiva dos custos de
transporte que impulsionam o comércio internacional e a comunicação internacional
(telegrafo). No fim do século inovações resultavam no crescimento da indústria elétrica e
química. Corporações grandes tornavam se mais frequentes por causa da expansão das
necessidades de capital, a importância dos bancos e dos mercados financeiros aumentava, e a
substituição dos donos de capital por gerentes assalariados no gerenciamento das empresas
começava. A importância das grandes corporações aumentava em relação às empresas
familiares. Aumentava também a tentativa de regular os mercados, sujeitos aos ciclos
conjunturais, através de carteis e ‘trustes’ pelas próprias corporações ou por intervenções de
Estado (especialmente pelo protecionismo no comércio internacional) especialmente na
´Longa Depressão’ nas décadas depois de 1873. Aumentava também neste período a tentativa
dos países centrais de expandir os mercados através do colonialismo e imperialismo, embora o
efeito econômico desta segunda onda de globalização forçada parece duvidoso. O efeito
político foi o fortalecimento da ideologia nacionalista nos países centrais, a competição entre
os países centrais na corrida por novas colônias e a abertura de mercados (por exemplo, a
China) aumentou os conflitos entre estes países e, em último lugar, levou a eclosão da crise de
julho de 1914 e a Primeira Guerra Mundial.
As últimas duas décadas de século XIX e os anos antes da Primeira Guerra Mundial em 1914
são vistos como a era do liberalismo, da expansão do padrão de vida nos países centrais, do
padrão ouro (quando cada vez mais países aderiram ao padrão ouro) e do comércio livre e dos
movimentos de capitais internacionais livres sobre a hegemonia do Reino Unido (‘pax
britânica’), mas também das crescentes conflitos trabalhistas, dos movimentos trabalhistas
(sindicatos e partidos trabalhistas) em ascensão, da ideologia socialista ascendente
enfrentando a ideologia do liberalismo, do crescente nacionalismo, colonialismo e
imperialismo e das tensões crescentes entre os países centrais.
No Brasil houve industrialização importante somente no século XX, mas como colônia
portuguesa (até1822) com o deslocamento da monarquia para o Brasil em 1807/1808 já
começavam os primeiros passos, que aumentavam no Império (até 1889), e aceleraram na
República Velha (até 1930). O fim da escravidão em 1888, a crescente imigração no fim do
século XIX, e os primeiros conflitos trabalhistas nas cidades, mudaram o ambiente político,
económico e social, embora o Brasil ficasse um país com vocação agrária e exportador de
matérias primas.
Embora o Reino Unido aderisse em 1846 com os ‘corn laws’ ao comércio livre, seguido por
outros países, depois da recessão de 1873 até 1879 e da longa deflação das décadas a seguir,
da proteção das indústrias infantes, da queda dos preços de transporte, da possibilidade de
refrigeração e da crescente concorrência de produtos agrícolas dos Estados Unidos, Canada,
Austrália e da Argentina, muitos países na Europa começavam novamente de introduzir o
protecionismo comercial, como a próxima tabela mostra.
Itália n.d. 8 - 10 18 22 46 25
Japão Restrições 5 30 n.d. n.d. n.d.
Países
6-8 3-5 4 6 n.d. 11
Baixos
Reino
45 - 55 0 0 5 n.d. 23
Unido
Rússia Restrições 15 - 20 84 Restrições Restrições Restrições
Suécia Restrições 3-5 20 16 21 9
Suíça 8 - 12 4-6 9 14 19 n.d.
Fonte: Chang (2002), p. 17
Restrições: Existiam muitas e importantes restrições a importações de manufaturados que
deixam as tarefas sem sentido
The Cambridge Economic History of Modern Europe Volume 1 1700–1870 [2010, p. 122 p.]
tambem mostra as diferentes formas de crises economicas no desenvolvimento so capitalismo
global:
A crise de 1847/1848 foi a última com fortes impactos do setor agrícola, onde a ‘batata fome’
de 1845/1848 na Irlanda foi a forma mais conhecida e cruel, levando a morte de cerca um
milhão de pessoas e a emigração de um milhão a mais. A ‘batata fome’ na Irlanda [e em outros
países da Europa] foi consequência de uma doença da batata que se espalhou em Europa na
década de 1840. A crise econômica dos anos antes de 1848 tinha certos impactos sobre as
revoluções europeias de 1848 [com exceção da Inglaterra, onde o movimento ‘chartista’ forte
– com o objetivo do sufrágio universal (‘dos homens’) – fracassou neste ano, mas também não
existiu uma situação revolucionária como em outros países da Europa]. Importante é lembrar
neste contexto que as profundas crises econômicas do capitalismo global sempre têm
impactos políticos, o que seja necessário analisar também nos capítulos seguintes. A crise de
1857/1859 com impactos internacionais deve ser a primera forma das crises novas do
capitalismo com fortes impulsos do setor industrial e comercial.
Para as crises novas do capitalismo global a ‘Longa Depressão’ e a crise financeira de 1907 nos
Estados Unidos são os exemplos mais marcantes. A ‘Longa Depressão’ é um assunto
controverso na discussão econômica e histórica. Houve uma longa recessão mundial
começando em 1873 com uma crise financeira na Áustria e chegando no mesmo ano para
Alemanha (‘Gründerkrise’, crise depois da Guerra de 1870 contra França e da criação do
império alemão em 1871 e da expansão econômica seguinte até 1873) e aos Estados Unidos
onde ela demorou até 1879. Alguns economistas e históricos veem o período de 1873 até 1896
como um período de depressão. Houve, com certeza, um período prolongado de deflação dos
preços, industriais bem como da agricultura, não somente nos Estados Unidos e no Reino
Unido como os próximos dois gráficos mostram, mas também em outros países. Mas uma
deflação, embora muito perigosa para empresas e pessoas altamente endividadas, pode ser
também uma consequência de aumentos significativos de produtividade o que torna esta
deflação uma deflação positiva. Uma deflação que acompanha uma queda da produção e um
aumento do desemprego, como na Grande Depressão da década de 1930, é muito mais
perigosa, porque pode aprofundar e prolongar uma depressão por causa dos problemas da
deflação da dívida (Fisher) e da retração do consumo e do investimento por causa da formação
de expectativas de preços em queda no futuro. Embora houve uma queda cíclica das taxas de
crescimento do produto e da produção industrial em relação à expansão econômica expressiva
desde a década de 1850, mas não houve uma queda prolongada da produção, embora é
importante alertar que a deflação prolongada depois de 1873 levou a problemas para os
setores da agricultura (em primeiro lugar), da indústria e do comércio. O liberalismo
econômico se enfraqueceu, o protecionismo se fortaleceu (com exceção do Reino Unido), a
76
ideologia socialista ganho mais apoio na classe trabalhadora e os governos tentavam abafar os
problemas internas com sucessos externos fortalecendo a ideologia nacionalista, imperialista e
colonialista.
Fonte: NBER
Fonte: NBER
Também uma análise da produção industrial no Reino Unido no próximo gráfico mostra que a
tendência da produção depois de 1865 (a grande queda da produção têxtil foi por causa da
guerra civil nos Estados Unidos (1861-1865) e problemas de fornecimento de algodão para a
indústria têxtil) é ascendente, mostrando no período ciclos conjunturais normais, mas não uma
depressão ou estagnação permanente.
Gráfico 5 Índices produção industrial, têxtil e da indústria pesada Reino Unido, 1854 – 1924,
Fonte NBER
e – 23,2% para o índice de produtos agrícolas) o período de 1870-1879 tive deflação anual
menor (-4,0% para o índice geral e – 6,2% para o índice de produtos agrícolas). É importante
anotar que a forte deflação do ano 1921 (na recessão pós-guerra) foi precedida de inflação
anual forte no período de 1913 até 1920 (9,8% para o índice geral e 11,3% para o índice de
produtos agrícolas).
Índice preços
Índice geral Índice preços Índice preços
produtos Preço trigo
de preços alimentos têxteis
agricultura
1870-1879 -30,6 -43,8 -41,6 -41,2 -12,2
anual -4,0 -6,2 -5,8 -5,7 -1,4
1870-1893 -32,4 -43,8 -44,8 -50,5 -40,5
anual -1,7 -2,5 -2,6 -3,0 -2,2
1870-1913 -9,9 -21,9 -35,1 -47,4 -21,9
anual -0,2 -0,6 -1,0 -1,5 -0,6
1893-1913 33,3 38,9 17,6 6,3 31,3
anual 1,4 1,7 0,8 0,3 1,4
1913-1920 93,0 111,0 113,0 187,3 175,6
anual 9,8 11,3 11,4 16,3 15,6
1920-1921 -15,5 -41,2 -34,3 -42,7 -44,1
1921-1929 9,8 18,5 10,7 -4,2 -11,0
anual 1,2 2,1 1,3 -0,5 -1,4
1929-1932 -26,1 -54,6 -38,9 -38,9 -56,7
anual -9,6 -23,2 -15,1 -15,2 -24,4
1932-1938 16,1 45,5 20,5 21,0 47,0
anual 2,5 6,4 3,2 3,2 5,1
Fonte: NBER Macrohistory database, Cálculos próprios
A saída da 'Longa Depressão' é - às vezes - relacionada com as descobertas de ouro na década
de 1890 e na década seguinte na África do Sul e na Alasca.
A segunda onda de globalização (se a expansão europeia para as Américas, Ásia e África nos
séculos XV e XVI pode ser contada com primeira onda de globalização) através do colonialismo
e da abertura comercial forçada de países asiáticos, da procura de fontes de matérias primas e
de novos mercados para os produtos dos países centrais e da exportação de capital começa
nas últimas décadas do século XIX e segue até a Primeira Guerra Mundial.
O comércio internacional foi crescendo neste período da globalização mais rápido do que o PIB
global, como pode ser visto na tabela seguinte:
A exportação de capital dos países centrais é refletida nos seguintes estoques de capital
estrangeiro em 1914 na tabela a seguir:
Tabela 20 Estoque de capital estrangeiro 1914 (US$ milhões - taxas de câmbio correntes)
Western América
Europa Ásia África Total
Offshoots'* Latina
Reino Unido 1.129 8.254 3.682 2.873 2.373 18.311
França 5.250 386 1.158 830 1.023 8.647
Alemanha 2.979 1.000 905 238 476 5.598
Outros 3.377 632 996 1.913 779 7.700
Estados Unidos 709 900 1.649 246 13 3.514
Total 13.444 11.173 8.390 6.100 4.664 43.770
Fonte Maddison table 2-26 a.
* Maddison denomina como 'Western Offshoots" os países Austrália, Canada, Estados Unidos e Nova
Zelandia
A tabela mostra que a grande maioria dos investimentos no estrangeiro pelos países centrais
foi investido em outros países centrais (56,2%), 19,2% na América Latina, 13,9% na Ásia e
10,7% na África.
É importante acrescentar que houve nestas décadas também outra onda de globalização: a
expressiva emigração de europeus para as Américas e outros partes do mundo, em primeiro
lugar para os Estados Unidos, mas também para Argentina e Brasil entre outros países, que
deram um certo alivio para as pressões demográficas e os problemas sociais e políticos nestes
tempos, mas também já nos séculos anteriores. Também houve fortes ondas de emigração
para as Américas (e também para outros países asiáticos e para África do Sul) dos países
asiáticos. Hoerder [2012, p. 435 p.] identifica entre 1840 e 1940 três ondas expressivas de
migração:
Entre os anos 1807 e da década de 1870 foram ainda 2 milhões de escravos da África forçados
para as Américas. Também é necessário contar os migrantes dos colonizadores
(administradores, soldados, comerciantes e outros, cerca de um milhão de pessoas) que foram
enviados de Europa ou migravam para as colônias.
As tensões entre os países centrais nesta tentativa imperialista de dividir o mundo em colônias
e esferas de influência podem ser vistas como uma causa importante da catástrofe da Primeira
Guerra Mundial, com dezenas de milhões de mortos militares e civis em combates sem
sentido, e inválidos ou feridos fisicamente e psiquicamente, em um clima de ódio e xenofobia
entre os povos, que levou as economias e culturas florescentes de Europa para um abismo e
levou também a ascensão econômica e politica dos Estados Unidos. Para as instituições
capitalistas na evolução do capitalismo global nas últimas décadas do século XIX e dos anos até
a Primeira Guerra Mundial as tendências mais importantes foram politicas colonialistas e
imperialistas dos países centrais, a ascensão das grandes corporações num ambiente de
crescimento da produção (pelo menos nos países centrais com exceção do Reino Unido), o
aumento expressivo do comércio internacional e dos movimentos internacionais de capital,
bem como da migração internacional.
O sistema monetário internacional padrão ouro sob a hegemonia britânica antes da Primeira
Guerra Mundial facilitou o comércio internacional, os movimentos internacionais de capitais e
– com isto – a criação de mercados financeiros globais. O Reino Unido depois dos corn-laws em
1846 seguia a politica de comércio livre sem tarefas externas, seguido por outros países
centrais, embora com a longa depressão nos Estados Unidos de 1873-1879 e na Europa os
países em processo de industrialização começavam aumentar as barreiras tarifárias para
proteger as indústrias infantes e a agricultura da concorrência da indústria britânica e das
agriculturas mais produtivas na periferia (Argentina, Rússia, etc.) e das dependências e ex -
dependências do Reino Unido (‘Western Offshoots’ [Maddison] Austrália, Canada, Estados
Unidos e Nova Zelândia).
Esta onda globalizante levou também a ascensão das grandes empresas, que em suas
estratégias internacionais espalhavam instituições e culturas capitalistas para o mundo. O
crescente poder das grandes empresas levou também – especialmente nos Estados Unidos –
nas tentativas de controlar a concentração do capital através do Estado e dos movimentos da
82
sociedade civil, levando as leis antitruste Sherman em 1890 e sua aplicação, por exemplo, na
divisão da corporação Standard Oil of New Jersey.
O conceito do imperialismo nas últimas duas décadas do século XIX e nos anos antes de
Primeira Guerra Mundial descreve a corrida geopolítica dos países centrais para dividir o
mundo entre si na forma de colônias, países forcados a abrir suas economias para os países
centrais (China, Egito31, Turquia, Pérsia etc.), e esferas de interesse. Diferentes autores (por
exemplo, Hobson, Lenin, Hilferding) enfatizam fatores ideológicos e políticos e/ou fatores
econômicas na evolução das politicas imperialistas nos países centrais que – em última
instância – levavam para a Primeira Guerra Mundial em 1914. A ideologia do nacionalismo
exagerado e agressivo, defendido por certas camadas sociais, e necessidades econômicas de
abrir mercados para produtos nacionais, segurar matérias primas e procurar países onde o
capital nacional pode ser aplicado a taxas de lucros elevados, são os motivos que estes autores
enfatizam, mas estudos posteriores mostravam que os benefícios econômicos estavam
limitados para os países centrais, embora provavelmente lucrativos para certos
empreendedores globais. Um exemplo especialmente sombrio do imperialismo e colonialismo
das ultimas décadas do século XIX é o Congo do rei Leopoldo II de Bélgica com seu trabalho
forcado, torturas, e matanças, que Conrad descreve em sua novela 'The heart of darkness' que
deixa a ideologia colonialista de Kipling 'The white man's burden' exposta em toda sua
fraqueza. Estima se que milhões de congoleses pereciam sob o regime colonialista do rei
Leopoldo II.
A tabela a seguir mostra a expressiva expansão do sistema colonial no mundo entre 1876 e
1914, onde as colônias britânicas parcialmente autogovernadas (em 1914) como Austrália,
Canadá e Nova Zelândia e –em menor grau - também África do Sul entram também como
colônias.
Tabela 21 Colônias (incluindo os domínios do Reino Unido) dos poderes centrais (Área em
quilômetros quadrados (milhões) e população (milhões) em 1876 e 1914)
Total em % do
Colônias Países Centrais Total
Mundo
1876 1914 1914 1914 1914
Área População Área População Área População Área População Área População
Inglaterra 22,5 251,9 33,5 395,5 0,3 46,5 33,8 440,0 25,2% 26,6%
Rússia 17,0 15,9 17,4 33,2 5,4 136,2 22,8 169,4 17,0% 10,2%
França 0,9 6,0 10,6 55,5 0,5 39,6 11,1 95,1 8,3% 5,7%
Alemanha - - 2,9 12,3 0,5 64,9 3,4 77,2 2,5% 4,7%
Estados
- - 0,3 9,7 9,4 97,0 9,7 106,7 7,2% 6,4%
Unidos
Japão - - 0,3 19,2 0,4 53,0 0,7 72,2 0,5% 4,4%
83
06
poderes 40,4 273,8 65,0 523,4 16,5 437,2 81,5 960,6 60,9% 58,0%
centrais
Colônias de outros países (Bélgica, Países Baixos, Portugal etc.) 9,9 45,3 7,4% 2,7%
Países dependentes (China, Pérsia, Turquia etc.) 14,5 361,2 10,8% 21,8%
Outros países 28,0 289,9 20,9% 17,5%
O Mundo 133,9 1.657,0 100,0% 100,0%
A civilização do século XIX assentava em quatro instituições. O primeiro foi o sistema de equilíbrio
de poder que durante um século impediu a ocorrência de qualquer longa e devastadora guerra
entre as Grandes Potências. O segundo era o padrão ouro internacional que simbolizava uma
organização única da economia mundial. O terceiro era o mercado auto-regulador que produzia um
bem-estar material inédito. O quarto era o Estado liberal. Classificadas de uma forma, duas dessas
instituições eram econômicas, duas políticas. Classificado de outra forma, dois delas eram
nacionais, dois internacionais. Entre eles foram determinados os traços característicos da história
de nossa civilização. Karl Polanyi, The Great Transformation, p.3
A rede de numerosas pequenas e médias empresas foi penetrada e influenciada pelos blocos de
grandes empresas, em crescimento em número e dimensão, que se desenvolveram principalmente
na indústria, no setor dos transportes, nos bancos e noutros setores de serviços. As empresas
firmaram acordos e formaram cartéis, sindicatos e sociedades anônimas, complementando e
mudando os princípios do mercado e da concorrência por meio da auto-organização. Surgiram
relações dependentes de oligopólios e monopólios. Em grandes empresas, os empresários
empregados, também chamados de "gerentes", estavam cada vez mais no controle. Houve uma
certa separação entre propriedade e controle. O papel do capitalista e o do empresário divergiram
um pouco. Nas grandes empresas, a divisão funcional do trabalho e a gradação hierárquica
tornaram-se mais diferenciadas, mais nítidas e mais formalizadas. A ciência tornou-se cada vez mais
importante na produção, depois também nas vendas e, finalmente, na administração interna. A
estrutura interna das grandes empresas privadas tornou-se mais semelhante à estrutura interna das
grandes agências governamentais. Jürgen Kocka, Arbeiten an der Geschichte Gesellschaftlicher
Wandel im 19. und 20. Jahrhundert, 2011, p. 141
A citação de Polanyi mostra os pilares da economia e política liberal nos países centrais no
século XIX, sem introduzir as transformações importantes do capitalismo concorrencial de
pequenas e médias empresas desde a Longa Depressão de 1873 – 1896 em muitos destes
países. Pode se acrescentar ainda para o período antes da Primeira Guerra Mundial uma onda
de globalização caracterizada pelo aumento expressivo de comercio internacional, dos
movimentos internacionais de capital, e da migração. Pode se chamar este período um tempo
de livre movimentação internacional de bens e serviços, capital, e trabalho, embora somente o
Reino Unido seguia a política de livre comercio até sua saída do padrão ouro em setembro de
1931, outros países introduziam barreiras já na Longa Depressão de 1873 – 1896 (também
chamada de Longa Deflação, porque houve neste período uma queda expressiva dos preços,
mas não acompanhada de uma queda expressiva da produção, que normalmente caracteriza
uma depressão). Este período é lembrado como o auge do liberalismo econômico sob o
padrão ouro como sistema monetário internacional, livre movimentação internacional de
84
Gráfico 6 Estrutura do emprego nas unidades operacionais locais (fabricas) das empresas
alemães na indústria 1882, 1895, 1907 e 1925,
Fonte: HISTAT: GESIS Datenarchiv, Köln. histat. Studiennummer 8181
86
Gráfico 7 Emprego médio nas diferentes formas jurídicas das empresas alemães 1882, 1895,
1907 e 1925
mais fortemente representadas entre as 100 maiores; A Alemanha diferia ainda mais da
Inglaterra nisso. A maioria dos 50 maiores do setor de bens de consumo estavam localizados lá.
(...).
Já em 1887 havia apenas 27 empresas de produção pura entre as 100 maiores, em 1907 apenas
12 e em 1927 9, mais recentemente quase exclusivamente na indústria de máquinas e veículos.
Acima de tudo, a "integração para trás", tecnologicamente óbvia e também por razões de
política de mercado defensiva, já era comum no final do século XIX, especialmente nas
indústrias do carvão e do aço e química. O que mudou radicalmente de 1887 a 1927 foi a
tendência adicional das empresas manufatureiras de "integração progressiva", primeiro (1887-
1907) na forma de filiação a um dos sindicatos de rápido crescimento, depois (1907-1927)
principalmente por meio de afiliação ou expansão uma organização de vendas interna. As
vendas eram feitas de uma forma ou de outra: em 1887, 25 das 100 maiores empresas
industriais e de mineração, em 1907 82 e em 1927 até 88. Em 1887, a integração das vendas
era comum nas empresas elétricas, químicas e cervejeiras. Tornou-se cada vez mais a
estratégia geral em todos os setores. (...).
Já em 1887, apenas 15 das 100 maiores empresas eram organizadas como empresas pessoais;
estes foram encontrados principalmente no campo da extração de ferro e metal (Krupp e as
"empresas nobres" da Silésia, como von Giesche's Erben, Breslau e Henckel von Donnersmarck
de). Em 1897, havia apenas 7 empresas pessoais entre as 100 maiores (a saber, 4 "empresas
nobres" da Silésia e Stinnes no setor de mineração, Borsig e Henschel na engenharia mecânica),
em 1927 apenas uma (ou seja, o comparativamente pequeno estaleiro Schichau em Elbing).
(...). Mais da metade das 100 maiores empresas em 1907 foram originalmente fundadas como
empresas pessoais e, em sua maioria, foram reorganizadas em sociedades por ações ou outra
corporação nas décadas de 1870 e 1880
Kocka (2011, p. 150 pp.) aponta também para o papel crescente dos grandes bancos
universais, também fundados neste período, no financiamento da indústria:
As forças motrizes aqui eram principalmente os bancos, que, como o Deutsche Bank, o
Commerzbank ou o Darmstädter Bank, eram estruturados como sociedades anônimas,
principalmente preocupadas com o financiamento industrial, mas apenas ajudavam as
empresas industriais com necessidade de capital com empréstimos de longo prazo e a abertura
do mercado de capitais e estavam prontos para agir quando [as empresas] foram convertidos
em uma sociedade por ações ou algo semelhante. Só esta forma jurídica dava aos bancos a
oportunidade de fiscalizar e intervir na empresa que apoiavam financeiramente, sobretudo
através do conselho fiscal, legalmente previsto para as sociedades anônimas desde 1870, ao
qual os bancos podiam enviar os seus representantes.
No início do século XIX eram principalmente os banqueiros privados que faziam transações
bancárias com base em sua riqueza privada. Frankfurt am Main e a bolsa de valores local
claramente dominaram as atividades, e o financiamento do Estado foi a principal linha de
negócios. (...). Os banqueiros reagiram a esses desafios criando bancos de crédito de ações,
inicialmente contra a vontade do Estado prussiano, contornando as regulamentações
pertinentes, por exemplo, no Disconto Gesellschaft em Berlim (fundado em 1851), ou fora do
território do estado prussiano (Darmstädter Bank, fundado em 1853 como um banco de
comércio e indústria). Posteriormente, quando os bancos também foram aprovados como
88
sociedades anônimas, de acordo com os requisitos legais z. B. Deutsche Bank (1870) e Dresdner
Bank (1872). (...).
Kocka (2011, p. 151 pp.) mostra também a crescente burocratização nas empresas e com isto a
crescente importância dos funcionários na gerencia e nos trabalhos de dia-dia nas empresas,
criando uma nova camada de empregados, que em seus hábitos e mentalidades tentavam se
posicionar acima dos trabalhadores de colarinhos azuis, embora para a maioria os salários não
foram tão diferentes:
Na Alemanha nas últimas décadas do século XIX e nos anos antes da Primeira Guerra Mundial
houve uma forte concentração de capital, especialmente em novos setores como indústria
elétrica (Siemens, AEG), química (BASF, Bayer, Hoechst) e ótica (Zeiss), financiado por bancos
universais como a Deutsche Bank e outros, mas também nos setores da indústria pesada
(Krupp) e mineração de carvão (Gelsenkirchener Bergwerksgesellschaft). O partido
socialdemocrata e os sindicatos dos trabalhadores ganhavam força e os conflitos sociais
89
aumentavam, que o Chanceler Bismarck tentou enfraquecer com leis de perseguição dos
socialdemocratas desde 1878 (até 1890), mas também estabelecendo os primeiros pilares de
um Estado de bem-estar social na legislação da previdência social na década de 1880 para
afastar os trabalhadores do partido socialdemocracia e dos sindicatos. A importância das
ciências e da educação cresceu também nesta segunda revolução industrial. Com a
urbanização crescente o investimento do Estado na infraestrutura (estradas, ferroviárias,
portos, gás, água, esgoto, eletricidade, saúde pública etc.) cresceu também nesta fase de
desenvolvimento capitalista.
O mundo do trabalho mudou já com a industrialização como descrito no capítulo anterior, mas
as novas características na fase de capitalismo organizado foram a aglomeração de massas de
trabalhadores assalariados nas grandes empresas, criando também uma classe trabalhadora
industrial, e a ascensão de funcionários de colarinho brancos e de gerentes assalariados, bem
como a organização mais rígida do trabalho. O Estado tentava amenizar os males da vida do
trabalhador com medidas legais e sociais cautelosos, mas também usava medidas repressivas
para resolver conflitos trabalhistas como greves nas empresas.
Na Alemanha nas últimas décadas do século XIX e nos anos antes da Primeira Guerra Mundial
houve uma forte industrialização e concentração de capital, especialmente em novos setores
como indústria elétrica (Siemens, AEG), química (BASF, Bayer, Hoechst) e ótica (Zeiss),
90
financiado por bancos universais como a Deutsche Bank e outros, mas também nos setores da
indústria pesada (Krupp) e mineração de carvão (Gelsenkirchener Bergwerksgesellschaft). O
partido socialdemocrata e os sindicatos dos trabalhadores ganhavam força e os conflitos
sociais aumentavam, que o Chanceler Bismarck tentou enfraquecer com leis e perseguição dos
socialdemocratas na década de 1880, mas também estabelecendo os primeiros pilares de um
Estado de bem-estar social na legislação da previdência social na década de 1880 para afastar
os trabalhadores do partido socialdemocracia e dos sindicatos.
A industrialização no Reino Unido (desde o fim do século XVIII), nos Estados Unidos (desde a
segunda metade do século XX) e na Alemanha (também desde segunda metade do século XX)
com o impulso forte da extensão da rede ferrovaria já começando na década de 1840 levou a
uma mudança expressiva da estrutra de produção e do emprego, fortalecendo o setor
industrial, enquanto o setor da agricultura perdeu cada vez mais em importância nos países
centrais, embora a agricultura até hoje sempre consegiu nos países centrais segurar uma
proteção forte pela intervenção do Estado, pela fixação de tarefas externas, bem como através
de subvenções diretas e garantia de preços. A tabela a seguir mostra para os três setores
centrais da economia a mudança no emprego até 1913.
Tabela 22 Distribuição setorial da população ocupada por setores (%) 1800, 1870 e 1913
O conceito do capitalismo organizado criado por Hilferding em 1915 (resumindo seu livro de
1910 Das Finanzkapital) descreve – em primeiro lugar para Alemanha - as mudanças profundas
na economia e política nestas últimas décadas do século XIX. O capitalismo organizado está
caracterizado pela concentração, racionalização e burocratização (das empresas e do Estado),
pela fundação de sociedades anônimas por ações, associações e cartéis, e -em contrapartida –
de organizações da classe trabalhadora, e pela atividade econômica do Estado (intervenção na
economia e na sociedade, institucionalização por meio de leis, primeiros passos do Estado de
bem estar social). Começava a divisão entre propriedade e gerência nas grandes empresas,
91
Este termo, cunhado por Rudolf Hilferding, geralmente se refere à substituição de uma
economia competitiva com empresários individuais e em grande parte protegida
contra a intervenção estatal por uma economia altamente concentrada, internamente
burocratizada, organizada em sindicatos patronais e trabalhistas. O funcionamento
desta ordem econômica é assegurado por intervenções do Estado de várias qualidades.
Embora o conceito do capitalismo organizado foi usado em primeiro lugar para descrever os
fenômenos novos das décadas antes da Primeira Guerra Mundial, o conceito também pode ser
usado pelo período entre as guerras, pelo menos antes da Grande Depressão da década de
1930, quando a intervenção do Estado alcança um nível qualitativo diferente em muitos
países, que já mostra algumas características do paradigma keynesiano-fordista da era pós-
Segunda Guerra Mundial. No Brasil com a era Vargas certas características do capitalismo
organizado aparecem também, com ênfase na intervenção maior do Estado na economia e na
sociedade.
Em uma perspectiva histórica mais extensa o capitalismo organizado foi se aprofundando com
o paradigma Keynesiano-Fordista pós-Segunda Guerra Mundial e a ampliação do Estado de
bem estar social nos países centrais. Nos países centrais do capitalismo democrático, “onde o
governo faz intervenções nos mercados para garantir justiça social e estabilidade demandada
por uma maioria votante” [Streeck 2013 [2]] os trinta anos pós-guerra são denominados por
Fourastié [Judt, 2009] os “Les trente glorieuses”, por Hobsbawm [(2) 1997] a era do ouro e por
Arrighi [2010] Fordismo-Keynesianismo e por Streeck [2013] capitalismo “com a correção
política no modelo Keynesiano e Beveridgeano”. Com a crise da década de 1970 a ideologia
keynesiana se enfraqueceu e a ascensão da ideologia neoliberal preparava transformações
profundas na organização econômica nacional e interncional.
Pensadores como John Maynard Keynes e Stefan Zweig olhavam em retroperspectiva depois
da catástrofe humana da guerra com certa saudade para esta época burguesa perdida da livre
movimentação de pessoas, capital, e produtos no mundo. Com a guerra os países beligerantes
abandonavam o padrão ouro e o livre comércio introduzindo o planejamento da produção
pelo Estado e forte intervenção do Estado na economia, financiando a guerra com dívida
pública e expansão monetária, incompatível com o padrão ouro. As consequências futuras
foram dívidas públicas insustentáveis e pressões inflacionárias, que depois da guerra
acabavam parcialmente, como na Alemanha em 1923, em uma hiperinflação.
Outra característica marcante da história brasileira é a facilidade de suas transições políticas internas. A este
respeito, é a antítese do México. Isto é em parte devido à natureza do domínio colonial. No México, o domínio
espanhol era pesado e exclusivo, com uma insistência orgulhoso em conformidade com as normas
metropolitanas. Portugal, pelo contrário, impôs um relativamente "soft state". A mão burocrática era mais
leve, o clero mais fácil. Durante séculos, a colonização não era densa, com o Português vivendo em enclaves
como "caranguejos na praia". Houve autonomia local substancial, os estrangeiros foram autorizados a negociar
e até mesmo viver no país, a Inquisição não tinha existência eficaz e hereges discretos foram deixados sem
perturbações. Portugal, como a Holanda, era uma nação de marinheiros e comerciantes. Colonialismo tinha
elementos maiores de "capitalimo comercial" do que na Nova Espanha, cuja política era mais próxima do
modelo romano antigo de "imperialismo de tributo". Angus Maddison32, Brazilian Development
Experience 1500 – 1929, p. 1
93
Este capítulo não pode ser uma história econômica curta de Brasil nem uma discussão sobre as
perguntas abertas controversas sobre o desenvolvimento especifico capitalista brasileiro com
sua dependência colonial e pós-colonial de Portugal, da Inglaterra e dos outros países centrais,
mas está escrito na perspectiva de focar de forma concisa os período de transição do
desenvolvimento das instituições capitalistas no Brasil com foco na industrialização do Brasil e
na inserção do Brasil no sistema capitalista global.
Na perspectiva política a história brasileira foi dividida em seis períodos por Fausto [2009] (1) o
Brasil colonial (1500 -1822); (2) O Brasil monárquico (1822 – 1889); (3) A primeira república
(1889 – 1930); (4) O Estado Getulista (1930 – 1945); (5) A experiência democrática (1945 –
1964); (6) O regime militar e a transição para a democracia (1964 – 1984); pode se acrescentar
o período seguinte de Brasil democrático desde 1985 com os governos de Sarney, Collor,
Franco, Cardoso, Lula da Silva, Rousseff, Temer e Bolsonaro.
Peles e
Café Açúcar Algodão Borracha Total
Couros
1821/30 18,63% 32,21% 19,96% 13,77% 0,06% 84,63%
1831/40 43,78% 24,02% 10,98% 7,92% 0,35% 87,05%
1841/50 41,29% 26,74% 7,47% 8,62% 0,39% 84,51%
1851/60 48,78% 21,18% 6,21% 7,24% 2,24% 85,65%
1861/70 45,25% 12,04% 18,37% 6,01% 3,18% 84,85%
1871/80 56,44% 11,87% 9,51% 5,52% 5,49% 88,83%
1881/90 61,70% 9,96% 4,24% 3,19% 7,69% 86,78%
1891/00 63,84% 5,66% 2,48% 2,48% 15,83% 90,29%
1901/10 51,46% 1,24% 2,12% 4,36% 27,94% 87,12%
1911/20 52,40% 3,19% 1,98% 6,41% 11,44% 75,42%
1921/30 69,56% 1,44% 2,41% 4,62% 2,50% 80,53%
1931/40 50,03% 0,49% 14,28% 4,39% 1,08% 70,27%
1941/50 46,11% 0,78% 11,35% 3,26% 0,97% 62,47%
Fonte: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior
Com a fuga da monarquia portuguesa para o Brasil (1807/1808) começou a abertura dos
portos para o comércio internaional com políticas comerciais favorecendo os ingleses,
aumentando com isto as importações de bens e capital ingleses. Mudou também a politica
mercantilista que proibiu a produção de bens manufaturados na colônia, o que iniciou os
primeiros passos cautelosos de industrialização, nem sempre com muito sucesso por causa da
forte concorrência dos produtos ingleses e do mercado interno restrito.
Com a abolição da escravatura em 1888 a imigração europeia para o Brasil tornou-se mais
expressiva com o objetivo em primeiro lugar de fornecer mão de obra para a produção de café
no estado de São Paulo, onde agora a produção se concentrou. A tabela a seguir mostra a
migração para o Brasil nas décadas de 1884 até 1933.
95
e a crise brasileira de Encilhamento no fim do império e nos primeiros anos da República, uma
crise financeira (bolha especulativa) parcialmente consequência da política monetária
extremamente expansionista e inflacionária. As crises ou ciclos dos produtos de exportação
(açúcar, ouro, algodão, borracha) já foram mencionados acima. Os gráficos a seguir mostram a
evolução do valor (em libras esterlinas) das exportações e das importações do Brasil, bem
como dos produtos das exportações mais importantes do Brasil (café, algodão, açúcar,
borracho) nestes tempos.
Gráfico 8 Valor em libras esterlinas das exportações e importações brasileiras 1821 – 1913
Fonte: IPEADATA
97
Gráfico 9 Valor em libras esterlinas das exportações de algodão, borracha, café, e açúcar 1850
– 1913
Fonte: IPEADATA
Pode se ver nestes gráficos a estagnação do valor das exportações em geral e dos produtos
mais importantes na pauta das exportações brasileiras na Grande Deflação nos países centrais
depois de 1873 (até 1886).
Durante o último ano do Império e os primeiros anos da República, a política foi extremamente
inflacionária quando os governos estavam tentando aplacar muitos dos grupos proprietárias [de escravos]
para manter se no poder. A República terminou com as restrições à criação de corporações e bancos.
Entre maio de 1888 e outubro 1890, a emissão de novo capital social foi quase quatro vezes maior do que
no período Imperial (Villela Luz, p. 98). O nível geral de preços dobrava na década de 1890 e o valor do
mil-réis caírava em dois terços. A inflação da década de 1890 perturbou o mecanismo normal dos
mercados de câmbio e de café. A taxa de câmbio caiu mais rápido do que o aumento dos preços internos,
oque aumentou o preço interno de café, mesmo em termos reais. Isso estimulou a produção. A produção
de café dobrou na década de 1890 e assim os estoques mundiais de café. Houve uma mudança de culturas
de subsistência para o café, e as importações de cereais aumentavam.
Após os 10 anos de inflação seguintes da abolição, houve um período de estabilização. Havia oito anos de
política deflacionária 1898-1906 com o orçamento geralmente em superavit, uma redução na oferta de
moeda e uma queda nos preços. A taxa de câmbio subiu de 7d para 16d por mil réis. A política
deflacionária atraiu o capital estrangeiro em grande escala, e, embora a política não era muito popular
com os industriais, eles estavam protegidos pelas tarifas contra uma queda do preço das importações. Os
exportadores de café foram os que tevem a maior causa para reclamar, eles viram um declínio em suas
receitas em moeda nacional.
98
Prado [2006, p. 218 pp.] aponta a expansão monetária como causa da bolha especulativa e a
crise financeira em 1891. A descriçaõ da onda de excessivo otimismo mostra os mesmos sinais
como em bolhas seguintes em outros países:
(...) o novo governo republicano não somente confirmou a faculdade emissora concedida pouco antes
pelo Império, mas ainda a ampliou consideravelmente. (...). Sob a ação deste jorro emissor não tardará
que da citada ativação dos negócios se passe rapidamente para a especulação pura. Começam a surgir em
grande número novas empresas de toda ordem e finalidade. Eram bancos, firmas comerciais, companhias
industriais, de estradas de ferro, toda sorte de negócios possíveis e im-possíveis. (...). ! Naturalmente a
quase totalidade das novas empresas era fantástica e não tinha existência senão no papel. Organizavam-
se apenas com o fito de emitir ações e despejá-las no mercado de títulos, onde passavam rapidamente de
mão em mão em valorizações sucessivas. Chegaram a faltar nomes apropriados para designar novas
sociedades, e inventaram-se as mais extravagantes denominações. Ao lado de projetos irrealizáveis, como
estradas de ferro transcontinentais, grandes empresas de navegação, colonização de territórios os mais
afastados e inacessíveis do país, surgem negócios de todo disparatados. Ninguém se lembrava nunca de
indagar da exeqüibilidade de uma empresa, das perspectivas do negócio. Tudo era apenas pretexto para
incorporação de sociedades, emissão de títulos e especulação. (...). Está claro que tal situação não podia
durar. Em fins de 1891 estoura a crise e rui o castelo de cartas levantado pela especulação. De um
momento para outro desvanece-se o valor da enxurrada de títulos que abarrotava a bolsa e o mercado
financeiro. A débâcle arrastará muitas instituições de bases mais sólidas, mas que não resistirão à crise; e
as falências se multiplicam. O ano de 1892 será de liquidação; conseguir-se á amainar a tempestade, mas
ficará a herança desastrosa legada por dois anos de jogatina e loucura: a massa imensa de papel
inconversível em circulação. Esta subira, entre 1889 a 1892, de 206.000 contos para 561.000. E como não
será possível estancar de súbito este jorro emissor, a inflação ainda continuará nos anos seguintes.
O período de inflação, bem como da desvalorização do câmbio, pode ser visto no gráfico
seguinte, que também mostra o período de estabilização.
Gráfico 10 Inflação de custo de vida RJ, Preço médio de café (Reis/kg) Taxa de câmbio
(Pence/mil réis) Brasil 1820 – 1913
Fonte: IPEADATA
99
Prado [2006, p. 154] aponta para uma crise financeira anterior no Brasil, a crise de 1857,
também causada pela expansão monetária excessiva, mas com consequências menos
desastrosas do que a crise de 1891 (‘O encilhamento’).
Este capítulo e os próximos capítulos seguem com a narrativa de forma mais curta porque a
evolução das crises, como, por exemplo, a Grande Depressão da década de 1930, é descrita de
forma mais extensa na parte central deste trabalho. O centro está mais nos fatos políticos
importantes, porque os fatos econômicos encontram-se de forma mais profunda na descrição
da evolução das grandes crises, da Grande Depressão da década de 1930, da crise do modelo
da regulação keynesiana fordista na década de 1970 e na crise financeira global 2008/2009 e
seus impactos.
Com a Primeira Guerra Mundial a violência extrema do ‘breve século XX’ (Hobsbawm)
começou: o massacre da juventude europeia nos campos da batalha foi a primeira visão do
futuro: ódio nacionalista, racista e de classe, assassinatos políticos, perseguição, tortura, uma
Segunda Guerra Mundial ainda mais violenta do que a primeira, Gulag e Holocausto. Aqui não
é o lugar para analisar as causas desta época sombria da humanidade. Provavelmente foi uma
consequência da luta dos países centrais pela hegemonia politica, militar e econômica,
incentivada pela cultura imperialista, nacionalista e colonialista que se espalhou nas décadas
antes que ‘as luzes se apagam na Europa’, como disse Edward Grey, secretario das Relações
Exteriores da Grã-Bretanha (Hobsbawm, 1997 (1), p. 30). Mas a Primeira Guerra Mundial levou
também a uma discussão controversa sobre a afinidade do capitalismo global com guerras e
conflitos armados. Na perspectiva histórica contemporânea a Primeira Guerra Mundial foi a
catástrofe europeia primordial, embora sua eclosão e interpretada menos como impacto da
competição econômica global, como teóricos do imperialismo advertem, mas como
consequência de projetos geopolíticos conflituosos nos países centrais e um evento
contingente, o assassinato do herdeiro previsto ao trono austríaco no Sarajevo, que políticos e
diplomatas na Alemanha, Áustria, Franca, Grã-Bretanha, e Rússia não queriam ou não
poderiam mais controlar. Obviamente as elites econômicas nas indústrias e finanças, embora
não ativamente apostando na solução militar, aproveitavam a oportunidade de fazer lucros na
guerra, como em outras situações também, e também participavam ativamente com os
governos na definição dos objetivos abertamente imperialistas de dividir o mundo no caso de
vencer a guerra. A pergunta em aberta fica porque o massacre da juventude europeia (e do
mundo colonial e dos Estados Unidos) na guerra industrializada durou mais de quatro anos.
100
No pós-guerra existem fortes tendências de voltar ao mundo liberal antes da guerra, visto
como um modelo de sucesso de desenvolvimento econômico, padrão ouro, livre comércio
internacional e livre movimentação internacional de capitais. Mas o cenário mudou. Os
Estados Unidos tornam-se o poder econômico e politico hegemônico, substituindo a
hegemonia britânica. Os Estados Unidos tornam-se o maior credor do mundo enquanto as
nações europeias arcam com suas dívidas elevadas do financiamento da guerra, mas os
Estados Unidos não queriam assumir sua posição hegemônica, se concentrando em sua
politica domestica, por exemplo, nem assinando o tratado de Versalhes, nem participando na
nova Liga das Nações.
A guerra não deixou somente milhões de mortos e feridos, mas também destruiu as relações
econômicas e sociais entre as nações, criando novas nações em Europa, mudando fronteiras,
deslocando populações e criando um clima para caminhos autoritários, nacionalismo,
xenofobia, racismo e antissemitismo. Grandes impérios, como o império russo, o império
austro-húngaro e o império otomano quebravam e davam lugar para novos países e novas
formas de governar. A revolução russa de 1917 cria depois de uma sangrenta guerra civil uma
autocracia comunista, tentando realizar um projeto econômico e social alternativo, destruindo
as instituições capitalistas. Com isto cria-se uma divisão do movimento trabalhista em uma
corrente revolucionária comunista e uma corrente reformista socialdemocrata. Na Alemanha o
imperador Guilherme II renunciou ao trono na revolução de novembro de 1918 e abriu espaço
para a republica democrática de Weimar, primeiro com o governo dos socialdemocratas, mas
sob condições adversas, grande parte das elites odiando a republica, o tratado de Versalhes e
suas consequências para Alemanha, fortalecendo uma direita golpista (golpe de Kapp em
1920), organizações assassinas de direita (Freikorps, organização Consul, responsáveis pelo
assassino de Liebknecht e Luxemburg, Erzberger e Rathenau e muitos outros políticos) e um
101
partido nacional-socialista sob Hitler em Munique em espera para sua hora para seguir o
caminho de Mussolini na Itália em 1922.
Tabela 25 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos 1914-1918 (%)
para diminuir o desemprego. Com isto um ajuste automático das economias através do ajuste
dos preços (e de uma recessão possível), como o padrão ouro clássico previa, não foi
politicamente viável, depois dos sacrifícios da classe trabalhadora na guerra. Mas em muitos
países centrais (com exceção de Alemanha) a forte, mas curta, depressão de 1921 levou a uma
queda expressiva dos preços, mas sem retorno ao nível antes da guerra, como pode ser visto
no gráfico a seguir.
Gráfico 11 Índices de preços por atacado (1913=100), Reino Unido, Estados Unidos, França e
Alemanha (para hiperinflação 1920/1923 faltam os dados no gráfico),
Noutro lado, a inflação na guerra e depois facilitou o gerenciamento da dívida pública para os
governos, diminuindo expressivamente o valor real da dívida pública sem um default explicito.
Como pode ser visto na tabela a seguir a dívida pública aumentou significativamente em
tempos da guerra em todos os países beligerantes (e também num país não participante como
a Suíça) em termos absolutos e em termos em relação ao PIB (%) (com exceção de Japão). O
aumento da dívida pública em termos absolutos é muito maior do que em termos relativos,
porque a inflação na guerra e no pós-guerra diminui expressivamente o peso real da dívida. Na
Alemanha, por exemplo, o primeiro valor, que o FMI pública no ano de 1925 é 11,6% do PIB,
resultado da desvalorização dos títulos da dívida pública pela hiperinflação, o que foi, por
muitos observadores, visto em conjunto com a Grande Depressão da década de 1930, visto
como uma causa da ascensão de Hitler, porque empobreceu grande parte da classe média de
Alemanha.
Em moeda nacional
Estados Reino
França Alemanha Itália Japão Suíça
Unidos Unido
1913 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1920 2.490,8 1.193,4 714,2 3.752,8 492,5 125,7 237,4
1939 4.693,2 1.244,4 1.325,1 626,2 963,9 683,9 346,7
104
“As taxas de câmbio foram estabilizadas na Áustria em 1923, na Alemanha e na Polônia em 1924, e na
Hungria em 1925. Esses países emitiram novas moedas cujo volume em circulação era regulado por
provisões contidas na legislação do padrão ouro. A Bélgica estabilizou sua moeda em 1925, a França em
1926 [estabilização de fato, de jure em junho de 1928], e a Itália em 1927.
A restauração da paridade vigente antes da guerra na Grã-Bretanha em 1925 (US$ 4,86 por Libra) induziu
Austrália, Holanda, Suíça e África do Sul a acompanhar a decisão. Depois que uma massa crítica de países
restaurou o padrão ouro, o fator de externalidade em rede do sistema atraiu os demais países para o
rebanho (…). O preço para o Reino Unido de voltar ao ouro a uma taxa supervalorizada foi a necessidade
de seguir politicas deflacionistas para melhorar a competitividade, a decisão pode ser vista como a vitória
da city de Londres (do setor financeiro) sobre o setor industrial.
Se a estabilização da moeda na França em 1926 for tomada como marco do renascimento do padrão ouro,
e a desvalorização da libra pela Grã-Bretanha em 1931 como sua extinção (ou 1933 com a saída dos
Estados Unidos), nesse caso o padrão ouro no período entre guerras teve vigência como um sistema
global durante menos de cinco anos. Mesmo antes desse triste fim, sua operação era considerada
insatisfatória. O mecanismo de ajuste era inadequado: países com moeda fraca, como a Grã-Bretanha,
sofriam déficits crônicos em seus balanços de pagamentos e uma hemorragia de ouro e reservas cambiais,
ao passo que os países com moedas fortes, como a França, registravam persistentes superávits.”
Como se pode ver no próximo gráfico o período pós-guerra começou depois da depressão nos
Estados Unidos e no Reino Unido em 1921 com crescimento econômico expressivo na maioria
dos países, com exceção do Reino Unido (e na Alemanha onde a ascensão começou somente
em 1925), com uma forte depressão começando em 1929 e pondo um fim aos anos
exuberantes da década de 1920. O gráfico mostra com dados de Maddison o PIB per capita
como índice (1913 = 100) que Alemanha e o Reino Unido somente alcançavam o nível do PIB
per capita antes da guerra em 1926/1924, enquanto na França e nos Estados Unidos este nível
já foi alcançado curtamente depois da depressão de 1921.
105
Gráfico 13 Índices PIB per capita (1913 = 100) França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos
1918 – 1939 (Maddison data),
Uma história do período entre as guerras é centrada na Grande Depressão da década de 1930
é discutida em outro lugar deste trabalho. Para a eclosão da crise são importantes: a
desestruturação da economia global pela Primeira Guerra Mundial, inflações e hiperinflações
em muitos países com dívidas públicas elevadas, o problema das reparações e das dívidas da
guerra, os problemas da volta ao padrão (câmbio) ouro na década de 1920 e os conflitos
políticos internos e externos, aprofundados pela ascensão de movimentos antiliberais de
direita e de esquerda.
Na visão das mudanças das instituições capitalistas neste período pode se resumir que as
tendências já presentes antes da guerra mostravam-se agora com mais força: A tendência para
a concentração do capital em grandes empresas no setor industrial, financeiro e de serviços,
mas em convivência de uma multitude de empresas médias e pequenas. A tendência para uma
divisão entre os proprietários de capital (acionistas, empresas familiares) e o pessoal
profissionalizado para gerenciar as empresas (‘managers’ – gerentes), criando um problema
principal – agente. A organização cientifica do trabalho nos moldes de Taylor e Ford, criando
uma classe trabalhadora sindicalizada e combativa e levando a fortes aumentos da
produtividade, mas também para a perda do sentido no trabalho para grande parte dos
trabalhadores. A ascensão da importância do setor financeiro, especialmente dos bancos (mais
106
importância no continente europeu, menos nos países anglofones) e dos mercados financeiros
(mais importante nos países anglo-saxônicos), e da especulação financeira, parcialmente
financiada por créditos (mais importante nos Estados Unidos antes da crise) foi também um
fato importante nesta época.
O período entre as guerras também foi no Brasil, embora entre os países que não entravam na
primeira guerra, um período turbulento, com períodos de revoltas regionais, e finalmente com
a eclosão da Grande Depressão da década de 1930 com a mudança para um regime autoritário
de Vargas em 1930, que se tornou se com o Estado Novo de 1937 uma ditatura com a volta
para um regime democrático somente em 1945. Os impactos da Grande Depressão sobre o
Brasil, suas causas externas e internas, são parte da narrativa de um capítulo posterior neste
trabalho.
As três décadas depois da Segunda Guerra Mundial são vistos por muitos historiadores e
economistas como um período de vigoroso crescimento da produção, do emprego e dos
salários com estabilidade social, uma era de ouro (Hobsbawm), os “les trente glorieuses”
(Fourastié). Em um capítulo posterior na discussão sobre a crise da década de 1970 uma
discussão mais sucinta é feita. Em muitos países centrais uma estratégia de intervenção
macroeconômica indireta do Estado nos moldes de Keynes e a organização do trabalho nas
empresas na perspectiva de Ford-Taylor garantiram empregos seguros, embora monótonos,
com salários ascendentes, conseguiam diminuir o desemprego a níveis muito baixos e garantir
através da rede de segurança do Estado de bem-estar social na perspectiva de Beveridge as
necessidades básicas da vida para os desfavorecidos do desenvolvimento capitalista. Esta
forma de organização da economia e das empresas foi nomeada de capitalismo organizado, de
capitalismo keynesiano fordista ou de capitalismo liberal corporativista. Embora o conceito do
capitalismo organizado já fosse desenvolvido por Hilferding na segunda década do século XX,
ele tinha um sentido diferente. O conceito foi usado para descrever um modelo de
desenvolvimento capitalista pós 1870 onde grandes empresas, bancos, carteis, sindicatos
levavam a uma diminuição da importância da concorrência entre pequenas empresas e uma
forte tendência de regular os mercados através de cartéis e trusts e através da intervenção do
Estado. Este conceito foi mais apropriado para o desenvolvimento capitalista na Alemanha
depois da criação da nação alemã unificada em 1871, menos para outros países.
A diferença entre o modelo keynesiano fordista da época depois da Segunda Guerra Mundial e
do capitalismo organizado na Alemanha depois 1871 e do período entre as guerras é que as
tendências corporativistas cresciam mais nos moldes da organização das grandes empresas e
do controle através dos grandes bancos e dos sindicatos dos trabalhadores do que pelo
intervencionismo do Estado, esta tendência foi mais forte na Europa continental do que no
mundo anglo-saxão. No modelo keynesiano fordista a regulação macroeconômica da
108
O período depois da Segunda Guerra Mundial até a quebra da União Soviética em 1991 é
determinado pelo conflito (guerra fria) entre os países centrais capitalistas liderados pelos
Estados Unidos num lado e os países do socialismo burocrático noutro lado liderados pela
União Soviética e como poder terceiro os países do terceiro mundo, muitos deles criados no
processo de descolonização depois da II Guerra Mundial, que tentavam assumir uma posição
independente no conflito da guerra fria. Os países centrais capitalistas foram politicamente
forçados pela existência de politicas orientados no interesse dos trabalhadores do bloco do
socialismo real de assumir posições que refletiam também parcialmente os interesses dos
trabalhadores e de seus sindicatos e partidos para evitar tendências socialistas especialmente
nos países da Europa pós-guerra. Na Alemanha nestes tempos da guerra fria dizia se que nas
negociações entre sindicatos trabalhistas e patronais sobre salários e condições de trabalho
encontrava se sempre como parceiro virtual as politicas sociais do Estado do outro lado do
muro. Obviamente com a queda da União Soviética em 1991 este contexto mudou ajudando
as reformas neoliberais, que enfraqueciam instituições que protegiam os trabalhadores e seus
sindicatos.
A era de ouro nos países centrais foi também um período de crescimento acelerado no Brasil,
mas não sob a influência da ideologia Keynesiana, mas sob a forte intervenção de um Estado
desenvolvimentista com a política de industrialização através da substituição das importações,
mas também da entrada de empresas multinacionais dos países centrais. O Brasil conseguiu
109
driblar a crise global de 1973 nos países centrais e sustentar o crescimento acelerado através
do endividamento externo até a crise da dívida externa eclodiu em 1981 como consequência
da mudança da política monetária nos Estados Unidos e do novo choque dos preços de
petróleo. Mas esta crise da dívida externa, suas causas e seus impactos são também parte de
um capítulo posterior. O período do crescimento acelerado até 1981 infelizmente não foi um
período da estabilidade política, como especialmente o golpe militar de 1964 e a prolongada
ditadura militar mostra.
Arrighi (2010) considera que com a década de 1970 aconteceu uma mudança no
funcionamento do capitalismo global, anotada por diferentes correntes de pensamento
econômico e politico, mas as características desta mudança estão ainda em discussão
controversa. Depois do período da reconstrução das economias destruídas pela guerra, um
período de quase trinta anos de lucros, salários, e empregos em plena expansão, mas, no fim
da década de 1960 e na década de 1970 os velhos problemas das economias capitalistas
começavam novamente a surgir: ciclos econômicos com queda do crescimento, crises com
desemprego elevado e acompanhado por uma inflação em ascensão (estagflação). Explicar as
causas da crise começando em 1973 é trabalho de um capítulo posterior, neste lugar são
somente discutidos alguns pontos centrais.
Em retrospecto a crise na década de 1970 foi visto como o retorno aos problemas normais do
capitalismo depois de um período de reconstrução depois da guerra e de uma expansão
econômica e social antes nunca vista por quase três décadas, culpando o modelo
corporativista keynesiano – fordista por sua rigidez em regulamentando os mercados e
inibindo as forças dinâmicas dos mercados e da inovação. Em esta crítica baseava se a nova
estratégia neoliberal desde a década de 1980 focando na desregulamentação dos mercados,
na privatização de empresas estatais e na crescente globalização produtiva e financeira
integrando os mercados nacionais em um mercado global. Para os países centrais pode se
resumir que a estratégia não conseguiu retornar ao crescimento vigoroso das décadas depois
da Segunda Guerra Mundial, mas as novas estratégias empresariais conseguiam aumentar a
competitividade das empresas e a inovação em um ambiente global de maior competição. A
mudança da estratégia keynesiana focada na manutenção do pleno emprego através da
intervenção do Estado para uma estratégia neoliberal focado no controle da inflação implicava
custos para a classe trabalhadora: desemprego elevado e prolongado, estagnação de salários
reais, insegurança dos empregos, cortes nos benefícios do Estado de bem estar social. Os
110
custos sociais da estratégia neoliberal foram expressivos, o desemprego alto e prolongado nos
países centrais levando a uma divisão da força de trabalho em uma parte menor em situação
segura e bem remunerada e uma parte maior em situação insegura e mal remunerada e uma
parte crescente de trabalhadores excluídos da produção capitalista. O ataque neoliberal contra
o Estado de bem-estar social não conseguiu diminuir significativamente os gastos sociais dos
governos dos países centrais enfrentando desemprego e exclusão crescente, mas conseguiu
parcialmente diminuir a rede de segurança e privatizar riscos antes cobertos pelo Estado de
bem-estar social. Com isto espalhou-se um clima de incerteza, insegurança e medo de perder o
emprego e uma tendência para o aumento significativo da desigualdade na distribuição de
renda e riqueza junto com uma perda da força dos sindicatos trabalhistas.
O mantra de mais mercado – menos governo pode ser encontrado também nas relações
monetárias internacionais: O sistema de Bretton Woods com controles dos movimentos
111
Uma avaliação das estratégias neoliberais e dos tempos da crise da década de 1970 e das
décadas seguintes até a crise financeira global de 2008/2009 e a crise da dívida soberana na
área do euro depois de 2010 encontra se em um capitulo posterior, mas já pode se dizer que
os resultados da reestruturação do modelo capitalista de produção mostram vantagens e
desvantagens. Num lado pode se ver uma ascensão vigorosa dos mercados emergentes nestas
décadas de reestruturação, especialmente da China, mas também de outros países no extremo
oriente asiático. Uma desindustrialização nos países centrais encontra sua contrapartida no
112
Para o Brasil a agenda neoliberal chega com o Consenso de Washington no fim da década de
1980, embora com períodos da alta inflação e da hiperinflação até o sucesso do Plano Real em
1994, os períodos das recessões profundas de 1981/1983 e 1990/1991, e o processo de
redemocratização na segunda metade da década de 1980 demandavam outras prioridades: a
estabilização política e econômica do país. Somente com a presidência de Cardoso em 1994
outros pontos na agenda neoliberal entravam na política econômica: estabilização fiscal,
privatização, desregulamentação e abertura para os mercados globais. No mesmo ano o
processo da reestruturação da dívida externa (Plano Brady) chegou ao fim para o Brasil
terminando a herança da crise da dívida externa, mas as crises seguintes da década de 1990 e
de2000, que abalavam o mundo e também o Brasil são parte de uma discussão mais extensa
num capítulo posterior.
A procura de lucro através da produção de bens e serviços para o mercado é tão central para
uma economia capitalista como a acumulação de capital (reinvestimento dos lucros) e a
necessidade para a maioria dos trabalhadores livres de vender sua força de trabalho no
mercado de trabalho para viver, embora exista uma discussão ampla sobre a convivência do
capitalismo com a escravidão e outras formas de trabalho forçado. Igualmente central é a
tentativa de conseguir lucros monopolistas – embora temporários – através da inovação em
114
O poder do capital financeiro pode ser visto especialmente na forma como na crise financeira
global instituições financeiras insolventes foram salvadas pelos Estados e bancos centrais e
como os atores financeiros conseguiam transferir títulos duvidosos, e com isto prejuízos, e
riscos para o setor público a custo dos contribuintes dos impostos. A crise grega com início em
2009/2010 mostrou como investidores financeiros e instituições financeiras conseguiam
tempo para se livrar de títulos problemáticos da Grécia pelos pacotes de resgate dos países
solventes da área do euro e do Banco Central Europeu antes do default sobre a dívida pública
grega para os investidores privados em 2012 (que levou a um ‘haircut’ de 50% e mais perdas
pelo alongamento dos prazos e diminuição da taxa de juros). Hoje em dia o endividamento
público grego está quase totalmente com instituições públicas e países da área de euro. A
população grega não aproveitou dos pacotes de resgate para o setor financeiro, em contrário
ele foi submetido a programas de austeridade. Embora o caso de Grécia é um caso especifico,
os outros países da Europa com problemas como Espanha, Irlanda, Itália e Portugal também
são salvos por programas das instituições públicas e do Banco Central Europeu. Aqui aparece
uma contradição importante do capitalismo global contemporâneo: salvação de bancos,
instituições financeiras e financistas ricos pelos Estados, onde em último lugar os custos da
crise ficam com os contribuintes de impostos e os pobres das sociedades sofrem através de
cortes na rede de benefícios do Estado de bem-estar social.
Neste sentido parece sensato lembrar as criticas dos marxistas e dos keynesianos da esquerda
sobre os problemas que o objetivo do lucro de curto prazo levanta para a sobrevivência e
estabilidade do capitalismo global, considerando também o otimismo pleno dos neoliberais
como Hayek e Friedman sobre a harmonia do desenvolvimento da economia de mercados
livres de intervenções do Estado e a suposta inviabilidade de projetos alternativos,
especialmente do projeto do socialismo. Embora os mercados livres possam ser vistos como
um mecanismo automático e desburocratizado de correção de erros em tempos normais,
crises profundas do capitalismo global como a Grande Depressão da década de 1930 e a crise
financeira global de 2008/2009 mostram também as falhas de mercados livres e
desregulamentados. A crítica nas tentativas das empresas grandes no capitalismo
115
Quem fala do capitalismo, sem dúvida, não pode se calar sobre suas forças destrutivas sociais
e ambientais: crises frequentes, desemprego elevado, destruição ambiental, exclusão social e
desigualdade crescente de renda, riqueza e poder, mas quem fala sobre o capitalismo também
não pode se calar sobre seus sucessos em promover crescimento sustentado da renda e
riqueza e estimular inovações de produto e de processo. Provavelmente pode se dizer que o
desenvolvimento econômico é um problema central que a ascensão do capitalismo levou ao
palco da história. Na curta digressão sobre a perspectiva histórica do capitalismo é, por esta
razão, necessário refletir também sobre os fatores centrais do desenvolvimento econômico.
Importante aqui está também a tentativa de Beckert em seu livro ‘Imagined Futures’ [2016] de
mostrar que o capitalismo é em primeiro lugar um sistema econômico orientado para o futuro,
um futuro sujeito a incerteza, que os empreendedores constroem através de seus projetos
futuros ficcionais que prometem lucros. Com isto ele combina a incerteza de Keynes e Knight,
que a maioria das atividades econômicas precisa enfrentar, com o empreendedor de
Schumpeter que realiza seus projetos na expectativa de lucros futuros com recurso a créditos.
Para ele ‘history matters’ (no sentido de Marx37 de que os homens fazem sua própria história,
mas em condições historicamente determinadas, - ‘path dependency’), mas também ‘future
matters’, explicando a dinâmica capitalista com os futuros imaginados dos atores econômicos.
Se as expectativas do futuro escurecem, a dinâmica capitalista cessa.
Quem fala do capitalismo global não deve se restringir a descrever a avaliar as instituições
nacionais capitalistas num país (como empresa capitalista, mercados, direitos da propriedade,
as políticas do Estado nacional etc.) que dependem também muitas vezes do caminho
histórico anterior (dependência do caminho), mas precisa também descrever e avaliar a
dimensão internacional do capitalismo global, a expansão geográfica através da transferência
de instituições e da cultura capitalista para outros países, bem como as interações
internacionais como o comércio internacional, o movimento internacional de capitais e a
migração internacional.
117
Cada um dos grandes pensadores da economia, por exemplo, Smith, Marx, Weber,
Schumpeter, Hayek e Keynes acrescentam novas ideias sobre a dinâmica do capitalismo, que
são aqui resumidos seguindo a argumentação de Ingham [2008].
Brown [2015, p. 111] caracteriza o projeto de Marx de descrever os traços mais importantes
na evolução do capitalismo da seguinte forma:
Weber focou com mais ênfase a dimensão cultural do capitalismo, especialmente em sua
hipótese controversa de que o espirito capitalista se formou com a ética do Calvinismo e do
Puritanismo38: A racionalidade do comportamento capitalista na organização da empresa na
procura do lucro (por exemplo, pela contabilidade), mas também analisando as novas
tendências para corporações grandes e burocratizadas e Estados burocratizados fortes que
ajudam o desenvolvimento, aqui se apoiando fortemente no desenvolvimento capitalista de
Alemanha na segunda metade do século XIX. Brown [2015, p. 111] caracteriza o projeto de
Weber de descrever os traços mais importantes na evolução do capitalismo da seguinte forma:
Weber retrata o capitalismo como originalmente formado a partir da combinação de uma ética ascética,
separações múltiplas (nomeadamente, entre proprietários e produtores, entre produção e de distribuição) e
uma racionalidade instrumental para a produção eficiente de riqueza. A ironia, de fato, a tragédia do
capitalismo de Weber é que este projeto original da mestria humana, mesmo da liberdade, culmina em uma
máquina de dominação sem precedentes o aprisionamento "do ser humano" em uma gaiola de ferro. Como a
burocracia, o capitalismo começa como um instrumento, mas se metamorfoseia em um sistema com seus
próprios fins, restringindo todos os atores para servir a esses fins.
A aliança entre classe capitalista e o Estado abre o caminho para o pensamento mais moderno,
onde as instituições do Estado democrático moderno são vistas como uma área onde os
conflitos de classe, de grupos e organizações especificas, podem ser resolvidos na forma de
compromisso entre diferentes interesses, reconhecendo que os interesses poderosos muitas
vezes prevalecem. Isto se reflete especialmente na frase TINA (‘There is no alternative’),
originalmente de Thatcher, onde as soluções técnicas, elaboradas pela tecnocracia, pela
burocracia estatal e empresarial, são proclamadas como as únicas soluções viáveis, levando
aos processos de esvaziamento da democracia, onde os projetos transformadores são
discutidos e decididos em primeiro lugar pelas elites e as burocracias.
119
Schumpeter argumenta que a dinâmica do capitalismo não pode ser compreendida sem a
consideração que a competição de empreendedores em mercados livres leva a tentativa de
aumentar a produtividade através de inovações de produtos e processos, bem como da
abertura de novos mercados. Para Schumpeter o empreendedor e a inovação tecnológica e
organizacional são o motor do crescimento econômico. A destruição criativa leva também a
períodos de expansão expressiva e períodos de estagnação e crises. Importante é neste
processo também o papel do setor financeiro, em primeiro lugar dos bancos, que criam pelo
crédito os meios para financiar as inovações, embora que historiadores apontam que o papel
dos bancos na (primeira) revolução industrial em financiar inovações foi marginal. A inovação
cria também monopólios temporários e a possibilidade de lucros temporários, que se
esvanecem quando competidores imitam as inovações. Por esta razão Schumpeter tenta
diminuir as criticas sobre os impactos das tendências monopolistas do capitalismo, que na sua
visão são erodidas pela inovação e mudança tecnologica.
Hayek e von Mises como defensores ferrenhos do capitalismo liberal consideram mercados
livres como a possibilidade descentralizada e desburocratizada de coordenar oferta e demanda
através de preços flexíveis e criar inovações usando as informações dispersadas entre os
atores econômicos com informação imperfeita e enfrentando um mundo de incerteza. Mas
sua ênfase não está somente no papel dos mercados na determinação de um preço de
equilíbrio, mas na possibilidade com que mercados competitivos incentivam a inovação e
mostram um caminho para descobrir se os novos produtos e processos são aceitados pelos
consumidores e economicamente viáveis. Na visão de Hayek e von Mises as informações
dispersadas entre os agentes econômicos e a mão invisível usando estas informações em
mercados competitivos é preferível a mão visível de Estado com suas informações restritas.
Keynes apontou, como Marx, para a instabilidade inerente do capitalismo criando crises
econômicas e desemprego elevado e prolongado como na Grande Depressão da década de
1930, além disto, o capitalismo distribui mal a renda e riqueza levando a desigualdades sociais
insustentáveis. Uma das causas desta instabilidade é o fato de que a maioria das decisões
econômicas é feita num abiente de incerteza ou risco, especialmente as decisões de
investimento. Os investimentos de longo prazo são baseados mais nos espíritos animais dos
investidores (‘animal spirits’) do que em avaliações racionais de risco, simplesmente porque
muitas vezes faltam as informações necessárias. Contrário à economia liberal ortodoxa Keynes
percebeu, especialmente na Grande Depressão, que os mercados livres não automaticamente
garantem o pleno emprego, pelo menos o processo de ajustamento da economia de volta para
um equilíbrio macroeconômico pode demorar um tempo prolongado demais para ser
120
politicamente aceitável. Para evitar desastres políticos como na Grande Depressão ele advertiu
que intervenções do Estado na crise podem substituir a falta da demanda privada na crise
através do aumento dos gastos do governo financiados por dívida (‘deficit spending’). Mas a
teoria keynesiana também aponta que estes períodos de deficit spending devem ser revertidos
na expansão econômica por superávits fiscais, uma expansão prolongada de endividamento
privado e público também não seja sustentável em sua visão. Keynes adverte também que o
Estado de bem-estar social, fornecendo uma rede de segurança para o trabalhador em tempos
de crise e – em geral - para os riscos da vida, é também uma forma para salvar o liberalismo
econômico e político em tempos da crise. Depois da Segunda Guerra Mundial as receitas de
Keynes da regulação macroeconômica e do Estado de bem estar social foram amplamente
aplicadas nos países centrais até a crise global da década de 1970, também sob os impactos da
guerra fria ideológica entre os países capitalistas e socialistas.
Como pode ser visto na discussão anterior defensores e críticos avaliam de forma diferente as
características básicas do capitalismo: Num lado a maioria aponta para a força dinâmica do
capitalismo global de criar renda e riqueza e incentivar a inovação de forma descentralizada e
desburocratizada e tirar grande parte da população global da pobreza. Noutro lado os críticos
apontam que as crises frequentes com desemprego elevado e exclusão social, a má
distribuição da renda e riqueza, e a criação de problemas ambientais podem levar a
instabilidades sociais e políticas. Críticos focando o capitalismo global afirmam que estas forças
destrutivas caiam relativamente mais fortes sobre os países periféricos e semiperiféricos e
sobre as camadas mais pobres da população. Uma segunda linha de divisão é a pergunta sobre
as necessidades e as formas da intervenção do Estado na economia. Aqui existe um leque
121
amplo entre os libertários (como, por exemplo, Nozick) que defendem um Estado mínimo,
liberais e neoliberais (como, por exemplo, Hayek, von Mises, Friedman) que aceitam a
existência de instituições firmes garantidos pelo Estado, mas negam a necessidade de
intervenções discricionárias do Estado na economia, e intervencionistas que defendem
medidas de socialização, regulação e regulamentação em diferentes graus.
O Estado é o conjunto das instituições políticas que estabelecem o poder soberano numa área
territorial definida. O Estado tem o monopólio de poder legal e da violência legal (através
militar, polícia, justiça e prisões). O estado constitucional e de direito é baseado em eleições
livres, que determinam o governo, e em leis, que regulam a conduta social dos indivíduos. O
papel do Estado na economia é o ponto onde há diferenças importantes entre economistas.
A revolução industrial começando no fim do século XVIII na Inglaterra dava inicio a um período
de desenvolvimento econômico nunca vista antes na história humana. O liberalismo politico
forneceu as armas ideológicas para atacar a monarquia absoluta – especialmente na revolução
francesa de 1789 e nas revoluções seguintes na França e na Europa em 1830, 1848 e 1871
(Comuna de Paris). Os direitos humanos da revolução francesa de 1879 – simplificados no
mantra: liberdade, igualdade, fraternidade – foram também a semente para ideologias mais
igualitárias como socialismo e comunismo, ajudadas pela situação deplorável da classe
trabalhadora. Socialismo e comunismo enfatizam um Estado de trabalhadores de uma
economia planejada e meios de produção socializados, deixando pouco espaço para mercados
livres, empreendedores e a iniciativa privada.
O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro na hegemonia econômica da Grã-Bretanha, acompanhada do
colonialismo e imperialismo. A I Guerra Mundial acabou com a hegemonia econômica da
122
mais burocracias e mais regulamentação, porque os agentes econômicos tentam evitar e furar
as regulamentações e tentam capturar as burocracias reguladoras para seus interesses. O
ambiente burocrático cria oportunidades para a corrupção e o ‘rent-seeking’.
Mas a posição que defende intervenções na economia, bem como a regulamentação de certos
mercados, especialmente dos mercados financeiros e dos mercados de trabalho, também
apresenta argumentos fortes, baseados em Keynes e seus seguidores, bem como em posições
socialistas e desenvolvimentistas. Eles argumentam que mercados livres somente podem
desenvolver suas forças dinâmicas e inovadoras usando as informações dissipadas entre os
agentes na economia, quando existem regras fixas para o funcionamento dos mercados e
instituições firmes que garantem o desenvolvimento sustentável da economia e criam um
ambiente de confiança na sociedade. Estas instituições criam um ambiente de estabilidade
política, econômica, e social que garante um clima de confiança, indispensável para o
funcionamento de mercados livres e a inovação. Eles também apontam para os exemplos
históricos da instabilidade do capitalismo global, crises, pobreza, desigualdade, desemprego e,
como consequência, especialmente na Grande Depressão da década de 1930, o nascimento de
regimes políticos totalitários. Os exemplos mais importantes para estes crises globais são a
Grande Depressão da década de 1930 e a crise financeira global, que nasceu nos mercados
imobiliários e financeiros dos Estados Unidos, em 2007, e tornou-se global, em 2008, com a
124
Mas também para os Keynesianos e seus seguidores no pensamento econômico, como, por
exemplo, Stiglitz e Krugman, o capitalismo é um sistema dinâmico e inovador. O conceito da
destruição criativa de Schumpeter afirma que o desenvolvimento econômico não é um
processo suave, como descrito no modelo de Solow, mas um processo de desenvolvimento
instável, em que euforia e crescimento acelerado são interrompidas por crises e depressões e
tempos de desemprego elevado e persistente. Neste contexto a intervenção do Estado é um
elemento importante para a estabilidade econômica, política e social. O tempo pós-guerra sob
o paradigma keynesiano nos países industrializados – a era do ouro de capitalismo – foi um
tempo de sucesso econômico e social: crescimento rápido com emprego elevado e salários
reais crescentes, inflação controlada e estabilidade política e social nestes países.
Crises na vida humana são períodos de estresse, incerteza, doença, desespero e desequilíbrio
físico e psíquico, um período de mudança que pode ser um caminho para uma vida nova
diferente ou o caminho para a morte. Na vida econômica crises que acompanham o
desenvolvimento capitalista desde seu começo são também períodos de estresse econômico,
queda da produção acompanhada de deflação, desemprego, pobreza e revoltas sociais,
períodos que podem mostrar caminhos para uma transformação estrutural da economia com
inovações tecnológicas, mudanças das instituições politicas, econômicas e sociais ou para uma
mudança revolucionária do sistema econômico. Enquanto as previsões do fim de capitalismo
pelos marxistas são numerosas, a flexibilidade e a elasticidade do sistema de produção
capitalista (Arrighi41, 2001, p. 111) mostra que até hoje sempre existiam caminhos para
inovação e reestruturação do sistema, criando novos centros e regiões do desenvolvimento
capitalista, transformações politicas, econômicas e sociais, criando vencedores e perdedores, e
126
A maioria dos economistas aceita a ideia de que uma economia capitalista está sujeita a
períodos de expansão rápida da produção, dos lucros, do emprego e dos salários reais e dos
empreendimentos econômicos (‘boom’, expansão econômica), muitas vezes estimulados e
causados por ondas de inovações e otimismo dos agentes econômicos, bem como pela
expansão de crédito, e períodos da queda ou estagnação da produção e dos preços, dos lucros,
do emprego, do crédito e dos salários acompanhados por um aumento das falências, do
127
Crise deve ser entendida como uma situação em que as condições e as estruturas anteriormente
estáveis e funcionais dissolvem-se, coroem e tornam-se disfuncionais. Os jogadores perdem a
confiança nas instituições até então existentes, nos sistemas de controle cognitivo, bem como nos
padrões externos e internalizados de comportamento. Esta perda de confiança nas regras, que se
expressa em uma consciência de crise ocorre como resultado da contínua incerteza é consequência
dos resultados insatisfatórios das ações no sistema estabelecido de controle. Durante a crise surjam
alternativas e novas oportunidades como resultado de processos de aprendizagem fundamental.
Com base nestas fases de mudança social nova confiança é criada, e a incerteza é reduzida. Desde
que essas mudanças de regras - seja na forma de reformas ou revoluções - não estão finalizadas,
desencadeiam-se processos declínio, dissolução ou decadência. Em contraste [com estes processos
de decadência] a característica de uma crise é sua característica passageira. André Steiner43
Crise é a mãe da história. Começando com Heródoto, o desejo de escrever a história foi vinculado à
necessidade de explicar as reversões aparentemente inexplicáveis da fortuna sofrida por nações e
impérios. Mark Lilla, The Shipwrecked Mind: On Political Reaction 44
128
A interpretação das crises profundas do capitalismo global neste trabalho não segue esta
interpretação otimista dos teóricos dos ciclos reais de negócios, mas interpreta estas crises
como prova de que alguma coisa dava errado no funcionamento da máquina capitalista e
tenta determinar os fatores que levam a estes erros. A citação acima mostra como nas crises
profundas instituições e regras tornam se disfuncionais e discutíveis, a incerteza e os
problemas aumentam e a confiança dissolve-se, mas existe a possibilidade pelos processos de
aprendizagem de criar alternativas e novas oportunidades através de reformas ou revoluções.
Se estes processos de transformação não acontecem desencadeiam se processos de
decadência. Uma crise, seja econômica, política ou cultural, abre também a necessidade e
possibilidade de descrever e avaliar os processos de transformação que são consequência de
cada crise econômica profunda [depressão]. Como cada crise é diferente, presume se que
existem fatores contingentes em cada crise que sobrepõem se sobre certa regularidade do
ciclo conjuntural e determinam o caráter especial de cada crise.
Numa economia globalizada recessões em outros países podem ter impactos sobre a
economia nacional através dos canais reais (por exemplo, queda das exportações), monetários
(por exemplo, mudanças nos fluxos internacionais de capitais), das expectativas dos agentes
econômicos ou sobre canais políticos (por exemplo, politicas protecionistas para evitar o
contágio da crise para a economia nacional). A descrição das crises mais profundas do
capitalismo global nos capítulos seguintes mostra alguns fatores para a explicação das crises,
no capitulo posterior sobre as tentativas teóricas das correntes mais importantes do
pensamento econômico de explicar as crises encontram se as diferentes interpretações dos
ciclos conjunturais e das crises. No gráfico a seguir segue como exemplo empírico o ciclo
conjuntural para o Brasil 1980-2014.
129
Gráfico 14 Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil 1980-2014, ciclo conjuntural (retirando
a tendência de crescimento através de um filtro Hodrick – Prescott e suavizando os hiatos
também com este filtro)
Uma queda profunda e prolongada da produção, dos lucros, do emprego e dos salários reais é
denominada depressão ou crise, muitas vezes acompanhada por uma deflação dos preços (dos
bens e serviços, imóveis, bem como dos ativos financeiros como ações etc.). O exemplo mais
importante é a Grande Depressão da década de 1930 e a Grande Recessão depois da crise
financeira global dos anos 2008/2009, embora nesta crise não houvesse uma deflação
prolongada e expressiva como na Grande Depressão e os efeitos sobre produção e emprego
foram amenizados pela intervenção dos governos e dos bancos centrais. Neste trabalho a crise
do capitalismo global começando na metade da década de 1970 é também interpretada como
uma crise profunda de capitalismo global, embora a queda da produção e do emprego foi
muito menos expressivo do que na Grande Depressão, mas esta crise levou a profundas
mudanças nas instituições e ideologias do capitalismo global: da economia regulada pelas
intervenções do Estado nos moldes keynesianos para uma economia globalizada de mercados
mais livres nos moldes do neoliberalismo, mais mercado menos Estado.
Blanchard [2011, p. 419 pp.] chama estes períodos de depressões econômicas [e também
períodos de hiperinflação] patologias do capitalismo: “Às vezes, as coisas (macroeconômicas)
vão muito mal. Há uma queda acentuada do produto. Ou o desemprego permanece elevado
por muito tempo. Ou a inflação aumenta para níveis muito altos.” Obviamente este pode ser
130
Crises profundas podem ser interpretadas também como momentos críticos (‘critical
junctures’) na história política, econômica e social, períodos em que ideologias e governos são
contestados e possivelmente deslegitimados, seja pelas ações do povo ou pelas ações das
elites, são -parcialmente – períodos na história aonde acontecem grandes transformações, na
vida política, econômica e social e nas instituições e ideologias.
O desenvolvimento do capitalismo global não foi um processo suave, como, por exemplo,
descrito no modelo de Solow, mas um processo de tempos de crescimento dinâmico,
interrompido por pequenas e grandes crises (Grande Depressão da década de 1930, crise
global na década de 1970, e a Grande Recessão seguindo a crise financeira global de
2008/2009), acompanhado de desemprego elevado, crises sociais e políticas. O conceito da
destruição criativa de Schumpeter descreve melhor do que o modelo de Solow o processo de
desenvolvimento econômico em uma economia capitalista. Tempos de expansão dinâmica e
rápida da produção, da inovação, do emprego e da riqueza dão lugar a tempos de crises,
recessão e depressão, com produção e emprego em queda e desespero generalizado.
Na história da vida humana houve sempre períodos de fartura e escassez, causados por
guerras, epidemias, colheitas más e outros fatores exógenos. Estes tipos de crises podem ser
131
denominados como crises típicas dos séculos antes da revolução industrial. O desenvolvimento
capitalista e a industrialização tornaram as recessões e crises de certa forma cíclicas, embora
não de uma regularidade previsível. A maioria das crises do capitalismo industrial e financeiro
não mostravam sinais de escassez de alimentos e outros bens, mas – em contrário –
prateleiras e estoques cheios de bens, faltando renda e demanda efetiva para comprar eles.
Desemprego e pobreza em meio da fartura de produtos, que não podem ser vendidos. O
otimismo da expansão com taxas de lucro em ascensão, fomentado pela expansão de crédito e
com isto da demanda, leva a investimentos duvidosos, bolhas especulativas nos mercados
financeiros e imobiliários e capacidades excessivas. Quando as expectativas mudam e a
expansão do crédito termina, a superprodução torna-se obvia (teoria da superprodução e do
subconsumo), as taxas de lucro caiam, há falências de empresas, e a crise começa. Em um
capítulo posterior esta descrição simplificada de uma crise econômica é ampliada discutindo
um leque mais amplo de gatilhos para uma crise, nenhuma crise tem uma explicação uni
causal. Obviamente em todas as crises houve vencedores e perdedores: indivíduos, empresas,
regiões e nações ganhando na crise a custo dos outros. Obviamente as crises foram sempre
sinais para uma transformação da economia, das relações de poder, das ideologias dominantes
e das relações internacionais. Com o desenvolvimento do capitalismo global e neoliberal na
década de 1970 as crises tornavam-se cada vez mais globais, embora também aqui houvesse
ramos de produção, regiões e nações que ganhavam com a crise ou foram somente pouco
atingidas.
As origens das crises nos anos neoliberais parecem ser – muitas vezes – consequência da
instabilidade do sistema financeiro e das capacidades globais superdimensionadas em alguns
132
Obviamente das três grandes crises globais, na década de 1930 a Grande Depressão, na
década de 1970 a crise do paradigma keynesiano-fordista de desenvolvimento capitalista, em
2008/2009 e nos anos seguintes a crise financeira global e seus impactos na Grande Recessão,
somente a última teve suas causas primárias no sistema financeiro e nas politicas monetárias.
Na Grande Depressão da década de 1930 a bolha especulativa no mercado acionário dos
Estados Unidos e sua quebra em outubro de 1929 teve certo impacto sobre a crise, mas a
maioria dos economistas não vê a quebra da bolsa em Nova Iorque como a única e melhor
explicação da crise, embora na crise da década de 1970, os sistemas financeiros e as crises
financeiras haviam somente uma importância de segunda linha para explicação desta crise,
embora a quebra do sistema monetario internacional, o sistema de Bretton Woods, em 1971,
ou finalmente em 1973 pode ser vista como uma crise cambial de alcançe global antes da
eclosão da crise da década de 1970, que esta ligada ao primeiro choque dos preços de
petróleo em 1973/1974.
Parece que a instabilidade do sistema financeiro [Minsky, 2008] do capitalismo global é uma
das causas do processo de desenvolvimento interrompido por crises nos tempos mais
recentes. Parece também que o aumento da desigualdade nos países industrializados,
começando na década de 1970, é também uma das causas das crises e da instabilidade do
sistema financeiro [Stiglitz, 2012 e Rajan, 2010]. Na fase ascendente da conjuntura a expansão
do crédito fácil e barato estimula consumo e investimento, mas criando com isto - às vezes –
também bolhas especulativas nos mercados de ações, imobiliários e de commodities. Na
quebra a expansão do crédito termina, as bolhas estouram e a economia entra em uma fase
recessiva.
marxismo. Especialmente a escola austríaca enfatiza expansão e queda do crédito como causa
mais importante dos ciclos conjunturais e das crises, mas também Keynesianos, monetaristas e
marxistas consideram crises financeiras, bolhas especulativas nos mercados financeiros e
imobiliários e a politica monetária como fatores importantes para explicar expansões e
recessões da economia. Uma recessão pode tornar-se uma depressão quando muitos fatores
em conjunto desestabilizam a economia de forma profunda.
muitas das teorias dos ciclos de negócios, apresentando os fatores causais mais importantes.
“Ele classificou as teorias sob 10 categorias:
10. O papel desempenhado pelo lucro. "A característica distintiva das teorias... é que
eles representam as alternativas de prosperidade e depressão como resultante da
produção pelo lucro em si."
O resumo leva em conta fatores exógenos e endógenos, fatores do lado real bem como do
lado monetário da economia, bem como a incerteza e o risco em que decisões econômicas são
tomadas. Falta aqui somente uma ênfase sobre a instabilidade sistêmica do setor financeiro.
135
Uma descrição mais profunda das causas das crises encontra-se num capitulo posterior onde
as explicações de diferentes correntes do pensamento econômico são analisadas.
No quadro 1 a seguir é feito um resumo sobre difentes tipos de crise com ênfase nas crises
financeiras.
A crise financeira global de 2007 - 2009 tem sido uma lembrança dolorosa da natureza multifacetada de
crises. Eles atingem países pequenos e grandes, bem como pobres e ricos. (...). Eles podem ter origens
internas ou externas, e podem eclodir no sector privado ou público. Eles têm diferentes formas e
tamanhos, evoluem ao longo do tempo em diferentes formas, e podem rapidamente se espalhar para
além das fronteiras. Eles muitas vezes exigem respostas políticas imediatas e abrangentes, fazem
necessárias grandes mudanças no sector financeiro e nas políticas fiscais, e podem exigir uma
coordenação global das políticas.
137
Claessens e Kose [2013, p. 3] levantam três perguntas sobre crises financeiras vistas como uma
crise confiança na estabilidade do sistema financeiro, implicando mudanças no volume de
crédito, nos preços dos ativos financeiros, da estabilidade de bancos e outras instituições
financeiras, e do crédito externo. Uma crise financeira pode ter muitas causas, mas, muitas
vezes ela é precedida por bolhas especulativas nos mercados de ativos e de crédito. As três
perguntas são:
Nesta parte introdutória os fatores que explicam crises financeiras são somente discutidos de
forma curta, uma discussão mais profunda encontra-se na narrativa sobre as crises financeiras
abordadas. Claessens e Klose [p.5] enfatizam que fatores macroeconômicos como
fundamentos fracos e políticas equivocadas podem ser uma causa das crises, mas advertem
também para a existência de fatores “irracionais”. A importância dos “instintos animais” para
os mercados financeiros com referência a autores como Keynes [1997], Minsky [2008] e
Kindleberger [2011] é importante para este aspecto. Parece que os mercados não são tão
eficientes, nem os agentes econômicos tão racionais, como muitas teorias econômicas
afirmam.
Claessens e Klose [p.26] mostram também citando outras pesquisas que as frequências das
crises aumentavam muito depois da quebra do sistema de Bretton Woods em 1971-1973, um
sistema monetário internacional com mercados financeiros fortemente regulamentados e
controles de fluxos internacionais de capitais. Este fato parece corroborar a hipótese que
globalização financeira e a desregulamentação dos mercados nacionais e internacionais de
capital são uma das causas para uma propensão mais elevada do capitalismo global de entrar
em crises financeiras nas últimas décadas. Mas é necessário advertir que em tempos de
crescimento elevado como nos tempos de Bretton Woods, problemas no setor financeiro e
real podem ficar ocultos, enquanto em tempo de estagnação e crise eles aparecem. O
pensamento neoliberal acreditando na dominância dos mercados eficientes sobre a
intervenção e regulamentação do Estado para estimular crescimento e inovação, bem como a
crescente desigualdade da renda e da riqueza nos países centrais depois da década de 1970,
um fato que especialmente Rajan [2010] e Stiglitz [2012] enfatizam, são fatores mais
profundos na explicação destas crises.
Frenkel, Karman e Scholtens [2004, p. V] e classificam as crises financeiras em três tipos: crises
cambiais, crises bancárias e crises da dívida pública (externa e doméstica). Claessens e Kose
[2013, p.15] acrescentam o tipo de paradas súbitas de fluxos internacionais de capital e crédito
[sudden stops]. O estouro de uma bolha especulativa no mercado acionário, imobiliário ou de
commodities bem como o fim de uma bolha de crédito, que muitas vezes precedem uma crise
financeira, pode ser visto também como uma parada súbita no financiamento da continuação
da bolha.
Os tipos das crises financeiras: crises cambiais, crises bancárias, crises da dívida pública,
rupturas súbitas são inter-relacionadas e reforçam-se na evolução das crises. É importante
acrescentar bolhas especulativas.
Uma crise cambial envolve ataques especulativos contra a moeda e fuga de capitais do país
com uma desvalorização forte quando o regime de câmbio fixo não pode ser mais sustentado
(no caso de um regime de câmbio fixo ou administrado) ou uma depreciação forte (no caso de
um regime de câmbio flutuante). O governo e o banco central tentam defender a moeda
nacional através da venda de reservas internacionais, do aumento da taxa básica de juros e,
possivelmente, de controles dos fluxos de capitais. Mas as reservas são finitas, uma taxa básica
muito elevada leva a economia a recessão e controles de capital evitam o ingresso de novos
capitais. Muitas vezes a consequência e um colapso do regime de câmbio fixo ou uma
139
depreciação expressiva da moeda nacional com impactos sobre o valor da dívida externa do
país e o valor dos serviços sobre esta dívida em termos da moeda nacional.
Rupturas súbitas dos fluxos de capital são períodos de entrada maçica de capital estrangeiro
seguidos por uma ruptura súbita das entradas ou uma reversão dos fluxos. Rupturas súbitas
podem mostrar os mesmos sintomas como crises cambiais e necessitar das mesmas
intervenções incluindo a tomada de empréstimos junto a organizações internacionais (FMI,
Banco Mundial etc.). Muitas vezes a fuga de capitais também causa o aumento expressivo do
risco país.
O último fato também acontece em uma crise da dívida soberana externa, quando o país está
com dificuldades de pagar os serviços da dívida (amortizações e juros) ou os investidores
estrangeiros se preocupam com isto, muitas vezes levando a um default sobre a dívida
soberana (Rússia 1998, Argentina 2002, Grécia 2012).
Uma crise bancária mostra-se em falências de bancos, corridas atuais ou possíveis sobre o
sistema bancário e a necessidade para o governo/banco central de salvar bancos importantes
(“grande demais para falir”) da iliquidez ou da insolvência com garantias, compra de ativos ou
comprometimento de dinheiro dos contribuintes de impostos. Uma forma de crise pode
reforçar ou iniciar outra forma de crise e tornar a situação mais grave.
Uma ruptura súbita é uma ruptura nos fluxos de capitais internacionais. Um influxo maciço de
capitais estrangeiros para um país reverte se quando as expectativas dos investidores mudam.
Entradas maciças de capital estrangeiro são revertidas por causa de mudanças nas
expectativas dos credores. Accominotti e Eichengreen [2013] advertem que a ‘mãe de todas as
rupturas súbitas’ está na entrada maciça de capital norte-americano na década de 1920 em
muitos países da Europa (especialmente a expansão econômica na Alemanha depois da
hiperinflação em 1923 foi financiado em primeiro lugar pelo influxo de capital norte-
americano), o influxo reverteu-se rapidamente com inicio em 1929. Claessens e Klose [2013, p.
15] mostram que na crise da dívida externa dos países Latino-Americanos na década de 1980
houve também uma reversão súbita de entradas de capital internacional, bem como na crise
asiática em 1997/1998. O mesmo caso aconteceu em muitos países do sul da Europa na
década de 2000 com entradas maciças de capital externo a taxas de juros baixos até 2007 na
expectativa que os países da área do euro e o Banco Central Europeu garantem de uma forma
ou outra as dívidas, os fluxos revertidos na crise financeira global de 2008/2009, o que levou
para a crise da dívida soberana na área do Euro em 2010, levando em 2012 Grécia a um
140
default sobre parte da dívida externa. Claessens e Klose [2013, p. 17] apontam que muitas das
crises da dívida – soberana ou privada – também são parcialmente consequências de rupturas
súbitas, quando os credores acordam para reconhecer a insustentabilidade de dívidas.
Crises bancárias
Uma crise bancaria é uma crise da confiança no setor bancário de uma economia,
especialmente na confiança sobre a liquidez ou solvência de um banco, o risco de que um
banco não pode pagar seus compromissos financeiros e não honrar suas dívidas. Laeven e
Valencia [2012, p. 4] definem uma crise bancária como sistêmica quando são reunidas duas
condições: 1) sinais significativos de dificuldades financeiras no sistema bancário (indicado
pelas corridas bancárias, perdas significativas no sistema bancário e/ou liquidações bancárias)
e 2) significantes intervenções políticas no sistema bancário em resposta a perdas significativas
dos bancos (como assistência de liquidez, compra de ativos financeiros dos bancos, garantias
para dívidas dos bancos e possivelmente nacionalização). A confiança pode sumir também por
causa do reconhecimento de riscos excessivos assumidos pelos bancos, da alavancagem
financeira extrema ou de posições duvidosos no mercado de derivativos. Uma quebra de uma
instituição financeira importante (LTCM em 1998, Lehman Brothers em 2008), de uma
empresa importante ou o conhecimento de investimentos ruins de um banco pode encadear
corridas aos bancos ou um pânico bancário onde todos os depositantes tentam sacar seus
depósitos e levar a uma crise financeira e econômica mais severa. Na Grande Depressão dos
anos 1930 a quebra de um terço dos bancos nos Estados Unidos e a quebra de grandes bancos
europeus em 1931 aprofundou e prolongou a depressão. É importante anotar que no período
do capitalismo neoliberal houve também um crescimento expressivo do ‘shadow banking’
(instituições financeiras não regulamentadas pelo banco central e/ou do governo, como, por
exemplo, fundos de mercado monetário, bancos de investimento, ‘hedge funds’, ‘conduits’ e
‘special investment vehicles’, etc.). Especialmente estas instituições tornavam se vulneráveis
no inicio da crise financeira global em 2008/2008, mas também o setor bancário foi
seriamente atingido depois.
Existe também uma retroalimentação (feedback) positiva nos mercados de crédito. Em tempos
de expansão os bancos aumentam o volume de créditos, porque os valores dos colaterais
aumentam, enquanto em tempos de recessão os bancos são mais cautelosos na concessão de
crédito, o que pode piorar a recessão. Minsky [2008] descreve esta instabilidade inerente de
um sistema capitalista pelo aumento da alavancagem e do endividamento arriscado numa
expansão, o que leva a falências no momento da retração da economia e do crédito.
Financiamento protegido (hedged) refere-se a situações em que as empresas têm fluxos de
141
A interdependência internacional dos bancos pode propagar uma crise de confiança para
outros países. O mercado monetário nos Estados Unidos e na Europa mostrou um aumento
significativo das taxas de juros neste mercado e sinais de falta de liquidez depois da quebra do
banco de investimento Lehman Brothers. A crise de confiança no sistema bancário
internacional depois da crise subprime levanta a questão se a criação de novos empréstimos
através de securitização de hipotecas ou outros empréstimos não é uma forma descontrolada
de criação de moeda através do sistema bancário. Com certeza esta forma de tirar os créditos
hipotecários dos balanços dos bancos foi um incentivo para diminuir o controle de risco na
concessão de novos créditos hipotecários. Os esquemas de pagamentos para os CEO e
gerentes dos bancos (comissões, ‘stock options’) também foram incentivos para os bancos de
fazer investimentos mais arriscados em um ambiente de crédito farto e barato. Este processo
foi acompanhado por uma regulamentação mais frouxa do setor bancário e a ausência de
regulamentação e controle dos bancos sombra (bancos de investimento, ‘money Market
funds’, SIV e ‘conduits’, ‘hedge funds’, ‘private equity funds’ etc.).
142
Calomiris e Haber [2014, p. 480 pp.] criticam as teorias econômicas sobre crises bancárias com
os seguintes argumentos:
As teorias dominantes de crises bancárias (...) concebem a origem de crises bancárias em aspectos que
são comuns para todos os tempos e para qualquer lugar no mundo. (...). Estas teorias levantam três
aspectos que em certas combinações podem eclodir crises bancárias: a estrutura dos bancos, a conexão
entre os bancos e as falhas humanas. A estrutura dos bancos refere-se ao descasamento de maturidade e
liquidez dos empréstimos relativamente ilíquidos e com maturidade extensa em relação às dívidas
relativamente liquidas e de curto prazo.
Teorias estruturais explicam crises bancárias pela exposição inerente dos bancos ao risco de liquidez
resultando deste descasamento.
Teorias que se referem à interconexão entre bancos: como cada banco escolha a detenção de ativos
líquidos e da alavancagem (dívida em relação do capital próprio [também refletido na percentagem do
capital próprio na soma dos ativos]), o banco não leva em conta os efeitos de contágio para outros bancos
em um sistema bancário interconectado. (...). Neste sentido a causa das crises bancárias é na falta de uma
regulamentação que força os bancos de manter mais ativos líquidos e restringe os níveis de alavancagem
[ou determina níveis mais altos de capital próprio].
A terceira perspectiva de culpar as falhas humanas para as crises bancárias é a mais antiga, associados à
Minsky e Kindleberger, que presumem que os homens são míopes e mercados financeiros e bancos
oscilam entre otimismo exagerado e medo exagerado.
O problema que todas as três teorias gerais não podem explicar por que crises bancárias não são
igualmente prováveis em todos os países e toda a história recente.
Calomiris e Haber [2014, p. 481 pp.] aceitam estas teorias como relevantes, mas não
suficientes para explicar crises bancárias, apontando para o caso de Canada, que conseguiu
evitar crises bancárias sistêmicas mais de cento cinquenta anos. Eles advertem [p. 3 pp.] que
“a politica importa”, quer dizer, “a maneira como instituições politicas fundamentais
estruturam os incentivos para políticos, banqueiros, acionistas dos bancos, depositantes,
devedores e contribuintes de impostos formam coalizões criam leis, politicas e
regulamentações em favor deles, muitas vezes a custo de todos os outros”. Eles analisam
entre outros os casos dos Estados Unidos, Canada, Brasil e da Alemanha e Japão antes da
Primeira Guerra para fundamentar a fragilidade ou não de certo país de cair em uma crise
bancária. A análise das crises do capitalismo global usa também os resultados desta pesquisa.
Crises cambiais
Uma crise da dívida pública ou soberana (interna e/ou externa) começa quando os
investidores financeiros percebem que o déficit fiscal e a dívida pública estão em um patamar
insustentável, por causa de déficits fiscais ou déficits da conta corrente permanentemente
elevados. As dúvidas dos investidores sobre a possibilidade de um país de honrar suas dívidas
levam a venda destes títulos nos mercados secundários, queda dos preços dos títulos,
aumento da taxa efetiva de juros, problemas para o país de rolar a dívida em vencimento,
programas de ajuda do IMF, dos países ricos e de outras instituições internacionais ou default
sobre a dívida, como no caso da Argentina em 2001/2002 ou da Grécia em 2012. O problema
pode se complicar se o país (ou também os bancos e empresas) é altamente endividado em
moeda estrangeira (como no caso da Argentina em 2001/2002) e uma crise cambial
desencadeia uma desvalorização/depreciação cambial, que aumenta o peso da dívida e dos
serviços da dívida (amortizações e juros) em moeda nacional e pode levar a um default sobre a
dívida soberana e a quebra dos bancos e empresas nacionais. Uma recessão pode agravar o
problema como em Argentina no fim da década de 1990, porque a razão dívida pública/PIB
aumenta com a queda do PIB também se a dívida pública não aumenta, e esta razão é um
índice importante para os investidores internacionais para avaliar a sustentabilidade da dívida
externa. A crise da dívida soberana pode encadear também uma crise bancária (também em
outros países), porque muitas vezes o setor bancário é o detentor maior da dívida soberana. A
crise da área do euro com inicio em 2010 é um exemplo para isto, onde os programas do
socorro (para Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal) da União Europeia, do IMF e outras
instituições públicas de resgate foram em primeiro lugar focadas em socorrer bancos em
Alemanha, França, Reino Unido, etc, quer dizer, em países que não enfrentavam uma crise da
dívida soberana.
fundamental prevendo revendê-la a um preço ainda maior.” Na terminologia popular este fato
chama se de teoria de otário maior: sempre vai ter um otário que vai comprar o ativo, que
comprei a um preço acima do valor fundamental, para um preço ainda melhor. Esta esperança
estoura com o estouro da bolha. Uma bolha sempre estoura em algum momento, porque a
demanda para estes ativos precisa sempre aumentar para garantir um aumento permanente
de preços, obviamente a quantidade de compradores e a demanda efetiva para estes ativos é
finita. Os mercados de derivativos fazem possíveis a alavancagem da demanda, mas também
aqui existem limites. Embora a teoria de mercados eficientes e a teoria de expectativas
racionais afirmam que não é possível sistematicamente fazer lucros excessivos em mercados
eficientes, a história econômica, como, por exemplo, contada em Kindleberger e Aliber
“Manias, Panics and Crashes” [2011, p. 39 pp.], mostra que existem ondas de otimismo e
pessimismo dos investidores, que levam a manias (uma forma de histeria das massas) em
investimentos em canais, ferrovias, ações, imóveis etc. As histórias mais conhecidas são a
bolha das tulipas em 1636/1637 na Holanda, a bolha dos mares do sul na Inglaterra em 1720 e
no mesmo ano a bolha da companhia de Mississipi na França, relacionado com o banco real de
John Law, a bolha no mercado acionário de Nova Iorque na década de 1920 que estourou em
outubro de 1929, a bolha imobiliária nos Estados Unidos precedendo a crise financeira global
de 2008/2009 e muitos outros.
Se os mercados não são tão eficientes como clássicos, neoclássicos e novos clássicos supõem,
e os agentes econômicos também não são tão racionais como estes economistas supõem, se
os investidores são sujeitos aos instintos animais (Keynes), as ondas de otimismo e pessimismo
ou manias podem levar a bolhas especulativas nos mercados de títulos (especialmente de
ações), imobiliários e de commodities. Uma demanda para os ativos sempre em expansão
precisa garantir uma ascensão permanente dos preços. Esta demanda pode ser alavancada
pela possibilidade de crédito fácil para a compra dos ativos, uma bolha de crédito, como
também pelos mercados de derivativos, mas obviamente a demanda não pode se expandir
infinitamente e com o aumento dos preços os primeiros investidores tentam realizar lucros,
vendendo seus ativos. Obviamente esta bolha de crédito somente pode ocorrer com uma
politica monetária frouxa do banco central.
“A teoria sobre a eficiência dos mercados financeiros e as extensas pesquisas que a investigam
formam a base intelectual para os argumentos contra a ideia de que os mercados são
vulneráveis à exuberância excessiva ou às bolhas. A teoria dos mercados eficientes afirma que
todos os preços financeiros refletem precisamente todas as informações públicas em qualquer
época. Em outras palavras, os preços dos ativos financeiros são sempre determinados
corretamente, dado o que é conhecido publicamente, em qualquer período de tempo. Os
145
preços podem parecer altos ou baixos demais às vezes, mas de acordo com a teoria dos
mercados eficientes essa aparência deve ser uma ilusão.
Os preços das ações, segundo essa teoria, descrevem aproximadamente “passeios aleatórios”
ao longo do tempo: as mudanças de preços são imprevisíveis, desde que ocorram apenas em
resposta a informações realmente novas, as quais pelo próprio fato de serem novas são
imprevisíveis. A teoria dos mercados eficientes e a hipótese do passeio aleatório têm passado
por vários testes, usando-se dados sobre os mercados de ações em estudos publicados em
periódicos acadêmicos de finanças e de economia. Embora a teoria tenha sido rejeitada
estatisticamente muitas vezes nessas publicações, de acordo com algumas interpretações ela
pode ser considerada parcialmente valida. A literatura sobre as evidências favoráveis a essa
teoria é extensa e inclui trabalhos da mais alta qualidade. Portanto, concordamos ou não com
ela, devemos pelo menos levar a teoria dos mercados eficientes a sério.”
Mas a história econômica, como pode ser visto acima no livro de Kindleberger e Aliber [2011],
conta várias histórias de bolhas especulativas e manias nos mercados. Todas as bolhas têm seu
fim, por que a demanda é finita, não pode se expandir sem fins, e alguns investidores querem
realizar seus ganhos de papel vendendo. Estas bolhas começam a estourar quando
investidores percebem os preços exagerados para os ativos e querem realizar seus ganhos
vendendo os ativos o que faz os preços cair iniciando uma onda de pessimismo e de vendas,
que fazem os preços cair expressivamente. A expansão de crédito e sua retração na crise – seu
caráter pró-cíclico -, enfatizada fortemente por Minsky [1984 e 2008] bem como pela escola
austríaca, é num lado a fonte para expansão exagerada dos preços dos ativos, noutro lado
também a fonte para a queda exagerada na crise.
Uma crise financeira pode também ser a consequência do estouro de uma bolha especulativa
nos mercados de ações, imobiliários ou de commodities, quando a depreciação expressiva de
ativos financeiros põe em perigo os ativos das instituições financeiras. As instituições
financeiras podem se tornar literalmente insolventes (como no Japão depois de 1990 – bancos
zombie) sem poder conceder novos empréstimos e evitando a falência somente por causa da
vista grossa dos órgãos regulamentadoras. O estouro de uma bolha conduz muitas vezes a
uma crise econômica grave (como em 1929 no começo da Grande Depressão, embora a
maioria dos economistas não visse a quebra da bolsa como gatilho mais importante para a
depressão) ou a uma estagnação econômica prolongada (como no Japão em 1990 com o
estouro de uma bolha no mercado acionário e imobiliário). O estouro na bolha no mercado
imobiliário dos Estados Unidos em 2006/2007 levou o mundo para uma recessão profunda,
enquanto as intervenções maciças dos bancos centrais e dos governos evitavam uma crise
maior. Mas a consequência foi uma elevação da dívida pública em muitos países com a
transferência de parte da dívida privada para a dívida pública a transferência dos riscos do
setor privado para o setor público.
146
Eichengreen e Mitchener [2003] analisam uma expansão exagerada do crédito como uma
fonte da Grande Depressão e chegam a conclusão de que esta expansão pode ser uma
perspectiva que ajuda numa explicação multicausal da eclosão da Grande Depressão. Eles
concluíam com a avaliação de que com isto os trabalhos de Mises, Hayek, Robbins e Rothbard
que enfatizam a importância da dinâmica de crédito na eclosão da Grande Depressão devem
ganhar novo interesse.
Como uma corrida a um banco pode encadear uma crise de confiança na estabilidade do
sistema financeiro e um pânico bancário, uma crise financeira em um país pode contagiar
outros países. Uma crise em um país pode mudar expectativas e percepções dos investidores
com outros países ainda não atingidos por uma crise, e a crise financeira pode se propagar
para outros países (contágio), como no caso da crise mexicana em 1994/95 para América
Latina (efeito tequila), como na crise asiática em 1997/1998 para o mundo, e como na crise
subprime especialmente em 2008 dos Estados Unidos para o mundo. A propagação da crise foi
facilitada por novos instrumentos financeiros, vendidos mundialmente, como ‘Mortgage
Backed Securties’ MBS, ‘Collaterilized Debt Obligations’ CDO e instrumentos derivativos
(‘Credit Default Swaps’ CDS). Outro exemplo do contágio é a crise bancária em Áustria em
1931 que se propagou para outros países de Europa central e depois de alguns meses chegou à
Alemanha, embora a crise bancária, cambial e da dívida externa da Alemanha teve também
muitas causas domesticas. Este evento e discutido de forma mais ampla no capítulo sobre a
Grande Depressão. Da Alemanha, agora com controles sobre movimentos de capitais, o
contágio levou o Reino Unido, perdendo reservas de ouro, em setembro de 1931 a sair do
padrão (câmbio) ouro. A saída do Reino Unido do padrão ouro e a desvalorização da libra
tiveram agora seus impactos sobre os Estados Unidos, com os investidores temendo uma
desvalorização do dólar. Em plena depressão a Federal Reserve aumentou expressivamente a
taxa básica, para diminuir as saídas de ouro dos Estados Unidos, piorando a crise bancária no
país.
O Banco Mundial diferencia três canais de contágio [Contagion Home Worldbank], o canal
financeiro, os canais reais, especialmente sobre a balança comercial, e o canal político. Pode se
acrescentar o canal das expectativas dos agentes econômicos. A conectividade e
interdependência de atores nos mercados globais, especialmente a interdependência das
instituições financeiras, num mundo globalizado e regulamentado de forma frágil pode
contagiar outros países em uma crise de confiança através destes canais. Um caso é o contágio
da crise russa em 1998 para o Brasil, onde as relações reais e financeiras entre os dois países
147
são menores, é um exemplo como uma mudança da percepção e das expectativas dos
investidores internacionais podem atingir outro país.
Importante também na avaliação das crises mais recentes – da crise asiática e da crise
financeira global de 2008/2009 – torna-se a opinião de que os processos de
desregulamentação dos mercados financeiros na década de 1980 e depois, bem como os
processos de abertura financeira, quer dizer, fatores institucionais, são no fundo dos fatores
causadores destas crises.
Esta experiência com suas consequências desastrosas deve barrar uma politica de austeridade
extrema para sempre, mas também adverte os políticos e economistas que politicas
expansionistas prolongadas com a salvação de bancos e empresas insolventes a custo dos
contribuintes de impostos e a criação prolongada de moeda e crédito cria um cenário para
crises futuras maiores e cria um clima social adverso: grandes instituições financeiras e
empresas são socorridas por causa de seu poder político e de sua importância sistêmica (‘too
big to fail’) e com isto uma administração faltosa é premiada, enquanto pequenos negócios
vão a falência e trabalhadores e pobres pagam a conta da festa dos ricos com desemprego e
corte dos benefícios do Estado de bem-estar social. Este risco moral pode destruir os
fundamentos da ideologia de uma economia da livre empresa, que prevê que empresas
ineficientes vão para falência.
Uma discussão mais ampla das conjunturas, crises e depressões encontra-se na parte sobre a
Grande Depressão da década de 1930, na parte sobre a crise econômica global depois 1973, na
parte sobre as crises financeiras da década e 1990 e do novo século e na parte sobre as visões
de diferentes correntes de pensamento econômico sobre as causas das crises e depressões
econômicas.
149
War made the state and the state made war, Charles Tilly, The Formation of National States in
Western Europe, p. 4245
O governo civil, na medida em que é instituído para a segurança da propriedade, é na realidade
instituída para a defesa do rico contra o pobre, ou dos que têm propriedades contra os que não têm
nada. Adam Smith Wealth of Nations, p.273
O Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe
capitalista. K. Marx, O Manifesto Comunista, MEW 4, p. 464
U.S. president Abraham Lincoln (1809-1865) defined democracy as: «Government of the people, by
the people, for the people”.47
O papel do Estado na economia, e com isto também suas ações numa crise, é um ponto
central na discussão econômica. A relação da formação de Estados com o desenvolvimento do
capitalismo foi discutida em capítulos anteriores e por esta razão é necessário discutir aqui a
pergunta da relação entre Estado e capitalismo. mercados e da transformação dos Estados no
processo do desenvolvimento do capitalismo global. Obviamente o foco deste capítulo está
nas relações entre poder político (Estado) e poder econômico, a história do desenvolvimento
de Estados nacionais fica na margem.
estruturadas por crises fiscais induzidas por guerras. Ele e outros relativizam a importância das
guerras para a formação dos Estados para países não europeus. Mas o poder militar com sua
cultura diferente e visto também como um possível perigo para o poder político democrático,
o Bonapartismo (lembrando o golpe de Estado de 18 Brumário de 1799 [9 de novembro] de
Napoleão Bonaparte), onde o poder militar desloca o poder político legítimo através de um
golpe de Estado.
Teorias ‘elitistas’ do Estado focalizam mais os poderes autônomos da classe dirigente dos
Estados [Mann, 2012 (1) p. 48], bem como o papel das elites em outros setores (economia,
militar, cultura etc.) no desenvolvimento do capitalismo global e de suas relações com a elite
política. Importante enfatizar é neste contexto que as instituições do Estado bem como as
instituições do capitalismo evoluam em conjunto desde a dupla revolução, da revolução
industrial na Inglaterra e da revolução francesa política e social. Importante para os Estados
liberais democráticos é diferenciar entre os governos, que mudam pelo processo eleitoral, e as
burocracias estatais que mostram uma permanência temporal maior. Para Mann (2012-1, p.
19), se referindo a T. H. Marshall [1963] sobre a experiência britânica, houve historicamente
uma evolução da cidadania civil (Estado de direito: liberdade pessoal, direito de discurso,
pensamento, e fé, e direito de propriedade e justiça), para a cidadania política (Estado
151
democrático: direito de votar e de ser eleito), para a cidadania social (Estado social: direito de
uma vida digna através dos benefícios do Estado de bem-estar social). Para Grã-Bretanha este
processo para o Estado de direito aconteceu no longo século XVIII (1688 - 1828), a cidadania
política entre 1832 (Great Reform Act) e 1918/1928 (direito de voto feminino). Na Grã-
Bretanha o Estado de bem estar social foi impulsionado antes da Primeira Guerra Mundial pela
legislação de um governo liberal e expandido amplamente pelo governo trabalhista depois da
Segunda Guerra Mundial. Obviamente em outros países este processo de evolução de um
Estado de direito, democrático, e social não foi um processo linear, enfrentando retrocessos,
mas mostra um delineamento desejável e possível.
Estado e mercado, economia e politica, a governança global, nacional, e das empresas são os
conceitos centrais na discussão contemporânea sobre o caminho certo para organizar uma
economia e a economia global. Na teoria politica e econômica contemporânea o Estado [o
Estado democrático, de direito e social] não é mais visto como uma instituição que defende
somente os interesses de uma classe social, mas como uma instituição que persegue o
objetivo de bem público e garante as leis e os direitos fundamentais dos cidadãos e faz
intermediação nos conflitos de classe e sociais. Obviamente os grupos de interesse na
sociedade tentam inserir suas agendas na agenda do governo, onde, obviamente também, o
sucesso em determinar a agenda do governo depende do poder das classes e grupos sociais. A
figura seguinte mostra a inter-relação entre o Estado e a sociedade civil onde a sociedade civil
é vista como a coletividade de todos os cidadãos e todas as entidades fora do Estado [The
Handbook of Political Sociology, 2005, p. 21]. Neste gráfico em ‘The Handbook of Political
Sociology’ falta o legislativo (parlamento) como parte de Estado democrático.
152
Executivo Policia
Partidos Estado de
políticos bem estar, mídia, Contratos de Regulação
educação pública etc.; defesa
Esfera Privada
Família Amore e afeito
Amigos
Conhecidos Relações sexuais
direito é baseado em eleições livres, que determinam o governo, e em leis, que regulam a
conduta social dos indivíduos e das organizações, como, por exemplo, as empresas. Com os
impostos o Estado financia seus gastos de consumo, investimento e transferências. Impostos e
conscrição militar são – muitas vezes - pontos de atrito entre a sociedade civil (ou certos
grupos dentro da sociedade civil) e o governo e sua burocracia, às vezes eles são os gatilhos
para protestos, revoltas e revoluções.
burocracias nacionais. Este cenário de abandono dos eleitores pelos governos leva ao
crescimento de partidos populistas de direita na Europa, a protestos na rua e movimentos
extraparlamentares (Antiglobalização, Occupy Wall Street etc.). Crouch [2008] chama este
cenário de pós-democracia48.
Fukuyama [s.a. (1), posição 432 pp.] considera um viés anglocêntrico na maioria das narrativas
sobre o desenvolvimento das instituições politicas e do Estado na discussão acadêmica, que
focalizam na sua narrativa Grécia e Roma antiga, Inglaterra com a Magna Carta, a Guerra Civil
do século XVII e a Revolução Gloriosa de 1688, e chegam em 1776 na redação da constituição
americana para descrever a evolução para as instituições politicas fundamentais de sociedades
liberais de hoje. Ele afirma [s.a. (1) posição 473 pp.]
De fato, muitos elementos do que hoje entendemos por um Estado moderno já existiam na
China e, no século III a.C., cerca de mil e oitocentos antes de surgirem na Europa. (...)
O precedente republicano clássico pela Grécia e por Roma foi copiada por muitas sociedades
posteriores, inclusive as republicas oligárquicas de Genova, Veneza, Novgorod e as Províncias
Holandesas Unidas. Mas esta forma de governo tinha um defeito amplamente reconhecido por
autores posteriores, (...) o republicanismo clássico não se encaixava bem. Funcionava melhor
em sociedades pequenas e homogêneas como as cidades – Estados da Grécia do século V a.C,
ou em Roma em seus primeiros anos. (...)
A China já havia inventado um sistema de recrutamento burocrático impessoal e baseado em
mérito muito mais sistemático do que a administração pública romana.
Fukuyama [s.a. (1), posição 406 pp.] considera três conjuntos de instituições politicas
fundamentais bem equilibradas de uma democracia liberal bem-sucedida de hoje:
1. O Estado
2. O Estado de direito
3. Governo responsável (...)
O Estado concentra e usa poder para gerar respeito de suas leis por parte dos cidadãos e se
defender de Estados hostis e outras ameaças. O Estado de direito e o governo responsável, por
outro lado, limitam o poder de Estado, em primeiro lugar forçando-o a usar seu poder de
acordo com determinadas regras públicas e transparentes e assegurando que ele se subordine
à vontade do povo. (...)
O fato de um desses três tipos de instituição existe não significa que as outras duas existem.
Como o desenvolvimento econômico é um ponto de interesse central para muitos
economistas não deve se esquecer de que existe também um desenvolvimento politico e
social. As instituições politicas e sociais, e a confiança que cria sua estabilidade, são hoje em
dia vistos pelos economistas como uma fonte importante para explicar o desenvolvimento
econômico. Mas, como existem crises e decadência na economia, existem também crises e
156
decadência nas instituições politicas e sociais. Esta decadência das instituições politicas não
somente existe nas mudanças para Estados autoritários e totalitários, mas também em
democracias liberais. Fukuyama [s.a. (1) posição 8348 pp.] considera que
Os Estados impessoais modernos são instituições difíceis de estabelecer e manter, uma vez que
o patrimonialismo – o recrutamento baseado em parentesco ou em reciprocidade pessoal – e a
forma natural de relacionamento social à qual os seres humanos revertam na ausência de
outras normas e incentivos.
Os dois tipos de decadência política – rigidez institucional e repatrimonialização – muitas vezes
vem juntos quando funcionários patrimoniais com alto interesse no sistema pessoal existente
procuram defendê-lo contra as reformas. E se o sistema entra em colapso, com frequência
somente os agentes patrimoniais com suas redes de clientes ficam para recolher os pedaços.
Fukuyama [s.a. (1) posição 8348 pp.] define a repatrimonialização como “o favorecimento de
parentes ou amigos com quem se trocou favores é uma forma natural de sociabilidade e uma
maneira negligente de interação humana. A forma mais universal de interação politica é a
relação na qual um líder está prestando favores em troca de apoio de um grupo de
seguidores”.
Mas depois de deste excurso para a discussão histórica e politica do Estado é importante
voltar ao papel do Estado na área econômica, o que é um assunto controverso.
Como resultado, os governos estão continuamente em risco de enfrentar uma escolha forçada
entre duas opções igualmente desagradáveis: sacrificar a estabilidade e o desempenho econômico
para defender a legitimidade democrática e superar as reivindicações populares de justiça social em
nome de uma política econômica sólida. Normalmente, esse problema tende a ser resolvido ao
abordar os dois chifres do dilema, por sua vez, alternando para frente e para trás como uma
resposta bem-sucedida a uma crise de legitimidade democrática resultando em desequilíbrios
econômicos e medidas bem-sucedidas para a estabilização econômica resultando em
descontentamento social. Wolfgang Streeck, How will capitalismo end? Posição 3772
Como existe uma evolução do capitalismo global, que, por exemplo, Wallerstein descreve em
sua análise do sistema capitalista global [2004, 2007, 2011 (1) e (2), 2012], existe também uma
evolução de Estados e de suas instituições e burocracias, na Europa impulsionada pela busca
da hegemonia geopolítica através da concorrência militar e econômica. Guerras são caras, é
necessário levantar impostos e tomar empréstimos, para isto é necessária certa unidade
ideológica e normativa entre – pelo menos – as elites. Necessário é também a criação de uma
burocracia estatal eficiente e uma extensão do sufrágio [embora em Alemanha e Japão
historicamente houve também a variante do capitalismo autoritário até a Primeira Guerra
Mundial e na década antes da Segunda Guerra Mundial, como hoje existe o capitalismo
autoritário na China] quando os primeiros exércitos populares foram criados na revolução
americana e francesa, e com as guerras totais do século XX também uma criação de uma
Estado de bem-estar social. Embora o papel central da guerra na formação e transformação de
157
Estados que Tilly [1990] afirma na citação no inicio do capítulo não pode ser tão importante no
mundo não europeu, mas a tentativa de copiar instituições políticas e econômicas dos países
bem-sucedidos e hegemônicos no século XIX e XX, o Reino Unido e os Estados Unidos, sem
dúvida, tiveram também certa importância em outras partes do mundo.
A ideologia oficial da maioria dos capitalistas é laissez-faire, a doutrina de que os governos não
devem interferir no funcionamento dos mercados. É importante entender que, como regra
geral, os empresários afirmam essa ideologia em voz alta, mas realmente não querem que o
laissez-faire seja implementado, ou pelo menos não totalmente, e, certamente, não costumam
agir como se eles acreditavam que o laissez-faire seja uma doutrina sã. Tentativas de limitar a
concorrência interna e externa são o pão de cada dia para a elite empresarial.
O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro sob a hegemonia econômica da Grã-Bretanha, acompanhada da
expansão do colonialismo e imperialismo nas últimas décadas de século XIX. A Primeira Guerra
Mundial acabou com a hegemonia econômica da Grã-Bretanha e Europa e vi a ascensão dos
Estados Unidos e da criação de um modelo econômico alternativo na União Soviética e levou a
distorções econômicas que foram uma das causas da Grande Depressão dos anos 1930. Na
Grande Depressão a queda da produção, o desemprego muito alto e prolongado, o fim do
padrão câmbio-ouro e as crises políticas levavam a muitos governos autoritários e totalitários
na Europa e no mundo e finalmente para a Segunda Guerra Mundial. O Keynesianismo,
pregando intervenções do Estado através de politicas monetárias e fiscais expansionistas
158
Com a crise financeira global de 2008/2009 começou novamente uma discussão sobre a
necessidade de politicas mais intervencionistas dos Estados e dos bancos centrais para evitar
uma nova Grande Depressão e combater uma crescente desigualdade de renda, riqueza e
poder.
Os conceitos de Mann [1986, 2012 (1) e (2), 2013 (2) ] sobre as fontes de poder social somente
são descritos aqui por que o poder político do Estado é um fator decisivo para explicar nos
capítulos sguintes as crises profundas do capitalismo global e as intervenções dos Estados em
reação às crises. Obviamente também é importante neste contexto recorrer às outras fontes
de poder social descrito por Mann, o poder militar, o poder econômico, e o poder ideológico.
Todas estas fontes de poder são sujeitas nas crises profundas a um processo de erosão e
transformação do poder, das mudanças das elites (a circulação de elites em sentido de Pareto,
[Hartmann 2008, p. 25]), e das ideologias que representam e legitimam o poder. Mann [1986,
p. 1] mostra que sua elaboração das fontes de poder e de sua evolução histórica se diferencia
de outras explicações convencionais de poder que enfocam sociedades monolíticas; no sentido
de Mann sociedades são um conjunto de diferentes redes de poder que se sobre posicionam e
intersectam:
Minha abordagem pode ser resumida em duas hipóteses, a partir do qual flui uma metodologia
distinta. A primeira é: Sociedades são formadas por redes sócio-espaciais de poder que se
sobrepõem e cruzam. Sociedades não são unitárias. Não são sistemas sociais (fechadas ou
abertas); eles não são totalidades. (...).
A segunda hipótese é que (...) a narrativa geral das sociedades, sua estrutura e sua história,
pode ser descrita melhor em termos das inter-relações entre o que chamarei as quatro fontes
do poder social: ideológica, económica, militar e das relações políticas (IEMP). Estes são (1)
redes sobrepostas de interação social, não dimensões, níveis, ou fatores de uma única
totalidade social. (...). (2). Eles também são organizações, meios institucionais de alcançar
objetivos humanos. Sua primazia não vem da força dos desejos humanos com fins ideológicos,
econômicos, militares ou satisfação política, mas a partir dos meios organizacionais particulares
para atingir objetivos humanos, qualquer que seja que estes objetivos podem ser. [Mann, 1986,
p. 1 p.]
Também é discutido o lugar na sociedade onde este poder se realiza na forma hierarquizada e
institucionalizada, os donos de poder, que diferentes correntes de pensamento chamam de
elites (as vezes chamadas elites funcionais ou de mérito, para evitar a contaminação com
ideias de Pareto, Mosca e Michels), classe dominante, as oligarquias ou a plutocracia e sua
relação com a democracia liberal. Obviamente baseando sua teoria em quatro fontes de poder
que se sobre posicionam e intersectam Mann [1987, p. 339] não descreve a classe dominante
ou governante como uma elite unificada, mas como elites fracionadas nas áreas de política, de
economia, militar e ideológica, que tentam conseguir um consenso em suas tentativas e
160
estratégias para institucionalizar o conflito de classes (e outros conflitos nas sociedades). Ele
focaliza cinco estratégias historicamente viáveis: liberal, reformista, monarquista autoritária,
fascista, e socialista autoritária. As crises profundas do capitalismo global, bem como outras
crises enfraqueçam a legitimação das elites e suas ideologias e – as vezes – levam a ascensão
de contra elites e ideologias alternativas. Um foco importante deste trabalho é analisar as
transformações nas esferas de poder como impactos das crises profundas do capitalismo
global. As relações entre as elites e os 99% (o povo, a massa, a sociedade civil etc.) são
descritas no capítulo a seguir.
Seguindo Mann [2013 (2), p. 1 p,] sociedades humanas são construídas em vez de quatro redes
de poder que se sobrepõem: as fontes de poder social são ideológicas, econômicas, militares e
políticas. Mann considera este modelo satisfatório para explicar a história das sociedades
humanas pelas constelações especificas das fontes de poder na história humana. O poder no
sentido de Mann [2013 (2), p. 1] é a capacidade de conseguir que outros fazem coisas que eles
não fariam de outra forma [em sentido de Weber dominação é o poder institucionalizado e
legitimado, em sentido de Gramsci poder e dominação que são garantidos somente pela
violência não se sustentam, necessário também a legitimação por um discurso hegemônico].
Obviamente sociedades são também organizações, onde homens entram em relações de
poder na forma de cooperação, competição e conflito. As relações de poder podem se
cristalizar e estabilizar em instituições, regras formais (leis, etc.) e informais (regras de
conduta, valores, ética etc.) do comportamento humano.
Mann [2013 (2), p. 2] descreve o poder militar como organização social da violência
concentrada e letal (em sentido mais amplo pode se incluir organizações e instituições do
Estado repressivo como polícia, serviços secretos, e partes da justiça). Poder militar é mais
lealmente exercido pelas forças armadas em guerras entre países, mas também por
paramilitares, guerrilhas e terroristas em conflitos internos. Normalmente o poder militar é
subordinado ao poder político, mas existem muitos exemplos (por exemplo, Napoleão) onde
uma casta militar com organização separada assume também o poder político (por exemplo,
em golpes militares).
Mann [Mann, 2013 (1), p. 9] afirma que as fontes de poder “gerar sobreposição, cruzando
redes de relações de poder com diferentes limites e dinâmicas sócias espaciais; e suas inter-
relações podem produzir consequências imprevistas, emergentes para atores com energia.
(...). As quatro fontes de alimentação de poder oferecem meios organizacionais potenciais
poderosos distintos para os homens que perseguem seus objetivos. Mas que meios são
escolhidos, e em que combinações, vai depender de interação contínua entre as configurações
historicamente presentes de poder e o que emerge dentro e entre eles.”.
162
Como os países são inseridos no ambiente global com outros países, eles tentam aumentar seu
poder geopolítico ou conseguir uma posição hegemônica através de meios pacíficos,
diplomáticos ou militares. Mann [2012 (1), p. 271 p.] acrescenta como uma quinta
determinante de poder na competição geopolítica o gênio de liderança [a liderança
carismática em sentido de Weber], explicado na pessoa de Napoleão Bonaparte
(especialmente, mas não somente, na liderança militar dele). Este é obviamente uma
determinante contingente na história política, militar, econômica e social, mas este fator não
somente é uma determinante na perspectiva geopolítica, mas também na perspectiva nacional
de um país. Os conceitos de Mann são uma base para a análise das crises e seus impactos
econômicos, políticos, ideológicos e sociais a seguir. É importante também considerar o poder
das mídias nos tempos contemporâneos em que as novas tecnologias de comunicação e
informação abrem novas possibilidades de influência ideológica.
Priestland [2013] usa os conceitos de Mann para uma narrativa um pouco diferente da história
de poder, baseando se em diferentes fontes de poder que são no mesmo momento redes
sociais e instituições. Ele [2013, p.265] aponta para certa fraqueza na abordagem sociológica e
histórica de Mann, que se apoia nas análises de Marx (enfatizando o poder econômico
representado em classes sociais) e de Weber (apontando que classes sociais são importantes,
mas existem outras redes de poder, ideológicas (grupos de status) e politicas (partidos)):
ascensão de novos grupos de poder com suas ideologias e valores. Interessante é que
Priestland não explicitamente aponta para as redes políticos de poder, que precisam formar
alianças das castas, precisam formular objetivos e transformar instituições, coordenar os
grupos dominantes e os grupos de poder compensatório com ideologias convincentes. Ele
também aponta para a importância das constelações geopolíticas na história mais recente
[Priestland, 2013, p. 256]
A Guerra Fria forçou as castas dos Estados ocidentais a colaborar para enfrentar o comunismo, assim como as
rivalidades imperiais e nacionais no século XIX trouxeram comerciantes e sábios para uma aliança governante.
A situação de hoje não poderia ser mais diferente. Há poucas razões para que os políticos prestem atenção aos
pobres. O comunismo não é mais uma ameaça, e a velha classe trabalhadora tem diminuído e, muitas vezes, é
etnicamente dividida. E em grande parte do mundo há compreensivelmente uma forte resistência para dar ao
guerreiro mais poder.
Como o poder e uma relação social hierárquica é importante tentar identificar elites
dominantes e os grupos dominados, embora é importante enfatizar que as relações de poder
em regimes democráticos são mais caracterizadas pelo poder suave (‘soft power’) do que pelo
poder de coerção duro (‘hard power’). Importante também para isto é uma análise das elites
funcionais e de mérito, suas estratégias, suas tentativas de unificar discursos e estratégias,
suas relações com contra elites e o povo (os 99% no sentido de ‘Occupy Wall Street’] e o grau
de abertura das elites (a possibilidade de absorver e integrar talentos e a mobilidade social e
entre as gerações em geral).
Tudo por nós mesmos, e nada para outras pessoas, parece, em todas as épocas do mundo ter sido a
máxima vil dos mestres da humanidade 50. Adam Smith, Wealth of Nations, p. 153
Que se vayan todos na crise argentina de 2001/2002 esta chamada de renúncia dos
governantes foi o mantra das demonstrações51
Desde que a Grã-Bretanha mergulhou no desastre econômico em setembro de 2008, tem havido
uma tentativa concertada de redirecionar a raiva das pessoas, tanto sobre a sua própria situação, e
a da nação como um todo, longe dos poderosos. Ao invés o público britânico é rotineiramente
encorajado a direcionar suas frustrações para outros, muitas vezes alvos mais visíveis, que têm sido
vilipendiados por políticos de elite e os meios de comunicação: imigrantes, desempregados,
requerentes de benefícios, trabalhadores do setor público, e assim por diante. Depois do desastre
financeiro, esta campanha de demonização foi claramente intensificada. Políticos e meios de
comunicação social trabalharam quase de mãos dadas para promover o mito de que as pessoas que
devem ser responsabilizadas pelos múltiplos males sociais e econômicos da nação são aqueles na
parte inferior da hierarquia, em vez daqueles no topo. Owen Jones, The Establishment
(2014), p. XI
Você não tem que ser um marxista para concordar com Karl Marx quando ele escreveu em 1845
que "as idéias da classe dominante estão em cada época as idéias dominantes, ou seja, a classe que
é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força intelectual dominante”.
Hoje, a classe que predomina- que não só dirige a economia, mas tem um controle sobre as esferas
de política, mídia e intelectual, também-desempenha o papel fundamental na formação das ideias
dominantes do nosso tempo. Owen Jones, The Establishment (2014), p. XV
164
O conceito de elite foi desenvolvido como conceito de luta democrática pela burguesia
ascendente francesa no século XIX [Hartmann, 2008, p. 9] em sua luta contra as elites do
‘ancien regime’ da monarquia francesa, sua aristocracia e sua elite nos cleros [elite de mérito
contra uma elite - hereditária no caso da aristocracia - de status]. Ele sempre foi usado para
diferenciar uma elite contra a massa do povo, as classes perigosas na visão das elites. Jones
[2014, p. 5] inclui nas elites, ou no “‘Establishment. (...) políticos que fazem leis; barões da
mídia que definem as agendas de debate; empresas e financiadores que dirigem a economia;
forças policiais que impõem uma lei que é manipulada em favor dos poderosos”. Nas teorias
clássicas de elite de Mosca, Michels e Pareto este confronto de elite e massa foi uma base
ideológica importante para a ascensão do fascismo em Itália e Alemanha [Hartmann, 2008,
p.9]. Por esta razão, para evitar a contaminação com estas teorias, hoje em dia se fala das
elites funcionais, de mérito e de posição. Mas movimentos (as vezes populistas) de direita e de
esquerda confrontam também hoje os interesses e discursos da elite com interesses diferentes
dos 99% do povo. Também o conceito de pós-democracia de Crouch aponta para as tentativas
das elites políticas e econômicas de resolver conflitos através de negociações entre as elites
globais e instituições globais passando por alto os 99% do povo. Como as linhas clássicas de
divisão da sociedade em classes parecem se tornar menos importantes e novas linhas de
divisão nos países centrais aparecem entre excluídos e incluídos, entre vencedores e
perdedores, entre diferentes estilos da vida, fala se hoje mais de uma dominação por uma
plutocracia (uma elite dos ricos determinando as políticas do Estado) apontando para a
crescente desigualdade de renda, riqueza e poder nos países centrais. Importante na descrição
das elites é não cair na armadilha de teorias conspirativas: As elites não são uma classe
ideologicamente unificada, existem opiniões e ideologias muito diversificadas, existem
agendas diferentes, existem estratégias variadas, mas sob um fundo de consenso sobre os
fundamentos do Estado de direito e democrático e da economia nos moldes de capitalismo,
global ou nacional. Falar dos 99% não implica objetivos, interesses, ideologias, estratégias de
forma unificada, mas um amplo leque de interesses e ideologias diversificadas. Neste capítulo
fala se em primeiro lugar das elites, as perspectivas dos 99%, ou de forma mais restrita dos
movimentos anticapitalistas é tema do último capítulo deste trabalho.
Elites funcionais e de mérito, que parcialmente são em concorrência ou conflito, tentam - pelo
menos nos problemas centrais – chegar a um consenso, podem ser definidos [Hartmann, 2008,
p. 55 p.] como grupos dominantes na economia, na política, na educação, na religião, na
cultura e nas mídias, no militar, na burocracia estatal, e na justiça. Empiricamente Krüger
[2013, p. 109] diferencia três métodos na determinação das elites. Na abordagem da
165
reputação especialistas (que muitas vezes si mesmo fazem parte das elites) são consultados
quem em sua opinião pertence as elites. Na abordagem da decisão a análise de processos de
decisão concretos determina quem participou decisivamente destas decisões e com isto faz
parte das elites. Na abordagem de posição as elites são identificadas através de suas posições
de liderança em organizações importantes. É importante anotar que nos conflitos políticos,
econômicos e ideológicos contra elites, representando movimentos sociais, enfrentam as
elites dominantes na tentativa de tornar se as elites dominantes. Obviamente crises profundas
e guerras perdidas são – muitas vezes – acompanhadas de tentativas de mudanças nas elites.
Como o foco do trabalho está na análise das crises profundas do capitalismo global o problema
das elites, da sua influência nas políticas do Estado, de suas relações com a democracia e com
a massa do povo, de suas tentativas de afetar a legislação nacional e internacional em favor de
seus interesses próprios através de ‘lobbying’ ou de corrupção, de sua responsabilidade para a
crescente desigualdade social no cenário contemporâneo, pode ser neste lugar somente
apresentado na forma de um desenho de perguntas abertas. O centro da discussão está no
problema da influência das crises sobre a transformação politica, econômica, e social e a
mudança das elites.
Obviamente cada crise deslegitima as políticas e ideologias hegemônicas e com isto as elites
que representam estas políticas e ideologias e estimula – em alguns lugares onde a democracia
liberal teve uma história curta como na Alemanha - o desejo das massas para um líder forte
que mostra um caminho para uma saída da crise. Na Grande Depressão da década de 1930
estas mudanças políticas e ideológicas são discutidas de forma mais extensa num capítulo
posterior. Aqui são somente contadas algumas evidencias históricas importantes nesta grande
crise do capitalismo global.
No Brasil a mudança política em 1930 para o Estado Getulista e depois para o Estado Novo
autoritário em 1937 é na visão de Fausto [1998, p. 326 p.] “a Revolução de 1930 não significou
a tomada direta do poder por esta ou aquela classe social. Os vitoriosos de 1930 compunham
um quadro heterogêneo, tanto de ponto social como político. (...). O Estado Getulista
promoveu o capitalismo nacional, tendo dois suportes: no aparelho do Estado, as forças
armadas; na sociedade, uma aliança entre a burguesia industrial e setores da classe
trabalhadora urbana”. Em relação a Grande Depressão Fausto [2009, p. 185] afirma que “No
início dos anos 30, o Governo provisório tratava de se firmar em meio a muitas incertezas. A
crise mundial trazia como consequência uma produção agrícola sem mercados, a ruina dos
fazendeiros, o desemprego nas grandes cidades. As dificuldades financeiras cresciam: caia a
receita das exportações e a moeda conversível se evaporara”. Skidmore [1982, p. 25 p.]
também aponta a Revolução de 1930 como “mais um capítulo na história das lutas entre as
elites em lenta transformação (...) desde 1822. (...). A estrutura social e as forças políticas do
Brasil não sofreram mudança da noite para o dia. (...) a República Velha desabou de repente
sob o peso de suas dissensões internas e da pressão de uma crise econômica em escala
mundial”. Embora houve uma mudança política, estes autores não afirmam uma causalidade
direta entre a Grande Depressão e a mudança política.
Outro exemplo de uma mudança política – embora com uma defasagem longa na Grande
Depressão em 1933 (a eleição de Roosevelt aconteceu em 1932, mas ele assumiu a presidência
somente em 1933) – de Hoover (Republicano) para Roosevelt (Democrata) nos Estados Unidos
está contando uma história que reflete se em muitas democracias estabelecidas (como no
Reino Unido, na França e nos países nórdicos da Europa): Uma mudança democrática para
outro governo que representa uma ideologia econômica mais intervencionista do Estado
introduzindo reformas importantes nos mercados de trabalho e financeiro e, nos Estados
Unidos, introduzindo as redes de segurança de um Estado de bem estar social.
Os problemas das elites e de sua relação com a massa do povo podem ser representados aqui
somente através de algumas perguntas abertas. A pergunta sobre a unidade ideológica das
diferentes elites funcionais, de sua representação pelas mídias dominantes, e o papel das
ideologias alternativas e das elites com agendas alternativas. Levanta-se também no cenário
contemporâneo da globalização a pergunta da abertura destas elites para novos entrantes
(mobilidade social em termos mais gerais) ou do fechamento das novas plutocracias ao
discurso dos novos movimentos sociais. O problema de uma plutocracia de herança, que
levantam certas dúvidas sobre o mérito das elites de mérito, é discutido por Wagenknecht
[2016, p. 72 pp.] seguindo os argumentos de Piketty [2014] sobre a importância da herança de
167
capital produtivo nas empresas: um jornal alemão [‘Handelsblatt’] mostrou que entre as
famílias empresariais mais ricas de Alemanha somente 10 por cento foram empresários da
primeira geração, enquanto 90 por cento não criavam a empresa como empreendedores, mas
eles recebiam a empresa como herança de seus pais (ou de gerações anteriores). Obviamente
existem os empreendedores como, por exemplo, Gates e Jobs, mas eles são as exceções.
Neste contexto Wagenknecht [2016, p. 76] cita Piketty [2014] que -pelo menos no seu topo – o
capitalismo foi sempre o que se chama uma sociedade patrimonialista, onde a herança decide
quem é rico e quem não é rico. Nesta página ela cita também o ordo liberal Rüstow “A
desigualdade de chances iniciais pela herança é o elemento essencial da estrutura institucional
através do qual o feudalismo sobrevive na economia de mercado e torna ela uma plutocracia-
a dominação pela riqueza”.
Existem vários motivos para a intervenção governamental, dos quais os principaís são:
Fornecer bens públicos, que têm benefícios que não podem ser limitados aos que pagam o
custo de sua produção e, portanto, não podem ser produzidos pelo setor privado (por
exemplo, defesa nacional, justiça). Lidar com falhas de mercado como, por exemplo,
externalidades, benefícios externos (como a imunização contra doenças transmissíveis, que
beneficia também outras pessoas) ou custos externos (como a poluição do meio ambiente).
Encorajar o consumo de bens de mérito (como educação, saúde) e desencorajar ou proibir o
consumo de produtos nocivos à saúde (cigarros, álcool, drogas). Outros objetivos são ajudar os
pobres (Estado do bem-estar social) e estabilizar a economia. Numa crise tão severa como a
crise de 2008/2009 as chamas para a intervenção e regulamentação do Estado na economia
tornam-se mais frequentes, o Estado, bem como o Banco Central (como emprestador de
última instancia) são vistos como a única possibilidade de evitar uma quebra do sistema
168
• São medidas fiscais, como a renúncia temporária ao imposto IPI para carros e produtos
da linha branca para estabilizar produção e emprego em tempos da crise financeira de
2008/2009;
• São programas como a Bolsa Família, para criar uma rede de segurança social para as
camadas desfavorecidas e diminuir a desigualdade social e os conflitos sociais; o conjunto de
medidas como estas é muitas vezes chamado de Estado de bem-estar social;
• São incentivos fiscais para a criação de empresas como, por exemplo, na SUAPE, para
favorecer investimentos em polos econômicos, criar renda e emprego e desenvolver regiões;
• São gastos de investimento em infraestrutura do governo, como a duplicação da BR
101, para diminuir o custo Brasil e desenvolver regiões;
• São regulamentações no mercado de trabalho, como leis trabalhistas, para proteger a
parte mais fraca no mercado de trabalho, ou seja, os trabalhadores;
• São órgãos reguladores como a ANATEL, para controlar setores privatizados e proteger
os consumidores;
• São políticas monetárias ativas do Banco Central do Brasil para estabilizar a economia
e diminuir a inflação;
• São, também, intervenções do Estado em outras áreas, como na saúde pública, na
educação, na cultura, no esporte etc.
Aqui a discussão restringe-se a políticas públicas no âmbito econômico. Intervenções do
Estado na economia são assuntos muito controversos na discussão acadêmica e política. Uma
169
Obviamente iria provar mais fácil de alcançar os ideais do Estado social, “de berço ao tumulo”,
na pequena população de um país homogêneo rico como a Suécia do que em um como a Itália.
Mas a fé no Estado foi pelo menos tão marcada em terras pobres como nos ricos, talvez mais
ainda, uma vez que em tais lugares só o Estado poderia oferecer esperança ou salvação para a
massa da população. E depois da depressão, da ocupação nazista e da guerra civil, o Estado
como agente de bem-estar, segurança e justiça [‘fairness’] era uma fonte vital de comunidade e
coesão social. Muitos comentaristas de hoje estão dispostos a ver o Estado-proprietário e o
Estado-dependência como um problema europeu, e a salvação pelo Estado como uma ilusão
antiquada. Mas para a geração de 1945 algum equilíbrio viável entre as liberdades políticas e a
função distributiva equitativa racional do Estado administrativo parecia o único caminho
sensato para fora do abismo. Tony Judt, Postwar
Ao início dos anos 70 seja impensável contemplar desvendar os serviços sociais, os benefícios
sociais, recursos culturais e educacionais financiados pelo Estado e muito mais, que as pessoas
reivindicavam como justos. Tony Judt, Ill fares the land
Se for verdade que a soberania significa a capacidade de ameaçar de forma credível, os partidos
operários ocidentais e os sindicatos alcançaram seus melhores efeitos de soberania em virtude
de uma ameaça de luta de classes indireta que poderia se envolver em conflitos sem levantar o
próprio punho. Foi o suficiente para eles um olhar discretamente para às realidades do
Segundo Mundo [o bloco socialista nos anos da existência da União Soviética] para fazer os
empregadores percebem que também neste país a paz social tem seu preço. Resumindo a
situação, pode se dizer sem muito exagero: Os ganhos sociais do período pós-guerra na Europa,
incluindo o capitalismo renano muitas vezes-mencionado, incluindo seu Estado de bem-estar
social abrangente e da cultura exuberante de terapia, foram os presentes do stalinismo - vinhas
da ira, que, no entanto, só após a sua exportação para o ar mais livre podem amadurecer para
certa doçura. Peter Sloterdijk52
A pobreza tem existido em alguma forma ou outra desde tempos imemoriais, mas nem sempre,
ou em todos os lugares considerada como um problema "social". O alívio da pobreza sempre foi
170
considerado um dever cristão53, mas aspectos sociais da pobreza não foram enfatizados até
século XVI. (...) Quando os Estados modernos começaram a se desenvolver, o problema dos
pobres tornou-se uma importância nacional, mas, em geral, ainda estava a cargo das
autoridades locais para implementar as leis nacionais sobre a assistência aos pobres, vadiagem
e mendicância. (...). E, note-se, este foi um alívio dos pobres num quadro de repressão. (...).
Durante o século XIX, os problemas persistentes de pobreza e os problemas relacionados com a
pobreza, mais o crescimento populacional, a urbanização e a expansão da industrialização, tudo
isso contribuiu para a proeminência dos problemas sociais em muitos países europeus. (....) A
evolução da "questão social" que acompanha a industrialização serviu como importante
incentivo para a cristalização da noção de direitos sociais, quando os trabalhadores começaram
a perceber-se como uma classe e o movimento operário ganhou importância crescente.
The Oxford Handbook of the Welfare State 54.
Disposições de bem-estar social rudimentares de um ou outro tipo já foram generalizadas antes
de 1945, embora a sua qualidade e alcance variasse muito. Alemanha era tipicamente o país
mais avançado, sob Bismarck já instituiu pensão, seguro acidentes e seguros de saúde, entre
1883 e 1889. Mas outros países começaram a recuperar o atraso nos anos imediatamente
antes e depois da Primeira Guerra Mundial. Tony Judt Postwar
Os Estados de bem-estar europeus pós-1945 variavam consideravelmente nos recursos que
eles prestavam e na forma como eles foram financiados. (...). A prestação de serviços sociais de
educação, habitação, cuidados médicos, bem como áreas de lazer urbano, transporte público
subsidiado, arte e cultura financiadas com fundos públicos e outros benefícios indiretos do
Estado intervencionista. Segurança social consistia principalmente na provisão estatal de
seguro contra doença, desemprego, acidentes e os perigos da velhice. (...). O Estado -
Providência não sai barato. Seu custo, para os países que ainda não recuperaram da crise dos
anos trinta e da destruição da guerra, foi considerável. Em segundo lugar, os Estados de bem-
estar da Europa ocidental não eram politicamente diversionistas. Eles eram socialmente
redistributivos na intenção geral (alguns mais do que outros), mas não revolucionários ‘they did
not soak the rich’. Tony Judt Postwar
A discussão a seguir baseia-se em primeiro lugar nos artigos do livro “The Oxford Handbook of
the Welfare State” [2010] e nas estatísticas da OCDE. Existe uma grande variedade de formas
de Estados de bem-estar social e diferentes trajetórias de seu desenvolvimento, que aqui não
podem ser plenamente discutidos. Como as citações acima afirmam com a industrialização e o
crescimento da classe trabalhadora e dos movimentos operários a ‘questão social’ tornou-se
um problema politico central. Um crescimento do partido socialdemocrata e dos sindicatos
trabalhistas levou Bismarck na década de 1880 para a introdução das primeiras leis da
segurança social, para evitar um maior crescimento do partido socialdemocrata e para integrar
a classe trabalhadora no Estado monárquico de Alemanha, no mesmo momento reprimindo
fortemente as atividades do partido socialdemocrata. É importante anotar que o Estado no
século XIX foi ainda mais um ‘Warfare State’ com 25% dos gastos públicos totais para fins
militares e somente 5% ou menos para fins sociais, enquanto no século XXI são mais do que
50% nos países da OCDE os gastos com o Estado de bem-estar social em sentido amplo [The
Oxford Handbook of the Welfare State, posição 786]. A mudança do ‘Warfare State’ para o
‘Welfare State’ começou somente com o fim da Primeira Guerra Mundial e suas repercussões
sociais, e com a democratização depois do colapso dos impérios monárquicos na Europa. Em
muitos países a Grande Depressão da década de 1930 terminou com a expansão do Estado de
171
bem-estar social com cortes expressivos de benefícios em alguns países da Europa continental,
levando a crises politicas como na Alemanha [The Oxford Handbook of the Welfare State,
posição 804]. O corte aconteceu no mesmo momento quando o desespero da Grande
Depressão necessitava de mais gastos e novos instrumentos como somente aconteceu no
‘New Deal’ de Roosevelt nos Estados Unidos. Na presidência Roosevelt [FDR, não Theodor
Roosevelt] o Estado de bem-estar social teve sua primeira decolagem nos Estados Unidos,
embora estivesse ainda mais restrito do que em muitos países da Europa ocidental. Também
na Escandinávia aconteceu nestes tempos da Grande Depressão uma mudança para um novo
estágio da evolução do Estado de bem-estar social, que levou estes países até hoje para a
primeira linha em termos de politicas sociais.
A Segunda Guerra Mundial trazia de volta o ‘Warfare State’, mas seu fim iniciou uma nova era
para a expansão de politicas sociais com seu financiamento ajudado pelo crescimento
expressivo das economias nos trinta anos depois da guerra, como The Oxford Handbook of the
Welfare State [posição 835 pp] mostra:
O orçamento do governo mostra num lado as prioridades de cada governo e das decisões de
governos anteriores e noutro lado – espera se - as preferências e desejos da população. O
papel do Estado na sociedade pode ser – em primeira tentativa - avaliado pela participação
dos gastos do Estado no PIB e pela estrutura dos gastos. Interessante é aqui especialmente a
parte dos gastos que é destinada a serviços e benefícios sociais. De forma geral The Oxford
Handbook of the Welfare State [posição 7343] afirma que no início do século XX parte
significativa dos gastos foi destinada ao militar, hoje em dia mais de cinquenta por cento dos
gastos vai para os gastos sociais. A tabela a seguir mostra-se a participação dos gastos do
governo no PIB para Alemanha, Dinamarca, Japão, Suécia e Estados Unidos de 1900 até 2010.
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2009 2010 2011 2012 2013
Alemanha 22,1 22,5 21,7 26,6 26,6 27,3 27,8 27,1 25,9 25,9 26,2
Dinamarca 24,8 23,2 25,1 28,9 26,4 27,7 30,2 30,6 30,6 30,8 30,8
Estados
13,2 13,2 13,6 15,5 14,5 16,0 19,2 19,8 19,6 19,7 20,0
Unidos
França 20,8 26,0 25,1 29,3 28,6 30,1 32,1 32,4 32,0 32,5 33,0
Itália 18,0 20,8 19,9 19,8 23,1 24,9 27,8 27,7 27,5 28,0 28,4
Noruega 16,9 17,8 22,3 23,4 21,3 21,6 23,3 23,0 22,4 22,3 22,9
Países Baixos 24,8 25,3 25,6 23,8 19,8 20,7 23,2 23,4 23,4 24,0 24,3
Reino Unido 16,5 19,4 16,7 19,9 18,6 20,5 24,1 23,8 23,6 23,9 23,8
Suécia 27,1 29,5 30,2 32,0 28,4 29,1 29,8 28,3 27,6 28,1 28,6
OECD - Total 15,5 17,2 17,6 19,5 18,9 19,7 22,1 22,1 21,7 21,8 21,9
Fonte: OECD
As politicas neoliberais não desestruturavam totalmente o Estado de bem-estar social nas
economias centrais, como os adversários ferrenhos desta ideologia afirmam, mas houve
cortes, embora o aumento expressivo das pessoas que necessitam dos benefícios do Estado de
bem-estar social normalmente criasse a necessidade de expandir os programas sociais. Como
houve cortes em vez da expansão a tendência para o aumento da desigualdade social se
fortaleceu. Os países nórdicos sofriam menos, os países anglo-saxônicos sofriam mais com
cortes e reestruração dos programas.
Tabela 29 Informações econômicos sobre os sete países mais populosos da América Latina
Receitas Dívida
Gastos do Déficit do Taxa média
Participação do bruta do
governo governo Transações de
População* no PIB governo governo
geral geral Correntes crescimento
2016 global geral geral
2016* 2016* 2016* (em anual do
(milhões) 2016* (% 2016* 2016*
(em % do (em % do % do PIB) PIB 1980 -
PPC) (em % do (em % do
PIB) PIB) 2016* (%)
PIB) PIB)
Argentina 43,6 0,74 32,5 39,6 -7,1 51,8 -2,3 1,9
Brasil 206,1 2,63 32,6 43,0 -10,4 78,3 -0,8 2,2
Chile 18,2 0,37 23,3 26,5 -3,2 20,4 -1,9 4,3
Colômbia 48,8 0,58 25,8 28,7 -2,9 47,5 -5,2 3,5
México 122,3 1,94 22,6 25,6 -3,0 56,0 -2,7 2,4
Peru 31,5 0,34 19,6 22,1 -2,5 26,3 -3,8 3,1
Venezuela 31,0 0,39 15,8 41,5 -25,7 32,8 -3,4 1,3
Fonte: IMF Data Mapper (WEO), * Estimativas, PPC Paridade de poder de compra
Na próxima tabela encontra-se para estes países um resumo dos gastos totais do governo
geral e para fins sociais (incluindo previdência social, gastos com saúde, educação, e outros
programas sociais de 1990 até 2014). É importante anotar que os dados são não diretamente
comparáveis entre os países, por que para o Brasil eles referem-se ao governo geral, nos
outros países ao governo central, o que eleva o nível dos dados do Brasil em relação aos outros
países de América Latina considerados. Eles também não são diretamente comparáveis aos
dados da OCDE acima, por que nos Dados da OCDE não entram, entre outros, os dados para a
educação, que entram nos dados da CEPAL. Os dados também não refletem a eficácia dos
programas sóciais que representam estes dados sobre os gastos sociais.
Tabela 30 Gastos totais e sociais do Governo (Central/Geral) 1990 -2014 (em % do PIB)
PIB)
Gastos sociais (%
9,5 9,5 9,1 7,7 10,5 12,6
do PIB)
Gastos totais** (%
n.d. n.d. 34,5 39,8 38,8 39,1
do PIB)
Brasil (2)
Gastos sociais (%
22,8 19,0 20,6 21,9 24,6 26,3
do PIB)
Gastos totais (% do
18,4 17,5 20,7 18,3 22,0 22,3
PIB)
Chile (1)
Gastos sociais (%
11,3 11,3 14,2 12,3 14,7 15,2
do PIB)
Gastos totais (% do
7,9 12,1 15,6 17,5 17,6 19,1
PIB)
Colômbia (1)
Gastos sociais (%
11,3 11,3 14,2 12,3 14,7 15,2
do PIB)
Gastos totais (% do
16,7 14,4 15,5 16,1 18,4 19,8
PIB)
México (1)
Gastos sociais (%
5,4 7,6 8,5 9,2 11,1 n.d.
do PIB)
Gastos totais (% do
19,5 19,0 18,5 17,2 18,1 19,3
PIB)
Peru (1)
Gastos sociais (%
n.d. n.d. 8,9 10,0 9,8 n.d.
do PIB)
Gastos totais (% do
25,8 20,6 21,8 25,9 22,9 23,6
PIB)
Venezuela (1)
Gastos sociais (%
n.d. 9,9 14,9 17,7 17,3 n.d.
do PIB)
Fonte CEPAL, * IMF, (1) Governo Central, (2) Governo Geral
i) Instituições e interesses
As instituições existentes num país são influenciadas pela evolução cultural e pelos interesses
dominantes nestas sociedades. North [2010] analisa o processo da mudança econômica com
foco na transformação das instituições. Streeck [2010] acompanha o processo da
transformação institucional de Alemanha nas últimas décadas do século XX e na primeira
década do século XXI, com foco nas transformações neoliberais, fortemente incentivados pelos
sindicatos patronais. ‘The Oxford Handbook of Transformations of the State’ [2015]
acompanha em muitos artigos a emergência dos Estados modernos e as transformações mais
recentes dos Estados e suas instituições. Estas fontes são a base para uma curta descrição do
papel das instituições na evolução capitalista e de suas transformações em crises profundas do
capitalismo.
Toda atividade organizada por seres humanos implica uma estrutura para definir a "forma como o jogo é
jogado", se se trata de atividade desportiva ou o funcionamento da economia. Essa estrutura é composta de
instituições - regras formais, normas informais, e as características de forçar seu cumprimento. (...). Como o
jogo realmente é jogado depende não só das regras formais que definem a estrutura de incentivos para os
jogadores e a força das normas informais, mas também pela eficácia de enforçar o cumprimento das regras.
Mudar as regras formais irá alterar a forma como o jogo é jogado, mas também, (...), frequentemente vale a
pena para os jogadores de contornar as regras. (...). A estrutura que os seres humanos criam para estruturar
seu ambiente político/econômico é a determinante base no desempenho de uma economia. Ele fornece os
incentivos que moldam as escolhas que os seres humanos fazem
Instituições não somente são as regras do jogo econômico, mas também ordenam a vida da
sociedade civil. Instituições são reflexos dos interesses de grupos econômicos e sociais, das
elites dominantes e de outros grupos organizados de interesse. Streeck [2009, p. 15] concebe
“instituições socioeconômicas realmente existentes como produto de conflitos e acordos, não
apenas sobre o seu projeto entre as elites que as controlam, mas também sobre a sua
promulgação entre "criadores de regras" e "tomadores de regras"”. Streeck [2009, p. 124 p.]
analisa não somente – como normalmente na ciência política – como as elites políticas criam,
recriam, abolem, e reformam instituições sociais, mas foca igualmente em "criadores de
regras" e "tomadores de regras", considerando o processo de mudança das instituições sociais
que possivelmente procede independentemente ou contra das intenções das elites que
pensam controlar este processo, através da promulgação desviante local das regras ou da
lenta acumulação das consequências antecipadas ou não antecipadas das operações rotineiras
das instituições.
No contexto das crises do capitalismo global é importante anotar que as crises profundas (bem
como guerras e revoluções) são pontos de tempo em que estas mudanças das instituições
podem se acelerar. Uma crise profunda não somente mostra as fraquezas existentes das
empresas e das instituições financeiras de um país, ou das políticas macroeconômicas de um
país, mas também mostra que elites e ideologias dominantes podem perder sua legitimação.
Por esta razão a narrativa seguinte focaliza a Grande Depressão da década de 1930 em que a
ideologia do liberalismo econômico (e -em alguns países – também o liberalismo político)
perdeu credibilidade e legitimidade e políticas mais intervencionistas de diferentes formas
tomavam seu lugar. Outro foco é a crise na década de 1970 nos países centrais que
enfraqueceu a ideologia keynesiana de uma regulação macroeconômica com apoio social num
Estado de bem-estar social e levou a ascensão da ideologia neoliberal focando na dinâmica de
mercados nacionais e internacionais livres sem intervenções do governo. O último foco nesta
narrativa é a crise financeira de 2008/2009, onde a ideologia neoliberal enfraqueceu, mas
ainda não é claro se as tendências intervencionistas e antiglobalizantes se fortalecem, seja sob
ideologias de esquerda como na Grécia sob o governo de Tsipras, seja sob ideologias mais de
direita como na eleição recente de Trump nos Estados Unidos.
Ideias políticas, econômicas e culturais em mudança são uma das fontes de legitimação para as
grandes transformações nas formas de poder e dominação no ambiente político, econômico e
cultural. O poder e a dominação política, econômica e cultural de uma classe dominante57 ou
elite baseia-se num lado na força (‘hard power’), violência, repressão e no controle social, mas
noutro lado também na liderança através da persuasão e argumentação (‘soft power’).
Dominação que se sustenta somente com o recurso à força e violência é frágil, uma dominação
sustentável necessita de uma legitimação intelectual e moral, o que Gramsci [Opratko, p. 36
pp.] chama de hegemonia ou ideologia hegemônica ou discurso hegemônico. Embora Marx e
Engels [(5) 1969, p. 46] advirtam que “As ideias da classe dominante são, em cada época, as
ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao
mesmo tempo sua força intelectual dominante”, sempre houve divisões e frações na classe
dominante e movimentos sociais e contra elites que desafiam as elites governantes. Dentro
dos sistemas de dominação e liderança intelectual e moral desenvolvem se ideias e
movimentos que desafiam a ideologia e o sistema de dominação prevalecente. Obviamente as
ideias e interesses da classe dominante, bem como as ideias das classes, camadas, intelectuais
182
Para as lutas políticos pelo poder e pelo reconhecimento e para as lutas econômicas por
recursos econômicos as ideologias e as ideias são as armas intelectuais para legitimar a
distribuição de poder, riqueza, renda e status. A importância das ideias e ideologias na
transformação social não pode ser subestimada como mostram as ideias das iluministas e de
Rosseau antes da Revolução Francesa, as ideias marxistas, socialistas e anarquistas antes de
Revolução Russa, mas também de forma inversa, algumas vezes vista como contraofensiva do
capital ao intervencionismo keynesiano e ao Estado de bem-estar social, a ascensão da
ideologia do neoliberalismo nas décadas de 1970 e 1980. Em sociedades democráticas as
ideologias dominantes nunca são incontestadas, em momentos de crise econômica ou política
novas ideologias e ideias podem se tornar hegemônicas. Mas, sem dúvida, as mídias
183
O foco deste capítulo está numa visão curta e geral destas ideologias sobre o funcionamento
de uma economia capitalista e sobre o papel do Estado na economia, na discussão sobre as
crises do capitalismo global encontra-se uma discussão mais profunda dos modelos
macroeconômicos usados pelas diferentes ideologias. Focando o objetivo de analisar as crises
profundas do capitalismo global nos séculos XX e XXI e seus impactos sobre transformações
nas relações políticas, econômicas e sociais e nas ideologias econômicas dominantes é feita
uma descrição curta das ideologias do liberalismo econômico das últimas décadas de século
XIX até a Grande Depressão da década de 1930, da ideologia keynesiana intervencionista que
cresceu como impacto da Grande Depressão até a crise do capitalismo global na década de
1970 e sua volta temporária depois da Grande Recessão de 2008/2009 e da ideologia
neoliberal em ascensão desde os últimos anos da década de 1970.
Parece que na história do capitalismo global há um movimento histórico pendular entre ideias
do individualismo (mão invisível dos mercados apontando para a mão visível e incompetente
da intervenção do Estado) e ideias do coletivismo (a mão visível do Estado defendendo
intervenções do Estado na economia e apontando para a anarquia dos mercados e suas crises).
Desde as últimas décadas do século XIX até a Grande Depressão dos anos 1930, o liberalismo
econômico foi a ideologia hegemônica nos países industrializados (embora desafiada pelas
ideologias conservadoras e pela ideologia socialista, com exceção na União Soviética58 depois
da revolução russa de 1917). Na Grande Depressão dos anos 1930 o pêndulo mudou para
ideias mais intervencionistas do Estado na economia e para o protecionismo (e infelizmente na
Europa continental, como no Brasil, para regimes mais autoritários ou plenamente totalitários
em muitos países). No período pós-guerra até a primeira crise de preços de petróleo em
1973/1974, as ideias keynesianas tornavam-se a ideologia hegemônica nas economias centrais
(embora em formas diferentes nos países anglofones, na Europa ocidental continental e no
Japão), e ideias desenvolvimentistas tornavam se hegemônicas no terceiro mundo, que
enfatizavam a importância das intervenções do Estado na economia através de políticas
públicas para o desenvolvimento econômico e a estabilidade social e política, ou as ideias
socialistas no segundo mundo enfatizavam a nacionalização dos meios de produção
(empresas) e o planejamento central da econômica. Com a crise do capitalismo global na
metade da década de 1970, enfrentando estagnação econômica e inflação crescente ao
184
mesmo tempo, os pensamentos neoliberais estavam começando sua ascensão, pelo menos
nas economias centrais.
iii) Liberalismo econômico nos anos antes e depois da Primeira Guerra Mundial
É importante reconhecer que num ambiente de uma sociedade liberal (enquanto ainda não
totalmente democrática) como no Reino Unido e em outros países centrais antes da Primeira
Guerra Mundial, existiam também ideologias que desafiavam a ideologia hegemônica do
liberalismo. No século XIX as outras correntes ideológicas importantes foram de um lado o
conservadorismo e o nacionalismo político e noutro lado o socialismo e o internacionalismo
político. As posições do catolicismo (e parcialmente também do protestantismo) combatiam
estas dois correntes ideológicas de liberalismo e socialismo no século XIX, apoiando se nas
ideias conservadoras da tradição de trono, igreja e família (apoiando se fortemente nas ideias
reacionárias e decretos vaticanos (especialmente no dogma da infalibilidade do papa) do papa
Pius IX). No século XX o liberalismo econômico enfraqueceu na primeira Guerra Mundial por
causa da intervenção maciça dos países beligerantes na economia e do abandono do padrão
ouro (com exceção dos Estados Unidos, que somente em 1917 proibiam a exportação de ouro)
e especialmente na década de 1930 por causa do fracasso da ideologia liberal de explicar a
Grande Depressão da década de 1930 e mostrar saídas da crise através políticas ativas e
programas econômicos.
Por que Keynes estava muito enfatizando o problema do desemprego? Enquanto isso não foi o
único problema económico, foi certamente no sentido de que ele estava na raiz da maioria dos
principaís males sociais que assolaram o mundo no período entre guerras. (...). Do ponto de
vista de Keynes o sistema econômico, tal como existia antes da guerra, resolvesse
adequadamente o problema de alocação de recursos; ele falhou apenas na solução do
problema do desemprego. (...). Assim, a abordagem keynesiana é claramente para modificar
capitalismo de modo que o pleno emprego pode ser mantido. (...). A abordagem keynesiana
visualiza o Estado como uma força de equilíbrio que serve apenas para complementar o
comportamento dos capitalistas individuais, enquanto a abordagem socialista visualiza o Estado
como o único empreendedor que substitui, inteiramente, os capitalistas individuais. A política
keynesiana é, de fato, conservador, pois visa conservar o capitalismo de livre iniciativa. O
socialismo não é conservador; é radical e pretende mudar o sistema capitalista para uma forma
completamente diferente. Lawrence R Klein, The Keynesian revolution, p. 166 p.
Uma maioria sólida na economia é agora [1943] da opinião de que, mesmo em um sistema
capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos do governo (...).
Se o governo faz gastos em investimentos públicos (por exemplo, construindo escolas, hospitais
e estradas) ou subsidia o consumo de massa (por benefícios às famílias, redução dos impostos
indiretos, ou de subsídios para diminuir os preços das necessidades básicas), se, o governo,
além disso, financia estes gastos por endividamento e não pela tributação (que poderia afetar
negativamente o investimento privado e o consumo), a demanda efetiva de bens e serviços
pode ser aumentada até um ponto em que o pleno emprego é alcançado. M. Kalecki,
Political aspects of full employment, p. 420 [No mesmo artigo Kalecki mostra também a aversão
política das elites empresariais om a intervenção do Estado para segurar o pleno emprego]
187
A Grande Depressão da década de 1930 foi um choque profundo não somente para as pessoas
jogadas no desemprego e no desespero, mas também para os economistas e políticos
acreditando que nos moldes de pensamento liberal a economia vai voltar por si mesmo ao
pleno emprego – sem intervenções. Em vez disto, políticos como Brüning na Alemanha ainda
pioravam a crise com medidas deflacionistas de cortar salários e pensões sob a crença da
necessidade de equilibrar o orçamento e melhorar a competitividade de Alemanha numa crise
profunda. Esta mentalidade mostrou se economicamente e politicamente desastrosa em
muitos países da Europa. Ainda pior também existia a crença de que a crise era necessária para
limpar o sistema econômico de seus excessos na expansão anterior.
Os Keynesianos argumentavam que mercados livres somente podem desenvolver suas forças
dinâmicas e inovadoras usando as informações dissipadas entre muitos agentes na economia,
quando existem regras fixas para o funcionamento dos mercados e instituições firmes que
garantem o desenvolvimento sustentável da economia. Eles apontam também para os
exemplos históricos da instabilidade do capitalismo global, crises, pobreza, desigualdade,
desemprego e, como consequência, especialmente na Grande Depressão da década de 1930, o
nascimento de regimes políticos totalitários. Neste contexto a intervenção do Estado é um
elemento importante para a estabilidade econômica, política e social, porque somente o
Estado tem o poder de reverter o cenário depressivo. O tempo pós-guerra sob o paradigma
keynesiano nos países industrializados – a era do ouro de capitalismo – foi um tempo de
sucesso econômico e social: crescimento rápido com emprego elevado e salários reais
crescentes, inflação controlada e estabilidade política e social nestes países.
crescimento de um setor salários muito baixas e condições de trabalho precárias, seja para
regulamentar o setor financeiro – para evitar os problemas da especulação, da informação
imperfeita e assimétrica neste setor –, seja para criar uma rede de segurança social para os
perdedores, para os desfavorecidos do desenvolvimento capitalista, o Estado de bem-estar
social. Com isto os defensores da intervenção do Estado na economia querem controlar e
diminuir as forças destrutivas do capitalismo global, do desemprego elevado e persistente, das
desigualdades e dos conflitos sociais crescentes, das ameaças para o equilíbrio ambiental, para
criar alternativas para um desenvolvimento econômico e social sustentável.
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe
que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades
empreendedoras individuais caracterizada por sólidos direitos da propriedade privada, livres
mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional
apropriada a essas práticas: o Estado tem que garantir, por exemplo, a qualidade e integridade
do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e
legais para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela
força, o funcionamento apropriado dos mercados. (...). Mas o Estado não deve aventurar-se
para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criadas) devem ser
mantidas num nível mínimo, (...). Houve em toda parte uma empática acolhida ao
neoliberalismo nas práticas e no pensamento político-econômico desde os anos 1970. A
desregulação, a privatização e a retirada do Estado de muitas áreas do bem-estar social têm
sido muito comuns.
A compreensão dos sistemas econômicos e políticos não pode somente focar a distribuição do
poder numa sociedade e suas alternativas econômicas e políticas, mas precisa também
compreender a superestrutura ideológica60 que apoia ou critica o poder hegemônico. Política e
economia são relacionadas de forma tão estreita que uma análise do capitalismo
contemporâneo (aqui denominado como capitalismo global e neoliberal) e de suas crises
necessariamente precisa analisar de forma compreensiva o lado econômico, político e social.
Muitas crises do capitalismo contemporâneo somente podem ser compreendidas se os
acontecimentos econômicos são relacionados com a luta das nações e das elites dentro das
nações pelo poder hegemônico político, cultural e militar, bem como pelos eventos mais
contingentes como catástrofes naturais, revoluções, guerras e guerras civis.
mercados livres para criar crescimento econômico, riquezas e inovações através da mão
invisível dos mercados. O liberalismo econômico se fragilizou já antes da Grande Depressão da
década de 1930 com a ascensão de grandes corporações nos Estados Unidos e na Alemanha,
mas a Grande Depressão foi o golpe decisivo para a crença que mercados livres sem
intervenções do Estado podem garantir melhor a prosperidade econômica. Depois da Segunda
Guerra Mundial em 1947 a ‘Mont Pèlerin Society’ foi fundada num pequeno vilarejo suíço por
intelectuais de vários países que queriam fortalecer novamente as ideias liberais (em novas
condições históricas por esta razão com o nome neoliberal) em um ambiente político e social
desfavorável para as ideias liberais. A ‘Mont Pèlerin Society’ e ‘think tanks’ relacionados de
redes de intelectuais, políticos e empresários com convicções neoliberais foram os
instrumentos para divulgar a mensagem neoliberal no ambiente acadêmico, político e
empresarial e tornar esta mensagem hegemônica com a ascensão de Thatcher e Reagan no
Reino Unido e nos Estados Unidos ao poder. O livro ‘The road from Mont Pélerin’ [2015]
mostra esta ascensão das ideias neoliberais, que teve seus primeiros e maiores sucessos nos
países anglófonos, mas na década de 1990 se tornou também o discurso hegemônico em
muitos outros países, obviamente juntando se a pensamentos nacionais específicas de cada
país, por exemplo, do ordo liberalismo na Alemanha (von Eucken, Rüstow, Röpcke etc.).
O paradigma político até a década de 1970 baseiava-se nos objetivos da revolução francesa de
1789: liberdade, igualdade e fraternidade. A esquerda política tem seu foco na igualdade e
fraternidade (justiça social e solidariedade) enquanto o centro e a direita política têm seu foco
na liberdade individual, as duas correntes podem se apoiar no nacionalismo ou no
internacionalismo. Obviamente na história das sociedades modernas as duas correntes foram
instrumentos importantes contra as forças do absolutismo monárquico no século XVIII até o
século XX, embora no século XX tendências extremas do nacionalismo (fascismo) e tendências
do socialismo revolucionário (o comunismo burocrático) instalaram sistemas autoritários e
totalitários.
As ideias neoliberais são realizadas pela primeira vez no âmbito político da ditadura de
Pinochet no Chile e ampliando sua força no âmbito global com o início nos governos de
Thatcher (1979), no Reino Unido, e Reagan (1981), nos Estados Unidos. As políticas neoliberais
enfatizavam a privatização das empresas estatais e cortes na máquina da burocrática estatal,
desregulamentação (especialmente dos mercados de trabalho e dos mercados financeiros),
abertura das economias para o comércio livre internacional e o livre movimento internacional
das capitais, reforçando a tendência para a globalização econômica e o aumento das
desigualdades sociais.
192
Chamayo (2019, p. 269 pp.) descreve a realização das receitas econômicas neoliberais na
ditadura de Chile, que mostram a preferência dos neoliberais para estruturas autoritárias, que
impedem a interferência da população nestas medidas:
Em 2 de novembro de 1973, apenas dois meses após o golpe de Estado de Pinochet, um editor
editorial bem informado do Wall Street Journal descobriu [Review and Outlook, The Wall Street
Journal, 2 de novembro de 1973]. já em êxtase: »Vários economistas chilenos que estudaram
em Chicago e são conhecidos em Santiago como a 'Escola de Chicago' estão prontos para
começar. Será uma experiência que estamos a acompanhar com grande interesse do ponto de
vista académico. «(...).
Quando Friedman conheceu Pinochet em março de 1975, ele falou com ele, o assunto é bem
conhecido, sobre política econômica e "terapia de choque". Quando Hayek, por sua vez, foi
recebido em novembro de 1977, ele conversou com o ditador sobre um assunto diferente, a
delicada questão do "governo representativo e democracia limitada".
[Friedrich Hayek, "Freedom of Choice", Times, 3 de Agosto de 1978, p. 15.] "Não conheci
ninguém no Chile tão vilipendiado que não pensasse que a liberdade pessoal era muito maior
sob Pinochet do que era sob Allende.” Ninguém, na verdade: para quem ousasse afirmar
publicamente o contrário, tinha desaparecido apropriadamente. [Desde 11 de setembro de
1973, cerca de 100.000 pessoas foram detidas e encarceradas, mais de 5.000 executadas e
dezenas de milhares tiveram que ir para o exílio por motivos políticos. «] (...).
“Quando a Sra. Thatcher diz que a liberdade de escolha deve entrar em jogo no mercado e não
nas urnas, ela está simplesmente lembrando", concorda Hayek, "que o primeiro tipo de escolha
é indispensável para a liberdade individual, mas o a última não é: A liberdade de escolha
também pode existir em uma ditadura capaz de autocontenção, mas não sob o regime de uma
democracia irrestrita. "[Friedrich Hayek," The Dangers to Personal Liberty ", Times, 11 de Julio
de 1978, p. 15]. Não há maneira mais clara de expressá-lo: a liberdade econômica, a do
individualismo de propriedade, não é negociável, enquanto a liberdade política é meramente
opcional. (...).
“Em última análise,” diz Hayek, “algumas democracias só foram possíveis devido ao poderio
militar de certos generais.” [Friedrich Hayek, “Freedom of Choice”, op. uma. Cit., P. 15.]. O
certo é que acabaram com muitos. (...).
E Hayek, que também tinha que estar certo porque colocou os óculos de Schmitt [Jurista
alemão relacionado com o nacional-socialismo alemão] para estudar a questão da democracia,
onde ele foi parar? Salazar toma o poder em Portugal. Hayek gentilmente enviou-lhe seu
projeto de constituição. Os generais subjugam a Argentina, ele viaja ao país para entrar em
contato com eles. Pinochet está aterrorizando o Chile - a mesma coisa em verde. Um boicote é
iniciado contra a África do Sul, Hayek pega sua caneta para defender o regime e assim por
diante. [Ver. Andrew Farrant, Edward McPhail, Sebastian Berger, "Preventing the› Abuses ‹of
Democracy", op. Cit., P. 518 e 521] (...).
A democracia não é possível em todos os lugares, advertiu Hayek, mas o inverso também era
verdadeiro: Pinochet não podia ser exportado para todos os lugares. Para o estabelecimento da
ordem neoliberal, a ditadura militar é o último recurso, não um modelo universalmente
aplicável. Como Milton Friedman apontou, o Chile era "a exceção, não a regra". [Milton
Friedman, "Free Markets and the Generals", Newsweek, 25 de Janeiro de 1982, p. 59.] (...).
Para "abordar as deficiências características dos regimes políticos em que as maiorias
legislativas têm capacidade legislativa quase ilimitada", [James D. Gwartney, Richard E. Wagner,
"Public Choice and the Conduct of Representative Government", op. uma. Cit., P. 4], deve-se
restringir o escopo do poder governamental desde o início e proibi-lo de uma vez por todas de
interferir na "economia" por meio das proibições gravadas em pedra na constituição. A
excessiva liberdade de tomada de decisão democrática foi contrastada com o modelo de um
"governo constitucionalmente restrito" em questões econômicas. (...). “Uma constituição como
193
No entanto, se o neoliberalismo tivesse algum efeito no mundo real, ele precisava do poder
político, e os negócios americanos - grandes e pequenos - eram fundamentais para sua
crescente influência. Através das crises econômicas do final da década de 1960 e início da
década de 1970, ressentidas com os impostos e regulamentos do governo, e com medo dos
ativistas de consumo [apontando para críticos de consumo como Nader nos Estados Unidos], os
empresários estavam determinados a se organizar para conter o poder do trabalhador e do
sábio.
Mas os resultados das políticas neoliberais nos países centrais são pouco conclusivos, o
crescimento nunca voltou aos níveis da era de ouro, o desemprego aumentou
expressivamente, a desigualdade de renda e de riqueza e a insegurança do emprego
aumentavam significativamente, embora houvesse avanços na inovação e a inflação parce
controlada.
1. Déficits orçamentários (...) pequenos o bastante para serem financiados sem recurso
ao imposto inflacionário;
2. Gastos públicos redirecionados de áreas politicamente sensíveis que recebem mais
recursos do que seu retorno econômico é capaz de justificar (...) para campos
negligenciados com altos retornos econômicos e o potencial para melhorar a
distribuição de renda, tais como educação primária e saúde, e infraestrutura;
3. Reforma tributária (...) de forma que alargue a base tributária e reduza alíquotas
marginais;
4. Liberalização financeira, envolvendo um objetivo final de taxas de juros determinadas
pelo mercado;
5. Uma taxa de câmbio unificada a um nível suficientemente competitivo para induzir um
crescimento rápido nas exportações não tradicionais;
6. Restrições comerciais quantitativas a serem rapidamente substituídas por tarifas que
serem progressivamente até fosse alcançada uma taxa baixa uniforme de ordem de
10% a 20%;
7. Abolição de barreiras que impedem a entrada de investimento estrangeiro direto;
8. Privatização de empresas de propriedade do Estado;
9. Abolição de regulamentações que impedem a entrada de novas empresas ou
restringem a competição;
10. A provisão de direitos garantidos de propriedade, especialmente para o setor informal.
No final da década de 1980 e depois muitos países na América Latina estavam buscando a
estabilidade macroeconômica e uma integração maior na economia global, substituindo a
política de substituição das importações por uma política mais orientada nas exportações para
a economia global. O Consenso de Washington focalizava alguns pontos muito controversos,
baseadas nas ideias neoliberais, como a privatização de estatais, a abertura comercial e
financeira e a desregulamentação dos mercados, com foco no mercado de trabalho. Em geral,
196
Os Skildelsky’s refletem em seu livro ‘How much is enough’ [2012] sobre o imperialismo
econômico do homem incentivado pelo dinheiro:
Proponhamos-nos [neste livro] uma série de políticas para trazer o desejo ilimitado de riqueza sob o
controle de um conceito objetivo do bem. A menos que esse controle seja alcançado nós somos
uma civilização condenada (..). As três objeções seguintes são mais profundas. "Suas propostas", diz
o primeiro, "terá o efeito de minar toda iniciativa, criatividade, visão. É um modelo para a
ociosidade universal. Às vezes é acrescentado que nossas ideias refletem uma mentalidade
decadente, "velho-europeia". (...). O que desejamos ver mais é o lazer (...), uma categoria que,
devidamente compreendida, está tão longe de coincidir com a ociosidade que é quase o seu oposto
polar. (...). É apenas a pobreza de imaginação de nossa cultura que leva a crer que toda criatividade
e inovação - ao contrário daquela espécie específica dirigida à melhoria dos processos econômicos -
precisam ser estimuladas pelo dinheiro. [2012, p. 8 p.] A imagem do homem como um ocioso
congênito, movido à ação apenas pelas perspectivas de ganho, é exclusiva da era moderna. Os
economistas, em particular, veem os seres humanos como bestas de carga que precisam de um
estímulo de uma cenoura ou de um pau para fazer qualquer coisa. (...). Essa não era a visão antiga
das coisas. Atenas e Roma tinham cidadãos que, embora economicamente improdutivos, eram
ativos ao mais alto grau - na política, na guerra, na filosofia e na literatura. Por que não levar os, não
o burro, como nosso guia? [2012, p. 10] Fazer dinheiro: é verdade, dizem os nossos críticos, não é a
mais nobre das atividades humanas, mas dos principaís objetivos do esforço humano é o menos
nocivo. Keynes afirmou bem: "as perigosas inclinações humanas podem ser canalizadas em canais
relativamente inofensivas pela existência de oportunidades de ganhar dinheiro e riqueza privada
que, se não puderem ser satisfeitas dessa maneira, podem encontrar sua saída na crueldade, a
perseguição imprudente do poder pessoal e da autoridade, e outras formas de auto
engrandecimento”. Não estamos propondo que a produção para ganhar dinheiro seja proibida,
como foi na União Soviética, mas que "o jogo" deve estar sujeito a regras e limitações que não
afastem a sociedade da boa vida. [2012, p. 11]. Um Estado liberal, John Rawls e outros nos
ensinaram a crer, não encarna nenhuma visão positiva, mas apenas os princípios necessários para
que pessoas de diferentes gostos e ideais vivam em harmonia. Promover, por uma questão de
ordem pública, uma ideia positiva da boa vida é, por definição, iliberal, talvez até mesmo totalitário.
Retornamos a essa objeção no devido tempo; digamos aqui apenas que ela repousa sobre um
completo equívoco do liberalismo. (...). Um Estado "neutro" simplesmente entrega o poder aos
guardiões do capital para manipular o gosto do público em seus próprios interesses. [2012, p. 11 p.]
Economia, diz um texto recente, estuda "como as pessoas escolhem usar recursos limitados ou
escassos na tentativa de satisfazer suas necessidades ilimitadas". Os adjetivos em itálico são
estritamente redundantes: se os desejos são ilimitados, então os recursos são, por definição,
limitados relativamente a eles, independentemente quão ricos podemos estar no sentido absoluto.
Estamos condenados à carência, não por falta de recursos, mas pela extravagância dos nossos
apetites. (...) A perspectiva da pobreza, e com ela a ênfase na eficiência a todo custo, é incorporada
à economia moderna. Nunca foi assim. Adam Smith, fundador da economia moderna, supôs que
nosso desejo inato de se aperfeiçoar acabaria por enfrentar limites naturais e institucionais,
resultando na realização de um "estado estacionário." [2012, p. 12]
Resumo da agenda neoliberal
• Abertura dos mercados produtivos e financeiros nacionais para o mercado global, mas
controlando os fluxos internacionais de trabalho e imigração (globalização).
dos mercados (por exemplo, através de profit centers e flexibilização das relações de
trabalho). O conceito do shareholder value, as tentativas de interessar mais pessoas
para o mercado de ações, para a procura do lucro nos mercados financeiros e na
especulação pode ser visto também como impacto indireto da ideologia neoliberal.
Não somente transformações institucionais e tecnológicas fornecem o solo para a
financeirização da economia, mas também a crença na sabedoria superior dos
mercados.
Com a crise financeira global dos anos 2008/2009 e a Grande Recessão a posição do
Keynesianismo do intervencionismo do Estado ganhou novamente amplo apoio para evitar
uma nova Grande Depressão. Na crise financeira global de 2008/2009, o Estado (governos
centrais e bancos centrais) faziam intervenções maciças para salvar o sistema financeiro e para
retornar ao crescimento para evitar os problemas de desemprego, desespero e instabilidade
econômica e social da década de 1930. A crise também levou muitos economistas e políticos a
focar novamente a crescente desigualdade social e exclusão nos países centrais. As receitas de
Keynes voltavam ao palco da discussão econômica e política, os argumentos neoliberais foram
enfraquecidos por um tempo, mas orientam ainda governos e a academia. Na academia a
teoria de mercados eficientes, a teoria de expectativas racionais e a teoria dos ciclos reais de
negócios, em que se baseia a crença neoliberal na dinâmica de mercados livres e da
desregulamentação da economia, ficam ainda de pé, embora a crise de 2008/2009 mostrou os
perigos de mercados descontrolados. A crise revitalizou também os pensamentos marxistas
sobre as forças destrutivas de um capitalismo selvagem, criando desemprego, insegurança,
desespero, mas, também criando movimentos sociais no lado esquerdo do espectro político.
Mas levou também ao fortalecimento da extrema direita em muitos países. Mas este é tema
do último capítulo do trabalho.
Os custos destas intervenções dos Estados, muitas vezes, oneram o contribuinte de impostos.
Os contribuintes de impostos, os pensionistas, os funcionários públicos e os que dependem
dos benefícios do Estado de bem-estar social pagam a conta para os excessos do sistema
financeiro global, como mostram os programas da austeridade fiscal em muitos países de
Europa. Parece que a discussão na economia e na política volta depois da crise global mais
para uma posição intervencionista e reconhece que as políticas públicas do Estado podem ser
um instrumento para amenizar os problemas econômicos e sociais que o capitalismo global
criou. Mas com a posição crítica que também as políticas públicas focadas em setores como a
200
Parece também que as crises fiscais e da dívida em muitos países da OCDE – começando com a
crise financeira e econômica global de 2008/2009 que se tornaram mais visíveis na primavera
de 2010, a mais séria na Grécia, mas também em Irlanda e Portugal, e chegando a países
maiores como Espanha e Itália – mostram que a intervenção do governo na economia e o
salvamento dos bancos têm um preço: uma dívida pública elevada que pode tornar-se
insustentável.
Parece que as posições econômicas extremas, como o liberalismo da escola austríaca, num
lado, e o marxismo, noutro lado, têm alguma razão com seus argumentos sobre as crises
econômicas. Eles apontam que as crises no capitalismo são consequência de uma expansão
econômica insustentável no boom e elas funcionam como um mecanismo de limpeza para o
sistema econômico, limpando os excessos de investimentos insustentáveis no boom (criados
por uma bolha de crédito e taxas de juros extremamente baixos) e abrindo a economia para a
possibilidade de uma nova expansão e da recuperação da taxa de lucros.
Mas com a crise da dívida soberana – consequência da crise bancária anterior nos países
centrais - países como Espanha, Irlanda, Grécia, Itália, e Portugal na primavera de 2010 tentam
combater as dívidas públicas crescentes com políticas de austeridade, enquanto as economias
estão ainda em crise e necessitam de políticas keynesianas expansionistas.
Alguma coisa é profundamente errada com a maneira de vida que vivemos hoje. Nos trinta
anos passados nos tornamos uma virtude perseguir o interesse pessoal material: de fato a
busca de interesse pessoal material constitui agora a única coisa que permanece do nosso
sentido do objetivo coletivo (...). A quebra de 2008 nos lembra de que o capitalismo não
regulado é o inimigo pior de si mesmo: mais cedo ou mais tarde ele vai tornar se vítima de seus
excessos e vai voltar para o Estado para seu salvamento. (...) E, contudo, parecemos incapazes
de conceber alternativas. (...) Como o colapso econômico de 2008 deixou claro, o contrato
social que definiu a vida pós-guerra na Europa e América - a garantia de segurança, estabilidade
e justiça - não é mais garantido; na verdade ele não faz mais parte do discurso comum.
Tony Judt Ill fares the land
Tabela 32 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão
Crescimento
Crescimento PIB Crescimento PIBpc
Produtividade/hora
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-
3,3% 3,1% 4,7% 2,7% 1,9% 4,0% 3,2% 1,9% 4,2%
2012
1951-
6,0% 3,9% 9,3% 5,0% 2,5% 8,1% 5,8% 2,6% 7,3%
1973
1960-
4,6% 4,2% 9,9% 3,7% 2,9% 8,7% 5,4% 2,5% 8,5%
1973
1974-
1,9% 2,6% 3,4% 2,0% 1,5% 2,3% 3,0% 1,1% 3,0%
1981
1982-
1,7% 2,7% 1,8% 1,2% 1,6% 1,5% 1,4% 1,6% 2,3%
2012
Crescimento salário real por
Taxa Desemprego % Taxa Inflação IPC %
hora (manufatura) %
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-
5,4 5,8 3,2 2,6% 3,6% 3,0% 6,7% 5,2% 7,1%
2012
202
1951-
3,0 4,7 3,3 2,7% 2,7% 4,7% 9,8% 5,3% 12,5%
1973
1960-
0,9 4,9 1,3 3,2% 3,0% 5,7% 10,5% 5,0% 14,7%
1973
1974-
3,1 6,9 2,0 4,8% 9,0% 8,6% 8,8% 10,0% 11,2%
1981
1982-
7,7 6,4 3,3 2,0% 3,0% 0,7% 3,8% 3,9% 2,0%
2012
Fonte: BLS
O crescimento econômico (do PIB ou do PIBpc) bem como o crescimento da produtividade
mostra queda expressiva depois de 1974, enquanto a taxa de desemprego subiu
expressivamente desde a década de 1980, quando também – um sucesso - a taxa de inflação
foi controlada. O crescimento dos salários reais parece ainda expressivo, embora muito menor
do que antes da crise de 1974/1976, mas é necessário fazer duas advertências: primeiro
reporta se o salário por hora, com as horas trabalhadas em queda o crescimento do salário
mensal pode ser menor, segundo reporta-se o salário na manufatura, embora em todos os
países reportados o setor da indústria teve um recuo expressivo em favor do setor de serviços
de 1970 até 2011 [World Bank Data], onde os salários são em média menores (Indústria
Alemanha de 48% para 31%, Japão de 44% para 26%, Estados Unidos de 35% para 20%,
Serviços Alemanha de 48% para 69%, Japão de 51% para 73% e Estados Unidos de 61% para
79%).
Em um artigo recente Piketty [2018, p.2 pp.] tenta avaliar as consequências politicas dos
aumentos da desigualdade:
Piketty [2018, p. 7} interpreta a abstenção crescente eleitoral dos grupos com menor nível de
educação e menor renda em França, Estados Unidos e no Reino Unido [o trabalho pesquisa
somente estes países, esta tendência pode ser generalizada para outros países centrais] que
estes eleitores não se sentem mais representados pelos partidos das múltiplas elites. A
extrema direita xenófoba e nacionalista ganha espaço politico nestes grupos de perdedores da
globalização e do progresso tecnológico, entrando também em camadas que sentem se
ameaçadas pela globalização, imigração, e pelo prgresso tecnológico.
O conceito da especulação pode ser visto como a atividade de prever a psicologia do mercado, e o
conceito de empreendimento como atividade de prever o rendimento potencial dos ativos ao longo
de toda a sua vida, não é sempre o caso que a especulação predomina sobre o empreendimento.
Quando a organização dos mercados de investimento melhora, o risco da predominância de
especulação, no entanto, aumenta. (...). Os especuladores não podem causar danos como bolhas
em um fluxo constante de empreendimento. Mas a situação é séria quando o empreendimento se
torna a bolha num turbilhão de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país
torna-se um subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será malfeito.
John Maynard Keynes61
"Capital (...) foge turbulências e conflitos e é da natureza ansiosa. Parece muito verdadeiro, mas não
é toda a verdade. Capital tem horror diante da ausência de lucro ou de lucro muito pequeno, como
a natureza diante do vazio. Com lucro adequado o capital torna se corajoso. Dez por cento com
certeza e você pode aplicar o capital em todos os lugares; 20 por cento, e o capital torna se
animado, 50 por cento, positivamente audacioso; com 100 por cento pisa em todas as leis
humanas; 300 por cento, e existe nenhum crime o que o capital não arrisca, mesmo com o perigo
de ser enforcado. Se turbulência e conflitos trazem lucro, o capital vai estimular ambos.
Contrabando e tráfico de escravos são provas para isto" DUNNING P.J., em MARX, Karl, Das
Kapital, Bd. 1, Berlin: Dietz-Verlag, 1961, p. 801.
a. Introdução
Neste trabalho três crises do desenvolvimento capitalista global são vistas como profundas no
século XX e XXI:
culturais. Sem dúvida a Grande Depressão da década de 1930 foi a crise que mais
profundamente desafiou o capitalismo global e suas consequências sociais tinham impactos
políticos desastrosos em Alemanha. Com isto a Grande Depressão da década de 1930 tornou-
se um espelho para avaliar as crises seguintes, para usar o título de um livro recente de
Eichengreen [2015, ‘Hall of Mirrors’ refere se também na sala no palácio de Versalhes onde o
acordo de paz foi assinado pelos alemães como um evento que pode explicar uma parte da
Grande Depressão como consequência da Primeira Guerra Mundial e suas consequências
políticos desastrosos na Alemanha], e ela mostrou de certa forma também que políticos,
economistas e a sociedade podem aprender parcialmente os ensinamentos da história.
Uma análise quantitativa das crises na perspectiva global, com foco nas crises financeiras,
encontra-se em Reinhart e Rogoff [2009, com fornecimento amplo dos dados no site Carmen
Reinhart] com oito séculos de crises, em Jordà, Schularick e Taylor [2010] com 140 anos de
crises [1870 – 2008] em 14 países avançados e em Laeven e Valenca [2008 e 2012] com crises
bancárias depois da Segunda Guerra Mundial em nível global. Em um artigo mais recente
Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e Trebesch [2016] analisam a relação entre ciclos de preços
de commodities, ciclos de fluxos internacionais de capital e defaults sobre a dívida soberana
entre 1815 e 2014 [com fornecimento amplo dos dados no site de Carmen Reinhart]. Em Barro
e Ursúa [2008] encontra-se uma análise das crises macroeconômicas reais desde 1870 para 35
países usando dados (aperfeiçoados) do Projeto Maddison, definindo uma crise real por uma
queda acumulada de 15% no PIB per capita (denominado desastre econômico). Em Schularick
e Taylor [2009] encontra-se uma análise de crises financeiras para 14 países de 1870 até 2008,
focada no comportamento de moeda, crédito e variáveis macroeconômicas. Funke, Schularick
e Trebesch [2015] mostram uma análise empírica dos impactos políticos das crises financeiras
de 1870 até 2014 para 20 economias avançadas, também uma perspectiva importante para
este trabalho para avaliar as tendências para a polarização política e o extremismo político em
consequência das crises profundas do capitalismo global. Em Kindleberger e Aliber [2011]
encontra-se uma lista das crises financeiras, mas sem quantificação. Um resumo bibliográfico
mostra os seguintes resultados. Reinhart e Rogoff [2009] incluem em sua pesquisa no nível
global também surtos inflacionários altos, crises cambiais (‘currency crises’) e o estouro de
bolhas especulativas no mercado acionário e imobiliário (embora o último seja somente
representativo por casos específicos), bem como crises bancárias e defaults sobre a dívida
soberana externa e interna. Em um artigo mais recente Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e
Trebesch [2016, com dados no site de Carmen Reinhart] mostram os ciclos de preços de
207
commodities e os ciclos de globais de capital e analisam sua relação com os defaults sobre a
dívida soberana, supondo que rupturas súbitas (‘sudden stops’) nos fluxos internacionais de
capital podem ser gatilhos para crises financeiras, bem como quedas expressivas de preços de
commodities podem iniciar crises financeiras para países exportadores de commodities. Em
artigos de Das, Papaioannou e Trebesch [2012] e de Cruces e Trebesch [2011] encontram se
analises e dados sobre as perdas de investidores em dívida soberana (‘haircuts’) pelo default
(‘debt restructuring’) dos devedores soberanos entre 1950 e 2010 (no segundo artigo de 1970
até 2010).
Análises empíricas necessitam de uma definição quantitativa, por exemplo, para crises
cambiais ou crises inflacionárias, ou da determinação de datas de eventos que caracterizam,
por exemplo, o início e o fim de crises bancárias e crises da dívida soberana (externa e interna),
o quadro a seguir mostra as definições quantitativas de Reinhart e Rogoff [2009], explicando
assim quantitativamente as crises financeiras ampliando com isto a descrição verbal num
capítulo anterior deste trabalho sobre crises. Como o livro de Reinhart e Rogoff [2009] tem o
escopo mais amplo (oitocentos anos de crises e no nível global), é importante mostrar no
quadro seguinte as definições das crises usadas por Reinhart e Rogoff.
Gráfico 15 Índice composto de crises financeiras (Reinhart e Rogoff (2009)) e Índice de crises
reais, 1900 – 2014
Reinhart e Rogoff [2009, p. 15 pp.] levantam a ideia de uma síndrome de “Esta vez é diferente”
para a explicação de muitas crises financeiras, especialmente as crises com um estouro de
bolhas especulativas [ou de uma ruptura rápida de fluxos internacionais de capital].
A síndrome de “Esta vez é diferente” [‘This time is diferent’, Reinhart e Rogoff (2009)] é
“raizada na crença firme de que crises financeiras são coisas que acontecem com outras
pessoas em outros países em outros tempos. Crises não acontecem aqui e agora. Fazemo-nos
210
as coisas de forma melhor, nós somos mais espertos, nós aprendemos com erros do passado.
As regras antigas da avaliação não mais podem ser usadas. A expansão [‘boom’] atual,
diferente das expansões que precediam os colapsos catastróficos no passado (também em
nosso país), é construída com fundamentos firmes, reformas estruturais, inovações
tecnológicas, e politicas eficazes. Ou assim anda a história”. A essência do livro [Reinhart e
Rogoff (2009), p.20] pode ser formulada que “períodos de prosperidade (alguns deles
prolongados) muitas vezes acabam em lacrimas”.
Na crise da dívida externa na década de 1980 a mesma síndrome pode ser vista [Reinhart e
Rogoff (2009), p.15 p.]: “Os preços das commodities são elevados, as taxas de juros baixos, o
dinheiro do petróleo está reciclado, no governo há tecnocratas hábeis, o dinheiro é usado para
investimentos em infraestrutura de rendimento alto, em vez de títulos de dívida como nos
anos de 1930 houve créditos bancários. Como os bancos fornecem grandes blocos de crédito,
vai ter uma coleta de informações e monitoramento para garantir que o dinheiro é gasto de
forma eficiente e os créditos são repagos”.
Na evolução da crise na Ásia, nas crises da década de 1990 e na crise financeira global um
otimismo semelhante estava prevalecente.
Em Jordà, Schularick e Taylor [2010] as crises globais e mais profundas foram a crise de 1907
(aqui não abordada, centrada nos Estados Unidos, a crise que levou a criação do ‘Federal
Reserve’ em 1913) a crise de 1921, a Grande Depressão e a crise financeira global de
2008/2009. Como a análise inclui somente quatorze países com somente Japão na Ásia e
nenhum país na América Latina, a crise da dívida externa da década de 1980 e as crises nos
países emergentes na década de 1990 e no início do século XXI não aparecem nesta pesquisa.
Estas crises analisadas em Jordà, Schularick e Taylor [2010] são crises globais e sistêmicas que
tinham quedas de produção e deflação mais elevada do que recessões normais. Também os
autores apontam que desequilíbrios globais (países [poupadores] com expressivos superávits
na conta corrente para um período prolongado e países [gastadores] com expressivos déficits
211
na conta corrente) podem parcialmente explicar a eclosão das crises. Na análise de Schularick
e Taylor [2009] com a mesma amostra os autores enfatizam que uma expansão de crédito é
um fator importante para explicar a eclosão de crises financeiras e reais. Eles diferenciam em
um período das crises antes da Segunda Guerra Mundial e um período depois. Na primeira era
do capitalismo financeiro crédito e moeda foram voláteis, mas em longo prazo mantinham
uma relação estável entre si e com o PIB, com exceção da Grande Depressão, onde houve um
colapso da moeda e do crédito. Na segunda era pós Segunda Guerra Mundial [p.2] o crédito
dissociou-se do crescimento monetário com um crescimento mais rápido através da
combinação de alavancagem mais elevada e financiamento não monetário. Também na
segunda era a política econômica foi mais ativa, a supervisão dos bancos mais intensa e o
banco central assumiu o papel de emprestador de última instancia, evitando a deflação e
quedas maiores do PIB. Mas apesar das políticas ativas a queda da produção em 2009 foi
profunda, implicando que os choques no sistema financeiro podem ter impactos mais
profundos do que antes [p.13] e a questão aberta é “em que medida o seguro implícito do
governo e a perspectiva de operações de resgate por sua vez, têm contribuído para o
crescimento espetacular das finanças e a alavancagem no sistema, criando mais dos mesmos
riscos que eles queriam combater”.
Em Barro e Ursúa [2008] são identificadas mais ou menos as mesmas crises profundas e
globais como em Reinhart e Rogoff [2009] focando na queda acumulada da produção nas
crises [Barro e Ursúa [2008] p. 2], onde as crises pós-guerras lideram a classificação [aqui não
abordadas porque estas crises estavam diretamente ligadas às guerras, não diretamente
ligados ao desenvolvimento capitalista], a Grande Depressão, a crise de 1920/[1921] e as crises
pós Segunda Guerra Mundial como a crise da dívida de América Latina na década de 1980 e a
crise asiática em 1997/1998. A crise financeira global não entra nesta lista, porque o artigo foi
publicado em abril de 2008.
Gráfico 16 Fluxos internacionais de capital 1815 até 2014 do trabalho de Carmen Reinhart,
Vincent Reinhart e Trebesch [2016]
i. Introdução
“Finanças é o sistema nervoso do capitalismo”, observou Ramsey MacDonald, intermitentemente
primeiro-ministro da Grã-Bretanha entre 1924 e 1935. Se assim for, então o sistema capitalista nos
anos de MacDonald sofria de uma desordem neurológica crônica. O 1929 Wall Street ‘crash’ foi
seguido pelo colapso de instituições financeiras e uma implosão da atividade nos mercados
financeiros. As crises subsequentes tornavam-se a Grande Depressão - a grande catástrofe
econômica dos tempos modernos. Barry Eichengreen, Golden Fetters (1992) p. 3
A Grande Depressão da década de 1930 mudou o mundo e a vida, as esperanças e as ideias do
homem esquecido do povo, as ideias dos homens e mulheres da classe dominante, dos
políticos e dos acadêmicos. A Grande Depressão dos anos 1930 é visto neste trabalho como
marco de referência para as crises do capitalismo global nos anos posteriores. A Grande
Depressão – a crise mais séria do capitalismo global – mostrou as possíveis falhas do
liberalismo econômico, do ‘laissez-faire’, do padrão ouro e do comércio livre: depressão,
deflação e desemprego em níveis extremos. Neste ambiente de desespero e medo a Grande
Depressão trazia também implicações politicas importantes: as fraquezas das democracias
liberais em combater a crise criavam ilusões e esperanças que as alternativas do fascismo [na
Itália desde 1922 e na Alemanha depois 1933] ou outras formas de regimes autoritárias ou do
comunismo [na União Soviética depois de 1917 – o nome da União Soviética somente foi
assumido em 1922] mostrassem caminhos para superar a crise.
214
Nos gráficos a seguir tenta-se mostrar alguns fatos importantes da Grande Depressão em
diferentes países, com foco no Brasil, nos Estados Unidos e na Alemanha, com foco na queda
do PIB, no aumento do desemprego e na quebra do mercado acionário nos Estados Unidos.
215
Gráfico 17 PIB real 1925-1939, Estados Unidos, Alemanha e Brasil, Taxa de desemprego
Gráfico 18 Grande Depressão: Índice DOW Jones (Índice de preços de ações EUA) 1920-1941
A Grande Depressão dos anos 1930 ainda levanta muitas perguntas com respostas
controversas. Kindleberger [1973, p. 18 pp.] resume as perguntas mais importantes: A
Depressão tinha uma causa principal ou foi consequência de muitas causas e fatores
contingentes? A Grande Depressão foi um fato único, ou tinha antecessores na Longa
Depressão mundial de 1873-1896 ou na depressão antes da revolução europeia de 1848? A
Depressão foi a consequência de processos e problemas endógenos ou exógenos? Para os
216
O banho de sangue da Primeira Guerra Mundial, que destruiu uma economia globalizada
pacifica e prospera, embora pouco democrática e imperialista, e a hegemonia econômica e
politica do Reino Unido, e criou relações internacionais cheio de ódio e desejos de vingança. O
fim da guerra criou novos países na Europa central, repintou fronteiras na Europa e no Oriente
Médio, e para os países perdedores (Alemanha, o império austro-húngaro e Turquia (Império
Otomano) etc.) perdas de área nacional e população (e com isto de orguho nacional) foram a
consequência dos tratados de paz, e como Keynes mostrou para Alemanha no caso do tratado
de Versalhes (1919) ao pagamento de reparações insuportáveis. Noutro lado a guerra e a
217
Por todas estas razões a Grande Depressão dos anos 1930 é ainda hoje um evento de
referência para discussões econômicas e politicas controversas e – por esta razão – precisa ser
discutida da forma mais ampla neste trabalho.
É importante afirmar que uma crise pode ser vista não somente como um processo negativo,
mas também como um processo de transformação, de reestruturação da economia capitalista
através da transformação de instituições, da inovação, da destruição de capital e de produtos
obsoletos e do retorno da taxa de lucros a um nível aceitável para a classe dominante. Embora
a crise levasse ao desepero e desemprego elevado para grande parte da população, ela deixou
também outras partes menos lesadas e poucos tornavam se vencedores com as chances
escassas que a crise abriu. Obviamente este processo de mudança estrutural sempre cria
vencedores e perdedores, no nível dos países do capitalismo global, de regiões, empresas e
bancos e no nível dos agentes econômicos. Muitas vezes trabalhadores, beneficiários do
Estado de bem-estar social e contribuintes de impostos são entre os perdedores das politicas
deflacionistas ou de austeridade: desemprego, exclusão e emprego ou salários mais baixos,
benefícios cortados, e impostos mais elevados são os impactos das crises para eles.
recessão em 1920/1921 nos Estados Unidos, no Reino Unido e em alguns outros países. Nas
partes seguintes descreve se de forma resumida o processo do desenvolvimento da Grande
Depressão e a recuperação, começando em 1932/1933. As transformações profundas
econômicas, politicas e ideológicas do capitalismo global como impacto da crise são o foco de
um capítulo posterior. As controvérsias de diferentes correntes de pensamento econômico
sobre as causas da Grande Depressão são foco do último capítulo sobre a Grande Depressão. A
perspectiva dos desenvolvimentos políticos e econômicos está com foco nos dois países
centrais, Alemanha e Estados Unidos, e – em primeiro lugar –com foco no Brasil, um país
periférico neste período do capitalismo global.
A Primeira Guerra Mundial foi o ponto de viragem na história da sociedade, os seus resultados
determinavam de forma decisiva o século XX. (...) Tomou mais vidas humanas do que qualquer
outra [guerra antes]. (...) A civilização de múltiplos Estados da Europa, dominante no mundo
durante séculos, quase cometeu suicídio. Suas filosofias principaís da esperança, o liberalismo e
o socialismo, parecem ser extintas em uma semana enlouquecida em agosto de 1914. Suas
principaís potências iam com os olhos aparentemente abertos à extinção ou ao declínio.
Praticantes supostos da racionalidade formal, diplomatas e capitalistas, emprestaram suas
técnicas para uma guerra que destruiu as pela metade. Esses quatro anos banhados em sangue
levantam a questão, são seres humanos, é a sociedade humana, racional? Michael Mann,
The sources of social power, Volume II, The rise of classes and Nation-States 1760 – 1914, p.
740
O aspecto revolucionário da economia de guerra consistiu principalmente na rápida
transferência de recursos do consumo para a produção de armas e a reorganização atendente
de toda vida econômica das nações beligerantes. Em um período relativamente curto de
tempo, os governos parcimoniosos do século XIX, se transformaram em grandes gastadores do
século XX. (...). Depois da guerra, era quase impossível para as classes dominantes a ignorar a
realidade dos movimentos de massa ou reverter para as velhas acolhedoras maneiras da
política de elite. Feinstein, Temin, Toniolo, The World Economy between the Wars, p. 21 e 23
A perda de população e a destruição da infraestrutura e do estoque de capital foram a herança
econômica mais importante da guerra para os países beligerantes, embora a destruição de
infraestrutura e do estoque de capital fosse centrada na França e Bélgica, bem como na Rússia
e em outros países do leste europeu, muito menos no Reino Unido e na Alemanha. O império
russo já colapsou em 1917 com a revolução de fevereiro e a abdicação do czar e finalmente em
outubro do mesmo ano com a tomada do poder pelos bolcheviques [os meses de fevereiro e
outubro referem-se ao calendário Juliano usado na Rússia até 1918, no calendário Gregoriano
estas revoluções aconteciam em março e novembro]. O império Otomano e o império austro
húngaro colapsavam com o fim da guerra em 1918 e o imperador alemão abdicou e fugiu para
Holanda em novembro de 1918 e Alemanha tornou-se uma república. Guerras civis,
revoluções (Alemanha e Hungria) e revoltas operarias marcavam o cenário pós-guerra em
muitas partes da Europa. Criavam-se novos países na Europa e no Médio Oriente (no Médio
219
Oriente sobre a tutela do Reino Unido e da França), novas fronteiras foram criadas e com isto
novas tensões políticas e étnicas. A guerra também destruiu laços econômicos entre os países
com a suspensão do padrão ouro e a desestruturação do comercio internacional e dos fluxos
internacionais de capital. Os Estados Unidos, e também o Japão, saiam da guerra com poder
econômico e político em ascensão, enquanto os países da Europa, vencedores ou perdedores,
perdiam poder econômico e político. A herança mais importante da guerra foi a instabilidade
social, econômica e política, nas políticas domesticas, bem como na política internacional. As
feridas da guerra determinavam a vida econômica, social e política para todo o período entre
as guerras, pelo menos na Europa. A guerra também destruiu a legitimação das elites
governantes nos países beligerantes: as elites conservadores e liberais levarem seus povos
para o massacre das trincheiras por mais de quatro anos. Com este banho de sangue por uma
causa fingida – o assassinato do sucessor ao trono austríaco por um terrorista sérvio –
escondendo os motivos imperialistas verdadeiras as elites e suas ideologias perdiam
credibilidade preparando o caminho para novas elites e ideologias: em Rússia em 1917 com a
ascensão dos bolcheviques no poder, em 1922 com o fascismo na Itália, em 1933 com o
nacional-socialismo na Alemanha, e em muitos outros países da Europa nas décadas que
seguiam a guerra com a ascensão de governos autoritários no poder, como na Hungria,
Polônia, Portugal, Espanha etc.
Foram mobilizados 65 milhões homens e mulheres para o serviço militar nos tempos da
guerra, 8 milhões perdiam a vida na guerra (As perdas mais significativas em vidas da
população civil e militar foram na Servia (31,3% da população antes da guerra), na Rússia
(18,5%), na Romênia (14%), na Áustria-Hungria (9,5%), na Bulgária (9,2%) na Alemanha (8%),
na França (7,7%) e no Reino Unido (3,9%)). Na Alemanha 63 % destes mortos militares foram
entre 20 e 30 anos., 7 milhões ficavam incapazes de trabalhar para sempre, 15 milhões foram
gravemente feridos [para os dados: Aldcroft p. 26 pp.]. Houve também milhões de mortos na
população civil, não contados os mais de 20 milhões de mortes em todo mundo na pandemia
da gripe espanhola67 de 1918/1919 [Spinney, 2017, p. 165 p.]. A guerra não somente matou
uma grande parte da juventude nos países beligerantes, mas também destruí infraestrutura,
capital industrial, imóveis, rebanhos e alimentos, deixando a população com fome e
desesperada, criando revoltas e revoluções (Rússia, Alemanha, Hungria).
perdedor econômico e social, mas também levando os Estados Unidos a uma posição
econômica e política hegemônica, mas o isolacionismo americano depois da guerra não
deixava os governos norte-americanos assumissem este papel da liderança econômica, que
antes da guerra foi assumida pelo Reino Unido e pelo centro financeiro de Londres (‘The City of
London’).
A Primeira Guerra Mundial levou a distorções econômicas importantes, que são um fator
importante na explicação da Grande Depressão. Temin [1991] aponta as distorções das
consequências da Primeira Guerra Mundial como causa mais importante da Grande
Depressão. O financiamento da guerra e da reconstrução depois da guerra levou os países na
Europa para sérios problemas fiscais, para inflações e hiperinflações, para revoltas e
revoluções sociais, que interrompem produção, distribuição e o comércio internacional. A
criação de novos Estados na Europa Central e o desenho de novas fronteiras depois da queda
do império russo, austro-húngaro e otomano destruíram laços econômicos e criavam tensões
étnicas e um clima de desconfiança e de ressentimentos. O Reino Unido perdeu sua posição
hegemônica na economia global, dívidas de guerra e reparações levavam os países da Europa
para uma maior dependência dos Estados Unidos. Os Estados Unidos tornavam se a economia
mundial hegemônica e o maior credor, Nova Iorque tornou-se um centro financeiro
concorrente de Londres. Embora os Estados Unidos tornavam-se a nação economicamente
mais importante no nível global, eles não entravam na Liga das Nações em 1919, nem
assinavam o contrato de paz de Versalhes, e seguiam uma política focada nos problemas
internas do país (isolacionismo político) voltando no mesmo ano ao padrão câmbio-ouro, mas
sem assumir a posição de liderança para gerir este sistema como o Reino Unido fez antes da
guerra.
1922 levou a ocupação do distrito industrial de Ruhr em 1923 pelo militar de França e Bélgica,
à greve geral e lutas armadas e –em último lugar - à hiperinflação galopante na Alemanha de
1923.
Mas o fim da guerra levou também a uma ascensão da democracia liberal e social na Europa,
embora às vezes da duração curta. Os horrores da guerra, os sacrifícios dos povos na guerra e
os impulsos da revolução russa de 1917 levavam também a ascensão e legalização dos
movimentos operários e para a extensão das leis trabalhistas e do Estado de bem-estar social.
Mas o fracasso dos partidos socialistas em combater a eclosão da guerra em 1914 (somente os
partidos socialistas de Rússia, Sérvia e Itália conseguiam resistir à onda nacionalista e as
pressões dos governos nestes países, embora nos anos seguintes a resistência aumentasse
com greves e cisões nos partidos socialistas) levou praticamente a quebra da Segunda
Internacional Socialista (fundada em 1889), a cisões dos partidos socialistas, e lutas entre
diferentes frações socialistas. Depois da guerra houve uma cisão dos partidos socialistas em
uma parte reformista socialdemocrata e uma parte revolucionária comunista em muitos países
e a criação da terceira Internacional (comunista) em 1919.
Muitos intelectuais e escritores (por exemplo, Zweig e Keynes) viam o mundo europeu antes
da guerra como um mundo que garantiu paz, prosperidade e liberdade, a guerra sangrenta
entre países civilizados acabou com esta ilusão. Embora é importante lembrar que esta visão
esquece as violências colonialistas e imperialistas antes da guerra, uma visão eurocêntrica.
Culturalmente houve reações muito diferentes: pacifismo, expressionismo, futurismo,
dadaísmo, e outros desenvolvimentos nas artes que mostravam o desamparo antes dos
horrores da guerra, mas houve também reações que idolatravam a guerra (por exemplo, na
Alemanha Jünger e outros) e formulavam ideias para a extrema direita.
Para Temin o choque da Primeira Guerra Mundial e, mais amplo, o conflito que Churchill
chamou a segunda guerra dos trinta anos68 – o período entre as guerras – [Temin, 1993, p. 88]
foi uma causa importante da Grande Depressão, um ponto a ser discutido também nos
próximos capítulos.
foi imediatamente seguida por um período de paz. Entre 1917 e 1920 sozinhos, a Europa não
experimentou menos de vinte e sete transferências violentas de poder político, muitas delas
acompanhadas por guerras civis latentes ou abertas. O caso mais extremo foi, naturalmente, a própria
Rússia, onde a hostilidade entre os apoiantes e adversários do golpe bolchevique de Lenin em outubro de
1917 tinha rapidamente se intensificado em uma guerra civil de proporções historicamente sem
precedentes69, (...) um extenso arco de violência pós-guerra agora esticado da Finlândia e dos Estados
bálticos através da Rússia e da Ucrânia, da Polónia, da Áustria, da Hungria e da Alemanha, por todo o
caminho através dos Balcãs e na Anatólia e no Cáucaso. (...) A Irlanda, um país emergente da Europa
Ocidental que, pelo menos durante a guerra da independência irlandesa (1919 – 21) e a subsequente
Guerra Civil (1922 – 23), parecia seguir um curso semelhante (embora menos violento) como os países da
Europa Central e Oriental entre 1918 e 1923 (...). Bem mais do que 4 milhões de pessoas – mais do que as
vítimas combinadas de guerra da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos – morreram como resultado de
conflitos armados na Europa pós-guerra. (...) As revoluções ocorridas entre 1917 e 1923 podem ser de
natureza sociopolítica, buscando uma redistribuição de poder, terra e riqueza, como foi o caso na Rússia,
Hungria, Bulgária e Alemanha; ou poderiam ser revoluções "nacionais", como foi o caso nas zonas de
quebra dos derrotados Habsburg, Romanov, Hohenzollern e os impérios otomanos, onde novos e
reemergentes Estados, inspirados por ideias de autodeterminação nacional, procuraram estabelecer-se.
Gerwarth, Robert The Vanquished, p. 11 pp..
O período pós-guerra até 1923 pode ser descrita para Europa como um período de
instabilidade econômico e política. Neste tempo houve a guerra civil sangrenta na Rússia
[desde 1922 a União Soviética], uma guerra entre Rússia e Polônia, conflitos armados no
Báltico, revoluções na Alemanha (Berlin, Bavária) e na Hungria, greves e revoltas operárias em
muitos países (biênio vermelho na Itália, o susto vermelho nos Estados Unidos). Houve a curta,
mas aguda depressão de 1920/1921 com foco nos Estados Unidos e no Reino Unido, processos
inflacionários e hiperinflacionários em muitos países da Europa. Somente depois de 1923
houve uma estabilização econômica e política nos países centrais da Europa. O gráfico a seguir
mostra a taxa de inflação anual do Índice de preços ao consumidor para alguns países centrais,
mas houve também inflação alta e hiperinflação em outros países da Europa (Para Alemanha o
gráfico grande está descontinuado nos tempos da hiperinflação, descrita no gráfico pequeno
inserido).
224
Gráfico 19 Taxa de inflação anual para Alemanha, Estados Unidos, França e o Reino Unido de
1900 até 1938
Fonte: REINHART, Carmen M, website, data This time is diferente, para a hiperinflação na
Alemanha HISTAT: Historische Statistik http://www.gesis.org/histat/
Obviamente os governos queriam voltar para a estabilidade de preços no padrão ouro, mas o
aumento diferenciado do nível dos preços nos países no tempo da guerra dificultou a volta ao
ouro pelo menos na paridade antes da guerra, no Reino Unido até 1925, enquanto a França
voltou em 1926 (formalmente dois anos depois) com uma paridade desvalorizada. Obviamente
os responsáveis para as políticas econômicas na Grande Depressão nem pensavam em
abandonar o padrão (câmbio) ouro nem tentavam medidas expansionistas na profundeza da
crise, temendo a volta da inflação, embora nesta vez em um ambiente de deflação galopante.
hiperinflação mais aguda de 1923, que destruí as poupanças da classe média alemã, seguindo
a invasão militar francesa e belga no distrito industrial de Ruhr. A inflação em ascensão depois
da guerra e a desvalorização do marco conseguiu evitar desemprego mais elevado até 1923,
bem como a recessão profunda, mas curta, de 1921 em outros países. Quando com a invasão
militar da Ruhr, com uma resistência passiva com financiamento público, a economia alemã
colapsou, a hiperinflação acelerou e o desemprego aumentou expressivamente e os salários
reais caiavam. Depois da estabilização da moeda alemã no fim de 1923 começou um período
de estabilização e crescimento econômico financiado em primeiro lugar por créditos
americanos, acompanhado com um clima político um pouco mais tranquilo.
Nos Estados Unidos a década de 1920 foi um período de expansão expressiva da economia
com inovações e o início de uma sociedade de consumo da massa (novos métodos de
produção como o Taylorismo e a linha de montagem de Ford, novos produtos, para o consumo
de massa: Carros, rádios, geladeiras, cinema etc.) e também um clima de mudança cultural
(era de jazz e de novas danças) sob as restrições da proibição, que levou também a um
aumento da criminalidade (Al Capone, Dillinger etc.). Nos Estados Unidos houve uma mudança
de uma sociedade rural e agrária para uma sociedade urbana, de uma economia de pequenas
empresas competitivas para uma economia dominada por grandes empresas, embora estas
tendências já tivessem início depois do fim da guerra civil em 1865. Para o Reino Unido a
década de 1920 foi um período de dificuldades econômicas permanentes, a taxa de
desemprego industrial desde 1921 nunca caiu abaixo dos 10% e os problemas pioravam com a
volta ao padrão ouro na taxa de câmbio pré-guerra (sobrevalorizado) em 1925. As políticas
deflacionárias para aumentar a competitividade da economia britânica foram também um
fator que explica os problemas econômicos do Reino Unido no período entre as guerras. A
volta a taxa de câmbio pré-guerra foi também uma decisão visando a credibilidade do setor
financeiro britânico e da defesa da ‘City’ de Londres como centro financeiro global, uma vitória
do setor financeiro sobre o setor produtivo. A França voltou depois de um tempo de inflação
elevada e volátil a uma taxa de câmbio subvalorizado em 1926 ao câmbio ouro e não
enfrentou os problemas econômicos do Reino Unido, mesmo na Grande Depressão que
começou somente em 1931 na França a taxa de desemprego geral nunca subiu acima de 5%,
porque na década de 1920 a França era ainda um país com grande importância da agricultura.
O franco subvalorizado atraiu influxos de ouro que ainda aumentavam os problemas do Reino
Unido em sua concorrência com os Estados Unidos para a hegemonia nas finanças
internacionais. Mas com a saída do padrão ouro pelo Reino Unido em 1931 e pelos Estados
226
Unidos em 1933 a situação de França piorou e até a saída de ouro em 1936 a economia ficou
estagnada ou em recessão.
Na Itália depois da guerra houve fortes lutas de classe em 1920 e 1921, mas a classe
dominante conseguiu unir as forças para estabelecer um regime fascista sob Mussolini em
1922, reprimindo partidos e sindicatos de esquerda e estabelecendo um Estado corporativista,
que se tornou uma ditadura plena em 1925.
No Brasil houve um período onde a oligarquia dominante agrária (política de café com leite de
São Paulo e Minas Gerais) foi desafiada por revoltas militares (tenentismo, coluna Prestes
etc.), mas conseguiu levar sua política econômica de subvenção do setor cafeeiro diante, com
aumento dos estoques e dos custos da sustentação de estoques, o que levou a problemas
econômicos e políticos mais sérios na Grande Depressão.
A década de 1920 foi também o palco para uma depressão curta, mas aguda, em 1920/1921
nos Estados Unidos e no Reino Unido e em alguns outros países, uma explicação são as
políticas fiscais e monetárias restritivas nos Estados Unidos e no Reino Unido para combater a
inflação ascendente pós-guerra e da curta, mas forte, expansão econômica pós-guerra nestes
países. A depressão foi acompanhada de uma deflação expressiva, mas a recuperação foi
rápida sem intervenções dos governos ou bancos centrais. A tabela a seguir mostra os fatos
mais importantes da crise de 1920/21 em comparação com o período da Grande Depressão.
Alemanha, Bélgica e –parcialmente – França escapavam da depressão profunda por causa da
reconstrução pós-guerra e da inflação em ascensão neste período.
Taxa crescimento
16,5% -7,3% 20,4% -21,6% -18,6% -18,9%
1921/1920
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 95,9 100,0 90,0 93,9 95,7 85,6
1931 88,8 88,8 76,3 88,3 89,5 72,0
1932 76,4 79,7 67,0 81,6 89,2 53,8
1933 74,5 88,3 73,2 89,7 95,1 62,8
1934 75,0 84,7 87,3 110,2 104,5 69,1
1935 79,7 82,1 98,1 121,8 112,5 82,8
1936 88,7 89,3 109,9 134,2 122,6 96,8
Taxa crescimento
ano do fundo -25,5% -20,3% -33,0% -18,4% -10,8% -46,2%
para 1929
Deflação EUA (%)
Deflação EUA (%) Deflação EUA IPC
atacado -44,1 IPC 1933/1929
-38,0 (%)1938/1937
-14,8
1920/1921
Fontes: * Alemanha http://www.gesis.org/histat/de/data/themes/20
Outros países: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts
Database, January 2009, http://www.ggdc.net/, Deflação: Gordon, p 172
A memória da recuperação rápida da depressão nos anos 1920/1921 foi também parcialmente
responsável pela inatividade de governos e bancos centrais nos primeiros anos da Grande
Depressão, fundada também na ideologia neoclássica hegemônica antes da Grande Depressão
– fortemente hostil a intervenções do governo na economia - que esperava uma recuperação
rápida automática da economia capitalista depois da queda através da dinâmica de mercados
livros e preços flexíveis.
Para o Reino Unido, depois da volta ao ouro em 1925, a década de 1920 pode somente ser
caracterizada como uma década perdida com desemprego elevado e crescimento medíocre
como consequência das políticas deflacionistas para aumentar a competividade da indústria.
Para a França a estabilização macroeconômica começou somente com a volta ao padrão
(câmbio) ouro em 1926 (formalmente em 1928), que acabou com um período de inflação alta
e volátil. Na Alemanha houve depois da estabilização macroeconômica desde 1924 um período
de certa prosperidade, embora financiada por influxos de capital estrangeiro, e certa
estabilização política. Por esta razão este período para a Alemanha pode ser descrito como
prosperidade a crédito, embora o desemprego ficasse elevado em todo período. A Alemanha
já experimentou em 1928 uma séria recessão com o desemprego chegando em fevereiro de
1929 em mais de 3 milhões de desempregados, antes da Grande Depressão.
O gráfico a seguir mostra uma prosperidade diferenciada para os países centrais mais
importantes com um índice do PIB per capita (base 1923 = 100, foi escolhido o PIB per capita,
porque houve mudanças importantes na população e produção com as novas fronteiras do
tratado de paz de Versalhes), que mostra que Alemanha e também França começavam depois
da guerra em um nível muito menor do que antes da guerra e a Alemanha chegou somente em
1926 ao mesmo nível do PIB per capita de antes da guerra. É importante anotar que existem
diferentes estatísticas econômicas para o período entre as guerras e que estas estatísticas são
muito mais frágeis do que depois da Segunda Guerra Mundial.
Gráfico 20 Índice PIBpc (1913 =100) Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido
229
Na avaliação global da Grande Depressão dados novos com frequência mensal [Albers/Uebele,
p. 2] mostram que muitos países da Europa já experimentavam uma situação econômica de
fragilidade em meio da década de 1920 aumentando a credibilidade da ideia de uma “Longa
Depressão Europeia” (Kindleberger) e levantando dúvidas sobre posições que focalizam no
centro americano da Grande Depressão. Com um indicador mensal da atividade econômica
para trinta países eles apontam para a fragilidade de muitas economias europeias na década
de 1920, como a tabela a seguir mostra [Albers/Uebele, p. 19] que conta a percentagem dos
meses em recessão para o indicador da atividade econômica.
A tabela mostra que muitos países da Europa já experimentavam sérias tendências recessivas
entre 1925 e 1928, apontando para um peso importante da Europa na eclosão da Grande
Depressão, embora a queda no fim de 1929 dos Estados Unidos tirou a economia mais
importante da economia global das trilhas e levou com isto a uma fragilidade ainda maior dos
países da Europa e dos países exportadores de commodities na periferia. A diminuição dos
fluxos de capital dos Estados Unidos para estes países, que já começou em 1928, aumentando
ainda mais a fragilidade da economia global.
Estes fatos apontam para uma leitura mais global na eclosão e propagação da Grande
Depressão, embora muitas análises saiam do pressuposto de que a Grande Depressão teve sua
origem nos Estados Unidos, embora é necessário considerar que o puro tamanho e a pura
importância da economia dos Estados Unidos de qualquer forma numa análise global apontam
para uma importância dos Estados Unidos na eclosão e propagação da Grande Depressão.
and Development Centre (GGDC que se baseiam nos cálculos de Maddison). As diferenças são
expressivas na avaliação da queda acumulada do PIB no Brasil em 1930 e 1932 (IBGE – 5,3%,
IMF – 8,1 % GGDC -3,9%) e na avaliação da recuperação acumulada do produto de 1932 até
1938 (IBGE 56,5%, IMF 46,4% GGDC 36,6%).
Gráfico 21 Taxa de crescimento do PIB Brasil 1913 – 1939, estimativas do IBGE, do IMF e do
Groningen Growth and Development Centre (GGDC).
Tabela 36 Taxas médias de crescimento e desvio padrão do PIB e dos setores da economia,
população e PIB per capita, Brasil 1900 – 2000
A Grande Depressão foi causada, em minha opinião, pelas tensões da Primeira Guerra Mundial
sobre o padrão-ouro. A própria guerra levou à suspensão do padrão-ouro, mas não – como foi
amplamente declarado – a sua morte. O sistema foi reavivado depois da guerra essencialmente
na sua forma pré-guerra. As condições eram muito diferentes, tornando a restauração do
padrão-ouro tortuoso. Foi necessário um intenso apego a ideologia do padrão-ouro para
completar a sua restauração. (...). A combinação de condições modificadas e algumas escolhas
políticas da década de 1920 – especificamente a escolha de valores para a libra e o franco –
criavam tensões para o funcionamento do padrão-ouro entre as guerras. A assimetria do
padrão ouro forçou mais os países deficitários de contrair do que os países superavitários de
expandir. As regras do padrão ouro ditavam deflação em vez de desvalorização para os países
deficitários. O resultado foi uma política deflacionária mundial no final de 1929. (...). Foi a
combinação do choque da Primeira Guerra Mundial, uma instituição internacional imutável [o
padrão ouro], e um regime inflexível de políticas que gerou a Grande Depressão. A Depressão
não era inevitável em 1929. Se os políticos fossem capazes de libertar-se das amarras do
232
padrão-ouro, eles poderiam ter instituído políticas anticíclicas. Mas, sem essa mudança, as
regras do padrão-ouro mandavam deflação. Políticas destinadas a efetuar a deflação
ampliavam as forças deflacionárias presentes em 1929. Peter Temin Lessons from
the Great Depression p. 33 p.
Temin [1991] e também Eichengreen [1992] enfatizam que as regras e a ideologia do padrão
ouro sob o choque da Primeira Guerra Mundial foram os responsáveis para tornar a recessão
uma depressão. Também a propagação da crise para o nível global foi na opinião de Temin
consequência das regras do padrão ouro. Embora muitos pesquisadores apontassem para os
Estados Unidos como origem da Grande Depressão, Temin adverte que politicas deflacionistas
nos Estados Unidos e na Alemanha foram causas importantes.
Temin [1993, p. 88 p.] conceitua o padrão ouro com cinco características, os primeiros três
implicando as duas restantes. (1) Os fluxos livres de ouro entre indivíduos e países, (2) a
relação fixa das moedas nacionais em termos de ouro e com isto taxas fixas de câmbio, e (3) a
falta de um órgão internacional de coordenação e de emprestador de última instancia
internacional como o Fundo Monetário Internacional (FMI/IMF) no sistema de Bretton Woods
depois da Segunda Guerra Mundial. Estes arranjos institucionais implicam que (4) existia uma
assimetria entre países com déficits e superávits no balanço de pagamentos, onde países com
déficit precisam exportar ouro, enquanto países superavitários importavam ouro. As regras do
padrão ouro previam que países superavitários aumentavam sua quantidade de moeda em
circulação implicando um aumento dos preços e uma perda de competitividade, enquanto
países deficitários perdiam ouro é precisavam enxugar sua quantidade de moeda implicando
uma diminuição do nível dos preços e um ganho de competitividade, implicando teoricamente
um mecanismo de ajuste que garantiu a volta ao equilíbrio dos balanços de pagamentos. Na
realidade países superavitários muitas vezes esterilizavam os influxos de ouro, forçando os
países deficitários para medidas deflacionárias mais sérias. O mecanismo de ajustamento foi –
por esta razão x– (5) para um país deficitário uma deflação em vez de uma desvalorização,
onde medidas deflacionistas são politicamente difíceis e economicamente demoradas, levando
muitas vezes a distúrbios sociais (como em 1926 no Reino Unido a uma greve de muitos meses
na indústria de carvão e uma greve geral mais curta). A escolha implícita de deflação em vez da
desvalorização foi para Temin o fator mais importante para a transmissão internacional de
choques deflacionistas e da crise na Grande Depressão.
Uma diferença importante do padrão (câmbio) ouro entre as guerras do padrão ouro antes da
Primeira Guerra Mundial foi que as reservas em moeda estrangeira (convertíveis em ouro, em
sua grande maioria dólares e libras) poderiam ser contadas como reservas internacionais
[Bernanke, 2004, p. 10]. Embora já no padrão ouro para muitos países existissem reservas em
233
moeda estrangeira, este fato aumentou a instabilidade do padrão (câmbio) ouro, porque em
tempos de uma possível desvalorização da libra (em 1931) e do dólar (em 1933) os bancos
centrais com reservas em moedas estrangeiras trocavam moeda estrangeira por ouro
esvaziando as reservas de ouro nos países já enfrentando problemas.
Bordo e McDonald [2001] levantam alguns argumentos que diferenciam o padrão câmbio ouro
entre guerras do padrão ouro antes da Primeira Guerra Mundial e explicam as fraquezas do
sistema monetário internacional entre as guerras:
1. As reservas dos países aderentes [com exceção dos países centros de reservas Estados
Unidos, Reino Unido e depois França] poderiam ser de ouro ou de moedas dos países
centrais o que fragilizou o sistema monetário internacional, porque aumentou a
possibilidade para os países superavitários de esterilizar influxos de ouro e
enfraquecer o mecanismo de ajuste dos balanços de pagamentos no padrão ouro. O
padrão câmbio ouro foi introduzido porque teve a preocupação de uma escassez de
ouro no nível global.
2. O padrão câmbio ouro sofreu da má distribuição das reservas de ouro entre países
deficitários e superavitários. Este fato reflete a preferência do Banco da França pelo
ouro no período depois da volta ao ouro em 1926 [a uma taxa subvalorizada ao
contrário da volta ao ouro do Reino Unido em 1925 a uma taxa de câmbio
supervalorizada] e a persistente esterilização dos influxos de ouro pela Federal
Reserve. [Entre 1927 e 1932 França aumentou seu estoque de ouro de 7% para 27%
das reservas mundiais de ouro e esta acumulação das reservas de ouro foi em grande
parte eficientemente esterilizada]. Esta acumulação de ouro criou uma escassez
artificial de reservas e levou outros países para uma pressão deflacionária.
3. No padrão ouro clássico a libra o Reino Unido e o Bank of England tinham uma posição
importante para o funcionamento suave do sistema com a mudança da taxa básica de
juros (discount rate) e com isto atraindo ou repelindo influxos de ouro. Em tempos de
crise o Reino Unido funcionou com emprestador de última instancia para países com
problemas, os Estados Unidos não queriam assumir esta posição no período entre as
guerras por causa de tendências políticas isolacionistas. A fraqueza da libra no período
entre as guerras criou mais tensão para o sistema câmbio ouro.
A maioria dos governos dos países beligerantes efetivamente suspendeu o padrão ouro
durante a Primeira Guerra Mundial e financiou parte de seus gastos militares expressivos
emitindo moeda. Como consequência os preços estavam mais elevados em todos os lugares
ao final da guerra em 1918. Vários países financiavam também seu processo de reconstrução
234
imprimindo moeda, resultado inflação, e algumas vezes, como no caso da Alemanha (1923) a
hiperinflação.
Tabela 37 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos (%) 1914-
1918
Reino Unido França Alemanha Itália Estados Unidos
1914 -61,3 -54,8 -73,5 -6,1 -0,1
1915 -79,8 -79,4 -94,4 -45,3 -8,4
1916 -75,0 -96,6 -92,7 -64,9 6,7
1917 -76,1 -86,1 -90,8 -69,6 -43,7
1918 -69,2 -80,0 -93,8 -70,2 -71,2
Fonte: Eichengreen, 2000, p. 75
Se 1925 [ou 1926] fossem vistos como renascimento do padrão (câmbio) ouro, a saída do
Reino Unido do ouro e a desvalorização da libra em 1931 [ou a saída dos Estados Unidos em
1933 sob Roosevelt], em plena depressão, fossem vistas como sua extinção [Eichengreen,
2000, p. 76 pp.]. O preço para o Reino Unido de voltar ao ouro a uma taxa supervalorizada foi a
necessidade de seguir politicas deflacionistas para melhorar a competitividade, a decisão pode
ser vista como a vitória da ‘city’ de Londres (do setor financeiro) sobre o setor industrial. A
França voltou em 1926 [de jure 1928] para o ouro a uma taxa de câmbio subvalorizada o que
tinha como consequência entradas de ouro para a França e saídas de ouro do Reino Unido
enfraquecendo a posição de Londres como centro financeiro global.
235
Temin [1993, p. 88] argumenta que “A guerra alterou os padrões de comércio entre os países,
trazendo novas áreas agrícolas para a produção e redesenhando as fronteiras nacionais. Ele
transformou a posição de capital nas nações como a Grã-Bretanha e tornou os Estados Unidos
o credor maior no nível internacional depois da guerra. A guerra envenenou as redes de
cooperação internacional que existiam antes”. A tabela a seguir mostra o retorno ao ouro
depois da Primeira Guerra Mundial e a taxa de câmbio com que os países retornavam ao ouro
em relação à paridade antes da guerra e a saída do padrão ouro70.
Tabela 38 Retorno ao padrão ouro, saída do ouro, paridade de volta em relação a paridade
antes da guerra, queda da produção industrial, países escolhidos
Na perspectiva de muitos economistas a paridade com que o Reino Unido voltava ao ouro em
1925 foi supervalorizada (em vez de 10%) e a paridade com que a França voltava ao ouro em
1926 foi subvalorizada levando a sérios problemas no funcionamento do padrão (câmbio) ouro
com necessidade de políticas deflacionárias no Reino Unido e influxos expressivos de ouro na
França. A saída do padrão ouro de Reino Unido em setembro de 1931, acompanhada de
muitos outros países, livrou o país da necessidade das políticas deflacionistas, mas a taxa de
câmbio da França e de outros países de bloco de ouro (a maioria deles permanecendo no
padrão ouro até 1936) tornou se supervalorizada em consequência da saída de ouro de Reino
Unido em 1931 e dos Estados Unidos em 1933.
Pelo menos nos Estados Unidos a década de 1920 foi um período de expansão econômica e
inovação, parcialmente financiado pela expansão de crédito, novamente também como
crédito ao consumidor, bem como de forma crescente para o investimento financeiro na bolsa
de valores. Eichengreen e Mitchener [2003] enfatizam que o acesso ao crédito alimentou a
expansão da compra de carros e outros bens duráveis de consumo, em 1925 uma expansão no
setor da construção civil e a seguir uma crise neste setor, e a bolha no mercado acionário em
1928/1929. Uma expansão de crédito leva a um aumento da alavancagem financeira, um
problema que pode aprofundar uma crise, por que bancos, empresas e pessoas tornam se
mais vulneráveis numa queda dos preços de ativos numa crise. Especialmente na teoria
austríaca dos ciclos conjunturais a expansão do crédito com taxas de juros abaixo de seus
níveis naturais é vista como um fator importante na criação de superinvestimentos e
investimentos equivocados, que levam finalmente para a crise, que através de destruição de
capital em um processo de limpeza de excessos leva a economia para o caminho normal.
Eichengreen e Mitchener [2003] não enfatizam uma explicação monocausal da crise como os
teóricos austríacos, mas advertem que em uma abordagem multifacetada o problema de uma
bolha de crédito deve ser refletido na explicação da Grande Depressão.
Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 76] procuram avaliar o papel dos fluxos internacionais de
capital na eclosão da Grande Depressão. Resumindo a posição destes autores: Os fluxos de
capital depois de 1924 ajudavam a criar um ambiente de prosperidade em partes da Europa, a
238
ruptura súbita começando em 1928 com uma diminuição dos fluxos foi um fator na eclosão da
crise na Europa e das crises bancárias na Áustria, Alemanha e na Europa central de 1931. A
queda começando no verão de 1928 com uma política restritiva da ‘Federal Reserve’ (para
acalmar a especulação no mercado acionário) e a mudança dos fluxos de capital para um
mercado acionário de Nova Iorque em plena expansão secou os fluxos de capital para Europa e
América Latina levando a políticas mais contracionistas nestes países [Eichengreen, 1992, p. 12
p.].
Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 77 p.] apontam que os fluxos de capital dos países
credores para países devedores no período de 1924 até 1930 foi cerca de 10 até 11 bilhões de
US$. Os créditos, na maioria na forma de títulos de dívida (‘bonds’) foram 60% dos Estados
Unidos, respectivamente 15% do Reino Unido e da França e o resto de outros credores
europeus, Suíça, Países Baixos, Checoslováquia e Suécia. Um terço destes fluxos de capital
internacional foi para a Alemanha. Os domínios britânicos e Índia recebiam um quinto e
também um quinto foi para América Central e Sul [Feinstein, Temin e Toniolo, 2008, p. 79]. Na
Europa os fluxos foram quase de tamanho igual de curto e de longo prazo.
Tabela 39 Distribuição da emissão de títulos estrangeiros de dívida nos Estados Unidos 1919 –
1929
Accominotti e Eichengreen [2013] chamam este episódio [para Europa] de influxos de capital
internacional até 1928/1928 e sua reversão “mãe de todas as rupturas súbitas”, um processo
voltando ao palco nas crises da crise da dívida externa nos países de América Latina na década
de 1980 e nas crises das décadas de 1990 e 2000, embora nestes casos houvesse certa
239
substituição da queda de fluxos privados pelo aumento dos fluxos públicos [do IMF, dos países
centrais e das instituições da União Europeia agindo como emprestador de última instância
internacional, embora sob condicionalidade de programas de austeridade]. Eles apontam
também [p. 9] que com a seca dos mercados internacionais de capital em Nova Iorque e
Londres 1929 até 1932, governos e empresas mudavam para Paris e Estocolmo, o que atenuou
um pouco os efeitos negativos. Mas de qualquer forma a reversão foi expressiva, o déficit
agregado em conta corrente de Alemanha, Áustria e Hungria em relação ao PIB agregado foi
em 1927 de 4,9%, a reversão de 1927 e 1931 foi de 6% pontos percentuais do PIB agregado
[p.3 p.], um tema que vai ser aprofundado no capítulo sobre a crise.
Os fluxos internacionais de capital de longo prazo neste tempo foram em primeiro lugar
emissões de títulos de dívida (‘bonds’) do setor público e privado. Os fluxos de curto prazo
foram em primeiro lugar créditos comerciais, outros empréstimos e fluxos de capital de
curtíssimo prazo (‘hot money´). Embora o papel da ruptura súbita dos fluxos de capital para
Alemanha na eclosão da Grande Depressão neste país é um assunto controverso, Feinstein,
Temin e Toniolo [2008, p. 89] afirmam que a ruptura aumentou os problemas do governo
alemão e foi importante na introdução de medidas deflacionistas posteriores do governo.
Na discussão sobre as causas da Grande Depressão houve também uma discussão controversa
sobre superprodução de produtos agropecuários no nível global no período entre guerras (em
relação a demanda efetiva para estes produtos) que levou a queda dos preços e a problemas
da agropecuária especialmente para os produtores e exportadores nos países periféricos, mas
também para agricultura dos Estados Unidos e da Europa. A superprodução foi, neste sentido,
incentivada pela queda da produção nos países da Europa nos tempos da guerra, mas a
produção agropecuária voltou nestes países depois da guerra rapidamente ao nível antes da
guerra. Os casos dos Estados Unidos e do Brasil são discutidos depois de uma discussão mais
geral sobre os problemas da agricultura entre as guerras. A tabela a seguir mostra a produção
agropecuária no nível mundial de 1870-1938. Nesta tabela pode se ver que a produção
aumentou significativamente na América do Sul, Austrália, Canada, EUA, e na Nova Zelândia
desde 1870 (onde houve uma curta queda na depressão dos anos 1920/21). Para Europa a
produção começa somente na segunda metade da década de 1920 alcançar ou superar o nível
de 1913.
Valor adicionado bruto total 53,0 83,3 100,0 n.d. 85,3 112,4 112,8 116,6
Europa 58,4 82,4 100,0 n.d. 75,5 108,4 106,5 112,6
Europa norte oeste 70,3 94,2 100,0 n.d. 80,4 104,9 114,3 116,0
Europa sul 62,9 82,3 100,0 92,9 97,9 117,2 109,5 106,4
Europa leste 41,7 68,2 100,0 n.d. 59,3 108,8 95,5 111,2
Ásia 64,9 87,8 100,0 112,8 98,9 115,1 118,0 114,3
América do Sul 13,4 48,6 100,0 105,5 111,3 162,6 148,1 178,4
Austrália, Canada, EUA, Nova 34,1 81,8 100,0 105,5 94,3 117,5 121,0 123,3
Zelândia
Produção bruta total 51,5 81,8 100,0 n.d. 87,8 116,9 116,9 122,9
Pecuária 44,6 78,6 100,0 n.d. 88,2 120,5 117,5 129,1
Lavouras 55,2 83,6 100,0 n.d. 88,6 115,6 115,5 120,3
Fonte: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, March 2010,
http://www.ggdc.net/ Source: Giovanni Federico, ‘The Growth of World Agricultural Production, 1800-
1938’, Research in Economic History 22 (2004) 125-181; for more details on sources and methods see
the attached textfile.
Kindleberger [1973, p. 88] mostra os produtos mais importantes nas exportações mundiais de
1929.
O gráfico a seguir mostra a expressiva ascensão dos preços dos produtos da agricultura dos
Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, sua queda na curta, mas aguda, depressão de
1920/1921, uma recuperação parcial depois desta depressão, mas com os preços estagnados
ou em queda até 1929, quando começou novamente uma forte queda dos preços.
241
Gráfico 22 Estados Unidos Índices dos preços da agricultura (1929 = 100) 1913-1937: geral (58
produtos), culturas (crops), carnes, algodão
Para os Estados Unidos os preços agropecuários estavam subindo rapidamente na guerra por
causa da diminuição da produção europeia em tempos da guerra, na crise de 1920/21 houve
uma queda expressiva dos preços com uma recuperação parcial até 1929, quando novamente
começou uma queda expressiva dos preços agropecuários. Mas na década de 1920 os preços
agropecuários nos Estados Unidos nunca mais chegavam antes da Grande Depressão para os
níveis dos tempos da Primeira Guerra Mundial, eles ficavam deprimidos em todo período até
1929. É também necessário apontar que o gráfico mostra os preços nominais dos produtos
agropecuários, como consequência da alta dos preços gerais na guerra, os preços
agropecuários reais podem ser vistos como deprimidos para os agricultores para todo período
pós-guerra, uma situação que piorou na Grande Depressão, a deflação levando muitos
agricultores endividados para a falência. A análise dos preços dos produtos agropecuários de
exportação do Brasil está discutida mais tarde neste capítulo.
Aldcroft [p. 259 pp.] mostra os produtos onde houve possivelmente superprodução: trigo,
açúcar, café, algodão, borracha, seda natural, chumbo, zinco, petróleo. Nestes produtos os
estoques aumentavam continuamente depois da metade da década de 1920 e os preços
caiavam. (os estoques na média dobravam e os preços na média caiavam 25 até 30%). Uma
versão diferente do argumento aumenta os produtos para 15 que representavam 25% das
242
exportações mundiais. As exportações destes produtos foram cerca 50% do valor das
exportações totais de 16 países agrários fora da Europa: Argentina, Brasil, Uruguai, Cuba,
Canada, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Índia (Colônia britânica), Indonésia (Colônia
holandesa), Malásia (Colônia britânica), Indochina (Colônia francesa), China e Tailândia (Sião).
Para o açúcar: a demanda aumentava mais rápido do que antes da guerra (4,5% contra 3%),
mas os preços caiavam desde 1923 (os preços de 1929 foram 1/3 dos preços de 1923). Na
guerra a produção de açúcar através de beterraba sacarina caiu na Europa incentivando a
produção de açúcar na periferia, mas a produção europeia aumentou rapidamente depois da
guerra por causa de medidas protecionistas (tarifas) e subvenções.
Para o café: tive tentativas de restringir a produção e/ou de tirar produção do mercado através
de formação de estoques, garantindo os preços, mas com isto atraindo novos produtores no
nível nacional e internacional (os preços elevados atraíram novos produtores em Columbia,
Costa Rica, Haiti, Guatemala e Nicarágua). No Brasil o governo federal acabou com a compra
de café para estoques em 1924, o Estado de São Paulo financiou depois um programa de
estocagem com créditos internacionais. Este programa de estabelecer os preços incentivou
novas plantações e aumentou ainda mais a superprodução. Em consequência da crise em
outono 1929 o financiamento externo secou, a intervenção no mercado acabou e os preços
encontravam se em queda livre. As intervenções mostravam benefícios de curto prazo, mas
criavam problemas de longo prazo, especialmente porque o café necessita um período
relativamente longo até ser produtivo depois da plantação.
Peles e
Café Açúcar Algodão Borracha TOTAL
Couros
1901/10 51,5% 1,2% 2,1% 4,4% 27,9% 87,1%
1911/20 52,4% 3,2% 2,0% 6,4% 11,4% 75,4%
1921/30 69,6% 1,4% 2,4% 4,6% 2,5% 80,5%
1931/40 50,0% 0,5% 14,3% 4,4% 1,1% 70,3%
1941/50 46,1% 0,8% 11,4% 3,3% 1,0% 62,5%
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR
Para o Brasil o gráfico a seguir mostra e evolução dos preços dos produtos agropecuários mais
importantes antes da Grande Depressão e na década de 1930: Café, açúcar e algodão.
243
Gráfico 23 Índices de preços das exportações de café (em moeda nacional e estrangeira), de
açúcar e algodão (em moeda nacional) 1913 -1939
O gráfico mostra o aumento expressivo dos preços dos três produtos de exportação de Brasil
na Primeira Guerra Mundial, a queda na crise de 1920/21, a recuperação nos anos seguintes
(com uma queda menor em 1926/27) e a queda generalizada na Grande Depressão depois de
1929. Para o índice de preços de café mostra se, neste período, uma queda maior nos preços
em moeda estrangeira (libra) do que em moeda nacional, consequência da desvalorização da
moeda brasileira (mil-réis) na Grande Depressão diminuindo as perdas para os produtores
brasileiros de café, mas aumentando os custos de importação para importadores e
consumidores. As quedas dos índices dos preços em moeda estrangeira (faltando no gráfico)
para os produtos açúcar e algodão devem ser maiores também do que as quedas em preços
em moeda nacional pela mesma razão da desvalorização da moeda brasileira. Uma análise
mais diferenciada, especialmente para o caso de café, encontra-se na análise da Grande
Depressão no próximo capítulo. As quantidades exportadas de café mostram uma volatilidade
muito pequena (Coeficiente de variação (CV) de 0,16), a volatilidade dos valores das
exportações de açúcar (CV) é muito maior (0,95) e do algodão ainda maior (1,47), mas a
influência da Grande Depressão sobre as quantidades exportadas é tênue.
Depressão não tivesse suas raízes no Brasil, estes dois problemas conectados aumentavam a
vulnerabilidade da economia brasileira e o rápido contágio da crise para o Brasil.
Gremaud, Vasconcellos e Toneto [p. 359 pp.] resumiram esse contágio: queda dos preços do
café (consequência do fim da política de estocagem e da queda da demanda), com a eclosão
da crise reversão dos fluxos positivos de capital estrangeiro na década de 1920, crise do
balanço brasileiro de pagamentos como consequência da queda do valor das exportações e a
balança de capital se tornando negativa. Mas vale a pena aprofundar um pouco a política de
sustentação do mercado de café até a crise, uma política que Abreu [p.2 embora a política de
sustentação do setor cafeeiro aparece aqui somente como um fator no período de 1930-1945]
chama de ‘rent seeking’ do setor cafeeiro. Abreu [p. 3 pp..] resume a situação econômica do
Brasil antes da crise: “O Brasil foi um país muito pobre no final de 1920 o PIB per capita atingiu
o pico em 1929, cerca de EUA $ 800 (1996 dólares), cerca de 15 % do seu nível em meados da
década de 1990. (...) O Brasil foi muito pouco povoado em 1928: com uma população de 34,5
milhões havia apenas um pouco mais de 10 habitantes por quilômetro quadrado. (...) A
infraestrutura foi bastante pobre. (...)As exportações chegaram a um pico de todos os tempos
de £ 97.400.000 em 1928, dos quais todos eram de commodities agrícolas e 71% de café. (...).
As importações também atingiram um pico em 1928 de £ 90.700.000. Todos os bens de capital
e bens de consumo duráveis foram importados e a percentagem de direitos de importação no
total de Receita Federal excluindo a receita industrial foi de quase 50%. (...) As exportações em
1928 foram direcionadas, principalmente, para os Estados Unidos (45%), Alemanha (11,2%),
França (9,2%) e um grande número de economias europeias menores, assim como Argentina,
todos com quotas de mercado de cerca de 5-8 % das exportações. Grã-Bretanha tornou-se um
mercado de exportação menor de apenas 3,4% do total das exportações brasileiras. Principaís
fornecedores de importações foram os Estados Unidos (26,6%), Grã-Bretanha (21,5 %).
Alemanha (12,5 %) e Argentina (11,5 %). (...) A dívida pública externa brasileira em 1928 foi
substancial em £ 234.900.000. A razão da dívida para a exportação foi de 2,36 e o serviço da
dívida correspondia a quase 25 % das exportações.”
Furtado [p. 177. Pp.] aponta o convênio de Taubaté em 1906 como base das políticas estatais
de “valorização” de café, embora já existisse uma política de sustentação dos preços em
moeda nacional de café através de depreciações da moeda nacional no fim do século XIX. O
convênio de Taubaté [Furtado, p. 179] previa uma política do governo de sustentação do
mercado de café através da compra e estocagem de excedentes, financiado por empréstimos
estrangeiros e com o serviço destes empréstimos garantido por um imposto sobre a
exportação de café. Prevista foi também uma política de desencorajamento da expansão de
245
plantações de café. Em 1924 o governo de São Paulo assumiu o suporte dos preços de café
através da compra e estocagem de excedentes e financiamento externo [Abreu p.4].
A década de 1920 foi para os Estados Unidos um período de expansão econômica expressiva
com inovações, produção de bens de consumo de massa (automóveis, rádio, refrigeradores
etc.) e serviços como o cinema. Kindleberger e Aliber [p.27] suspeitam que bolhas
especulativas, como a bolha especulativa no mercado acionário dos Estados Unidos, são
precedidas por um choque macroeconômico e de expectativas. O choque pode ser diferente
para cada expansão especulativa. Para a Grande Depressão nos Estados Unidos eles afirmam
que [p.27] “O choque nos Estados Unidos na década de 1920 foi a rápida expansão de
produção de automóveis e o desenvolvimento associado de rodovias juntos com a
eletrificação de grande parte do país e a rápida expansão do número de domicílios com
telefones.” A década de 1920 também foi caracterizada nos Estados Unidos por duas
mudanças constitucionais importantes, a introdução do voto feminino e a proibição de
produção, distribuição e venda de bebidas alcoólicas (revogação em 1933), alguns países
europeus (por exemplo, Alemanha em 1918) já introduziam o voto feminino antes, outros no
mundo, especialmente Austrália (1902) e Nova Zelândia (1893) já antes. Os Estados Unidos
tornaram-se depois da guerra a economia mais avançada no nível global e o maior credor
246
Uma anedota relata que um convidado de Roosevelt, na véspera de sua posse havia dito: “Se
você tem sucesso será o maior presidente da história dos Estados Unidos”. Resposta concisa de
Roosevelt: “E se eu falho o último presidente”. Em Pressler, Die erste Weltwirtschaftskrise,
p. 83
A análise da Grande Depressão precisa diferenciar entre fatores reais e monetários, entre
fatores que se apresentam como gatilhos da crise, fatores que aprofundavam e prolongavam a
crise, fatores que levavam ao contágio da crise nos Estados Unidos e Europa para a economia
global. Também é importante diferenciar a crise da economia real da crise financeira e suas
diferentes formas: Estouro de bolhas especulativas, crises bancárias, crises cambiais, crises da
dívida do setor privado e público e rupturas súbitas de fluxos de capital internacional (‘sudden
stops’). Neste ambiente da crise é importante também refletir sobre as crises dos balanços das
248
empresas (‘balance sheet recessions’) no sentido de Koo [2015], refletindo o ambiente depois
de uma expansão expressiva do crédito ao setor privado, da alavancagem exagerada, que
forca o setor privado na crise para o processo de diminuir a alavancagem (‘deleveraging’)
através de repagamento de dívidas. Este problema de endividamento elevado leva o setor
privado dar prioridade a repagar dívida fazendo impossível investimento e consumo através de
crédito fornecido pelo setor financeiro e do banco central a taxas de juros muito baixas. Este
cenário prevaleceu também depois da crise financeira global de 2008/2009 nos países centrais,
onde uma politica monetária extremamente expansionista (’quantitative e qualitative easing’)
não conseguiu expandir a economia real e o Estado precisava com uma expansão fiscal nos
moldes keynesianos com endividamento público fomentar o crescimento e a inovação. O
assunto da deflação é também um ponto de reflexão importante na avalição da Grande
Depressão, especialmente porque aprofunda os problemas de endividamento alto do setor
privado e público através de aumento expressivo do peso real dos serviços da dívida.
Na memória coletiva a quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 é lembrada como
inicio da Grande Depressão. Históricos e economistas diminuem hoje a importância deste
evento para a eclosão da crise e advertem que a crise não foi um evento uni causal, mas
consequência da combinação de muitos fatores causais com eventos contingentes.
Obviamente a quebra da bolsa foi um sinal importante para mudanças nas expectativas dos
agentes econômicos e na explicação das mudanças do ambiente econômico (financeiro e real)
e politico (nacional e internacional). Mas já antes da quebra houve sinais de uma recessão
nascente nos Estados Unidos e na Alemanha e problemas econômicos em muitos países na
Europa e no mundo. No Brasil houve especialmente o problema da intervenção do governo
Federal e depois do governo do Estado de São Paulo no mercado de café com financiamento
externo, o produto mais importante na pauta das exportações do Brasil, o que sustentou o
preço de café na década de 1920 até a crise, mas também levou a acumulação de estoques de
café, o crescimento da dívida pública e a entrada de novos produtores de café no nível
nacional e internacional. Quando a crise eclodiu, o crédito externo secou e os preços
começavam sua queda expressiva, e os problemas disfarçados do setor de café apareciam. A
queda abrupta dos preços internacionais de café levou a uma queda expressiva do valor das
exportações brasileiras, problemas de servir a dívida externa, problemas na sustentação da
taxa de câmbio com as moedas internacionalmente mais importantes: o US dólar e a libra.
No primeiro lugar e necessário narrar um resumo histórico dos primeiros sinais da crise, com
foco nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil, diferenciando por problemas na agricultura,
como nestes tempos o setor de agricultura foi ainda um setor importante em muitos países do
249
Em terceiro lugar é importante analisar a interdependência dos fatores monetários e reais com
eventos contingentes no aprofundamento e no prolongamento da crise, com foco nos Estados
Unidos, Alemanha e o Brasil.
Em um capítulo posterior sobre o papel das crises financeiras na Grande Depressão um olhar
especial precisa ser no ano 1931, que é visto por muitos economistas como um ano decisivo
no aprofundamento e prolongamento da depressão. A crise bancária na Áustria, a seguir a
crise bancária, cambial, e de dívida pública na Alemanha, o contágio para o Reino Unido que
251
em setembro de 1931 foi forçado a sair do padrão (câmbio) ouro, desvalorizando a libra e
introduzindo politicas protecionistas, e, finalmente, o contagio para os Estados Unidos, onde a
saída de ouro forçou a “Federal Reserve” aumentar a taxa básica, para evitar uma saída do
padrão ouro (que aconteceu somente em 1933 sob Roosevelt), e com isto em uma crise
profunda piorando uma crise bancária e prolongando a depressão. Por esta razão o ano 1931 é
visto para os Estados Unidos, Alemanha, e também para países como França, aderindo ainda
no bloco de ouro, como o ponto de viragem para o pior.
A tabela a seguir mostra picos e fundos da Grande Depressão para países escolhidos, a queda
da produção industrial e do PIBpc, a recuperação até 1938 e a saída do país do padrão
(câmbio) ouro, dados fornecidos por diferentes autores. A queda da produção industrial em
Espanha na fase de recuperação em outros países é consequência da guerra civil desde 1936,
não da Grande Depressão, a Espanha também não voltou ao padrão ouro depois da Primeira
Guerra Mundial.
Prod.
Prod.
Industrial
Pico Fundo Indust. PIBpc Saída do
Δ 1938/
Albers/ Albers/ Δ Fundo/ Δ Fundo/ Padrão
Fundo
Uebele Uebele Pico (%) Pico (%) Ouro
(%)
Romer
Romer
Europa
Alemanha 1929 Q3 1932 Q3 -41,8 -17,8 48,5 ago/31
Áustria 1929 Q3 1933 Q1 -23,4 25,6 set/31
Bélgica 1929 Q3 1932 Q3 -30,6 -8,8 4,9 mar/35
Checoslováquia 1929 Q3 1933 Q1 -40,4 -20,8 19,6 set/31
Dinamarca 1930 Q4 1932 Q3 -16,5 -4,3 11,5 set/31
Espanha 1929 Q3 1932 Q3 -9,2 -28,0 -
Finlândia 1928 Q2 1932 Q1 -6,1 40,8 out/31
França 1930 Q1 1932 Q2 -31,3 -15,9 12,8 out/36
Hungria 1929 Q3 1932 Q4 -9,2 21,1 jul/31
Itália 1929 Q3 1932 Q3 -33,0 -7,0 15,3 out/36
Noruega 1929 Q4 1931 Q3 -8,4 20,6 set/31
Países Baixos 1929 Q4 1932 Q3 -37,4 -16,0 9,3 out/36
Polônia 1929 Q1 1932 Q3 -46,6 -8,6 37,3 abr/36
Reino Unido 1929 Q3 1932 Q4 -16,2 -6,6 22,0 set/31
Romênia 1929 Q4 1933 Q1 -6,1 8,5 mai/32
Suécia 1929 Q4 1932 Q3 -10,3 -4,8 31,0 set/31
Suíça 1929 Q3 1932 Q4 -8,6 11,9 1936
América
Argentina* 1929 Q2* 1932 Q1* -17,0 -19,4 15,6 1929
Brasil* 1928 Q3* 1931 Q4* -7,0 -13,3 27,1 1930
252
Uma queda tão expressiva da produção teve como impacto uma explosão do desemprego e
dos problemas relacionados com o desemprego elevado e prolongado em um ambiente onde
o seguro desemprego ainda não existiu (Estados Unidos) ou rapidamente chegou a seus limites
financeiros (por exemplo, na Alemanha). A tabela a seguir mostra taxas de desemprego
estimadas em diferentes fontes, a discrepância entre as estimativas é devida a diferentes
conceitos de mensuração (desemprego geral ou industrial) bem como a fragilidade de levantar
os dados nos tempos entre as guerras. Para o Brasil não existem dados neste período para o
desemprego.
É importante enfatizar que os números dizem pouco sobre os impactos sociais da Grande
Depressão. Eles não contam histórias das tragédias humanas que a depressão trazia para o
homem esquecido e a mulher esquecida do povo, os empobrecidos, os desempregados, sobre
253
a perda de esperança, sobre a raiva dos excluídos pela crise, sobre as expectativas politicas. A
literatura fala melhor sobre isto, por exemplo, Stud Terkel em ‘Hard Times’, ou Steinbeck
(‘grapes of wrath’), Orwell (The way to Wigan Pier), Fallada (‘Kleiner Mann – was nun?’) ou
outros. Mas Terkel fala também das pessoas (75% da população ativa foram ocupadas na
Grande Depressão nos Estados Unidos, embora muitos com salários menores) que não foram
atingidas ou ganhavam com a depressão, usando as oportunidades que as crises também
oferecem. É importante considerar este fato, se não fica incompreensível porque a crise não
trazia transformações politicas mais profundas na economia americana do que o ‘New Deal’.
Neste contexto é também importante considerar que a União Soviética ficava totalmente ilesa
da Grande Depressão global [mas também com quedas nas exportações], embora a década de
1930 fosse lá um período sombrio de terrorismo stalinista: opressão, Gulag, os grandes
processos públicos contra parte da liderança comunista, a coletivização forçada da agricultura,
a deportação dos agricultores ricos (culaques) e certas etnias, as matanças em massa pela
fome e pela repressão da polícia política.
Fonte: NBER
A produção de carros nos Estados Unidos teve seu pico em abril de 1929 [NBER data], a
produção industrial em julho de 1929.
Em Alemanha o investimento privado houve seu pico no terceiro trimestre de 1927, seguido
de um período de queda em 1928 e uma recuperação mais fraca no terceiro trimestre de
1928, quando uma nova queda começou. Para a renda nacional e para a renda disponível
houve um pico no primeiro trimestre 1928 e em seguida uma queda e uma recuperação frágil
no primeiro trimestre de 1929, seguida pela queda final [dados trimestrais de Ritschl 2002
data]. A produção industrial teve seu pico em março 1928 iniciando depois a queda final. Em
1926/1927 houve uma expansão especulativa do índice de preços de ações alemã que o banco
central combateu aumentando a taxa básica de juros com impactos em 1928 também sobre a
produção geral. Nas contas nacionais anuais [Ritschl 2002 data] o pico do PIB foi em 1928 com
uma queda menor em 1929 seguida de uma queda mais aguda na Grande Depressão. Pode se
dizer que a Alemanha já se encontrou numa situação recessiva em 1929.
A quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 é vista por muitos historiadores e
alguns economistas (por exemplo, Galbraith) como sinal do inicio da Grande Depressão, bem
como seu gatilho. Com certeza a quebra levou a uma perda de riqueza para investidores
financeiros e aumentou a incerteza levando a certas restrições no consumo e no investimento.
255
Mesmo Galbraith (1997) que enfatiza a importância da quebra da bolsa para a Grande
Depressão, argumenta cautelosamente [p.88]; “Em 1929 a economia estava caminhando para
problemas. Estes problemas foram eventualmente de forma violenta refletida no mercado de
ações.” Muitos economistas e mesmo a ‘Federal Reserve’ em 1928 refletiam sobre a
especulação desenfreada na bolsa de valores apontando para uma possível bolha especulativa.
Esta possibilidade de altos rendimentos no mercado acionário dos Estados Unidos foi também
uma causa para a ruptura súbita dos fluxos internacionais de capital dos Estados Unidos para
Europa e a América Latina, por que investimentos financeiros no mercado acionário pareciam
mais promissores do que em títulos da dívida de países da Europa ou de América Latina.
Blanchard [2011, p. 297 p.] caracteriza bolhas especulativas: “Os preços das ações estão
sujeitos a bolhas ou modismos que fazem com que o preço de uma ação seja diferente de seu
valor fundamental. As bolhas são episódios em que os investidores financeiros compram uma
ação por um preço mais alto do que seu valor fundamental na esperança de vendê-la a um
preço ainda maior. Modismo é um termo geral para descrever momentos em que, por causa
da moda ou de excesso de otimismo, os investidores financeiros estão dispostos a pagar por
uma ação mais do que seu valor fundamental. Podem existir também bolhas no mercado
imobiliário e nos mercados de commodities”. O gráfico a seguir mostra o Dow Jones de 1920
até 1941 e sua taxa (suavizada) de crescimento contínuo mostrando o inicio da bolha em 1926,
tornando se mais expressiva em 1928 e 1929 e o estouro da bolsa em outubro de 1929.
Gráfico 25: Índice Dow Jones e taxa de crescimento contínuo do índice Dow Jones e taxa
suavizada de crescimento (HP λ =5) 1920-1941
256
Gráfico 26 Produção industrial mensal real (preços de 1929) e o índice DOW JONES janeiro de
1929 até dezembro de 1938
Fonte NBER
Outra fonte importante para a crise foi a situação deprimida da agricultura norte-americana
depois da Primeira Guerra Mundial, que durou quase toda década de 1920, causada pela
queda dos preços dos produtos agropecuários depois da guerra seguido do aumento da
produção agropecuária na guerra. O Estado precário da agricultura americana (e da agricultura
em outros países) no período entre as guerras foi um fator importante porque quase metade
da população norte-americana em 1920 ainda viveu e trabalhou no ambiente rural (e em
outros países a participação do emprego da agricultura foi – com exceções -ainda maior). Um
fator importante também porque com a expansão forte da agropecuária na guerra houve
expressivos investimentos do setor financiados por créditos. Estas dívidas e seus serviços
tornavam se mais pesadas com a queda expressiva dos preços agropecuários na curta, mas
257
aguda, depressão de 1920/1921, porque depois da depressão os preços não voltavam ao nível
na guerra, mas ficavam deprimidos em toda década de 1920. Este problema ainda foi
regionalmente pior para os estados no centro dos Estados Unidos por causa das secas na
década de 1920 e na Grande Depressão (na ‘dust bowl’). O gráfico a seguir mostra estas
tendências no valor nominal da produção, nos preços e na renda líquida da agricultura de 1913
até 1939.
Blanchard [p. 773 pp.] descreve o inicio da crise nos Estados Unidos da seguinte maneira:
“Segundo os relatores populares, a Grande Depressão foi causada pelo colapso da bolsa de
valores. Nem tanto. Uma recessão já havia começado antes do colapso e outros fatores
desempenharam um papel importante posteriormente na Depressão. Mesmo assim, o colapso
foi importante.” Os outros fatores podem ser os problemas da agricultura norte-americana na
década de 1920, a mudança das expectativas como consequência do estouro da bolha
especulativa no mercado acionário, a crescente desigualdade de renda e riqueza e o
endividamento crescente do setor privado na década de 1920. A desintegração do comércio
internacional e a deflação expressiva e suas consequências sobre o setor bancário, adicionado
os problemas dos bancos já castigados pela queda dos valores das ações e das falências no
setor agropecuário, são também outros fatores para explicar por que uma recessão se tornou
a Grande Depressão. A queda da quantidade de moeda nominal, falhas da politica monetária
de combater a crise e agir como emprestador de última instancia numa crise bancária aguda
em 1930, 1931 e 1933 são outros fatores. Muitos destes problemas da inatividade do governo
e do banco central podem ser explicados pela ortodoxia neoclássica hegemônica e pela rigidez
do padrão câmbio ouro.
Eichengreen e Temin [2010] apontam para uma explicação keynesiana da eclosão da crise:
Keynes foi claro sobre o impulso que desencadeou a Grande Depressão. Ele disse que em
meados de 1931 que [a causa] foi ‘a queda do investimento (...). Eu acho isto sem qualquer
dúvida que [a queda do investimento] seja toda a explicação do presente estado de coisas’.
(Keynes 1931, pp. 349-351). Seguimos Keynes, mas levando o argumento um passo adiante. As
políticas monetárias e fiscais restritivas da década tardia de 1920 induziram o investimento a
cair, [a politica restritiva] foi a consequência de adesão de políticos a ideologia do padrão-ouro.
(...) Como resultado dessa ideologia, autoridades monetárias e fiscais implementavam políticas
contracionistas quando a retrospectiva mostra claramente que eram necessárias políticas
expansionistas. [p.3]
Ela [A Grande Depressão] começou como uma contração econômica não atípica, primeiro na
Alemanha e depois nos Estados Unidos. Esta desaceleração corriqueira, em seguida, foi
convertida na Grande Depressão pelas ações de bancos centrais e governos, especialmente na
onda de crises cambiais no verão e outono de 1931. [p.12]
As políticas foram perversas porque elas foram formuladas para preservar o padrão-ouro, não
para estabilizar a produção e o emprego. Os banqueiros centrais pensavam que a manutenção
do padrão-ouro com o tempo vai restaurar o [pleno] emprego, enquanto as tentativas para
aumentar diretamente o emprego falhariam. [p.13]
Temin [p. 43 pp.] aponta que quatro eventos no período do quarto trimestre de 1929 até o fim
de 1930 são apresentados na discussão acadêmica como fatores importantes para o
aprofundamento e a propagação da crise: A queda do mercado acionário em Nova York em
outubro de 1929, o Ato Tarifário de Smoot Hawley em 1930, a primeira crise bancária [descrita
259
Temin não nega a importância destes fatores para o aprofundamento da crise e sua
propagação, mas, num lado, aponta para os efeitos pequenos destes eventos, noutro lado,
nega com argumentos teóricos a importância de alguns fatores para o aprofundamento da
crise nos Estados Unidos em 1930.
A respeito da queda do mercado acionário ele argumenta que o efeito deste choque deve ser
pequeno demais para explicar a queda expressiva da produção e do consumo em 1930,
admitindo que a queda tivesse um efeito riqueza negativo e aumentou a incerteza. Kennedy
[1999, p. 40 p.] aponta também que a influência da queda do mercado de ações foi exagerada
por muitos historiadores, porque eles confiavam numa estimativa da bolsa de Nova Iorque de
que cerca vinte milhões de americanos possuíram ações. O departamento de tesouro calculou
que somente cerca três milhões de americanos possuíram ações em 1928, menos de 2,5% da
população. E as corretoras reportavam um número muito menor de cerca 1,5 milhões de
clientes em 1929. Mas o efeito riqueza e o aumento da incerteza ficam um momento muito
importante para a explicação da Grande Depressão, embora em outros países seriamente
atingidos pela crise como Alemanha não teve o estouro de uma bolha especulativa em 1929
(em Alemanha houve uma expansão especulativa do mercado de ações em 1926/1927).
Importante é também o fato de que parte da bolha foi financiada por crédito, acelerando a
queda pela necessidade de liquidar ações em caso de ‘margin calls’ das corretoras que não
podem ser satisfeitas por dinheiro líquido dos clientes.
A respeito do Ato Tarifário Smoot Hawley ele argumenta que um aumento das taxas de
importação é, como uma desvalorização, uma politica expansionista para os Estados Unidos,
embora uma politica de empobrecer a vizinhança para os parceiros comerciais, que pode ter
como consequência uma retaliação de outros países. Mas novamente ele argumenta [1991, p.
46] que as exportações em vez de sete por cento do PIB nos Estados Unidos e a queda das
exportações nos próximos dois anos em 1,5 por cento do PIB o efeito negativo é pequeno. Mas
também é necessário considerar que um aumento das taxas de importação do maior credor do
mundo, os Estados Unidos, dificultou a situação de países devedores, como a Alemanha, de
conseguir divisas para servir as dívidas com os Estados Unidos. Uma politica protecionista que
implica retaliações de outros países também complica a situação de países devedores,
especialmente se eles, como Brasil, enfrentam quedas expressivas dos preços de suas
exportações no mesmo tempo. Mas para os Estados Unidos o aumento das taxas de
260
importação foi uma ação expansionista sem consideração das possíveis retaliações de outros
países, que também foram posteriormente realizadas.
Sobre a crise bancária de dezembro de 1930 Temin argumenta que esta crise bancária foi um
menor evento na história econômica [1991, p. 51]. As crises bancárias de 1931 e 1933 nos
Estados Unidos houvessem impacto muito maior, bem como as crises bancárias de 1931 na
Europa.
Um choque negativo de preços, como a queda dos preços de commodities, tem impactos
diferentes para diferentes grupos e países [1991, p.55. p.]. Para um país com exportações
concentradas em poucas commodities, o choque negativo é um desastre. Este foi, por
exemplo, o caso do Brasil (e Chile). Para os países importadores este choque foi positivo, com
um efeito líquido provavelmente positivo para os Estados Unidos com mais consumidores do
que produtores agrícolas.
Mas ele afirma também que é necessário ver a queda dos preços das ações e das commodities
inserido em um processo mais generalizado de deflação na Grande Depressão. A deflação tem
um efeito estático [efeito Keynes] aumentando o estoque de moeda real com impactos
positivos sobre produção e emprego e um efeito dinâmico [efeito Mundell] sobre as
expectativas das pessoas [Temin, 1991, p. 56]. Esperando quedas futuras dos preços, as
pessoas adiam compras para um futuro com preços menores. A queda dos preços aumenta
também o peso real da dívida levando a falências para devedores [como também descrita na
teoria da deflação da dívida de Fisher] embora ela favorecesse os credores (quando o crédito é
pago), como os devedores muitas vezes tem renda menor do que os credores, o efeito líquido
sobre o consumo é negativo. Embora é necessário adicionar o fato de que em caso de default
dos devedores, os credores perdem também com a deflação. Mas Temin [1991, p. 56 p.]
argumenta que em 1930 não houve expectativas negativas expressivas da comunidade de
negócios de uma deflação prolongada, lembrando a curta, mas explosiva, deflação na crise de
1921. Importante neste contexto é também a teoria de deflação da dívida de Fisher apontando
para um peso maior da dívida e dos serviços da dívida em termos reais em caso da deflação
levando a falências de empresas e indivíduos e um default sobre suas dívidas enfraquecendo a
posição dos bancos diminuindo o valor dos ativos (empréstimos e investimentos em ações e
títulos da renda fixa), diminuindo o capital (que cobre os prejuízos) e aumentando o peso real
das dívidas.
A queda da produção nos Estados Unidos na crise pode ser vista na tabela a seguir, resumindo
as taxas e crescimento de variáveis das contas nacionais bem como nos gráficos anteriores
261
relativos a produção industrial e agropecuária. Como se pode ver também na tabela a seguir os
preços estavam também em queda desde o terceiro trimestre de 1929. A tabela mostra
também que o investimento (em equipamentos, da construção civil (CC) em estruturas não
habitacionais e habitacionais) mostrou a queda mais expressiva entre inicio da queda e o piso
da depressão no primeiro trimestre de 1933, seguido pelo consumo de bens duráveis, das
exportações e das importações, a queda do consumo das não duráveis foi ainda expressiva em
menos 22 %. Todas estas variáveis mostram também quedas expressivas nos preços. É
importante enfatizar que o investimento imobiliário já estava em queda desde o terceiro
trimestre de 1925. É também importante enfatizar que a maioria das variáveis no primeiro
trimestre de 1940 ainda foi em um nível menor do que no terceiro trimestre de 1929. A
exceção são os gastos do governo em primeiro lugar para fins militares num ambiente global
de guerra em Europa e Ásia. Foi, sem dúvida, a guerra que retornou os Estados Unidos
(entrando na guerra em dezembro de 1941) ao pleno emprego e a recuperação econômica. O
papel do ‘New Deal’ de Roosevelt depois de março 1933 na recuperação da economia
americana está ainda controversa, embora houvesse neste período pela primeira vez
tentativas expressivas do Estado norte-americana para ativamente combater a depressão,
tentativas nem sempre consistentes, mas que, sem dúvida, conseguiam reverter as
expectativas pessimistas.
Tabela 46 Grande Depressão Estados Unidos: Variação percentual do PIB real e seus
componentes e do deflator do PIB e dos componentes (Contas Nacionais trimestrais)
3. tr. 3. tr. 3. tr. 3. tr. 1. tr. 1. tr.
1. tr. 1933/
1929/ 1. 1929/ 1. 1929/ 3. 1929/ 3. 1940/ 1. 1940/ 3.
3. Tr. 1929
Tr. 1913 Tr. 1919 Tr. 1925 Tr. 1926 Tr. 1933 Tr. 1929
PIB Real 58,6% 41,3% 16,1% 9,7% -36,2% 60,0% 2,0%
Deflator PIB 69,6% -3,2% -2,6% -0,7% -26,9% 20,0% -12,3%
Investimento equipamentos n.d. 39,1% 23,7% 12,4% -79,0% 306,0% -14,6%
Deflator Investimento equipamentos n.d. 23,8% 3,6% 2,7% -22,9% 27,8% -1,5%
Investimento CC não habitacional n.d. 172,5% -12,0% -8,1% -76,7% 52,9% -64,4%
Deflator Investimento CC não
n.d. 8,0% -0,6% -0,8% -25,3% 28,0% -4,4%
habitacional
Investimento CC habitacional n.d. 75,1% -16,2% -20,3% -84,2% 357,1% -27,6%
Deflator Investimento CC habitacional n.d. 25,8% 1,8% 0,9% -33,1% 45,1% -3,0%
Consumo Duráveis n.d. 68,0% 13,8% 9,0% -55,0% 113,7% -3,8%
Deflator Consumo Duráveis n.d. 32,4% -0,9% -0,1% -20,6% 6,5% -15,4%
Consumo Não Duráveis n.d. 38,7% 18,2% 6,2% -22,0% 33,9% 4,5%
Deflator Consumo Não Duráveis n.d. 13,3% -0,3% 0,3% -22,7% 11,4% -13,9%
Exportações n.d. 5,0% 16,7% 9,3% -44,2% 68,8% -5,8%
Deflator Exportações n.d. -36,2% -11,8% -6,5% -48,9% 64,0% -16,2%
Importações n.d. 91,1% 25,5% 21,8% -37,7% 34,5% -16,2%
Deflator Importações n.d. -24,9% -18,8% -15,5% -55,3% 64,3% -26,5%
Gastos Governo n.d. -19,1% 14,2% 17,2% 2,9% 47,3% 51,6%
262
Deflator Gastos Governo n.d. 29,6% 6,2% 3,6% -13,6% 14,7% -0,9%
Fonte: NBER, Cálculos próprios
Embora todos os economistas enfatizassem o papel do lado monetário da economia na
eclosão da crise como importante, a ênfase de diferentes economistas está na queda da
moeda restrita (M1) e da politica monetária do FED e de sua falha em agir com emprestador
de última instância nas crises bancárias (especialmente Friedman e os monetaristas), da
expansão e retração do crédito (especialmente economistas da escola austríaca como
Rothbard, mas também economistas da corrente Keynesiana como Minsky) ou da rigidez do
sistema monetário internacional – padrão câmbio ouro – no tempo entre as guerras
(Eichengreen e Temin).
Mas Keynes dava ênfase especial aos problemas da informação imperfeita e assimétrica que
influencia o comportamento dos atores nos mercados financeiros em sentido amplo. Nos
mercados financeiros em sentido amplo são negociadas promessas de fluxos de caixa no
futuro contra moeda (créditos, ações, títulos da dívida etc. são concedidos ou vendidos sobre a
expectativa de que geram rendimentos futuros acima do reembolsamento do investimento
inicial ou da dívida, expectativas que podem ser decepcionadas). O futuro é incerto e muitas
transações baseiem-se mais nos instintos animais dos investidores financeiros do que em
decisões racionais. A incerteza fundamental também inviabiliza cálculos do risco baseados em
probabilidades, um pressuposto básico da teoria de expectativas racionais e de mercados
eficientes. A instabilidade do sistema financeiro é por esta razão também para Keynes e ainda
mais para Minsky o fator decisivo para a instabilidade da demanda agregada, um fato muitas
vezes esquecido na formalização das ideias keynesianas por Hansen e Hicks através do modelo
IS-LM, focando especialmente na queda do investimento e do consumo de bens duráveis.
A tabela anterior e a seguinte mostram de forma clara esta queda expressiva da demanda
global: queda expressiva do PIB e da produção industrial entre setembro de 1929 e março
1933 (fundo da crise), e dos componentes do PIB: o investimento em estruturas habitacionais
e não habitacionais, o investimento em equipamentos (obviamente também o investimento
em estoques, que não aparece na tabela), e o consumo de bens duráveis. Importante é
também a queda das exportações e importações, um fator importante no contágio da crise
para o mundo. Esta queda da demanda agregada leva a um aumento expressivo da taxa de
desemprego chegando em 1933 em 25% da força de trabalho e cerca 37% da força de trabalho
industrial. Obviamente este fato levou economistas tão diferentes como Keynes, Bernanke e
Eichengreen analisarem a rigidez dos salários nominais e o comportamento dos salários reais
(muitas vezes em ascensão por causa da deflação dos preços e da rigidez nominal dos salários),
um problema considerado num capítulo posterior. Importante neste contexto é também
263
analisar a inatividade dos governos nos primeiros anos da crise restringida pela regra do
orçamento equilibrado e da defesa da paridade no padrão câmbio ouro, negligenciando a
possibilidade de uma politica fiscal expansionista keynesiana financiada por emprestimos
(‘deficit spending’) acompanhada de uma politica monetária expanisonista (impossivel em um
ambiente de padrão ouro focalizando a estabilidade externa do valor da moeda (a taxa de
cãmbio)).
Fontes: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, January 2009, http://www.ggdc.net
para PIB e produção industrial, Eichengreen/Hatton para desemprego Industrial, BLS para desemprego
Os canais de transmissão mais importantes são: Canais na economia real: transmissão através
da queda das exportações, queda dos lucros, da renda e do emprego em certos ramos da
produção e na economia como um todo iniciando um circulo vicioso; Canais na economia
monetária no sentido amplo: Estouro de uma bolha especulativa no mercado acionário dos
Estados Unidos, paradas súbitas (‘sudden stops’) dos fluxos de capitais internacionais e da
264
concessão do crédito no nível nacional (‘credit crunch’), crises cambiais, crises bancárias com
falências dos bancos, queda da quantidade de moeda nominal e deflação aguda aumentando a
fragilidade do sistema financeiro e de outros devedores; a rigidez do sistema monetário
internacional de câmbio ouro com um viés deflacionário contagiando a economia global e
impedindo programas fiscais e monetários expansionistas e ações dos bancos centrais de
salvar o sistema financeiro (agindo como emprestador de última instância); Canais de
expectativas: Expectativas positivas na expansão tornam-se negativas desde o inicio da crise
(Aqui há também um efeito ‘overshooting’ ultrapassagem: o otimismo exagerado torna se um
pessimismo exagerado). Queda do valor de ativos financeiros e a deflação generalizada levam
a um efeito de riqueza negativo e a um aumento da incerteza, restringindo gastos com
investimentos e consumo. A queda dos gastos com investimentos e consumo desequilibra as
contas fiscais (com a queda dos impostos) e sob o mantra do orçamento equilibrado leva a um
aumento dos impostos e/ou diminuição dos gastos do governo piorando o cenário depressivo
da queda da demanda global e da deflação; Canais políticos: A ideologia neoclássica
prevalecente na época e a rigidez do padrão câmbio ouro levam governos e bancos centrais a
certa inatividade, evitando intervenções expansionistas, e – às vezes – às intervenções
deflacionistas que agravavam a crise. A tentativa de proteger a economia nacional da
concorrência estrangeira leva a medidas protecionistas incentivando medidas de retaliação de
outros países prejudicando o comércio internacional. A saída do padrão câmbio ouro com
desvalorização da moeda nacional e/ou controles de fluxos de capitais – uma medida para
expandir a economia nacional a custos da vizinhança – pode levar a uma corrida de
desvalorizações perdendo se os efeitos expansionistas, mas também abrindo a possibilidade
de intervenções monetárias expansionistas.
enfraquecendo a libra e em setembro de 1931 levando o Reino Unido para a sáida do padrão
câmbio ouro e desvalorizar a libra aliviando a crise no Reino Unido. Mas este fato leva a uma
saída de ouro e um aumento da taxa básica nos Estados Unidos seguindo as regras do padrão
ouro levando a uma nova crise bancária e um aprofundamento da depressão nos Estados
Unidos.
A tabela a seguir mostra o comportamento das variáveis monetárias em sentido amplo antes
da crise, na crise e na recuperação.
3. tr. 1929/1. Tr. 1920 1. tr. 1933/3. Tr. 1929 2. tr. 1938/3. Tr. 1929
Empréstimos ações EUA 67,0% -46,1% -67,6%
Outros empréstimos 17,4% -40,7% -36,1%
Depósitos 6,5% -15,4% 11,2%
M1 10,2% -27,3% 10,6%
M2 19,2% -30,4% -4,8%
M0 3,5% 23,1% 99,5%
Reservas bancárias 12,1% -3,9% 228,1%
Índice preços atacado -0,3% -37,4% -18,6%
M1 real 10,5% 16,0% 35,9%
M2 real 19,5% 11,0% 17,0%
M0 real 3,8% 96,4% 145,1%
Reservas bancárias reais 12,4% 53,5% 303,1%
266
O gráfico a seguir mostra a taxa básica nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na
Alemanha no período entre as guerras. Alguns autores fazem a queda pequena da taxa básica
em 1927 nos Estados Unidos (para ajudar o banco da Inglaterra e o Reino Unido) responsável
para a bolha especulativa no mercado acionário, e o aumento antes da crise em 1929
responsável pelo estouro da bolha. O gráfico mostra que a taxa básica nos Estados Unidos já
chegou ao nível de 5% no inicio de 1928 sem ter grandes consequências sobre a valorização
dos preços das ações (que se acelerou ainda mais), sobre a expansão do crédito e da expansão
da produção, somente em agosto de 1929 o FED aumentou a taxa básica novamente para 6%
para diminuir a especulação no mercado de ações. Alguns economistas veem aqui o gatilho
para a queda. Mas depois da quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro a taxa básica seguiu
em queda, mas com a deflação expressiva a taxa real de juros ainda ficava bem elevada, até
com a saída do Reino Unido do ouro em setembro de 1931 o FED novamente elevou a taxa
básica para diminuir as saídas de ouro dos Estados Unidos levando a um novo
aprofundamento da depressão. A crise bancária na Europa na primavera e no verão de 1931
levava o banco central alemão para um aumento expressivo da taxa básica (com controles dos
fluxos de capital, saindo com isto do padrão (câmbio) ouro, mas sem desvalorização e uma
267
politca monetária muito mais expansionista). Como consequência dos controles de captal na
Alemanha os ataques especulativos deslocavam se para o Reino Unido, que aumentou
primeiro a taxa básica, mas em setembro de 1931 foi saindo do padrão ouro e desvalorizando
a libra, facilitando a queda da taxa básica e uma politica monetária um pouco mais
expansionista. Com a saída do Reino Unido (acompanhado de muitos outros países) do padrão
(câmbio) ouro os ataques especulativos deslocavam se para os Estados Unidos (receiando uma
possível desvalorização do dólar) com saídas de ouro. A FED respondeu com um aumento da
taxa básica para garantir o valor externo da moeda americana, mas com isto aprofundando e
prolongando a depressão. A crise de 1931 será analisada de forma mais profunda num capítulo
posterior como ponto de viragem da crise para pior.
Gráfico 28 Taxas básicas dos bancos centrais de Alemanha, Estados Unidos, França e Reino
Unido 1919 – 1938
Fonte NBER [Para Alemanha os dados no tempo da hiperinflação de 1923 foram excluídos]
O gráfico a seguir mostra as reservas de ouro dos bancos centrais e governos dos Estados
Unidos, do Reino Unido e da França em milhões de US$ de junho de 1928 até outubro de
1933. A França tinha fortes influxos de ouro até a saída de padrão ouro do Reino Unido em
setembro de 1931, porque voltou em 1926 ao ouro com uma taxa de câmbio subvalorizada,
mas grande parte dos influxos foi esterilizada. No gráfico pode se ver também a saída de ouro
dos Estados Unidos em setembro de 1931 que fez a FED aumentar a taxa básica, levando os
bancos nos Estados Unidos para uma nova crise.
268
Gráfico 29 Reservas em ouro dos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, do reino
Unido e da França em milhões de US$ junho 1928 até outubro de 1933 [US$ 20.67 por ounce]
A tabela a seguir mostra a quebra dos bancos nos Estados Unidos na Grande Depressão, a
perda de depósitos e a queda do crédito pelos bancos. A tabela mostra que a crise bancária
em 1931 (seguindo a crise bancária na Áustria e Alemanha de maio 1931 até julho de 1931 e a
saída do padrão ouro do Reino Unido em setembro de 1931) foi severa, mas a crise em 1933
foi ainda mais desastrosa com mais de um quarto dos bancos quebrando e os depósitos
envolvidos nestes bancos de 8,5% dos depósitos totais. Temin [1994, p. 9 pp.] argumenta que
a crise bancária do fim de 1930 não foi tão importante em efeitos macroeconômicos como
Friedman e Schwartz apontam. A tabela mostra um aumento das quebras dos bancos em
1930, mas menos significativo do que em 1931 e especialmente em 1933. Obviamente o FED
não conseguiu agir como emprestador de última instância seguindo as regras do padrão ouro
para defender a taxa fixa de câmbio. Somente com a saída do ouro em 1933 sob o governo
Roosevelt a politica monetária pode se tornar mais expansionista e a crise bancária de 1933 foi
controlada (também pela introdução de um feriado bancário com seleção de bancos ainda
viáveis).
Tabela 49 Suspensão dos Bancos na Grande Depressão nos Estados Unidos 1928-1934
Na opinião de Temin (1994, p. 6 pp.) nem os fatores monetários e as crises bancárias até 1931
(Friedman e Schwartz), nem o aumento das taxas de importação (Smoot Hawley), nem a
quebra da bolsa em outubro de 1929 (Galbraith), nem o colapso dos preços de commodities
(Kindleberger) podem explicar a profundidade da Grande Depressão nos Estados Unidos.
Temin argumenta que estes choques adversos não foram tão expressivos para poderiam
explicar a profundidade da Grande Depressão nos Estados Unidos. Também, em sua opinião, a
crescente desigualdade levando a efeitos como subconsumo/superprodução e aumento da
especulação não pode explicar a depressão profunda nos Estados Unidos [Temin (1994 p.4
pp.)]. Obviamente todos os fatores incluindo a reversão das expectativas dos agentes
econômicos em conjunto com a rigidez e o viés deflacionário do padrão câmbio ouro que
levou a inatividade nas politicas econômicas e parcialmente a politicas que pioravam a crise
são um fator suficiente para explicar a Grande Depressão nos Estados Unidos.
Como o gráfico anterior mostra houve um aumento da desigualdade da renda nos Estados
Unidos na década de 1920, mas como Temin reporta para os 10% no topo em cerca 5 pontos
percentuais. Uma melhora da distribuição da renda nos Estados Unidos acontece somente
com o fim da segunda guerra mundial. Mas é importante considerar que desde a metade da
década de 1970 a desigualdade nos Estados Unidos está crescendo outra vez rapidamente e na
interpretação da crise financeira global de 2008/2009 este fator da crescente desigualdade da
renda está novamente em discussão.
A crise financeira global, discutida em um capítulo posterior, mostrou também uma bolha
especulativa e seu estouro (nesta vez no mercado imobiliário dos Estados Unidos) e uma
expansão expressiva do crédito com inovações financeiras (especialmente nos créditos
hipotecários e nos derivativos). Interessantemente já antes da crise financeira global
Eichengreen e Mitchener [2003] analisam a Grande Depressão como uma bolha (‘boom’) de
crédito dando errado. Eles consideram que a ampla disponibilidade de crédito em 1925
alimentava uma bolha no mercado imobiliário [em 1925] e em 1928/1929 no mercado
acionário. Kindleberger [2011] e Minsky [2008] advertem que as possibilidades de bolhas nos
mercados de crédito, imobiliários, acionários e de commodities podem levar a uma crescente
instabilidade do sistema financeira e para a eclosão de crises financeiras. Eichengreen e
Mitchener [2003] advertem que uma expansão expressiva do crédito no padrão ouro é mais
improvável, mas eles mostram que a razão do crédito privado para o PIB quase duplicou de
1913 até 1929 nos Estados Unidos e no Reino Unido [p. 64]. Eles resumem sua pesquisa da
seguinte forma [p. 53]: “A Depressão foi um evento complexo e multifacetado. A perspectiva
proporcionada pela visão da bolha (‘boom’) de crédito é um complemento útil dessas
interpretações mais convencionais.” Entre as interpretações convencionais é a rigidez do
padrão câmbio ouro, a queda da demanda global e a reversão de expectativas otimistas, a
bolha especulativa no mercado acionário dos Estados Unidos, os problemas monetários (crises
bancárias e queda da moeda nominal e deflação aguda) etc. O problema da reversão das
expectativas otimistas na década de 1920 até a quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro
de 1929 é também assunto de uma discussão controversa, muitos economistas advertem que
no fim de 1929 e em 1930 existiam amplas expectativas sobre uma rápida recuperação da
economia, nos Estados Unidos e em outros países, especialmente Alemanha. A lembrança da
rápida recuperação da economia dos Estados Unidos e do Reino Unido na crise profunda de
1920/1921 e a confiança da ideologia neoclássica na recuperação automática rápida de uma
economia de mercados livres e de preços flexíveis devem ser fontes destas previsões otimistas.
271
Mas existe também certa dúvida sobre isto, por que a queda acumulada da produção
industrial desde setembro de 1929 até o fim de 1930 foi já expressiva 28,5%, a queda do PIB
desde o 3 trimestre de 1929 foi de 22,4%, a deflação acumulada no mesmo período foi de
menos 15,6% e a queda do índice de todas as ações de menos de 46,4% (NBER macrohistory),
não uma base para expectativas otimistas.
Para o contágio da crise para o mundo a maioria dos autores responsabiliza em primeiro lugar
a rigidez do padrão câmbio ouro, mostrando que países que abandonam mais rápido o padrão
ouro (como o Brasil) foram menos castigados. Importante no contágio da crise são as
mudanças das expectativas, a queda da demanda global com impacto sobre as exportações e
os preços das commodities e as rupturas súbitas dos fluxos de capitais (sudden stops), que
levavam muitos países a crises cambiais, bancárias e crises da dívida externa (como no Brasil
onde houve um esvaziamento rápido das reservas internacionais e moratórias da dívida,
embora uma crise bancária séria fosse evitada). A tabela a seguir mostra a queda expressiva
das exportações mundiais, dos Estados Unidos e do Brasil na Grande Depressão, mostrando a
forte deflação dos preços das exportações, mas também do volume e do valor.
Tabela 50 Índices Valor, volume e preços das exportações mundiais, dos EUA, Alemanha e
Brasil 1921-1938 (1929 =100)
272
Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export.
Mundo Mundo Mundo EUA EUA EUA Alemanha Alemanha Alemanha Brasil Brasil Brasil
Valor Preço Volume Valor Preço Volume Valor Preço Volume Valor Volume Preço
1921 59,7 106,0 57,5 84,3 117,2 71,7 48,9 87,1 56,2
1922 65,8 102,0 66,3 72,6 107,8 66,0 65,9 92,5 71,3
1923 74,2 110,0 68,8 79,1 115,6 67,9 72,7 100,6 72,3
1924 83,0 112,0 75,0 87,9 112,5 77,4 91,2 91,6 99,6
1925 95,2 120,0 80,0 93,9 114,1 81,1 67,1 100,9 66,5 107,9 89,6 120,4
1926 90,3 110,0 82,5 91,7 104,7 86,8 75,2 100,2 75,0 99,5 88,5 112,5
1927 95,2 104,0 91,3 92,3 98,4 92,5 79,8 101,2 78,9 93,7 98,2 95,4
1928 99,1 104,0 95,0 97,6 100,0 96,2 89,9 101,4 88,7 102,9 95,3 108,0
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 79,7 86,0 92,5 73,3 89,1 81,1 88,5 94,2 94,0 69,4 105,8 65,6
1931 56,7 68,0 83,8 46,0 68,8 66,0 70,9 82,7 85,8 53,0 114,8 46,2
1932 38,5 54,0 71,3 30,4 57,8 50,9 44,2 71,7 61,7 39,0 79,7 48,9
1933 44,5 62,0 72,5 31,9 60,9 50,9 35,9 64,8 55,4 47,1 99,8 47,2
1934 57,0 76,0 76,3 40,6 71,9 54,7 32,2 62,0 52,0 63,6 108,6 58,6
1935 59,1 74,0 80,0 43,3 73,4 58,5 33,0 59,0 55,9 58,5 120,0 48,8
1936 63,9 78,0 82,5 46,6 75,0 60,4 40,2 59,8 67,3 69,6 128,0 54,4
1937 78,2 84,0 93,8 63,4 79,7 79,2 50,6 64,0 79,0 75,3 124,0 60,7
1938 68,8 78,0 88,8 58,7 73,4 77,4 47,8 67,1 71,3 63,9 152,1 42,0
Fonte: http://unstats.un.org/unsd/trade/imts/historical_data.htm, Alemanha: http://www.gesis.org/histat/de/data/themes/23
Obviamente preços e quantidades de exportações em queda resultavam em uma queda
expressiva dos valores das exportações. Obviamente a queda da demanda global com a
consequência da queda das exportações (e importações) espalhou a crise para o mundo,
rupturas súbitas de entradas de capital a longo e a curto prazo (hot Money) com fugas de
capital, crises bancárias, crises de balanço de pagamentos e crises e defaults sobre a dívida
pública e privada aumentavam ainda estes problemas. Temin (1994 p. 8) argumenta que o
aumento das taxas de importações nos Estados Unidos (Smoot Hawley) com certeza levou a
medidas retaliatórias de outros países e com isto a uma desintegração maior do comércio
internacional. Mas como explicação para a duração e profundidade da Grande Depressão nos
Estados Unidos ele rejeita o argumento da importância das tarifas Smoot Hawley, porque as
exportações norte-americanas representavam somente 7% do PIB em 1929 e resultavam em
uma queda de 1,5% (em relação ao PIB) nos próximos dois anos. Ele rejeita também o efeito
recessivo do ato tarifário de Smoot Hawley para os Estados Unidos com o argumento que um
aumento das tarifas (ou uma desvalorização) é uma medida expansionista para a economia
nacional, embora retaliações dos países parceiros comerciais possam reverter esta politica de
empobrecer a vizinhança.
Um papel importante no contágio da crise para o mundo são as rupturas súbitas dos fluxos
internacionais de capital e – em primeiro lugar – as fugas e capital de curto prazo (‘hot
money’), estes efeitos desestabilizadores dos fluxos de capitais levavam para a introdução de
273
controles de capitais nos anos pós-guerra de Bretton Woods. Este ponto é especialmente
importante para explicar os eventos da crise na Alemanha e no Brasil.
Em relações aos credores James [1995, p. 4] afirma que as exportações médias anuais de
capital de longo prazo dos Estados Unidos mais que dobravam em 1924 -1928 para 1.142
milhões de US$ em relação ao período de 1919-1923, enquanto os do Reino Unido
aumentavam em 171 milhões de US$ para 587 milhões de US$. No período de 1929 até 1931
as exportações de capital dos Estados Unidos diminuam para 595 milhões de US$ e no período
depois de 1932 quase secavam para 28 milhões de US$, para o Reino Unido os números são
399 e 143 milhões de US$ para os respectivos períodos. James resume esta ruptura súbita da
seguinte forma: “Um fluxo de capitais para os países devedores foi seguido por um colapso de
confiança e, em seguida, por um período em que a direção do fluxo de capital foi revertida.
Capital foi -na segunda fase – devolvido aos países credores e países devedores foram forçados
ao ajuste.”
Este fato pode ser analisado de forma mais profunda para a Alemanha e para o Brasil,
considerando também as crises bancárias, crises cambiais e de balanço de pagamentos, bem
como crises da dívida soberana e privada.
“Quando a Grande Depressão atingiu o mundo depois de 1929, o padrão ouro era fraco. (...).
Houve uma onda de desvalorizações retaliatórias e uma guerra de tarifas de importação. Em
1933 os Estados Unidos impuseram um embargo às exportações de ouro, introduziram
controles de câmbio e desvalorizavam o dólar, de $ 20,67 para $ 35 por onça do ouro. O golpe
de misericórdia foi a dissolução do bloco de ouro (França, Bélgica, Países Baixos, Itália, Suíça,
Polônia) depois da desvalorização do franco belga, em 1935. ” [Burda&Wyplosz p. 394]
Eichengreen [1992, p. 15] afirma: “Assim, a crise debilitante de 1929-1930 não era
simplesmente o produto de uma mudança contracionista da política monetária dos EUA, mas
uma mudança na política restritiva em todo o mundo”, políticas ligadas pelas regras do
padrão-ouro. Eichengreen e Temin afirmam [2010, p. 3] que os governos e bancos centrais
foram tão lentos em combater a crise, porque “Escolhas nos anos ao redor de 1930 foram
feitas de acordo com uma visão de mundo em que a manutenção do padrão ouro - tal como
era, no final da década de 1920, era o pré-requisito fundamental para a prosperidade. Como
resultado dessa ideologia, autoridades monetárias e fiscais programavam políticas
contracionistas quando – na retrospectiva – se mostrou claramente que eram necessárias
políticas expansionistas.”. Eichengreen e Temin [p.13] acrescentam que as “Políticas foram
perversas porque elas foram formuladas para preservar o padrão-ouro, não para estabilizar a
produção e o emprego. Os banqueiros centrais pensavam que a manutenção do padrão-ouro,
com o tempo facilitava a restauração do emprego, enquanto as tentativas para aumentar o
emprego diretamente falhariam”. A mentalidade do padrão ouro é descrita por Eichengreen e
Temin [1997, p. 3]: “As virtudes vitorianas e eduardiana da economia, confiabilidade,
estabilidade e cosmopolitismo foram invocados ritualmente como atributos do sistema
monetário. O ouro era moral, de princípios e civilizado; moeda gerenciada [fiat money] o
oposto. O primeiro foi preservado pela deflação, a deflação foi cortar salários. Apenas
276
Resumindo a maioria dos autores concorda que os países que saiam mais rápido do padrão
(câmbio) ouro na Grande Depressão, conseguiam sair da crise mais rápido através de politicas
monetárias (e fiscais) mais expansionistas e – parcialmente – de desvalorizações da moeda
nacional, embora isto prejudicasse os países que permaneciam com sua paridade com o ouro.
Os países que defendessem sua paridade de ouro por mais tempo sofriam mais na Grande
Depressão e demoravam a se recuperar. Uma desvalorização coordenada dos países de suas
moedas em relação ao ouro foi teoricamente uma possibilidade de estimular as economias
nacionais através de politicas monetárias nacionais mais expansionistas, também evitando os
problemas da corrida desvalorização que ocorreriam de fato, mas no clima politico
internacional neste período esta coordenação não se tornou possível, somente com o contrato
de estabilização das taxas de câmbio entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a França em
setembro de 1936 foi feito um passo nesta direção, mas a maioria dos países seguiu seus
caminhos de autarquia.
Ritschl [2012, p. 1. Pp.] resume a história da Grande Depressão na Alemanha desde a expansão
econômica depois da estabilização da moeda em 1924 (terminado a hiperinflação de 1923) e
da volta ao ouro em setembro de 1924 da seguinte forma: “Depois de ser um importador
expressivo de capital durante o Plano Dawes de 1924-1929 a Alemanha enfrentou no Plano
Young de 1929/1930 uma parada súbita de entrada de capital e problemas na conta corrente
por causa da queda das exportações (...). O ciclo conjuntural acompanhou estas mudanças e
definiu os limites e possibilidades de políticas macroeconômicas para a Alemanha.” Os dados
sobre o lado monetário da economia alemão confirmam este resumo, embora a consequência
sobre os limites da politica macroeconômica deflacionista do governo Brüning – defendida por
Ritschl como sem alternativas – é controversa (especialmente Temin dúvida está hipótese de
Borchardt, também defendida por Ritschl) e precisa de uma discussão mais aprofundada.
Existe na Alemanha uma discussão controversa sobre a hipótese de Borchardt [Ritschl, 2001]
de que para a politica deflacionista de Brüning dentro do ambiente nacional e internacional
não houve alternativas. Uma parte da argumentação de Ritschl tenta mostrar que a expansão
econômica de Alemanha depois da hiperinflação de 1923, financiada por créditos externos,
baseava se na expansão do consumo e no aumento dos salários e dos gastos do Estado de bem
estar social, que tornavam a Alemanha menos competitiva. Com isto Ritschl argumenta que
277
dentro das regras do padrão câmbio ouro e do Plano Young a politica deflacionista não houve
alternativas viáveis. O consenso de históricos e economistas (e hoje ainda defendido pela
maioria dos economistas) foi que Brüning seguiu a politica deflacionista deliberadamente
seguindo suas crenças conservadores e tentando piorar a crise para conseguir no nível da
politica externa uma revisão parcial do tratado de Versalhes no sentido do terminar o
pagamento de reparações de guerra previstas no Plano Young de 1929. Com esta politica
deflacionista e o aumento catastrófico do desemprego Brüning foi parcialmente
responsabilizado pela ascensão do nazismo e de Hitler. A hipótese de Borchardt e de seu
discípulo Ritschl abriu uma discussão acadêmica sobre o assunto. Os críticos advertem que a
argumentação de Borchardt – Ritschl insere se na mudança para a ideologia neoliberal na
década de 1980 e deixa considerar alternativas expansionistas (keynesianas) que existiam na
crise da década de 1930, mas concedendo que a expansão da economia alemão na segunda
metade da década de 1920 mostrou problemas estruturais. Temin [1991, p. 70 pp.] argumenta
que a discussão sobre a política de Brüning mostra como os políticos da época foram
prisioneiros da ideologia do padrão (câmbio) ouro e argumenta que uma saída do ouro com
desvalorização também foi uma opção para Alemanha na crise bancária e cambial em 1931,
pelo menos em este momento seguindo a política de saída do ouro do Reino Unido em
setembro de 1931.
Tabela 52 O lado real da economia alemã 1925-1938, Índices (129 =100) com exceção do
desemprego (em %)
Taxa
Produção Investimento Preços ao Taxa
PIB real Exportações Consumo desemprego
Industrial bruto consumidor desemprego
Indústrial
1925 85,0 n.d. 69,9 101,4 84,5 92,1 4,8 6,8
1926 87,5 78,2 78,7 99,3 88,3 92,3 13 18
1927 96,2 100,0 81,6 109,0 92,2 96,0 6,3 8,8
1928 100,4 99,0 92,6 106,3 97,1 98,5 6,1 8,6
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 9,4 13,3
1930 98,6 88,1 89,7 87,5 99,0 96,2 15,3 22,7
1931 91,0 72,3 71,3 65,3 94,2 88,4 23,3 34,3
1932 84,2 58,4 42,6 52,1 83,5 78,3 30,1 43,8
1933 89,5 65,3 36,8 61,1 86,4 76,6 26,3 36,2
1934 97,2 82,2 30,9 88,2 92,2 78,6 14,9 20,5
1935 106,3 95,0 31,6 82,6 97,1 79,9 11,6 16,2
1936 115,7 105,9 36,0 89,6 97,1 80,8 8,3 12,0
1937 128,2 115,8 44,9 87,5 108,7 81,2 4,6 6,9
1938 141,3 123,8 43,4 91,7 112,6 81,6 2,1 3,2
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976), cálculos próprios, desemprego: BLS e Eichengreen/Hutton
278
Houve um período de expansão entre 1925 e 1928, 1929 já foi um ano de estagnação com o
desemprego em ascensão. O fundo da depressão foi em 1932, enquanto as exportações
seguiam em queda até 1934, mas nunca mais se recuperavam para os níveis antes da crise
[perda de competitividade não acompanhando as desvalorizações em outros países desde
1931]. A crise profunda em 1932 em relação ao ano de 1929 mostra se na queda da produção
industrial em 41,6% e na taxa de desemprego geral de 30,1% e de desemprego industrial de
43,8%. O desespero de grande parte da população, as políticas deflacionistas do governo
Brüning dependendo cada vez mais de medidas emergenciais sem participação do parlamento,
a radicalização das lutas políticas pelos grupos paramilitares de direita e esquerda, levava a
ascensão dos nacional-socialistas de Hitler já nas eleições de 1930 e tornavam eles o partido
maior no parlamento nas duas eleições de 1932 e finalmente em janeiro de 1933 na afirmação
de Hitler como chanceler pelo presidente Hindenburg. Uma discussão sobre salários e
produtividade de trabalho no período entre as guerras e sobre a hipótese keynesiana da
rigidez dos salários nominais na crise numa perspectiva mais global é feita num lugar posterior.
A tabela a seguir mostra o lado monetário – em sentido amplo – para a economia alemã entre
1924 e 1938.
Dinheiro
Reservas Dívidas
em Crédito
Ouro em ouro e M0 M1 Depósitos bancos com
poder do bancos
divisas estrangeiros
público
1924 27,8 63,5 53,5 57,9 43,8 41,0 - 23,3
1925 44,3 68,5 75,5 77,7 65,6 62,8 14,9 40,6
1926 67,1 85,8 84,8 86,5 80,5 79,2 32,8 58,4
1927 68,3 71,8 93,6 94,8 93,8 93,8 68,7 77,9
1928 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1929 83,7 95,0 100,1 99,7 101,2 101,5 110,4 111,2
1930 81,2 91,5 95,5 95,6 94,9 94,8 108,9 123,6
1931 36,1 39,7 105,6 100,6 80,0 72,8 79,3 110,9
1932 29,5 32,5 87,4 84,0 69,5 64,4 62,7 106,2
1933 14,1 20,3 85,8 84,8 65,9 60,3 38,3 107,5
1934 2,9 6,8 89,1 88,8 70,5 65,3 26,7 115,5
1935 3,0 8,2 90,9 94,4 74,2 69,5 23,9 124,5
1936 2,4 5,7 100,1 105,8 80,7 75,2 22,0 126,4
1937 2,6 8,3 109,6 114,9 88,3 82,3 21,2 133,9
1938 2,6 8,6 162,2 161,0 109,5 94,7 19,9 157,3
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976) http://www.gesis.org/histat, cálculos próprios
Em primeiro lugar a tabela mostra os efeitos expressivos da crise bancária, cambial, e da dívida
pública em 1931, a queda expressiva das reservas de divisas e de ouro do banco central, a
queda expressiva da moeda nominal M1 por causa da queda dos depósitos e especialmente
dos depósitos de estrangeiros (fuga de capital). Neste ano a Alemanha saiu do padrão ouro
279
A crise bancária começou e maio de 1931 em Áustria com a falha do maior banco do país
Creditanstalt. A crise espalhou-se para Hungria e outros países do leste de Europa. Em julho a
crise chegou a Alemanha (a moratória de Hoover em junho de 1931 para os pagamentos de
reparações da guerra aliviou um pouco a pressão sobre a Alemanha). Com a falha da DANAT
Bank, houve fuga de capitais de Alemanha e corridas aos bancos. O Reichsbank, o banco
central da Alemanha, introduziu controles de capitais para estancar a queda das reservas e de
ouro e com isto saindo do padrão câmbio ouro em julho de 1931, mas sem desvalorizar o
marco alemão. Os ataques especulativos voltavam depois para o Reino Unido que - perdendo
reservas de ouro -saiu do padrão câmbio ouro em setembro de 1931 com forte desvalorização
da libra. O gráfico a seguir mostra os dados agregados monetários da Alemanha.
280
Gráfico 31 Base monetária, Reservas bancárias e moeda em poder do público, Alemanha 1924
– 1938
Para analisar as fugas de capital é necessário um curto olhar para os dados mais importantes
do balanço de pagamentos alemão e da dívida pública. Embora a dívida pública praticamente
fosse eliminada pela hiperinflação de 1923, em 1929 houve já uma dívida pública e uma dívida
externa importante, parcialmente financiando as reparações.
Capital Capital
Saldo Entrada Saldo
Conta Saída de longo curto
renda Reparações de balança
corrente capital prazo prazo
capital capital capital
(saldo) (saldo)
1924 -1.664 159 -281 3.256 -750 2.506 1.000 506
1925 -3.045 -6 -1.057 1.518 -87 1.431 1.124 107
1926 -39 -173 -1.191 1.641 -118 1.523 1.376 147
1927 -4.244 -345 -1.584 4.336 -854 3.482 1.210 1.779
1928 -3.192 -563 -1.999 5.975 -2.852 3.123 1.268 1.335
1929 -2.469 -800 -2.337 3.544 -2.119 1.425 229 765
1930 -610 -1.000 -1.706 3.678 -2.442 1.236 967 117
1931 1.040 -1.200 -988 3.817 -3.160 657 126 477
1932 257 -900 - 550 -1.299 -749 -36 -763
1933 132 -698 - 603 -1.410 -807 -250 -747
1934 -534 -625 - 1.310 -1.120 190 -200 510
1935 -107 -550 - 837 -710 127 -33 260
1936 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
1937 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
1938 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976) http://www.gesis.org/histat, cálculos próprios
281
A tabela a seguir mostra dados para a dívida publica e para as reservas internacionais da
Reichsbank.
Dívida
Dívida Dívida Dívida Dívida externa Reservas
Dívida Ouro
governo longo curto pública/PIB (pública e Intern.
pública Reichsbank
Central prazo prazo % privada) Reichsbank
/PIB %
1924 1.958 149 2.068 760
1925 2.703 958 39 2.230 1.208
1926 7.141 930 12 2.795 1.831
1927 7.300 1.275 122 2.337 1.865
1928 14.599 7.131 1.384 187 16,6 75,2 3.257 2.729
1929 18.159 8.229 1.918 1.095 20,5 86,3 3.095 2.283
1930 21.319 9.630 2.494 2.208 25,9 81,5 2.980 2.216
1931 24.022 11.342 4.618 1.997 34,8 97,8 1.292 984
1932 24.177 11.434 4.652 2.210 42,6 45,9 1.059 806
1933 24.347 11.690 4.615 2.654 41,7 40,2 661 386
1934 24.530 11.793 3.765 3.789 37,5 28,1 223 79
1935 25.063 12.452 4.093 4.442 34,3 n.d. 268 82
1936 26.701 14.372 5.535 5.072 32,9 20,6 185 66
1937 27.809 16.058 8.029 4.407 30,6 16,6 269 71
1938 30.322 19.098 11.763 3.868 30,3 14 279 71
Fonte: http://www.gesis.org/histat, PAPADIA/SCHIOPPA, cálculos próprios
A tabela mostra que a dívida pública em relação ao PIB (incluindo as dívidas do governo
central, dos governos dos estados e dos municípios) é relativamente pequena por causa da
quase eliminação da dívida pela hiperinflação de 1923. Um problema na crise foi que na crise
bancária e cambial de 1931 a dívida externa privada e pública tornou-se elevada, levando ao
default em 1933. Papadia e Schioppa [2013, p. 6] mostram que em novembro de 1931 o maior
devedor foi o setor industrial com 61,7% seguido pelo setor público com 16,4% e os bancos
com 15,4%, os maiores credores foram os Estados Unidos (41,7%), os Países Baixos (17%),
Suíça (13%) e o Reino Unido (12,9%). A queda expressiva da dívida externa depois de 1931 foi
consequência da eliminação das reparações na conferencia de Lausanne em 1932.
282
A tabela a seguir mostra a eliminação da dívida pública pela hiperinflação, que explica a dívida
pública relativamente pequena em 1924 e depois comparada com outros países beligerantes
na Primeira Guerra Mundial.
Tabela 56 Dívida do governo central alemã 1913-1923 (milhões de Mark e Goldmark calculado
a taxa de câmbio do US$)
Segundo dados do Fundo Monetário Internacional73 sobre as dívidas dos países beligerantes
mais importantes antes e depois da guerra, pode ser ver que a hiperinflação de 1923 deixou a
Alemanha com uma dívida pública relativamente pequena.
Os governos de von Papen e von Schleicher que seguiam o governo de Brüning em junho 1932
e dezembro de 1932, autoritários e dependendo totalmente de medidas sancionados pelo
presidente von Hindenburg sem aprovação pelo parlamento, começavam introduzir
cautelosamente medidas ativas para combater a crise e o desemprego, embora em tamanho
inexpressivo. O governo de Hitler com inicio em 30 de janeiro de 1933 mudou rapidamente o
cenário politico e econômico depois do incêndio do ‘Reichtstag’ em fevereiro de 1933 para
uma ditadura sangrenta em caminho para a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. A
recuperação da crise é descrita em um capítulo posterior comparativo para o ambiente global.
beneficiar as instituições responsáveis pela crise socializando prejuízos privados com dinheiro
público em uma crise fiscal e sob fortes medidas de austeridade (Notverordnungen de
Brüning).
Eichengreen [2015, p. 148] descreve o contágio da crise para o Reino Unido e os Estados
Unidos: “Em maio e junho, a Alemanha insistiu que não seja a Áustria. A Grã-Bretanha e os
Estados Unidos agora insistiam que não sejam a Alemanha. Isso, no entanto, não impediu a
crise de ultrapassar primeiro o canal e depois o Atlântico. Onde a crise alemã se desenvolveu
ao longo de quase dois anos, foram necessárias apenas algumas semanas para chegar a
Londres e apenas alguns dias para infectar Nova York.” Eichengreen discursa sobre as perdas
de ouro do Bank of England desde o julho 13, que em duas e meio semanas chegavam a cerca
de 25% de suas reservas, forçando o Reino Unido de abandonar o padrão (câmbio) ouro em
setembro e desvalorizando a libra. A perda seguinte de ouro do Federal Reserve [investidores
temendo uma desvalorização do dólar também] forçou o FED de aumentar a taxa básica em
dois pontos percentuais para evitar uma desvalorização do dólar aprofundando a depressão e
a crise bancária.
A crise de 1931 levanta muitas perguntas. As causas do contágio em poucos meses de Áustria
para Alemanha, de Alemanha para o Reino Unido, do Reino Unido para os Estados Unidos, é
uma destas perguntas. Embora o problema do contágio seja assunto de um capítulo posterior,
aqui já pode se apontar para a sensibilidade de investores com eventos políticos e econômicos
em países onde se investiu capital. Para Alemanha pode se apontar para a instabilidade
politica depois da quebra da grande coalização sob o chanceler socialdemocrata Müller em
1930, a ascensão expressiva do partido nacional-socialista e do partido comunista nas eleições
em setembro de 1930, e de politicas mais agressivas do chanceler Brüning na questão dos
pagamentos das reparações, na questão da revisão do tratado de Versalhes, na questão do
plano de uma união aduaneira com Áustria. No lado econômico pode se apontar para o rápido
contágio das expectativas de congelamento de investimentos financeiros com a introdução de
controles de capital e com perdas possíveis no caso de uma desvalorização.
apontam a fragilidade do sistema bancário alemão depois da hiperinflação de 1923 com pouco
capital próprio (alta alavancagem), politicas arriscadas de alguns bancos (por exemplo, o
Danatbank), descasamento de prazos e de moeda, financiando créditos de longo prazo com
dívidas de curto prazo, em grande parte de moeda estrangeira. Para uma crise cambial aponta
a saída expressiva de capital estrangeiro e da fuga de capital alemão depois da crise austríaca e
a publicação de declarações de Brüning sobre dúvidas sobre os pagamentos das reparações
(aumentando também o receio de credores privados), sobre uma possível união aduaneira
com Áustria e sobre revisões do tratado de Versalhes (aumentando a preocupação do governo
francês). Para uma crise fiscal aponta a necessidade para o governo alemão de financiar
déficits fiscais e comerciais com créditos em moeda estrangeira, desde 1928 enfrentando uma
liquidez internacional em queda, embora os Young-bonds em 1930 e a moratória de Hoover
em 1931 davam certos alívios. Neste contexto aparece também a avaliação da politica
altamente deflacionária de Brüning com suas consequências sociais e políticas desastrosas
para mostrar a impossibilidade da Alemanha de pagar as reparações, melhorar a
competitividade das exportações alemãs, e equilibrar o orçamento. A maioria dos economistas
vê esta politica de austeridade com responsável pelo aprofundamento e prolongamento da
depressão, a posição de Borchard apontando para a impossibilidade de politicas alternativas
no ambiente internacional fica em posição solitária (também de certa forma enfraquecida
pelas tentativas de politicas mais expansionistas dos governos seguintes de von Papen e von
Schleicher e desde fevereiro de 1933 do governo Hitler). Especialmente as medidas de
austeridade (Notverordnung) do governo Brünng em outubro e dezembro de 1931 para
equilibrar o orçamento e melhorar a competitividade não faziam nenhum sentido com a saída
de Reino Unido e outros países do padrão ouro em setembro de 1931 e do abismo social em
que a Alemanha se encontrou no aprofundamento da crise. No gráfico a seguir o
aprofundamento de crise na Alemanha depois da crise de julho de 1931 pode ser observado.
286
Gráfico 32: Crise Alemanha junho 1929 – dezembro 1933, Desemprego (mil), Índice de
produção industrial (junho 1929 =100), Índice de preços das ações (junho 1929 =100), Índice
das exportações (junho 1929 =100)
Fonte: histat
Clavin [2000, p. 1] resume a Grande Depressão na Europa “em 1932 a economia europeia foi
vítima de uma crise sem precedentes de três anos. Nos países mais seriamente atingidos –
Polônia, Alemanha e Áustria – uma em cinco da população adulta foi desempregada e a
produção industrial caiu em três anos em quarenta por cento. Embora existissem variações
nacionais, nenhuma parte de Europa ficava intocada.” Importante neste contexto é não
esquecer que a União Soviética, país meio na Europa – meio na Ásia, não foi atingido pela
287
Grande Depressão, mas conseguiu crescer rápido, embora a queda das exportações criava
certos problemas. Obviamente também não deve se esquecer dos custos humanos desta
industrialização forçada na União Soviética: coletivização forçada da agricultura levando a
milhões de mortos pela fome, pela perseguição política, pelos ‘GULAGS’, pelos processos de
Moscou, pelo terror stalinista. Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 156] resumem esta parte
da história da Grande Depressão da seguinte forma: “A União Soviética não experimentou uma
depressão e o Produto Interno Bruto per capita cresceu 6,6% p.a. entre 1932 e 1938. (...)
[p.159 p.]. Enquanto em 1929 – 1939 o mundo foi lutando com maior ou menor sucesso
encontrar caminhos para sair da depressão, o produto per capita na União Soviética subiu
cerca 61 por cento, com somente um revés menor em 1932.” Mas os custos humanos desta
industrialização forçada com coletivização da agricultura foram enormes pelas mortes pela
fome e as execuções, pelas vidas destruídas nas prisões e Gulags.
Tabela 58 Taxas de crescimento anuais do PIB e do PIBpc para países europeus e para os
Estados Unidos para períodos escolhidos
Para o Reino Unido os dados que descrevem os efeitos econômicos da Grande Depressão na
Grande Depressão podem ser apreciados na próxima tabela.
certo período de relaxamento com uma taxa de 3%, mas ainda levando a uma taxa real de
juros elevada em consequência da deflação). Depois da saída do ouro uma politica monetária
mais frouxa possibilitava a recuperação. Embora a queda na Grande Depressão não fosse tão
forte como, por exemplo, nos Estados Unidos e na Alemanha, o desemprego ficava elevado na
toda década de 1920 e na Grande Depressão as exportações entravam em queda expressiva e
em primeiro lugar a indústria pesada mostrava quedas expressivas. Com isto a Grande
Depressão mostrou sua face mais cruel em regiões onde houve indústria pesada e minas de
carvão, onde o desemprego chegou a taxas de sessenta por cento. A região de Londres e da
Inglaterra do Sul foi menos atingida.
A França foi atingida pela Grande Depressão com defasagem, mas também a recuperação
demorou mais tempo, como França e o bloco de ouro foram entre os últimos de sair de padrão
(câmbio) ouro em 1936.
Beaudry e Portier [2002, p. 74 pp] descrevem da seguinte forma a versão popular da narrativa
sobre a Grande Depressão na França, embora eles próprios discordam parcialmente desta
versão:
O crescimento francês foi rápido em 1920, apesar de uma recessão curta em todo o mundo em 1921. Este
crescimento foi acompanhado por uma depreciação contínua do franco francês. (...)
O custo político de depreciação tornou-se muito grande, e em 1926 o ex-presidente Raymond Poincaré foi
designado como o novo primeiro-ministro (Presidente du Conseil) de uma coalizão de direita. Este
governo implementou uma política de estabilização rigorosa com reduções de investimento público,
estabilização do consumo público, e os aumentos de impostos e tarifas. Após uma desvalorização final em
junho de 1928, o franco francês estabilizou a um nível de um quinto do seu valor de 1913 em ouro.
A depressão francesa é considerada ter sido relativamente leve (...). No seu máximo, o desemprego não
excedeu um milhão, menos que 5% da força de trabalho 1930. A queda na produção foi também
relativamente modesta e nunca chegou a 20% da produção de 1929 em comércio e fabrica. A depressão
na França não foi acompanhada por uma crise bancária, já que apenas um grande banco falhou.
290
Começando em 1931, muitos países decidiam desvalorizar a sua moeda. A libra foi desvalorizada em 1931
e o dólar dos Estados Unidos em 1933.
Apesar do influxo de ouro (um terço do estoque de mundo ouro estava na França, em 1933) e o aumento
relativo de preços que se seguiu, a França não desvalorizou. Além disso, o governo liderado por Pierre
Laval decidiu, em 1935-1936 implementar uma política deflacionária rigorosa.
Em maio de 1936, uma coalizão de socialistas e comunistas ganhou as eleições, e o líder socialista Leon
Blum tornou-se Presidente du Conseil em junho. As novas regulamentações do mercado de trabalho
impostas pela Frente Popular provocavam um grande aumento do custo do trabalho. (...). Uma greve
nacional levou aos Acordos de Matignon, onde os salários foram aumentados em média 12%. Ao mesmo
tempo [outubro de 1936], o Franco francês foi desvalorizado em 30%. (...)
Quatro pontos básicos devem ser mantidos em mente. Em primeiro lugar, a depressão começou em
França um ano depois [da depressão] nos Estados Unidos. Em segundo lugar, não houve grande crise
bancária na França. Em terceiro lugar, não havia uma política deflacionária antes 1934. Em quarto lugar,
na saída da recessão em 1936, um importante programa de reformas foi implementado, o que espelha a
1933 New Deal nos Estados Unidos.
Embora na Europa central, como na Alemanha, a depressão foi forte, nos países nórdicos de
Europa a depressão foi mais leve. Grytten [s.a.] resume os fatos e as explicações:
Para todos os quatro países a recessão mais forte foi durante a [primeira] guerra, com quedas entre 13,5 e
34,7 por cento do PIB per capita. Dinamarca, Noruega e Suécia, foram todas neutras, e experimentavam
declínios semelhantes. Quanto a Finlândia, a situação era dramaticamente pior. Este foi basicamente
devido ao envolvimento da Rússia na Primeira Guerra Mundial. (...)
Dinamarca, Suécia, e Noruega, em particular, foram gravemente atingidas pela depressão pós-guerra do
início dos anos 1920. A crise ocorreu tanto como resultado da depressão internacional, que se seguiu ao
sobreaquecimento da economia até o final do verão de 1920, e em consequência de uma reorientação
acentuada para a política monetária deflacionária para restaurar o valor par das moedas dinamarquesas,
norueguesas e suecas. Na Finlândia, a crise em tempo de guerra foi tão profunda, que o país de fato
experimentou crescimento moderado no início de 1920. (...)
A Grande Depressão da década de 1930 foi surpreendentemente suave em todos os países do N4 [os
países nórdicos], com queda do PIB per capita de 3,6% para 6,5%. Ao mesmo tempo, o PIB per capita caiu
mais de 10% na Europa Ocidental e mais de 30% nos Estados Unidos e no Canadá. (...)
Para a Dinamarca, Noruega e Suécia este gráfico [não a mostra aqui] revela claramente que a deflação foi
grave tanto em 1920 e 1930. Quanto a Finlândia, ela teve a inflação em 1920 e, depois, forte deflação na
década de 1930. Rumo aos últimos anos da década de 1930 todos os quatro países registaram uma
inflação moderada. A deflação do início dos anos 1920 pode ser explicada tanto pela forte depressão pós-
guerra internacional e da política monetária deflacionária que ocorreu em Dinamarca, Noruega e Suécia.
(...)
Tabela 4 [parcial, p. 14]; Desemprego como por cento da força de trabalho
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938
Dinamarca 7,0 5,7 8,2 10,9 9,3 7,4 7,7 8,9 8,0 6,7
Finlândia 4,1 5,8 6,7 8,4 7,6 6,4 5,4 3,9 3,8 3,8
Noruega 7,0 7,0 10,2 10,6 10,8 10,3 9,9 8,7 7,3 6,8
Suécia 4,2 4,2 7,0 9,3 9,6 7,5 6,2 5,2 4,5 4,5
A saída do padrão ouro em setembro e outubro de 1931 pelos N4 estimulou tanto os sectores domésticos
e de exportação das economias nórdicas. Assim, a crise se tornou mais suave e curto e a recuperação mais
rápida do que na maioria dos outros países. O paradoxo de recuperação rápida e a persistentemente
elevada taxa de desemprego pode ser explicada basicamente por dois fatores demográficos. A proibição
de imigração para a América do Norte canalizou meio milhão trabalhadores excedentes nos mercados de
trabalho nórdicos e, portanto, uma mudança positiva na oferta de trabalho aconteceu. (...). Assim, o
desemprego manteve-se alto, apesar do melhor ciclo de negócios do que na maioria dos outros países.
291
O contágio da crise para o Brasil aconteceu pela queda expressiva dos preços das exportações
e de seu valor, especialmente no produto mais importante da exportação brasileira, o café. No
lado monetário houve uma ruptura súbita das entradas de capital estrangeiro levando a
problemas de financiar os serviços da dívida externa e um esvaziamento das reservas
internacionais, a saída do padrão ouro com desvalorização da moeda brasileira e controles de
capitais e um default sobre a dívida externa. Gremaud, Vasconcellos e Toneto [2002, p. 359
pp.] resumem o inicio da crise no Brasil da seguinte forma:
“A crise de 1930, iniciada nos Estados Unidos e que se repercutiu rapidamente na Europa,
chegou ao Brasil por meio de uma rápida queda na demanda por café, acompanhada de forte
queda nos preços do café. Outro impacto importante da crise foi a reversão dos fluxos de
capital: se a década de 20 foi bastante favorável ao Brasil no que tange à entrada de capital
externo, essa entrada foi revertida com a crise de 1930. Assim, configurou-se uma grave crise
no balanço de pagamentos brasileiros, pois as exportações caíram e a balança de capital passou
a ser negativa.
A forma como o Brasil fez frente à crise, provocou o que Furtado chamou de deslocamento do
centro dinâmico da economia brasileira. Este se refere ao período em que o elemento essencial
na determinação do nível de renda da economia brasileira deixa de ser a demanda externa,
como é típico de uma economia agroexportadora, e passa a ser a atividade voltada ao mercado
interno, mais precisamente o consumo e especialmente o investimento doméstico. Esse
deslocamento ocorre em função da crise e da resposta à crise dada pelo governo de Getúlio
Vargas, depois de ter ocorrido a Revolução de 30. (...) ao longo da década de 30, o setor
industrial passa a ganhar espaço, em detrimento do setor agrícola, na geração de valor
adicionado na economia brasileira.
A crise da economia mundial na forma descrita anteriormente (queda dos preços e da
exportação de café e fuga de capitais) gerou efeito negativo no Brasil que, se comparado com
outros países, foi, no entanto, de menor intensidade e de menor duração.”
Os gráficos a seguir mostram de forma resumida os efeitos da Grande Depressão sobre as
variáveis macroeconômicas mais importantes do Brasil.
292
Gráfico 33 Índice PIB real, produção industrial, valor exportações, PIB agricultura, Brasil 1918-
1939,
Gráfico 34 Valor exportações e importações (US$ Milhões), taxa de câmbio mil-réis – libra,
Brasil 1920-1939
293
O gráfico anterior mostra as exportações (valor) de café em queda livre depois de 1929
(embora a queda da quantidade exportada de café começou somente em 1931) e o efeito
amenizado pela desvalorização da moeda nacional sobre o valor das exportações em moeda
nacional.
295
Gráfico 37 Preço de café em moeda nacional (Eixo esquerdo) e moeda estrangeira (Eixo
direito) e taxa de câmbio mil reis libra (Eixo esquerdo)
1913 1919 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1937 1938
PIB Índice 48,4 55,9 100,0 97,9 94,7 98,7 107,5 117,4 141,8 148,2
Taxa de crescimento PIB 2,9 7,9 1,1 -2,1 -3,3 4,3 8,9 9,2 4,6 4,5
PIB per capita Índice 65,4 65,2 100,0 96,7 92,3 95,0 102,2 110,1 127,2 130,8
Produção Industrial, Índice 42,7 58,8 100,0 92,9 94,2 95,5 106,9 119,0 164,7 170,0
Exportações Valor US$ Índice 69,3 125,1 100,0 69,4 53,0 39,0 47,1 63,6 75,3 63,9
Importações Valor Índice 74,4 76,3 100,0 61,3 31,7 25,2 40,3 50,3 75,9 67,0
Saldo BC Valor Índice 48,9 319,1 100,0 101,3 137,5 93,4 74,0 116,5 72,9 51,6
Taxa câmbio mil-réis /US$ Índice 36,5 43,5 100,0 108,2 168,2 165,9 149,4 172,9 188,2 207,1
Exportações, Volume, Índice 77,7 96,9 100,0 105,8 114,8 79,7 99,8 108,6 124,0 152,1
Importações Volume, Índice 83,1 44,1 100,0 61,3 43,1 38,8 56,1 61,5 87,5 82,1
Termos de troca Índice 99,6 74,7 100,0 65,6 62,8 75,1 65,7 71,6 70,0 51,5
Exportação Café Valor Índice 60,6 98,2 100,0 61,2 50,7 39,0 38,9 32,0 26,6 24,1
Exportação café volume Índice 92,9 90,8 100,0 107,1 125,0 83,6 108,2 99,1 84,9 119,8
Exportação Café Preços, Índice 65,9 113,3 100,0 57,6 40,7 48,0 46,3 45,0 48,7 33,6
Produção Café (t) Índice n.d. n.d. 100,0 103,7 82,6 97,4 112,7 104,8 92,7 89,1
Dívida externa (US$) Índice) 57,3 55,1 100,0 105,6 100,7 76,8 91,7 110,2 97,9 96,9
Fontes: IBGE, Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, January 2009,
http://www.ggdc.net/
Até o final de 1929, o preço do café Santos 4 havia caído de 11 para menos de 7 pence por
libra. A queda continuou em 1930 e 1931 para chegar a 4 pence. O governo federal se recusou
a socorrer o programa de apoio ao café de São Paulo e ficou no padrão-ouro.
As reservas internacionais diminuíram quando as exportações caíram e a entrada de
empréstimos foi novamente interrompida após alguma recuperação no primeiro semestre de
1930. Havia falências generalizadas nas atividades agrícolas: cafeicultores não podiam pagar
suas dívidas, como os preços caíram muito abaixo dos avanços que haviam recebido das
autoridades de valorização no passado.
Como aconteceu em todos os outros países da América Latina, as dificuldades económicas
causadas pela crise fomentavam a agitação política e levavam a mudanças de governo, a
maioria deles através de golpes. Getúlio Vargas, que havia sido derrotado pelo candidato oficial
nas eleições presidenciais no início de 1930, tornou-se chefe do governo provisório. Em
novembro ele estava no poder e enfrentou uma crise econômica muito grave. As reservas
cambiais que foram £ 31.000.000 em setembro de 1929, chegavam a £ 14.000.000 em agosto e
tinham desaparecidas até novembro [de 1930]. Os preços do café ainda estavam em queda e a
taxa de câmbio estava se desvalorizando [depois da saída do padrão ouro], houve uma queda
substancial no nível da produção e uma crise fiscal grave depois da desvalorização cambial após
meados de 1930.
Apesar da queda contínua dos preços do café o serviço da dívida pública externa continuou a
ser pago. A política cambial nominalmente não envolveu controles, mas, de fato, houve uma
sucessão de moratórias sobre as dívidas externas. O governo recorreu a políticas comerciais
pouco ortodoxas, como o comércio externo de escambo com a Alemanha e os Estados Unidos
para enfrentar a escassez de divisas.
A desvalorização média da taxa de câmbio mil-réis/dólar foi de 8% em 1930 e 55% em 1931, de
modo que, quando os preços domésticos caiavam de 11-12% em ambos os anos, a
desvalorização real do mil-réis era de mais de 110% em relação ao dólar.
Outras políticas públicas, tais como os relacionados com o café, tiveram um efeito importante
na manutenção do nível da atividade econômica. Com Aranha, o governo federal assumiu
oficialmente política cafeeira do estado de São Paulo, e um embrião do que viria a ser o
Departamento Nacional do Café foi criado. A nova política cafeeira seria mantida com ajustes
relativamente menores até 1937 (...) na tentativa de resolver o excesso de produção do café.
Em 1933, quando a política se tornou permanente, 30% do café da safra anual foram liberados
para comercialização imediata, 30% foram abastecidos pelo Departamento Nacional do Café e
40% foram destruídos. Mais de 70 milhões de sacas de café – o equivalente a cerca de três anos
de consumo mundial – foram destruídas, principalmente entre 1931 e 1938.
O governo de Vargas é frequentemente caraterizado como uma politica pré-keynesiana de
estabilização da renda nacional com deficit spending através da compra de parte da produção
de café e da destruição maciça de estoques de café como um elemento importante da política
brasileira de café para a maior parte da década de 1930. Os dados sobre o déficit público
agregado em 1930 tendem a apoiar a ligação entre o início da recuperação do nível de
atividade e o déficit público: alterações em 1931-1933 foram acima de 12% das despesas (40%
em 1932) e depois de 1933 os déficits tornavam-se normais.
As políticas que aceleraram a recuperação também incluíram o reajuste econômico de 1933,
que baixou em 50% as dívidas agrícolas do café e permitiu renegociação de dívidas residuais
com períodos generosas de carência. Os bancos brasileiros sobreviveram a crise com a ajuda do
governo federal.
O fundo da recessão para o PIB foi atingido em 1931, com o PIB 5,3% abaixo do seu máximo em
1929. A intervenção do Estado na economia aumentou substancialmente depois de 1930
através de controle de capitais e de câmbio e outras medidas. Novas políticas também foram
introduzidas para lidar com excesso de produção de açúcar, incluindo a mistura obrigatória de
álcool na gasolina importada. Em 1933, um Instituto do Açúcar e do Álcool foi criado para gerir
as políticas de produção de açúcar. Foi só depois de 1933, e ainda mais depois de 1937, no
entanto, que a intervenção do Estado se consolidou em muitas outras políticas setoriais.
A tabela a seguir mostra os impactos no lado monetário da economia brasileira:
297
Papel-moeda
Depósitos à Depósitos à Encaixe dos
em poder do M1 Empréstimos
vista prazo bancos
público
dez-19 1.179 1.196 2.375 713 512 1.800
dez-20 1.009 1.342 2.351 877 732 2.102
dez-21 1.212 2.100 3.312 975 727 2.900
dez-22 1.642 2.433 4.075 689 773 3.093
dez-23 1.930 2.633 4.563 677 714 3.873
dez-24 2.283 2.722 5.005 847 659 4.037
dez-25 2.025 2.390 4.415 921 720 3.865
dez-26 1.943 2.568 4.511 853 645 3.765
dez-27 2.193 2.996 5.189 1.460 742 4.955
dez-28 2.337 3.575 5.912 1.734 878 6.009
dez-29 2.126 3.450 5.576 2.007 843 6.076
dez-30 1.949 2.808 4.757 2.480 825 5.960
dez-31 2.020 3.501 5.521 2.021 919 5.893
dez-32 2.209 4.270 6.479 1.601 1.429 6.697
dez-33 2.215 4.191 6.406 1.493 1.087 6.879
dez-34 2.382 4.849 7.231 1.797 1.073 7.406
dez-35 2.852 4.758 7.610 2.279 1.075 7.752
dez-36 3.289 5.183 8.472 2.375 1.151 7.717
dez-37 3.486 5.924 9.410 1.908 1.463 8.600
dez-38 3.579 7.852 11.431 2.220 1.593 9.942
Fonte: IBGE
A tabela mostra um aperto monetário e do crédito nos anos 1930 e 1931, mas voltando ao
nível normal já em 1932 e com expansão depois.
Em outubro de 1931 Brasil suspendeu os pagamentos de juros sobre a maior parte de suas
dívidas externas. Em março de 1932, o governo anunciou que iria emitir títulos de vinte e
quatro anos para capitalizar os juros de mora e iria retomar o pagamento de juros normais em
1934. Mas em 1934, a conselho de peritos financeiros britânicos, o Brasil anunciou um plano
para reestruturar a dívida. O Plano Aranha, projetado para ser executado por meio de 1937,
limitando o serviço da dívida para cerca de metade das receitas das exportações líquidas do
Brasil. (...). No final de 1937, com a situação externa pouco melhorada, os pagamentos do
serviço da dívida foram suspensos novamente. (...). Finalmente, em 1943 o Brasil negociou um
acordo permanente com os seus credores, dando os credores a opção de escolher entre dois
planos. No primeiro [plano], as taxas de juros seriam cortadas em 30 a 70 por cento, e no
âmbito do segundo, os credores sofriam um ‘haircut’ de 20 a 50 por cento do valor de face do
título em troca de um pagamento em dinheiro de 6 até 60 por cento do [novo] valor de face e
uma taxa de juro um pouco maior sobre o restante.
A recuperação da economia brasileira faz parte de um capítulo posterior.
para países escolhidos, diferentes autores apontam sobre a fragilidade dos dados sobre o
desemprego no período entre as guerras.
A tabela a seguir mostra os índices dos salários nominais para os mesmos países da tabela
anterior entre os anos 1929 até 1938 (crise e recuperação):
Tabela 65 Salários nominais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices
1929 = 100), países escolhidos
A tabela a seguir mostra os índices dos salários reais para os mesmos países da tabela anterior
entre os anos 1929 até 1938 (crise e recuperação):
Tabela 66 Salários reais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices 1929 =
100), países escolhidos
A tabela mostra que em todos os países escolhidos o salário real (industrial) subiu em tempos
da crise e do desemprego elevado e persistente [com exceção de Alemanha], um fato
dificilmente a ser explicada pela teoria clássica. A deflação expressiva superou a queda –
parcialmente -expressiva dos salários nominas. A explicação keynesiana é a rigidez nominal
301
O aumento expressivo dos salários reais de 1936-1937 na França foi consequência das politicas
econômicas do governo de Leon Blum da frente popular em 1936. A recuperação inexpressiva
dos salários reais na Alemanha é consequência das politicas de Hitler depois do incêndio do
‘Reichstag’ em fevereiro de 1933, controlando os salários, e proibindo sindicatos e partidos de
esquerda e em julho de 1933 com a autodissolução dos outros partidos restantes com exceção
do partido nacional-socialista. Com poderes ditatoriais, a instituição de um Estado corporativo
e a proibição de greves e controles de salários, a rápida recuperação do emprego depois de
1933, alcançando pleno emprego já em 1936, não foi acompanhada por um aumento
significativo dos salários e de do consumo.
Gráfico 38: Lucros líquidos das corporações nos Estados Unidos 1920 – 1938, nominais e reais,
Índice de preços ao atacado
Fonte: NBER
O problema da crescente desigualdade de renda antes da Grande Depressão (bem como antes
da crise financeira global de 2008/2009) e a hipótese de Keynes que as camadas mais
abastadas têm provavelmente uma propensão marginal a consumir menor do que as camadas
com rendas mais baixas suportam outra hipótese de um possivel vazamento da renda nacional
para a poupança e para a especulação nos mercados financeiros (ações, imobiliários e de
commodities). Seguindo esta hipótese que com o aumento da desigualdade de renda aumenta
o perigo da criação de bolhas especulativas (inflação expressiva nos mercados financeiros, de
commodities e imobiliárias). O gráfico a seguir mostra a evolução da desigualdade nos anos
303
depois de 1913 nos Estados Unidos para a participação das camadas de 10%, 1% e 0,1%
maiores na renda nacional.
Gráfico 39 Participação dos 10%, 1%, 0,1% camadas com renda maior na renda nacional dos
Estados Unidos 1913 -2012
Fonte: FACUNDO, Alvaredo, ATKINSON, Anthony B., PIKETTY , Thomas, SAEZ , Emmanuel, The
World Top Incomes Database, disponível em http://topincomes.g-
mond.parisschoolofeconomics.eu/ access: 29/12/2013
7) A Grande Depressão: o papel das crises financeiras
Embora a versão popular da narrativa sobre a Grande Depressão enfatiza o papel do estouro
da bolha no mercado acionário de Nova Iorque em outubro de 1929 como evento decisivo
para o início da Grande Depressão as versões das narrativas acadêmicas são céticas em relação
ao papel da quebra da bolsa de Nova Iorque para o desenvolvimento da Grande Depressão. O
fato de que tendências recessivas na economia real em diferentes partes do mundo já em
1928 (e na agricultura já antes) tornavam se a Grande Depressão tem diferentes explicações
focando em diferentes causas, a maioria enfatizando a multicausalidade da crise: queda da
demanda agregada (com foco nos investimentos), erros dos governos e bancos centrais
(consequência das regras do padrão ouro e da teoria clássica), rupturas súbitas dos fluxos
304
Alguns economistas como Accominotti e Eichengreen [2013] enfatizam o papel das rupturas
súbitas dos fluxos de capital norte americano para América Latina e Alemanha, começando já
em 1928 [em 1928 começou a queda dos fluxox], como um fator importante para os eventos
subsequentes, mas o papel das crises monetárias e bancárias, das crises cambiais e da dívida
soberana para eclosão e desenvolvimento da Grande Depressão não é claro. Eles são gatilhos
ou causas da crise ou eles são impactos da crise. Uma crise real sempre mostra as fragilidades
no setor privado e público com impactos sobre a estabilidade financeira. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 233 p.] argumentam cautelosamente que a profundidade e a duração da Grande
Depressão pode ser consequência da indecisão e lentidão dos responsáveis para as politicas
econômicas.
Neste capítulo o foco está no papel das crises financeiras para a Grande Depressão, seja como
causa, seja como impacto. A tabela a seguir mostra a profundidade da Grande Depressão e sua
duração para países escolhidos (para países onde existem dados do IMF e a queda acumulada
do PIB na crise foi maior do que cinco por cento). Um dos países mais castigados com a Grande
Depressão foi o Chile (na tabela com uma queda acumulada do PIB de -44,1%), em primeiro
lugar pela queda das exportações e dos preços de salitre e cobre. O Brasil está entre os países
nas Américas que sofriam menos com a Grande Depressão, ainda que os impactos
econômicos, políticos, e sociais da crise foram profundos para o Brasil. A diferença entra os
dados do IMF e do projeto Maddison mostram a fragilidade dos dados estatísticos antes da
segunda Guerra Mundial.
Recuperação
Inicio da Queda Queda PIBpc
Europa Início da queda acumulada até
Recuperação acumulada Maddison
1938
Alemanha* 1929 1933 -16,1% 55,0% -17,8%
Áustria 1930 1934 -22,5% 25,8% -23,4%
Bélgica 1929 1933 -7,9% 7,3% -10,4%
Espanha 1930 1932 -5,8% -24,4% -9,2%
França 1930 1936 -12,5% 8,9% -15,9%
Grécia 1930 1932 -6,5% 37,5% -8,9%
Hungria 1930 1933 -9,4% 26,4% -11,4%
Itália 1930 1932 -5,5% 21,7% -8,6%
Noruega 1931 1932 -8,1% 33,3% -8,4%
Países Baixos 1930 1935 -9,9% 12,9% -9,3%
Polônia 1929 1934 -20,7% 44,9% -8,4%
Reino Unido 1930 1932 -5,8% 25,7% -6,6%
305
Embora seja necessário diferenciar entre um ciclo normal de negócios numa economia
capitalista e crises e depressões, obviamente uma recessão normal pode se tornar uma
depressão por fatores estruturais e contingentes. Sobre este assunto de fatores estruturais e
contingentes é necessário um aprofundamento na parte sobre as explicações das diferentes
correntes de pensamento econômico com resultados, parcialmente divergentes, parcialmente
convergentes. Obviamente é também importante diferenciar entre crises reais e crises
financeiras, embora muitas vezes as duas formas de crise são intimamente ligadas. Mas
existem também crises e depressões sem crises financeiras, por exemplo, as quedas da
produção (medida pelo PIB) em consequência de guerras, guerras civis, revoluções e desastres
naturais.
Reinhart (web-site) fornece dados para crises financeiras no nível global para o período da
Grande Depressão (bem como para períodos anteriores e posteriores) que juntos com outras
fontes sobre o assunto são a base para a análise a seguir. O gráfico a seguir usando um índice
de Reinhart mostra a importância de crises financeiras para o período de 1925 até 1938 no
nível global, para América do Norte (Canada e Estados Unidos), Europa e América Latina,
mostrando a coincidência de crises financeiras com a Grande Depressão (1929 – 1933).
306
Os diferentes tipos de crises financeiras são: Rupturas súbitas (‘sudden stops’) dos fluxos
internacionais de capital, bolhas especulativas, crises cambiais (ou crises do balanço de
pagamentos), crises bancárias, crises da dívida pública e privada, e Reinhart e Rogoff
acrescentam ainda crises inflacionárias (em caso da Grande Depressão o problema foi a
deflação, não a inflação). A análise seguinte não considera as crises inflacionárias e restringe-
se a países escolhidos da América do Norte, Europa e América Latina. Uma analise mais
profunda dos problemas da deflação expressiva encontra se no capítulo sobre as controvérsias
(teóricas) sobre as causas da Grande Depressão na parte sobre a teoria da deflação da dívida
de Fisher.
A tabela mostra que a reversão dos fluxos de capital começou em 1929 (uma diminuição dos
fluxos), antes da eclosão da crise. Para Alemanha a tabela mostra que já em 1927 começou um
período onde a parte de capital de curto prazo tornou se majoritária (mostrando certo
ceticismo dos credores), em 1928 o influxo já foi menor do que no ano anterior, desde 1929 o
influxo tornava se cada vez menor até tornar se negativo em 1932. Para outros países da
Europa, como, por exemplo, Áustria, Polônia, Itália e Jugoslávia a queda já começou antes
[Feinstein e Watson, 1995, p. 117]. No verão de 1931 eclodiu a crise bancária, cambial, e da
dívida externa na Alemanha, implicando a saída do padrão ouro com controles de capital, mas
sem desvalorização. No Brasil a queda da entrada líquida de capital também começou 1928,
tornou se negativa em 1929 e depois de 1931 não houve mais entradas de empréstimos
estrangeiros com o default sobre a dívida externa em 1931.
Para muitos países as crises de balanço de pagamentos criadas pela reversão dos fluxos
internacionais de capital levaram com a queda do valor das exportações em 1929 países da
América Latina a saída de padrão ouro, bem como em 1931 ao default sobre a dívida externa.
Nos dados de Reinhart [aqui sem consideração dos países pequenos da América central,
Reinhart, Carmen M, web-site] aconteciam em 1931 na América Latina defaults sobre a dívida
externa na Bolívia, Brasil, Chile e Peru, em 1932 na Colômbia e Paraguai, em 1933 no Uruguai,
embora Argentina e Venezuela não entrassem em default na Grande Depressão e México e
Equador já entravam antes em default, em 1928 e 1929 respectivamente. Os problemas de
Alemanha em 1931 são de importância maior com a crise bancária, cambial, e da dívida
pública em conjunto, que levou a Alemanha ao abandono de padrão ouro com a introdução de
controles cambiais e dos fluxos de capital, mas sem desvalorização da Reichmark. O contágio
da crise para o Reino Unido levou em setembro de 1931 para a saída do padrão ouro com
desvalorização da libra. O contágio da crise para os Estados Unidos com perdas de ouro forçou
o Federal Reserve aumentar a taxa básica, aprofundando a depressão e a crise bancária.
O próximo gráfico mostra os efeitos conjuntos da reversão dos fluxos de capital (1929 até
1931) e da queda expressiva dos preços de commodities (índice fornecido de 1800 até 2009 de
Reinhart - sem tendência) sobre os defaults sobre a dívida em 46 países independentes na
amostra.
309
Fontes: Reinhart, Carmen, web-site, para Fluxos internacionais de capital: Feinstein e Watson
Para o tipo das rupturas súbitas dos fluxos internacionais de capital é possível resumir que
uma reversão rápida dos fluxos pode encadear crises de balanço pagamentos, crises cambiais
e crises da dívida externa e com isto criar uma crise no setor real da economia. Para os países
exportadores de commodities uma queda expressiva dos preços das commodities pode
aumentar ainda mais as tendências recessivas. Em crises posteriores, por exemplo, as crises
nos mercados emergentes na década de 1990 e no inicio da década de 2000 muitas vezes (por
exemplo, no México em 1994 e no sudeste asiático em 1997) iniciam se com entradas maciças
de capital fomentadas por expectativas exageradas otimistas de lucros futuros (e a confiança
em taxas de câmbio fixas) revertendo se quando os investidores percebiam que suas
expectativas anteriores foram equivocadas ou exageradas.
“Índices de Wall Street previam nove das últimas cinco recessões!” Samuelson74
1920 e seu estouro teve alguma influencia sobre os eventos seguintes. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 250] adicionam a seus cinco tipos de crises financeiras a quebra do mercado
acionário (‘stock market crash’). Quantitativamente eles referem-se a uma quebra de mercado
acionário quando há uma queda acumulada de 25% ou mais nos preços reais das ações, um
critério que Barro e Ursúa [2009] usam em sua pesquisa sobre a relação entre quebra de
mercados acionários e depressões. Reinhart e Rogoff identificam as seguintes quebras dos
mercados acionários no período de 1927 – 1935 (em parênteses o ano quando a queda
acumulada chega a 25% do preço real das ações): Alemanha (1931), Austrália (1930), Bélgica
(1929 – 1931), Canada (1930/1931), Colômbia (1929 e 1934), Espanha (1931), Estados Unidos
(1931), França (1930/1931), Grécia (1931/1932), Hungria (1929), Itália (1929 e 1931), Países
Baixos (1929/1930), Polônia (1929 e 1931), Reino Unido (1931). Suécia (1931), Uruguai (1932).
Obviamente estes dados não mostram a direção da causalidade, da depressão para uma
quebra do mercado acionário, ou da quebra do mercado acionário para uma mudança das
expectativas e uma depressão. O último caso aparece na narrativa popular sobre a Depressão
nos Estados Unidos, onde o estouro da bolha especulativa em outubro é visto como o gatilho
para a Grande Depressão, embora economistas como Temin [1991, p. 43 pp.] e outros
consideram que a quebra não foi o fator mais importante na eclosão da crise.
de uma pesquisa anterior de Barro e Ursúa [2008] sobre a coincidência de quebras do mercado
acionário e depressões nos tempos da Grande Depressão. É importante anotar que Barro e
Ursúa usam para o PIB dados de Maddison, mas recalculando os dados para certos períodos e
certos países.
Queda dos
Taxa inflação
Piso Pico Queda PIB (%) preços reais
anual
das ações
Alemanha 1932 1928 28,0% -56,2% -3,5%
Austrália 1931 1926 22,1% -17,9% -1,3%
Áustria 1933 1929 23,5% -53,3% -0,4%
Bélgica 1934 1930 11,7% -45,1% -5,2%
Canada 1933 1928 34,8% -55,8% -4,1%
Espanha 1933 1929 9,6% -46,4% -0,9%
Estados Unidos 1933 1929 29,0% -63,1% -6,4%
França 1935 1929 18,7% -53,5% -3,9%
Países Baixos 1934 1929 12,9% -58,2% -3,2%
Fonte; Barro e Ursua 2008
A importância da quebra do mercado acionário para a economia real depende da importância
do mercado acionário no país (medida, por exemplo, pela capitalização em relação ao PIB), da
importância do crédito na compra das ações, e das mudanças das expectativas dos
investidores e consumidores. A quebra do mercado acionário dos Estados Unidos sem dúvida
mostra em todos estes critérios sua importância para uma retração do investimento e do
consumo no cenário nacional dos Estados Unidos, embora seguindo Temin [1991, p. 43 pp.]
provavelmente a quebra não explica a profundidade e duração da Grande Depressão neste
país.
Um segundo ponto importante na avaliação da queda dos preços reais das ações é a pergunta
se esta quebra do mercado acionário foi um estouro de uma bolha especulativa ou o impacto
da queda da produção e do emprego na Grande Depressão. A maioria dos economistas afirma
que a quebra de mercado acionário de Nova Iorque em outubro de 1929 foi o estouro de uma
bolha especulativa que ganhou força desde 1927, usando critérios, por exemplo, como a
expressiva ascensão da relação preço/lucro neste período.
A Grande Depressão foi acompanhada na maioria dos países por uma deflação expressiva. A
deflação cria problemas para o setor real e para o setor financeiro da economia. Temin [1991,
p. 56 p.] aponta para dois efeitos de uma deflação generalizada, o efeito estático e o dinâmico.
O efeito estático, também conhecido como efeito Keynes, é um efeito positivo sobre produção
312
e emprego porque com um estoque nominal de moeda constante o estoque real da moeda
aumenta – com isto o poder de compra –, deflação substitui a depressão. O efeito dinâmico,
também conhecido como efeito Mundell, considera as mudanças das expectativas num
processo de deflação. Se os agentes econômicos esperam que a deflação continue, eles adiam
compras e a tomada de créditos, porque eles podem comprar mais barato no futuro com os
preços em queda, mas precisam reembolsar os créditos no futuro com um valor real mais alto.
As taxas reais de juros são mais altas do que as taxas nominais de juros num processo
deflacionário. A deflação causa depressão.
A teoria da deflação da dívida de Fisher [1933] mostra os efeitos nocivos de uma deflação
expressiva para a economia: Numa expansão econômica o otimismo, lucros e o valor dos
colaterais dos empréstimos aumentam, consumidores e investidores se endividam mais e os
bancos concedem mais empréstimos, porque lucros e os valores dos colaterais aumentam.
Com isto empresas, consumidores e bancos tornam se mais frágeis quando as expectativas
mudam. A mudança das expectativas pode ser consequência da falência de uma empresa
importante (na Grande Depressão, por exemplo, a falência do império Hatry na Inglaterra em
setembro de 1929, a falência de Insull nos Estados Unidos, ou a falência e o suicídio de Ivar
Kreuger, do império suíço de fósforos) ou a quebra do mercado acionário etc. Começam as
vendas de ativos, os preços caiam, o valor dos coleterais cai, os bancos enxugam a oferta de
crédito, forçando as empresas de cortar produção, emprego e investimento e os consumidores
de restringir o consumo, aumentando depressão e deflação. A deflação aumenta o valor real
das dívidas e do valor real das amortizações e juros, iniciando uma onda de defaults sobre a
dívida e levando bancos a falência.
As duas tabelas seguintes mostram a deflação expressiva nos anos da Grande Depressão em
alguns países centrais escolhidos e nos mais importantes países da América Latina [dados de
Website de Carmen Reinhard].
Estados
Alemanha Canada França Itália Reino Unido
Unidos
1928 3,1 -0,1 -1,3 0,0 1,3 0,0
1929 1,0 1,1 7,5 6,4 2,1 -1,1
1930 -4,0 -5,4 -9,6 1,0 -11,2 -2,8
1931 -8,3 -12,5 -9,1 -4,0 -3,7 -4,0
1932 -11,4 -8,1 -10,4 -9,3 -1,9 -2,4
1933 -1,3 -1,9 -3,0 -3,4 -3,4 -2,5
1934 2,6 3,0 2,7 -3,5 -6,6 0,0
1935 1,3 1,3 2,7 -8,5 8,3 0,6
1936 1,3 1,8 1,3 6,7 5,3 0,6
1937 0,0 6,6 3,2 26,3 14,4 3,8
313
Tabela 71 Taxa de inflação (%) em países escolhidos de América Latina na Grande Depressão
Crises bancárias
Reinhart e Rogoff [2009, p. 142] afirmam que crises bancárias atormentavam países ricos e
pobres desde o período pesquisado por eles de 1800 até 2008 e para 66 países na amostra.
Eles afirmam também que as crises bancárias são especialmente elevadas nos centros
financeiros globais no Reino Unido, nos Estados Unidos e na França, embora numa avaliação
da Grande Depressão na França Beaudry e Portier [2002, p. 74 pp.] apontam que não houve
crise bancária na França neste período, porque somente um banco grande falhou. Em vez disto
nos dados de Reinhart e Rogoff [disponível no website de Carmen Reinhart] aparece uma crise
bancária de 1930 até 1932 [referindo se a Bernanke [2004, p. 90] com os bancos Banque
Adam, Boulogne-sur-Mer, e Oustric Group, acompanhada de corridas bancárias em bancos
provinciais]. Nos dados de Reinhart e Rogoff aparecem na amostra de 66 países em 1929 e
1930 cinco países, em 1931 vinte e três países (entre eles: Alemanha, Austrália, Áustria,
Bélgica, Estados Unidos, França, Hungria, Polônia, Argentina e México e interessantemente o
Brasil sem determinação dos bancos em crise), em 1932 sete países e em 1933 dois países, em
todos os anos referidos os Estados Unidos aparecem com uma crise bancária (sistêmica),
embora uma análise posterior vai mostrar que as crises bancárias de 1931 e 1933 foram as
mais sérias. No período da Grande Depressão não houve crise bancária no Reino Unido e na
Canada. Importante é que a Canada, com uma queda da produção maior do que os Estados
Unidos na Grande Depressão e uma duração comparável, mostra na Grande Depressão
nenhuma crise bancária, um caso a ser analisado posteriormente.
314
Outros fatores que enfraquecem os bancos e o sistema bancário são, por exemplo, a queda
dos preços de commodities que leva agricultores endividados a falência e levando a defaults
sobre suas dívidas, a depressão em geral leva empresas a dificuldades financeiras e com isto os
bancos que emprestavam para eles. Na Europa os processos hiperinflacionários, por exemplo,
em Alemanha e Áustria, levavam a uma subcapitalização dos bancos no período posterior e
com isto para uma fragilidade mais elevada.
Bernanke e James [2004, p. 88 pp.] resumem para o período entre as guerras que muitos
países experimentavam crises bancárias, e obviamente ainda mais na Grande Depressão. Estes
problemas tornam se muito mais agudos em 1931, seguindo a crise da Creditanstalt em
Áustria e da crise do sistema bancário e da crise cambial em Alemanha em junho e julho de
315
1931. Em agosto a crise bancária chegou aos Estados Unidos (embora uma crise bancária já
estivesse se aproximando antes, a relação depósitos/dinheiro estava caiando desde o inicio de
1931 mostrando uma queda da confiança no sistema bancário Temin [2008, p. 8]). Até janeiro
de 1932 1860 bancos falhavam [Bernanke e James [2004, p. 88 pp.]]. A tabela a seguir mostra
as diferenças dos logaritmos para a relação depósitos/dinheiro para países escolhidos no
período 1930 até 1936, uma diferença negativa apontando para uma queda de depósitos
bancários em relação ao dinheiro e uma queda da confiança na estabilidade do sistema
bancário. Em fevereiro de 1933 começou um pânico bancário nos Estados Unidos, que
somente acabou com o feriado bancário em março de 1933 do novo presidente Roosevelt e a
regulação posterior do sistema bancário norte-americano.
Tabela 72 Diferenças dos logaritmos para a relação depósitos/dinheiro para países escolhidos
O foco deste capítulo vai ser sobre a crise bancária (cambial e fiscal) de Alemanha em 1931,
seus impactos sobre o Reino Unido e os Estados Unidos e a crise bancária nos Estados Unidos
em 1931 e 1933. A crise financeira de 1931, começando com a quebra do maior banco de
Áustria a Creditanstalt em 11 de maio de 1931 se espalhando depois para Alemanha, para a
saída do Reino Unido do padrão (câmbio) ouro em setembro de 1931 e para a crise bancária
nos Estados Unidos começando em junho de 1931 e piorando com a saída do Reino Unido do
padrão ouro, é visto como uma determinante importante no aprofundamento da Grande
Depressão e de sua prolongação. Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 98] argumentam que a
crise austríaca (a crise bancária e a crise cambial seguinte) não causou a crise bancária e
cambial alemã em julho de 1931 e as crises seguintes. Eles afirmam: “A crise alemã de julho de
1931 foi devida somente às causas alemãs. (...) Bancos de Alemanha e o marco alemão
entravem em colapso em conjunto, afinal desencadeando ataques contra a libra e o dólar.”
Temin [2008, p. 5 p.] afirma que a narrativa tradicional da crise dupla alemã em julho de 1931,
se apoiando na crise austríaca, é que uma crise bancária consequência de empréstimos além
316
dos limites levou a uma crise cambial com a saída do padrão ouro em julho de 1931,
introduzindo controles de capital, mas não desvalorizando o marco. Uma visão alternativa,
mais recente, afirma que os problemas fiscais da Republica de Weimar (e também a discussão
sobre uma possível união tarifária com Áustria e a possibilidade de default sobre as reparações
de Alemanha) criou problemas para o marco alemão e foi a crise cambial que levou a crise
bancaria. Temin [2008, p. 6] considera “Se os problemas bancários iniciavam a crise, então os
banqueiros são os culpados, se a moeda era a chave, os políticos são os vilões”. Temin decide
se para a segunda alternativa, que uma crise monetária consequência de politicas
insustentáveis levou a quebra dos bancos e não vice versa. O padrão ouro fez que o banco
central alemão, o Reichsbank, não pode agir como emprestador de última instância na crise da
Nordwolle e da Danatbank, porque suas reservas de ouro estavam se esvaziando rapidamente.
Uma cooperação internacional com a França tornou se impossível depois da decisão de
Brüning na primavera de tornar a politica externa de Alemanha mais agressiva em direção em
Europa Central e Leste, com a tentativa de uma união tarifária com Áustria {Ferguson e Temin,
2001, p. 41]. Uma análise ampla e cuidadosa da crise cambial e bancária de 1931 em Alemanha
encontra se em Ferguson e Temin [2001].
Quando finalmente crise da Alemanha eclodiu em 1931, ela começou não apenas como uma
crise cambial nem uma crise bancária, nem foi apenas uma crise dupla que combine os dois. Em
vez disso, começou como uma crise da dívida, com um anúncio em maio pelo chanceler alemão
Brüning que a Alemanha pode enfrentar dificuldades no pagamento da parcela de reparações
no meio do ano sob o plano Young. Tanto a moeda alemã como o sistema bancário alemão
experimentavam ataques em junho. A fase aguda da crise terminou em julho com a moratória
de Hoover sobre as dívidas da guerra e das reparações.
Os resultados destas crises Ritschl e Sarferaz [2008, p. 3] resumem da seguinte forma:
Começando em 1931, a Alemanha passou por várias fases de crise bancária, controles de
capital, e moratórias de dívida. Em 1932 as reparações foram perdoadas, e Grã-Bretanha e na
França fizeram um default sobre suas dívidas de guerra com os Estados Unidos, que
supostamente tinham sido apoiadas pelas reparações de Alemanha. Em 1934, o default sobre a
dívida [externa] da Alemanha foi completa e transferências foram contidas a valores triviais.
A introdução de controles de capital na Alemanha e Áustria em 1931 estava congelando os
ativos de curto prazo dos bancos britânicos (e de outros países) em bancos de Alemanha e de
Áustria, levando a um enfraquecimento na estabilidade da libra, na crise cambial da libra em
setembro de 1931 e, em última consequência, na saída do Reino Unido do padrão ouro em 19
de setembro de 1931. Muitos países seguiam o Reino Unido abandonando o padrão (câmbio)
ouro, o inicio da desintegração do sistema monetário internacional. A crise financeira se
propagou em setembro de 1931 para os Estados Unidos pela desconfiança sobre uma possível
saída do padrão ouro com desvalorização do dólar, o número de falências dos bancos subiu e o
317
Federal Reserve estava perdendo ouro e o Federal Reserve, em plena depressão, subiu a taxa
básica de juros para defender o valor internacional do dólar. Embora um aumento da taxa
básica de juros em uma crise cambial foi à resposta padrão dos bancos centrais no sistema
monetário internacional de padrão ouro, para Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 102] a
decisão mostra como a ideologia do padrão ouro transmitiu e ampliou a Grande Depressão.
Em um artigo recente Moessner e Allen [2010] mostram diferentes estratégias dos bancos
centrais na Grande Depressão e na Grande Recessão para salvar o sistema financeiro em uma
crise profunda. Na crise financeira de 2008/2009 e na Grande Recessão seguinte os bancos
centrais usavam as experiências da Grande Depressão para injetar maciçamente liquidez no
sistema financeiro e na economia para evitar uma crise bancária mais profunda, embora
enfrentando críticas de salvar bancos insolventes, premiar estratégias gerenciais fracassadas e
deixar os custos destas estratégias fracassadas com os contribuintes dos impostos. A tabela a
seguir mostra as diferentes estratégias dos bancos centrais na Grande Depressão e na Grande
Recessão, mostrando a dificuldade dos bancos centrais de agir como emprestador de ultima
instância sob o padrão ouro na Grande Depressão.
Como % dos
ativos dos bancos Como % dos depósitos bancários Como % do PIB
centrais
1931 3,8 1,0 n.d.
2008-2009 28,5 5,5 5,4
Fonte: Moessner e Allen
* Bancos centrais dos 30 maiores países no período
Richardson [2007, p. 40] resume as crises bancárias nos Estados Unidos na Grande Depressa da
seguinte forma;
Antes de Outubro de 1930, o padrão de falhas [de bancos] se assemelhava ao padrão que
prevaleceu durante os anos 1920. Pequenos bancos rurais, com grandes perdas de crédito
falhavam em uma taxa constante. Desde novembro 1930 o colapso das redes de bancos
correspondentes desencadeava pânicos bancários. As corridas bancárias subiam em número e
gravidade após conglomerados financeiros proeminentes em New York e Los Angeles fechavam
em meio de escândalos cobertos com destaque na imprensa nacional. Mais de um terço dos
bancos que fecharam suas portas aos depositantes logo retomou as operações normais. Após a
saída da Grã-Bretanha do padrão-ouro em setembro de 1931, a depressão se aprofundou. Os
valores dos ativos diminuíam, a insolvência surgiu como a maior ameaça que enfrentam as
instituições depositárias. Durante a crise financeira em no inverno de 1931, quase todos os
bancos que quebraram foram liquidados com uma perda substancial.
Em geral, entre a quebra em outubro de 1929 e o feriado bancário em março de 1933, iliquidez
e insolvência foram fontes substanciais dos problemas bancários. Quase três quartos dos
bancos que fecharam as portas devido a dificuldades financeiras estavam insolventes. Pouco
318
mais de um quarto foi solvente e sem ajuda financeira externa, reabriam os negócios, ou
reembolsavam todos dos seus depositantes e credores, ou fixem fusão no valor de face com
outras instituições. Ativos congelados e desvalorizados foram a principal causa de
aproximadamente um meio e uma causa contribuinte de outro quarto de todas as suspensões
de banco. Saques pesados foram a principal causa de pouco menos de um meio e uma causa
contribuinte de outro sexto de todas as suspensões de banco.
Calomiris e Haber [2014, p. 3111 p.] apontam para um fato paradoxo: embora o sistema
bancário dos Estados Unidos enfrentasse crises bancárias sistêmicas contínuas na Grande
Depressão, em 1931 e 1933, o sistema bancário canadense mostrou se “notavelmente
resistente” e não houve falhas bancárias durante a Grande Depressão. Realmente a economia
canadense foi tão severamente atingida pela Grande Depressão como a economia dos Estados
Unidos. O PIB real caiu entre no período de 1929 até 1933 -29,5% na Canada e – 26,6% nos
Estados Unidos [IMF data mapper], o desemprego geral aumentou de uma taxa de 4,2% na
Canada e de 3,2% nos Estados Unidos em 1929 para 26,6% e 25,2%, respectivamente, em 1933
[Histat], a moeda M1 nominal diminui entre 1929 e 1933 em 29% na Canada e em 25,2% nos
Estados Unidos [Historical Statistics of the United States, 1949]. Calomiris e Haber apontam
diferentes estruturas institucionais e politicas: a atividade filial do negócio bancário foi restrita
nos Estados Unidos para evitar oligopólios, mas na Canada foi permitida. Canada não houve
um banco central até 1935. Embora profundidade e duração da Grande Depressão sejam
comparáveis nos Estados Unidos e na Canada, a ausência de crises bancárias na Canadá
levanta certos limites ao foco de Friedman e Schwartz sobre o papel das crises bancárias nos
Estados Unidos na Grande Depressão, embora exista uma diferença importante: A Canada já
saiu do padrão ouro em outubro de 1931, embora os Estados Unidos somente em março de
1933.
Para Claessens e Kose [2013, p. 12] crises cambiais “envolvem ataques especulativos contra
uma moeda que resultam em uma desvalorização (ou uma depreciação expressiva), ou forçam
as autoridades de defender a moeda gastando grandes quantidades de reservas
internacionais, ou subindo as taxas de juros, ou introduzindo controles de capital”. Dados
sobre crises cambiais podem ser encontrados em Reinhart [website], uma definição
quantitativa em Reinhart e Rogoff [2009, p.7] aponta uma crise cambial “quando a moeda de
um país deprecia 15% ou mais contra o dólar (ou outra moeda ancora, historicamente a libra,
o franco francês, ou o marco alemão)”.
Claessens e Kose [2013, p. 12 p.] consideram três modelos para explicar crises cambiais. Os
modelos da primeira geração explicam crises cambiais em um ambiente de regimes de câmbio
fixo ou administrado (‘peg’) quando investidores percebem politicas macroeconômicas do
319
Embora seja indiscutível que a depreciação da moeda trazia benefícios macroeconômicos para
um país que o fiz, mas as políticas que acompanhavam as depreciações [políticas
protecionistas] de 1930 tinham efeitos de empobrecer a vizinhança. Embora seja provável que
a desvalorização da moeda (se tivesse sido ainda mais amplamente adotada) teria trabalhado
para o benefício do mundo todo, a abordagem esporádica e descoordenada de política
cambiais na década de 1930 tendiam (...) reduzir a magnitude dos benefícios.
Eles apontam também na citação acima que uma desvalorização generalizada (aumentando o
preço de ouro) poderia abrir possibilidades para políticas monetárias mais expansionistas.
Eichengreen e Irwin [2009, p. 32] resumem as politicas na Grande Depressão:
Com a eclosão da Grande Depressão, os atores políticos foram confrontados com um dilema de
política econômica. Em face de um colapso macroeconômico sem precedentes, as opções
disponíveis foram deflação sob o padrão-ouro, a desvalorização da moeda, ou controles diretos
sobre o comércio e os pagamentos para manter as reservas de ouro e divisas. A maioria dos
países rejeitou a deflação como demasiado dolorosa [com exceção de Alemanha sob Brüning],
dada a gravidade do choque e a magnitude necessária do ajustamento de preços e salários.
Assim, estas três opções foram efetivamente reduzidas a duas: a manutenção de taxas de
câmbio fixas ou manter o comércio aberto.
Nós encontramos evidência deste ‘tradeoff’ de políticas: os países que ficaram no padrão-ouro
tendem a impor restrições comerciais mais rígidas do que as que permitiram que suas moedas
se depreciassem. Tendo sacrificado um instrumento de política (autonomia monetária) que
potencialmente poderia ter sido usado para combater a depressão, os atores políticos em seu
desespero recorreram a outro (controlos comerciais). Circunstâncias históricas condicionavam
esta escolha. Os países que sofreram uma inflação elevada após a Primeira Guerra Mundial
ficavam no padrão-ouro e manterem a paridade cambial; e efetivamente sacrificaram a política
comercial no altar da estabilidade financeira. O mesmo ocorreu com países que tinham
adquirido o estatuto de centro financeiro e agora valorizavam sua manutenção. França e outros
países nesta posição usavam tarifas e quotas de importação para regular o comércio e a
balança de pagamentos; Alemanha e os países de controle de câmbio não manterem a livre
mobilidade do capital, deixando a eles apenas a escolha de se impor tarifas mais altas ou alocar
divisas para regular o comércio e o balanço de pagamentos. Países que não sofriam problemas
monetários após a Primeira Guerra Mundial ou não tinham de defender o status de centro
financeiro saiavam do padrão-ouro e permitiram a desvalorização de sua moeda e foram
capazes de manter as políticas comerciais mais liberais.
As tabelas a seguir mostram crises cambiais em países centrais escolhidos e da América Latina
na Grande Depressão (desvalorização sinal positivo, valorização sinal negativo), as linhas em
cinza mostram os anos da saída do Reino Unido em setembro de 1931 e dos Estados Unidos
em março de 1933, respectivamente.
Tabela 74 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países centrais escolhidos na Grande
Depressão
Estados
Alemanha Canada França Itália Reino Unido
Unidos
Referência £ US$ £ £ £ US$
Saída padrão
ago/31* 1929/out/31 mar/33 out/36 out36*** set/31
ouro
321
A tabela mostra que nos países centrais as crises cambiais começavam em 1931 com as crises
bancárias na Áustria [maio de 1931] e na Alemanha com a crise bancária, fiscal e da dívida no
verão de 1931 com saídas forçadas do padrão ouro e finalmente com a saída do Reino Unido
em setembro de 1931 depois de ataques especulativos contra a libra. Canada já saiu
efetivamente em 1929 do padrão ouro [formalmente somente em outubro de 1931 [Powell,
2005, p. 43]]. A saída do padrão ouro do Reino Unido foi rapidamente acompanhada por
outros países e muitos historiadores apontam a saída do Reino Unido como fim do sistema
monetário internacional de padrão (câmbio) ouro no setembro de 1931, outros com a saída
dos Estados Unidos em março de 1933 ou em 1936 com o fim do bloco de ouro, liderado por
França. É importante anotar que as mudanças negativas nas taxas de câmbio em 1931 nos
países com exceção de Canadá e Reino Unido não foram consequências da desvalorização da
própria moeda (eles ficavam no padrão ouro ou saiavam do padrão ouro sem desvalorização
neste ano), mas consequência da desvalorização da libra e do dólar canadense em seguir
[valorizando as moedas dos países que não acompanhavam a devalorização da libra].
Tabela 75 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países escolhidos da América Latina na
Grande Depressão
Embora exista a crença que países não podem ir a falência, na realidade histórica existem
muitos casos de defaults de países [Reinhart e Rogoff, 2009, p. 51]. A moratória soberana
(default) é definida como a falha de um governo em fazer pagamentos para serviços da dívida
(amortizações e juros) na data do vencimento (Incluindo episódios de reestruturação da dívida
em termos menos favoráveis do que a obrigação inicial). Este pode ser um default sobre a
dívida externa ou da dívida interna de um país, onde uma forma de default sobre a dívida
interna, sem proteção contra a inflação, pode ser feito também através da inflação alta ou
hiperinflação, por exemplo, nos processos hiperinflacionários da década de 1920 em Áustria e
Alemanha. Num default sobre a dívida soberana é mais difícil para os credores de conseguir
enforçar seus direitos do que na falência privada, embora, na maioria dos casos o default é
parcial e temporário incluindo renegociações da dívida sobre valor de face (possibilidade de
‘haircuts’), taxa de rendimento e prazo.
Na Grande Depressão muitos países na Europa central e leste (por exemplo, Alemanha em
1932, Áustria em 1938, Hungria em 1932, Romênia em 1933) e na América Latina (por
exemplo, Brasil em 1931 e 1937 e quase todos os outros países da América Latina na década
323
de 1920 e 1930 com exceção de Argentina e Venezuela) entravam em default sobre sua dívida
externa soberana [Reinhart e Rogoff, 2009, p. 96], consequência da ruptura súbita dos fluxos
internacionais de capital e da queda expressiva dos preços das commodities da exportação.
Obviamente o endividamento exagerado do setor privado, bem como do setor pública, em
tempos da expansão econômica e do otimismo pode criar problemas em tempos da mudança
do cenário econômico e das expectativas. Esta reversão pode ser ainda mais expressiva
quando existe uma grande parte de dívida de curto prazo, difícil de rolar em tempos de crise,
e/ou grande parte da dívida em moeda estrangeira que se torna muito mais pesada em moeda
nacional em caso de uma crise cambial com desvalorização expressiva. Uma crise da dívida
interna pode também levar para um perigo para o setor financeiro, muitas vezes altamente
investido em títulos da dívida interna.
O gráfico a seguir mostra a importância das crises da dívida externa (Participação (%) dos
países em default sobre a dívida externa em uma amostra de 65 países) na Grande Depressão.
Gráfico 42 Participação dos países em default sobre a dívida externa (sem ponderação e com
ponderação pelo PIB) entre 1920 e 1939
Richardson e van Horn [2007, p. 1 pp.] descrevem o exemplo mais obvio do contágio da crise
bancária e financeira de 1931 para Alemanha, o Reino Unido (implicando a saída do padrão
câmbio ouro em setembro de 1931) e finalmente para os Estados Unidos da seguinte forma:
324
Resumindo pode se dizer que, diferentemente da crise financeira global de 2008/2009 que
levou a Grande Recessão, as crises financeiras não podem ser vistas como gatilhos da Grande
Depressão, embora a ruptura súbita de influxos de capital norte-americano em 1928/1929
para Europa e América Latina e o estouro da bolha especulativa no mercado acionário de Nova
York em outubro de 1929 teve certos impactos. As crises bancárias, na Europa e nos Estados
Unidos no verão de 1931 e nos Estados Unidos novamente em 1933, com certeza
influenciavam na duração e no aprofundamento da Grande Depressão. Mas elas tornavam se
325
tão sérias porque os bancos centrais não poderiam agir como emprestador de última instancia
seguindo as regras de padrão (câmbio) ouro. As crises cambiais e a ideologia do padrão ouro
levavam a propagação da crise para o mundo, levavam a estratégias de empobrecer a
vizinhança (protecionismo, controles de capital, corridas de desvalorizações) e dificultavam
intervenções coordenadas dos países (por exemplo, uma desvalorização coordenada da
paridade das moedas nacionais com o ouro facilitando a expansão monetária). O fim do
sistema monetário internacional padrão ouro pode ser datado no setembro de 1931 com a
saída do Reino Unido, ou com a saída dos Estados Unidos em março de 1933, ou com o fim de
bloco de ouro em 1936. A expansão de crédito ao setor privado, defaults, falências de
empresas e bancos na crise são um fator importante para explicar profundidade e duração da
Grande Depressão, defaults sobre a dívida pública podem diminuir os problemas dos países
devedores, mas levam a sérios problemas nos países credores. O default sobre suas dívidas do
Brasil e da Alemanha, por exemplo, diminui os problemas dos balanços de pagamentos destes
países, mas também levou a problemas para os países credores.
Eichengreen e Mitchener [2003, p. 64] mostram a relação do crédito para o setor privado/PIB
em 1913 e 1929, mostrando forte expansão do crédito nos Estados Unidos, Japão, e Reino
Unido.
1913 1929
Alemanha 2,59 1,64
Bélgica 2,34 2,51
Dinamarca 3,41 3,72
Estados Unidos 2,43 4,08
326
vi. Recuperação
Nos Estados Unidos a mudança do regime começou com a primeira presidência de Roosevelt
em março de 1933 com um feriado bancário na crise bancária mais perigosa dos Estados
Unidos, que em conjunto com as regulamentações posteriores do sistema financeiro resolveu
para décadas o problema das crises bancárias nos Estados Unidos. A expectativa de uma
possível desvalorização do dólar levou a saídas de ouro dos Estados Unidos já antes da
inauguração de Roosevelt, as reservas em ouro da ‘Federal Reserve’ diminuam pela troca de
depósitos bancárias para moeda e ouro e a fuga de capitais estrangeiros, que iniciavam uma
crise bancária profunda nos primeiros meses de 1933. Depois da estabilização temporária em
abril 1933 as saídas começavam de novo e em 18 de abril de 1933 Roosevelt [Eichengreen
determina a data da saída do padrão ouro em 19 de abril, 1992, p. 332] livrou o dólar de seu
valor oficial (a paridade com o ouro de 20,67 US$ por onça de ouro) e o dólar começava a se
desvalorizar, até julho de 1933 seu valor desvalorizou 35 até 40 por cento contra a libra
[Temin, 1991, p.96]. Temin [1991, p. 96 p.] consta que este ato foi uma mudança de regime de
políticas, porque o dólar não foi desvalorizado sob a pressão do mercado, os Estados Unidos
com um terço das reservas mundiais de ouro e com um superávit crônico na balança comercial
não foram forçados a desvalorizar o dólar. A desvalorização do dólar foi parte de uma
estratégia expansionista e inflacionista para aumentar a atividade econômica e os preços junto
com políticas monetárias e fiscais mais expansionistas. Foi um ato nacionalista sem considerar
os efeitos prejudicais sobre as exportações de outros países. A desvalorização [o dólar teve até
abril de 1933 uma paridade com o ouro de US$ 20,67 por onça de ouro, depois de abril flutuou
e em janeiro de 1934 tive nova paridade com o ouro em US$ 35,00 por onça de ouro valendo
até agosto de 1971 quando a administração de Nixon decidiu não mais converter dólares em
328
ouro na paridade] conseguiu elevar os preços na agricultura, os preços das ações, facilitou uma
política monetária mais expansionista nos Estados Unidos que elevou a produção industrial,
embora não permanentemente. O gráfico a seguir mostra a desvalorização do dólar em
relação a libra e seu impacto sobre a expansão da produção industrial e sobre uma expansão
monetária, refletida na queda expressiva da taxa básica de juros.
Gráfico 43 Taxa de câmbio US$/£ setembro de 1929 até dezembro de 1938 (desvalorização da
Libra esterlina em setembro de 1931 e do US$ em abril de 1933), Taxa básica dos Estados
Unidos e do Reino Unido, Produção industrial dos Estados Unidos (Índice 2012 = 100)
No setor empresarial, a incidência de dificuldades financeiras foi muito desigual. Os lucros das
empresas agregadas antes de impostos foram negativos em 1931 e 1932, e depois de impostos
os lucros acumulados foram negativos em todos os anos 1930-1933 (Chandler, 1971, 102 p.).
Mas o subconjunto de empresas que detêm mais de US $ 50 milhões em ativos manteve lucros
positivos ao longo deste período, deixando o peso de ser suportada pelas empresas de menor
dimensão. Solomon Fabricant (1935) relatou que, só em 1932, as perdas de empresas com
ativos de US $ 50.000 ou menos foram iguais a 33 por cento da capitalização total; para as
empresas com ativos na faixa de US $ 50.000 US $ 100.000, o valor comparável foi de 14 por
cento. Isso levou a altas taxas de falha entre as pequenas empresas.
329
A Grande Depressão foi, sem dúvida, também uma crise de lucro, mas se esta crise de lucro foi
o gatilho para a crise, como autores da corrente marxista enfatizam, ou impacto da queda
econômica, precisa ser avaliado em um capítulo posterior quando são resumidas as posições
de diferentes correntes de pensamento econômico.
Tabela 77 Renda nacional (em bilhões de US$) e seus componentes e pessoas empregadas (em
milhões) nos Estados Unidos 1929 – 1939
Compensação
Renda Renda dos Lucros Juros Empregados
dos Outros
Nacional proprietários corporativos líquidos em milhões
empregados
Estrutura
100,0 54,6 14,9 11,5 4,9 14,2
1929
1929 94,2 51,4 14,0 10,8 4,6 13,4 47,4
1930 83,1 47,2 10,9 7,5 4,8 12,7 45,2
1931 67,7 40,1 8,3 3,0 4,8 11,5 42,4
1932 51,3 31,4 5,0 -0,2 4,5 10,6 39,0
1933 49,0 29,8 5,3 -0,2 4,0 10,1 39,4
1934 58,3 34,6 7,0 2,5 4,0 10,2 42,5
1935 66,4 37,7 10,1 4,0 4,1 10,5 44,0
1936 75,2 43,3 10,4 6,2 3,8 11,5 46,8
1937 83,7 48,4 12,5 7,1 3,7 12,0 47,9
1938 77,1 45,5 10,6 5,0 3,6 12,4 46,1
1939 82,5 48,6 11,1 6,6 3,6 12,6 47,4
Estrutura
100,0 58,9 13,5 8,0 4,4 15,3
1939
Fontes: Bureau of Economic Analysis (BEA) e KEHOE/PRESCOTT
Os gráficos e tabelas seguintes mostram uma análise resumida da recuperação, que usando
dados trimestrais começou em março de 1933 (com a inauguração do presidente Roosevelt).
Como em recessões normais também na Grande Depressão a queda dos investimentos e do
consumo de bens duráveis é mais expressiva do que do consumo de bens não duráveis e de
serviços. Para dados anuais do ‘Bureau of Economic Analysis (BEA)’ a recuperação começou
somente em 1934, houve uma nova recessão em 1938, e uma recuperação total foi somente
alcançada na Segunda Guerra Mundial quando o desemprego voltou nos Estados Unidos para
seu nível antes da crise, embora seja importante anotar que nos Estados Unidos (em diferença,
por exemplo, da Alemanha), as pessoas empregadas em programas emergenciais do governo
(importante somente com o ‘New Deal’ em 1933 e diante) foram contabilizadas como
desempregados.
330
Gráfico 44 PIB e seus componentes (Índices 1929:3 = 100) Estados Unidos 1929:3 – 1939:12
Tabela 78 Índices (1929 =100) para o PIB Estados Unidos e seus componentes 1929-1947
Produto Consumo Gastos do
Consumo Consumo Investimento
Interno de bens governo
das de bens Serviços bruto do setor Exportações Importações
Bruto não (consumo e
famílias duráveis privado
(PIB) duráveis Investimento)
Estrutura
100,0 74,0 9,4 32,5 32,1 16,4 5,7 -5,3 9,2
PIB 1929
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 91,5 94,6 83,3 94,6 98,2 67,9 83,3 85,4 110,5
1931 85,6 91,6 71,8 93,5 95,6 44,3 68,8 75,6 114,7
1932 74,6 83,4 55,1 85,3 89,7 16,0 54,2 63,4 111,6
1933 73,7 81,6 53,8 84,9 86,4 22,1 54,2 65,9 107,4
1934 81,6 87,5 61,5 92,1 90,8 36,6 60,4 65,9 120,0
1935 88,9 92,7 74,4 97,1 93,8 63,4 64,6 87,8 124,2
1936 100,3 102,2 89,7 108,2 99,6 80,2 66,7 85,4 144,2
1937 105,4 105,9 94,9 111,1 104,4 99,2 83,3 97,6 137,9
1938 102,0 104,3 78,2 112,5 103,3 67,9 83,3 75,6 148,4
1939 110,1 110,1 93,6 117,9 107,3 85,5 87,5 78,0 162,1
1940 119,8 115,7 106,4 122,9 111,7 116,0 100,0 80,5 167,4
1941 141,0 123,9 123,1 130,1 118,3 142,7 102,1 100,0 282,1
1942 167,7 121,1 78,2 130,5 124,9 79,4 66,7 90,2 653,7
1943 196,3 124,4 70,5 131,5 134,8 49,6 56,3 114,6 981,1
1944 211,9 127,9 64,1 134,1 142,1 58,8 60,4 119,5 1.102,1
1945 209,9 135,8 71,8 142,3 149,8 76,3 85,4 126,8 968,4
1946 185,6 152,8 129,5 155,2 156,8 181,7 185,4 104,9 342,1
1947 183,6 155,6 152,6 154,5 157,1 174,8 210,4 100,0 290,5
331
Estrutura
100,0 64,8 8,7 31,0 25,0 14,9 7,5 -3,2 16,0
PIB 1947
Fonte: Bureau of Economic Analysis (BEA)
Depois do feriado bancário em março de 1933, depois da desvalorização do dólar com a saída
temporária do padrão ouro (e a volta ao ouro em janeiro de 1934 a uma paridade
desvalorizada), começou a expansão monetária diminuindo a taxa básica de juros para 2% ao
ano em novembro de 1933 e 1,5% ao ano em fevereiro de 1934 (a taxa básica estava antes no
nível de 2,5% ao ano, mas curtamente elevada até o nível de 3,5% no período da transferência
do poder em março de 1933). Do primeiro trimestre de 1933 até o segundo trimestre de 1938
a base monetária foi expandida em 62,1%, a quantidade de moeda em 52,2% [dados básicos:
NBER]. A queda da taxa básica parece não muito expressiva, mas uma taxa básica nominal de
2,5% na crise com uma deflação média de -9,6% ao ano de 1929 até 1932 é igual a uma taxa
real de juros de 13,4% ao ano, criando problemas sérias para o investimento e o consumo de
bens duráveis. A política monetária mais expansionista, a desvalorização do dólar, a mudança
das expectativas, e uma política fiscal um pouco mais expansionista (embora o discurso
público de Roosevelt sempre enfatizasse a importância do orçamento equilibrado)
conseguiram reflacionar a economia até 1938 em média em 2,5 ao ano.
Gráfico 45 Deflator do PIB, Índice de preços ao atacado, Deflator de bens de consumo duráveis
e não duráveis, e Índice de preços de ações (1929=100) para os Estados Unidos 1929 -1940
A deflação anualizada de 1929 até 1932 foi de -9,6% ao ano para o Índice geral de preços, -
23,2% ao ano para o Índice de preços de produtos da agricultura, -15,1% ao ano para o Índice
preços alimentos, e -24,4% ao ano para o preço de trigo. A reflação anualizada entre 1933 e
1938 nos anos para estes índices foi de 2,5% ao ano, 6,4% ao ano, 3,2% ao ano e 5,1% ao ano,
respectivamente.
Tabela 79 Dados fiscais do governo federal dos Estados Unidos 1929 – 1947
Taxa real
Receitas Juros de juros de
Gastos do Superávit Dívida PIB PIB real $
do sobre longo
governo /Déficit pública nominal de 1929
governo dívida prazo
em relação primário % bruta em (bilhões (bilhões
em relação pública em sobre a
ao PIB do PIB % do PIB US$) US$)
ao PIB % do PIB dívida
pública
1929 3,72 3,02 0,65 1,36 16,33 4,42 104,6 104,6
1930 4,44 3,64 0,72 1,53 17,73 6,93 92,2 95,7
1931 4,07 4,67 0,80 0,20 21,93 12,90 77,4 89,6
1932 3,27 7,92 1,02 -3,63 33,14 15,01 59,5 78,0
1933 3,54 8,15 1,22 -3,39 39,96 9,28 57,2 77,0
1934 4,57 10,07 1,15 -4,35 40,99 0,64 66,8 85,4
1935 5,06 8,86 1,12 -2,69 39,16 1,01 74,3 93,0
1936 4,78 10,06 0,90 -4,39 40,36 2,23 84,9 105,0
1937 5,39 8,41 0,94 -2,08 39,64 -0,53 93,0 110,3
1938 6,49 7,86 1,08 -0,29 43,16 4,86 87,4 106,7
1939 5,41 9,61 1,02 -3,18 43,96 4,17 93,5 115,2
1940 6,78 8,94 1,03 -1,13 42,42 1,74 102,9 125,3
1941 7,26 10,46 0,88 -2,32 38,64 -2,35 129,4 147,5
1942 9,33 21,04 0,78 -10,93 44,76 -8,01 166,0 175,4
1943 12,64 40,00 0,91 -26,46 68,90 -3,50 203,1 205,3
333
Tabela 80 Receitas e gastos do setor Governo e do Governo Federal dos Estados Unidos 1929 –
1947
Nos Estados Unidos a recuperação de Roosevelt foi definitivamente ajudada pelas medidas do
‘New Deal’, embora sobre a importância destas medidas para a recuperação existe uma
controversa entre os economistas. Os programas específicos do ‘New Deal’ são descritos sob o
capitulo posterior de transformações. Mas em relação à relativa inatividade do governo e da
Federal Reserve antes de 1933, houve pelo menos programas e tentativas de combater a
depressão e uma política monetária mais expansionista, da saída do padrão câmbio ouro e da
desvalorização do dólar, da recuperação da agricultura e da indústria através da intervenção
do governo, dos programas do combate ao desemprego através de programas de empregos
públicos e do fortalecimento dos sindicatos e dos trabalhadores. Esta maior intervenção do
Estado na economia encontrou forte resistência na classe empresarial e algumas medidas
foram abandonadas. Em 1937/1938 uma revisão das políticas monetárias e fiscais para
garantir um orçamento equilibrado levou a uma nova recessão forte e somente com a entrada
dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em 1941 o desemprego voltou a níveis como
antes da Grande Depressão. Neste sentido Kennedy [1999, p.362 p] resume: “No nono ano da
Grande Depressão e no sexto ano do New Deal de Roosevelt, com mais de milhão de
trabalhadores continuando desempregados, os Estados Unidos ainda não tinham encontrado
uma fórmula para a recuperação económica.”. Ele [p. 361] avalia o ‘New Deal’ da seguinte
forma: “O presidente pode ter plantado as sementes da “revolução keynesiana” em políticas
fiscais americanas, mas seria algum tempo depois que eles iriam totalmente florescer. Nesse
meio tempo, Roosevelt parecia ter forjado o pior de todos os mundos: os gastos do governo
insuficientes para a recuperação, mas o governo fazendo suficiente barulho de espada para
manter o capital privado intimidado. ”
[BLANCHARD, p. 477 pp.] A recuperação teve início em 1933. Exceto por outra queda abrupta
em 1937 (...), o crescimento foi consistentemente elevado, com uma taxa média anual de 7,7
por cento de 1933 a 1941. (...) Um dos fatores que contribuíram para a recuperação está claro.
Após a eleição de Franklin Roosevelt, em 1932, houve uma mudança na política monetária e
um aumento dramático da moeda nominal. (...). O papel de outros fatores, dos déficits
orçamentários ao Novo Contrato [New Deal] – o conjunto de programas implementados pelo
governo Roosevelt para tirar a economia dos Estados Unidos da Grande Depressão -, é menos
claro.
335
Os programas de ‘New Deal’ concentram se num lado na criação direta de empregos pelo
setor público (o Estado como empregador de última instancia) em programas como o ‘Civilian
Conservation Corps’ (para empregar jovens desempregados em trabalhos de preservação
ambiental e reflorestamento) e a ‘Work Progress Administration’ (empregando
desempregados em projetos de construção, mas também em projetos culturais) e na ‘Civil
Works Administration’, noutro lado no fortalecimento dos sindicatos trabalhistas pela
‘National Labor Relations Act (NLRA)/Wagner Act’ em 1935. A introdução de um programa de
previdência social para os idosos e de um seguro desemprego mostram os primeiros passos do
Estado norte-americano para um Estado de bem-estar social, embora os efeitos reais do
programa de previdência social somente aconteciam anos depois.
Outra corrente dos programas focalizou no aumento dos preços na agricultura e na indústria
através da diminuição da produção na agricultura (‘Agricultural Adjustment Act’ (AAA) de
1933) e da cartelização e regulamentação da competição na indústria (‘National Industrial
Recovery Act (NIRA) ’ de 1933, revogada em 1935 pela suprema corte dos Estados Unidos).
A recuperação na Alemanha
A tabela a seguir mostra índices para o PIB real e seus componentes, bem como para o número
de desempregados e a taxa de desemprego. É importante anotar que a queda do PIB pelos
dados recentes e nacionais é muito maior (queda de 27,2 % pelo PIB real) do que as
estimativas de Maddison, usados para comparações internacionais acima, que mostram uma
queda de somente 17% para o PIB per capita, mostrando a fragilidade dos dados estatísticos
para períodos mais antigos.
Índice número
Consumo Investimento Índice taxa de
PIB real de
privado bruto desemprego
desempregados
1928 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1929 98,1 97,5 93,3 136,5 156,0
1930 91,3 96,9 75,6 221,1 182,1
1931 79,3 92,5 51,2 324,9 277,4
1932 72,8 89,9 38,4 400,8 358,3
1933 78,6 86,5 48,1 345,4 313,1
1934 87,1 87,9 76,3 195,4 177,4
1935 97,9 93,3 107,6 154,6 138,1
1936 109,3 100,3 127,4 114,5 98,8
1937 121,5 104,4 146,1 65,6 54,8
1938 133,0 104,9 171,4 30,8 25,0
Fonte: Histat (parcialmente de dados de Ritschl 2002), cálculos próprios
A tabela mostra que para todos os índices a recuperação começou em 1933, com exceção para
o consumo (onde a recuperação começou em 1934) e em 1936 o nível de 1929 já foi alcançado
ou superado, com exceção do número de desempregados, onde o nível de 1929 foi somente
expressivamente superado em 1937. É importante anotar que o consumo fica relativamente
atrás na recuperação, consequência do controle de salários e da repressão politica desde 1933,
bem como do foco da política nacional-socialista no rearmamento e na preparação para a
guerra.
O gráfico a seguir mostra índices (1929 =100) para a política monetária expansionista depois
de 1933 incluindo uma fonte indireta da criação de moeda (na tabela em milhões de Marcos,
em 1933 representando 9,4% da base monetária chegando a 122,6% da base monetária em
1938), as letras de câmbio MEFO e os cupões de impostos, especialmente usados para
financiar o rearmamento.
338
Gráfico 46 Índices (1929=100) para a base monetária, M1, depósitos e – em milhões de marcos
– MEFO letras de câmbio e cupões de impostos, Alemanha 1929 – 1933
Tabela 82 Índices (1929=100) PIB nominal, gastos do governo, participação de gastos militares,
índice dívida pública Alemanha 1928 = 1938
Gastos do Gastos
governo defesa/guerra
PIB nominal Dívida pública
(transferências em % dos gastos
incluídas) totais
1928 100,0 100,0 26,2 100,0
1929 100,0 100,7 23,3 124,4
1930 92,6 97,7 23,1 146,0
1931 75,8 81,0 18,6 164,5
1932 62,8 69,7 17,2 165,6
1933 64,5 80,8 16,5 166,8
1934 72,0 99,6 29,7 168,0
1935 80,5 105,9 36,4 171,7
1936 89,5 128,9 46,0 182,9
1937 100,2 140,7 45,7 190,5
339
A recuperação no Brasil
Abreu [1998] resume o processo de recuperação no Brasil, mais cedo e mais rápido do que na
maioria dos países centrais, mas também no lado externo acompanhado por problemas do
balanço de pagamentos, da desvalorização da taxa de câmbio, dos defaults sobre a dívida
externa e de controles de capitais, de forma geral caracterizada – como na maioria de outros
países por uma intervenção mais forte do Estado na economia.
“De 1933 até 1936 houve uma expansão econômica forte no Brasil. (...) O crescimento do PIB
entre 1933 e 1936 foi de 8% ao ano. A produção industrial aumentou em 13,4% ao ano e a
produção agrícola em 4,2%, apesar de uma colheita muito má em 1935. Esse desempenho
industrial marcante foi em parte devido ao extremamente bom desempenho da indústria têxtil,
cuja produção cresceu 16,8% ao ano neste período. A produção têxtil é estimada como
correspondente a 20-25% do valor adicionado da industrial total. A produção da indústria
química, que foi menos do que um quinto da indústria têxtil no começo da década de 1930,
aumentou ainda mais espetacularmente com 23,8% anualmente. (...), mas a partir de início de
1937 havia indícios de que a economia estava superaquecida e a expansão de mais de 40% do
valor das importações no ano não foi acompanhado pelo aumento de 9% nas exportações. (..).
No tempo de autogolpe de Vargas em novembro de 1937 houve uma clara deterioração da
situação económica que tinha sido tão favorável desde que ele se tornou presidente
constitucional do Brasil em 1934. Para o superaquecimento da economia doméstica foi
adicionado à queda no nível de atividade em Estados Unidos [em 1937/1938], que gravemente
afetou as exportações brasileiras. Dificuldades da balança de pagamentos tornavam-se mais
uma vez importantes. ” [Abreu 1998, p. 12 pp.]
Abreu [1998, p. 18] chama este período de 1937 e adiante como “desaceleração, recessão e
expansão na guerra”. As tabelas a seguir mostram os índices das contas nacionais e das
exportações e importações e da dívida pública para o período da crise e da recuperação.
Transportes e Setor
PIB real Agricultura Indústria Comércio
Comunicações Governamental
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 97,9 101,2 93,3 85,7 91,4 114,2
1931 94,7 94,8 94,4 89,9 86,8 113,6
1932 98,7 100,5 95,7 82,2 88,0 133,1
1933 107,5 112,6 106,9 89,1 101,3 119,3
1934 117,4 119,6 118,8 92,7 110,7 139,8
1935 120,9 116,6 133,0 105,8 117,2 133,2
1936 135,6 127,7 155,9 116,4 132,5 145,8
1937 141,8 127,8 164,2 126,6 140,1 161,2
1938 148,2 133,2 170,4 138,4 142,9 173,9
1939 151,9 130,0 186,2 149,3 148,6 169,5
Fonte: IBGE Século XX, cálculos próprios
340
Tabela 84 Brasil índices (1929=100) PIB real, Investimento, Exportações e Importações, Dívida
externa, Exportações Café, Produção Industrial 1929-1939
Para a maioria dos índices a recuperação já começou em 1932, para a produção industrial já
em 1931, para as exportações e importações em 1933, o valor das exportações de café mostra
uma tendência declinante para todo o período.
Índice Custo de
M1 Deflator do PIB Empréstimos
vida – RJ
1929 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 85,3 87,6 91,0 98,1
1931 99,0 78,1 87,6 97,0
1932 116,2 79,3 88,0 110,2
1933 114,9 77,7 87,3 113,2
1934 129,7 82,6 94,0 121,9
1935 136,5 86,6 99,3 127,6
1936 151,9 88,0 113,9 127,0
1937 168,8 96,2 119,1 141,5
1938 205,0 99,3 127,7 163,6
Fontes: IBGE Século XX, IPEADATA, cálculos próprios
Gastos totais
Carga Superávit/341eut Dívida interna
Consumo do Investimento primários do
tributário no sch primário no governo
governo (em do governo governo
nível federal nível federal (em federal (em %
% do PIB) (em % do PIB) federal (em %
(em % do PIB) % do PIB) do PIB)
do PIB)
1929 4,42 0,35 5,25 6,07 0,82 9,00
1930 7,18 0,44 8,22 5,34 -2,88 12,10
1931 5,04 0,29 6,00 6,55 0,55 9,80
1932 9,33 0,65 10,68 6,02 -4,66 9,30
1933 2,76 0,98 4,58 7,04 2,46 8,80
1934 7,13 0,25 8,20 7,04 -1,15 10,10
1935 6,13 0,28 7,22 7,53 0,31 10,30
1936 6,10 0,52 7,44 6,79 -0,65 9,60
1937 7,86 0,10 8,67 7,02 -1,65 8,80
1938 7,43 0,43 8,76 7,27 -1,48 9,30
1939 6,16 1,87 8,86 8,25 -0,61 10,80
1940 6,65 1,90 9,41 8,31 -1,09 12,50
1941 5,64 1,82 8,42 8,26 -0,17 10,40
1942 5,48 2,24 9,04 7,90 -1,15 8,20
1943 4,12 1,79 7,17 7,79 0,62 7,20
1944 4,26 1,35 6,98 7,99 1,01 5,70
1945 5,22 1,23 7,83 8,45 0,62 7,00
Fonte: IBGE Século XX, IPEADATA, cálculos próprios
A tabela mostra que o governo federal entrou na década de 1930 várias vezes num déficit
primário, tentando em 1931 e 1933 conter as despesas [em 1932 houve uma expansão
expressiva das despesas, provavelmente por causa da revolução paulista] para chegar a um
superávit temporário. Os dados não mostram uma tendência expressiva de políticas
keynesianas de ‘deficit spending’ do governo federal, embora a política do governo adotada
em relação ao café nos anos 1930 e depois pode ser interpretada como uma política nos
moldes keynesianos. Pelaez [1968, p. 17 p.] descreve esta política citando Furtado:
“Na realidade o Brasil estava construindo a famosa pirâmide que iria ser mais tarde imaginada
por Keynes... assim é que a política de proteção do café não passou, na realidade, de um
autêntico programa de expansão da renda nacional. O Brasil adotava na prática uma política
anticídica de envergadura muito mais ampla que a da que, nos países industrializados, não
chegava sequer a ser sugerida... segue-se, claramente, que a recuperação da economia
brasileira ocorrida de 1933 em diante, não teve por causa nenhum fator externo; provocou-a a
política de escorva de bomba (pump priming politic) adotada inconscientemente pelo Brasil
como subproduto da proteção do café”.
342
A tabela a seguir de Pelaez [1968, p. 25, existe certa incoerência entre a quantidade destruída
de café (em 1000 sacos) e da oferta mundial (possivelmente em milhões de sacos)] mostra a
política de destruição de café no Brasil na década de 1930 e seus efeitos sobre a oferta
mundial de café.
É importante também anotar que a queima de estoques café, bem como a destruição de
produtos da agropecuária nos Estados Unidos nos tempos de Roosevelt, deixam um sabor
amargo para os defensores do capitalismo em um ambiente de uma população parcialmente
fomenta e desesperada.
Ao longo dos anos 1920 e 1930, à medida que as instituições econômicas dos Estados
capitalistas liberais se tornaram instáveis durante a Grande Depressão, a maioria desses
Estados rejeitou as ideias do liberalismo clássico como a pedra angular da gestão econômica.
Em resposta a essa desestabilização e incerteza, uma variedade de ideias econômicas
reflacionárias e redistributivas, que vão do Keynesianismo ao fascismo, foram desenvolvidas e
implantadas por diferentes Estados. Essas ideias econômicas, em suas formas keynesianas e ao
invés das formas fascistas, serviram como base ideológica da ordem “liberal incorporada
(‘embedded’)” do pós-guerra, prevista por Polany e outros. (...). Em particular, o desemprego
maciço e prolongado foi visto como um resultado inevitável do processo capitalista. À luz
dessas novas ideias, o Estado teve o dever de socializar as condições de investimento para
minimizar a inerente instabilidade do ciclo econômico e seu desemprego associado.
Blyth, Mark, Great Transformations p. 4 p.
Dificuldades económicas não é uma causa suficiente [para explicar a subida do fascismo]. Todos
os países sofreram economicamente, mas a maioria não se voltou para o fascismo. A Grande
Depressão mordeu mais profunda nos Estados Unidos e Canadá, e eles ficaram democráticos.
Estes dois foram seguidos no sofrimento pela despótica Áustria e Polônia, mas depois veio
Tchecoslováquia democrática e Irlanda antes de se chegar à Alemanha (e Austrália). No geral,
não houve relação entre a profundidade da depressão e resultados despóticos. A depressão
causou o colapso de qualquer governo que estava no poder, seja de direita ou à esquerda. (...).
Então, por que algumas classes superiores levantavam a arma despótica ou fascista quando
nem propriedade nem lucros foram muito ameaçados? Eles haviam se assustado no período
insurrecional depois de 1917. Por que não explorar a fraqueza atual da esquerda para acaba-lo
completamente? É difícil hoje em dia, quando o capitalismo tem sido aparentemente
triunfante, para apreciar que neste período problemático muitos temiam que capitalismo
estivesse falhando. (...) O medo pode racionalmente surgir a partir de uma ameaça que é baixa
em probabilidade, mas alta em danos se ela se concretizasse. “É melhor prevenir do que
remediar”, as classes superiores pensavam. (...). No entanto, a maioria dos ricos de virar a arma
[do fascismo] não eram capitalistas industriais, mas os proprietários agrários, o corpo de
oficiais, e as hierarquias da igreja – o antigo regime. Michael Mann, The sources of
social power, Volume III
A primeira citação de Blyth [2002] mostra que a Grande depressão levou a um processo
demorado de transformações politicas e econômicas em direção para instituições de um
Estado mais intervencionista e um Estado de bem-estar social. Os grupos mais atingidos pela
crise, neste caso a classe trabalhadora e os agricultores, tentam usar o Estado para se proteger
e neste processo politico levam a transformações profundas das instituições politicas e
econômicas. A segunda citação de Mann [2012 (2)] mostra como as classes dominantes podem
reagir a este perigo de que a classe trabalhadora e seus aliados podem demandar
transformações profundas nas instituições em uma crise profunda, e podem apoiar a
alternativa fascista. No caso da ascensão do fascismo de Mussolini na Itália em 1922 foram a
crise revolucionária (o biannio vermelho 1919-1920) pós-guerra e as fraquezas politicas do
liberalismo italiano de resolver a crise que levavam as fascistas ao poder, junto com o
sentimento nacional de ser traída na conferencia de paz em Versalhes. No caso da ascensão
dos nazistas de Hitler em janeiro de 1933 foi a Grande Depressão e a crise politica depois da
queda do governo Müller (SPD) em 1930 seguida por governos sem base parlamentar que não
conseguiam resolver os problemas econômicos e políticos que levava o maior partido [nas
344
eleições de 1932] – os nazistas – ao poder assistidos por outros partidos de direita e do centro
e grande parte das elites empresariais e militares. Crises profundas como a Grande Depressão
levam não somente a perdas de produção e dos investimentos, a problemas sociais como
desemprego elevado e prolongado e a pobreza, a falências e problemas financeiros, mas
também a discussões e lutas mais violentas sobre os fundamentos políticos, econômicos,
sociais e ideológicos das sociedades em crise.
Seguindo Mann [2013 (2), p. 1 p,] sociedades humanas são construídas em vez de quatro redes
de poder que se sobrepõem: as fontes de poder social são ideológicas, econômicas, militares e
politicas. Mann considera este modelo satisfatório para explicar a história das sociedades
humanas pelas constelações especificas das fontes de poder na história humana. O poder no
sentido de Mann [2013 (2), p. 1] é a capacidade de conseguir que outros fazem coisas que eles
não fariam de outra forma. Obviamente parte das sociedades são também as organizações
econômicas, politicas e sociais, onde os homens entram em relações de poder na forma de
cooperação, concorrência e conflito. As relações de poder podem se cristalizar, estabilizar e
legitimar em instituições, regras formais (leis, etc.) e informais (regras de conduta, valores,
ética etc.) do comportamento humano, vistas como dominação legitima e institucionalizada.
Em todas estas esferas uma crise profunda, como a Grande Depressão, pode levar a conflitos e
lutas que podem introduzir transformações profundas no âmbito econômico, político,
ideológico e militar. Na Grande Depressão houve transformações profundas em muitos países.
Obviamente uma crise tão profunda leva ao ceticismo sobre a viabilidade do sistema
econômico, político e social. Também levanta dúvidas sobre as ideologias econômicas e
políticas que fundamentavam o sistema do capitalismo global (o liberalismo econômico, a
teoria econômica clássica e o sistema monetário internacional do padrão ouro) e o sistema
político (liberalismo político, democracia e parlamentarismo). Na parte a seguir se tenta
resumir as transformações profundas no ambiente político, econômico, ideológico e militar na
década de 1930 com foco nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil. Obviamente esta
tentativa pode ser feita somente de forma superficial e cautelosa com vista a amplitude do
assunto.
Knight [2014, p. 276 p.] em seu resumo sobre a Grande Depressão na América Latina pergunta
cautelosamente em que sentido um fenômeno econômico como a Grande Depressão pode
causar impactos políticos, sociais e culturais:
(...) até que ponto os fenômenos políticos da década de 1930 – incluindo instabilidade política,
fortalecimento do Estado, dirigismo econômico, autoritarismo, corporativismo, frentes
populares, nacionalismo, etc. – [são] produtos da Depressão? (...)
O segundo problema familiar que emerge imediatamente é o velho de ‘post hoc ergo propter
hoc’ (“depois disso, portanto, por causa disso”) – ou seja, o risco de atribuir impactos para a
depressão que de fato são de uma causalidade completamente diferente.
Pode se acrescentar o problema de confundir impactos da depressão com fatores
contingentes. Um bom exemplo para isto pode ser a tentativa de apontar uma causalidade
entre a Depressão no Brasil e o golpe militar em outubro de 1930 e a posse da presidência de
Vargas em novembro deste ano como causa mais importante para a mudança política no
Brasil, embora o fato contingente do assassinato de João Pessoa por motivos não diretamente
ligados a política, candidato a vice-presidência do Brasil na chapa perdedora de Vargas, teve
também um papel importante na decisão de golpe. Na história do Brasil a Grande Depressão é
vista como uma causa entre outros da ascensão de Vargas, e não a mais importante.
Transformações politicas
com a queda da ditadura de Primo de Rivera e 1936 com a vitória da Frente Popular, mas no
mesmo ano enfrentando o golpe militar que em 1939 finalmente levou a ditadura de Franco
na Espanha. Em contrário, em muitos países na Europa (com exceção dos países aonde uma
democracia liberal já foi estabelecida firmemente por muitos anos, como nos países nórdicos,
no Reino Unido, e nos países Benelux e França e também na Checoslováquia, um país criado
somente depois do fim da primeira Guerra Mundial) e na América Latina estabilizam se
governos mais autoritários da direita e no Japão onde houve a ascensão de governos
militaristas.
O caso mais discutido nas transformações políticas como consequência da Grande Depressão é
obviamente a Alemanha com a ascensão de Hitler ao poder em janeiro de 1933. Desde a
proclamação da República em nove de novembro de 1918 pelo socialdemocrata Scheidemann
a república de Weimar nunca foi uma democracia estável: o pacto da socialdemocracia com as
elites militares e paramilitares nas agitações revolucionárias de 1918 e 1919, as tentativas de
revoluções, revoltas, golpes e contragolpes, a matança de políticos da esquerda e das
democratas liberais, a hostilidade entre socialdemocratas e comunistas, a hostilidade de
grande parte das elites e da burocracia estatal com a democracia de Weimar somente acabou
em um período mais estável depois de hiperinflação de 1923. Mas já em março de 1930 no
inicio da Grande Depressão com a queda do governo Müller (SPD) sobre a questão das
contribuições para o seguro de desemprego começava a descida para uma democracia
autoritária nos governos Brüning (até maio de 1932), von Papen (até dezembro de 1932), von
Schleicher (até 28 de janeiro de 1933), que cada vez mais precisavam de decretos de
emergência sem parlamento para governar. Wehler [2008, Band 4, p. 359 %] mostra a
ascensão de partidos autoritários de direita (NSDAP, DNVP e DVP) no parlamento nas eleições
de 1919 até 1933 e dos partidos democráticos (SPD, DDP, Zentrum e BVP), dos partidos da
extrema esquerda (USPD até 1928 e KPD desde 1920) e outros partidos pequenos.
É importante anotar que as eleições de 1933 não foram mais livres, com muitos políticos da
esquerda assassinados, nos campos de concentração, na clandestinidade ou no exilio.
Outra tabela de Wehler [2008, Band 4, p. 519] mostra o processo rastejante com que a
democracia alemã tornou se cada vez mais autoritária na Grande Depressão.
É também importante anotar que o clima geopolítico esfriou cada vez mais com a Grande
Depressão e com a ascensão de governos autoritários, nacionalistas e militaristas em muitas
partes do mundo. A agressão de Japão na Manchúria [parte da China] em 1931 e na China em
1937, a agressão de Itália a Etiópia em 1935, a anexação de Áustria e partes da Checoslováquia
em 1938 pela Alemanha e a anexação do resto de Checoslováquia na primavera de 1939, a
guerra civil na Espanha (1936 – 1939) foram os primeiros sinais que uma grande guerra estava
se aproximando.
Lindvall [2014] fazendo uma análise empírica das consequências politicas da Grande Depressão
da década de 1930 e da Grande Recessão seguindo a crise financeira global de 2008/2009
348
A primeira idéia é que na fase inicial de uma crise econômica global profunda, quando a crise é
amplamente entendida como uma ameaça à ordem econômica estabelecida, os interesses da
classe média são mais provavelmente alinhados com os ricos (e, portanto, com partidos
conservadores) do que com os pobres. A segunda idéia é que, uma vez que uma crise
econômica deixa de ser considerada uma ameaça sistêmica, as circunstâncias políticas
favorecem a esquerda, uma vez que dificuldades econômicas generalizadas podem afetar tanto
a classe média quanto os pobres. [Lindvall, 2014, p. 2]
Não deve se esquecer de que em uma crise tão profunda como a Grande Depressão o
desespero e a falha de governos e parlamentos levam a esperança para um homem forte (o
salvador da pátria) que oferece caminhos autoritários para sair da crise. Outros pesquisadores
encontravam forte apoio da hipótese de que “os cidadãos tendiam a recompensar os seus
governos quando suas economias cresceram vigorosamente e punir seus governos quando o
crescimento econômico está desaclerando”. Lindvall [2014, p.2] afirma que as mudanças
politicas como consequência das crises são causadas por alianças diferentes de classes:
Nossa primeira descoberta chave é que as crises financeiras são seguidas por mudanças
importantes no comportamento dos eleitores que, por sua vez, contribuem para altos níveis de
incerteza política. A polarização política aumenta após as crises financeiras ao longo dos séculos
19 e 20. Além disso, os partidos políticos da extrema-direita parecem ser os maiores
beneficiários políticos de uma crise financeira. Em média, os partidos de extrema direita viram
um aumento em suas ações de voto de cerca de 30% em relação ao seu nível pré-crise nos
cinco anos após uma crise financeira sistêmica. Estes resultados ecoam um estudo recente de
Bromhead, Eichengreen e O’Rourke (2012), que se concentram nas consequências eleitorais
das crises nos anos 1920 e 1930. Mostramos que os ganhos dos partidos de extrema-direita
não se limitaram ao período de entreguerras: nas últimas décadas, partidos de extrema-direita,
349
incluindo partidos populistas da chamada “Nova Direita”, também viram ganhos eleitorais
amplos. Depois das crises financeiras, os eleitores parecem ser sistematicamente atraídos pela
retórica política da extrema-direita, com suas tendências nacionalistas ou xenófobas. Além
disso, identificamos uma importante assimetria na resposta política às crises: em média, a
extrema esquerda não beneficiou igualmente de episódios de instabilidade financeira.
Nossa segunda percepção principal é que governar se torna mais difícil depois de crises
financeiras, independentemente das partes que estejam no poder. Em particular, após a
Segunda Guerra Mundial, as crises são associadas à diminuição das maiorias governamentais,
ao fortalecimento da oposição e fracionalização política. Isto, por sua vez, está associado a uma
maior probabilidade de crises e mudanças no poder executivo.
Em terceiro lugar, documentamos que os protestos de rua aumentam dramaticamente após as
crises financeiras. Os motins, as greves e as manifestações podem ser vistos como uma
restrição à governança. Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 2 p.] (...)
É importante notar que a mudança observada para a direita não é apenas um fenômeno da
“Grande Depressão” da década de 1930 e da “Grande Recessão” do final dos anos 2000. Como
nós ilustramos abaixo, nossos resultados se mantêm – mesmo quando estes dois episódios
signigificantes são excluídos. Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 15. ]
Os ganhos eleitorais dos partidos de extrema direita têm sido particularmente pronunciados
após as crises econômicas globais dos anos 1920 e 1930 e depois de 2008. No período entre
guerras, os casos mais proeminentes são a Itália e a Alemanha. A aliança fascista de Mussolini
beneficiou-se da crise bancária dos primeiros anos da década de 1920 na Itália e da recessão
global após o fim da Primeira Guerra Mundial, com 19,1% dos votos em 1921 e cerca de 65%
em 1925. Na Alemanha, os nazistas obtiveram 18,3% dos votos nas eleições de 1930, mais de
30% nas duas eleições de 1932 e mais de 40% nas eleições de março de 1933, quando a Grande
Depressão teve seu maior impacto na Europa Central. No entanto, durante a década de 1930,
os partidos de extrema direita também aumentaram o sucesso eleitoral na Bélgica (os Rexistas
e a União Nacional Flamenga), na Dinamarca (Partido dos Trabalhadores Nacional Socialista), na
Finlândia (Movimento Popular Patriótico), na Espanha (Falange) e na Suíça (Frente Nacional).
Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 15. ]
É nenessário acrescentar que o medo das elites e da classe média de uma revolução dos
comunistas ou de outros partidos da esquerda houve também influencia importante sobre os
ganhos da extrema direita no período entre as guerras. Focalizando na Grande Depressão da
década de 1930 Bromhead, Eichengreen e O’Rourke, [2012, p. 1] resumem que o sucesso
eleitoral dos partidos da extrema direita foi mais expressivo em países com uma curta história
de democracia, aonde já existiam partidos da extrema direita, e com regimes eleitorais com
poucas barreiras legais para a representação parlamentar. Eles [p. 21 p.] resumem sua
pesquisa apontando que cada explicação para o extremismo político entre as guerras precisa
começar pela Primeira Guerra Mundial lançando sombras sobre as décadas a seguir. Eles
apontam também que os fascistas pareciam oferecer uma ‘terceira via’ entre o caminho
revolucionário do partido comunista e a ortodoxia econômica liberal dos governos, que não
conseguiam oferecer politicas para sair do desastre econômico e social. Em Alemanha o
eleitorado já foi radicalizado pela guerra perdida, pelo Tradado de Versalhes e as reparações,
pela hiperinflação de 1923 e pelos sentimentos antiparlamentares de grande parte das elites.
Também importante é o fator que os partidos de direita pareciam oferecer um caminho de
unificação nacional (´Volksgemeinschaft’) na versão étnica (excluindo e perseguindo bodes
350
expiatórios como judeus e comunistas) e com isto evitando as estratégias divisórias de luta de
classe da esquerda.
Nos primeiros dois anos após o início da Grande Depressão, os únicos países democráticos
onde a esquerda fez ganhos relativos foram a Tchecoslováquia e os Estados Unidos (onde as
mudanças foram bastante pequenas) e a Nova Zelândia (onde o governo de direita permaneceu
no poder apesar de ganhos significativos para o Partido Trabalhista). No mesmo período, os
partidos de centro-esquerda fizeram mal em muitos países. Os liberais no Canadá e os partidos
trabalhistas na Austrália, Noruega e Reino Unido tevem perdas eleitorais significativas,
resultando na formação de novos governos de direita na Austrália e no Canadá, e também no
Reino Unido, onde o ex-líder do Partido Trabalhista Ramsay MacDonald concordou em liderar
um governo nacional baseado na maioria conservadora na Câmara dos Comuns [mas a maioria
do Partido Trabalhista não seguiu Ramsay MacDonald, que foi excluído do Partido Trabalhista].
Na Áustria, os partidos de direita fizeram pequenos ganhos em 1930, na que provou ser a
última eleição livre da Primeira República (que caiu em um golpe fascista sob Dollfuss em
1933/1934), e na Alemanha, o aumento menor no apoio ao [partido] comunista em 1930 foi
marcado por grandes perdas para o principal partido de esquerda, os social-democratas. Em
1932, o centro-esquerda continuou a fazer mal em alguns países: na Estónia e na Grécia, os
governos incumbentes que incluíam partidos de esquerda ou centrista foram derrotados por
partidos de oposição de direita; Na Alemanha, os socialdemocratas continuaram a declinar; e
na Irlanda, o voto trabalhista declinou acentuadamente em duas eleições subsequentes
(embora se deva notar que as perdas do Partido Trabalhista foram associadas a ascensão de
Fianna Fail, de Eamon de Valera, que - enquanto eu o categorizei como um partido de direita
sobre a base de Swank (2006) – foi eleita numa plataforma relativamente progressiva, em
comparação com o partido eminente Cumann na nGaedheal, que estava no poder desde a
criação da Nação Livre Irlandês.
Entre meados de 1932 e 1935, no entanto, os partidos de centro-esquerda fizeram bons
resultados em quase todos os países democráticos, com exceção de países onde os partidos
fascistas fizeram avanços significativos e a democracia se rompeu (Tchecoslováquia, onde o
partido nacional socialista que representava os alemães dos Sudetes ganhou 15% dos votos em
1935, a Alemanha, onde o governo nacional-socialista de Adolf Hitler aboliu a democracia ao
aprovar a Lei de Empoderamento [‘Ermächtigungsgesetz’] em 1933, a Grécia, onde a
monarquia foi restaurada em meados da década de 1930). Em maio de 1932, os partidos
socialistas franceses ganharam uma clara maioria e passaram a formar o chamado governo da
“Frente Popular”75. Em setembro, os social-democratas de Per-Albin Hansson ganharam as
eleições gerais suecas e formaram um governo minoritário que posteriormente solidificou o
seu apoio através da cooperação com o Partido dos Agricultores (a social-democraçia manteve
o poder na Suécia até o final da década de 1970). Em novembro de 1932, Franklin D. Roosevelt
derrotou Herbert Hoover na eleição presidencial e os democratas ganharam a maioria nas duas
casas do Congresso, aumentando ainda mais seu apoio em 1934. Na Bélgica, os social-
democratas e comunistas fizeram ganhos menores eleitorais em 1932 Na Dinamarca, os
democratas sociais em exercício aumentaram um pouco o seu apoio na eleição de 1932,
permanecendo no governo, e passaram a ganhar a eleição de 1935. Na Noruega, os social-
democratas aumentaram grandemente seu apoio em 1933 e passaram a formar um governo
em 1935, através da cooperação com o partido agrário norueguesa. Na Austrália, o Partido do
País e o Partido Unido permaneceram no governo após as eleições de 1934, mas o apoio
eleitoral aumentou tanto para o Partido Trabalhista como para os Comunistas. No Reino Unido,
os conservadores permaneceram na maioria após a eleição de 1935, mas o Partido Trabalhista
recuperou algum apoio, após a derrota séria em 1931. No Canadá, os liberais formaram um
novo governo após a eleição de 1935. Na Nova Zelândia o Partido Trabalhista ganhou a eleição
de 1935 e formou um novo governo.
351
Embora esta narrativa parecesse ser mais positiva do que as avaliações anteriores, é
necessário advertir que na Alemanha a subida de Hitler e seus nacional-socialistas ao poder
em 1933 já deixava sombras sérias sobre o futuro cenário internacional.
Para a América Latina, e especialmente para o Brasil, pode se generalizar que a alternativa de
governos mais autoritários e com maior intervenção do Estado na economia foi realizada em
muitos países nos tempos da Grande Depressão. Fausto [1997, p. 133 e 145] para América
Latina cita a ocorrência de “onze movimentos revolucionários, predominantemente militares,
em apenas dois anos”: Argentina setembro de 1930, Brasil outubro de 1930, Chile junho de
1932, Equador agosto de 1931, outubro de 1931 e agosto de 1932, Peru agosto de 1930 e
fevereiro/março de 1931, Bolívia junho de 1930, Republica Dominicana fevereiro de 1930,
Guatemala dezembro de 1930. Knight [2014, p. 288 p.] alerta que fatos e decisões
contingentes tevem na América Latina no período dos anos trinta impactos importantes para
as narrativas politicas:
Eu sou céptico em como nós podemos discernir, através de América Latin, padrões políticos
comuns que andam na parte traseira da experiência econômica comum da depressão;
observamos uma “variedade desconcertante de caminhos políticos”, mesmo entre países
“semelhantes em renda per capita e seu grau de abertura ao comércio”. [Entre aspas duplas
uma citação de um artigo de Díaz Alejandro]
Na introdução de “The Great Depression in Latin America” Drinot [2014, p. 1] resume as
narrativas políticas nos tempos da Depressão na América Latina de seguinte forma:
Em um país latino-americano que tinha realmente experimentado uma revolução social [na
década de 1910] - México – a Depressão empurrou o regime decisivamente (mas em grande
parte pacífica) para a esquerda, garantindo a expulsão de Callas e as reformas radicais de
Cardenas de meados dos anos 1930. [Knight, 2014, p. 293]
Para o Brasil Knight [2014, p. 290, citação em aspas de Skidmore, 2000] a revolta de Vargas em
1930 ‘representou uma tomada anticonstitucional do poder, produto de rivalidades de elites
352
interestaduais regionais, aliado à “pressão da crise econômica mundial”’. Fausto [1998, p. 323
pp.] chama a tomada de poder por Vargas “revolução de 1930” e aponta para os problemas da
cafeicultura em consequenca da Grande Depressão como um fator entre outros, mas não
decisivo para o estouro da “revolução de 1930”, para as mudanças politicas seguintes. Fausto
[1998, p. 325 pp.] discursa na citação seguinte sobre as bases politicas e de classe do Estado
Getulista e seus impactos no ambiente político e institucional:
A revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta nova classe social: a
classe média ou a burguesia industrial. A classe média deu lastro a Aliança Liberal, mas era por
demais heterógena e dependente das forças agrárias para que, no plano político, se formulasse
um programa em seu nome. (...). Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo,
tanto de vista social como político. (...)
Um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico não apenas
pela centralização e pelo maior grau de autonomia como também por outros elementos: (...)
1. A atuação econômica, voltada gradativamente para os objetivos de promover a
industrialização, incorporando-os, a seguir, a uma aliança de classes promovida pelo poder
estatal;
2. A atuação social, tendente de dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos;
3. O papel central dado às Forças Armadas – em especial o Exército – como suporte de
criação de uma indústria de base e, sobretudo, como fator de garantia de ordem interna. (...)
(...) o Estado Getulista promoveu o capitalismo nacional, tendo dois suportes: no aparelho do
Estado, nas Forças Armadas; na sociedade uma aliança entre a burguesia industrial e setores da
classe trabalhadora urbana. (...). As transformações apontadas não ocorreram da noite para o
dia, nem corresponderam a um plano do conjunto do governo revolucionário.
O Estado Novo, a fase da ditadura de Vargas, sem parlamento e partidos políticos, foi
declarada em novembro de 1937, embora já desde novembro de 1935 o Brasil viveu sobre o
estado de sítio ou de guerra com exceção de três meses em 1937 [Brazil since 1930, 2014, p.
54.]. Fausto [2006, p. 89 pp.] descreve o Estado novo como modernização autoritária. “O
Estado Novo concentrou a maior soma de poderes até aquele momento da história do Brasil”
[Fausto, 1998, p. 366]. “Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico,
dizendo que representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial,
cujo objetivo comum era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais”.
[Fausto, 1998, p. 367]. O objetivo da industrialização do Brasil, parte do próximo capitulo,
também se apoiou numa política educacional, trabalhista e nacionalista e repressiva.
Transformações econômicas
No início dos anos trinta, a mudança entrou com aspereza. Seus pontos de referência foram o
abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha; os Planos Quinquenais na Rússia; o lançamento
do New Deal; a revolução Nacional-Socialista na Alemanha; O colapso da Liga [das Nações] em
favor de impérios autarquistas. Enquanto no final da Grande Guerra os ideais do século XIX
eram primordiais e sua influência dominava na década seguinte, em 1940 todo o sistema
internacional desaparecera e, além de alguns enclaves, as nações viviam num cenário
internacional inteiramente novo. Karl Polanyi, The Great Tramsformation, p.24
353
Para que a licença de caça capitalista fosse restaurada após a Grande Depressão, com suas
repercussões internacionais e a devastação global, um preço elevado teria que ser pago pela
classe capitalista, incluindo a promessa de pleno e estável emprego politicamente garantida,
redistribuição de renda, riqueza e oportunidades de vida em favor das pessoas comuns,
proteção social no local de trabalho por meio de sindicatos fortes e negociação coletiva livre e
além do local de trabalho por meio de um Estado de bem-estar abrangente – tudo negociado
com uma pistola apontada para a cabeça do capitalismo liberal, forçando-o em um casamento
de espingarda com a social-democracia. Wolfgang Streeck, How will capitalismo
end? Posição 3356
A Grande Depressão levou a uma desintegração da economia internacional e tentativas de
seguir estratégias protecionistas, nacionalistas e de autarquia econômica para sair da crise.
Com a saída dos países da América Latina do padrão (câmbio) ouro já no início da crise, do
Reino Unido em setembro de 1931 seguida de muitos países, a saída dos Estados Unidos em
1933 e finalmente em 1936 da França e dos últimos países europeus do bloco de ouro o
sistema monetário internacional se desintegrou com a consequência de corridas de
desvalorizações para defender a competitividade nacional a custo de outros países, controles
dos movimentos internacionais de capital e medidas protecionistas que levavam a uma queda
ainda mais profunda do comércio internacional. Uma queda dos fluxos internacionais de
capital já começou em 1928/1929, a queda do comércio internacional começou em 1929 e
aprofundou se com a crise e não chegou aos níveis antes da crise até a década de 1950.
Tendências de protecionismo e do comércio bilateral aprofundavam se na crise. James [2001]
em seu livro “The end of globalization” argumenta que crises reais e financeiras profundas
podem reverter o processo de globalização e mostra no exemplo da Grande Depressão como
isto pode acontecer. James também adverte com vista nas crises da década de 1990,
especialmente da crise asiática de 1997/1998, que o processo de globalização pode ser
revertido novamente, sem conhecer ainda a este estágio a crise financeira global de
2008/2009 e seus impactos [na primeira edição do livro]. A eleição de Trump nos Estados
Unidos focalizando uma política mais isolacionista e protecionista dos Estados Unidos, os
desequilíbrios globais persistentes e a fraqueza da economia global depois da crise de
2008/2009, o Brexit decidido em 2017, a possibilidade da quebra zona de euro e da União
Europeia em consequência do crescimento de partidos políticos céticos a União Europeia e a
moeda unificada da zona de euro, o euro, bem como a crescente xenofobia com a imigração
para os Estados Unidos e Europa, mostram que esta previsão de James pode tornar se
novamente uma ameaça real. Para a Grande Depressão James [2001, p. 187] resume os efeitos
econômicos da crise da seguinte forma:
É fácil resumir a sabedoria convencional que emergiu rapidamente em resposta aos problemas
da economia global. Tudo o que se movia através das fronteiras nacionais – capitais, bens, ou
pessoas – realmente não tinha nenhum direito para fazer isso e deveria ser interrompido. Se
não puder ser interrompido, deve ser controlado, de acordo com uma definição de interesse
354
As primeiras medidas de Roosevelt como novo presidente dos Estados Unidos foram a
introdução de um feriado bancário no nível nacional (seguida de leis para a regulamentação do
setor financeiro: regulação e controle dos mercados financeiros através do SEC, introdução de
seguro para depósitos bancários (FDIC), divisão do setor dos bancos depositários e dos bancos
de investimento através do Glass-Steagall banking act (1933), etc.) e da saída do padrão ouro
que possibilitou uma política monetária mais expansionista. A maioria dos programas criados
pelo New Deal já foi discutida na parte sobre a recuperação da Grande Depressão, aqui o New
Deal é discutido com uma perspectiva mais geral. Na campanha eleitoral em 1932 Roosevelt
prometeu mudanças radicais através dos “three R’s – relief, recovery and reform” [assistência,
recuperação, e reforma] e declarou “Prometo vocês, prometo a mim mesmo, um novo
contrato para o povo americano” [Mann, 2012 (2), p. 242]. Tooze [2015, p. 505] avalia a
política econômica de Roosevelt como nacionalista com vista em primeiro lugar a saída de
ouro seguindo outros países, especialmente a saída do Reino Unido do padrão ouro em 1931 e
pela primeira vez introduzindo medidas protecionistas ao livre comércio internacional desde
1846: “Mas esta mudança para uma política "construtiva" nos Estados Unidos foi, como em
outros lugares, o afastamento das obrigações internacionais. Não foi depois da Primeira
Guerra Mundial, mas como reação à desilusão dos anos 1920 e da Grande Depressão que o
isolacionismo pleno veio verdadeiramente à frente na política americana”. [Tooze, 2015 p.
505]. É importante lembrar neste contexto que a moratória de Hoover em junho de 1931
355
sobre as reparações e as dívidas da guerra dos aliados foi uma tentativa de aliviar as pressões
financeiras internacionais depois da crise bancária na Europa central, embora enfrentando
fortes críticas de França.
Os estudiosos buscaram em vão um quadro unificador abrangente para o New Deal, porque o
New Deal não era a implementação de um plano econômico ou político. A economia do New
Deal não era uma tentativa keynesiana de estimular a economia. O próprio Keynes examinou a
estrutura fiscal em profundidade e argumentou que os aumentos de gastos não eram exemplos
de um estímulo keynesiano porque os impostos aumentaram quase tão rapidamente quanto os
gastos. Portanto, os déficits estavam longe do tamanho necessário para compensar o declínio
econômico. (...). Outros argumentam que o New Deal foi concebido para aumentar os preços
para estimular a produção e aumentar os salários para ajudar a pagar os preços mais elevados.
O afastamento do padrão-ouro, a Administração Nacional de Recuperação (NIRA), a
Administração de Ajustamento Agrícola [AAA] e as Diretorias Nacionais de Relações
Trabalhistas [National Labor Relations Board] pareciam ter esse foco, mas havia outras áreas do
New Deal contrárias a essas políticas.
Roosevelt e os membros da coalizão do New Deal eram pragmáticos. Roosevelt certamente não
era incomodado pela inconsistência teórica. O foco estava em resolver problemas específicos e
havia muitos problemas para resolver com a economia deprimida.
Nem todas as reformas foram bem-sucedidas e algumas foram revertidas pela justiça, mas as
reformas de New Deal do setor financeiro ficavam até hoje, embora na década de 1990
algumas caiassem na onda liberalizante, bem como os elementos mais importantes de um
Estado de bem-estar social ficavam resistentes às ondas liberalizantes começando com a
presidência de Reagan, e o programa da previdência social está valendo ainda hoje.
Fishback e Wallis [2012, p. 3] advertem que é importante diferenciar entre medidas que foram
verdadeiras novas e medidas que foram uma extensão de programas anteriores, por exemplo,
o Reconstruction Finance Corporation (RFC) criado em 1932 por Hoover para fornecer crédito
aos bancos e ao setor privado em geral, que tornou se sob Roosevelt o banco para financiar os
programas de New Deal e estendeu seu escopo para fornecer crédito ao setor privado.
Fishback e Wallis [2012, p. 4] advertem também que é importante diferenciar entre programas
financiados somente pelo governo nacional, como defesa, e programas financiados pelo
governo nacional em conjunto com governos estaduais e de municípios, como partes dos
programas de bem-estar social.
problema destes programas é visto pelos economistas mais conservadores no possível efeito
negativo sobre a confiança do setor empresarial e seus investimentos, mas, obviamente, se a
politica orienta se somente no bem estar da classe empresarial nenhuma mudança para as
camadas populares seja possível.
Fishback e Wallis [2012, p. 8] avaliam que: “O que se destaca mais proeminente tanto nos
debates históricos e contemporâneos sobre o New Deal é o crescimento do governo nacional,
algo que os americanos tinham firmemente resistindo por quase um século e meio”. Sem
dúvida também a introdução de programas do Estado de bem-estar social nos Estados Unidos
nos moldes socialdemocratas na Europa também foi um progresso social importante.
Importante é lembrar que a Grande Depressão nos Estados Unidos não levou a criação de
movimentos amplos de oposição ao capitalismo, seja nos moldes socialistas ou fascistas,
embora Huey Long ou Father Coughlin – entre outros – representavam focos onde uma
oposição (com tendências da extrema direita) tentava se organizar. Roosevelt conseguiu pela
reforma do topo para baixo formar uma espécie de capitalismo organizado especificamente
norte americano. Os inimigos mais perigosos do New Deal – especialmente do segundo New
Deal que dava mais poder aos trabalhadores e seus sindicatos – faziam partes das elites, da
elite empresarial e da justiça.
Transformações na Alemanha
vez mais autoritários de von Papen e von Schleicher em 1932/1933 tentavam políticas mais
expansionistas para aliviar o desemprego e estimular a atividade econômica, mas em tamanho
pequeno e muito cauteloso. As políticas posteriores dos nazistas utilizavam estas medidas em
tamanho muito maior.
(em abril de 1933), e do franco francês (em 1936) e muitas outras moedas que seguiam os
exemplos destes países centrais. Tudo isto levou a uma séria crise de balanço de pagamentos
em 1934, uma crise fiscal e monetária e a intervenção cada vez forte do Estado na economia,
uma história contada em baixo.
Fonte: Histat, Alecke, Björn, (1997 [2010]) Investitionsverhalten in der Weimarer Republik:
Makroökonomische Daten. GESIS Köln, Deutschland ZA8447 Datenfile Version 1.0.0
A recuperação – com certeza – ainda não chegou ao mercado de trabalho em janeiro de 1933,
quando o número de desempregados chegou ao valor mais alto na crise com mais de 6
milhões de desempregados.
As políticas nazistas para sair da depressão são analisadas de forma controversa, um ‘milagre
econômico’ iniciado por gastos do governo financiados por créditos e medidas para criação de
empregos (visto por alguns como Keynesianismo militar, porque os gastos depois de 1934
concentram-se no rearmamento), descrito, por exemplo, por Abelshauser [1999], ou, um
processo de crescimento deformado [Buchheim, 2008, e Spoerer e Streb, 2013 p. 117 pp]
pelos gastos para rearmamento, aproveitando uma recuperação em 1932 já em curso e
medidas de combate ao desemprego já concebidas nos governos de von Papen e von
Schleicher. Um congelamento dos salários em 1933 e um congelamento de preços em 1936
evitavam pressões inflacionárias, mas os desequilíbrios fiscais do rearmamento forçado
levavam também as geopolíticas de conquista e espoliação de outros países na Segunda
Guerra Mundial. Obviamente a recuperação forçada levou também a uma mudança otimista
das expectativas da elite empresarial reforçando a recuperação.
360
Gráfico 48 Emprego industrial (Índice 1929 =100) em Alemanha, Canada, Estados Unidos e
Suécia 1929 – 1940
Fonte: Histat, Sensch, Jürgen, (1903, 2002 [2016]) histat - Datenkompilation online:
Entwicklung der Arbeitslosigkeit in Deutschland 1887 – 2000. GESIS Köln, Deutschland ZA8218
Datenfile
Para simplificar, por razões de clareza, a agenda em tempo de paz dos elementos mais
politicamente influenciados nos negócios alemães consistia em pelo menos dois elementos
distintos, um nacional e outro internacional. A agenda doméstica era de conservadorismo
autoritário, com uma aversão marcada pela política parlamentar, altos impostos, gastos sociais
e sindicatos. A perspectiva internacional dos negócios alemães, por outro lado, era muito mais
"liberal" no sabor. Embora a indústria alemã não fosse de modo algum contrária aos direitos
aduaneiros, a associação industrial do Reich favoreceu fortemente um sistema de movimento
de capital livre e multilateralismo apoiado pelos princípios da Nação Mais Favorecida. No caso
da indústria pesada, esta defesa do comércio internacional foi combinada com visões de
interesses europeus. O comércio internacional foi organizado no âmbito de cartéis formais, por
vezes com alcance global. A Siemens e a AEG dividiram o mercado global de engenharia elétrica
por meio de entendimentos com seus principais competidores americanos. No entanto, todos
363
esses acordos eram livremente escolhidos pelos empresários alemães e seus homólogos
estrangeiros, independentemente da interferência do Estado. Nesse sentido, embora pouco
liberais, eram pelo menos casos de autoadministração voluntarista de negócios. Enquanto isso,
grande parte do comércio externo alemão permaneceu livre de qualquer tipo de regulação de
cartéis, principalmente têxteis, maquinas e engenharia, sendo a associação de construtores de
máquinas, a VDMA, um expoente particularmente agressivo do livre comércio. Foi esse
contraste entre o autoritarismo doméstico e o "liberalismo" internacional que definiu a posição
ambígua em que se encontrava a empresa alemã em 1933. Por um lado, o governo de Hitler
aproximou os empresários alemães da realização de sua agenda doméstica. (...). Por outro lado,
a desintegração da economia mundial e à deriva cada vez mais protecionista da política alemã
estavam em profunda contradição com os interesses comerciais de grande parte da
comunidade empresarial alemã. (...). [Na agenda externa a situação foi outra] Hitler, Schacht e
Hugenberg eram todos inimigos notórios do liberalismo econômico. E apesar do terreno
comum de oposição à constituição de Weimar e hostilidade para com os partidos da esquerda,
este é o pano de fundo essencial contra o qual devemos interpretar a reunião de 20 de
fevereiro. Hitler não se dirigia a uma reunião que sabia estar em pleno apoio de seu governo;
pelo contrário. (...) Hitler e Schacht sabiam que [uma discussão plena da política econômica do
governo] seria contraproducente, uma vez que não havia esperança de concordar com as
questões-chave da política internacional. Schacht já tinha tido suas opiniões sobre política
comercial e dívidas internacionais criticadas pelo Reichsverband.
Mas o governo sabia que o empresariado de Alemanha foi seriamente enfraquecido na Grande
Depressão, precisando apoio financeiro e intervenção do governo para sobreviver e evitar
falência na crise, especialmente os bancos e a indústria pesada, embora também muitas
empresas fossem a falência. Tooze [2006, posição 2181] resume as políticas econômicas do
novo governo nos primeiros anos da seguinte forma:
Os primeiros anos do regime de Hitler viram a imposição de uma série de controles sobre os
negócios alemães que não tinham precedentes na história da paz. Em grande parte, esses
problemas foram consequências da dificuldade de administrar a balança de pagamentos alemã
e, nesse sentido, tiveram claramente sua origem na grande crise financeira do verão e outono
de 1931. No entanto, com a completa desintegração do padrão-ouro após desvalorização do
dólar, a incerteza da Alemanha em relação à dívida de longo prazo, incluindo centenas de
milhões de Reichsmarks devidos pelas empresas alemãs e a imposição do Novo Plano, esses
regulamentos assumiram um novo e mais sistemático caráter. (...). O Novo Plano, que regulava
efetivamente o acesso de todas as empresas alemãs a matérias-primas estrangeiras, criou uma
burocracia substancial, que controlava as funções vitais de uma grande fatia da indústria alemã.
Embora as exportações fossem, evidentemente, encorajadas, a recusa do governo em
desvalorizar significava que a maioria dos exportadores alemães só era competitiva se
solicitaram pela primeira vez um subsídio. Isso também exigia considerável papelada e mais
burocracia. E o subsídio à exportação, por sua vez, foi financiado por um severo imposto
redistributivo incidente sobre toda a indústria alemã. A gestão deste sistema oneroso de
controles era a principal função de um novo quadro de organizações empresariais obrigatórias
impostas por Schacht entre o outono de 1934 e a primavera de 1935.
A regulamentação e regulação do setor industrial, do setor financeiro e da agricultura pelo
ministério de economia, pelo banco central (‘Reichsbank’) e pelo ministério de agricultura
foram introduzidas através da legislação e através de organizações obrigatórias dos ramos de
produção e pela organização obrigatória dos agricultores (‘Reichsnährstand’), controlando o
acesso a matérias primas importadas e a moeda estrangeira, mas também produção e preços.
Esta organização pode ser vista como a introdução de elementos corporativistas com
364
elementos de uma economia de mercado, embora em muitos casos existisse uma confusão de
competências. As empresas alemãs aproveitavam a recuperação para aumentar seus lucros,
como o gráfico a seguir mostra, também aproveitando as políticas racistas nazistas através da
expropriação de empresas judaicas ou da compra destas empresas a preços desvalorizados.
Gráfico 49 Rentabilidade sobre o capital próprio (%) das companhias abertas industriais
Alemanha 1928 – 1939
Fonte: histat, Spoerer, Mark, (1996 [2003]) Von Scheingewinnen zum Rüstungsboom. Die
Eigenkapitalrentabilität der deutschen Industrieaktiengesellschaften 1925 -1941. GESIS Köln,
Tooze [2006, posição 2231 pp.] descreve os primeiros anos de recuperação para as empresas
alemãs:
acesso dos tomadores corporativos no mercado de capitais de longo prazo - fornecida pela
poupança das famílias através dos bancos, caixas de poupança e fundos de seguros - seria
restrito, reservando esses fundos para uso pelo Estado.
Os lucros aumentavam ainda mais nos primeiros anos da guerra e as empresas alemãs
ajudavam as políticas de guerra, como haviam ajudadas as políticas de rearmamento depois de
1935, que desde neste tempo substituam os programas de expansão do setor privado. As
empresas alemãs colaboravam também nas políticas genocidas no leste da Europa.
Mas, como Tooze [2006, posição 1537 pp.] descreve, no mesmo momento eclodiu uma crise
econômica séria na Alemanha:
Entre março e setembro de 1934, o regime nazista sofreu a coisa mais próxima de uma crise
socioeconômica global em toda sua história. No início de 1934 as reservas de moeda
estrangeira do Reichsbank diminuíram de forma alarmante. (...). A situação fez que o alemão
viajasse para o exterior com uma ração cambial restrita de não mais de 50 marcos por mês.
Para evitar um 'mercado negro' para Reichsmarks (...), os viajantes foram proibidos de tomar
notas alemãs para fora do país. Simultaneamente, o Reichsbank e o Ministério de Economia
(RWM) iniciou o doloroso processo de redução dos aportes mensais de câmbio aos
importadores da Alemanha. No verão eles foram cortados para cinco por cento dos níveis que
tinham recebido antes da crise em julho de 1931. Uma vez que todas as indústrias mais
importantes na Alemanha eram dependentes de matérias-primas do exterior, essa restrição
selvagem levantava medo de uma nova onda de demissões. A escassez de matérias-primas
ameaçava não somente desemprego; também implicava escassez para os consumidores, medo
agravado pela extraordinariamente má colheita de 1934. O descontentamento popular com o
aumento dos preços dos alimentos importados foi generalizado. (...)
Em 14 de junho de 1934, Schacht [desde março de 1933 o presidente do banco central, desde
agosto de 1934 também minístro de economia] declarou uma completa suspensão de
pagamentos em moeda estrangeira sobre toda a dívida externa da Alemanha. Ao mesmo
tempo, cortou a moeda estrangeira alocada aos importadores alemães. Em 23 de junho de
1934, o Reichsbank abandonou completamente o sistema ordenado de racionamento mensal
de divisas estrangeiras. Doravante, a moeda estrangeira era distribuída diariamente, de acordo
com o que estava disponível. De dia para dia, os importadores alemães não podiam estar certos
de obter a divisa estrangeira de que necessitavam para satisfazer as reivindicações de seus
fornecedores estrangeiros. O comércio exterior ameaçava se detiver completamente. Enquanto
isso, a resposta internacional à inadimplência da Alemanha estava mais enfurecida do que
nunca. (...)
Enquanto a economia doméstica alemã se recuperou, as exportações continuaram a diminuir.
Em cada mês de 1933 as exportações eram mais baixas do que tinham sido em 1932 (...). A
tendência continuou em 1934, com os rendimentos de exportação no início do verão de 1934
20 por cento mais baixos do que tinham sido um ano antes. Sem exportações, a Alemanha não
366
podia pagar por suas importações desesperadamente necessárias, nem pagar suas dívidas
externas. E isso não era meramente um imperativo financeiro abstrato. O sustento de milhares
de empresas e milhões de trabalhadores dependia de encontrar clientes no exterior.
A competitividade das exportações alemãs diminui desde a desvalorização da libra em
setembro de 1931, agravado pela desvalorização do dólar em abril de 1933 e pelo ambiente
global de políticas protecionistas na Grande Depressão, bem como nas medidas retaliatórias
contra o default alemão. A recuperação alemã levou a uma diminuição de desemprego, mas
no mesmo momento numa demanda ascendente de matérias primas importadas. Uma
desvalorização do marco alemão ficava fora da discussão por causa das dívidas externas
alemãs. A consequência da crise foi um recuo de Alemanha para a autarquia, direção do
comércio exterior para países com que podem ser feitos acordos bilaterais (entre eles o Brasil),
controle e restrições as importações e subsídios as exportações, controle de preços, default
sobre a dívida externa, medidas implementadas pelo Plano Novo de Schacht. Com isto a
economia alemã tomou o caminho para uma economia de estruturas mais corporativistas do
que de estruturas de uma economia de mercado. Obviamente todas estas intervenções
levavam a um aumento significativo da burocracia estatal, uma tendência que aumentou com
a política de rearmamento forçado e a preparação para a guerra.
Como em outros países no Brasil o impacto da Grande Depressão foi um aumento significativo
da intervenção do Estado na economia, através de criação de burocracias novas para controlar
e regular o câmbio, os movimentos de capitais, o comércio exterior, certos mercados de
produtos, com foco no mercado de café, o mercado de trabalho e os mercados financeiros e
através da legislação regulamentando estes ramos. Este compromisso com uma intervenção
maior de Estado na economia foi menos uma estratégia deliberada desenvolvimentista, mas
mais uma introdução forçada de medidas ad hoc pela mudança brusca das condições que
resultavam da depressão 1928-1933 [Abreu, 1998, p. 11]. Muitas medidas foram uma
extensão de intervenções já introduzidas décadas atrás, especialmente as políticas de
intervenção no mercado de café. As receitas liberais tevê sempre expressão menor na
economia brasileira, como Knight [2014, p. 300] generaliza para toda a América Latina:
Em 1931 o governo federal criou o Conselho Nacional do Café (CNC) tomando a iniciativa da
política cafeeira do governo do estado de São Paulo. Abreu [1998, p. 9] descreve a política de
intervenção no setor cafeeiro:
A nova política cafeeira seria mantida com ajustes relativamente menores até 1937. Baseou-se
na tentativa de resolver a superprodução maciça de café. Em 1933, quando a política foi
tornada permanente, 30% [da produção] anual do café foram liberadas para comercialização
imediata, 30% foi abastecida pelo Departamento do Café e 40% foi destruído. Mais de 70
milhões de sacos do café - equivalente a cerca de três anos de consumo mundial - foram
destruídos, principalmente entre 1931 e 1938.
A compra governamental de estoques de café dependia em parte de déficits consideráveis,
atingindo em alguns anos mais de um terço do custo total do programa apoio ao café. Embora
seja razoável ver algum Keynesianismo avant la lettre poderia ter sido dito de outros
importantes programas da República Velha financiados pela criação de déficit: a construção
significativa de barragens no início dos anos 20 vem à mente. Que Vargas passa a ser mais
frequentemente mencionado como um instintivo pré-keynesiano talvez seja explicado pela
aparente irracionalidade da proposta de Keynes de “enterramento de garrafas em buracos no
chão” e a destruição maciça de café como um elemento importante da política cafeeira
brasileira durante a maior parte da década de 1930. Dados sobre o déficit público agregado na
década de 1930 tendem a apoiar a ligação entre recuperação do nível de atividade e déficit
público: déficits em 1931-33 estavam acima de 12% das despesas (40% em 193277) e depois de
1933 os déficits planejados tornaram-se habituais.
As medidas de controle de câmbio, desvalorização da taxa de câmbio, defaults sobre a dívida e
controles sobre o comércio exterior são consequências diretas da crise do balanço de
pagamentos com a Grande Depressão. Fonseca [2009, p.12 pp.] descreve a criação de novas
organizações burocráticas para regular e regulamentar a economia:
(...) na área trabalhista, a mudança da política governamental começa menos de um mês depois
da posse do Governo Provisório, em novembro de 1930, com a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio. A legislação criava um marco regulatório para a definição de
regras básicas, como contratação, dispensa e remuneração, até então restritas a algumas
categorias sindicalizadas. O foco desta legislação restringir-se à economia urbano-industrial
constitui sua característica institucional mais marcante e reveladora de intenções, pois excluía
os trabalhadores do campo de direitos como férias, 13º salário, carteira do trabalho e direito de
greve.
368
As opiniões que são mantidas com paixão são sempre aquelas para as quais não existe um bom
fundamento; de fato, a paixão é uma medida da falta de convicção racional do detentor. As
opiniões na política e na religião são quase sempre mantidas apaixonadamente. (...); as pessoas
odeiam os céticos muito mais do que odeiam os defensores de opiniões hostis aos seus.
Bertrand Russell, Sceptical essays, p.13
Uma primeira aproximação de uma conceituação viável de uma ideologia pode ser sua
caracterização como um sistema de crenças políticas que unificam uma visão do mundo
simplificando sua complexidade com uma visão de um mundo "melhor" e a descrição de uma
estratégia para chegar lá. Uma ideologia política neste sentido unifica uma análise da situação
atual, objetivos éticos, políticos, econômicos e sociais e estratégias e táticas para alcançar
estes objetivos em uma narrativa que apela também nas emoções e no imaginário dos
cidadãos. Sua tentativa de dar sentido e esperança à vida dos cidadãos e criar e fixar
identidades, a ideologia assemelha se das religiões, como Steger [2013] afirma:
Estes codificadores ideológicos de Steger [2013] refletem o fato de que diferentes grupos de
homens e mulheres desenvolvem diferentes perspectivas de ver e interpretar o mundo e com
isto criam e atendam a ideologias diferentes. Para Marx as perspectivas são determinadas em
primeiro lugar pela classe social e pelas condições materiais do homem, para Priestland [2013]
pela casta (ocupação), diferenciando entre comerciante, guerreiro e sábio (‘merchant, warrior
and sage’), onde o comerciante representa as elites econômicos e suas ideologias, o guerreiro
representa a elite militar, o sábio o intelectual e as elites culturais e da burocracia (que
Galbraith chama de tecnocracia). Obviamente comunidades (como, por exemplo,
comunidades religiosas) também influenciam perspectivas e crenças, bem como o ambiente
social, papéis sociais, subculturas, bem como na perspectiva Freudiana a educação e o
desenvolvimento na infância e a socialização na juventude e na idade adulta. As instituições
ideológicas do Estado, como escolas, universidades, exército etc., também criam e reforçam
ideologias como patriotismo e nacionalismo.
países centrais, disfarçando os interesses econômicos, políticos e militares que estavam atrás
das disputas por terra, lucros e poder. Nas margens das ideologias do liberalismo e do
imperialismo cresciam também em muitos países centrais correntes de chauvinismo, racismo,
antissemitismo e de eugenia antes da Primeira Guerra Mundial.
O desastre da guerra sem fim entre os grandes poderes da Europa matando milhões levantou
fortes dúvidas sobre a suposta civilização nos países centrais. A ideologia do liberalismo sofreu
suas primeiras rachaduras no mundo. Os Estados Unidos sob o presidente Wilson entravam
em 1917 na guerra sob as frases de uma guerra para acabar com todas as guerras e tornando o
mundo seguro para a democracia. Com os 14 pontos de Wilson ele previu um mundo pacifico,
controlado pela Liga das Nações e prometendo a autodeterminação politica dos povos, mas na
realidade negando a libertação das colônias e a igualdade das raças humanas. Depois da
guerra a matança sangrenta entre países supostamente civilizados deixou dúvidas sobre o
legado do liberalismo e da democracia parlamentar fortalecendo ideologias autoritárias de
direita e de esquerda, especialmente depois da revolução bolchevique em novembro de
191778
A agenda da paz sem vitória (quer dizer sem ganhos territoriais) de Wilson de janeiro de 1917
e os 14 pontos de Wilson de janeiro de 1918, onde especialmente o ponto sobre
autodeterminação dos países levantou esperanças nos países colonizados e na Irlanda, Japão e
China. Tooze [2006, p. 119] afirma que em nenhum dos 14 pontos aparecia literalmente o
conceito de autodeterminação dos países (mas, Wilson enfatizou o direito das nações de
escolher sua forma de governo). A criação de uma Liga de Nações para arbitrar os conflitos
entre países foi também objetivo dos 14 pontos (realizado em 1919, mas sem participação dos
Estados Unidos). Os tratados de paz com Alemanha (tradado de Versalhes) e seus aliados não
foram o caminho para a paz, mas criavam novamente tensões internacionais, tentativas de
revisão, desconfiança entre as nações e ódio nacionalista. As esperanças dos países
colonizadas para sua independência também foram decepcionadas, criando novas colônias
(sob a forma de mandatos) no oriente médio e a distribuição das colônias alemãs entre os
vencedores da guerra. Os tratados iniguais com a China e os direitos territoriais na China do
Reino Unido, da França e do Japão não foram revertidos.
Osterhammel [2014, p. 575] ver o liberalismo com ideologia hegemônica nas últimas décadas
do século XIX:
O liberalismo, a teoria política mais influente da época, viu a introdução de tais controles [de
poder] como um de seus principais objetivos. E embora, no período anterior à Primeira Guerra
Mundial, o liberalismo dificilmente realizasse plenamente os ideais de seus principais líderes,
373
havia uma tendência visível em muitas partes do mundo para reduzir a arbitrariedade
individual no exercício do poder e para impor o princípio da prestação de contas.
Em 1913, com relação às tendências das últimas décadas, foi possível falar da expansão da
democracia, mas não de seu irresistível triunfo, enquanto o liberalismo político já tinha seus
melhores anos por trás.
Thompson [2011, p. 29] mostra a face dupla do liberalismo:
Na abertura do século XX, o liberalismo era a ideologia mundial hegemônica - ou pelo menos a
de seus setores governantes, "espalhando-se pelo espectro político para abarcar quase toda a
classe política", como escreve John Gray com referência à Grã-Bretanha, mas na verdade, essa
descrição se aplicava muito mais amplamente. (...)
É importante não entender mal: o liberalismo não implicava necessariamente uma visão
humanitária ou fofinha. Ao contrário, dependendo de como foi entendido, o liberalismo deixou
muito espaço para a violência, o racismo, o autoritarismo, a escravidão levemente disfarçados,
até mesmo o genocídio. (...).
Em sociedades sujeitas à autoridade irresponsável, o liberalismo como projeto de oposição tem
um poder ideológico extraordinário. Logicamente, repudia, exceto em circunstâncias bem
definidas, a intrusão no comportamento pessoal dos cidadãos, seja pelo governo, pelo
monopólio privado ou pelos árbitros morais autonomeados. A ideologia liberal, portanto,
oferece muitas atrações tentadoras - a liberdade de viver a própria vida, protegida contra
imposições arbitrárias ou inflicções por superiores sociais ou deferência compulsória para com
eles; Livre escolha de estilos de vida pessoais, de ocupação, de parceiros sexuais, de
compromisso ideológico; A possibilidade de exercer pressão sobre um governo insatisfatório; E,
se alguém está interessado em tais coisas, de entrada no mercado para aumentar a sua riqueza
e status. Não surpreende então que os movimentos de massa que exigem mudanças de longo
alcance se mobilizem com bastante frequência sob as bandeiras liberais. Historicamente, tem
sido a ideologia de oposição de primeiro recurso. O princípio animador do liberalismo é que o
governo é essencialmente contratual - e, em princípio, esse contrato pode ser forçosamente
anulado se o governo abusar de sua autoridade e violar seus termos. O liberalismo foi,
portanto, a ideologia inicial da emancipação geral do governo arbitrário e do privilégio
hereditário, e continuou durante muitas décadas a cumprir esse papel. As contradições do
liberalismo como ideologia emancipadora, no entanto, se tornaram evidentes mesmo durante
os anos revolucionários - ainda mais do que com uma monarquia absolutista -, suas implicações
foram colocar os sem propriedade à mercê dos proprietários e entre as primeiras ações dos
predecessores e sucessores dos jacobinos era bloquear as massas para fora da nação política,
restringindo a franquia a proprietários de imóveis significativos. Grande parte da contradição
surge da realidade das duas dimensões do liberalismo - como o liberalismo econômico, por um
lado, e o liberalismo social, por outro. [Thompson, 2011, p. 5 p.]
A questão da democracia no sentido de franquia universal nunca foi tão simples como foi
representada pelos seus proponentes ou pelos seus inimigos. O liberalismo econômico pode
funcionar perfeitamente bem sem a democracia e freqüentemente o fez, começando com o
Império Britânico e os Estados Dixie dos EUA, e trabalhando seu caminho através do século XX
em formações como a Itália fascista, o regime sul-africano da apartheid e outros regimes de
caráter ditatorial. Além disso, o liberalismo econômico tende a gerar monopólio e anular a
realidade da liberdade econômica tanto para a força de trabalho quanto para os consumidores.
Para concentrações gigantescas de capital, a democracia política tende a ser um inconveniente,
porque pode interferir com suas operações e, embora possa ser controlado pela manipulação
da mídia, lobby e outras técnicas, ainda há que dedicar recursos para isso. [Thompson, 2011, p.
6]
Em muitos países, menos nos países com estruturas bem estabelecidas da democracia
parlamentar, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos, a França e outros países centrais
menores, já nos anos entre as guerras antes da Grande Depressão o liberalismo político e
374
Com a Grande Depressão, embora nem sempre diretamente causada por ela, mas, seguindo a
estratégia de governos de resolver problemas internos por políticas externas mais agressivas, o
cenário geopolítico mudou com aventuras militares mais agressivas. No Japão com a ascensão
do poder militar no Estado e uma geopolítica expansionista na década de 1930 começando
com intervenção em Manchúria em 1931 e finalmente com a guerra com China em 1937, a
expansão geopolítica na década de 1940 para o sudeste asiático e em dezembro de 1941 com
o ataque a Pearl Harbour em dezembro de 1941. Na Alemanha houve no governo de Hitler um
rearmamento forçado, em março 1936 a invasão militar na zona desmilitarizada de Renânia
(‘Rheinland’) e em 1936 também junto com Itália intervenção no lado golpista na guerra civil
na Espanha (até 1939), em março 1938 a anexação (reunião com) de Áustria, em setembro
1938 anexação de parte da Checoslováquia (Sudetenland) e em março de 1939 do resto da
Checoslováquia, com invasão militar de Polônia em setembro de 1939 começou a Segunda
Guerra Mundial na Europa. Na Itália houve a invasão militar em Etiópia em 1935 e a ocupação
militar de Albânia em 1939.
É importante considerar que a Grande Depressão levou a uma mudança ideológica importante
em direção para um Estado mais intervencionista na economia: o Keynesianismo. Mas, como o
paradigma Keynesiano Fordista tornou se hegemônico nos países centrais somente depois da
Segunda Guerra mundial a descrição das políticas intervencionistas seja assunto do capítulo
sobre a crise da década de 1970, onde começou o enfrentamento do paradigma keynesiano
ainda hegemônico com o paradigma neoliberal em ascensão.
A discussão das controvérsias sobre as causas da Grande Depressão e as estratégias para evitar
novas depressões é feita de forma concisa, porque no capítulo quatro mais adiante são
discutidas as tentativas de diferentes correntes de pensamento econômico para explicar as
crises econômicas e fornecer estratégias para evitar as crises.
A Primeira Guerra Mundial é vista por muitos analistas (entre eles, em primeiro lugar
Eichengreen e Temin em diferentes publicações) como um evento que desorganizou a
economia global e levou a distorções no funcionamento do capitalismo global: A guerra
mudou o cenário geopolítico, os países europeus perdiam sua importância na economia global
enquanto os Estados Unidos tornavam-se a economia e o credor mais importante no nível
global. A guerra desestruturou as economias nacionais (em primeiro lugar na Europa) com seu
376
desvio de recursos para fins militares, com a matança de grande parte da população
trabalhadora, com a destruição de residências, terras para agricultura, fábricas etc. (em
primeiro lugar no norte da França, na Bélgica e na Rússia) e destruiu ou mudou os laços
econômicos entre as nações. A guerra criou depois da curta comuna de Paris de 1871 o
primeiro país socialista dos trabalhadores e campesinos na grande parte do antigo império
czarista, a União Soviética (depois da revolução bolchevique em novembro de 1917, embora o
nome da União Soviética fosse somente assumido em 1922), que tornou se uma ditadura do
partido comunista da União Soviética seguindo a estratégia leninista, das condições
geopolíticas adversas, e da guerra civil sangrenta. As nações beligerantes controlavam,
planejavam, e dirigivam a economia privada para produzir armas durante a guerra. Os países
beligerantes saiavam do padrão ouro, os laços de comércio internacional e das finanças
internacionais foram destruídos, as dívidas para financiar a guerra explodiam nestes países e o
recurso mais importante de economias de mercado, a confiança, esvaziou-se nos ódios
nacionalistas. Depois da guerra em muitos páises centrais um Estado de bem estar social foi
criado ou ampliado. As dívidas elevadas (e para os países vencidos também as reparações)
levavam a processos de inflação e hiperinflação e a dificuldades de voltar ao padrão ouro
depois da guerra. Com isto a Primeira Guerra Mundial é vista como uma herança maldita para
o funcionamento do capitalismo global no período entre as guerras. A guerra sangrenta entre
países supostamente civilizados que – na sua maioria – seguiam as regras de liberalismo
politico e econômico levou também a certa descrença na ideologia liberal e a ascensão de
ideologias inimigas do capitalismo e da democracia parlamentar da esquerda e da direita.
A maioria dos economistas analisa a Grande Depressão hoje numa perspectiva global, não
somente em seus efeitos globais, mas também na ênfase de que as tendências recessivas que
se tornavam a Grande Depressão tinham suas origens na Europa (e possivelmente lá antes do
que nos Estados Unidos), bem como nos Estados Unidos, enfatizando também a fraqueza do
setor da agricultura com preços depressivos para grande parte do período entre as guerras
que se tornou catastrófica em tempos da Grande Depressão, prejudicando seriamente países
exportadores de produtos primários, como o Brasil. Com isto explicações de Friedman e
Schwartz focando nos eventos nos Estados Unidos e nos erros da Federal Reserve na sua
politica monetária perdem um pouco de sua força central explicativa. A corrente mais
importante do pensamento econômico na explicação da propagação da crise no nível global,
bem como da explicação dos erros das politicas econômicas, é o peso que economistas como
Temin [1991] e Eichengreen [1992] atribuíam às regras de padrão (câmbio) ouro com seu viés
deflacionista. Esta explicação parece ser aceita hoje de forma geral pelos economistas. As
tendências do capitalismo global de criar ciclos econômicos de expansão e recessão já foram
analisadas por economistas no período entreguerra na teoria conjuntural.
Recessão na crise de 2008/2009 esta lição foi aprendida, com os bancos centrais e os governos
introduzindo intervenções expansionistas coordenadas para recuperar as economias nacionais
e a economia global. Kindleberger [1973] enfatiza a falta de uma liderança econômica global
na coordenação das políticas e a falta do emprestador internacional de última instância, que o
Reino Unido, e o ‘Bank of England’ e a libra assumiram nos tempos do padrão ouro antes da
Primeira Guerra Mundial. No período entre as guerras o Reino Unido não podia mais assumir
este papel, por causa da fragilidade da economia inglesa e da libra, e os Estados Unidos não
queriam assumir este papel por causa de tendências políticas isolacionistas. O resultado foi
uma desorganização internacional, estratégias nacionais de salve se quem puder, com políticas
de empobrecer a vizinhança como protecionismo, corridas de desvalorizações, e criação de
esferas de interesse das nações mais fortes.
Eichengreen e Temin [2010, p. 3 p.] resumem sua avaliação do papel da ideologia do padrão
ouro na eclosão e propagação da Grande Depressão:
Keynes estava claro sobre o impulso que desencadeou a Grande Depressão. Ele disse, em
meados de 1931, que na "queda do investimento (...) encontro - e acho sem qualquer dúvida
ou reservas - toda a explicação do estado atual das coisas". (Keynes 1931, pp. 349-351).
Seguimos Keynes, mas tomamos o argumento um passo adiante. As políticas monetárias e
fiscais apertadas do final da década de 1920, que induziram o investimento a cair, foram
devidas à adesão dos formuladores de políticas à ideologia do padrão-ouro. As escolhas nos
anos em torno de 1930 foram feitas de acordo com uma cosmovisão em que a manutenção do
padrão-ouro, tal como era no final dos anos 1920, era o pré-requisito primário para a
prosperidade. Como resultado dessa ideologia, as autoridades monetárias e fiscais
programaram políticas de contração quando a visão retrospectiva mostra claramente que eram
necessárias políticas expansionistas. (...).
Tanto os decisores políticos como as pessoas afetadas pelas suas ações operavam dentro deste
regime [do padrão ouro]. Quando pensavam em ações alternativas, pensavam em alternativas
dentro deste regime, isto é, dentro do padrão-ouro. Alternativas fora do regime não foram
levadas a sério, quer pelos responsáveis políticos, quando propostas, quer pelos investidores e
consumidores quando empreendidas. Elas foram interpretadas como aberrações do regime
padrão-ouro estável.
A narrativa dos Keynesianos
no estouro das bolhas levando a pânicos financeiros e crises da economia financeira e real. O
gatilho para uma mudança das expectativas pode ser uma falência de uma empresa
importante, a quebra do mercado acionário ou de outros mercados financeiros, rupturas
súbitas de fluxos internacionais de capital, ou simplesmente a percepção do que os riscos dos
investimentos feitos eram maiores do que percebidos anteriormente.
Keynes [versão eletrônica da The General Theory (...), p. 103] descreve a importância da
informação imperfeita, da incerteza e do risco que acompanha os negócios:
(..) existe a instabilidade devida à característica da natureza humana de que grande parte de
nossas atividades positivas dependem do otimismo espontâneo e não de uma expectativa
matemática, moral, hedonista ou econômica. A maioria, provavelmente, de nossas decisões de
fazer algo positivo, cujas consequências totais serão extraídas ao longo de muitos dias, só pode
ser tomada como resultado de espíritos animais - de um impulso espontâneo à ação em vez da
inação, e não como resultado de uma média ponderada de benefícios quantitativos
multiplicados por probabilidades quantitativas. A empresa só finge ser principalmente acionada
pelas declarações em seu próprio prospecto, por mais cândido e sincero que seja. Apenas um
pouco mais do que uma expedição para o Polo Sul, [uma ação de negócios] é baseado em um
cálculo exato dos benefícios que virão. Assim, se os espíritos animais estiverem abatidos e o
otimismo espontâneo falhar, deixando-nos depender apenas de uma expectativa matemática,
o empreendimento se desvanecerá e morrerá, embora os temores de perda possam ter uma
base não mais razoável do que as esperanças de lucro antes. (...)
Isto significa, infelizmente, não só que as recessões e depressões são exageradas em grau, mas
que a prosperidade econômica é excessivamente dependente de um ambiente político e social
que é adequado ao homem médio de negócios. Se o medo de um governo trabalhista ou de um
New Deal deprime a empresa, isso não precisa ser resultado de um cálculo razoável ou de um
enredo com intenção política - é a mera consequência de perturbar o delicado equilíbrio do
otimismo espontâneo. Ao estimar as perspectivas de investimento, devemos ter em conta,
portanto, os nervos e a histeria e até mesmo as digestões e reações ao clima daqueles de cuja
atividade espontânea depende em grande parte [o investimento].
A hipótese de mercados financeiros instáveis foi levantada mais adiante por Minsky [2008 e
1984]. Seguindo Minsky as empresas perseguem três tipos de estratégias financeiras.
Financiamento protegido (‘Hegded finance’) refere-se a situações em que as empresas têm
fluxos de caixa maiores do que os serviços sobre a dívida (juros e amortizações).
Financiamento especulativo refere-se a situações, quando os fluxos de caixa são maiores ou
iguais aos pagamentos de juros, mas não conseguem diminuir a dívida existente, a dívida
precisa ser sempre rolada o que pode se tornar difícil em tempos da crise. Financiamento
Ponzi é o financiamento mais arriscado e acontece, quando os fluxos de caixa são insuficientes
para pagar os juros da dívida e as empresas precisam sempre acumular dívida adicional para
financiar os juros. Financiamento Ponzi pode evitar a falência da empresa a curto prazo, mas
não pode ser perseguido a longo prazo sem default, porque a dívida cresce exponencialmente.
Uma versão um pouco diferente da visão keynesiana é a versão de Koo [2015 e 2009] de uma
recessão acompanhada de endividamento insustentável do setor privado (‘balance sheet
recession’). Koo [2015, posição 623 pp.] adverte que recessões de deterioração do balanço das
empresas somente acontecem quando uma bolha especulativa em âmbito nacional financiada
por dívida estoura como possivelmente em 1929 nos Estados Unidos, mas, sem dúvida, no
Japão na década de 1990, e nos Estados Unidos, Espanha, Irlanda e no Reino Unido na crise
financeira global de 2008/2009. Quando empresas e/ou famílias são altamente endividadas
elas tentam repagar dívida em vez de se endividar novamente para financiar investimentos,
residências, e consumo de bens duráveis. Koo adverte que em uma recessão dos balanços das
empresas uma política monetária extremamente expansionista, como na crise de 2008/2009,
não pode surtir efeito por que não existe demanda para créditos, nem a taxas de juros muito
baixas, porque os agentes econômicos precisam repagar dívidas antigas (desalavancagem ,
‘deleveraging’). Neste caso Koo adverte que o Estado precisa se endividar e aumentar seus
gastos para substituir demanda agregada do setor privado.
Friedman e Schwartz [2009] argumentaram que o FED foi responsável pela profundidade e
duração da Grande Depressão, os erros da política monetária do FED faziam de uma recessão
normal uma Grande Depressão. Com uma diminuição quase proporcional do estoque de
moeda nominal à queda do nível dos preços entre 1929 e 1933, o estoque de moeda real
permaneceu quase constante, eliminando um dos mecanismos que poderiam ter levado à
recuperação. Friedman e Schwartz afirmam que a política monetária fracassou completamente
no combate à crise bancária, porque o FED e outros bancos centrais não funcionavam como
emprestador de última instância para evitar maciças falências bancárias. Olhando para a
paridade externa da moeda, fluxos de ouro, e fugas de capital os bancos centrais dentro da
ideologia de padrão ouro nem poderiam expandir a quantidade de moeda nem poderiam agir
como emprestador de última instância para salvar os bancos. No sentido mais amplo a teoria
monetarista explica recessões e depressões por falhas politicas contrário aos Keynesianos que
explicam elas pela instabilidade do setor privado consequência da incerteza inerente nas
decisões econômicas que leva a falhas dos mercados e a rigidez dos preços que evita um ajuste
automático da economia em direção ao pleno emprego.
Friedman e Schwartz [2008, p. 3 p.] resumam sua avaliação das causas da Grande Depressão
de seguinte forma:
evento na Grande Depressão. Na segunda crise bancária Temin [p.78 p.] adverte que a decisão
da FED de aumentar a taxa básica (com queda do estoque monetário) para defender o valor
externo do dólar e não seguir a desvalorização da libra aprofundou e prolongou a depressão.
Aqui ele segue a análise de Friedman e Schwartz. As crises bancárias e cambiais de 1931 na
Austria e Alemanha, seu contágio para a crise no Reino Unido que levou a saída de padrão
ouro e a desvalorização da libra em setembro de 1931 e seus reflexos nos Estados Unidos, são
um aviso para a importância das crises bancárias, das politicas monetárias e do papel do
padrão ouro na explicação da profundidade e da duração da Grande Depressão.
Na narrativa da escola austríaca (von Mises, Hayek, Rothbard, etc.) as causas de uma recessão
ou depressão encontram-se sempre na expansão (‘boom’) anterior. A expansão econômica é
financiada pela expansão de crédito para consumo, investimento e especulação. Crédito
barato e fácil e taxas baixas de juros levam a investimentos equivocados, expansão da
produção acima da demanda, endividamento insustentável e bolhas especulativas. Quando a
expansão do crédito cessa por causa de um choque negativo (falência de uma empresa
importante, crise política, queda do mercado das ações etc.), a bolha especulativa estoura,
alguns investimentos mostram-se falhos e a produção precisa ser reduzida, o desemprego
aumenta. A crise é vista como uma crise de superprodução (mais especifico de
superinvestimento como consequência da expansão do crédito e da taxa de juros muito baixa)
levando a uma crise da taxa de lucro: a crise neste sentido funciona como um mecanismo de
limpeza que destruí capital (os investimentos falhos) para possibilitar novamente a expansão e
uma recuperação da taxa de lucro.
Rothbarth [2000, e, 2009], visto como um dos defensores mais extremos da escola austríaca,
aponta a teoria austríaca como aplicável a todos os ciclos de negócios, e especialmente para
explicar a Grande Depressão:
Alguns economistas estão dispostos a admitir que a teoria austríaca pudesse “às vezes” dar
conta de expansões cíclicas e depressões, mas acrescentando que outras instâncias podem ser
explicadas por diferentes teorias. No entanto, como afirmamos acima, acreditamos seria um
erro: consideramos que a análise austríaca é a única que explica os ciclos econômicos e seus
fenômenos familiares. Crises específicas podem, de fato, ser precipitadas por outras
intervenções do governo no mercado. [Rothbarth, 2000, p. 55]
O principal impacto da Grande Depressão sobre o pensamento foi a aceitação universal da
visão de que o capitalismo de "laissez-faire" era o culpado. [Rothbarth, 2000, p. xxxvii]
Ludwig von Mises, sozinho armado com uma correta teoria do ciclo econômico, foi um dos
poucos economistas a prever a Grande Depressão e, portanto, o mundo econômico foi forçado
ele ouvi-lo com respeito. [Rothbarth, 2009, p. 43]
383
O ciclo não é provocado por qualquer falha misteriosa da economia de livre mercado, mas pelo
contrário: por uma intervenção sistemática do governo no processo de mercado. A intervenção
do governo provoca a expansão dos bancos e a inflação, quando a inflação chega ao fim, o
subsequente ajuste da depressão entra em jogo. [Rothbarth, 2009, p. 28]
Até hoje, também entre os economistas, a explicação e a análise misesianas da depressão
ganharam grandes avanços precisamente durante a Grande Depressão dos anos 30 - a própria
depressão que é sempre defendida pelos defensores da economia de livre mercado como a
única maior e catastrófica crise do capitalismo laissez-faire. Não era tal coisa. 1929 foi tornado
inevitável pela expansão vasta do crédito bancário durante todo o mundo ocidental durante os
1920s: Uma política deliberada adotada pelos governos ocidentais, e mais importante, pelo
sistema de ‘Federal Reserve’ nos Estados Unidos. Foi tornada possível pela falha do mundo
ocidental para retornar a um padrão de ouro genuíno após a Primeira Guerra Mundial, e assim
permitir mais espaço para políticas inflacionárias pelo governo. Todo mundo agora pensa no
presidente Coolidge como um crente no laissez-faire e uma economia de mercado sem
entraves; Ele não era, e tragicamente, em nenhuma parte menos do que no campo da moeda e
do crédito. [Rothbarth, 2009, p. 28]
Muitas economistas aceitam a ideia que a bolha de crédito nos Estados Unidos (e também dos
créditos americanos para a Alemanha) seja uma das causas para a eclosão da Grande
Depressão, mas negam uma unicausildade para a crise.
Schumpeter representa uma tradição um pouco diferente da escola austríaca, por esta razão
sua análise da Grande Depressão está comparada a análise de Hayek seguindo um artigo de
Klausinger [1995]. Na visão do Hayek [Klausinger, 1995, p. 96 p.] o ciclo conjuntural é
consequência do investimento excessivo das empresas incentivado por uma taxa de juros
abaixo da taxa natural de juros (como consequência da criação de moeda através de criação de
crédito (ao invés de um aumento genuíno da poupança)), a versão acima descrita da teoria
austríaca. A prosperidade no sentido de Schumpeter depende em primeiro lugar da inovação
dos empreendedores financiada pelo crédito bancário, quando competidores, que copiam as
inovações, destruam os lucros monopolistas dos inovadores e empresas velhas que não
implementavam as inovações são destruídas a recessão começa. Schumpeter [Klausinger p.
96] também considera efeitos secundários, mudanças das expectativas, cálculos errados, e
efeitos multiplicadores que reforçam os efeitos primários. Schumpeter também diferencia os
ciclos conjunturais através seus períodos: Kondratieff (longo prazo), Juglar (normal, ciclo
conjuntural) e Kitchin (curto prazo).
Schumpeter e Hayek não identificam o sistema monetário de padrão (câmbio) ouro como fator
causal da Grande Depressão. Em seu livro “Konjunkturzyklen’ Schumpeter [1961, p. 935 pp.]
aponta a coincidência dos três ciclos de duração diferente como fator mais importante para
explicação a Grande Depressão, mas levando também em conta os fatores das mudanças
estruturais como impactos da Primeira Guerra Mundial, embora ele não avalie estas mudanças
como tão prevalentes como Eichengreen e Temin. Ele inclui também fatores monetários e
contingentes, com isto sua teoria torna-se mais multicausal do que a teoria austríaca.
Por razões conhecidas [os ciclos de inovação] o desenvolvimento capitalista traz distúrbios
[ciclos de expansão e depressão]. (...). Nestas expansões há alguns em que os ajustes a longo
prazo e mais profundos e às mudanças industriais de curto prazo e menos profundas não
ocorrem simultaneamente, e outros em que este é o caso. No primeiro caso os sintomas sejam
menos sérios; no segundo caso (...) mais sérios. [Schumpeter, 1961, p. 936]
[Sobre o endividamento problemático de empresas e consumidores]. Na maneira em que as
empresas, bem como as famílias nos anos da década de 1920 se endividavam, é claro que o
fardo crescente - em muitos casos [relacionados] com a queda no nível de preços - teve um
significado causal para a repentina queda para baixo na depressão. (...). Eles [os excessos
especulativos] devem ser atribuídos ao clima espiritual [de otimismo] do tempo, a política de
dinheiro barato e as práticas comerciais das empresas que estavam procurando aumentar suas
vendas. [Schumpeter, 1961, p. 936]
A falência de bancos são eventos muito regulares (embora não essenciais) durante cada grande
crise (...). Os fatores externos desempenharam um papel. (...) mais perturbador nas mudanças
políticas e sociais do período pós-guerra, (...), mas com menos relevância para a crise. (...).
Houve uma classe importante de "compreensíveis, mas menores efeitos colaterais". Neste
caso, eles podem ser corroborados com as atividades de homens como Hatry ou Kreuger e no
caso da Alemanha, na prática da personalidade impulsiva do homem que conduzia o
Danatbank. [Schumpeter, 1961, p. 937 p.]
A narrativa neomarxista
A teoria marxista e neomarxista (Marx, Sweezy, Mandel, etc.) enfatiza que as crises do
capitalismo são em último lugar consequência de uma crise da taxa de lucro que se aprofunda
quando o superinvestimento e o subconsumo (consequência do aumento da desigualdade da
385
renda) tornam se óbvios e uma crise como mecanismo de limpeza do sistema econômico
precisa destruir capital para recuperar a taxa de lucro para um nível aceitável para a classe
dominante.
Para Marx crises são vistas como um subproduto das contradições internas do sistema
capitalista não consequência de fatores exógenos [Solimano, 2014, p. 117]. Solimano [p. 117
p.] enfatiza três fatores para uma crise capitalista de superprodução, superinvestimento e
subconsumo: (1) A tendência da queda da taxa de lucro (consequência da substituição do fator
trabalho pela inovação tecnológica na visão de Marx, mas sujeito a tendências
compensatórias), que é uma tendência em longo prazo que dificilmente pode explicar crises
cíclicas. Mas, sem dúvida, cada crise num sistema capitalista é uma crise da taxa de lucro [taxa
de lucro atual, mas também e em primeiro lugar da taxa esperada de lucro]. (2) A tendência
para o subconsumo implicando crises de realização, na terminologia keynesiana uma falta de
demanda agregada. (3) A desproporcionalidade entre o setor de produção de bens de
investimento e bens de consumo, supondo uma expansão exagerada de um setor em relação
ao outro. Em modelos keynesianos este problema aparece no modelo de acelerador –
multiplicador.
Howard e King [1992, volume 2, p. 19] resumem a análise marxista da Grande Depressão da
seguinte forma: “No entanto, análises marxistas da Depressão se mostravam de certa forma
deficiente, e a razão final é semelhante ao caso da teoria neoclássica burguesa [antes do
Keynes]: eles não tinham uma teoria adequada da demanda efetiva. ” Howard e King [1992,
volume 2, p. 3] identificam duas perguntas centrais que os economistas marxistas levantavam
na tentativa de explicar a Grande Depressão: “O que ela significava para o futuro do sistema
capitalista e as perspectivas para o socialismo? E como ela poderia ser explicada
consistentemente com a teoria de Marx da crise? ” Entre os teóricos marxistas a natura da
crise foi um assunto controverso, porque uma teoria elaborada unificada marxista das crises
econômicas não existia, e provavelmente não pode existir, por causa da singularidade histórica
de cada crise, e especialmente da Grande Depressão. Alguns teóricos viam a Grande
Depressão como a agonia da morte ou a crise final do capitalismo, mas a história mostrou em
outra direção com a ascensão do fascismo na Alemanha, o “New Deal” nos Estados Unidos e
uma crescente intervenção do Estado na economia em outros países; a crise parecia abrir mais
os caminhos de reação ou reforma do que da revolução [Howard e King 1992, volume 2, p. 3].
Howard e King [Howard e King 1992, volume 2, p. 19] resumem sua avaliação dos
pensamentos neomarxistas sobre a crise da seguinte forma:
386
Convergências e controvérsias
A escola austríaca aponta para uma expansão expressiva do crédito como fonte das crises do
capitalismo. Como a expansão do crédito somente é possível com uma política monetária
acomodativa do banco central o culpado pela crise está aqui também em primeiro lugar a
política equivocada do banco central e do governo.
Com o fim do período de reconstrução das economias que sofriam na II Guerra Mundial e na
ocupação nazista na década de 1970 começou uma crise econômica mundial nos países
avançados que mudou o cenário econômico. O Plano Marshall no fim da década de 1940 tinha
estimulado o crescimento econômico elevado nos países da Europa ocidental, chamado a era
de ouro por Hobsbawm ou os trinta anos gloriosos pelos franceses, caracterizando um período
389
Kalecki [1972] na década de 1940 advertiu que uma politica de pleno emprego poderia
enfrentar a oposição das elites empresariais e financeiras porque num ambiente de pleno
emprego os trabalhadores e seus sindicatos tornam-se mais combativos na politica salarial e
em lutas para a participação no poder nas empresas e na sociedade:
A razão para a oposição dos líderes industriais contra uma politica de pleno emprego alcançada
pelos gastos do governo podem ser subdivididas em três categorias: (a) a antipatia à
interferência do governo no problema do emprego como tal; (b) o desagrado da direção dos
390
gastos do governo (no investimento público e no subsídio ao consumo); (c) a antipatia com as
mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. [Kalecki 1972, p.
423]
De fato, nos últimos anos da década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 os
conflitos trabalhistas aumentavam significativamente nas economias centrais e o modelo
keynesiano-fordista entrou em dificuldades enfrentando na segunda década de 1970 o
problema de estagflação, desemprego em ascensão e inflação crescente em conjunto com a
crise energética de 1973. A guerra dos Estados Unidos em Vietnã e os problemas nas
universidades, que enfrentavam a crescente entrada de novos estudantes, e a rigidez dos
sistemas educacionais levavam a uma revolta dos estudantes em 1968, que pode ser visto
como uma revolução cultural no ocidente, embora Judt [2005] avalie as perspectivas
libertárias nas demandas dos estudantes como uma semente para as estratégias neoliberais da
classe dominante que ganhavam espaço na década de 1970 e tornavam se hegemônicas nas
décadas de 1980 e 1990.
O sistema de Bretton Woods, um sistema monetário internacional com taxas de câmbio fixas,
embora ajustáveis no caso de um desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos, e com
controles de capital rígidos começou a ruir em 1968 e finalmente terminou em 1973 tornando-
se um regime de taxas flutuantes de câmbio e da globalização da produção e das finanças. As
pressões salariais e os choques de preços de petróleo em 1973 e 1979 impactavam em
pressões inflacionárias com tendências recessivas, um choque adverso de oferta. Monetaristas
e neoliberais interpretavam a situação como consequência das intervenções do Estado na
economia e da regulamentação rígida que estrangulavam a livre iniciativa dos agentes nos
mercados, o crescimento econômico e a inovação. A estratégia neoliberal prometia que mais
confiança na dinâmica de mercados livres e menos confiança nas intervenções do Estado pode
estimular novamente crescimento e inovação. As décadas seguintes com a implementação do
paradigma neoliberal nos países centrais mostrava uma onda de inovações, mas também um
aumento significativo e prolongado do desemprego e da desigualdade de renda, riqueza e
poder em muitos países centrais. No Brasil a década de 1970 foi ainda um período de
crescimento acelerado, mas sob uma ditadura militar restringindo fortemente os ganhos
salariais da classe trabalhadora sob um clima de repressão generalizada. A segunda crise dos
preços de petróleo em 1979, a politica monetária restritiva nos Estados Unidos e em outros
países centrais aumentou os custos da dívida externa no Brasil e dificultou novos
endividamentos, e a crise da década de 1970 nos países centrais chegou na década de 1980 no
Brasil, a crise da dívida externa e a década perdida (para o desenvolvimento brasileiro).
391
A tabela a seguir mostra de forma curta as perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos,
do Japão e da Alemanha na era de ouro e nas décadas a seguir.
Tabela 90 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão
Crescimento
Crescimento PIB Crescimento PIBpc
Produtividade/hora
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-2012 3,3% 3,1% 4,7% 2,7% 1,9% 4,0% 3,2% 1,9% 4,2%
1951-1973 6,0% 3,9% 9,3% 5,0% 2,5% 8,1% 5,8% 2,6% 7,3%
1960-1973 4,6% 4,2% 9,9% 3,7% 2,9% 8,7% 5,4% 2,5% 8,5%
1974-1981 1,9% 2,6% 3,4% 2,0% 1,5% 2,3% 3,0% 1,1% 3,0%
1982-2012 1,7% 2,7% 1,8% 1,2% 1,6% 1,5% 1,4% 1,6% 2,3%
Taxa Desemprego % Taxa Inflação IPC % Crescimento salário real %*
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão** Alemanha EUA Japão
1951-2012 5,4% 5,8% 2,7% 2,7% 3,7% 3,1% 3,9% 1,6% 3,5%
1951-1973 3,0% 4,7% 1,9% 2,7% 2,7% 4,8% 6,9% 2,5% 6,9%
1960-1973 0,9% 4,9% 1,3% 3,2% 3,1% 5,9% 7,0% 1,9% 8,2%
1974-1981 3,1% 6,9% 2,0% 4,9% 9,4% 9,0% 3,7% 1,1% 2,1%
1982-2012 7,7% 6,4% 3,3% 2,0% 3,0% 0,7% 1,7% 1,0% 1,3%
Fonte: BLS *até 2011 ** desde 1956
É possível caracterizar o período pós Segunda Guerra Mundial até a crise da década de 1970
como hegemonia do modelo keynesiano-fordista, também chamado de era de ouro
[Hobsbawm] ou os trinta anos gloriosos pelos Franceses. A crise do sistema monetário
internacional de Bretton Woods 1971 até 1973, a crise energética e os choques dos preços de
petróleo em 1973 e 1979, a estagnação econômica com crescimento do desemprego e
ascensão da inflação foi um cenário para que o Keynesianismo não tivesse receitas. No fim da
década de 1960 a revolta dos estudantes contra a guerra dos Estados Unidos em Vietnã e
contra as ultrapassadas normas sociais foram acompanhadas na França e Itália por lutas
trabalhistas, o período seguinte foi visto como uma revolução cultural e um período de
transformações profundas nos países centrais, bem como no terceiro mundo. No nível
mundial: grupos terroristas nos países centrais, a primavera de Praha e seu fim através da
392
invasão das tropas do pacto de Varsóvia, a revolução cultural na China, a crise no Oriente
médio, a revolução iraniana em 1979 e a redistribuição da renda mundial através dos choques
dos preços de petróleo levou o mundo para um período de incerteza, mas também de
transformações fundamentais.
As décadas pós 1970 influenciam de forma expressiva o capitalismo global e precisam ser
analisadas aqui, embora o centro do trabalho esteja nas crises do capitalismo global com
impactos significativos para o Brasil desde a década de 1990, culminando na Grande Recessão
com início em 2008. A crise nos países centrais da década de 1970 chegou com uma
defasagem no Brasil (e na América Latina) na década de 1980 com as crises das dívidas
externas. A crise da década de 1970 foi menos profunda do que a Grande Depressão, como
evidencia a tabela acima, mas teve reflexos políticos, institucionais, econômicos, sociais, e
culturais tão profundos que pode ser vista como outra crise profunda do capitalismo global.
Mas no imaginário público nos países centrais também foi sentida como uma crise profunda
porque acabou com um período de ampla prosperidade.
É importante reconhecer que crises militares e políticas como as duas guerras mundiais tinham
também impactos importantes para o desenvolvimento do capitalismo global e suas crises,
bem como os sucessos na era do ouro da pós-Segunda Guerra Mundial. O olhar não pode ser
somente fixado na história econômica, mas é necessário também refletir as histórias políticas,
culturais e sociais. Neste sentido é interessante que a queda do socialismo burocrático real na
União Soviética em 1991 e no leste europeu depois de 1989 teve impactos econômicos pouco
393
expressivos nos países capitalistas centrais, embora fortalecesse a ideologia neoliberal e fui
interpretada por muitos observadores como uma vitória eterna do sistema do capitalismo
global e da democracia, o fim da história [Fukuyama]. Mas esta euforia rapidamente se
esvaziou. A crise financeira de 2008/2009 lembrou muitos observadores que os velhos
problemas do capitalismo global são ainda existentes: as crises e a distribuição desigual de
renda, riqueza e poder.
Cada periodização de um período de tempo tão extenso como o período pós-Segunda Guerra
Mundial, que é no foco deste trabalho juntamente com a Grande Depressão da década de
1930, é de certa forma arbitrária, porque não reflete as idiossincrasias de diferentes países e
regiões e seus caminhos históricos específicos. O período até a crise profunda na metade da
década de 1970 pós-Segunda Guerra Mundial para os países centrais do capitalismo
democrático, “onde o governo faz intervenções nos mercados para garantir justiça social e
estabilidade demandada por uma maioria votante” [Streeck 2013 [2]] é denominado por
Fourastié [Judt, 2009] os “Les trente glorieuses”, por Hobsbawm [(2) 1997] a era do ouro e por
Arrighi [2010] Fordismo-Keynesianismo e por Streeck [2013] capitalismo “com a correção
política no modelo Keynesiano e Beveridgeano”.
Para o período que começa com a crise econômica mundial de 1973/1975 Streeck [2013 [1] e
[2]] propõe a seguinte periodização com foco especialmente na trajetória da dívida pública e
na trajetória dos Estados Unidos e parcialmente de outros países centrais:
Obviamente esta periodização não se aplica a todos os países industrializados centrais, por
exemplo, no Japão já na década de 1990 houve uma explosão da dívida pública como
consequência da recessão e estagnação da economia japonesa depois do estouro da bolha
especulativa nos mercados acionários e imobiliários [em 1990] e das políticas fiscais
expansionistas para evitar uma recessão mais profunda. Obviamente a periodização também
não se aplica a mercados emergentes como o Brasil, nem a países em transição como Rússia e
os países no leste Europeu, que experimentavam quedas expressivas do PIB e surtos de
inflação muito alta na primeira década depois da transição para estruturas econômicas
capitalistas [na década de 1990].
No fim da década de 1970 a inflação foi mais temida do que o desemprego em ascensão, pelo
menos pela maioria dos políticos, empresários, economistas e das mídias com a consequência
do abandono das políticas keynesianas de pleno emprego e a introdução de receitas
monetaristas e neoliberais dos governos Thatcher no Reino Unido e Reagan nos Estados
Unidos se concentrando no combate da inflação e na desregulamentação, privatização, e
abertura da economia seguindo receitas neoliberais.
com viés para déficits públicos e ascensão da dívida pública com consequência para políticas
de redistribuição da renda pelo eleitorado da renda mais baixa. Streeck [2013 [2]] nega esta
explicação, por que desde a década de 1970 a ascensão do endividamento público foi
acompanhada pela queda do padrão de vida das classes desfavorecidas e também da classe
trabalhadora, bem como da queda da força política destas classes pelo enfraquecimento dos
sindicatos pelas políticas neoliberais de Reagan e Thatcher [exemplos são a quebra da greve
dos controladores de tráfego aéreo por Reagan em 1981 e a quebra da greve dos mineiros de
carvão na Inglaterra por Thatcher em 1984/1985]. Streeck considera o baixo crescimento
como responsável pelo aumento da dívida pública e o aumento da dívida privada como
estratégia da classe trabalhadora para defender seu padrão de vida. Rajan [2010] está ainda
mais pronunciada de chamar esta estratégia de keynesianismo privado, estabilizando o
consumo através de endividamento privado que encontrou seus limites na crise financeira
global de 2008/2009.
A seguir é feita uma análise empírica sobre o desempenho econômico e social de seis países da
OCDE nos períodos descritos, Alemanha, Grécia e Suécia como países da Europa continental,
Alemanha (Alemanha ocidental até 1990, Alemanha estatisticamente reunida desde 1991,
embora a reunião jurídica já acontecesse em 1990) como modelo de uma economia de
mercado social, Grécia como a economia europeia mais atingida pela crise financeira global de
2008/2009, Suécia como modelo de uma economia típica de Estado de bem-estar social
escandinavo. O Reino Unido e os Estados Unidos como países seguindo o modelo de
capitalismo mais liberal anglo-saxão, embora o Reino Unido tenha um Estado de bem-estar
social nos moldes de Beveridge bem mais amplo do que os Estados Unidos. E Japão como uma
economia asiática com história institucional e cultural diferente.
O Brasil não se encaixa bom na periodização acima, o grande divisor para o Brasil não está na
década de 1970, mas na década de 1980 com a crise da dívida externa, que foi uma crise da
dívida soberana para muitos países na América Latina, bem como no leste Europeu. Esta crise
da dívida externa já apresenta sintomas que novamente aparecem na crise de certos países na
área do euro depois de 2010. Embora seja importante também apontar para uma diferença
importante: A crise da dívida soberana tinha como fundo uma crise bancária seguindo da crise
financeira global de 2008/2009 que se transformou em uma crise da dívida soberana por causa
da transferência de dívidas e riscos do setor privado para o setor público, pelos custos de
salvamento do setor financeiro e das medidas fiscais expansionistas para evitar uma nova
Grande Depressão em consequência da crise inicial do sistema financeiro. A crítica das mídias
estava apontando para um Estado, que se endividou demais, e receitando uma política cega de
396
austeridade do setor público esquecendo as verdadeiras fontes das crises nos sistemas
financeiros e do setor privado. Embora na Grécia esta crítica acertasse parcialmente em sua
análise, Irlanda e Espanha foram países com dívida pública pouco expressiva antes da crise
financeira global de 2008/2009 e começavam se endividar expressivamente somente depois
da crise.
Análise empírica
Neste capitulo tenta se avaliar empiricamente a periodização de Streeck [2013 [1] e [2]]. No
imaginário público a crise na década de 1970 parecia maior em relação ao crescimento
elevado na era do ouro e no nível muito mais elevado da inflação, embora a recessão nem
fosse tão prolongada nem tão profunda como a Grande Depressão. “No entanto, a dor foi real,
agravada pelo aumento da concorrência nas exportações de novos países industrializados na
Ásia e em contas de importação cada vez mais onerosas, uma vez que as commodities (e não
apenas o petróleo) aumentaram de preço. As taxas de desemprego começaram a aumentar,
de forma constante, mas inexoravelmente” [Judt 2005, p. 457].
Nos países centrais a crise também atingiu o setor industrial, iniciando um processo de
desindustrialização como consequência da terceira revolução industrial [tecnologia de
informação e comunicação e biotecnologia] e pelo aumento da competição pelos países
emergentes. Embora todos os ramos tradicionais de indústria fossem atingidos, a perda de
empregos acelerou se especialmente nos ramos dos estaleiros, produção de aço, e embora
não um ramo industrial, na mineração de carvão. Na Europa Ocidental (West Europe) a
participação da indústria e construção no PIB [em preços correntess] diminui de 34,2% em
1970 para 22,0% em 2000, no emprego de 44,6% para 24,5%, na Europa de Norte a
participação da indústria e construção no PIB ficava estável em 27,1%, no emprego diminui
expressivamente de 37,4% para 24,5%, na Europa do Sul a participação da indústria e
construção no PIB diminui de 25,7% para 22,1%, no emprego de 32,3% para 28,8% [dados de
The Cambridge Economic History of Modern Europe: Volume 2, 2010, posição 6970]. Nos
Estados Unidos a participação da indústria e construção no PIB diminui de 23,9% para 14,5%,
no emprego de 22,6% para 12,6% [dados de Walton e Rockoff, 2010, p. 534].
monetária fortemente restritiva em 1979 e nos primeiros anos da década de 1980 nos Estados
Unidos e em outros países centrais teve sucesso em controlar a inflação (medida pelo índice
de preços ao consumidor) para as seguintes décadas (com exceção da Grécia até sua entrada
na área do euro), mas aumentando expressivamente o desemprego, o que mostra que a
política de pleno emprego nos anos antes da crise 1973/1974 foi abandonada em favor de
uma política de controle de inflação.
Como os primeiros quatro gráficos mostram, houve até a crise de 1973/1975 forte
crescimento do PIB real com exceção do Reino Unido, mais forte nos países mais destruídos
pela guerra, em um ambiente de inflação controlada. Para Alemanha. Estados Unidos e o
Reino Unido um gráfico mostra o hiato do PIB, mostrando correlação elevada do ciclo entre
Estados Unidos e Reino Unido, menor entre Alemanha e os outros países, com recessões
simultâneas em 1974/1975, 1981/1982 e 2009/2010. A inflação mostra para os países
escolhidos picos nos dois choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979 para ser controlada
na década de 1980, consequência da queda lenta dos preços de petróleo e do ambiente mais
competitivo no capitalismo global da era neoliberal.
Gráfico 50 Taxas médias de crescimento do PIB real (%) em diferentes períodos entre 1950 e
2015 para Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
Fonte; IMF
398
Coeficiente
Reino Estados
de Alemanha
Unido Unidos
Correlação
Alemanha 1,00
Reino
0,34 1,00
Unido
Estados
0,39 0,74 1,00
Unidos
Gráfico 51 Hiato do PIB (em % do PIB potencial, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos 1950
– 2015 (séries suavizadas)
Fonte: AMECO
Gráfico 52 Taxa média anualizada de inflação (%) para períodos entre 1950 e 2015, para
Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos,
Gráfico 53 Taxas de inflação para Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão 1951 – 2015
Fonte: BLS
O gráfico a seguir mostra a aceleração da inflação nos Estados Unidos (medida pelo deflator do
PIB) em consequência dos choques de preços de petróleo em 1973 e 1979. Um impacto
semelhante também aconteceu em outros países industrializados centrais.
Gráfico 54 Inflação dos preços de petróleo e inflação do deflator do PIB dos Estados Unidos
1950 – 2015
400
O gráfico a seguir mostra o aumento expressivo da taxa de desemprego nos países escolhidos
depois da crise da década de 1970.
Gráfico 55: Taxa de desemprego média para períodos entre 1950 e 2015, para Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
Fonte AMECO
Gráfico 56 Dívida pública (em % do PIB) 1950, 1973, 1983, 2007 e 2015 Para Alemanha, Grécia,
Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
Fonte: IMF
Fonte: IMF
402
Gráfico 58 Dívida pública em % do PIB da Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos
1950 – 2015
Fonte: IMF
Em relação ao setor privado (não financeiro) pode se resumir, avaliando os gráficos seguintes,
que a dívida das famílias em relação ao PIB teve uma tendência ascendente (desde 1970) para
todos os países observados até a crise financeira global de 2008/2009 com períodos de queda
em Suécia (começando com a crise financeira prolongada de 1990 até 1993 na Suécia) e na
Alemanha (efeito estatístico (em 1992 ) da reunião com a DDR com pouco endividamento das
famílias, antes os dados referem-se somente à Alemanha ocidental). Depois da crise financeira
global houve forte queda da dívida das famílias em relação ao PIB (Deleveraging), embora em
Japão e Alemanha uma queda já começou em 1999/2000. Na Suécia depois da crise de
2008/2009 a dívida das famílias (% do PIB) teve uma ascensão significativa. Na Grécia, onde
houve um aumento explosivo da dívida das famílias (% do PIB) depois de aderir ao euro em
2001 e uma estagnação depois da crise de 2008/2009, na realidade este fato aponta para uma
diminuição nominal da dívida, porque depois de 2008/2009 o PIB nominal da Grécia estava em
queda expressiva.
Para o setor das empresas não financeiras não houve uma tendência comum entre os países
observados. A dívida deste setor em relação ao PIB não mostrou mudanças expressivas no
período na Alemanha, leve aumento nos Estados Unidos, aumento mais forte no Reino Unido
e na Grécia, e queda depois da crise 2008/2009 no Reino Unido e estagnação na Grécia. No
403
Japão houve aumento significativo até 1993 e um queda expressiva depois de 1997
(deleveraging). Na Suécia (em 2014 com uma relação de mais de 160%) houve uma tendência
ascendente, mas com períodos intermitentes de queda.
Gráfico 59 Dívida das famílias em relação ao PIB (%) 1970 – 2015 Alemanha, Grécia, Japão,
Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
Gráfico 60 Dívidas das empresas não financeiras em relaçã ao PIB 1970 – 2015 Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
A periodização de Streeck [2013 [1] e [2]], apontando como a última causa do aumento da
dívida pública a queda generalizada do crescimento médio nos países da OCDE depois da crise
de 1973/1975, pode ser vista como corroborada pelos dados empíricos. As causas específicas
como a crescente resistência aos impostos nas décadas de 1980 e 2000 levaram nos Estados
Unidos a um corte importante dos impostos para os mais ricos sem diminuir os gastos do
governo nos tempos de Reagan, Bush e Bush filho e a um aumento expressivo da dívida/PIB na
década de 1980, mas na década de 2000 somente com a crise financeira global de 2008/2009,
que começou nos Estados Unidos já em 2007, começou um aumento significativo. Também no
Reino Unido a explosão da dívida pública/PIB somente aconteceu com a crise de 2008/2009.
Para o Japão a história é novamente diferente, aumento expressivo da dívida/PIB depois da
crise de 1973/1975, estabilização depois de 1987 e novamente crescimento explosivo depois
do estouro da bolha especulativa nos mercados acionário e imobiliário em 1990. Para
Alemanha um aumento lento da dívida/PIB depois da crise 1973/1975 até 2010, depois uma
queda (deleveraging).
Na descrição da crise 1973/1974 e nos anos seguintes o próximo capitulo resume a quebra do
sistema monetário internacional de Bretton Woods entre os anos de 1968 e 1973, um sinal
que uma instituição básica do capitalismo global estava ruindo sob as forças dos movimentos
405
A era de Bretton Woods, de 1944 até 1973, foi em geral, com poucas exceções, um período da
estabilidade das taxas de câmbio, inflação baixa (somente até o fim da década de 1960),
desemprego em baixo, crescimento elevado e salários reais em ascensão [Rickards, p.78].
Burda e Wyplosz [2005, p. 394] avaliam o período de Bretton Woods, pelo menos até 1968
positivamente: “Durante muito tempo, o sistema de Bretton Woods funcionou relativamente
bem. A estabilidade da taxa de câmbio prevaleceu. O comércio expandiu-se rapidamente, e
era facilmente financiado pelos saldos em dólares, providos de início pelo Plano Marshall,
depois pelos déficits comerciais dos Estados Unidos e pelos resultantes fluxos de capital. O FMI
tornou-se o respeitado cão-de-guarda do sistema de taxa de câmbio fixa”.
O sistema de Bretton Woods foi diferente do sistema de padrão câmbio ouro no período entre
as guerras mundiais em três pontos importantes: (1) A possibilidade de ajuste das taxas de
câmbio – em princípio fixas – em caso de um ‘desequilíbrio fundamental’ do balanço de
pagamentos80, (2) a possiblidade de controles de capital para diminuir a possibilidade de
ataques especulativos contra uma moeda nacional, e (3) uma instituição supranacional, o
Fundo Monetário Internacional (FMI)81, para monitorar o sistema de taxas de câmbio fixas, as
politicas econômicas nacionais e conceder créditos em uma crise de balanço de pagamentos.
sistema de Bretton Woods esta estreitamente ligada a politica monetária e fiscal expansionista
dos Estados Unidos na decáda de 1960 e da queda das reservas de ouro deste país.
Em 1961 o ‘London Gold Pool’ foi criado para estabilizar o preço de ouro no mercado de ouro
privado. “Com o objetivo de aumentar e estabilizar a oferta de liquidez internacional foi
decidido na Conferencia do Rio, em 1967, criar direitos especiais de saque (DES).” [Burda e
Wyplosz, p. 401]. Os DES [‘Special Drawing Rights’ SDR] são ativos suplementares das reservas
internacionais emitidos pelo FMI, primeira vez em 1969/1970, depois em 1981 e em 1997,
sobre os DES incide um retorno, uma taxa de juros. O valor do DES é calculado por uma cesta
de quatro moedas, que reflete a participação de cada moeda nos negócios internacionais, em
2011 com o dólar americano com um peso de 41,7%, o euro com 37,4%, o iene com 9,4% e a
libra com 11,3%. Em 2015 o yuan (renimbi) chinês entrou na cesta e os pesos dos DES
mudavam: o dólar americano com um peso de 41,73%, o euro com 30,93%, o yuan (renimbi)
com 10,92%, o iene com 8,33%, e a libra com 8,09%. [IMF]
No fim da década de 1960 as crises dos balanços de pagamentos tornavam-se mais frequentes,
em 1967 a libra foi desvalorizada, em 1969 o franco francês, e no mesmo ano o marco alemão
foi valorizado.
Eichengreen [1993, p. 624] descreve seis explicações distintas para o colapso de Bretton
Woods: “diferenças entre as políticas monetárias dos EUA e as políticas estrangeiras, as
diferenças entre as políticas fiscais estrangeiras, o fracasso de países deficitários de
desvalorizar, a falha de países superavitários para revalorizar, um declínio secular na posição
da competitividade internacional dos Estados Unidos, e falhas na estrutura do sistema
(nomeado o dilema de Triffin82). Todas essas hipóteses são familiares a partir da literatura da
década de 1960”.
O mesmo autor [1993, p.650] resume o colapso de Bretton Woods da seguinte forma: “Em
última análise, então, o colapso de Bretton Woods foi atribuído tanto a estrutura do sistema,
como as políticas específicas que os países perseguiram [especificamente os Estados Unidos
depois da quebra do Gold Pool em 1968; A corrida para o ouro foi resultado da especulação
sobre uma possível desvalorização do dólar]. As falhas estruturais do sistema de qualquer
forma, mais cedo ou mais tarde, levariam ao colapso; políticas nacionais e estrangeiras
determinaram apenas o momento do colapso”.
407
Gourinchas [2005] discursa sobre o conceito de privilegio exorbitante dos Estados Unidos de
possuir a moeda mais importante no ambiente global e uma senhoriagem no sistema
monetário internacional de Bretton Woods e depois:
O privilegio extraordinário dos Estados Unidos: a ideia de que posição única de os Estados
Unidos na ordem monetária internacional lhe permite desfrutar de um “privilégio exorbitante”,
nas palavras famosas não do presidente de Gaulle, mas de Guiscard d’Estaing83. Em quatro de
fevereiro de 1965 o presidente francês de Gaulle reclamou em uma conferência famosa de
imprensa no Palácio do Eliseu, que um aumento na oferta de moeda dos EUA levasse ao
aumento das saídas de capitais dos Estados Unidos (...) e seja uma forma de expropriação de
suas empresas nacionais [da França]. Para de Gaulle, o papel do dólar como moeda de reserva
internacional fez com que os Estados Unidos poderiam pedir o dinheiro do resto do mundo,
gratuitamente. Ao imprimir dólares e usá-los para comprar empresas estrangeiras, foi alegado,
os Estados Unidos estavam abusando de sua posição hegemônica no centro do sistema
monetário internacional. Mas essa saída de capital de longo prazo levou a uma fuga contínua
das reservas de ouro dos Estados Unidos, apesar das inúmeras e inúteis tentativas dos Estados
Unidos para limitar o tamanho do déficit da balança de pagamentos.
Esta interpretação do papel dos Estados Unidos no sistema monetário internacional levou a
França de trocar reservas em dólares por ouro com inicio em 1962, a possibilidade de
converter dólares para o ouro foi prevista no sistema de Bretton Woods. Na tabela a seguir
pode se acompanhar a diminuição do estoque de reservas de ouro dos Estados Unidos pelas
compras de França e outros países bem como pelas intervenções dos membros do Gold Pool
no mercado de ouro privado. Esta diminuição do estoque de ouro dos Estados Unidos
acompanhada de um expressivo aumento de suas obrigações líquidas em dólares levou as
crises de confiança nos mercados cambiais nos anos até 1973 previsto no dilema do Triffin.
1950 1960 1965 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973
408
Mundo 31.096 35.892 38.347 36.901 36.192 36.287 36.606 36.575 36.676 36.798
Instituições 1.375 2.197 1.223 1.866 1.749 1.672 3.644 4.530 4.987 4.945
EUA 20.279 15.822 12.499 10.722 9.679 10.539 9.839 9.070 8.584 8.584
Alemanha - 264 3.919 3.757 4.034 3.625 3.537 3.623 3.650 3.658
França 588 1.458 4.182 4.651 3.445 3.152 3.139 3.131 3.132 3.139
Itália 227 1.958 2.136 2.133 2.598 2.627 2.565 2.563 2.562 2.565
Japão 6 220 292 301 316 367 473 604 656 657
Reino Unido 2.543 2.489 2.012 1.146 1.309 1.308 1.198 690 656 653
Suíça 1.306 1.942 2.703 2.745 2.332 2.348 2.427 2.585 2.585 2.588
Fonte: World Gold Council
Embora o sistema de Bretton Woods fosse um regime (padrão dólar ouro) de taxas de câmbio
fixas com relação fixa do dólar ao ouro (em 35 US$ por onça de ouro) com a possibilidade de
ajustes em caso de um desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos com anuência do
FMI, na realidade ajustes foram raros, como o gráfico a seguir mostra.
Gráfico 61 Taxas de câmbio do marco alemão, franco francês, cem ienes (eixo de esquerda) e
da libra (eixo da direita) 1960 até 1980
O banco central alemão Deutsche Bundesbank em seus relatórios anuais de 1967 até 1973
segue os eventos que levavam ao colapso de Bretton Woods. O texto seguinte segue de forma
muito resumida desta descrição.
409
Houve uma crise de balanço de pagamentos do Reino Unido depois da crise no Oriente Médio
em 1967 (a guerra dos sete dias entre Israel [num lado], Egito, Síria e Jordânia [noutro lado]
em junho de 1967) é seguida em novembro de 1967 por uma desvalorização expressiva da
libra (14,3%) e uma corrida ao ouro do Gold Pool em Londres.
O Gold Pool de Londres tinha a função – através da intervenção dos bancos centrais dos
Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha, e da França (até 1967) e outros – de equilibrar
oferta e demanda por ouro no mercado. Embora em tempos da crise o Gold Pool precisava
ofertar ouro, até 1965 o Gold Pool funcionava bem em estabilizar o mercado de ouro e
absorveu ouro em valor de 1,3 bilhões de US$ entre 1961 e 1965. Mas a situação mudou em
1965 com o fim da venda do ouro pela União Soviética e pelo aumento da demanda por ouro,
parcialmente por razões especulativas.
Com a desvalorização da libra em novembro de 1967 a confiança nas moedas centrais como
dólar e libra diminui e uma corrida pelo ouro começou com a expectativa da possibilidade da
desvalorização do dólar em relação ao ouro (preço fixado até agosto de 1971 em 35 US$ por
onça de ouro). Desde novembro de 1967 o Gold Pool perdeu três bilhões de US$ em ouro (com
uma participação dos Estados Unidos em 59% depois da saída da França do Gold Pool em
junho de 1967) na tentativa de estabilizar o preço de ouro. Em março de 1968 as intervenções
foram encerradas e o preço de ouro no mercado privado chegou em junho de 1968 em 41
US$.
As autoridades monetárias decidiam também em março de 1968 usar o ouro monetário oficial
somente para transações entre bancos centrais.
Alemanha (9,1 bilhões de marcos) com a expectativa de uma valorização do marco alemão. O
governo francês não desvalorizava o franco, mas introduziu controles de capital [em agosto de
1969 teve novamente distúrbios do sistema monetário internacional quando o franco francês
depois de maciças perdas de reservas em 1968 e 1969 foi desvalorizado em 11,1%.]. Em 19 de
novembro de 1969 o governo alemão decidiu não valorizar o marco e introduziu impostos
sobre as exportações e diminuição de impostos sobre importações (substituindo uma
valorização). A entrada de capital reverteu-se quando as expectativas de uma valorização
foram desapontadas. O gráfico a seguir mostra o desenvolvimento das reservas internacionais
(ouro e divisas) de Alemanha, França, Japão e Reino Unido, e mostra que depois de 1969 o
fluxo de dólares para os países centrais aumentou expressivamente levando a crise de
confiança sobre o dólar, previsto por Triffin.
Estes movimentos desestabilizadores de capital internacional são uma das causas da quebra
do sistema de Bretton Woods e é consequência da queda da confiança na estabilidade do
dólar. Os problemas do balanço de pagamentos dos Estados Unidos, o aumento da inflação
nos Estados Unidos nestes últimos anos de Bretton Woods, os desequilíbrios fiscais nos
Estados Unidos, consequência dos gastos militares na guerra de Vietnam e dos programas
sociais da Grande Sociedade de Johnson, são no fundo desta queda da confiança no dólar.
Houve o inicio de uma crise do marco alemão na primavera de 1969, quando já em maio
houve influxos de dólares em quantidade maior do que na crise de novembro de 1968, quando
as reservas internacionais da Alemanha aumentavam em 9,1 bilhões de marcos alemães. Entre
28 de abril e 9 de maio de 1969 as reservas de Alemanha aumentavam em 16,7 bilhões de
marcos em antecipação de uma valorização esperada. Mas em 9 de maio o governo alemão
decidiu não valorizar o marco e as entradas diminuíam. Em agosto de 1969 teve novamente
distúrbios do sistema monetário internacional quando o franco francês depois de maciças
perdas de reservas em 1968 e 1969 foi desvalorizado em 11,1%.
Antes das eleições gerais na Alemanha ocidental em 28 de setembro de 1969, onde uma
possível valorização do marco foi um ponto controverso do debate político, a entrada de
divisas novamente aumentou na expectativa de uma valorização do marco (6,3 bilhões de
marcos na semana antes da eleição). Em 25 e 26 de setembro as bolsas para moedas
estrangeiras foram fechadas, em 30 de setembro o governo alemão decidiu deixar o marco
flutuar, a taxa de câmbio do dólar caiu de 3,97 para 3,70 DM/US$ até 24 de outubro
valorizando o marco. Em 24 de outubro o governo alemão depois de uma consulta com o FMI,
decidiu valorizar o marco em 9,3% e definir uma nova paridade com o dólar em 3,66 DM/US$
(antes 4,00 DM/US$). Os agentes econômicos nos mercados cambiais aceitavam a nova
paridade e o influxo de divisas rapidamente tornou-se uma expressiva saída de divisas (23
bilhões de marcos até dezembro de 1969).
Em janeiro de 1970 começou uma distribuição de direitos especiais de saque no valor de 9,1
bilhões de dólares pelo FMI, distribuídos sobre três anos, para aumentar a liquidez
internacional. O ano de 1970 foi um ano de relativa tranquilidade nos mercados cambiais
globais, embora houvesse um curto período de flutuação do dólar canadense e uma curta crise
especulativa contra a lira italiana. Mas houve um expressivo aumento das reservas
internacionais globais neste ano, forçado especialmente pelo aumento das reservas em
412
dólares (as reservas em divisas aumentavam de 28,8 bilhões em fim de 1967 para 43,8 bilhões
de US$ em 1970).
A crise de 1971, o fechamento da janela de ouro por Nixon (agosto 1971) e o acordo
Smithsoniano (dezembro 1971)
A crise econômica global depois de 1973 pode ser visto por diferentes perspectivas. No âmbito
geral o fim da era do ouro foi visto como o fim da era de reconstrução depois da guerra, uma
crise estrutural da sociedade industrial clássica com o advento da terceira revolução industrial
(tecnologias de informação, comunicação e biotecnologia), uma crise social-econômica com o
consumismo e as mudanças dos valores sociais, expressos em diferentes conceitos como
‘sociedade pós-industrial’ (Bell), pós-modernidade (Lyortart), sociedade de riscos (Beck) e
muitos outros conceitos que descrevem de diferentes formas os sentimentos de mudanças
profundas, sem definir exatamente o conteúdo destas mudanças. Possivelmente a queda das
taxas de crescimento nos países centrais depois de 1973 foi também a consequência do fim do
longo período da reconstrução das economias destruídas pela II Guerra Mundial e o início do
funcionamento normal das economias capitalistas sujeitas ao ciclo conjuntural e –
ocasionalmente – a crises mais severas. Especialmente os desafios da terceira revolução
industrial são responsabilizados pelas mudanças, e – em retrospectiva – como uma das causas
da queda do projeto comunista no fim da década de 1980, embora este seja somente um
aspecto da crise dos países socialistas, outro aspecto seja a ossificação burocrática com fortes
restrições da liberdade política, bem como a ineficiência em satisfazer os desejos de consumo
da população.
Um evento importante para explicar a crise é sem dúvida o aumento expressivo dos preços de
petróleo dos países da OPEP (Organização dos países exportadores de petróleo) em outubro
de 1973 e o embargo para Canada, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e os Países Baixos – um
choque adverso da oferta.
temida do que o desemprego. A consequência foi que nos tempos neoliberais seguintes
tentativas de combater o desemprego através de politicas de demanda foram abandonadas.
tempos da Guerra Fria entre o capitalismo global e o socialismo burocrático real na União
Soviética, na China e nos países de Europa oriental.
• A regulamentação dos mercados, com foco no mercado de trabalho e nos mercados financeiros
e nas instituições financeiras, e a regulação macroeconômica (políticas para estabilizar a
demanda agregada) garantem o desenvolvimento equilibrado nos países centrais, evitando um
aumento excessivo das desigualdades de renda e riqueza e a especulação excessiva.
• A presença de sindicatos trabalhistas fortes também representa uma forma de proteger a parte
mais fraca nos mercados de trabalho – a força de trabalho – e garante – pelo menos em teoria
– um poder compensatório para a classe trabalhadora em confronto com o capital. Mas com as
intervenções do Estado este poder compensatório é visto pelas elites como um entrave para
sua posição dominante, para a liberdade individual e empresarial, para os lucros, para a
inovação e para o crescimento, focando nos custos burocráticos e fiscais. A classe média
ascendente nos países centrais ficava também cada vez mais apreensiva aos impostos altos que
financiavam o Estado de bem-estar social, abrindo no fim da década de 1970 uma brecha para
o ataque neoliberal dos governos de Thatcher e Reagan.
• O sistema de Bretton Woods forneceu um sistema monetário internacional mais estável e no
mesmo momento mais flexível do que o regime de câmbio ouro no período entre as guerras e
evita – através de controles dos fluxos de capitais estrangeiros de curto prazo – os problemas
de fluxos internacionais desestabilizadores de capital e da especulação cambial, como nos
últimos anos do regime câmbio ouro entre as guerras. Mas já na década de 1960 os fluxos de
capital internacional desestabilizadores se tornavam maiores e – em último lugar – levavam a
quebra final do regime de Bretton Woods em 1973, corroborando o dilema de Triffin da década
de 1960 onde a liquidez crescente da moeda de reserva internacional do dólar levou a uma
perda de confiança na estabilidade do dólar e aos fluxos internacionais crescentes de capital. O
mercado de eurodólares teve um papel importante para estas tendências.
A parte fordista-taylorista do paradigma keynesiano-fordista considera em primeiro lugar a
organização do processo da produção nas empresas, enquanto a parte keynesiana representa
a regulação macroeconômica e social. A perspectiva fordista-taylorista pode ser caracterizada
pelos seguintes traços estruturantes na organização das empresas:
Este paradigma keynesiano-fordista entrou em crise com a crise econômica nos meados da
década de 1970. Arrighi [2010] argumenta que esta crise também foi uma crise da hegemonia
econômica, politica e militar dos Estados Unidos no nível global. Ele argumenta também que
esta crise foi também um ponto de mudança histórica do capitalismo, mas, embora os sinais
da mudança sejam anotados por muitos observadores econômicos e políticos, o conteúdo da
mudança é menos claro e mais controverso.
Arrighi argumenta também que desde 1970 começavam mudanças na distribuição espacial da
acumulação do capital, o centro da indústria se deslocando dos Estados Unidos e da Europa
ocidental para a Ásia e para outros países emergentes, para países de salários menores, leis
trabalhistas mais frouxas e uma classe trabalhadora mais dócil e menos organizada. O
deslocamento também pode ser visto dentro dos países centrais, a perda da importância das
regiões da indústria pesada (Distrito Ruhr na Alemanha, centro norte industrial de Inglaterra,
‘rust-belt’ nos Estados Unidos) e a ascensão das tecnologias de informação, da comunicação e
de outras novas tecnologias (vale de silício, por exemplo) e dos centros financeiros como
Londres, Nova Iorque, Shanghai, Tóquio, Cingapura, Frankfurt etc. Alguns analistas apontam
418
para uma mudança do capitalismo industrial para um capitalismo financeiro e de serviços nos
países centrais, embora esta tendência seja menos obvia na Alemanha e no Japão.
Streeck [2016, posição 1722 pp.] descreve a mudança estrutural do capitalismo na década de
1970 da seguinte forma:
Em 1971, havia sinais claros de que o mundo do Fordismo pós-guerra - em retrospectiva, idílica
- estava chegando ao fim. À medida que os trabalhadores começaram a se rebelar, exigindo
uma crescente participação nos lucros após duas décadas de crescimento ininterrupto e pleno
emprego, os clientes também estavam se tornando mais difíceis. Em todo o Ocidente, os
mercados de bens de consumo padronizados produzidos em massa, apresentavam sinais de
saturação. As necessidades básicas haviam sido satisfeitas; se a máquina de lavar roupa ainda
estava lavando, por que comprar uma nova? As compras de substituição, no entanto, não
poderiam sustentar taxas de crescimento comparáveis [aos trinta anos gloriosos]. A crise
emergente manifestou-se mais visivelmente entre os produtores de massa prototípicos da era
fordista, a indústria automobilística, cuja capacidade de produção cresceu de forma
desordenada, mas que agora se viu espremida entre a crescente resistência dos trabalhadores
ao seu regime de fábrica taylorísta e a crescente indiferença dos consumidores ao regime de
produção em massa. No início da década de 1970, as vendas do Volkswagen “Beetle”
subitamente caíram e a Volkswagen como empresa entrou em uma crise tão profunda que
muitos a tomaram como o início de seu fim.
Mudanças aconteciam também na organização da produção: a produção fordista em empresas
gigantes, altamente burocratizadas e hierarquizadas e verticalmente integradas dava lugar
para a produção enxuta e flexível em empresas menores com estruturas organizacionais
menos hierarquizadas e mais flexíveis e dando mais espaço para a iniciativa individual e o
trabalho em equipes.
A queda do modelo de socialismo burocrático desde 1989 na União Soviética e nos países de
leste europeu, a introdução de reformas para uma economia de mercado na China desde
1979, a crescente diferenciação da classe média nos países centrais, o enfraquecimento dos
sindicatos e das ideologias de esquerda nos países centrais, a mudança das lutas de classe,
focadas em salários, condições de trabalho e participação nas decisões políticas e econômicas
419
para lutas mais focadas no meio ambiente e na identidade (de gênero, da etnia e sexuais),
levou a um fortalecimento das camadas dominantes nos países centrais.
1970. A indústria de ferro e aço na Alemanha entrava na crise na década de 1970 com o
primeiro choque de preços de petróleo em 1973 que iniciou uma recessão nos países centrais.
A produção de ferro e aço sempre foi altamente sensível nas crises conjunturais e na década
de 1970 a indústria começou a enfrentar no mesmo período demanda em queda, excesso de
capacidade, custos salariais elevados e competidores novos especialmente na Ásia {e depois
no Brasil). Também na década de 1970 a construção naval caiu expressivamente no nível
global, na Alemanha grandes estaleiros entravam na falência ou encerravam suas atividades
(1962 Schlieker Werft Hamburg, 1972 Rolandswerft Bremen, 1973 Deutsche Werft Hamburg,
1983 AG Weser Bremen, entre outros), a queda da demanda com a crise da década de 1970, a
competição de Japão e depois Coreia do Sul foram algumas das causas.
com tarefas diferentes possivelmente em um município diferente e com perdas salariais, se ele
com esta idade ainda teve a chance de um novo emprego. Os problemas sociais foram
parcialmente amenizados por programas de aposentadoria precoce e planos sociais das
empresas. Raphael (2019, p. 9 pp.) conta uma história na perspectiva dos trabalhadores e seus
sindicatos na Alemanha, França e no Reino Unido desta transformação social também
denominada de desindustrialização:
Acima de tudo, as fábricas das "velhas" indústrias - siderúrgicas, minas de carvão, estaleiros e
fábricas têxteis - que formaram a espinha dorsal dessas economias nos anos de boom do milagre
econômico, desapareceram no curso desse processo de transformação e com elas milhões de
empregos; ao mesmo tempo e intimamente ligado à redução do emprego industrial, houve um
aumento significativo da produtividade do trabalho neste setor. Tecnologicamente, essas décadas
foram marcadas pela disseminação do processamento eletrônico de dados, isto é, auxiliado por
computador, em todas as áreas das empresas industriais, desde a produção até o contato com o
cliente, o que resultou em mudanças de longo alcance. (...). As consequências sociais desse
processo foram numerosas e graves. Em meados da década de 1970, os trabalhadores industriais
formavam de longe o maior grupo ocupacional ou de status na maioria dos países da Europa
Ocidental, enquanto hoje a maioria das pessoas trabalha em uma ampla variedade de profissões de
serviços. (...) o motor do pleno emprego baseado na indústria, que funcionou até o início dos anos
1970, começou a gaguejar e houve um retorno do desemprego em massa, especialmente no
desemprego juvenil e de longa duração. Além disso, o conhecimento especializado foi desvalorizado
ou totalmente redefinido, as carreiras tiveram que ser reinventadas e os planos de vida revisados.
Flexibilidade se tornou a palavra mágica da época. (...). Os protagonistas da minha história social do
trabalho industrial são os trabalhadores, os mestres [das obras] e os capatazes, que se viam cada
vez mais marginalizados na percepção do público e, em certa medida, perdiam o foco na discussão
de oportunidades e riscos futuros. (...). Os "custos do progresso", ou seja, processos de declínio
social, crescente desigualdade social e marginalização, aparecem mais facilmente desta forma do
que se tomarmos a perspectiva daqueles que emergiram como "vencedores" desta fase de
convulsão, por exemplo, os empresários e ocupados na indústria de TI [tecnologia da informação] e
do setor financeiro, nas áreas de marketing e de consultoria, bem como em pesquisa e
desenvolvimento.
Antes de voltar para a narrativa de Raphael seja importante resumir a história da indústria de
ferro e aço com sua força de trabalho muitas vezes vista como centro da classe trabalhadora
industrial e seus donos de capital Krupp, Thyssen, Stinnes, e outros vistos como parte mais
politicamente reacionária do empresariado alemão, embora em suas políticas sociais com sua
força de trabalho muitas vezes seguindo politicas paternalistas sociais.
Tarr (1988, p. 174 pp.) considera em 1988 como causas da crise da indústria de aço nos
Estados Unidos e na Comunidade Europeia (hoje União Europeia) começando em 1974 a
entrada de novos concorrentes (neste tempo de Japão) com custos salariais menores e a
queda da demanda (refletida em capacidades ociosas). A tabela seguinte mostra a queda
relativa da produção de aço na Alemanha desde a década de 1960 e nos Estados Unidos desde
a década de 1950, embora a produção absoluta ainda aumenta até a década de 1970. A
ocupação cai desde a década de 1960 com a queda acelerando desde a década de 1970.
422
Tabela 93: Produção de aço bruto, Mundo, Alemanha (e ocupação), Estados Unidos 1950 -
1990
Obviamente uma perda de tantos empregos cria resistência nos trabalhadores atingidos pelo
perigo de desemprego e da mudança da profissão. Embora esta perspectiva dos perdedores da
desindustrialização, da globalização e da mudança política neoliberal é mais um tema para os
capítulos posteriores da era neoliberal, seja importante descrever curtamente os problemas
dos ramos da produção sujeitos a transformações profundas antes da era neoliberal. Raphael
(2019, p. 35 pp.) descreve estas transformações no Reino Unido, na França e na Alemanha da
forma seguinte:
Entre 1975 e 2012, o número de empregos industriais na Grã-Bretanha e na França caiu pela
metade, na República Federal da Alemanha, por um quarto. A participação dos empregados da
indústria no emprego total muda a estrutura econômica e social. Não apenas as fábricas das
"velhas" indústrias, ou seja, siderúrgicas, minas de carvão, estaleiros e fábricas têxteis,
desapareceram no curso da mudança estrutural acelerada pela crise que a indústria manufatureira
da Europa Ocidental experimentou nas décadas de 1970 e 1980, mas toda o setor da indústria
perdeu importância, e na maioria dos ramos, o número de empregados caiu significativamente.
Muitos dos que trabalhavam lá não conseguiram encontrar um novo emprego após sua demissão, o
aumento da taxa de desemprego dos trabalhadores industriais, mas também de técnicos e
engenheiros na Europa Ocidental, especialmente nos anos de 1975 a 2000, foi
correspondentemente forte, definido como um declínio absoluto e/ou relativo no setor industrial
(em termos de emprego e/ou valor adicionado) das respectivas economias nacionais, pode ser
entendido como um efeito colateral de crise de mudanças de longo prazo no curso geral
crescimento econômico e aumento da produtividade nos países da Europa Ocidental no longo
século XX. (...).
Mesmo antes da recessão de 1973/74, os empregos na indústria foram cortados - basta pensar na
mineração de carvão, na construção naval ou na indústria têxtil, mas essas perdas poderiam ser
compensadas inicialmente pela criação de novas oportunidades de emprego, principalmente
novamente no setor industrial. (...).
que foram particularmente afetadas por demissões em todos os três países: trabalhadores e
funcionários não qualificados, idosos, jovens e mulheres, com os primeiros formando o maior grupo
de demissões em todos os três países. (...).
A desindustrialização também significou que toda uma coorte etária, nomeadamente trabalhadores
industriais do sexo masculino com mais de 50 anos, deixou a vida ativa prematuramente; desde o
final da década de 1970, eles estavam entre os primeiros a serem atribuídos à nova categoria
estatística social dos desempregados de longa duração, mesmo que muitos deles logo fossem
capazes de ter uma existência socio-politicamente protegida como aposentados precoces ou
aposentados por invalidez. (...).
Seja na Grã-Bretanha, na França ou na BRD: o velho truísmo liberal "Cada um é o ferreiro de sua
própria fortuna" celebrou um feliz começo nas três décadas que estão em jogo aqui. Mais e mais
amplamente do que nunca, os padrões meritocráticos de interpretação foram usados para legitimar
ou desculpar, tanto a discriminação social quanto os novos privilégios, isto é, para ambos os lados.
Numerosos idiomas políticos e culturais confirmaram esta tendência para uma "liquefação" do
social e para a "subjetivação", que não se alimentava apenas de convicções ortodoxas liberais, mas
também de correntes libertárias, críticas socialistas de esquerda à sociedade afluente e organizada.
cultura de consenso, bem como ideias verdes - alternativas sobre a vida e os negócios. (...).
Obviamente em uma economia prospera com na era de ouro estas crises setoriais podem ser
enfrentadas de forma mais amena quando novos empregos em outros setores surgiam. Num
ambiente onde o desemprego já e elevado e prolongado as consequências para trabalhadores,
municípios e regiões são mais duras.
Na década de 1970 os países centrais enfrentavam uma nova forma de crise econômica: a
estagflação, estagnação ou queda da produção com ascensão do desemprego acompanhada
da aceleração da inflação, que dificilmente pode ser explicado no paradigma keynesiano. Os
gráficos seguintes mostram este cenário desconhecido pelos países centrais.
424
Gráfico 63 Taxa de desemprego na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1970 – 1990
Fonte: BLS
Gráfico 64 Taxa de inflação na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985
Fonte: BLS
425
Gráfico 65 Taxa de crescimento do PIB na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985
Fonte: BLS
A queda do produto, a ascensão do desemprego e da inflação e as crises simultâneas em
1974/1975 e 1980/1982 (nos Estados Unidos com uma curta recuperação em 1981) podem ser
vistos nos gráficos anteriores. Embora as crises nos países centrais na década de 1970 e no
inicio da década de 1980 não foram tão graves como a Grande Depressão dos anos 1930,
obviamente a queda a produção e o aumento do desemprego acompanhado pela aceleração
da inflação foi um cenário até lá desconhecido, comparado com os trinta anos gloriosos das
economias capitalistas no pós-guerra. Em nesta perspectiva a década de 1970 parecia uma
nova crise profunda do capitalismo global. A crise foi vista também como o retorno para o
paradigma do capitalismo normal depois de um período de crescimento elevado incentivado
pela recuperação das economias destruídas pela guerra na Europa e no Japão. O paradigma do
capitalismo normal é caracterizado por períodos de crescimento e inovação interrompidos por
crises conjunturais com desemprego elevado.
As tentativas dos governos na década de 1970 de revitalizar economias estagnadas com
receitas keynesianas acabaram com uma aceleração da inflação e problemas fiscais do Estado
[endividamento crescente]. Ideias alternativas monetaristas para controlar a inflação e ideias
neoliberais de diminuir o peso fiscal e regulatório dos governos na economia através da
liberação da dinâmica de mercados livres para acelerar crescimento, investimento e inovação
ganhavam espaço no ambiente acadêmico e politico. O sucesso destas novas estratégias para
revitalizar o capitalismo estagnado nos países centrais foi somente parcial: sucesso na
426
Na crise de 1973/1974 a economia brasileira mostrou crescimento positivo, mas uma queda
das taxas de crescimento do PIB, da indústria de transformação e do investimento bruto e uma
nova queda em 1977, como o gráfico acima mostra. A crise do choque dos preços de petróleo
de 1979/1981 chega com toda força no Brasil em 1981, onde começa uma recessão profunda
(de mergulho duplo) que somente acaba em 1984. A indústria de transformação mostra uma
taxa de crescimento mais volátil do que a taxa de crescimento do PIB real, a taxa de
crescimento do investimento bruto mostra uma volatilidade expressivamente maior.
Gráfico 67 Taxa de Inflação IPC-FIPE, IGP-DI FGV (%) e taxa de desvalorização cambial da
moeda nacional em relação ao dólar (US) em %, 1960 – 1985
Fonte: IPEADATA
O gráfico mostra duas taxas de inflação para o período de 1960 até 1985 (o índice de prços ao
consumidor e o IGP-DI, um índice de preço mais amplo) com ascensão da taxa de inflação até
1964, recuando lentamente até 1973, em 1974 o efeito do choque dos preços de petróleo é
repassado para a inflação interna, como também em 1979/1980, a taxa de câmbio acompanha
de forma geral a inflação interna, com exceção das maxidesvalorizações em 1964, 1979 e
1983.
428
Gráfico 69 Dívida Externa e Reservas Internacionais (Milh. US$) [Eixo esquerdo] Preço de
Petróleo (US$/barrel) [Eixo direito] 1960-2012
Gráfico 70 Dias de greve (em mil) nos países centrais 1960 até 2008
Fonte: Histat
O gráfico mostra a ascensão das greves antes da crise de 1973/1974 e uma queda lenta nos
anos depois, consequência da segmentação da classe trabalhadora pelo novo paradigma da
produção enxuta e flexível entre força de trabalho central e contingente e pela etnia, pelo
gênero, pela função, pela religião etc, pelo aumento do desemprego, pelo deslocamento da
indústria para países de salários mais baixos em consequência da globalização, pela divisão da
classe trabalhadora em ganhadores e perdedores (‘working poor’) e pelo combate de governos
conservadores ao poder dos sindicatos. Em Alemanha e também em outros países centrais
houve na década de 1960 até a crise uma forte imigração de trabalhadores estrangeiros dos
países do Sul da Europa (Itália, Espanha, Portugal, Jugoslávia e Turquia). A crise reverteu esta
tendência de imigração de trabalhadores estrangeiros depois da crise começavam as primeiras
reações xenofóbicas no ambiente político e social em muitos países centrais. Um dos últimos
combates foi a greve dos mineiros no Reino Unido em 1984/1985 de quase um ano, reprimida
pela primeira ministra Thatcher contra o líder do sindicato dos mineiros Scargill. O gráfico a
seguir mostra o grau de sindicalização em alguns países centrais. Em muitos dos países
escolhidos (menos expressivo na Suécia) o grau da sindicalização começou a cair desde a
década de 1980, especialmente no setor privado com o resultado que em muitos países
centrais a força sindical concentrou se no setor público.
432
Gráfico 71 Taxa de densidade sindical em alguns países centrais (%) 1960 – 2012
Fonte: OECD
Na metade dos anos 1970 começou na maioria dos países centrais a queda da força dos
sindicatos (com exceção dos países nórdicos da Europa), consequência do aumento do
desemprego, da mudança de paradigma de produção, da desindustrialização, de segmentação
da força de trabalho e da ofensiva conjunta do empresariado e dos governos conservadores
contra o poder compensatório dos sindicatos. Em muitos países centrais a maior parte da força
de trabalho sindicalizada encontra-se hoje no serviço público.
A situação de pleno emprego na década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 e o
aumento da combatividade dos trabalhadores conseguiu aumentos salariais expressivos,
parcialmente compensados pela inflação em ascensão como os gráficos seguintes mostram.
433
Gráfico 72 Taxas de crescimento dos salários nominais (%) em alguns países centrais, 1960 –
1985
Fonte: BLS
Gráfico 73 Taxas da inflação IPC (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985
Fonte: BLS
434
Mas a inflação não tirou totalmente os ganhos salariais nominais, até 1974 os aumentos reais
dos salários ficavam expressivos na Alemanha (e em geral na Europa) e no Japão, como o
gráfico seguinte mostra.
Gráfico 74 Taxa dos aumentos salariais reais (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985
Fonte: BLS
Mas os aumentos salarias reais ficavam em alguns anos na Alemanha (e na Europa em geral) e
Japão muito acima dos aumentos da produtividade de trabalho, o que foi também um fator
para o aumento da taxa de inflação antes do choque de petróleo. Este fato levou a uma
redistribuição da renda em favor do fator trabalho e para uma queda da taxa de lucro para o
fator capital. Muitos economistas interpretam esta crise de lucros como uma explicação da
crise começando em 1973/1974 em conjunto com o choque adverso da oferta dos preços de
petróleo em 1973 e 1979. A tabela a seguir mostra o aumento da produtividade de trabalho
nos anos 1960 até 1997 bem como o aumento da produtividade total dos fatores (PTF),
representando o resíduo de Solow, uma estimativa para a taxa de crescimento do progresso
tecnológico. A tabela mostra a queda expressiva da produtividade de trabalho e da
produtividade total dos fatores depois da crise de 1973/1974 em todos os países e na OECD.
O grau da incerteza ou do risco sobe numa crise econômica, bem como a volatilidade de
variáveis econômicas. Numa crise caiam por esta razão não somente as expectativas sobre os
lucros futuros, mas também normalmente os lucros atuais, porque a demanda para os
produtos das empresas e as receitas caiam, enquanto a produção e os custos somente podem
ser ajustados a queda da demanda com defasagens e custos como os juros sobre as dívidas
436
nem podem ser ajustadas. Por esta razão empresas altamente endividadas (alavancadas) são
especialmente vulneráveis nas crises. O endividamento elevado de uma empresa, que pode
aumentar a taxa de lucro em tempos de expansão, pode levar a empresa à falência em tempos
da crise, quando o fluxo de caixa não consegue cobrir juros e amortização e uma rolagem da
dívida e novos empréstimos tornam-se inviáveis.
A maioria dos analistas da crise da década de 1970 aponta uma crise de lucros86 (aperto de
lucros – ‘profit squeeze’) como fator importante na explicação da crise, como, por exemplo,
Streeck [2016, posição 366 p.] “Tenho argumentado que o capitalismo da OCDE tem estado
em uma trajetória de crise desde a década de 1970, o ponto de mudança histórica quando o
contrato social de pós-guerra foi abandonado pelo capital em resposta a um aperto de lucro
global”. As causas deste aperto do lucro são vistos em superinvestimento e superprodução na
era do ouro, criando capacidades excessivas em alguns ramos da produção, a competição
internacional em ascensão com a entrada dos países emergentes como competidores para
produtos industriais, as pressões salariais de uma classe trabalhadora mais combativa nos fins
da década de 1960 e no início da década de 1970, entre outras causas.
Em uma primeira tentativa de analisar empiricamente o aperto dos lucros o próximo gráfico
mostra para os Estados Unidos os lucros corporativos.
Gráfico 75 Índices lucros reais, Compensação real dos empregados, Lucros setor
financeiro/lucros totais (%), Estados Unidos 1960 - 2012
A alta volatilidade dos lucros pode ser vista no gráfico, bem como a queda em cada recessão, a
mais profunda na crise financeira global de 2008/2009. Na crise da década de 1970 a queda
começou já em 1967, com uma recuperação em 1973 e uma nova queda em 1974/1975. Na
Alemanha e na França a queda antes da crise de 1973/1974 foi ainda mais expressiva. Uma
queda mais profunda e prolongada começou com a crise 1980/1982 em 1979 que se
prolongou até 1993. As compensações dos empregados mostram uma volatilidade bem
menor, mas com recuos também nas recessões. A participação nos lucros do setor financeiro
aumentou tendencialmente (com recuos) no período entre 1960 e 2002, quando houve uma
queda em consequência do estouro da bolha das ações das empresas da internet em
2000/2001 e uma queda ainda mais profunda na crise financeira de 2008/2009, mas com
rápida recuperação depois (alguns economistas chamam este processo da ascensão de poder
do setor financeiro de financeirização).
Uma avaliação das tendências e ciclos das taxas de lucros (usando uma relação lucros/capital
próprio) fica mais difícil por causa de diferentes formas de medir o capital próprio, mas
economistas como Brenner [2009] e Kliman [s.a.] apontam para uma queda da taxa de lucro
depois da crise 1973/1974, onde Kliman [s.a. p.3] ainda levanta a hipótese, que a tendência da
queda taxa de lucros não se reverteu depois da crises da década de 1970 e do início da década
de 1980, porque menos capital foi destruído do que na Grande Depressão.
A tabela a seguir [Brenner, 2009, p. 10] mostra que a queda da taxa de lucro começa a cair na
década de 1970 e fica deprimida nas décadas seguintes, embora houvesse queda do
crescimento das compensações reais depois da década de 1970. Este fato pode ser explicado
pela competição global mais acirrada no processo da globalização depois da década de 1970, o
enfraquecimento do fator trabalho e seus sindicatos com a ascensão de políticas neoliberais e
outros fatores.
Tabela 95 Taxas de lucro e crescimento das compensações (dos empregados) Estados Unidos,
Alemanha, Japão
Alemanha
EUA Taxa de EUA Alemanha Japão Taxa de Japão
Taxa de lucro
lucro das Crescimento Crescimento lucro das Crescimento
das
corporações das das corporações das
corporações
não compensações compensações não compensações
não
financeiras reais por hora reais por hora financeiras reais por hora
financeiras
Na crise de 1973/1974 nos Estados Unidos, bem como em outros países centrais, a crise foi
precedida por uma crise de lucro (‘profit squeeze’), que já teve início no fim da década de 1960
causada por aumentos salariais acima de taxas de crescimento da produtividade em queda e
da crescente concorrência internacional. Os dados de Brenner apontam para uma prolongada
queda das taxas de lucros nos países centrais nas décadas depois da crise, mas, obviamente
estas estatísticas no nível macro não mostram as taxas diferenciadas de lucros para diferentes
ramos de produção, nem as taxas de lucros muito mais elevadas para algumas empresas
‘global players’. Parece que as empresas intensivas em conhecimento mostram margens mais
altas de lucro e de maior volatilidade (entre 19,8 para indústria farmacêutica e dispositivos
médicos e 7,8 % para hardware neste ramo) do que bens e serviços de consumo intensivo de
mão de obra (entre 9,3% e 3,5%) e bens de capital intensivo em capital (como, por exemplo,
construção, automóveis e maquinas entre 6,6% e 4,8%) e bens e serviços da infraestrutura
também intensivos em capital (com a indústria de telecomunicação com 13,4% e a indústria de
extração no piso deste setor com 5,8%) [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, Playing to win: The
new global competition for corporate profits, 2015, p. 7].
É importante anotar que os 10% das empresas cotadas em bolsa no mundo concentram 80%
dos lucros [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, Playing to win: The new global competition for
corporate profits, 2015, p. 22].
A crise também foi seguida de uma queda prolongada da participação dos salários na renda
nacional em muitos países centrais, consequência da perda de poder dos trabalhadores e seus
sindicatos, das políticas neoliberais e das mudanças estruturais nos mercados de trabalho,
descrito mais extenso no capítulo sobre as transformações depois da crise. A tabela a seguir
mostra esta queda para os Estados Unidos.
439
Tabela 96 Participação dos lucros, salários e renda dos proprietários Estados Unidos
O gatilho para o choque dos preços de petróleo foi o ataque militar de Síria e Egito contra
Israel em seis de outubro de 1973 (guerra de Yom Kippur), embora com vista à perda de valor
de compra do US$ já havia antes demandas para um aumento dos preços de petróleo pelos
países exportadores de petróleo, e os países árabes da OPEP (Organização dos países
exportadores de petróleo) anunciavam depois do início da guerra uma redução da produção. O
governo dos Estados Unidos entregava armas como ajuda a Israel ainda em outubro. A crise
dos preços de petróleo começou dez dias depois do ataque a Israel, quando os países árabes
da OPEP proclamavam embargo de petróleo aos Estados Unidos e outros países centrais como
reação a ajuda militar destes países para Israel. Um dia depois eles aumentavam os preços de
petróleo em 70%, em dezembro eles amuniciavam outro aumento dos preços, dobrando o
preço de petróleo em relação ao início de 1973 [Judt, 2005, p. 455]. Como o petróleo foi um
insumo importante para os países centrais, especialmente na Europa, o choque adverso de
oferta aumentou ainda as pressões recessivas e inflacionárias.
No gráfico a seguir pode se ver também que a inflação do IPC dos Estados Unidos já estava
acelerando antes do choque dos preços de petróleo por causa dos gastos com a guerra em
Vietnam e dos programas da Grande Sociedade para combater a pobreza do governo Johnson.
Mas a taxa de inflação foi elevada pelos choques de preços de petróleo a níveis de dois dígitos,
levando para tentativas de diminuir a inflação através de um choque heterodoxo
(congelamento dos preços) do governo Nixon já em 1971 e 1973 antes do choque dos preços
de petróleo e em 1979 através uma política extremamente restritiva do presidente do banco
central norte-americano Volcker, que na década de 1980 conseguiu diminuir a taxa de inflação
a níveis mais baixos, mas a custos de uma recessão profunda de mergulho duplo em 1980 e
1981.
440
Gráfico 76: Preços de petróleo (barrel) em US$ correntes, em US$ de 2013 (eixo esquerdo) e a
taxa de inflação nos Estados Unidos (Índice de preços ao consumidor PIB – eixo direito) 1960 –
2015.
Fonte: BP Statistical Review, FRED
Embora a guerra de Yom Kippur foi o gatilho para a crise energética de 1973/1974, é
necessário anotar que os preços de petróleo – precificados em US$ - já foram defasados por
muito mais tempo. A quebra final do sistema de Bretton Woods e com isto as desvalorizações
do dólar americano bem como a perda do valor interno do dólar com a inflação levavam os
países exportadores de petróleo para uma situação em que eles eram pagos para uma
commodity valiosa em dólares que perdiam em valor. Já foi discutido antes na OPEP de
precificar o petróleo não em dólares de papel, mas em ouro. O aumento dos preços de
petróleo em dólares correntes é visível no gráfico, bem como o aumento bem maior em
dólares de 2013. Visível também a ascensão súbita da taxa de inflação nos Estados Unidos com
os choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979 (revolução islâmica no Irã), mas é
necessário reconhecer que a taxa de inflação nos Estados já foi em ascensão antes destes
choques.
O gráfico seguinte mostra o aperto muito forte da politica monetária norte americano, seguida
pelos outros países centrais, depois de 1979 para a taxa básica (Federal Funds Rate), e a taxa
de juros dos bancos para seus melhores clientes (Prime Rate).
441
Gráfico 77 Taxa básica nos Estados Unidos (Federal Funds rate, efetiva) e taxa de juros dos
bancos para seus melhores clientes (prime Rate) 1959 – 2011
Fonte: FRED
A redução da produção de petróleo pelos países da OPEP (e entre eles dos países árabes) pode
ser visto nos seguintes gráficos.
Gráfico 78 Produção de petróleo mundial, OPEP, não OPEP (sem União Soviética antiga), União
Soviética antiga 1960 – 2013
442
O gráfico a seguir mostra a queda temporária da produção dos países da OPEP em 1973 e
depois de 1979 de forma mais prolongada depois da queda do Xá de Irá e da revolução no Irã e
da guerra seguinte entre Iraque e Irã.
Gráfico 79 Produção de petróleo do Irã, Iraque, Kuwait, Saudi Arábia, 1960 – 2013
Fonte: BP Statistical Review
No gráfico pode se ver que os países árabes reduziam a produção de forma diferenciada e
temporária em 1973, embora a redução da produção e o embargo levassem a sérios
problemas para os consumidores de petróleo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, mas
também estimulou os países centrais para políticas de poupar energia e substituir o petróleo
por energias renováveis. Visível também a forte redução de produção de petróleo em 1980 no
Irão e no Iraque que foi consequência da guerra entre estes países entre 1980 e 1988, a queda
da produção de Saudi Arábia começando em 1982 quando os preços já estavam em queda e a
OPEP estava se parcialmente desintegrando e produtores como México, Nigéria e Venezuela
estavam aumentando sua produção. Os preços chegavam a seu piso em 1986, consequência
da queda da demanda, do aumento da produção de países produtores no mar de norte
(Noruega e Reino Unido) e outros países no mundo, entre eles o Brasil. Novamente na crise
financeira global de 2008/2009 e começando em 2014 houve quedas expressivas do preço de
petróleo e ainda em 2017 os preços de petróleo são em um nível muito baixo.
443
A crise energética na década de 1970 foi uma causa importante na eclosão da crise acelerando
uma taxa de inflação já em ascensão e – como choque adverso da oferta nos países centrais-
embora atingisse os países centrais de forma diferenciada, dependendo do grau da
dependência do país da importação de petróleo (muito forte no Japão, Alemanha e França,
enquanto os Estados Unidos estavam produzindo também petróleo, embora a produção
nacional estivesse declinando e somente cobriu certa parte da demanda (até o novo processo
de ‘fracking’ foi desenvolvido na década de 2010)), e o Reino Unido e a Noruega estavam
começando produzindo petróleo no mar do Norte. A crise energética levou também a
mudanças culturais e politicas reforçando as preocupações com o meio ambiente e da
limitação das energias não renováveis e de outros recursos naturais, um problema já descrito
na publicação do Clube de Roma sobre os limites do crescimento em 1972. A crise reforçou
também a criação de movimentos ecológicos e partidos verdes no ambiente político.
A crise energética levou também – pelo menos para mais ou menos uma década – para uma
redistribuição da renda global para países exportadores de petróleo.
Com força desde a década de 1980, mas com os primeiros sinais já antes, uma terceira
revolução industrial mudou as estruturas industriais e a organização produtiva nas empresas.
Mas estas novas tecnologias de informação, comunicação, robótica e inteligência artificial,
bem como novos materiais, e a biotecnologia não mudavam somente o ambiente industrial,
mas também os serviços e a vida das pessoas no mundo. Mas os primeiros sinais destas novas
tecnologias, da crescente competição global bem como das mudanças no comportamento dos
consumidores já tivessem seus impactos na crise da década de 1970 nos países centrais.
Desindustrialização e mudanças para uma participação maior do setor dos serviços no Produto
Interno Bruto (PIB) e no emprego foram problemas que influenciavam também no
desenvolvimento da crise da década de 1970. Na Alemanha os problemas estruturais no ramo
da mineração de carvão (pela ascensão do petróleo para a produção de energia), da indústria
de ferro e aço (pelas supercapacidades globais e a competição global mais acirrada), e da
indústria de construção naval (pela competição acirrada em primeiro lugar com países na
Ásia), levavam já antes da crise para problemas econômicos, sociais e regionais. A crise ainda
levou o setor de construção civil, como foco na construção de infraestrutura, para sérios
problemas por causa da crise fiscal do Estado seguindo a crise de 1973/1974. Com as crises
energéticas e as preocupações ecológicas novas tecnologias de energia renovável entravam no
cenário.
444
Embora o computador pessoal já surgisse na década de 1970, a era digital, da internet e das
novas tecnologias de comunicação somente começou na década de 1980, mas ela influenciou
profundamente nas transformações como impacto da crise da década de 1970 e precisa ser
considerada no capítulo sobre as transformações.
A crise da economia real somente foi percebida como profunda, porque a queda da taxa de
crescimento do PIB e o aumento do desemprego foram comparados às taxas de crescimento e
as taxas de desemprego da era de ouro nas décadas anteriores. A queda da atividade
econômica e o aumento do desemprego foram acompanhados de uma aceleração da taxa de
inflação (estagflação), um fenômeno ainda desconhecido e inexplicável no paradigma
keynesiano. A quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods, a crise
energética na década de 1970, o início da terceira revolução industrial e as mudanças
estruturais no setor industrial, levavam a quedas da produção nas indústrias pesadas nos
países centrais e deslocando produção para países emergentes.
O esgotamento dos modos de produzir, regular, pensar e consumir da era de ouro levava a
transformações profundas do capitalismo global que são tema do capitulo a seguir, mas aqui
se torna necessário um resumo das causas desta crise da década de 1970 e do início da década
de 1980, sem avaliar a importância relativa das causas.
• O esgotamento do modelo fordista taylorista da produção em massa e do
consumo em massa;
• O esgotamento do modelo keynesiano da regulação macroeconômica e os
custos crescentes do Estado de bem-estar social;
• A crescente volatilidade e incerteza nos mercados pela quebra do sistema
monetário internacional de Bretton Woods e o aumento expressivo dos
movimentos internacionais de capital (parcialmente especulativo);
• As crises energéticas da década de 1970
• Aperto de lucro pelas capacidades excessivas em alguns ramos da produção
industrial, da combatividade dos trabalhadores e seus sindicatos, a competição
global mais acirrada pela ascensão dos países emergentes, a regulamentação
pelo Estado, levou a uma “vingança” do capital para se livrar dos grilhões das
regulamentações e das estruturas corporativistas;
• O fim do período da reconstrução depois da guerra, o fim dos ganhos da
produtividade dos países da Europa e Japão pelo processo de ‘Catch-up’ com
os Estado Unidos, também o esgotamento dos ganhos na produtividade pelo
deslocamento da força de trabalho na agricultura para a indústria;
• A mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços,
especialmente a ascensão do setor financeiro;
• Mudanças culturais como individualização e consumismo, valores materiais
perdendo para valores pós-materiais de reconhecimento e entretenimento, a
ascensão das mídias na influência dos pensamentos e valores das pessoas.
Com o olhar para a era de ouro a crise da década de 1970 levou a quedas duradouras do
crescimento do produto e da produtividade e um aumento do desemprego, embora a
aceleração da inflação já estivesse diminuindo no início da década de 1980 nos países centrais
e desde a metade desta década ficou em níveis baixos, depois da crise financeira global de
2008/2009 levando a preocupações com níveis de inflação muito baixos ou mesmo da
deflação. Todos estes fatos caracterizam a crise da década de 1970 como uma crise profunda
do capitalismo global, embora seus impactos nunca alcançassem a profundidade da Grande
446
A globalização é vista como consequência das políticas governamentais nos países centrais
para integrar os mercados nacionais em um mercado global através de redução de tarifas e
outras barreiras do comércio internacional, através da desregulamentação dos mercados
financeiros nacionais e a redução das barreiras para a livre movimentação internacional de
capital. As mudanças nos regimes de regulação e das políticas macroeconômicas são discutidas
aqui somente marginalmente, porque uma discussão mais profunda encontra-se na parte
sobre as transformações ideológicas (do Keynesianismo para o Neoliberalismo). As mudanças
na organização da produção nas empresas são discutidas em primeiro lugar com vista nas suas
447
Globalização
A quebra do sistema internacional monetário de Bretton Woods entre 1971 e 1973, causada
por movimentos internacionais expressivos de capital e pelas políticas macroeconômicas dos
Estados Unidos foi o gatilho para uma transformação das instituições nacionais e
internacionais pelas políticas governamentais nos países centrais.
Gráfico 80 Taxa de crescimento do PIB global (%), Comércio internacional de bens (% do PIB
global), Estoque de investimento direto (Ingresso em % do PIB) 1960 - 2016
O gráfico mostra o forte aumento do comércio internacional (em relação ao PIB global),
começando na década de 1970 e com recuos depois das crises 1973/1974, 1980/1982,
2000/2001 e 2008/2009. O estoque de investimentos diretos começa sua ascensão expressiva
na década de 1990 com um recuo expressivo na crise financeira global de 2008/2009. As duas
variáveis mostram a globalização comercial ganhando força depois da crise de 1973/1974, e a
globalização produtiva com o investimento direto ganhando força na década de 1990.
Tabela 97 Volume diário em negócios com instrumentos cambiais (Bilhões US$ correntes),
Ingresso anual de Investimento estrangeiro direto (Bilhões de US$ correntes), Ingresso de
investimento estrangeiro de portfólio (Bilhões de US$ correntes), PIB global em preços
correntes (Bilhões de US$)
1974 2018
mil % mil %
Agricultura 1.932 7,4 617 1,4
Indústria 12.406 47,3 10.875 24,3
Serviços 11.893 45,3 33.349 74,4
População ocupada 26.231 100,0 44.841 100,0
Autônomos 2.582 9,8 4.215 9,4
Familiares ajudando 1.536 5,9
Assalariados 22.113 84,3 40.626 90,6
Desempregados 582 2,2 1.468 3,2
População economicamente ativa 26.813 100,0 46.309 100
População 62.991 83.019
Fonte: Statistisches Jahrbuch BRD
A tabela mostra o caminho da Alemanha para uma sociedade de serviços, com queda
expressiva da importância do setor industrial e do setor de agricultura. É importante anotar
que o conceito dos desempregados é visto por diferentes perspectivas, os dados aqui do
anuário estatístico de Alemanha são menores do que os da Agência de trabalho e são
comparáveis as estimativas no conceito da ILO.
Tabela 99: Ocupação nos ramos da produção (%) Alemanha 1970, 1991 e 2019
Entre 1970 e 2019 houve uma forte retração relativa da ocupação nos setores da indústria e da
agricultura e aumentos diferenciados nos ramos do setor de serviços. Em relação ao valor
adicionado a queda do setor industrial não é tão grande como na ocupação.
Uma análise das causas dos ciclos conjunturais e das crises mais profundas do capitalismo
global na perspectiva de diferentes correntes de pensamento econômico é feita em um
capítulo posterior, aqui a mudança do paradigma de regulação macroeconômica nos moldes
keynesianos para o paradigma de regulação neoliberal é resumida, uma análise mais profunda
encontra-se num capítulo posterior.
Com a eleição do governo conservador de Thatcher no Reino Unido em 1979 (e seu governo
como primeira ministra entre 1979 e 1990) e a eleição do governo do partido republicano de
Reagan no ano seguinte (e sua presidência de 1981 até 1989) o paradigma neoliberal começou
a tornar se hegemônico nos países centrais, embora já com o golpe militar de Pinochet em
Chile em 1973 e na sua ditadura militar até 1990 as receitas neoliberais dos ‘Chicago Boys’ de
Friedman foram aplicadas. Embora as medidas neoliberais de regulação macroeconômica
fossem introduzidas de forma diferenciada na década de 1980 nos países centrais, a mudança
do foco das políticas econômicas em combater o desemprego para o combate da inflação pode
ser visto em muitos países centrais nesta década. Políticas monetárias para controlar a inflação
substituam políticas fiscais para estabilizar produção e emprego, políticas de austeridade
tentavam equilibrar as contas públicas, com foco nos cortes de benefícios de Estado de bem-
estar social (embora estes cortes enfrentassem forte resistência da população), políticas de
diminuir os impostos para corporações e as camadas abastadas tentavam estimular
investimento, crescimento e inovação, mas acabavam com uma redistribuição da renda de
baixo para cima.
É importante enfatizar que o enfraquecimento da eficácia das políticas fiscais foi também
consequência da globalização, que diminui o multiplicador fiscal porque parte do estimulo
453
para a demanda agregada num país está se esvaziando para outros países em uma economia
aberta, e porque a política fiscal torna se menos eficaz num regime de câmbio flexível e
movimentação internacional de capital menos controlada. Em países com grande parte da
economia em propriedade pública políticas de privatização tentavam diminuir o papel do
Estado na economia para, supostamente, acabar com a ineficiência e corrupção da gerencia
pública e estimular a iniciativa privada, também para aliviar a pressão sobre as contas públicas.
As primeiras décadas pós-guerra foram caracterizadas nos países centrais pela predominância
de grandes empresas na produção industrial, embora existisse também uma quantidade muito
maior de pequenas e médias empresas. No exemplo da indústria automobilística pode se
melhor explicar as características centrais da produção fordista-taylorista nestas primeiras
454
Para muitos, menos a força menos qualificada e com salários menores - em primeiro lugar
trabalhadores estrangeiros e mulheres, esta forma de organização garantiu um emprego
seguro com salários razoáveis e uma rede de segurança pelos benefícios do Estado de bem-
estar social em caso de doença, do desemprego e da velhice. A gerência enfrentou os
problemas de burocratização dos processos de trabalho com a criação de uma ampla camada
de gerencia média. A elite gerencial foi menos dependente dos proprietários (dos acionistas
em caso da sociedade por ações), uma divisão entre propriedade da empresa e de seu
gerenciamento tornou-se geral, já descrito na década de 1940 como revolução gerencial. A
gerência nos tempos da globalização e da competição internacional precisava enfrentar com a
nova centralidade do objetivo central do ‘shareholder value’, focando em lucros de curto
prazo, novamente a intromissão dos acionistas e das empresas de ‘private equity’. Uma
empresa com lucros insatisfatórios enfrentava o perigo de aquisição ou fusão, a elite gerencial
o perigo de ser substituída, embora com compensação farta.
da crise econômica da década de 1970 nos países centrais, fomentado também pelas
inovações tecnológicas e ideológicas.
Nos países centrais, mas também nas economias emergentes como o Brasil (onde as
transformações são descritas nos capítulos a seguir sobre a crise da dívida externa da década
de 1980), o mundo de trabalho desde a crise de 1973/1974 estava em transformações
profundas, embora as mudanças mais profundas somente fossem sentidas plenamente nas
décadas seguintes. Na discussão sobre as causas das transformações no mundo de trabalho
encontram-se perspectivas diferentes, apontando para:
brancos de 25,9% para 23,1%. O trabalho de qualificação baixa [de serviços, não há dados para
colarinhos azuis] aumentou de 12,9% para 15,7% [e na agricultura diminui de 0,9% para 0,7%].
Para países europeus Goos [2013, p. 39] mostra também uma polarização nos empregos,
houve em todos os países escolhidos [16] entre 1993 e 2010 uma queda expressiva dos
empregos com salários médios de -5 até – 15 pontos percentuais, um aumento expressivo dos
empregos com salários altos de 5 até 15 pontos percentuais e um aumento ou estagnação dos
empregos com salários baixos entre – 2 pontos percentuais (2 casos) e 7 pontos percentuais.
Uma pesquisa da OCDE [Berger e Frey, 2016, p. 29] mostra mudanças de emprego em 10
setores em 12 países da OCDE (Dinamarca, Japão, Coréia, Chile, México, Estados Unidos,
Espanha, França, Reino Unido, Itália, Países Baixos e Suécia) entre 1990 e 2010. Com um
aumento total em 52,2 milhões de empregos houve uma queda expressiva no setor de
manufatura de 17,4 milhões de empregos (acompanhado de uma queda no setor de
agricultura de 6,7 milhões de empregos), embora houve os aumentos mais expressivos nos
setores de serviços públicos (governo) de 24,3 milhões seguido pelo setor de finanças, seguros,
imobiliária e serviços para empresas de 20,8 milhões e do setor de comércio, restaurantes e
hotéis de 14,7 milhões. Na Alemanha houve no setor de indústria (um pouco mais amplo do
que o setor de manufatura) uma queda de 1991 até 2010 de 2,3 milhões de empregos saindo
de uma base de 11 milhões em 1991 [Dados de AMECO]. Os dados para os BRIC (sem Rússia)
para o setor da manufatura, seguindo a mesma base de dados que a pesquisa da OCDE usou
[GGDC 10 Sector Database, http://www.rug.nl/ggdc/productivity/10-sector/], mostram um
aumento do emprego na manufatura, embora os dados citados acima mostram uma forte
tendência de desindustrialização nos 12 escolhidos países da OCDE. É importante anotar que,
embora da tendência ascendente do emprego no setor da manufatura no Brasil no período,
desde da década de 1990 houve uma queda relativa do setor de manufatura no emprego total.
Tabela 100 Emprego no setor de Manufatura nos Países BRIC (sem Rússia) (milhões de
empregos) 1970--2010
Desemprego elevado e prolongado e precarização das condições de trabalho são os fatos mais
sombrios das décadas no fim do século XX e no novo século nos países centrais. Também no
Brasil desemprego, precarização das relações de trabalho e informalidade são problemas
sérias que grande parte da população enfrenta, embora houvesse melhorias significativas sob
os governos de Lula de Silva e no primeiro governo Rousseff, mas com a crise econômica e
política começando no fim de 2014 o cenário tornou-se novamente mais sombrio. Mas este e
o assunto dos capítulos seguintes onde o foco é o Brasil.
Desemprego significa não somente uma perda de produção e um padrão de vida mais baixo
para um país, mas também sofrimento humano para os desempregados e suas famílias e
perda de renda, de autoconfiança e doenças psíquicas e físicas. Desemprego, especialmente
desemprego em longo prazo, é também a porta de entrada para a pobreza e a exclusão social.
Precarização das relações de trabalho sinaliza uma situação precária em relação ao
salário/renda e/ou em relação à forma de contratação (temporária, contingente, informal ou
sem cobertura das leis trabalhistas e da previdência social). Significa também insegurança
econômica e social para o trabalhador e a possibilidade de cair na pobreza e na exclusão social.
Década 1960 Década 1970 Década 1980 Década 1990 Década 2000 Década 2010
Alemanha 0,8 2,3 6,1 7,2 9,0 5,0
Qualificação baixa *12,8 15,9 **12,9
Estados Unidos 4,6 6,3 7,1 5,8 5,5 7,2
Fonte: OECD.stat, cálculos próprios
*1992-1999 (sem 1998), **2010-2014
Empregos atípicos não são automaticamente empregos precários, são precários somente
quando não garantem a segurança contra os riscos sociais como doença, idade, desemprego e
pobreza. A tabela a seguir mostra algumas tendências do aumento dos empregos atípicos na
Alemanha.
A tendência geral é o aumento dos empregos, dos empregos ‘normais’ e atípicos desde 2000,
onde todos os empregos atípicos tem certo recuo em 2018 em relação a 2010 com exceção do
emprego temporário de aluguel onde houve aumento de 2010 para 2018.
Em uma perspectiva mais extensa: o trabalho em tempo parcial aumentou de 12,5% em 1982
para 18,3% em 1994 recuando para 13,8% em 2018, grande parte do trabalho em tempo
parcial é trabalho feminino. Enquanto a taxa de trabalho em tempo parcial para as mulheres
aumentou de cerca de 10 % em 1970 para 38% em 1996, a taxa para homens aumentou no
mesmo período de cerca de 1% para 4%. A estimativa do trabalho atípico por conta própria
(1996/IAB) é de 431.000 trabalhadores e para os trabalhadores em casa e de teletrabalho não
são acessíveis estimativas. Geralmente os empregos atípicos estão aumentando, mas existem
limites para este tipo de emprego, porque os custos de transação são também relevantes. O
problema dos empregos atípicos é que a precariedade prevalece para muitos deles.
A mesma fonte [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, 2008] mostra também a crescente globalização
financeira através do crescimento dos fluxos de capital trans-fronteiras, que cresciam de 1990
até 2007 de 1,1 trilhões de US$ (5,2 % do PIB mundial) para 11,2 trilhões de US$ (20,5% do PIB
mundial), uma taxa de crescimento no período de 918% (anualizada de 14,6%). O gráfico a
seguir mostra o desenvolvimento dos fluxos de capitais transfronteiras. Em 2008 houve uma
queda de 82% nos fluxos de capitais transfronteiras globais (MC KINSEY GLOBAL INSTITUTE,
2009).
É importante acrescentar que os dados sobre os estoques de ativos financeiros no nível global
e os fluxos de capital trans-fronteiras não incluem os derivativos, que tinham também um
aumento explosivo neste período, especialmente no segmento dos credit default swaps (SINN:
2009). Mas esta narrativa encontra-se em um capitulo posterior.
O tempo depois da Segunda Guerra Mundial até a década de 1990 foi caracterizado pelos
impactos da guerra fria, “a época em que uma rivalidade global entre os Estados Unidos e a
União Soviética dominava os assuntos internacionais” [Leffler e Westad, Volume I, 2010,
posição 257, pp], a rivalidade entre um sistema de capitalismo global, liderado pelos Estados
Unidos num lado, e um sistema de socialismo burocrático noutro lado, liderado pela União
466
Soviética pelo menos até a década de 1960, quando começou a cisão ideológica entre a União
Soviética e a República Popular da China. O início da guerra fria é datado por muitos históricos
no fim da década de 1940, quando a aliança dos tempos da guerra entre os Estados Unidos (e
o Reino Unido e outros aliados) e a União Soviética desabou. Esta luta entre os dois sistemas
influenciou a história global nas áreas da política, dos conflitos socais e militares, da economia
e da ideologia até chegou na década de 1990 no ‘fim da história’ na formulação de Fukuyama
[2006, posição 78 pp.] argumentando que “a democracia liberal pode constituir o "ponto final
da evolução ideológica da humanidade" e a "forma final do governo humano"” e o capitalismo
como único sistema econômico viável. A história das décadas depois da queda da União
Soviética levou a sérias dúvidas sobre este otimismo de Fukuyama, também por ele mesmo,
especialmente sobre a viabilidade de um capitalismo global fora dos trilhos depois da crise
financeira global. Embora na Guerra Fria nos países da Europa não houve guerras quentes, as
guerras, revoluções e conflitos dos processos de descolonização deslocavam se para a
periferia: Coreia, Argélia, Cuba, Vietnã, as colônias africanas de Portugal, Nicarágua, Irã são
somente alguns exemplos destes conflitos.
Como os impactos da crise da década de 1970 para o Brasil são discutidos num capítulo
posterior sobre a crise da dívida externa da década de 1980, o foco na discussão das
transformações políticas nos países centrais está nas mudanças das ideologias econômicas
prevalecentes – do Keynesianismo para o Neoliberalismo -, já discutidas em muitos lugares
anteriores e a serem também discutidas em lugares posteriores. Esta mudança foi
personalizada em primeiro lugar pelos governos de Thatcher no Reino Unido desde 1979 e do
governo de Reagan nos Estados Unidos desde 1981. As receitas do neoliberalismo incluem
privatização, desregulamentação, livre comércio internacional, e livres fluxos internacionais de
capital. As tentativas de redimensionar o papel do Estado na economia, especialmente cortar
leis trabalhistas, disciplinar e enfraquecer os sindicatos trabalhistas e cortar os benefícios do
Estado de bem-estar social teve sucessos diferenciados: nos países anglófonos os sucessos
foram maiores, nos países nórdicos da Europa e no continente europeu os sucessos foram
menores e a resistência mais forte.
Funke, Schularick, e Trebesch [2015, p. 2] advertem que “com a catástrofe da década de 1930
em mente, o medo da radicalização política na sequência dos desastres econômicos e
financeiros é grande no discurso público.” Analisando as mudanças nas eleições dos países de
G7 [Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido] na década de 1970
e depois começando com os países anglófonos, seguidos pelos países da Europa continental e
finalmente Japão, é possível fazer as seguintes afirmações88:
– 2007) e Brown (2007 – 2010) tocavam pouco na herança neoliberal dos governos
Thatcher e Major, tentando programar um neoliberalismo com face mais humana.
• Canada, como outros países centrais, experimentou crescimento rápido com expansão
do Estado de bem-estar social antes da crise (taxa média de crescimento do PIB de
1961-1973 de 5,2% a.a., taxa média de inflação de 3,3 % a.a., taxa média de
desemprego 5,1%). A crise da década de 1970 e depois mudou o cenário com uma
taxa média de crescimento do PIB entre 1974 e 1983 de 2,7 % (e uma recessão em
1982 com – 3,2%), taxa média de inflação de 9,4% e uma taxa média de desemprego
de 8,2%). O partido liberal (centro) foi no governo praticamente todo tempo de 1963
até 1984 (com um curto intervalo em 1979/1980 de um governo conservador –
direita), de 1984 até 1993 o governo conservador foi no poder. Na década de 1980
começou a introdução de alguns pontos na agenda neoliberal, mudando o foco para a
política monetária, para abertura da economia, empoderando elites empresariais e
enfraquecendo os trabalhadores e suas organizações.
• Na Alemanha o maior período da era de ouro do pós-guerra foi governado por uma
coalização centro-direita, somente em 1966 a esquerda conseguiu parte de poder
numa coalização centro-esquerda sob o chanceler Kiesinger (Partido Democrata
Cristão CDU – centro), depois de uma curta e leve recessão em 1966. Em 1969 a
esquerda ganhou as eleições e fiz sob o chanceler Brandt (SPD Partido
Socialdemocrata – esquerda) em uma coalização com os liberais (FDP Partido Liberal
democrata – economicamente à direita). O governo Brandt tentou – depois da revolta
dos estudantes em 1968 – governar sob a mantra “Ousar mais democracia (‘Mehr
Demokratie wagen’) ” empoderando o povo e tentando implementar medidas mais
sociais. Mas o maior sucesso de Brandt foi sua política externa, onde ele conseguiu
implementar políticas de détente e de paz com os países no leste europeu que foram
vítimas da agressão de Hitler na Segunda Guerra Mundial, bem como com o governo
de Alemanha oriental. Quando Brandt assumiu o governo em 1969 o cenário
econômico da Alemanha ocidental não poderia ser melhor: [Scherf, 1986, p. 5] A taxa
de crescimento do PIB em 1969 de 7,5% a.a., a taxa de inflação de 2% a.a., a taxa de
desemprego em 0,8%, um superávit expressivo na conta corrente, um superávit nas
finanças públicas [1,2% do PIB] e uma taxa de investimento bruto de 26,1%. No fim do
governo Brandt em 1974 a situação econômica de Alemanha já piorou [CPDS,
Germany]: uma taxa de crescimento do PIB de 1% a.a. (em 1975 de -0,9%), uma taxa
de inflação de 7% a.a., taxa de investimento bruto de 22,1% do PIB (19, 7% {Scherf,
1986, p. 8] e um déficit público de -1,6% do PIB (em 1975 de – 5,6%), embora a queda
470
do governo Brandt não fosse consequência da crise econômica, mas de uma crise
política, Brandt renunciou como chanceler em 1974 depois de um dos seus assessores
mais próximos foi exposto como agente da Stasi, o serviço secreto da Alemanha
Oriental. Assumiu Schmidt, também do partido socialdemocrata, (em coalização com
os liberais) mais focado na política econômica e tentando com programas conjunturais
estimular a economia e reverter a crise econômica. Mas com o novo choque dos
preços de petróleo em 1979/1980 faltavam alternativas, programas e apoio político e
em outubro de 1982 houve a mudança para uma coalização centro-direita com os
liberais sob o chanceler Kohl (do partido cristão-democrata). A crise econômica, com
uma taxa de crescimento de -1,1% a.a., uma taxa de inflação de 5,3% a.a., uma taxa de
desemprego de 7,6% e um déficit fiscal de – 3,4% [Scherf, 1986, p. 7 p.]., foi uma causa
importante da mudança política com tentativas de implementar a agenda neoliberal.
O governo de Kohl durou até 1998, lembrado e primeiro lugar pela reunião de
Alemanha em 1990, a mudança na política econômica em direção da agenda
neoliberal foi muito cautelosa, no governo seguinte de Schröder (partido
sociademocrata em coalição com o partido verde) desde 1998 até 2005 houve
mudanças muito mais profundas em direção da agenda neoliberal.
• Na França as décadas de 1950, 1960, e 1970 foram caracterizadas pelos governos da
direita ou coalizações de centro-direita sobre os presidentes de Gaulle (1958 – 1969),
Pompidou (1969 – 1974), d’Estaing (1974 – 1981) (todos de centro-direita). Os anos
entre 1947 e 1973 foram, como em outros países centrais, anos de crescimento rápido
da renda, de emprego, e do Estado de bem-estar social, lembrados como os trinta
anos gloriosos. A crise da década de 1970 levou a um período de instabilidade, embora
os problemas econômicos fossem menos graves do que em outros países centrais. Os
governos mugavam entre esquerda e direita (coabitação de um presidente de um
partido com governos de partidos da oposição) sob o presidente Mitterrand (partido
socialista) de 1981 até 1995. Numa primeira tentativa de Mitterand e do governo da
esquerda de 1981 até 1983 de reaquecer a economia com uma política fiscal
expansionista, políticas de nacionalização de certas empresas e medidas favorecendo
os trabalhadores, restrições externas (a conta corrente piorando, o franco se
desvalorizando e as reservas internacionais diminuindo) forçavam o fim das políticas
expansionistas. Agendas neoliberais na França nas décadas seguintes sempre foram
realizadas em pequenas doses, de forma pragmática e sob forte resistência dos
trabalhadores e seus sindicatos. A pesquisa de Amable, Guillaud, e Palombarini [2011]
471
Tabela 103 Coeficiente de Gini da distribuição de renda da população total – países escolhidos
dos 34 países da OECD
Classifica
Na Na Na Na ção entre
metade metade Fim dos metade metade Fim dos 34 países
da da anos da da anos da OECD
década década 2000 década década 2000 Fim dos
de 1970 de 1980 de 1970 de 1980 anos
2000
Antes dos impostos e transferências Depois dos impostos e transferências
Alemanha n.d. 0,439 0,504 n.d. 0,251 0,295 21
Estados Unidos 0,406 0,436 0,486 0,316 0,337 0,378 4
França (1) n.d. 0,473 0,483 n.d. 0,300 0,293 24
Japão n.d. 0,345 0,462 n.d. 0,304 0,329 11
Reino Unido 0,338 0,419 0,506 0,268 0,309 0,342 7
Suécia 0,389 0,404 0,426 0,212 0,198 0,259 30
Fonte: OECD, (1) Metade da década de 1990, n.d. não disponível
Tabela 104 Participação dos 1% mais ricos na Renda em países centrais escolhidos 1950 até
2008
heranças mostra a mesma tendência. Neste sentido pode se falar de uma vingança de capital
depois da virada neoliberal.
Tabela 105 Topo da taxa marginal de imposto de renda para países escolhidos 1913 – 2013
As tabelas a seguir mostram as tendências sociais de forma mais geral no novo século para
países escolhidos, mostrando diferenças expressivas entre os países centrais, e, obviamente,
também para o Brasil. Mas não é possível descrever todo o cenário atual de forma pessimista,
há importantes mudanças sociais no reconhecimento e na participação de gênero e de grupos
minoritárias em muitos países. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da UNDP um
valor maior mostra um nível de desenvolvimento humano maior (incluindo, renda, saúde e
educação). No nível de igualdade de gênero um índice menor mostra o maior nível de
igualdade, como no coeficiente de Gini.
Taxa da
IDH Rank IDH
População Rank Taxa
ajustado ajustado
Gini Carcerária da Popula-
IDH IDH Rank pela pela
País Renda por ção Carce-
2011 2011 desigualda desigualda
2011 100.000 rária 2010
-de de
2010 ou ou antes
2011 2011
antes
Alemanha 0,905 9 0,842 9 0,283 83 162
Brasil 0,718 84 0,519 97 0,539 260 49
Estados Unidos 0,910 4 0,771 23 0,408 780 1
França 0,884 20 0,804 20 n.d. 102 146
Japão 0,901 12 n.d. n.d. n.d. 55 193
Reino Unido (1) 0,863 28 0,791 32 n.d. 154 92
Suécia 0,904 10 0,851 15 0,250 70 175
Fonte: UNDP, http://www.prisonstudies.org
(1) England & Wales
475
A transformação mais importante como impacto da crise da década de 1970 pode ser visto nos
ataques da agenda neoliberal contra os benefícios do Estado de bem-estar social. Nas décadas
depois da Segunda Mundial uma ampliação dos benefícios do Estado de bem-estar social foi
vista como uma necessidade ética com a população, não esquecendo a competição dos
sistemas na Guerra Fria. Obviamente uma ampliação do Estado de bem-estar social teve a
consequência da maior intervenção do Estado na economia, de maiores impostos e do
crescimento da burocracia estatal. Mas numa economia capitalista nos países centrais em
plena expansão estes custos pareciam justos. Quando na crise da década de 1970 a situação
476
mudou, os custos fiscais cresciam enquanto as receitas do Estado diminuam e a luta pela
distribuição da renda nacional entre as classes e camadas sociais aumentou, o Estado de bem-
estar social entrou na mira das elites políticos e empresariais.
O Estado de bem-estar social pode ser descrito como o conjunto das instituições, leis e normas
que orientam as políticas públicas sociais de um país. Historicamente a igreja foi a instituição
mais importante para cuidar dos pobres. Com a industrialização e urbanização das sociedades
no século XIX (e com a crescente secularização das sociedades) o conflito econômico, político,
e social entre trabalho e capital tornaram se o ponto crítico da questão social. As primeiras leis
da previdência social na era de Bismarck na Alemanha na década de 1880 teciam uma rede de
segurança precária contra os riscos da vida do trabalhador (acidentes, doenças,
envelhecimento) e foram também medidas dos conservadores para evitar o crescimento do
movimento trabalhista (os sindicatos trabalhistas e os partidos trabalhistas, na Alemanha o
partido social democrata neste tempo). A luta pela expansão dos direitos políticos e sociais da
população e da solidariedade com os desfavorecidos foi um dos objetivos sociais dos
movimentos trabalhistas, embora a introdução das políticas públicas sociais fosse, as vezes,
feito por governos conservadores (por exemplo, Bismarck) ou planejado por liberais, como o
plano Beveridge (1942) no Reino Unido, mas as ideias de plano Beveridge foram parcialmente
realizadas pelo governo trabalhista depois da II Guerra Mundialno Reino Unido. Na Europa as
duas guerras mundiais davam impulsos importantes para a extensão do Estado de bem-estar
social, bem como o conflito ideológico entre o socialismo burocrático no leste de Europa e o
capitalismo na Europa ocidental (a guerra fria até a década de 1990).
Somente com a crise do capitalismo global na segunda metade da década de 1970 e diante,
com a ascensão do neoliberalismo na década de 1980, com os governos de Thatcher (início em
1979) no Reino Unido e Reagan (início em 1981) nos Estados Unidos, com a queda do
socialismo burocrático na União Soviética em 1991, começou um período de tentativas
politicas nas economias centrais para restringir o Estado de bem-estar social e diminuir seus
benefícios com o objetivo de diminuir os custos fiscais das políticas públicas sociais em tempos
da crise, do desemprego elevado, da crescente desigualdade social e do aumento da pobreza.
O Estado de bem-estar social cria, na visão dos neoliberais, uma cultura de dependência e
aproveitadores do sistema que impedem os esforços próprios dos desfavorecidos e cria
problemas fiscais para o Estado financiando estes gastos sociais. Como a crise prolongada
depois de 1973 levou as sociedades nos países centrais (menos nos países nórdicos da Europa
com um Estado de bem estar-social forte) para um aumento das desigualdades e a divisão das
477
Os objetivos do Estado de bem-estar social são tecer uma rede de segurança contra os riscos
de vida (doença, invalidez, envelhecimento, desemprego, pobreza etc.), garantir certa justiça
social, fortalecer a coesão social, e evitar ou amenizar conflitos sociais. Uma sociedade
democrática precisa de solidariedade com os mais fracos da sociedade e precisa dos benefícios
478
de um Estado de bem-estar social. Obviamente com isto cria se mais burocracia, criam-se
ineficiências, criam se aproveitadores (‘rent-seeking’), mas esquecendo nesta argumentação os
benefícios que as elites aproveitam. Mas isto não são argumentos contra as políticas públicas
sociais, mas um lembrete para criar políticas públicas sociais coerentes e eficientes e evitar
mais burocracia.
Políticas públicas sociais são intervenções do Estado na economia e na sociedade civil para
diminuir a desigualdade de renda e riqueza numa economia de mercado (economia
capitalista), combater a pobreza, e diminuir os conflitos sociais. As políticas públicas sociais do
Estado têm o objetivo de garantir uma rede de segurança social para os desfavorecidos de
uma economia capitalista, para os desempregados, os idosos, os inválidos e doentes, em geral
para os pobres e excluídos do sistema capitalista de produção. As políticas públicas sociais
incluem também ações afirmativas para abrir oportunidades para grupos sociais
historicamente discriminadas. As políticas públicas sociais do Estado refletem se em gastos
sociais do Estado, transferências de renda ou em espécie. Os gastos sociais são financiados
através de impostos, contribuições dos trabalhadores e patrões para a previdência social e
endividamento do Estado (pela emissão de títulos de dívida). Existem diferentes misturas de
financiamentos através de impostos e/ou de contribuições em diferentes países e para
diferentes políticas públicas sociais. Enquanto o Keynesianismo em sua fase hegemônica
depois da II Guerra Mundial enfatizava a importância do Estado de bem estar social (a
totalidade das políticas sociais do Estado) para garantir a estabilidade social em tempos da
Guerra Fria, a ascensão do neoliberalismo na década de 1980 e a queda do socialismo
burocrático no leste europeu começando em 1989 levavam nas economias centrais para um
aumento do desemprego, da desigualdade da renda e da riqueza e a tentativa de desmontar
parcialmente o Estado de bem estar social. Estas tendências levavam críticos a falar de uma
“vingança do capital” (Streeck, W. 2013), “o capital está de volta” (Piketty, 2014) e o investidor
Warren Buffett, entre os mais ricos do mundo, falava “Existe uma luta de classes, tudo bem,
mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo a guerra, e nós estamos ganhando. ” (NYT
479
2006). Parece que depois do livro de Piketty (2013), “Capital in the 21st century” a discussão
sobre a crescente desigualdade de renda e de riqueza está novamente voltando para o centro
da discussão econômica e política.
Um dos aspectos marcantes da vida social moderna (e pós-moderna) é a sua maior diferenciação -
os milhares de tarefas diversas, papéis e caminhos de desenvolvimento que as pessoas realizam. Em
termos ideológicos, somos confrontados com a individuação: a capacidade das pessoas de escolher
entre conjuntos de ideias agora é legitimada publicamente por culturas e organizações políticas
simpatizantes da escolha pessoal. (...). Ao incentivar a variedade e a originalidade, o liberalismo é
mais adequado do que outras ideologias para manter um grande grau de diferenças estruturais e
centrífugas. (...). As imagens são fundamentais para todas as principais famílias ideológicas - a
pomba da paz é um símbolo liberal [e socialista] internacionalista; o movimento socialista privatizou
a cor vermelha, politicamente falando; (...). As ideologias refletem o fato de que a conduta sócio-
política não é inteiramente ou meramente racional ou calculadora, mas de forma altamente,
centralmente e, muitas vezes, saudavelmente emocional (...). Os grupos sociais operam com base
em rituais, preconceitos, histórias e histórias compartilhadas - elementos que as ideologias
incorporam. (...). As ideologias competem sobre o controle da linguagem política, bem como sobre
os planos de políticas públicas; de fato, sua competição em relação aos planos de políticas públicas
é conduzida principalmente por meio de sua concorrência pelo controle da linguagem política. (...).
As ideologias são dispositivos simbólicos que ordenam o espaço social. (...). As ideologias, com
certeza, precisam atrair o interesse de grandes grupos políticos; (...). A maior parte das ideologias
modernas adotou uma aparência institucional, sob a forma de um movimento ou partido político.
Freeden, 2003, Ideology: A Very Short Introduction, posição 1858 pp.
ganhavam maior autoconfiança. Essa própria liberdade tornou mais provável que valorizassem
uma política de auto-expressão, autonomia, autenticidade e democracia - essa é uma
democracia de participação, em vez de uma que envolve apenas uma votação em cada quatro
anos. (...). Mills e Marcuse eram apenas dois dos intelectuais da "Nova Esquerda" que serviram
como porta-vozes desta nova geração de Boêmios Românticos, herdeiros dos Rousseaus,
Byrons e Shelleys dos séculos anteriores, e também defensores de uma criatividade artesanal
mais humilde.
Mas este é tema do próximo capítulo, mas é importante enfatizar que o capitalismo global
conseguiu absorver estes sentimentos melhor do que o socialismo burocrático implementando
transformações no mundo de trabalho, enfatizando o consumismo com crédito farto, forçando
a inovação nas novas tecnologias de informação e comunicação, e levando a individualização
na lógica dos mercados como ideologia prevalecente nos discursos públicos. Obviamente a
queda do socialismo burocrático no fim da década de 1980 e na década de 1990 não foi
somente consequência do exemplo do mundo capitalista de liberdade individual, do
consumismo e da inovação, mas também da perda da credibilidade da ideologia marxista-
leninista, da perda da legitimação do Estado burocrático autoritário no bloco comunista, da
falta de processos democráticos, e dos problemas criados pela corrida armamentista, e
também da estratégia malsucedida de Gorbatchov de reformar o socialismo burocrático. No
centro das mudanças ideológicas nos países centrais é a mudança da agenda econômica dos
governos do paradigma keynesiano para o paradigma neoliberal para fortalecer a dinâmica de
mercados livres para incentivar crescimento e inovação. Em vez das intervenções de governos
para a estabilidade macroeconômica, políticas de privatização, desregulamentação, abertura
econômica real e monetária (globalização) e do fortalecimento do empreendedorismo e do
pensamento na lógica dos mercados.
A aceitação da lógica dos mercados em muitos ambientes, onde ainda o Estado ou normas
culturais prevaleciam, foi facilitada pelas mudanças culturais para criação de uma cultura
individualista e hedonista do consumismo, facilitada pelo acesso fácil ao crédito, que também
escondeu temporariamente os fatos duros de que a maioria da população teve aumentos
salariais reais ínfimos. A revolta estudantil de 1968 com sua ênfase na liberdade individual e no
hedonismo, na aceitação da diversidade de estilos de vida, na sua contestação de estruturas
rígidas da vida nos moldes burocráticos do Keynesianismo-Fordista do Estado de bem-estar
social e militar (em primeiro lugar a guerra de Vietnã e a corrida armamentista), abriu nas
décadas posteriores espaços para uma vida com mais liberdade individual e tolerância, mas
também ajudou indiretamente na ascensão da ideologia neoliberal da lógica individualista dos
mercados. Mas também não deve se esquecer que a revitalização da ideologia liberal através
de um grupo de intelectuais (a sociedade de Monte Pelerin) desde a década de 1940 foi
amplamente financiada por partes das elites econômicas, políticas e acadêmicas,
481
especialmente depois da crise da década de 1970. Priestland [2013, p.180] aponta para o
papel importante da ajuda das elites para o sucesso da ideologia neoliberal:
No entanto, se o neoliberalismo tivesse algum efeito no mundo real, ele precisava do poder
político, e os negócios americanos - grandes e pequenos - eram fundamentais para sua
crescente influência. Através das crises econômicas do final da década de 1960 e início da
década de 1970, ressentidas com os impostos e regulamentos do governo, e com medo dos
ativistas de consumo [apontando para críticos de consumo como Nader nos Estados Unidos], os
empresários estavam determinados a se organizar para conter o poder do trabalhador e do
sábio.
Outra componente importante na ascensão da ideologia da logica individualista de mercados
livres foi a crescente financeirização da economia que não somente favoreceu a ganancia e a
procura do rendimento mais alto pelos bancos e as elites, mas também a procura pelo lucro
rápido e fácil nos mercados financeiros pelo cidadão normal. Com isto o cidadão normal da
classe média tornou-se também um adepto da procura pelo lucro especulativo fácil e rápido
nos mercados financeiros, facilitando o desenvolvimento das bolhas especulativas e do
endividamento especulativo, que foi também uma das causas da crise financeira global de
2008/2009, mas este é tema de um capítulo posterior.
ideologia supostamente progressista teve certa atração para grande parte do eleitorado, em
primeiro lugar nos países anglófonos, como a eleição de Thatcher e Reagan mostrava, embora
também enfrentasse protestos dos perdedores das mudanças. O clima político mudou para um
clima mais conservador e também nos partidos socialdemocratas que no fim da década de
1990 subiam ao poder na Europa e, como, por exemplo, Blair [Reino Unido] e Schröder
[Alemanha], seguiam as receitas neoliberais.
E ainda - os anos sessenta também foram uma década intensamente significativa. O terceiro
mundo estava em tumulto, da Bolívia ao Sudeste Asiático. O "Segundo" mundo do comunismo
soviético era estável apenas em aparência, e mesmo assim não por muito tempo, como
veremos. E o principal poder do Ocidente, abalado por assassinatos e motins raciais, estava
embarcando em uma guerra em grande escala no Vietnã. As despesas da defesa americana
aumentaram constantemente em meados dos anos sessenta, atingindo o pico em 1968. A
guerra do Vietnã não era uma questão divisória na Europa - encontrou desfavorecer em todo o
espectro político - mas serviu de catalisador para a mobilização em todo o continente: mesmo
na Grã-Bretanha, onde as maiores manifestações da década foram organizadas explicitamente
para se opuser à política dos EUA. (...). Está dizendo alguma coisa sobre as circunstâncias
peculiares dos anos sessenta, e o fundamento sociais dos ativistas públicos mais proeminentes,
que muitas das disputas e as demandas do tempo foram construídas em torno de uma agenda
política e não uma econômica. Como 1848, os anos sessenta eram uma Revolução dos
intelectuais. (...), [embora] um ciclo de disputas trabalhistas em toda a Europa ocidental no
início [fim] dos anos sessenta indicavam para problemas à frente. Judt, Postwar, p.
407
O fenômeno de 1968, não causou, em qualquer sentido estreito, "transformações sociais e
culturais de grande escala", mas "1968" tornou-se uma taquigrafia para eles. Como as
mudanças foram: uma nova linguagem quase libertária de subjetividade - prenunciando a
"década de mim" - e uma nova política de estilos de vida individuais. Jan Werner
Müller, The Cold War and the intellectual history of the late twentieth century, p.189
Transformações culturais são mais difíceis de descrever e estendem se para períodos mais
prolongados, mas o período da década de 1960 com foco na revolta estudantil em muitas
partes do mundo de 1968 é descrito por muitos analistas da história como momento crítico
para as mudanças culturais nas décadas seguintes, não somente no mundo de capitalismo
global, mas também no segundo mundo de socialismo real, como, por exemplo, a primavera
de Praga de 1968 do socialismo com face humana, ou a revolução cultural na China desde
1966 mostram. As avaliações dos resultados desta década agitada são diferenciadas, mas vale
a pena fazer um curto resumo das causas destas revoltas, motins e tumultos, que já se mostra
nas citações acima.
Os estudantes, os filhos e as filhas das classes médias, que estiveram à direita durante a maior
parte do século XX (e altamente ativo na promoção do fascismo nas décadas de 1920 e 1930),
de repente encontraram-se na esquerda. (...). A geração de 68 parecia desprezar o
483
Priestland [2012, p. 206 p.] capta este clima cultural e suas divisões ideológicas:
Com a ascensão das "pessoas dos anos sessenta" - e a reação contra eles por conservadores
que apreciavam a disciplina social e os valores tradicionais - as divisões sobre a questão da
hierarquia social e da autoridade tornaram-se muito mais importantes. Os eleitores agora se
dividiram em quatro grandes grupos: a "Nova esquerda", tanto cética do mercado quanto
"libertária", na medida em que procuravam dissolver as hierarquias culturais e sociais (em vez
de econômicas); a ‘Velha esquerda’ anti-libertária, anti-mercado (mais comum entre os
remanescentes da classe trabalhadora industrial); o comerciante libertário, pró-mercado; e o
comerciante duro anti-libertário (mais comum entre os pequenos empresários e empregados
de colarinho branco no setor corporativo). E agora mais interessado no "libertarianismo" do
que na igualdade econômica, o criativo poderia seguir uma causa comum com o comerciante
suave. A antiga aliança socialista entre sábio e trabalhador, forjada no século XIX, estava
murchando, assim como a classe trabalhadora industrial estava em declínio. Uma elite
globalizada e educada estava se afastando do resto da sociedade. (...). Enquanto isso, as
qualidades comerciais suaves - tolerância, ligação em rede e conectividade, e a capacidade de
"vender" si mesmo combinada com a criatividade boêmia - tornaram-se cada vez mais na moda
entre todas as castas.
Embora a maioria dos analistas históricos da década de 1960 apontam para transformações
culturais profundas e duradouras dos movimentos estudantis nesta década, Wehler [2008,
Band 5, p. 310 pp.] mostra para Alemanha uma avaliação mais restritiva:
A crise da dívida externa brasileira na década de 1980 foi a crise econômica mais seria do Brasil
seguindo o milagre brasileiro de crescimento acelerado nas décadas anteriores, pelo menos
visto pela perda do PIB per capita, embora a crise começando em fim 2014 ficasse perto deste
desastre. A Grande Depressão no Brasil também foi uma crise séria, mas a saída desta crise foi
mais rápida em primeiro lugar porque o default sobre a dívida externa facilitou politicas
econômicas mais expansionistas, como Ocampo [2013] afirma, comparando a crise da dívida
externa na América Latina com a Grande Depressão:
Essas duas crises são, no entanto, diferentes de várias maneiras. O da década de 1930 foi global
em escopo: seu epicentro foi os Estados Unidos e ela afetou fortemente a Europa. Em
contraste, a década de 1980 foi uma crise do mundo em desenvolvimento, maior em América
Latina e África. Além disso, a crise dos anos 1930 carecia de instituições para gerenciá-lo. Com
485
O processo de endividamento dos países de América Latina é descrito por Ocampo [2013, p. 10
pp.]
O novo boom de financiamento externo para a América Latina foi parte de um movimento para
reconstruir o mercado internacional de capitais que se formou na década de 1960 (o “mercado
eurodólar”). A marca deste processo foi a competição entre um número crescente de bancos
anteriormente nacionais que começaram a fornecer financiamento em empréstimos
sindicalizados em geral a taxas de juros variáveis atreladas a taxa de interbancária de Londres
(Libor) de três ou seis meses (...). A reciclagem de petrodólares nesse mercado nos anos
seguintes deu-lhe um forte impulso que se refletiu no abundante financiamento recebido pela
região na segunda metade da década de 1970.
Depois do primeiro choque dos preços de petróleo em 1973 os depósitos de petrodólares nos
bancos dos países centrais aumentavam significativamente. Os bancos aumentavam seus
empréstimos a juros baixos, mas variáveis, para países do Sul sem prestar muita atenção nos
riscos envolvidos (dos países devedores e dos projetos financiados). Os países poderiam rolar
suas dívidas, e muitas vezes financiar também os juros, sem problemas. Nos tempos de juros
baixos os bancos concediam os créditos para os países do Sul sem se preocupar muito com o
risco. Com isto os países devedores tornavam se dependentes dos empréstimos novos e
quando com as políticas monetárias restritivas depois de 1979 as taxas de juros aumentavam
expressivamente e a liquidez nos mercados financeiros secou, rolagem e refinanciamento dos
juros tornaram-se impossível. É importante anotar que, diferentemente das crises das dívidas
na Grande Depressão da década de 1930 com as dívidas em primeiro lugar na forma de títulos
da dívida, na crise da década de 1980 as dívidas foram em primeiro lugar empréstimos dos
bancos comerciais e credores oficiais. O mercado de títulos da dívida facilita a renegociação da
dívida, porque o risco é distribuído mais amplamente entre diferentes credores, mas como
fator adverso os detentores dos títulos podem ser juntados mais dificilmente para uma
renegociação. No caso de créditos bancários uma renegociação pode tornar se mais difícil,
porque o risco e concentrado em certos bancos e um default levaria os bancos a insolvência. A
tabela a seguir mostra a situação de endividamento de países de América Latina e Ásia em
1982.
Juros e
Dívida Total (bilhões Dívida
amortizações/Exportações
US$) Total/Exportações (%)
(%)
América Latina
Argentina 43,6 447,3 50,0
487
A tabela mostra que os países de América Latina estavam em uma situação muito mais
vulnerável do que os países da Ásia (com exceção das Filipinas) em relação à dívida externa em
1982 com elevadas razões dívida total/exportações juros e amortizações/exportações.
Foram fatores externos e internos que levavam os países atingidos para a crise da década de
1980. Os fatores externos mais importantes são: A mudança para uma politica monetária
expressivamente restritiva nos países centrais aumentando de forma extrema as taxas de juros
e secando a liquidez internacional; a recessão nos países centrais diminuindo a demanda pelas
commodities e seus preços, com exceção do petróleo, onde houve um aumento expressivo
dos preços. Fatores internos são: o endividamento expressivo na década de 1970 a juros
variáveis; fragilidades macroeconômicas; esgotamento do modelo de crescimento pela
substituição das importações. O gráfico a seguir mostra a aceleração da inflção na década de
1970, que levou ao gatilho da crise: uma politica monetária expressivamente retritiva nos
países centrais.
488
Gráfico 83 Taxa da inflação nos países centrais 1960 – 2013 e da taxa de inflação dos preços de
petróleo
Fonte: BLS, BP
O gatilho para a crise da década de 1980 na América Latina foi a politica monetária fortemente
restritiva nos Estados Unidos no ano 1979 (o choque Volcker) para combater a inflação
acelerada, impacto - em grande parte - dos choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979
(revolução islâmica no Irã). Um fator decisivo que disparou a crise da dívida externa na
América Latina foi o aumento expressivo da taxa básica nos países centrais para combater a
inflação elevada dando inicio a um período de falta de liquidez internacional em conjunto com
o aumento expressivo do preço de petróleo aumentando para os países importadores a conta
das importações e levando a crises de balanço de pagamentos. O aumento das taxas de juros
tornou o serviço da dívida mais elevado para os países atingidos, a dívida contratada muitas
vezes a taxas de juros variáveis, e a política monetária expressivamente restritiva nos países
centrais secou a liquidez internacional. Como consequência a percepção do risco soberano dos
páises latino americanos pelos bancos internacionais mudou negativamente e fez impossível
rolar a dívida em vencimento. Em tempos da liquidez internacional abundante não somente a
rolagem da dívida em vencimento foi fácil, mas também o financiamento dos juros através de
empréstimos novos possível, o que acelerou o crescimento da dívida externa.
489
Um segundo efeito da política monetária expressivamente restritiva nos países centrais foi a
recessão profunda nos Estados Unidos e em outros países centrais entre 1979 e 1981. Com
isto a demanda por muitas commodities exportadas pelos países em desenvolvimento caiu e
os preços destas commodities entrarem em queda livre, com exceção dos preços de petróleo.
Isto levou a uma crise do balanço de pagamentos com o valor das exportações (e também em
menor grau do volume) em queda e o valor das importações em ascensão (para os países
importadores de petróleo). A falta de liquidez internacional e a recusa do FMI de conceder
empréstimos nesta situação levaram a moratória da dívida externa, por exemplo, em México
1982, e a mudanças expressivas da política econômica para aumentar exportações e diminuir
importações para resolver os problemas da restrição externa. O gráfico a seguir mostra a
politica monetária restritiva nos Estados Unidos [aumento da taxa básica] para combater a
inflação [taxa de inflação IPC], e a queda dos preços de commodities [da agricultura e dos
metais básicos] a contramão no aumento dos preços de petróleo [preço por barril em US$].
Gráfico 84 Taxa de inflação IPC Estados Unidos [% a.a.], Taxa básica Estados Unidos [% a.a.],
preço de petróleo [US$ por barril], Índice dos preços de commodities de metais básicos, e da
agricultura 1960 – 1996
Os fatores exógenos e endógenos para a crise são: os choques dos preços de petróleo de 1973
e 1979 forçando o Brasil para o financiamento através de mais empréstimos (reciclagem de
petrodólares), a inflação em ascensão nos países centrais desde o fim da década de 1960 e a
490
política monetária fortemente restritiva nos países centrais no fim da década de 1970
aumentando o custo das dívidas, consequência do endividamento exagerado de alguns países
em tempos de juros baixos e – como contrapartida – a concessão exagerada de crédito pelos
bancos nos países centrais. A crise da dívida externa na década de 1980 não foi somente uma
crise dos países de América Latina, outros países em desenvolvimento e no leste europeu, mas
também uma crise dos grandes bancos nos países centrais com empréstimos arriscados na
carteira que foram muito maiores do que o capital destes bancos.
A crise da dívida externa dos países Latino-Americanos começou em agosto 1982 com o
default do México sobre sua dívida externa de US$ 78 bilhões, US$ 32 bilhões com bancos
comerciais (Cohn, 2013, p. 347). Cohn (2013, p. 347) também afirma que sinais anteriores de
uma possível crise foram ignorados, quando entre 1976 e 1980 houve renegociações da dívida
externa com Argentina, Peru, Serra Leone, Sudão, Togo e Zaire e a dívida externa dos países no
Sul aumentava seis vezes entre 1972 e 1981. Depois do default de México a crise da dívida
espalhou-se rapidamente para outros países e o Banco Mundial afirmou em 1983 que nos
últimos dois anos quase tantos países em desenvolvimento tinham de renegociar sua dívida
externa como nos vinte cinco anos anteriores, quando os bancos comerciais tentavam de
diminuir sua exposição nos países em desenvolvimento por causa do default de México (Cohn,
2013, p. 347). As causas da crise da dívida externa da década de 1980 são: em primeiro lugar
as mudanças inesperadas na economia global (choque de preços de petróleo, mudanças na
política monetária nos países centrais e como consequência a falta de liquidez no nível
internacional e uma recessão profunda entre 1979 e 1982, a queda dos preços de
commodities, com exceção do petróleo, para os países exportadores do Sul.), mas também
certa irresponsabilidade de emprestar dos credores e certa irresponsabilidade no
comportamento dos tomadores de empréstimos.
Alguns países do bloco soviético também estavam com sérios problemas da dívida externa na
década de 1980. Países do leste europeu endividavam se nos mercados financeiros
internacionais na década de 1970 para financiar investimentos industriais e o consumo para
diminuir a agitação de sua população. Os países do leste europeu experimentavam uma crise
da dívida externa em 1981 quando Polônia precisava renegociar sua dívida externa com
credores oficiais e privados porque suas exportações não foram suficientes para pagar os
serviços da dívida (Cohn, 2013 p. 366). Cohn (2013, p. 367) também mostra que entre 1981 e
1990 Polônia teve cinco renegociações com credores oficias e sete com os bancos comerciais
491
de sua dívida externa de US$ 22,1 bilhões em 1980. Os bancos comerciais reduziam a dívida de
Polônia em 45 % e aceitavam também uma redução substantiva da dívida privada de Bulgária.
Uma tabela a seguir insere a década perdida para o Brasil em um período mais amplo e mostra
que a década de 1980 foi um período crítico para a economia brasileira, com as taxas médias
de crescimento em queda expressiva na da década perdida e depois. As décadas anteriores
foram décadas de crescimento médio elevado.
Tabela 109 Perspectivas macroeconômicas do Brasil nas décadas de 1960 até 2013
1960- 1970- 1980- 1990- 2000- 2010-
1969 1979 1989 1999 2009 2013
Deflator implícito PIB var. anual - % 43,2 32,8 228,7 329,5 8,2 6,9
PIB – var. real anual - % 6,1 8,7 2,9 1,6 3,3 3,4
Taxa crescimento população % 2,8 2,4 2,1 1,6 1,2 0,9
Taxa de investimento (% PIB) 16,1 21,4 22,2 18,2 16,9 18,8
Dívida pública bruta/PIB % 19,8 27,0 45,4 35,2 69,5 65,9
Dívida externa bruta/PIB % n.d 20,5 39,1 28,8 25,9 12,9
Exportações US$ bilhões 1,6 8,3 25,5 42,7 111,2 235,7
Importações US$ Bilhões 1,4 9,7 16,9 39,1 85,6 217,7
Saldo Balança Comerc. US$ bilhões 0,2 -1,5 8,6 3,7 25,6 18,0
% Import. Petróleo nas Import. 17,3 24,1 41,7 16,9 16,8 17,7
Reservas internacionais US$ Bilhões 0,4 5,8 8,0 35,9 96,1 343,1
Fonte: IPEADATA, BCB, World Bank, IMF
A tabela mostra a queda expressive do crescimento na década perdida e nas décadas
posteriores, justificando a caracterização da década de 1980 como um período crítico no
desenvolvimento brasileiro. A problemática dos choques dos preços de petróleo se reflete no
aumento da participação do petróleo nas importações brasileiras (diminuindo nas décadas
seguintes pelo aumento da produção nacional de petróleo) e no aumento da dívida externa. O
último fato se explica – em contramão da falta internacional de liquidez como consequência da
politica restritiva monetária nos EUA no fim de 1979 – pela criação de um emprestador
internacional de última instância (em primeiro lugar para evitar uma crise bancária nos países
centrais), como Devlin e French-Davis [1995, p. 129] explicam:
Depois do default de México em 1982 (...) uma forma de “emprestador internacional de última
instância” foi organizada rapidamente para estabilizar o sistema financeiro em meio da crise.
Este emprestador internacional de última instância foi consequência de medidas informais do
G7 (liderado pelos Estados Unidos), os maiores bancos credores, e organizações internacionais,
especialmente o FMI.
Os bancos concediam empréstimos involuntários para os países devedores para evitar um
default explicito e o FMI também entrando com parcos fundos, mas com condições de
492
programas duras de austeridade nos países devedores. Ocampo [2013, p. 18 p.] descreve este
processo da seguinte forma:
Tabela 110 Brasil 1970 – 1989: a taxa do crescimento do PIB (e do PIBpc), a taxa de
desemprego, a taxa da pobreza, e da taxa de inflação (IGP-DI)
Com a maxidesvalorização em 1983 a inflação subiu de um nível em vez de !00% a.a. para um
nível de 200% a.a. curtamente diminuído pelo Plano Cruzado em 1986 para explodir depois
mais rapidamente, também consequência pelo recurso dos governos de financiar déficits
fiscais através de emissão de moeda. Desemprego e pobreza também aumentavam
expressivamente com a recessão profunda de 1981/1983. O setor externo da economia
brasileiro sentiu primeiro o impacto da crise como a tabela a seguir relata.
Taxa de
Reservas
Desvalori- inflação Conta
internacio- Export. US$ Import. US$ Saldo BC
zação IPCA % (até Corrente US$
nais US$ bilhões Bilhões US$ bilhões
cambial (%) 1979 IGP- bilhões
bilhões
DI)
1970 12,7 19,3 1,2 2,7 2,5 0,2 -0,8
1971 15,1 19,5 1,7 2,9 3,2 -0,3 -1,6
1972 12,2 15,7 4,2 4,0 4,2 -0,2 -1,7
1973 3,2 15,5 6,4 6,2 6,2 0,0 -2,1
1974 10,5 34,5 5,3 8,0 12,6 -4,7 -7,5
1975 20,0 29,4 4,0 8,7 12,2 -3,5 -7,0
1976 31,3 46,3 6,5 10,1 12,4 -2,3 -6,4
1977 32,5 38,8 7,3 12,1 12,0 0,1 -4,8
1978 27,8 40,8 11,9 12,7 13,7 -1,0 -7,0
1979 49,1 77,2 9,7 15,2 18,1 -2,8 -10,7
1980 95,6 99,3 6,9 20,1 23,0 -2,8 -12,7
1981 76,7 95,6 7,5 23,3 22,1 1,2 -11,7
1982 92,8 104,8 4,0 20,2 19,4 0,8 -16,3
1983 221,4 164,0 4,6 21,9 15,4 6,5 -6,8
1984 220,3 215,3 12,0 27,0 13,9 13,1 0,1
1985 235,5 242,2 11,6 25,6 13,2 12,5 -0,2
1986 120,2 79,7 6,8 22,3 14,0 8,3 -5,3
1987 187,4 363,4 7,5 26,2 15,1 11,2 -1,4
1988 568,7 980,2 9,1 33,8 14,6 19,2 4,2
1989 980,1 1.972,9 9,7 34,4 18,3 16,1 1,0
Fonte: Ipeadata
As importações em valor aumentam expressivamente depois dos choques dos preços de
petróleo de 1973 e 1979, as exportações aumentam significativamente em 1984 depois da
maxidesvalorização em 1983, que também impulsionou a inflação interna, como pode ser visto
na tabela anterior. As politicas de austeridade reversam o saldo negativo da balança comercial
desde 1981, a desvalorização em 1983 conseguiu um superávit ainda mais expressivo,
necessário para tornar o saldo em conta corrente em 1984 pela primeira vez positivo. Os
choques dos preços de petróleo de 1973 e 1979 tornam as necessidades de financiamento
externo, representado pelo saldo da conta corrente, cada vez mais alto, a falta de liquidez
494
internacional depois de 1979 leva a diminuição das reservas internacionais do Brasil. O lado
financeiro da crise externa pode ser visto na tabela a seguir.
Tabela 112: Brasil 1970 – 1989 Conta corrente e Conta capital e financeira em US$ bilhoes
Conta Capital
Conta Investimento Investimento Outros Dívida
e Financeira
Corrente Direto em carteira Investimentos externa bruta
(CCF)
1970 -0,8 1,3 0,4 0,0 0,9 6,2
1971 -1,6 2,2 0,4 0,0 1,7 8,3
1972 -1,7 3,8 0,4 0,1 3,2 11,5
1973 -2,1 4,1 1,1 0,3 2,7 14,9
1974 -7,5 6,5 1,2 0,1 5,2 20,0
1975 -7,0 6,4 1,1 0,1 5,2 25,1
1976 -6,4 8,5 1,2 0,4 6,9 32,1
1977 -4,8 6,2 1,7 0,7 3,7 38,0
1978 -7,0 11,9 2,1 0,9 8,9 52,2
1979 -10,7 7,6 2,2 0,6 4,7 55,8
1980 -12,7 9,6 1,5 0,4 7,6 64,3
1981 -11,7 12,7 2,3 0,0 10,4 74,0
1982 -16,3 12,1 2,7 0,0 9,3 85,5
1983 -6,8 7,4 1,1 -0,3 6,6 93,7
1984 0,1 6,5 1,5 0,2 5,3 102,1
1985 -0,2 0,2 1,3 0,2 -0,9 105,2
1986 -5,3 1,4 0,2 0,2 1,7 111,2
1987 -1,4 3,3 1,0 0,2 2,7 121,2
1988 4,2 -2,1 2,6 0,2 -4,2 113,5
1989 1,0 0,6 0,6 0,2 0,4 115,5
Fonte: Ipeadata
Nos anos de 1979, 1980, e 1982 os financiamentos não cobram os déficits na conta corrente e
as reservas internacionais diminuem. Em 1981 e 1982 nos outros investimentos encontram-se
grandes empréstimos para a autoridade monetária (BCB), entre eles empréstimos do FMI, para
fechar as contas externas.
Quando o general Joâo Figueiredo assumiu a presidência do Brasil por um período de seis anos
em março de 1979, as nuvens econômicas escureceram no início do segundo choque do
petróleo da década. Em contraste com o período após o choque do petróleo 1973-1974, as
taxas de juros nominais dos EUA aumentaram para picos acima de 15%. O Brasil estava em uma
posição especialmente vulnerável porque optou por contar com empréstimos estrangeiros
pesados para se ajustar ao primeiro choque de petróleo. Durante um breve período de
transição, as políticas de contração foram propostas pelo Ministro Henriques Simonsen,
Ministro das Finanças (1974-1979) e agora Ministro do Planejamento até agosto. Ele foi
sucedido como Ministro do Planejamento por Antônio Delfim Neto, Ministro das Finanças
1967-1974, que permaneceu no comando da política econômica até 1985. Desde meados de
1979 até meados de 1980, Delfim adotou políticas de fuite en avant com as quais ele tentou
495
repetir o sucesso que teve em 1967-1968. Essas políticas tentaram evitar contrariar a inflação
através da recessão ao quebrar as expectativas inflacionárias através do anúncio de uma meta
para a taxa de inflação. Esperava-se também que um alto nível sustentado de atividade
econômica ajudasse a reduzir os custos unitários de produção. Eles resultaram no que
Simonsen classificou como um "fracasso retumbante". O PIB aumentou 9,1 por cento em 1980,
mas a inflação aproximadamente dobrou para cerca de 100 por cento ao ano. Restrições de
balanço de pagamentos se apertavam. (...).
Até meados de 1984, a política econômica foi definida principalmente com o objetivo da
restrição externa. As reservas caíram US $ 3,3 bilhões em 1979 e mais US $ 3,5 bilhões em
1980. O déficit em conta corrente atingiu US $ 12,8 bilhões em 1980, apesar de um aumento
acentuado nas exportações. Depois de setembro de 1980, ficou claro que o capital estrangeiro
não estava convencido com a política de tentar estabelecer metas ex ante para a
desvalorização cambial e a inflação doméstica após setembro de 1979.
Os próximos anos seriam marcados por um compromisso oficial claro com as políticas
convencionais visando a demanda para controlar a inflação. Houve declarações recorrentes de
fé nas políticas ortodoxas apesar do fracasso consistente. As políticas adotadas incluíram: altas
taxas de juros, controle seletivo de crédito, cortes nas despesas governamentais e aperto
salarial através da interferência com as regras de indexação (para corrigir a inflação) de salários
além de certo limiar.
A adoção de políticas de contração e do aperto salarial levou a uma queda no nível de atividade
nos anos 1981-1983, especialmente acentuada em 1983, quando a produção industrial caiu em
mais de 10%. As políticas de contração foram mais bem-sucedidas na reversão do desequilíbrio
comercial que acompanhou o choque do petróleo. (...). Um déficit comercial de quase US $ 3
bilhões em 1979 e 1980 foi modestamente revertido em 1981 e 1982. As exportações
aumentaram rapidamente, depois de cair em 1982, mas a contração das importações
desempenhou um papel importante no ajuste do balanço de pagamentos em resposta à
desvalorização cambial e controles de importação.
Entre 1983 e 1985, o Brasil assinou pelo menos sete cartas de intenção, uma vez que as
condições alteradas tiveram impacto nas condicionalidades acordadas.
O ano de 1980 pode ser visto como um momento crítico no desenvolvimento brasileiro, como
Abreu (2008, p.395) afirma um período de crescimento do PIB extreordinário com taxas de
crescimento do PIB per capita médio de 3,7 ao ano por cinquenta anos (1930-1980) acabou,
com o crescimento mais forte no período de 1967 – 1973, depois de uma curta recuperação
forte da recessão de 1981-1983 com taxa média de crescimento do PIB de 7% em 1984/1985 o
crescimento do PIB ficava medíocre para mais de duas décadas.
(‘funding loans’), em 1898, 1914 e 1931. Embora as portas para a retomada do endividamento
externo no médio prazo tenham sido abertas após os dois primeiros empréstimos de
consolidação, o último significou apenas o início de uma longa sequência de negociações até o
acordo permanente da dívida externa de 1943. O Brasil ficaria, a partir daí, ausente dos
mercados financeiros privados por um longo período, ou seja, até o início do segundo ciclo do
endividamento, em meados da década de 1960.”
A história mais recente da dívida externa brasileira é descrita na mesma fonte [2009, p.69] da
seguinte forma: “Assim como as políticas de administração da dívida interna responderam aos
eventos macroeconômicos domésticos, os eventos sobre a dívida externa foram reflexo dos
fatos ocorridos na economia internacional, a qual experimentou várias fases distintas dos anos
1960 até hoje. De 1964 até o primeiro choque do petróleo, em 1973, e mesmo após este, a
economia internacional vivia uma fase de liquidez abundante, o que propiciou a continuação
do endividamento externo. Entretanto, em 1979, com o segundo choque do petróleo, as taxas
de juros internacionais elevaram-se abruptamente, gerando escassez de recursos externos, o
que acabou por acarretar a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento, no início
dos anos 1980. A partir desse momento, várias foram as tentativas de solucionar a questão do
endividamento externo desses países, passando pela tentativa frustrada do Plano Baker, pelo
bem-sucedido Plano Brady, chegando à situação recente de emissão regular de títulos
soberanos no mercado internacional de capitais e à construção da curva externa em reais.”
O tesouro nacional resume sua história da dívida externa brasileira de seguinte forma (2009,
p.69 p.); “Dessa forma, é possível subdividir a história da dívida externa brasileira nesses anos
em quatro fases: 1) de 1964 até o final da década seguinte, período de forte acumulação da
dívida, tendo em vista o crescimento do país, até culminar com os choques do petróleo; 2) os
anos 1980, com a sucessão de tentativas buscando corrigir os desequilíbrios construídos com
base na política anterior, até chegar ao Plano Brady, no início dos anos 1990; 3) a fase
seguinte, com a volta das emissões soberanas, em 1995, e a relativa tranquilidade na
administração do passivo externo, a despeito das crises internacionais enfrentadas a partir da
segunda metade da década de 1990; e 4) a nova política de emissões qualitativas a partir de
2006”.
Na medida em que o aumento nos preços do petróleo não reduziu a liquidez internacionalem
1973 e diante – tendo em vista que a transferência dos recursos para os países exportadores
de petróleo acarretou depósitos nos bancos europeus e norte-americanos–, estes continuaram
com abundância de recursos para emprestar aos países em desenvolvimento (processo
conhecido como “reciclagem dos petrodólares”). Dessa forma, o período entre 1974 e 1980
497
experimentou uma acumulação ainda maior da dívida externa, que iria desembocar na crise da
dívida no início da década seguinte. Vale mencionar que nesse mesmo período (1974 a 1980) o
país presenciou um aumento da participação da dívida pública no total da dívida externa, cujo
percentual passou de cerca de 50% para quase 70%”.
Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 9 p.) calculam o haircut H para um país i que sai do
default em período t e enfrenta uma taxa de juros rti como o valor presente da nova dívida a)
dividido pelo valor de face da velha dívida, ou, b) dividido pelo valor presente da velha dívida,
onde eles preferem a segunda definição do haircut. Eles advertem também que a escolha da
taxa de desconto r é decisva para o calculo do haircut, mas de certa forma arbitrária. Existem
diferentes propostas para a determinação da taxa de desconto r [ver Das, Papaioannou e
Trebesch (2012) p. 10].
498
Multilaterais
Bancos Detentores de Bilaterais Credores
Credor (FMI, Banco
comerciais bônus (Governos) comerciais
Mundial)
Tratamento
Clube de preferencial;
Reestruturação Londrês Ofertas de Reestruturação
Clube de Paris Ad hoc
por (Comitees de trocas somente para
credores) os países mais
pobres
Fonte: Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 14)
No total 17 acordos foram implementados país por país, começando com México em setembro
de 1989 e terminando com Costa de Marfim e Vietnã em 1997, terminando um período longo
de renegociações das dívidas [Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 18) ].
Tabela 113 Dívida brasileira reestruturada com credores privados 1980 - 1994
Dívida reestrurada Haircut de Redução de
Data Taxa de desconto Plano Brady
US$ milhões mercado valor de face
02 / 1983 4.452 9,3% -9,8% 0,0%
01 / 1984 4.846 14,1% 3,5% 0,0%
09 / 1986 6.671 12,8% 19,2% 0,0%
11 / 1988 62.100 14,2% 22,8% 0,0%
11 / 1992 9.167 13,3% 27,0% 0,0%
04 / 1994 43.257 11,8% 38,9% 9,1% Plano Brady
Fonte: https://sites.google.com/site/christophtrebesch/data
Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 99 p.) apontam ainda para reestruturações de dívidas
brasileiras com o Clube de Paris nas décadas de 1980 e 1990, a última em 1992 com um valor
de 10,4 bilhões de US$.
499
pressões do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial que foram os advogados mais
fortes das medidas do Consenso de Washington e sua agenda neoliberal.
Uma segunda transformação importante nas décadas 1980 e diante foi a introdução parcial da
proposta da agenda neoliberal, focando nas medidas para alcançar uma estabilização
macreoeconômica (em primeiro lugar no combate da inflação e na estabilização das contas
públicas), na abertura da economia, na privatização de parte das empresas estatais, e na
desregulamentação dos mercados, com isto parcialmente abandonando as politicas do
desenvolvimentismo pelo Estado e as politicas de industrialização pela substituição das
importações.
Transformações politicas
Gaspari em seus cinco livros sobre a ditadura militar em Brasil (2014 e 2016) caracteriza cinco
diferentes períodos (2016, posição 281 pp.):
do Riocentro, de 1981; e a da rua, com a campanha das Diretas Já, iniciada dois anos depois.
Finalmente, com seu grande final, a construção da candidatura de Tancredo Neves e sua
eleição para a Presidência da República.
O primeiro período de 1964 até 1968 (com o presidente Castello Branco e o início da
presidência de Costa e Silva), o segundo período vem de 1968 até 1974 (sob os presidentes
Costa e Silva e Médici, os anos de chumbo depois do Ato Institucional 5, mas também do
milagre econômico),o terceiro e quarto período vem de 1975 até 1977 (sob a presidência de
Geisel com as primeiras tentativas da abertura política) e o quinto período de 1978 até 1985
(sob a presidência de Geisel até 1979 a da presidência de Figueiredo, levando ao retorno à
democracia em 1985).
Abreu (2014) faz a periodização dos anos da ditatura militar até 1984 com perspectiva
econômica da seguinte forma:
O golpe militar de março de 1964 tinha a intenção de tirar o presidente Goulart do poder, visto
pela direita e pelo governo norte-americano como esquerdista que tentava levar o país para
experimentos esquerdistas em direção ao socialismo. Em 1964 a situação econômica e política
do país estava tensa, Bethell [2014, p. 144] descreve a direção das reformas básicas que o
governo Goulart tentava introduzir enfrentando forte resistência das elites brasileiras:
Esta agenda de reforma básica pode incluir os seguintes elementos: uma melhoria significativa
nas condições de vida e trabalho dos trabalhadores urbanos, não sindicalizados e
sindicalizados; reforma política, incluindo a extensão do sufrágio aos soldados e marinheiros e,
o mais importante, aos analfabetos (predominantemente rurais) e à legalização do Partido
Comunista Brasileiro (PCB); a extensão da legislação trabalhista e do bem-estar social existente
aos trabalhadores rurais; e, finalmente, e mais controversa, a reforma agrária: a redistribuição
de terras improdutivas com compensação em títulos do governo em vez de dinheiro (o que
exigiria uma emenda constitucional).
A situação econômica também estava piorando como Gasperi afirma [2014 volume 1. Posição
867 pp.]:
Os investimentos estrangeiros haviam caído à metade. A inflação fora de 50% em 1962 para
75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a
maior do século. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma
contração na renda per capita dos brasileiros. As greves duplicaram, de 154 em 1962, para 302
em 1963.18 O governo gastava demais e arrecadava de menos, acumulando um déficit de 504
bilhões de cruzeiros, o equivalente a mais de um terço do total das despesas.
502
Embora o papel do governo norte-americano seja controverso, Bethell [2014, p. 152] reflete
da seguinte forma sobre este assunto:
Como se dava tão frequentemente na história brasileira (1889, 1930, 1937, 1945), o confronto
político civil foi abreviado por um golpe de Estado militar, organizado por muitos dos mesmos
oficiais que haviam forçado a deposição de Getúlio em 1954 e se oposto á posse de Jango em
1961. A intenção era acabar com a presidência de Jango e, com ela, a era de Getúlio Vargas.
Bethell e Castro [2014, p. 165] resumem o golpe militar:
O golpe militar (...) de 31 de março de 1964 que derrubou o governo legalmente constituído do
presidente João Goulart fez uso de uma boa dose de retórica democrática: um dos principais
objetivos do que os instigadores do golpe chamavam de "Revolução "de 1964”, além de acabar
com o "caos, corrupção e comunismo" da administração Goulart e restabelecer a disciplina e o
respeito pela hierarquia nas Forças Armadas, foi a eliminação da ameaça, como eles viram, de
que a administração Goulart colocava no Brasil democrática. O golpe foi, neste sentido, um
contragolpe para a democracia. No entanto, após o golpe, por meio de uma série de chamados
Atos Institucionais (...), atos complementares, uma nova Constituição, uma Constituição
revisada, alterações constitucionais (...), o regime militar estabelecido em abril de 1964, sem
destruí-los completamente, estava radicalmente remodelando e minando severamente as
instituições democráticas, embora limitadas e imperfeitas, estabelecidas no Brasil no final da
Segunda Guerra Mundial.
503
Eles depois apontam para o Ato institucional 5 de 1969, que definitivamente estabeleceu a
ditadura e acabou com os direitos constitucionais, começavam torturas e repressões, que
tornavam se cada vez mais frequentes nos anos de chumbo de 1969 até 1974.
Como a ditadura militar tentou gerar certa legitimação popular pelo sucesso econômico do
milagre brasileiro de 1967 até 1973, e do crescimento elevado no período até 1981, a crise de
1981-1983 trazia um fim para esta forma de legitimação, embora também a crescente força
dos movimentos populares, das organizações da sociedade civil, e dos políticos
oposiocionistas, impulsionava o retorna para a democracia. Embora o milagre econômico
brasileiro conseguisse levantar a renda média em todas as camadas, a desigualdade de renda e
riqueza aumentou. A repressão dos sindicatos trabalhistas, o arrocho salarial, e a inflação
crescente depois dos choques dos preços de petróleo favoreciam as elites.
Crises como a crise da dívida externa da década de 1980 exigem novos pensamentos, novas
estratégias, e novas ideologias para superar a crise. Mas, obviamente não somente a crise da
década de 1980 foi responsável pelas transformações politicas e econômicas, outros fatores,
como o novo sindicalismo com suas greves no fim da década de 1970 e a pressão da sociedade
civil levavam os militares de volta a suas casernas. Não é possível fazer aqui uma narrativa de
todos os passos que levavam as transformações politicas no Brasil em direção para o retorno à
democracia e para instituições politicas novas, como, por exemplo, a nova constituição de
1988.
15 de março de 1985 testemunhou uma transição pacífica para o governo civil no Brasil
(embora ainda não seja uma democracia de pleno direito) após vinte e um anos de governo
militar. Uma transicão negociada foi efetuada, o resultado das negociações entre a elite política
e o alto comando militar para facilitar a transferência de poder - sem ruptura - da última das
cinco sucessivas presidentes militares desde 1964 a um presidente civil moderado e
conservador aceitável para os militares. No entanto, Tancredo Neves, o político eleito, embora
indiretamente eleito, o presidente em 1985 nunca assumiu o cargo devido a uma doença grave
na véspera de sua inauguração (da qual ele nunca se recuperou). Foi o vice-presidente eleito,
José Sarney, que se tornou o primeiro presidente civil do Brasil em mais de duas décadas.
Pontos importantes nesta transformação politica foram a crise da década de 1980, retirando a
legitimação econômica do regime militar, a fraqueza do partido do governo militar ARENA/PDS
de ganhar eleições contra a oposição da MDB/PMDB, as greves amplas no estado de São Paulo
no fim da década de 1970, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e as
pressões de organizações da sociedade civil para uma mudança democrática, com seu apogeu
nos movimentos de massa diretas já em 1983-1984 (para uma eleição direta do presidente em
504
1985, embora falhasse para alcançar este objetivo), mostrou a força dos movimentos
populares.
No ano 1985 o congresso aprovou uma emenda Constitucional garantindo o direito de votar
para os analfabetos, eleições para municípios e estados foram programados para novembro de
1985, e, entre outras disposições, o Partido Comunista Brasileira (PCB), fundado em 1922, e o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fundado em 1962, foram legalizados. Uma nova
Constituição foi aprovada e promulgada em 1988. Em 1989 no segundo turno por eleições
diretas o presidente Collor foi eleito e assumiu o poder em 1990, mas este já uma história a ser
narrada num capítulo posterior.
The Oxford Handbook of Political Ideologies [2013, posição 496 pp.] resume as mudanças
ideologicas depois da crise da dívida externa na América Latina da seguinte forma:
A década de 1990 foi marcada pelo surgimento de um novo tipo de figura populista, que seguiu
uma abordagem econômica neoliberal. Presidentes como Fernando Collor de Mello no Brasil
(1990-92), Alberto Fujimori no Peru (1990-2000) e Carlos Menem na Argentina (1989-99)
empregaram uma ideologia populista e programaram reformas a favor do mercado livre, com o
objetivo de controlar a inflação e gerar crescimento (Weyland, 1996). Em contraste, o
populismo contemporâneo na América Latina critica o neoliberalismo e favorece um maior
envolvimento do Estado na economia. É por isso que presidentes populistas como Evo Morales
na Bolívia (desde 2006) e Hugo Chávez na Venezuela (1998-2013) afirmam serem líderes
"socialistas". No entanto, como revela esta breve revisão das diferentes manifestações do
populismo latino-americano, estas últimas podem ter abordagens econômicas muito diferentes
e, conseqüentemente, não faz sentido definir o populismo com base em um conjunto
específico de políticas econômicas e / ou sociais.
Neste contexto o conceito do populismo precisa ser visto como um conceito controverso na
discussão politica e ideológica, porque sempre é usado com o sabor negativo de descrever
promessas econômicas e sociais que não podem ser compridas na opinião dos expertos. Mas,
em sua interpretação literal, populismo somente quer ser entendido como defender os
interesses da massa de população. Se em uma sociedade pluralista, onde diferentes interesses
se encontram, um interesse popular unificado pode ser identificado é pelo menos discutível.
No ultimo capitulo deste trabalho o conceito de populismo é interpretado com um discurso
politico que enfatiza a polarização entre população (os 99% no discurso do movimento occupy
Wall Street) e as elites (establishment). Neste capítulo tenta-se também delinear as
perspectivas de movimentos “populistas” depois da crise financeira global de 2008/2009, com
foco nos movimentos anticapitalistas.
Gráfico 85 Taxa de inflação IPCA (% a.m.) e desvalorização (+) cambial Brasil 1980 – 2017
Fonte: BCB
Gráfico 86: Taxa de Inflação IPCA (% a.a.) Taxa de juros SELIC – mercado (% a.a.), Meta de
inflação (% a.a.) Brasil 1995 – 2017
509
Fonte: BCB
Sobre o Plano Collor I de combate a inflação Bacha [2017, posição 9491 pp.] aponta para a
medida controvertida deste plano de congelar grande parte de ativos financeiros do setor
privado, que provavelmente aprofundou ainda mais a recessão de 1990/1992:
A parte mais controvertida do programa de estabilização que afinal se anunciou foi exatamente
a tentativa de impedir a fuga de títulos públicos, com a retenção pelo governo de parte
substancial dos ativos financeiros de empresas e pessoas físicas. Retidos por 18 meses, os
ativos foram compulsoriamente convertidos em depósitos no Banco Central, com correção pela
inflação, remuneração de 6% ao ano e previsão de devolução em 12 prestações mensais a
partir do décimo nono mês. De início, cerca de 80% dos ativos financeiros chegaram a ser
retidos. Ao mesmo tempo em que cerceou o espaço para recomposição de carteiras de
investimento, a retenção de ativos imposta pelo governo teve efeitos contracionistas
importantes sobre a demanda agregada. De um lado, representou súbita e brutal contração de
liquidez. De outro, ainda que colateralmente, gerou efeito-riqueza negativo de grandes
proporções na medida em que boa parte dos agentes afetados pela retenção atribuiu
probabilidade razoavelmente alta à não recuperação integral dos ativos retidos. Na verdade,
num primeiro momento, parcela substancial desses agentes parece ter atribuído probabilidade
bastante elevada à perda definitiva e completa dos recursos retidos.
Embora o período dos governos Franco e Cardoso é assunto do próximo capítulo sobre as
crises financeiras internacionais da década de 1990 e do inicio da década de 2000, e
importante afirmar que o sucesso no combate da inflação teve também importantes
mudanças na área fiscal, nas politicas cambiais e nas politicas monetárias. A primeira fase do
Plano Real e da nova moeda, o real, introduzida em 1/7/1994, foi caracterizada pelo ancora
fiscal - tentativa de equilibrar o orçamento público, pelo ancora cambial - fixação da taxa
nominal de câmbio para garantir a credibilidade da moeda nacional (valorização do real na
primeira fase, depois da crise mexicana em março de 1995 começando um processo de
desvalorização previsível e lenta com estabelecimento de minibandas – regime de câmbio
administrado), política monetária restritiva com taxas de juros altos para atrair capital
estrangeiro e controlar o consumo, desindexação. Não houve congelamento dos preços. A
estabilização macroeconômica, embora problemática na parte fiscal também com as entradas
das privatizações, a desregulamentação parcial dos movimentos internacionais de capitais e o
final do processo de reestruturação da dívida externa pelo Plano Brady, facilitou a nova
entrada de Brasil nos mercados financeiros internacionais. A crise cambial de 1998/1998 levou
a ajustes fiscais, a mudança para o regime de câmbio flutuante, e para introdução de metas de
inflação para a politica monetária, porque com um regime de câmbio flutuante a taxa de
câmbio não pode ser mais usada como ancora para controlar a inflação.
Desde 1999 a política macroeconômica foi orientada pelo tripé de metas de inflação, câmbio
flutuante e gestão fiscal responsável (com objetivo de garantir um superávit primário
expressivo).
510
Privatização
Para compreender melhor o processo de privatizações no Brasil, uma peça central da agenda
neoliberal, é importante fazer um curto resumo da história das empresas estatais no Brasil,
seguindo a pesquisa de Musacchio e Lazzarini [2014, p 1].
Musacchio e Lazzarini [2014, p 2] mostram problemas que empresas estatais podem enfrentar:
em crises as empresas podem ser usadas para segurar empregos e controlar os preços ao
consumidor, para não falar da corrupção e da possibilidade de levar compadres políticos para
a gerencia destas empresas, o que cria problemas para a lucratividade e o endividamento das
empresas. Eles apontam para o secundo choque dos preços de petróleo em 1979 e a crise da
dívida externa de 1982, levando a crises fiscais do Estado, como fatores determinantes para os
processos da privatização na década de 1990. A mudança do ambiente ideológico na década
de 1980 e depois com a ascensão do neoliberalismo no capitalismo global naõ é considerado
como fator importante pelos autores desta pesquisa [Musacchio e Lazzarini [2014]], mas
obviamente este também foi um fator importante na mudança do rumo da politica econômica
do Brasil nestas décadas.
Musacchio e Lazzarini [2014, p. 9 p.] apontam também para o papel importante do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES, criado em 1952 como BNDE] para o
processo da industrialização através de substituição de importações e para a estatização nas
décadas de 1960 e 1970:
Sob o governo militar (1964-1985), o BNDES mudou seu foco de empréstimos para projetos
públicos para financiar empresas privadas. Antes de 1964, quase 100 por cento dos
empréstimos destinavam-se a financiar projetos públicos, diretamente por uma agência
governamental ou indiretamente por uma SOE [empresa estatal]. Mas, em 1970, o setor
privado recebeu quase 70% dos empréstimos e, no final da década de 1970, projetos públicos
receberam menos de 20% dos empréstimos (Najberg, 1989 18). Em 1965, como parte do
empurrão para apoiar a indústria de máquinas e equipamentos domésticos, o governo militar
criou a Finame, a primeira subsidiária do BNDE. Para o governo brasileiro e os tecnocratas do
BNDE, o desenvolvimento de uma indústria de máquinas domésticas foi visto como uma
condição sine qua non para o desenvolvimento industrial que não dependia de importações
estrangeiras. Assim, a Finame teve o único objetivo de fornecer financiamento a médio e longo
prazo para a compra de equipamentos no Brasil (BNDES, 1987). A maioria dos empréstimos foi
511
para empresas privadas que tentavam substituir as importações. Além disso, o Finame foi
projetado para apoiar o desenvolvimento do dinâmico setor de máquinas domésticas, que, de
acordo com Leff (1968, 2), apresentaram uma taxa de crescimento média de 27% ao ano nas
duas décadas anteriores.
Em suma, antes da década de 1970, o BNDE e as SOEs [empresas estatais] recém-criadas eram
um veículo para promover melhorias na infra-estrutura (ferroviárias e utilidades) e apoiar as
indústrias nascentes. Em um mercado com racionamento de crédito severo e com altos custos
de pesquisa e desenvolvimento, o governo brasileiro, através do BNDE, financiou em longo
prazo e às vezes atuou como um empreendedor próprio para financiar o desenvolvimento de
novas indústrias, como o aço, eletricidade e produtos químicos.
O resultado deste período de rápido crescimento nas empresas de propriedade estatal, no
entanto, não foi um domínio esmagador das empresas públicas na economia brasileira. O
governo brasileiro, em vez disso, desenvolveu um grande aparelho em setores fundamentais
para a industrialização do Brasil e ainda deixou o setor privado como o jogador dominante em
outros setores onde a ação estatal não era percebida como necessária. O Estado dominava
mineração, metalurgia e aço, utilidades públicas e petróleo. (...). De acordo com a visão da
política industrial, essas indústrias-chave em que o Estado operava também eram indústrias
com grandes ‘spillovers’ e ligações diretas. Em suma, nesta etapa inicial, o Estado brasileiro se
concentrou em coordenar setores para desenvolver infraestrutura básica e fornecer insumos
básicos para a industrialização do país.
O processo da privatização de empresas estatais, no setor produtivo e financeiro, da década de
1990 teve seus impulsos num lado pelos problemas criados pelo segundo choque dos preços
de petróleo e da crise da dívida externa da década de 1980, e, noutro lado, pelo Consenso de
Washington no fim da década de 1980 e da ascensão da ideologia neoliberal no capitalismo
global. A inspiração neoliberal levou muitos governos no mundo nas décadas de 1980 e 1990
abraçar os processos de privatização e da abertura das economias nacionais. Abreu [2014,
posição 9846 pp.] resumiu o processo de privatizações da seguinte forma:
partir de 1994, foram licitadas, nos três níveis de governo, concessões para a exploração de
quase 10.000 km de rodovias. Entre 1996 e 1999, além da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da
Estrada de Ferro Carajás, pertencentes à Companhia Vale do Rio Doce, cerca de 26.000 km da
malha ferroviária foram transferidos a operadores privados. Até meados de 1997, o governo
manteve-se nitidamente dividido quanto à utilização que deveria ser dada aos recursos que
vinham sendo gerados pelo programa de privatização. Parte da equipe econômica defendia que
os recursos deveriam ser destinados ao financiamento de investimentos através do BNDES.
Outra parte, arguia que, tendo em conta a evolução do quadro fiscal, os recursos deveriam ser
integralmente canalizados para resgate da dívida pública.
Desregulamentação
da sociedade e com isto garantindo uma maior liberdade de viver para eles e mais estabilidade
politica e social. Os processos de privatização criam também no caso de telecomunicação e de
outras utilidades públicas a necessidade de criar órgãos regulamentadores para atividades
monopolistas. Estes exemplos não negam que existem regulamentações burocráticas que são
contraprodutivas e protegem privilégios.
Aqui somente é discutida a regulamentação de preços de certos bens e serviços no Brasil bem
como a regulamentação do mercado de trabalho. O Banco Central do Brasil [2016, p. 5] define
preços administrados da seguinte forma:
Möller [2010, p. 66 p.] descreve as intervenções dos governos nos mercados de trabalho da
seguinte forma, resumindo os resultados no próximo quadro: “A intervenção do Estado no
mercado de trabalho procura proteger trabalhadores vulneráveis, eliminar injustiças e
estabelecer uma rede de segurança para os desfavorecidos, definir as regras de jogo no
mercado de trabalho e melhorar o desempenho do mercado de trabalho”.
Com um olhar na virada do século Möller [2010, p. 185] caracterizaça o mercado de trabalho
brasileiro da seguinte forma:
516
Desde a crise da dívida externa, no começo da década de 1980, o mercado de trabalho no Brasil
experimentou mudanças expressivas, períodos de desemprego aberto elevado em tempos de
recessão de 1981/83 e de 1990/1992(...). Na década de 1990, a abertura da economia brasileira
desejava incentivar uma inserção maior na economia global, com ganhos de produtividade. Foi
uma mudança da estratégia de desenvolvimento da substituição das importações para uma
estratégia orientada para as exportações. A maior concorrência internacional levou a uma
reestruturação do setor industrial para ganhar mais competitividade com mudanças no
mercado de trabalho brasileiro. A reestruturação do [mercado de] trabalho levou a perdas de
emprego no setor formal industrial e mudanças no setor de serviços e do emprego público. A
taxa de desemprego aberto começa a subir em tendência, o emprego informal ganha mais
espaço no emprego total e a precarização das relações de trabalho provavelmente aumenta.
Parece que as influências negativas da globalização e da reestruturação produtiva deixam seus
traços no mercado de trabalho brasileiro, enquanto as mudanças positivas prometidas para a
força de trabalho brasileira ainda ficam na fila de espera.
O setor formal de trabalho no Brasil (com carteira de trabalho assinada) está institucionalizado
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criado no primeiro de maio de 1943 no governo
Vargas no Estado Novo. Desde sua criação houve muitas tentativas de flexibilizar estas regras,
mas somente em 2017 no governo Temer houve uma reforma trabalhista com certa
flexilibilização do CLT. É importante anotar que flexibilização no mercado de trabalho pode
sempre ser visto como uma perda de direitos (e de salário) para os trabalhadores no setor
formal da economia, noutro lado pode facilitar a entrada de desempregados e trabalhadores
no semento informal para o segmento formal do mercado de trabalho. O setor informal de
trabalho no Brasil, incluindo trabalhadores por conta própria e trabalhadores sem carteira de
trabalho assinada, é muito amplo. Sempre mais de cinquenta por cento da força de trabalho se
encontravam no setor informal de trabalho, somente depois de 2010 a percentagem cai um
pouco abaixo da marca dos cinquenta por cento [dados da IPEDATA até 2014, ainda não
refletindo o aumento da informalidade na profunda crise que começou em 2014]. Aos
empregos no setor informal falta a proteção das leis trabalhistas, muitas vezes eles são
precários e de salários baixos, embora não enfrentam impostos de renda e outros encargos (os
encargos sociais no Brasil no setor formal são elevados, os empregadores no setor informal
enfrentam por esta razão custos trabalhistas muito menores). Não incluídas no setor informal
são atividades ilegais, como, por exemplo, tráfico de drogas, prostituição ou roubo, elas são
incluídas na economia subterrânea.
Somente na década de 1990 a livre negociação dos salários entre trabalhadores e seus sindicatos, de um
lado, e das empresas e suas entidades patronais, de outro lado, foi reinstalada. As principais etapas das
regras salariais encontram-se em Urani90 :
• a "distributivista", que previa reajustes maiores que a inflação passada para os salários mais
baixos e um pouco inferiores para os mais altos, e vigorou entre 1979 e 1983;
• a "regressiva", que manteve reajustes diferenciados, mas todos menores ou iguais à inflação
passada, de 1983 a 1985;
• o "gatilho" salarial, instaurado pelo Plano Cruzado em 1986;
• a URP, implementada pelo Plano Bresser, que previa reajustes mensais em função da média da
inflação dos últimos três meses;
• o abandono da política salarial no início do governo Collor;
• a adoção de reajustes quadrimestrais em 1992; e
• a restauração da livre negociação pelo Plano real.
Pode se dizer com o Plano Real houve certa desregulamentação na determinação dos salários
nominais no Brasil.
Abertura comercial
A integração dos mercados nacionais no mercado global é outro objetivo central da agenda
neoliberal, que acabou acelerando o processo de globalização produtiva e financeira no
âmbito global. Abreu [2014, posição 9768 pp.] resume os processos de abertura comercial
depois da crise da dívida externa para o Brasil:
A liberalização comercial brasileira ocorreu de forma unilateral entre o final dos 1980 e meados
dos 1990, sendo marcada por três episódios principais. A essência do primeiro episódio de
liberalização comercial, em 1988-89, foi eliminar redundâncias: a tarifa média nominal de
57,5% (não ponderada) foi reduzida para 32,1%. No segundo episódio, de longe o mais
importante, em 1990-93, decidiu-se inicialmente reduzir as barreiras não tarifárias, com a
eliminação de proibições de importações (a famosa lista do Anexo C da Cacex), das licenças de
importação usadas de forma mais ou menos permanente desde o final da década de 1940, bem
como dos chamados regimes especiais de importação, que regulavam a distribuição de
cobertura cambial com base em critérios discricionários. Em 1991, foi definido um cronograma
de redução tarifária que, em princípio, se estenderia até 1994 e resultou na queda da tarifa
média de 32,2% em 1990 para 14,2% no início de 1994. (...). Finalmente, em 1994, foram feitos
ajustes tarifários, parcialmente explicados pela intenção de impor disciplinas mais rígidas aos
preços internos, durante o período inicial de implementação do Plano Real de estabilização,
com redução da tarifa média nominal para 11,2%. Esta liberalização comercial unilateral foi
implementada antes do final da Rodada Uruguai do GATT, em 1994. (...). Não obstante a
retórica de abertura comercial que marcou o esforço de estabilização que deu lugar ao Plano
Real, houve reversão da liberalização comercial no início do período FHC. A tarifa efetiva média
da economia aumentou de 13,6%, em 1994, para 17,1%, em 1995, e 18,7%, em 1999. Como já
mencionado acima, a apreensão com a deterioração das contas externas que se seguiu à crise
mexicana, foi usada como pretexto para a restauração de barreiras comerciais que haviam sido
reduzidas em 1994. A combinação de tarifas muito altas sobre importações de automóveis, de
um lado, com tarifas de importação de autopeças especialmente baixas, de outro, deu lugar a
um “regime automotivo”, montado em comum acordo com a Argentina, com tarifas de
importação efetivas de mais de 200% em 1996.
518
Mas, como as crises financeiras internacionais das décadas de 1990 e 2000 e suas
consequências para transformações econômicas são discutidas em capítulos posteriores não é
necessário aprofundar este problema aqui.
Abertura financeira
“Ainda é pesada, complexa e provavelmente ociosa em boa medida a herança deixada pela era
dos controles cambiais como se vê, por exemplo, através do número de páginas que o Annual
Report on Exchange Arrangements and Exchange Restrictions do FMI, o catálogo das restrições
e controles cambiais existentes nos mais diversos países do mundo, dedica ao Brasil: quatorze
páginas (!), o maior capítulo do livro, juntamente com a Venezuela, na frente da Índia (13
páginas), China (10 páginas) e outros países com sólida tradição histórica de controles
burocráticos.”
Mas estes mesmos autores advertem também que muitos destes controles possíveis foram
válidos apenas de maneira formal e burocrática, somente no papel, sem alcançar aplicações
significativas no novo século.
Enquanto alguns autores apontam para uma maior liberalização do mercado de câmbio e da
conta capital, outros alertam com vista às crises financeiras pós Plano Real, uma política
sensata menos liberalizante. Dentro deste contexto, os aspectos relevantes são os sinais
empíricos da liberalização financeira no Brasil.
O gráfico mostra também que a volatilidade dos fluxos foi expressiva neste período. A partir
destas observações, pode-se destacar que, neste período, o Brasil se inseriu mais
intensamente nos mercados financeiros globais.
A tabela a seguir mostra também o aumento da participação dos bancos estrangeiros no Brasil
nos ativos bancários.
Tabela 115 Participação das instituições do segmento bancário nos ativos deste segmento
Outro fato que mostra a crescente integração dos mercados financeiros nacionais ao mercado
global são as tendências comuns dos índices dos preços das ações, para os níveis de
crescimento, bem como para as taxas de retorno. Uma análise dos coeficientes de correlação
entre os índices corrobora esta hipótese. A tabela a seguir mostra estes resultados.
Tabela 116 Coeficientes de Correlação entre os retornos [ln(Pt/Pt-1)] dos índices das ações
1995-2008
BOVESPA DAX DOW FTSE UK HANG IPC KOSPI MERVAL NIKKEI
JONES SENG
BOVESPA 1,0000 0,6440 0,6984 0,6488 0,6606 0,7186 0,4513 0,5569 0,5877
DAX 0,6440 1,0000 0,7835 0,8068 0,5636 0,5682 0,4423 0,3976 0,5444
DOW JONES 0,6984 0,7835 1,0000 0,8007 0,6600 0,6340 0,5184 0,4282 0,5426
FTSE UK 0,6488 0,8068 0,8007 1,0000 0,6394 0,5812 0,5315 0,3927 0,5647
HANG SENG 0,6606 0,5636 0,6600 0,6394 1,0000 0,6492 0,5480 0,4978 0,5273
IPC 0,7186 0,5682 0,6340 0,5812 0,6492 1,0000 0,4548 0,6653 0,4763
KOSPI 0,4513 0,4423 0,5184 0,5315 0,5480 0,4548 1,0000 0,3933 0,5743
MERVAL 0,5569 0,3976 0,4282 0,3927 0,4978 0,6653 0,3933 1,0000 0,3796
NIKKEI 0,5877 0,5444 0,5426 0,5647 0,5273 0,4763 0,5743 0,3796 1,0000
Fonte: yahoo.com Finance, cálculos próprios
O mundo de trabalho na Brasil como em outros países mudou profundamente nas últimas
décadas. O ramo da agricultura e da indústria perdeu espaço, o ambiente institucional mudou
em direção de maior flexibilidade e insegurança das relações trabalhistas, a digitalização
destruí ocupações e criou novas possibilidades especialmente no setor dos serviços, a crise
prolongada desde 2014 aumentou os problemas do desemprego, da informalidade e da
incerteza.
Nas quase três décadas desde 1990 a população brasileira cresceu e também envelheceu com
as faixas mais jovens na população relativamente diminuindo, a população em idade ativa (>
14 anos) aumentou de 66,7% da população em 1990 para 81,6% em 2019 (a porcentagem dos
aposentados e pensionistas aumentou no mesmo período de 8,3% para quase 15%). O
desemprego/desocupação aumentou expressivamente, embora houve mudanças
metodológicas que prejudicam a comparação. O problema da informalidade é relacionado
com os problemas do trabalho precário, do subemprego e do desemprego. Economia
subterrânea ou economia informal são conceitos para descrever atividades por conta própria
(pequenos negócios) e de emprego informal que não são formalizados juridicamente. Trabalho
informal sinaliza muitas vezes – mas nem sempre - uma situação precária em relação ao
salário/renda e/ou em relação a forma de contratação (temporária, contingente, informal sem
cobertura das leis trabalhistas e da previdência social). Precarização das relações de trabalho
significa insegurança econômica e social para o trabalhador, bem como a possibilidade de cair
na pobreza e exclusão social. Pelo empregador ou trabalhador por conta própria este pode ser
uma estratégia de fugir dos impostos e de outros custos da formalização do negócio bem que
fugir das leis trabalhistas (e dos custos e deveres de uma relação formal de trabalho). Alguns
negócios são somente competitivos fugindo dos impostos, dos custos da legalização do
negócio e da legislação trabalhista. O grau da informalidade, que inclui empregadores e
trabalhadores por conta própria (pequenos negócios sem formalização) e trabalhadores sem
carteira de trabalho assinada foi na década de 1990 acima de 50% da população ocupada
diminuindo lentamente depois de 2000 para a faixa acima de 40%, mas aumentando em cada
crise. No próximo capítulo sobre os impactos da inovação tecnológica e das transformações
institucionais sobre os mercados de trabalho a perspectiva da economia informal sobre o
mundo de trabalho também faz parte.
etc.). Como organizações da sociedade civil eles tentam justificar e legitimar as demandas
materiais e culturais de seus membros na discussão pública entre sociedade civil, governo,
burocracia. No confronto entre capital e trabalho eles tentam realizar suas demandas em
contratos coletivos sobre salários e condições de trabalho. Se nas negociações não se chega a
um acordo greves e lock-outs podem ser ações de conflito para afirmar seus interesses. Por
esta razão vale a pena um olhar para a organização sindical no Brasil.
No lado patronal existem sindicatos como Confederação Nacional da Indústria (CNI desde
1938), Confederação Nacional de Agricultura (CNA desde 1964), já organizados anteriormente
sob nomes diferentes, bem como sindicatos de certos ramos da produção como, por exemplo,
Confederação Nacional do Comércio (CNC desde 1945), Federação Brasileira de Bancos
(FEBRABAN desde 1967) e muitos outros.
Nos tempos da inflação alta antes do Plano Real em 1994 a maioria dos conflitos trabalhistas
foi sobre a questão salarial parcialmente sobre a reposição das perdas inflacionárias,
parcialmente sobre redistribuição de renda. Com a realização de certas politicas na agenda
neoliberal como enxugamento do setor público, privatização, cortes nos benefícios do Estado
de bem estar social (com foco na previdência social), etc. estes pontos entravam também nos
conflitos trabalhistas. As mudanças implementadas pela agenda neoliberal são discutidas no
próximo capítulo. Neste capítulo os conflitos trabalhistas desde a década de 1990 são
523
resumidos. Fatores que influenciam as lutas trabalhistas são o poder relativo de capital e
trabalho e sua influencia sobre sociedade civil, Estado e as mídias, mas também a situação
conjuntural e as transformações tecnológicas, institucionais e ideológicas. Os dados acima
mostram uma queda da taxa de sindicalização desde a década de 1990, a fragmentação
sindical e junto com elevação do desemprego e da informalidade apontam para um
enfraquecimento do lado trabalhista, especialmente no ambiente politico de governos mais
conservadores depois de 2016.
Para o Brasil no meio rural o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) desde a
década de 1980 e outros movimentos defendem uma reforma agrária profunda e promoviam
mudanças do capitalismo, e, por exemplo, no meio urbano o MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto) luta por profundas transformações anticapitalistas desde 1997.
Para resumir as lutas trabalhistas desde a década de 1990 seja importante apontar que o
ambiente das lutas foi agora diferente, num lado positivo que a redemocratização do país não
mais criminalizou atividades trabalhistas como greves e outras formas da resistência
organizada. Noutro lado a abertura da economia brasileira (globalização), a privatização de
empresas estatais, as politicas de austeridade no setor público, as mudanças no mundo de
trabalho pelas inovações tecnológicas e organizacionais, e as mudanças institucionais nas
relações de trabalho e na providencia social, que são assunto dos próximos capítulos, levou a
certo enfraquecimento dos sindicatos trabalhistas. Crises conjunturais, desemprego,
informalidade, flexibilização e terceirização também foram fatores que enfraqueciam o lado
trabalhista.
Ferraz [2018, p. 173 pp.] descreve o cenário das lutas trabalhistas desde a década de 1980:
524
173-4 /A Lei nº 7.783 de 1989, conhecida como a lei de greve do setor privado, define como
greve legítima “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação
pessoal de serviços a empregador” (BRASIL, 1989) apenas depois de “frustrada a negociação” e
o “recurso arbitral”, e exige a notificação com antecedência mínima de 48 horas ao
empregador. Apesar de poder ser interpretada pelo art. 9 da Constituição como um direito dos
trabalhadores – “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre
a oportunidade de exercê-lo” (BRASIL, 1988) –, a lei delega aos sindicatos a prerrogativa de
conduzi-la. (...).
Na comparação internacional, o Brasil é um dos países com uma das leis de greve mais
permissivas, admitindo greves políticas, greves no setor público e greves de solidariedade,
proibidas em diversos países da Europa (Warneck, 2007).
Mas apesar da maior “permissividade”, o Brasil é um país onde o número de greves em relação
à população é pequeno se comparado a outras nações, (...).
Na década de 1980 ocorreram quatro greves gerais coordenadas pela Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) – em 1983, 1986, 1987 e
1989 –, além de algumas importantes greves nacionais de categoria. Entre estas, a greve dos
petroleiros em 1983; a greve nacional dos bancários de 1985; e a greve dos trabalhadores da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no final de 1988, quando o exército ocupou a fábrica e
três operários foram mortos.
A greve da CSN teve grande importância simbólica e, juntamente com a greve geral de março
de 1989 em reação ao Plano Verão, contribuiu para a regulamentação da greve. O Poder
Executivo enviou uma medida provisória ao Congresso regulando a matéria em maio daquele
mesmo ano que, aprovada no mês seguinte, originou a Lei nº 7.783/1989. A lei restringe a
greve em setores essenciais e estipula diversas condições para sua realização, além de
determinar os modos de solução do conflito e conferir à Justiça do Trabalho o poder de julgá-la
legal ou ilegal. O novo ordenamento jurídico foi um claro desestímulo à atividade grevista,
impondo altos custos aos sindicatos, principalmente no caso das greves julgadas ilegais. O caso
emblemático foi o da greve dos petroleiros de 1995, quando uma multa pela atividade grevista
“ilegal” quase levou ao fechamento dos sindicatos da categoria (Miagusko, 2001). (...).
O ano de 1992 marca o início do programa de privatizações, lançado no ano anterior, com a
venda da Usiminas. O processo de privatização motivou inúmeras greves por empresa desde
1989, quando começa a ser desenhado principalmente no setor siderúrgico e metalúrgico, que
inauguram o processo. Mas as derrotas dos movimentos grevistas e a percepção de que seria
impossível barrar as privatizações inibiram as greves ao longo do processo.
Ainda em 1994, ocorreria nova greve nacional dos bancários e a primeira mobilização nacional
contra o Plano Real, que abarcava também outras reivindicações.
Em junho de 1996, o governo FHC enfrentou sua primeira greve geral, a primeira grande
paralisação após o fim truculento da greve dos petroleiros, em maio de 1995. Organizada pelas
três maiores centrais da época, CUT, CGT e Força Sindical, seu mote principal foi a luta contra o
desemprego, que se tornaria a principal bandeira do movimento sindical na segunda metade
dos anos 1990.
Depois dessa greve geral, o governo se depararia com outra mobilização nacional apenas em
1999. A greve ficaria conhecida como a Marcha dos 100 mil sobre Brasília, pela retomada do
crescimento, empregos e salário, além do pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito contra a privatização da Telebras. Entre as reivindicações dessa paralisação, aparece
também a redução da jornada de trabalho, o que viria a ser um dos principais pontos de
unificação da pauta sindical, junto com o aumento do salário mínimo na década seguinte.
A situação se altera nos anos 2000, quando as greves no setor público passam a ser mais
numerosas, liderando a recuperação do ímpeto grevista a partir da crise de 2008. Nessa fase, o
525
funcionalismo ligado ao setor da educação foi quem mais contribuiu para o aumento da
militância grevista.
Ferraz [2018, p. 195 pp.] mostra também a crescente fragmentação do sindicalismo brasileiro
(e a maior competição entre as centrais sindicalistas) e seus impactos negativos sobre as lutas
trabalhistas:
Essa competição tem duas formas diretas: a competição pela criação de novos sindicatos onde estes
não existem ou na mesma base territorial. O exemplo mais claro é a criação de sindicatos de
trabalhadores siderúrgicos e metalúrgicos num mesmo município, fragmentando uma base
anteriormente comum. Ou a criação de sindicatos de trabalhadores municipais representando
professores municipais, onde já havia sindicato de professores do setor público, ou ainda o caso da
sobreposição entre o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) e
a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior
e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) no ensino superior. (...).
Após 2002, quando as greves chegaram ao seu nível mínimo, o país viveu um breve período de “paz
social”, sob um governo de centro-esquerda, mas claramente liderado por um partido trabalhista,
com estreitos laços com os sindicatos. Esse período de paz acaba no meio do segundo mandato de
Luís Inácio Lula da Silva, com uma nova “escalada” de greves a partir de 2008, em meio à crise
econômica mundial.
Como o Anuário dos trabalhadores: 2018 [DIEESE, p. 377 pp.] mostra que de 2008 até 2017 a
distribuição das greves entre setor privado e público (incluindo empresas públicas) variavam,
mas de forma não extrema (para o setor privado entre 54,5% em 2008 e 47,6% em 2017, o
mínimo em 2010 com 39,6%), mas é necessário apontar que as greves no setor público
(especialmente na educação universitária) são muito mais demoradas do que no setor privado,
porque – diferentemente de outros países – os salários são pagos nos meses das greves.
Geralmente pode ser ver na década de 2010 uma diminuição da atividade grevista, uma
diminuição da taxa de sindicalização e um ambiente institucional menos favorável para o lado
trabalhista depois da queda do governo de Rousseff e da flexibilização das leis trabalhistas no
governo Temer. Já as privatizações na década de 1990, as mudanças nas leis da previdência
social mostravam seus efeitos também no novo século. Embora existia forte resistência do
lado trabalhista contra privatizações, politicas de austeridade e mudanças nas instituições das
leis trabalhistas e da previdência social, mas os sucessos forma marginais. Nos próximos
capítulos sobre as transformações da economia brasileira (inovações tecnológicas e
organizacionais, flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias, privatização das empresas
526
As crises financeiras na década de 1990 e no início do século XXI tiveram impactos expressivos
sobre a economia brasileira, de forma mais rápida para o lado financeiro da economia, de
forma defasada e nem sempre profunda sobre o lado real da economia brasileira. A maioria
destas crises foi de âmbito global, mas atingindo diferentes países do mundo de forma
diferenciada. Nas crises da década de 1990 nos mercados emergentes houve menor
repercussão nos países centrais, mas a crise financeira global de 2008/2009 com origem nos
Estados Unidos teve sua repercussão mais profunda nos países centrais.
A crise japonesa foi a primeira crise séria na década de 1990, quando uma bolha nos mercados
acionário e imobiliário no Japão estourou em 1990 levando a economia japonesa depois de
décadas de crescimento expressivo para uma estagnação prolongada que se estendeu até o
novo século. Em 1992/1993 a crise do Sistema Monetário Europeu (SME) com origem nos
desalinhamentos e inflexibilidades do regime de câmbio do SME e da especulação cambial
induzida forçou a saída do Reino Unido e da Itália do SME e a desvalorização das moedas de
Espanha e Portugal. A crise japonesa, bem como a crise do Sistema Monetário Europeu (SME),
teve poucos impactos sobre a economia brasileira. Mas as crises de Japão e do SME já
mostravam sinais o que estava vindo em crises futuras na década de 1990 e no novo século
que levavam países emergentes ao abismo e depois na crise financeira global em 2008/2009,
os Estados Unidos e o mundo. Estas crises, crises cambiais, crises bancárias, crises da dívida
soberana e bolhas especulativas tinham impactos expressivos sobre o Brasil e parcialmente
surgiram aqui como em 1998/1999 e 2002/2003.
Enquanto a análise empírica seguinte das crises apoia-se também nas teorias econômicas
sobre os tipos, as causas, os impactos e as políticas para amenizar os impactos reais e
monetários das crises, o objetivo central dos capítulos seguintes é analisar empiricamente os
impactos destas crises sobre o Brasil. Obviamente cada crise é diferente, existe uma relação
dialética entre fatores causais e contingentes em cada crise, existe também a pergunta aberta
porque os agentes econômicos não aprendem as lições das crises anteriores. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 1] respondem a esta pergunta com quatro palavras: “Esta vez é diferente”,
fundamentando a resposta da forma seguinte:
[...]. Enraizada na firme convicção de que as crises financeiras são coisas que acontecem com outras
pessoas em outros países, em outros momentos, as crises não acontecem conosco, aqui e agora. Estamos
fazendo as coisas melhor, nós somos mais inteligentes, aprendemos com os erros do passado. As velhas
regras de avaliação não se aplicam mais. Infelizmente, uma economia altamente alavancada pode
inconscientemente estar sentada com as costas na beira de um abismo financeiro por muitos anos antes
que o acaso e as circunstâncias provocam uma crise de confiança que empurram a economia para o
abismo. [Reinhart e Rogoff, 2009, p 1.]
528
Sob o sistema neoliberal, as crises financeiras ressurgiram com maior frequência e severidade.
(...).
As elites financeiras pressionaram para eliminar os regulamentos, e o resultado foi o que
poderia ser descrito como o sistema neoliberal de regulamentação financeira. (...).
(...) os caminhos macroeconômicos e das finanças da profissão econômica fizeram uma séria e
errada volta quando abandonaram os conhecimentos desses economistas [Karl Marx, John
Maynard Keynes, e Hyman Minsky] e adotaram as ideias neoclássicas de Milton Friedman,
Robert Lucas, Eugene Fama e Thomas Sargent. Essas ideias, de mercados eficientes, valor para
o acionista [‘shareholder value’] e uma macroeconomia de pleno emprego inerentemente
estável contribuíram para o abandono da regulamentação financeira, da política
macroeconômica anticíclica, e da ampla orientação pública em direção a finanças e
investimentos socialmente produtivos que tinham sido contemplados, por exemplo, por Keynes
e Minsky.
A globalização financeira, a inovação financeira e a expansão do crédito estimulavam em curto
prazo crescimento e inovação da economia real, mas também o aumento expressivo dos fluxos
de capital no nível global criando problemas cambiais e bancários quando os fluxos cessam ou
se revertam. Desequilíbrios globais entre países com superávits expressivos na conta corrente
(países ‘Poupadores’ como a China, o Japão, a Alemanha e os países da OPEP do Meio Oriente)
529
que financiavam países com déficits expressivos na conta corrente (países “Gastadores”,
especificamente os Estados Unidos) facilitavam também o financiamento e o desenvolvimento
de uma bolha especulativa no mercado imobiliário dos Estados Unidos na década de 2000 com
juros baixos.
Crises financeiras abalavam na década de 1990 e no século XXI antes da crise financeira global
em primeiro lugar mercados emergentes, como a crise de México em 1994/1995, a crise no
leste asiático em 1997/1998 (Tailândia, Indonésia, Malásia, Coréia do Sul, e Filipinas), a crise de
Rússia em 1998 e as crises do Brasil em 1998/1999 e 2002/20003 e a crise de Argentina e
Turquia de 2001/2002, entre outras. Muitos destes países tinham regimes relativamente
rígidos de câmbio (conselhos monetários –Argentina -, taxas de câmbio fixas ou administradas)
antes das crises. Politicas macroeconomias insustentáveis com regimes de taxas de câmbio
fixas, entradas de capital expressivas que voltavam para o país da origem nos primeiros sinais
de uma crise, criavam um ambiente onde a defesa da taxa de câmbio fixo esvaziou as reservas
internacionais, desencadeando ataques especulativos e crises cambiais. Estas crises estavam
causando recessões severas, aumento da pobreza e, parcialmente, crises políticas e sociais, em
partes por causa das políticas de austeridade do FMI em troca de créditos fornecidos pelo FMI.
Na Indonésia em 1998 e na Argentina em 2002 houve quedas percentuais do PIB de dois
dígitos, enquanto o Brasil saiu relativamente bem da crise em 1998/1999 com crescimento
menor, mas positivo, do PIB em 1999, mas em 2002 houve novas turbulências cambiais no
Brasil nos períodos pré- e pós-eleitoral, gerando uma crise de confiança dos investidores
financeiros internacionais e nacionais com fugas de capitais e uma expressiva depreciação da
taxa de câmbio seguido de um surto inflacionário. Todas estas crises não tinham impactos
globais prolongadas e foram resolvidas por pacotes de ajuda (créditos) pelos órgãos
internacionais (FMI, Banco Mundial etc.) e dos países centrais sob a premissa de que houvesse
mudanças estruturais nos países atingidos em direção das receitas das políticas neoliberais.
Nas elites e nos povos destes países esta experiência deixou uma lembrança amarga da
ideologia neoliberal e das políticas dos órgãos internacionais e dos países centrais e levou os
países para uma estratégia de acumular mais reservas em um ambiente da economia global
favorável na década de 2000, de introduzir sistemas cambiais mais flexíveis, para evitar os
problemas das crises relacionadas à globalização econômica e financeira.
Mas também nos países centrais houve estes ciclos de desregulamentação e euforia seguida
por pânico, como na crise das instituições da poupança (Saving & Loan crisis) nos Estados
Unidos no fim da década de 1980 e na crise japonesa com o estouro da bolha especulativa no
mercado acionário e imobiliário começando em 1990, e crises bancárias na Escandinávia no
530
início da década de 1990, criadas também pela especulação financeira e imobiliária. Nos países
centrais estas crises financeiras foram seguidas por recessões ou estagnação da economia.
Depois do estouro das bolhas especulativas nos mercados de ações e imobiliárias, houve uma
crise prolongada no Japão começando em 1990. A estagnação da atividade econômica, bem
como problemas no setor bancário, permaneceu na economia japonesa por mais de uma
década, apesar de políticas monetárias e fiscais expressivamente expansionistas. O NIKKEI, o
índice do mercado de ações japonesas se mostrou inferior a 10.000 pontos ainda em 2011,
muito menor do que os 38.000 pontos registrados em 1990, mas subindo lentamente depois
de 2013 como consequência da política monetária muito expansiva do Banco de Japão. Em
1992/1993 a crise do Sistema Monetário Europeu (SME), criada por desalinhamentos e
inflexibilidades do sistema de câmbio fixo SME e a especulação cambial induzida, forçou a
saída do Reino Unido e da Itália do SME e a desvalorização das moedas de Espanha e Portugal.
As crises nos mercados emergentes foram em primeiro lugar resolvidas com mais créditos e
sistemas de câmbio mais flexíveis, mas seguidas por políticas de austeridade que os órgãos
internacionais forçavam como condicionalidade dos empréstimos. Nestes países as empresas,
os contribuintes de impostos e os trabalhadores estavam pagando os custos das crises. Nos
países centrais muitas crises foram resolvidas não através de políticas de austeridade (como
nos países emergentes nas crises anteriores), mas através de políticas monetárias e fiscais
expansionistas prolongadas aumentando a dívida pública e os riscos assumidos pelo setor
público, embora já na crise da área do euro começando em 2010 políticas de austeridade fiscal
ganhavam espaço na discussão controversa entre as elites. Embora no primeiro momento os
resgates fossem financiados pelo Estado [‘bail-out’], em último lugar os custos da crise são
531
pagos pelos contribuintes dos impostos e pelos trabalhadores com desemprego e corte de
benefícios sociais. As instituições financeiras, parcialmente responsáveis pela crise, foram
envolvidas no pagamento dos custos da crise de forma menor [‘bail-in’], com exceção da crise
da Suécia na década de 1990 e da crise de Chipre na década de 2010. Esta situação do
desequilíbrio social da distribuição dos custos da crise está especialmente obvio nos países do
sul da Europa, onde políticas de austeridade levavam a um aumento do desemprego, da
pobreza e da desesperança, mas também levando a resistência contra as politicas de
austeridade.
O quadro seguinte mostra as crises na década de 1990 e do novo século que tinham impactos
significantes sobre a economia brasileira, embora os impactos da crise na área do euro para o
Brasil foram menores, bem como a crise japonesa e a crise do sistema monetário europeu
(SME).
A crise japonesa da década de 1990 teve poucos impactos sobre o Brasil, mas o estouro de
uma bolha especulativa no mercado imobiliário (e também no mercado acionário) e suas
consequências para as instituições financeiras e a economia real pode ser visto como um sinal
para os acontecimentos na crise financeira global de 2008/2009, embora a crise japonesa não
tivesse os impactos globais da crise de 2008/2009. Blanchard [p. 433 p.] descreve o
desempenho especular da economia japonesa depois da segunda Guerra Mundial: “De 1950 a
1973 a taxa média de crescimento foi de 7,4% ao ano. Assim como em outros países da OCDE,
a taxa média de crescimento caiu após 1973. Mas de 1973 a 1991, ela ainda era de
respeitáveis 4% ao ano (...)”.
Banco Central Europeu [ECB, 2012] chamam de recessões dos balancetes (‘balance sheet
recessions’), onde empresas e famílias altamente alavancadas tentam repagar dívidas para
evitar uma falência por insolvência. Politicas monetárias e fiscais expansionistas foram usadas
para combater as tendências deflacionárias. Na visão de KOO estas políticas foram
parcialmente sucedidas, mas não conseguiam levar a economia para uma expansão mais forte
e – noutro lado - aumentavam muito o endividamento público. Enquanto houve diferenças
entre a crise japonesa e a crise financeira global dos anos 2008/2009, as causas foram
semelhantes, o estouro de bolhas especulativas, embora na crise de 2008/2009 não houve
uma bolha no mercado acionário. O estouro da bolha mostrou nas duas crises a fragilidade das
instituições financeiras.
A tabela a seguir mostra alguns fatos importantes da crise financeira e econômica japonesa,
mostrando o aumento expressivo do índice de ações japonesas NIKKEI e dos preços
imobiliários na década de 1980 e o estouro das bolhas na década de 1990 e seus impactos
sobre crescimento, desemprego, inflação e a razão dívida pública/PIB.
Reinhart e Rogoff [2008 (1), p. 11] refletem sobre as semelhanças das crises financeiras
incluindo a crise no Japão da década de 1990: “Embora cada crise financeira, sem dúvida, é
diferente, eles também compartilham semelhanças surpreendentes, na ascensão dos preços
dos ativos, na acumulação de dívida, em padrões de crescimento e, em déficits em conta
corrente. A maioria das crises históricas é precedida de liberalização financeira.” Embora não
houve uma acumulação de déficits na conta corrente no Japão precedendo a crise, bem no
contrário, mas houve uma liberalização financeira começando na década de 1980 e a ascensão
expressiva dos preços das ações e dos preços nos mercados imobiliários financiados por uma
expansão do crédito.
A crise de Japão na década de 1990 e depois mostra que o estouro de uma bolha especulativa
nos mercados de ações e imobiliários pode ter impactos macroeconômicos adversos e
prolongados, estagnação econômica, crises bancárias, e uma explosão da dívida pública pelos
custos da salvação do setor financeiro e das medidas fiscais expansionistas do governo para
compensar a queda da demanda agregada do setor privado e evitar uma nova Grande
Depressão. Kashyap [2002, p. 2] estima em 2002 que a responsabilidade do contribuinte atual
de impostos para prejuízos ocorridos [no setor financeiro], mas ainda não reconhecidos, é
provável que seja, pelo menos, 24% do PIB. Koo [2015, posição 800 pp.] adverte que em uma
recessão dos balancetes quando as empresas, que normalmente tomam empréstimos para
expandir os negócios, param de fazer isto e invés disto diminuem suas dívidas, a economia
perde duas fontes de demanda. Primero eles param de investir seus fluxos de caixa, em
segundo lugar eles param de tomar emprestadas as poupanças das famílias. A queda da
demanda agregada, no sentido keynesiano, leva a uma recessão profunda. Seguindo Koo
somente uma política fiscal expansionista pode evitar uma recessão profunda. Mas o Japão
enfrenta em 2015 uma dívida pública em por cento do PIB de 246% [IMF Datamapper]. A crise
japonesa não teve impactos sérios no mundo, e, obviamente também não para o Brasil.
Mccauley [2013, p. 579 pp.] faz uma análise da crise japonesa que mostra todos os
ingredientes da hipótese de Minsky da instabilidade do sistema financeiro numa economia
capitalista:
O sistema monetário europeu [SME em inglês EMS], criado em março de 1979, foi um sistema
monetário de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, entre oito membros da Comunidade
Econômica Europeia (Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca
e Irlanda), lembrando o sistema de Bretton Woods, que quebrou no período 1971/1973.
Entravam Espanha (1989), Reino Unido (1990) e Portugal (1992). A SME criou uma nova
unidade monetária (ECU), cujo valor dependia de uma cesta de moedas europeias.
Estabeleceu-se uma banda entre as moedas dos participantes do SME (2,25%, mas 15% depois
da crise em 1992). Saindo da banda, os bancos centrais dos países em questão deveriam fazer
intervenções no mercado cambial.
Guttmann e Plihon [2013, p. 360 p.] mostram a história do SME antes da crise da 1992/1993:
537
A nova reforma, conhecida como Sistema Monetário Europeu (SME) e lançada em março de
1979, teve três características importantes. Estabeleceu uma grade de taxas de câmbio fixas
com bandas de flutuação apertadas (o chamado Mecanismo de Taxa de Câmbio), colocou uma
unidade de referência monetária no centro dessa rede (a Unidade Monetária Europeia [ECU]) e
capacitou um mecanismo intra-SME para gerenciar a sistema (Fundo de Cooperação Monetária
Europeia EMCF). O ECU, uma cesta de moedas de membros inicialmente criada com o
lançamento da serpente [monetária europeia] em 1972 como âncora de valor, deu à Deutsche
Mark um peso tão grande que a Alemanha acabou exercendo forte disciplina anti-inflacionária
nos outros membros do SME. Os ECUs, que foram emitidos pela EMCF e utilizados nas suas
intervenções de estabilização de câmbio, também serviram como reservas e para pagamentos
oficiais entre membros do SME. Se as taxas de câmbio prevalecentes se revelassem
insustentáveis e tiveram que ser alteradas, os ajustes necessários teriam que ser simétricos,
combinando assim desvalorizações e valorizações. Entre 1979 e 1983, houve vários ajustes, já
que os membros tiveram que encontrar níveis realistas e sustentáveis de taxas de câmbio entre
um choque assimétrico induzido pela desinflação liderada pelos EUA e pela recessão global.
Após a espetacular inversão da política do governo socialista Mitterrand em meio a uma crise
do franco francês em março de 1983, encerrando a penúltima tentativa de desacoplamento da
posição anti-inflacionista alemã, o SME tornou-se substancialmente mais estável até o ponto
em que não viu ajustes das taxas de câmbio após 1987. Nesse momento, os membros do EMS
poderiam manter suas respectivas moedas bastante estáveis dentro da grade ERM através de
mudanças apropriadas nas políticas de interesse nacional, ao mesmo tempo em que
convergem seus critérios de desempenho macroeconômico (principalmente nominal). Esse
sucesso do SME estabeleceu a base institucional para o salto para uma única moeda. Os dois
vetores que dirigem em direção a uma moeda única - a dinâmica de integração de uma união
aduaneira e a experiência bem-sucedida de cooperação monetária em torno do SME -
fundiram-se quando a CE [Comunidade Europeia] deu o salto para um mercado comum com o
Ato Único Europeu de 1987 (SEA). Este passo crucial na dinâmica da integração envolve
tipicamente, entre outras etapas de liberalização, a abolição dos controles relativos aos
movimentos internacionais do capital. Conforme observado por Robert Mundell (1960), existe
um "triângulo impossível" entre movimentos internacionais de capital gratuitos, taxas de
câmbio fixas e política monetária autônoma, que não podem coexistir ao mesmo tempo. Uma
dessas condições teria que cessar. Uma vez que a UE [União Europeu] acabou de introduzir a
liberalização dos movimentos de capitais depois de estabelecer taxas de câmbio fixas no SME,
era a autonomia nacional da política monetária que tinha que dar.
A crise do SME em 1992/1993, como muitas crises cambiais seguintes contra regimes de
câmbio fixo, teve início em setembro de 1992 com ataques especulativos, desta vez contra
diferentes moedas do SME, entre eles a Coroa sueca, a Lira [Itália], a Libra e o franco francês,
enfraqueceu o SMS, levou a desvalorizações e saídas do SME, para evitar estas crises cambiais
uma moeda única, o euro, foi criada em 1999/2002. No início de 1999 11 dos 15 países da
União Europeia [exceção de Grã-Bretanha, Dinamarca, Suécia e Grécia (Entrada em 2001)]
aderiram a moeda única europeia, o euro, que existe como moeda papel desde 2002.
A ‘European Parliament Fact Sheets, 5.1.0’ descreve de forma resumida a seguinte crise do
SME em 1992/1993:
O SME foi seriamente interrompido pela revolta violenta nos mercados cambiais europeus em
setembro e outubro de 1992, na sequência das dificuldades na ratificação do Tratado de
Maastricht na Dinamarca e na França. A libra esterlina e a lira tiveram que abandonar o
mecanismo cambial em setembro de 1992 e em novembro desse ano a peseta [Espanha] e o
escudo [Portugal] foram desvalorizados em 6% em comparação com as outras moedas. Em
janeiro de 1993, a libra irlandesa foi desvalorizada em 10%; em maio, a peseta e o escudo
foram ainda mais desvalorizados. Em face de uma nova onda de especulação, as margens de
flutuação aumentaram para 15% (1 de agosto de 1993).
Krugman [1999 (1), p. 432] chama a crise do SME o um exemplo clássico de um ataque
especulativo, organizado [1999 (1), p. 431] por George Soros, gerente de um fundo de hedge
global, num ataque contra a libra inglesa em setembro de 1992, vendendo à descoberta a
moeda inglesa [descoberta neste contexto quer dizer vendendo libras financiado po créditos
em llbras, esperando um lucro depois de uma possível desvalorização da libra]. Estima-se que
o fundo de hedge ganhou entre um e dois bilhões de US$ forçando em 16 de setembro de
1992 o Reino Unido para fora do SME, e a Itália seguindo no próximo dia. Krugman [1999 (1),
p. 432] adverte que um ataque especulativo bem-sucedido depende do sucesso em conseguir
o colapso do regime de câmbio fixo e a desvalorização seguinte da moeda atacada. Importante
para isto é obviamente a vulnerabilidade da moeda objetivo do ataque, fundamentos
macroeconômicos fracos, políticas macroeconômicas equivocadas ou outros fatores como as
políticas fiscais expansionistas na Alemanha depois da reunião em 1990, acompanhada depois
de uma política monetária restritiva do ‘Bundesbank’ elevando fortemente o nível das taxas de
juros e forçando outros países no SME de seguir a política restritiva, embora estes países se
encontrassem em outra situação conjuntural do que o ‘boom’ pós-reunião na Alemanha. A
resposta dos países atacadas poderia ser desvalorizar e/ou sair do SME.
Embora crises cambiais nos anos seguintes seguissem o mesmo esquema, no sudeste asiático,
na Rússia, no Brasil, e na Argentina e em outros casos, Krugman [1999 (1), p. 432 pp.] aponta
para quatro aspectos específicos da crise do SME:
Primeiro foi o papel de um grande ator - George Soros - no desencadeamento da crise. Soros
adivinhou no início do jogo a possibilidade de uma desvalorização esterlina e estabeleceu de
forma discreta uma posição curta sob a forma de linhas de crédito [em libra] de curto prazo,
totalizando aproximadamente US $ 15 bilhões. Ele estava assim em posição de lucrar com um
colapso do regime cambial e, na verdade, tentou através de suas próprias vendas [de libras]
precipitar esse colapso. Ainda não está claro o quanto foi importante o papel de suas ações
realmente (...).
Em segundo lugar, a crise demonstrou a quase irrelevância das reservas internacionais em um
mundo de alta mobilidade de capital. Os bancos centrais da Grã-Bretanha e a Itália tinham
reservas substanciais e também tinham direito, de acordo com as regras do SME, a linhas de
crédito da Alemanha. Assim, eles puderam se envolver na intervenção direta em grande escala
539
Damill, Frenkel e Rapetti [2013, p. 296] apontam que todas as crises financeiras na América
Latina na década de 1990 e no início da década de 2000 (se referindo a crise mexicana de
1994/1995, a crise brasileira de 1998/1999 e a crise de Argentina em 2001/2002) foram
precedidas por ‘booms’ de influxos de capital. Krugman [1999 (1), p. 434] descreve a crise
mexicana de 1994/1995 como semelhante em alguns aspectos da crise do SME em 1992/1993,
especificamente as consequências para os países atingidos foram graves. No tempo da crise
muitos economistas pensavam que o peso mexicano e argentino foi sobrevalorizado. Em 20 de
dezembro de 1994 o governo mexicano anunciou a desvalorização do peso, surpreendendo os
agentes econômicos nos mercados financeiros e desencadeando a crise do peso mexicano
[Board of Governors of the Federal Reserve System, p. 199], que espalhou se em primeiro
lugar para os países de América Latina (efeito tequila).
Em 1989 um programa do espirito neoliberal foi iniciado pelo presidente Salinas Gortari, que
seguindo Edwards e Savastano [2001, p. 217] tinha quatro componentes básicos: “(1) A
abertura da economia à competição internacional; (2) um extensivo processo de privatização e
desregulamentação; (3) Um programa de estabilização centrado em uma taxa de câmbio
predeterminada e com base em políticas fiscal e monetária restritivas; e (4) um amplo acordo
social e econômico entre o governo, o setor privado e os sindicatos trabalhistas – conhecidos
como o Pacto – destinado a orientar as mudanças nos preços, na taxa de câmbio e nos salários
ao longo de horizontes vagamente especificados.” Em 1994 o México aderiu ao Acordo de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
540
Blanchard [1999, p. 370] aponta que “Depois de obter uma bem-sucedida redução da taxa de
inflação de 159% em 1987 para cerca de 20% em 1991, o governo mexicano decidiu manter
uma taxa de câmbio do peso quase constante em relação ao dólar. Essa decisão demonstrou
ser uma das causas da crise do peso de dezembro de 1994. Embora a taxa nominal de câmbio
em relação ao dólar permanecesse mais ou menos constante a partir de 1990, a inflação
mexicana continuou a ser substancialmente mais alta do que a americana. Isso é mostrado
pela tabela [a seguir], que fornece as taxas de câmbio reais e nominais entre o México e os
EUA no período 1990-1994”.
Tabela 118 Taxas de câmbio reais e nominais entre o México e os EUA, 1990-1994
Blanchard [1999] aponta que “Em dezembro, o medo de uma desvalorização provocou
grandes saídas de capital. O México tentou manter a paridade mexicana mediante a elevação
das taxas de juros. Mas era tarde demais. O peso teve de ser desvalorizado em 50% em
dezembro de 1994. Um ano depois, em dezembro de 1995, a cotação da moeda mexicana
situava-se em 7,75 pesos por dólar, em comparação com 3,45 pesos em novembro de 1994. O
motivo de uma depreciação tão grande é que os investidores estrangeiros decidiram sair do
México [todos] ao mesmo tempo. Os que permaneceram exigiram taxas de juros bastante
altas. As taxas nominais de juros de curto prazo, de janeiro a dezembro de 1995, foram em
média 50%; apesar da inflação crescente, elas implicaram também altas taxas reais de juros”.
O FMI, outras instituições e os EUA evitavam a falência de México e uma crise mundial com
créditos de cerca 40 bilhões US$, mas a economia mexicana entrou em uma recessão profunda
541
em 1995, bancos foram adquiridos por bancos estrangeiros e para muitos anos o salário real
dos trabalhadores estava em queda e o desemprego em ascensão. A tabela a seguir mostra as
perspectivas macroeconômicas de México antes, durante e depois da crise.
A crise mexicana teve impactos importantes também na economia brasileira e nas políticas
econômicas do Brasil, com foco na política cambial e monetária e na política tarifária do
comércio internacional. Desde março de 1995 a taxa Selic subiu, até chegar em abril de 1995
em 85%, descendo lentamente nos próximos meses [BCB]. O índice de mercado de ações, o
índice BOVESPA, caiu desde setembro de 1994 (54.840 pontos) até chegar em março 1995 em
29.789 pontos, subindo depois. A produção industrial (índice dessazonalizado do IBGE) caiu de
93,67 em janeiro de 1995 para 81,59 em maio do mesmo ano, subindo depois.
Desde o início do Plano Real a política cambial já passou por três fases distintas. Na primeira,
que vai de julho a outubro de 1994, a política cambial permitiu que houvesse uma valorização
nominal do real em relação ao dólar. Nesse período, a âncora cambial brasileira foi ainda mais
firme do que a de Argentina, pois, em função do superávit comercial mantido no início do Plano
Real e da forte entrada de capital estrangeiro de curto prazo [por causa da diferença expressiva
de juros internos e externos], a taxa de câmbio nominal valorizou-se seguidamente, chegando a
ser cotada a 0,827 R$/US$. (...).
Em outubro, iniciou-se uma segunda fase da política cambial brasileira que perduraria até
março de 1995, quando o governo passou a dar prioridade à sustentação da taxa de câmbio
nominal como forma de impedir o aprofundamento do processo de sobrevalorização da taxa de
câmbio real. A principal medida nesse sentido foi o estabelecimento informal pelo Banco
Central de um sistema de bandas para a taxa de câmbio nominal, visando mantê-la entre os
limites de 0,85 R$/US$ e 0,83 [?] R$/US$. (...).
A terceira fase da política cambial brasileira, que se iniciou em março de 1995, teve suas
origens na crise mexicana de dezembro de 1994. Com a redução do fluxo de capitais de curto
prazo para a América Latina, gerada pela crise mexicana, e os déficits na balança comercial, que
entre novembro de 1994 e março de 1995 já acumulavam US$ 3,71 bilhões, o governo
brasileiro viu-se forçado a alterar novamente a política cambial. (...). Foi estabelecida, então
formalmente, uma banda de variação, entre 0,88 R$/US$ e 0,93 R$/US$, para a taxa de câmbio
nominal. Na prática, contudo, iniciou-se um processo de desvalorização lento, mas continuado,
da taxa de câmbio nominal, balizado pelo estabelecimento de minibandas informais, que eram
corrigidas periodicamente pelo Banco Central, sem cronograma predeterminado. (...). Assim,
em junho de 1995 as bandas formais passaram a ser reajustadas para 0,91 R$/US$, e, em
janeiro de 1996, para 0,97 R$/US$ e 1,06 R$/US$.
Os efeitos da crise mexicana sobre as regras do comércio internacional no Brasil são resumidos
em Abreu [2014, posição 10315 pp.]:
Não obstante a retórica de abertura comercial que marcou o esforço de estabilização que deu
lugar ao Plano Real, houve reversão da liberalização comercial no início do período FHC. A tarifa
efetiva média da economia aumentou de 13,6%, em 1994, para 17,1%, em 1995, e 18,7%, em
1999. Como já mencionado acima, a apreensão com a deterioração das contas externas que se
seguiu à crise mexicana, foi usada como pretexto para a restauração de barreiras comerciais
que haviam sido reduzidas em 1994. A combinação de tarifas muito altas sobre importações de
automóveis, de um lado, com tarifas de importação de autopeças especialmente baixas, de
543
outro, deu lugar a um “regime automotivo”, montado em comum acordo com a Argentina, com
tarifas de importação efetivas de mais de 200% em 1996.
Radelet e Sachs [2001, p. 121] caracterizam a crise asiática da seguinte forma: “A crise
financeira do Leste Asiático é notável de vários modos. Ela deu um golpe na maior parte das
economias em rápido crescimento do mundo e tornou necessárias as maiores assistências
financeiras da história. Ela foi a crise financeira mais acentuada que feriu o mundo capitalista
desde a crise da dívida de 1982. Ela foi também a crise menos antecipada dos últimos anos. ”
Eles caracterizam também a crise como uma “crise de sucesso, causada por uma expansão de
empréstimos internacionais, seguida de uma súbita saída de fundos. ” [p.123]
Eles também identificam cinco tipos de crises financeiras [p. 124 pp]
A crise asiática foi tão chocante por ter ocorrido sob o pano de fundo de condições econômicas
e financeiras favoráveis. Suas políticas monetárias e fiscais eram em geral bem equilibradas. Os
tigres asiáticos não ostentavam nem os enormes déficits fiscais, nem a inflação persistente
característica de outros países em desenvolvimento propensos a crises. (...).
A crise tailandesa era previsível e foi amplamente prevista. Irrompeu no verão de 1997, quando
o banco central tailandês havia exaurido suas reservas internacionais (...). O que não se previu
foi a violência com que a crise se espalharia pelos países vizinhos. (...) três importantes lições da
crise asiática são claras. Primeira: países com sistemas bancários fracos são particularmente
propensos a crises cambiais. (...). Segunda: a crise asiática fornece ainda outra lembrança da
velocidade e extensão do contágio. ... Terceira: a crise asiática mais uma vez ilustra as pressões
em favor de maior flexibilidade cambial.
A tabela a seguir mostra as perspectivas macroeconômicas dos países mais atingidos pela
crise, mostrando que – diferente de muitas outras crises – os países tinham uma política fiscal
sensata (o déficit fiscal em relação ao PIB foi pequeno e a dívida pública em relação ao PIB foi
muito menor do que 50%) e uma inflação baixa. a queda expressiva da participação das
importações no PIB na crise levou a uma relação conta corrente ao PIB positiva muito elevada
em 1998.
Média Média
Média
1980 – 1997 1998 2009 2010 –
1999-2008
1996 2012
Taxa de crescimento do PIB real (%)
Coréia do Sul 8,37 5,77 -5,71 5,46 0,32 3,99
Indonésia 6,45 4,70 -13,13 4,65 4,63 6,31
Malásia 7,38 7,32 -7,36 5,50 -1,51 5,95
Tailândia 7,80 -1,37 -10,51 4,74 -2,33 4,77
Taxa de inflação (%)
Coréia do Sul 7,57 4,44 7,51 2,92 2,76 3,05
Indonésia 9,23 6,19 58,02 10,06 4,81 4,92
Malásia 3,69 2,66 5,29 2,41 0,60 2,19
545
Na interpretação dos dados é importante considerar que os dados da primeira coluna são
dados médios, por exemplo, de janeiro de 1997 para agosto de 1997 as reservas internacionais
de Tailândia caiavam de cerca 40 bilhões de US$ para 26 bilhões, o que reflete melhor os
problemas que o país enfrentou em 1997 que os dados anuais apresentados. Todos os países
relatados enfrentavam sérias crises cambiais. Todos os países tinham um déficit na conta
corrente nos anos anteriores da crise, maior na Malásia e Tailândia. Malásia e Tailândia
experimentavam uma expansão forte do crédito ao setor privado. A Malásia enfrentou a crise
com controles de capital. Todos os países relatados começavam depois da crise acumular
reservas para enfrentar melhor preparado uma nova crise.
546
Chandrasekhar e Ghosh [2013, p. 311 pp..] resumem a crise asiática de 1997/1998 e seus
impactos na retrospectiva, avaliando negativamente as intervenções do IMF [as politicas de
austeridade como condicionalidade de créditos do IMF] na crise:
Agora é bastante óbvio que as crises monetárias e financeiras têm efeitos devastadores sobre a
economia real. Mesmo quando as crises são essencialmente de origem financeira e em seu
desdobramento, seus efeitos, infelizmente, não permanecem confinados ao domínio das
finanças. A crise de liquidez resultante e a onda de falências resultam em deflação severa, com
consequências para o emprego e o padrão de vida. A adoção pós-crise das estratégias de
estabilização convencionais do Fundo Monetário Internacional (FMI) tende a piorar a situação.
Posteriormente, os governos tornam-se tão sensíveis à possibilidade de crises futuras que
continuem a adotar políticas macroeconômicas muito restritivas e restringir a despesa pública
mesmo em setores sociais cruciais. Finalmente, a deflação e a desvalorização do preço dos
ativos abrem caminho para entradas de capital estrangeiras que financiam uma transferência
de propriedade de ativos de investidores nacionais para investidores estrangeiros, permitindo
assim uma conquista pelo capital internacional de ativos e recursos nacionais importantes.
De certa forma, todas as economias que estiveram profundamente envolvidas na crise asiática
(Tailândia, Coreia do Sul, Indonésia, Malásia e Filipinas) se recuperaram, pelo menos em termos
de eventual retomada do crescimento do produto. Mas a recuperação não significou um
retorno ao status de "milagre". Em vez disso, acompanhou a aquisição significativa, a preços
desinflados, de ativos produtivos nessas economias por empresas estrangeiras. Isso envolveu
uma reestruturação substancial do setor financeiro. Isso alterou a natureza do engajamento
com o sistema mundial dessas economias. E envolveu um revés para as conquistas na frente do
desenvolvimento humano.
(...). O ajuste inicial da crise variou significativamente em todos os países, com uma aceleração
da liberalização em alguns (Coreia do Sul e Tailândia) e maior intervenção em outros (Malásia).
A resposta imediata tendeu a ser significativamente afetada pela extensão da intervenção do
FMI. De fato, o FMI foi fortemente criticado (Chandrasekhar e Ghosh, 1999; Stiglitz, 2004) por
seu papel, porque respondeu de forma que pode ter intensificado a crise. Em situações de
deflação de ativos e colapso associado à atividade econômica nos países atingidos por crises,
impôs uma maior pressão deflacionista ao exigir uma política monetária apertada e altas taxas
de juros (para reduzir as saídas de capital) e reduções nas despesas públicas (para gerar mais
superávits fiscais ou redução de déficits fiscais). Como resultado, a Tailândia, a Indonésia e a
Coreia do Sul sofreram reduções excepcionalmente acentuadas na atividade econômica e a
recuperação subsequente foi essencialmente facilitada por uma combinação de aumentos de
exportação induzidos pela desvalorização e alguma expansão fiscal, (...).
Durante a década subsequente, todas essas economias se recuperaram, embora de maneiras
diferentes e em diferentes graus determinados pela natureza da resposta política em países
individuais. Mas a recuperação não significou um retorno ao status de "milagre". Isso ocorre
porque a crise não levou a mudanças reais na estratégia de crescimento liderada pelas
exportações ou a uma maior regulamentação financeira que teria reduzido a fragilidade
financeira e possibilitado um crescimento mais inclusivo (Ghosh e Chandrasekhar, 2009a).
Em seu livro sobre a globalização Stiglitz [2002, p. 184 pp.] adverte que a crise da Rússia em
1998 foi parcialmente consequência da crise asiática em 1997, que deixou investidores mais
atentos com seus investimentos em países emergentes, e parcialmente consequência do
processo da transição de uma economia centralmente planejada para uma economia de
547
mercado depois da queda da União Soviética em 1991. Este processo de transição foi feito
com uma estratégia de choque neoliberal o que levou a muitos problemas econômicos e
sociais. Este clima de incerteza – por lado da população russa, bem como dos investidores
internacionais que haviam emprestado a Rússia, – acompanhada da dificuldade do governo
russo de arrecadar impostos e da queda da receita das exportações russas por causa da queda
expressiva dos preços de petróleo levou o país ao default.
Stiglitz conta a história:
Entre maio e junho de 1998 ficou claro que a Rússia precisaria de ajuda externa para manter
sua taxa de câmbio. A credibilidade da moeda havia acabado. Na crença de que uma
desvalorização era inevitável, as taxas de juros internas subiam rapidamente, e cada vez mais
dinheiro saía do país à medida que as pessoas convertiam seus rublos em dólares. Por causa do
medo que a população russa tinha de guardar rublos e da falta de confiança na capacidade do
governo de quitar sua dívida, em junho de 1998 o governo teve que pagar quase 60 por cento
de juros sobre seus empréstimos em rublos (GKOs). (...). O mercado imaginava haver uma
grande probabilidade de inadimplência, e o mercado estava certo.
E Stiglitz também conta as consequências;
(...). Os especuladores podiam ver a quantidade de reservas restante, e, conforme ela diminuía,
apostar cada vez mais em uma desvalorização foi se tornando a única alternativa. Esses
especuladores não arriscaram quase nada no colapso do rublo. Como era esperado, o FMI
socorreu a Rússia em julho de 1998 com um empréstimo de 4,8 bilhões de dólares. ....O pacote
total de socorro era de 22,6 bilhões de dólares. (...). Esperava-se que o dinheiro do Fundo
Monetário Internacional destinado a socorrer países com problemas fosse utilizado para apoiar
a taxa de câmbio. (...). Nossos cálculos mostravam que a taxa de câmbio da Rússia estava
supervalorizada, portanto, prover dinheiro para mantê-la seria somente má política econômica.
(...). Três semanas após a concessão do empréstimo, a Rússia anunciou uma suspensão
unilateral dos pagamentos e uma desvalorização do rublo. A moeda russa despencou. (...). A
recessão no Brasil agravou-se e o país acabou enfrentando também uma crise de sua moeda.
(...). O Federal Reserve Bank de Nova York planejou o socorro a um dos maiores fundos hedge,
o Long Term Capital Management, pois temia que a falência desse fundo pudesse precipitar
uma crise financeira global. (.. ). Nossas próprias previsões provaram estar corretas apenas em
parte: achávamos que o dinheiro poderia vir a sustentar o nível da taxa de câmbio por três
meses; isso só foi possível por três semanas. Sentimos que seriam necessários dias ou até
mesmo semanas para que os oligarcas retirassem o dinheiro do país; foram necessárias apenas
algumas horas para isso. (...). Quando o FMI foi confrontado com os fatos – os bilhões de
dólares em contas de bancos na Suíça e em Chipre apenas alguns dias depois o dinheiro entrar
no país -, alegou que esses não eram os seus dólares.
Pinto e Ulatow [2010, p. 2] descrevem o default de Rússia em 1998, levando a uma crise
cambial, bancária e o contágio da crise para o Brasil, entre outros países:
O colapso da Rússia em 1998 é mais um exemplo de globalização financeira que está sendo
associada a uma crise em um mercado emergente em vez de uma melhor alocação de recursos
e crescimento mais rápido. Em 17 de agosto de 1998, o governo russo desvalorizou o rublo e
anunciou uma reestruturação forçada de suas obrigações de dívida em rublo devido ao final de
1999, cujo valor nominal era de US $ 45 bilhões na taxa de câmbio anterior à crise. Também
declarou uma moratória de 90 dias sobre os acordos de dívida externa privada, posições curtas
sobre as emissões de divisas e margens de operações de recompra (repo) para ajudar seus
bancos comerciais, que estavam fortemente expostos à dívida pública. Mas os grandes bancos
privados de Moscou acabaram desmoronando de qualquer maneira, com os depositantes dada
a alternativa de transferir seus depósitos para a caixa de poupança pública Sberbank.
548
Uma revisão dos eventos sugere que o colapso possível de LTCM foi precipitado em parte pela
crise russa. Dungey et al. (2006, p. 3) observam que os spreads de títulos, especialmente nos
mercados emergentes, aumentavam expressivamente após a desvalorização e inadimplência
da Rússia, já que os riscos de crédito globais foram repensados; LTCM tinha feito grandes
apostas na expectativa de queda dos spreads. Jorion’s (2000) post-mortem indica que LTCM
teve um golpe substancial logo após a crise da Rússia em 17 de agosto de 1998. Ele relata que
os spreads de crédito aumentaram acentuadamente após a “bomba” russa enquanto os
mercados de ações mergulhavam. “LTCM perdeu US $ 550 milhões em 21 de agosto sozinho” e
52 por cento do seu valor em 31 de dezembro de 1997 foi apagado até o final de agosto de
1998. Se o LTCM tivesse sido autorizado a falhar, os riscos para os EUA e o sistema financeiro
global foram julgados como catastróficos por causa de suas transações no balanço ($ 125
bilhões) e fora do balanço (US $ 1,25 trilhão em vários derivativos). O ‘deleveraging’
[diminuição da dívida] forçado para atender às chamadas de margem resultaria em uma queda
espiral para baixo - emprestando uma linguagem da recente recessão. Para evitar uma crise
sistêmica, a ‘Federal Reserve’ de Nova York organizou um resgate estimulando 14 bancos a
investir $ 3,6 bilhões para uma participação de 90% na LTCM. E o Conselho da Reserva Federal
afrouxou a política monetária agressiva, reduzindo as taxas de juros três vezes em rápida
sucessão.
A OCDE [2001, p. 63 p.] fez uma descrição resumida da crise brasileira começando com o
contágio da crise russa em 1998 para o Brasil com seu ápice na mudança para um regime
cambial flexível em 15 de janeiro de 1999:
“A confiança deteriorou-se com a eclosão da crise russa em agosto de 1998. Ao final daquele
ano, o Brasil foi pressionado mais uma vez aumentar as taxas de juros, com vistas a manter os
ingressos líquidos de capital, de forma que as taxas de juros reais superaram 40% a.a. Em
outubro, o governo anunciou ambicioso plano de estabilização fiscal. (...). Em 6 de janeiro de
1999, o estado de Minas Gerais declarou moratória unilateral da sua dívida mobiliária externa.
Esse evento precipitou a necessidade de atuação política. Uma vez que a situação fiscal provou
ser resistente a ajustes, o mercado previu que o governo abandonaria a banda de flutuação
cambial. Em 13 de janeiro, o presidente do Banco Central renunciou e a política cambial foi
imediatamente alterada. A banda de flutuação para a taxa de câmbio foi ampliada, mas, após
dois dias consecutivos de saídas líquidas de capital (em torno de US$ 3 bilhões), o banco central
decidiu abandoná-la. Em três dias, o real perdeu 22% do seu valor. De maneira geral, os
mercados foram bastante receptivos à alteração do regime de câmbio. A crise cambial liberou a
autoridade monetária da armadilha em que se encontrava e também acelerou o ajuste fiscal. ”
Miranda [2001] em seu trabalho sobre crises cambiais e ataques especulativos no Brasil
mostra as mudanças das reservas e da taxa de câmbio também para o período do Plano Real.
A tabela a seguir mostra os eventos mais importantes entre 1994 e 1999 na política cambial do
Brasil.
Mellagi e Ishikawa [p. 98 pp.] mostram as fases diferentes da política cambial brasileira no
Plano Real entre 1994 e 1999. Na primeira fase do Plano Real de julho de 1994 até março de
1995 houve um regime de câmbio flutuante sem intervenção do Banco Central (exceto com o
compromisso de intervenção quando o preço de dólar sobe acima do ancora cambial de um
R$/US$). Com a crise mexicana finalmente em junho de 1995 foi introduzido o regime de
bandas largas cambiais com uma intrabanda, que se deslocava gradualmente conforme a
orientação da política cambial, praticamente um sistema de câmbio administrado com
desvalorizações periódicas previsíveis. Nessa sistemática, a autoridade monetária
comprometeu-se a intervir sempre que a taxa cambial atingisse os limites da banda. As crises
cambiais e econômicas no sudeste asiático (1997), na Rússia (1998) levaram a ajustamentos da
banda e aumentos da taxa básica SELIC.
Nos gráficos a seguir os efeitos no mercado de câmbio brasileiro (taxa de câmbio R$/US$) e
sobre o Risco Brasil (EMBI + Risco Brasil), bem como no Índice BOVESPA e na taxa SELIC de
mercado desde outubro de 1994 até janeiro de 2002. A taxa de juros SELIC é uma variável da
política monetária do Banco Central do Brasil (taxa básica), a taxa de câmbio é uma variável da
política cambial do Brasil no regime de câmbio administrado, até 15 de janeiro de 1999,
quando teve uma mudança para o regime de câmbio flutuante e a variável deixou de ser um
instrumento da política cambial e foi determinado pelo mercado cambial. O Risco Brasil
(medido em pontos básicos que refletem 0,01 ponto percentual) é uma medida da diferença
entre os rendimentos de títulos soberanos brasileiros (da dívida externa) e os rendimentos de
títulos do tesouro norte-americano. O Risco Brasil é determinado no mercado secundário de
títulos soberanos brasileiros (da dívida externa brasileira) e no mercado secundário dos títulos
soberanos dos EUA, o índice BOVESPA é determinado no mercado acionário brasileiro. Existe
também a possibilidade de medir o risco soberano através da cotação de Credit Default Swaps
(CDS) para os títulos da dívida externa brasileira.
551
Fonte: IPEADATA
Gráfico 89 Índice BOVESPA e taxa de juros SELIC de mercado de 10/1994 até 02/2002
Fonte: IPEADATA
Nos tempos de regime de câmbio administrado até 15 de janeiro de 1999 a taxa de câmbio
R$/US$ não mostra reflexos das crises de México, do leste asiático e da Rússia, nem do
552
contágio para o Brasil até janeiro de 1999, porque o regime de câmbio administrado previa
uma política cambial previsível de micro desvalorizações do real, até está política tornou-se
inviável em janeiro de 1999. Depois da mudança para o regime para o câmbio flutuante houve
uma depreciação muito forte da moeda brasileira chegando em 3 de março de 1999 em 2,16
R$/US$ e recuando lentamente depois [este processo é conhecido como ‘overshooting’ da
taxa de câmbio numa crise, a taxa antes da crise em 12/01/1999 de 1,21 R$/US$, uma
desvalorização depois para 1,32 R$/US$ (ampliando também a banda), que os agentes nos
mercados não aceitavam até em 15 de janeiro de 1999 houve a mudança do regime cambial]
Em setembro de 1999 começou novamente uma depreciação da moeda brasileira que se
acelerou em 2002 com previsão da eleição para o presidente. O Risco Brasil refletindo
confiança e expectativas dos investidores internacionais mostra aumentos expressivos em
cada crise (embora menos expressiva na crise asiática) chegando na crise pré-eleitoral em 27
de setembro de 2002 em 2.436 pontos básicos.
Num regime de câmbio administrado a política monetária está em primeiro lugar focada em
garantir o valor externo da moeda, a taxa de juros SELIC aumenta expressivamente em cada
crise para atrair capital estrangeiro e estancar a perda de reservas internacionais, bem como
fazer ataques especulativos mais caros. Mas uma alta taxa básica traz tendências recessivas e
não pode sustentado por muito tempo. O índice BOVESPA cai em cada crise por causa da
reversão das expectativas, da alta taxa de juros SELIC (com isto o investimento em títulos da
renda fixa torna se mais atrativo) e da diminuição da entrada de capital estrangeiro no
segmento de investimentos de portfólio ou mesmo da reversão para saídas de capital.
Krugman [1999 (2), p. 190 pp.] descreve os dias críticos na mudança de regime cambial em
janeiro de 1999:
Gráfico 90 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Saldo da balança comercial (em
milhões US$), Déficit fiscal em % do PIB, Transações correntes em % do PIB
Gráfico 91 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Investimento estrangeiro direto
(acumulados os últimos 12 meses), Investimento estrangeiro de carteira (acumulados os
últimos 12 meses), e outros investimentos estrangeiros (acumulados os últimos 12 meses)
Fonte: BCB
A crise de Argentina em 2001 com o default de Argentina sobre a dívida externa em dezembro
de 2001 (tema do próximo capítulo) tinha seus reflexos, embora menores, sobre o Brasil com o
risco país e a taxa de câmbio em ascensão, e o mercado de ações em queda, embora na hora
do default em dezembro2001/janeiro 2002 as turbulências para o Brasil já se acalmavam. No
556
ano 2001 um fator doméstico dos problemas econômico brasileiras foi a crise energética neste
ano, consequências das secas e da insuficiência dos investimentos em geração de energia
elétrica. A crise de Argentina nos últimos anos do século XX e seus reflexos sobre o Brasil, a
recessão de Argentina piorando com a desvalorização/depreciação do real desde janeiro de
1999, é descrito por Bacha [2017, posições 10007 pp.]:
A crise argentina de 1998/ 2001 impactou fortemente o Brasil por duas vias. Primeiro,
diretamente, pois em 1998 a Argentina respondia por 13% das exportações brasileiras,
percentual que, em 2002, se reduziu para apenas 4%. Segundo, indiretamente, porque na
época o mercado não fazia muitas diferenciações entre nações emergentes, ainda mais com a
proximidade geográfica com os vizinhos, e os problemas argentinos contaminavam a avaliação
do Mercosul, afetando negativamente o financiamento ao país.
A tabela a seguir mostra as perspectivas macroeconômicas do Brasil de 1980 até 2012, uma
análise empírica de dados mensais para o Brasil, refletindo os impactos das crises
internacionais na década de 1990 e 2000 para o Brasil encontra-se em um capítulo posterior.
Média Média
1980 – 1998 1999 2000 – 2002 2003
1997 2001
Taxa de crescimento do PIB real (%) 2,56 0,04 0,25 2,81 2,66 1,15
Taxa de inflação (%) 656,69 3,20 4,86 6,94 8,45 14,71
Taxa de desemprego (%) 5,30 7,60 7,60 9,18 11,67 12,30
Déficit fiscal em % do PIB -5,55 -7,39 -5,29 -2,99 -4,45 -5,23
Conta Corrente em % do PIB -2,16 -3,94 -4,32 -3,97 -1,51 0,76
Média
2004-
2009 2010 – Média 2000 – 2008
2008
2012
Taxa de crescimento do PIB real (%) 4,82 -0,33 3,71 3,72
Taxa de inflação (%) 5,39 4,89 5,69 7,11
Taxa de desemprego (%) 9,69 8,08 6,07 10,09
Déficit fiscal em % do PIB -2,76 -3,09 -2,65 -3,27
Conta Corrente em % do PIB 0,60 -1,50 -2,19 -0,63
Média
1995 – 1998 1999 2000 2001 2002
1997
Taxa de câmbio R$/US$ média do 1,04 1,16 1,81 1,83 2,35 2,92
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 51.693 43.902 36.342 33.015 35.866 37.832
Crédito doméstico ao setor privado (% 39,11 30,23 30,46 31,66 30,38 30,65
do PIB)
Média 2003 – 2008 2009 Média 2010 – 2012
Taxa de câmbio R$/US$ média do
2,40 2,00 1,80
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 102.665 238.539 336.717
Crédito doméstico ao setor privado (%
38,38 53,13 58,28
do PIB)
Fonte: IMF, World Bank,
As turbulências no mercado de câmbio e nos mercados de títulos da dívida externa soberana
brasileira começavam a partir de fim de abril de 2002 (risco país e taxa de câmbio R$/US$ em
557
ascensão e o índice BOVESPA em queda). As turbulências refletiam uma crise de confiança dos
mercados financeiros com o processo eleitoral no Brasil sobre uma possível política econômica
do futuro presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva em 2003, reforçado pelo default de Argentina
sobre sua dívida soberana no fim do ano 2001. Abreu [2014, posições 10594 pp.] reflete sobre
esta crise de confiança em 2002 e sobre suas raízes econômicas e políticas:
À medida que o espaço para ilusões sobre o provável desfecho da eleição presidencial se
estreitou, o temor de que pudesse haver um calote da dívida pública deflagrou um devastador
processo de desestabilização, quando detentores de ativos financeiros, em massa, tentaram se
proteger contra perdas patrimoniais. A taxa de câmbio saltou de R $ 2,4/ US $ no começo de
março para 3,4 no final de julho, quando o risco Brasil, medido pelo EMBI, superou a marca de
2.400 pontos-base. (...).
No final de junho, Lula foi convencido a publicar uma carta aberta à Nação – “Carta ao Povo
Brasileiro” –, na qual tentava acalmar os mercados financeiros, ressaltando seu compromisso
com princípios básicos de uma política macroeconômica coerente. Mas os mercados
mostraram-se céticos, para dizer o mínimo. Como a turbulência continuava a ganhar força, o
governo tentou negociar mais um pacote de ajuda externa, no quadro de um novo acordo com
o FMI, que pudesse ajudar a manter a situação sob controle.
Em agosto foi fechado um acordo entre o Brasil e o FMI sobre um pacote de ajuda de 30 US$
bilhões [Abreu, 2014]:
O novo acordo com o FMI, envolvendo o maior empréstimo até então concedido pela
instituição – US $ 30 bilhões, num período de 15 meses –, foi anunciado no início de agosto. A
maior parte do desembolso estava prevista para 2003, primeiro ano do mandato presidencial
que estava prestes a ter início. US $ 24 bilhões estariam à disposição do novo governo. Após
certa hesitação inevitável, todos os candidatos presidenciais relevantes, Lula inclusive, tiveram
encontros separados com FHC e se comprometeram a cumprir os pontos essenciais do acordo.
Foi um rito de passagem da maior importância. E que abriu a Lula espaço de manobra para
abandonar o discurso mais radical e se mover decisivamente para o centro. Mas os mercados
não se convenceram. Mostraram algum alívio, mas continuaram tomados pelo ceticismo.
O Banco Central do Brasil em seu relatório anual de 2002 [p. 123 pp.] avalia o caminho que
levou a economia brasileira em 2002/03 para uma séria crise cambial:
Em 23.10.2003, na semana que antecedeu ao segundo turno das eleições presidenciais, a PTAX-
venda atingiu R$3,9552/US$, a cotação máxima do Plano Real. Concluído o processo eleitoral,
a moeda norte-americana iniciou trajetória de baixa, encerrando o ano em R$3,5333. A
apreciação do real no período pós-eleitoral refletiu a percepção positiva da comunidade
financeira quanto ao compromisso do novo governo com a austeridade fiscal e a estabilidade
de preços.
O próximo gráfico mostra a profundeza da crise cambial de 2002/2003, uma crise de confiança
que se refletiu na explosão do risco país espelhando a venda de títulos da dívida externa
soberana brasileira nos mercados secundários, e na ascensão expressiva da taxa de câmbio
refletindo a fuga de capitais do país.
Gráfico 92 Brasil 2002 até 2004: Risco país e taxa de câmbio R$/US$
Na interpretação dos dados é necessário considerar, que os impactos das crises de 1998/1999
e 2002/2003 sobre o lado real da economia foram menos expressivos do que os impactos das
crises em outros países, como, por exemplo, na Indonésia em 1998 e na Argentina em 2002,
onde o PIB estava caindo a taxas de dois dígitos. No Brasil em 1998 a economia estagnou e o
crescimento foi baixo em 1999, 2002 e 2003, mas não houve recessão. A taxa de desemprego
fica elevada em 1998/1999 e em 2002/2003, mas para o último período este é parcialmente
reflexo da mudança da metodologia do cálculo da taxa de desemprego pelo IBGE em 2002.
Especialmente em 2002/2003 houve um aumento expressivo da taxa de inflação como
consequência da forte depreciação do real. Nestes anos a taxa de inflação estourou a meta da
inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.
559
As mudanças nas políticas econômicas brasileiras já foram descritas na narrativa sobre a crise
de 1998/1999, o ‘tripé’ de um superávit primário expressivo, as metas da inflação e o câmbio
flutuante. Na primeira presidência de “Lula” esta ortodoxia macroeconômica foi mantida,
porém, no mesmo período houve ampliações expressivas de programas sociais existentes e a
criação de novos programas sociais, ajudadas pelo ambiente global de prosperidade até a crise
financeira global de 2008/2009. Nesta última crise houve certo afrouxamento dos objetivos
fiscais para superar mais rápido a crise.
Em 2001-02, a Argentina experimentou uma das piores crises econômicas de sua história. A
produção caiu em cerca de 20 por cento ao longo de 3 anos, a inflação voltou, o governo fiz um
default sobre sua dívida, o sistema bancário estava em grande parte paralisado, e o peso
argentino, que costumava ser vinculado ao dólar norte-americano, atingiu níveis de Arg$ 3.90
por dólar norte-americano (em junho de 2002). Nos primeiros meses de 2003, surgiram sinais
de recuperação, mas permaneceu um longo caminho de volta ao crescimento sustentado e a
estabilidade. (...).
Os eventos da crise, que levavam a grandes sofrimentos para o povo da Argentina, são ainda
mais preocupantes à luz do desempenho forte passado do país. Menos de cinco anos antes, a
Argentina foi amplamente aclamada como modelo de reforma econômica bem-sucedida: a
inflação, que atingiu níveis hiperinflacionários na década de 1980, estava em baixos dígitos, o
crescimento do produto era impressionante e a economia tinha superado com sucesso a
Tequila crise de meados da década de 1990. Então, no final da década de 1990, o país entrou
em uma depressão da qual não conseguiu se livrar. Certamente, houve reconhecimento
generalizado das vulnerabilidades subjacentes da economia - que, em retrospectiva,
desempenharam um papel crucial nos eventos subsequentes -, além de importantes fraquezas
na implementação de políticas e, mais tarde, erros para lidar com a crise. Mas a Argentina foi
amplamente considerada um reformador modelo e estava envolvida em uma sucessão de
programas apoiados pelo FMI (alguns dos quais eram preventivos) durante grande parte da
década de 1990, quando muitas das vulnerabilidades estavam aumentando.
Com a mudança do regime cambial no Brasil em janeiro 1999 e a depreciação expressiva do
real em relação ao dólar, mas também em relação ao peso argentino, que ficava atrelado ao
dólar na relação um a um em uma camisa de força de um “conselho monetário”, estabelecido
em 1990 para recuperar a confiança dos mercados financeiros internacionais em um ambiente
da memória dos tempos de hiperinflação e instabilidade macroeconômica. A situação
econômica da Argentina ficava mais difícil com a perda de competitividade em relação a
muitos países parceiros comerciais de Argentina, consequências da apreciação real do peso
argentino com uma taxa fixa do câmbio nominal, uma inflação residual na Argentina e a
desvalorização/depreciação do real em janeiro de 1999. Como em México, no leste asiático e
560
no Brasil uma das causas da crise foi a rigidez do regime cambial, outra causa os problemas da
estabilidade fiscal. Eichengreen [2003, p. 100 pp.] conta a história da crise:
Por algum tempo, o conselho monetário pareceu funcionar bem. A inflação, que havia
ultrapassado 2.300 por cento em 1990, caiu para 4 por cento em 1994! Isso era claramente
resultado das limitações rigorosas que o conselho monetário impôs ao crescimento da moeda.
Mais impressionante ainda, essa acentuada queda da inflação foi acompanhada de um forte
crescimento do produto, em média de 5 por cento ao ano, de 1991 a 1999. A partir de 1999,
entretanto, o crescimento tornou-se negativo e a Argentina entrou em uma longa e profunda
recessão. A recessão foi consequência do conselho monetário? Sim e não.
Com a ancoração do peso argentino ao dólar na relação um a um e o dólar se apreciando no
nível mundial na segunda metade da década de 1990, o peso argentino tornou-se
561
Journal: Macroeconomics, 2014], teve uma mudança de percepção do risco dos títulos de
dívida soberana dos países emergentes pelos investidores internacionais com impacto na crise
pré-eleitoral em 2002 no Brasil, além do cenário político brasileiro, referido no capítulo
anterior.
Em primeiro lugar cresceu a percepção da instabilidade do capitalismo global com vista a estas
crises, embora a discussão sobre as causas e os remédios estava controversa. De fato, cresceu
o número das crises financeiras com profundas consequências reais para a população dos
países atingidos neste período, como também pode ser acompanhado quantitativamente na
pesquisa de Reinhart e Rogoff [2009]. No ambiente acadêmico foram desenvolvidas três
gerações de modelos de crises cambiais ou monetárias, que refletem tentativas para
compreender melhor as crises neste período. Eles são discutidos na parte sobre as tentativas
de diferentes correntes de pensamento econômico de explicar as crises.
reservas internacionais nos países emergentes. Na década de 2000 muitos países emergentes
aumentavam expressivamente os estoques de suas reservas internacionais como proteção
contra crises cambiais, com isto havia fluxos de capitais dos países emergentes para o centro
do capitalismo global, os Estados Unidos, ajudando em fomentar a bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos.
Os programas do FMI e de outros órgãos internacionais nas crises, orientados por receitas de
austeridade que prejudicavam mais as camadas mais fracas das sociedades, foram seriamente
criticadas como políticas neoliberais em interesse dos países centrais. Nesta discussão
surgiram também movimentos antiglobalização dando fortes impulsos anticapitalistas a
discussão pública. A crítica da ideologia neoliberal tornou-se mais forte depois da crise
financeira global, mas já na década de 2000 levaram ao poder na América Latina muitos
governos com tendências contra o Consenso (neoliberal) de Washington.
Em 2008, o castelo de cartas desmoronou. Aprendemos que as hipotecas tinham sido vendidas a
pessoas que não podiam pagar por elas ou não as entender. Os bancos tinham feito grandes
apostas e distribuídos grandes bônus com o dinheiro de outras pessoas. Reguladores tinham olhado
para o outro lado, ou não tinham autoridade para evitar o mau comportamento. Foi errado. Foi
irresponsável. E mergulhou nossa economia em uma crise que colocou milhões fora do trabalho,
selou-nos com mais dívida, e deixaram os trabalhadores americanos inocentes para arcar com os
custos da crise. Barack Obama 93
Nesta nova variante do velho conflito entre Wall Street e o resto do país, os bancos apontaram uma
arma para a cabeça do povo americano: “Se você não nos der mais dinheiro, você vai sofrer.” Não
houve alternativas eles disseram. Se você impõe restrições – se você nós impede de pagar
dividendos e bônus, ou se você responsabiliza nossos executivos, nunca seremos capazes de
levantar capital no futuro. Talvez eles estivessem certos, (...). Veteranos de outras crises sabiam
sobre o que estava por vir: perdas tinham sido criadas, e as batalhas seriam travadas sobre quem
pagaria por eles. Joseph Stiglitz, Freefall, p. 50
Deixe-os comer de crédito. (…). Os políticos têm reconhecido o problema da desigualdade
crescente. (...). Os políticos procuravam outras formas de melhorar a vida de seus eleitores. Desde
os 1980s, a resposta mais sedutora foi o crédito mais fácil. (...) O crédito fácil tem grandes
benefícios, imediatos e amplamente distribuídos, enquanto os custos encontram-se no futuro.
Rhaguram G. Rajan94
i. Introdução
A crise foi um fracasso sistemico, e as ideias que a sustentaram, não os tomadores de decisões
individuais ou banqueiros, incompetentes e gananciosos, embora alguns deles, indubitavelmente,
fossem. Houve um mal-entendido geral sobre como a economia mundial funcionava. (…) Um dos
argumentos deste livro é que a economia encorajou modos de pensar que tornaram as crises mais
prováveis. Economistas trouxeram o problema para si mesmos fingindo que podem prever.
Mervyn King, The end of alchemy, p. 6
A crise financeira global começou nos Estados Unidos em 2007 com a quebra do mercado
imobiliário e hipotecário levando a falência de bancos agindo no mercado hipotecário95 e
aumentando a incerteza sobre o valor, o risco e a liquidez dos títulos lastreados por hipotecas
(Mortgage-Backed Assets MBA, Collateralized Debt Obligations CDO). Em setembro de 2008 a
crise financeira mostrou nos Estados Unidos sua face mais dramática: Uma corrida aos fundos
monetários e a seca nos mercados monetários, a falta de liquidez no mercado interbancário
por causa da desconfiança dos bancos sobre a solvência e liquidez de suas contrapartidas
elevando expressivamente a taxa de juros de curto prazo, a intervenção do governo e quase
nacionalização96 dos gigantes no mercado hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac, a falência do
banco de investimento Lehman Brothers97 e a salvação da maior seguradora dos Estados
Unidos AIG pelo governo norte-americano, envolvendo cerca 180 bilhões de US$ dos
contribuintes de impostos. Estes foram os ápices da crise financeira global dos anos 2008/2009
que levavam o Federal Reserve e o tesouro norte-americano a intervenções antes nunca vistas,
para salvar o sistema financeiro nacional e evitar uma nova Grande Depressão. Coggan [s.a.,
posição 3031 pp.] reflete sobre estas mudanças das politicas:
565
As causas da Grande Recessão, como o Bank of international Settlements (BIS) chamou a crise
financeira global de 2008/2009 [BIS 81st Annual Report 2011, p. 10] ainda estão em discussão
controversa entre economistas e políticos, concentrando-se nas falhas dos mercados ou
focando as falhas do governo e dos bancos centrais na evolução da crise.
As falhas dos governos e dos bancos centrais, não só nos Estados Unidos, foram as políticas
monetárias excessivamente expansionistas desde a quebra do mercado de ações das novas
tecnologias em 2000/2001, resultando em uma expansão expressiva do crédito criando uma
bolha no mercado imobiliário, falhas na regulação do sistema financeiro especialmente no
controle de novos instrumentos financeiros nos mercados de títulos da dívida e derivativos
(MBAs, CDOs e CDS – Credit Default Swaps) [The Financial Crisis Inquiry Commission, 2011, p.
XVI].
CDS) criavam riscos desconhecidos, e a crença falsa de ser protegido contra os riscos nos
mercados de derivativos levava a criação de empréstimos hipotecários sem avaliação de risco
do devedor (devedores de alto risco – subprime). Com a securitização das hipotecas em CDOs
os créditos saiavam da contabilidade do banco e os compradores sentiam se protegidos pela
compra de CDSs. A falha das agências de rating de avaliar adequadamente o risco de hipotecas
securitizadas também foram consequências de incentivos errados e de conflitos de interesse.
O problema de risco moral, criado pelos governos e bancos centrais garantindo o bail out das
instituições financeiras “grandes demais para falir”, em caso de iliquidez, mas também em
caso de insolvência, incentivou ainda mais a procura de lucro fácil, mas arriscado, pelas
instituições financeiras. Este problema do risco moral pode ser visto como um problema geral
do sistema financeiro [Roubini, 2010] e como uma forma de privatizar lucros e socializar as
perdas do setor privado e transferir dívidas e riscos do setor privado para o setor público. A
hipótese de Minsky [2008, p. 230] da instabilidade inerente do sistema financeiro em uma
economia capitalista criada pela expansão excessiva de crédito no boom e a retração do
crédito na crise a seguir pode ser visto como uma generalização dos problemas de falhas do
mercado.
A tabela a seguir mostra as perspectivas da crise global para os Estados Unidos, a China, o
Japão e a Alemanha e o Brasil, refletindo de forma geral as quedas na produção, nas
exportações e importações de bens e, como consequência das políticas macroeconômicas
expansionistas, o aumento das dívidas públicas em relação ao PIB. A tabela mostra também
nas estatísticas sobre a conta corrente em relação ao PIB os desequilíbrios globais entre países
com superávits persistentes na conta corrente (China, Japão e Alemanha), que acumulavam
reservas internacionais, e os Estados Unidos com déficits persistentes na conta corrente, que
somente conseguiu financiar estes déficits a taxas de juros baixos com a venda expressiva dos
títulos do tesouro norte-americano para os países superavitários aumentando as reservas
internacionais destes países, criando também nos Estados Unidos a possibilidade de uma
expansão maciça do crédito. Com exceção de China, que tinha em 2009 um crescimento
positivo do PIB de 9,2%, mas enfrentou também forte queda das exportações, todos os países
567
na tabela mostram uma queda expressiva da atividade econômica em 2009 e uma queda
expressiva das exportações e importações.
Tabela 125 Perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e
Brasil 1980-2012
A crise financeira global levou governos e bancos centrais no mundo para medidas monetárias
e fiscais expansionistas nunca vistas antes para salvar o mundo de uma nova Grande
Depressão como na década de 1930. ‘Quantitative’ e ‘Qualitative Easing’ (QE) por parte dos
bancos centrais [comprando títulos soberanos e alguns títulos do setor privado e diminuindo
as exigências sobre a qualidade dos títulos a serem comprados, expandindo a quantidade de
568
Mas as políticas expansionistas fiscais e monetárias, que ajudavam os países voltar para a
estabilidade financeira e o crescimento em 2010, tinham um preço. Os balanços de muitos dos
bancos centrais das economias centrais estão cheios de ativos financeiros de risco, comprados
para salvar o sistema financeiro. A expansão monetária prolongada pode no futuro levar a
aceleração da inflação nas economias centrais e pode ser visto também como uma forma de
guerra cambial [como o ministro da fazenda do Brasil Mantega [Globo.com, 2012] caracterizou
a política QE 98) para depreciar a própria moeda nos países centrais, ganhando vantagem em
competitividade prejudicando a indústria brasileira (embora o US$ estava se valorizando na
crise em relação a outras moedas dos países centrais pelo papel dos EUA como porto seguro
para capitais internacionais). No canal monetário da transmissão da crise o ambiente de juros
baixos nos países centrais levou também a entrada de capital nos países com juros mais
elevados, como o Brasil, apreciando a moeda nacional ainda mais depois da queda inicial do
real na crise. Mas o maior problema parece ser o crescimento expressivo da dívida pública e do
déficit fiscal em muitas economias centrais, criado pelas medidas keynesianas expansionistas
para salvar o mundo de uma nova depressão e através da transferência de dívida e risco do
setor privado para o setor público (por meio de medidas de emergência de bancos centrais e
do governo central). O problema mais importante após a crise foi a desalavancagem
(deleveraging) do setor privado e público. O Relatório Anual 81 do Bank for International
569
Settlements (BIS) de 2011 [p.10, tradução do autor] mostra os problemas para muitos países
no futuro:
“Crises relacionadas com expansões de dívida soberana pioraram o que já eram insustentáveis
trajetórias de política fiscal e a dívida do sector privado e público continua a ser demasiado
elevado. O resultado é que, hoje, os políticos e as famílias não têm praticamente nenhum
espaço de manobra. Todas as crises financeiras, especialmente aqueles gerados por bolha
imobiliária alimentada pela expansão do crédito, levam a problemas econômicos prolongados.
Precisamos nos proteger contra as políticas que retardam o ajuste inevitável. Quanto mais cedo
as economias centrais abandonam o crescimento pela alavancagem do setor privado e público,
quanto mais cedo eles vão conseguir diminuir a dívida desestabilizadora acumulada durante a
última década e voltar ao crescimento sustentável. O tempo para a consolidação da dívida
pública e privada é agora. “
Mas, por exemplo, a diretora do FMI, Lagarde (2012), advertiu que a consolidação fiscal
precisa ser feita de forma sensata, para não prejudicar o crescimento e a estabilidade política e
social e evitar uma espiral deflacionária. Uma politica de austeridade na crise seguinte da
dívida soberana na área do euro aprofundou os problemas econômicos especialmente na
Grécia.
Também é importante lembrar que o aumento das dívidas soberanas em muitos países e as
crises das dívidas do setor público foi consequência em primeiro lugar das crises do setor
financeiro privado e das crises bancárias, com exceção possível de Grécia, onde também a
dívida pública cresceu antes da crise, embora o golpe final para a dívida pública grega foi
também a crise financeira global.
O capítulo faz uma narrativa curta dos eventos e desequilíbrios que precedem a crise nos
Estados Unidos (e – parcialmente - em outros países), com o ápice da crise em setembro de
2008, quando começou também o contágio da crise para outros países do mundo, embora já
houvesse crises de bancos em alguns países da Europa antes desta data. Na evolução da crise
nos Estados Unidos o foco está nos anos exuberantes da década de 1990 [Stiglitz, 2004], com a
bolha de mercado das ações das novas tecnologias (negociadas em primeiro lugar no mercado
de ações NASDAQ), sua quebra em 2000, seguida de uma política monetária expansionista
prolongada da Federal Reserve. Com esta politica monetária se iniciou uma bolha no mercado
imobiliário dos Estados Unidos, que foi uma das causas da crise financeira global de
2008/2009. Sobre as bolhas especulativas precedendo crises, sobre crises bancárias e sua
relação com a desregulamentação na agenda neoliberal, sobre os desequilíbrios globais e o
contágio da crise para outros países relatam capítulos posteriores.
Na década de 1990 depois da recessão curta e leve de 1990/1991 houve nos Estados Unidos
uma expansão econômica expressiva com uma taxa média de crescimento do PIB de 3,9%,
570
Gráfico 93 Índices (1980:1 = 100) dos índices de mercado de ações norte-americano Standard
& Poor’s 500, Dow Jones Industrial e NASDAQ 1980:1 até 2013:5
Stiglitz [2004, p. 3 pp.] resume - antes da crise financeira global - os exuberantes anos da
década de 1990 nos Estado Unidos e seu fim da seguinte forma:
O que aconteceu nos exuberantes anos 90 foi que um conjunto de cheques e contrapesos de
longa data - um equilíbrio entre ‘Wall Street’ e ‘Main Street’ 99(...), entre indústria velha e nova
tecnologia, governo e o mercado – foi quebrado, de algumas maneiras essenciais, pela nova
ascensão das finanças. (...).
Nos exuberantes anos noventa, o crescimento subiu para níveis não vistos em uma geração.
Artigos de jornais e especialistas proclamaram que havia uma Nova Economia, que as recessões
eram uma coisa do passado e que a globalização iria trazer prosperidade ao mundo inteiro.
Mas, no final da década, o que parecia ser o alvorecer de uma nova era começou a parecer
cada vez mais como uma dessas breves explosões de atividade econômica, ou hiperatividade,
inevitavelmente seguida por uma quebra que marcou o capitalismo por duzentos anos. Exceto
desta vez, a bolha - o ‘boom’ na economia e no mercado de ações - foi maior, e também as suas
consequências (...).
O ‘NASDAQ Composite Index’, que contém principalmente ações de tecnologia, subiu de 500
em abril de 1991 para 1.000 em julho de 1995, superando 2.000 em julho de 1998 e,
571
finalmente, atingiu o pico em 5.132 em março de 2000. O boom do mercado de ações reforçou
a confiança dos consumidores, que também atingiu novos níveis altos, e proporcionou um forte
impulso para o investimento, especialmente nos setores de telecomunicações e da alta
tecnologia em expansão. (...).
Os próximos anos confirmaram suspeitas de que os números eram irreais, já que o mercado de
ações estabeleceu novos recordes de declínios. Nos próximos dois anos, US $ 8,5 trilhões foram
apagados do valor das empresas registradas na bolsa de valores da América - um montante que
excede a renda anual de todos os países do mundo. (...).
A Enron foi a maior falência corporativa [em 2001] - até a WorldCom ter chegado em julho de
2002. (..).
Stiglitz [2004, p. 9 pp.] resume as causas da quebra da bolha da década de 1990, que preveem
algumas causas da crise financeira global de 2008/2009:
A primeira [causa] foi o ‘boom’ em si: era uma bolha clássica, os preços dos ativos não
relacionados aos valores subjacentes, de um tipo familiar ao capitalismo ao longo dos séculos.
(...).
Uma contabilidade viciada forneceu informações ruins, e parte da exuberância irracional foi
baseada nessa má informação. (...). O sistema de remuneração para os CEO proporcionou
incentivos para tirar proveito das limitações em nossos sistemas contábeis. (...).
Em vários setores, a América tinha um sistema regulatório antiquado, que não acompanhava as
mudanças na tecnologia que estavam transformando a economia, mas estávamos presos
demais no mantra da desregulamentação, destruindo partes da regulamentação. (...).
Incentivos distorcidos combinados com a exuberância irracional induziram os novos gigantes
financeiros de América fornecer as finanças que subscreveram a bolha; eles fizeram bilhões de
IPOs (ofertas públicas iniciais) e o impulso enganador de suas ações favorecidas, mesmo que
seus ganhos tivessem que vir a expensas de alguém - na maioria dos casos, acionistas
ordinários. (...).
Mas para adicionar espuma ao frenesi, os impostos sobre os ganhos de capital (impostos sobre
os aumentos no valor de ativos como ações entre venda e compra) foram reduzidos. Aqueles
que ganharam seu dinheiro especulando e ganhando no mercado de ações eram os heróis do
dia, e deveriam ser tributados de forma mais leve do que aqueles que ganhavam seu pão com o
suor de sua testa. Com a especulação tão especialmente abençoada, mais dinheiro se espalhou,
e a bolha ficou mais inchada.
A queda no mercado de ações (‘dotcom e telecom bust’) começou em fevereiro de 2000 (com
uma curta recuperação entre junho e agosto deste ano) levando a uma desaceleração da
economia norte-americana. Em seguida houve uma curta e leve recessão da economia norte
americana. O presidente da Federal Reserve [Greenspan] reagiu afrouxando a politica
monetária e depois dos ataques terroristas em setembro de 2001 cortou ainda mais a taxa
básica (Federal Funds Rate) e injetou moeda na economia norte-americana para evitar uma
falta de crédito e uma recessão pior. Estas medidas foram interpretadas pelos atores nos
mercados financeiros como “Greenspan put”, medidas expansionistas da FED, a serem usadas
em caso de sinais de qualquer fraqueza dos mercados de ações, para evitar a falta de liquidez
nos mercados financeiros, as mesmas medidas expansionistas que o Federal Reserve (FED)
usou no ‘crash’ do mercado de ações em 1987 e na crise de Rússia em 1998 na quase falência
do fundo de ‘hedge’ ‘Long Term Capital Management’ [The Financial Crisis Inquiry
572
Commission, p. 60 p.]. A crise dotcom (em 2000) e a crise seguinte no mercado imobiliário e no
mercado de crédito começando em 2007 mostravam que a politica monetária do Federal
Reserve foi assimétrica, usando medidas expansionistas para evitar uma crise de liquidez no
caso de um estouro de uma bolha especulativa, mas evitando uma politica restritiva quando
uma bolha especulativa estava se desenvolvendo. O Gráfico a seguir mostra o
desenvolvimento da taxa básica e da base monetária, mostrando as politicas expansionistas
em tempos de crise, especialmente na crise financeira global de 2008/09.
Gráfico 94 Base Monetária (eixo esquerdo) e Federal Funds Rate (efetiva) (eixo direito) nos
Estados Unidos 1980 – 2013:5
Até a crise financeira global o ‘Greenspan put’ em tempos de crise pode ser visto em primeiro
lugar na Federal Funds Rate, depois da quebra do banco de investimento Lehman Brothers em
15 de setembro de 2008 começa a expansão expressiva da base monetária que mostra uma
mudança drástica da politica monetária da FED na direção expansionista (Quantitative Easing).
hipotecário foi ficar com o crédito no balanço até o vencimento (modelo ‘originate-
to-hold’’) foi substituído pelo modelo de conceder o crédito e vender o crédito para
criar títulos lastreados por estes créditos (em primeiro lugar pelos bancos de
investimento, que vendiam grande parte destes títulos para clientes: ‘Collateral Debt
Obligartions’ CDO, ‘Mortgage Backed assets’ MBA, securitização) – o modelo originate
100
to distribute . Com isto os bancos que concedem crédito hipotecário (e outros
créditos que podem ser securitizados) conseguiam recursos financeiros para conceder
novos créditos e foram menos preocupados com o risco de default dos devedores
(créditos subprime), porque os créditos saiam dos balanços dos bancos com a
securitização.
foram capturadas pelos emitentes destes títulos pelas taxas de remuneração para sua
avaliação de risco, bem como suas atividades de consultaria.
• A tentativa dos governos dos Estados Unidos de estimular a compra de uma casa
própria também para pessoas de renda baixa (ou sem nenhuma renda) e de risco
elevado através de políticas públicas foi também um fator para aquecer o mercado
imobiliário dos Estados Unidos. As entidades públicas como Freddie Mac e Fannie Mae
agindo no mercado secundário de hipotecas foram politicamente forçadas para
estender os portfolios de créditos com riscos mais elevados. Freddie Mac e Fannie
Mae de propriedade privada (até 2008, depois em ‘conservatorship’), mas com
garantias implícitas do governo contra uma possível falência ou um default sobre a
dívida aplicavam com isto mais em créditos com risco elevado.
No inicio de 2007 houve os Primeiros sinais de uma crise nos Estados Unidos nos mercados
imobiliários, mercados de crédito e mercados de títulos de dívida lastreados por hipotecas
(MBA, CDO), os preços das residências começavam a estagnar e cair, levando a inadimplências
entre os devedores das hipotecas e criando incertezas sobre os títulos lastreados por
hipotecas. Em julho de 2007 dois fundos de banco de investimento Bear Stearns investidos em
títulos lastrados por hipotecas falhavam. Bancos em Europa como a BNP Paribas (França) e a
Industriekreditbank IKB (Alemanha) entravam em dificuldades porque estavam investidos em
títulos lastreados por hipotecas financiados por créditos de curto prazo (ou pela emissão de
títulos de curto prazo). A BNP Paribas fechou em agosto de 2007 dois fundos com exposição
nestes títulos. O Industriekreditbank é um banco médio fornecendo crédito a empresas
médias, parcialmente da propriedade do banco alemão estatal de desenvolvimento
Kreditanstalt für Wiederaufbau (38% em 2007), com ativos totais em 2007 de € 52 bilhões
[Fuchs, p. 50 p.]. O banco teve um conduit Rhineland Funding nos Estados Unidos investidos
em títulos de longo prazo lastreados por hipotecas de € 12 bilhões [The Economist] financiados
com pouco capital próprio e emissão de títulos de curto prazo e créditos de curto prazo.
Quando os mercados de crédito começavam a se preocupar em 2007 com o risco, o IKB não
conseguiu rolar os créditos de curto prazo. Goldman Sachs que ajudou a IKB levantar recursos
no mercado de ‘comercial papers’ desistiu e a Deutsche Bank cortava as linhas de crédito da
IKB [The Financial Crisis Inquiry Commission, p. 247]. A consequência foi um ‘bail out’ pela
Kreditanstalt für Wiederaufbau e outros bancos injetando quase € 12 bilhões em liquidez e
assumindo € 1 bilhão dos prejuízos dos € 3,5 bilhões estimados na carteira da IKB [The
Economist]. Este problema dos investimentos em títulos de longo prazo de bancos em ‘Special
Investment Vehicles’ e ‘conduits’ financiados com pouco capital próprio e créditos ou títulos de
576
A crise financeira global tinha seu ápice neste mês de setembro de 2008. A história destes
eventos e o contágio da crise para a economia global já foi muitas vezes contada e pode ser
contada aqui de forma resumida. No 7 de setembro de 2007 os GSE (‘Government-Sponsored
Enterprises) Fannie Mae e Freddie Mac sofriam intervenção do Estado norte-americano
(conservatorship’), empresas de capital aberto desde 1968, possuindo e garantindo a dívida de
US$ 5,3 Trilhões em hipotecas, altamente alavancadas com somente 2% do capital próprio
[The Financial Crisis Inquiry Commission, p. 309 p.]. Críticos conservadores apontam os GSE
bem com a politica habitacional governamental como fatores importantes para a eclosão da
crise, focando as falhas do governo. The FinanciaL Crisis Inquiry Commission [p. XXVI p.] está
chegando a uma avaliação diferente. As duas entidades contribuíam para a crise, mas não
foram as causas primárias da crise. A comissão também conclui [p. XXVII p.] que a politica
habitacional dos governos desde décadas, representado em primeiro lugar pela Community
577
Reinvestment Act (CRA) de 1977, não foi significativamente responsável pela concessão de
hipotecas de alto risco (subprime), muitos credores destas hipotecas não eram sujeitos a CRA.
O evento que significativamente aprofundou a crise e tornou ela global foi a falência de banco
de investimento ‘Lehman Brothers’ em 15 setembro de 2008, então não foi o fator principal na
eclosão da crise. Esta discussão sobre estes fatores relacionados a falhas dos mercados e
falhas do governo são discutidos em um capitulo posterior. Em 16 de setembro de 2008,
possivelmente em consequência no pânico nos mercados financeiros depois da falência de
‘Lehman Brother’s a maior seguradora dos Estados Unidos AIG foi salva (‘bail out’) pelo
governo norte-americano e da FED, comprometendo inicialmente US$ 180 bilhões do
contribuinte de impostos. A AIG foi lançadora importante de CDS (‘Credit Default Swaps’) no
mercado de derivativos e com a quebra do mercado dos títulos lastreados por hipotecas
faltava liquidez pagar os compradores dos CDS ou aumentar e satisfazer as chamadas de
margem.
Turbulências financeiras podem se espalhar por diferentes canais de contágio. Möller e Vital
[2016, p. 135] caracterizam os canais de transmissão de crises: o canal real, onde uma queda
da demanda global influencia negativamente em primeiro lugar através de uma queda das
exportações a atividade econômica, o canal monetário, onde uma queda dos influxos de
capital nos segmentos de investimento direto, de investimento de portfólio, e de crédito, bem
como uma queda expressiva dos preços de ativos financeiros, pode influenciar negativamente
a atividade real e financeira, o canal de expectativas, onde informações da crise influenciam
negativamente as expectativas dos agentes econômicas em outros países. Pode se ainda
acrescentar um canal político, onde os governos tentam diminuir os efeitos negativos da crise
através de medidas de protecionismo comercial, desvalorização cambial, controles de capital e
outras intervenções. Uma crise de setor privado pode contagiar também o setor público, como
na crise financeira global de 2008/2009, onde a salvação dos sistemas financeiros nacionais, a
transferência de dívidas e riscos, e prolongadas políticas fiscais e monetárias expansionistas
pelos governos e bancos centrais tornavam uma crise financeira do setor privado uma crise
fiscal e de dívida do Estado. Na Europa este processo criou a crise da dívida soberana na área
do euro, ampliada pela camisa de força da moeda única, o euro.
579
Existem métodos econométricos para testar o contágio para crises especificas, por exemplo,
descritos em Bae, Karoly e Stulz [s.a.], mas, aqui tenta se pesquisar o contágio de forma mais
simples com a estatística descritiva. O canal real da transmissão da crise norte-americana para
a economia global mostra-se no próximo gráfico, como exemplo, na queda das exportações
em muitos países. No quarto trimestre de 2007 a economia dos Estados Unidos entra em
recessão (-3,1% em relação ao trimestre anterior – [FRED] com ajuste sazonal), segue uma
curta recuperação no trimestre seguinte, até a economia norte-americana entra numa
recessão até o segundo trimestre de 2009 quando começa a recuperação, com a queda mais
profunda no terceiro trimestre de 2008 com –10,1%. A União Europeia entra em 2008 na
recessão, como também o Japão, o Brasil entra em uma recessão curta no primeiro trimestre
de 2009, a China experimenta em 2008 e 2009 somente uma queda na taxa de crescimento
ainda muito elevada. A queda expressiva das exportações começa em Alemanha no segundo
trimestre de 2008, no Brasil, China e Japão no terceiro trimestre de 2008, mas em todos estes
países a recuperação das exportações começa já em 2009, como o gráfico a seguir mostra.
Gráfico 95 Taxa de crescimento do PIB dos Estados Unidos e das taxas de crescimento das
exportações de Alemanha, Brasil, China e Japão 2006:01 – 2011:03 (dados com ajuste sazonal,
% sobre o trimestre anterior)
Fontes: FRED, OECD, cálculos próprios
Para os países exportadores de bens primários (e de açúcar) como o Brasil a queda dos preços
de commodities explica boa parte da queda dos valores das exportações. O gráfico a seguir
mostra os preços de alguns dos bens mais importantes na pauta das exportações do Brasil. A
580
queda foi expressiva nos preços de minérios de ferro, petróleo e soja, menos expressivo para o
açúcar, uma recuperação começa na metade de 2009, alcança quase o nível anterior da crise
para cair novamente profundamente no fim do ano 2013, explicando parcialmente a crise
econômica profunda no Brasil começando no fim de 2014, embora as causas domésticas são
mais importantes na explicação desta crise, que é abordada em um capítulo posterior.
Gráfico 96 Índices (2000:01 = 100) de preços das commodities minério de ferro, petróleo,
açúcar, soja 2000:01 – 2016:02
Gráfico 97 Índices (2010 = 100) dos preços de ações Estados Unidos, Brasil, China, área do euro
(19 países) 2001 até 2017
Fonte: OECD
No tempo da crise (2007 – 2009) as correlações são altas para os índices entre os Estados
Unidos e a área de euro 0,98 (para todo o período entre 2001 e 2017 0,77), para o Brasil são
menos expressivas 0,48 (para o período todo 0,65), para a China 0,75 (para o período todo
0,57).
A crise da liquidez e sua transmissão podem ser vistas no gráfico a seguir que mostra o ‘TED
spread’ na crise financeira de 2008/2009, uma medida de percepção do risco de crédito no
sistema financeiro internacional. Na crise de liquidez a da confiança as taxas de juros de curto
prazo aumentavam expressivamente e espalhavam se para muitos países do mundo, mas
depois seguida pela queda causada pelas politicas monetárias expansionistas.
582
A crise propagou se para o setor real das economias, em primeiro lugar pela queda das
exportações para os Estados Unidos em recessão, no setor financeiro das economias, em
primeiro lugar pela queda dos preços dos ativos financeiros e commodities, mas também dos
investimentos de bancos europeus em títulos lastreados em hipotecas dos Estados Unidos, e
nas expectativas dos agentes econômicas pelo perigo de enfrentar uma nova Grande
Depressão. Diferentemente da Grande Depressão houve poucas transmissões negativas no
canal político: O protecionismo comercial foi evitado e controles de capital e corridas de
desvalorizações competitivas como na Grande Depressão foram evitados com poucas
exceções. No contrário houve tentativas de coordenar no nível internacional as políticas
monetárias e fiscais expansionistas para evitar uma recessão ainda mais profunda e
prolongada, mas a recuperação e as intervenções dos governos e bancos centrais são tema de
um capítulo posterior.
Embora a crise da dívida soberana na área do euro será comentada mais tarde, vale a pena já
neste lugar curtamente resumir as crises nos países de Islândia, Irlanda, Espanha, e do Reino
Unido, porque eles mostram traços específicos e trazem informações valiosas para
compreender características da crise e do contágio. As consequências da crise financeira de
2008/2009 sobre estes e outros países europeus são contadas em um capítulo posterior sobre
a crise da dívida soberana na área do euro, embora Islândia e o Reino Unido não sejam parte
583
da área do euro. O foco deste capítulo é no contágio da crise financeira para bancos nestes
países. O primeiro caso de contágio para o Reino Unido foi a crise, a corrida bancária e a
quebra do banco ‘Northern Rock’, antigamente uma cooperativa de crédito convertido em
banco depois da era de desregulamentação financeira nos tempos de Thatcher, em primeiro
lugar agindo no mercado hipotecário. Eichengreen [2015, p. 179] conta que o banco expandiu
a uma taxa anual de 20% para a maior parte de duas décadas, permitindo também a
acumulação de vulnerabilidades. O banco dependia em primeiro lugar de empréstimos de
outras instituições financeiras, o banco afrouxou suas condições para conceder hipotecas,
oferecia taxas de juros altas para atrair depósitos na ‘internet banking’, e através da
securitização e venda de suas hipotecas consegui fundos para expandir o negócio. Seguindo o
fechamento de dois fundos de investimento do banco francês BNP Paribas em 9 de agosto de
2007 [Eichengreen, 2015, p. 179 p.], os mercados monetários secavam e para o Northern Rock
e dois canais de financiamento secavam também: a venda de títulos lastreados em hipotecas
(MBA) e a tomada de empréstimos em outros bancos. Neste tempo o Reino Unido teve um
seguro de depósitos pleno somente até £ 2.000, parcial até £ 35.000, e acima nada. Em sexta-
feira 14 de setembro de 2007 houve uma corrida bancária na Northern Rock, retirando mais de
£ 1 bilhão, 5% dos depósitos do Northern Rock. Em 2008 Northern Rock foi nacionalizado, em
2012 partes foram reprivatizadas.
bancos de Islândia. Vale uma citação de Eichengreen [2015] mais prolongada para ver a
eclosão de uma crise bancária, tornado se uma crise profunda econômica e fiscal:
Os investidores estavam conscientes de que os três grandes bancos islandeses haviam iniciado
uma extraordinária onda de aquisições compulsivas. Mas a consciência do que aconteceu na
Islândia tornou-se generalizada apenas quando as coisas foram terrivelmente erradas. (...). Em
um discurso em Londres em 2005, Ólafur Ragnar Grímsson, o presidente de longa data do país,
atribuiu a audácia dos financistas e empresários da Islândia ao fato de que os islandeses eram
descendentes dos Vikings. (...). "Os islandeses são tomadores de risco", continuou Grímsson,
em sua celebração.
Em 2008, os ativos dos bancos eram quase dez vezes o tamanho do PIB. Isso tudo garantiu que,
mais cedo ou mais tarde, o pior viria a passar. Um pouco de reflexão sugere que esta história
seja muito fácil. (...). Mas, recentemente, em 2003, os ativos dos bancos como parte do PIB
foram apenas marginalmente superiores aos dos Estados Unidos. De 2004 até meados de 2008,
os balanços dos três grandes bancos islandeses aumentaram por um fator acumulado de oito.
O que levou o boom não eram peculiaridades do caráter nacional, mas decisões tangíveis de
política, as mais importantes das quais estavam privatizando e desregulando os bancos. (...). A
década de 1990 viu a ascensão de uma nova geração de políticos libertários que, reagindo
contra o acolhedor sistema estatal da pequena ilha, defendeu um programa de liberalização
radical. (...). Se houvesse uma peculiaridade do caráter nacional islandês, foi com que rapidez a
ideologia política dominante poderia mudar entre os extremos do estatismo e o libertarianismo
e de volta - assim como se mudou depois da crise. (...).
A solução era tirar o governo dos negócios. O ponto central de programa foi a privatização de
três bancos estaduais: Landsbanki; Íslandsbanki, mais tarde renomeado Glitnir; e Búnaðarbanki,
que posteriormente foi comprado por um pequeno banco, Kaupthing, e doravante conhecido
por esse nome. Infelizmente, a privatização e a liberalização por si só não garantiram um papel
reduzido para o Estado, muito menos que a Islândia se transformaria milagrosamente em um
centro financeiro de classe mundial. Em um país de menos de 300 mil habitantes, as conexões
incestuosas entre elites políticas e gerentes de negócios que informaram a reação contra a
economia estatal não foram eliminadas; pelo contrário, eles tinham, se alguma coisa, ainda
mais espaço para operar. (...).
Liberados para emprestar em mercados monetários estrangeiros, os três grandes bancos
islandeses o fizeram (...). Eles usaram financiamento estrangeiro para financiar uma onda de
aquisições, principalmente nos países nórdicos e no Reino Unido. Isto por si só não fez o caso
islandês excepcional; os bancos de outros países europeus, inclusive a Alemanha, também
dependeram do financiamento nos mercados monetários e, de forma similar, embarcaram em
uma compulsão de aquisições. Em vez disso, o que fez com que o caso islandês fosse uma
exceção e excepcionalmente arriscado fosse um par de características adicionais. Primeiro, os
balanços dos bancos foram inflados pela busca agressiva de depósitos ‘offshore’ e pelo rápido
crescimento das contas IceSave e Kaupthing Edge em particular. Coloque esses depósitos
‘offshore’ junto com o financiamento nos mercados monetários, e o resultado foi um enorme
sistema bancário no topo de uma pequena economia insular. Era o sonho dos políticos e dos
banqueiros da Islândia como um centro financeiro internacional ou um pesadelo tornado
realidade. Em segundo lugar, mais de 70% dos passivos dos três grandes bancos, Kaupthing,
Landsbanki e Glitnir, eram denominados em moeda estrangeira. Os bancos alegaram que
estavam administrando com prudência os riscos de empréstimos em dólares, libras e euros
mediante empréstimos a empresas e domicílios nessas mesmas moedas. Naturalmente,
negligenciavam a possibilidade de que a taxa de câmbio do país possa enfraquecer, caso em
que as empresas islandesas e as famílias com rendimentos na Krona não poderiam reembolsar
seus empréstimos em moeda estrangeira. Deve ter sido claro que nenhum balanço de
empréstimos poderia crescer tão prodigiosamente sem comprometer a qualidade. (...).
Muitos de seus empréstimos eram para donos e compadres, que os usavam para comprar
ações adicionais em seus próprios bancos e financiar outras aquisições. À medida que se faziam
perguntas - o que era uma pequena ilha varrida pelo vento ao largo da costa noroeste da
585
Europa fazendo com um sistema bancário oito vezes o PIB e os balanços crescidos a um ritmo
tão extraordinário, possivelmente devido à desaceleração econômica global as ações estavam
sob pressão. Os proprietários dos bancos responderam, como Clarence Hatry, Bernard Marcus
e Albert Oustric antes deles, comprando suas próprias ações para ganhar tempo e evitar provas
de insolvência. A partir de meados de 2007, a Kaupthing adquiriu suas próprias ações sempre
que os preços baixaram e isso poderia ser feito sem ser detectado. (...).
Em abril de 2008, atrasado mais uma vez no jogo, Fitch colocou os grandes bancos da Islândia
na observação negativa. Assim, o que se seguiu não foi totalmente inesperado. Na quinta-feira,
25 de setembro de 2008, no contexto da turbulência nos Estados Unidos e na Europa, o Glitnir,
o menor dos três grandes bancos informou o Banco Central da Islândia que não seria capaz de
cumprir os pagamentos de empréstimos vencidos em 15 de outubro. (...).
Seu balanço havia sido danificado pela queda dos preços dos ativos, e o banco agora perdeu o
acesso ao mercado monetário. Um grande banco estadual alemão, o Bayerische Landesbank,
recusou-se a rolar mais de 150 milhões de euros em empréstimos, e a Glitnir não tinha mais o
dinheiro [para pagar]. (...). Para evitar o colapso, o governo anunciou a intenção de injetar,
através do banco central, cerca de 600 milhões de euros de novo capital social, efetivamente
nacionalizando a instituição. Havia apenas um problema. 600 milhões de euros foi uma quantia
enorme para uma pequena economia. Não era claro, em outras palavras, onde as autoridades
encontrariam o dinheiro. Uma proporção análoga do PIB dos EUA foi os US $ 700 bilhões,
equivalente a todo o TARP [programa dos EUA para salvar as instituições financeiras dos EUA].
Na Islândia, isso agora foi atribuído a um único banco, e não ao maior. (...).
Na terça-feira, 30 de setembro, a Fitch rebaixou os três grandes bancos islandeses, citando sua
dependência de financiamento nos mercados monetários, sua expansão rápida para mercados
estrangeiros e a possibilidade de um pouso difícil para a economia islandesa. (...), os
depositantes apressaram-se a retirar seus fundos, não só de Glitnir, mas de Kaupthing e
Landsbanki também. (...). Em 6 de outubro, no dia anterior à falência da Landsbanki, o
Parlamento da Islândia, o Althing, adotou uma medida que garante todas as contas de depósito
de residentes. Mas esta medida não disse nada sobre os outros credores dos bancos, sejam eles
investidores institucionais detentores de títulos dos bancos ou famílias holandesas e britânicas
com contas IceSave e Kaupthing Edge. (...). Os recursos para garantir a garantia não estavam lá.
(...). Os US $ 5 bilhões das contas IceSave das famílias britânicas eram quase 50% do PIB
islandês. (...).
Já o site da operação UK IceSave estava sobrecarregado pelo tráfego. Foi encerrado junto com
o Landsbanki em 7 de outubro, abandonando os depositantes. Isso levou a um dos capítulos
mais desonrosos da crise, uma vez que as autoridades britânicas invocaram a Lei britânica do
Antiterrorismo, Crime e Segurança para confiscar os ativos do Reino Unido na Landsbanki,
aparentemente para proteger esses clientes. A Lei Antiterrorismo foi [criada] depois do 11 de
setembro [de 2001] para ajudar o aparelho de segurança da Grã-Bretanha a perseguir os
estrangeiros com a intenção de atos violentos. Compensar os detentores de contas bancárias
na Internet, presumivelmente não era o que os membros do Parlamento tinham em mente.
Seja como for, o ato foi usado agora por Gordon Brown [primeiro ministro britânico na época]
para consolar seu público. Colocar a Islândia em uma lista com o Al-Qaeda, o Talibã, o Sudão, a
Coréia do Norte e o Irã causaram um congelamento das transações bancárias entre a Islândia e
outros países. O mercado de ações estava fechado. O mercado de câmbio foi fechado, deixando
o Banco Central da Islândia de fornecer divisas apenas para fins essenciais. (...). Milhares de
islandeses publicaram autoretratos na web. Cada um segurou um letreiro feito à mão que dizia:
"Eu não sou um terrorista, Sr. Brown".
A Irlanda foi denominada nas mídias como tigre céltico pelo desenvolvimento rápido nas
décadas antes da crise de 2008/2009. Na introdução do euro países da Europa do Sul e a
Irlanda teve acesso a capital barato da Europa do Norte, e o setor financeiro e bancário
expandiu rapidamente, em Irlanda os ativos bancários chegam em 2007/2008 em quatro vezes
do PIB, em Chipre em oito vezes [Eichengreen, 2015, p. 71]. Eichengreen [2015, p. 89] conta
586
As causas da crise financeira global são ainda discutidas da forma controversa entre
economistas, políticos e a sociedade civil. A realização política de muitos pontos essenciais da
agenda neoliberal em muitos países parece ser uma fonte dos problemas atuais, pregando
mais mercado e menos Estado na condução da política econômica para usar a dinâmica de
mercados livres para inovação e crescimento: privatização das empresas estatais,
desregulamentação dos mercados, cortes no Estado de bem estar-social, integração global
(globalização) dos mercados de bens, serviços e capitais através do livre comércio e da
liberalização dos mercados financeiros nacionais e dos fluxos internacionais de capital. Depois
da queda do sistema de Bretton Woods em 1973 e da grave crise do capitalismo global na
metade da década de 1970 – parcialmente consequência do aumento expressivo dos preços
de petróleo em 1973/74 e em 1979 -, políticos como Reagan nos Estados Unidos, Thatcher no
Reino Unido e Kohl na Alemanha realizavam de forma diferenciada e parcial as ideias
neoliberais na década de 1980.
No centro desta estratégia foi a queda dos impostos para pessoas físicas e empresas, com foco
nas camadas mais abastadas, privatização das empresas estatais, desregulamentação dos
mercados, com foco nos mercados de trabalho e nos mercados financeiros, com a
consequência de diminuir o poder dos sindicatos trabalhistas, e cortes dos benefícios do
Estado de bem-estar social. Em muitos países estas medidas aumentavam a desigualdade
social, favorecendo as classes sociais mais abastadas, e através da ideologia individualista
afrouxando a coesão social. Uma análise mais profunda encontra-se no capítulo sobre o
neoliberalismo.
587
A importância das ideias neoliberais para a crise financeira global dos anos 2008/2009, bem
como para as crises nos mercados emergentes na década de 1990 e no início do novo século,
encontra-se especialmente na globalização e desregulamentação financeira desde a metade
da década de 1970, que levou a uma interdependência crescente dos mercados financeiros
com fluxos de capitais internacionais crescentes, para o crescente poder do setor financeiro
nas economias nacionais (‘financialization’), para a procura do lucro mais fácil em
investimentos financeiros em detrimento dos investimentos reais, acompanhadas por bolhas
especulativas, e para a instabilidade nos mercados financeiros (especialmente nos mercados
cambiais). Especialmente nos países anglo-saxônicos estas tendências foram acompanhadas
pela crescente desigualdade de renda e riqueza, a valorização do lucro de curto prazo (focando
o ‘shareholder value’) através de esquemas de pagamento e bônus para gerentes e operadores
com ações e ‘stock options’, incentivando a especulação nos mercados financeiros, imobiliários
e de commodities.
Com a crise financeira global dos anos 2008/2009 o discurso neoliberal parece estar perdendo
um pouco de força e os problemas de mercados livres desregulados se tornam óbvios para os
economistas, políticos e a sociedade. Políticas keynesianas de intervenção do Estado na
economia, através de políticas fiscais e monetárias expansionistas prolongadas, pareciam a
única saída para evitar uma crise como a Grande Depressão dos anos 1930. Mas a
transferência dos riscos do setor privado para o setor público, bem como a transferência de
dívida do setor privado para o setor público, a concentração crescente no setor financeiro
depois da crise, e a política monetária extremamente expansionista para um tempo
prolongado pode levar a problemas futuros. A crise da dívida soberana nos países na área de
euro como Espanha, Grécia, Irlanda, Itália, e Portugal é – pelo menos parcialmente –
588
As causas mais específicas da crise são diferenciadas entre os problemas das falhas dos
governos e os problemas das falhas dos mercados. As correntes de pensamento mais
589
É difícil decidir se algumas falhas entram na primeira ou na segunda categoria, porque, por
exemplo, a desregulamentação do sistema financeiro [uma ação do governo que libera os
mercados da intervenção do governo] pode criar falhas de mercados como endividamento
excessivo (obviamente o outro lado da moeda seja a concessão excessiva de crédito), falhas na
governança empresarial e no gerenciamento do risco, falhas de transparência. Mas a
regulamentação excessiva pode também criar falhas de mercado quando as instituições
tentam evitar as regras criando um sistema bancário sombra e desenvolvendo inovações
financeiras com riscos pouco transparentes. Importante também é reconhecer, que a comissão
de inquérito sobre a crise financeira [The Financial Crisis Inquiry Commission] concentra sua
análise das causas nas falhas de mercado e da desregulamentação, mas existe uma contra
argumentação minoritária no mesmo relatório da comissão, que critica estes argumentos,
apontando como causa mais importante a política habitacional dos governos e a política dos
GSE [‘government-sponsored enterprises’ como Fannie Mae e Freddie Mac] na criação da
bolha no mercado imobiliário, o que a maioria da comissão acha menos importante ou
inexistente como causa da crise.
É importante reconhecer, que bolhas nos mercados financeiros (especialmente de ações), nos
mercados de crédito, nos mercados imobiliários e nos mercados de commodities
provavelmente não são um cisne negro na definição de Taleb [2008], um evento imprevisível e
raro, mas eventos que se repetem na história do capitalismo global desde séculos como
Kindleberger e Aliber [2011] mostram em seu livro. Porque as expectativas dos agentes
econômicos mudavam de um momento de euforia para o pânico como no 15 de setembro de
2008 na quebra de ‘Lehman Brothers’ e porque os agentes não aprendem com as experiências
de crises anteriores, que não faltavam na década de 1990 e no início do novo século? Reinhart
and Rogoff [2009] argumentam, que a pergunta, porque os agentes não aprendem com as
experiências das crises financeiras anteriores (neste caso se referindo as crises da dívida
soberana), pode ser respondida por quatro palavras: Esta vez é diferente, ou mais extenso na
seguinte citação:
[...]. Enraizada na firme convicção de que as crises financeiras são coisas que acontecem com
outras pessoas em outros países, em outros momentos, as crises não acontecem com nós, aqui
e agora. Estamos fazendo as coisas melhor, nós somos mais inteligentes, aprendemos com os
590
erros do passado. As velhas regras de avaliação não se aplicam mais. Infelizmente, uma
economia altamente alavancada pode inconscientemente estar sentada com as costas na beira
de um abismo financeiro por muitos anos antes que o acaso e as circunstâncias provocam uma
crise de confiança que empurram a economia para o abismo. [Reinhart e Rogoff, 2009, p 1.]
Possivelmente a natureza humana é bipolar, mudando entre fases de euforia e pânico, e a
aprendizagem pelos eventos passados é difícil. E como Santayana está dizendo “Aqueles que
não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo” [The Financial Crisis Inquiry
Commission, p. 444].
Politicas focadas em criar casas próprias para camadas de população mais pobres pode levar
instituições financeiras a decisões equivocadas, mas a comissão de inquérito sobre a crise nega
a importância deste assunto. A intervenção dos GSE nos mercados hipotecários pode levar a
distorções nestes mercados, enquanto a comissão também acha este assunto não muito
relevante para a eclosão da crise.
Desequilíbrios globais entre países gastadores (por exemplo, Estados Unidos, Grécia, Espanha,
etc.) com déficits insustentáveis na conta corrente levam ao crescente endividamento externo
destes países, enquanto países poupadores (China, Japão, Alemanha, países exportadores de
petróleo etc.) com superávits na conta corrente acumulam reservas internacionais fornecendo
recursos financeiros para os países que desenvolvem bolhas especulativas nos mercados
imobiliários.
O poder crescente das instituições financeiras (Participação no PIB e nos lucros) captura órgãos
reguladores e o governo para influenciar o processo legislativo nos interesses destas
instituições, evitando regulamentação e controle.
Num ambiente de crédito fácil e barato o sistema bancário também usa alavancagem extrema
através de ‘Special Investment Vehicles’ (SIV) e dos negócios no mercado de derivativos de
balcão. Os grandes bancos, grande demais para falir, podem assumir riscos expressivos,
porque no caso da crise são salvados por programas do governo e do banco central, lucros são
privatizados, prejuízos cobre o Estado e o contribuinte de impostos (criando risco moral).
A globalização financeira implica o aumento do perigo de contágio de uma crise para outros
países. É importante lembrar que todos estes argumentos são na discussão controversa entre
economistas, políticos e da sociedade civil.
Inovações, a realização econômica de invenções e novas ideias, são sempre sujeitas ao risco de
se tornem fracassos. Inovações financeiras compartilham este risco econômico, mas elas ainda
podem criar mais riscos para estabilidade do sistema financeiro, e criar incentivos para
especulação e a fraude financeira. Kindleberger e Aliber [2011, p. 17] anotam que: “Inovações
em finanças, como em processos produtivos, podem impactar em choques para o sistema e
levar ao investimento excessivo”. Por exemplo, a securitização de hipotecas (e de outros
créditos), criada para espalhar riscos de forma mais ampla e de livrar capital para novos
empréstimos, criou novos riscos pouco compreendidos e mal avaliados pelas agências de risco,
expandiu o setor bancário sombra através da expansão de SIVs e ‘conduits’ fora dos balanços
dos bancos e dos olhos dos reguladores, e aumentou significativamente o problema de
contágio entre instituições financeiras e entre países. O exemplo dos ‘crédit default swaps’
(CDS), criados para proteger investidores financeiros contra o default de títulos, tornavam se
um instrumento de especulação e foram usados para criar CDOs sintéticos. Os mercados de
balcão destes CDS são pouco transparentes, criando também o risco de iliquidez e insolvência
para os lançadores destes CDS na crise, por exemplo, na AIG, que não criou reservas para o
caso da crise. Neste capítulo securitização, finanças estruturadas (‘structured finance’), e
derivativos como ‘credit default swaps’ (CDS) e sua relação com alavancagem financeira e
especulação são discutidos.
593
Os bancos agindo no mercado hipotecário concedem hipotecas para seus clientes e podem
ficar com estas hipotecas na sua contabilidade até o vencimento das hipotecas, um modelo
chamado criar e segurar (‘originate and hold’). Já na Grande Depressão em 1938 a Fannie Mae
(desde 1968, privatizada, mas com garantias implícitas do governo, nacionalizada em 2008) foi
criada para expandir o mercado secundário de hipotecas, onde bancos podem vender
hipotecas, que são securitizadas – em tranches – como títulos lastreados em hipotecas
(‘mortgage backed assets MBA’) a investidores institucionais como fundos de pensão,
seguradoras, fundos de hedge etc. Este modelo chama se criar e distribuir (‘originate and
distribute’) forneceu aos bancos novos fluxos de caixa para conceder novas hipotecas. Como as
hipotecas estavam saindo da contabilidade dos bancos, os bancos não enfrentavam mais o
risco de default das hipotecas, o que criou incentivos para os bancos de conceder créditos
afrouxando as condições. Os títulos lastreados em hipotecas foram combinados em
‘Collaterized Debt Obligations’ (CDO) incluindo também outros créditos securitizados e
divididos em tranches de diferentes riscos, o tranche com o risco menor chamado sênior. Estes
títulos estruturados, parcialmente também lastreados por ‘Credit Default Swaps’ CDS (neste
caso os CDOs chamam-se CDOs sintéticos), foram criados por bancos de investimento como
Lehman Brothers e Goldman Sachs etc., bem como grandes bancos como Citicorp e outros. Os
títulos foram avaliados pelos agencias de avaliação de risco (os três maiores Standard & Poor’s
(S&P), Moody’s e Fitch) e vendidos a investidores institucionais. Os bancos de investimento e
os bancos também ficavam com parte dos títulos criados, que podem ser usados como
colateral para tomar empréstimos nos mercados monetários. As taxas para a securitização
foram uma fonte importante de receitas para os bancos de investimento e os grandes bancos.
Os títulos foram negociados nos mercados secundários de balcão, os preços sujeitos a
incerteza em tempos da crise.
Por décadas Fannie Mae e Freddie Mac compravam hipotecas de risco menor (‘prime’)
protegidas por normas estritas [The Financial Crisis Inquiry Commission, 2011, p. 89]. Hipotecas
e créditos que não satisfaziam as condições de Fannie Mae e Freddie Mac com riscos mais
594
Tabela 126 Mercado de crédito - sentido amplo – dos Estados Unidos 1995 -2011 (bilhões de
US$)
595
Tabela 127 Títulos lastreados em hipotecas, Agências e não Agências, CDO e CDO sintético
2002- 2012, (bilhões de US$)
Títulos
Títulos Não
lastreados por Títulos Agências CDO CDO sintético
Agências
hipotecas
2002 5,22 1,14 4,08 0,34 0,03
2003 5,72 1,23 4,49 0,40 0,03
2004 6,10 1,70 4,40 0,52 0,04
2005 7,00 2,34 4,66 0,69 0,06
2006 8,17 3,08 5,09 1,06 0,10
2007 9,20 3,39 5,80 1,34 0,09
2008 9,22 2,94 6,28 1,36 0,08
2009 9,18 2,55 6,64 1,25 0,07
2010 9,07 2,23 6,84 1,10 0,05
2011 8,86 1,96 6,90 0,95 0,03
2012 8,64 1,75 6,89 0,85 0,02
Fonte: SIFMA
Para a explicação da crise o afrouxamento dos padrões de concessão de hipotecas, e a
securitização com alavancagem elevada em toda linha que vai da concessão das hipotecas até
o investidor final em títulos lastreados em hipotecas são as causas mais importantes para
eclosão e para o contágio a crise. O contágio da crise de um mercado de crédito menor – o
hipotecário – para a economia toda dos Estados Unidos foi um evento surpreendente, bem
como o contágio da crise para o mundo através da venda destes títulos para o mundo todo.
total dividida pelo capital próprio. Existem outras taxas de alavancagem, por exemplo,
dividindo os ativos totais pelo capital próprio. O aumento da alavancagem consegue aumentar
a taxa e lucro em tempos de lucro, mas em tempos de crise os prejuízos podem também ser
alavancados levando a iliquidez e/ou insolvência. O inverso da taxa de alavancagem é a razão
capital próprio/ativos totais. Os acordos de Basileia preveem para os bancos uma medida de
exposição ao risco através de uma razão capital próprio/exposição total onde as posições (a)
no balanço; (b) exposições em derivativos; (c) exposições de transação de títulos e valores
mobiliários (SFT); e (d) itens fora dos balanços são ponderados com seu risco [BIS].
Obviamente este é uma medida inversa a razão definida acima, mas também chamada de
‘leverage ratio’. Na discussão a seguir refere-se a alavancagem como razão dívida/capital
próprio onde os ativos/dívidas não são ponderados relativos a seus riscos e o capital próprio
está no denominador. Em uma crise de empresas de capital aberto o preço de suas ações pode
cair, iniciando uma queda no valor do capital próprio, também na crise, no vencimento de
partes da dívida, podem aumentar os problemas de rolar esta dívida. Obviamente este
problema é maior quanto mais a empresa depende de financiamento de curto prazo. SIVs e
‘conduits’ financiavam investimentos em títulos lastreados em hipotecas (de longo prazo) com
financiamentos de curto prazo nos mercados monetários, aproveitando o spread entre taxas
de juros de longo e de curto prazo, mas aumentando seriamente as vulnerabilidades na crise,
quando os títulos usados como colateral para o financiamento perdem valor ou um mercado
para estes títulos não existe mais. Os bancos de investimento e os grandes bancos nos Estados
Unidos estavam na eclosão da crise com altas taxas de alavancagem, como o ‘The Handbook of
the Political Economy of Financial Crises’ mostra [2013, p.40]:
Embora os bancos de investimento sejam considerados empresas de alto risco, em 2007 houve
muito pouca diferença entre seus índices de alavancagem e os dos grandes bancos. Para os
cinco grandes bancos de investimento, o índice médio de alavancagem foi de 36,3, e para os
dez maiores bancos taxa de alavancagem foi de 33,7.
É importante anotar que riscos fora do balanço (por exemplo, em SIVs e conduits) ainda não
entravam nestas taxas altas de alavancagem. O crescimento do setor bancário sombra nos
anos antes da crise é um fato que também entra na narrativa sobre as causas da crise, bem o
crescimento do mercado de derivativos negociados no mercado de balcão. O risco sistêmico
foi subestimado como Bernanke informou a comissão “As perdas previstas no segmento
‘subprime’ não foram grandes o suficiente em si mesmas para explicar a magnitude da crise.
(...). Em vez disso, as vulnerabilidades do sistema, juntamente com lacunas nas medidas de
resposta do governo à crise, foram as principais explicações por que a crise foi tão grave e teve
efeitos tão devastadores sobre a economia em geral.” [The Financial Crisis Inquiry Commission,
2011, p. 27].
597
Outro fator importante foi o derivativo de ‘credit default swap’ (CDS) concedendo uma
proteção contra o risco de default para um investidor em títulos lastreados por hipotecas,
outros títulos de dívida, e empréstimos (também importante para a crise seguinte na área do
euro para investidores em títulos soberanos), mas também um instrumento de especulação
para investidores apostando em um default sem possuindo estes títulos (‘naked CDS’). The
Financial Crisis Inquiry Commission [2011, p. 50] descreve este derivativo negociado no
mercado de balcão (‘over the counter’ OTC) de pouca transparência:
Um derivativo OTC chave na crise financeira foi o credit default swap (CDS), que ofereceu ao
vendedor um potencial relativamente pequeno de lucro com um risco pequeno de um prejuízo
potencialmente grande [em caso de default]. O comprador de um CDS transferiu para o
vendedor o risco de default de uma dívida subjacente. O título de dívida poderia ser qualquer
obrigação de um empréstimo ou de um bônus. O comprador do CDS fez pagamentos periódicos
ao vendedor durante a vida do swap [calculado em pontos básicos sobre o valor de face]. Em
troca, o vendedor ofereceu proteção contra um default ou "eventos de crédito" especificados,
como um default parcial. Se um evento de crédito como um default ocorreu, o vendedor do
CDS paga normalmente ao comprador o valor de face da dívida.
O valor do CDS depende da credibilidade do devedor, em tempos da crise o valor do CDS pode
aumentar rapidamente, fazendo necessário aumento no colateral pelo lançador (vendedor) do
CDS. O risco do comprador de um CDS é o risco de contrapartida, quando o lançador do CDS
entra em falência (como no caso de Lehman Brothers) ou em problemas de liquidez em
aumentar o colateral (como em caso da AIG, que precisava ser salvado pelo governo). A
proteção contra o risco de default pode se tornar ilusório para o comprador do CDS, quando o
lançador do CDS vai à falência.
uma parte minoritária estava se referindo a CDS para títulos lastreados em hipotecas como
CDOs.
Definições, bem como impactos, da especulação são controversas, aqui segue se uma
definição de Baker [2014, p. 47 p.]:
A especulação é uma parte inevitável dos mercados financeiros. Embora não exista uma
definição de especulação perfeita e universalmente aceita, a maneira mais útil de caracterizá-la
é como uma negociação que se baseia em antecipar o comportamento de outros atores no
mercado em vez de negociar que se baseie nos fundamentos subjacentes do mercado. É
provável que a especulação seja desestabilizadora porque pode amplificar desvios de valores
fundamentais. É provável que este seja o caso, já que os especuladores não estão trazendo
novas informações ao mercado. Em vez disso, eles estão atuando com base nas informações
fornecidas por outros participantes do mercado. Se esta informação está errada, por exemplo,
por ser excessivamente otimista, então, os especuladores provavelmente irão inflar o mercado
para além de onde ele seria conduzido apenas por comerciantes fundamentais. Este contraste
vale a pena observar, porque, em princípio, quanto mais comerciantes fundamentais existem
em um mercado, mais estável deve ser. Se esses comerciantes chegarem a uma avaliação
independente dos fundamentos do mercado, suas opiniões deveriam tender a convergir para o
valor da tendência, pois os erros em geral seriam compensados. A lógica é que os
especuladores aproveitam os movimentos no mercado e atuam com base na expectativa de
que esses movimentos continuarão a valer no futuro.
Friedman discorda da hipótese de uma especulação desestabizadora, mas também estratégias
individuais racionais de especulação podem ter impactos irracionais no nível macro como no
desenvolvimento de bolhas especulativas, o que é tema do próximo capítulo.
Bolhas especulativas nos mercados de ativos reais (como imóveis residenciais e comerciais ou
commodities) ou ativos financeiros (como, por exemplo, ações) são frequentes na história
econômica. As bolhas são caracterizadas por aumentos expressivos prolongados dos preços
dos ativos seguidos por uma quebra (‘crash’) dos mercados. “Algumas bolhas de preços de
ativos e quebras são bem conhecidas. Tais casos históricos incluem a Mania das Tulipas na
Holanda de 1634 a 1637, a Bolha francesa do Mississippi em 1719-20 e a Bolha do Mar do Sul
no Reino Unido em 1720” [Claessens, Kose, Laeven, Valencia, 2014, posição 676 pp.].
Kindleberger e Aliber [2005, p. 1] resumem as bolhas mais importantes desde a quebra do
sistema de Bretton Woods na década de 1970 e depois:
Os anos do início da década de 1970 não têm precedentes em termos de volatilidade nos
preços das commodities, moedas, imóveis e ações, e a frequência e a gravidade das crises
financeiras. Na segunda metade da década de 1980, o Japão experimentou uma enorme bolha
599
em seus imóveis e no seu mercado de ações. Durante o mesmo período, os preços dos imóveis
e das ações na Finlândia, Noruega e Suécia aumentaram ainda mais rapidamente do que no
Japão. No início dos anos 90, houve um aumento nos preços dos imóveis e preços das ações na
Tailândia, Malásia, Indonésia e na maioria dos países asiáticos próximos. Em 1993, os preços
das ações aumentaram em cerca de 100% em cada um desses países. Na segunda metade da
década de 1990, os Estados Unidos experimentaram uma bolha no mercado de ações; houve
uma mania em os preços das ações de empresas nas novas indústrias, como tecnologia de
informação e dot.coms. As bolhas sempre implodem; por definição, uma bolha envolve um
padrão de mudanças não sustentáveis de preços ou fluxos de caixa.
As bolhas nos mercados acionários são identificadas através da razão preço lucro P/L das
ações, dividindo o preço atual de uma ação (ou o valor atual de um índice de preços de ações
como Standard & Poor’s composite) pelo lucro atual (dividendos e/ou lucros líquidos da
empresa). Quando a razão se torna muito elevado o desvio dos preços de ações dos lucros
mostra sinais de uma bolha especulativa.
Baker [2014, p. 50] resume que “Nas seis décadas que se seguiram ao colapso do mercado de
ações em 1929, a razão dos preços agregados das ações e a tendência de ganhos das empresas
permaneceu sempre abaixo de 20. Essa razão preço lucro baixo permitiu um prêmio
substancial para ações em vez de quatro pontos percentuais em relação aos títulos do governo
livres de risco. (...). A média de longo prazo de P/L foi de 14,5”. O gráfico a seguir
[www.econ.yale.edu/~shiller/data/ie_data.xls] mostra que a razão P/L (para o índice Standard
& Poor’s composite) sai do nível de 20 na década de 1920, precedendo a quebra de outubro de
1929 e a Grande Depressão, e na década de 1990 com o ápice em dezembro de 1999 com um
valor de 44,2. No mercado de ações das novas tecnologias NASDAQ a tendência foi ainda mais
explosiva por que muitas das novas empresas mostravam nenhum lucro. No gráfico pode ser
ver também a influência das taxas de juros de longo prazo para o mercado de ações, altas
taxas de juros (como no início da década de 1980) tendem a deprimir os preços das ações, por
que muitos investidores financeiros se voltam mais para títulos de renda fixa. Em 2008/2009
uma crise tão profunda como a Grande Depressão foi evitada por causa das intervenções
coordenadas de governos e bancos centrais no mundo, embora houvesse uma longa recessão,
a Grande Recessão nas palavras do BIS.
600
Gráfico 101 Razão preço – lucro do mercado acionário (S&P) e taxa de juros de longo prazo dos
Estados Unidos 1881 – 2017 [Shiller: Irrational Exuberance" Princeton University Press, 2000,
2005, 2015, updated]
A quebra do mercado das ações nos Estados Unidos em 2001 impactou em uma curta e leve
recessão, curta e leve por causa da política monetária expansionista prolongada da ‘Federal
Reserve’ com taxas de juros muito baixas, mas a expansão monetária, credito fácil e barato e
influxos maciças de capital de países superavitárias (discutidos no capítulo sobre desequilíbrios
globais) forneciam o financiamento para o desenvolvimento de uma bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos.
O resultado foi um enorme aumento do fluxo de crédito nos mercados financeiros dos EUA e,
em particular, no mercado imobiliário. A dívida hipotecária e não hipotecária aumentou
durante três décadas. A partir de 2000- 01, no entanto, a dívida não hipotecária como parcela
do PIB se estabilizou, enquanto o crescimento da dívida hipotecária aumentou de forma
explosiva. No pico em 2006, a dívida hipotecária privada era mais da metade da dívida privada
não hipotecária. Algo peculiar acontecia evidentemente nos mercados financeiros e
601
hipotecários. Associado a este tsunami de finanças foi um período acelerado nos preços das
casas, diferente de tudo visto desde a [bolha na] Flórida na década de 1920. Os preços da
habitação em todo o país, ajustados pela inflação, tinham sido essencialmente sem tendência
desde a década de 1950 até a década de 1990. A partir de 1999, eles dispararam, aumentando
em dois terços em termos reais em apenas sete anos. Como na década de 1920, o aumento foi
mais forte em certos bolsos frenéticos, Flórida e desta vez no Arizona e na Califórnia.
Gráfico 102 Preços das casas (real), Custos de construção (real), População, Índice de taxas de
juros Estados Unidos 1890 – 2017 [in Robert J. Shiller, Irrational Exuberance, 3rd. Edition,
Princeton University Press, 2015, as updated by author}
Fonte: Shiller data in http://www.econ.yale.edu/~shiller/data/Fig3-1.xls, adaptado pelo autor
Não houve somente uma bolha no mercado imobiliário dos Estados Unidos, no Reino Unido,
na Espanha e na Irlanda também houve este fenômeno. O gráfico a seguir mostra a evolução
dos preços residenciais nos mercados imobiliários dos Estados Unidos, do Reino Unido e da
Espanha, onde é importante reconhecer que estes dados são no nível nacional, os preços em
certas áreas como, por exemplo, Califórnia e Florida, aumentavam ainda mais
expressivamente.
602
Gráfico 103 Evolução (Índices 1995:1 =100) dos preços residenciais nos mercados imobiliários
dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha 1995 – 2012
O gráfico a seguir mostra a evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados
Unidos, para o Reino Unido e a Espanha 1995 -2011, que mostra aumentos expressivos do
crédito nos anos antes da crise de 2008/09, fornecendo recursos para as bolhas.
Gráfico 104 Evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados Unidos, para o
Reino Unido e a Espanha 1995 -2011
603
Os gráficos a seguir mostram o mercado de crédito hipotecário nos Estados Unidos, a evolução
da securitização, e dos Credit Default Swaps (CDS). Obviamente a concessão de crédito
hipotecário a condições atraentes (com taxas de juros atrativas nos primeiros anos, sem
amortização nos primeiros anos etc.) aqueceu ainda mais o mercado imobiliário criando a
ilusão que os preços de residências vão aumentar para sempre. A possibilidade de securitizar
estas hipotecas em títulos lastreados em hipotecas (CDO, MBA, etc.) forneceu para os bancos
agindo no mercado hipotecário os recursos financeiros para conceder novas hipotecas, muitas
vezes para pessoas de alto risco (hipotecas subprime). Os Credit Default Swaps (CDS)
contribuíram para a crise através de três efeitos [The Financial Crisis Inquiry Commission,
p.XXIV p.]: Em primeiro lugar instituições financeiras (como a AIG com US$ 79 bilhões)
lançavam CDS, dando com isto para os compradores destes títulos lastreados em hipotecas
segurança contra um default destes títulos, o que ajudou em criar e expandir este mercado
(como também as avaliações de risco muito favoráveis destes títulos pelas agências de rating,
Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch). Em segundo lugar os CDS abriram a possibilidade de criar
CDO’s sintéticos (Goldman Sachs criou e emitiu US$ 73 bilhões destes títulos de 1/07/2004 até
31/05/2007 [p.XXV]), títulos não lastreados em hipotecas reais, mas em CDS. Em último lugar
os CDS foram no centro quando a crise entrou em sua fase mais crítica em setembro de 2008,
a AIG não criou reservas de capital para o caso de default dos títulos lastreados em hipotecas,
que os CDS seguravam, e precisava ser resgatada pelo governo dos Estados Unidos em 16 de
setembro de 2008 (bail out), comprometendo US$ 180 bilhões101 dos contribuintes de
impostos, para evitar uma quebra do sistema financeiro.
604
Gráfico 105 Estados Unidos 1995-2012 Dívida do setor não financeiro, dívida de hipotecas
residencial e comercial e credores das hipotecas US$ Bilhões
Coggan [s.a., posição 2543 pp.] resume os problemas de bolhas nos mercados imobiliárias em
geral e nos Estados Unidos em especifico:
As bolhas imobiliárias são comuns e particularmente difíceis de parar. Isso ocorre porque essas
bolhas têm muitos aproveitadores enquanto estão inflando. Os bancos estão ganhando
dinheiro com os empréstimos; os agentes imobiliários estão ganhando dinheiro com as
comissões sobre transações imobiliárias, assim como advogados e outros agentes (como
avaliadores). Os proprietários se sentem mais ricos porque sua casa vale mais. No exemplo
americano, os políticos defendem uma maior propriedade das casas: na direita, porque os
proprietários eram vistos como prováveis apoiantes do capitalismo; e à esquerda, porque as
minorias pobres e étnicas já haviam antes sido excluídas do mercado de hipotecas. (...). E os
padrões para empréstimos tinham que ser relaxados para o boom fosse mantido. (...). Os
empréstimos foram concedidos sem pagamento de entrada. Na verdade, alguns empréstimos
nem sequer exigiam que os mutuários cumprissem o pagamento dos juros adicionados
simplesmente ao capital devido. Esta foi a fase final do modelo de Minsky. (...). Quando uma
bolha estoura, o ciclo virtuoso torna-se vicioso. A queda dos preços significa que os
proprietários de ativos que tomavam emprestado uma grande proporção do preço se tornaram
vendedores forçados. Isso força os preços ainda mais para baixo. Enquanto isso, os bancos não
ficam mais dispostos a emprestar e, de fato, exigem o reembolso de seus empréstimos,
enfraquecendo ainda mais o saldo da oferta e demanda.
A bolha imobiliária nos Estados Unidos, as inovações financeiras da década de 2000, a
alavancagem expressiva de bancos e bancos de investimento assumindo riscos não previstos, a
política monetária expansionista, e os desequilíbrios globais financiando o ‘boom’, impactavam
em uma crise sistêmica bancária nos Estados Unidos e em outros países do mundo,
interdependente através da globalização financeira, que lembrou as crises bancárias na
605
Grande Depressão. Claessens, Kose, Laeven, e Valencia [2014, posição 2087 pp.] contam a
eclosão da crise bancária sistêmica nos Estados Unidos:
perseguindo somente os interesses dos Estados Unidos. Esta liberalização pode ser vista como
uma desregulamentação dos mercados financeiros internacionais, que levou nas décadas
seguintes a uma maior volatilidade nos mercados de câmbio e financeiros e a um aumento
expressivo no volume dos negócios nestes mercados.
Os aumentos do volume de transações financeiras internacionais podem ser vistos nos
seguintes números. Os fluxos de capitais internacionais aumentavam de 1,1 trilhões de US$
(5,2% do PIB mundial) em 1990 para 11,1 trilhões de US$ (20,5% do PIB mundial) em 2007
(McKinsey). O volume global diário (médio) de negócios no mercado de câmbio aumentou de
590 bilhões de US$ (cerca um terço em transações a vista e os outros dois terços em
derivativos) em 1989 para 4 trilhões de US$ em 2010 [BIS, Triennial Central Bank Survey of
foreign exchange and OTC derivatives markets], muito mais do que necessário para financiar o
comércio internacional. A maioria das transações financiou as movimentações internacionais
de capital, a proteção contra o risco cambial, a especulação, e a arbitragem.
Embora desde a década de 1980 houvesse em muitos países centrais uma desregulamentação
das instituições e mercados financeiros, como, por exemplo, a revogação da lei Glass-Steagall
(separação da atividade bancária comercial e da atividade dos bancos de investimento) em
1999 nos Estados Unidos, mas também o crescimento expressivo das instituições financeiras
do setor bancário sombra, com foco nos fundos do mercado monetário, bancos de
investimento e fundos de hedge, e o crescimento expressivo dos mercados de derivativos,
partes não regulamentadas ou somente levemente regulamentadas do sistema financeiro.
Embora a desregulamentação financeira e sua importância para a eclosão da crise de
2008/2009 faz parte de uma discussão controversa por economistas conservadores, ‘The
Financial Crisis Inquiry Commission’ [2011, p. xviii] avalia a desregulamentação como um fator
importante na eclosão da crise:
Mais de 30 anos de desregulamentação e dependência da regulação pelas próprias instituições
financeiras, defendidas pelo ex-presidente da ‘Federal Reserve’ Alan Greenspan e outros,
apoiados por sucessivas administrações e Congressos, e ativamente empurrado pela poderosa
indústria financeira em cada turno, tinha despojado salvaguardas essenciais, que poderiam ter
ajudado a evitar catástrofes. Esta abordagem abriu lacunas na supervisão de áreas críticas com
trilhões de dólares em risco, como o sistema bancário sombra e os mercados de derivativos de
balcão. Além do que, além do mais, o governo permitiu que as empresas financeiras
escolhessem seus reguladores preferidos o que se tornou uma corrida para o supervisor mais
fraco.
Sobre a importância do sistema bancário sombra, com corridas a fundos de mercado
monetário, alavancagem expressiva dos bancos de investimento que levou ‘Lehman Brothers’
a falência e ‘Bear Stearns’ e ‘Merill Lynch’ a serem salvados da falência por outros bancos, e a
importância dos mercados de CDS na eclosão da crise não há dúvidas. Em 20 de setembro de
2008 os dois restantes bancos de investimento ‘Goldman Sachs’ e ‘Morgan Stanley’ tornavam
607
se bancos comerciais para ter acesso a fontes de liquidez da ‘Federal Reserve’ e do tesouro,
mas com isto aceitando a supervisão e a regulamentação federal de bancos.
O crescente volume de transações financeiras internacionais levou também num lado para a
uma maior possibilidade de financiar déficits na conta corrente e déficits fiscais nos mercados
financeiros globais, noutro lado para os países com fortes superávits na conta corrente de
investir em ativos financeiros de outros países, em primeiro lugar nos títulos públicos dos
Estados Unidos (chamado por economistas americanos ‘saving glut’). A tabela a seguir mostra
os desequilíbrios globais pela média dos saldos da conta corrente (em relação ao PIB) de
alguns países poupadores e um país gastador, os Estados Unidos, bem como a acumulação de
reservas internacionais e seu crescimento.
Tabela 128 Conta Corrente em % do PIB (Média 2000/12), Reservas internacionais Bilhões US$
2012, Mudança Reservas 2012/2000
Mudança reservas
CC/PIB % Média Reservas 2012
2012/2000
2000/12 Bilhões US$
Bilhões US$
Alemanha 4,40 234,10 146,61
Arábia Saudita 16,79 656,46 635,62
China 4,59 3.331,12 3.159,36
Estados Unidos -4,30 139,13 10,73
Japão 3,05 1.227,15 865,51
Rússia 8,19 486,58 458,92
Fonte: IMF WEO 2013/4, World Bank, cálculos próprios.
Para Alemanha os dados para reservas referem-se a 2011
O gráfico a seguir mostra o desenvolvimento dos desequilíbrios globais desde 1990, Alemanha,
China, Japão e Arábia Saudita como países com superávits expressivos na conta corrente e os
Estados Unidos como país com um déficit expressivo na conta corrente. O Brasil mostra um
superávit na conta corrente especialmente no período de ‘boom’ das commodities de 2002 até
a crise financeira global. A conta corrente de Arábia Saudita depende fortemente do preço de
petróleo, mostrando uma queda expressiva em 2015.
608
Gráfico 106 Desequilíbrios globais: Conta corrente (em % do PIB) Alemanha, Brasil, China,
Estados Unidos, Japão, Saudi Arábia 1990 - 2017
A recuperação da Grande Recessão foi em geral demorada, embora a queda não fosse tão
profunda como na Grande Depressão, consequência das maciças intervenções de governos e
bancos centrais e do papel da China (experimentando crescimento um pouco menor na
Grande Recessão, embora queda expressiva das exportações) como motor na expansão da
demanda global. Os países G7 experimentavam queda do PIB em 2009 entre -2,8% (Estados
Unidos) e -5,6% (Alemanha) e todos estavam experimentando uma recuperação da economia
em 2014 com aumentos do PIB 9acumulado) desde 2009 entre 6% (França) e 11,3%
609
(Alemanha), menos Itália que estava ainda com um PIB em – 2,2% abaixo do nível de 2009,
embora experimentasse em 2010 e 2011 uma curta expansão, terminada pela crise da dívida
soberana na área do euro [Dados de World Economic Outlook 10/2017]. A recuperação no
mercado de trabalho (taxa de desemprego) demorou mais tempo em todos os países do G7,
em 2014 somente em Alemanha e Japão a taxa de desemprego estava mais baixo que o nível
de 2008, na Canada, nos Estados Unidos e no Reino Unido ela estava ainda acima deste nível,
enquanto Itália (12,6% em 2014 contra 6,7% em 2008) e França (10,3% em 2014 contra 7,5%
em 2008) experimentavam aumentos expressivos da taxa de desemprego [Dados de World
Economic Outlook 10/2017]. Arias e Wen [2015] chegavam às seguintes avaliações sobre a
recuperação na economia global por continentes entre 2008 e 2014:
As regiões que apresentaram maiores declínios no PIB agregado no período de recessão foram
a Europa e o Oriente Médio, onde as quedas totais do PIB variaram de 10% a 20%. A América
Latina102 também foi muito afetada pela recessão, com o PIB caindo em quase 8%, seguido pela
Oceania, América do Norte e África. É interessante notar que a produção na Ásia não recuou
durante a recessão - o crescimento apenas diminuiu para uma média de 5%, apesar de uma
forte queda nas exportações.103
Mirando o desempenho durante a recessão, as regiões que cresceram mais desde 2009 foram a
Ásia e a África; em ambas as regiões, o PIB cresceu cerca de 50%. A região com crescimento
menor foi a Europa, com o PIB crescendo pouco abaixo de 10% em média, seguido pela
América do Norte, onde o crescimento médio foi acima de 20% desde 2009.
Ser atingido foi o primeiro golpe; um período oneroso de recuperação foi o segundo para
muitas áreas do mundo. O maior quebra-cabeça é que as regiões avançadas ou industrializadas
(por exemplo, os EUA e a Europa) tiveram o ritmo mais lento de recuperação. Uma explicação
plausível é que é mais difícil recuperar de uma crise financeira severa se uma crise da dívida
(como na Europa) segue. Outra explicação é que as políticas monetárias (como QE) foram
ineficazes ou muito menos efetivas do que as políticas fiscais para acabar com a Grande
Recessão104.
As consequências das políticas expansionistas fiscais foram um aumento expressivo da dívida
pública nos países de G7, chegando a níveis da dívida pública (em relação ao PIB nominal) em
2014 a 242% (Japão), 132% (Itália), 105% (Estados Unidos), 95% (França), 88% (Reino Unido),
85% (Canada) e 75% Alemanha. Os impactos das políticas monetárias expansionistas
prolongadas dos bancos centrais são ainda em uma discussão controversa entre os
economistas. Políticas monetárias e fiscais na Grande Recessão e depois são resumidas a
seguir e a crise da dívida soberana na área do euro em um capítulo posterior.
Intervenções dos governos e bancos centrais e sua coordenação
A resposta do governo dos EUA à crise financeira e a recessão posterior incluíram algumas das
políticas fiscais e monetárias mais agressivas da história. A resposta foi multifacetada e
bipartidária, envolvendo o Federal Reserve, o Congresso, e duas administrações. No entanto,
quase todas essas iniciativas políticas continuam controversas até hoje, com críticas que as
chamam de equivocadas, ineficazes ou ambas. O debate sobre essas políticas é crucial porque,
com a economia ainda fraca, pode ser necessário mais apoio governamental, como se viu
recentemente na extensão dos benefícios de desemprego e na consideração do FED de uma
maior expansão monetária.
Enfrentando críticas da escola austríaca e libertária, Blinder e Zandi [2010, p. 7] defendem em
2010, com a economia americana ainda frágil e a crise europeia no horizonte, as intervenções
contra os fundamentalistas de mercado:
Uma parte importante para a coordenação das políticas dos países foi a ação do Federal
Reserve de providenciar liquidez em dólares para bancos europeus e não europeus através de
seus bancos centrais através de linhas de swap. Também o quantative easing do Federal
Reserve, visto normalmente como uma política americana, forneceu liquidez para bancos
internacionais europeus através de compra de títulos da dívida lastreados por hipotecas.
Tooze [2018, p. 203 pp.] descreve estas operações apontando que os bancos centrais
611
europeus e não europeus somente poderiam injetar liquidez em moeda nacional, não em
dólares:
Mas o que tais operações não poderiam fornecer era a liquidez em moedas estrangeiras. O
banco da Inglaterra forneceu Sterling, o BCE euros. Esta restrição monetária doméstica foi um
limite crucial para o poder das operações do banco central e, particularmente, em 2008,
porque o que os bancos europeus precisavam desesperadamente eram dólares. Foi nesta
brecha que o FED pisou com um programa de provisão de liquidez que correspondeu ao
alcance global do sistema bancário offshore de dólar. (...).
Cálculos por economistas no Bank of international settlements [BIS] são que os bancos
europeus necessitavam não era 5 bilhões de US$ ou mesmo 10 bilhões. Antes da crise eles
tinham financiado suas operações em dólares com cerca um trilhão US$ em compromissos com
fundos do mercado monetário dos Estados Unidos. Eles tinham ainda emprestado 432 bilhões
de US$ no mercado interbancário, 315 bilhões de US$ nos mercados de swap cambial e 386
bilhões de US$ em financiamentos de curto prazo a partir das autoridades monetárias que
estavam gerenciando pools de dólares. Chegando no total em cerca de 2 trilhões de US$. (...).
A partir do final de 2007, o FED começou a fornecer liquidez em dólar em abundância sem
precedentes, não só para o americano, mas para todo o sistema financeiro global, e acima de
tudo para a Europa. Em 2008 o fluxo de dólares cresceu a proporções que ele tornou qualquer
esforço para escrever uma história separada das crises americanas e europeias anacrônica e
profundamente enganosa. (...).
Quantitative easing (QE) é geralmente pensado como a quintessência política "americana", o
símbolo da aventuacidade do FED. Ganharia repreender Bernanke por políticos conservadores
na Europa. Mas depois do que já dissemos, ele virá como nenhuma surpresa que 52 por cento
dos títulos garantidos por hipotecas vendidos ao FED QE foram vendidos por bancos
estrangeiros, com os europeus longes na liderança. Deutsche Bank e Credit Suisse foram os dois
maiores vendedores, superando todos os seus rivais americanos por uma margem saudável.
Outro fator importante na recuperação global foi o esforço expressivo da China na sua política
fiscal para contrabalançar os efeitos adversos da crise financeira global. Tooze [2018, p. 243
pp.]:
Gráfico 107 Taxas de juro de curtíssimo prazo (‘call money’) Área do euro, Estados Unidos,
Japão e Reino Unido 2000 - 2017
Fonte: OECD
As quedas das taxas básicas foram consequências das políticas monetárias expansionistas por
um período prolongado dos bancos centrais, concedendo créditos ao setor financeiro,
comprando títulos públicos, mas também títulos privados, parcialmente de risco elevado,
seguidas de uma política de ‘quantitative easing’ (expandindo a quantidade de moeda) e
‘qualitative easing’ (rebaixando a qualidade dos títulos comprados pelos bancos centrais e os
critérios e os prazos para o refinanciamento dos bancos através de créditos). Os bancos
centrais em muitos países também agiam como emprestadores de última instância evitando
falências de bancos sistemicamente relevantes. Na visão de muitos economistas o ‘bail out’ de
bancos e de outras empresas (e na crise da dívida pública na área do euro de países) criavam
um risco moral, incentivos viesados para estratégias empresariais e politicas governamentais
613
fracassadas e uma distribuição injusta dos custos das crises para os contribuintes de impostos
e a população em geral, evitando uma cobrança maior das instituições financeiras e suas
acionistas, sua participação nos custos da crise (‘bail in’ ou ‘private sector involvement’ - PSI).
Houve um bail in ou PSI na crise da Grécia em 2012 e na crise de Chipre em 2013. Esta
distribuição injusta dos custos da crise foi justificada pela necessidade de evitar uma nova
Grande Depressão e evitar uma prolongada crise de liquidez e de crédito, embora o fato possa
ser interpretado também como uma prova do poder econômico, politico e ideológico do setor
financeiro. Nos balanços dos bancos centrais estas políticas refletiam se numa expansão
expressiva dos ativos e no lado dos passivos numa expansão da base monetária. O gráfico a
seguir mostra esta tendência, embora o Banco de Japão (BoJ) seguia esta política
expansionista já desde a crise japonesa da década de 1990.
Gráfico 108 Ativos dos bancos centrais em relação ao PIB (%) 2007 até 2013, Banco Central
Europeu (European Central Bank – ECB), Federal Reserve (FED), Bank of England (BoE), Bank of
Japan (Boj)
Focando nos Estados Unidos, Rude [2014, p. 602 pp.] avalia positivamente as politicas
monetárias do FED no combate da crise, embora outros economistas fossem mais cautelosos
ou críticos:
O que aconteceu para mudar as coisas? O Estado dos EUA na forma da Reserva Federal
interveio para estabilizar o sistema financeiro. A autoridade monetária dos EUA reduziu sua
614
Na área do euro houve em 2015 e 2016 novamente uma expansão expressiva dos ativos do
ECB. O contágio da crise para muitos países do mundo teve também em muitos outros países
intervenções dos bancos centrais e dos governos com políticas expansionistas para evitar uma
nova Grande Depressão. As políticas fiscais expansionistas são resumidas em um lugar
posterior, como também os impactos para o Brasil.
pelo governo de Alemanha foram contestadas por países no sul da Europa, bem como por
muitos economistas e políticos. Mas este é um tema do capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro.
Os efeitos negativos conjunturais de uma crise sobre as contas públicas são óbvios: diminuição
das receitas como impostos e aumento dos gastos com transferências como o seguro
desemprego e outros gastos sociais. O conceito de déficit estrutural (déficit de pleno emprego)
foi criado para fazer um ajuste empírico cíclico do déficit nominal ou primário (sem pagamento
dos juros sobre a dívida pública), retirando os efeitos do ciclo econômico sobre o déficit
público. Obviamente uma politica fiscal expansionista na crise aumenta ainda mais o déficit
efetivo (nominal). A salvação de instituições financeiras através da injeção de capital ou
nacionalização com indenização dos acionistas pode ainda aumentar mais o defcit. A
transferência de dívidas privadas para a dívida pública através de compra de títulos arriscados,
bem com garantias para dívidas privadas e outras formas de transferência de risco do setor
privado para o setor público podem aumentar o déficit no futuro. Os déficits fiscais aumentam
a dívida pública.
Os dados sobre o déficit público estrutural (em % do PIB) na seguinte tabela mostram que a
politica fiscal foi muito mais expansionista nos Estados Unidos e no Reino Unido do que na
área do euro e terminou lá já em 2011/2012, quando a crise da dívida pública na área do euro
tornou se mais profunda. Consequência da política fiscal expansionista, bem como da recessão
em 2008/2009, foi um aumento expressivo da dívida pública como a tabela também mostra.
Tabela 129 Déficit estrutural (em % do PIB) e Dívida pública (em % do PIB) dos Estados Unidos,
do Reino Unido e da área do euro 2004 - 2015
Sem dúvida, como a citação de Blinder e Zandi [2010] acima já mostrou, a politica fiscal
expansionista, acompanhada de uma politica monetária prolongada expansionista, ajudavam
para amenizar os efeitos negativos da crise sobre produção e emprego. A politica
expansionista monetária ainda ajudou para diminuir os efeitos da elevação das dívidas públicas
sobre o déficit fiscal, oferecendo um ambiente de juros baixos para rolagem da dívida pública
(e privada), bem como para um endividamento novo se necessário. Obviamente para os países
atingidos na crise da dívida soberana, Espanha, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal, a última
sentença não se verificava, porque os riscos soberanos destes países subiam tão
expressivamente depois de 2009 que não houve possibilidade de rolar dívida existente ou se
endividar de novo nos mercados privados de capital. Para estes países a União Europeia e o
IMF forneciam empréstimos de emergência, mas sob condições duras de austeridade. Na
Grécia houve também um default sobre parte da dívida pública em propriedade privada em
2012. Como a dívida pública destes países estava em grande parte na propriedade de
investidores privados (em primeiro lugar bancos) estes empréstimos de emergência faziam
possível a transferência de riscos para as instituições internacionais e o setor público da União
Europeia para salvar bancos privados investidos em títulos destes países. Uma critica sobre a
salvação de instituições financeiras e países, bem como as politicas de austeridade forçadas
nos países em crise encontra se nos próximos capítulos.
Neste sentido em 2007 (Laeven e Valencia, 2012, p. 6) crises bancárias começaram nos Estados
Unidos e no Reino Unido, que se tornavam sistêmicas em 2008, nas outras partes da Europa a
maioria das crises bancárias começava em 2008 e tornava se sistêmica neste ano ou nos anos
depois.
Bancos e outras instituições financeiras foram seriamente atingidos pela crise financeira de
2008/2009, não somente nos Estados Unidos, mas também em outros países centrais,
especialmente na Europa. Embora os acontecimentos na Europa sejam parte de um capítulo a
seguir, é importante já mostrar aqui as interdependências do sistema financeiro global nas
falências, recapitalizaçoes, fusões, e salvações de instituições financeiras. Leven e Valência
[2012] chamam estes fracassos gerais das instituições financeiras (failures), implicando
falências, nacionalizações, recapitalizações, e outras intervenções do Estado para salvar elas.
O United States Government Accountability Office (2013, p.18 pp.) resume o impacto da crise
nas instituições financeiras americanas da seguinte forma:
O declínio dramático no mercado imobiliário dos EUA que começou em 2006 precipitou um
declínio no preço dos ativos relacionados a hipotecas, particularmente ativos hipotecários com
base em empréstimos ‘sub-prime’ em 2007. Algumas instituições financeiras se viram tão
expostas que foram ameaçadas de falha e algumas falhavam porque não conseguiram levantar
capital ou obter liquidez à medida que o valor de suas carteiras diminuiu. Outras instituições,
que vão desde empresas patrocinadas pelo governo, como Fannie Mae e Freddie Mac, para
grandes seguradoras, ficaram sujeitas a hipotecas "tóxicas" ou a ativos hipotecários que se
tornaram cada vez mais difíceis de avaliar, eram ilíquidos e potencialmente tinham pouco valor.
Para Europa Santos (2017 p 16) mostra os primeiros impactos da crise sobre instituições
financeiras, informações mais sucintas encontram-se no capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro:
A maior crise da área do euro, inicialmente desencadeada pela exposição que alguns bancos
europeus tinham no mercado de subprime dos EUA (...). Em 2007, dois pequenos bancos
alemães, Saschen e IKB, receberam assistência para compensar as perdas sofridas em carteiras
de títulos lastreados por hipotecas dos Estados Unidos. Além disso, ao longo de 2007, a Dexia, a
empresa de serviços financeiros belgo-frances, havia relatado uma queda nos lucros devido às
perdas sofridas por sua subsidiária nos EUA, Financial Security Assurance (FSA) e a Fortis, a
empresa de serviços financeiros belgo-holandeses, também teve que reportar lucros
618
The Handbook of the Political Economy of Financial Crises (2014, posição 8564 pp.) informa
sobre as formas da assistência de governos e bancos centrais na crise:
Nos episódios recentes, muitos países aplicaram a reestruturação de ativos caso a caso pelo
governo principalmente através de garantias contra uma grande deterioração dos valores dos
ativos; menos frequentes nas crises recentes foi o uso de "bad banks" (...). As garantias de
ativos exigem pouco financiamento inicial e não envolvem reconhecimento imediato de perda
ou recapitalização, ao contrário de comprar ativos com desconto. Dado o tamanho e a
complexidade dos ativos deteriorados - incluindo as muitas carteiras securitizadas e as
hipotecas a serem reestruturadas - as garantias eram muitas vezes a única opção, ou pelo
menos a preferida. Além disso, altos níveis de endividamento do governo em alguns países
podem ter impedido as transferências de ativos. Embora as garantias reduzam a incerteza para
as instituições financeiras (...), o governo assume custos contingentes mais altos. (...).
Nas crises asiática e nórdica, as empresas governamentais de gestão de ativos (AMCs) e os
‘bad banks’ estavam acostumados a remover os empréstimos inadimplentes - especialmente as
hipotecas - dos balanços dos bancos, que foram assumidos pelas autoridades, incorrendo assim
em desembolsos fiscais antecipados. Na crise de 2007-09, refletindo a limitada intervenção do
governo em instituições, a reestruturação de ativos foi largamente deixada para as próprias
instituições financeiras na maioria das grandes economias avançadas. (...). As falhas de bancos -
definidas amplamente ao incluir instituições que receberam assistência do governo - também
foram significativas durante a onda de crises de 2007-09. Esta proporção de falhas é
impressionante, uma vez que as falhas bancárias são eventos raros na maioria dos países, em
parte devido à tolerância regulatória e problemas muito grandes para falhar ou fechar. Em
relação ao total de ativos no sistema bancário, as falhas bancárias na Islândia foram, de longe,
as mais significativas, em cerca de 90% dos ativos bancários totais (...). Para os Estados Unidos,
para os quais os dados históricos sobre falhas bancárias desde a década de 1930 estão
disponíveis, as recentes falhas que incluíram assistência não têm precedentes, com bancos
detentando cerca de um quarto do mercado de depósitos que falhou ou recebeu alguma forma
de assistência governamental desde 2007 (...) Os Estados Unidos claramente não foram
aberrantes durante as crises de 2007-09, mesmo quando se usa a definição mais ampla de
falhas bancárias que inclui a assistência do governo. É claro que a lista de falhas dos Estados
Unidos exclui instituições financeiras tão grandes como Fannie Mae, Freddie Mac e AIG porque
619
não são bancos, embora atendam à definição de fracasso deste capítulo. Portanto, essa análise
poderia estar subestimando a magnitude do sofrimento financeiro nos Estados Unidos.
Em 2012 Laeven e Valencia (2012, p. 19) estimavam os custos fiscais de Islândia (com 44% do
PIB) e Irlanda (com 41% do PIB) entre os dez maiores na base de dados. Esta base de dados
também fornece uma estimativa dos custos fiscais brutos para países centrais escolhidos na
tabela a seguir, embora seja necessário realizar que em 2012 muitas das crises, especialmente
na área do euro, estavam ainda piorando, mas este faz parte do capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro.
Custos
Custos Fiscais (em Empréstimos Aumento da
Bolha de
País Inicio Fim Fiscais (em % dos ativos em dívida
crédito3
% do PIB) do setor moratária1 pública2
financeiro)
Alemanha 2008 Em andamento 1,8 0,6 3,7 17,8 Não
Áustria 2008 Em andamento 4,9 1,5 2,8 14,8 Não
Bélgica 2008 Em andamento 6,0 1,5 3,1 18,7 Sim
Dinamarca 2008 Em andamento 3,1 1,0 4,5 24,9 Não
Espanha 2008 Em andamento 3,8 1,3 5,8 30,7 Sim
Estados
2007 Em andamento 4,5 2,1 5,0 23,6 Não4
Unidos
Grécia 2008 Em andamento 27,3 15,8 14,7 44,5 Sim
Irlanda 2008 Em andamento 40,7 4,6 12,9 72,8 Sim
Islândia 2008 Em andamento 44,2 5,0 61,2 72,2 Sim
Itália 2008 Em andamento 0,3 0,1 11,0 8,6 Não
Letônia 2008 Em andamento 5,6 5,2 15,9 28,1 Sim
Países
2008 Em andamento 12,7 3,4 3,2 26,8 Não
Baixos
Reino Unido 2007 Em andamento 8,8 2,5 4,0 24,4 Sim
Fonte: Systemic Banking Crises database, https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/31/Systemic-
Banking-Crises-A-New-Database-22345
1) Pico em % dos empréstimos totais
2) em % do PIB
3) Na definição em Dell'Ariccia et al. (2012)
4) Interessantemente os Estados Unidos não cai na categoria de bolha de crédito
Coggan [s.a., posição 3540 pp.] reflete sobre a revolta pública com distribuição injusta dos
custos e das impunidades:
O custo de resgatar os bancos e a aparente disposição do governo em recompensar o mau
comportamento do setor causou uma nova onda de revolta pública. Assim, quando o recém-
eleito governo Obama reagiu à crise da moda clássica keynesiana, revelando um plano de
estímulo próximo a US $ 800 bilhões, enfrentou uma onda de oposição pública.
Além da impopularidade do resgate bancário, havia um sentimento geral de que era
"antiamericano" usar dinheiro público para socorrer empresas, até mesmo as empresas
automobilísticas com centenas de milhares de funcionários, sob o argumento de que as
pessoas deveriam permanecer em seus próprios dois pés. Além disso, os membros do Tea Party
viram o resgate como mais um sinal de intrusão do governo na economia - uma tendência que
foi exemplificada pelo plano de saúde de Obama.
621
The Handbook of the Political Economy of Financial Crises [2014, p. 342 p.] reflete sobre os
custos de salvação do Sistema financeiro:
A crise de 2008 e as intervenções do governo no setor bancário e de seguros financiadas pelos
contribuintes que se seguiram expuseram a extensão em que as responsabilidades e os riscos
das finanças governamentais e do setor bancário se tornaram muito interligados. Os governos
entregaram várias formas de apoio direto aos banqueiros e garantias sobre ativos e transações
financeiras. De acordo com o FMI (2011c), dos US $ 1,72 trilhão em apoio governamental direto
aos bancos (injeções de capital e compras de ativos), apenas US $ 0,45 trilhão foram
recuperados, com US $ 1,27 trilhão ainda em aberto. Entre outubro de 2008 e dezembro de
2010, garantias do governo foram fornecidas a mais de 200 bancos sediados em 20 economias
da OCDE, emitindo cerca de € 1 trilhão em títulos de dívida - cerca de 5% do PIB dos países em
questão. Não há planos para eliminar gradualmente esses esquemas de apoio patrocinados
pelo governo.
Porque tal facilidade era necessária torna-se clara apenas quando reunimos as atividades locais
e globais dos bancos europeus, para obter uma visão completa do seu crescimento
espetacularmente inflacionado. Os bancos da América eram muito grandes e muito
importantes para as finanças globais. Mas foi na Europa que o financiamento bancário tinha
crescido mais desproporcionalmente. Os bancos da Europa sempre foram grandes. Ao contrário
dos Estados Unidos, onde os mercados de capitais e de obrigações eram as principais fontes de
financiamento das empresas, as economias da Europa tinham confiado muito em empréstimos
bancários. Mas, difundindo-se em toda a UE e alimentando-se do circuito transatlântico, os
bancos europeus tinham crescido a uma dimensão gigantesca. 2007 os três maiores bancos do
mundo por ativos eram todos europeus-RBS, Deutsche Bank e BNP. Combinados, seus balanços
chegaram a 17 por cento do PIB global. O balanço de cada um deles chegou perto de
corresponder ao PIB do seu país de origem — Grã-Bretanha, Alemanha e França — as três
economias maiores da UE [em 2018 a Grã-Bretanha fiz ainda parte da UE]. (...). Em minúscula
Irlanda a situação era mais extrema. Os passivos dos seus bancos somavam 700 por cento do
PIB. A França e os Países Baixos rivalizavam entre si, com passivos em 400 por cento do PIB. Os
bancos da Alemanha e da Espanha tiveram passivos no valor de 300% do PIB. Por esta norma,
todos os membros da zona euro foram, pelo menos, três vezes mais "sobrecarregados" do que
os Estados Unidos. Além disso, os bancos europeus eram muito mais dependentes do
financiamento "wholesale" volátil baseado no mercado do que suas contrapartidas dos Estados
Unidos. Tooze, Crashed, p. 110
Muitos analistas advertem que o conceito de crise da dívida soberana para os eventos de 2010
e diante é de certa forma uma conceituação enviesada, como também Eichengreen [2015, p;
354] afirma:
A crise da Europa em primeiro lugar foi uma crise bancária. Seus bancos foram supra-
alavancados, subcapitalizados e excessivamente expostos ao mercado imobiliário. Seus
problemas vinham fermentando há anos. Mas agora, com alguma engenhosidade, os
formuladores de políticas conseguiram transformar a crise bancária em uma crise financeira,
uma crise de crescimento e uma crise política.
A crise da dívida soberana na área do euro é vista como consequência da crise financeira
global de 2008/2009 e da recessão mundial seguinte, embora a crise bancária em muitos
países da Europa foi também consequência da fragilidade própria no sistema bancário
europeu, na exposição de grandes bancos europeus em títulos tóxicos dos Estados Unidos, e
nas bolhas especulativas nos mercados imobiliários em países como Espanha, Irlanda e Reino
622
Unido. Os caminhos dos países para a crise foram diferentes: Irlanda e Espanha
experimentavam bolhas imobiliárias e as intervenções para salvar o sistema financeiro e as
políticas fiscais expansionistas na recessão para evitar uma depressão resultou em enormes
déficits fiscais e aumentou expressivamente a dívida pública, embora estes países tivessem
contas públicas saudáveis antes da crise. Os países do Sul da Europa foram se endividando
expressivamente no tempo do crédito fácil e barato depois da introdução do euro, no setor
público e/ou privado, mas também aqui a crise financeira global de 2008/2009 aprofundou os
problemas da dívida soberana e privada para estes países. Os créditos dos países com
superávit na conta corrente, como a Alemanha, financiaram os paises do Sul com déficits
crescentes na conta corrente aumentando ainda mais os desequilíbrios fundamentais de
competitividade. King [2016, p. 220 pp.] resume este problema para os países na área do euro
sob uma moeda unificada:
Gráfico 109 Spreads (em pontos percentuais) de títulos da dívida soberana (10 anos) dos
países em crise sobre os títulos soberanos da Alemanha
King (2016, p. 223 pp.) resume a crise da dívida soberana focando as intervenções do ECB
(Banco Central Europeu).
A crise na área do euro começou na Grécia no final de 2009, quando um novo governo eleito
em outubro revelou que o governo anterior estava subnotificando o déficit orçamentário,
resultando em um aumento no déficit estimado de cerca de 7% do PIB para quase 13 por cento
(posteriormente revisado para 15 por cento). A confiança na precisão das estatísticas gregas,
nunca alta, foi ainda mais prejudicada. Parecia que a Grécia tinha sido admitida na zona do
euro por falsos pretextos. O problema tornou-se mais sério em 2010, quando a Grécia se viu
cada vez mais incapaz de contrair empréstimos nos mercados financeiros globais e recorreu a
seus parceiros na Europa para empréstimos emergenciais.
Em julho de 2011, a crise na área do euro piorou. Era cada vez mais difícil fingir que os
problemas de países como a Grécia eram apenas uma falta de liquidez temporária, em vez de
uma questão de solvência subjacente e perda de competitividade. Os rendimentos da dívida
soberana (isto é, títulos do governo) emitidos pela Grécia, Irlanda e Portugal atingiram
patamares recordes, tornando os novos empréstimos muito caros, e Portugal aderiu à Grécia
ao ter sua dívida rebaixada ao status de junk (significando que a dívida foi julgada por as
624
O OECD [OECD Journal, 2012] avaliou em 2011 que a exposição de bancos europeus nas
dívidas soberanas de Grécia, Irlanda e Portugal não serão preocupantes, embora a exposição
dos bancos domésticos seja preocupante. A exposição dos bancos na dívida soberana (muito
maior) de Espanha e Itália é preocupante, quanto mais a exposição dos bancos domésticos
nestes países:
Para a Europa, como um todo, as exposições dos balanços dos bancos à dívida soberana dos
países periféricos são realmente muito pequenas: apenas € 76 bilhões no total para a Grécia,
ou 8% do capital de nível 1 e muito menos para a Irlanda e Portugal. Estas participações
sugerem muito claramente que esta não é uma crise soberana para transbordar para os bancos
em toda a Europa através de participações diretas na dívida soberana da periferia. As
exposições fora do país “próprio” simplesmente não são grandes o suficiente.
Os bancos do próprio país têm exposições muito grandes. Grécia e Chipre, por exemplo, têm
uma exposição de € 53 bilhões (...) - um haircut de 50% para a Grécia exigiria uma injeção de €
26 bilhões para bancos gregos e cipriotas, o que não é uma grande quantia para a Europa, para
evitar [a quebra] daquele país. 38 mil milhões de euros devem cobrir a exposição de todos os
bancos na Europa a um corte de 50% na Grécia. Esta não é a razão pela qual os preços das
ações dos bancos e os spreads de CDS refletem os receios de insolvência que, por sua vez,
levam a perigosas crises de liquidez.
A falha em colocar o problema em quarentena de países maiores é outra questão. A exposição
dos bancos da UE à dívida soberana da Espanha e da Itália é bastante substancial, com 19% e
25%, respectivamente, do capital principal de nível 1 na Europa como um todo. Mais uma vez, a
exposição no próprio país é muito grande: para a Espanha, 152% do capital de nível 1 e para a
Itália, 161%. Os países com grandes bancos IB, ou seja, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Itália e
França, são os mais expostos à Espanha e Itália. Embora a inadimplência desses países seja
muito menos provável do que para a Grécia, a falha em conter a contaminação dos spreads
resulta em perdas de marcação a mercado [na contabilidade] e reduz o valor desses títulos
quando oferecidos como garantia para as exposições a derivativos de bancos da UE misturando
atividades tradicionais e IB.
Bancos nacionais e internacionais são investidos em títulos soberanos, porque parecem
oferecer riscos mínimos com rendimentos aceitáveis. Os títulos soberanos são tambem
negociados na política monetária do banco central de mercado aberto, representando alta
liquidez e um ativo de primeira linha como colateral para os bancos. Em caso de default o
resgate pela União Europeia estava esperado. Os programas de assistência da União Europeia
em 2010 para Grécia, Portugal e Irlanda davam um alívio por um tempo, mas acompanhadas
de medidas de austeridade fiscal, a crise levou alguns países a recessão ainda mais profunda e
novos problemas fiscais, e em outubro de 2011 o contágio chegou a terceira e quarta maior
economia da zona do euro: Itália e Espanha. A tabela a seguir mostra as perspectivas dos
países atingidos na crise financeira global e na crise seguinte na área do euro.
União Europeia (27) 2,2 3,3 3,2 0,3 -4,3 2,1 1,6 -0,3
Área Euro (17) 1,9 3,2 3,0 0,4 -4,4 2,0 1,4 -0,6
Espanha 3,6 4,1 3,5 0,9 -3,7 -0,3 0,4 -1,4
Grécia 4,0 5,5 3,5 -0,2 -3,1 -4,9 -7,1 -6,4
Irlanda 5,7 5,4 5,4 -2,1 -5,5 -0,8 1,4 0,9
Itália 1,4 2,2 1,7 -1,2 -5,5 1,7 0,4 -2,4
Portugal 1,4 1,4 2,4 0,0 -2,9 1,9 -1,6 -3,2
Conta Corrente/PIB (%)
Espanha -4,5 -9,0 -10,0 -9,6 -4,8 -4,5 -3,7 -1,1
Grécia -6,9 -11,4 -14,6 -14,9 -11,2 -10,1 -9,9 -2,9
Irlanda -1,0 -3,5 -5,4 -5,7 -2,3 1,1 1,1 4,9
Itália -0,9 -1,5 -1,3 -2,9 -2,0 -3,5 -3,1 -0,5
Portugal -9,0 -10,7 -10,1 -12,6 -10,9 -10,6 -7,0 -1,5
Déficit fiscal/PIB (%)
Espanha -0,1 2,4 1,9 -4,5 -11,2 -9,7 -9,4 -10,3
Grécia -5,2 -6,0 -6,8 -9,9 -15,6 -10,7 -9,4 -6,4
Irlanda 1,5 2,9 0,1 -7,4 -13,9 -30,9 -13,4 -7,7
Itália -3,1 -3,4 -1,6 -2,7 -5,4 -4,3 -3,7 -3,0
Portugal -3,7 -3,8 -3,2 -3,7 -10,2 -9,8 -4,4 -4,9
Dívida pública bruta/PIB (%)
Espanha 50,9 39,7 36,3 40,2 53,9 61,3 69,1 84,1
Grécia 100,8 107,5 107,3 112,5 129,3 147,9 170,6 158,5
Irlanda 32,2 24,6 25,0 44,5 64,9 92,2 106,5 117,1
Itália 106,3 106,3 103,3 106,1 116,4 119,3 120,8 127,0
Portugal 55,0 63,7 68,3 71,6 83,1 93,2 108,0 123,0
Taxa efetiva de juros da dívida soberana (%) dezembro dos anos
Espanha 4,3 3,8 4,4 3,9 3,8 5,4 5,5 5,3
Grécia 4,3 4,0 4,5 5,1 5,5 12,0 21,1 13,3
Irlanda 4,3 3,8 4,5 4,6 4,9 8,5 8,7 4,7
Itália 5,6 4,0 4,5 4,5 4,0 4,6 6,8 4,5
Portugal 4,4 4,0 4,5 4,0 3,9 6,5 13,1 7,3
Fontes; EUROSTAT, OECD, IMF World Economic Outlook 4/2013
A tabela mostra que os países Espanha, Grécia, Irlanda, Itália, e Portugal entravam em
profundas recessões em 2009, na Grécia a recessão também estava piorando em 2010 até
2012. A tabela mostra também que os déficits em conta corrente (especialmente na Grécia e
Portugal) foram e são insustentáveis, especialmente quando acompanhado por déficits fiscais
expressivos como na Irlanda (causada pela ação do Estado na salvação do sistema financeiro
nacional (-31% em 2010) e também na Grécia), que levou a um crescimento acelerado do
coeficiente dívida pública/PIB, insustentável, especialmente para a Grécia, mesmo depois do
default.
O ‘European Central BanK’ (ECB) fez intervenções nos mercados secundários de títulos
soberanos da dívida, comprando os títulos para baixar os juros efetivos destes títulos nos
mercados secundários. No início de 2012, o default sobre a dívida soberana da Grécia em
propriedade privada levou a perdas de cerca 80% para os proprietários desses títulos no setor
privado, enquanto o hair-cut oficial do valor de face dos títulos foi de apenas 50% (Os valores
exatos da reestruturação da dívida soberana de Grécia em propriedade privada com valor de
261.410 US$ milhões um haircut de mercado de 76,9% e um redução do valor de face de
627
Obviamente, a crise da dívida soberana é também uma crise das instituições financeiras
europeias com investimentos expressivos nestes títulos soberanos. A crise bancária está inter-
relacionada com a crise da dívida soberana na área do euro e os programas de emergência da
União Europeia e do FMI estão concentrados nos países em crise, mas também na estabilidade
financeira do sistema bancário europeu. Quem aproveitou em primeiro lugar os programas de
ajuda foram os bancos, e muito menos a população dos países em crise. Obviamente salvando
os responsáveis para a crise financeira global e transferir custos, austeridade, recessão e
desemprego para a população criou raiva e revolta. Em 2015 o European Central Bank (ECB)
seguia novamente o Federal Reserve na política monetária muito expansionista (QE) para
baixar o valor externo do euro e dar mais alívio para os exportadores da área do euro e aliviar
os problemas fiscais baixando as taxas de juros para títulos soberanos (e privados)..
A crise na área do euro mostra os problemas da unidade monetária da área do euro, o euro. O
euro desde sua criação em 1999 tem sido um projeto político (como padrão de valor em 1999
e como moeda papel e moedas metálicas em 2002), unificando mais firmemente em 2018 17
países da União Europeia (que tem em 2018 27 Estados membros). Seu principal defeito é que
o euro é uma unidade monetária sem Estado, sem uma política fiscal unificada. O
desenvolvimento econômico na área do euro não levou as economias nacionais para a
convergência das condições econômicas e sociais nos países membros, mas para a divergência
especialmente para os países no sul da Europa no déficit fiscal, na dívida pública, nas
transações correntes e ainda mais importantes na competitividade. Estas diferenças de
competitividade e dos desequilíbrios nas contas externas na área do euro não podem mais ser
resolvidas pelos instrumentos de ajustes da taxa de câmbio (desvalorização) ou políticas
628
monetárias expansivas, porque a unidade monetária, o euro, e uma politica monetária única
existem para todos os países da área do euro. A política monetária também não pode ser
usada nos países com tendências recessivas porque somente existe uma política monetária
unificada pelo European Central Bank (ECB) para toda área do euro. Diferenças na
competitividade só podem ser resolvidas através de políticas deflacionárias nos países com
falta de competitividade, pela migração ou pelo expressivo crescimento da produtividade, ou
por políticas mais inflacionários nos países com superávit comercial expressivo como a
Alemanha. Estas soluções para os países com problemas de competitividade são estressantes e
lentas levando a instabilidade social e conflitos como o Reino Unido experimentou em 1925
com o retorno para a taxa cambial sobrevalorizada da libra em relação ao ouro, a mesma taxa
como antes da Primeira Guerra Mundial, que criou problemas sérias de competitividade para a
indústria britânica favorecendo os interesses do setor financeiro britânico (o city). As políticas
deflacionárias para baixar os salários levavam à greve geral em 1926 e instabilidade social.
Enquanto a crise da dívida soberana na área do euro ainda não mostra um contágio expressivo
para a economia mundial, os impactos são sentidos especialmente na União Europeia e
somente em menor grau em outros países do mundo. Os impactos da instabilidade global
foram sentidos também no Brasil, depois do crescimento expressivo em 2010 a economia
entrou novamente em um ciclo de crescimento baixo e o governo reduziu os impostos sobre o
consumo, o Banco Central do Brasil reduziu a taxa básica de juros SELIC, e houve tentativas de
depreciar o real. Mas provavelmente o crescimento baixo e a recessão profunda desde o fim
do ano 2014 no Brasil não é somente consequência da crise na área do euro, mas
provavelmente de problemas domesticos, especialmente o esgotamento do modelo do
crescimento através do consumo pela concessão de mais crédito, das politicas públicas sociais,
e dos problemas da competitividade do setor industrial brasileiro.
A crise na área do euro será descrita aqui de forma mais extensa para o caso de Grécia, onde
os impactos sociais e políticos foram os mais sérios. O foco está na política de austeridade que
prevaleceu na área do euro depois de um curto período de expansionismo fiscal. Austeridade
fiscal foi a estratégia da Alemanha, seguindo as regras do contrato de Maastricht, que a
Alemanha conseguiu impor para outros paises da área do euro para controlar déficits fiscais e
dívidas públicas crescentes depois de salvar as instituições financeiras nacionais e expandindo
as economias em recessão. A ECB com sua política monetária expansionista foi a única força
para expandir economias em estagnação ou recessão. Grécia foi o país onde a hipótese de um
endividamento público excessivo antes da crise financeira global teve algum fundamento,
embora também aqui a crise financeira global piorasse muito o desequilíbrio fiscal.
629
Uma posição diferente mostra Toussaint [2017 p. 20], embora a maioria doa analistas aceita
um endividamento público e privado grego excessivo antes da crise financeira global:
A crise grega que eclodiu em 2010 foi causada por banqueiros (estrangeiros e gregos) e não por
gastos públicos excessivos por parte de um Estado supostamente muito generoso em termos
sociais. A crise foi produzida quando os bancos privados estrangeiros desligaram o
fornecimento de crédito, primeiro no setor privado, depois no setor público. O chamado plano
de ajuda para a Grécia foi projetado para servir os interesses dos banqueiros privados e dos
países dominantes da zona do euro.
Blythe (2013, p. 71 p.) resumiu os programas de ajuda da troica, ECB, comissão europeia e IMF,
que foram acompanhadas de programas de austeridade:
A Grécia tornou-se o primeiro grande país europeu a experimentar uma depressão na escala da
Grande Depressão dos anos 1930 nos Estados Unidos. Entre 1929 e 1933, a produção total nos
EUA caiu 27%. Na Grécia, a produção caiu entre 2007 e 2015 em um pouco mais do que isso, e
os gastos domésticos (consumo e investimento nos setores privado e público) diminuírem não
menos do que 35%.
A realidade da catástrofe econômica e social grega pode ser vista nas estatísticas deprimentes
da economia grega desde a crise financeira global
Embora os dados da tabela mostrem que o déficit fiscal e o déficit na conta corrente de Grécia
diminuem, a dívida pública fica insustentável, que mesmo o IMF propõe uma nova
reestruturação da dívida, um bail-in para os credores. A população mais pobre da Grécia sofre
agora já anos sob uma depressão assustadora. As políticas de austeridade falharam em criar
uma volta sustentável. Mas especialmente o governo da Alemanha persiste na sua política de
austeridade e na negação de uma nova reestruturação da dívida, provavelmente temendo um
efeito dominó em que outros países também pedem reestruturação da dívida. Também seja
necessária uma reflexão sobre o fato de que certos níveis da dívida soberana (e também
privada) sejam insustentáveis e necessitam algumas mudanças em direção a austeridade.
Embora não vale muito analisar o passado do endividamento grego ou procurar responsáveis
para o desastre, mas pode ser útil lembrar certos avisos de Blythe (2013, p. 115)
É também importante lembrar que certos eventos na crise da dívida soberana na área do euro
parecem espelhar os acontecimentos da crise da dívida externa na América Latina na década
de 1980 e tirar as decisões certas, como Reinhart e Trebesch (2015, p. 2) advertem:
631
A história financeira da Grécia também serve como uma precaução mais ampla para outros países
que são "viciados" em poupanças externas. Períodos com dependência externa e abertura
financeira eram frequentemente períodos de volatilidade e crises, como na América Latina do
século XIX, mas também em lugares como a China, Portugal ou Espanha, até que estes se voltaram
para dentro na segunda metade do século XX. Grande parte da América Latina, grandes mercados
emergentes, como a Indonésia, a Turquia e partes da Europa Oriental dependem fortemente da
poupança externa.
Neste capítulo são discutidas as consequências da crise financeira global de 2008/2009 sobre o
Brasil, num capítulo posterior encontra se uma análise quantitativa dos impactos das crises
financeiras relevantes na década de 1990 e no novo século para o Brasil.
países e dos preços das commodities; iv) o aumento das remessas de lucros pelas filiais das
empresas transnacionais e dos bancos estrangeiros; e v) a redução das transferências
unilaterais dos imigrantes.
Eles mencionam também a deterioração das expectativas como consequência da crise global e
da previsão da contração da demanda global para a atividade econômica no Brasil e as
exportações brasileiras, mas também outro aspecto é importante no ambiente brasileiro
(Novaes, 2010 p. 239): as perdas de companhias brasileiras (especialmente Aracruz, Sadia e
Votorantim) com derivativos cambiais (apostando em uma apreciação futura da taxa de
câmbio brasileira, embora houve realmente uma depreciação) que aumentavam a
desconfiança não somente na estabilidade do sistema financeiro global, mas também na
estabilidade de empresas e bancos brasileiros.
A maioria dos fatos relacionados neste capítulo baseia se em artigos de Moller e Vital na
década de 2010.
A tabela a seguir mostra os efeitos mais importantes da crise financeira global em 2008/2009
sobre a atividade econômica (o PIB e seus componentes) no Brasil.
Tabela 133 Índice PIB trimestral seus componentes com ajuste sazonal 2008 (3. Trimestre
=100)
Consumo Consumo
PIB Investimento Exportação Importação
Famílias Governo
O gráfico a seguir mostra mensalmente a produção industrial desde 2004 (=100) e o valor das
exportações e importações (todas variáveis acumuladas por 12 meses).
Gráfico 110 Produção Industrial (Índice Jan/2004 =100), Exportações e Importações de bens
(acumulados por 12 meses) US$ Milhões Brasil 2004-2012
Gráfico 111 Índices (julho 2008 = 100) Exportações, Na Conta Capital e Financeira:
Investimento estrangeiro em carteira ações, Investimento estrangeiro em renda fixa, Crédito
Comercial, Outro Crédito, e Taxa de câmbio R$/US$ e Índice BOVESPA
Fonte: BACEN
Chernavsky (2011, p 81) menciona que o impacto de uma retração das exportações sobre a
atividade econômica no Brasil depende:
• Da mudança da taxa de câmbio (apreciação ou depreciação);
• Da mudança de volumes e / ou preços das exportações;
• Do efeito multiplicador (sobre a renda doméstica);
• Da participação das exportações na demanda.
636
O final de julho de 2008 mostra a taxa de câmbio com o dólar de EUA apreciado em termos
nominais como em termos reais, com 1,5658 R$/US$, a depreciação começa em setembro de
2008 atingindo o valor mais alto no final de fevereiro de 2009 com 2,3776 R$/US$ [BCB, Séries
temporais, fim do mês], uma desvalorização de quase 52%. Em seguir o real começa-se a
apreciar (fim de dezembro de 2009 1,7404 R$/US$). A depreciação do real reduziu o efeito da
queda das exportações brasileiras em 2009 sobre a renda doméstica.
Como a queda das exportações e importações começou já no quarto trimestre de 2008, os
dados na tabela a seguir, que mostra os produtos mais importantes na pauta (com mais de 1%
de expressão nas exportações e de 1%) das exportações brasileiras entre 2009 e 2008,
subestima os efeitos da crise.
Tabela 134 Exportações brasileiras por grupos de produtos 2009/08 (com participação na
paute de mais de 1%), Valor milhões de US$ fob, variações 2009/08 em valor, volume e preço
Nas exportações (com uma queda total de -22,71% nos valores), os produtos básicos mostram
uma queda expressiva dos valores de -15,16% de 2009 em relação a 2008, mas de forma
diferenciada, os produtos manufaturados mais importantes mostram uma queda em valor
maior de -26,64%, mas também de forma diferenciada.
As importações tinham uma queda de -26,21% de 2009 em relação a 2008, mais forte nos
produtos básicos com -40,79% do que nos produtos industrializados com -22,95%.
637
A participação das exportações no PIB ainda é relativamente pequena para o Brasil, enquanto
a participação estava aumentando na década de 2000 para quase 15% do PIB, diminuindo na
crise para 9,5% [Banco Central do Brasil (BCB), Indicadores Econômicos e Balanço de
Pagamentos]. Assim, a diminuição da demanda pelo produto brasileiro em uma crise não tem
um efeito tão grave como em países fortemente dependentes de exportações como a
Alemanha, Coréia do Sul ou China.
O efeito nas crises de uma redução das transferências da força de trabalho brasileira em países
estrangeiros também foi sensível, mas não extremo. Os dados sobre transferências na crise de
2008/09 apontam para uma diminuição sensível nos fluxos de -23,6% (-30,6% Declínio dos
Estados Unidos e de -40,8% do Japão, juntos respondendo por 86,1 % das entradas em 2000,
declinando para 59,3% em 2009 e para 45,3% em 2011), mas os influxos têm importância
menor no balanço de pagamentos do Brasil (transferências são cerca de 2% do valor das
exportações de bens), como mostra a tabela a seguir. Assim, a crise na zona do euro entre
2010 e 2014 teve poucos impactos significativos sobre as remessas, como sua importância na
zona de euro é menor, porque a maioria das entradas concentra-se nos Estados Unidos e
Japão.
Tabela 135 Fluxos de remessas, Transações unilaterais Brasil 2000-2011, Milhões US$
Influxo em % das
Ano Fluxo líquido Influxo remessas Saída remessas
Exportações
2000 932,1 1112,3 180,2 2,0%
2001 1009,0 1178,5 169,5 2,0%
2002 1572,6 1711,0 138,4 2,8%
2003 1882,1 2018,1 135,9 2,8%
2004 2292,0 2458,7 166,7 2,5%
2005 2217,4 2479,9 262,5 2,1%
2006 2580,6 2889,8 309,2 2,1%
2007 2294,7 2808,8 514,1 1,7%
2008 2284,5 2912,6 628,1 1,5%
2009 1555,2 2223,8 668,6 1,5%
2010 1220,2 2075,6 855,4 1,0%
2011 1157,8 1969,2 811,5 0,8%
Fonte: BCB Séries Temporais
Uma influência negativa significativa destas transferências sobre a conta corrente brasileira da
crise na área do euro não pode ser identificada entre 2010 e 2014.
A hipótese das expectativas racionais e a hipótese dos mercados eficientes são geralmente
assumidas na teoria econômica e em modelos econométricos baseados em modelos de
equilíbrio geral dinâmico estocástico (DSGE dynamic stochastic general equilibrium). A teoria
das expectativas racionais é contestada, por exemplo, por Kirman (2010, p. 511), porque na
modelagem econômica e econométrica as expectativas são representadas como homogêneas
pela hipótese do agente representativo e os agentes são isolados e apenas ligados por meio do
mercado anônimo. Obviamente, em tempos normais, as expectativas dos agentes são
heterogêneas e os agentes estão interagindo, pequenas mudanças no nível micro, portanto,
poderiam levar a grandes mudanças no nível macro. Mas também a ocorrência de crises
financeiras, cambiais e econômicas no final do século XX e no início do século XXI contestou
empiricamente a validade das hipóteses dominantes (GOMES, 2011, p. 47). Reinhart e Rogoff
(2008) argumentam que a recente crise financeira é semelhante a uma longa cadeia de crises
em países desenvolvidos e em desenvolvimento, e que “os mercados financeiros,
640
particularmente os que dependem de alavancagem (...) podem ser muito frágeis e sujeitos a
crises de confiança”. E Kindleberger e Aliber (2011) mostram que a crise financeira
internacional não é um “cisne negro”, como Taleb (2008) assume, mas uma ocorrência
bastante normal nas economias capitalistas desde séculos. Por que as expectativas dos
agentes econômicos mudam totalmente em um momento da euforia para o pânico, como no
momento da falência do Lehman Brothers em setembro de 15? Por que a história de crises
graves no passado não acorda os agentes económicos de uma possível crise no futuro?
Reinhart e Rogoff (2008) argumentam que a última pergunta poderia ser respondida em
quatro palavras: Desta vez é diferente.
A segunda pergunta é por que existe em crises o contágio para outros países e as expectativas
estão mudando rapidamente em países não diretamente atingidos pela crise, como o Brasil?
Obviamente, a globalização leva à crescente interdependência dos mercados e países pelo
comércio internacional e dos fluxos de capital. Gomes (2011, p. 48) mostra que o clima de
otimismo econômico no primeiro semestre de 2008 foi seguido por um clima de pessimismo e
pânico após a falência do Lehman Brothers também no Brasil, apesar de que o sistema
financeiro brasileiro não estava envolvido em ativos tóxicos emitidos pelo sistema financeiro
dos Estados Unidos. Mas neste momento existiam também incertezas sobre a alavancagem do
sistema financeiro nacional e, especialmente, sobre o envolvimento especulativo das
empresas brasileiras (Aracruz, Sadia, Votorantim) no mercado de derivativos, o que levou a
grandes perdas para estas empresas. Mas em março de 2009, as expectativas dos mercados
brasileiros já foram melhorando.
Obviamente, a crise da dívida soberana na área do euro levou a uma reversão de otimismo no
mercado brasileiro no segundo semestre de 2011 e em 2012, a economia brasileira está quase
estagnando depois, mas os problemas que levavam a crise profunda da economia brasileira
em 2014 até 2016 são resumidos posteriormente e a crise na área do euro teve provavelmente
somente impactos marginais sobre esta crise domestica. Os mercados financeiros globais
mantiveram a calma após o default da Grécia em março de 2012, a situação pode piorar se a
crise se espalha para outros países da zona do euro, principalmente Espanha e Itália. A crise
política na área do euro pode piorar também porque os eleitores temem a consequências do
quantitative e qualitative easing do Banco Central Europeu e os custos dos pacotes de resgate
para os países com problemas e para o setor bancário na área do euro. Por outro lado, as
exportações brasileiras estão agora mais diversificadas geograficamente e o sistema financeiro
brasileiro parece muito mais estável do que os sistemas financeiros na área do euro e nos
Estados Unidos.
641
Os impactos nos canais monetários, apresentados na conta de capital, podem ser um declínio
no investimento direto, um declínio nos investimentos de carteira para o Brasil e um declínio
de créditos para as empresas exportadoras brasileiras e para outras empresas brasileiras.
Como a tabela a seguir mostra o investimento estrangeiro direto como um total sofreu uma
queda de -30,6% em 2009 com relação a 2008, mas um crescimento de 25,3% em relação à
média 2001-2007. Provavelmente, mudanças nos investimentos estrangeiros diretos refletem
outras causas do que a influência da crise de 2008/2009, por exemplo, a Alemanha e o Reino
Unido mostram taxas positivas expressivas de crescimento de investimento estrangeiro direto
para o Brasil em 2009, enquanto estes países foram seriamente atingidos pela crise. Os países
em problemas na crise na área do euro são parcialmente investidores diretos importantes no
Brasil como Espanha, Portugal e Itália (encontra-se no lugar 16 com IED médios 2001-07 de
355 milhões de US$ e uma queda de 2009/2008 de – 39,8%), enquanto Irlanda e Grécia são
pouco importantes nesta perspectiva. Provavelmente também as decisões de investimento
direto dependem também mais do ambiente no país recebedor, neste caso Brasil, do que da
situação no país investidor. Mas obviamente uma crise global profunda restringe também a
possibilidade de fazer investimentos diretos das empresas nos países em crise. Em relação aos
dados sobre os estoques 2010 dos investimentos estrangeiros diretos (IED) é importante
informar, que neste ano houve uma mudança na metodologia do cálculo destes estoques. Nos
censos dos IED anteriores os estoques foram calculados como soma dos fluxos líquidos dos
IED, enquanto hoje é usado o valor de mercado da empresa investida, se possível. Este valor
de mercado depende dos ingressos líquidos dos IED, da variação dos preços da empresa e da
variação cambial. Para os estoques de 2010 os valores totais da tabela são em US$ 265,8
bilhões maiores do que os fluxos acumulados dos IED, consequência, em primeiro lugar, da
mudança para a avaliação através do valor de mercado. Por esta razão os valores de estoques
não são diretamente compatíveis com os resultados dos censos dos IED anteriores.
Tabela 137 Fluxos Investimento estrangeiro direto para o Brasil 2001 – 2009, estoques IED
2010, Milhões de US$
Taxa de
Estoque IED Estoque
Influxo Taxa de crescimento
2010 IED 2010
País médio Influxo 2008 Influxo 2009 crescimento (%)
Investidor Investidor
2001-2007 (%) 2008/09 2009/média
imediato* final*
01/07
Países Baixos 4.179 4.639 6.515 40,4% 55,9% 163.293 14.868
Estados Unidos 4.097 7.047 4.902 -30,4% 19,7% 108.074 109.700
Ilhas Cayman 1.628 1.556 1.092 -29,8% -32,9% 11.115 2.423
Espanha 1.443 3.851 3.424 -11,1% 137,2% 71.974 85.421
642
Tabela 138 Investimento estrangeiro direto e em carteira (ações e renda fixa) e outros
investimentos estrangeiros Brasil 2000 – 2012
Uma análise estatística e econométrica mais profunda dos impactos das crises internacionais
na década de 1990 e 2000 encontram-se num capítulo a seguir.
Conclusões
A crise financeira global de 2008/09 foi uma das crises mais profundas do capitalismo global,
atingindo de forma mais profunda as economias industrializadas e centrais. Dos 34 países da
OCDE vinte nove países estavam em recessão em 2009 (com quedas entre 14% e 1%) e os
cinco países que não entravam em recessão (Coréia do Sul, Nova Zelândia, Israel, Polônia e
Austrália) mostravam quedas de taxas de crescimento do PIB expressivas, comparadas com as
taxas médias de 2000/2008 [OECD, OECD.Stat Extracts, cálculos próprios]. Os países BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) sentiam a crise, enquanto da forma diferenciada em
comparação com a média de 2000/2008: em China e Índia a queda foi pouco significativa, na
Rússia houve uma queda de – 7,8% (comparada 7,0% 2000/08), na África do Sul e menos no
Brasil houve uma queda intermediária [OECD, OECD.Stat Extracts, cálculos próprios]. Fora dos
Estados Unidos os impactos da crise foram sentidos em primeiro lugar pela queda expressiva
das exportações e da falta de liquidez nos mercados financeiros internacionais. No
desenvolvimento da crise houve referências a Grande Depressão da década de 1930, o BIS
chamou este período e os anos seguintes por esta razão a Grande Recessão. Diferentemente
da Grande Depressão, onde governos e bancos centrais ainda orientavam se nas receitas da
economia clássica de não intervenção na economia e o padrão ouro limitava também as
intervenções necessárias, nesta vez os bancos centrais dos países maduros entravam com
politicas monetárias expressivamente expansionistas por tempo prolongado. Não somente o
644
tamanho das medidas expansionistas (Quantitave Easing) foi novo, mas também a aceitação
de títulos de dívida com risco elevado nas operações de mercado aberto ou como colateral nos
créditos na janela de redesconto foi nova (Qualitative Easing). Os governos também entravam
com politicas fiscais expansionistas, parcialmente para recapitalizar ou nacionalizar instituições
financeiras, parcialmente para substituir a queda da demanda privada e evitar uma espiral
deflacionária. Em 2010 estas medidas já conseguiam evitar o pior e a maioria dos países da
OCDE estavam novamente crescendo, enquanto a recuperação mostrou se frágil e países
como Grécia, Islândia, Irlanda e Espanha ficavam em 2010 em recessão e em 2012 novamente
ainda mais alguns países da OCDE entravam em recessão.
Ainda em 2013 muitos países encontram-se em uma frágil situação econômica com dívidas
elevadas do setor privado e do setor público, com sistemas financeiros frágeis e com
desemprego elevado. O Brasil ainda sai da crise com poucos problemas e com um sistema
financeiro estável, mas em 2012 e nos anos seguintes (até a crise brasileira começou no fim de
2014) o crescimento estava fraco e as exportações estagnando, a inflação subindo e o real se
depreciando, provavelmente parcialmente consequência da conjuntura mundial ainda
fragilizada e da queda dos preços de commodities e parcialmente consequência de problemas
internas. Em 2014 começou uma crise profunda da economia brasileira, mas a maioria dos
analistas responsabiliza mais fatores domésticos, como esgotamento do modelo de
crescimento pelo consumo e pela expansão de crédito, falhas na politicas econômicas, e
problemas políticos como o impeachment da presidente Rousseff em 2016, do que fatores
externos e a crise na área do euro. Importante como fator externo foi a queda dos preços de
commodities, mas esta crise, embora não impacto direto da crise financeira global, é
curtamente resumida no próximoi capítulo.
A crise da economia brasileira começando em 2014 (um ano em que a economia brasileira
ficava quase estagnada) surgiu em primeiro lugar por fatores domésticos de ordem econômica
e politica, embora a queda dos preços de commodities e uma economia global ainda
fragilizada influenciavam também. Na descrição da crise são em primeiro lugar apreciados os
fatos da economia real e da economia monetária, em segundo lugar os fatos políticos e as
influencias do combate a corrupção através da operação Lava Jato.
A crise brasileira de 2014/2016 (Se não há uma nova recaída) foi uma das crises mais sérias
que Brasil já experimentou. Com produção em queda, aumento do desemprego e da pobreza,
645
Brasil desfazia parcialmente os sucessos econômicos e sociais das décadas anteriores, como a
OECD (2018, p.6, tradução do autor) adverte:
O forte crescimento e o notável progresso social das duas últimas décadas fizeram do Brasil
uma das principais economias do mundo, apesar da profunda recessão da qual a economia
agora está emergindo. A estabilidade macroeconômica, as tendências demográficas favoráveis
e as condições externas permitiram uma expansão do consumo privado e público, no contexto
do emprego sólido e do crescimento salarial. Um mercado de trabalho dinâmico, aliado à
melhoria do acesso à educação e a amplos programas de transferência, permitiu que milhões
de brasileiros se mudassem para melhores empregos e alcançassem melhores padrões de vida.
Como 25 milhões de brasileiros escaparam da pobreza desde 2003, o crescimento se tornou
muito mais inclusivo. Estas são realizações notáveis. No entanto, o Brasil continua sendo um
dos países mais desiguais do mundo.
O gráfico a seguir (com o eixo vertcal foi interrompido mostrando de forma mais forte, mas
enviesada, a queda na crise) mostra uma queda profunda do PIB, uma queda ainda mais
profunda do investimento, uma queda do consumo das famílias, e estagnaço do consumo do
governo, tudo começando no fim de 2014. Um fator importante na queda do investimento é a
crise da empresa estatal Petrobrás, (responsavel para cerca 10% do investimento brasileiro e
2% do PIB), implicada nos processos de corrupção e forcada de diminuir expressivamente seus
investimentos. Embora PIB e consumo das famílias começam uma recuperação tímida em
2017, uma recuperação muito tímida do investimento – depois da queda profunda em 2014 –
começa em 2018. A queda profunda e a recuperação tímida do investimento provavelmente
foram influenciadas pela incerteza no ambiente politico.
Gráfico 112 PIB, Consumo das Famílias, Consumo do Governo, Investimento (FBCF) Brasil 2000
– 2019 3. Trimestre (Para visualizar melhor as crises o eixo horizontal foi interrompido em 80)
646
Fonte: BCB
Gráfico 113 Produção industrial (Índice dessazonalizado), geral, bens de capital, bens do
consumo, bens do consumo duráveis, Janeiro 2002 – Outubro 2019, (eixo vertical
interrompido em 50)
Fonte: BCB
Safatle, Borges e Oliveira (2016, posição 1110 pp.) mostram os problemas das políticas
keynesianas expansionistas no segundo governo Rousseff:
Dilma tentou preservar a política de queda da taxa de juros de várias formas. Um ex-ministro
do governo do PT resumiu da seguinte forma o que considerou a “sequência de erros”
cometidos na época: “Não deu certo, seguro o preço da gasolina; não deu certo, corto o preço
da energia; não deu certo, reduzo os impostos com as desonerações; não deu certo, aumento o
gasto público”. A presidente passou dois anos testando alternativas para fazer a economia
crescer e a inflação cair, até ceder às evidências. Só em abril de 2013 os juros começaram a
subir. (...). Os estímulos ao crescimento pelo aumento do consumo — que fez a alegria de todos
no governo Lula — haviam se esgotado, e só a expansão dos investimentos, portanto da oferta,
seria capaz de revigorar a atividade econômica e sustentar o emprego. (...). De acordo com
dados do Banco Central, em 2001 o saldo de empréstimos do governo federal ao BNDES
equivalia a 0,32% do PIB. No fim de 2015, representava 8,68% do PIB. Incluindo os demais
bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil, no fim de 2015 o total de empréstimos do
Tesouro feitos com endividamento era de 567,4 bilhões de reais, ou 9,57% do PIB. Toda a
justificativa foi de que tais empréstimos eram para aumentar o investimento na economia. Não
647
foi o que aconteceu. Dados do IBGE mostram que a taxa de investimento como proporção do
PIB caiu.
As causas desta crise são, para a maioria dos analistas, em primeiro lugar domésticas, embora
a fraqueza da economia global depois da crise financeira de 2008/2009, e a queda dos preços
de commodities em seguir, tevem também impactos. Entre os fatores causadores domésticos,
que são abordados mais tarde neste capítulo encontram-se fatores econômicos como o
esgotamento do modelo de expansão através de estimulação do consumo e do investimento
através de expansão de crédito, da expansão fiscal (crescente desequilíbrio fiscal) e expansão
monetária (em 2012 a taxa básica chegou a seu nível até lá mais baixo de 7,25%), bem como
fatores políticos como os processos de combater a corrupção (operação Lava Jato etc.), o
impeachment da presidente Rousseff e a incerteza política a seguir. O gráfico a seguir mostra a
importância de certas commodities na pauta de exportações brasileiras e o próximo gráfico o
desenvolvimento dos preços das commodities mais importantes na pauta de exportações
brasileiras.
Fonte: http://www.mdic.gov.br/
648
Gráfico 115 Índice de preços internacionais de soja, minério de ferro, petróleo, carne de boi,
açúcar 2000 – 2017
Obviamente houve uma ascensão dos preços (parcialmente expressiva como no caso de
petróleo, minério de ferro e soja) antes da crise financeira global, uma queda profunda nesta
crise, depois uma recuperação parcial que acabou em uma queda lenta dos preços (profunda
para petróleo, minério de ferro e açúcar), causada pela queda da demanda global.
O Banco Central respondeu à queda da inflação por uma série de reduções na taxa Selic, de
14,25% em outubro de 2016 para 6,75% em fevereiro de 2018 (Figura 9). Isso está próximo do
nível sugerido por uma regra de Taylor, embora muito dependa da dinâmica fiscal (IFI, 2017d).
O mercado de trabalho ainda tem folga, com o desemprego permanecendo alto. A queda no
emprego também refletiu menores taxas de participação, particularmente entre os jovens. A
meta de inflação foi reduzida para 2019 e 2020, para 4,25% e 4%, respectivamente.
649
Gráfico 116, Taxa de desemprego e desocupação (%), Taxa de inflação (IPCA), taxa de câmbio
R$/US$, Brasil 2000 -2019
Fonte: BCB
A situação fiscal piorou na segunda administração do governo Rousseff como o gráfico a seguir
mostra. Especialmente em 2014 o déficit fiscal nominal e o primário estavam aumentando
rapidamente. A dívida bruta do governo geral (em relação ao PIB) estava também aumentando
rapidamente com o aumento do desequilíbrio fiscal desde 2014, como o gráfico a seguir
mostra. O problema da dívida do setor público no Brasil é especialmente problemático porque
os juros são elevados. O gráfico mostra estas tendências das variáveis fiscais, bem como uma
melhoria lenta desde2017, em consequências parcialmente da queda expressiva da taxa Selic
(e sua influencia sobre os juros nominais) dedesde o fim de 2016 e mais forte ainda em 2019.
650
Gráfico 117 Dívida bruta do governo geral, Déficit fiscal nominal e primário ejuros nominaisdo
setor público, tudo em % do PIB Brasil 2000 – 2019
Fonte: BCB
Safatle, Borges e Oliveira (2016, posição 3410 pp.) comentam os problemas fiscais da seguinte
forma:
Durante os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, as despesas da
União, principalmente com os programas sociais, cresceram de forma contínua, acima do ritmo
de expansão da economia, e isso foi possível, em um primeiro momento, por causa da forte
elevação da receita da União no período. Mesmo quando a arrecadação começou a fraquejar,
em 2011, provocada por uma série de fatores, entre eles o desaquecimento da economia,
Dilma manteve o aumento das despesas. Para isso, o governo sacrificou a meta do resultado
primário, que terminou em um déficit gigantesco. Ao mesmo tempo, apelou para a
contabilidade criativa, incluindo as chamadas pedaladas fiscais, para mascarar a real situação
das contas púbicas.
O gráfico a seguir mostra a perspectiva externa da crise, as transações correntes (em % do
PIB), o saldo da balança comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$) – uma parte
importante das transações correntes, e os investimentos estrangeiros líquidos em carteira
(acumulado em 12 meses, milhões de US$), que junto com os investimentos estrangeiros
diretos e os outros investimentos estrangeiros são uma fonte importante para financiar uma
possível conta corrente (transações correntes) negativa ou para acumular reservas
internacionais. O gráfico mostra os anos até 2008 do ambiente externo favorável para o Brasil
nos mercados de commodities (facilitando a acumulação de reservas internacionais também
pela entrada de investimentos estrangeiros em seus diferentes segmentos), a crise financeira
global, os anos antes da crise de 2014 com os investimentos estrangeiros financiando a conta
651
corrente negativa. Com a crise desde 2014 começa queda dos investimentos estrangeiros em
carteira (embora os investimentos estrangeiros diretos não seguem a queda, não visível no
gráfico), consequência parcialmente da queda da taxa SELIC começando no fim de 2016.
Embora na contramão da depreciação forte do Real em 2019, as exportações enfraquecem, o
saldo da balança comercial diminui e a conta corrente torna novamente negativo.
Possivelmente as politicas comerciais do governo Trump (embora com foco na China e na
União Europeia) criavam um ambiente de incerteza, bem como a situação econômica difícil de
Argentina.
Gráfico 118 Brasil 2000:12 – 2019:10 transações correntes (em % do PIB), o saldo da balança
comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$), investimentos estrangeiros líquidos em
carteira (acumulado em 12 meses, milhões de US$)
Fonte; BCB
A história do capitalismo moderno pode ser escrita como uma sucessão de crises em que o
capitalismo sobreviveu apenas ao preço de profundas transformações de suas instituições
econômicas e sociais, salvando-o da bancarrota de maneira imprevisível e muitas vezes não
intencional. (...) Assim como os movimentadores e agitadores do capitalismo não sabem como
proteger sua sociedade da decadência, e em qualquer caso não teriam os meios para fazê-lo,
seus inimigos, quando se trata da crise, têm que admitir que não tenham idéias de como
substituir o capitalismo neoliberal por outra coisa - veja o governo grego do SYRIZA [partido
grego da esquerda] e sua capitulação em 2015 quando o 'Eurogroup' começou a jogar duro e o
SYRIZA, para misturar metáforas, foi forçado a mostrar sua mão.
Wolfgang Streeck, How will capitalism end? Posições 138 e 608 p.
652
A década dos anos 1930 viu profundas transformações no cenário político, econômico e
ideológico: A ascensão da extrema direita em muitos paises da Europa e na Ásia, a queda do
padrão ouro, o abandono do livre comércio internacional, a ascensão do protecionismo, de
contratos comerciais bilaterais, e de ideias de desenvolvimento pela autarquia nacional. No
cenário ideológico a luta pela hegemonia entre as ideias fascistas e nazistas e as ideias
comunistas deixou as ideias liberais políticos e econômicos numa posição defensiva, embora
elas estivessem ainda mais enfraquecidas pela Grande Depressão. Regimes autoritários
estavam ganhando cada vez mais espaço no mundo quando a economia internacional liberal
se desintegrou na Grande Depressão.
Nos anos depois da crise financeira global de 2008/2009 e da Grande Recessão seguinte as
transformações foram menos expressivas, embora possa ser cedo demais para fazer esta
avaliação. A avaliação a seguir concentra-se em primeiro lugar nos países centrais, um país
como o Brasil sofria menos com a crise e as amplas demonstrações de 2013 e o impeachment
da presidente Rousseff em 2016 foram somente marginalmente relacionadas com a crise.
Governos, vistos pela população como responsáveis pela crise, foram na próxima eleição
substituídos pelo candidato da oposição, como nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França,
na Espanha e em outros países centrais, mas não na Alemanha e no Brasil. A desconfiança nos
políticos aumentou, a raiva contra banqueiros e financistas aumentou, responsáveis pela crise
na opinião pública e saindo da crise com poucos prejuízos e sem processos na justiça, e o
sentimento de que o capitalismo neoliberal fracassou aumentou, aumentavam as
desigualdades, deixando os mais fracos das sociedades sofrendo com as políticas de
austeridade para equilibrar as contas públicas em apuros depois da salvação do setor
financeiro. Nas demonstrações apareciam slogans como "onde é meu bail-out" ou "Occupy
Wall Street", embora não existiam agendas viáveis para quebrar o poder da ideologia
neoliberal, como a citação de Streeck no inicio deste capítulo enfatiza. Embora houvesse
muitos novos movimentos sociais que tomavam as ruas, algumas deles se formando como
novos partidos políticos (como, por exemplo, na esquerda Syriza na Grécia e Podemos na
Espanha, ou da direção ideológica menos clara o partido cinco estrelas na Itália), mas houve
também a nova direita e a velha direita ganhando espaço político com discursos contra
imigrantes, muçulmanos, a burocracia europeia, e o establishment político e econômico com
algum sucesso na França, Itália, Reino Unido, Alemanha e outros países. A direita chegou ao
governo na Hungria e na Polônia, e com participação no governo de Áustria. O cenário político
tornou-se muito mais volátil depois da crise com um toque mais agressivo e imprevisível nas
suas perspectivas futuras. A eleição de Trump para a presidência dos Estados Unidos com um
653
Como o governo Roosevelt antes dele, a resposta do governo Obama à crise implicou muito
mais do que apenas o uso de ferramentas fiscais e monetárias. Incluía uma série
impressionante de iniciativas direcionadas a setores específicos, de habitação e veículos a
serviços financeiros. No entanto, poucos destes, no entanto, começaram a abordar, com
ambição ou realização, as iniciativas lançadas no âmbito do New Deal. (...)
Em particular, as tentativas do governo Obama de fornecer aos proprietários de imóveis
residenciais em dificuldades um alívio hipotecário foram uma pálida imitação do que foi
conseguido pela Corporação de Empréstimos dos Proprietários Residentes da década de 1930.
(...) Reforma de Dodd-Frank Wall Street e Proteção ao Consumidor Lei de 2010 não começou a
subir para a ambição da Lei Glass-Steagall de 1933 ou o Securities Exchange Act de 1934 (...). E,
apesar dos resgates, os bancos continuaram sendo um lobby poderoso. Os bancos comunitários
pressionaram contra a legislação para permitir que juízes de falência se intrometessem em suas
carteiras hipotecárias, assim como fizeram lobby contra o seguro de depósito na década de
1930. (...).
A reforma financeira desta vez foi mais limitada. A explicação mais importante, aludida acima,
foi o próprio sucesso dos formuladores de políticas na prevenção do pior. Com base nas lições
da década de 1930, eles evitaram uma calamidade econômica na escala da Grande Depressão
(...). O outro fator que impediu reformas mais fundamentais no estilo da década de 1930 foi o
tamanho e a complexidade do sistema financeiro. A complexidade dos megabancos, como o
Citigroup, o Bank of America e o Wells Fargo, fez com que fosse mais fácil falar sobre seu
desmembramento do que fazer isto, por mais que os proponentes do rompimento afirmassem
o contrário. Não só os grandes bancos ainda estavam em atividade, mas, como resultado dos
casamentos de espingardas presididos pelas autoridades, eles se tornaram ainda maiores (...).
Da mesma forma, a existência de uma ampla variedade de instrumentos derivativos complicou
os esforços para direcionar seus negócios para as câmaras de compensação e para as bolsas de
valores. Embora os títulos facilmente padronizados sobrevivam a tais exigências, outros podem
não sobreviver. Não estavam claros quais eram quais, ou se aqueles que sobreviveram seriam
principalmente os instrumentos usados pelos agricultores para cobrir riscos ou especuladores
para manipulá-los. E os títulos derivativos eram negociados não apenas nos Estados Unidos,
mas internacionalmente. No mundo dos controles dos fluxos de capital da década de 1930, era
possível que as autoridades nacionais procedessem unilateralmente (...).
As demais mudanças focaram no preenchimento das lacunas regulatórias reveladas pela crise.
Dodd-Frank criou um Escritório Federal de Seguros no Tesouro para monitorar a indústria de
seguros e, esperançosamente, impedir futuros AIGs. Ela criou um Escritório de Ratings de
Crédito na SEC para supervisionar as agências de classificação. Exigiu que o Federal Reserve
654
conduzisse testes anuais de estresse das empresas bancárias com US $ 50 bilhões ou mais do
total de ativos. Ampliou o perímetro regulatório exigindo os fundos de hedge para se inscrever
na SEC e revogar a isenção de que gozam os consultores de investimento com menos de quinze
clientes. Embora estes fossem passos úteis, estavam longe de ser revolucionários (...).
A experiência dos anos 1930 sugere que a reforma radical só é possível na esteira de uma crise
excepcional. Na ausência dessa crise, os negócios, como de costume, permanecem na ordem
do dia, e uma reforma radical que ameaça perturbar tais negócios está descartada. Uma crise
excepcional interrompe esse negócio por um tempo. O problema que começou em 2009, se
pode ser chamado de problema, foi que os formuladores de políticas conseguiram, apenas por
pouco, evitar uma crise no estilo da década de 1930. Ainda havia negócios como de costume
para conduzir. A reforma radical que interferiu com as práticas bancárias costumeiras poderia
ser criticada como comprometendo a recuperação, que está sendo levada a cabo lentamente
(...).
Uma segunda implicação foi a perda de solidariedade europeia e danos à União Europeia. Por
mais de cinquenta anos, a UE funcionou como um mecanismo de construção de confiança.
Forneceu um quadro através do qual os países europeus poderiam colaborar pacificamente e
em que a Alemanha poderia flexionar seus músculos econômicos sem intimidar seus vizinhos.
Foi uma forma de os cidadãos de diversos países, falando muitas línguas e com as suas próprias
tradições nacionais, cultivarem uma identidade europeia comum. Como dinheiro
compartilhado, o euro deveria ser a pedra angular desse processo. Como resultado de como a
crise do euro foi tratada a partir de 2009, não foi assim. Em vez de criar solidariedade, a gestão
da crise pela Comissão e pelo BCE abriu um abismo psíquico entre o norte e o sul da Europa. O
jornal alemão Bild escreveu como “os gregos orgulhosos, enganadores e perdulários”
empenhados em explorar o contribuinte alemão responsável deveriam ser expulsos da zona do
euro. A imprensa grega respondeu com uma foto montagem da Coluna da Vitória em Berlim
encimada por uma suástica gigante, e desenterrou a questão há muito tempo enterrada do
fracasso da Alemanha em pagar indenizações pós-Segunda Guerra Mundial. A resposta
tradicional para estas crises foram sempre mais Europa. (...). Se problemas da dívida
implicavam a necessidade para uma união fiscal, e se uma união fiscal criava a necessidade de
uma união politica, a resposta – outra vez – foi mover se em direção a uma união fiscal e
politica. Assim foi (...) em mais de cinquenta anos. Mas agora existe uma falta de confiança nas
instituições e indivíduos que determinam a agenda.
f. Analise empírica dos impactos das crises pós Plano Real sobre o Brasil.
Introdução
Na década de 1990 e durante os anos 2000, a economia global foi o palco de sérias crises
financeiras, primeiro nos mercados emergentes e em 2008/2009 na maior economia do
mundo – os Estados Unidos. Nos tempos da globalização os impactos destas crises são
rapidamente sentidos em todos os países, entre eles, o Brasil. O capítulo baseia se em um
artigo de Moller e Vital (2016) e tenta identificar empiricamente com métodos estatísticos e
econométricos os impactos das crises sobre variáveis escolhidas do lado financeiro e real da
economia brasileira. Todas as crises analisadas tiveram impactos expressivos, embora
diferenciados, sobre a economia brasileira. A crise brasileira de 1998/1999 e a crise financeira
global de 2008/2009 tiveram os impactos mais profundos sobre a economia brasileira. Em
todas as crises o lado financeiro da economia brasileira sentiu os impactos das crises mais
rapidamente e de forma mais expressiva, mas especialmente durante a crise financeira global
655
de 2008/2009 os impactos sobre o lado real da economia brasileira foram expressivos, embora
de curta duração. Mas em comparação com países como Indonésia em 1998, Argentina em
2002 e Grécia em 2012 a economia brasileira sofreu menos em todas as crises, consequência
possivelmente do grande mercado interno, da estabilidade do sistema financeiro e da
diversificação das exportações.
Este capítulo empírico tenta identificar impactos significativos sobre o lado real e financeiro da
economia brasileira no período de 1995 até 2012/2013 usando dados diários para algumas
variáveis financeiras, mas em geral dados mensais ou trimestrais para a maioria das análises.
Crises financeiras e econômicas impactam geralmente mais rápido sobre os mercados
financeiros, os mercados reais reagem normalmente com certa defasagem. Uma primeira
impressão dos impactos das diferentes crises desde 1980 sobre a economia brasileira pode ser
656
visto no gráfico a seguir que mostra a evolução do PIB real brasileiro e do hiato do PIB, dando
uma primeira impressão sobre os impactos das crises sobre produção e com isto também
sobre o emprego, enquanto o gráfico não mostra explicitamente o emprego ou desemprego.
Gráfico 119: Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil e hiato do PIB 1980-2012
Obviamente não é possível analisar todos os impactos econômicos e sociais das crises sobre a
economia brasileira. A análise de variáveis financeiras, com que o trabalho empírico começa
porque os impactos sobre estas variáveis são muitas vezes mais rápido e os impactos reais são
para algumas crises mínimas, incluí o risco país (o spread dos rendimentos efetivos dos títulos
da dívida externa soberana sobre os rendimentos de títulos parecidos do tesouro norte-
americano106), a taxa de câmbio comercial R$/US$, o índice Ibovespa, a taxa básica de juros
SELIC, as reservas internacionais do Brasil, segmentos da balança capital e financeira do Brasil
e outras variáveis. As análises de variáveis da economia real incluem variáveis sobre produção,
desemprego, inflação e a balança comercial entre outras.
Fundamentos teóricos
Os fundamentos teóricos da análise empírica refletem os conhecimentos básicos da
macroeconomia e das finanças internacionais, por exemplo, as três gerações de modelos de
crises cambiais [Krugman 2001, p. X pp.], que enfatizam o esgotamento de reservas
internacionais como impacto dos ataques especulativos numa crise do balanço de pagamentos
(Primeira geração), os custos crescentes para a economia nacional de defender uma paridade
657
original contra ataques especulativos (Segunda geração) e os modelos da terceira geração, que
enfatizam as mudanças das expectativas e o risco moral pelas garantias do governo, gerando
uma entrada de capital externo e uma expansão expressiva de crédito financiando
investimentos excessivamente arriscados levando a uma crise cambial e uma recessão
profunda na ruptura súbita dos fluxos de capital externo, quando os investidores percebem o
risco elevado dos investimentos, bem como as experiências das crises financeiras pós Plano
Real.
Os mercados financeiros são voláteis. Em uma crise a volatilidade das variáveis relacionadas
aos mercados financeiros aumenta normalmente, taxas de câmbio, indicadores do risco país,
índices do mercado de ações, fluxos de investimentos estrangeiros em carteira (ações ou
renda fixa) etc. Obviamente a volatilidade destas variáveis depende também do regime
cambial e da regulamentação dos fluxos de capitais. Num regime de câmbio administrado
(crawling peg), que prevaleceu no Brasil entre março de 1995 e janeiro de 1999 com certos
controles dos movimentos de capitais, a taxa de câmbio é muito menos volátil e segue um
caminho previsível. As crises financeiras refletem se neste regime num aumento da taxa básica
de juros (SELIC), para evitar saídas expressivas de capital do país e aumentar os custos para
ataques especulativos, e numa diminuição das reservas internacionais, quando o banco central
defende a taxa de câmbio com a venda de moeda estrangeira. Como as reservas internacionais
são finitas e os custos econômicos da elevação da taxa básica são altos (tendências recessivas),
em muitos casos uma tentativa prolongada de defender a taxa fixa de câmbio leva ao colapso
do regime de câmbio fixo ou administrado, como em 1992 na Grã-Bretanha, em 1994 no
México, em 1997 no leste asiático, em 1998 na Rússia, em janeiro de 1999 no Brasil e em
dezembro de 2001 na Argentina, entre outros exemplos no ambiente global. Para a análise
empírica os tempos da crise (ou melhor, de seus impactos sobre o Brasil) são definidos da
seguinte forma, obviamente incluindo certo viés arbitrário (através de dummies: ano e mês do
inicio e do fim dos impactos sobre o Brasil):
A crise de Rússia e a crise de Brasil são reunidas em um único período, porque houve um
contágio rápido da crise russa para o Brasil e a crise de Argentina que eclodiu definitivamente
em dezembro de 2001, já começa aqui em 2001:08, por que desde a desvalorização do real em
658
No gráfico a seguir as áreas sombreadas mostram a evolução das variáveis descritas nos
tempos das crises internacionais.
400
Taxa de câmbio R$/US$ (esquerda)
Taxa básica SELIC (% a.m.) (esquerda)
5 Reservas Internacionais (Bilhões US$) (direita) 350
300
4
250
3 200
150
2
100
50
1
0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Gráfico 120 Taxa de câmbio R$/US$, Taxa Selic mensal (% a.m.), Reservas internacionais
brasileiras (Bilhões US$) 1994:8 – 2013:5 (área sombreada: crises internacionais)
Até janeiro de 1999 a taxa de câmbio R$/US$ no regime de câmbio administrado mostra uma
tendência ascendente quase linear (somente depois de março de 1995), depois de janeiro de
1999 há uma desvalorização/depreciação expressiva e a taxa de câmbio torna-se altamente
volátil no regime de câmbio flexível. Em tempos da crise há neste período cada vez uma
depreciação expressiva da taxa e câmbio, reflexo de fuga de capitais e de ataques
especulativos. Embora a taxa de câmbio seja pouco volátil no regime de câmbio administrado,
a taxa básica SELIC mostra aumentos expressivos na crise do México, da Ásia, da Rússia e do
Brasil, enquanto as reservas internacionais mostram quedas expressivas nestas crises (pouco
visível no gráfico, porque a acumulação enorme de reservas internacionais depois de 2006
diminui a visibilidade das mudanças no período anterior. A acumulação expressiva das reservas
659
internacionais foi favorecida pelo ambiente global favorável para exportações brasileiras de
commodities).
Uma variável financeira importante em crises financeiras é o risco país, que tenta avaliar o
risco de crédito (mais especificamente a probabilidade de default de um país sobre sua dívida
soberana) para os investidores estrangeiros que investem no país [Banco Central do Brasil,
2012, p. 7]. Indicadores usados para avaliar o risco país do Brasil são o spread EMBI + Br [O
EMBI+ é o Emerging Markets Bond Index Plus107], o spread dos c-bonds brasileiros, o spread
dos global bonds brasileiros, ou o spread dos credit default swaps (CDS) dos títulos soberanos
brasileiros de dívida externa. Em todos os casos o spread é a diferença (medida em pontos
básicos, onde 100 pontos básicos são equivalentes a um ponto percentual) entre o rendimento
efetivo dos títulos soberanos brasileiros em relação a títulos de prazo equivalente do tesouro
dos Estados Unidos, que são considerados livres de risco [BCB, 2012, p.7.]. Em uma crise a
probabilidade de um default sobre os títulos soberanos está subindo, os investidores tentam
vender estes títulos nos mercados secundários com o impacto da queda dos preços. Com
queda dos preços, o rendimento efetivo dos títulos (para os investidores que compram estes
títulos a preços baixos) está crescendo, conduzindo a um aumento dos spreads sobre os
rendimentos dos títulos do tesouro norte-americano, supondo, para facilitar a argumentação,
que os preços e rendimentos dos títulos de tesouro norte-americano são constantes. Embora
spreads e rendimentos efetivos da dívida soberana brasileira estão subindo em tempos das
crises, o custo dos juros para o Brasil em moeda estrangeira não aumenta (e a maior parte da
dívida externa brasileira foi emitida em moeda estrangeira), somente a rolagem da dívida em
vencimento e a emissão de nova dívida externa torna-se mais cara, implicando a importância
da estrutura temporal da dívida existente.
Quando em uma crise a taxa efetiva de juros para os títulos soberanos está subindo para os
novos investidores que compram a preços baixos, este fato não implica que o peso dos juros
pagos em US$ (ou em outra moeda estrangeira) aumenta, mas o peso dos juros (e das
amortizações) em moeda nacional (R$) aumenta, quando a taxa de câmbio R$/US$ se
desvaloriza/deprecia. O problema é mais sério para o governo, quando a dívida soberana está
muito concentrada em títulos vencendo no futuro próximo, porque a rolagem destes títulos
pode ser feita somente a taxas muito elevadas de juros, possivelmente a custos proibitivos.
Neste caso a única opção é recorrer a empréstimos dos órgãos internacionais (FMI, Banco
Mundial etc.) e dos países centrais - como no caso da crise mexicana, da crise asiática e das
crises do Brasil em 1998 e em 2002 – ou renegociar a dívida com um default sobre a dívida
soberana (como no caso de Rússia em 1998, na Argentina em 2002, e na Grécia em 2012).
660
Este gráfico mostra em todas as crises um aumento expressivo do risco país Brasil e uma
queda do Ibovespa. Obviamente o tamanho do aumento depende também da situação das
reservas internacionais e da situação macroeconômica do Brasil nos tempos de crise.
80000 2200
Risco País (Spread EMBI+Br pontos básicos) (direita)
Índice BOVESPA (Pontos) (esquerda)
2000
70000 Investimentos estrangeiros da Carteira (esquerda)
1800
60000
1600
50000
1400
40000 1200
30000 1000
800
20000
600
10000
400
0
200
-10000 0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Gráfico 121 Risco país Brasil (spread EMBI+BR pontos básicos), Índice BOVESPA (pontos) e
Investimentos estrangeiros da carteira (IEC) 1994:8 – 2013:5 (áreas sombreadas: crises
internacionais)
da Europa e o sistema financeiro apresentava-se muito mais estável do que antes com uma
capitalização muito maior do que nos bancos americanos ou europeus. No gráfico pode se
acompanhar também as quedas do Ibovespa nos tempos da crise, aqui a crise financeira global
de 2008/2009 teve impactos expressivos por causa de saída maciça de investimentos de
carteira neste período, provavelmente para cobrir perdas nos Estados Unidos e na Europa.
Quadro 11 Efeitos prováveis das crises financeiras em diferentes regimes cambiais sobre
variáveis financeiras específicas
Obviamente o quadro suponha que em uma crise financeira a taxa de câmbio fixa (ou
administrada) pode ser defendida pelo banco central do país através do aumento da taxa
básica de juros (+) e da venda de moeda estrangeira de suas reservas internacionais (-),
empiricamente o esgotamento das reservas internacionais e a falta de créditos internacionais
podem levar a um colapso do regime de câmbio fixo com depreciação expressiva a seguir, ou a
uma desvalorização expressiva da taxa de câmbio sob o regime de câmbio administrado. A
última opção foi tentada pelo governo brasileiro na crise de janeiro de 1999 com
desvalorização e uma banda cambial maior, mas a desvalorização foi muito pequena e a
pressão no mercado cambial ficou elevada e o vazamento das reservas internacionais
continuou levando depois de dois dias para o colapso do regime de câmbio administrado e a
mudança para um sistema de câmbio flutuante. Num regime de câmbio flutuante o banco
central não é mais obrigado a intervir no mercado cambial através do aumento da taxa básica
e da venda de moeda estrangeira, mas ainda tem a opção de intervir para evitar os efeitos
662
adversos de uma depreciação excessiva da taxa de câmbio (flutuação suja). A consequência foi
uma depreciação expressiva em janeiro 1999 depois do colapso do regime cambial. Como
pode ser visto na argumentação anterior, também os efeitos indefinidos sobre reservas e a
taxa básica num sistema de câmbio flutuante somente mostram que o banco central pode,
mas não é obrigado de usar a taxa básica (+) e a venda de moeda estrangeira (reservas (-))
para diminuir os efeitos da crise.
Em 2002/2003 houve um aumento tardio da meta da taxa básica SELIC, começando somente
em outubro de 2002 de 18% a.a. para 21% a.a., 22% a.a. em novembro, e 25% a.a. no final de
2002 (BCB, Relatório 2002, p. 14), embora a taxa de câmbio já ultrapassasse o patamar de
3R$/US$ e o risco país chegasse a 2390 pontos básicos ao final de julho (BCB, Relatório 2002,
p. 13). O Banco Central do Brasil argumenta no relatório de 2002 (p. 13) “no período julho-
agosto, a cotação do dólar futuro manteve-se próxima ou abaixo do preço à vista, sinalizando a
expectativa do mercado quanto à transitoriedade da depreciação do real”. O Banco Central
tentou neste período de alta tensão no mercado cambial aumentos dos depósitos
compulsórios para diminuir a exposição dos bancos em moeda estrangeira, mas as medidas
não foram suficientes para evitar uma depreciação ainda mais expressiva. Para diminuir a
pressão inflacionária da depreciação do real aconteciam os aumentos tardios da meta da taxa
Selic.
Mas na crise financeira global em 2009 houve uma reversão da politica restritiva do Banco
Central, embora ainda em 2008 houvesse aumentos significativos fechando o ano em 13,75%
a.a. para a taxa SELIC, com a justificativa da dinâmica inflacionária neste ano (BCB, Relatório
2008, p. 44). A reversão na crise mostrou a meta da taxa básica caindo em 500 pontos básicos
em 2009 chegando em 8,75% a.a. no fim de ano (BCB, Relatório 2009, p. 12). A tentativa de
evitar uma recessão mais profunda com uma politica monetária mais expansionista em um
ambiente de depreciação da taxa de câmbio foi possível com a acumulação de reservas
internacionais de cerca de 200 bilhões US$, embora houvesse críticas sobre a mudança tardia
da politica monetária.
A tabela a seguir mostra que os resultados empíricos das correlações das taxas de crescimento
contínuo das variáveis discutidas no quadro acima, corroborando parcialmente os resultados
teóricos esperados. Os coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das
variáveis mostram os sinais esperados da análise teórica para o período de regime de câmbio
administrado (1994:10 – 1998:12) e para o período de regime de câmbio flutuante (1999:01 –
2013:05). Os coeficientes de correlação para a taxa de câmbio com as outras variáveis são
perto de zero e não significativos ao nível de significância de 0,05 (valor crítico de 0,276) no
663
Tabela 140 Coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das variáveis
financeiras no regime de câmbio administrado e de câmbio flutuante
Para a taxa básica SELIC os coeficientes no regime de câmbio administrado são com os sinais
esperados e significativos, enquanto no regime de câmbio flutuante eles são não significativos,
mas com os sinais esperados, porque a politica monetária pode se orientar em objetivos
internos em vez de objetivos externos como no regime de câmbio administrado.
internacional globalizada uma crise também afeta negativamente as expectativas dos agentes
econômicos com consequências negativas sobre atividade econômica e exportações.
O gráfico a seguir mostra diferentes índices da taxa de inflação IPCA no período entre 1995 e
2013. Como foram escolhidos índices de 12 meses (que mostram a inflação acumulada em 12
meses, que são menos voláteis do que as taxas mensais, mas ainda trazem a memória da
inflação dos meses anteriores), o período até a crise 1998/1999 é tendencialmente
caracterizado pela estabilização e diminuição da taxa de inflação. No gráfico entram o índice
IPCA total, para bens comerciaveis, para preços monitorados e para o núcleo de inflação.
0,4
IPCAv12
IPCAComv12
IPCAMonv12
IPCANucv12
0,35
0,3
0,25
0,2
0,15
0,1
0,05
0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Gráfico 122 Taxa de inflação (12 meses %) IPCA, IPCA comerciáveis, IPCA monitorados, IPCA
Núcleo 1995 -2013
Fonte: BCB
O gráfico mostra que até 1998 a taxa de inflação IPCA teve uma tendência geral de queda, por
esta razão nas análises seguintes para a taxa de inflação somente o período desde 1998 é
considerado. A taxa de inflação sobe expressivamente depois da crise 1998/1999 e depois da
crise 2002/2003, impacto em primeiro lugar da expressiva depreciação do câmbio, repassada
para os preços internos. Na crise de 2008/2009 a inflação antecipa a crise e já começa recuar
no auge da crise, impacto da expressiva ascensão dos preços de commodties antes da crise, no
665
Brasil sentido pela ascensão dos preços de alimentação, enquanto o disparo dos preços de
petróleo no ambiente global não foi repassado no Brasil, os preços de gasolina fazem parte
dos preços monitorados pelo governo.
As variáveis financeiras analisadas neste capítulo são o risco país (medido pelo spread
EMBI+Br), o índice BOVESPA, a taxa de câmbio R$/US$, a taxa básica de juros SELIC (% a.a. ou
a.m.), as reservas internacionais do Brasil, e os fluxos de investimento estrangeiro direto, e de
carteira, incluindo segmentos de ações e da renda fixa. Algumas destas variáveis existem com
frequência diária, a maioria pelo menos com frequência mensal. Fonte dos dados é o Banco
Central do Brasil e a IPEADATA. O período é de outubro de 1994 até maio de 2013,
diferenciando-se seguindo regimes cambiais diferentes: câmbio administrado de 1994:10 até
1998:12 e de câmbio flutuante de 1999:01 até 2013:05.
As varáveis do lado real da economia que entram na análise são a produção industrial em
diferentes segmentos, as exportações e a taxa de desemprego. Pesquisas do ciclo conjuntural
(por exemplo, Tichy p. p. 81, Zarnowitz, p. 95 pp., Schumpeter, p. 83 pp.) mostram que
indústrias que produzem bens de investimento ou bens de consumo duráveis (por exemplo,
automóveis) são mais sensíveis (voláteis) no ciclo conjuntural e nas crises, a explicação é que
investimentos e compras de bens de consumo duráveis podem ser adiados, embora muitas
vezes a compra de bens de consumo não duráveis não. Por esta razão a análise trata também a
produção industrial de bens de capital e de bens de consumo duráveis, bem como a produção
de automóveis. Na análise das variáveis do lado real da economia é importante considerar que
o olhar do artigo sobre os impactos das crises financeiras não reflete os impactos dos choques
internos sobre essas variáveis, que podem ser consideráveis. Esta limitação da análise refere-
se também a algumas variáveis financeiras, por exemplo, o Ibovespa.
(Bilhões US$)
Fontes: BCB, Ipeadata. Cálculos próprios
A tabela acima mostra que no regime de câmbio administrado a taxa de câmbio flutua pouco
em relação ao regime de câmbio flutuante, o coeficiente de variação aumenta de 0,1 para 0,23
é o máximo da taxa de câmbio é alcançado no período pré-eleitoral de 2002 com uma taxa
média mensal de 3,81 R$/US$. Ela mostra também que a taxa básica SELIC e também as
reservas internacionais são usadas no regime de câmbio administrado para defender a taxa de
câmbio, amplitude, média e desvio padrão da taxa SELIC são maiores no regime de câmbio
administrado do que no regime de câmbio flutuante. Nas reservas parece ser o contrário, mas
somente porque no regime de câmbio flutuante a partir de 2006 o Brasil começou a acumular
expressivamente reservas internacionais (intervenções de compra no mercado cambial),
aproveitando a conjuntura global favorável dos preços e da demanda global para commodities
brasileiras antes da crise financeira global de 2008/2009 criando uma reserva de emergência
para tempos adversos, por esta razão o risco país na crise global de 2008/2009 não aumentava
tanto e a taxa de câmbio não se se depreciava tanto como na crise pré-eleitoral de 2002. O
Índice Bovespa mostrou uma maior volatilidade no tempo de regime cambial flutuante porque
antes da crise financeira global subiu expressivamente acima de 70.000 pontos, enquanto
houve uma queda de cerca 50% para 35.000 pontos no mês de novembro de 2008.
Para uma analise mais profunda dos impactos das crises internacionais depois do Plano Real
sobre o Brasil foram analisadas as variáveis financeiras descritas em um modelo econométrico
simples, relacionando o crescimento contínuo das variáveis (ln(yt/yt-1) com as variáveis dummy
que representam as crises, como pode ser visto na equação (1) a seguir. O modelo foi
especificado da seguinte forma:
𝑦𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 𝑟𝑡 + 𝛽2 𝑠𝑡 +𝛽3 𝑢 + 𝛽4 𝑣𝑡 + 𝛽5 𝑤𝑡 + 𝛽6 𝑧𝑡 + 𝜀𝑡 (1)
t - Período (mês)
yt - Variável dependente (taxa de crescimento contínuo da variável financeira)
rt - Crise mexicana (dummy = 1 para 1994:12 1995:04, 0 para outros períodos )
st - Crise asiática (dummy = 1 para 1997:08 1998:01, 0 para outros períodos )
ut - Crise Rússia e Brasil (dummy = 1 para 1998:08 1999:03, 0 para outros períodos )
vt - Crise Argentina (dummy = 1 para 1994:12 1995:04, 0 para outros períodos )
wt - Crise pré-eleitoral Brasil (dummy = 1 2002:06 2003:01, 0 para outros períodos)
zt - Crise global (dummy = 1 2008:09 2009:04, 0 para outros períodos)
βi - Parâmetros
et - Erro estocástico
O modelo identifica de forma simples se há uma taxa média negativa de crescimento nas crises
relativamente ao período sem crise, provavelmente para a variável Ibovespa e para as reservas
internacionais, ou se há um crescimento médio positivo da variável, provavelmente nas
variáveis taxa de câmbio, taxa básica SELIC e do spread EMBI+Br nos períodos de crises,
667
mostrando também desvios significativos nos níveis de significância 0,1 (*), 0,05 (**) ou 0,01
(***) da taxa média de crescimento contínuo da variável em relação aos períodos sem crises,
representada pela constante (tabela a seguir).
Taxa de
Spread Taxa Reservas
câmbio IBOVESPA
EMBI+Br SELIC Internacionais
R$/US$
-0,021
Constante -0,002 -0,021** 0,018*** 0,017***
***
Crise mexicana 1994:12 1995:04 0,017 0,107** 0,075* -0,087** -0,072***
Crise asiática 1997:08 1998:01 0,008 0,092* 0,133*** -0,064* -0,039
Crise Rússia e Brasil 1998:08 1999:03 0,063*** 0,107** 0,116*** -0,023 -0,109***
Crise Argentina 2001:08 2002:02 -0,001 0,005 0,025 -0,026 -0,016
Crise pré-eleitoral Brasil 2002:06 2003:01 0,043*** 0,064 0,060* -0,029 0,003
Crise global 2008:09 2009:04 0,041*** 0,081* 0,002 -0,044 -0,027
Obs: significativo ao nível de 0,1 *, 0,05 **, 0,01 ***
Fontes: BCB, IPEADATA, Cálculos próprios
Para o risco país houve um aumento da taxa de crescimento do spread EMBI+Br em todas as
crises, significativamente na crise asiática e na crise de Rússia e Brasil em 1998/1999 (***) e na
crise financeira global (*). O modelo mostra o crescimento contínuo do spread na crise pré-
eleitoral de 2002 como não significativo, enquanto o EMBI+BR chegou para seu valor mais alto
de mais de 2.000 pontos básicos em outubro de 2002. Usando como variável do risco país uma
combinação dos spreads dos c-bonds e global bonds do Brasil no período da crise pré-eleitoral
um aumento significativo (**) aparece. Também uma pequena mudança no período da crise
pré-eleitoral (de maio 2002 até novembro 2002) faz a dummy desta crise significativo ao nível
0,01 e também da crise global (0,1). Certa fragilidade e arbitrariedade deste método simples
ficam obvias, um método mais refinado encontra se depois.
Para a taxa básica SELIC houve aumento médio da taxa de crescimento contínuo em todas as
crises, significativo na crise mexicana (*), nas crises do leste asiático e de Rússia e do Brasil
(***) e na crise pré-eleitoral em 2002 (*). Isto mostra que a taxa básica necessariamente
precisa ser usada em conjunto com a venda de moeda estrangeira (queda das reservas
668
Para as reservas internacionais houve uma queda da taxa de crescimento em todas as crises,
com exceção da crise pré-eleitoral em 2002, onde esse crescimento foi positivo, pequeno, mas
não significativo. As mudanças foram significativas nas crises de México em 1994/1995 (***) e
especialmente na crise da Rússia e do Brasil em 1998/1999 (***).
Tabela 143 Estatísticas descritivas das variáveis: Investimento estrangeiro direto, de carteira
(ações e renda fixa) e outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária 1995:01 –
2013:05
Variável Média Mínimo Máximo Desvio Padrão C.V.
IED direto 2.418,62 -22,15 15.374,30 2.055,31 0,85
IE Carteira 1.358,21 -7.488,31 18.298,40 3.093,51 2,28
IEC Ações 734,76 -6.065,19 14.536,10 1.958,50 2,67
IEC Títulos Renda Fixa 615,16 -5.246,22 7.214,02 1.759,23 2,86
IE Outros sem Auto. Monet. 835,86 -10.553,00 13.199,00 3.000,90 3,59
Fontes: BCB, Cálculos próprios
Essa tabela mostra a alta volatilidade das variáveis: investimento estrangeiro em carteira
(ações e títulos da renda fixa) e IE Outros sem autoridade monetária, com a última variável
mostrando o CV maior (3,59), em relação aos investimentos estrangeiros diretos.
Os impactos das crises internacionais são referidos na tabela a seguir, fazendo uma análise
econométrica descritiva, como descrita acima na equação (1).
Tabela 144: Investimento estrangeiro direto, de carteira (ações e renda fixa) e outros IE
específicos e crises internacionais representadas por dummies
Neste caso a constante mostra o valor médio da variável no período não crise (nenhuma
dummy igual a um), todas variáveis mostram valores positivos significativos para a constante
(***), quer dizer influxos de capital nos tempos sem crise. Para todas as variáveis as crises
mostram saídas de capital, com exceção dos IED na crise de Rússia e do Brasil em 1998/1999,
mas como já explicado os IED parecem seguir uma logica diferente. Os investimentos
estrangeiros em carteira mostram saídas de capital significativas (***) nas crises de Rússia e
Brasil 1998/99 e na crise pré-eleitoral de 2002 (menos as ações) e na crise global de
2008/2009. Os outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária mostram saídas
significativas (***) de capital nas crises de 1998/1999, na crise de 2002/2003 (**) e na crise
financeira global (***), mas em todas as crises investimentos de carteira e os IE outros
mostram saídas expressivas, importante de enfatizar.
Tabela 145: Taxa de crescimento contínuo de variáveis do lado real da economia brasileira e as
crises internacionais representadas por dummies
Essa tabela mostra as quedas esperadas da variação contínua das variáveis da produção com
algumas exceções (especialmente na crise mexicana), mas na sua maioria não significativas,
com exceção da crise financeira global dos anos 2008/2009 onde eles são significativos,
670
A taxa de inflação IPCA (sua taxa de crescimento continuo) em suas diferentes formas é
analisada na tabela a seguir, onde o fato de que a resposta da inflação a crise (somente para o
regime de câmbio flutuante onde há um possível repasse cambial para a taxa da inflação, -
uma depreciação encarece bens e serviços importados em moeda nacional, embora
normalmente tendências recessivas nas crises impactam em uma queda da taxa de inflação) é
defasada foi refletida através da defasagem das dummies das crises em três meses.
Tabela 146 Taxa de crescimento contínuo de variáveis da inflação IPCA da economia brasileira
e as crises internacionais representadas por dummies (defasadas em três meses) 1998:08 –
2013:06
Crise
Crise Rússia Brasil Crise Argentina Crise pré-eleitoral financeira
Constante
1998/9 2001/2 2002 global
2008/9
IPCA −0,0015 0,061** 0,012 0,102*** -−0,042
IPCA comeriaveis −0,004 0,143* 0,051 0,124* −0,076
IPCA monitorados 0,547*** 0,688** 0,124 1,422*** −0,164
IPCA núcleo 0,000 0,005 0,022 0,057*** −0,011
Fonte BCB, cálculos próprios
A tabela mostra que especialmente a crise de Rússia e Brasil em 1998/1998 e a crise pré-
elitoral 2002 mostram coeficientes com sinais positivos (ascensão da taxa de inflação)
significativos em diferentes níveis de significância, a crise de Argentina mostra também
coeficientes com sinais positivos, mas não significativos. Somente a crise financeira global
mostra coeficientes com sinais negativos, mas não significativos. A causa deste fato é que a
671
depreciação do câmbio foi menor e o disparo dos preços de commodities no âmbito global
antes da crise já foi fortemente revertido na crise. As tendências recessivas na economia real
também deixavam seus rastros na taxa de inflação.
k
IPE t = wi X i ,t (2) onde:
i =1
IPEt Índice de Pressão Especulativa no período t
wi peso da variável i
Xi,t Valor da variável xi incluída no IPE no período t.
Para o índice de pressão especulativa (IPE) no Brasil entram como variáveis possíveis com seus
sinais em parênteses: Spread EMBI+Br (+); Taxa de Câmbio R$/US$ (+ no sistema de câmbio
flutuante); Índice Bovespa (-); Reservas Internacionais (- no sistema de câmbio administrado);
Taxa básica de juros SELIC (+ no sistema de câmbio administrado).
A variável para medir o risco país, o spread dos rendimentos de títulos da dívida externa
brasileira sobre o rendimento dos títulos do tesouro norte-americano, seja o spread EMBI+Br,
ou de forma mais simples o EMBI+Br. Esta variável é determinada pelas expectativas dos
agentes nos mercados sobre um possível default sobre a dívida externa soberana brasileira. A
taxa de câmbio R$/US$ é uma variável da politica no sistema de câmbio administrado, que não
pode ser incluído no IPE, e uma variável do mercado no regime de câmbio flutuante, que
precisa ser incluída no IPE O índice Bovespa representa as expectativas dos agentes nos
mercados sobre a lucratividade futura das empresas brasileiras incluídas neste índice (com
672
sinal negativo, para uma queda na crise pode representar um aumento do IPE). As reservas
internacionais do Brasil entram somente no período de regime de câmbio administrado para o
IPE, porque somente aqui existe a necessidade para o banco central de usar as reservas
internacionais para defender a taxa de câmbio (também com um sinal negativo), enquanto no
regime de câmbio flutuante não há essa necessidade. A taxa básica de juros SELIC é
necessariamente usada para defender a taxa de câmbio somente no regime de câmbio
administrado, mas pode ser usada também no regime de câmbio flutuante.
Para refletir melhor a volatilidade das variáveis e abstraindo de seus níveis de medida muito
diferentes foram inicialmente calculadas as taxas de crescimento contínuo das variáveis taxa
de câmbio (somente entra no período do regime de câmbio flutuante), risco país, Ibovespa,
das reservas internacionais e da taxa básica de juros SELIC (as duas últimas entram somente no
período de câmbio administrado) ponderada pela volatilidade relativa de cada variável
(medida pelo coeficiente de variação) e depois calculada a soma (Ibovespa e Reservas
internacionais com sinal negativo, porque apresentam quedas nas crises) para chegar à
variação do IPE. Com um valor primeiro arbitrário de 0,4 e acrescentando as variações do IPE
consegue-se calcular um índice da pressão especulativa nos mercados financeiros do país,
conforme apresentado no gráfico a seguir, tendo aumentos expressivos nas crises
apresentadas pelas áreas sombreadas.
0,5
Índice de Pressão Especulativa (IPE)
Primeira Diferença LN(IPE)
0,4
0,3
0,2
0,1
-0,1
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Gráfico 123 Índice da pressão especulativa (IPE) nos mercados financeiros brasileiro 1994:10 –
2013:05 e sua Primeira Diferença de ln(IPE) (áreas sombreadas períodos de crise)
673
Este índice abre a possibilidade de ter uma variável quantitativa independente nos modelos
econométricos utilizados para descrever o impacto quantitativo das crises. Para evitar os
problemas de regressão espúria com variáveis não estacionárias foi feito um teste ADF para
todas as variáveis representadas nos modelos seguintes (O teste ADF testa a hipótese nula de
não estacionariedade das variáveis, uma rejeição da hipótese nula (p < 0,1) mostra a
estacionariedade da variável).
As variáveis em níveis estão todas não estacionárias (com exceção das variáveis dos fluxos de
capitais estrangeiros nos segmentos ações, renda fixa e outros que são estacionárias) as
diferenças dos logaritmos das variáveis são estacionárias. Nas variáveis não estacionárias é
necessário fazer um teste de cointegração de Johansen [Brooks, 2002, p. 403 pp.] com a
variável IPE para evitar o problema de regressões espúrias. As variáveis em níveis são
cointegradas com a variável IPE (defasagens = 4), por esta razão é possível fazer regressões
com o método de mínimos quadrados evitando os problemas de regressão espúria.
Tabela 147 Resultados das regressões das variáveis do lado real da economia sobre o IPE e
seus valores defasados
Variável R
Constante IPE IPE(-2) endógena Quadrado Autocorrelação
defasada ajustado
Produção Industrial 8,75*** - -9,54** 0,95*** 0,98 0,88
Produção Transformação 15,85*** -16,83*** - 0,90*** 0,98 0,87
Produção Bens de Capital 21,129*** -38,52*** - 0,92*** 0,98 0,25
Produção Cons. Duráveis 36,90*** -59,72*** - 0,85*** 0,95 0,16
Produção Automóveis 100.623*** -184.176*** - 0,69*** 0,86 <0,01***
Exportações Valor 1.790*** -4195*** - 0,95*** 0,98 <0,01***
Exportações Volume 11,02*** -18,11** - 0,93*** 0,98 <0,01***
Taxa de desemprego -0,03 0,62 - 0,98 0,98 0,75
Fontes: IPEADATA, IBGE
674
A tabela a seguir mostra os resultados das regressões dos fluxos de capitais estrangeiros sobre
a taxa de crescimento contínuo de IPE e a variável endógena defasada Em vez do IPE (nível)
foram usadas taxas de crescimento contínuo do IPE (ln(IPE)), porque com isto podem ser
feitas regressões com variáveis estacionárias.
Tabela 148: Resultados das regressões dos investimentos estrangeiros sobre as taxas de
crescimento contínuo do IPE (com erros padrão robustos HAC)
Variável R
Auto
Constante ln(IPE)), ln(IPE(-1)) endógena Quadrado
correlação
defasada ajustado
IE Carteira 763,4*** -24.824,0*** - 0,40*** 0,28 <0,01***
IEC Ações 521,0*** -16.188,3*** - 0,24*** 0,19 <0,01***
IEC Renda Fixa 384,7*** -6.635,4*** -8.014,4*** 0,32*** 0,19 0,09*
OIE sem Autor. Monetária 496,3*** -6.965,2 0,37*** 0,15 0,05*
Fontes: IPEADATA, BCB, cálculos próprios
Conclusões
Os resultados empíricos mostram que as crises financeiras pós-Plano Real tiveram impactos
expressivos sobre o lado financeiro e real da economia brasileira, embora os impactos sobre o
lado real da economia brasileira foram menos expressivos, Indonésia (1998) na crise asiática e
Argentina em 2002 experimentavam quedas do PIB de dois dígitos. Uma razão para o melhor
desempenho dos indicadores reais da economia brasileira, comparativamente aos países
asiáticos e da Argentina pode ser a menor exposição do setor privado nacional ao risco
675
cambial, embora o governo brasileiro tivesse uma exposição maior ao risco cambial devido à
dívida externa publica e a parte da dívida interna indexada ao câmbio.
Os resultados empíricos também mostram que todas as crises pós Plano Real tiveram um
impacto sobre a economia brasileira de forma diferenciada. Empiricamente destacam-se os
impactos da crise russa e brasileira em 1998/1999 quando o Brasil foi forçado de abandonar o
regime de câmbio administrado e os impactos na crise financeira global de 2008/2009, mas no
último caso os reflexos sobre a taxa de câmbio e o risco país ficavam limitados, porque o Brasil
já tinha reservas internacionais muito maiores do que nas crises anteriores e a relativa
independência da politica monetária abriu pela primeira vez a possibilidade de conter a crise
com uma politica monetária expansiva, embora tardia, e com medidas fiscais expansionistas
para diminuir os efeitos da crise sobre produção e emprego no Brasil.
É também importante enfatizar que o Brasil saiu especialmente no lado real da economia
menos lesado destas crises do que outros países, como, por exemplo, Indonésia em 1998 e
Argentina em 2002 com quedas do Produto Interno Bruto de dois dígitos e sérias crises
políticas e sociais, ou como Grécia em 2012 desde três anos em recessão profunda. O mercado
interno amplo é uma explicação, a estabilidade do sistema financeiro brasileiro é outra, e
possivelmente a explicação mais importante, uma exposição menor a exportação e uma pauta
diversificada de exportações em produtos e parceiros comerciais.
676
Crise é a mãe da história. Começando com Heródoto, o desejo de escrever a história foi
vinculado à necessidade de explicar as reversões aparentemente inexplicáveis da fortuna
sofrida por nações e impérios. Mark Lilla, The Shipwrecked Mind, p; 25
Na linguagem da economia mainstream, as crises aparecem como punição para os governos
que não respeitam as leis naturais que são os verdadeiros governantes da economia. Em
contraste, uma teoria da economia política digna de seu nome percebe as crises como
manifestações das "reações kaleckianas" dos proprietários de recursos produtivos à política
democrática, penetrando em seu domínio exclusivo, tentando impedi-las de explorar ao
máximo seu poder de mercado, violando suas expectativas de ser justamente recompensado
por sua astuta tomada de risco. Wofgang Streeck, How will capitalismo end?
Posição 1377 p.
As tentativas teóricas de explicar a volatilidade da atividade econômica, conjunturas e crises, já
acompanha a teoria econômica desde seus primeiros passos. Neste trabalho a ênfase está na
conceituação geral e resumida de diferentes correntes de pensamento económico na
explicação de conjunturas e crises, deixando modelos matemáticos na margem.
Diferentemente de muitos teóricos ‘mainstream’ e marxistas não é objetivo deste capítulo
formular uma teoria ‘certa’ ou 'verdadeira', mas aceitando a explicação eclética de que todas
as crises são diferentes, embora causadas por fatores estruturais semelhantes, que podem ser
classificados, e por contingências econômicas, políticas, ideológicas e outras. Importante na
análise de uma crise é distinguir entre sinal e ruido, entre fatores causais e eventos
contingentes. A complexidade e a interdependência da realidade econômica, política e social
fazem cada tentativa difícil de encaixar e simplificar uma crise em uma teoria única e
consistente. Por esta razão, por exemplo, existem tantas teorias diferentes para caracterizar a
Grande Depressão ou a crise financeira global de 2008/2009. Teóricos da corrente marxista
denotam a explicação das crises como a teoria das crises embora teóricos ‘mainstream‘ falam
da teoria de conjuntura. Neste trabalho uma depressão (ou crise) é uma recessão profunda e
prolongada, a parte recessiva do ciclo econômico que começa com uma expansão econômica
(‘boom’).
No quadro seguinte encontra-se uma tentativa de resumir os fatores para explicar o ciclo
conjuntural e as crises. A lista de fatores não é completa e alguns fatores entram em diferentes
categorias, por exemplo, políticas monetárias e fiscais pode ser um fator exogeno ou um fator
endógeno, o último é o caso quando as políticas são um reflexo de certa situação específica no
ciclo conjuntural. O quadro tenta em primeiro lugar facilitar a caracterização de diferentes
abordagens teóricas e os fatores mais importantes que os teóricos usam em sua modelagem.
Não é fácil diferenciar entre fatores exógenos e endógenos, porque numa crise um fator pode
ser exogéno, em outra crise o fator pode ser endógeno. Por exemplo, na crise da dívida
externa na década de 1980 para o Brasil os choques na taxa de juros pela politica monetária
677
O próximo capítulo resume o pensamento amplo da análise conjuntural, que conta com nomes
como Mitchell e Schumpeter e é uma área tão profundamente pesquisada empicamente e
teoricamente, que neste trabalho é possível somente um resumo superficial. A justificação
para isto está no fato que este trabalho tem seu foco nas crises profundas do século atual e
678
anterior, a Grande Depressão, a crise global na década de 1970 e a crise da dívida externa na
década de 1980, e a crise financeira global de 2008/2009, não nas outras recessões muito mais
numerosas neste período.
i. Análise Conjuntural
A análise conjuntural concentrou seus esforços em primeiro lugar na descrição estatística dos
ciclos através da análise de séries temporais tentando encontrar regularidades em diferentes
séries temporais econômicas, descobrir séries que antecipam o ciclo (leads) ou que mostram
certa defasagem (lags) para fazer previsões. Na tentativa de prever os pontos de viragem da
conjuntura as previsões muitas vezes falharam, porque embora denominados de ciclos, eles
não tinham a regularidade necessária. Na análise conjuntural empírica os pesquisadores
consideravam os seguintes ciclos de diferentes frequências como básicos para a análise
conjuntural, Schumpeter considerou a Grande Depressão em primeiro lugar consequência do
encontro das fases recessivas do ciclo de Kondratieff, de Juglar e de Kitchin. Mas a maioria dos
economistas não seguia este caminho de concentração em fatores endógenos e numa
abordagem muito mecânica.
Ciclos de Kondratieff, ondas longas de atividade e dos preços, entre 50 e 60 anos de duração,
na opinião de Schumpeter iniciados por ondas de inovações básicas como ferrovias, etc. A
existência de ciclos de Kondratieff é controversa, detectar estatisticamente estes ciclos é difícil
por causa de que séries temporais confiáveis são relativamente curtas.
Ciclos de Kuznets, ondas de 15 - 20 anos, associadas aos níveis de atividade de construção, mas
nos tempos recentes não mais evidentes (Zarnowitz 1992, p. 239).
Esta análise empírica dos ciclos conjunturais suponha em primeiro lugar causas endógenas
para a volatilidade da atividade econômica e certa regularidade dos cíclos. O modelo
acelerador multiplicador é uma tentativa de captar ciclos Juglar num modelo matemático.
Como o objetivo do trabalho não está numa análise conjuntural, mas o foca está nas crises
profundas do capitalismo global, os conceitos da análise conjuntural entram somente
marginalmente na descrição seguinte da explicação das crises por diferentes correntes do
pensamento económico.
É importante considerar que a maioria das correntes desenvolveu se nós tempos antes da crise
financeira global de 2008/2009, e com isto a perspectiva das transformações do capitalismo
global nas últimas décadas não entra nas explicações de algumas correntes.
Este trabalho considera impossível encontrar uma teoria que pode explicar todas as crises
profundas do capitalismo global no passado em somente um modelo consistente, porque as
transformações do capitalismo desde o início do século passado foram tão profundas, os
eventos globais contingentes como guerras e revoluções tão importantes, que não existe uma
teoria única que explica todas estas crises. Com vista para a última crise um trabalho de Jorda,
Schularick e Taylor (2016, p. 1 pp.) mostra as mudanças profundas que o capitalismo nos
países centrais experimentou nas décadas passadas, acrescentando uma ampla análise
empírica e uma nova base de dados desde 1870:
Observação é o primeiro passo do método científico. (...) A crise financeira global nos lembrou
de que os fatores financeiros desempenham um papel importante na formação do ciclo de
negócios, e há um acordo crescente de que são necessários modelos novos e mais realistas das
interações financeiras (...).
O desenvolvimento central da segunda metade do século XX é o aumento do crédito
doméstico, principalmente de hipotecas. O crédito comercial também aumentou, mas a um
ritmo mais lento. As taxas de propriedade residencial subiram em quase todas as economias
industrializadas e, com elas, os preços reais das casas. O crédito privado aumentou muito mais
rapidamente do que o rendimento. Embora as famílias sejam mais ricas, o crédito privado
cresceu mais rápido até do que a riqueza subjacente. As famílias são mais alavancadas do que
em qualquer outro momento da história. (...).
As economias avançadas tornaram-se mais financeirizadas nos últimos 150 anos, e
dramaticamente desde os anos 70. Nunca na história do mundo industrial a alavancagem foi
maior, seja medida pelo crédito privado para o setor não financeiro em relação à renda, como
fazemos em grande parte do papel, ou em relação à riqueza, como fazemos para uma
subamostra mais seleta de economias. . (...) Em um nível básico, nosso principal resultado - que
a maior alavancagem anda de mãos dadas com menos volatilidade, mas eventos mais graves - é
compatível com a idéia de que a expansão do crédito privado pode ser segura para pequenos
choques, mas perigosa para grandes choques. Em outras palavras, a alavancagem pode expor o
680
sistema a falhas maiores e de eventos raros, mas isso pode ajudar a suavizar pequenos
distúrbios rotineiros.
ii. Posições Keynesianas
No centro da explicação keynesiana das crises são: a volatilidade do investimento real,
incerteza e risco que acompanham a maioria das decisões econômicas, a instabilidade do
sistema financeiro (no centro da teoria de Minsky) baseada na volatilidade das expectativas
sobre as tendências econômicas e dos preços de ativos financeiros e imobiliários, e a
especulação. Posições keynesianas apontam para esta instabilidade inerente do setor privado
numa economia capitalista como explicação mais importante do ciclo econômico e das crises.
A queda do investimento (ou de outros componentes da demanda agregada) leva a economia
para uma recessão, onde as tendências deflacionárias podem piorar a recessão, quando os
serviços sobre a dívida do setor privado aumentam de forma insustentável em termos reais,
levando a falências (Teoria da deflação da dívida de Fisher).A rigidez dos preços e salários deixa
a economia em um equilíbrio temporário de subutilização das capacidades de produção e de
desemprego elevado, sem que a economia consegue por si mesma rapidamente voltar ao
pleno emprego dos recursos. Minsky aponta especialmente para a instabilidade do sistema
bancário quando na fase expansionista da conjuntura acontece uma expansão do crédito por
causa de expectativas otimistas e do aumento dos valores de colaterais, quando a situação
conjuntural e as expectativas pioram, a concessão de créditos acaba ou não há mais
possibilidade de rolar créditos existentes, consequência default, illiquidez, insolvência e
falências. Koo aponta para os perigos de uma 'balance - sheet - recession ', onde o alto
endividamento do setor privado (alavancagem alta) leva a uma recessão ainda mais profunda
e prolongada pela queda da demanda agregada, porque empresas e consumidores são em
primeiro lugar focados em repagar dívidas existentes (des - alavancagem), e não em novos
investimentos ou mais consumo. Economistas da corrente keynesiana proponham para evitar
uma depressão profunda, a expansão fiscal com endividamento do setor público para
compensar a falta de demanda agregada (e do endividamento) do setor privado acompanhada
de uma política monetária expansionista, embora eles não acreditem muito na eficácia da
política monetária numa depressão.
As teorias clássicas e seus seguidores mais modernos (monetaristas, novos clássicos, teóricos
do ciclo real de negócios) acreditam na estabilidade do setor privado numa economia
capitalista, baseando se na hipótese de mercados eficientes (que pode ser vista como uma
formalização da lei de Say mais antiga), da hipótese das expectativas racionais, e em geral da
racionalidade dos agentes econômicos. Existe, por esta razão, certa dificuldade destas
correntes de explicar ciclos conjunturais e crises. As crises são em primeiro lugar explicadas
por choques externos (como choques da produtividade na teoria dos ciclos reais de negócios)
e/ou falhas nas políticas do Estado (em primeiro lugar do banco central em sua política
monetária e em sua função como emprestador de última instância). Na teoria austríaca,
relatada mais tarde, o foco está na expansão do crédito no 'boom', que somente é possivel
com uma política monetária expansionista prolongada (uma falha do banco central). Embora
todas estas posições acreditassem que intervenções do governo e banco central somente
adiam ou aprofundam uma crise posterior, porque a mão invisível do mercado é mais eficaz do
que a mão visível do governo, na avaliação da Grande Depressão Friedman e Schwartz [2009]
argumentam que uma política monetária mais expansionista da Federal Reserve e a
assumpção de seu papel como emprestador de última instância nas crises bancárias na Grande
Depressão poderia ter o efeito de fazer a crise mais curta e menos profunda.
v. Posições neomarxistas
Na corrente de pensamento econômico marxista uma crise é uma consequência das
contradições internas do capitalismo, não de choques externos. Como na escola austríaca a
crise é vista como um mecanismo de limpeza que destruí capital, e com isto excessos e erros
da expansão anterior, para retornar à taxa de lucro a níveis aceitáveis para os donos de capital.
Fatores endógenos que explicam a crise são: a desproporcionalidade entre o setor de
produção de bens de investimento e bens de consumo, supondo uma expansão exagerada de
um setor em relação ao outro, o investimento excessivo e o subconsumo, que é consequência
da falta de poder aquisitivo da classe trabalhadora.
Como nossa análise das teorias de crise de esquerda mostrará com mais detalhes, há, então,
grandes correspondências com padrões interpretativos burgueses: a apologia das relações
existentes de produção e circulação de mercadorias capitalistas, a suposta má conduta da
política governamental na regulação do mercado financeiro, o foco da análise da crise no
crédito, setor bancário e de mercado de capitais, a falta de análise da conexão interna entre a
crise do mercado financeiro e a crise da produção capitalista de commodities
[‘Warenproduktion’], a ênfase ocasional na questão da distribuição, o destaque especial da
crise imobiliária e da crise financeira associada, e, finalmente, a análise insuficiente da crise
geral de superprodução de 2008. Mesmo do ponto de vista metodológico a teoria da crise da
esquerda mal tem seu próprio perfil. Em grande parte, adotou o ecletismo das explicações
teóricas burguesas de crise.
O que Sandleben aqui chama ecletismo é o fato de que uma análise séria das crises precisa
aceitar que as crises são diferentes, e também uma análise empírica torna se necessária para
683
explicar as crises. Uma superteoria que explica todas as crises não existe, estruturas
capitalistas são se transformando, e uma análise das crises precisa ter bases teóricas e
empíricas, bem como a possibilidade de incluir contingências históricas.
As formas mais importantes de crises financeiras sao: crises bancárias, crises da dívida
soberana e da dívida do setor privado, bolhas especulativas, crises cambiais e do balanço de
pagamentos, e rupturas súbitas de fluxos internacionais da capital. Fatores importantes na
eclosão destas crises são fatores psicológicos como ondas de otimismo e pessimismo, e efeitos
de manias e pânicos, fatores de alavancagem e risco excessivo para aumentar a taxa de lucro,
fatores de regulamentação frouxa, e fragilidades como políticas econômicas insustentáveis,
desequilíbrios globais e desigualdades em ascensão, bem como falhas pessoais e de políticas.
Embora estas análises empíricas das crises não apontem para uma teoria unificada das crises,
elas abrem perspectivas para avaliar fraquezas e fragilidades, evitar ou amenizar crises futuras,
e contar narrativas de crises históricas para descrever efeitos e transformações singulares que
aconteciam.
684
Na parte teórica três modelos teóricos na explicação das crises financeiras nos países
emergentes na década de 1990 e no início do novo século mostram um esquema teórico para
estas crises cambiais, embora com menor importância na explicação da crise financeira global.
Rossi [2016, posição 528 pp.] resume estas três gerações de crises cambiais:
A primeira geração, que tem o artigo de Krugman (1979) como pioneiro, atribui à inconsistência das
políticas econômicas a explicação para as crises em regimes de câmbio fixo. Desse modo, as crises
ocorrem quando os especuladores testam os governos que sustentam “maus fundamentos” —
como déficits externos e reservas cambiais insuficientes — e terminam por antecipar uma
desvalorização inevitável. Nos modelos de primeira geração, a ênfase nas inconsistências de política
econômica tem como contraparte a defesa da liberdade de movimento de capitais. (...).
Em 1992, a crise do franco mostrou a inadaptação dos modelos de crise cambial de primeira
geração. O ataque especulativo contra o franco ocorreu a despeito de um saldo positivo em
transações correntes do país emissor da moeda, de uma inflação mais baixa do que na Alemanha e
uma taxa de câmbio em um nível relativamente depreciado em relação ao marco alemão (Plihon,
2001). Com isso, surge uma nova geração de modelos, inspirados fortemente em Obstfeld (1986) e
no conceito de crises cambiais autorrealizáveis: Crises may indeed be purely self-fulfilling events
rather than the inevitable result of unsustainable macroeconomic policies. Such crises are
apparently unnecessary and colapse an exchange rate that would otherwise have been viable. They
reflect not irrational private behavior, but an indeterminacy of equilibrium that may arise when
agents expect a speculative attack to cause a sharp change in government macroeconomic policies.
[Obstfeld, 1986: 72]
Já a terceira geração de modelos de crise cambial atende ao contexto histórico das crises dos países
emergentes nos anos 1990. Esses modelos fazem a síntese das duas gerações anteriores atribuindo
importância aos fundamentos e ao caráter imprevisível dos ataques especulativos (Plihon, 2001:
69). Para Krugman (1998), os fundamentos relevantes para o entendimento da crise asiática não
são aqueles levantados nos modelos tradicionais (inclusive o de sua autoria em 1979) como a
política monetária e fiscal, saldo em transações correntes, mas sim a saúde do sistema de
intermediação financeira. Para ele, o pânico especulativo que desencadeou a crise cambial na Ásia é
decorrente de um contexto de crise mais amplo, onde a crise bancária é protagonista.
A importância de crises financeiras entra cada vez mais nas análises macroeconômicas,
especialmente depois da crise financira global de 2008/2009. Novos atores financeiros e novos
instrumentos precisam ser refletidos nessas análises. Entre eles são atores no sistema
financeiro sombra (por exemplo, investidores institucionais como fundos de investimento para
grandes investidores (Blackrock, etc.), fundos soberanos, fundos de hedge, ou fundos de
pensão, fundos monetários, bancos de investimento, etc.), que são globalmemte interligados e
podem transferir bilhões de dólares em um mouseclick. Entre eles são também os bancos
sistemicamente importantes, que depois da crise global ainda aumentavam em tamanho,
bancos que apresentam um perigo sistêmico nas crises.
685
fatores de felicidade. Mas, para uma parcela ampla e em rápido crescimento da humanidade, trata-
se de uma ideia obscura que assim continuará sendo enquanto o dinheiro for evitado como tema de
conversa (...) Zygmunt Bauman, Identidade, p. 42 p.
Nem o sofrimento, nem a felicidade, nem crise econômica, política, espiritual, nem a repressão, tem
algum efeito causal necessário sobre o surgimento de novos movimentos sociais. Às vezes, crises
econômicas e repressão política podem produzir um movimento unido de reação entre as pessoas;
às vezes elas divide-los. Às vezes, eles geram revolução política, reação, ou a reforma; às vezes,
revolução religiosa, reação, ou a reforma. Principalmente eles não têm nenhum resultado diferente
de um surto de desespero diante da dureza de vida geral. O resultado é dependente não somente
da profundidade da crise, mas também das formas de organização das pessoas que estão sendo
afetados. Quem exatamente é afetado pela crise? Com quem é que eles estão em comunicação?
Com quem eles compartilham o compromisso normativo e um estoque de conhecimento sobre o
mundo? Que contatos e conhecimento social são susceptíveis (...) a culpar seus governantes pela
crise e conceber alternativas práticas? Que fontes de poder eles podem mobilizar, contra quem?
Estas são as perguntas decisivas sobre a resposta a crises e para outras mudanças sociais
dramáticas, sejam eles políticos, espirituais ou outros. Michael Mann, The sources of
social power, Volume I, p. 309 p.
Crises são períodos em que instituições, estruturas, ideologias e políticas devem ser
repensadas para voltar a prosperidade. Se esta possibilidade de transformação profunda não
fosse considerada, um processo de decadência pode se desencadear. Neste capítulo a crise
financeira global de 2008/2009 é analisada com a perspectiva das possibilidades de
transformações profundas do capitalismo global por movimentos sociais e políticos - em
primeiro lugar - mas também por projetos das elites. Obviamente - com pouco mais de uma
década desde a eclosão da crise financeira global - a narrativa pode ser somente uma
conjetura referindo-se aos eventos pós-crise e um curto resumo das experiências políticas e
ideológicas das outras duas crises profundas do capitalismo global no século XX.
Crises também são períodos em que conflitos sociais muitas vezes tornam-se mais intensos e
violentos. Somente guerras perdidas superam as crises em termos de transformações através
de violência, revoltas e revoluções. Diferentes correntes de pensamento político identificam
diferentes grupos sociais que se enfrentam em crises profundas. Elites e as massas populares
na visão populista, ricos e pobres, - ou mais específico na versão marxista - capitalistas e classe
trabahadora, credores e devedores, o 'establishment' e a multitude na versão de Hardt e
Negri, representando os ganhadores e perdedores da globalização capitalista, a étnia, religião
ou cultura maioritária no país e minorias de todas as formas, imigrantes, minorias de etnias,
religiões, raças, ideologias, subculturass diferentes na versão nacionalista e racista e outras.
Ideologias simplistas identificam o responsável pela crise, o outro, o inimigo, o diferente, para
levar os sofrimentos da crise contra os bodes expiatórios e aproveitar politicamente a crise.
Neste sentido movimentos sociais e partidos políticos que se fortalecem numa crise podem ser
os sujeitos que criticam e ataquem estruturas de poder, eles podem ser o sujeito
687
modernizador que transforma a sociedade, mas eles podem também ser os sujeitos que levam
sociedades para projetos conservadores ou reacionários. De qualquer jeito eles, se focados em
objetivos amplos e não somente em problemas singulares, podem se tornar agentes da
transformação social. Obviamente neste capítulo o foco está nos movimentos com uma
agenda anticapitalista e suas perspectivas. A última citação de Mann acima enfatiza que uma
crise per se não é necessariamente o gatilho para o nascimento de movimentos
transformadores, nem para uma mudança social profunda.
A hipótese pós-moderna do fim das grandes narrativas, formulada por Lyotard [Badiou e
Rancière, 2010, p. 17], mostra o ceticismo e relativismo de certos filósofos e cientistas
contemporâneos com sistemas filosóficos e políticos abrangentes e da ideia, por exemplo, do
materialismo histórico, de que existem leis na história. Especialmente as grandes narrativas
sobre a revolução, o papel do proletariado, e sobre o progresso da humanidade estavam
duvidadas com vista nas guerras e genocídios do século XX e com o fracasso do paradigma do
socialismo real na União Soviética na década de 1990. Com isto movimentos agindo contra o
sistema do capitalismo global perdiam sua justificativa de agir em sentido da história, da
esperança quase messiânica dos movimentos revolucionários do século XIX e XX. A grande
narrativa da revolução falhou, porque os projetos socialistas e nacionalistas tornavam se na
realidade projetos de Estados e sociedades totalitários com os oprimidos de ontem mudando o
papel para opressores de amanha. Esse fato implica também que o determinismo que o
materialismo histórico implantou no pensamento histórico parece ser, não somente por causa
do fracasso do projeto comunista, uma ilusão subestimando o papel da contingência na
história, leis na história parecem ser uma construção sem sentido empírico. A grande narrativa
do proletariado falhou, porque com as mudanças no mundo de trabalho, especialmente
depois da volta neoliberal da década de 1970 e nas décadas seguintes, mostrava que o
proletariado industrial estava se dividindo se cada vez mais nas linhas de remuneração,
qualificação, gênero, religião, etnia e raça, e eles estavam, para não se esquecer da ampla
classe média, seguindo projetos de vida diferentes. Mas pode se perguntar que a narrativa
neoliberal de sociedades sujeitos as leis de mercados livres da intervenção estatal seja
somente uma nova grande narrativa vazia como as narrativas anteriores.
Estes fatos explicam de certa forma a dificuldade dos movimentos contra o capitalismo global
ou contra problemas especificas da destruição do meio ambiente e da desigualdade social
crescente de formular um projeto anticapitalista coerente, de organizar a multitude, e criar
uma agenda de ação atrativa. Os movimentos de grupos étnicos ou de projetos sexuais
alternativas são atores importantes na luta pelo reconhecimento social, mas sua inserção em
um projeto anticapitalista parece difícil.
natura defensiva para defender os direitos democráticos e sociais até hoje realizados em
muitos países.
Embora o título do capítulo foca em movimentos sociais, que agem mais através de ações
extraparlamentares (demonstrações, etc.), não deve se esquecer das organizações da
sociedade civil como sindicatos, partidos, igrejas, etc. As vezes movimentos sociais tornam se
partidos (os verdes, os indignados na Espanha tornando se o partido Podemos, e outros
exemplos destas transformações) para - em estruturas mais firmes- agir nos espaços
econômicos e políticos da sociedade. Historicamente uma agenda anticapitalista foi em
primeiro lugar perseguida pela esquerda com o objetivo de realizar uma sociedade socialista,
embora sempre houvesse divergências na esquerda sobre o que significa uma sociedade
socialista e como chegar lá. Mas também não deve se esquecer de que partidos da extrema
direita como os nazistas misturavam objetivos anticapitalistas com uma agenda racista e
nacionalista. A ‘Historia de América Latina’ -volume 12 - (1997) caracteriza a agenda da
esquerda da seguinte forma: "Historicamente, a esquerda sempre assumiu que havia um
objetivo, um programa e uma força organizada capaz de colocar esse programa em prática, e
uma teoria que explicava a lógica do sistema. Talvez o programa tenha sido improvisado, o
objetivo fosse irreal e a força organizada não fosse nada disso, mas era assim que a esquerda
pensava na mudança, pelo menos como legitimava suas atividades. Tudo isso agora está em
questão." Não somente na América Latina, mas também nos países centrais, o projeto
socialista parece nas margens da discussão pública. Para analisar o cenário atual, pode ser útil
resumir algumas lembranças do passado.
As ideias dos socialistas estavam acabadas. Na década de 1960 eles tinham abandonado o objetivo
de abolir o capitalismo; na década de 1970 e 1980 eles proclamavam que eles eram os gerentes
ideais do mesmo capitalismo. Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, a ideia reformista
convencional dos socialistas nos programas de todos os partidos socialistas tinha evaporada, de que
séra necessário possuir um grande setor público para contrabalançar as tendências negativas do
setor privado. A privatização do setor público, antes impensável, mesmo entre a maioria dos
conservadores, foi agora aceitada por muitos socialistas. O mundo dos socialistas tinha mudado
irrevogavelmente. O mundo não se apoiou mais em uma sociedade de produção dos trabalhadores
industriais do sexo masculino. A entrada da mulher no mercado de trabalho tinha feminizada uma
classe trabalhadora já fragmentada Donald Sassoon, One Hundred Years of Socialism, p. 649.
690
Para um olhar para trás de forma resumida é importante se concentrar em alguns movimentos
e partidos centrais na luta pelos direitos políticos, econômicos e sociais nos séculos passados
com o objetivo explícito de reformar o capitalismo ou substituir este modo de produção
através de um projeto alternativo. Estes projetos podem de forma geral ser denominados de
projetos socialistas. Obviamente com isto são esquecidos muitos movimentos sociais que
também trabalhavam para melhorar a posição da classe trabalhadora, dos pobres, ou do
povão/populacho nas sociedades. Muitas lutas sociais também tevem uma camuflagem
religiosa, pensando nos cátaros, hussitas e taboritas, nos anabatistas na reformação, dos
levellers e diggers na revolução inglesa e assim por diante. Aqui concentra se nos movimentos
socialistas, nos sindicatos trabalhistas e nos partidos socialistas e comunistas para encurtar a
narrativa. Com isto esquecem se os movimentos de campesinos e com isto acontecimentos
importantes como a guerra alemã dos campesinos 1524-1526 e os motins camponeses em
Inglaterra e França anteriores. Esquecem se também as lutas do movimento anarquista com
foco no sul da Europa, mas também na América Latina e nos Estados Unidos. Esquecem se as
revoltas dos escravos na história humana.
Eley [2002] faz lembrar que os movimentos socialistas foram também a força mais importante
na luta pelos direitos democráticos e políticos da população. Tilly [2010] mostra as
experiências dos movimentos sociais em uma narrativa mais ampla. Sassoon [2014] conta a
história do movimento socialista nos últimos cem anos [desde 1889, com a fundação da
Segunda Internacional em Paris], o olhar para trás neste trabalho fundamenta se em primeiro
lugar em Sassoon, apoiando se também nos quatro livros de Mann sobre as fontes do poder
social [1986, 2012 (1) e (2) e 2013(2)].
importante anotar que o país onde a Revolução Industrial começou, o Reino Unido, aonde o
emprego na indústria chegou a mais de 40 por cento do emprego total antes da Primeira
Guerra Mundial, a fundação de um partido socialista precisava esperar até o início do século
XX, mais tarde do que na maioria dos países da Europa. A industrialização e a ‘Longa
Depressão’ no fim do século XIX levavam a ascensão dos movimentos trabalhistas, na maioria
aderindo de alguma forma a ideologia marxista, embora no sul da Europa o anarquismo ficasse
sempre uma ideologia importante na classe trabalhadora. No Reino Unido e nos Estados
Unidos a ideologia marxista nunca criou raízes fortes. A narrativa seguinte foca nos
movimentos trabalhistas, embora houvesse outros movimentos sociais importantes antes da
Primeira Guerra Mundial, como o movimento abolicionista, o populismo nos Estados Unidos,
os movimentos para o sufrágio feminino e o feminismo, mas também movimentos
conservadores e reacionários como os movimentos nacionalistas, imperialistas e racistas. O
quadro a seguir mostra um esquema de Mann [2012 (1), p. 514] para a descrição de diferentes
estratégias dos movimentos socialistas (e anarquistas) para enfrentar o capitalismo.
Mann diferencia entre diferentes estratégias dos movimentos sociais e/ou partidos e entre
diferentes adversários das politicas de contenção, o poder econômico e o poder politico (o
Estado e o governo). O primeiro par das alternativas são estratégias mais moderadas, não
transformando o capitalismo, mas fornecendo oportunidades para os trabalhadores para
melhor competir dentro de capitalismo. Mann chama isto para o ambiente econômico de
protecionismo, como cooperativas, as fábricas modelo de Owen, o plano de terras dos
chartistas, e os fundos de seguros dos sindicatos, todas alternativas econômicas coletivistas,
mas trabalhando dentro de uma economia de mercado. Mas muitas vezes estas formas do
protecionismo necessitam da cobertura por direitos legais civis e políticos do Estado, por
exemplo, do reconhecimento legal dos sindicatos ou da legislação para facilitar o acesso ao
crédito e ao capital para as cooperativas, mutualismo, como defendido por Prodhoun. Esta
estratégia focada no Estado e suas instituições chama Mann de mutualismo.
692
Como Olaf Palme tem dito já em 1975: “Nós, socialistas, vivem em certa medida, em simbiose com
o capitalismo. O movimento operário foi sua reação ao capitalismo”. Citado em Sassoon,
Donald, One hundred years of socialism p. 747
No mundo da produção, autoridade, hierarquia e disciplina prevalecem. Nós votamos em quem
gostamos, nós compramos o que queremos com nossos escassos recursos, mas no trabalho nos
fazemos o que nos é dito. Socialistas tentarem, tradicionalmente, intervir no mundo do trabalho e,
após mais de cem anos de luta, os produtores – pelo menos na Europa – trabalham um pouco
menos, e em circunstâncias muito mais salubres do que um século atrás, e talvez com maior
dignidade. Mas eles não aumentavam seu controle sobre suas condições de trabalho a um ritmo
remotamente comparável à expansão da democracia política, ao aumento da prosperidade
material, ou ao avanço na ciência e na tecnologia. O capitalismo provou muito mais difícil de ser
controlado do que qualquer outra coisa, porque o capitalismo é um sistema baseado no controle de
muitos por poucos – o inverso da definição convencional de democracia política. Tal controle, é
claro, também é difícil de instituir em todas as sociedades tecnologicamente complexas conhecidas,
incluindo as economias centralmente planejadas. (...). Que as hierarquias podem nunca ser
eliminadas não lhes faz menos antidemocráticas ou desagradáveis. Sassoon, Donald,
One hundred years of socialism p. 758
Como a citação acima de Olaf Palme mostra a ascensão dos movimentos trabalhistas, dos
sindicatos trabalhistas, dos partidos socialistas e, mais tarde, dos partidos comunistas foi uma
reação aos problemas de um capitalismo tornando se hegemônico e global: crises com
desemprego elevado, salários e condições de trabalho miseráveis e uma distribuição desigual
de renda, riqueza e poder. Mas com a prosperidade capitalista, com a organização da classe
trabalhadora, com alianças com outros grupos da sociedade civil, com as lutas por direitos
sociais e democráticos, conseguiu-se – pelo menos na Europa como a citação seguinte de
Sassoon acima enfatiza e na América de Norte- uma melhora das condições de vida dos
trabalhadores. Obviamente este sucesso dependia também do sucesso do capitalismo em criar
desenvolvimento econômico e social com inovação tecnológica e social, pelo menos nos países
centrais. Quando na década de 1970 e 1980 a maquina capitalista de criar riqueza e inovação
começava a mostrar problemas nos países centrais, a luta dos movimentos trabalhistas tornou
se mais uma luta pela defesa das condições da vida dos trabalhadores e dos benefícios do
Estado de bem estar social do que uma luta por melhoramentos. Novos problemas políticos e
sociais entravam na agenda politica, lutas pela identidade, pelo reconhecimento e por outros
assuntos foram promovidos no espaço politico pelos movimentos feministas, ecológicos e de
minorias, mas também novos movimentos sociais da direita contestavam politicas de
imigração, de aborto, e de reconhecimento de minorias.
Somente é possível neste contexto fazer uma curta revisão da ascensão e do declínio dos
movimentos e partidos trabalhistas, que foram as forças politicas mais importantes até as
décadas de 1970 e 1980 na contestação do capitalismo. O foco para movimentos e partidos
trabalhistas negligencia movimentos sociais importantes no cenário politico até estas décadas
694
Até a Primeira Guerra Mundial houve uma rápida ascensão dos movimentos e partidos
trabalhistas em relação à filiação, votação, e importância politica. Por exemplo, o partido
socialdemocrata na Alemanha (SPD) chegou a mais de um milhão de membros com uma
votação geral de mais de 30 por cento antes de 1914. Mas como Sassoon [2014, p. 27]
adverte: “Antes de 1914, em nenhum lugar em Europa um socialista tinha servido em qualquer
governo com o apoio do seu partido.” Com isto os partidos socialistas ficavam fora do poder e
seguiam uma politica anticapitalista, antimilitarista e anti-imperialista até a guerra mudou
tudo isto e a maioria dos partidos socialistas nos países beligerantes [com exceção de Rússia e
Servia] entrou nos governos e apoiava a guerra, destruindo com isto praticamente a II
Internacional [fundada em 1889].
Embora a ideologia programática de muitos partidos socialistas ficava assim revolucionária até
uma década depois da Segunda Guerra Mundial, a prática da maioria dos partidos socialistas
ficava reformista. O sujeito da mudança anticapitalista foi a classe trabalhadora [o
proletariado], embora o trabalhador industrial manual, o centro da classe trabalhadora, nunca
chegou a representar a maioria da população em nenhum país.
Ao definir a classe trabalhadora como uma classe política, atribuindo a ela políticas específicas
e rejeitando as categorias mais vagas (“pobres”) dos reformadores anteriores, os pioneiros do
socialismo, assim, praticamente “inventavam” a classe trabalhadora. Aqueles que definem,
criam. Política “democrática”, isto é, política moderna de massas, é um campo de batalha em
que o movimento mais importante é definir, qual é o problema. Para ser capaz de definir as
partes em conflito, nomeá-las e, assim, estabelecer onde as barricadas devem ser levantadas,
ou onde as trincheiras devem ser escavadas, dá uma poderosa e, às vezes, decisiva vantagem.
Isto é o que todos os grandes movimentos de mudança social tiveram que fazer.
Sassoon também argumenta que não se podem criar agentes de mudança do vazio, condições
econômicas, sociais e politicas precisam existir que facilitam a criação dos movimentos.
Dizer que a classe operária foi “inventada” não é afirmar que seus membros não existiam.
Praticamente todos os observadores da classe trabalhadora concordaram que “o proletariado”
estava longe de ser uma massa homogénea, mesmo dentro de uma única nação. O que existia
era uma vasta gama de diferentes ocupações classificadas por qualificações, divididas por
territórios, separadas por nacionalidades, muitas vezes segregadas sexualmente ou
racialmente, isoladas umas das outras por religião, tradições, e preconceitos, constantemente
696
reorganizadas pela evolução tecnológica. Para estes fragmentos foram construídas uma coesão
ideológica e uma unidade organizacional. Consciência de classe foi construída por ativistas
políticos, assim como o nacionalismo foi construído por nacionalistas, feminismo pelas
feministas, o racismo por racistas. Obviamente este processo não depende unicamente do
ativismo. Para os ativistas serem bem-sucedidos, eles devem construir em bases reais, e não no
vazio. [Sassoon, 2015, p.8]
É importante acrescentar que a criação e organização da classe trabalhadora foi também um
processo que envolveu emoções, otimismo e o espirito romântico de ser parte da onda que
pode mudar o mundo, bem como uma cultura trabalhista que criou um jeito único de viver do
berço até o túmulo. Criou se uma comunidade imaginada em sentido de Benedict Anderson,
desenvolvendo uma consciência própria da classe trabalhadora com o orgulho de ser criador
de todas as riquezas. Esta cultura trabalhista se fragmentou depois da Segunda Guerra
Mundial. É também importante anotar, que uma classe operária industrial unificada existiu
sempre mais no imaginário dos socialistas do que na realidade, sempre existiam linhas de
falha, linhas de divisão social e cultural, entre a massa trabalhadora nos países centrais,
diferenças entre trabalhadores urbanos e rurais, diferenças de gênero, da etnia e da
nacionalidade, da qualificação, da religião, da cultura e da ideologia política, diferenças
regionais, de ocupação, de idade, diferenças entre trabalhadores em indústrias gigantes e
negócios pequenos, entre trabalhadores em empresas privadas e públicas. Se o conceito da
classe trabalhadora e visto em sua visão mais expansiva como os assalariados que dependem
em primeiro lugar da venda de sua força de trabalho, uma linha de divisão forte são a
diferente ocupação e a diferente posição cultural e ideológica entre trabalhadores manuais e
funcionários nos escritórios, no comércio e nas repartições públicas. As elites sabem como
usar estas linhas de divisão para conseguir alcançar seus objetivos econômicos e políticos,
embora em tempos da crise econômica ou política um sentimento de objetivos
compartilhados dos 99% pode surgir fortalecido por ideologias combativas de sindicatos e
partidos.
Em muitos países centrais existiu até a Segunda Guerra Mundial uma forte cultura trabalhista,
diferente das culturas da classe média, das elites, e dos agricultores. Na teoria marxista na luta
de classes a classe trabalhadora enfrenta a classe capitalista (a burguesia), enquanto a classe
média e os camponeses estão diminuindo no processo de desenvolvimento capitalista. Na
realidade nos países centrais os camponeses perdiam importância, mas a classe média não
desapareceu do palco, ele ainda aumentou quando parte da classe trabalhadora pós Segunda
Guerra Mundial sente se como classe média com o acesso amplo ao padrão de consumo da
classe média. O conceito da classe média é um conceito controverso: enquanto Mann [2012
(1), p. 549] encaixa na classe média os proprietários de pequenas empresas familiais (a
697
Não é fácil resumir sucessos e fracassos dos partidos socialistas e comunistas e dos outros
movimentos trabalhistas para um período de mais de um século, Sassoon [2014] e Eley [2002]
mostram que a formação de uma classe trabalhadora pelos partidos socialistas com uma
ideologia coerente conseguiu levar os problemas dos direitos democráticos e sociais, da justiça
social, e da igualdade dos gêneros no foco da discussão politica em muitos países. A criação e
ampliação de um Estado de bem-estar social foi também consequência da força politica dos
movimentos trabalhistas, embora os primeiros passos e iniciativas fossem muitas vezes
planejados por políticos liberais, conservadores ou progressistas (por exemplo, Lloyd George,
Beveridge, Bismarck, Roosevelt). A regulação das economias capitalistas nos moldes do
Keynesianismo depois da Segunda Guerra Mundial nos países centrais foi somente
parcialmente consequência de politicas socialistas.
Mas os movimentos trabalhistas não conseguiam realizar sua estratégia anticapitalista nos
países centrais, as nacionalizações e o planejamento da economia depois da Segunda Guerra
698
Mundial no Reino Unido, na França e na Áustria nunca conseguiam mudar os rumos das
economias capitalistas destes países. Muitos dos sucessos também foram esvaziados nos
ataques neoliberais na década de 1980 e depois. Nas décadas de 1990 e depois os partidos
socialistas que chegavam ao poder nos países centrais tinham canceladas suas ambições
anticapitalistas e também aceitavam que a opção de uma politica de pleno emprego nos
moldes Keynesianos não estava mais atual. Alain Touraine, citado por Sassoon [2014, p. 559]
escreveu sarcástico sobre os socialistas nestes tempos da transformação neoliberal “O tipo de
ser humano elogiado em todos os lugares é agora o jovem empreendedor. Se você ouvir um
tributo inflado aos lucros, as empresas, a concorrência, você pode ter certeza que você está
ouvindo um ministro socialista”. A utopia socialista de uma sociedade mais justa parecia se
deslocar para as margens da vida politica.
Claro que, se o termo “trabalhador” é usado no sentido clássico marxista (todos aqueles que trocam
sua força de trabalho por salários), então a “classe trabalhadora” incluiria a esmagadora maioria da
sociedade (...) quase todos se tornavam assalariados, houve menos lojistas e artesãos, e quase
nenhum camponês. Mas pensar que mineiros, servidores de limpeza nos hospitais, operadores de
computador, os altos funcionários civis, professores universitários, jogadores de futebol, seguranças
de discoteca e outros ‘assalariados’, todos têm somente uma posição de classe – e daí somente
uma identidade e interesses comuns – é bastante implausível. Sassoon, Donald, One
hundred years of socialism, p. 654
Tudo flui, e nada permanece, Heráclito (seguindo Platão Kratylos)
A ideia da classe trabalhadora como grupo social unido pela consciência comum foi construída
pelos socialistas e comunistas na luta politica e econômica, o grito de unificar os trabalhadores
de todos os países no ‘Manifesto’ de Marx e Engels sempre foi visto mais como um objetivo de
desejo do que de um fato real [Sassoon, 2014, p. 649]. Os trabalhadores nem estão
partilhando nas mesmas condições econômicos e sociais, nem compartilham as mesmas
identidades. Sassoon [Sassoon, 2014, p. 650] aponta que a questão da identidade é um
problema complexo, hoje em dia as pessoas facilmente mudam de uma identidade para outra.
Mas até depois da Segunda Guerra Mundial existia pelo menos um mundo de vida
(‘Lebenswelt’) e uma cultura compartilhada da classe trabalhadora, espaços compartilhados,
organizações e estilos compartilhados de vida, embora existissem também sempre linhas de
falha e divisão social por nação, religião, gênero, qualificação etc. Nas décadas de 1970 e 1980
699
sociólogos como Touraine e socialistas como Gorz apontavam que a classe trabalhadora foi
desaparecendo [Eley, 2002, p.403], partidos socialistas reconheciam que a diversidade social
estava aumentando pela transição pós-Fordista de produção flexível e especializada e nos
países centrais da crise de indústrias como mineração, construção naval, ferro e aço, os
trabalhadores nestas indústrias vistos como o centro da classe trabalhadora organizada. Nos
países centrais houve desindustrialização, ‘outsourcing’ da produção para países com salários
mais baixos e legislação trabalhista mais frouxa, embora de forma diferenciada (mais forte nos
Estados Unidos e no Reino Unido). Os partidos socialistas mudavam o discurso e orientavam se
mais para o centro, os sindicatos trabalhistas enfraqueciam em muitos países centrais. Criavam
se ganhadores e perdedores dos processos de globalização e da transição produtivista.
Mas, na realidade a classe trabalhadora no nível mundial não foi desaparecendo, mas, sim,
mudando de lugar. O Gráfico a seguir mostra um índice de trabalhadores na indústria (1991
=100) no mundo, na China e nos Estados Unidos, mostrando o deslocamento do trabalho
industrial.
700
Gráfico 124 Índice (1991 = 100) dos trabalhadores industriais no mundo, na China e nos
Estados Unidos
Fonte: ILO
Gráfico 125 Participação (%) dos trabalhadores industriais no emprego total no mundo, na
Alemanha, na China, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, no Japão, e no Reino Unido 1970 –
2010
Sassoon [2014, p. 656 pp.] anota para os países centrais uma fragmentação crescente da classe
trabalhadora nos anos depois da década de 1970, uma mudança para o paradigma de
produção flexível, o desemprego em massa, a desindustrialização, a expansão da participação
da mulher no mercado de trabalho. Na opinião de Sassoon estas tendências não foram
adequadamente refletidas nas políticas de esquerda, cada vez mais dominada por ativistas da
classe média, focando mais os problemas da classe média e abandonando sua clientela
natural. Isto abriu espaço para movimentos e partidos populistas de direita focando nos
perdedores da globalização com programas nacionalistas de antiglobalização e anti-imigração.
Noutro lado os partidos socialistas e comunistas de esquerda [na Europa continental]
enfrentavam as mudanças com novas agendas de uma suposta sociedade pós-industrial e pós-
materialista, onde ecologia, paz, feminismo e identidades em geral tornavam se questões
centrais. Como consequência formavam se em muitos países partidos verdes concorrentes,
que pareciam representar melhor estes objetivos. Mas formavam se também movimentos
sociais novos da direita enfrentando as atividades da esquerda, como grupos religiosos
fundamentalistas, grupos contra o aborto, grupos defendendo a nação, a lei e ordem, grupos
anti-imigração, etc.
702
Muitos sociólogos descrevem uma fragmentação crescente da sociedade nos países centrais
na época neoliberal desde a década de 1980, apontando também para uma divisão social
maior entre as elites (os 1 % na terminologia do Occupy) e a massa da população (os 99%),
bem como uma crescente parte da população em situação precária, o precariado. Payne
[2013, p. 6p.] adverte que os sociólogos que antes focavam em divisões sociais de classe, hoje
abordam divisões sociais mais fragmentadas orientadas em gênero, etnia, etc. Desigualdades
sociais são criadas por estas divisões sociais:
No passado, muitas vezes se dizia que os sociólogos só se interessavam por “classe social”,
excluindo todas as outras divisões. Desde a década de 1980, o gênero e a etnia tornaram-se mais
centrais para a pesquisa sociológica. Ainda mais recentemente, outras divisões, como a sexualidade
e a identidade nacional, tornaram-se proeminentes no repertório sociológico. (...) a forma como
uma pessoa sentia a identidade pessoal atraiu uma gama mais ampla de fatores sociais ou, como
alguns sociólogos argumentaram, um sentido das diferenças individuais (...). Este, por sua vez, é um
produto de novas formas de vida que substituem as mais antigas e tradicionais associadas às
antigas estruturas de classe. (…) Segue-se daí que as várias divisões sociais muitas vezes se
conectam e se sobrepõem, reforçando as desigualdades (...). Em qualquer situação, uma divisão
social particular pode assumir uma importância maior, mas as pessoas não existem em um mundo
social onde apenas a classe, ou apenas o gênero, ou apenas a etnia, é importante. Não é que haja
uma única categoria que seja distintiva.
Frankenberger e Frech [2017, p. 7 pp.] apontam também para uma mudança conceitual dos
sociólogos na analise das estruturas sociais:
Era comum até os anos 1970, falar de “classe” e “camada”, nos anos da década de 1980
estabeleceu-se na análise da estrutura social o conceito de “ambiente social” para descrever as
diferenças e desigualdades sociais. (...). Os meios sociais são entendidos como diferenciação
com base em orientações de valor, mentalidades, estilos de vida e situações sociais. Os meios
sociais são, portanto, de natureza diferente das classes e estratos sociais, que podem ser
definidos por circunstâncias e recursos socioeconômicos comuns. (...) O modelo de ambientes
sociais é um meio-termo entre a análise de classe ou camada, por um lado, e as abordagens de
estilo de vida, por outro. O mapa sociocultural comparativamente estável dos meios sociais
resume os grupos sociais com orientações de valores semelhantes, objetivos de vida, estilos de
vida e preferências estéticas cotidianas. A análise do meio ambiente leva em consideração todo
o ser humano e tenta capturar todas as características subjetivas e objetivas que constituem a
identidade sociocultural dos seres humanos.
703
O precariado não é vítima, vilão ou herói – são apenas muitos de nós. [183] (...) Precisamos acordar
com urgência para o precariado global. Há muita raiva por aí e muita ansiedade. (...) Eles estão
flutuando, sem rumo e potencialmente zangados, capazes de se desviar politicamente para a
extrema direita ou para a extrema esquerda e apoiar a demagogia populista que joga com seus
medos ou fobias. [vii] (…)
A era da globalização (1975-2008) foi um período em que a economia foi “desconectada” da
sociedade à medida que os financistas e os economistas neoliberais procuravam criar uma
economia de mercado global baseada na competitividade e no individualismo. O precariado cresceu
por causa das políticas e mudanças institucionais nesse período. [4] (…)
Debaixo desses quatro grupos [as elites, os profissionais qualificados por conta própria e no serviço
privado e público, os assalariados normais], há o crescente “precariado”, flanqueado por um
exército de desempregados e um grupo separado de desajustados socialmente doentes que vivem
fora da sociedade. (…)
É o precariado que queremos identificar aqui. Os sociólogos pensam convencionalmente em termos
das formas de estratificação de Max Weber – classe e status – onde a classe se refere às relações
sociais de produção e à posição de uma pessoa no processo de trabalho (Weber, [1922] 1968).
Dentro dos mercados de trabalho, além dos empregadores e trabalhadores autônomos [self
employed], a principal distinção tem sido entre trabalhadores pagos por produto e por tempo, o
704
primeiro cobrindo fornecedores de mão-de-obra por tempo e por peça, com imagens de esforço
monetário, sendo este último supostamente recompensado pela confiança e compensação por
serviço (...).
O precariado tem características de classe. Consiste em pessoas que têm relações de confiança
mínimas com o capital ou com o Estado, tornando-o bastante diferente do ‘saláriado’. E não tem
nenhuma das relações de contrato social do proletariado, em que os títulos de trabalho foram
fornecidos em troca de subordinação e lealdade contingente, o acordo não escrito que sustenta os
Estados de bem-estar social. Sem uma barganha de confiança ou segurança em troca de
subordinação, o precariado é distintivo em termos de classe. Ele também tem uma posição de
status peculiar, ao não mapear nitidamente as ocupações profissionais de alto status ou de status
médio. Uma maneira de colocar isso é que o precariado tem “status truncado”. E, como veremos,
sua estrutura de “renda social” não se enquadra perfeitamente nas velhas noções de classe ou
ocupação. (...)
O precariado experimenta os quatro A’s [anger, anomie, anxiety and alienation] – raiva, anomia,
ansiedade e alienação. A raiva origina-se da frustração diante dos caminhos aparentemente
bloqueados para o avanço de uma vida significativa e de um sentimento de privação relativa. (…) O
precariado vive com ansiedade – insegurança crónica associada não só à oscilação no limite,
sabendo que um erro ou uma falta de sorte pode fazer pender a balança entre a dignidade modesta
e ser uma dama, mas também com medo de perder o que possui, mesmo quando se sente
enganado por não ter mais. As pessoas são inseguras e estressadas, ao mesmo tempo
“subempregadas” e “em excesso de emprego” (...). A alienação surge do conhecimento de que o
que se está fazendo não é para o próprio propósito ou para o que se pode respeitar ou apreciar;
isso é feito simplesmente para os outros, a pedido deles. Isto tem sido considerado como uma
característica definidora do proletariado [7 p.]
Outra perspectiva de que as sociedades nos países centrais são se fragmentando com a
crescente desigualdade social e suas implicações politicas perigosas são problemas da
crescente pobreza, dos working poor, da exclusão social. Embora para Negri e Hardt eles como
multitude fazem parte dos movimentos que podem transformar o capitalismo global, parece
otimista demais ver estas ‘novas classes perigosas’ [Standing] como sujeito transformador.
Uma pergunta importante é porque a esquerda política não conseguiu aproveitar a crescente
desigualdade de renda, riqueza, e poder nos países centrais. Fukayama (2018) levanta algumas
explicações possíveis:
particulares de identidade que ela tem cada vez mais escolhido para comemorar. Em vez de
construir solidariedade em torno de grandes coletividades, como a classe trabalhadora ou os
explorados economicamente, ela tem-se centrado em grupos cada vez menores sendo
marginalizados de maneiras especificas (..). Não há nada de errado com a política de identidade
como tal; é uma resposta natural e inevitável à injustiça. Torna-se problemático apenas quando a
identidade é interpretada ou declarada de determinadas formas específicas. Política de identidade
para alguns progressistas tornou-se um substituto barato para o pensamento sério sobre como
reverter a tendência de trinta anos na maioria das democracias liberais para uma maior
desigualdade socioeconômica. (...). A dinâmica da política de identidade é estimular mais do
mesmo, uma vez que os grupos identitários começam a se ver como ameaças. Ao contrário das
lutas sobre os recursos econômicos, as reivindicações de identidade são geralmente não
negociáveis: os direitos ao reconhecimento social baseado na raça, na etnia, ou no sexo são
baseados em características biológicas fixas e não podem ser negociados para outros bens ou
abreviados em nenhuma maneira. As sociedades precisam proteger os marginalizados e excluídos,
mas também precisam alcançar objetivos comuns por meio de deliberação e consenso. A mudança
nas agendas de esquerda e direita para a proteção de identidades de grupo cada vez mais estreitas
ameaça finalmente a possibilidade de comunicação e ação coletiva.
iv. A ascensão de novos movimentos sociais
Movimento social é uma forma da ação coletiva fora das instituições politicas representando
os interesses, expectativas e desejos de grupos da sociedade civil através de petições,
demonstrações, etc., e ações contenciosas incluindo violência e insurreição. Um movimento
social pode ser um reflexo para um evento contingente e singular (como um movimento
contra a construção de uma autoestrada perto de um subúrbio residencial) ou um movimento
organizado com agenda definida para conseguir objetivos materiais ou de reconhecimento
(como uma agenda a favor de combater o aquecimento global, ou, uma agenda para melhorar
os benefícios do Estado de bem estar social, ou, ou uma agenda contra mudanças na
previdência social previstos pelo governo). Alguns movimentos sociais entram na área politica
formando partidos, como nos séculos passados movimentos trabalhistas organizavam se em
partidos socialistas e comunistas, ou, mais recentemente, movimentos ecológicos organizavam
se como partidos verdes.
No foco deste trabalho são movimentos sociais com agenda anticapitalista. Mas é importante
reconhecer que existem movimentos com agendas anticapitalistas somente na margem, se
focando em problemas de ecologia, de gênero, de identidades diversas e, anti-imigração, etc.
Os alvos das ações coletivas e protestos podem ser governos, a burocracia estatal,
corporações, partidos ou outros grupos e organizações com poder. A agenda dos movimentos
sociais pode ser anticapitalista, na terminologia da luta de classes, pode ser reformista,
garantindo direitos de proteção social para grupos excluídos, a regulação da economia
capitalista e, o reconhecimento de identidades e direitos de grupos desfavorecidos e a
reivindicação de assuntos específicos.
706
Eley [2202, p. 470 pp.] resume os movimentos sociais novos (e revividos) da década 1970 e
depois da seguinte forma:
Mas a falta de uma alternativa, de um programa convincente e coerente para uma possível
economia pós-capitalista estava também obvia. Falta também uma estratégia como organizar
um movimento forte para enfrentar as elites neoliberais. O aumento da desigualdade social,
da renda e riqueza, da distribuição de poder avançou depois da crise financeira global
novamente para o centro da discussão, mas as elites conseguiam amansar esta discussão até
agora. As elites tornavam se mais globais, retirando se de suas bases nacionais, aproveitando
seus lucros crescentes, parcialmente com origens na corrupção e no crime. A esquerda
organizada ainda não conseguiu elaborar uma estratégia para enfrentar a liberdade neoliberal
consumista com seus benefícios para uma ampla parte da população, mas com sérias
consequências sociais negativas para os perdedores do jogo, os excluídos, o precariado, os
‘working poor’.
Em outros lugares, no entanto, a questão social continuou sendo uma “questão policial”, segundo
uma frase famosa que alguém pronunciou no Brasil naquele período. HISTORIA DE AMÉRICA
LATINA, Volume, 12 para as primeiras décadas do movimento operário na América Latina
707
O Brasil entrou somente na era Vargas em uma fase de industrialização mais profunda do país,
a classe trabalhadora e suas organizações tiveram por esta razão nos tempos do Brasil rural
uma expressão menor, embora no Brasil urbano eles já mostrassem um papel importante, que
assustava as elites. Mas na colônia, no Império e na República Velha greves, revoltas e
revoluções do povo contra as elites já mostravam os problemas sociais e políticos do Brasil.
Gohn (2015, p. 15 p.), conta sobre estas revoltas do século XIX:
A maioria das lutas e movimentos no Brasil Colônia foi empreendida por negros escravos e pela
plebe, vulgo “ralé”. Eram os indivíduos pobres e livres. A categoria “povo” na época colonial era
dada aos comerciantes e artesãos. No topo da pirâmide social estavam os senhores de
engenho, os militares e funcionários graduados e o clero. Eles eram seguidos pelos lavradores,
grandes mercadores e artesões. Os pobres livres eram os penúltimos, pois os últimos eram os
cativos, os escravos. Eis uma lista das lutas mais famosas no Brasil Colônia e na fase do Império:
Zumbi dos Palmares (1630-1695), Inconfidência Mineira (1789), Conspiração dos Alfaiates
(Minas, 1798), Revolução Pernambucana (1817), Balaiada (Maranhão, 1830-1841), Revolta dos
Malés (Bahia, 1835), Cabanagem (Pará, 1835), Revolução Praieira (Pernambuco, 1847-1849),
Revolta de lbicaba (Estado de São Paulo, 1851), Revolta de Vassouras (Estado do Rio, 1858),
Quebra-Quilos (Pernambuco, 1873), Revolta Muckers (Rio Grande do Sul, 1874), Revolta do
Vintém (Rio de Janeiro, 1880), Canudos (Bahia, 1874-1897, massacrada pelas forças da
República).
Na primeira metade do século XX Gohn foca as revoltas seguintes:
Nas duas primeiras décadas do século ocorreram revoltas da população reivindicando serviços
urbanos, ou protestando contra políticas locais como a Revolta da Vacina (Rio de Janeiro,
1905), Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910), Revolta do Contestado (Paraná, 1912), ligas
contra o analfabetismo (1915), ligas nacionalistas pelo voto secreto e expansão da educação
(1917), revoltas contra o preço do pão, por feiras livres, contra a inspeção de bagagens nas
estações de trens, contra a colocação de trilhos para os bondes (que retiravam o emprego dos
carroceiros e quebravam os cascos das patas de seus cavalos), atos iniciaram no Rio de Janeiro
e se espalhou para vários pontos do país. Nos anos 20 surgem várias lutas e movimentos das
camadas médias da população urbana e revoltas de militares, bem como movimentos
messiânicos e de cangaceiros no sertão nordestino do país, como o liderado pelo padre Cícero
no Ceará (1926) e por Lampião na Bahia (1925-1938). Nas cidades destacaram-se a Revolução
dos Tenentes (1922), a Coluna Prestes (...). Vários movimentos sociais ocorreram no período de
1930-1937, entre os quais o Movimento dos Pioneiros da Educação (1931), a Marcha Contra a
Fome (1931), a Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932), a Revolta do Caldeirão no
Ceará (1935), a criação da Aliança Libertadora Nacional (1935), o Movimento Pau de Colher
(ocupação de terras na Bahia, em 1935), revoltas militares etc. Colher (ocupação de terras na
Bahia, em 1935), revoltas militares etc. O golpe do Estado Novo em 1937, impetrado pejo ex-
presidente Getúlio Vargas, amorteceu os conflitos sociais pelo controle via repressão.
Giannotti (s.a. p. 4 pp.), mais focado nas lutas da classe operária conta esta fase da história na
República Velha com uma perspectiva diferente. Até a década de 1920 a ideologia trabalhista
foi em primeiro lugar influenciada pelos pensamentos anarcosindicalistas, influenciados pelos
imigrantes da Europa. Na década de 1920 influências socialistas e comunistas ganhavam mais
espaço nos movimentos operários urbanos:
Anarquista, O Brado dos Pobres, O Lutador, Gazeta Operária, Revolução Social, O Progresso, O
Trabalho e dezenas de outros mais. (...). De 1900 a 1920 criam-se muitos sindicatos e várias
formas de organização operária. Eis as principais formas de organização da época: (...)
Sindicatos, (...) federações, (...) comitês, (...) congressos. (...). A luta pela jornada de 8 horas de
trabalho foi a grande bandeira do 1º Congresso. Operário Brasileiro em 1906 decidiu-se criar a
Central Operária Brasileira (COB) que passou a existir em 1907. Outros congressos foram
organizados em 1913 e 1920. (...) O período de 1903 a 1908 é um momento de grandes greves.
A resposta do Governo era uma só: repressão policial. (...) Em 1917: [influência da revolução
russa] Greve Geral em São Paulo, por aumento de salário, começando numa tecelagem, e se
estendendo por todo Estado. (...) De 1920 a 1926 o Brasil viveu em Estado de Sítio:
desarticulou-se todo o movimento operário. A partir de 1919 o Governo iniciou um esboço de
legislação social; eis as primeiras leis: 1919 — Lei sobre acidentes de trabalho; 1925 — Lei de
15 dias de férias; 1926 — Lei sobre o trabalho do menor. Essas leis existiram quase que
só no papel. – De 1920 a 1930 há luta política entre os militantes operários das várias
correntes que existiam no movimento: a anarquista, a comunista e a católica. − A partir
de 1922 os Primeiros de Maio serão organizados sempre separados em duas ou três
manifestações. Os católicos começam a fazer a sua manifestação. − Em 1922 fundou-se o
Partido Comunista do Brasil num congresso de 9 pessoas, 7 operários e 2 intelectuais. A
partir dessa data a tendência comunista-socialista se fortaleceu e passou a disputar com
os anarquistas a direção dos sindicatos. Até 1932 os anarquistas continuaram ativos, mas
perdendo cada vez mais força para os comunistas. (...) A Revolução de 1930 encontrou o
movimento operário esmagado por longos anos de repressão e dividido entre si. Isso
permitirá a implantação do sindicalismo oficial por Getúlio Vargas. (...) O período de 1945
a 1964 é a época de ouro da ideologia populista. A ideologia do populismo tem estas
ideias básicas: − “O Estado é acima das classes. − O Estado protege os fracos. − O Estado
cuida do povo todo.” (...) Esta fase do populismo de Vargas mostrou melhor seus
aspectos nacionalistas. Falava-se em Brasil como grande potência, independente de
compromissos com o imperialismo. Falava-se em Brasil como nação cada vez mais rica e
desenvolvida graças à colaboração entre a burguesia nacional e o proletariado. Esta época
marca uma nova ascenção do movimento operário sindical. É também nesta época que
os homens do poder numa linha populista, desencadeiam as grandes lutas anti-
imperialistas conhecidas como a campanha de “O Petróleo é nosso” com a criação da
Petrobrás e da Eletrobrás. Durante toda a década de 1950 as esquerdas, lideradas pelo
PCB, participam cada vez mais desse clima populista, onde não se distinguem as duas
classes antagônicas: burguesia e proletariado, e onde a direção política-ideológica está
nas mãos da burguesia nacional. (...) Os anos de 1953 até 1963 marcam uma retomada
das greves; e junto com estas greves a classe operária formará vários organismos
unificados para a luta operária. (...) de 1950 até 1964 os sindicatos retomaram uma
certa vitalidade. O golpe de 31 de março de 1964 disse um basta a tudo isto. Os
Governos Militares pós 64 dedicaram um esforço enorme para transformar a imagem e
a realidade do sindicato. O sindicato não pode mais ser órgão de politização, de
reivindicação, de luta de classe. O sindicato tem que ser um órgão assistencialista, tem
que promover a paz social. Essa é a vontade dos militares no poder. (...) em 13.12.68 os
militares decretam o Ato Institucional no.5 (AI-5). É uma nova fase da ditadura militar
cujas características são as seguintes: • Aumenta a perseguição aos trabalhadores nas
fábricas, nos bairros, nas fazendas. Assassinatos, torturas e prisões passam a ser rotina.
(...) No ano de 1977 inicia-se a luta pela “reposição salarial”.(...).
No fim da década de 1970 começa o novo sindicalismo no Brasil, independente, e combativo,
com Lula com um de seus líderes mais importantes. Em 1980 o PT foi criado como braço
político do movimento trabalhista, em 1983 a central sindicalista CUT foi criada.
Panizza (2015, p. 716 pp.) resume os erros da esquerda em América Latina da seguinte forma:
Em seu livro seminal Utopia Unarmed, publicado pela primeira vez em 1994, o intelectual e
político mexicano Jorge Castañeda pesquisou a condição da esquerda latino-americana na
709
última década do século XX. Escrito logo após o colapso do bloco socialista em um momento de
ascensão de governos conservadores e pró-negócios em toda a América Latina, ele escreveu
que, embora a esquerda permanecesse influente no movimento popular e no nível intelectual,
a esquerda política era, em suas próprias palavras, “em fuga e nas cordas” (Castañeda, 1994, p.
3). Ele argumentou que, embora as causas originais que deram origem à esquerda na região, a
pobreza, a injustiça, as disparidades sociais e a violência social esmagadora – fossem tão
atraentes quanto antes, com exceção de Cuba, a esquerda falhou em seus esforços para o
poder, fazer revolução e mudar o mundo ”(p. 4). Hoje, a esquerda, em suas diferentes
tonalidades ideológicas, está voltando na região. O triunfo eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva
na eleição presidencial de novembro de 2002 no Brasil foi o primeiro de um candidato de
esquerda desde a vitória eleitoral de Salvador Allende em 1970.
Os nomes de Bachelet, Chávez, Correa, Kirchner, Morales, Mujica, podem ser considerados
com representantes de diferentes correntes da esquerda em outros países da América Latina.
A situação é confusa e muito menos previsível depois do impeachment da presidente Rousseff
e da crise econômica profunda de 2014 – 2016. Nos anos de Lula e Rousseff aconteciam
transformações sociais importantes, mas o capitalismo no Brasil e suas elites ficavam fortes
como antes.
As idéias culturais vivem dentro da mente dos humanos. Eles se multiplicam e se espalham de uma
pessoa para outro, (...). Uma idéia cultural - como a crença no céu cristão acima das nuvens ou no
paraíso comunista aqui na terra - pode obrigar um humano a dedicar sua vida para espalhar essa
idéia, mesmo ao preço da morte. O humano morre, mas a idéia se espalha. De acordo com essa
abordagem, as culturas não são conspirações inventadas por algumas pessoas para tirar vantagem
de outras (como os marxistas tendem a pensar). Em vez disso, as culturas são parasitas mentais que
emergem acidentalmente e, posteriormente, tiram vantagem de todas as pessoas infectadas por
elas. Essa abordagem às vezes é chamada memética. Ele pressupõe que, assim como a evolução
orgânica se baseia na replicação de unidades de informação orgânica denominada "genes", a
evolução cultural se baseia na replicação de unidades de informação cultural denominada "memes"
Yuval Noah Harari, Sapiens, A brief history o humankind, posição 3722 pp.
Esse período, de meados da década de 1960 ao início da década de 1990, também foi marcado por
condições sociais seriamente deterioradas na maior parte do mundo industrializado. O crime e a
desordem social começaram a aumentar, tornando quase inabitáveis as áreas do centro das cidades
mais ricas do mundo. O declínio do parentesco como instituição social, que já dura mais de
duzentos anos, acelerou acentuadamente na última metade do século XX. A fertilidade na maioria
dos países europeus e no Japão caiu para níveis tão baixos que essas sociedades se despovoarão no
próximo século, sem imigração substancial; casamentos e nascimentos diminuam; o divórcio
disparou; e a gravidez fora do casamento afetou uma em cada três crianças nascidas nos Estados
Unidos e mais da metade de todas as crianças na Escandinávia. Finalmente, a confiança nas
instituições entrou em um profundo declínio de quarenta anos. (...). A natureza do envolvimento
das pessoas também mudou. Embora não haja evidências de que as pessoas se associem menos,
seus laços mútuos tendem a serem menos permanentes, menos engajados, e com grupos menores
de pessoas. Essas mudanças foram dramáticas, ocorreram em uma ampla gama de países
semelhantes e todas apareceram aproximadamente no mesmo período da história. Como tal,
constituíram uma Grande Ruptura nos valores sociais que prevaleciam na sociedade da era
industrial de meados do século XX. Fukuyama, Francis. The Great Disruption, posição
106 pp.
Como sistema, o socialismo está morto. Como movimento e força política organizada, está em suas
últimas pernas. Todos os objetivos que [o socialismo] uma vez proclamou estão desatualizados. As
forças sociais que o levaram estão desaparecendo. Perdeu sua dimensão profética, sua base
material, seu "sujeito histórico"; A história e as mudanças técnicas que estão levando à extinção, se
não do proletariado, pelo menos da classe trabalhadora, mostraram que sua filosofia de trabalho e
história é mal interpretada. (...). Isso significa, então, que a perspectiva socialista e a referência ao
socialismo perderam todo o sentido? Podemos esquecer que o capitalismo domina a economia
mundial sem precisar oferecer ao mundo uma ordem social ou modelo de sociedade? Podemos nos
esquecer de que nossas sociedades são sociedades capitalistas e que o socialismo não precisa se
definir em termos de outro sistema social existente em outro lugar: se define como oposição ao
capitalismo - isto é, como uma crítica radical das formas de sociedade em que o social é
improdutivo? Pode [o capitalismo] ser salvo continuando indefinidamente a monetizar,
profissionalizar e transformar em ocupações remuneradas, mesmo as atividades diárias mais
básicas? Gorz, André. Capitalism, Socialism, Ecology, preface
Fukuyama [1999] aponta na primeira citação a metade da década de 1960 até 1990 como um
período de transformaçõus sociais e culturais profundas, procurando as causas em primeiro
lugar nas mudanças pela globalização e pela tecnologia em direção para sociedades mais
711
individualistas e egocêntricas, perdendo com isto coesão e confiança. Ele não aponta para as
transformações profundas que a crise da década de 1970 deixou nos países centrais, com foco
na mudança para a ideologia neoliberal, transformando com o progresso tecnológico o mundo
de trabalho (desindustrialização nos países centrais, desemprego, empregos precárias e
temporárias, concorrência acirrada pelos empregos melhores, cortes na rede de segurança do
Estado de bem estar social), solidariedades e laços de confiança em queda, e a procura do bem
estar individual em detrimento do bem estar coletivo, a competição criando uma divisão mais
profunda entre ganhadores e perdedores da globalização e do progresso tecnológico.
Fracassos e exclusão social são vistos em primeiro lugar como falhas individuais, não como
consequência do capitalismo nos moldes neoliberais.
A ultima citação de Gorz [2012] aponta também que a queda da União Soviética em 1991
desvalorizou o conceito e os objetivos do socialismo e, com isto, uma ênfase em objetivos e
valores coletivos sociais em detrimento de objetivos individuais. Obviamente a desvalorização
do conceito do socialismo na discussão pública é num lado consequência dos fracassos
democráticos e econômicos do socialismo real, noutro lado também consequência da
mudança neoliberal com seus valores individualistas e consumistas.
Todas as perguntas-chave que uma concepção atualizada do socialismo deve posar pode
conseqüentemente ser formulada como segue: como pode o desenvolvimento da economia ter
uma orientação social e ecológica? Como esse desenvolvimento pode ser moldado e dirigido
sem, no processo, destruir a autonomia relativa da economia e sua capacidade de evoluir. A
resposta não pode ser simplesmente eliminar as forças económicas e sociais autonomizadas
(do estado, do capital, do dinheiro, do mercado, do sistema jurídico). Porque se essa eliminação
torna possível impor diretamente os objetivos políticos em cima do desenvolvimento, ela
também conduz apenas diretamente ao "o inoperante-fim das formas da sociedade
burocrática-administrativa”,
Ninguém esperava. Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e
desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu. Subitamente, ditaduras podiam ser derrubadas
pelas mãos desarmadas do povo, mesmo que essas mãos estivessem ensanguentadas pelo sacrifício
dos que tombaram. Os mágicos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de
desprezo universal. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram
denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina
a sociedade, o mercado e as instituições. Sem confiança nada funciona. Sem confiança o contrato
social se dissolve e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando
pela sobrevivência. (...). Não foram apenas a pobreza, a crise econômica ou a falta de democracia
que causaram essa rebelião multifacetada. Evidentemente, todas essas dolorosas manifestações de
uma sociedade injusta e de uma comunidade política não democrática estavam presentes nos
protestos. Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas
no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram medo em
indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. (...). Era a busca de dignidade
em meio ao sofrimento da humilhação – temas recorrentes na maioria dos movimentos.
Manuel Castells, Redes de indignação e esperança, posição 133 pp..
Será que uma renovação democrática – um restabelecimento do primado da política democrática
sobre a dinâmica inerente do desenvolvimento capitalista – deve ser esperada de um público que já
não estava acostumado a levar a sério a política, depois de décadas de reeducação no espírito do
que Merkel109 chama a “virada cultural da política democrática progressista” – como a luta pelo
casamento gay, a simbólica “gênerização” de tudo e a promoção de mulheres de classe alta para
posições nos conselhos de administração das grandes empresas como um objetivo de política de
sinal (...) dos partidos social-democratas e sindicatos, num momento em que o maior risco de
pobreza está associado à condição de mãe solteira? Que política séria disposta e capaz de se
preocupar com as massas democráticas, expropriadas politicamente por seus partidos
“responsáveis” do cartel? Sob o feitiço do consumismo pós-fordista e do ‘politainment110’ pós-
713
democrático, quantas pessoas ainda acreditam que pode haver bens coletivos pelos quais vale a
pena lutar? Em um mundo onde a habilidade culturalmente mais estimada parece ser enfrentar a
adversidade com bom humor, em oposição ao estabelecimento de interesses comuns com os
outros e organizando eles – onde a democracia foi esvaziada de conteúdo sério e a política
banalizada além do reconhecimento – a participação democrática, como Merkel nos lembra, é
muito facilmente confundida com a salvação de baleias e outras melhorias locais similares,
substituindo o conflito político pela expressão pública de convicções morais privadas: um laissez-
faire pluralista despolitizado sob o qual a participação política se transforma em algo como uma
forma moralmente correta de consumo avançado. Wolfgang Streeck, How will
capitalism end? Posição 3406
Movimentos sociais com estruturas organizacionais de rede são flexíveis, mas eles também
enfrentam o perigo da instabilidade e do esvaziamento, partidos com sua estrutura
hierárquica tem uma agenda mais fixada e são menos sujeitos a este risco. Muitos movimentos
sociais tem um sabor anticapitalista, pelo menos em suas intenções: A lógica dos mercados
(um elemento importante do capitalismo) é a competição e a racionalidade individualista, a
lógica dos movimentos sociais é a cooperação voluntária para a ação coletiva, seja do protesto,
seja de reivindicação com as elites ou do Estado. O mercado funciona através de incentivos
materiais e não levanta valores éticos. Movimentos sociais – muitas vezes – são inspirados por
valores éticos sem depender de incentivos materiais. Este fato também mostra uma
fragilidade dos movimentos sociais: eles tornam-se menos estável, dependendo mais da
estimulação comunicativa de seus participantes. Movimentos sociais que se tornam partidos
políticos tornam-se mais hierárquicos e com estruturas organizacionais fixadas. Eles perdem
com isto autenticidade e espontaneidade. Emoção é também um elemento importante para a
formação de movimentos sociais, o mercado não conhece emoções, embora euforia e pânico
sejam emoções que os agentes nos mercados conhecem muito bem.
Movimentos surgem por causas muito diferentes, uma crise política, econômica, ecológica, ou
social, uma guerra, opressão, falta de reconhecimento, afirmação de uma identidade,
corrupção e desonestidade de elites, etc. Mas existem também emoções mais nefastas que
impulsionam movimentos como o Ku-Klux-Klan ou movimentos antissemitas ou xenófobos.
Nem sempre tolerância e solidariedade são valores inscritos em movimentos sociais. Nem
sempre os objetivos dos movimentos sociais orientam se no bem público, às vezes interesses
parciais prevalecem. Em demonstrações, greves, e protestos a ocupação de espaços públicos é
um instrumento importante. Castells [2012, posição 288 pp.] resume as muitas causas que
fazem os movimentos sociais crescer:
Della Porte [2015, p. 3 p.] também mostra as causas e as raízes sociais dos ativistas:
Começando com a Islândia em 2008, e depois com força no Egito, Tunísia, Espanha, Grécia e
Portugal, a indignação foi levantada pela corrupção da classe política, com os manifestantes
condenando propinas em um sentido concreto, bem como os privilégios concedidos aos lobbies
e conluio de interesses entre instituições públicas e poderes econômicos. (...) Em todas essas
mobilizações, uma nova classe – o precariado social, jovem, desempregado ou empregado
apenas em tempo parcial, sem proteção, e muitas vezes bem-educado – foi apontada como
ator principal.
A indignação das pessoas sobre a crise financeira com os custos da crise financiados pelos
contribuintes de impostos e das pessoas comuns que sofriam as políticas de austeridade,
enquanto os bancos foram resgatados e seus CEOs saírem ilesos com bônus gordos, criava
movimentos de direita bem como da esquerda.
Nos Estados Unidos Castells [2012, posição 2006 pp.] mostra que:
A primeira expressão da indignação popular foi a ascensão do Tea Party, mistura de populismo
com libertarismo que ofereceu o canal de mobilização para uma variedade de opositores
715
indignados com o governo em geral e com Obama em particular. No entanto, quando ficou
claro que o Tea Party era bancado pelas Indústrias Koch, entre outras corporações, e que fora
apropriado pelo Partido Republicano, como tropa de choque a ser sacrificada no estágio final
do processo eleitoral (...)
Seguiam movimentos progressistas como Occupy Wall Street com seu mantra unificador e
divisor dos 99% contra os 1%, e muitos outros movimentos contra as políticas de austeridade.
Importante para muitos destes movimentos são suas tentativas de conseguir um alcance
global através do Internet. Na década de 2010 movimentos como a primavera árabe, os
indignados, Occupy Wall Street, e outros movimentos contra as políticas de austeridade
tinham contágios imprevistos, mídias e Internet facilitavam isto. Este alcance global espelhava
de certa forma as tentativas da primeira até a terceira internacional da classe operária no
passado para organizar os interesses da classe operária em nível internacional.
O movimento Occupy Wall Street é o primeiro exemplo para ser discutido aqui por razões
óbvias, o movimento focou o centro financeiro de Nova York, que foi no centro da crise
financeira global de 2008/2009. O movimento espalhou se rapidamente pelos Estados Unidos
e por outros países centrais, ele usou extensivamente a Internet, e, embora não focando em
demandas específicas, mostrou o desprezo de partes da população pelos responsáveis para a
crise financeira e as elites em geral. A tese combativa que eles representavam os 99% da
população expressou a preocupação com a crescente desigualdade entre as elites e o cidadão
comum. Castells [2012, posição 2112 pp.] reflete sobre a importância do movimento Occupy:
Nas demonstrações de Seattle 1999, Gênova 2001 e depois apareceu uma forte tendência anti
establishment, contra as elites. O fórum social mundial em Porto Alegre 2001 e também em
outras cidades depois foi intencionado como um palco de discussão sobre estratégias
transformadoras contra o fórum das elites em Davos. A Attac, fundada em 1998, não é um
movimento de massa, mas uma organização de intelectuais para propagar o imposto de Tobin
nos mercados cambiais, e, de forma mais ampla, de formular estratégias contra o poder do
setor financeiro, contra as políticas neoliberais e contra a mudança climática. Os movimentos
ecológicos também focavam assuntos globais, a mudança climática e a destruição do meio
ambiente pela produção capitalista.
Como a classe trabalhadora no século XIX, que era uma manifestação do conflito sistêmico
dentro da modernidade industrial sobre o produto social e sua distribuição, os novos
movimentos sociais são uma manifestação dos novos conflitos sistêmicos dentro da
modernidade pós-industrial (ou tardia), autonomia, qualidade de vida e reconhecimento dos
estilos de vida das minorias (política de identidade). Nesta visão, a sociedade pós-industrial não
é mais definida pela luta entre duas classes dominantes, mas oscila em torno de novos conflitos
sobre direitos humanos, igualdade de gênero, autonomia individual, participação política e
proteção ambiental.
É importante anotar que a maioria dos movimentos representa lutas contra alguma
perspectiva do capitalismo global, mas uma utopia alternativa convincente, unificadora e
abrangente, comparados com os ideais e estratégias do socialismo ou comunismo, não existe.
Estratégias defensivas prevalecem depois da queda do socialismo real burocrático. Esta
fraqueza das forças progressistas abre espaço para movimentos populistas de direita que
717
mescla políticas anti establishment com políticas racistas, nacionalistas, aproveitando o clima
de desconfiança com as elites e os governantes. Existe também em muitos países centrais
certa desconfiança com os governos, partidos, e os políticos, especialmente depois da crise
global de 2008/2009 onde os governos salvavam instituições financeiras, a população arcando
com os custos da salvação em forma de politicas de austeridade. Castells [Ruptura 2018]
descreve esta desconfiança de grande parte da população com governos e políticos:
(...) crise de legitimidade política; a saber, o sentimento majoritário de que os atores do sistema
político não nos representam. (...).
A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus
interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma
classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio.
(...).
Mais de dois terços dos habitantes do planeta acham que os políticos não os representam, que
os partidos (todos) priorizam os próprios interesses, que os parlamentos não são
representativos e que os governos são corruptos, injustos, burocráticos e opressivos. Na
percepção quase unânime dos cidadãos, a pior profissão que existe é a de político.
A desconfiança com governos e políticos é aproveitada por partidos e movimentos de extrema
direita, mesclando a raiva contra os políticos que abandonavam as camadas mais vulneráveis
da população e seus interesses materiais com agendas nacionalistas e xenófobas,
apresentando como bodes expiatórios imigrantes e muçulmanos. Castells [Ruptura 2018]
apresenta este cenário europeu de uma extrema direita em ascensão:
(...) na Europa, na última década, produziu-se uma verdadeira reviravolta eleitoral em favor de
partidos nacionalistas, xenófobos e críticos em relação aos partidos tradicionais que
dominaram a política por meio século. Além do Brexit no Reino Unido e do colapso dos partidos
franceses ante o macronismo, que analiso neste livro, recordarei a porcentagem de votos de
partidos identitários e antiestablishment no período 2013-17: França, 21,3%; Dinamarca,
21,1%; Suécia, 12,9%; Áustria, 20,5%; Suíça, 29,4%; Grécia, 12%; Holanda, 13%. E partidos
xenófobos governam, sozinhos ou em coalizão, na Polônia e na Hungria, na Noruega e na
Finlândia.
Pode se acrescentar Itália onde em 2019 governam partidos nacionalistas e xenofobos de
direita em coalização com o movimento cinco estrelas. A esquerda está em retirada na maioria
destes países. Sem uma agenda coerente da esquerda que reflete a situação dos perdedores
da globalização do capitalismo contemporâneo, mas também reconhece os medos perante
imigração e multiculturalismo, sem uma utopia convincente que tenta controlar as falhas do
capitalismo neoliberal, a esquerda vai para o caminho do esquecimento.
Mas, é importante refletir, que movimentos que querem destruir as estruturas antigas e
construir um novo mundo e um novo homem (e mulher) na maioria das vezes tornavam se
totalitários tentando vencer com repressão e violência os que pensavam de forma diferente.
Parece que somente a alternativa de uma reforma passo a passo em sentido de Popper está
ainda aberta visando as experiências do fascismo e comunismo do século XX.
718
Para o Brasil no meio rural o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) desde a
década de 1980 e outros movimentos defende uma reforma agrária profunda e promoviam
mudanças do capitalismo, e, por exemplo, no meio urbano o MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto) luta por profundas transformações anticapitalistas desde 1997.
Movimentos sociais amplos e fortes como o novo sindicalismo no fim da década de 1970, o
movimento de ‘diretas já’ no processo de redemocratização, as caras pintadas para o
impeachment de Collor e a corrupção das elites, o movimento para justiça global com seus
fóruns sociais globais, e as manifestações de rua começando em 2013, são exemplos para a
atividade política do povo brasileiro. Castells [2012, pos. 2926] aponta para as características
dos movimentos de 2013, como o Movimento Passe Livre (MPL):
Aconteceu também no Brasil. Sem que ninguém esperasse. Sem líderes. Sem partidos nem
sindicatos em sua organização. Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito de indignação
contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se
transformando no projeto de esperança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas
em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. (...). Porque, como todos
os outros movimentos do mundo, ao lado de reivindicações concretas, que logo se ampliaram
para educação, saúde, condições de vida, o fundamental foi –e é –a defesa da dignidade de
cada um. Ou seja, o direito humano fundamental de ser respeitado como ser humano e como
cidadão.
Singer [2018, posição 1544 pp.] capta esta mudança dos objetivos das demonstrações de 2013
no Brasil:
Os acontecimentos inesperados de junho de 2013 dividem o período Dilma em dois. Até lá, a
presidente gozava de aprovação nas pesquisas, e o lulismo estava vitaminado pelo sucesso nas
eleições municipais de 2012. Depois das manifestações, a presidente cai de 57% de bom e
ótimo para 30%. (...). Junho foi o resultado estranho do encontro entre correntes sociais e
ideológicas que trafegavam em sentidos opostos: uma esquerda extrapetista em busca de
conectar-se com a “inquietação” da nova classe trabalhadora, (...) e uma classe média
tradicional cansada do “populismo” do PT. (...). Por volta do dia 20 começou-se a ouvir, em
meios progressistas, referências às manifestações que vinham ocorrendo havia cerca de duas
719
semanas como “as Jornadas de Junho”.13 Suspeitava-se que estivesse em curso um levante do
precariado. Aos poucos, ficou claro que a comparação era indevida. (...). Na face direita, junho
foi o início da mobilização da classe média, que acabaria por ter papel decisivo na queda de
Dilma (...). Apesar de a ebulição ter sido detonada por uma fração de esquerda de São Paulo,
articulada pelo Movimento Passe Livre (MPL), com o objetivo de revogar o aumento das
passagens de ônibus, metrô e trens, no meio do caminho as ruas foram ocupadas por gente
que nadava na direção oposta: críticos, mais ou menos conscientes, da suposta corrupção
estatista produzida pelos políticos lulistas.17 No lugar do autonomista MPL, surgiu o liberal
MBL (Movimento Brasil Livre). No lugar dos estudantes universitários e secundaristas, os
profissionais do Vem Pra Rua. No lugar de black blocs anarquistas, vestidos de preto, os
Anonymous com máscaras de Guy Fawkes e uma multidão trajando verde e amarelo (...). Do
dia 17 em diante, ninguém entendia o objetivo exato das manifestações. Havia quase um cartaz
por manifestante, com uma profusão divertida de dizeres e pautas: “Copa do Mundo eu abro
mão, quero dinheiro pra saúde e educação”; “Queremos hospitais padrão Fifa”; “O gigante
acordou”; “Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão”; “Não é mole, não. Tem dinheiro pra
estádio e cadê a educação”; “Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio”;
“Todos contra a corrupção”; “Fora Dilma! Fora Cabral! PT= Pilantragem e traição”;23 “Fora
Alckmin”; “Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar”; foram algumas das infinitas frases
vistas nas cartolinas confeccionadas por cada protestante. (...). Sob a aparência de
continuidade, o conteúdo das manifestações ia deslizando para o “que se vayan todos”, lema
da classe média argentina na crise econômica de 2001. (...). Bandeiras nacionais passaram a ser
elemento constante, ao lado de cartazes por menos impostos. A par da exaltação verde e
amarela e da crítica à carga tributária, a direita buscou suscitar nas manifestações o combate à
corrupção, a arma favorita do partido de classe média contra o partido popular. (...) Em última
análise, a crítica da desigualdade constituiu o leitmotiv do enredo “anti-Fifa”. Na quarta-feira,
dia 19, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) juntou gente nas periferias sul e leste
de São Paulo para protestar “contra o aumento do custo de vida e contra o preço da Copa do
Mundo, que é paga pelos trabalhadores” (...). Em resumo, junho representou o cruzamento de
classes e ideologias diferentes e, em alguns casos, opostas. Há pouca proximidade, por
exemplo, entre as “madames vestidas a caráter e cheias de balangandãs, brandindo cartazes
sobre o ‘fim da corrupção’”62 e os “trabalhadores jovens e inseridos em precárias condições de
trabalho, além de sub-remunerados”63 que estiveram juntos nas ruas.
O capitalismo global contemporâneo nos países centrais convive com instituições
democráticas firmes, embora com aceitação dos governos, partidos e políticos pela população
em queda: consequência da impressão que a maioria dos governos, partidos e políticos são
estreitamente ligados aos interesses da classe dominante (os 1% na terminologia do
movimento occupy Wall Street) e da corrupção e evasão dos impostos das elites. Outro
assunto na desconfiança com os governos e as elites é a forma secreta, sem discussão no
parlamento, como contratos internacionais são negociados entre membros da burocracia
governamental ou da burocracia europeia e os parceiros comerciais. Exemplos são TTIP,
Transatlantic Trade and Investment Partnership, um acordo de livre comércio entre os Estados
Unidos e a União Europeia, e MAI, Multilateral Agreement on Investment, onde são negociadas
regras para investimentos internacionais. Houve fortes protestos contra estes contratos,
porque as negociações em segredo levantavam a suspeita de que eles fortalecem os interesses
das elites e das empresas transnacionais, negligenciando os interesses da maioria da
população. Os dois contratos não se realizavam por causa dos protestos para o MAI, e por
causa dos protestos e da política do novo governo Trump com o mantra, América em primeiro
720
lugar. Dos 99% da população muitos não se sentem representados no parlamento e nos
governos fugindo da votação nas eleições e se concentrando na sua vida particular. Os
perdedores do capitalismo global e os excluídos nestes países sentem se abandonados pelos
partidos estabelecidos do centro e da esquerda e se voltam para partidos demagogos e
populistas da direita. A queda do socialismo burocrático real no leste de Europa e a hegemonia
do discurso neoliberal desacreditavam alternativas anticapitalistas, também porque o
capitalismo oferece para a maioria da população nestes países consumo, entretenimento,
viagens e liberdade individual, embora uma minoria da população sofra com desemprego,
salários baixos e empregos inseguros ou exclusão social, a maioria desta parte da população
não vota mais nas eleições.
Kagarlitsky [1999, p. 53 pp.] explica os sucessos da direita na França nas eleições da seguinte
forma:
Em seus discursos, demandas justas são misturadas com mentiras nacionalistas e racistas no
sentido de que os imigrantes e pessoas de outras nacionalidades são a fonte de todo o mal.
Mas a menos que nos reconhecemos que, por exemplo, a hostilidade da nova direita com a
integração europeia corresponde plenamente aos humores e as necessidades de milhões de
pessoas, nos não vão entender as razões para a rápida ascensão de apoio para os políticos, tais
como Le Pen. As “esquerdistas” dizem que está tudo bem, os direitistas negam isso, e as
pessoas simples sabem perfeitamente quem, neste caso, está mentindo. Os “esquerdistas”
dizem que não há alternativa para que as pessoas apertassem os cintos e entram para uma
Europa Unida, enquanto o cidadão francês, britânico e até mesmo alemão comum muitas vezes
não tem vontade de ir para lá, muito menos com um cinto apertado. (...) À medida que a
esquerda se torna elitista, a direita torna-se populista. No centro do palco político, o lugar da
esquerda fraca é tomado pela direita forte. Essa é a lógica da luta política.
Como a esquerda estabelecida falhou de denunciar as falhas do capitalismo global, as crises, o
desemprego, a exclusão social, os empregos inseguros e de salários baixos, a crescente
desigualdade de renda, riqueza e de poder, ela perdeu parte de sua clientela antiga, parte da
classe trabalhadora. A classe dominante conseguiu com a ideologia neoliberal estabelecer um
721
Um dos temas era que os países deveriam aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho, o
que passou a significar uma agenda para transferir riscos e insegurança para os trabalhadores e
suas famílias. O resultado foi a criação de um “precariado” global, consistindo de muitos
milhões em todo o mundo sem uma âncora de estabilidade. Eles estão se tornando uma nova
classe perigosa. Eles são propensos a ouvir vozes feias e usar seus votos e dinheiro para dar a
essas vozes uma plataforma política de crescente influência. [1] (…) À medida que as
desigualdades aumentavam, e à medida que o mundo caminhava para um mercado de trabalho
aberto e flexível, a classe não desaparecia. Em vez disso, uma estrutura de classe global mais
fragmentada surgiu. [7] (,,,), Embora não possamos dar números tão precisos, podemos supor
que, atualmente, em muitos países, pelo menos um quarto da população adulta está no
precariado. Não se trata apenas de ter emprego inseguro, estar em empregos de duração
limitada e com mínima proteção trabalhista, embora tudo isso seja generalizado. É estar em um
status que não oferece senso de carreira, nenhum senso de identidade ocupacional segura e
poucos (ou nenhum) direitos aos benefícios do Estado de bem estar social que várias gerações
daqueles que se viram como pertencentes ao proletariado industrial ou ao setor salarial tinham
esperado como o seu devido. (...) ..
A maioria dos autores de “Does capitalism have a future?” [2013, p. 1 pp.] têm uma
expectativa mais otimista para estratégias anticapitalistas, mas sensatamente limitando suas
previsões [p.3]: “Eventos são demasiadamente contingentes e imprevisíveis, porque eles
dependem de múltiplas vontades humanas e circunstâncias em mudança”:
722
O nosso quinteto se reuniu para escrever este livro incomum porque algo grande aparece no
horizonte: a crise estrutural muito maior do que a atual Grande Recessão, o que pode, em
retrospecto, parecer apenas um prólogo de um período de problemas mais profundos e
transformações. (...) O nosso debate não é se o capitalismo é melhor ou pior do que qualquer
sociedade até aqui. A questão é: Será que o capitalismo tem futuro? A pergunta ecoa uma previsão
antiga. A expectativa do colapso do capitalismo era central para a ideologia oficial da União
Soviética, até ela própria desmoronou. (...). Este livro não é sobre cenários apocalípticos. (...)
Eventos são demasiadamente contingentes e imprevisíveis, porque eles dependem de múltiplas
vontades humanas e circunstâncias em mudança. (...). Os pensadores do século XX e líderes
políticos provavam estar errado em sua convicção ideológica que havia um único caminho para o
futuro, como defensores apaixonados do capitalismo, comunismo, fascismo argumentavam e
tentavam de impor. Nenhum de nós subscreve a visão utópica que o ser humano pode fazer
qualquer coisa possível. No entanto, é demonstrável que nossas sociedades podem ser construídas
em uma determinada variedade de maneiras. O resultado depende significativamente das visões
políticas e vontades que prevalecem na esteira das grandes crises que produzem momentos
fundadores da história.
Jones [s.a. p. xix] adverte que nós vivemos, mesmo depois da crise financeira global, em
tempos do triunfalismo do Establishment neoliberal, e para ter perspectivas de transformação
precisa bota fora este triunfalismo. Jones [s.a. p. xxiv] lembra que
É muito bom protestar contra a injustiça, é claro. Mas como o falecido político socialista Tony Benn
costuma dizer, a mudança social é uma combinação de duas coisas: “a chama ardente da raiva
contra a injustiça e a chama ardente de espero por um mundo melhor. Aqueles que – como eu –
querem que a velha ordem seja superada têm a responsabilidade de oferecer alternativas
coerentes. Sem essas alternativas, as pessoas podem se ressentir da ordem existente, mas
permanecerão ligadas a ela”
‘
723
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744
7. Notas
1
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2
MARX, Karl, "Das Kapital", Karl Marx - Friedrich Engels - Werke, Band 25, Bd. III, Dietz Verlag,
Berlin/DDR 1983 p. 251 p.
3
SCHUMPETER, Joseph, Kapitalismus, Sozialismus e Demokratie, Tübingen: Francke, 1993, p. 115 p.
4
HAYEK, Friedrich A., citado em NASH , Timothy G, CHAKRABORTY Debasish, American History,
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https://www.northwood.edu/sharedmedia/PDF/AboutUs/WhitePapers/AmericanHistoryCapitalism.pdf
(acesso 6/3/2013)
5
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6
ZINN, Howard, A People's History of the United States, New York: Harper Collins, 2001, p. 637.
7
STREECK, Wolfgang, How will capitalismo end? Posição 141 p.
8
As traduçõs das citações são do autor deste trabalho
9
"Money" - Liza Minnelli, Joel Grey – YouTube www.youtube.com/watch?v=rkRIbUT6u7Q
10
INGHAM, Geoffrey, Capitalism, Cambridge (UK): Polity Press, 2008, e-book, posição 1664
11
SKIDELSKY, Robert, SKIDELSKY, Edward, How much is enough? Money and the good life, New York:
Other Press, 2012, p. 68 p.
12
Neoliberalismo, como vai ser discutido mais adiante, é uma ideologia econômica e política
reanimando ideias liberais do século XIX sob um ambiente histórico diferente depois da II Guerra
Mundial, que ganhou força na crise da regulação Keynesiana na década de 1970. Nomes como Hayek e
Friedman representam estas ideias para revigorar crescimento, inovação e investimento através da
dinâmica de mercados livres, desregulamentação, abertura comercial e financeira dos mercados
nacionais e da diminuição do papel das intervenções do Estado na economia. É importante anotar, que
na Alemanha o conceito Neoliberalismo é mais ligado as ideias ordoliberais de Eucken e outros que
representam a base para o modelo da economia social de mercado na Alemanha.
13
Obviamente esta definição somente previa, na parte sobre o conceito do capitalismo encontram-se
também definições alternativas.
14
A renascença é escolhida aqui como ponto de referência porque, como, por exemplo, BRAUDEL e
WALLERSTEIN enfatizam, no norte de Itália e no Flandres desenvolvem se nestes tempos estruturas
importantes para o desenvolvimento do capitalismo: Capitalismo comercial e financeiro, acumulação de
capital, procura do lucro através do uso de trabalho assalariado na produção têxtil. Mas a escolha de
renascença como ponto de partida é discutível.
15
Dunning P.J., citado em MARX, Karl, Das Kapital, Bd. 1, Karl Marx - Friedrich Engels - Werke, Band 23,
Berlin: Dietz-Verlag, 1961, p. 801. [Citação no original no apêndice 1]
16
FRIEDMAN, Milton, Capitalism and Freedom, Chicago: The University of Chicago Press, 1982, p. 133,
[Citação no original no apêndice 1]
17
Memorable Quotes for Wall Street (1987)". Internet Movie Database. Retrieved 2010-08-09, Gordon
Gekko é um personagem fictício, o antagonista principal do filme 1987 Wall Street, provavelmente se
baseando em Michael Robert Milken, “The junk bond king”. Milken foi indiciado por 98 acusações de
extorsão e fraude de títulos em 1989, como o resultado de uma investigação de insider trading. Milken
foi condenado a 10 anos de prisão e ele foi solto depois de menos de dois anos de prisão. [Citação no
original no apêndice 1]
18
BAUMAN, Zygmunt, Identidade, Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 47
19
ZIZEK, Slavoj, Vivendo no fim dos tempos, São Paulo: Boitempo, 2012 p. 14.
20
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Janeiro; Record 2007, p. 492.
21
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Edição do Kindle. Posição 56 pp
22
HANDY, Charles, Encontrando sentido na incerteza, em Repensando o futuro, São Paulo: Makron
Books, 1998 p. p. 13 p.
23
Os problemas da transformação da sociedade no caminho revolucionário são que as novas elites
representando “o povo” criam muitas vezes instituições autoritárias e repressivas para estabelecer sua
dominação e os grandes projetos da transformação e liberdade acabam em uma sociedade autoritária
746
41
“Braudel’s most crucial contribution to our understanding of capitalism as historical social system rests
on three closely related claims. The first is that the essential feature of historical capitalism over its
longue durée, that is, over its entire lifetime, has been its “flexibility” and “eclecticism” rather than the
concrete forms it assumed at different places and at-different times. The second claim is that, world
historically, the financial rather than the commercial or industrial arenas has been the real home of
capitalism. And the third is that the identification with states rather than markets is what has enabled
capitalism to triumph in the modern era.”
42
O mestre de filosofia doutor Pangloss de Cândido para quem tudo parece ser de melhor possível no
melhor dos mundos possíveis no sentido de filosofo alemão Leibnitz, Pangloss a figura que representa
está filosofia otimista no romance de Voltaire, Cândido ou o otimismo.
43
STEINER, André, Bundesrepublik und DDR in der Doppelkrise europäischer Industriegesellschaften
Zum sozialökonomischen Wandel in den 1970er-Jahren, Zeithistorische Forschungen/Studies in
Contemporary History 3 (2006), S. 342-362, Vandenhoeck & Ruprecht 2007, ISSN 1612–6033, p. 344
44
LILLA, Mark, The Shipwrecked Mind: On Political Reaction, New York: New York Review Books, 2016,
Edição do Kindle, p. 25
45
Citado em Ertman, Thomas, State Formation and State Building in Europe, em The Handbook of
Political Sociology - States, civil societies, and globalization, 2005, p. 375
46
Citado em BRANDS, H.W [2008, p. 236 p.]
47
www.democracy-building.info/definition-democracy.html
48
Crouch [2008, p.10]: “O conceito refere-se a uma comunidade, embora ainda eleições são realizadas
regularmente, eleições que até mesmo podem causar que os governos são votados para fora, nas quais,
no entanto, equipes concorrentes de especialistas profissionais de relações públicas controlam o debate
público tão forte durante as campanhas eleitorais que as eleições degeneram em puro espetáculo em
que é discutido apenas uma série de problemas que são previamente selecionados pelos especialistas. A
maioria dos cidadãos desempenha um papel passivo e silencioso, mesmo apático, eles só respondem
aos sinais que lhes são dadas [pelas especialistas e as mídias]. Na sombra desta encenação política são
feitas as políticas reais atrás de portas fechadas: pelos governos eleitos e as elites que representavam
principalmente os interesses da economia. (...). Crouch admite que esta descrição é um exagero, mas
pensa que as democracias do hoje aproximam se cada vez mais a este polo pós-democrático”.
49
Sloterdijk [2010, p. 1995, p. 31 e p. 45] aponta que o segredo do sucesso do cristianismo no Império
Romano foi que como ecclesia opressa o cristianismo pode produzir uma empatia com os perdedores,
enquanto como ecclesia triumphans pode produzir uma empatia com os vencedores. (...). O Império
Romana sovrevive através da igreja [também depois da queda do Império ocidental em 476 d.C. com o
papel da igreja católica como fornecedor de uma ideologia unificada na Europa ocidental] (...).
50
Para Smith [p. 143] os mestres da humanidade são os grandes proprietários no comércio exterior e na
manufatura nos tempos do inicio da etapa industrial do capitalismo, na sua interpretação mais eficiente
na exploração do que as classes dominantes no Feudalismo.
51
Citado em Kaltwasser [2009, p. 20]
52
SLOTERDIJK, Peter, Zorn und Zeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009, p. 335
53
Esta preocupação com a pobreza existe também em outras religões.
54
Posição 1937
55
Para o Brasil a maioria das fontes determina a decolagem do Estado de bem-estar social no Brasil e na
década de 1930 com o Estado Getulista.
56
FRIEDEN, Jeffrey. C., Capitalismo global, História econômica e social do século XX, Rio de Janeiro:
Zahar, 2008 p. 143
57
O conceito da classe dominante faz parte da terminologia marxista, hoje nas sociedades pluralistas e
democráticas fala se da elite de poder (Mills), das elites funcionais e de mérito na economia e na
politica, no militar, na cultura, nas mídias e na religião. O conceito da classe dominante parece sugerir
que existem elites que representam de forma unificada suas posições e estratégias, mas, pelo menos
nas sociedades democráticas existem diferentes frações das elites, que tentam realizar suas ideologias
através de consenso e persuasão e/ou através da repressão e da coerção. Como especialmente em
tempos das crises novas ideias, novas frações de elites (contra elites), bem como movimentos sociais do
povo querem realizar transformações na sociedade, é importante descrever na parte sobre as crises
mais profundas do capitalismo global as novas ideologias e seus representantes.
748
58
O nome União Soviética (USSR) somente foi assumido em 1922 como a união de múltiplas republicas
no antigo território czarista (sem Polônia (que antes da Primera Guerra Mundial foi dividido entre
Alemanha, Áustria e Rússia czarista), os países bálticos e Finlândia), entre 1917 (depois da revolução de
outubro - que na mudança para o calendário gregoriano na Rússia em 1918 aconteceu no novembro de
1917) e 1922 o nome da Rússia tornou-se República Socialista Federativa Soviética Russa. A capital
mudou em 1918 de Petrogrado (depois de 1924 Leningrado, desde 1991 São Petersburgo) para Moscou.
59
SLOTERDIJK, Peter, Zorn und Zeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009, p. p. 337 p.
60
Seguindo HEYWOOD (p. 25) o conceito da ideologia é compreendido aqui como uma visão política,
econômica e social do mundo, que desenvolve as características de uma sociedade ideal e as estratégias
para chegar lá. A visão marxista do conceito como uma “falsa consciência” do mundo não é usada aqui.
Provavelmente WALLERSTEIN [2007, p. 4 p.] expressa de forma mais resumida a mesma linha de
raciocínio: “Uma ideologia é mais do que um conjunto de ideias ou teorias. É mais do que um
compromisso moral ou uma visão de mundo. É uma estratégia coerente na área social a partir do qual
pode-se tirar conclusões políticas muito específicas. (...) As ideologias nasceram na esteira da Revolução
Francesa.”
61
KEYNES, JOHN MAYNARD, The general theory of employment, interest, and money, New York:
Prometheus Books, 1997, p. 158 p.
62
Este círculo levou à piada de que os ricos faziam a festa e os pobres pagam a conta, salvando o
sistema financeiro a custo dos contribuintes de impostos e transferindo dívidas e riscos do setor privado
para o setor público iniciando uma crise fiscal com aumentos de impostos e corte de politicas sociais.
63
ORWELL, George, Der Weg nach Wigan Pier, Zürich: Diogenes, 1982, p. 82 [Tradução HDM]
64
NASAR, Sylvia, A imaginação econômica: Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a
história, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 412
65
JUDT, Tony, Postwar,
66
Citado em MAZOWER, Mark, p. 17
67
Spinney [2017, p. 164 p.] mostra que a única coisa que nos podemos dizer em 2017 é que a gripe não
começou em Epanha, possivelmente nos Estados Unidos, na China ou na França. Seguindo Spinney
[2017, p. 166 pp.) uma estimativia de 21,6 milhões de pessoas que morreram da gripe de 1918/1920
parece mostrar uma subestimativa.
68
Ver também Tooze [2015, pagina 7 pp.] sobre as consequências politicas, militares e econômicas da
Primeira Guerra Mundial que deixou Churchill em 1945 [Tooze,2015 p. 7] denominar as décadas entre
1914 e 1945 como a segunda guerra dos trinta anos.
69
Uma avaliação mais global aponta para a revolução Taiping na China na metade do século XIX, um
conflito muito mais sangrento.
70
Na Alemanha a moeda foi desde 1871 a ‘Mark’ (Goldmark/Papiermark) até a estabilização depois da
hiperinflação de 1923 através de uma nova moeda (‘Rentenmark’, depois ‘Reichsmark’), a nova moeda
‘Rentenmark’ (novembro 1923) /’Reichsmark’ (agosto 1924) (a relação entre a nova moeda e a
‘Papiermark’ foi de 1,00E-10, como aparece na tabela a seguir). A taxa de câmbio da nova moeda
“Reichsmark’ com o dólar/ou a libra foi com isto a mesma como antes da guerrada ‘Mark’, somente a
moeda velha ‘Mark’ desvalorizou se na hiperinflação de 1923.
71
Este valor não se refere as duas eleições do ano 1932 na Alemanha Neste caso a NSDAP chegou a
37,4% dos votos na primeira eleição de 1932 e 33,1% na segunda, mas na eleição de março de 1933 a
NSDAP chegou a 43,9% dos votos, mas esta eleição não foi mais democrática com a KPD proibida e
muitos políticos da esquerda já nos campos de concentração. Os resultados são retirados de
http://www.wahlen-in-deutschland.de/wrtw.htm
72
KEYNES, JOHN MAYNARD, The general theory of employment, interest, and money, New York:
Prometheus Books, 1997, p. 158 p.
73
Para a Alemanha oFMI mostra dados um pouco diferentes da relação Dívida Pública PIB,
possivelmente porque somente se relacionasse ao governo central e provavelmente foi feita um cálculo
em US$.
74
Citado em Barro e Ursúa (2009, p. 3)
75
Esta data deve ser um erro parcial (embora em 1932 os partidos de esquerda ganhavam a eleição e
formavam um governo sob Herriot (radical), mas somente de curta duração, (enquanto em 1934 houve
demonstrações violentas dos movimentos fascistas como o ‘Croix-de-Feu’) foi somente em 1936 a
Frente Popular da esquerda ganhou as eleições formando um governo de esquerda sob Leon Blum
749
(socialista) sob o apoio indireto dos comunistas introduzindo medidas sociais em favor da classe
trabalhadora.
76
Mas este não foi uma especialidade de países latino-americanos no período de liberalismo econômico
antes da primeira guerra mundial, somente o Reino Unido e alguns países menores de Europa oriental,
seguiram as receitas do livre comércio internacional, enquanto outros países centrais tivem tarifas
elevadas com os Estados Unidos em frente do protecionismo tarifário (e para um período expressivo
também no período entre as guerras), ver sobre isto Chang [2002, p15 pp.]
77
Também cosequencia da guerra civil em 1932 contra o Estado de São Paulo.
78
Na história a revolução bolchevique é a revolução de outubro de 1917 seguindo o calendário juliano,
oficial na Rússia até 1918 quando foi introduzido o calendário gregoriano como já em muitos países da
Europa ocidental em 1582/1583, no calendário gregoriano a revolução bolchevique cai no mês de
novembro de 1917.
79
Em Varoufakis, 2017, p. 14
80
Sem definir explicitamente o conceito do ‘desequilíbrio fundamental’ do balanço de pagamentos.
81
Duas outras instituições supranacionais no nível global (sem o segundo mundo) foram o Banco
Mundial, que ajudou na reconstrução europeia e depois focou-se no financiamento de projetos de
desenvolvimento no mundo, e o GATT com o objetivo de facilitar o livre comércio internacional através
de tentativas negociadas entre os países de baixar as tarifas de importação e diminuir as barreiras não
tarifárias. No processo de integração econômica europeia, que começou já na década de 1950, foram
também criadas instituições supranacionais que 2017 na União Europeia (desde 1993) com 28 países
membros (com o Brexit o Reino Unido deve sair da União) para garantir a livre circulação de pessoas,
bens, serviços e capitais no mercado comum. A criação da moeda única em 1999/2002 em 2017 para 19
países da EU também criou o Banco Central Europeu e instituições supranacionais. Mas o objetivo
central da integração econômica e política depois da Segunda Guerra Mundial foi evitar novas guerras e
segurar a paz na Europa.
82
O dilema de Triffin é caracterizado pela necessidade no um sistema de câmbio fixo de aumentar a
quantidade de moeda de reserva internacional (US$) com um aumento do comércio internacional. Este
aumento da quantidade de dólares no resto do mundo dependia de um déficit permanente no balanço
de pagamentos dos Estados Unidos. O dilema de Triffin era que, se os déficits dos Estados continuavam
a confiança na estabilidade do dólar se esvaziava com e a consequência era instabilidade (e especulação
cambial contra o US$, o que na realidade aconteceu), se os Estados Unidos acabavam com o déficit
faltaram dólares para financiar o crescimento do comércio internacional.
83
Ver nota de rodapé em Gourinchas [2005, p.10]
84
As tentativas de estabilizar as taxas de câmbio entre os membros da Communidade Economica
Europeia antes da criação da moeda única de euro podem ser descritas da seguinte forma:
[Judt, 2005, p. 461] “Os seis Estados membros originais da Comunidade Econômica Européia (...)
concordavam em 1972 estabelecer a "serpente em um túnel" [snake in a tunnel]: um acordo para
manter as taxas de câmbio semi-fixados entre suas moedas, permitindo uma margem de 2,25% de
movimento de cada lado taxa. Inicialmente entravam também Grã-Bretanha, a Irlanda e os países
escandinavos, esse compromisso durou apenas dois anos: os governos britânico, irlandês e italiano -
incapazes ou não de resistir às pressões domésticas para desvalorizar além das bandas estabelecidas -
foram obrigados a retirar-se do acordo e a deixar suas moedas desvalorizar. Mesmo os franceses foram
forçados duas vezes fora da "serpente", em 1974 e novamente em 1976”.
Em março de 1979, oito membros da Comunidade Econômica Europeia (Alemanha, França, Itália, Países
Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca e Irlanda) formaram o Sistema Monetário Europeu (SME), com
taxas de câmbio fixas. Entram Espanha (1989), Reino Unido (1990) e Portugal (1992). A SME criou uma
nova unidade monetária (ECU), cujo valor depende de uma cesta de moedas europeias. Estabeleceu-se
uma banda entre as moedas dos participantes do SME (2,25% no início, mas 15% depois da crise em
1992). A taxa de câmbio saindo da banda, os bancos centrais dos países em questão deverão fazer
intervenções no mercado cambial. Uma descrição da crise de SME em 1992 é feita em um capítulo
posterior.
No começo de 1999 11 dos 15 países da União Europeia [exceção de Grã-Bretanha, Dinamarca, Suécia e
Grécia (Entrada em 2001)] aderiram a moeda única europeia, o Euro, que existe como moeda papel e
moeda metálica (dinheiro) desde 2002, Em 2017 os 19 países da área do euro foram: Alemanha, Áustria,
Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia,
Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal.
750
85
Na realidade existem muito mais métodos matemáticos para ajudar nas decisões sobre investimentos,
mas o método da taxa interna de retorno mostra os fatores básicos para estas decisões. Por exemplo,
para decisões sobre investimentos públicos uma análise de custos-benefícios pode ajudar.
86
Não é possível neste trabalho de abordar a hipótese marxista de uma tendência secular de taxa de
lucro, mas pelo menos depois da crise financeira global de 2008/2009 as políticas monetárias
expansionistas prolongadas dos bancos centrais nos países da OCDE com taxas de juros muito baixas
parecem mostrar que este nível de juros foi necessário para estimular investimentos e atividade
econômico num ambiente de expectativas de lucro esperados baixos.
87
A hipotese de Marx de uma tendência de declínio da taxa de lucros (no investimento real) reflete o
mesmo pensamento.
88
Dados politicos e economicos nesta parte referem-se a Armingeon, Klaus, Virginia Wenger, Fiona
Wiedemeier, Christian Isler, Laura Knöpfel, David Weisstanner and Sarah Engler. 2017, Comparative
Political Data Set 1960-2015, Supplement to the Comparative Political Data Set – Government
Composition 1960-2015, Bern: Institute of Political Science, University of Berne.
89
Em The Cambridge History of the Cold War: Volume 3, 2010
90
Urani, André, Ajuste macroeconômico e flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil: 1981-1995 em
Camargo, J.M. (Org.), Flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil, Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 99.
91
CHANDRASEKHAR, C. P., GHOSH, Jayati, The Asian financial crisis, financial restructuring, and the
problem of contagion, in: a in Wolfson, Martin H. (Editor), The Handbook of the Political Economy of
Financial Crises, New York: Oxford University Press, 2013, Edição do Kindle, posição 6370 pp.
92
foi em janeiro 1999 [HDM]
93
Barack Obama, prefácio do Economic Report of the President 2012 [UNITED STATES GOVERNMENT,
2012, p.2]
94
RAJAN, Raghuram G., Fault lines, Princeton: Princeton University Press, 2010, p. 21 e p.31
95
Até o final de 2007, a maioria dos credores subprime tinha falhada ou sido adquirida, incluindo New
Century Financial, Ameriquest e American Home Mortgage. Em janeiro de 2008, o Bank of America
anunciou que iria adquirir o credor Countrywide neste mercado. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 22]
96
Conservatorship em inglês.
97
O banco de investimento Bear Stearns já foi adquirido na primavera de 2008, os bancos de
investimento restantes (Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stanley com alavancagem financeira
expressiva) mudavam seu status para bank holding companies, para ter acesso a janela de redesconto
Federal Reserve. Os bancos IndyMac e Washingthon Mutual foram a falência no verão e no setembro de
2008, no outubro O banco Wachovia foi adquirido pela Wells Fargo, os grandes bancos Citicorp e Bank
of America lutavam para sobreviver, participando dos trilhões de dólares que os contribuintes tinham
cometidos através de mais de duas dezenas de programas extraordinários para estabilizar o sistema
financeiro e para sustentar as maiores instituições financeiras do país. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 23 pp.]
98
Embora já em 2015 começou uma forte depreciação do real em relação a moeda norte-americana e o
argumento foi esquecido.
99
Referindo se a Alta Finança e ao cidadão normal.
100
“When originators made loans to hold through maturity—an approach known as originate-to-hold—
they had a clear incentive to underwrite carefully and consider the risks. However, when they originated
mortgages to sell, for securitization or otherwise— known as originate-to-distribute—they no longer
risked losses if the loan defaulted. As long as they made accurate representations and warranties, the
only risk was to their reputations if a lot of their loans went bad—but during the boom, loans were not
going bad. In total, this originate-to-distribute pipeline carried more than half of all mortgages before
the crisis, and a much larger piece of subprime mortgages. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 89]
101
Em 27/5/2010 US$ 132 bilhões desta soma de 180 bilhões foram ainda em aberto [CONGRESSIONAL
OVERSIGHT PANEL p. 15]
102
O Brasil experimentou somente uma curta e leve recessão neste período, como vai ser analisado em
um capítulo posterior.
103
É necessário dizer que Japão experimentou uma queda expressiva do PIB, e que este resultado
positivo para Ásia foi em primero lugar consequencia do ainda forte crescimento da China na Grande
Recessão.
751
104
Especialmente os países da Europa usavam muito menos uma expansão fiscal para sair da crise,
enquanto a China e os Estados Unidos usavam fortemente instrumentos fiscais.
105
As estatísticas sobre os censos dos IED anteriores referem-se a http://www.bcb.gov.br/?INVED e
http://www.bcb.gov.br/?SERIEFIND enquanto os dados dos fluxos do balanço de pagamentos referem-
se a http://www.bcb.gov.br/?SERIEBALPAG
106
Usado aqui é o EMBI + Risco Brasil, possível é também usar uma variável que combina os spreads dos
c-bonds brasileiros (terminando em 2005) e os spreads dos global-bonds brasileiros (começando em
2002), mas todas estas medidas são altamente correlatas, o que faz a escolha da variável não muito
importante.
107
O EMBI+Br é um índice dos preços da dívida soberana brasileira, mostrando a evolução inversa dos
spreads, porque quando preço de um título da dívida cai, o rendimento efetivo deste título está
subindo.
108
A citação exata é apontada em nenhum lugar, mas circula em livros e no Internet..
109
Refere-se a um livro de Wolfgang Merkel, ‘Is capitalism compatible with democracy?’ não a
Chanceler de Alemanha Angela Merkel
110110
Uma palavra difícil de traduzir, referindo se a uma combinação de política com entretenimento.