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Crises do capitalismo global na perspectiva brasileira

Horst Dieter Möller

Recife
2

“O impulso fundamental que define a máquina capitalista e movimenta ela nasce de novos bens de
consumo, de novos métodos de produção e transporte, de novos mercados, das novas formas de
organização industrial que a empresa capitalista cria. (...). Esse processo de destruição criativa é o fato
essencial sobre o capitalismo. O capitalismo consiste na destruição criativa e todas as suas
preocupações vivem nela (...). Normalmente o problema central não é como o capitalismo administra as
estruturas existentes, o problema relevante é a forma como ele cria e destrói as estruturas existentes”.
J. A. Schumpeter1
“Por outro lado, se a taxa de expansão do capital total, a taxa de lucro, é o estímulo do capitalista,
(como a valorização do capital é sua única finalidade), sua queda está desacelerando a formação de
novos capitais independentes e, assim, aparece como uma ameaça para o desenvolvimento da
produção capitalista, ele promove superprodução, especulação, crises, e excedente de capital junto com
excesso de população.” Karl Marx2
”É o tecido barato, o algodão e tecido rayon barato, botas, automóveis e assim por diante, que são as
conquistas típicas da produção capitalista, e não melhorias que significam muito para o homem rico. A
realização capitalista normalmente não é produzir mais meias de seda para rainhas, mas trazê-los para a
área de garotas de fábrica, em troca da diminuição contínua do esforço de trabalho.” Joseph
Schumpeter.3
“Eu acredito muito seriamente que o capitalismo não é apenas a melhor forma de organizar a atividade
humana do que qualquer projeto planejado, qualquer tentativa de organizá-la para satisfazer as
preferências específicas, para apontar o que as pessoas consideram um fim tão bonito ou agradável,
mas também é a condição indispensável apenas para manter essa população viva que já existe no
mundo. Eu considero a preservação do que é conhecido como o sistema capitalista, do sistema de livre
mercado e da propriedade privada dos meios de produção, como uma condição essencial da própria
sobrevivência da humanidade”. -Friedrich Hayek4
“As falhas marcantes da sociedade econômica em que vivemos são sua incapacidade de garantir o pleno
emprego e sua distribuição arbitrária e desigual da riqueza e dos rendimentos.” John Maynard
Keynes5
“Capitalismo foi sempre uma falha para as classes pobres. Hoje o capitalismo está falhando também
para a classe média.” Howard Zinn6
O fato de que o capitalismo, até agora, conseguiu sobreviver a todas as previsões de sua morte
iminente, não precisa significar que ele será para sempre capaz de fazê-lo; não há prova indutiva aqui, e
não podemos descartar a possibilidade de que, da próxima vez que o capitalismo necessita de qualquer
cavalaria para seu resgate, ela pode não aparecer. Wolfgang Streeck7
3

Sumário
Sumário ......................................................................................................................................... 3
Tabelas .......................................................................................................................................... 7
Gráficos ....................................................................................................................................... 12
Quadros ....................................................................................................................................... 17
1. Introdução ........................................................................................................................... 19
2. Conceitos ............................................................................................................................. 32
a. Capitalismo ....................................................................................................................... 33
i. Introdução ................................................................................................................... 34
ii. Capitalismo – perspectivas históricas ......................................................................... 40
1) Os primeiros passos do capitalismo mercantil, agrário e financeiro ...................... 46
2) Industrialização e liberalismo - Do capitalismo concorrencial para o capitalismo
oligopolizado ................................................................................................................... 59
3) Crises do capitalismo global no século XIX – a Longa Depressão e o crescimento
acelerado até a Primeira Guerra Mundial ....................................................................... 74
4) Do capitalismo competitivo para o capitalismo organizado ................................... 83
5) O Brasil na evolução capitalista até a Primeira Guerra Mundial............................. 92
6) O período entre as guerras – entre laissez faire e intervenção .............................. 99
7) O capitalismo fordista e keynesiano na era do ouro depois da II Guerra Mundial107
8) O capitalismo global na era neoliberal .................................................................. 109
iii. Capitalismo - perspectivas teóricas ....................................................................... 112
b. Conjunturas, crises e depressões econômicas ............................................................... 125
i) Cíclo conjuntural e crises........................................................................................... 127
ii) Tipologia das crises.................................................................................................... 133
iii) Crises financeiras....................................................................................................... 136
iv) Tipos de crises financeiras..................................................................................... 138
v) Contágio das crises financeiras ................................................................................. 146
vi) Crises financeiras na perspectiva de diferentes correntes de pensamento
econômico ......................................................................................................................... 147
c. O papel do Estado na economia: Neoliberalismo versus Keynesianismo ...................... 149
i) O papel do Estado na economia na perspectiva histórica ........................................ 156
ii) O poder politico do Estado como uma fonte de poder social .................................. 159
iii) As elites e os 99% .................................................................................................. 163
iv) As intervenções do Estado na economia e na sociedade civil .............................. 167
v) O Estado de bem-estar social na discussão .............................................................. 169
vi) Uma análise empírica do papel do Estado na economia ...................................... 172
vii) A governança do Estado em tempos de globalização e neoliberalismo ............... 176
d. Instituições, interesses, ideias e ideologias na transformação social............................. 179
4

i) Instituições e interesses ............................................................................................ 179


ii) O papel das ideias na evolução capitalista ................................................................ 181
iii) Liberalismo econômico nos anos antes e depois da Primeira Guerra Mundial .... 184
iv) Keynesianismo como reflexo da Grande Depressão da década de 1930 ............. 186
v) Neoliberalismo – conceito e ascensão de uma ideologia ......................................... 189
vi) A mudança do cenário depois da crise financeira global de 2008/2009 .............. 199
vii) Perspectivas teóricas e empíricas das décadas neoliberais .................................. 200
3. As crises profundas do capitalismo no século XX e XXI..................................................... 204
a. Introdução....................................................................................................................... 204
b. A Grande Depressão da década de 1930 ........................................................................ 213
i. Introdução ................................................................................................................. 213
ii. Os impactos da Primeira Guerra Mundial sobre o capitalismo global...................... 218
iii. O período da instabilidade política e econômica até 1923 ....................................... 222
iv. O período da prosperidade relativa até 1929 ........................................................... 227
v. Início e aprofundamento da crise ............................................................................. 247
1) Os primeiros sinais da crise ................................................................................... 253
2) A crise nos Estados Unidos .................................................................................... 257
3) O contágio e a propagação da crise ...................................................................... 271
4) A crise na Alemanha e na Europa.......................................................................... 276
5) A crise no Brasil e em outros países da América Latina ........................................ 291
6) Mercados de trabalho, lucros e salários e desigualdade social na Grande
Depressão ...................................................................................................................... 298
7) A Grande Depressão: o papel das crises financeiras ............................................. 303
vi. Recuperação .............................................................................................................. 326
vii. Transformações políticas, econômicas e ideológicas ........................................... 342
ii. Controvérsias sobre a Grande Depressão ................................................................. 375
c. A crise econômica global na década de 1970 e 1980 ..................................................... 388
i. Introdução ................................................................................................................. 388
ii. A quebra do sistema de Bretton Woods nos anos 1968-1973 ................................. 405
iii. A crise econômica global depois de 1973 ............................................................. 413
iv. Transformações nos países centrais como reflexo da crise ...................................... 445
1) Transformações econômicas como impactos da crise.......................................... 446
2) Transformações politicas como impactos da crise ............................................... 465
3) Transformações ideológicas e culturais ................................................................ 479
v. A crise da dívida externa brasileira na década de 1980 ............................................ 484
vi. Transformações no Brasil como impacto da crise da divida externa........................ 500
d. Crises internacionais na década de 1990 e no início do novo século ............................. 527
i. A crise no Japão na década de 1990 ......................................................................... 533
5

ii. A crise do sistema monetário europeu (SME) em 1992/1993 .................................. 536


iii. A crise mexicana 1994/1995 ................................................................................. 539
iv. A crise no leste asiático 1997/1998 .......................................................................... 543
v. A crise na Rússia 1998 ............................................................................................... 546
vi. As crises brasileiras de 1998/1999 e de 2002/2003 ................................................. 549
vii. A crise na Argentina 2001/2002 ............................................................................ 559
viii. Transformações como impactos das crises ........................................................... 562
e. A crise financeira global de 2008/2009 e a Grande Recessão seguinte ......................... 564
i. Introdução ................................................................................................................. 564
ii. A evolução e os eventos críticos da crise 2008/09 ................................................... 569
iii. O contágio da crise para outros países ................................................................. 577
iv. As causas da crise – falhas do mercado e do governo .............................................. 586
v. Inovações financeiras, sistema bancário sombra, e alavancagem............................ 592
vi. Bolhas especulativas e crises bancárias .................................................................... 598
vii. Desregulamentação e desequilíbrios globais ........................................................ 605
viii. Intervenções governamentais e recuperação ....................................................... 608
ix. A crise da dívida soberana na área do euro .............................................................. 621
x. Consequências da crise para a economia brasileira ................................................. 631
xi. Transformações como impacto da crise financeira global de 2008/2009 ................ 651
f. Analise empírica dos impactos das crises pós Plano Real sobre o Brasil. ....................... 654
4. Tentativas teóricas de explicar as crises do capitalismo global ........................................ 676
i. Análise Conjuntural ......................................................................................................... 678
ii. Posições Keynesianas ...................................................................................................... 680
iii. Posições clássicas, monetaristas e novas clássicas ......................................................... 680
iv. Posições da Escola Austríaca........................................................................................... 681
v. Posições neomarxistas .................................................................................................... 682
vi. Outras explicações .......................................................................................................... 683
5. Epilogo: Outro mundo é possível? Perspectivas dos movimentos anticapitalistas .......... 685
i. Olhando para trás ........................................................................................................... 689
ii. Ascensão e declínio dos movimentos trabalhistas ......................................................... 693
iii. A fragmentação social e cultural da classe trabalhadora ............................................... 698
iv. A ascensão de novos movimentos sociais ...................................................................... 705
v. Movimentos trabalhistas e sociais no Brasil ................................................................... 706
vi. Perspectivas anticapitalistas no mundo contemporâneo .............................................. 709
6. Bibliografia ........................................................................................................................ 723
7. Notas ................................................................................................................................. 745
6
7

Tabelas

Tabela 1 Estimação do PIB per capita do Projeto Maddison (1990 International Geary-Khamis
dollars) 1300 - 1800 49
Tabela 2 Número dos veleiros europeus para Ásia 54
Tabela 3 Chegada de escravos africanos nas Américas 1500-1870 (mil) 55
Tabela 4 Commodities das importações europeias da Ásia 1513 - 1780 56
Tabela 5 Capacidade da navegação do Reino Unido e do mundo, 1470–1913 (mil toneladas) 58
Tabela 6 As três maiores forças navais 1650 - 1720 (em mil toneladas) 58
Tabela 7 A indústria têxtil de algodão em Europa 1834 - 1913, Número de fusos de algodão
(Cotton spindles) (mil) 62
Tabela 8 Importações e reexportações de têxteis de algodão de Índia e exportações britânicas
de têxteis de algodão 1663 - 1853 62
Tabela 9 Preços reais de fios e peças de roupa de algodão (diferentes qualidades)
(deflacionados pelo índice geral de preços) Grã-Bretanha 1780 – 1829 63
Tabela 10 Preços de algodão cru em Grã-Bretanha, pence per libra, 1680-1879 63
Tabela 11 : Índice do volume da produção industrial nacional 1750 - 1913 64
Tabela 12 Participação dos quatro países centrais na produção industrial mundial (%) 64
Tabela 13 Produção de carvão (milhões de toneladas) e ferro (mil toneladas) 64
Tabela 14 Participação (em %) de países centrais e periféricos no PIB global e na população
1500 - 2018 67
Tabela 15 Extensão ferroviária em quilômetros em países escolhidos 1840 -1900 72
Tabela 16 Tarefas médias (% do valor) sobre produtos manufaturados em países escolhidos 73
Tabela 17 A longa depressão na Alemanha, na nos Estados Unidos, na França e no Reino
Unido1 77
Tabela 18 Comparação da evolução dos preços na depressão longa (1871-1873/1893), na
recessão 1921 e na Grande Depressão Estados Unidos 79
Tabela 19 Crescimento do comércio internacional e do PIB global (% a.a.) 1817 - 1940 79
Tabela 20 Estoque de capital estrangeiro 1914 (US$ milhões - taxas de câmbio correntes) 80
Tabela 21 Colônias (incluindo os domínios do Reino Unido) dos poderes centrais (Área em
quilômetros quadrados (milhões) e população (milhões) em 1876 e 1914) 82
Tabela 22 Distribuição setorial da população ocupada por setores (%) 1800, 1870 e 1913 90
Tabela 23 Principaís mercadorias da exportação brasileira (1821/1950) 94
Tabela 24 Imigração Brasil 1884 - 1933 95
Tabela 25 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos 1914-1918
(%) 101
Tabela 26 Dívida pública em moeda nacional (1913 =100) e em relação ao PIB 103
Tabela 27 Gastos públicos totais em percentagem do PIB (%) 1980 - 2013 172
Tabela 28 Gastos públicos sociais em percentagem do PIB 1980 - 2013 173
Tabela 29 Informações econômicos sobre os sete países mais populosos da América Latina 174
Tabela 30 Gastos totais e sociais do Governo (Central/Geral) 1990 -2014 (em % do PIB) 174
Tabela 31 Desigualdade de renda e pobreza no Brasil 1976 - 2014 175
8

Tabela 32 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão 201
Tabela 33 Recessão em 1921: Índices da produção industrial (I)/manufatura(M) em países
escolhidos (1920=100) e comparação com a Grande Depressão dos anos 1930 (1929 = 100) 226
Tabela 34 Tendências recessivas 1925-1928 229
Tabela 35 Composição setorial do PIB e da ocupação, Brasil 1900 – 2000 230
Tabela 36 Taxas médias de crescimento e desvio padrão do PIB e dos setores da economia,
população e PIB per capita, Brasil 1900 – 2000 231
Tabela 37 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos (%) 1914-
1918 234
Tabela 38 Retorno ao padrão ouro, saída do ouro, paridade de volta em relação a paridade
antes da guerra, queda da produção industrial, países escolhidos 235
Tabela 39 Distribuição da emissão de títulos estrangeiros de dívida nos Estados Unidos 1919 –
1929 238
Tabela 40 Valor adicionado e produção bruta na agricultura mundial, 1870-1938 (Índices,
1913=100) 239
Tabela 41 Valor das Exportações agrícolas 1929 240
Tabela 42 Principaís mercadorias da exportação em valor (1901/1950) 242
Tabela 43 Produção, preços, e comércio internacional na Grande Depressão 250
Tabela 44 A Grande Depressão: Pico e Fundo, Queda da Produção Industrial e do PIBpc,
recuperação até 1938 e saída do padrão ouro, Países escolhidos 251
Tabela 45 Desemprego no período entre as guerras e na Grande Depressão 252
Tabela 46 Grande Depressão Estados Unidos: Variação percentual do PIB real e seus
componentes e do deflator do PIB e dos componentes (Contas Nacionais trimestrais) 261
Tabela 47 Grande Depressão Estados Unidos 1913 – 1939 263
Tabela 48 Agregados monetários EUA 1920-1938 265
Tabela 49 Suspensão dos Bancos na Grande Depressão nos Estados Unidos 1928-1934 268
Tabela 50 Índices Valor, volume e preços das exportações mundiais, dos EUA, Alemanha e
Brasil 1921-1938 (1929 =100) 271
Tabela 51 Adoção e suspensão do Padrão câmbio ouro 274
Tabela 52 O lado real da economia alemã 1925-1938, Índices (129 =100) com exceção do
desemprego (em %) 277
Tabela 53 O lado monetário da economia alemã 1925-1938, Índices (1928 =100) 278
Tabela 54 O balanço de pagamentos alemão (milhões Reichsmark) 280
Tabela 55 Dívida pública alemã (milhões Reichsmark) 281
Tabela 56 Dívida do governo central alemã 1913-1923 (milhões de Mark e Goldmark calculado
a taxa de câmbio do US$) 282
Tabela 57 Dívida pública/PIB % 1913-1938 Países centrais escolhidos 282
Tabela 58 Taxas de crescimento anuais do PIB e do PIBpc para países europeus e para os
Estados Unidos para períodos escolhidos 287
Tabela 59 Grande Depressão Reino Unido 1913 – 1939 288
Tabela 60 Grande Depressão França 1913 – 1939 289
Tabela 61 Perspectivas macroeconômicas da Grande Depressão no Brasil (Índices 1929 = 100)
295
Tabela 62 O lado monetário da economia brasileira na Grande Depressão 297
9

Tabela 63 Dívida externa do Brasil e reservas em ouro 297


Tabela 64 Taxa de desemprego industrial 1920 – 1939, Países escolhidos 299
Tabela 65 Salários nominais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices
1929 = 100), países escolhidos 299
Tabela 66 Salários reais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices 1929 =
100), países escolhidos 300
Tabela 67 Queda e recuperação do PIB (ou PIBPc) na Grande Depressão 304
Tabela 68 Fluxos internacionais de capital no período entre as guerras 1924 – 1937 306
Tabela 69 Depressões e quebra do mercado acionário na Grande Depressão 311
Tabela 70 Taxa de inflação (%) em países centrais escolhidos na Grande Depressão 312
Tabela 71 Taxa de inflação (%) em países escolhidos de América Latina na Grande Depressão
313
Tabela 72 Diferenças dos logaritmos para a relação depósitos/dinheiro para países escolhidos
315
Tabela 73 Injeção de liquidez pelos bancos centrais* na Grande Depressão e na Grande
Recessão 317
Tabela 74 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países centrais escolhidos na Grande
Depressão 320
Tabela 75 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países escolhidos da América Latina na
Grande Depressão 321
Tabela 76 Relação crédito ao setor privado/PIB 1913 e 1929 325
Tabela 77 Renda nacional (em bilhões de US$) e seus componentes e pessoas empregadas (em
milhões) nos Estados Unidos 1929 – 1939 329
Tabela 78 Índices (1929 =100) para o PIB Estados Unidos e seus componentes 1929-1947 330
Tabela 79 Dados fiscais do governo federal dos Estados Unidos 1929 – 1947 332
Tabela 80 Receitas e gastos do setor Governo e do Governo Federal dos Estados Unidos 1929 –
1947 333
Tabela 81 Recuperação em Alemanha, Índices (real 1928 = 100) 337
Tabela 82 Índices (1929=100) PIB nominal, gastos do governo, participação de gastos militares,
índice dívida pública Alemanha 1928 = 1938 338
Tabela 83 Brasil índices (1929=100) contas nacionais 1929-1939 339
Tabela 84 Brasil índices (1929=100) PIB real, Investimento, Exportações e Importações, Dívida
externa, Exportações Café, Produção Industrial 1929-1939 340
Tabela 85 Índices monetários Brasil 1929 – 1938 340
Tabela 86 Dados fiscais em % do PIB Brasil 1929 – 1945 340
Tabela 87 Café destruído no Brasil e a oferta Mundial (1.000 sacos) 342
Tabela 88 Orientações básicas políticos no esquema partidário alemão 1919/1933 346
Tabela 89 : Decretos emergenciais e atividades do parlamento (‘Reichstag’) 1930 – 1933 347
Tabela 90 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão 391
Tabela 91 Reservas de ouro monetário em toneladas países escolhidos 1950 – 1973 407
Tabela 92: Crises estruturais Alemanha: Ocupação em mil e em % da ocupação total 420
Tabela 93: Produção de aço bruto, Mundo, Alemanha (e ocupação), Estados Unidos 1950 -
1990 422
10

Tabela 94 Crescimento da produtividade (PTF) e do trabalho 1960 – 1997 em alguns países da


OECD 434
Tabela 95 Taxas de lucro e crescimento das compensações (dos empregados) Estados Unidos,
Alemanha, Japão 437
Tabela 96 Participação dos lucros, salários e renda dos proprietários Estados Unidos 439
Tabela 97 Volume diário em negócios com instrumentos cambiais (Bilhões US$ correntes),
Ingresso anual de Investimento estrangeiro direto (Bilhões de US$ correntes), Ingresso de
investimento estrangeiro de portfólio (Bilhões de US$ correntes), PIB global em preços
correntes (Bilhões de US$) 448
Tabela 98: Estrutura da população economicamente ativa Alemanha 1974 e 2018 449
Tabela 99: Ocupação nos ramos da produção (%) Alemanha 1970, 1991 e 2019 450
Tabela 100 Emprego no setor de Manufatura nos Países BRIC (sem Rússia) (milhões de
empregos) 1970--2010 458
Tabela 101 Taxas de desemprego harmonizadas - OECD (%) 459
Tabela 102: Empregos normais e atípicos Alemanha 1991 - 2018 461
Tabela 103 Coeficiente de Gini da distribuição de renda da população total – países escolhidos
dos 34 países da OECD 472
Tabela 104 Participação dos 1% mais ricos na Renda em países centrais escolhidos 1950 até
2008 473
Tabela 105 Topo da taxa marginal de imposto de renda para países escolhidos 1913 – 2013 474
Tabela 106 IDH, condições de vida em países selecionados no novo século 474
Tabela 107: Igualdade de gêneros e condições semelhantes no novo século 475
Tabela 108 Dívida total, razões dívida total/exportações juros e amortizações/exportações
1982 para países escolhidos de América Latina e Ásia 486
Tabela 109 Perspectivas macroeconômicas do Brasil nas décadas de 1960 até 2013 491
Tabela 110 Brasil 1970 – 1989: a taxa do crescimento do PIB (e do PIBpc), a taxa de
desemprego, a taxa da pobreza, e da taxa de inflação (IGP-DI) 492
Tabela 111 O lado externo da economia brasileira 1970 - 1989 493
Tabela 112: Brasil 1970 – 1989 Conta corrente e Conta capital e financeira em US$ bilhoes 494
Tabela 113 Dívida brasileira reestruturada com credores privados 1980 - 1994 498
Tabela 114: Desequilibrios macroeconômicos no Brasil 1980 - 1996 507
Tabela 115 Participação das instituições do segmento bancário nos ativos deste segmento 520
Tabela 116 Coeficientes de Correlação entre os retornos [ln(Pt/Pt-1)] dos índices das ações
1995-2008 520
Tabela 117 Variáveis macroeconômicas Japão 1980-2012, NIKKEI, Preços imobiliários
Comerciais e Residenciais 534
Tabela 118 Taxas de câmbio reais e nominais entre o México e os EUA, 1990-1994 540
Tabela 119 Perspectivas macroeconômicas de México 1980 – 2012 541
Tabela 120 Perspectivas macroeconômicas de Coréia do Sul, Indonésia, Malásia e Tailândia,
1980 – 2012 544
Tabela 121 Perspectivas macroeconômicas de Rússia 1993 – 2012 548
Tabela 122 Crises cambiais e ataques especulativos no Plano real 549
Tabela 123 Perspectivas macroeconômicas de Brasil 1980 – 2012 556
Tabela 124 Perspectivas macroeconômicas da Argentina 1980 – 2012 561
11

Tabela 125 Perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e
Brasil 1980-2012 567
Tabela 126 Mercado de crédito - sentido amplo – dos Estados Unidos 1995 -2011 (bilhões de
US$) 594
Tabela 127 Títulos lastreados em hipotecas, Agências e não Agências, CDO e CDO sintético
2002- 2012, (bilhões de US$) 595
Tabela 128 Conta Corrente em % do PIB (Média 2000/12), Reservas internacionais Bilhões US$
2012, Mudança Reservas 2012/2000 607
Tabela 129 Déficit estrutural (em % do PIB) e Dívida pública (em % do PIB) dos Estados Unidos,
do Reino Unido e da área do euro 2004 - 2015 615
Tabela 130 Crises bancáriassystemicas em paísese escolhidos 2007 - 2012 620
Tabela 131 Perspectivas macroeconômicas para os países no centro da crise da dívida
soberana na área do euro 2000-2012 625
Tabela 132 Perspectivas econômicas da economia grega 1995 - 2017 629
Tabela 133 Índice PIB trimestral seus componentes com ajuste sazonal 2008 (3. Trimestre
=100) 633
Tabela 134 Exportações brasileiras por grupos de produtos 2009/08 (com participação na
paute de mais de 1%), Valor milhões de US$ fob, variações 2009/08 em valor, volume e preço
636
Tabela 135 Fluxos de remessas, Transações unilaterais Brasil 2000-2011, Milhões US$ 638
Tabela 136 Renda de investimento estrangeiro direto, Investimento de carteira e outros
investimentos Brasil 2000-2011, Milhões US$ 638
Tabela 137 Fluxos Investimento estrangeiro direto para o Brasil 2001 – 2009, estoques IED
2010, Milhões de US$ 641
Tabela 138 Investimento estrangeiro direto e em carteira (ações e renda fixa) e outros
investimentos estrangeiros Brasil 2000 – 2012 642
Tabela 139 Médias mensais para Investimentos estrangeiros em períodos críticos 643
Tabela 140 Coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das variáveis
financeiras no regime de câmbio administrado e de câmbio flutuante 663
Tabela 141 Estatísticas descritivas de variáveis financeiras escolhidas no período de regimes de
câmbio administrado (1994:10 – 1998:12) e flutuante (1999:01 -2013:05) 665
Tabela 142 Taxa de crescimento contínuo de variáveis financeiras e crises internacionais
representadas por dummies 667
Tabela 143 Estatísticas descritivas das variáveis: Investimento estrangeiro direto, de carteira
(ações e renda fixa) e outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária 1995:01 –
2013:05 668
Tabela 144: Investimento estrangeiro direto, de carteira (ações e renda fixa) e outros IE
específicos e crises internacionais representadas por dummies 668
Tabela 145: Taxa de crescimento contínuo de variáveis do lado real da economia brasileira e as
crises internacionais representadas por dummies 669
Tabela 146 Taxa de crescimento contínuo de variáveis da inflação IPCA da economia brasileira
e as crises internacionais representadas por dummies (defasadas em três meses) 1998:08 –
2013:06 670
Tabela 147 Resultados das regressões das variáveis do lado real da economia sobre o IPE e
seus valores defasados 673
12

Tabela 148: Resultados das regressões dos investimentos estrangeiros sobre as taxas de
crescimento contínuo do IPE (com erros padrão robustos HAC) 674

Gráficos

Gráfico 1 : PIB per capita de Alemanha, Itália (centro-norte), Holanda, Inglaterra e Espanha
1600 – 1800 57
Gráfico 2 Renda per capita na Inglaterra, nos Estados Unidos (USA), na Holanda (Países Baixos),
Alemanha e França 1750 – 1900 67
Gráfico 3 Índices de preços Estados Unidos 1869 – 1930 76
Gráfico 4 Índices de preços Reino Unido 1786 – 1924, 76
Gráfico 5 Índices produção industrial, têxtil e da indústria pesada Reino Unido, 1854 – 1924, 78
Gráfico 6 Estrutura do emprego nas unidades operacionais locais (fabricas) das empresas
alemães na indústria 1882, 1895, 1907 e 1925, 85
Gráfico 7 Emprego médio nas diferentes formas jurídicas das empresas alemães 1882, 1895,
1907 e 1925 86
Gráfico 8 Valor em libras esterlinas das exportações e importações brasileiras 1821 – 1913 96
Gráfico 9 Valor em libras esterlinas das exportações de algodão, borracha, café, e açúcar 1850
– 1913 97
Gráfico 10 Inflação de custo de vida RJ, Preço médio de café (Reis/kg) Taxa de câmbio
(Pence/mil réis) Brasil 1820 – 1913 98
Gráfico 11 Índices de preços por atacado (1913=100), Reino Unido, Estados Unidos, França e
Alemanha (para hiperinflação 1920/1923 faltam os dados no gráfico), 102
Gráfico 12 Índices de preços por atacado (1913=1), Alemanha na hiperinflação 1922/06-
1923/12 faltam dados), 103
Gráfico 13 Índices PIB per capita (1913 = 100) França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos
1918 – 1939 (Maddison data), 105
Gráfico 14 Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil 1980-2014, ciclo conjuntural (retirando
a tendência de crescimento através de um filtro Hodrick – Prescott e suavizando os hiatos
também com este filtro) 129
Gráfico 15 Índice composto de crises financeiras (Reinhart e Rogoff (2009)) e Índice de crises
reais, 1900 – 2014 209
Gráfico 16 Fluxos internacionais de capital 1815 até 2014 do trabalho de Carmen Reinhart,
Vincent Reinhart e Trebesch [2016] 212
Gráfico 17 PIB real 1925-1939, Estados Unidos, Alemanha e Brasil, Taxa de desemprego 215
Gráfico 18 Grande Depressão: Índice DOW Jones (Índice de preços de ações EUA) 1920-1941
215
Gráfico 19 Taxa de inflação anual para Alemanha, Estados Unidos, França e o Reino Unido de
1900 até 1938 224
Gráfico 20 Índice PIBpc (1913 =100) Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido 228
Gráfico 21 Taxa de crescimento do PIB Brasil 1913 – 1939, estimativas do IBGE, do IMF e do
Groningen Growth and Development Centre (GGDC). 230
Gráfico 22 Estados Unidos Índices dos preços da agricultura (1929 = 100) 1913-1937: geral (58
produtos), culturas (crops), carnes, algodão 241
13

Gráfico 23 Índices de preços das exportações de café (em moeda nacional e estrangeira), de
açúcar e algodão (em moeda nacional) 1913 -1939 243
Gráfico 24 Investimento em equipamento das empresas, em estruturas não residenciais e
residenciais Estados Unidos 1919 – 1939 254
Gráfico 25: Índice Dow Jones e taxa de crescimento contínuo do índice Dow Jones e taxa
suavizada de crescimento (HP λ =5) 1920-1941 255
Gráfico 26 Produção industrial mensal real (preços de 1929) e o índice DOW JONES janeiro de
1929 até dezembro de 1938 256
Gráfico 27 Valor nominal da produção, preços da agropecuária, e renda líquida da agricultura
nos Estados Unidos 1913 – 1939 257
Gráfico 28 Taxas básicas dos bancos centrais de Alemanha, Estados Unidos, França e Reino
Unido 1919 – 1938 267
Gráfico 29 Reservas em ouro dos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, do reino
Unido e da França em milhões de US$ junho 1928 até outubro de 1933 [US$ 20.67 por ounce]
268
Gráfico 30 Participação na renda nacional dos 10%, 1% e 0,1% no topo na distribuição de
renda nos Estados Unidos 1913 – 1945 269
Gráfico 31 Base monetária, Reservas bancárias e moeda em poder do público, Alemanha 1924
– 1938 280
Gráfico 32: Crise Alemanha junho 1929 – dezembro 1933, Desemprego (mil), Índice de
produção industrial (junho 1929 =100), Índice de preços das ações (junho 1929 =100), Índice
das exportações (junho 1929 =100) 286
Gráfico 33 Índice PIB real, produção industrial, valor exportações, PIB agricultura, Brasil 1918-
1939, 292
Gráfico 34 Valor exportações e importações (US$ Milhões), taxa de câmbio mil-réis – libra,
Brasil 1920-1939 292
Gráfico 35 Valor exportações moeda nacional e estrangeira Brasil 1920-1939 293
Gráfico 36 Valor exportações de café moeda nacional e estrangeira, quantidade exportada de
café, Brasil 1920-1939 294
Gráfico 37 Preço de café em moeda nacional (Eixo esquerdo) e moeda estrangeira (Eixo
direito) e taxa de câmbio mil reis libra (Eixo esquerdo) 295
Gráfico 38: Lucros líquidos das corporações nos Estados Unidos 1920 – 1938, nominais e reais,
Índice de preços ao atacado 302
Gráfico 39 Participação dos 10%, 1%, 0,1% camadas com renda maior na renda nacional dos
Estados Unidos 1913 -2012 303
Gráfico 40 Crises financeiras no período de 1925 até 1938, baseado em dados de
http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/ 306
Gráfico 41 Preços de commodities, Fluxos internacionais de capital de capital (dados de
Reinhart e de Feinstein e Watson), Percentagem dos países em default de 46 países na
amostra 1925 – 1938 309
Gráfico 42 Participação dos países em default sobre a dívida externa (sem ponderação e com
ponderação pelo PIB) entre 1920 e 1939 323
Gráfico 43 Taxa de câmbio US$/£ setembro de 1929 até dezembro de 1938 (desvalorização da
Libra esterlina em setembro de 1931 e do US$ em abril de 1933), Taxa básica dos Estados
Unidos e do Reino Unido, Produção industrial dos Estados Unidos (Índice 2012 = 100) 328
14

Gráfico 44 PIB e seus componentes (Índices 1929:3 = 100) Estados Unidos 1929:3 – 1939:12
330
Gráfico 45 Deflator do PIB, Índice de preços ao atacado, Deflator de bens de consumo duráveis
e não duráveis, e Índice de preços de ações (1929=100) para os Estados Unidos 1929 -1940 332
Gráfico 46 Índices (1929=100) para a base monetária, M1, depósitos e – em milhões de marcos
– MEFO letras de câmbio e cupões de impostos, Alemanha 1929 – 1933 338
Gráfico 47 Produção de bens de investimento (Valor e quantidade) e ecomendas de indústria
na indústria, Alemanha, 1929 – 1934 359
Gráfico 48 Emprego industrial (Índice 1929 =100) em Alemanha, Canada, Estados Unidos e
Suécia 1929 – 1940 361
Gráfico 49 Rentabilidade sobre o capital próprio (%) das companhias abertas industriais
Alemanha 1928 – 1939 364
Gráfico 50 Taxas médias de crescimento do PIB real (%) em diferentes períodos entre 1950 e
2015 para Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 397
Gráfico 51 Hiato do PIB (em % do PIB potencial, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos 1950
– 2015 (séries suavizadas) 398
Gráfico 52 Taxa média anualizada de inflação (%) para períodos entre 1950 e 2015, para
Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos, 398
Gráfico 53 Taxas de inflação para Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão 1951 – 2015
399
Gráfico 54 Inflação dos preços de petróleo e inflação do deflator do PIB dos Estados Unidos
1950 – 2015 399
Gráfico 55: Taxa de desemprego média para períodos entre 1950 e 2015, para Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 400
Gráfico 56 Dívida pública (em % do PIB) 1950, 1973, 1983, 2007 e 2015 Para Alemanha, Grécia,
Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 401
Gráfico 57 Taxas de crescimento (%) da dívida pública em % do PIB em eutsche distintos entre
1950 e 2015 Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 401
Gráfico 58 Dívida pública em % do PIB da Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos
1950 – 2015 402
Gráfico 59 Dívida das famílias em relação ao PIB (%) 1970 – 2015 Alemanha, Grécia, Japão,
Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 403
Gráfico 60 Dívidas das empresas não financeiras em relaçã ao PIB 1970 – 2015 Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos 404
Gráfico 61 Taxas de câmbio do marco alemão, franco francês, cem ienes (eixo de esquerda) e
da libra (eixo da direita) 1960 até 1980 408
Gráfico 62 Reservas internacionais (incluindo ouro em dólares correntes) de Alemanha, Japão,
França e Reino Unido 1960 -1974 410
Gráfico 63 Taxa de desemprego na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1970 – 1990 424
Gráfico 64 Taxa de inflação na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985 424
Gráfico 65 Taxa de crescimento do PIB na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985
425
Gráfico 66 Taxa de crescimento do PIB real (%), da indústria de transformação (%), do
investimento bruto real (%) 1960 – 1985 426
15

Gráfico 67 Taxa de Inflação IPC-FIPE, IGP-DI FGV (%) e taxa de desvalorização cambial da
moeda nacional em relação ao dólar (US) em %, 1960 – 1985 427
Gráfico 68 Índices de quantum e de preços da exportação e da importação Brasil, índice dos
preços de commodities da agricultura, 1960 – 1985 428
Gráfico 69 Dívida Externa e Reservas Internacionais (Milh. US$) [Eixo esquerdo] Preço de
Petróleo (US$/barrel) [Eixo direito] 1960-2012 429
Gráfico 70 Dias de greve (em mil) nos países centrais 1960 até 2008 431
Gráfico 71 Taxa de densidade sindical em alguns países centrais (%) 1960 – 2012 432
Gráfico 72 Taxas de crescimento dos salários nominais (%) em alguns países centrais, 1960 –
1985 433
Gráfico 73 Taxas da inflação IPC (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985 433
Gráfico 74 Taxa dos aumentos salariais reais (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985 434
Gráfico 75 Índices lucros reais, Compensação real dos empregados, Lucros setor
financeiro/lucros totais (%), Estados Unidos 1960 - 2012 436
Gráfico 76: Preços de petróleo (barrel) em US$ correntes, em US$ de 2013 (eixo esquerdo) e a
taxa de inflação nos Estados Unidos (Índice de preços ao consumidor PIB – eixo direito) 1960 –
2015. 440
Gráfico 77 Taxa básica nos Estados Unidos (Federal Funds rate, efetiva) e taxa de juros dos
bancos para seus melhores clientes (prime Rate) 1959 – 2011 441
Gráfico 78 Produção de petróleo mundial, OPEP, não OPEP (sem União Soviética antiga), União
Soviética antiga 1960 – 2013 441
Gráfico 79 Produção de petróleo do Irã, Iraque, Kuwait, Saudi Arábia, 1960 – 2013 442
Gráfico 80 Taxa de crescimento do PIB global (%), Comércio internacional de bens (% do PIB
global), Estoque de investimento direto (Ingresso em % do PIB) 1960 - 2016 448
Gráfico 81 Ativos Financeiros Globais e PIB Global (Trilhões US$) 464
Gráfico 82 Fluxos de capitais trans-fronteiras (IED: Investimentos estrangeiros diretos) 1990-
2007 (Trilhões US$) 465
Gráfico 83 Taxa da inflação nos países centrais 1960 – 2013 e da taxa de inflação dos preços de
petróleo 488
Gráfico 84 Taxa de inflação IPC Estados Unidos [% a.a.], Taxa básica Estados Unidos [% a.a.],
preço de petróleo [US$ por barril], Índice dos preços de commodities de metais básicos, e da
agricultura 1960 – 1996 489
Gráfico 85 Taxa de inflação IPCA (% a.m.) e desvalorização (+) cambial Brasil 1980 – 2017 508
Gráfico 86: Taxa de Inflação IPCA (% a.a.) Taxa de juros SELIC – mercado (% a.a.), Meta de
inflação (% a.a.) Brasil 1995 – 2017 508
Gráfico 87 Fluxos financeiros internacionais em diferentes segmentos Brasil 1960 – 2012 519
Gráfico 88 Risco Brasil e taxa de câmbio R$/US$ 10/1994 até 02/2002 551
Gráfico 89 Índice BOVESPA e taxa de juros SELIC de mercado de 10/1994 até 02/2002 551
Gráfico 90 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Saldo da balança comercial (em
milhões US$), Déficit fiscal em % do PIB, Transações correntes em % do PIB 554
Gráfico 91 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Investimento estrangeiro direto
(acumulados os últimos 12 meses), Investimento estrangeiro de carteira (acumulados os
últimos 12 meses), e outros investimentos estrangeiros (acumulados os últimos 12 meses) 555
Gráfico 92 Brasil 2002 até 2004: Risco país e taxa de câmbio R$/US$ 558
16

Gráfico 93 Índices (1980:1 = 100) dos índices de mercado de ações norte-americano Standard
& Poor’s 500, Dow Jones Industrial e NASDAQ 1980:1 até 2013:5 570
Gráfico 94 Base Monetária (eixo esquerdo) e Federal Funds Rate (efetiva) (eixo direito) nos
Estados Unidos 1980 – 2013:5 572
Gráfico 95 Taxa de crescimento do PIB dos Estados Unidos e das taxas de crescimento das
exportações de Alemanha, Brasil, China e Japão 2006:01 – 2011:03 (dados com ajuste sazonal,
% sobre o trimestre anterior) 579
Gráfico 96 Índices (2000:01 = 100) de preços das commodities minério de ferro, petróleo,
açúcar, soja 2000:01 – 2016:02 580
Gráfico 97 Índices (2010 = 100) dos preços de ações Estados Unidos, Brasil, China, área do euro
(19 países) 2001 até 2017 581
Gráfico 98 TED spread (%) entre 2007:01:01 até 2008:31:12 582
Gráfico 99 Expansão do dinheiro, M1, M0 (base monetária), reservas bancárias e do crédito
bancário 588
Gráfico 100 Taxas de crescimento no período de 2000-2011 do dinheiro, M1, M0 (base
monetária), reservas bancárias e do crédito bancário 588
Gráfico 101 Razão preço – lucro do mercado acionário (S&P) e taxa de juros de longo prazo dos
Estados Unidos 1881 – 2017 [Shiller: Irrational Exuberance" Princeton University Press, 2000,
2005, 2015, updated] 600
Gráfico 102 Preços das casas (real), Custos de construção (real), População, Índice de taxas de
juros Estados Unidos 1890 – 2017 [in Robert J. Shiller, Irrational Exuberance, 3rd. Edition,
Princeton University Press, 2015, as updated by author} 601
Gráfico 103 Evolução (Índices 1995:1 =100) dos preços residenciais nos mercados imobiliários
dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha 1995 – 2012 602
Gráfico 104 Evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados Unidos, para o
Reino Unido e a Espanha 1995 -2011 602
Gráfico 105 Estados Unidos 1995-2012 Dívida do setor não financeiro, dívida de hipotecas
residencial e comercial e credores das hipotecas US$ Bilhões 604
Gráfico 106 Desequilíbrios globais: Conta corrente (em % do PIB) Alemanha, Brasil, China,
Estados Unidos, Japão, Saudi Arábia 1990 - 2017 608
Gráfico 107 Taxas de juro de curtíssimo prazo (‘call money’) Área do euro, Estados Unidos,
Japão e Reino Unido 2000 - 2017 612
Gráfico 108 Ativos dos bancos centrais em relação ao PIB (%) 2007 até 2013, Banco Central
Europeu (European Central Bank – ECB), Federal Reserve (FED), Bank of England (BoE), Bank of
Japan (Boj) 613
Gráfico 109 Spreads (em pontos percentuais) de títulos da dívida soberana (10 anos) dos
países em crise sobre os títulos soberanos da Alemanha 623
Gráfico 110 Produção Industrial (Índice Jan/2004 =100), Exportações e Importações de bens
(acumulados por 12 meses) US$ Milhões Brasil 2004-2012 634
Gráfico 111 Índices (julho 2008 = 100) Exportações, Na Conta Capital e Financeira:
Investimento estrangeiro em carteira ações, Investimento estrangeiro em renda fixa, Crédito
Comercial, Outro Crédito, e Taxa de câmbio R$/US$ e Índice BOVESPA 635
Gráfico 112 PIB, Consumo das Famílias, Consumo do Governo, Investimento (FBCF) Brasil 2000
– 2019 3. Trimestre (Para visualizar melhor as crises o eixo horizontal foi interrompido em 80)
645
17

Gráfico 113 Produção industrial (Índice dessazonalizado), geral, bens de capital, bens do
consumo, bens do consumo duráveis, Janeiro 2002 – Outubro 2019, (eixo vertical
interrompido em 50) 646
Gráfico 114 As Commodities mais importantes na pauta de xportações brasileiras2014 647
Gráfico 115 Índice de preços internacionais de soja, minério de ferro, petróleo, carne de boi,
açúcar 2000 – 2017 648
Gráfico 116, Taxa de desemprego e desocupação (%), Taxa de inflação (IPCA), taxa de câmbio
R$/US$, Brasil 2000 -2019 649
Gráfico 117 Dívida bruta do governo geral, Déficit fiscal nominal e primário ejuros nominaisdo
setor público, tudo em % do PIB Brasil 2000 – 2019 650
Gráfico 118 Brasil 2000:12 – 2019:10 transações correntes (em % do PIB), o saldo da balança
comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$), investimentos estrangeiros líquidos em
carteira (acumulado em 12 meses, milhões de US$) 651
Gráfico 119: Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil e hiato do PIB 1980-2012 656
Gráfico 120 Taxa de câmbio R$/US$, Taxa Selic mensal (% a.m.), Reservas internacionais
brasileiras (Bilhões US$) 1994:8 – 2013:5 (área sombreada: crises internacionais) 658
Gráfico 121 Risco país Brasil (spread EMBI+BR pontos básicos), Índice BOVESPA (pontos) e
Investimentos estrangeiros da carteira (IEC) 1994:8 – 2013:5 (áreas sombreadas: crises
internacionais) 660
Gráfico 122 Taxa de inflação (12 meses %) IPCA, IPCA comerciáveis, IPCA monitorados, IPCA
Núcleo 1995 -2013 664
Gráfico 123 Índice da pressão especulativa (IPE) nos mercados financeiros brasileiro 1994:10 –
2013:05 e sua Primeira Diferença de ln(IPE) (áreas sombreadas períodos de crise) 672
Gráfico 124 Índice (1991 = 100) dos trabalhadores industriais no mundo, na China e nos
Estados Unidos 700
Gráfico 125 Participação (%) dos trabalhadores industriais no emprego total no mundo, na
Alemanha, na China, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, no Japão, e no Reino Unido 1970 –
2010 701

Quadros

Quadro 1 Categorias de crises econômicas e ciclos conjunturais 135


Quadro 2 Definição das crises seguindo Reinhart e Rogoff 207
Quadro 3 Movimentos internacionais de capital e rupturas súbitas: 1815-2015 211
Quadro 4 : A corrida des desvalorizações até o Primeiro de março de 1934 273
Quadro 5 Reestruturação da dívida soberan por tipo de credor 498
Quadro 6: Tentativas de transformação da economia brasileira em direção da agenda
neoliberal 505
Quadro 7: Planos de combate à inflação Brasil década de 1980 e 1990 507
1
Quadro 8: O Estado no mercado de trabalho (Infraestrutura legal, regulamentação e cultura
nacional) 514
Quadro 9: Direitos trabalhistas no Brasil 515
Quadro 10 Crises financeiras e cambiais pós-Plano Real 531
18

Quadro 11 Efeitos prováveis das crises financeiras em diferentes regimes cambiais sobre
variáveis financeiras específicas 661
Quadro 12 Fatores que podem explicar o ciclo conjuntural e as crises 677
Quadro 13 Alternativas de luta contra o capitalismo para trabalhadores e camponeses 691
19

1. Introdução8
“Money makes the world go around” 9
“Dinheiro fornece dois fundamentos indispensáveis para o capitalismo. Primeiro, sem um padrão de
valor confiável o cálculo econômico torna-se cada vez mais difícil fazendo o capitalismo vacilar. Em
segundo lugar, capitalismo é praticamente sinônimo com a existência do capital-dinheiro sob a
forma de dívida bancária, que financia a produção, o consumo e a especulação. Existem duas partes
relativamente autônomas para uma economia capitalista – a parte monetária e a parte material -
que se entrelaçam em uma interdependência delicada. A inovação tecnológica pode ser dinâmica
somente assumindo o risco do financiamento para um futuro desconhecido. É essa projeção de
risco temporal, baseada na premissa de que a dívida será paga, com que o capitalismo se torna no
mesmo momento dinâmico e frágil.”. Geoffrey Ingham 10
O capitalismo foi fundado em um pacto Faustiano. Os diabos da avareza e da usura foram liberados,
no entendimento de que, depois de ter levantado a humanidade a sair da pobreza, eles iriam sair da
cena. Um paraíso de abundância se seguiria, com todos os homens livres para viver como só os
poucos felizes tinham vividos antes. Este mito pode ser encontrado em Marx, Mill, Marcuse e
outros. Horários e mecanismos variados, mas todos concordaram que, mais cedo ou mais tarde, de
uma forma ou de outra, a hora feliz viria. Caso contrário, por que a labuta, miséria e deformação de
sentimento? O capitalismo precisava de uma visão radiante, sem ela, as suas humilhações seriam
intoleráveis. No entanto, como os contos de fadas nos dizem, o diabo honra a promessa
apenas em letras, não na realidade. É verdade, nós somos mais ricos do que nunca, e é verdade, as
horas de trabalho diminuíram. Mas o paraíso de abundância não chegou. A busca sem fim da
vantagem material – em palavras de Mill "pisando, esmagando, cotovelando, e pisando em outros"
- continua a ser a nossa sorte para o futuro previsível. (...) A experiência tem-nos ensinado que os
desejos materiais não têm limites naturais, (...). O capitalismo se baseia precisamente nesta
expansão infinita de desejos. É por isso que, para todo o seu sucesso, ele permanece tão pouco
amado. Ele nos deu riqueza além da medida, mas tirou o principal benefício da riqueza: a
consciência de ter o suficiente. Robert e Edward Skidelsky11
O objetivo central do trabalho é descrever e analisar os impactos das crises do capitalismo
global sobre o Brasil, com ênfase nas crises pós Plano Real. As referências teóricas mais
importantes para descrição e avaliação destas crises é a literatura sobre a Grande Depressão
da década de 1930, sobre a crise da regulação do capitalismo global na inspiração Keynesiana
– Fordista – e de Beveridge na década de 1970 e sua suposta solução através da ascensão do
pensamento neoliberal, e sobre a crise financeira global de 2008/2009 [A Grande Recessão] e
seus impactos na área do euro desde 2010 [a crise na área do euro]. Estas crises profundas
tinham efeitos não somente sobre produção e emprego no nível global e no Brasil, mas
também sobre o pensamento econômico e político e com isto sobre as relações de poder nos
países mais afetados. Estas crises profundas foram também períodos de transformações
econômicas, políticas, culturais [ideológicas] e sociais importantes. A Grande Depressão da
década de 1930 [na imaginação pública com início em outubro 1929 com a quebra da bolsa de
Nova Iorque] foi a crise mais séria do capitalismo global levantando dúvidas sobre o futuro do
modelo capitalista de produção e transformando pensamentos e estruturas políticas e
econômicas em muitos países, com consequências desastrosas na Alemanha com a ascensão
de Hitler e o nacional-socialismo ao poder em 30 de janeiro de 1933, levando o mundo para o
caminho para a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. As outras grandes crises iniciam
20

também períodos de transformação do capitalismo global e de suas instituições e ideologias,


mostrando a flexibilidade do modo de produção capitalista em transformar sérios problemas
econômicos, políticos e sociais em novas instituições, ideias e formas de regulação sem
sucumbir de forma permanente – até hoje – a projetos alternativos de desenvolvimento
econômico e social: socialistas, ambientalistas ou nacionalistas. Crises profundas são sempre
momentos críticos em que as elites, e não somente as elites, precisam pensar em novas
estratégias para sair da crise e – em regimes democráticos – a população precisa aceitar os
novos rumos. Crises sempre são períodos de virada para repensar políticas, estratégias,
ideologias, e instituições do passado e construir caminhos de transformação para o futuro, sob
a ameaça de enfrentar um processo de decadência prosseguindo nos caminhos do passado.

As crises como a Grande Depressão da década de 1930 e a crise do modelo Keynesiano-


Fordista da regulação capitalista na década de 1970 são discutidas em primeiro lugar neste
trabalho como marcos de referência para as crises do capitalismo global nos anos
neoliberais12, anos que começam no fim da década de 1970 e no início da década de 1980 com
os governos de Thatcher na Grã-Bretanha e Reagan e nos Estados Unidos. Nos anos neoliberais
houve crises financeiras internacionais com impactos expressivos para o Brasil começando na
década de 1990 com origem no México (1994), no sudeste de Ásia (1997), na Rússia (1998), na
Argentina (2001) e com origem no Brasil em 1998/1999 e 2002/2003. Como o título enfatiza,
estas crises são discutidas e analisadas sob a perspectiva do Brasil, embora a compreensão
destas crises faça necessário considerar os acontecimentos em outros países (especialmente
focados nos Estados Unidos e na Alemanha). O texto não tenta elaborar uma teoria
unificadora para as crises, cada crise é diferente, cada crise mostra um entrelaçamento de
fatores causais, estruturais e contingentes, cada crise pode ser interpretada por lentes
diferentes de pensamento econômico. Neste sentido o texto tenta contar uma narrativa
histórica com fundos teóricos e empíricos que explicam fatores que mudavam ideias e
instituições nestes tempos de crises e transformações e tinham reflexos profundos sobre
produção e emprego, com foco no Brasil. A perspectiva brasileira tenta captar as influencias e
repercussões das crises sobre o Brasil, sua economia e suas instituições, olhando também para
as mudanças nas ideias econômicas e seus reflexos nas instituições.

Crises globais atingem sempre muitos países do mundo, países centrais e mercados
emergentes, mas nas crises os países são atingidos de forma diferenciada, uma perspectiva
global generalizada enfrenta o perigo de nivelar as diferenças. Por esta razão a narrativa sobre
as crises do capitalismo global precisa - muitas vezes - desviar o olhar global para os eventos
21

em países específicos como Brasil, Alemanha, Estados Unidos e outros países atingidos pelas
crises.

A história, como especialmente o século XX mostrou, não é um processo de progresso linear,


como filósofos do iluminismo, do idealismo alemão, do positivismo, e do marxismo pensavam,
nem um processo de ascensão e declínio de culturas, como historiadores como Toynbee e
Spengler pensavam. Contingências, retrocessos, declínios, progressos são elementos do
processo imprevisível e aberto da história. Um fim de história no sentido de Hegel e Fukuyama
parece nesta perspectiva uma hipótese duvidosa. Entretanto o trabalho tenta descrever as
crises profundas do capitalismo global como pontos críticos de mudança nos séculos XX e XXI
para o desenvolvimento económico, político e cultural para os países seriamente atingidos.
Transformações profundas são muitas vezes consequências destas crises. Obviamente existem
outros pontos críticos de mudança na história, como guerras e revoluções, avanços científicos
e inovações básicas, ou mudanças culturais e ideológicas, que podem impactar em
transformações ainda mais profundas. Historiadores chamam, por exemplo, a Primeira Guerra
Mundial como catástrofe primordial para a cultura ocidental.

Num capítulo posterior é feita uma tentativa de resumir as teorias de crises sob as
perspectivas de diferentes correntes de pensamento econômico. No último capítulo se
encontra uma tentativa de descrever e repensar os movimentos sociais que em seguida da
crise financeira global de 2008/2009 tentam abrir alternativas de transformações do
capitalismo global para ‘outro mundo possivel’.

A Grande Depressão da década de 1930 mudou o pensamento liberal hegemônico de uma


economia capitalista autorregulada pela dinâmica de mercados livres para uma visão
keynesiana de economia capitalista regulada nos moldes de planejamento macroeconômico e
da intervenção do Estado na economia na e na criação e/ou extensão de um Estado de bem-
estar social nos moldes de pensamento de Beveridge. Este pensamento tornou-se hegemônico
somente depois da Segunda Guerra Mundial nos países capitalistas centrais, enquanto no
terceiro mundo muitos países seguiam pensamentos desenvolvimentistas e no segundo
mundo do socialismo burocrático modelos socialistas.

Depois da crise da regulação keynesiana na década de 1970 com inflação e desemprego


conjuntamente (estagflação) em ascensão, e investimento, crescimento, produtividade, lucros
e inovação em queda, começou no início da década de 1980 a tentativa de ressuscitar
crescimento, inovação e lucros seguindo a estratégia neoliberal enfatizando mais mercado e
menos Estado. As estratégias neoliberais de globalização, da privatização de grande parte do
22

setor estatal, da abertura dos mercados nacionais (globalizaçao), e da desregulamentação dos


mercados terminavam na crise mais séria do capitalismo global no século XXI, a crise financeira
global de 2008/2009 depois de repetidas crises financeiras nos mercados emergentes na
década de 1990 e no início do novo século. Parece que a experiência desta crise levou
governos e economistas de repensar e aplicar novamente as receitas keynesianas de
emergência nesta crise, mas sem abandonar totalmente o pensamento neoliberal.
Movimentos sociais tentavam apresentar alternativas para ‘outro mundo possível’
combatendo as estruturas do capitalismo global nos moldes neoliberais, e os impactos da
crescente desigualdade de renda, riqueza e poder nos países centrais.

Os Keynesianos na década de 1960 pensavam que os problemas de ciclo conjuntural tinham


sido domados através do planejamento macroeconômico das economias nacionais pelas
políticas fiscais e monetárias discricionárias do Estado. A crise da década de 1970 mostrou que
ciclos conjunturais e crises estavam novamente presentes. Os neoliberais na década de 2000
pensavam também que as receitas neoliberais tinham domados os problemas cíclicos de uma
economia capitalista (chamado pelos economistas o período da Grande Moderação), mas a
crise financeira global de 2008/2009 com origem na potência econômica e militar dos Estados
Unidos mostrou que a predisposição do sistema capitalista às crises estava ainda viva.

Mas todas estas crises profundas da economia capitalista global mostravam também a
flexibilidade do capitalismo em mudar os caminhos das políticas públicas, das estratégias
empresariais e dos pensamentos econômicos como reflexo das crises para reconduzir a
economia global novamente nos trilhos de crescimento e da inovação, mas no mesmo
momento criando novos problemas. Na década de 1990 foi o modelo alternativo do socialismo
burocrático no leste europeu que quebrou, não somente por causa de problemas econômicas,
mas também – e provavelmente em primeiro lugar – por falta de liberdades democráticas.
Para as elites nos países centrais parecia que o capitalismo global nos moldes neoliberais ficava
como única alternativa viável, mas nas crises seguintes, com foco na crise financeira global,
este pensamento enfrentava sérias dúvidas.

A crise financeira global dos anos 2008/2009 foi a crise mais grave do capitalismo global desde
a Grande Depressão da década de 1930. Desenvolveu-se de uma bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos fomentada por uma política monetária expansionista
e uma expansão expressiva do crédito hipotecário, ajudada por inovações financeiras, e a
facilidade dos Estados Unidos de financiar com juros baixos déficits na conta corrente e no
orçamento do governo através da maciça entrada de capitais de países superavitários como a
23

China, o Japão, a Alemanha e os países exportadores de petróleo no Oriente médio


(desequilíbrios globais – “saving glut” na interpretação de alguns economistas americanos).

No centro da crise foram inovações financeiras - títulos lastreados por hipotecas


(securitização), credit default swaps (CDS) e o investimento de bancos e investidores
institucionais em estes títulos (de longo prazo) através de Special Investment Vehicles (SIV) e
conduits, financiados em curto prazo nos mercados monetários (‘commercial papers’ e
‘repos’), aumentando a alavancagem e evitando a regulamentação do Estado - que pareciam
fornecer recursos financeiros para a concessão de cada vez mais créditos hipotecários para
devedores cada vez mais arriscados (subprime). Os derivativos CDS pareciam distribuir os
riscos dos títulos lastreados em hipotecas para o mundo e com isto diminuir o risco individual
do investidor, mas na crise o maior lançador dos CDS, a seguradora AIG nos Estados Unidos,
não teve reservas para o caso de default dos títulos lastreados por hipotecas, e somente
sobreviveu o perigo de falência através de socorro do governo americano e do Banco Central
americano (Federal Reserve - FED). Mas quando os preços imobiliários começavam a estagnar
e cair em 2006/2007, os problemas de estouro de uma bolha especulativa no mercado
imobiliário dos Estados Unidos (e em alguns países da Europa) tornavam-se mais visíveis. A
crise parecia um “cisne negro” na formulação de Taleb [2008], um evento não previsível e
pouco provável, acontecendo uma vez em milhares de anos. Mas estudos históricos sobre
crises financeiros e defaults sobre a dívida soberana como nos livros de Kindleberger e Aliber
[2011] e Reinhart e Rogoff [2009] afirmam que não é bem assim. As crises acompanham o
capitalismo global desde seus primórdios.

Poucos economistas previam a crise, ainda menos previam o pânico financeiro que se seguiu a
falência do banco de investimento Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008. Com esta
data a crise tornou-se global: a concessão do crédito cessa, os mercados financeiros entram
em pânico e muitas economias no mundo entravam em uma recessão profunda. O Brasil
sentiu também os impactos da crise, embora o sistema financeiro brasileiro mostrasse mais
estabilidade do que os sistemas financeiros dos Estados Unidos e da Europa, mas houve queda
da produção e das exportações, uma falta temporária de liquidez e de crédito, mas a
recuperação já começou na primavera de 2009. Nos países centrais somente políticas
monetárias e fiscais muito expansionistas, usando instrumentos novos, e o salvamento de
instituições financeiras pelo Estado evitavam uma crise de dimensões da Grande Depressão da
década de 1930. Mas os custos da salvação foram distribuídos para os contribuintes de
impostos e a crise do setor privado tornou se uma crise do setor público que está carregando
dívidas públicas cada vez mais pesadas e assumindo riscos do setor privado.
24

Na avaliação da crise financeira global é importante lembrar que no fundo encontra-se o


estouro de uma bolha especulativa levando o sistema financeiro nos países capitalistas
centrais para uma crise profunda. Intervenções maciças dos governos e dos bancos centrais
evitavam uma nova Grande Depressão, mas transferindo os problemas e custos para o setor
público, assumindo dívidas e riscos do setor privado e com isto transformando uma crise do
setor privado para uma crise do setor público. Prejuízos do setor privado foram parcialmente
socializados, grande parte dos custos e dos riscos foi transferida para o contribuinte dos
impostos ou – através do aumento da dívida pública - transferida para futuras gerações.
Políticas de austeridade fiscal feriam em primeiro lugar as camadas mais vulneráveis da
população, enquanto as elites ficavam ilesas ou com feridas menores.

Nem Marx duvidava das forças dinâmicas do capitalismo de criar riqueza e inovação, embora
distribuindo esta riqueza de forma desigual, mas a história parece afirmar que períodos de
crescimento elevado e da euforia econômica são seguidos por períodos de desconfiança e
crises com quedas da produção e aumento do desemprego, como o conceito da destruição
criativa de Schumpeter [1993] caracteriza de forma excelente. Schumpeter enfatiza na citação
acima [1], que o problema central na avaliação do capitalismo não é como o capitalismo
administra estruturas existentes, mas como ele cria novas estruturas e destruí as existentes,
através de novos bens de consumo, novos métodos da produção e de transporte, novos
mercados e novas formas de organização industrial. De forma um pouco diferente também
Hayek [Hennecke, p. 61 pp.] avalia o mercado e a competição menos como um instrumento
para equilibrar oferta e demanda e mais como um instrumento de descoberta e avaliação de
novos produtos e processos, usando informações dispersadas entre os agentes econômicos.

O capitalismo pode ser definido13 como um sistema econômico descentralizado – coordenado


por um sistema de preços de mercado - com propriedade privada da maioria dos meios de
produção onde empresas privadas produzem bens e serviços para mercados competitivos com
o objetivo de maximizar os lucros usando mão de obra assalariada e livre, acumulando
(parcialmente) os lucros para expandir a produção (acumulação de capital) e ganhar vantagens
competitivas através da inovação em novos produtos e processos de produção. Neste sentido
o sistema econômico do capitalismo espalhou se pelo mundo por causa de sua eficácia na
criação de riqueza, embora distribuindo renda e riqueza de forma desigual, como mostra a
citação de Keynes no início do capítulo, e acompanhada por crises econômicas.

Sempre houve o desejo dos homens de enriquecer, mas o fato novo na acumulação de capital
sem fim no capitalismo foi que o capitalista típico no sentido de Weber não desfruta a riqueza
acumulada (pelo menos não totalmente), mas investe os lucros novamente para criar mais
25

riqueza. A racionalidade calculista na condução da empresa capitalista é outro fenômeno no


sentido de Weber que caracteriza a evolução do capitalismo. Como Wallerstein [2007] adverte
esta evolução do capitalismo é necessariamente acompanhada pela criação de Estados fortes
(primeiro as Províncias Unidas (Países Baixos), depois Inglaterra e França) que num lado criam
o ambiente institucional para a criação de riqueza em mercados livres e para a expansão para
outras partes do mundo, noutro lado entram em competição entre si pela hegemonia
econômica, política e militar usando alianças, violência e guerras. Wallerstein [2007] também
aponta para o caráter global do capitalismo, sua evolução pode ser compreendida somente
como um processo que historicamente integra cada vez mais países em sua lógica. Ele
descreve também como em sua história diferentes países assumiam a hegemonia econômica e
política nas estruturas do capitalismo global, embora sua hipótese de ciclos hegemônicos é
controversa. Mas é importante lembrar que o capitalismo é um sistema econômico em
transformação, onde as transformações mais profundas acontecem depois das crises
profundas.

Embora seja importante mostrar as falhas de capitalismo nas crises, depressões e no


desemprego elevado e prolongado, bem como na distribuição desigual da renda e da riqueza,
é igualmente importante enfatizar a dinâmica de mercados livres em criar riqueza e inovação,
bem como na coordenação de decisões de milhões agentes econômicos com eficiência usando
os preços como informações e incentivos com burocracia mínima. Importante também é
enfatizar que o funcionamento eficiente dos mercados na coordenação das atividades
econômicos depende também de um clima de confiança nas regras do jogo que são
implementadas e garantidas pelo Estado. As desregulamentações previstas na agenda
neoliberal destruíam esta confiança nas regras do jogo e criavam forças de destruição não
previstas.

As mudanças estruturais do capitalismo global desde seu berço na Renascença no norte de


Itália no século XV mostravam sua flexibilidade em enfrentar problemas, mas também sua
tendência de concentrar poder, riqueza e renda. Nos tempos de prosperidade todas as
camadas da população ganham, embora as regras do jogo do capitalismo global favorecem as
elites, mas em tempos de crise as camadas mais vulneráveis da população sofrem muito mais.
Mas, às vezes, os mercados falham e nas crises profundas do capitalismo global os mercados
falham seriamente. Infelizmente quem arca com os custos destas crises são muitas vezes em
primeiro lugar pessoas que não podem enfrentar estes custos. Provavelmente os mercados
não são tão eficientes, os agentes econômicos não tão racionais e as informações não tão
26

perfeitas e simétricas como muitas teorias econômicas suponham. Incerteza e risco é o


ambiente em que a maioria das decisões econômicas precisa ser tomada.

As crises refletem se em mudanças adversas das variáveis macroeconômicas mais importantes:


renda nacional, produção industrial, exportações, crédito e liquidez, desemprego, inflação ou
até deflação, salários reais e lucros, padrão da vida e outras. Nas crises acontece também,
muitas vezes, uma reestruturação da economia nacional, das relações de poder e das relações
internacionais. Criam se vencedores e perdedores entre empresas, setores e países, não
somente como impacto das crises econômicas, mas também de crises políticas, como guerras,
revoluções ou ascensão ou queda de ditaduras. Mas as crises também refletem se nas
mudanças das ideias e no imaginário de um povo, na Grande Depressão, por exemplo, o
pensamento ortodoxo econômico liberal de ‘laissez faire’ foi desafiado por Keynes e por
pensadores socialistas e o imaginário de muitas pessoas começava a sonhar com formas
autoritárias e líderes carismáticos para resolver a crise. Estes sonhos acabavam em Alemanha
no caminho para a segunda guerra mundial e o holocausto (‘shoa’).

Conjunturas econômicas e crises financeiras e econômicas acompanham o capitalismo desde


os tempos da renascença14 no norte da Itália e no Flandres, uma característica típica de uma
economia capitalista, embora nestes tempos o capitalismo como sistema econômico foi
somente nascendo. Braudel [1997, p.15] descreve a ascensão do capitalismo como a expansão
de manchas de petróleo no mar mudando lentamente economia e sociedade até se tornar
hegemônico, primeiro em alguns países do mundo depois se tornando global. Mas este
processo da evolução do capitalismo não deve ser visto como um processo determinista que
segue certos estágios necessários [como no materialismo histórico: comunismo nas sociedades
primitivas, sociedades escravistas, sociedades feudalistas, sociedades capitalistas e sociedades
socialistas], mas um processo de evolução aberta sem objetivo final definido, sujeito a
processos contingentes. Obviamente o processo da evolução do capitalismo global depende
dos interesses e ideias das classes e elites mais importantes numa época, mas as classes
dominantes, as elites, e as lideranças e as ideologias podem ser sujeitas a processos de
desintegração e decadência com a ascensão de novas classes, lideranças e ideologias. Nestes
processos houve sempre movimentos e pensadores que desafiavam a ascensão do capitalismo
tentando domar as forças destrutivas do capitalismo para o emprego e o ambiente, como
movimentos sindicais, partidos da esquerda, movimentos ambientais e outros movimentos
sociais, e como pensadores tão diferentes como Marx e Keynes. Mas as previsões da queda do
capitalismo, especialmente nos tempos da Grande Depressão da década de 1930, até hoje não
se realizavam. Isto mostra a flexibilidade do sistema capitalista para a mudança em condições
27

adversas, mas também a possibilidade de institucionalizar instintos básicos humanos: como a


de lucrar e ganhar no jogo competitivo entre seres humanos, como a curiosidade e criatividade
humana de inovar, e da inveja, da cobiça e da procura do lucro, deixando os instintos da
sociabilidade e da solidariedade em segundo lugar.

Há uma discussão acadêmica sobre o período exato da evolução de uma economia capitalista
como Wallerstein [(2) 2011, p. 7] está resumindo:

Três datas para uma ruptura: cerca de 1500, 1650 e 1800, três (ou mais) teorias da história:
1800, com ênfase na industrialização como a mudança crucial; 1650, com a ênfase seja no
momento da emergência dos primeiros Estados “capitalistas” (Grã-Bretanha e Países Baixos) ou
do surgimento das principais ideias “modernas” de Descartes, Leibniz, Newton, Spinoza e
Locke, e 1500, com destaque para a criação do sistema-mundial capitalista [com a expansão
marítima de Europa para as Américas e a Ásia] distinta de outros sistemas econômicos.
Obviamente manufaturas têxteis, comércio de longa distância com bens de luxo e a atividade
de bancos já existem no século XIV nos Estados cidades mais importantes no norte de Itália
(Veneza, Milão, Florença e Gênova) e eles podem ser vistos como as primeiras sementes de
uma economia capitalista. Se o foco da definição do capitalismo é somente na procura de
riqueza e dos lucros, o ponto de partida poderia ser muito anterior desde período, porque a
procura de riqueza e lucro através do comércio, contrabando, tráfico de escravos e guerra já
existe em culturas antigas. Marx [(1), 1968, p.779] chamou o primeiro período na evolução do
capitalismo a acumulação primitiva:

A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento da


população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem da Índia, a transformação da
África em um lugar para a caça comercial de peles negras é a aurora da produção capitalista.
Estes processos idílicos são os momentos principais de acumulação primitiva.
Os centros do capitalismo mudam nos séculos seguintes geograficamente da Itália do Norte e
de Flandres para Holanda, para Inglaterra e para os Estados Unidos, sempre acompanhados da
mudança do centro da economia global no sentido da hegemonia política, militar, econômica e
social. Possivelmente no século XXI a hegemonia política, econômica e militar pode se deslocar
para o leste asiático, especialmente para a China. Este processo histórico não é um processo
suave do desenvolvimento econômico do capitalismo global, mas mostra períodos de paz e
expansão rápida da riqueza e do padrão de vida interrompida por períodos de crises
econômicas, revoluções e revoltas das classes e povos oprimidos, guerras pelo poder e pela
hegemonia global, opressão imperialista e colonialista de países e seus povos. Este processo de
desenvolvimento capitalista global foi também um processo de desenvolvimento desigual:
Países enriquecendo rapidamente, outros ficando atrás. Depois da Segunda Guerra Mundial
houve certa tendência para os países que ficavam atrás de alcançar os países ricos, mas ainda
28

existem muitas partes do mundo onde não existem tendências de convergência para os
padrões de vida nos países ricos.

O capitalismo em sua história mostrou um desenvolvimento dinâmico e expressivo da riqueza,


da inovação e do padrão da vida da população, mas muitas vezes com desigualdade crescente
dentro dos países e entre os países. Mas o crescimento rápido, inovações tecnológicas e
sociais, lucros e empregos crescentes e elevação expressiva do padrão da vida da população é
interrompido por períodos da queda da produção e do emprego, aumento do desemprego e
da pobreza, queda dos lucros e salários reais, períodos de recessão ou depressão econômica.
No século XX a crise mais profunda foi a Grande Depressão dos anos 1930, que mostrou um
capitalismo global com desemprego em massa, queda expressiva da produção, desintegração
da economia global, ascensão de sistemas políticos totalitários em Europa e Japão levando
com isto à Segunda Guerra Mundial e ao holocausto.

A Grande Depressão tinha também impactos fortes sobre o Brasil, queda das exportações de
commodities agrícolas como o café, queda dos preços, acumulo de estoques e parcialmente
destruição da superprodução de café. A crise com a moratória sobre a dívida externa, a saída
do padrão ouro com desvalorização da moeda nacional na era Vargas abriu espaço para a
mudança politica para um Estado autoritário, mas também para a industrialização do país. No
século XXI a crise financeira global de 2008/2009 levou a economia global novamente ao
perigo de um abismo econômico, político e social, mas políticas monetárias e fiscais
fortemente expansionistas e prolongadas evitam até hoje – em 2018 – uma nova Grande
Depressão. O Brasil sentiu também os impactos desta crise especialmente através da queda
das exportações e dos investimentos, bem como da queda do crédito externo, mas a economia
brasileira recuperou se muito mais rápido de que as economias dos países centrais e o sistema
financeiro brasileiro mostrou uma estabilidade em um mundo onde crises bancárias e crises
das dívidas soberanas atormentavam o mundo desenvolvido.

A análise do capitalismo (ou de uma economia de mercado, como seus defensores chamam o
capitalismo) aprecia a dinâmica econômica do capitalismo, mas sob duas perspectivas
diferentes: Num lado uma visão harmônica do mundo capitalista – a mão invisível dos
mercados livres de Smith leva a economia para um desenvolvimento contínuo das forças de
produção e do padrão de vida da população. Noutro lado a visão marxista com foco nos
conflitos e crises no mundo capitalista em um cenário das desigualdades sociais crescentes.
Arrighi [2010] e Schumpeter [1993 e 1997], enquanto com posições ideológicas muito
diferentes, enfatizam a dinâmica e flexibilidade do capitalismo na sua longa história, resumido
no conceito da destruição criativa de Schumpeter, mas enfatizam – bem como os marxistas –
29

que este processo de desenvolvimento capitalista é um processo interrompido por crises. O


capitalismo não é um sistema econômico que leva ao desenvolvimento econômico suave,
como propõem as análises neoclássicas do crescimento econômico, mas um sistema de
desenvolvimento dinâmico pela inovação tecnológica e social, interrompido por crises,
depressões e guerras pela hegemonia no sistema capitalista global.

O trabalho focaliza as crises profundas do capitalismo global sob a perspectiva de um mercado


emergente, o Brasil. São analisadas três crises profundas do capitalismo global e as crises nos
países emergentes na década de 1990 e no inicio do novo século como advertências para a
crise de 2008/2009:

• A Grande Depressão da década de 1930 e seus reflexos no Brasil. A Depressão levou a


transformação do capitalismo nos moldes de liberalismo econômico e do padrão ouro
para um capitalismo regulado (ou organizado) nos moldes keynesianos.
• A crise do capitalismo global depois da quebra do sistema do Bretton Woods no
período de 1971 até 1973, da crise do modelo fordista e keynesiano de
desenvolvimento capitalista na década de 1970, do choque dos preços de petróleo em
1973/74 e 1979/1980. Esta crise teve reflexos profundos sobre o Brasil somente com a
crise da dívida externa na década de 1980. A crise do capitalismo regulado (ou
organizado) levou a estratégias nos moldes neoliberais – mais mercado, menos
intervencionismo do Estado, para livrar as forças de mercados livres em incentivar
crescimento e inovação, somente com sucesso no caso da inovação.
• As crises nos mercados emergentes, como no México (1994/1995), no sudeste asiático
(1997/1998), na Rússia (1998), no Brasil (1998/1999 e 2002/2003), e na Argentina
(2001/2002). Embora estas crises não fossem todas crises globais, mas eram uma
advertência para a crise financeira global de 2008/2009.
• A crise financeira global 2008/2009 com seu centro nos Estados Unidos, mas com
contágio rápido para a maioria dos países do mundo. A crise teve impactos profundos
e prolongados, especialmente com a crise da dívida soberana na área do euro desde a
primavera de 2010.

Estas crises estruturam a parte central do trabalho. A Grande Depressão dos anos 1930 e a
crise da reestruturação capitalista na década de 1970 são episódios tão importantes para a
história do capitalismo global e para a análise seguinte das crises nos anos neoliberais, que
merecem uma reflexão mais extensa neste trabalho. O centro do trabalho analisa de forma
mais extensa as crises do capitalismo global nos anos neoliberais: as crises mais importantes
com impactos sobre o Brasil foram as crises nos mercados emergentes, México (1994/1995),
30

sudeste asiático (1997/1998), Rússia (1998), Brasil (1998/1999 e 2002/2003), Argentina


(2001/2002); Obviamente outro foco está na crise nascida no centro do capitalismo
contemporâneo-os Estados Unidos, a crise financeira global de 2008/2009 e seus impactos
prolongados, especialmente a crise da dívida soberana na área do euro desde a primavera de
2010. A crise japonesa da década 1990 merece também uma curta reflexão, embora os
impactos sobre o Brasil não fossem significantes, porque o estouro das bolhas especulativas no
mercado de ações e no mercado imobiliário em 1990 no Japão e seus impactos sobre a
economia real japonesa, sobre a estabilidade do sistema bancário e a dívida pública japonesa
podem ser vistos como um prelúdio da crise financeira global dos anos 2008/2009. Enquanto
um olhar sobre as causas e impactos destas crises do capitalismo global é necessário, o foco do
trabalho está nas perspectivas destas crises para o Brasil, avaliando impactos econômicos,
financeiros, sociais e políticos para o Brasil.

Outro foco relacionado com as crises do capitalismo global são as transformações econômicas,
politicas, sociais, e ideológicas que seguem como impacto das crises. Cada crise profunda do
capitalismo global deixa suas cicatrizes, ela deslegitima elites governantes e ideologias
dominantes. As crises somente são superadas com a transformação de instituições econômicas
e politicas. Transformações profundas muitas vezes também acontecem no ambiente
ideológico e cultural. As crises chamam para novos conceitos, novas ideias, novos dirigentes, e
novos caminhos. Se as necessidades de novos caminhos de ação social são evitadas a
sociedade pode entrar em um processo de decadência. Por esta razão este trabalho tenta não
somente ser uma narrativa sobre a história das crises e suas causas, mas também uma
narrativa sobre as transformações profundas das sociedades atingidas pelas crises.
Especialmente a Grande Depressão da década de 1930 e a crise da década de 1970 foram
palco de transformações profundas, no Brasil também a Grande Depressão e a crise da dívida
externa na década de 1980 foram marcas de transformações profundas. Para a crise financeira
global de 2008/2009 parece ser cedo demais para discutir sobre transformações. O último
capítulo do trabalho - Epilogo: Outro mundo é possível? Perspectivas dos movimentos
anticapitalistas - tenta desenhar algumas tendências neste sentido.

Depois esta introdução se encontra uma discussão dos conceitos centrais para este trabalho:
os conceitos do capitalismo (global), das crises e dos ciclos conjunturais do capitalismo, bem
como uma discussão sobre o papel do Estado na economia, focando a divergência entre
keynesianismo e neoliberalismo, e um capítulo sobre as [grandes] transformações de
instituições, ideias e ideologias em tempos das crises. O Estado entra na análise dos conceitos
porque historicamente a evolução de Estados nacionais fortes acompanha o desenvolvimento
31

do capitalismo global em suas fases diferentes, e ideologias liberais e socialistas são


controversas em primeiro lugar na avaliação do papel do Estado na economia.

Na parte seguinte encontra-se a história e a análise econômica das crises mais sérias do
capitalismo global no século XX e XXI, seguida de uma análise das teorias econômicas que
tentam explicar as crises. Na última parte do trabalho avaliam-se os movimentos
anticapitalistas contemporâneos e suas perspectivas para uma alternativa ao sistema atual do
capitalismo global: outro mundo é possível? Todas as partes deem ênfase nas perspectivas
brasileiras na discussão dos tópicos.

Obviamente o trabalho somente pode mostrar tendências e contar uma história discutível das
crises e seus impactos, porque a história aqui relatada, a história política e econômica das
crises não segue de forma determinista, mas é sujeita as contingências da vida, ao acaso e a
possibilidade dos homens de mudar o rumo da história através do conhecimento, da inovação,
do carisma de pessoas e instituições específicas, do discurso político e econômico, da revolta e
revolução, que deixam – muitas vezes - somente o caminho para uma explicação singular das
crises e não abrem a possibilidade de uma explicação teórica unificada.

Provavelmente o tempo das “Grandes Narrativas (Lyotard)” realmente acabou, mas com
certeza também ideias específicas das grandes narrativas do pensamento econômico e político
como o pensamento clássico, austríaco, keynesiano, marxista, liberal e neoliberal e outros
podem refletir de forma eclética a descrição e explicação das crises e seus impactos, sem a
intenção de formular uma teoria unificada. A dificuldade é diferenciar em nessas narrativas
entre sinal e ruído [Silver, 2013], entre tendências deterministas e eventos contingentes. A
consequência é que as crises são diferentes, embora existe a possibildade de categorizar certas
formas de crises.

Para ter uma base melhor de discursar sobre as crises do capitalismo global e seus impactos
sobre o Brasil é necessário aprofundar os conceitos de capitalismo, de crises, da intervenção
do Estado, e do papel das instituições e ideias na evolução capitalista nos próximos capítulos.
32

2. Conceitos
A narrativa e análise das grandes crises do capitalismo global com impactos sobre o Brasil
precisam começar com uma discussão curta dos conceitos mais importantes do estudo:
capitalismo e crises (econômicas). O capitalismo como um sistema econômico de produção
expandiu-se desde o século XIV até hoje quando se tornou o sistema econômico quase global.
Por esta razão encontra se aqui em primeiro lugar uma curta discussão sobre a história do
capitalismo como sistema mundial de produção, focando nos países centrais da Europa e nos
Estados Unidos e obviamente contando também o papel do Brasil nesta história. Nesta
narrativa histórica curta entram também as crises econômicas mais importantes até a primeira
Guerra Mundial de 1914 até 1918. As crises do capitalismo global nos séculos XX e XXI são
tema dos capítulos centrais deste trabalho. Segue uma curta discussão dos conceitos dos ciclos
conjunturais e das crises econômicas (depressões), com foco nos diferentes tipos de crises
financeiras, que para muitos economistas são a causa por que recessões em ciclos conjunturais
normais tornam se depressões profundas e prolongadas.

O capitalismo como sistema econômico de produção global está inserido em um sistema


político mundial de países que competem de forma pacifica e, às vezes, na forma de guerra
sobre o poder econômico, político, militar e ideológico no mundo. O capitalismo como sistema
econômico nacional de produção está também inserido na sociedade civil, nas suas culturas,
normas e ideologias, nas suas lutas pelo poder político e ideológico e nas suas tentativas de
influenciar as políticas do Estado nacional.

O trabalho usa em muitas de suas narrativas a estrutura de Mann [2013 (2), p. 1 p.] sobre as
fontes de poder social para explicar as crises do capitalismo global, que são sempre crises
econômicas com um fundo de lutas políticas e ideológicas no nível nacional e de lutas
geopolíticas de poder no nível mundial. Por esta razão encontra-se na discussão sobre os
conceitos básicos um capítulo sobre o papel do Estado na economia e um capítulo sobre
instituições, interesses, ideias e ideologias refletindo o fundo político e ideológico na história
do capitalismo e de suas crises. Os conceitos de Mann sobre as fontes de poder social são
descritos no capitulo sobre o papel do Estado na Economia. Aqui também é discutida a
estrutura vertical hierarquizada e institucionalizada de poder, renda e riqueza, que diferentes
correntes de pensamento chamam de elites (as vezes chamadas elites funcionais, para evitar a
contaminação com ideias de Pareto, Mosca e Michels), classe dominante ou mais
recentemente plutocracia e noutro lado as camadas e classes governadas, o povo.
33

a. Capitalismo
"Capital (...) foge turbulências e conflitos e é da natureza ansiosa. Parece muito verdadeiro, mas
não é toda a verdade. Capital tem horror diante da ausência de lucro ou de lucro muito
pequeno, como a natureza diante do vazio. Com lucro adequado o capital torna se corajoso.
Dez por cento com certeza e você pode aplicar o capital em todos os lugares; 20 por cento, e o
capital torna se animado, 50 por cento, positivamente audacioso; com 100 por cento pisa em
todas as leis humanas; 300 por cento, e existe nenhum crime que o capital não arrisca, mesmo
com o perigo de ser enforcado. Se turbulência e conflitos trazem lucro, o capital vai estimular
ambos. Contrabando e tráfico de escravos são provas para isto" Karl Marx 15
“Uma visão está ganhando aceitação generalizada de que gerentes das empresas e líderes
trabalhistas têm uma "responsabilidade social" que vai além de servir o interesse de seus
acionistas ou de seus membros. Esta visão mostra um equívoco fundamental do caráter e da
natureza de uma economia livre. Em tal economia, há uma e apenas uma responsabilidade
social das empresas - usar os seus recursos e se envolver em atividades destinadas a aumentar
seus lucros, desde que permaneça dentro das regras do jogo, o que é dizer, se engaja em
aberta e livre concorrência, sem engano ou fraude.” Milton Friedman16
Ganância, na falta de uma palavra melhor, é boa. A ganância é certa. Ganância funciona.
Ganância esclarece e captura a essência do espírito evolutivo. Ganância, em todas as suas
formas; ganância para a vida, por dinheiro, por amor, conhecimento, marcou a subida do
homem e cobiça não só irá salvar a corporação Teldar, mas outra corporação defeituosa -
chamada os Estados Unidos. Gordon Gekko no filme “Wall Street” (1987), baseando se no
“junk bond king” Michael Milken17
No presente estágio planetário, o “problema do capitalismo”, a disfunção mais gritante e
potencialmente explosiva da economia capitalista, está mudando da exploração para a
exclusão. É essa exclusão, mais do que a exploração apontada por Marx, um século e meio
atrás, que hoje está na base dos casos mais evidentes de polarização social, de
aprofundamento da desigualdade e de aumento do volume da pobreza, miséria e humilhação.
Zygmunt Bauman18
O que Daniel Bell chamou de “contradições culturais do capitalismo” está na origem do mal-
estar ideológico de hoje: o progresso do capitalismo, que necessita de uma ideologia
consumista, solapa pouco a pouco a própria atitude de frugalidade (ética protestante) que
tornou o capitalismo possível. O capitalismo de hoje funciona cada vez mais como uma
“institucionalização da inveja”. Slavoj Zizek19
“Apesar do temor de Carlyle de que a modernidade viria a transformar todas as relações
humanas em relações econômicas, o verdadeiro Homo Economicus – buscando sem cessar em
cada transação a maximização da sua utilidade – continua a ser raro e, para a maioria de nós, é
uma espécie de monstro. Cotidianamente, homens e mulheres subordinam o interesse próprio
a algum outro motivo, seja ele o ímpeto de jogar, vadiar, copular ou destruir. Nesse sentido, a
lógica do dinheiro não passa de um elo na comprida e emaranhada cadeia de motivação
humana.” Niall Ferguson20
As crises são essenciais para a reprodução do capitalismo. É no decorrer de crises que as
instabilidades do capitalismo são confrontadas, remodeladas e reestruturadas para criar uma
nova versão do que é o capitalismo. Muito seja demolido e devastado para abrir caminho para
o novo. As paisagens uma vez produtivas são transformadas em lixões industriais, antigas
fábricas são derrubadas ou convertidas em novos usos, os bairros da classe trabalhadora ficam
gentrificados. Em outros lugares, as pequenas fazendas e as explorações camponesas são
deslocadas pela agricultura industrializada em larga escala ou por novas fábricas elegantes. (...).
Mas o que é tão impressionante em relação às crises não é tanto a reconfiguração total de
paisagens físicas, mas as mudanças dramáticas de pensamento e compreensão, de instituições
e ideologias dominantes, de lealdades e processos políticos, de subjetividades políticas, de
tecnologias e formas organizacionais, das relações sociais, dos costumes e gostos culturais que
34

informam a vida diária. Crises agitam nossas concepções mentais do mundo e do nosso lugar
nele profundamente. David Harvey21
“O comunismo tinha uma causa - que, em termos ideais, era a igualdade e a prosperidade para
todos, que todas as pessoas eram e podiam ser iguais -, mas não possuía um mecanismo
apropriado para defender essa causa. Ao passo que o capitalismo é um mecanismo que, para
mim, parece carecer de uma causa. Será que o importante é que todos ficarmos ricos ou será
que a vida é mais do que isso? Porque, quando ganhamos dinheiro, raramente ele parece ser
suficiente. A questão é: estamos correndo o risco de jogar o bebê para fora da banheira
juntamente com a água? A água da banheira é a ineficiência e a intolerância do comunismo,
enquanto o bebê é o seu idealismo. E infelizmente é isso o que está faltando ao capitalismo.
Existe um câncer no coração do capitalismo. É a falta de uma causa que agite o coração. Por
que tudo isso e para quem?” Charles Handy22
i. Introdução
Como as citações acima mostram o conceito do capitalismo é um assunto controverso, embora
o próprio conceito do capitalismo entrasse relativamente tarde na discussão acadêmica,
provavelmente no fim de século XIX (Kocka, 2013, p.9), mas os conceitos do capitalista e do
modo de produção capitalista e as ideias básicas de uma economia de mercado já entravam
muito antes nesta discussão. Mercados já existiam por muito tempo na história humana.
Embora os mercados sejam um elemento importante do capitalismo a existência de mercados
precede historicamente estruturas capitalistas em muitos séculos.

Os clássicos da discussão sobre o capitalismo são na visão de Ingham (2008) Smith, Marx,
Weber, Schumpeter e Keynes, embora em Smith e Marx a própria palavra capitalismo foi não
ou pouco usada. Todos esses clássicos viam o capitalismo como um sistema dinâmico de criar
riqueza e aumentar o padrão de vida de um país e de sua população. Mas eles enfatizam
diferentes perspectivas, a auto regulação harmônica da economia através da mão invisível de
Smith, que substituiu a mão visível do Estado (no mercantilismo) através de mercados livres e
comércio internacional livre. Com Marx começa a discussão critica do capitalismo, enfatizando
a distribuição desigual do poder, da renda e da riqueza (exploração) entre trabalhadores e
capitalistas e a propensão do capitalismo de gerar crises profundas (bem como a concentração
crescente do capital no desenvolvimemto capitalista). Em Weber o foco está na divisão entre
família e empresa capitalista e na racionalidade da forma da organização da produção bem
como na evolução de uma burocracia estatal eficiente. Em Schumpeter a ênfase está no papel
do capitalista empreendedor para a inovação dos processos de produção e dos produtos
(destruição criativa) e no papel dos bancos e do crédito para financiar as inovações. Enquanto
em Smith a mão invisível dos mercados parece garantir um desenvolvimento capitalista
equilibrado e harmonioso, em Schumpeter e ainda mais em Marx o desenvolvimento
equilibrado é a exceção, a força da destruição criativa das inovações e o conflito sobre a
distribuição da renda e das condições de trabalho entre capitalistas e a força de trabalho leva a
35

um crescimento instável com crises profundas. Em Keynes o foco está na instabilidade do


sistema capitalista consequência do ambiente da incerteza e do risco que acompanha todas
decisões de investimento, da produção e da distribuição, bem como a distribuição desigual da
renda e da riqueza. Keynes também aponta o Estado como ator importante para amenizar as
crises e combater desemprego e pobreza através de políticas macroeconômicas e sociais.

Capitalismo pode ser definido em primeira aproximação como um sistema econômico onde as
empresas (ou na conceituação marxistas os meios de produção) são – na sua maioria – na
propriedade privada e os donos dos meios de produção (capitalistas) produzem bens e
serviços para mercados competitivos com o objetivo de obter lucro usando mão de obra livre,
acumulando (parcialmente) os lucros para expandir a produção (acumulação de capital) e
ganhar vantagens competitivas através da inovação em novos produtos e processos de
produção. Por esta razão os direitos de propriedade são vistos como uma instituição básica do
capitalismo. Do controle dos direitos de propriedade pelos capitalistas deriva o controle dos
capitalistas e seus gerentes sobre os processos da produção e a força de trabalho levando ao
conceito marxista de exploração e dominação da força de trabalho pelos capitalistas. Mas
embora a propriedade da empresa capitalista abre a possibilidade de fazer lucros ela também
enfrenta o risco de fazer prejuízos por causa da incerteza sobre o futuro em que todas as
decisões econômicas estão sujeitas.

O conceito do capital é um conceito central na descrição do capitalismo. Capital é dinheiro


investido em empresas para criar lucro e com isto riqueza. Investindo em meios de produção,
trabalho e conhecimento, e recursos naturais o capitalista (empresário, empreendedor,
comerciante, etc.) produz e/ou comercializa produtos e serviços para um mercado
parcialmente desconhecido enfrentando incerteza e risco. Como Schumpeter apontou o
investimento em produtos e processos inovativos promete vencer competidores e ganhar
lucros mais elevados, mas incerteza e riscos maiores precisam ser enfrentados pelos
inovadores. O processo inovativo, incentivado pelas expectativas de lucros futuros elevados, é
seguindo Schumpeter o motor do desenvolvimento capitalista, criando novos ramos na
produção, nos serviços, e nas finanças e com isto implementando profundas transformações
estruturais na economia e na sociedade. O capitalista não investe somente capital próprio,
mas também capital de terceiros sob a forma de ações, créditos, títulos de dívida, etc. Os
mercados financeiros, o sistema financeiro, e os investimentos financeiros de certa forma
espelham e dependem das atividades reais, mas eles criam também um ambiente próprio para
inovação e desenvolvimento, mas também da especulação. Investimentos reais são mais
fixados e inflexíveis em relação aos investimentos financeiros mais flexíveis. Por esta razão
36

existe certa competição entre investimentos reais e financeiros, embora os financeiros


dependam em último lugar das atividades reais.

Em um ambiente institucional capitalista empresas insolventes ou ilíquidas devem ir à falência


e sair do mercado [restrição orçamentária dura, não existe um emprestador de última
instancia para evitar a falência]. Mas, como especialmente a crise financeira global de
2008/2009 mostrou, alguns bancos e empresas são grandes demais para falir e conseguem
através de ‘bail-outs’ pelo Estado deslocar prejuízos e riscos para os contribuintes de impostos
(privatização dos lucros e socialização dos prejuízos). E, como Sinn [2014] mostra para a crise
de Grécia depois de 2010 os programas de resgate nem chegavam à população grega, mas
compravam tempo para os financistas podem transferir seus títulos e seus riscos para o Banco
Central Europeu (ECB) e para outros países da zona de euro, até hoje em 2018 a maior parte
da dívida grega e seus riscos encontra se em instituições públicas.

Um problema na definição do capitalismo acima é o pressuposto de mercados de trabalho


livres onde os trabalhadores podem e precisam vender sua força de trabalho para os
capitalistas. Existe uma controvérsia, discutida de forma mais sucinta na parte sobre as
perspectivas históricas do capitalismo, se a escravidão ou outras formas de trabalho forçado
são compatíveis com estruturas capitalistas. Historicamente empresas capitalistas no setor
agrário (açúcar, algodão etc.) no Brasil, no sul dos Estados Unidos e no Caribe usavam trabalho
escravo até a abolição. Neste sentido a condição de uma força de trabalho livre faz sentido no
ambiente dos países centrais, menos para os países periféricos e semiperiféricos.

Na introdução da “The Cambridge History of Capitalism, Volume I” [2014, posição 202]


encontra-se uma definição do capitalismo que tenta conceituar o capitalismo sem conceitos
como maximização do lucro, acumulação de capital e inovação com os seguintes quatro
elementos básicos que tentam descrever qualquer estágio histórico do capitalismo:

Direitos privados de propriedade;


Contratos que podem ser forçados por partidos terceiros;
Mercados com preços responsivos; e
Governos como instituições auxiliares.

Nesta definição os quatro elementos devem se relacionar com o capital, o fator de produção
fisicamente presente em prédios ou maquinas, ou em melhoramentos da terra, ou em pessoas
com conhecimento especifico. A eficácia do sistema capitalista conduzidos por mercados e
preços depende dos incentivos que suas instituições criam. Instituições são no sentido de
North as regras do jogo da sociedade, regras formais como lei e constituições, regras informais
37

como convenções e regas de conduta, e a eficiência com que eles podem ser forçados por
terceiros ou pelos contratantes.

Consequentemente o capitalismo é definido como um sistema econômico complexo e


adaptativo operando em sistemas mais amplas sociais, políticos e culturais que suportam o
sistema econômico.

Pode ser que esta definição é mais ampla e menos ideológica do que uma definição que usa os
conceitos de lucro, acumulação e inovação, mas também de certa forma deixa com isto fora os
conceitos que historicamente entram centralmente na formação do conceito do capitalismo
global. Pareçe que falta alguma coisa importante nesta definição, a procura de lucro que
estimula a produção capitalista. Importante também é anotar que enfatizando o motivo de
lucro e da acumulação do capital, que não devem ser esquecidos outros fatores e motivos que
podem explicar a evolução do sistema capitalista no ambiente nacional, bem como global,
motivos como a vontade pelo poder, privilégio, status, reconhecimento através da criação e
acumulação de riqueza pelos capitalistas.

Embora o objetivo de lucro através da acumulação de capital é o incentivo central para a classe
capitalista e os direitos da propriedade nas empresas é a instituição central que garante a
apropriação dos lucros pelos capitalistas. Mas igualmente importante para o desenvolvimento
capitalista e a transformação econômica – como especialmente Schumpeter enfatiza – é o fato
de que as empresas capitalistas operam em um ambiente de competição, não somente em
uma competição de preços, da qualidade e do marketing, onde grande parte da teoria
econômica focaliza seu interesse. Schumpeter [2003, p. 82 pp.] enfatiza que a competição “do
novo produto, da nova tecnologia, da nova fonte de abastecimento, do novo tipo de
organização (...) – esta concorrência determina uma vantagem decisiva de custo ou de
qualidade que não somente atinge as margens dos lucros e da produção das empresas
existentes, mas atinge os fundamentos e a própria existência das empresas”. (...). Esta
competição das inovações “não somente influência de fato os empresários, mas é também
uma ameaça permanente. [Esta ameaça de inovação] disciplina antes de atacar”. Schumpeter
afirma [2003, p. 83.] que este processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o
capitalismo. “É aquilo em que consiste o capitalismo e em que toda preocupação capitalista
tem de viver”. Para Schumpeter esta ameaça de inovações de concorrentes diminui com a
crescente oligopolização dos mercados nas últimas décadas do século XIX, embora com vista
na inovação contemporânea nas tecnologias de informação e comunicação esta hipótese
parece contestável. Para Schumpeter o problema relevante não é como o capitalismo
administra as estruturas existentes, mas como ele cria novas estruturas e destrói velhas
38

estruturas, “uma construção teórica que negligencia esse elemento essencial do caso
negligencia tudo o que é mais tipicamente capitalista sobre ele; até mesmo se logicamente
correta, bem como de fato, é como Hamlet sem o príncipe dinamarquês”. [Schumpeter, 2003,
p. 86]

Importante é enfatizar também as forças dinâmicas e inovativas do capitalismo em criar novos


produtos e processos com o fim de conseguir lucros monopolistas temporários, o processo de
destruição criativa descrito por Schumpeter [2003] criando novos produtos e processos e com
isto destruindo posições de competidores nos mercados, e condenando produtos e estoques
existentes, ideias, tecnologias e habilidades existentes para a lixeira da história. Com isto o
capitalismo [citado em Mann 2012 (2), p. 63] “incessantemente revoluciona a estrutura
econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a antiga, incessantemente criando
uma nova”.

O capitalismo, então, é por natureza uma forma ou um método de mudança económica (...),
mas nunca pode ser estacionário. E este carácter evolutivo do processo capitalista não é apenas
devido ao fato de que a vida econômica se passa em um ambiente social e natural que muda e
através de sua mudança altera os dados da ação econômica; este fato é importante e essas
mudanças (guerras, revoluções e assim por diante), muitas vezes condicionam a mudança
industrial, mas eles não são seus motores principaís. Nem é este carácter evolutivo devido a um
aumento quase automático na população e no capital ou das mudanças de sistemas
monetários (...). O impulso fundamental que define e deixa a máquina capitalista em
movimento surge de novos bens novos de consumo, de novos métodos de produção ou
transporte, de novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa
capitalista cria. [Schumpeter 2003, p.82 p.]
Marx e Engels [2000] já apontavam para esta força dinâmica e inovativa do capitalismo:

A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e,


por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais. A
conservação inalterada do antigo modo de produção era, ao contrário, a primeira condição de
existência de todas as classes industriais anteriores. A contínua revolução da produção, o abalo
constante de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época
burguesa de todas as precedentes. [P. 48]
Os mercados, no entanto, continuavam em crescer e continuavam em aumentar as
necessidades. Em consequência, a maquina a vapor e a maquinaria revolucionaram a produção
industrial. O local da manufatura foi ocupado pela grande indústria moderna, a média
burguesia manufatureira foi perdendo seu espaço cedendo lugar aos milionários industriais, os
chefes dos exércitos industriais inteiros, aos burgueses modernos. (...). Vemos, portanto, como
a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma
série de revoluções nos modos de produção e de troca. [P. 46 p.]
Já em Marx, no Manifesto [(4) 1972, p. 465 p.], aparece também a tendência expansionista do
capitalismo no espaço, por Hobson, Luxemburg e Lenin também chamada de imperialismo,
embora exista uma discussão controversa sobre a importância das causas econômicas e
politicas atrás da expansão imperialista da segunda metade do século XIX até a Primeira
Guerra Mundial:
39

A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de


produção, ou seja, as relações de produção (...). A necessidade de um mercado em constante
expansão para os seus produtos leva a burguesia por todo o globo. Ela se aninha em todos os
lugares, cresce em todos os lugares, e estabelece conexões em todos os lugares. (P. 465). Os
baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que derrube todas as muralhas da China,
com a qual obriga o ódio dos bárbaros aos estrangeiros a capitular. Ela obriga todas as nações
de implantar o modo de produção da burguesia (...) e as obriga a apresentar o que se chama de
civilização deles, ou seja, para se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua
própria imagem. (P. 466)
Interessantemente, hoje nos tempos da globalização, são os preços baixos da produção
chinesa que derrubam a indústria nos países ricos.

Importante para a análise a seguir é num lado considerar na evolução do capitalismo global e
de suas crises a dimensão doméstica (nacional) da introdução e propagação de instituições
capitalistas num país. Noutro lado é importante considerar a dimensão internacional da
expansão das instituições capitalistas para outros países e especialmente a difusão de
transações internacionais entre os países para formar um sistema mundial capitalista no
sentido de Wallerstein [2007]: o capitalismo global. Wallerstein [2011 (1)] considera o século
XVI com a expansão portuguesa e espanhola para as Américas, África e o extremo Oriente,
seguida pelos holandeses e ingleses como inicio da formação de um sistema capitalista
mundial, fortalecendo o comércio internacional e introduzindo os primeiros movimentos
internacionais de capital e da migração forçada de escravos, e voluntária de colonos e
trabalhadores. Com a revolução industrial o comércio internacional e os movimentos
internacionais de capital expandem se expressivamente, especialmente com a queda dos
custos e da aceleração do transporte e da comunicação começando na metade do século XIX
(Navios a vapor, ferrovias, telégrafo, etc.). No fim do século XIX já existe um sistema global
capitalista desenvolvido sob a hegemonia britânica com o sistema monetário internacional
padrão ouro. As décadas depois de 1870 são, por esta razão, também chamadas de primeira
globalização com comércio internacional, movimentos interacionais de capital e migração
internacional crescendo mais rápido do que a produção mundial. Neste período do
desenvolvimento capitalista nascem também as primeiras empresas gigantes nos Estados
Unidos e na Alemanha, criando novas formas de organização e gerenciamento. O aumento das
necessidades de financiamento cria também um sistema financeiro mais amplo, bancos, outras
instituições financeiras, e mercados financeiros. A previsão de Weber de um mundo como uma
jaula burocrática de aço descreve algumas tendências no ambiente de empresas gigantes bem
como num setor publico com burocracias kafkaescas, mas mais típico do capitalismo global
parece ser a característica de um sistema econômico sem centro, sem regulação planejada,
sem o grande irmão. No capitalismo global contemporâneo as criticas de tornar o mundo
culturalmente uniforme precisam ser contempladas sob a perspectiva da criação de
40

subculturas e identidades sem fim na era do Internet. A instabilidade do período entre as


guerras mundiais e, em primeiro lugar a Grande Depressão da década de 1930, levam a uma
desintegração temporária da economia internacional.

Defensores do sistema econômico capitalista de produção usam – muitas vezes – o conceito


de economia de mercado (economia mista) ou economia de livre empresa para enfatizar o
papel importante da dinâmica dos mercados livres e dos empreendedores para conseguir
avanços expressivos do padrão de vida da maioria da população e do progresso tecnológico
nos últimos séculos. Os defensores também enfatizam que um sistema econômico movido
pela livre iniciativa dos agentes econômicos consegue melhor satisfazer os desejos dos
consumidores e da população e criar riqueza em um ambiente político da liberdade
democrática. Eles também enfatizam que os mercados livres – a descentralização das decisões
econômicas – consegue melhor captar as informações dispersadas entre os agentes
econômicos e usar eles para o desenvolvimento e a inovação do que um sistema de
planejamento central. Uma das teses centrais do Hayek, por exemplo, é que uma economia de
planejamento central não consegue resolver o problema de acumular e aproveitar as
informações dispersadas entre os agentes econômicos para orientar a produção seguindo os
desejos dos consumidores. Os mercados são neste sentido não somente mecanismos de
incentivos e informação para equilibrar a demanda e a oferta, mas também mecanismos para
descobrir se inovações são viáveis.

Críticos do capitalismo focalizam nos problemas das crises frequentes na história do


capitalismo que resultam em queda da produção e desemprego elevado e prolongado e em
exclusão social para uma parte da população, e no problema da distribuição desigual da renda
e riqueza. O objetivo de obter lucro de curto prazo privilegia as classes dominantes
(empresários, gerentes superiores, financistas e as lideranças na burocracia estatal e nos
governos bem como as elites no militar, na cultura e na religião) e cria desigualdades
crescentes entre as classes e camadas sociais, desigualdades de renda e do poder, e leva a
crises econômicas, sociais e ambientais. Crises, desigualdades crescentes e instabilidade
econômica podem levar o sistema capitalista a abandonar a democracia e instituir sistemas
políticos autoritários ou totalitários, como aconteceu na Grande Depressão dos anos da
década de 1930 em Alemanha e em muitos países da Europa e do mundo. Eles podem também
levar a uma mudança do sistema capitalista pelo caminho democrático como em Chile sob
Allende ou pelo caminho da revolução23 como na Rússia, China, Cuba e em outros países.

ii. Capitalismo – perspectivas históricas


41

Sugiro conceber capitalismo, passado e presente, 'liberal' como "coordenado", como uma
economia política em desequilíbrio permanente provocado pela inovação contínua e conflito
político generalizado sobre a relação entre justiça social e econômica; sobre atritos entre
obrigações de defesa coletiva dos indivíduos contra os impactos da "destruição criativa", e
obrigações individuais para ajustar às mudanças económicas; e sobre os limites morais, se
houver, à perseguição individual de vantagem económica. À medida que a crise atual nos
lembra com força, é teóricamente e empiricamente muito mais instrutivo para o estudo do
capitalismo contemporâneo se concentrar, não sobre a estabilidade, mas sobre a incerteza, o
risco, a fragilidade, a precariedade e a natureza geralmente transitória e nunca completamente
pacificada dos acordos sociais e políticos em sociedades capitalistas. Wolfgang
Streeck, How will capitalismo end? Posição 3935
Na sua evolução histórica a economia capitalista sempre foi inserida (‘embedded’) na
sociedade geral, dirigida, regulada e incentivada por ações e intervenções do Estado. Em
guerras pelo poder geopolítico e pela hegemonia econômica e ideológica as intervenções e o
planejamento do governo mostravam uma economia de guerra – em muitos países –com
traços de uma economia planejada, embora sem mudanças na propriedade dos meios da
produção. Instituições como a lei e o poder dos Estados garantem a propriedade privada e a
confiança no funcionamento de mercados livres. Houve de certa forma, deste o século XV,
uma evolução paralela de Estados nacionais fortes como Espanha, Inglaterra e França e do
sistema do capitalismo global. O Estado precisava de uma economia crescente para fornecer
os impostos que financiavam guerras e conquistas. Esta relação entre guerras e a formação de
Estados nacionais fortes, enfatizado por Tilly [1990], aplica se mais para os países europeus do
que para o resto do mundo. O capitalismo nacional precisava o poder de um Estado forte para
garantir os direitos de propriedade e os lucros e para conquistar novos mercados e para evitar
ou amenizar a concorrência externa.

O mercantilismo era – por esta razão – a primeira ideologia hegemônica no desenvolvimento


do capitalismo global. O conceito do capitalismo global [Frieden] apoia se nas ideias de
Wallerstein [2007] sobre a análise sistêmica global, defendendo a ideia de que a evolução do
capitalismo somente pode ser compreendida como um sistema entrelaçado da economia
capitalista global de relações entre centro, semiperiferia e periferia, onde poder e liderança
mudavam na história. O desenvolvimento do capitalismo sempre precisava e precisa ainda
hoje um clima de confiança entre os agentes econômicos e precisa de instituições fortes para
criar inovações, mercados, trocas e riqueza. Estas instituições são em primeiro lugar a empresa
familiar ou mais tarde a corporação e as instituições do Estado nacional e desde a Segunda
Guerra Mundial com importância crescente instituições internacionais como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC,
antes GATT), a OCDE e as reuniões do G7, G8 e G20.
42

WALLERSTEIN (2011 (2), p. 7) delibera sobre três épocas que poderiam definir o início da
produção capitalista: o primeiro período possível são os anos desde 1500 com a criação de um
sistema de capitalismo global através descobrimento, conquista, comércio e exploração de
continentes desconhecidos e conhecidos, especialmente pelos espanhóis e portugueses,
seguidos pelos holandeses, ingleses e franceses, embora o comércio internacional foi em
primeiro lugar de bens de alto valor em pequena escala. Com a Renascença em Itália e em
outros países e com a reforma luterana e calvinista evolui também um ambiente cultural de
individualismo que favorece estruturas capitalistas. O segundo candidato é o período desde
1650 com a emergência dos primeiros Estados fortes nacionais capitalistas: Holanda e Grã-
Bretanha e da emergência das ideias iluministas24 modernas centrais de Descartes, Espinosa,
Newton e Locke; o terceiro candidato é o período desde 1800 com a revolução industrial e a
urbanização, começando na Inglaterra, acompanhada por mudanças políticas, em primeiro
lugar pela revolução francesa. Para muitos economistas e históricos a revolução industrial,
começando no fim do século XVIII, e no ambiente político a revolução Francesa desde 1789, é
vista como o ponto de partida quando o sistema capitalista de produção se tornou o sistema
econômico hegemônico, pelo menos na Europa Ocidental. Embora é importante anotar que já
muito antes da revolução industrial existiu um capitalismo agrário e comercial na Inglaterra,
Holanda, França, Alemanha e Itália de Norte. Importante também é anotar que no período da
dupla revolução (industrial na Inglaterra e política na França) as ideologias iluministas tevem
também seus reflexos de descolonização nas Américas, com a revolução americana de 1775
até 1793, a revolução no Haiti (1791 - 1804), as guerras de libertação e a independência da
América Latina espanhola desde a década de 1810 (com exceção de Cuba), e em 1822 a
independência do Brasil, embora aqui em com uma transição mais ou menos pacifica. A
descolonização de América Latina foi também reflexo da intervenção militar de França na
segunda metade da década de 1800 em Portugal e Espanha.

Os autores de “The Cambridge History of Capitalism, Volume I: The Rise of Capitalism: From
Ancient Origins to 1848” [2014] tentam descobrir tendências capitalistas muito mais antes, nas
culturas de Mesopotâmia, da China e Índia antiga, na Grécia antiga e no império romano. Eles
encontram comércio exterior, relações de crédito e monetárias, e produção manufatureira
estimulada pela procura do lucro, uso de trabalho assalariado e escravo e períodos de
crescimento do padrão de vida. Mas o espirito capitalista nunca tornou se hegemônico nestas
épocas e – neste trabalho – esta época não seja refletida.

Parece importante lembrar que o motivo da acumulação e ostentação da riqueza


provavelmente existia como motivação humana já em tempos antigos, embora a logica
43

capitalista adicione um novo motivo: a acumulação de capital não para o consumo ou para a
ostentação, mas para o investimento produtivo ou financeiro para criar mais lucro, um motivo
que não conhece limites. Como Zizek [p. 14] lembra na citação no inicio do capítulo uma das
contradições culturais de capitalismo é que o funcionamento do sistema necessita de certa
frugalidade da classe dos capitalistas para financiar investimento e inovação, enquanto no
mesmo momento é também necessária uma ideologia consumista para realizar no mercado o
valor da produção. A criação e ampliação do crédito abrem uma possibilidade de investir sem
antes poupar, uma ideia que especialmente Schumpeter defende focando na importância dos
bancos para financiar a inovação, embora a aplicação desta hipótese para a industrialização na
Inglaterra é controversa. A diferença entre a riqueza em forma de tesouro de ouro e o capital
lembra Sloterdijk [2013, p. 323] seja que o tesouro fica preguiçosamente passivo neste
processo de acumulação e ostentação de ouro e da riqueza, enquanto o capital está sempre
ativo num turismo de investimento e inovação, procurando lucro.

Há uma discussão controversa na ciência da história e na economia sobre a evolução do


capitalismo, especialmente sobre a transição do sistema feudalista para o sistema capitalista.
Existem posições controversas sobre a dinâmica e as falhas do capitalismo, existem
perspectivas com ênfase nas histórias dos capitalismos nacionais, existem perspectivas que
compreendem o capitalismo como um sistema global, que consideram também a luta histórica
de nações pela hegemonia econômica, politica, militar e ideológica (cultural) bem como
perspectivas que enfatizam a luta de classes (o conflito sobre distribuição da renda e do poder)
dentro do Estado capitalista. Algumas posições enfatizam diferentes estágios históricos na
evolução do capitalismo: O capitalismo mercantil, o capitalismo industrial e concorrencial, o
capitalismo monopolista ou organizado, o capitalismo financeiro, o capitalismo fordista e
keynesiano, o capitalismo da acumulação e produção flexível e assim por diante enfatizando
sempre características distintivas de uma fase na evolução do capitalismo global. Existem
também posições que tentam mostrar diferentes modelos do capitalismo contemporâneo por
países ou áreas regionais (por exemplo, em Bresser-Pereira, 2011): Capitalismo anglo-saxão
(Estados Unidos, Reino Unido e outros países da língua inglesa), capitalismo renano (em
primeiro lugar Alemanha e França), capitalismo escandinavo (os países escandinavos),
capitalismo japonês e capitalismo do Estado ou autoritário (China e possivelmente Cingapura),
que enfatizam diferentes relações entre Estado e mercados, diferentes posições com vista às
intervenções de Estado na economia e diferentes formas do Estado de bem estar social. Este
trabalho usa em diferentes lugares de forma eclética diferentes perspectivas do capitalismo
histórico e contemporâneo sem fazer prevalecer certa posição. Importante fica, se possível,
44

focar a perspectiva nacional e global do capitalismo bem como sua evolução histórica, sem
nivelar as particularidades nacionais e históricas através de uma generalização forte de
estágios ou modelos.

Esta discussão mostra a importância que Arrighi [2001] ponha na flexibilidade e no ecletismo
do capitalismo. No mesmo artigo ele descreve também a estrutura das três camadas do
capitalismo, descrito por Braudel: A camada da vida material, uma economia elementar e
quase autossuficiente. A segunda camada das relações de mercado, onde uma coordenação
através de preços coordena oferta e demanda: nesta camada grande parte da ciência
econômica é focada. A terceira camada acima é o mundo das grandes capitalistas na visão de
Braudel citado por Arrighi [2001, p. 113]: “a zona do anti mercado onde os grandes predadores
agem e a lei da selva governa. Este é o lar real de capitalismo, hoje e no passado, antes e
depois da Revolução Industrial.” As relações entre grandes empresas e a elite política no Brasil
revelada nos processos recentes de corrupção fazem pensar em esta terceira camada e
também na já enterrada teoria do capitalismo monopolista de Estado.

É importante lembrar no sentido desta citação a crise financeira global de 2008/2009. O poder
dos atores no sistema de financeiro fica obvio quando bancos e outras instituições financeiras,
grandes demais para falir, são salvados pelos Estados nacionais e pelos bancos centrais, dívidas
privadas, prejuízos privados e riscos privados assumidos são transferidos para as contas de
Estado, em último lugar os contribuintes de impostos precisam pagar para os impactos dos
excessos dos financistas.

Não é possível discutir aqui toda história e todos os conceitos do capitalismo global, mas
interpretando as grandes crises do capitalismo global (A grande Depressão dos anos 1930, a
Crise na década de 1970, a crise financeira global de 2008/2009 e suas consequências) como
períodos de transformação do capitalismo global e suas instituições é possível mostrar a
mudança do capitalismo organizado liberal depois da Grande Depressão da década de 1930
para o modelo do capitalismo regulado nos moldes de Keynesianismo-Fordismo e do Estado de
bem estar social (Beveridge). A crise da década de 1970 mostra a mudança do capitalismo
organizado nos moldes keynesianos para um capitalismo desregulado e globalizado nos
moldes do pensamento neoliberal. Com a crise financeira global de 2008/2009 e seus efeitos
na Europa esperou-se uma mudança para mais regulamentação e intervenção do governo,
mas ainda não houve transformações profundas com exceção de uma politica monetária
altamente expansionista por tempo prolongado, que pode ser interpretado como uma
repressão financeira prejudicando poupadores para salvar governos e bancos altamente
alavancados com taxas reais de juros negativas.
45

Mas é importante também lembrar que este processo do desenvolvimento do capitalismo


global, seus primeiros passos chamados por Marx a acumulação primitiva, não foi um processo
de harmonia e paz, mas um processo violento de luta pelo poder e pela dominação
econômica:

“A acumulação primitiva desempenha na economia política o mesmo papel que o pecado


original na teologia. (...). Sua origem é explicada e pode ser contada como uma história do
passado. Em tempos antigos houve de um lado uma elite inteligente e trabalhosa e acima de
tudo frugal, noutro lado as canalhas preguiçosas que gastam tudo e ainda mais. (...). Assim a
primeira riqueza foi acumulada e as canalhas finalmente tinham nada para vender se não as
suas próprias peles. Deste pecado original data a pobreza da grande massa, que até hoje tem
nada a vender se não a sua própria pele, apesar de seu trabalho duro, enquanto a riqueza de
uns poucos cresce continuamente deixando eles já por muito tempo sem trabalhar. <742>. Na
história real o papel principal desempenha a conquista, a escravização, o roubo, o assassinato
ou de forma curta a violência. Na economia política suave sempre governou o idílio. Lei e
"trabalho" sempre foram os únicos meios de enriquecimento, é claro, exceto para "este ano".
De fato, os métodos de acumulação primitiva são de jeito nenhum idílicos.” [MARX/ENGELS (1),
p.741 p.]
“A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento da
população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a
transformação da África em um espaço para a caça comercial de peles negras são a aurora da
produção capitalista. Estes processos idílicos são os momentos principaís de acumulação
primitiva. (…). Eles abrem com a Revolta dos Países Baixos contra a Espanha, assumem escala
gigante na Inglaterra na Guerra Anti-Jacobina, ainda prosseguem nas guerras do ópio contra a
China, (...) A violência é a parteira de cada sociedade antiga grávida com uma nova sociedade.
Ela mesma é uma potência econômica.” [MARX/ENGELS (1), p.779]
A evolução do capitalismo global desde a acumulação primitiva, a evolução de diferentes
centros hegemônicos da economia global, as relações de poder entre centro e periferia, a
evolução de diferentes paradigmas de entrelaçamento do Estado nacional com empresários e
a classe trabalhadora e o papel dos Estados no desenvolvimento capitalista faz parte de
capítulos a seguir. Na narrativa de Marx o motor da historia politica e econômica está na luta
de classes entre capital e trabalho pela distribuição de renda e de poder, na narrativa de
Schumpeter o motor da história econômica está na inovação tecnológica e organizacional,
mas, não deve se esquecer da luta e entre credores e devedores, no nível nacional, bem como
internacional, e nas narrativas contemporâneas as demandas e lutas por reconhecimento da
dignidade da identidade deixam as demandas materiais em segundo lugar. A narrativa da
evolução do capitalismo aqui é feita sem aprofundar controversas teóricas, por exemplo, da
transformação do feudalismo da idade média para os primeiros passos do capitalismo
mercantil e financeiro, mas tentando mostrar as mudanças por dados empíricos, embora a
base para a análise empírica tornasse-se mais frágil quanto mais se mergulha no passado.
Dados macroeconômicos confiáveis podem ser encontrados somente depois da Segunda
Guerra Mundial em muitos países.
46

Os períodos da evolução do capitalismo global desde a expansão europeia no século XV e XVI


são também diferenciados sem definir exatamente as datas das mudanças profundas. Uma
possível periodização pode ser feita relativamente ao conceito da destruição criativa de
Schumpeter, das ondas de inovações tecnológicas, também chamadas de ciclos de Kondratieff
[2010, p. 180 pp.; 1993]. O primeiro ciclo Kondratieff da revolução industrial, focado na
indústria têxtil e na maquina de vapor com uso da energia fóssil de carvão de 1780 – 1842, o
segundo ciclo Kondratieff focado nos transportes - ferrovia e navio a vapor – e no aço de 1842
até 1897, o terceiro ciclo Kondratieff focado na eletricidade, na química e no automóvel,
começando em 1898 [Schumpeter, 2010, p. 180]. Na discussão mais recente sobre os ciclos
Kondratieff [por exemplo, Korotayev/Grinin, p. 40 e Šmihula, 2009] a terceira onda termina em
1939/1945, quando começa o quarto ciclo até 1991 da aplicação dos conhecimentos da
revolução cientifica, em este período começa um novo ciclo, focado nas novas tecnologias de
informação, comunicação, biotecnologia e da tecnologia verde. Mas a discussão sobre a
existência dos ciclos Kondratieff e da aglomeração de inovações tecnológicas em certos
períodos é controversa (porque os ciclos são empiricamente difíceis de provar, e a explicação
teórica de existência de ciclos longos de investimento e inovação é também controversa) e,
por esta razão a periodização neste trabalho é diferente focando mais as mudanças estruturais
econômicas do capitalismo global do que as mudanças tecnológicas com exceção da revolução
industrial.

É importante anotar que o discurso seguinte sobre a evolução do capitalismo na história é


somente uma narrativa resumida que tenta captar as tendências gerais da evolução das
instituições do capitalismo no tempo, perdendo com isto as idiossincrasias dos caminhos dos
capitalismos nacionais que dependem da história especifica de cada país e de fatores
contingentes. Certa relevância é dada para as perspectivas desta evolução em países como
Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e o Brasil. De forma resumida tenta-se também
apontar para as crises, reais e financeiras, nestes períodos.

1) Os primeiros passos do capitalismo mercantil, agrário e financeiro

Não existe uma data do nascimento do capitalismo. Um sistema complexo da organização e


motivação econômica e social como o capitalismo não nasce num período determinado, o
capitalismo evolui desde o século XV em certas partes de Europa (nas cidades do norte de
Itália, no Flandres), expandiu se geograficamente e culturalmente até se tornar o sistema
econômico hegemônico em muitos países da Europa e nos Estados Unidos possivelmente na
década de 1870 e torna-se global depois da queda do comunismo burocrático na União
Soviética e no leste da Europa no fim da década de 1980. Arrighi [2010, p. Xi] chama esta
47

evolução “os dois processos mestres interdependentes da era [moderna]: a criação de um


sistema de Estados nacionais e da formação de um sistema mundial capitalista.“ Braudel
[1997, p 15] descreve a propagação das estruturas capitalistas como uma expansão de
manchas de petróleo que se espalham geograficamente e culturalmente.

A evolução do sistema capitalista global por séculos é um processo complexo, envolvendo


transformações políticas, culturais, econômicas e científicas. A expansão europeia para as
Américas e a Ásia foi precedida pelas mudanças culturais da renascença e do humanismo, e
seguida pelas transformações ideológicas da reformação protestante e da evolução de Estados
nacionais na Inglaterra, na Espanha, no Portugal, na Holanda, e na França. A expansão
geográfica foi seguida pela expansão do conhecimento, a revolução científica no século XVI, e
o iluminismo no século XVIII. Embora a China já fosse antes o palco de invenções importantes,
como porcelana, pólvora, papel moeda, e outros, a procura metódica de novos conhecimentos
na revolução científica foi em primeiro lugar um acontecimento europeu. Os impérios no leste
do mundo foram mais saturados e não participavam nesta corrida para subjugar o mundo
através da expansão geográfica e de conhecimento.

Incentivos para esta corrida geopolítica entre os países concorrentes para o poder na Europa
foi a vontade de poder e uma missão imaginada de christianizar o mumdo, o desejo de
enriquecer através de ouro, da prata, e do lucro comercial, mas também como na revolução
científica a pura curiosidade humana pelo novo. A criação de organizações capitalistas, como
as companhias das Índias na Inglaterra e na Holanda, e a lenta evolução de Estados
burocráticos acompanhou esta primeira onda de globalização.

Se as características mais importantes do sistema capitalista são a procura do lucro pelos


capitalistas e a acumulação do capital (moeda pronta para ser investida na produção e nas
finanças para criar lucros), pode se usar a formula da reprodução simples de Marx [(3), 1963 p.
69] G – W – G´ {Capital em forma de moeda – insumos, maquinas, e trabalho – Mais capital em
forma de moeda} para descrever as formas básicas que existiam nestes tempos da evolução
das estruturas capitalistas:

• O capital bancário (ou financeiro), onde o capital inicial é investido em créditos no


sentido amplo para conseguir lucro em forma de juros – um exemplo são aqui os
bancos de Medici e dos Bardi (os Bardi já foram a falência no século XIV, quando o
rei de Inglaterra fez um default sobre sua dívida) e os banqueiros venezianos e
genoveses na Itália. Estes bancos (e também os alemães como os Fugger e Welser)
foram também ativos no financiamento das monarquias da Europa e das senhorias
48

na Itália (especialmente das guerras) e – as vezes - sofriam severamente com os


defaults destes devedores [por exemplo Espanha foi ao século XVI três vezes para
a bancarrota do Estado (default soberano)];
• O capital mercantil, onde o capital inicial é investido (em primeiro lugar) em
mercadorias que são vendidos com lucro – um exemplo são os mercadores de
longa distância de bens de luxo (pimenta, seda etc.) como os mercadores
venezianos, espanhóis, portugueses ou alemães como os Fugger, Welser e os
mercadores da Hanse [organização de comerciantes no norte de Alemanha];
• O capital agrário, onde o capital inicial é investido em terra, melhoramentos da
terra e maquinas, para produzir produtos da agropecuária para os mercados
nacionais e internacionais, usando trabalho livre, servos e escravos, como na
produção de açúcar no Brasil desde o século XVI;
• O capital industrial na forma de manufaturas ou fabricas, onde o capital inicial é
investido no processo produtivo como insumos, máquinas e trabalho para
conseguir lucro com a venda dos produtos finais [por exemplo, as manufaturas de
têxteis nas cidades –no norte de Itália e no Flandres, mas também na construção
naval e civil e na produção de cerveja etc., e mais tarde nas fabricas têxteis na
revolução industrial na Inglaterra];
• Nos séculos XV até a guerra dos trinta anos houve também o capital militar, onde
empreendedores militares (como os condottieres na Itália ou Wallenstein na
guerra dos trinta anos) forneciam armas e mercenários para conduzir guerras em
nome de monarquias ou cidades. As inovações militares com os custos da guerra
em ascensão e a desconfiança dos condotierres levavam os Estados para formar
exércitos próprios e conduzir guerras.

Na tabela a seguir mostram se estimações de dados sobre o PIB per capita de 1300 até 1800
[Bolt e Zanden, 2013: Projeto Maddison] para países, que são importantes na narrativa sobre a
evolução do capitalismo nestas épocas, e o império Otomano como comparação. O ano de
1348 entra nesta tabela, porque neste ano a peste negra espalhou se pela Europa com morte
de quase um terço da população europeia, que levou a mudanças sociais, econômicas e
culturais. É necessário advertir que os dados estimados precisam ser encarados com cautela,
porque são reconstruções ex - post baseados em referências precárias nestes séculos, uma
contabilidade nacional em sentido moderno existe somente depois da segunda guerra
mundial. Os dados mostram uma mudança do centro produtivo de Itália de Norte (com
Veneza, Genova, Florença e Milano como Estados-cidades mais importantes) para Holanda (e a
49

área hoje chamada de Bélgica) e com a ascensão da Inglaterra desde 1700 (os historiadores
enfatizam as datas da experiência republicana sob Cromwell [nas décadas na metade do
século XVII] e da Revolução Glorioso de 1688 como datas mais importantes das mudanças que
levavam a ascensão da Inglaterra entre os poderes europeus).

Tabela 1 Estimação do PIB per capita do Projeto Maddison (1990 International Geary-Khamis
dollars) 1300 - 1800
Itália Estados Império
Holanda Inglaterra Bélgica Espanha
Norte Unidos Otomano
1300 1.588 892 864
1348 1.486 876 919 907 580
1400 1.716 1.195 1.205 819
1500 1.503 1.454 1.134 1.467 846 660
1600 1.336 2.662 1.167 1.589 892 587*
1700 1.447 2.105 1.540 1.375 814 900 700
1800 1.336 2.609 2.200 1.361** 916 1.296 740
Fonte: Bolt e Zanden 2013
* 1650, ** 1812
Neste capítulo e nos próximos a estrutura do trabalho mostra os seguintes elementos básicos
na descrição do processo do desenvolvimento do capitalismo na escala global, as estruturas e
mudanças econômicas e sociais, o papel do Estado nas relações econômicas e na competição
politico e militar entre países da Europa, a criação de Estados fortes e a introdução de
burocracias, em primeiro lugar para financiar as atividades dos Estados; as crises econômicas e
financeiras; e as ideologias econômicas prevalentes.

Não existe uma narrativa mestra para explicar a expansão europeia para o mundo e para a
evolução de tendências capitalistas nos países da Europa. Os focos são na onda da primeira
globalização induzida pelos descobrimentos e acompanhadas de capitalismo mercantil (para
Ásia, as Américas, Africa e as mares do Sul), nas mudanças culturais dos séculos XV e XVI com
inovações cientificas e tecnológicas, financeiras, e gerenciais, nas artes, na religião e na
filosofia, na criação de Estados nacionais fortes na França e na Inglaterra com inovações nas
finanças públicas, na queda lenta do feudalismo.

A expansão europeia começa no século XV e para muitos historiadores isto marca o fim da
idade média da história humana na visão eurocêntrica. Nos séculos XV e XVI os fundamentos
do poder da igreja católica começam a ruir, o feudalismo com fortes laços dos agricultores com
a terra está em mudança, as cidades crescem e Estados soberanos se desenvolvem e a
renascença na Itália e a reformação luterana e calvinista na Europa mudam o cenário cultural e
abrem novas perspectivas nas artes, na religião e na interpretação do lugar do homem no
mundo (humanismo e individualismo). A renascenca traz uma reavaliação da cultura grego-
50

romana (pagão) e um humanismo mais individualista, fortalece um espirito da livre


investigação. A reforma lutherana e calvinista critica instituiciones e rituais da igreja católica,
fortalece com a leitura individual da bíblia a liberdade individual e a discussão pública, embora
especialmente a igreja lutherana criasse fortes laços com o Estado, se subordinando as elites e
dinastias. Leitura, crítica e discussão levam também para os primeiros passos de uma
revolução cientifica. “De acordo com o famoso pronunciamento de Francis Bacon (1620), três
novidades trouxeram a modernidade em sua esteira: pólvora, navegação oceânica e
imprensa”. [Gat, 2006, posição 8212]

As ciências abandonam a visão geocêntrica do universo (com Copérnico, Kepler e Galileu) e


começam a introduzir métodos indutivos, empíricos e matemáticos nas ciências naturais. A
tecnologia leva a melhorias na navegação no alto mar, a imprensa (Gutenberg) e a pólvora são
introduzidas, embora estas invenções aconteciam na China já em séculos anteriores, mas não
os explorando economicamente [eles não se tornavam inovações em sentido de Schumpeter].
A inovação da imprensa chegou de impulsionar fortemente a produção de livros e panfletos,
criou espaços para a discussão pública de assuntos políticos, religiosos, científicos e outros,
criando fóruns de crítica na sociedade cívil. Os descobrimentos dos navegadores de Espanha e
Portugal abrem o caminho para a conquista ou para o comércio nas Américas e no Extremo
Oriente. Fala-se nesta época também da evolução do capitalismo mercantil na Europa,
acompanhado de mudanças na gerencia das empresas (contabilidade e de forma mais geral
racionalidade de conduzir os negócios), na criação de companhias (p.e., as companhias de das
Índias Orientais na Inglaterra (1600) e na Holanda (1602)), mudanças nas finanças privadas
(bancos, letras de câmbio, diferentes formas de crédito, bolsas de valores) e nas finanças
públicas (títulos públicos e com isto criação de uma dívida pública do Estado, não mais do
monarca). Embora a maioria da população trabalhasse ainda na agricultura, nas cidades
desenvolvem-se comercio, finanças nos bancos, e atividade industrial nas manufaturas, na
produção de alimentos e bebidas, de vestidos, na construção civil, e nos estaleiros que
produzem a frota mercantil e a marinha de países como Espanha, Portugal, Holanda, Inglaterra
e França.

Harari [2015, posição 3822 pp.] mostra a importância da revolução cientifica para a
modernização das sociedades:

Mas a ciência moderna difere de todas as tradições anteriores do conhecimento de três


maneiras críticas:
A vontade de admitir a ignorância. A ciência moderna é baseada no latim ignoramus - não
sabemos. Supõe que não sabemos tudo. Ainda mais crìticamente, aceita que as coisas que nós
pensamos que nós sabemos poderiam ser provadas erradas enquanto nós ganhamos mais
conhecimento. Nenhum conceito, idéia ou teoria é sagrado e além do desafio.
51

A centralidade da observação e da matemática. Tendo admitido a ignorância, a ciência


moderna tem como objetivo obter novos conhecimentos. Ele faz isso através da recolha de
observações e, em seguida, usando ferramentas matemáticas para conectar essas observações
em teorias abrangentes.
A aquisição de novos poderes. A ciência moderna não se contentar com a criação de teorias.
Ela usa essas teorias, a fim de adquirir novos poderes, e, em particular, para desenvolver novas
tecnologias.
A revolução científica não tem sido uma revolução do conhecimento. Foi acima de tudo uma
revolução de ignorância. A grande descoberta que lançou a revolução científica foi a descoberta
de que os seres humanos não sabem as respostas para suas perguntas mais importantes.
Tradições pré-modernas de conhecimento como o Islã, o cristianismo, o budismo e o
confucionismo afirmaram que tudo o que é importante saber sobre o mundo já era conhecido.
Os grandes deuses, ou o único Deus todo-poderoso, ou o povo sábio do passado possuía toda a
sabedoria abrangente, que nos revelaram nas Escrituras e tradições orais. Os mortais ordinários
ganharam conhecimento ao aprofundar esses textos e tradições ancestrais e compreendê-los
adequadamente. Era inconcebível que a Bíblia, o Alcorão ou os Vedas estavam perdendo um
segredo crucial do universo, um segredo que ainda pode ser descoberto por criaturas de carne
e osso.
Embora é importante enfatizar que a revolução científica teve poucos impulsos diretos na
evolução do capitalismo até o século XIX, até na primeira revolução industrial a maioria das
inovações vêm de artesãos e técnicos. Mas, obviamente o fundo cultural das mudanças
científicas e ideológicas foi uma das raízes da evolução do capitalismo no Ocidente.

O centro deste capitalismo mercantil se desloca no tempo como Braudel afirma [1997, p.78]:
“Em caso de Europa e das zonas que conquistou, nos anos 80 do século XIV Venezia torna-se
um centro25. Em vez de 1500 há subitamente um salto grande de Veneza para Antuérpia,
depois - entre 1550 e 1560 – uma volta para o mar mediterrâneo, esta vez em favor de
Genova; finalmente o centro econômico migra entre 1590 e 1610 para Amsterdam, onde fica
para quase dois séculos. O centro se desloca entre 1780 e 1815 para Londres e 1929 para o
outro lado do atlântico, para Nova Iorque.” Embora o crescimento econômico não se
sustentasse no Norte e centro de Itália, a Holanda perdeu sua posição central no século XVIII
para Inglaterra com uma marinha que sustentou a hegemonia da Britânia nos mares e a
expansão colonial, com isto o Reino Unido se tornou o império britânico. O ano de 1929, que
Braudel usa para a mudança para a hegemonia dos Estados Unidos é discutível, porque neste
ano a Grande Depressão eclodiu nos Estados Unidos. Depois da Primeira Guerra Mundial (1914
– 1918) os Estados Unidos já se tornavam a maior força industrial (Isto já no inicio de século
XX) e o maior credor do mundo, mas o isolacionismo politico dos Estados Unidos depois do fim
da guerra fez que os Estados Unidos não assumissem a posição hegemônica na economia e
politica mundial (embora forem o país economicamente mais forte), que nos tempos de
padrão ouro antes da Primeira Guerra Mundial a economia britânica exibiu.

É importante anotar que a os ciclos hegemônicos de Wallerstein (e de Arrighi) são relativizados


por Mann [2013 (1), p. 74 p.]
52

Hegemonia significa dominação. As crises vêm no período de transição entre os diferentes regimes
hegemônicos. Seus exemplos [de Wallerstein] são a transição da hegemonia da República Holandesa para
a do Império Britânico, e novamente a partir da britânica para a hegemonia americana. Estes ciclos
geopolíticos tendem a ser de comprimento mais variável do que os ciclos econômicos. Da Holanda para a
Inglaterra durou pouco mais de cem anos, da Grã-Bretanha para os Estados Unidos levou cinquenta. A
hegemonia americana está agora em declínio e logo chegaria a seu fim, diz ele, após um reinado de cerca
de setenta a oitenta anos. Ele, compreensivelmente, não tem certeza de que está a seguir. Ele postula a
hegemonia chinesa como um futuro possível, mas ele parece pensar mais provável que não haverá única
hegemonia. Dada sua visão hobbesiana da necessidade humana de um único soberano, isto cria
problemas. Ele não vê as duas crises do capitalismo e da hegemonia como um minando ou complicando o
outro. Em vez disso em determinados momentos as crises capitalistas e os ciclos hegemônicos coincidem
e se reforçam mutuamente para produzir uma crise sistêmica. Esta é uma teoria sucinta, cheio de
conhecimentos, mas tenho dificuldade em aceitar qualquer uma das metades da mesma. Em primeiro
lugar, considerar a sua lista de hegemonias históricas. A República Holandesa parece uma escolha bizarra
como primeira potência hegemônica da Europa. No final do século 17 os holandeses estavam entre as
pioneiras de algumas instituições capitalistas, eles se defenderam bem em terra e no mar, e eles
adquiriram algumas colônias. Mas eles nunca dominavam a Europa, sem falar o resto do mundo. Os
Habsburgos e França foram os principaís poderes neste momento na Europa, mas o continente (e seus
impérios) teve geopolítica essencialmente de poderes múltiplos. Grã-Bretanha foi mais dominante no
século XIX, pois era a principal potência capitalista industrial com a maior marinha, o maior império, e por
um tempo a moeda de reserva, mas nunca foi hegemônico sobre o continente europeu que se baseou em
uma politica de equilíbrio de poder entre outros Estados nacionais para se proteger. Wallerstein, em
seguida, vê um período de rivalidade entre duas hegemonias potenciais, a Alemanha e os Estados Unidos,
antes do triunfo dos Estados Unidos. Ele descreve o período de 1914-1945 como uma "guerra de trinta
anos" entre os dois, uma descrição estranha para guerras em que os Estados Unidos só entravam
tardiamente, e apenas quando atacado pelo Japão na Segunda Guerra Mundial. A hegemonia americana
foi de fato estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, mas principalmente como consequência não
intencional de uma guerra iniciada pela bravata fascista e militar suicida da Alemanha e do Japão, ainda
que estes conseguissem terminar com os impérios britânico e francês. A hegemonia dos EUA sobre grande
parte do mundo foi concluída pela União Soviética se virando para o interior em uma autarquia
económica. Tal conjunto contingente de eventos resultava de interações complexas entre todas as quatro
fontes de poder social26. Os Estados Unidos já foram no período entre guerras a primeira potência,
embora sem a Segunda Guerra Mundial o dólar provavelmente teria compartilhado o papel de reserva
com outras moedas nacionais, mas teve muito menos poder militar ou geopolítico no período entre as
guerras. O resultado da guerra foi que a América se tornou a grande exceção histórica, o único império
global, o único verdadeiro hegemon que o mundo já viu [embora na Guerra Fria houve enfrentamentos
entre os blocos das democracias liberais capitalistas e o bloco do socialismo burocrático]. Mas com apenas
um único caso, é difícil identificar ciclos hegemônicos. No entanto, concordo com Wallerstein que os
Estados Unidos têm sido hegemônicos no passado recente, de que sua hegemonia está enfraquecendo, e
que pode muito bem acabar por volta de 2020 para 2025. Este processo histórico-mundial único pode
levar a uma crise específica para os Estados Unidos.
53

O século XVII, o século dos holandeses, depois das guerras de libertação contra os Espanhóis
(1568 – 1609 e 1621 – 1648 com a independência formal da Holanda em 1648), o comércio
com o norte da Europa, a pesca no mar de norte, a expansão para o Extremo Oriente, o
crescimento dos mercados locais e internacionais, o crescimento da produtividade na
agricultura, leva a uma dinâmica econômica que torna a Holanda o país mais rico e admirado
na Europa, com países como Inglaterra e França tentando imitar os sucessos holandeses. Os
países de Espanha e Portugal que lideravam a expansão europeia nos séculos XV e XVI,
perdiam lentamente sua posição como líderes no ambiente geopolítico europeu, porque o
Espanha expandiu suas forças demais em guerras europeias (Holanda e no nível naval a perda
da Armada em 1588), mas sem perder sua posição como poderes coloniais importantes. O
século levou também a uma cultura florescente e tolerante na Holanda (como antes na
renascença no Norte da Itália com nomes como Botticelli, Rafael, Michelangelo, da Vinci), que
atraiu imigrantes de todos os países. Nomes como Rubens e Rembrandt na pintura, Espinosa
na filosofia e Grotius na ciência jurídica são exemplos da dinâmica cultural de Holanda.

A dinâmica de mercados livres levou aos palcos novos comerciantes e financistas, interessados
em fazer lucros, calculistas e racionais, que são os elementos básicos de uma economia
capitalista embrionária no sentido de Weber. Investimentos, muitas vezes financiados por
créditos, levavam a ganhos da produtividade na agricultura e na manufatura.

The Cambridge Handbook of Capitalism (Volume 1, posição 6134 pp.) descreve as cidades
Estados da Itália do século XIV como berçário do capitalismo:

As grandes cidades medievais ofereceram material abundante para os estudiosos do


capitalismo moderno. O papel principal dos comerciantes, as inovações na contabilidade e nas
práticas comerciais, as regras jurídicas e as instituições comerciais, e o surgimento de uma nova
mentalidade – todos foram considerados elementos característicos do capitalismo precoce. A
Itália pode justamente ser considerada como o berço do capitalismo comercial e financeiro.
(...). Mas a verdadeira inovação provocada pelo sistema da dívida nas cidades italianas foi a
formação de um mercado secundário sólido de valores mobiliários. (...). Em suma, as inovações
financeiras permitiram que as cidades italianas podem apoiar suas políticas militares com
custos relativamente baixos.
The Cambridge Handbook of Capitalism (Volume 1, posição 7265 pp.) descreve também a
Holanda como um lugar central na evolução do capitalismo:

Os Países Baixos nos séculos XV e XVI exibiam uma unidade legal, política e econômica cada vez
maior, até uma guerra civil, a revolta holandesa (1568 – 1572), estabeleceu a parte norte e sul
dos Países Baixos em muito diferentes caminhos de desenvolvimento econômico e político. No
Norte, a República holandesa tornou-se o que tem sido denominado a primeira economia
moderna, enquanto no Sul a paralisação virtual do comércio marítimo forçou uma
reorganização da economia (...). O VOC [A companhia das Índias Orientais criada em 1602]
adquiriu duas outras características definidoras de corporações modernas, permanência e
responsabilidade limitada para os gestores, mas isso nunca tinha sido a intenção dos
fundadores. (...). Entre 1602 e 1795 o VOC empregou um total de 975.000 homens. O setor
54

industrial que subiu em conjunto com a expansão comercial da República mostrou também
uma crescente demanda de mão-de-obra, notadamente no processamento de géneros
alimentícios importados e matérias-primas. (...). Em meados do século XVI, a madeira, a
cerveja, o arenque e o sal eram setores bem estabelecidos, logo seguidos por novos ramos,
como o açúcar, diamantes, pau-brasil, seda, um pouco mais tarde também café, tabaco, e
indústrias de substituição da importação (...). Os mercados financeiros nos Países Baixos
revelam um elevado grau de dinamismo e variação desde muito cedo. As técnicas financeiras
espalhadas por países com a mesma facilidade que outros tipos de informação. Tão cedo
quanto o décimo primeiro século, por exemplo, a hipoteca da propriedade apareceu no vale da
Meuse, então economicamente a região mais dinâmica (...). Letras de câmbio só se espalharam
além de centros comerciais como Bruges ou Antuérpia quando o comércio exterior atingiu uma
escala suficiente para reembolsar a recolha e divulgação de tais informações (...). O carácter do
mercado financeiro de Amesterdão deve, por conseguinte, ser entendido da enorme liquidez
em seu coração. Comerciantes estrangeiros correram para lucrar com a liquidez e as baixas
taxas de juros associadas a ela, inchando os depósitos do Wisselbank. Em meados do século
XVIII contas em Amesterdão financiavam comerciantes de grãos em Berlim e fabricantes de
algodão em Bruxelas.
O desenvolvimento da navegação com a Europa do Norte o sucesso do comércio da
Companhia das Índias Orientais com o Extremo Oriente no século XVII, a construção de navios,
a construção de canais e o uso da energia das moinhas de vento, bem como o aumento da
produtividade na agricultura através da introdução da horticultura fez a economia holandesa a
economia mais dinâmica da Europa [The World Economy, p. 20] até o fim do século XVII.
Depois a economia inglesa tornou-se lentamente o líder na Europa. A tabela a seguir mostra a
liderança da Holanda no comércio com a Ásia, porque depois da conquista da Constantinopla
em 1453 pelo império Otomano o comércio de longa distância por terra da Veneza e Genova
com o Extremo Oriente perdeu sua importância.

Tabela 2 Número dos veleiros europeus para Ásia

1500–1599 1600–1700 1701–1800


Portugal 705 371 196
Holanda 65 1.770 2.950
Inglaterra 811 1.865
França 155 1.300
Outros 54 350
Total 770 3.161 6.661
Fonte: The World Economy table 2-6
O descobrimento das Américas depois da viagem de Colombo em 1492 para as Américas abriu
uma área enorme para conquista, exploração e colonização. Três quartos da população
indígena das Américas são estimados de ser mortos [The World Economy, p. 18] pela
conquista, pelo trabalho forçado e pelas doenças. O novo continente ofereceu novas plantas,
milho, batatas, batata doce, tomate, fumo e outras que foram introduzidas em Europa. A
transferência para o lado oposto foi de plantas como trigo, arroz, cana de açúcar, azeitonas,
bananas, café e outros, bem como animais como bois, porcos, frangos, cavalos e outros [The
World Economy, p. 18].
55

As maiores atrações econômicas iniciais das Américas foram [The World Economy, p. 19] as
riquezas de ouro e prata em México e Peru e o desenvolvimento de uma economia de
plantação com importação de escravos negros. O transporte de ouro e prata das Américas
para Europa foi de 2.708 toneladas de ouro e de 72.825 toneladas de prata entre 1500 e 1800
[The World Economy, tabela 2-8]. A colonização por europeus no cone sul das Américas e na
América de Norte desenvolveu se mais tarde.

A conquista pelos conquistadores espanhóis e portugueses nas Américas trazia crueldades e


doenças para a população indígena, mas a face mais feia do capitalismo mostrou se no
comércio de escravos da África, primeiro para as plantações de açúcar no Brasil e na Caribe e
depois para as plantações de algodão no Sul de América do Norte. Entre 1700 e 1800 a maior
parte dos escravos foi embarcada em navios ingleses, seguido pelos portugueses e os
franceses [The World Economy, tabela 2-5], muitos economistas pensam que os lucros do
comércio de escravos faziam possível a acumulação de capital e a industrialização na
Inglaterra, embora esta avaliação seja controversa. Entre 1500 e 1870 mais de nove milhões de
escravos africanos chegavam às Américas, como a tabela a seguir mostra, embora de África
para as Américas foram raptados acima de 11 milhões de escravos [The World ecônomo, table
6-5.], a diferença explicada pelas mortes consequência das condições horríveis de transporte.

Tabela 3 Chegada de escravos africanos nas Américas 1500-1870 (mil)

1500-1810 1811-1870 1500-1870


Brasil 2.501 1.145 3.647
América Espanhol 947 606 1.552
Caribe não espanhol 3.698 96 3.793
Estados Unidos 348 51 399
Total 7.494 1.898 9.391
Fonte: The World Economy table 4-4.
Os números não contam a crueldade e desumanidade do comercio dos escravos, com certeza
uma das paginas mais sombrias da história do capitalismo.

A ascensão da Inglaterra/Reino Unido

Embora Portugal e Espanha fossem os primeiros países europeus nos descobrimentos e na


expansão para as Américas e o Extremo Oriente, outros países como Holanda e Inglaterra e
também França queriam também participar da conquista de terras desconhecidas e das
populações indígenas, da colonização de terras férteis, do roubo de ouro e prata e do
comércio com a pimenta e os condimentos do Extremo Oriente, do chá e da porcelana da
China, dos têxteis da Índia. Como os Europeus tinham pouco em troca, eles precisavam
exportar em primeiro lugar prata. A tabela a seguir mostra as importações mais importantes
56

dos portugueses da Índia, e das importações dos holandeses da Companhia da Índia de Leste
(VOC) e dos Ingleses da Companhia da Índia de Leste (EIC) do Extremo Oriente.

Embora Portugal e Espanha fossem os primeiros nas rotas para as Américas e o Extremo
Oriente, as guerras frequentes de Espanha e o descuido com o setor manufatureiro pelos
espanhóis e pelos portugueses deixavam as riquezas fluir para países como Holanda, Inglaterra
e França sem desenvolver a própria economia. Espanha um império poderoso no século XVI,
ondo o sol não se põe, no século XVII já foi um país em decadência.

Tabela 4 Commodities das importações europeias da Ásia 1513 - 1780

Portugal - Índia Holanda VOC Inglaterra EIC


1513-1519 1608-1610 1619-1621 1178-1780 1668-1670 1758-1760
Pimenta 80,0% 69,0% 56,4% 11,0% 25,3% 4,4%
Temperos 9,0% 0,0%
das Ilhas
Molucas
Outros 9,4% 10,9% 17,6% 24,4%
temperos
Têxteis/Seda 0,2% 7,8% 16,1% 32,7% 56,6% 53,5%
Seda crua 0,6% 12,3%
Índigo 0,0% 7,7%
Café e Chá 0,0% 22,9% 0,0% 25,3%
Outros 1,4% 4,6% 9,9% 9,0% 17,5% 4,5%
Fonte; The World Economy, table 2-20.

No século XVIII na Europa a Inglaterra/Reino Unido27 teve um desenvolvimento econômico


expressivo desafiando e copiando a economia holandesa, que em 1700 teve o maior PIB per
capita na Europa (ver Gráfico 1), por causa da maior produtividade em agricultura, navegação,
finanças e comércio. A frota mercantil foi maior do que a de Inglaterra, enquanto a população
somente foi um quarto da Inglaterra [The World Economy, p. 93], somente 40% da população
trabalhava na agricultura.
57

Gráfico 1 : PIB per capita de Alemanha, Itália (centro-norte), Holanda, Inglaterra e Espanha
1600 – 1800

Fonte: The Maddison Project 2013

Em Inglaterra entre 1700 e 1820 a taxa de crescimento da população dobrou em relação ao


século XVII, quando houve perdas por causa da peste e da guerra civil [The World Economy, p.
96], o consumo aumentou e novos produtos como açúcar, fumo, café, têxteis da Índia e
porcelana e chá da China entram no consumo das classes abastadas. Começa a formação de
um Estado moderno e outras instituições favoráveis ao capitalismo mercantil [The World
Economy, p. 95], com isto a Inglaterra desenvolveu um sistema de finanças públicas estáveis e
um mercado para títulos da dívida pública [criação do Bank of England em 1694]. A politica da
expansão na Europa foi substituída pela politica de expansão colonial na América do Norte, na
Caribe e na Índia. Politicas mercantilistas [Navigation Act 1651-1840, monopólios para o
comércio com as colônias, tarifas etc.] e um aumento da frota mercantil e da marinha da
guerra (ver tabelas a seguir). A politica para chegar à hegemonia econômica no século XIX
depois de 1815 [a queda de Napoleão e o congresso de Vienna] não foi somente a politica
econômica, mas também o envolvimento em muitas guerras, especialmente na Guerra dos
setes anos (1756-1763), que já tinha um alcance global, e nas guerras contra a França
revolucionária, a França do diretório e da França de Napoleão (1793 -1815) incluindo também
a guerra da independência americana (1776-1783). A última guerra foi a única que o Reino
Unido perdeu nestes tempos, ganhando com as guerras vitoriosas a competição pela
hegemonia com a França. A vantagem da Inglaterra foi consequência da localização insular, do
58

sistema desenvolvido de finanças públicas (embora a dívida pública depois das guerras
napoleônicas chegou a mais de 200% do PIB) e da força naval da Inglaterra, que depois da
vitória de Trafalgar (1805) começava a reinar nos mares.

Tabela 5 Capacidade da navegação do Reino Unido e do mundo, 1470–1913 (mil toneladas)

Total de Total de
capacidade capacidade
Vela Vapor Vela Vapor
equivalente em equivalente em
vela em t vela em t
Reino Unido Mundo

1470 n.a. 0 n.a. 320 0 320


1570 51 0 51 730 0 730
1670 260 0 260 1.450 0 1.450
1780 1.000 0 1.000 3.950 0 3.950
1820 2.436 3 2.448 5.800 20 5.880
1850 3.397 168 4.069 11.400 800 14.600
1900 2.096 7.208 30.928 6.500 22.400 96.100
1913 843 11.273 45.935 4.200 41.700 171.000
Source The World Economy table 2-25a.

Tabela 6 As três maiores forças navais 1650 - 1720 (em mil toneladas)

1650 1660 1670 1680 1690 1700 1710 1720


Inglaterra 49 88 84 132 124 196 201 174
Holanda 29 62 102 66 68 113 119 79
França 21 20 114 135 141 195 171 48
As três maiores forças navais 1720 - 1790 (em mil toneladas)
1720 1730 1740 1750 1760 1770 1780 1790
Grã-Bretanha 174 189 195 276 375 350 372 473
França 48 73 91 115 156 219 271 324
Espanha 22 73 91 41 137 165 196 253
Fonte: GLETE, JAN
O Reino Unido como potência naval e colonial em ascensão no século XVIII, tornou-se a nação
economicamente hegemônica no século XIX com a industrialização (revolução industrial)
começando no fim do século XVIII e um global player político importante no cenário europeu e
global (entre as potencias continentais de Rússia, do império austríaco, da Prússia (depois da
reunião da Alemanha em 1871 parte da Alemanha imperial) e da França – não se esquecendo
o império otomano, parcialmente europeu, mas já em decadência no século XIX). A história da
mudança do capitalismo global sob os efeitos da industrialização é tema do próximo capítulo.

Os tempos do capitalismo mercantil experimentavam também crises da economia real, na


maioria das vezes causadas por tempestades e catástrofes naturais, colheitas más por causa de
condições adversas climáticas, guerras e revoluções. As crises financeiras mais importantes
nestes tempos foram a bolha de bulbos das tulipas na Holanda do século XVII, que estourou
59

em fevereiro de 1637 [Kindleberger/Aliber p. 302], a bolha das ações da Companhia dos Mares
do Sul no Século XVIII na Inglaterra, que estourou em setembro de 1720 [Kindleberger/Aliber
p. 302], e a bolha das ações da companhia de Mississipi no século XVIII, que estourou em maio
de 1720 [Kindleberger/Aliber p. 302]. A última bolha é economicamente mais interessante
porque mostra o experimento de John Law em usar a emissão de papel moeda na monarquia
francesa para expandir a economia francesa e resolver os problemas da dívida pública francesa
e – ao mesmo momento – expandir a demanda para as ações da companhia de Mississipi,
criando uma especulação desenfreada para estas ações que acabou com o estouro da bolha e
uma desconfiança no valor de moeda papel que durou nos próximos séculos. Embora a
emissão de papel moeda resolvesse a curto prazo os problemas da economia francesa, a
expansão descontrolada de papel moeda levou ao fracasso. As crises financeiras foram
também acompanhadas de fraudes e crimes financeiras, que incluíam a emissão de ações de
empresas com o objetivo, por exemplo, [Chancellor, p. 93] “para melhor curar doenças
venéreas”, “para uma roda de movimento contínuo”, para “promover um empreendimento de
imensa vantagem, mas que não deve ser do conhecimento de ninguém”.

Descrevendo o processo da industrialização na Inglaterra com inicio entre 1750 e 1760 como
“Revolução Industrial”, o próprio conceito da “Revolução Industrial” é controverso entre
historiadores. Em primeiro lugar por que o processo da “Revolução Industrial”, que iniciou um
processo de crescimento sustentado do produto per capita em Europa, não é uma ruptura
rápida das estruturas econômicas, sociais e politicas que normalmente o conceito da revolução
implica, mas um processo de mudanças que se estendem por décadas e para alguns
historiadores até o fim do século XIX. Em segundo lugar por que o processo não somente induz
a mudanças importantes no setor da indústria, mas também por que é antecipado na
Inglaterra por ganhos importantes de produtividade na agricultura e da expansão comercial e
militar da Inglaterra para América do Norte, as ilhas caribes e a Índia. As mudanças da
industrialização também levam a mudanças importantes em outros setores, urbanização,
criação e fortalecimento de instituições de Estado e inovações nas finanças privadas e públicas.
A industrialização na Inglaterra levou outros países da Europa ocidental a copiar os sucessos da
Inglaterra com um certo atraso por causa das guerras revolucionárias e napoleônicas de 1792
até 1815 no continente, parcialmente sob fortes incentivos estatais (por exemplo, na Prússia) e
usando tarifas para defender indústrias nascentes.

2) Industrialização e liberalismo - Do capitalismo concorrencial para o capitalismo


oligopolizado
60

“Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo.
Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo
desenvolvimento e sua maior brutalidade, aqui a civilização jaz milagres e o homem civilizado
torna-se quase um selvagem.” A. de Toqueville a respeito de Manchester em 1815 28
Este capítulo tenta mostrar uma narrativa da evolução do capitalismo global desde a revolução
industrial na Inglaterra nas últimas décadas de século XVIII e da revolução francesa de 1789
até a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). A narrativa tenta mostrar descritivamente com a
ajuda de estatísticas históricas, que nestes tempos foram obviamente mais frágeis, a evolução
de um capitalismo da empresa familiar em mercados competitivos em Inglaterra para um
capitalismo organizado nos países centrais antes da Primeira Guerra Mundial, um capitalismo
de grandes corporações, aplicação de conhecimentos científicos na produção, em mercados
oligopolizados em ramos importantes da produção, e da crescente inter-relação entre
corporações e instituições do Estado. Esta evolução para um capitalismo das grandes
corporações e da crescente intervenção dos governos nos países centrais é também enfatizada
em um capítulo posterior. A narrativa mostra tendências da evolução do capitalismo, não um
processo determinístico de certos estágios de desenvolvimento para captar a hipótese básica
do trabalho de que contingências históricas são mais importantes do que esquemas teóricos. É
também importante lembrar que este processo de concentração, oligopolização e regulação é
mais importante para o continente europeu e nos Estados Unidos, do que no Reino Unido.

Na Inglaterra a revolução industrial começando no fim do século XVIII foi precedida por uma
mudança profunda na agricultura com aumento significativo da produtividade fornecendo
mão de obra para industrialização. A industrialização começou com a inovação no ramo têxtil,
na mineração de carvão usando a inovação da máquina a vapor, a na infraestrutura com a
construção de canais e o melhoramento das estradas. A força animal e humana foi
parcialmente substituída por maquinas e a energia de carvão de madeira substituída pelo
carvão e coque, embora já existiam antes da revolução industrial moinhas de água e de vento
como fonte de energia. Alguns historiadores pensam que a ampla presença do carvão na
Inglaterra foi uma das causas de que este país foi o primeiro em se industrializar.

A Revolução Industrial no sentido de Landes [1994, p. 5 p.] é “o primeiro exemplo histórico do


avanço de uma economia agrária e dominada pela habilidade artesanal para uma economia
dominada pela indústria e pela fabricação mecanizada. A Revolução Industrial começou na
Inglaterra no século XVIII, de onde se difundiu desigualmente para os países da Europa
Continental e para algumas áreas de além-mar. Num intervalo que mal chegou a duas
gerações, transformou a vida do homem ocidental, a natureza de sua sociedade e seu
relacionamento com os outros povos do mundo”.
61

Landes [1994, p.6] destaca a sucessão de mudanças tecnologias seguidas por novas formas de
organização industrial. Os avanços materiais ocorreram em três áreas (1) substituição das
habilidades humanas por dispositivos mecânicas; (2) a energia inanimada (em primeiro lugar a
maquina a vapor) substituiu a força humana e animal29; e (3) a melhora acentuada nos
métodos de extração e transformação de matérias primas (indústrias metalúrgicas e químicas).
A produção industrial já existiu muito antes nas manufaturas onde a mão-de-obra tradicional,
não mecanizada, trabalhava sob supervisão. A disciplina nestes tempos era mais frouxa, no
sistema fabril mecanizado a disciplina foi mais acirrada e finalmente chegou ao seu ápice com
o Taylorismo – Fordismo no início de século XX que dividiu totalmente o trabalho manual e o
trabalho de supervisão, de planejamento e de gerenciamento da produção. Criou se uma força
de trabalho concentrada nas grandes aglomerações industriais que dependia totalmente dos
salários de sua venda da força de trabalho – o proletariado industrial. Os aumentos da
produtividade seguindo estas inovações tornavam os produtos mais competitivos e
desindustrializavam, por exemplo, as manufaturas indianas, a maior indústria têxtil de algodão
mundial e com vantagens competitivas na qualidade até então. Na formulação de Marx “A
burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos da produção e,
por conseguinte, as relações de produção (...). A necessidade de mercados cada vez extensos
para seus produtos leva a burguesia para todo globo terrestre. (...). Os baixos preços de suas
mercadorias são a artilheira pesada que derruba todas as muralhas chinesas (...). Obriga todas
as nações, sob pena de extinção, a dotarem o modo de produção da burguesia (...).” Todos os
autores que analisam os primeiros passos do capitalismo industrial e concorrencial enfatizam a
dinâmica das empresas capitalistas na inovação de novos produtos e processos, na abertura de
novos mercados, nos aumentos da produtividade e da riqueza (embora distribuída de forma
desigual) e na expansão geográfica sob as formas de comércio internacional, movimentos
internacionais de capital, abertura forçada de mercados (por exemplo, China no século XIX),
colonialismo e imperialismo.

Landes [1994, p. 13] enfatiza que a Revolução Industrial trazia também mudanças nas
estruturas de poder, a classe empresarial aumentou em tamanho e força politica e ameaçou a
hegemonia da aristocracia rural. É, obviamente, este aumento do poder econômico levou
também a tentativa de participar ou dominar a politica nacional.

A revolução industrial em Inglaterra começando na década de 1760 foi em primeiro lugar uma
expansão da indústria têxtil de algodão, substituindo a manufatura de lá e linho que antes
predominava na produção de têxteis na Inglaterra, que foi consequência do espirito
empreendedor, do investimento de capital acumulado em maquinas, da inovação na indústria
62

de algodão, da maquina de vapor como fonte de energia, da substituição da madeira pelo


carvão como fonte da energia, e da organização de uma força de trabalho vindo do campo
num sistema fabril. Na tabela a seguir pode se ver o líder da industrialização têxtil de algodão,
o Reino Unido e os seguidores da industrialização têxtil na Europa.

Tabela 7 A indústria têxtil de algodão em Europa 1834 - 1913, Número de fusos de algodão
(Cotton spindles) (mil)

Reino Unido França Alemanha Áustria Bélgica Rússia


1834 10.000 2.500 626 800 200 700
1877 39.500 5.000 4.700 1.558 800 2.500
1913 55.700 7.400 11.186 4.909 1.492 9.212
Fonte: http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/modsbook14.asp

A tabela a seguir mostra que a manufatura indiana de têxteis de algodão foi mais competitiva
do que a manufatura inglesa até a mecanização começou em Inglaterra (em primeiro lugar no
condado de Lancashire) com as inovações do processo de fiação e tecelagem e com o uso da
energia de maquinas a vapor. No primeiro período as exportações indianas de têxteis de
algodão para a Grã-Bretanha são muito maiores, e parcialmente reexportados para outros
países da Europa, ainda que tivesse politicas protecionistas da Grã-Bretanha nestes tempos, no
segundo período a maior competitividade da indústria têxtil britânica leva a um aumento
expressivo das exportações britânicas e a queda das exportações indianas e da
desindustrialização parcial da Índia em relação ao ramo da produção de têxteis de algodão.

Tabela 8 Importações e reexportações de têxteis de algodão de Índia e exportações britânicas


de têxteis de algodão 1663 - 1853

A. Valores em preços constantes (mil £ de 1697)


Importações Reexportações Exportações
1663-1669 182
1699-1701 367 340 20
1722-1724 437 484 18
1752-1754 401 499 83
1772-1774 697 701 221
B. Valores em preços correntes (mil £)
1784-86 1.344 395 797
1794-96 1.687 1.148 3.801
1804-06 823 777 16.339
1814-16 515 433 18.994
1824-26 363 430 17.375
1834-36 347 406 22.398
1844-46 478 450 25.835
1854-56 481 532 34.908
Fonte: BROADBERRY/GUPTA
63

As tabelas a seguir mostram que os preços dos têxteis de algodão em termos reais caiam
significativamente com o aumento da produtividade através da mecanização e da organização
fabril e a queda dos preços leva a Grã-Bretanha a se tornar o centro industrial da Europa (ou,
pelo menos, certas regiões da Grã-Bretanha), que os outros países da Europa (e os Estados
Unidos e mais tarde o Japão) tentam a imitar. A segunda tabela mostra que os preços de
algodão cru aumentam com a demanda em ascensão da indústria britânica e depois começam
a cair com o aumento da produção de algodão nos Estados Unidos, no Egito na Índia e também
no Brasil (com exceção do período da guerra civil norte americano entre 1861 e 1865).

Tabela 9 Preços reais de fios e peças de roupa de algodão (diferentes qualidades)


(deflacionados pelo índice geral de preços) Grã-Bretanha 1780 – 1829

Peças de roupa (Shillings por


Fios (Pence por libra)
libra)
18s weft 40s warp 100s twist Calico Muslin
1780/4 47 168 -- 52 116
1785/9 47 142 761 43 80
1790/4 36 97 318 34 64
1795/9 36 77 112 29 44
1800/4 27 55 80 24 38
1805/9 19 39 66 16 35
1810/4 15 30 50 18 27
1815/9 15 30 62 19 31
1820/4 11 22 51 15 40
1825/9 10 20 52 10 33
Fonte: BROADBERRY/GUPTA

Tabela 10 Preços de algodão cru em Grã-Bretanha, pence per libra, 1680-1879

1680-89 7 1780-89 23
1690-99 7 1790-99 24
1700-09 7 1800-09 17
1710-19 9 1810-19 19
1720-29 10 1820-29 16
1730-39 10 1830-39 8
1740-49 10 1840-49 5
1750-59 16 1850-59 6
1760-69 16 1860-69 15
1770-79 16 1870-79 8
Fonte: BROADBERRY/GUPTA

As tentativas de outros países de imitar o sucesso industrial britânico mostram também as


tabelas seguintes. A primeira tabela mostra que em 1900 a produção industrial do Reino Unido
está ainda a maior em Europa, seguida por Alemanha, Rússia e França, mas no nível global os
64

Estados Unidos já estavam em frente. (Japão depois do período Meiji desde 1868 se
industrializando também rapidamente). Antes da Primeira Guerra Mundial em 1913 houve um
crescimento expressivo nos Estados Unidos e a Alemanha estava superando o Reino Unido (na
produção industrial por capita em 1913 o Reino Unido estava ainda em frente da Alemanha
[Mann, 2012 (1) p. 263]). A tabela a seguir mostra que em 1870 o Reino Unido estava ainda em
frente na industrialização mundial, mas em 1913 os Estados Unidos e a Alemanha estavam em
frente do Reino Unido. A tabela a seguir mostra na produção de carvão e de ferro gusa a
liderança do Reino Unido seguida pelos outros países da Europa, embora nas últimas décadas
antes da Primeira Guerra Mundial a produção de aço, bem como as novas indústrias químicas
e eletrotécnicas já estavam os ramos lideres inovadores na produção mundial.

Tabela 11 : Índice do volume da produção industrial nacional 1750 - 1913


(Reino Unido 1900 = 100)

1750 1800 1830 1860 1880 1900 1913


Os países desenvolvidos 34 47 73 143 223 481 863
França 5 6 10 18 25 37 57
Alemanha 4 5 7 11 27 71 138
Rússia 6 8 10 16 25 48 77
Reino Unido 2 6 18 45 73 100 127
Estados Unidos 1 5 16 47 128 298
Japão 5 5 5 6 8 13 25
Terceiro Mundo 93 99 112 83 67 60 70
Mundo 127 147 184 226 320 541 933
Fonte: Mann [2012 (1) p. 262 de Bairoch 1982, table 8

Tabela 12 Participação dos quatro países centrais na produção industrial mundial (%)
1870 - 1913

Reino Unido Estados Unidos França Alemanha Os 4 países centrais


1870 31,8 23,3 10,3 13,2 78,6
1881-1885 26,6 28,6 8,6 13,9 77,7
1896-1900 19,5 30,1 7,1 16,6 73,3
1906-1910 14,7 35,3 6,4 15,9 72,3
1913 14,0 35,8 6,4 15,7 71,9
Fonte: Histat: Kuczynski, Thomas, (1989 [2013]) Das Wachstum der Industrieproduktion in
England, USA, Frankreich und Deutschland von 1830 bis 1913

Tabela 13 Produção de carvão (milhões de toneladas) e ferro (mil toneladas)

Produção de carvão
Reino Unido França Alemanha Áustria Bélgica Rússia
1820-4 17,7 1,1 1,2 0,1 - -
1840-4 34,2 3,5 4,4 0,5 4,1 -
1860-4 86,3 10,0 20,8 4,1 10,2 0,0
65

1880-4 158,9 20,2 65,7 17,0 17,5 3,7


1900-4 230,4 33,0 157,3 38,8 23,3 17,3
Produção de ferro gusa
Reino Unido França Alemanha Áustria Bélgica Rússia
1781-90 69 141 - - - -
1825-29 669 212 90 85 - 164
1855-59 3,583 900 422 306 312 254
1875-79 6,484 1,462 1,77 418 484 424
1900-14 8,778 2,665 7,925 1,425 1,07 2,773
Fonte: http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/modsbook14.asp

Os trabalhadores sofriam a disciplina do sistema fabril, longas horas de trabalho, condições de


trabalho sofríveis e salários baixos. Houve uma mudança econômica, social e cultural no
próximo século que mudou o mundo para a perspectiva de um crescimento da renda per
capita sustentada e para a predominância econômica dos países da Europa e do América do
Norte no mundo.

No fim do século XVIII o processo de industrialização e urbanização na Inglaterra mudou a vida


para a maioria dos trabalhadores de maneira tão profunda que a revolução industrial pode ser
vista como um período crítico na história humana. Pierenkemper (2015, posição 101 pp.)
mostra a industrialização como ponto de viragem na história econômica e social:

Mais ou menos até 1800, a distribuição da prosperidade modesta foi a mesma em quase todos
os países do mundo durante milênios. Enquanto uma pequena elite levava uma vida
confortável, a grande maioria permaneceu na pobreza abjeta. [...]. Tudo isso mudou
repentinamente na Inglaterra no início do século XIX. (...)
Em cidades selecionadas na Suíça e na Alemanha, a proporção das classes mais baixas na
população urbana no final da Idade Média do século XV estava entre 50 e 75%. (...)
E mesmo quando a Revolução Industrial começou (...), inicialmente apenas uma pequena parte
da economia britânica e, posteriormente, apenas muito poucos outros países europeus foram
dominados pela nova dinâmica. Por enquanto, a velha pobreza continuava deprimente em
todos os lugares. Ao contrário, em algumas regiões o sistema econômico tradicional
desmoronou e novas formas de empobrecimento se espalharam. (...).
Enquanto Friedrich Engels e Karl Marx se referiam à crescente miséria dos trabalhadores
industriais, especialmente na Inglaterra, e viam o crescimento do “exército industrial de
reserva” como a verdadeira razão da miséria em massa, outros, como o economista e
historiador Bruno Hildebrand, referiu-se à continuidade da pobreza pré-industrial,
especialmente rural. Eles esperavam da indústria emergente a solução, em vez de um
agravamento da questão social da época. (...)
Somente a extensa industrialização no século XIX criou a base para um crescimento econômico
acelerado e estável em poucos países.
A revolução econômica na Inglaterra foi acompanhada em França da revolução politica de
1789 [até 1795 ou até a queda de Napoleão em 1815] que para sempre mudou o discurso
politico. Os monarcas soberanos perdiam a legitimidade de reinar uma sociedade
66

hierarquizada, onde nobreza e clero tinham posições privilegiadas. Embora depois da queda de
Napoleão em 1815 houve uma restauração do sistema monárquico autoritário até a revolução
europeia de 1848 [com exceção do Reino Unido, onde já houve um sistema da monarquia
parlamentar desde 1688 (embora com sufrágio muito restrito) e já houve uma curta republica
no século XVII], mas o caminho para uma sociedade mais justa e igualitária demorou séculos e
ainda hoje está um processo de avanços e retrocessos, a ideia de uma sociedade democrática
sem privilégios entrou no imaginário do homem comum com a revolução francesa. Hobsbawm
[1997, p. 17] relata algumas palavras, “que foram inventadas ou ganharem seus significados
modernos” depois da revolução industrial na Inglaterra e da revolução politica na França:
“Indústria, fabrica, classe média, classe trabalhadora, capitalismo, socialismo, aristocracia,
ferrovia, liberal, conservador, nacionalidade, proletariado, crise (econômica), utilitário,
estatística, sociologia, jornalismo, ideologia, greve, pauperismo”.

A expansão da indústria têxtil na Inglaterra, com ganhos expressivos da produtividade pelas


inovações em maquinas, e nova organização fabril de trabalho e a diminuição dos custos de
transporte pelos investimentos do Estado na infraestrutura, deixou os concorrentes para trás,
em primeiro lugar na Índia onde a produção de têxteis de algodão teve antes vantagens
competitivas na qualidade e no preço. Já no século XVIII a indústria têxtil da Inglaterra e de
outros países da Europa (em primeiro lugar neste tempo lá e linho) conseguiu diminuir a
concorrência da Índia através de leis de protecionismo. No desenvolvimento do capitalismo
industrial o Estado foi um parceiro importante para o capital privado para garantir os contratos
e para o comércio externo, se necessário com força militar.

Existe uma discussão controversa sobre o problema quando começou a “Grande Divergência”
entre o mundo ocidental e o resto do mundo. Maddison e Landes [The World Economy, p. 49]
defendem a posição que a Europa já tinha uma posição mais avançada na economia mundial
antes da “revolução industrial”, provavelmente neste sentido a grande divergência já pode ser
alocada no século XVI com a expansão europeia para as Américas e o extremo oriente, com a
revolução cientifica do século XVI e XVII (Copérnico, Erasmus, Bacon, Galileu, Hobbes,
Descartes, Petty, Leibniz, Huygens, Halley e Newton etc.), com as mudanças culturais da
renascença, com a formação de Estados modernos e com avanços tecnológicos (na produção
de bens, mas também nas finanças privadas e públicas e na tecnologia e organização militar).
Bairoch e parcialmente Pomeranz [The World Economy, p. 49] defendem a posição que em
1800 a China foi mais avançada em produtividade e renda per capita e somente depois teve o
avanço rápida da economia europeia e norte-americana, começando a grande divergência.
Maddison comenta que na opinião dele a data da grande divergência deve ser antes de 1800.
67

O gráfico a seguir mostra o crescimento da renda per capita em alguns países centrais de 1750
até 1900, mostrando o papel central que a economia britânica alcançou no século XIX.

Gráfico 2 Renda per capita na Inglaterra, nos Estados Unidos (USA), na Holanda (Países Baixos),
Alemanha e França 1750 – 1900

Fonte: The Maddison Project 2013

Em uma perspectiva histórica mais prolongada pode se ver a Grande Divergência entre alguns
países centrais do Oeste e alguns países da Ásia e da América Latina (como um todo) na tabela
a seguir.

Tabela 14 Participação (em %) de países centrais e periféricos no PIB global e na população


1500 - 2018

Dados Projeto Maddison Dados IMF-WEO


1500 1600 1700 1820 1870 1913 1950 1973 2001 2001 2010 2018
Alemanha 3,3 3,8 3,7 3,9 6,5 8,7 5,0 5,9 4,1 4,8 3,7 3,2
América Latina 2,9 1,1 1,7 2,2 2,5 4,4 7,8 8,7 8,3 9,0 8,7 7,6
China 24,9 29,0 22,3 32,9 17,1 8,8 4,5 4,6 12,3 7,8 13,9 18,7
Estados Unidos 0,3 0,2 0,1 1,8 8,8 18,9 27,3 22,1 21,4 20,3 16,7 15,1
França 4,4 4,7 5,3 5,1 6,5 5,3 4,1 4,3 3,4 3,3 2,6 2,2
India 24,4 22,4 24,4 16,0 12,1 7,5 4,2 3,1 5,4 4,3 5,9 7,7
Japão 3,1 2,9 4,1 3,0 2,3 2,6 3,0 7,8 7,1 6,7 5,0 4,2
Reino Unido 1,1 1,8 2,9 5,2 9,0 8,2 6,5 4,2 3,2 3,1 2,5 2,2
Para a população - Dados Projeto Maddison
1500 1600 1700 1820 1870 1913 1950 1973 2001
Alemanha 2,7 2,9 2,5 2,4 3,1 3,6 2,7 2,0 1,3
América Latina 4,0 1,5 2,0 2,1 3,2 4,5 6,6 7,9 8,6
68

China 23,5 28,8 22,9 36,6 28,1 24,4 21,7 22,5 20,7
Estados Unidos 0,5 0,3 0,2 1,0 3,2 5,4 6,0 5,4 4,6
França 3,4 3,3 3,6 3,0 3,0 2,3 1,7 1,3 1,0
India 25,1 24,3 27,3 20,1 19,9 17,0 14,2 14,8 16,6
Japão 3,5 3,3 4,5 3,0 2,7 2,9 3,3 2,8 2,1
Reino Unido 0,9 1,1 1,4 2,0 2,5 2,5 2,0 1,4 1,0
Fonte: The World Economy, 1–2001 AD, IMF : WEO database 2018

A tabela mostra a ascensão do Reino Unido já em 1820 na produção e se fortalecendo depois,


países centrais como Alemanha e Estados começando alcançar e ultrapassar o Reino Unido
entre 1870 e 1913. Os países periféricos ficam para trás no período depois de 1820 por causa
do atraso na revolução cientifica e industrial em relação aos países centrais. Na China a
expressiva diferença entre 1820 e 1870 é parcialmente explicável pela revolução Taiping (1850
– 1864), um dos conflitos mais sangrentos da história humana. Importante é a nova ascensão
dos países perfericos nas últimas décadas do século XX e no novo século. Japão já começa sua
ascensão econômica e politica na Ásia com a renovação Meiji de 1868, e ainda mais forte
depois da Segunda Guerra Mundial.

O conceito da “Revolução Industrial”, descrevendo a industrialização, a inovação tecnológica, a


urbanização e o consumo crescente primeiro na Inglaterra, depois nos países seguidores na
Europa ocidental e na América do Norte, está em discussão controversa em dois pontos: ela
não seja uma mudança rápida e geral das estruturas econômicas e sociais das sociedades que
caracteriza revoluções, mas uma mudança que levou os séculos XVII até XIX, e possivelmente o
século, XX, para chegar a maturidade, mudando a motivação e o imaginário das pessoas de
forma lenta e expandindo se para novos setores e países de forma demorada. No segundo
lugar a revolução não foi somente industrial, mas também revolucionando outros setores, com
foco no transporte e nas comunicações [The World Economy, p. 100], e os pensamentos, os
comportamentos e o imaginário das pessoas.

Espirito empreendedor, cultura cientifica da racionalidade (século das luzes) fazem também
parte das raízes do capitalismo industrial, mas noutro lado também a cultura romântica
criticando o sistema fabril como moinhos sombrios e satânicos [William Blake], romantizando
a idade média com suas instituições firmes e contrariando a modernidade em que “todas as
relações fixas e enferrujadas, com seu séquito de crenças e imaginações tornadas veneráveis
pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo
que é solido evapora-se, tudo sagrado é profanado, e os homens são forçados a ver (...) suas
relações com olhos sóbrios.” [Marx, 1972, p. 465].
69

A expansão da produção têxtil de algodão necessita da expansão da produção do insumo


algodão, primeiro nas Índias, no império otomano, nas ilhas caribes e no Brasil e começando
em 1790 nos estados de sul dos Estados Unidos, que tornou se a fonte mais importante das
importações britânicas de algodão no século XIX.

O lado sombrio da expansão capitalista foi a expansão do trabalho escravo no sul dos Estados
Unidos com violência e tortura, depois da expulsão e/ou matança dos aborígenes indianos
norte-americanos da terra para a colonização e para criar plantações de algodão, ajudado pelo
novo Estado norte-americano, que na constituição previu liberdade para todos, excluindo
praticamente escravos e os aborígenes indianos destes direitos humanos. O lado sombrio no
lado britânico foi a introdução do trabalho fabril para os trabalhadores vindo dos campos,
expulsos pelas privatizações de terra antes comuns (“enclosures”), deixando uma classe
trabalhadora em situação deplorável: salários baixos (até a segunda metade do século XIX)
com horas longas de trabalho, trabalho infantil, condições de trabalho miseráveis e habitações
superlotadas e miseráveis. No lado externo trafico de escravos, expansão do império britânico
através da politica e da força militar, subjugando passo a passo a população de Índia e abrindo
pela força naval o comércio para China em duas guerras de ópio, com ganhos dos
comerciantes britânicos neste trafico de drogas da Índia para a China fazendo grande parte da
população da China dependentes do ópio. O lado sombrio da procura do lucro pelo capitalismo
fica obvio, embora trazendo o crescimento sustentado da renda per capita para os países
centrais.

A primeira revolução industrial na Inglaterra teve seu centro na indústria têxtil, impulsado
pelas inovações em maquinas e na energia das maquinas a vapor, mas também na produção
de ferro e na substituição da lenha pelo carvão. Existe uma discussão controversa sobre o
problema da existência de ciclos longos da inovação com períodos onde as inovações se
concentram e a economia expande-se expressivamente e tempos com poucas inovações em
que a economia está estagnada, em recessão ou depressão, os ciclos de Kondratieff
[Schumpeter, 2010, p. 179 pp.].

Como o título do capítulo presume a revolução industrial na Inglaterra e de seus seguidores no


continente ocidental europeu e nos Estados Unidos foi dominada pela empresa familiar, pouca
necessidade de capital, e do espirito empreendedor da classe burguesa. Uma forma domestica
de capitalismo concorrencial que bem se reflete nas teorias (posteriores) neoclássicas de
mercados competitivos. Na perspectiva internacional a Grã-Bretanha introduziu
definitivamente o padrão ouro no nível nacional depois das guerras napoleônicas (1816) e
depois de tornar-se a nação mais competitiva na indústria seguia uma politica de comércio
70

internacional livre com as ‘Corn laws’ de 1846, embora já na década de 1830 houvesse
diminuições de taxas sobre importações [O’ROURKE/WILLIAMSON posição 251 pp.].

O século XIX depois das guerras revolucionárias e napoleônicas entre 1792 e 1815 (com a Grã-
Bretanha entrando nestas guerras somente em 1793) foi um século de paz na Europa (com
exceção das guerras curtas nas décadas de 1850 e 1860 pela unificação nacional de Itália e
Alemanha (1870/1871) e a guerra na Crimeia (1853/1956). Muitos países da Europa ocidental
neste século tentavam imitar o sucesso britânico industrializando-se e introduzindo
instituições britânicas de capitalismo. Houve outros fatos importantes neste ‘longo século XIX’
que alguns historiadores contam da revolução industrial na Inglaterra e da revolução politica
francesa (1789 – 1795/1815) até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914.

Importante é lembrar que não somente a revolução industrial influenciou o desenvolvimento


do capitalismo global, mas também a revolução francesa teve repercussões importantes no
mundo que levavam à evolução do capitalismo global.

As ideias do iluminismo30 do século XVIII e do liberalismo politico forneciam as armas


ideológicas para atacar a monarquia absoluta – especialmente na revolução francesa de 1789
[embora o próprio conceito do liberalismo politico e a criação de partidos liberais somente
inicie-se no século XIX] e nas revoluções seguintes na França e na Europa em 1830, 1848 e
1871 (Comuna de Paris). O liberalismo clássico foi uma arma ideológica importante para
enfrentar as politicas autoritárias e arbitrárias de monarcas absolutas no século XVIII e XIX e o
favorecimento de seus familiares, amigos, da nobreza, e do clero. Ele apoia-se nos
pensamentos dos filósofos iluministas do século XVIII como Voltaire, Diderot, Holbach e
Condorcet entre outros. O pensamento de Rousseau foi a base para ideologias mais
igualitárias na Revolução Francesa e depois. Embora tentando realizar ideias individualistas e
igualitárias no nível politico, enfrentado politicas arbitrárias dos monarcas, o medo dos liberais
políticos antes ‘das classes perigosas’ deixou mudanças politicas, por exemplo, de estender o
sufrágio para toda população, para o século XX. A declaração dos direitos humanos na
revolução francesa de 1879 – simplificados no mantra: liberdade, igualdade, fraternidade –
foram também a semente para ideologias mais igualitárias como socialismo e comunismo,
ajudadas pela situação deplorável da classe trabalhadora. Honneth [2016, p. 23] resume as
fontes do socialismo da seguinte forma: “A ideia do socialismo é uma criança spiritual da
industrialização capitalista; ele vê a luz do dia, quando se mostra nas décadas depois da
revolução francesa que a sua exigência de liberdade, igualdade e fraternidade havia
permanecida para grandes camadas da população uma promessa vazia e ficava longe de sua
realização social”. Socialismo e comunismo enfatizam um Estado de trabalhadores de uma
71

economia planejada e meios de produção socializados, deixando pouco espaço para mercados
livres, empreendedores e a iniciativa privada. A ideologia da socialdemocracia aceita mercados
livres e tenta diminuir os defeitos do capitalismo através de leis e instituições que protegem a
classe trabalhadora e garantem um nível básico de vida para os excluídos através do Estado de
bem-estar social. Honneth [2016] também afirma que as ideologias socialistas e comunistas
focalizavam demais que somente com as mudanças nas estruturas econômicas seguindo uma
revolução socialista uma sociedade mais justa, igualitária e solidária poderia ser alcançada
perdendo de vista os sucessos das democracias liberais em garantir os direitos humanos das
pessoas (os direitos civis, políticos e sociais) e com isto perdendo de vista também que a luta
pelo socialismo deve ser sempre uma luta por estruturas econômicas e políticas que garantem
mais liberdade, solidariedade e igualdade, mas também uma luta por reconhecimento humano
e dignidade humana.

Wallerstein caracteriza a importância da Revolução Francesa em dois pontos: “O ponto


histórico de viragem foi, sem dúvida, a Revolução Francesa que trouxe duas mudanças
fundamentais na cultura do mundo: a mudança política foi desde a Revolução Francesa vista
com um fenômeno normal (teoria do progresso é fundamental para as ideias dos filósofos
iluministas) e reorientou o conceito de soberania do monarca ou do legislativo para o povo”.

A ideologia da maioria dos capitalistas é o laissez-faire, a doutrina de que os governos não


devem interferir no funcionamento dos mercados. É importante entender que, como regra
geral, os empresários afirmam essa ideologia em voz alta, mas realmente não querem que o
laissez-faire seja implementado, ou pelo menos não totalmente, e, certamente, não costumam
agir como se eles acreditavam que o laissez-faire seja uma doutrina sã. Nas crises o Estado é
chamado para cobrir os prejuízos e salvar as empresas nacionais da concorrência externa.

O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro com a hegemonia politica (embora politicamente a Grã-Bretanha
somente agisse como força equilibrando as forças continentais de França, Prússia, Áustria e
Rússia) e econômica da Grã-Bretanha, acompanhada do colonialismo e imperialismo.

As mudanças econômicas e politicas mais importantes no ‘longo século XIX’ foram a


introdução de instituições capitalistas domésticas nos países da Europa ocidental e nos Estados
Unidos e a ascendência social e politica da classe burguesa contrariada pela classe
trabalhadora se organizando em sindicatos e partidos da esquerda, a lenta democratização das
sociedades e a ascensão de ideologias nacionalistas, colonialistas e imperialistas. ‘O longo
século XIX’ viveu uma expansão do produto per capita sustentada nos países centrais, embora
72

exista uma discussão controversa sobre as datas quando os salários reais da classe
trabalhadora e suas condições de trabalho começavam a melhorar (1830, 1870 ou 1890).
Economicamente na década de 1840 a expansão das ferrovias dava impulsos defasados para a
indústria de ferro e aço, da metalúrgica e de mineração de carvão e com a introdução das
ferrovias e depois dos navios a vapor o resultado foi uma diminuição expressiva dos custos de
transporte que impulsionam o comércio internacional e a comunicação internacional
(telegrafo). No fim do século inovações resultavam no crescimento da indústria elétrica e
química. Corporações grandes tornavam se mais frequentes por causa da expansão das
necessidades de capital, a importância dos bancos e dos mercados financeiros aumentava, e a
substituição dos donos de capital por gerentes assalariados no gerenciamento das empresas
começava. A importância das grandes corporações aumentava em relação às empresas
familiares. Aumentava também a tentativa de regular os mercados, sujeitos aos ciclos
conjunturais, através de carteis e ‘trustes’ pelas próprias corporações ou por intervenções de
Estado (especialmente pelo protecionismo no comércio internacional) especialmente na
´Longa Depressão’ nas décadas depois de 1873. Aumentava também neste período a tentativa
dos países centrais de expandir os mercados através do colonialismo e imperialismo, embora o
efeito econômico desta segunda onda de globalização forçada parece duvidoso. O efeito
político foi o fortalecimento da ideologia nacionalista nos países centrais, a competição entre
os países centrais na corrida por novas colônias e a abertura de mercados (por exemplo, a
China) aumentou os conflitos entre estes países e, em último lugar, levou a eclosão da crise de
julho de 1914 e a Primeira Guerra Mundial.

A próxima tabela mostra a importância da expansão da rede ferroviária para o crescimento


econômico. A necessidade de levantar maciças somas de capital para o investimento em
ferrovias levou a uma ascensão dos grandes bancos e dos mercados financeiros. Obviamente o
investimento em ferrovias também dava impulsos fortes para a produção de ferro e aço, para
a mineração de carvão e para a indústria de maquinas metalúrgicas (locomotivas, vagões etc.).

Tabela 15 Extensão ferroviária em quilômetros em países escolhidos 1840 -1900

1840 1860 1880 1900


Alemanha 469 11.089 33.838 51.678
Áustria-Hungria 144 4.543 18.507 36.330
Bélgica 334 1.730 4.112 4.591
Espanha - 1.917 7.490 13.214
França 496 9.167 23.089 38.109
Grã-Bretanha 2.390 14.603 25.060 30.079
Itália 20 2.404 9.290 16.429
Países Baixos 17 335 1.846 2.776
73

Rússia 27 1.626 22.865 53.234


Suécia - 527 5.876 11.303
Estados Unidos 4.535 49.288 158.137 309.889
Fonte: http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/modsbook14.asp; HISTORICAL STATISTICS OF
THE UNITED STATES 1780-1945, United States Department of Commerce, 1949

As últimas duas décadas de século XIX e os anos antes da Primeira Guerra Mundial em 1914
são vistos como a era do liberalismo, da expansão do padrão de vida nos países centrais, do
padrão ouro (quando cada vez mais países aderiram ao padrão ouro) e do comércio livre e dos
movimentos de capitais internacionais livres sobre a hegemonia do Reino Unido (‘pax
britânica’), mas também das crescentes conflitos trabalhistas, dos movimentos trabalhistas
(sindicatos e partidos trabalhistas) em ascensão, da ideologia socialista ascendente
enfrentando a ideologia do liberalismo, do crescente nacionalismo, colonialismo e
imperialismo e das tensões crescentes entre os países centrais.

No Brasil houve industrialização importante somente no século XX, mas como colônia
portuguesa (até1822) com o deslocamento da monarquia para o Brasil em 1807/1808 já
começavam os primeiros passos, que aumentavam no Império (até 1889), e aceleraram na
República Velha (até 1930). O fim da escravidão em 1888, a crescente imigração no fim do
século XIX, e os primeiros conflitos trabalhistas nas cidades, mudaram o ambiente político,
económico e social, embora o Brasil ficasse um país com vocação agrária e exportador de
matérias primas.

Embora o Reino Unido aderisse em 1846 com os ‘corn laws’ ao comércio livre, seguido por
outros países, depois da recessão de 1873 até 1879 e da longa deflação das décadas a seguir,
da proteção das indústrias infantes, da queda dos preços de transporte, da possibilidade de
refrigeração e da crescente concorrência de produtos agrícolas dos Estados Unidos, Canada,
Austrália e da Argentina, muitos países na Europa começavam novamente de introduzir o
protecionismo comercial, como a próxima tabela mostra.

Tabela 16 Tarefas médias (% do valor) sobre produtos manufaturados em países escolhidos

1820 1875 1913 1925 1931 1950


Alemanha 8 - 12 4-6 13 20 21 26
Áustria Restrições 15-20 18 16 24 18
Bélgica 6-8 9-10 9 15 14 11
Dinamarca 23 - 35 15 -20 14 10 n.d. 3
Espanha Restrições 15 - 20 41 41 63 n.d.
Estados
35 - 45 40 - 50 44 37 48 14
Unidos
França Restrições 12 - 15 20 21 30 18
74

Itália n.d. 8 - 10 18 22 46 25
Japão Restrições 5 30 n.d. n.d. n.d.
Países
6-8 3-5 4 6 n.d. 11
Baixos
Reino
45 - 55 0 0 5 n.d. 23
Unido
Rússia Restrições 15 - 20 84 Restrições Restrições Restrições
Suécia Restrições 3-5 20 16 21 9
Suíça 8 - 12 4-6 9 14 19 n.d.
Fonte: Chang (2002), p. 17
Restrições: Existiam muitas e importantes restrições a importações de manufaturados que
deixam as tarefas sem sentido

3) Crises do capitalismo global no século XIX – a Longa Depressão e o crescimento


acelerado até a Primeira Guerra Mundial

Com o desenvolvimento do capitalismo global e suas instituições começavam também as as


conjunturas econômicas e crises, parcialmente induzidas por choques externos (por exemplo,
a guerra civil americana 1861-1865) ou por crises financeiras ou produzidas endogenamente.
Os ciclos conjunturais no capitalismo infante foram em primeiro lugar consequências de crises
na agricultura (colheitas más com aumentos dos preços e crises de fome), de guerras e
revoluções, e de catástrofes naturais. Nas crises novas do capitalismo global a importância das
crises na agricultura para a eclosão de recessões e depressões diminui enquanto o ciclo
conjuntural industrial prevaleceu, os ciclos ‘boom and bust’ da indústria, do comércio e do
setor financeiro.

The Cambridge Economic History of Modern Europe Volume 1 1700–1870 [2010, p. 122 p.]
tambem mostra as diferentes formas de crises economicas no desenvolvimento so capitalismo
global:

Na civilização ocidental, os desvios periódicos das tendências de longo prazo na atividade


econômica real, que conhecemos como ciclos de negócios, podem ser identificados pelo menos
até o século XVI. As causas e consequências destes ciclos mudaram ao longo do tempo, e ciclos
antes de 1700 poderiam ser diferentes em efeito, freqüência, e possivelmente magnitude
daqueles após 1870; no entanto, a diferença mais saliente foi em suas causas. A literatura sobre
os primeiros ciclos tende a associá-las à mudança tecnológica, choques demográficos, fluxos de
espécie [ouro, prata], rupturas no comércio, crises agrícolas (tipicamente associadas a choques
climáticos) e/ou guerra. Em contrapartida, nas últimas décadas do século XIX, as rupturas nos
mercados financeiros e no setor manufatureiro são geralmente os suspeitos da volatilidade da
atividade econômica, embora a moderna teoria do ciclo empresarial ainda interliga a mudança
tecnológica com a volatilidade.
Recessões que atingiam o continente europeu como um todo desde 1848 ate 1870 foram
[2010, p. 142]: 1848-1849, 1853-1854, 1857-1859, 1861-1862, 1866-1868.
75

A crise de 1847/1848 foi a última com fortes impactos do setor agrícola, onde a ‘batata fome’
de 1845/1848 na Irlanda foi a forma mais conhecida e cruel, levando a morte de cerca um
milhão de pessoas e a emigração de um milhão a mais. A ‘batata fome’ na Irlanda [e em outros
países da Europa] foi consequência de uma doença da batata que se espalhou em Europa na
década de 1840. A crise econômica dos anos antes de 1848 tinha certos impactos sobre as
revoluções europeias de 1848 [com exceção da Inglaterra, onde o movimento ‘chartista’ forte
– com o objetivo do sufrágio universal (‘dos homens’) – fracassou neste ano, mas também não
existiu uma situação revolucionária como em outros países da Europa]. Importante é lembrar
neste contexto que as profundas crises econômicas do capitalismo global sempre têm
impactos políticos, o que seja necessário analisar também nos capítulos seguintes. A crise de
1857/1859 com impactos internacionais deve ser a primera forma das crises novas do
capitalismo com fortes impulsos do setor industrial e comercial.

Para as crises novas do capitalismo global a ‘Longa Depressão’ e a crise financeira de 1907 nos
Estados Unidos são os exemplos mais marcantes. A ‘Longa Depressão’ é um assunto
controverso na discussão econômica e histórica. Houve uma longa recessão mundial
começando em 1873 com uma crise financeira na Áustria e chegando no mesmo ano para
Alemanha (‘Gründerkrise’, crise depois da Guerra de 1870 contra França e da criação do
império alemão em 1871 e da expansão econômica seguinte até 1873) e aos Estados Unidos
onde ela demorou até 1879. Alguns economistas e históricos veem o período de 1873 até 1896
como um período de depressão. Houve, com certeza, um período prolongado de deflação dos
preços, industriais bem como da agricultura, não somente nos Estados Unidos e no Reino
Unido como os próximos dois gráficos mostram, mas também em outros países. Mas uma
deflação, embora muito perigosa para empresas e pessoas altamente endividadas, pode ser
também uma consequência de aumentos significativos de produtividade o que torna esta
deflação uma deflação positiva. Uma deflação que acompanha uma queda da produção e um
aumento do desemprego, como na Grande Depressão da década de 1930, é muito mais
perigosa, porque pode aprofundar e prolongar uma depressão por causa dos problemas da
deflação da dívida (Fisher) e da retração do consumo e do investimento por causa da formação
de expectativas de preços em queda no futuro. Embora houve uma queda cíclica das taxas de
crescimento do produto e da produção industrial em relação à expansão econômica expressiva
desde a década de 1850, mas não houve uma queda prolongada da produção, embora é
importante alertar que a deflação prolongada depois de 1873 levou a problemas para os
setores da agricultura (em primeiro lugar), da indústria e do comércio. O liberalismo
econômico se enfraqueceu, o protecionismo se fortaleceu (com exceção do Reino Unido), a
76

ideologia socialista ganho mais apoio na classe trabalhadora e os governos tentavam abafar os
problemas internas com sucessos externos fortalecendo a ideologia nacionalista, imperialista e
colonialista.

Gráfico 3 Índices de preços Estados Unidos 1869 – 1930

Fonte: NBER

Gráfico 4 Índices de preços Reino Unido 1786 – 1924,


77

Fonte: NBER

O período em discussão (1873 – 1896) mostra, com certeza, preços declinantes ou


estagnantes, mas especialmente no caso de produtos manufaturados este pode ser também
consequência de ganhos de produtividade. A tabela a seguir mostra que o período não pode
ser visto como um período de produção geral em queda, mas um ciclo conjuntural de taxas
positivas de crescimento do PIB – enquanto menores do que no perodo anterior, mas, a
produção industrial estava crescendo depois de 1879 de forma significativa nos quatro países
escolhidos. Incluindo a recessão de 1873-1879 (que mostra uma queda do PIB somente em
França) o crescimento é significativamente menor do que no período anterior (1850 – 1872)
somente nos Estados Unidos, os outros países mostram uma queda no período 1872-1876.
Respeitando a fragilidade dos dados nestes períodos, parece exagerado comparar o período de
1873 – 1896 na ‘longa depressão’ com a Grande Depressão da década de 1930.

Tabela 17 A longa depressão na Alemanha, na nos Estados Unidos, na França e no Reino


Unido1

Taxa anual de crescimento do PIB


Alemanha Estados Unidos França Reino Unido
1850 -1872 2,1 4,3 1,4 2,4
1873 - 1879 1,9 1,5 -0,4 1,2
1873 - 1896 2,7 3,7 1,4 2,0
1897 - 1913 3,2 4,1 1,9 1,7
Taxa anual de crescimento do PIB per capita
Alemanha Estados Unidos França Reino Unido
1850 -1872 1,4 1,5 1,2 1,6
1873 - 1879 0,7 -0,1 -0,9 0,1
1873 - 1896 1,5 1,4 1,1 1,1
1897 - 1913 1,7 2,2 1,8 0,9
Taxa anual de crescimento da Produção Industrial (I)/Manufatura (M)
Alemanha (M) Estados Unidos França (I) Reino Unido (I)
1855 -1872 3,6 10,4 2,4 5,9
1873 - 1879 1,3 2,5 1,8 0,3
1873 - 1896 2,5 4,0 2,3 2,0
1897- 1913 3,5 5,2 2,4 2,0
Taxa anual de crescimento da Produção da Agricultura
Alemanha Estados Unidos França Reino Unido
1855 -1872 2,0 n.d. n.d. 0,0
1873 - 1879 1,5 4,5 n.d. -2,6
1873 - 1896 2,1 2,0 n.d. 1,1
1897- 1913 1,3 1,1 n.d. 0,0
Fonte: NBER Macrohistory Database e Groningen Growth and Development Centre, Historical
National Accounts Database, 1 os primeiros períodos são um pouco diferentes para os
diferentes países.
78

Também uma análise da produção industrial no Reino Unido no próximo gráfico mostra que a
tendência da produção depois de 1865 (a grande queda da produção têxtil foi por causa da
guerra civil nos Estados Unidos (1861-1865) e problemas de fornecimento de algodão para a
indústria têxtil) é ascendente, mostrando no período ciclos conjunturais normais, mas não uma
depressão ou estagnação permanente.

Na agricultura se mostra na produção pouca influência da Longa Depressão (o valor negativo


para o Reino Unido no período de 1872-1879 é reflexo do ano muito negativo para a
agricultura em 1879, um outlier), mas o período foi um tempo de preços de agricultura em
queda, embora no PIB e na produção industrial e no PIB, sim, houve queda do crescimento.

Gráfico 5 Índices produção industrial, têxtil e da indústria pesada Reino Unido, 1854 – 1924,

Fonte NBER

Um ponto de análise importante é comparar a ‘Longa Depressão’ de 1873 – 1879 com a


recessão profunda, mas curta, de 1921 e a Grande Depressão da década de 1930, feita na
tabela a seguir. No período total antes da Primeira Guerra Mundial (1870-1913) houve leve
deflação anual para todos os índices de preços e para o preço de trigo, especialmente por
causa da deflação mais aguda nos tempos da Longa Depressão (1873-1893) que se tornou uma
leve inflação nos anos seguintes (1893-1913). A deflação nos anos de 1870-1879 foi ainda mais
expressiva do que no período de 1870-1893. Mas comparando a deflação anual com a deflação
mais alta na recessão 1921 (-15,5% para o índice geral e – 41,2% para o índice de produtos
agrícolas), a deflação anual alta na Grande Depressão (1929 – 1932) (-9,6% para o índice geral
79

e – 23,2% para o índice de produtos agrícolas) o período de 1870-1879 tive deflação anual
menor (-4,0% para o índice geral e – 6,2% para o índice de produtos agrícolas). É importante
anotar que a forte deflação do ano 1921 (na recessão pós-guerra) foi precedida de inflação
anual forte no período de 1913 até 1920 (9,8% para o índice geral e 11,3% para o índice de
produtos agrícolas).

Tabela 18 Comparação da evolução dos preços na depressão longa (1871-1873/1893), na


recessão 1921 e na Grande Depressão Estados Unidos

Índice preços
Índice geral Índice preços Índice preços
produtos Preço trigo
de preços alimentos têxteis
agricultura
1870-1879 -30,6 -43,8 -41,6 -41,2 -12,2
anual -4,0 -6,2 -5,8 -5,7 -1,4
1870-1893 -32,4 -43,8 -44,8 -50,5 -40,5
anual -1,7 -2,5 -2,6 -3,0 -2,2
1870-1913 -9,9 -21,9 -35,1 -47,4 -21,9
anual -0,2 -0,6 -1,0 -1,5 -0,6
1893-1913 33,3 38,9 17,6 6,3 31,3
anual 1,4 1,7 0,8 0,3 1,4
1913-1920 93,0 111,0 113,0 187,3 175,6
anual 9,8 11,3 11,4 16,3 15,6
1920-1921 -15,5 -41,2 -34,3 -42,7 -44,1
1921-1929 9,8 18,5 10,7 -4,2 -11,0
anual 1,2 2,1 1,3 -0,5 -1,4
1929-1932 -26,1 -54,6 -38,9 -38,9 -56,7
anual -9,6 -23,2 -15,1 -15,2 -24,4
1932-1938 16,1 45,5 20,5 21,0 47,0
anual 2,5 6,4 3,2 3,2 5,1
Fonte: NBER Macrohistory database, Cálculos próprios
A saída da 'Longa Depressão' é - às vezes - relacionada com as descobertas de ouro na década
de 1890 e na década seguinte na África do Sul e na Alasca.

A segunda onda de globalização nas últimas décadas do século XIX

A segunda onda de globalização (se a expansão europeia para as Américas, Ásia e África nos
séculos XV e XVI pode ser contada com primeira onda de globalização) através do colonialismo
e da abertura comercial forçada de países asiáticos, da procura de fontes de matérias primas e
de novos mercados para os produtos dos países centrais e da exportação de capital começa
nas últimas décadas do século XIX e segue até a Primeira Guerra Mundial.

O comércio internacional foi crescendo neste período da globalização mais rápido do que o PIB
global, como pode ser visto na tabela seguinte:

Tabela 19 Crescimento do comércio internacional e do PIB global (% a.a.) 1817 - 1940


80

Comércio global (% a.a.) PIB Global (% a.a.)


1817 - 1865 3,97 1820 - 1870 0,94
1866 - 1913 3,07 1870 - 1913 2,12
1919 - 1929 5,37
1913 - 1940
1929 - 1938 -0,83 1,87
Fontes: http://voxeu.org/article/world-trade-1800-2015 para comércio, Maddison tables para PIB
global

A exportação de capital dos países centrais é refletida nos seguintes estoques de capital
estrangeiro em 1914 na tabela a seguir:

Tabela 20 Estoque de capital estrangeiro 1914 (US$ milhões - taxas de câmbio correntes)

Western América
Europa Ásia África Total
Offshoots'* Latina
Reino Unido 1.129 8.254 3.682 2.873 2.373 18.311
França 5.250 386 1.158 830 1.023 8.647
Alemanha 2.979 1.000 905 238 476 5.598
Outros 3.377 632 996 1.913 779 7.700
Estados Unidos 709 900 1.649 246 13 3.514
Total 13.444 11.173 8.390 6.100 4.664 43.770
Fonte Maddison table 2-26 a.
* Maddison denomina como 'Western Offshoots" os países Austrália, Canada, Estados Unidos e Nova
Zelandia
A tabela mostra que a grande maioria dos investimentos no estrangeiro pelos países centrais
foi investido em outros países centrais (56,2%), 19,2% na América Latina, 13,9% na Ásia e
10,7% na África.

É importante acrescentar que houve nestas décadas também outra onda de globalização: a
expressiva emigração de europeus para as Américas e outros partes do mundo, em primeiro
lugar para os Estados Unidos, mas também para Argentina e Brasil entre outros países, que
deram um certo alivio para as pressões demográficas e os problemas sociais e políticos nestes
tempos, mas também já nos séculos anteriores. Também houve fortes ondas de emigração
para as Américas (e também para outros países asiáticos e para África do Sul) dos países
asiáticos. Hoerder [2012, p. 435 p.] identifica entre 1840 e 1940 três ondas expressivas de
migração:

• 55 – 58 Milhões de pessoas migravam principalmente da Europa (o sistema de


migração atlântica) e -em números menores (cerca 2,5 milhões do número citado) da
África, China, Índia e Japão para as Américas;

• 48 – 52 Milhões de pessoas migravam – em primeiro lugar – da Índia e da China do Sul


(sistema de migração do Mar chinês – do Oceano Índico -Cinto de plantações) e – em
número menor (cerca 4 milhões do número citado) da África, Europa, Ásia norte e
leste etc. para a periferia do Oceano Índico e do Pacífico Sul;
81

• 46 – 51 Milhões de pessoas migravam – em primeiro lugar – do nordeste da China para


Manchúria, para Sibéria, Ásia central e Japão, e -e segundo lugar – da Rússia para a
Sibéria.

Entre os anos 1807 e da década de 1870 foram ainda 2 milhões de escravos da África forçados
para as Américas. Também é necessário contar os migrantes dos colonizadores
(administradores, soldados, comerciantes e outros, cerca de um milhão de pessoas) que foram
enviados de Europa ou migravam para as colônias.

As tensões entre os países centrais nesta tentativa imperialista de dividir o mundo em colônias
e esferas de influência podem ser vistas como uma causa importante da catástrofe da Primeira
Guerra Mundial, com dezenas de milhões de mortos militares e civis em combates sem
sentido, e inválidos ou feridos fisicamente e psiquicamente, em um clima de ódio e xenofobia
entre os povos, que levou as economias e culturas florescentes de Europa para um abismo e
levou também a ascensão econômica e politica dos Estados Unidos. Para as instituições
capitalistas na evolução do capitalismo global nas últimas décadas do século XIX e dos anos até
a Primeira Guerra Mundial as tendências mais importantes foram politicas colonialistas e
imperialistas dos países centrais, a ascensão das grandes corporações num ambiente de
crescimento da produção (pelo menos nos países centrais com exceção do Reino Unido), o
aumento expressivo do comércio internacional e dos movimentos internacionais de capital,
bem como da migração internacional.

O sistema monetário internacional padrão ouro sob a hegemonia britânica antes da Primeira
Guerra Mundial facilitou o comércio internacional, os movimentos internacionais de capitais e
– com isto – a criação de mercados financeiros globais. O Reino Unido depois dos corn-laws em
1846 seguia a politica de comércio livre sem tarefas externas, seguido por outros países
centrais, embora com a longa depressão nos Estados Unidos de 1873-1879 e na Europa os
países em processo de industrialização começavam aumentar as barreiras tarifárias para
proteger as indústrias infantes e a agricultura da concorrência da indústria britânica e das
agriculturas mais produtivas na periferia (Argentina, Rússia, etc.) e das dependências e ex -
dependências do Reino Unido (‘Western Offshoots’ [Maddison] Austrália, Canada, Estados
Unidos e Nova Zelândia).

Esta onda globalizante levou também a ascensão das grandes empresas, que em suas
estratégias internacionais espalhavam instituições e culturas capitalistas para o mundo. O
crescente poder das grandes empresas levou também – especialmente nos Estados Unidos –
nas tentativas de controlar a concentração do capital através do Estado e dos movimentos da
82

sociedade civil, levando as leis antitruste Sherman em 1890 e sua aplicação, por exemplo, na
divisão da corporação Standard Oil of New Jersey.

O conceito do imperialismo nas últimas duas décadas do século XIX e nos anos antes de
Primeira Guerra Mundial descreve a corrida geopolítica dos países centrais para dividir o
mundo entre si na forma de colônias, países forcados a abrir suas economias para os países
centrais (China, Egito31, Turquia, Pérsia etc.), e esferas de interesse. Diferentes autores (por
exemplo, Hobson, Lenin, Hilferding) enfatizam fatores ideológicos e políticos e/ou fatores
econômicas na evolução das politicas imperialistas nos países centrais que – em última
instância – levavam para a Primeira Guerra Mundial em 1914. A ideologia do nacionalismo
exagerado e agressivo, defendido por certas camadas sociais, e necessidades econômicas de
abrir mercados para produtos nacionais, segurar matérias primas e procurar países onde o
capital nacional pode ser aplicado a taxas de lucros elevados, são os motivos que estes autores
enfatizam, mas estudos posteriores mostravam que os benefícios econômicos estavam
limitados para os países centrais, embora provavelmente lucrativos para certos
empreendedores globais. Um exemplo especialmente sombrio do imperialismo e colonialismo
das ultimas décadas do século XIX é o Congo do rei Leopoldo II de Bélgica com seu trabalho
forcado, torturas, e matanças, que Conrad descreve em sua novela 'The heart of darkness' que
deixa a ideologia colonialista de Kipling 'The white man's burden' exposta em toda sua
fraqueza. Estima se que milhões de congoleses pereciam sob o regime colonialista do rei
Leopoldo II.

A tabela a seguir mostra a expressiva expansão do sistema colonial no mundo entre 1876 e
1914, onde as colônias britânicas parcialmente autogovernadas (em 1914) como Austrália,
Canadá e Nova Zelândia e –em menor grau - também África do Sul entram também como
colônias.

Tabela 21 Colônias (incluindo os domínios do Reino Unido) dos poderes centrais (Área em
quilômetros quadrados (milhões) e população (milhões) em 1876 e 1914)

Total em % do
Colônias Países Centrais Total
Mundo
1876 1914 1914 1914 1914
Área População Área População Área População Área População Área População
Inglaterra 22,5 251,9 33,5 395,5 0,3 46,5 33,8 440,0 25,2% 26,6%
Rússia 17,0 15,9 17,4 33,2 5,4 136,2 22,8 169,4 17,0% 10,2%
França 0,9 6,0 10,6 55,5 0,5 39,6 11,1 95,1 8,3% 5,7%
Alemanha - - 2,9 12,3 0,5 64,9 3,4 77,2 2,5% 4,7%
Estados
- - 0,3 9,7 9,4 97,0 9,7 106,7 7,2% 6,4%
Unidos
Japão - - 0,3 19,2 0,4 53,0 0,7 72,2 0,5% 4,4%
83

06
poderes 40,4 273,8 65,0 523,4 16,5 437,2 81,5 960,6 60,9% 58,0%
centrais
Colônias de outros países (Bélgica, Países Baixos, Portugal etc.) 9,9 45,3 7,4% 2,7%
Países dependentes (China, Pérsia, Turquia etc.) 14,5 361,2 10,8% 21,8%
Outros países 28,0 289,9 20,9% 17,5%
O Mundo 133,9 1.657,0 100,0% 100,0%

Fonte: Lenin, p. 262, citado de Hübners "Geographisch-statistischen Tabellen", cálculos próprios.

4) Do capitalismo competitivo para o capitalismo organizado

A civilização do século XIX assentava em quatro instituições. O primeiro foi o sistema de equilíbrio
de poder que durante um século impediu a ocorrência de qualquer longa e devastadora guerra
entre as Grandes Potências. O segundo era o padrão ouro internacional que simbolizava uma
organização única da economia mundial. O terceiro era o mercado auto-regulador que produzia um
bem-estar material inédito. O quarto era o Estado liberal. Classificadas de uma forma, duas dessas
instituições eram econômicas, duas políticas. Classificado de outra forma, dois delas eram
nacionais, dois internacionais. Entre eles foram determinados os traços característicos da história
de nossa civilização. Karl Polanyi, The Great Transformation, p.3
A rede de numerosas pequenas e médias empresas foi penetrada e influenciada pelos blocos de
grandes empresas, em crescimento em número e dimensão, que se desenvolveram principalmente
na indústria, no setor dos transportes, nos bancos e noutros setores de serviços. As empresas
firmaram acordos e formaram cartéis, sindicatos e sociedades anônimas, complementando e
mudando os princípios do mercado e da concorrência por meio da auto-organização. Surgiram
relações dependentes de oligopólios e monopólios. Em grandes empresas, os empresários
empregados, também chamados de "gerentes", estavam cada vez mais no controle. Houve uma
certa separação entre propriedade e controle. O papel do capitalista e o do empresário divergiram
um pouco. Nas grandes empresas, a divisão funcional do trabalho e a gradação hierárquica
tornaram-se mais diferenciadas, mais nítidas e mais formalizadas. A ciência tornou-se cada vez mais
importante na produção, depois também nas vendas e, finalmente, na administração interna. A
estrutura interna das grandes empresas privadas tornou-se mais semelhante à estrutura interna das
grandes agências governamentais. Jürgen Kocka, Arbeiten an der Geschichte Gesellschaftlicher
Wandel im 19. und 20. Jahrhundert, 2011, p. 141

A citação de Polanyi mostra os pilares da economia e política liberal nos países centrais no
século XIX, sem introduzir as transformações importantes do capitalismo concorrencial de
pequenas e médias empresas desde a Longa Depressão de 1873 – 1896 em muitos destes
países. Pode se acrescentar ainda para o período antes da Primeira Guerra Mundial uma onda
de globalização caracterizada pelo aumento expressivo de comercio internacional, dos
movimentos internacionais de capital, e da migração. Pode se chamar este período um tempo
de livre movimentação internacional de bens e serviços, capital, e trabalho, embora somente o
Reino Unido seguia a política de livre comercio até sua saída do padrão ouro em setembro de
1931, outros países introduziam barreiras já na Longa Depressão de 1873 – 1896 (também
chamada de Longa Deflação, porque houve neste período uma queda expressiva dos preços,
mas não acompanhada de uma queda expressiva da produção, que normalmente caracteriza
uma depressão). Este período é lembrado como o auge do liberalismo econômico sob o
padrão ouro como sistema monetário internacional, livre movimentação internacional de
84

bens, serviços, capital e trabalho, embora em muitos países o Estado interventor e


regulamentador entrou no cenário e a ascensão de grandes empresas usando conhecimentos
científicos deslocou a livre concorrência entre pequenas e médias empresas para o segundo
lugar. A segunda citação de Kocka mostra as transformações profundas nas estruturas
econômicos, políticos e sociais que acompanham o caminho para o capitalismo organizado, um
conceito analisado mais tarde.

As mudanças do capitalismo concorrencial para um capitalismo onde as grandes corporações e


os cartéis entram e mudam o cenário dos mercados, da politica e das relações de poder. As
relações entre estas grandes corporações e o Estado podem ser descritos aqui somente de
forma curta, se referindo a alguns exemplos dos Estados Unidos e – em primeiro lugar – da
Alemanha.

O próximo estágio de desenvolvimento capitalista – a segunda revolução industrial na segunda


metade do século XIX– teve início com a construção de ferrovias com necessidade maior de
carvão, ferro, e aço e a criação de grandes companhias. Para financiar novos
empreendimentos grandes bancos e mercados de capital foram criados. No fim de século XIX a
indústria pesada, a indústria química e eléctrica tornam-se ramos importantes da produção
concentrada. As grandes empresas criavam também um incentivo para os trabalhadores de
vindicar suas demandas econômicas, políticas, e de reconhecimento contra o capital e o
Estado através da organização em sindicatos e partidos trabalhistas. Em muitos países centrais
a força dos partidos socialistas lutando para sociedades diferentes ameaçou o poder
dominante das elites conservadores ou liberais. O sonho dos partidos socialistas de realizar
uma sociedade mais igualitária com a massa unida de assalariados quebrou na fragmentação e
segmentação dos assalariados, bem como na crescente atratividade do nacionalismo. Mas o
Estado tornou se cada vez mais importante nas áreas educação, saúde, assistência social,
infraestrutura, para garantir o desenvolvimento e a competitividade do capitalismo industrial
nacional. A urbanização criou a necessidade de fornecer, água, gás, eletricidade, transporte
público através de empresas, parcialmente em propriedade dos municípios. Com a introdução
de automóveis criava se também demanda para infraestrutura rodoviária, para petróleo, e
para borracha. As últimas décadas antes da Primeira Guerra Mundial foram caracterizadas
pelo liberalismo econômico, pelo padrão ouro, e pelo conceito do comercio internacional livre
e da livre movimentação internacional de capital, embora somente o Reino Unido viveu neste
tempo sem barreiras tarifárias e não-tarifárias.
85

A concentração da produção em grandes empresas é um processo que aconteceu em muitos


países centrais na segunda metade do século XIX (conceituada por Marx como concentração e
centralização de capital). Os pioneiros destas empresas gigantes foram as empresas
ferroviárias, que começavam sua expansão já na primeira metade do século XIX. Em 1850 tive
cerca 5,9 mil quilômetros de rede ferroviária em Alemanha, em 1914 cerca 61,7 mil
quilômetros (histat. Studiennummer 8575). Estas empresas precisavam novas formas de
financiamento e gerenciamento, planejamento e organização, criavam se estruturas
organizacionais de hierárquicas funcionais. Por causa de sua importância econômica e militar o
Estado alemã subvencionou a atividade empresarial ferroviária e na década de 1880 a maioria
das ferrovias foi nacionalizada. Após 1850 começou a expansão das grandes empresas na
Alemanha, “inicialmente limitada à mineração de carvão, ferro e aço e engenharia mecânica,
ou seja, às indústrias que estavam intimamente ligadas à construção ferroviária.”
(Pierenkemper, 2011, pos. 3319 pp.). Depois de 1870 com uma nova lei das sociedades
anônimas começou a ascensão das grandes empresas. A entrada de grandes corporações na
evolução de capital mudou o cenário do capitalismo especialmente nas últimas décadas do
século XIX. Os seguintes gráficos mostram a ascensão das sociedades anônimas e da
concentração do emprego em unidades locais operacionais (‘Betrieb’) das empresas
(‘Unternehmen’).

Gráfico 6 Estrutura do emprego nas unidades operacionais locais (fabricas) das empresas
alemães na indústria 1882, 1895, 1907 e 1925,
Fonte: HISTAT: GESIS Datenarchiv, Köln. histat. Studiennummer 8181
86

Gráfico 7 Emprego médio nas diferentes formas jurídicas das empresas alemães 1882, 1895,
1907 e 1925

Fonte: HISTAT: GESIS Datenarchiv, Köln. histat. Studiennummer 8181

O crescimento do emprego/empresa nas sociedades anônimas é impressionante, é necessário


adicionar que nas cooperativas o emprego médio vacila entre 8 e 5, nas empresas estatais
entre 193 e 55 no período (GESIS Datenarchiv, Köln. histat. Studiennummer 8181).

Importante é anotar que já em 1882 a concentração na mineração em Alemanha foi muito


maior com 83,4% do emprego em fabricas com mais de 200 empregados, chegando em 1907
para 86,9% (GESIS Datenarchiv, Köln. histat. Studiennummer 8256). É importante anotar que o
gráfico não capta bem a concentração do emprego em grandes empresas, porque conta o
emprego em unidades locais de produção (‘Betriebe’), embora a maioria das empresas
(‘Unternehmen’) tinha diferentes unidades locais de produção. Para avaliar melhor o processo
de concentração Kocka (2011, p. 143 pp.) aponta para uma pesquisa da universidade de
Bielefeld sobre as cem maiores empresas na indústria e na mineração em Alemanha
1887,1907 e 1927:

Se medirmos o número de funcionários, o maior (Krupp) empregava cerca de 20.000 pessoas


em 1887; em 1907, a Krupp ainda era o maior empregador, com 64.000 empregados, seguida
de perto pela Siemens com 30.000. Em 1927, a Vereinigten Stahlwerke (empresa de aço) era o
único líder com quase 200.000 empregados, à frente da Siemens com 116.000 e da IG Farben
com 80.000. (...). As indústrias de bens de produção claramente se classificaram à frente das
indústrias de bens de consumo. Como resultado, o modelo alemão diferia um pouco do modelo
americano contemporâneo: ali, as empresas do setor de »alimentos e artigos de luxo« estavam
87

mais fortemente representadas entre as 100 maiores; A Alemanha diferia ainda mais da
Inglaterra nisso. A maioria dos 50 maiores do setor de bens de consumo estavam localizados lá.
(...).

Já em 1887 havia apenas 27 empresas de produção pura entre as 100 maiores, em 1907 apenas
12 e em 1927 9, mais recentemente quase exclusivamente na indústria de máquinas e veículos.
Acima de tudo, a "integração para trás", tecnologicamente óbvia e também por razões de
política de mercado defensiva, já era comum no final do século XIX, especialmente nas
indústrias do carvão e do aço e química. O que mudou radicalmente de 1887 a 1927 foi a
tendência adicional das empresas manufatureiras de "integração progressiva", primeiro (1887-
1907) na forma de filiação a um dos sindicatos de rápido crescimento, depois (1907-1927)
principalmente por meio de afiliação ou expansão uma organização de vendas interna. As
vendas eram feitas de uma forma ou de outra: em 1887, 25 das 100 maiores empresas
industriais e de mineração, em 1907 82 e em 1927 até 88. Em 1887, a integração das vendas
era comum nas empresas elétricas, químicas e cervejeiras. Tornou-se cada vez mais a
estratégia geral em todos os setores. (...).

Já em 1887, apenas 15 das 100 maiores empresas eram organizadas como empresas pessoais;
estes foram encontrados principalmente no campo da extração de ferro e metal (Krupp e as
"empresas nobres" da Silésia, como von Giesche's Erben, Breslau e Henckel von Donnersmarck
de). Em 1897, havia apenas 7 empresas pessoais entre as 100 maiores (a saber, 4 "empresas
nobres" da Silésia e Stinnes no setor de mineração, Borsig e Henschel na engenharia mecânica),
em 1927 apenas uma (ou seja, o comparativamente pequeno estaleiro Schichau em Elbing).
(...). Mais da metade das 100 maiores empresas em 1907 foram originalmente fundadas como
empresas pessoais e, em sua maioria, foram reorganizadas em sociedades por ações ou outra
corporação nas décadas de 1870 e 1880

Kocka (2011, p. 150 pp.) aponta também para o papel crescente dos grandes bancos
universais, também fundados neste período, no financiamento da indústria:

As forças motrizes aqui eram principalmente os bancos, que, como o Deutsche Bank, o
Commerzbank ou o Darmstädter Bank, eram estruturados como sociedades anônimas,
principalmente preocupadas com o financiamento industrial, mas apenas ajudavam as
empresas industriais com necessidade de capital com empréstimos de longo prazo e a abertura
do mercado de capitais e estavam prontos para agir quando [as empresas] foram convertidos
em uma sociedade por ações ou algo semelhante. Só esta forma jurídica dava aos bancos a
oportunidade de fiscalizar e intervir na empresa que apoiavam financeiramente, sobretudo
através do conselho fiscal, legalmente previsto para as sociedades anônimas desde 1870, ao
qual os bancos podiam enviar os seus representantes.

O sistema financeiro desenvolveu-se também na Alemanha imperial. Em 1875 o banco central


“Reichsbank’ foi fundado, Pierenkemper (2015, pos. 2347 p.) considera que em Alemanha a
introdução do pleno padrão ouro demorou até 1909. Pierenkemper (2015, pos. 2380 e 2397
p.) mostra o desenvolvimento do sistema bancário alemão:

No início do século XIX eram principalmente os banqueiros privados que faziam transações
bancárias com base em sua riqueza privada. Frankfurt am Main e a bolsa de valores local
claramente dominaram as atividades, e o financiamento do Estado foi a principal linha de
negócios. (...). Os banqueiros reagiram a esses desafios criando bancos de crédito de ações,
inicialmente contra a vontade do Estado prussiano, contornando as regulamentações
pertinentes, por exemplo, no Disconto Gesellschaft em Berlim (fundado em 1851), ou fora do
território do estado prussiano (Darmstädter Bank, fundado em 1853 como um banco de
comércio e indústria). Posteriormente, quando os bancos também foram aprovados como
88

sociedades anônimas, de acordo com os requisitos legais z. B. Deutsche Bank (1870) e Dresdner
Bank (1872). (...).

Kocka (2011, p. 151 pp.) mostra também a crescente burocratização nas empresas e com isto a
crescente importância dos funcionários na gerencia e nos trabalhos de dia-dia nas empresas,
criando uma nova camada de empregados, que em seus hábitos e mentalidades tentavam se
posicionar acima dos trabalhadores de colarinhos azuis, embora para a maioria os salários não
foram tão diferentes:

Como grupo interno, os funcionários já são claramente identificáveis na primeira fase da


industrialização. Uma minoria de funcionários - contadores, engenheiros, caixas, registradores,
gerentes de oficina, capatazes, funcionários de oficina, desenhistas posteriores engenheiros,
correspondentes, etc. - (na Siemens & Halske Berlin em 1866 13 de um total de 165, em 1873
quase 50 de aproximadamente 580 empregados) se distinguiam dos demais trabalhadores da
indústria por um status especial, que se concretizou mais no salário e no pagamento de
benefícios especiais, na segurança relativa do emprego e na redução da jornada de trabalho,
em menos controles e em vantagens dentro da antiga pensão corporativa e fundos de seguro,
no direito a férias e outros benefícios especiais da empresa, e garantiu-lhes as vantagens de
uma relação de trabalho do tipo funcionário público em alguns (de forma alguma em todos
aspectos) os aspectos. (...) A crescente cientificação da tecnologia e a padronização da
produção, a separação cada vez mais clara do trabalho manual e mental na produção
aumentaram a forma escrita nas oficinas, sujeitaram os processos de trabalho a regras gerais
detalhadas e levou mais longe a divisão sistemática do trabalho. (...). Mas não há dúvida de que
as gigantescas corporações anteriores à Segunda Guerra Mundial se assemelhavam a
burocracias públicas mais do que nunca. (...). O conceito de funcionário [Angestellter] transferiu
para o primeiro plano o caráter de empregado ao funcionário, enfatizando assim a sua
dependência em vez do conteúdo da sua ocupação. Ele colocou em foco o que era comum a
muitos grupos e destruiu a consciência especial que havia sido conquistada pelo
desenvolvimento econômico. (...)

Embora os empresários proprietários fossem provavelmente uma pequena minoria entre as


100 maiores já em 1887, que continuou a declinar até 1927, as empresas lideradas por
gerentes profissionais também eram uma - embora crescente - minoria. Provavelmente ainda
em 1927, mas ainda mais em 1887, a maioria das 100 maiores empresas pertenciam à forma
intermediária, na qual ainda não havia uma separação clara entre propriedade de capital e
controle societário. Em 1927, as empresas lideradas por gerentes profissionais constituíam a
maioria das maiores apenas nas áreas de mineração (aqui já no século XIX), extração de ferro e
metal, indústria química e, em geral, entre as grandes empresas líderes de topo. Hannes
Siegrist estima que em 1927 apenas dois das dez maiores empresas da Alemanha: IG Farben,
Vereinigte Stahlwerke, Siemens, AEG, Mannesmann, Krupp, Burbach Kaliwerke, Winterschall
(Kaliwerke), Harpener Bergbau AG e Deutsche Erdöl AG, ou seja, Krupp e Siemens, tinham esta
gerencia da forma intermediária; as oito restantes eram empresas lideradas por gerentes
profissionais.

Na Alemanha nas últimas décadas do século XIX e nos anos antes da Primeira Guerra Mundial
houve uma forte concentração de capital, especialmente em novos setores como indústria
elétrica (Siemens, AEG), química (BASF, Bayer, Hoechst) e ótica (Zeiss), financiado por bancos
universais como a Deutsche Bank e outros, mas também nos setores da indústria pesada
(Krupp) e mineração de carvão (Gelsenkirchener Bergwerksgesellschaft). O partido
socialdemocrata e os sindicatos dos trabalhadores ganhavam força e os conflitos sociais
89

aumentavam, que o Chanceler Bismarck tentou enfraquecer com leis de perseguição dos
socialdemocratas desde 1878 (até 1890), mas também estabelecendo os primeiros pilares de
um Estado de bem-estar social na legislação da previdência social na década de 1880 para
afastar os trabalhadores do partido socialdemocracia e dos sindicatos. A importância das
ciências e da educação cresceu também nesta segunda revolução industrial. Com a
urbanização crescente o investimento do Estado na infraestrutura (estradas, ferroviárias,
portos, gás, água, esgoto, eletricidade, saúde pública etc.) cresceu também nesta fase de
desenvolvimento capitalista.

O mundo do trabalho mudou já com a industrialização como descrito no capítulo anterior, mas
as novas características na fase de capitalismo organizado foram a aglomeração de massas de
trabalhadores assalariados nas grandes empresas, criando também uma classe trabalhadora
industrial, e a ascensão de funcionários de colarinho brancos e de gerentes assalariados, bem
como a organização mais rígida do trabalho. O Estado tentava amenizar os males da vida do
trabalhador com medidas legais e sociais cautelosos, mas também usava medidas repressivas
para resolver conflitos trabalhistas como greves nas empresas.

Na guerra (1914 – 1918) houve forte intervencionismo e planejamento governamental nos


países beligerantes, em menor grau nos Estados Unidos, que entrou somente em 1917 na
guerra. Nos tempos da guerra os pilares do capitalismo liberal ficavam suspensos nos países
beligerantes: mercados livres foram substituídos pelo intervencionismo dos governos: controle
da produção, dos preços, do comércio externo, suspensão do Padrão Ouro para financiar os
gastos com a guerra através da expansão monetária e da emissão de dívida pública.

Nos Estados Unidos o tempo de concentração de capital é chamado depreciativamente por


alguns históricos de era dos ‘robber barons’ (se referindo a práticas duvidosas nos negócios) ou
também de ‘gilded age’ (se referindo a era do ouro para as grandes empresas e a relação
problemática entre negócios e politica e as práticas politicas populistas), dos grandes
industriais e financistas como Rockefeller, Vanderbilt, Morgan e Carnegie e das grandes
empresas como Standard Oil of New Jersey e United Steel Works. Houve também nestes
tempos fortes conflitos de classe entre a classe trabalhadora e seus sindicatos e os capitalistas,
bem como o esforço de controlar a concentração do capital através da legislação, como o
‘Sherman Antitrust Act’ de 1890.

Na Alemanha nas últimas décadas do século XIX e nos anos antes da Primeira Guerra Mundial
houve uma forte industrialização e concentração de capital, especialmente em novos setores
como indústria elétrica (Siemens, AEG), química (BASF, Bayer, Hoechst) e ótica (Zeiss),
90

financiado por bancos universais como a Deutsche Bank e outros, mas também nos setores da
indústria pesada (Krupp) e mineração de carvão (Gelsenkirchener Bergwerksgesellschaft). O
partido socialdemocrata e os sindicatos dos trabalhadores ganhavam força e os conflitos
sociais aumentavam, que o Chanceler Bismarck tentou enfraquecer com leis e perseguição dos
socialdemocratas na década de 1880, mas também estabelecendo os primeiros pilares de um
Estado de bem-estar social na legislação da previdência social na década de 1880 para afastar
os trabalhadores do partido socialdemocracia e dos sindicatos.

A industrialização no Reino Unido (desde o fim do século XVIII), nos Estados Unidos (desde a
segunda metade do século XX) e na Alemanha (também desde segunda metade do século XX)
com o impulso forte da extensão da rede ferrovaria já começando na década de 1840 levou a
uma mudança expressiva da estrutra de produção e do emprego, fortalecendo o setor
industrial, enquanto o setor da agricultura perdeu cada vez mais em importância nos países
centrais, embora a agricultura até hoje sempre consegiu nos países centrais segurar uma
proteção forte pela intervenção do Estado, pela fixação de tarefas externas, bem como através
de subvenções diretas e garantia de preços. A tabela a seguir mostra para os três setores
centrais da economia a mudança no emprego até 1913.

Tabela 22 Distribuição setorial da população ocupada por setores (%) 1800, 1870 e 1913

Agricultura Indústria Serviços


1800 1870 1913 1800 1870 1913 1800 1870 1913
Alemanha 61,8 49,5 34,5 21,3 29,1 37,9 16,9 21,4 27,6
França 59,2 49,8 41,0 n.d. 28,0 33,1 n.d. 22,2 25,9
Reino Unido 30,9 22,2 11,8 37,3 42,4 44,1 31,8 35,4 44,1
Estados
83,7 54,3 33,6 12,8 25,2 29,2 3,5 20,5 37,2
Unidos*
Fonte: The Cambridge Economic History of Modern Europe: Volume 2, posição 4400,
https://ourworldindata.org/agricultural-employment/, HISTORICAL STATISTICS OF THE UNITED
STATES 1780-1945, United States Department of Commerce, 1949
*1810 em vez de 1800

O conceito do capitalismo organizado criado por Hilferding em 1915 (resumindo seu livro de
1910 Das Finanzkapital) descreve – em primeiro lugar para Alemanha - as mudanças profundas
na economia e política nestas últimas décadas do século XIX. O capitalismo organizado está
caracterizado pela concentração, racionalização e burocratização (das empresas e do Estado),
pela fundação de sociedades anônimas por ações, associações e cartéis, e -em contrapartida –
de organizações da classe trabalhadora, e pela atividade econômica do Estado (intervenção na
economia e na sociedade, institucionalização por meio de leis, primeiros passos do Estado de
bem estar social). Começava a divisão entre propriedade e gerência nas grandes empresas,
91

que Burnham décadas depois vai chamar de 'managerial revolution'. A burocratização


aumentou no setor privado bem como no setor público, criando a camada de funcionários na
força de trabalho com valores e culturas diferentes do proletariado industrial. O fator
conhecimento e as ciências ganhavam mais espaço na produção de bens e serviços. Uma
conceituação do capitalismo organizado encontra-se no livro 'Organisierter Kapitalismus
Voraussetzungen und Anfänge' [1974, p. 7]:

Este termo, cunhado por Rudolf Hilferding, geralmente se refere à substituição de uma
economia competitiva com empresários individuais e em grande parte protegida
contra a intervenção estatal por uma economia altamente concentrada, internamente
burocratizada, organizada em sindicatos patronais e trabalhistas. O funcionamento
desta ordem econômica é assegurado por intervenções do Estado de várias qualidades.

Obviamente já antes nos tempos de mercantilismo houve forte intervencionismo da Estado na


economia, mas nestes tempos o objetivo foi de garantir o poder externo do Estado (o poder
geopolítico), enquanto as intervenções nos tempos do capitalismo organizado tentavam em
primeiro lugar coordenar e estabilizar a economia interna. A intervenção do Estado na
economia antes da Primeira Guerra Mundial não foi ainda uma política conjuntural nos moldes
keynesianos, mas regulamentação, subvenção, e medidas protecionistas. Os Estados faziam
mais intervenções na economia através da legislação trabalhista, através de politicas
comerciais (com exceção do Reino Unido perseguindo ate a Grande Depressão da década de
1930 uma politica de livre comercio internacional), e através de primeiros passos em direção
para um Estado de bem estar social. Pensadores socialistas como Hilferding pensavam que o
capitalismo organizado através da organização dos mercados pelos trustes, cartéis, sindicatos
do setor privado e pelas intervenções do Estado tornava se mais estável contra as crises, uma
esperança que quebrou totalmente com a Grande Depressão.

Embora o conceito do capitalismo organizado foi usado em primeiro lugar para descrever os
fenômenos novos das décadas antes da Primeira Guerra Mundial, o conceito também pode ser
usado pelo período entre as guerras, pelo menos antes da Grande Depressão da década de
1930, quando a intervenção do Estado alcança um nível qualitativo diferente em muitos
países, que já mostra algumas características do paradigma keynesiano-fordista da era pós-
Segunda Guerra Mundial. No Brasil com a era Vargas certas características do capitalismo
organizado aparecem também, com ênfase na intervenção maior do Estado na economia e na
sociedade.

Embora a ideologia econômica hegemônica neste tempo fosse o liberalismo econômico, a


ascensão das grandes empresas, a intervenção do Estado – especialmente – na extensão de
92

instituições de Estado de bem estar social e na legislação trabalhista, e o fato de que os


governos e os bancos centrais fossem vacilando entre o laissez faire necessário para o ajuste
externo do padrão ouro e a necessidade política de diminuir desemprego e as capacidades
ociosas no ciclo conjuntural, já existiam tendências tênues para uma ideologia econômica mais
intervencionista. Mas no auge do liberalismo econômico nas décadas antes da Primeira Guerra
Mundial o foco estava no equilíbrio externo dentro do padrão ouro, os desequilíbrios internos
e sociais ficavam em segundo lugar.

Em uma perspectiva histórica mais extensa o capitalismo organizado foi se aprofundando com
o paradigma Keynesiano-Fordista pós-Segunda Guerra Mundial e a ampliação do Estado de
bem estar social nos países centrais. Nos países centrais do capitalismo democrático, “onde o
governo faz intervenções nos mercados para garantir justiça social e estabilidade demandada
por uma maioria votante” [Streeck 2013 [2]] os trinta anos pós-guerra são denominados por
Fourastié [Judt, 2009] os “Les trente glorieuses”, por Hobsbawm [(2) 1997] a era do ouro e por
Arrighi [2010] Fordismo-Keynesianismo e por Streeck [2013] capitalismo “com a correção
política no modelo Keynesiano e Beveridgeano”. Com a crise da década de 1970 a ideologia
keynesiana se enfraqueceu e a ascensão da ideologia neoliberal preparava transformações
profundas na organização econômica nacional e interncional.

Pensadores como John Maynard Keynes e Stefan Zweig olhavam em retroperspectiva depois
da catástrofe humana da guerra com certa saudade para esta época burguesa perdida da livre
movimentação de pessoas, capital, e produtos no mundo. Com a guerra os países beligerantes
abandonavam o padrão ouro e o livre comércio introduzindo o planejamento da produção
pelo Estado e forte intervenção do Estado na economia, financiando a guerra com dívida
pública e expansão monetária, incompatível com o padrão ouro. As consequências futuras
foram dívidas públicas insustentáveis e pressões inflacionárias, que depois da guerra
acabavam parcialmente, como na Alemanha em 1923, em uma hiperinflação.

5) O Brasil na evolução capitalista até a Primeira Guerra Mundial

Outra característica marcante da história brasileira é a facilidade de suas transições políticas internas. A este
respeito, é a antítese do México. Isto é em parte devido à natureza do domínio colonial. No México, o domínio
espanhol era pesado e exclusivo, com uma insistência orgulhoso em conformidade com as normas
metropolitanas. Portugal, pelo contrário, impôs um relativamente "soft state". A mão burocrática era mais
leve, o clero mais fácil. Durante séculos, a colonização não era densa, com o Português vivendo em enclaves
como "caranguejos na praia". Houve autonomia local substancial, os estrangeiros foram autorizados a negociar
e até mesmo viver no país, a Inquisição não tinha existência eficaz e hereges discretos foram deixados sem
perturbações. Portugal, como a Holanda, era uma nação de marinheiros e comerciantes. Colonialismo tinha
elementos maiores de "capitalimo comercial" do que na Nova Espanha, cuja política era mais próxima do
modelo romano antigo de "imperialismo de tributo". Angus Maddison32, Brazilian Development
Experience 1500 – 1929, p. 1
93

Este capítulo não pode ser uma história econômica curta de Brasil nem uma discussão sobre as
perguntas abertas controversas sobre o desenvolvimento especifico capitalista brasileiro com
sua dependência colonial e pós-colonial de Portugal, da Inglaterra e dos outros países centrais,
mas está escrito na perspectiva de focar de forma concisa os período de transição do
desenvolvimento das instituições capitalistas no Brasil com foco na industrialização do Brasil e
na inserção do Brasil no sistema capitalista global.

Na perspectiva política a história brasileira foi dividida em seis períodos por Fausto [2009] (1) o
Brasil colonial (1500 -1822); (2) O Brasil monárquico (1822 – 1889); (3) A primeira república
(1889 – 1930); (4) O Estado Getulista (1930 – 1945); (5) A experiência democrática (1945 –
1964); (6) O regime militar e a transição para a democracia (1964 – 1984); pode se acrescentar
o período seguinte de Brasil democrático desde 1985 com os governos de Sarney, Collor,
Franco, Cardoso, Lula da Silva, Rousseff, Temer e Bolsonaro.

Na perspectiva econômica do desenvolvimento do Brasil podem se – baseando em diferentes


fontes33 - filtrar os seguintes períodos: O período do modelo agroexportador com trabalho
escravo (1500 – 1888 incluindo o período colonial e quase todo o período imperial), o período
do inicio da industrialização com trabalho assalariardo da República velha até o
desenvolvimento acelerado pós Segunda Guerra Mundial e da crise da dívida externa
começando em 1981 [1889 – 1980, embora a industrialização começou já fazer seus primeiros
passos depois da fuga da monarquia e parte da aristocracia e burocracia portuguesa para o
Brasil (1807/1808) fugindo da invasão napoleônica de Portugal] e o período do crescimento
mais lento interrompido por crises que começa com a década perdida de 1980, com a
redemocratização em 1985, e com a estabilização macroeconômica em 1994 e a nova inserção
do Brasil na economia global. Desde 2003 houve uma expansão do Estado de bem-estar social
no Brasil nos governos Lula da Silva e Rousseff 2003 até 2016, terminando mal com uma crise
profunda da economia brasileira começando em 2014 e a ascensão do vice-presidente Temer
ao poder depois de um processo de ‘impeachment’ da presidenta Rousseff em 201634.

No período colonial e de império pode se distinguir os ciclos de produtos orientados para a


exportação: o açúcar (em declínio desde a segunda metade do século XVII por causa da forte
concorrência da produção de açúcar no Caribe, impactando também num declínio da
economia da região do Nordeste), e a exportação de ouro para a metrópole em Lisboa desde o
começo do século XVIII com seu auge entre 1760 e 1770, declinando no século XIX,
impactando num certo declínio da região de Minas Gerais. No tempo da independência de
Brasil (1822) os produtos mais importantes de exportação foram açúcar, algodão e café. A
94

tabela a seguir mostra os produtos da agropecuária e sus importância na pauta das


exportações brasileiras.

Tabela 23 Principaís mercadorias da exportação brasileira (1821/1950)

Peles e
Café Açúcar Algodão Borracha Total
Couros
1821/30 18,63% 32,21% 19,96% 13,77% 0,06% 84,63%
1831/40 43,78% 24,02% 10,98% 7,92% 0,35% 87,05%
1841/50 41,29% 26,74% 7,47% 8,62% 0,39% 84,51%
1851/60 48,78% 21,18% 6,21% 7,24% 2,24% 85,65%
1861/70 45,25% 12,04% 18,37% 6,01% 3,18% 84,85%
1871/80 56,44% 11,87% 9,51% 5,52% 5,49% 88,83%
1881/90 61,70% 9,96% 4,24% 3,19% 7,69% 86,78%
1891/00 63,84% 5,66% 2,48% 2,48% 15,83% 90,29%
1901/10 51,46% 1,24% 2,12% 4,36% 27,94% 87,12%
1911/20 52,40% 3,19% 1,98% 6,41% 11,44% 75,42%
1921/30 69,56% 1,44% 2,41% 4,62% 2,50% 80,53%
1931/40 50,03% 0,49% 14,28% 4,39% 1,08% 70,27%
1941/50 46,11% 0,78% 11,35% 3,26% 0,97% 62,47%
Fonte: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior

A exportação de café começou de se tornar o produto mais importante da exportação


brasileira já na década de 1830, a produção começando na região de Rio de Janeiro e depois
no Estado de São Paulo (com o declínio começando com a Grande Depressão da década de
1930). Outros ramos de produção agrícola orientados para a exportação foram o algodão e o
ciclo curto de borracha começando nas últimas décadas do século XIX. É importante anotar
que mesmo no século XXI o Brasil está ainda um exportador forte de produtos primários como
soja, minério de ferro, café e outros, embora sendo o país mais industrializado na América
Latina.

Com a fuga da monarquia portuguesa para o Brasil (1807/1808) começou a abertura dos
portos para o comércio internaional com políticas comerciais favorecendo os ingleses,
aumentando com isto as importações de bens e capital ingleses. Mudou também a politica
mercantilista que proibiu a produção de bens manufaturados na colônia, o que iniciou os
primeiros passos cautelosos de industrialização, nem sempre com muito sucesso por causa da
forte concorrência dos produtos ingleses e do mercado interno restrito.

Com a abolição da escravatura em 1888 a imigração europeia para o Brasil tornou-se mais
expressiva com o objetivo em primeiro lugar de fornecer mão de obra para a produção de café
no estado de São Paulo, onde agora a produção se concentrou. A tabela a seguir mostra a
migração para o Brasil nas décadas de 1884 até 1933.
95

Tabela 24 Imigração Brasil 1884 - 1933

1884-1893 1894-1903 1904-1913 1914-1923 1924-1933


Alemães 22.778 6.698 33.859 29.339 61.723
Espanhóis 113.116 102.142 224.672 94.779 52.405
Italianos 510.533 537.784 196.521 86.320 70.177
Japoneses n.d. n.d. 11.868 20.398 110.191
Portugueses 170.621 155.542 384.672 201.252 233.650
Sírios e Turcos 96 7.124 45.803 20.400 20.400
Outros 66.524 42.820 109.222 51.493 164.586
Total 883.668 852.110 1.006.617 503.981 717.223
Fonte: IBGE

Obviamente com a industrialização tardia no Brasil em relação aos países centrais o


capitalismo no Brasil desde os tempos coloniais foi um capitalismo agrário, centrado nos
engenhos de açúcar e na produção de algodão em larga escala para exportação, e no
capitalismo mercantil. A produção de açúcar e algodão depende do trabalho escravo, pelo
menos até a abolição em 1888, que levanta certas dúvidas sobre o caráter capitalista, mas
muitos autores afirmam o caráter capitalista com a produção para o mercado externo e fortes
investimentos em capital, pelo menos no caso de açúcar. Wallerstein [(1) 2011, p. 93] afirma
que “embora seja verdade que a encomienda na América Hispânica (assim como a donatária
no Brasil) pode ter se originado como doações feudais, eles logo foram transformados em
empresas capitalistas por reformas legais”. Ele mostra também [(1) 2011, p. 92] que muitos
outros historiadores afirmam o caráter capitalista da produção, falando de um capitalismo
colonial ou de conceitos semelhantes, embora este ponto de vista é controverso. Obviamente
também a economia brasileira como colônia portuguesa foi totalmente dependente da política
da metrópole em Lisboa, nos tempos de império e nos primeiros anos da República houve uma
certa dependência comercial e financeira do Reino Unido, embora aqui nem uma discussão
sobre a teoria de dependência nem sobre o status de um país de periferia ou semiperiferia no
sentido da teoria do sistema mundial capitalista de Wallerstein é feita aqui. Se a
industrialização é vista como um ponto crítico do desenvolvimento capitalista o Brasil pode ser
visto como um caso de capitalismo tardio, também aqui sem aprofundar as perpspectivas
teóricas deste conceito.

A curta descrição da história do desenvolvimento capitalista do Brasil até a Primeira Guerra


Mundial aqui termina com uma avaliação das crises do desenvolvimento capitalista, focada
nos impactos da longa deflação nos países centrais desde 1873 e seus impactos sobre o Brasil
96

e a crise brasileira de Encilhamento no fim do império e nos primeiros anos da República, uma
crise financeira (bolha especulativa) parcialmente consequência da política monetária
extremamente expansionista e inflacionária. As crises ou ciclos dos produtos de exportação
(açúcar, ouro, algodão, borracha) já foram mencionados acima. Os gráficos a seguir mostram a
evolução do valor (em libras esterlinas) das exportações e das importações do Brasil, bem
como dos produtos das exportações mais importantes do Brasil (café, algodão, açúcar,
borracho) nestes tempos.

Gráfico 8 Valor em libras esterlinas das exportações e importações brasileiras 1821 – 1913

Fonte: IPEADATA
97

Gráfico 9 Valor em libras esterlinas das exportações de algodão, borracha, café, e açúcar 1850
– 1913

Fonte: IPEADATA

Pode se ver nestes gráficos a estagnação do valor das exportações em geral e dos produtos
mais importantes na pauta das exportações brasileiras na Grande Deflação nos países centrais
depois de 1873 (até 1886).

Maddison [s.a., p. 9] descreve de forma concisa a evolução da crise financeira no Brasil de


1891 [também chamado de Encilhamento] e os esforços para a estabilização nas décadas
depois:

Durante o último ano do Império e os primeiros anos da República, a política foi extremamente
inflacionária quando os governos estavam tentando aplacar muitos dos grupos proprietárias [de escravos]
para manter se no poder. A República terminou com as restrições à criação de corporações e bancos.
Entre maio de 1888 e outubro 1890, a emissão de novo capital social foi quase quatro vezes maior do que
no período Imperial (Villela Luz, p. 98). O nível geral de preços dobrava na década de 1890 e o valor do
mil-réis caírava em dois terços. A inflação da década de 1890 perturbou o mecanismo normal dos
mercados de câmbio e de café. A taxa de câmbio caiu mais rápido do que o aumento dos preços internos,
oque aumentou o preço interno de café, mesmo em termos reais. Isso estimulou a produção. A produção
de café dobrou na década de 1890 e assim os estoques mundiais de café. Houve uma mudança de culturas
de subsistência para o café, e as importações de cereais aumentavam.
Após os 10 anos de inflação seguintes da abolição, houve um período de estabilização. Havia oito anos de
política deflacionária 1898-1906 com o orçamento geralmente em superavit, uma redução na oferta de
moeda e uma queda nos preços. A taxa de câmbio subiu de 7d para 16d por mil réis. A política
deflacionária atraiu o capital estrangeiro em grande escala, e, embora a política não era muito popular
com os industriais, eles estavam protegidos pelas tarifas contra uma queda do preço das importações. Os
exportadores de café foram os que tevem a maior causa para reclamar, eles viram um declínio em suas
receitas em moeda nacional.
98

Prado [2006, p. 218 pp.] aponta a expansão monetária como causa da bolha especulativa e a
crise financeira em 1891. A descriçaõ da onda de excessivo otimismo mostra os mesmos sinais
como em bolhas seguintes em outros países:

(...) o novo governo republicano não somente confirmou a faculdade emissora concedida pouco antes
pelo Império, mas ainda a ampliou consideravelmente. (...). Sob a ação deste jorro emissor não tardará
que da citada ativação dos negócios se passe rapidamente para a especulação pura. Começam a surgir em
grande número novas empresas de toda ordem e finalidade. Eram bancos, firmas comerciais, companhias
industriais, de estradas de ferro, toda sorte de negócios possíveis e im-possíveis. (...). ! Naturalmente a
quase totalidade das novas empresas era fantástica e não tinha existência senão no papel. Organizavam-
se apenas com o fito de emitir ações e despejá-las no mercado de títulos, onde passavam rapidamente de
mão em mão em valorizações sucessivas. Chegaram a faltar nomes apropriados para designar novas
sociedades, e inventaram-se as mais extravagantes denominações. Ao lado de projetos irrealizáveis, como
estradas de ferro transcontinentais, grandes empresas de navegação, colonização de territórios os mais
afastados e inacessíveis do país, surgem negócios de todo disparatados. Ninguém se lembrava nunca de
indagar da exeqüibilidade de uma empresa, das perspectivas do negócio. Tudo era apenas pretexto para
incorporação de sociedades, emissão de títulos e especulação. (...). Está claro que tal situação não podia
durar. Em fins de 1891 estoura a crise e rui o castelo de cartas levantado pela especulação. De um
momento para outro desvanece-se o valor da enxurrada de títulos que abarrotava a bolsa e o mercado
financeiro. A débâcle arrastará muitas instituições de bases mais sólidas, mas que não resistirão à crise; e
as falências se multiplicam. O ano de 1892 será de liquidação; conseguir-se á amainar a tempestade, mas
ficará a herança desastrosa legada por dois anos de jogatina e loucura: a massa imensa de papel
inconversível em circulação. Esta subira, entre 1889 a 1892, de 206.000 contos para 561.000. E como não
será possível estancar de súbito este jorro emissor, a inflação ainda continuará nos anos seguintes.

O período de inflação, bem como da desvalorização do câmbio, pode ser visto no gráfico
seguinte, que também mostra o período de estabilização.

Gráfico 10 Inflação de custo de vida RJ, Preço médio de café (Reis/kg) Taxa de câmbio
(Pence/mil réis) Brasil 1820 – 1913

Fonte: IPEADATA
99

Prado [2006, p. 154] aponta para uma crise financeira anterior no Brasil, a crise de 1857,
também causada pela expansão monetária excessiva, mas com consequências menos
desastrosas do que a crise de 1891 (‘O encilhamento’).

6) O período entre as guerras – entre laissez faire e intervenção

Este capítulo e os próximos capítulos seguem com a narrativa de forma mais curta porque a
evolução das crises, como, por exemplo, a Grande Depressão da década de 1930, é descrita de
forma mais extensa na parte central deste trabalho. O centro está mais nos fatos políticos
importantes, porque os fatos econômicos encontram-se de forma mais profunda na descrição
da evolução das grandes crises, da Grande Depressão da década de 1930, da crise do modelo
da regulação keynesiana fordista na década de 1970 e na crise financeira global 2008/2009 e
seus impactos.

Com a Primeira Guerra Mundial a violência extrema do ‘breve século XX’ (Hobsbawm)
começou: o massacre da juventude europeia nos campos da batalha foi a primeira visão do
futuro: ódio nacionalista, racista e de classe, assassinatos políticos, perseguição, tortura, uma
Segunda Guerra Mundial ainda mais violenta do que a primeira, Gulag e Holocausto. Aqui não
é o lugar para analisar as causas desta época sombria da humanidade. Provavelmente foi uma
consequência da luta dos países centrais pela hegemonia politica, militar e econômica,
incentivada pela cultura imperialista, nacionalista e colonialista que se espalhou nas décadas
antes que ‘as luzes se apagam na Europa’, como disse Edward Grey, secretario das Relações
Exteriores da Grã-Bretanha (Hobsbawm, 1997 (1), p. 30). Mas a Primeira Guerra Mundial levou
também a uma discussão controversa sobre a afinidade do capitalismo global com guerras e
conflitos armados. Na perspectiva histórica contemporânea a Primeira Guerra Mundial foi a
catástrofe europeia primordial, embora sua eclosão e interpretada menos como impacto da
competição econômica global, como teóricos do imperialismo advertem, mas como
consequência de projetos geopolíticos conflituosos nos países centrais e um evento
contingente, o assassinato do herdeiro previsto ao trono austríaco no Sarajevo, que políticos e
diplomatas na Alemanha, Áustria, Franca, Grã-Bretanha, e Rússia não queriam ou não
poderiam mais controlar. Obviamente as elites econômicas nas indústrias e finanças, embora
não ativamente apostando na solução militar, aproveitavam a oportunidade de fazer lucros na
guerra, como em outras situações também, e também participavam ativamente com os
governos na definição dos objetivos abertamente imperialistas de dividir o mundo no caso de
vencer a guerra. A pergunta em aberta fica porque o massacre da juventude europeia (e do
mundo colonial e dos Estados Unidos) na guerra industrializada durou mais de quatro anos.
100

As consequências econômicas para os países centrais também foram importantes para a


história politica e econômica do período entre guerras (1918 – 1939, embora estas datas sejam
escolhidas na perspectiva europeia, na Manchúria a guerra já começou em 1931 com a invasão
japonesa ou, pelo menos em 1937 com a invasão japonesa da China) o que levou alguns
historiadores de falar do período de 1914 até 1945 de uma segunda guerra de trinta anos.

Na guerra houve forte intervencionismo e planejamento governamental nos países


beligerantes, em menor grau nos Estados Unidos, que entrou somente em 1917 na guerra.
Pelo tempo da guerra os pilares do capitalismo liberal ficavam suspensos: mercados livres
foram substituídos pelo intervencionismo dos governos: controle da produção, dos preços, do
comércio externo, suspensão do Padrão Ouro para financiar os gastos com a guerra.

No pós-guerra existem fortes tendências de voltar ao mundo liberal antes da guerra, visto
como um modelo de sucesso de desenvolvimento econômico, padrão ouro, livre comércio
internacional e livre movimentação internacional de capitais. Mas o cenário mudou. Os
Estados Unidos tornam-se o poder econômico e politico hegemônico, substituindo a
hegemonia britânica. Os Estados Unidos tornam-se o maior credor do mundo enquanto as
nações europeias arcam com suas dívidas elevadas do financiamento da guerra, mas os
Estados Unidos não queriam assumir sua posição hegemônica, se concentrando em sua
politica domestica, por exemplo, nem assinando o tratado de Versalhes, nem participando na
nova Liga das Nações.

A guerra não deixou somente milhões de mortos e feridos, mas também destruiu as relações
econômicas e sociais entre as nações, criando novas nações em Europa, mudando fronteiras,
deslocando populações e criando um clima para caminhos autoritários, nacionalismo,
xenofobia, racismo e antissemitismo. Grandes impérios, como o império russo, o império
austro-húngaro e o império otomano quebravam e davam lugar para novos países e novas
formas de governar. A revolução russa de 1917 cria depois de uma sangrenta guerra civil uma
autocracia comunista, tentando realizar um projeto econômico e social alternativo, destruindo
as instituições capitalistas. Com isto cria-se uma divisão do movimento trabalhista em uma
corrente revolucionária comunista e uma corrente reformista socialdemocrata. Na Alemanha o
imperador Guilherme II renunciou ao trono na revolução de novembro de 1918 e abriu espaço
para a republica democrática de Weimar, primeiro com o governo dos socialdemocratas, mas
sob condições adversas, grande parte das elites odiando a republica, o tratado de Versalhes e
suas consequências para Alemanha, fortalecendo uma direita golpista (golpe de Kapp em
1920), organizações assassinas de direita (Freikorps, organização Consul, responsáveis pelo
assassino de Liebknecht e Luxemburg, Erzberger e Rathenau e muitos outros políticos) e um
101

partido nacional-socialista sob Hitler em Munique em espera para sua hora para seguir o
caminho de Mussolini na Itália em 1922.

Economicamente os países de Europa tentavam se recuperar da guerra com reconstrução da


infraestrutura e do aparelho produtivo (a destruição foi pior no norte de França, Bélgica e na
Rússia – desde 1922 a USSR) e a reorientação da produção bélica para a produção em tempos
da paz. A lembrança do modelo de sucesso de padrão ouro em tempos antes da guerra teve a
consequência que os países centrais tentavam de retornar ao padrão ouro, mas sob condições
diferentes.

Os esforços da guerra necessitavam de ser financiados, emitindo dívida pública e expandindo a


quantidade de moeda, a tabela a seguir mostra que nos países beligerantes os gastos públicos
foram muito maiores do que as receitas. Por esta razão os países beligerantes precisam
recorrer a emissão da dívida e da moeda para cobrir os déficits e precisavam abandonar o
padrão ouro em 1914 (os Estados Unidos somente em 1917 introduziam um embargo para
ouro e controles de capitais e já voltavam em 1919 ao ouro na paridade antes da guerra).

Tabela 25 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos 1914-1918 (%)

Reino Unido França Alemanha Itália Estados Unidos


1914 -61,3 -54,8 -73,5 -6,1 -0,1
1915 -79,8 -79,4 -94,4 -45,3 -8,4
1916 -75,0 -96,6 -92,7 -64,9 6,7
1917 -76,1 -86,1 -90,8 -69,6 -43,7
1918 -69,2 -80,0 -93,8 -70,2 -71,2
Fonte Eichengreen, Golden Fetters, p. 75
Uma segunda consequência da Guerra foi uma inflação em ascensão, parcialmente reprimida
por controles de preços em tempos da guerra, como o gráfico a seguir mostra. Para todos os
países considerados os preços começavam expressivamente a aumentar na guerra e na
depressão pós-guerra no ano 1921 houve forte deflação, com exceção de Alemanha onde se
iniciava um processo de hiperinflação. Na Alemanha a pressão inflacionária reprimida na
guerra acabou em um processo de hiperinflação desde 1921, que se tornou extrema no ano de
1923 (Gráfico 12), quando a França ocupou o distrito industrial de Ruhr para segurar o
pagamento das reparações por lado de Alemanha e o governo financiou pela impressão de
moeda a resistência na Ruhr. O aumento expressivo dos preços nos países centrais dificultou
também uma volta rápida ao padrão ouro (especialmente na taxa de antes da guerra, como na
Inglaterra em 1925, enquanto a França voltou depois a uma taxa mais desvalorizada, porque
enfrentou também um processo inflacionário mais demorado), bem como a pressão dos
movimentos operários depois da guerra em favor de politicas intervencionistas dos governos
102

para diminuir o desemprego. Com isto um ajuste automático das economias através do ajuste
dos preços (e de uma recessão possível), como o padrão ouro clássico previa, não foi
politicamente viável, depois dos sacrifícios da classe trabalhadora na guerra. Mas em muitos
países centrais (com exceção de Alemanha) a forte, mas curta, depressão de 1921 levou a uma
queda expressiva dos preços, mas sem retorno ao nível antes da guerra, como pode ser visto
no gráfico a seguir.

Gráfico 11 Índices de preços por atacado (1913=100), Reino Unido, Estados Unidos, França e
Alemanha (para hiperinflação 1920/1923 faltam os dados no gráfico),

Fonte: HISTAT: Historische Statistik


103

Gráfico 12 Índices de preços por atacado (1913=1), Alemanha na hiperinflação 1922/06-


1923/12 faltam dados),

Fonte: HISTAT: Historische Statistik

Noutro lado, a inflação na guerra e depois facilitou o gerenciamento da dívida pública para os
governos, diminuindo expressivamente o valor real da dívida pública sem um default explicito.
Como pode ser visto na tabela a seguir a dívida pública aumentou significativamente em
tempos da guerra em todos os países beligerantes (e também num país não participante como
a Suíça) em termos absolutos e em termos em relação ao PIB (%) (com exceção de Japão). O
aumento da dívida pública em termos absolutos é muito maior do que em termos relativos,
porque a inflação na guerra e no pós-guerra diminui expressivamente o peso real da dívida. Na
Alemanha, por exemplo, o primeiro valor, que o FMI pública no ano de 1925 é 11,6% do PIB,
resultado da desvalorização dos títulos da dívida pública pela hiperinflação, o que foi, por
muitos observadores, visto em conjunto com a Grande Depressão da década de 1930, visto
como uma causa da ascensão de Hitler, porque empobreceu grande parte da classe média de
Alemanha.

Tabela 26 Dívida pública em moeda nacional (1913 =100) e em relação ao PIB

Em moeda nacional
Estados Reino
França Alemanha Itália Japão Suíça
Unidos Unido
1913 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1920 2.490,8 1.193,4 714,2 3.752,8 492,5 125,7 237,4
1939 4.693,2 1.244,4 1.325,1 626,2 963,9 683,9 346,7
104

1945 26.580,3 3.430,8 4.988,4 7.659,4 6.406,6 3.335,9 694,6


Fonte: Lapp, Klaus, (1957 [2006]) Die Finanzierung der Weltkriege 1914/18 und 1939/45 in Deutschland. GESIS Köln,
Em relação ao PIB (%)
Estados Reino
França Alemanha Itália Japão Suíça
Unidos Unido
1913 3,2 27,9 66,3 38,5 77,2 53,6 2,7
1920 27,9 137,8 169,6 n.d. 159,7 25,6 28,9
1939 44,0 149,7 101,6 31,5 69,4 71,2 37,3
1945 116,0 269,8 64,0 n.d. 72,4 *203,9 78,9
Fonte: International Monetary Fund, *1944
Embora a Conferência de Gênova em 1922 já tentava estabelecer novamente o padrão ouro
onde divisas em moedas fortes também podem ser usadas como reservas (padrão câmbio
ouro), a maioria dos países europeus somente voltou ao ouro anos depois. Eichengreen [(1) p.
76 pp] resume a volta dos países ao padrão câmbio ouro:

“As taxas de câmbio foram estabilizadas na Áustria em 1923, na Alemanha e na Polônia em 1924, e na
Hungria em 1925. Esses países emitiram novas moedas cujo volume em circulação era regulado por
provisões contidas na legislação do padrão ouro. A Bélgica estabilizou sua moeda em 1925, a França em
1926 [estabilização de fato, de jure em junho de 1928], e a Itália em 1927.
A restauração da paridade vigente antes da guerra na Grã-Bretanha em 1925 (US$ 4,86 por Libra) induziu
Austrália, Holanda, Suíça e África do Sul a acompanhar a decisão. Depois que uma massa crítica de países
restaurou o padrão ouro, o fator de externalidade em rede do sistema atraiu os demais países para o
rebanho (…). O preço para o Reino Unido de voltar ao ouro a uma taxa supervalorizada foi a necessidade
de seguir politicas deflacionistas para melhorar a competitividade, a decisão pode ser vista como a vitória
da city de Londres (do setor financeiro) sobre o setor industrial.
Se a estabilização da moeda na França em 1926 for tomada como marco do renascimento do padrão ouro,
e a desvalorização da libra pela Grã-Bretanha em 1931 como sua extinção (ou 1933 com a saída dos
Estados Unidos), nesse caso o padrão ouro no período entre guerras teve vigência como um sistema
global durante menos de cinco anos. Mesmo antes desse triste fim, sua operação era considerada
insatisfatória. O mecanismo de ajuste era inadequado: países com moeda fraca, como a Grã-Bretanha,
sofriam déficits crônicos em seus balanços de pagamentos e uma hemorragia de ouro e reservas cambiais,
ao passo que os países com moedas fortes, como a França, registravam persistentes superávits.”

Como se pode ver no próximo gráfico o período pós-guerra começou depois da depressão nos
Estados Unidos e no Reino Unido em 1921 com crescimento econômico expressivo na maioria
dos países, com exceção do Reino Unido (e na Alemanha onde a ascensão começou somente
em 1925), com uma forte depressão começando em 1929 e pondo um fim aos anos
exuberantes da década de 1920. O gráfico mostra com dados de Maddison o PIB per capita
como índice (1913 = 100) que Alemanha e o Reino Unido somente alcançavam o nível do PIB
per capita antes da guerra em 1926/1924, enquanto na França e nos Estados Unidos este nível
já foi alcançado curtamente depois da depressão de 1921.
105

Gráfico 13 Índices PIB per capita (1913 = 100) França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos
1918 – 1939 (Maddison data),

Fonte: BOLT, Jutta, ZANDEN, Jan Luiten van

Uma história do período entre as guerras é centrada na Grande Depressão da década de 1930
é discutida em outro lugar deste trabalho. Para a eclosão da crise são importantes: a
desestruturação da economia global pela Primeira Guerra Mundial, inflações e hiperinflações
em muitos países com dívidas públicas elevadas, o problema das reparações e das dívidas da
guerra, os problemas da volta ao padrão (câmbio) ouro na década de 1920 e os conflitos
políticos internos e externos, aprofundados pela ascensão de movimentos antiliberais de
direita e de esquerda.

Na visão das mudanças das instituições capitalistas neste período pode se resumir que as
tendências já presentes antes da guerra mostravam-se agora com mais força: A tendência para
a concentração do capital em grandes empresas no setor industrial, financeiro e de serviços,
mas em convivência de uma multitude de empresas médias e pequenas. A tendência para uma
divisão entre os proprietários de capital (acionistas, empresas familiares) e o pessoal
profissionalizado para gerenciar as empresas (‘managers’ – gerentes), criando um problema
principal – agente. A organização cientifica do trabalho nos moldes de Taylor e Ford, criando
uma classe trabalhadora sindicalizada e combativa e levando a fortes aumentos da
produtividade, mas também para a perda do sentido no trabalho para grande parte dos
trabalhadores. A ascensão da importância do setor financeiro, especialmente dos bancos (mais
106

importância no continente europeu, menos nos países anglofones) e dos mercados financeiros
(mais importante nos países anglo-saxônicos), e da especulação financeira, parcialmente
financiada por créditos (mais importante nos Estados Unidos antes da crise) foi também um
fato importante nesta época.

Embora a ideologia econômica hegemônica neste tempo fosse o liberalismo econômico, a


ascensão das grandes empresas, a intervenção do Estado – especialmente – na extensão de
instituições de Estado de bem estar social e na legislação trabalhista depois da guerra, e o fato
de que os governos e os bancos centrais fossem vacilando entre o laissez faire necessário de
ajuste externo do padrão (câmbio) ouro e a necessidade politica de diminuir desemprego e as
capacidades ociosas no ciclo conjuntural, já mostravam tendências para uma ideologia
econômica mais intervencionista.

A Grande Depressão da década de 1930 levou os governos em muitos países de mundo de


tentar estratégias econômicas não liberais, o New Deal de Roosevelt nos Estados Unidos, uma
estratégia socialdemocrata corporativista na Suécia, uma estratégia corporativista fascista na
Itália (já antes da Grande Depressão) e na Alemanha e na USSR uma estratégia stalinista de
industrialização e modernização forçada e a coletivização violenta da agricultura familiar,
embora a USSR foi um dos poucos países no mundo que apresentavam taxas de crescimento
expressivos nestes tempos da depressão. A formulação teórica de uma ideologia
intervencionista do Estado foi feito somente em 1936 por Keynes com sua teoria geral de
emprego, juros e moeda, dando um estimulo teórico para uma estratégia econômica de
intervenção de Estado sem destruir as instuições básicas do capitalismo global para diminuir as
falhas do capitalismo global: desemprego elevado e prolongado (combatido através do ‘deficit
spending’ do Estado), pobreza, insegurança e conflitos sociais (combatido através do Estado de
bem-estar social), queda do comércio internacional e controle dos movimentos
desestabilizadores internacionais de capital (combatido através das instituições do sistema de
Bretton Woods depois de 1944 e de controles dos fluxos internacionais de capital). No período
pós Segunda Guerra Mundial a ideologia keynesiana tornou-se hegemônica em muitos países
centrais, embora a União Soviética (até 1991) e os novos países socialistas no leste europeu
prosseguiam com sua estratégia de desenvolvimento socialista: socialização dos meios de
produção (empresas) e planejamento central envolvendo somente marginalmente a
instituição de mercados, e muitos países em desenvolvimento, como o Brasil, seguiam uma
estratégia desenvolvimentista com forte controle do capitalismo pelo Estado (Industrialização
através da substituição de importações e empresas públicas).
107

O período entre as guerras também foi no Brasil, embora entre os países que não entravam na
primeira guerra, um período turbulento, com períodos de revoltas regionais, e finalmente com
a eclosão da Grande Depressão da década de 1930 com a mudança para um regime autoritário
de Vargas em 1930, que se tornou se com o Estado Novo de 1937 uma ditatura com a volta
para um regime democrático somente em 1945. Os impactos da Grande Depressão sobre o
Brasil, suas causas externas e internas, são parte da narrativa de um capítulo posterior neste
trabalho.

7) O capitalismo fordista e keynesiano na era do ouro depois da II Guerra Mundial

As três décadas depois da Segunda Guerra Mundial são vistos por muitos historiadores e
economistas como um período de vigoroso crescimento da produção, do emprego e dos
salários com estabilidade social, uma era de ouro (Hobsbawm), os “les trente glorieuses”
(Fourastié). Em um capítulo posterior na discussão sobre a crise da década de 1970 uma
discussão mais sucinta é feita. Em muitos países centrais uma estratégia de intervenção
macroeconômica indireta do Estado nos moldes de Keynes e a organização do trabalho nas
empresas na perspectiva de Ford-Taylor garantiram empregos seguros, embora monótonos,
com salários ascendentes, conseguiam diminuir o desemprego a níveis muito baixos e garantir
através da rede de segurança do Estado de bem-estar social na perspectiva de Beveridge as
necessidades básicas da vida para os desfavorecidos do desenvolvimento capitalista. Esta
forma de organização da economia e das empresas foi nomeada de capitalismo organizado, de
capitalismo keynesiano fordista ou de capitalismo liberal corporativista. Embora o conceito do
capitalismo organizado já fosse desenvolvido por Hilferding na segunda década do século XX,
ele tinha um sentido diferente. O conceito foi usado para descrever um modelo de
desenvolvimento capitalista pós 1870 onde grandes empresas, bancos, carteis, sindicatos
levavam a uma diminuição da importância da concorrência entre pequenas empresas e uma
forte tendência de regular os mercados através de cartéis e trusts e através da intervenção do
Estado. Este conceito foi mais apropriado para o desenvolvimento capitalista na Alemanha
depois da criação da nação alemã unificada em 1871, menos para outros países.

A diferença entre o modelo keynesiano fordista da época depois da Segunda Guerra Mundial e
do capitalismo organizado na Alemanha depois 1871 e do período entre as guerras é que as
tendências corporativistas cresciam mais nos moldes da organização das grandes empresas e
do controle através dos grandes bancos e dos sindicatos dos trabalhadores do que pelo
intervencionismo do Estado, esta tendência foi mais forte na Europa continental do que no
mundo anglo-saxão. No modelo keynesiano fordista a regulação macroeconômica da
108

economia é mais consequência das intervenções do Estado, embora a organização fordista do


trabalho (estruturas organizacionais hierárquicas, baseado em forte controle da mão de obra
pelos gerentes, divisão rígida entre trabalho de execução e trabalho de planejamento e
gerenciamento, mas empregos estáveis e salários seguros) é consequência das leis trabalhistas
do Estado e dos compromissos entre sindicatos patronais e trabalhistas. Importante para
explicar estas constelações é a situação politica depois da Segunda Guerra Mundial.

O período depois da Segunda Guerra Mundial até a quebra da União Soviética em 1991 é
determinado pelo conflito (guerra fria) entre os países centrais capitalistas liderados pelos
Estados Unidos num lado e os países do socialismo burocrático noutro lado liderados pela
União Soviética e como poder terceiro os países do terceiro mundo, muitos deles criados no
processo de descolonização depois da II Guerra Mundial, que tentavam assumir uma posição
independente no conflito da guerra fria. Os países centrais capitalistas foram politicamente
forçados pela existência de politicas orientados no interesse dos trabalhadores do bloco do
socialismo real de assumir posições que refletiam também parcialmente os interesses dos
trabalhadores e de seus sindicatos e partidos para evitar tendências socialistas especialmente
nos países da Europa pós-guerra. Na Alemanha nestes tempos da guerra fria dizia se que nas
negociações entre sindicatos trabalhistas e patronais sobre salários e condições de trabalho
encontrava se sempre como parceiro virtual as politicas sociais do Estado do outro lado do
muro. Obviamente com a queda da União Soviética em 1991 este contexto mudou ajudando
as reformas neoliberais, que enfraqueciam instituições que protegiam os trabalhadores e seus
sindicatos.

Obviamente um capitalismo organizado é menos flexível e menos inovativo. Esta rigidez e


especialmente os problemas da ascensão do desemprego e da inflação em conjunto
começando na década de 1970, que deixavam os Keynesianos sem respostas, foram a base
para ampliar a importância das receitas neoliberais para tornar o capitalismo mais vigoroso,
flexível e inovativo através da liberação da dinâmica de mercados livres e do empreendorismo
e da diminuição da intervenção e regulamentação da economia pelo Estado. Mas, pelo menos
nos páises centrais, as receitas neoliberais nunca conseguiam voltar para as taxas de
crescimento na era do ouro, embora inovação e consumismo tevem um forte impulso,
financiado por uma ascensão expressiva do endividamento privado e público.

A era de ouro nos países centrais foi também um período de crescimento acelerado no Brasil,
mas não sob a influência da ideologia Keynesiana, mas sob a forte intervenção de um Estado
desenvolvimentista com a política de industrialização através da substituição das importações,
mas também da entrada de empresas multinacionais dos países centrais. O Brasil conseguiu
109

driblar a crise global de 1973 nos países centrais e sustentar o crescimento acelerado através
do endividamento externo até a crise da dívida externa eclodiu em 1981 como consequência
da mudança da política monetária nos Estados Unidos e do novo choque dos preços de
petróleo. Mas esta crise da dívida externa, suas causas e seus impactos são também parte de
um capítulo posterior. O período do crescimento acelerado até 1981 infelizmente não foi um
período da estabilidade política, como especialmente o golpe militar de 1964 e a prolongada
ditadura militar mostra.

8) O capitalismo global na era neoliberal

Arrighi (2010) considera que com a década de 1970 aconteceu uma mudança no
funcionamento do capitalismo global, anotada por diferentes correntes de pensamento
econômico e politico, mas as características desta mudança estão ainda em discussão
controversa. Depois do período da reconstrução das economias destruídas pela guerra, um
período de quase trinta anos de lucros, salários, e empregos em plena expansão, mas, no fim
da década de 1960 e na década de 1970 os velhos problemas das economias capitalistas
começavam novamente a surgir: ciclos econômicos com queda do crescimento, crises com
desemprego elevado e acompanhado por uma inflação em ascensão (estagflação). Explicar as
causas da crise começando em 1973 é trabalho de um capítulo posterior, neste lugar são
somente discutidos alguns pontos centrais.

Em retrospecto a crise na década de 1970 foi visto como o retorno aos problemas normais do
capitalismo depois de um período de reconstrução depois da guerra e de uma expansão
econômica e social antes nunca vista por quase três décadas, culpando o modelo
corporativista keynesiano – fordista por sua rigidez em regulamentando os mercados e
inibindo as forças dinâmicas dos mercados e da inovação. Em esta crítica baseava se a nova
estratégia neoliberal desde a década de 1980 focando na desregulamentação dos mercados,
na privatização de empresas estatais e na crescente globalização produtiva e financeira
integrando os mercados nacionais em um mercado global. Para os países centrais pode se
resumir que a estratégia não conseguiu retornar ao crescimento vigoroso das décadas depois
da Segunda Guerra Mundial, mas as novas estratégias empresariais conseguiam aumentar a
competitividade das empresas e a inovação em um ambiente global de maior competição. A
mudança da estratégia keynesiana focada na manutenção do pleno emprego através da
intervenção do Estado para uma estratégia neoliberal focado no controle da inflação implicava
custos para a classe trabalhadora: desemprego elevado e prolongado, estagnação de salários
reais, insegurança dos empregos, cortes nos benefícios do Estado de bem estar social. Os
110

custos sociais da estratégia neoliberal foram expressivos, o desemprego alto e prolongado nos
países centrais levando a uma divisão da força de trabalho em uma parte menor em situação
segura e bem remunerada e uma parte maior em situação insegura e mal remunerada e uma
parte crescente de trabalhadores excluídos da produção capitalista. O ataque neoliberal contra
o Estado de bem-estar social não conseguiu diminuir significativamente os gastos sociais dos
governos dos países centrais enfrentando desemprego e exclusão crescente, mas conseguiu
parcialmente diminuir a rede de segurança e privatizar riscos antes cobertos pelo Estado de
bem-estar social. Com isto espalhou-se um clima de incerteza, insegurança e medo de perder o
emprego e uma tendência para o aumento significativo da desigualdade na distribuição de
renda e riqueza junto com uma perda da força dos sindicatos trabalhistas.

Alguns autores enfatizam a maior flexibilidade na organização das empresas e na mobilidade


de capital. O modelo de desenvolvimento capitalista keynesiano-fordista com estruturas
rígidas e hierárquicas de organizações gigantes foi substituído por formas de organização mais
flexíveis, menos hierárquicas e centradas nas competências centrais da organização, com as
funções menos importantes terceirizadas ou sujeitas ao ‘outsourcing’. Para a força de trabalho
as mudanças foram também importantes: no modelo keynesiano-fordista os empregos
seguros e razoavelmente remunerados, embora muitas vezes rotineiros - divididos e
controlados nos moldes tayloristas - que davam pouco espaço a iniciativa individual do
trabalhador, davam lugar a uma divisão da força de trabalho, equipes centrais de
trabalhadores, mais livres e menos diretamente controlados, e uma força de trabalho
periférica, insegura, com baixa remuneração, parcialmente terceirizada e sujeito a volatilidade
dos mercados globais. Os empregos rotineiros, às vezes, foram sujeitos a substituição pela
tecnologia e ao processo de ‘outsourcing’ para países com salários mais baixos.

Outros autores enfatizam as mudanças na regulação das economias centrais: um modelo


keynesiano da intervenção do Estado na economia para garantir o pleno emprego através de
politicas monetárias e fiscais discricionárias e de diminuir os conflitos sociais através de rede
de segurança do Estado de bem estar social e estruturas corporativistas para os conflitos entre
capital e trabalho, estava dando lugar ao modelo neoliberal com foco de controlar a inflação
ascendente, posicionando o objetivo central de pleno emprego do pós-guerra em segundo
lugar, com desregulamentação dos mercados (com foco nos mercados de trabalho e
financeiros), privatização das empresas estatais, e do comércio livre e do livre movimento
internacional de capitais (globalização).

O mantra de mais mercado – menos governo pode ser encontrado também nas relações
monetárias internacionais: O sistema de Bretton Woods com controles dos movimentos
111

internacionais de capitais e taxas fixas de câmbio, embora ajustáveis numa situação do


desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos, ancoradas no dólar e no ouro davam
lugar a um sistema de taxas de câmbio determinadas pelo mercado (taxas de câmbio
flutuantes). Mas o dólar norte-americano ficou a moeda hegemônica global também neste
novo cenário, o que alguns políticos e economistas chamavam de privilégio exorbitante
(Eichengreen (4), 2011), também depois da introdução da moeda única europeia – o euro – em
1999/2002.

Embora a ideologia neoliberal enfatize mercados livres e competição, existe poder de


mercado, concentração e a olipolização em muitos ramos da indústria e das finanças.
Mercados livres, competitivos e eficientes existem na teoria econômica quando os mercados
são estruturados por muitos produtores e consumidores, que não possuem poder de mercado.
Schumpeter vê os efeitos da monopolização dos mercados contrabalançados pelas forças da
destruição criativa da inovação em novos produtos e processos e a globalização leva também a
uma competição acirrada entre os grandes conglomerados transnacionais. Wagenknecht
[2016, p. 93] aponta para um estudo sobre o controle global de empresas de Vitali, Glattfelder,
e Battiston [2011] que analisavam um banco de dados de 2007 de 37 milhões de investidores e
empresas no nível global, filtrando 43.000 empresas ativas globalmente, com 147 gigantes que
sobre redes de controle de capital chegavam finalmente a controlar 40 por cento de todas as
43.000 empresas transnacionais, o que acrescendo outras formas de cooperação e alianças
levanta sérias dúvidas sobre a existência de mercados competitivos e da ausência de poder de
mercado. Na mesma página Wagenknecht [2016] aponta que um terço do comércio global
acontece entre as mesmas empresas transnacionais [‘Konzern’] e mais um terço entre
diferentes grandes empresas transnacionais, mostrando que grande parte das atividades
internacionais das empresas é organizada internamente em vez de ser organizada em
mercados competitivos. Pode se acrescentar que com isto as grandes empresas transnacionais
podem através de preços transferência interempresas mostrarem seus lucros em países onde
a tributação dos lucros é menor.

Uma avaliação das estratégias neoliberais e dos tempos da crise da década de 1970 e das
décadas seguintes até a crise financeira global de 2008/2009 e a crise da dívida soberana na
área do euro depois de 2010 encontra se em um capitulo posterior, mas já pode se dizer que
os resultados da reestruturação do modelo capitalista de produção mostram vantagens e
desvantagens. Num lado pode se ver uma ascensão vigorosa dos mercados emergentes nestas
décadas de reestruturação, especialmente da China, mas também de outros países no extremo
oriente asiático. Uma desindustrialização nos países centrais encontra sua contrapartida no
112

fortalecimento da indústria nos países emergentes. Uma interdependência crescente das


economias através da globalização produtiva e financeira leva ao rápido contágio de crises no
nível global. Problemas crescentes de desigualdade, desemprego, de pobreza, de exclusão
social e de insegurança nos países centrais levam também a uma desestabilização politica e a
ascensão de movimentos e partidos da extrema direita em muitos países da Europa. A
reestruturação e a flexibilização das empresas levaram a uma maior competividade e a ganhos
para o consumidor, mas no mesmo momento enfraquecendo os sindicatos trabalhistas e os
trabalhadores com estratégias de outsourcing, terceirização e flexibilização dos contratos de
trabalho. Nos países centrais o aumento da desigualdade e o foco em lucros rápidos levaram a
inovações importantes no setor financeiro e ao crescimento de sua importância nos países
centrais, mas também ultimamente para a eclosão da crise financeira global de 2008/2009. Os
efeitos desta crise são ainda sentidos muitos anos depois da eclosão desta crise.

Para o Brasil a agenda neoliberal chega com o Consenso de Washington no fim da década de
1980, embora com períodos da alta inflação e da hiperinflação até o sucesso do Plano Real em
1994, os períodos das recessões profundas de 1981/1983 e 1990/1991, e o processo de
redemocratização na segunda metade da década de 1980 demandavam outras prioridades: a
estabilização política e econômica do país. Somente com a presidência de Cardoso em 1994
outros pontos na agenda neoliberal entravam na política econômica: estabilização fiscal,
privatização, desregulamentação e abertura para os mercados globais. No mesmo ano o
processo da reestruturação da dívida externa (Plano Brady) chegou ao fim para o Brasil
terminando a herança da crise da dívida externa, mas as crises seguintes da década de 1990 e
de2000, que abalavam o mundo e também o Brasil são parte de uma discussão mais extensa
num capítulo posterior.

iii. Capitalismo - perspectivas teóricas


"(...) O que distingue o Ocidente do resto - a mola mestre do poder global - foram seis
complexos novos de instituições e ideias associados a comportamentos. Por uma questão de
simplicidade, vou resumi-los em seis categorias: 1. Concorrência; 2. Ciência; 3. Direitos de
propriedade, 4. Medicina; 5. A sociedade de consumo, 6. A ética de trabalho. (...) o que
permitiu que uma minoria da humanidade originado na borda ocidental da Eurásia dominou o
mundo para a maior parte de 500 anos. " Niall Ferguson [2012, p.12]
"Se há uma ideia que tem sido associado ao mundo moderno, e de fato é sua peça central, é a
ideia do progresso. (...). Simplesmente não é verdade que o capitalismo como um sistema
histórico representou progresso sobre os vários sistemas históricos anteriores que o
capitalismo destruiu ou transformou. Mesmo enquanto escrevo isso, eu sinto o tremor, que
acompanha o sentido de blasfêmia. Eu temo a fúria dos deuses, por eu fui moldado na mesma
ideologia, como todos os meus colegas e têm adorado [a ideia do progresso] nos mesmos
santuários. " Immanuel Wallerstein [2011 (3), p. 97 e 98]
Para produzir os bens (de capital e de consumo) e serviços e criar novos produtos e processos
em mercados livres, competitivos e anônimos as empresas usam como insumos da produção
113

trabalho (incluindo conhecimento e habilidades: capital humano), capital (investindo em


prédios, maquinas, estoques de matérias primas, e pesquisa) e recursos naturais. Importante é
também a infraestrutura institucional, que hoje em dia e visto como a mola mestre de
desenvolvimento econômico, criando incentivos para produção, investimento e inovação e
garantindo um clima de confiança (capital social), indispensável para o funcionamento de
mercados livres. O lado real da economia incluindo a produção e a distribuição dos bens e
serviços depende e desenvolve um sistema financeiro que facilita as trocas e financia
produção, investimentos, inovação e consumo. Ingham [2008, posição 1664 pp.] resume este
fato de forma a seguir:

Dinheiro fornece dois fundamentos indispensáveis para o capitalismo. Primeiro, sem um


padrão de valor confiável o cálculo econômico torna-se cada vez mais difícil fazendo o
capitalismo vacilar. Em segundo lugar, capitalismo é praticamente sinônimo com a existência
do capital-dinheiro sob a forma de dívida bancária, que financia a produção, o consumo e a
especulação. Há duas partes relativamente autônomas numa economia capitalista – a parte
monetária e a parte real (material) - que se entrelaçam em uma interdependência delicada. A
inovação tecnológica pode ser dinâmica somente assumindo o risco do financiamento para um
futuro desconhecido. E é essa projeção de risco temporal, baseada na premissa de que a dívida
será paga, com que o capitalismo se torna no mesmo momento dinâmico e frágil.
É importante aqui anotar que não somente o crédito bancário e a moeda são importantes para
o funcionamento da economia, mas também os vários instrumentos financeiros negociados
nos mercados financeiros (títulos da dívida, ações, derivativos etc.). A moeda e o sistema
financeiro facilitam as trocas nos mercados (sistema de pagamentos) e oferecem
possibilidades de aplicação de recursos financeiros excedentes e do financiamento do
consumo e investimento através de instituições financeiras (bancos, seguradoras, fundos de
investimento, fundos de pensão, etc.) e mercados financeiros (mercado de títulos da dívida, de
ações, de câmbio e de derivativos), denominados mercados de crédito em sentido amplo35.
Nos mercados de crédito são negociadas promessas de pagamentos futuros contra dinheiro
hoje. O futuro é incerto, existe por esta razão informação imperfeita e assimétrica nos
mercados de crédito implicando que os mercados de crédito não são totalmente competitivos.
Intervenção e regulamentação do governo nestes mercados podem possivelmente melhorar o
funcionamento destes mercados.

A procura de lucro através da produção de bens e serviços para o mercado é tão central para
uma economia capitalista como a acumulação de capital (reinvestimento dos lucros) e a
necessidade para a maioria dos trabalhadores livres de vender sua força de trabalho no
mercado de trabalho para viver, embora exista uma discussão ampla sobre a convivência do
capitalismo com a escravidão e outras formas de trabalho forçado. Igualmente central é a
tentativa de conseguir lucros monopolistas – embora temporários – através da inovação em
114

novos produtos e processos. Depois da queda do socialismo burocrático na União Soviética e


no leste europeu desde o fim da década de 1980 o capitalismo parecia o único caminho viável
para o desenvolvimento econômico e social. Mas a crise financeira global de 2008/2009 e os
anos seguintes levantavam dúvidas se a produção capitalista na sua variante neoliberal pode
conseguir um desenvolvimento sustentável com liberdades democráticas para a população no
futuro especialmente sob a hegemonia do capital financeiro de hoje.

O poder do capital financeiro pode ser visto especialmente na forma como na crise financeira
global instituições financeiras insolventes foram salvadas pelos Estados e bancos centrais e
como os atores financeiros conseguiam transferir títulos duvidosos, e com isto prejuízos, e
riscos para o setor público a custo dos contribuintes dos impostos. A crise grega com início em
2009/2010 mostrou como investidores financeiros e instituições financeiras conseguiam
tempo para se livrar de títulos problemáticos da Grécia pelos pacotes de resgate dos países
solventes da área do euro e do Banco Central Europeu antes do default sobre a dívida pública
grega para os investidores privados em 2012 (que levou a um ‘haircut’ de 50% e mais perdas
pelo alongamento dos prazos e diminuição da taxa de juros). Hoje em dia o endividamento
público grego está quase totalmente com instituições públicas e países da área de euro. A
população grega não aproveitou dos pacotes de resgate para o setor financeiro, em contrário
ele foi submetido a programas de austeridade. Embora o caso de Grécia é um caso especifico,
os outros países da Europa com problemas como Espanha, Irlanda, Itália e Portugal também
são salvos por programas das instituições públicas e do Banco Central Europeu. Aqui aparece
uma contradição importante do capitalismo global contemporâneo: salvação de bancos,
instituições financeiras e financistas ricos pelos Estados, onde em último lugar os custos da
crise ficam com os contribuintes de impostos e os pobres das sociedades sofrem através de
cortes na rede de benefícios do Estado de bem-estar social.

Neste sentido parece sensato lembrar as criticas dos marxistas e dos keynesianos da esquerda
sobre os problemas que o objetivo do lucro de curto prazo levanta para a sobrevivência e
estabilidade do capitalismo global, considerando também o otimismo pleno dos neoliberais
como Hayek e Friedman sobre a harmonia do desenvolvimento da economia de mercados
livres de intervenções do Estado e a suposta inviabilidade de projetos alternativos,
especialmente do projeto do socialismo. Embora os mercados livres possam ser vistos como
um mecanismo automático e desburocratizado de correção de erros em tempos normais,
crises profundas do capitalismo global como a Grande Depressão da década de 1930 e a crise
financeira global de 2008/2009 mostram também as falhas de mercados livres e
desregulamentados. A crítica nas tentativas das empresas grandes no capitalismo
115

contemporâneo (seja do setor produtivo ou financeiro) de socializar os prejuízos nas crises (e


transferir riscos assumidos na expansão) com a ajuda dos governos e dos bancos centrais e
privatizar os lucros obtidos na expansão econômica não deve esquecer-se de levar em
consideração algumas críticas nos projetos socialistas. A crítica no projeto socialista concentra-
se em primeiro lugar na sua intenção de substituir a sabedoria dos mercados livres (as
informações dispersadas entre os agentes econômicos agindo em diferentes mercados) por
intervenções e planejamento através de instituições do Estado. Por esta razão as posições
socialistas hoje em dia são muitas vezes defensivas, combatendo a crescente desigualdade de
renda, riqueza e poder, as tendências de esvaziar processos democráticos, as mudanças
climáticas e a destruição do meio ambiente, e defendendo a rede de segurança do Estado de
bem estar social da era keynesiana. É necessário também refletir sobre algumas posições da
corrente austríaca do pensamento econômico que focalizam os problemas de uma moeda sem
lastro (moeda fiduciária ou moeda de crédito) e da tendência da economia main-stream de
combater as crises com prolongada expansão monetária e do crédito, criando com isto
possivelmente problemas novos no futuro.

Quem fala do capitalismo, sem dúvida, não pode se calar sobre suas forças destrutivas sociais
e ambientais: crises frequentes, desemprego elevado, destruição ambiental, exclusão social e
desigualdade crescente de renda, riqueza e poder, mas quem fala sobre o capitalismo também
não pode se calar sobre seus sucessos em promover crescimento sustentado da renda e
riqueza e estimular inovações de produto e de processo. Provavelmente pode se dizer que o
desenvolvimento econômico é um problema central que a ascensão do capitalismo levou ao
palco da história. Na curta digressão sobre a perspectiva histórica do capitalismo é, por esta
razão, necessário refletir também sobre os fatores centrais do desenvolvimento econômico.

Na tentativa de explicar quantitativamente o desenvolvimento econômico (o nível da renda


por trabalhador) é normalmente36 usada uma função de produção onde entram como
variáveis explicativas o nível da tecnologia, os insumos de capital por trabalhador, do capital
humano por trabalhador e os recursos naturais por trabalhador, onde o capital humano reflete
os conhecimentos dos trabalhadores (a força de trabalho própria não entra diretamente na
função de produção por que ela está descrita em termos por trabalhador). Neste sentido este
modelo aponta para o progresso tecnológico como fonte mais importante de um crescimento
sustentado, enquanto a acumulação de capital por trabalhador somente aumenta a renda por
trabalhador temporariamente, por que está enfrentando retornos decrescentes no processo
da acumulação. Esta análise do processo de desenvolvimento econômico em longo prazo,
deixando por fora os ciclos conjunturais, também não reflete a importância das instituições e
116

das políticas para o desenvolvimento. Na discussão contemporânea as instituições e a


estabilidade política e da sociedade civil (que pode ser descrita pela variável de capital social)
são vistos como fatores decisivos para o desenvolvimento. Streeck [2009, p. 3 pp.] enfatiza que
o capitalismo é um regime social institucionalizado e com isto mais do que uma combinação de
direitos privados de propriedade e mercados livres, e também mais do que um simples sistema
econômico. Ele [2009, p.5] acrescenta que “concebendo a economia capitalista como uma
máquina impessoal para criação de riqueza negligencia o anarquismo do empreendedor de
Schumpeter e os instintos animais do predador capitalista keynesiano”. Ele [2009, p. 4] tenta
“reconstruir o desenvolvimento capitalista como uma interação conflituosa entre a busca
individual de vantagem e os esforços políticos coletivos para restaurar e proteger a
estabilidade social, mais do que um processo de negociação entre instituições de nível médio
na busca de competitividade nacional”. Ele [2009 p.5] enfatiza que “os atores capitalistas são
ansiosos para aproveitar cada oportunidade nova e defender as oportunidades existentes. No
processo, as instituições coletivas impondo obrigações sociais sobre os atores individuais são
debilitadas continuamente, e onde possíveis (...) substituídas por arranjos contratuais
convenientes que são voluntários mais do que obrigatórios”.

Importante aqui está também a tentativa de Beckert em seu livro ‘Imagined Futures’ [2016] de
mostrar que o capitalismo é em primeiro lugar um sistema econômico orientado para o futuro,
um futuro sujeito a incerteza, que os empreendedores constroem através de seus projetos
futuros ficcionais que prometem lucros. Com isto ele combina a incerteza de Keynes e Knight,
que a maioria das atividades econômicas precisa enfrentar, com o empreendedor de
Schumpeter que realiza seus projetos na expectativa de lucros futuros com recurso a créditos.
Para ele ‘history matters’ (no sentido de Marx37 de que os homens fazem sua própria história,
mas em condições historicamente determinadas, - ‘path dependency’), mas também ‘future
matters’, explicando a dinâmica capitalista com os futuros imaginados dos atores econômicos.
Se as expectativas do futuro escurecem, a dinâmica capitalista cessa.

Quem fala do capitalismo global não deve se restringir a descrever a avaliar as instituições
nacionais capitalistas num país (como empresa capitalista, mercados, direitos da propriedade,
as políticas do Estado nacional etc.) que dependem também muitas vezes do caminho
histórico anterior (dependência do caminho), mas precisa também descrever e avaliar a
dimensão internacional do capitalismo global, a expansão geográfica através da transferência
de instituições e da cultura capitalista para outros países, bem como as interações
internacionais como o comércio internacional, o movimento internacional de capitais e a
migração internacional.
117

Cada um dos grandes pensadores da economia, por exemplo, Smith, Marx, Weber,
Schumpeter, Hayek e Keynes acrescentam novas ideias sobre a dinâmica do capitalismo, que
são aqui resumidos seguindo a argumentação de Ingham [2008].

Smith apontou para mercados livres e os aumentos da produtividade através da divisão de


trabalho para explicar a força do capitalismo em criar riquezas e aumentar – pela primeira vez
na história humana – o crescimento sustentado do produto e da renda per capita. Ele também
aponta para a função de mercados de coordenar as ações de indivíduos dispersados na
sociedade – a mão invisível, que substituí a mão visível do Estado no mercantilismo, - e os
efeitos benéficos do comércio internacional livre contrariando o protecionismo da ideologia
mercantilista prevalecente neste tempo. Com a defesa da livre iniciativa individual e da
expansão global dos mercados livres ele é visto como a primeira voz importante de defender a
ideologia econômica liberal, embora ele mostre também alguns traços problemáticos do
desenvolvimento capitalista, a deterioração das condições de trabalho através da divisão de
trabalho para o trabalhador, da tendência dos empresários de evitar a competição nos
mercados e a tendência dos empresários para captar o Estado para seus interesses.

Marx reconheceu as forças dinâmicas do capitalismo em revolucionar a tecnologia de


produção e distribuição através da inovação, acelerar o crescimento e o barateamento da
produção, incorporar cada vez mais setores e países na logica capitalista e enriquecer a classe
capitalista. Mas ele também foi o primeiro de apontar para as falhas do desenvolvimento
capitalista: as crises frequentes e a má distribuição da renda, da riqueza e do poder. Na sua
previsão sobre o empobrecimento da classe operária (na versão absoluta ou relativa) ele
provavelmente subestimou a possibilidade de elevar de forma sustentada o padrão de vida da
classe trabalhadora, embora hoje em dia a discussão sobre a erosão da classe média, a divisão
da classe trabalhadora em trabalhadores centrais e trabalhadores precários (‘working poor’) e
sobre o crescimento do desemprego nos países centrais depois da crise na metade da década
de 1970 e sobre a crescente parte da população que são excluídos da produção capitalista
mostra tendências neste sentido, mas este é uma tendência que aponta mais para uma divisão
da sociedade e um aumento da desigualdade do que para um empobrecimento generalizado.
Marx também apontou para uma tendência de concentração do capital no desenvolvimento
capitalista através de fusões, compras de empresas, mas também através da acumulação mais
rápida de grandes oligopólios. Este aumento do poder de mercado dos oligopólios foi também
recentemente objetivo de uma pesquisa do FMI em seu ‘World Economic Outlook 2019/4. Mas
enquanto o poder de mercado das grandes empresas aumentou (significativamente também
no setor financeiro, nas mídias, e na economia digital), mas pequenas e médias empresas
118

conseguiam sobreviver. A tendência para uma diminuição da concorrência é parcialmente


contrabalançada pela maior competição global e pelas inovações em produtos e processos
(sobre o que Schumpeter já advertiu).

Brown [2015, p. 111] caracteriza o projeto de Marx de descrever os traços mais importantes
na evolução do capitalismo da seguinte forma:

A representação de Marx do capitalismo - vampiresco, explorador, alienando e criando desigualdades, dúplice,


na incansável busca de lucro, compulsivamente expansivo, fetichista, e desacralizando cada valor precioso,
relação e esforço (...). Se a análise de Marx permanece inigualável na sua narrativa do poder do capitalismo,
dos imperativos, da brutalidade e de sua capacidade de construír um mundo novo, esta análise também
considera sujeitos que ansiavam pela emancipação e tinha na mão uma linguagem política de justiça -
princípios não realizados da democracia - por meio do qual procura-lo.

Weber focou com mais ênfase a dimensão cultural do capitalismo, especialmente em sua
hipótese controversa de que o espirito capitalista se formou com a ética do Calvinismo e do
Puritanismo38: A racionalidade do comportamento capitalista na organização da empresa na
procura do lucro (por exemplo, pela contabilidade), mas também analisando as novas
tendências para corporações grandes e burocratizadas e Estados burocratizados fortes que
ajudam o desenvolvimento, aqui se apoiando fortemente no desenvolvimento capitalista de
Alemanha na segunda metade do século XIX. Brown [2015, p. 111] caracteriza o projeto de
Weber de descrever os traços mais importantes na evolução do capitalismo da seguinte forma:

Weber retrata o capitalismo como originalmente formado a partir da combinação de uma ética ascética,
separações múltiplas (nomeadamente, entre proprietários e produtores, entre produção e de distribuição) e
uma racionalidade instrumental para a produção eficiente de riqueza. A ironia, de fato, a tragédia do
capitalismo de Weber é que este projeto original da mestria humana, mesmo da liberdade, culmina em uma
máquina de dominação sem precedentes o aprisionamento "do ser humano" em uma gaiola de ferro. Como a
burocracia, o capitalismo começa como um instrumento, mas se metamorfoseia em um sistema com seus
próprios fins, restringindo todos os atores para servir a esses fins.

Neste sentido é importante lembrar que o projeto de socialismo em sua realização no


socialismo burocrático na União Soviética e no leste europeu, bem como na Ásia, levou a uma
gaiola de ferro burocrática ainda mais profunda do que no capitalismo.

A aliança entre classe capitalista e o Estado abre o caminho para o pensamento mais moderno,
onde as instituições do Estado democrático moderno são vistas como uma área onde os
conflitos de classe, de grupos e organizações especificas, podem ser resolvidos na forma de
compromisso entre diferentes interesses, reconhecendo que os interesses poderosos muitas
vezes prevalecem. Isto se reflete especialmente na frase TINA (‘There is no alternative’),
originalmente de Thatcher, onde as soluções técnicas, elaboradas pela tecnocracia, pela
burocracia estatal e empresarial, são proclamadas como as únicas soluções viáveis, levando
aos processos de esvaziamento da democracia, onde os projetos transformadores são
discutidos e decididos em primeiro lugar pelas elites e as burocracias.
119

Schumpeter argumenta que a dinâmica do capitalismo não pode ser compreendida sem a
consideração que a competição de empreendedores em mercados livres leva a tentativa de
aumentar a produtividade através de inovações de produtos e processos, bem como da
abertura de novos mercados. Para Schumpeter o empreendedor e a inovação tecnológica e
organizacional são o motor do crescimento econômico. A destruição criativa leva também a
períodos de expansão expressiva e períodos de estagnação e crises. Importante é neste
processo também o papel do setor financeiro, em primeiro lugar dos bancos, que criam pelo
crédito os meios para financiar as inovações, embora que historiadores apontam que o papel
dos bancos na (primeira) revolução industrial em financiar inovações foi marginal. A inovação
cria também monopólios temporários e a possibilidade de lucros temporários, que se
esvanecem quando competidores imitam as inovações. Por esta razão Schumpeter tenta
diminuir as criticas sobre os impactos das tendências monopolistas do capitalismo, que na sua
visão são erodidas pela inovação e mudança tecnologica.

Hayek e von Mises como defensores ferrenhos do capitalismo liberal consideram mercados
livres como a possibilidade descentralizada e desburocratizada de coordenar oferta e demanda
através de preços flexíveis e criar inovações usando as informações dispersadas entre os
atores econômicos com informação imperfeita e enfrentando um mundo de incerteza. Mas
sua ênfase não está somente no papel dos mercados na determinação de um preço de
equilíbrio, mas na possibilidade com que mercados competitivos incentivam a inovação e
mostram um caminho para descobrir se os novos produtos e processos são aceitados pelos
consumidores e economicamente viáveis. Na visão de Hayek e von Mises as informações
dispersadas entre os agentes econômicos e a mão invisível usando estas informações em
mercados competitivos é preferível a mão visível de Estado com suas informações restritas.

Keynes apontou, como Marx, para a instabilidade inerente do capitalismo criando crises
econômicas e desemprego elevado e prolongado como na Grande Depressão da década de
1930, além disto, o capitalismo distribui mal a renda e riqueza levando a desigualdades sociais
insustentáveis. Uma das causas desta instabilidade é o fato de que a maioria das decisões
econômicas é feita num abiente de incerteza ou risco, especialmente as decisões de
investimento. Os investimentos de longo prazo são baseados mais nos espíritos animais dos
investidores (‘animal spirits’) do que em avaliações racionais de risco, simplesmente porque
muitas vezes faltam as informações necessárias. Contrário à economia liberal ortodoxa Keynes
percebeu, especialmente na Grande Depressão, que os mercados livres não automaticamente
garantem o pleno emprego, pelo menos o processo de ajustamento da economia de volta para
um equilíbrio macroeconômico pode demorar um tempo prolongado demais para ser
120

politicamente aceitável. Para evitar desastres políticos como na Grande Depressão ele advertiu
que intervenções do Estado na crise podem substituir a falta da demanda privada na crise
através do aumento dos gastos do governo financiados por dívida (‘deficit spending’). Mas a
teoria keynesiana também aponta que estes períodos de deficit spending devem ser revertidos
na expansão econômica por superávits fiscais, uma expansão prolongada de endividamento
privado e público também não seja sustentável em sua visão. Keynes adverte também que o
Estado de bem-estar social, fornecendo uma rede de segurança para o trabalhador em tempos
de crise e – em geral - para os riscos da vida, é também uma forma para salvar o liberalismo
econômico e político em tempos da crise. Depois da Segunda Guerra Mundial as receitas de
Keynes da regulação macroeconômica e do Estado de bem estar social foram amplamente
aplicadas nos países centrais até a crise global da década de 1970, também sob os impactos da
guerra fria ideológica entre os países capitalistas e socialistas.

Keynes apontou também para a instabilidade do sistema financeiro de uma economia


capitalista por causa de informações imperfeitas (e assimétricas, embora este último conceito
fosse desenvolvido somente depois de Keynes) e de ondas de otimismo e pessimismo nos
mercados financeiros. Minsky levantou a hipótese da instabilidade inerente do sistema
financeiro capitalista apontando para a expansão e retração cíclica do crédito dos bancos, que
leva ao endividamento mais arriscado das empresas e das pessoas em tempos da expansão
econômica e a problemas financeiras e defaults sobre dívidas em tempos da crise. Fisher em
sua teoria da deflação da dívida mostra ainda que uma deflação aguda, que muitas vezes
acompanha uma crise, leva a um aumento do peso real da dívida e dos serviços da dívida que
podem quebrar empresas, bancos e pessoas físicas. Mas é importante lembrar que inflação,
bem como deflação, impacta de forma diferente em atores econômicos diferentes: a inflação
prejudica credores e favorece devedores, a deflação prejudica devedores e favorece credores.

Como pode ser visto na discussão anterior defensores e críticos avaliam de forma diferente as
características básicas do capitalismo: Num lado a maioria aponta para a força dinâmica do
capitalismo global de criar renda e riqueza e incentivar a inovação de forma descentralizada e
desburocratizada e tirar grande parte da população global da pobreza. Noutro lado os críticos
apontam que as crises frequentes com desemprego elevado e exclusão social, a má
distribuição da renda e riqueza, e a criação de problemas ambientais podem levar a
instabilidades sociais e políticas. Críticos focando o capitalismo global afirmam que estas forças
destrutivas caiam relativamente mais fortes sobre os países periféricos e semiperiféricos e
sobre as camadas mais pobres da população. Uma segunda linha de divisão é a pergunta sobre
as necessidades e as formas da intervenção do Estado na economia. Aqui existe um leque
121

amplo entre os libertários (como, por exemplo, Nozick) que defendem um Estado mínimo,
liberais e neoliberais (como, por exemplo, Hayek, von Mises, Friedman) que aceitam a
existência de instituições firmes garantidos pelo Estado, mas negam a necessidade de
intervenções discricionárias do Estado na economia, e intervencionistas que defendem
medidas de socialização, regulação e regulamentação em diferentes graus.

O Estado é o conjunto das instituições políticas que estabelecem o poder soberano numa área
territorial definida. O Estado tem o monopólio de poder legal e da violência legal (através
militar, polícia, justiça e prisões). O estado constitucional e de direito é baseado em eleições
livres, que determinam o governo, e em leis, que regulam a conduta social dos indivíduos. O
papel do Estado na economia é o ponto onde há diferenças importantes entre economistas.

Na história do capitalismo global economistas e filósofos descrevem papeis diferentes para o


Estado na economia. No mercantilismo as intervenções do Estado no comercio internacional e
na criação de monopólios foram vistas como indispensáveis para aumentar o poder do país e
da coroa através de acumulação de metais preciosos como ouro e prata, necessários para
fornecer reservas em caso de guerras.

Desde Adam Smith o liberalismo econômico e político argumentava contra as intervenções do


Estado na economia e – em vez disto – confiou na iniciativa privada e na dinâmica de
mercados livres e eficientes para criar riqueza e aumentar a padrão da vida da população. A
mão invisível de Smith parecia garantir um desenvolvimento econômico harmônico
substituindo a mão visível do Estado.

A revolução industrial começando no fim do século XVIII na Inglaterra dava inicio a um período
de desenvolvimento econômico nunca vista antes na história humana. O liberalismo politico
forneceu as armas ideológicas para atacar a monarquia absoluta – especialmente na revolução
francesa de 1789 e nas revoluções seguintes na França e na Europa em 1830, 1848 e 1871
(Comuna de Paris). Os direitos humanos da revolução francesa de 1879 – simplificados no
mantra: liberdade, igualdade, fraternidade – foram também a semente para ideologias mais
igualitárias como socialismo e comunismo, ajudadas pela situação deplorável da classe
trabalhadora. Socialismo e comunismo enfatizam um Estado de trabalhadores de uma
economia planejada e meios de produção socializados, deixando pouco espaço para mercados
livres, empreendedores e a iniciativa privada.

O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro na hegemonia econômica da Grã-Bretanha, acompanhada do
colonialismo e imperialismo. A I Guerra Mundial acabou com a hegemonia econômica da
122

Europa, criou um modelo econômico alternativo na União Soviética e levou a distorções


econômicas que foram uma das causas da Grande Depressão dos anos 1930. A queda da
produção, o desemprego elevado e prolongado, o fim do padrão câmbio-ouro, as crises
politicas que levavam a muitos governos autoritários e totalitários na Europa e no mundo e
finalmente para a II Guerra Mundial. O Keynesianismo, pregando intervenções do Estado
através de politicas monetárias e fiscais expansionistas financiados por créditos, tornou-se
uma alternativa no desespero da Grande Depressão para o modelo clássico do liberalismo
econômico não-intervencionista.

Mas somente na pós-segunda guerra mundial o Keynesianismo tornou-se o pensamento


econômico hegemônico na Europa ocidental e na América do Norte, enquanto na União
Soviética e na Europa oriental, bem como na China, o modelo comunista prevaleceu. No
terceiro mundo prevaleceram em muitos países modelos desenvolvimentistas focados em
intervenções de Estado na Economia. Com a crise do capitalismo global começando na metade
da década de 1970 (Quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods em 1973,
primeiro choque dos preços de petróleo em 1973/1974, estagflação, segundo choque de
petróleo de 1979) a posição do Keynesianismo enfraqueceu enfrentando a estagflação das
economias. Posições como o monetarismo e a ideologia neoliberal pareciam oferecer receitas
melhores para combater a inflação e dar nova vida a uma economia estagnada através de
políticas de desregulamentação dos mercados de trabalho e financeiros, da privatização, do
comércio livre e da globalização. A posição neoliberal ganhou também espaço na discussão das
elites39 pelo esforço organizado da sociedade de ‘Mont Pèlerin’, de ‘think tanks’ e de
organizações empresariais.

Posições contrárias à intervenção do Estado na economia são, por exemplo, as posições


neoliberais, as posições dos economistas clássicos, monetaristas e novo-clássicos, como, por
exemplo, Hayek e Friedman e filósofos como Nozick. Eles avaliam a intervenção do Estado na
economia como intromissão do Estado na liberdade individual dos cidadãos e como um
impedimento para a dinâmica de mercados livres e da inovação. Para eles o capitalismo global
é o paradigma mais bem-sucedido na história de criar riquezas num processo de
desenvolvimento contínuo. Os mercados são eficientes e resolvem de forma satisfatória os
problemas econômicos e sociais de uma sociedade, além de favorecerem a inovação.

Intervenções do Estado na economia são, na visão desses economistas e filósofos libertários,


impedimentos para a livre iniciativa econômica, que estrangulam o crescimento e a inovação,
criam burocracias e regulamentações novas, que custam dinheiro, aumentam a dívida pública
e o peso do Estado na economia. Burocracias e regulamentações mostram a dinâmica de criar
123

mais burocracias e mais regulamentação, porque os agentes econômicos tentam evitar e furar
as regulamentações e tentam capturar as burocracias reguladoras para seus interesses. O
ambiente burocrático cria oportunidades para a corrupção e o ‘rent-seeking’.

Intervenções do Estado na economia são, na visão destes economistas, também ineficazes,


porque o Estado não tem informações melhores do que os agentes que agem nos mercados
livres. Políticas monetárias e fiscais discricionárias para estabilizar a atividade econômica e o
emprego e diminuir os efeitos dos ciclos econômicos sobre produção e emprego são contra
produtivos ou ineficazes, porque os efeitos das políticas mostram defasagens longas e
imprevisíveis, e os agentes econômicos tentam prever as intervenções do governo e reagir de
forma que pode tornar as políticas ineficazes. Além disso, o Estado não tem informações
melhores do que os agentes econômicos o que torna as intervenções do Estado problemáticas
porque as informações dispersadas entre os agentes econômicos nos mercados livres nunca
podem ser compreendidas e usadas eficientemente pelas instituições do Estado. O Estado de
bem-estar social cria, na visão desses economistas, uma cultura de dependência, impede
esforços próprios dos desfavorecidos e cria problemas fiscais para o Estado em financiar esses
gastos sociais. Para os defensores ferrenhos de mercados livres, como Hayek, intervenções do
Estado na economia é o caminho para a servidão e para o totalitarismo, sendo as falhas do
governo mais perigosas do que as falhas dos mercados. Por esta razão, o mantra desta posição
é: mais mercado e menos governo; o governo é o problema, não a solução.

Mas a posição que defende intervenções na economia, bem como a regulamentação de certos
mercados, especialmente dos mercados financeiros e dos mercados de trabalho, também
apresenta argumentos fortes, baseados em Keynes e seus seguidores, bem como em posições
socialistas e desenvolvimentistas. Eles argumentam que mercados livres somente podem
desenvolver suas forças dinâmicas e inovadoras usando as informações dissipadas entre os
agentes na economia, quando existem regras fixas para o funcionamento dos mercados e
instituições firmes que garantem o desenvolvimento sustentável da economia e criam um
ambiente de confiança na sociedade. Estas instituições criam um ambiente de estabilidade
política, econômica, e social que garante um clima de confiança, indispensável para o
funcionamento de mercados livres e a inovação. Eles também apontam para os exemplos
históricos da instabilidade do capitalismo global, crises, pobreza, desigualdade, desemprego e,
como consequência, especialmente na Grande Depressão da década de 1930, o nascimento de
regimes políticos totalitários. Os exemplos mais importantes para estes crises globais são a
Grande Depressão da década de 1930 e a crise financeira global, que nasceu nos mercados
imobiliários e financeiros dos Estados Unidos, em 2007, e tornou-se global, em 2008, com a
124

quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, com


consequências que perduram até hoje: estagnação ou recessão, com desemprego elevado,
desigualdades crescentes, crises fiscais e da dívida pública e desequilíbrios externos globais.

Mas também para os Keynesianos e seus seguidores no pensamento econômico, como, por
exemplo, Stiglitz e Krugman, o capitalismo é um sistema dinâmico e inovador. O conceito da
destruição criativa de Schumpeter afirma que o desenvolvimento econômico não é um
processo suave, como descrito no modelo de Solow, mas um processo de desenvolvimento
instável, em que euforia e crescimento acelerado são interrompidas por crises e depressões e
tempos de desemprego elevado e persistente. Neste contexto a intervenção do Estado é um
elemento importante para a estabilidade econômica, política e social. O tempo pós-guerra sob
o paradigma keynesiano nos países industrializados – a era do ouro de capitalismo – foi um
tempo de sucesso econômico e social: crescimento rápido com emprego elevado e salários
reais crescentes, inflação controlada e estabilidade política e social nestes países.

Mas o argumento mais forte do paradigma keynesiano para a intervenção do Estado na


economia aponta para a fraqueza mais óbvia dos mercados livres para garantir seu
funcionamento ótimo: a situação inicial dos agentes econômicos não é uma situação de
chances iguais para todos. As riquezas, a renda e o poder de mercado são distribuídos de
forma desigual e, como consequência, os resultados de uma economia de mercados livres – ou
do capitalismo – mostram a tendência de aumentar as desigualdades sociais ainda mais.
Criam-se vencedores e perdedores, com a tendência de aumentar e tornar permanente as
desigualdades, embora este problema pode ser reduzido pela mobilidade social. Por esta razão
os defensores da intervenção do Estado na economia defendem um papel importante do
Estado na economia, seja para estabilizar a economia e evitar os problemas econômicos,
políticos e sociais das crises do capitalismo, seja para regulamentar o setor financeiro – para
evitar os problemas da informação imperfeita e assimétrica neste setor –, seja para criar uma
rede de segurança social para os perdedores, para os desfavorecidos do desenvolvimento
capitalista, o Estado de bem-estar social. Com isto os defensores da intervenção do Estado na
economia querem controlar e diminuir as forças destrutivas do capitalismo global, do
desemprego elevado e persistente, das desigualdades e dos conflitos sociais crescentes, das
ameaças para o equilíbrio ambiental, para criar alternativas para um desenvolvimento
econômico e social sustentável.
125

b. Conjunturas, crises e depressões econômicas

A alternância entre a prosperidade e a quebradeira é a forma que o desenvolvimento


econômico assume na era do capitalismo. Joseph Schumpeter40
Períodos de prosperidade (muitos deles períodos longos) muitas vezes terminam em lágrimas.
Reinhart e Rogoff This time is diferent
Em contraste, uma teoria da economia política que vale seu nome percebe as crises como
manifestações de "reações Kaleckianas" dos proprietários de recursos produtivos às políticas
democráticas que penetram em seu domínio exclusivo, tentando impedi-las de explorar sua
potência de mercado ao máximo e violando assim suas expectativas de serem justamente
recompensados por sua astuta tomada de risco. Wolfgang Streeck, How will
capitalismo end? Posição 1378 pp.
À luz da instabilidade inerente das sociedades modernas fundadas e dinamicamente modeladas
por uma economia capitalista, não é de admirar que as teorias do capitalismo, desde o
momento em que o conceito foi usado pela primeira vez no início do século XIX na Alemanha e
em meados do século XIX na Inglaterra, sempre foram também teorias de crise. Isto não é
válido apenas para Marx e Engels, mas também para escritores como Ricardo, Mill, Sombart,
Keynes, Hilferding, Polanyi e Schumpeter, que esperavam de uma forma ou de outra ver o fim
do capitalismo durante sua vida. O tipo de crise que se esperava que terminasse o capitalismo
diferia com o tempo e as teorias dos autores anteriores; teorias estruturalistas da morte por
superprodução ou subconsumo, ou por uma tendência da queda da taxa de lucro (Marx),
coexistiram com as previsões de saturação de necessidades e mercados (Keynes), de resistência
crescente à maior mercantilização da vida e da sociedade (Polanyi) , o esgotamento de novas
terras e novo trabalho disponível para a colonização no sentido literal e figurativo (Luxemburg),
a estagnação tecnológica (Kondratieff), a organização político-financeira das sociedades
monopolistas que suspendem os mercados liberais (Hilferding), a supressão burocrática do
empreendedorismo ajudado por uma ‘trahison des clercs’ mundial (Weber, Schumpeter,
Hayek), etc., etc. Embora nenhuma dessas teorias se tornasse verdadeira como imaginada, a
maioria delas também não eram inteiramente falsas. De fato, a história do capitalismo
moderno pode ser escrita como uma sucessão de crises que o capitalismo sobreviveu somente
ao preço de profundas transformações de suas instituições econômicas e sociais, salvando-o da
falência de formas imprevisíveis e muitas vezes não intencionais. Wolfgang
Streeck, How will capitalismo end? Posição 126 pp.

Crises na vida humana são períodos de estresse, incerteza, doença, desespero e desequilíbrio
físico e psíquico, um período de mudança que pode ser um caminho para uma vida nova
diferente ou o caminho para a morte. Na vida econômica crises que acompanham o
desenvolvimento capitalista desde seu começo são também períodos de estresse econômico,
queda da produção acompanhada de deflação, desemprego, pobreza e revoltas sociais,
períodos que podem mostrar caminhos para uma transformação estrutural da economia com
inovações tecnológicas, mudanças das instituições politicas, econômicas e sociais ou para uma
mudança revolucionária do sistema econômico. Enquanto as previsões do fim de capitalismo
pelos marxistas são numerosas, a flexibilidade e a elasticidade do sistema de produção
capitalista (Arrighi41, 2001, p. 111) mostra que até hoje sempre existiam caminhos para
inovação e reestruturação do sistema, criando novos centros e regiões do desenvolvimento
capitalista, transformações politicas, econômicas e sociais, criando vencedores e perdedores, e
126

criando caminhos para a reestruturação do capitalismo global com paradigmas novos de


produção, acumulação e relações de poder. As ideias econômicas nestes tempos da crise têm
um papel importante para as transformações institucionais. Blyth [2002, p. 41] enfatiza que as
ideias econômicas têm quatro efeitos causais importantes: “Eles reduzem a incerteza,
promovem a ação coletiva, fornecem armas [ideologicas para a mudança das instituições] e
servem para planejar substituição e desenho institucional.” A construção de instituições faz
possível a estabilização das expectativas dos agentes econômicos e com isto as instituições
trazem estabilidade para o ambiente econômico. Mas também as instituições e sua rigidez
podem tornar-se contra produtivas para uma saída da crise e para o desenvolvimento
econômico.

Na teoria austríaca e na teoria marxista as crises são interpretadas como um processo de


limpeza do sistema econômico onde expectativas exageradas, ondas de otimismo exagerado e
especulação descontrolada, erros nos investimentos e nas decisões econômicas que – em
retrospecto - não davam certos (na escola austríaca consequência da expansão de crédito e de
taxas de juros muito baixas) são corrigidos pela crise. A crise neste sentido é interpretada
como um mecanismo de correção de erros, necessário para voltar a economia para um
caminho saudável e levantar novamente a taxa de lucro. Aqui mostra se a flexibilidade de uma
economia capitalista descentralizada, erros podem ser corrigidos normalmente mais rápidos e
com menores custos do que em um sistema centralizado. Obviamente todas as crises, -
recessões profundas e prolongadas também chamadas de depressões -, trazem sofrimento
humano, muitas vezes de forma muita mais dura para as camadas desfavorecidas da
população, embora não deve se esquecer de que as depressões também abrem chances para
inovadores. Historicamente o lado sombrio desta interpretação das crises como um
mecanismo de autocorreção de erros é que ela pode levar governos e bancos centrais para
uma inatividade total para – no sentido de Mellon na Grande Depressão – de limpar a
podridão do sistema econômico. A inatividade dos atores da politica econômica pode levar a
impactos políticos e sociais desastrosos, como também a Grande Depressão da década de
1930 mostrou.

A maioria dos economistas aceita a ideia de que uma economia capitalista está sujeita a
períodos de expansão rápida da produção, dos lucros, do emprego e dos salários reais e dos
empreendimentos econômicos (‘boom’, expansão econômica), muitas vezes estimulados e
causados por ondas de inovações e otimismo dos agentes econômicos, bem como pela
expansão de crédito, e períodos da queda ou estagnação da produção e dos preços, dos lucros,
do emprego, do crédito e dos salários acompanhados por um aumento das falências, do
127

desemprego e da pobreza (‘bust’, recessão, depressão). Este ciclo econômico de expansão e


recessão chama-se ciclo conjuntural ou ciclo de negócios (‘boom–bust cicles’). O nome ciclo
conjuntural parece sugerir um padrão regular, mas as expansões e recessões não mostram
nenhuma regularidade perfeita, a duração e a profundidade mudam em cada ciclo, com as
recessões normalmente mais curtas do que os períodos de expansão. O ciclo pode ser
interpretado como consequência de fatores endógenos (como, por exemplo, no modelo de
multiplicador – acelerador) ou de choques exógenos da demanda, da oferta ou de eventos
contingentes como guerras, revoluções, catástrofes naturais etc.

Economistas conservadores (monetaristas, novos clássicos e teóricos de ciclos reais de


negócios) suponham a racionalidade dos atores nos mercados de bens, serviços, financeiros e
de trabalho, teoricamente elaborada na teoria de mercados eficientes, na teoria de
expectativas racionais e na teoria do ciclo real de negócios. Embora eles enfrentem
dificuldades de explicar o ciclo de negócios e crises, especialmente uma crise tão profunda
como a Grande Depressão, a teoria do ciclo real de negócios explica as crises como
consequências de choques de produtividade [por exemplo, no livro de Kehoe e Prescott (2007)
também incluindo choques no comércio internacional, choques fiscais e choques monetários].
Kehoe e Prescott (2007, p.30) assumem que estes choques negativos da produtividade levam
as famílias para atividades fora dos mercados, levando a quedas do produto. As pessoas
respondem voluntariamente, seguindo nesta teoria, a choques negativos (aleatórias) da
produtividade diminuindo suas atividades. Neste caso há nada de se preocupar com uma crise,
são respostas racionais dos indivíduos. Krugman [1997, p. 247] e outros economistas
keynesianos chamam ironicamente este de uma economia de doutor Pangloss42: “Se as
recessões são a resposta racional aos retrocessos temporários da produtividade, será que a
Grande Depressão foi então um prolongado feriado voluntário?”

i) Cíclo conjuntural e crises

Crise deve ser entendida como uma situação em que as condições e as estruturas anteriormente
estáveis e funcionais dissolvem-se, coroem e tornam-se disfuncionais. Os jogadores perdem a
confiança nas instituições até então existentes, nos sistemas de controle cognitivo, bem como nos
padrões externos e internalizados de comportamento. Esta perda de confiança nas regras, que se
expressa em uma consciência de crise ocorre como resultado da contínua incerteza é consequência
dos resultados insatisfatórios das ações no sistema estabelecido de controle. Durante a crise surjam
alternativas e novas oportunidades como resultado de processos de aprendizagem fundamental.
Com base nestas fases de mudança social nova confiança é criada, e a incerteza é reduzida. Desde
que essas mudanças de regras - seja na forma de reformas ou revoluções - não estão finalizadas,
desencadeiam-se processos declínio, dissolução ou decadência. Em contraste [com estes processos
de decadência] a característica de uma crise é sua característica passageira. André Steiner43
Crise é a mãe da história. Começando com Heródoto, o desejo de escrever a história foi vinculado à
necessidade de explicar as reversões aparentemente inexplicáveis da fortuna sofrida por nações e
impérios. Mark Lilla, The Shipwrecked Mind: On Political Reaction 44
128

A interpretação das crises profundas do capitalismo global neste trabalho não segue esta
interpretação otimista dos teóricos dos ciclos reais de negócios, mas interpreta estas crises
como prova de que alguma coisa dava errado no funcionamento da máquina capitalista e
tenta determinar os fatores que levam a estes erros. A citação acima mostra como nas crises
profundas instituições e regras tornam se disfuncionais e discutíveis, a incerteza e os
problemas aumentam e a confiança dissolve-se, mas existe a possibilidade pelos processos de
aprendizagem de criar alternativas e novas oportunidades através de reformas ou revoluções.
Se estes processos de transformação não acontecem desencadeiam se processos de
decadência. Uma crise, seja econômica, política ou cultural, abre também a necessidade e
possibilidade de descrever e avaliar os processos de transformação que são consequência de
cada crise econômica profunda [depressão]. Como cada crise é diferente, presume se que
existem fatores contingentes em cada crise que sobrepõem se sobre certa regularidade do
ciclo conjuntural e determinam o caráter especial de cada crise.

Numa economia globalizada recessões em outros países podem ter impactos sobre a
economia nacional através dos canais reais (por exemplo, queda das exportações), monetários
(por exemplo, mudanças nos fluxos internacionais de capitais), das expectativas dos agentes
econômicos ou sobre canais políticos (por exemplo, politicas protecionistas para evitar o
contágio da crise para a economia nacional). A descrição das crises mais profundas do
capitalismo global nos capítulos seguintes mostra alguns fatores para a explicação das crises,
no capitulo posterior sobre as tentativas teóricas das correntes mais importantes do
pensamento econômico de explicar as crises encontram se as diferentes interpretações dos
ciclos conjunturais e das crises. No gráfico a seguir segue como exemplo empírico o ciclo
conjuntural para o Brasil 1980-2014.
129

Gráfico 14 Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil 1980-2014, ciclo conjuntural (retirando
a tendência de crescimento através de um filtro Hodrick – Prescott e suavizando os hiatos
também com este filtro)

Fonte: IBGE, cálculos próprios

Uma queda profunda e prolongada da produção, dos lucros, do emprego e dos salários reais é
denominada depressão ou crise, muitas vezes acompanhada por uma deflação dos preços (dos
bens e serviços, imóveis, bem como dos ativos financeiros como ações etc.). O exemplo mais
importante é a Grande Depressão da década de 1930 e a Grande Recessão depois da crise
financeira global dos anos 2008/2009, embora nesta crise não houvesse uma deflação
prolongada e expressiva como na Grande Depressão e os efeitos sobre produção e emprego
foram amenizados pela intervenção dos governos e dos bancos centrais. Neste trabalho a crise
do capitalismo global começando na metade da década de 1970 é também interpretada como
uma crise profunda de capitalismo global, embora a queda da produção e do emprego foi
muito menos expressivo do que na Grande Depressão, mas esta crise levou a profundas
mudanças nas instituições e ideologias do capitalismo global: da economia regulada pelas
intervenções do Estado nos moldes keynesianos para uma economia globalizada de mercados
mais livres nos moldes do neoliberalismo, mais mercado menos Estado.

Blanchard [2011, p. 419 pp.] chama estes períodos de depressões econômicas [e também
períodos de hiperinflação] patologias do capitalismo: “Às vezes, as coisas (macroeconômicas)
vão muito mal. Há uma queda acentuada do produto. Ou o desemprego permanece elevado
por muito tempo. Ou a inflação aumenta para níveis muito altos.” Obviamente este pode ser
130

consequência de uma acumulação de problemas econômicos, de erros humanos, de mudanças


rápidas das expectativas por causa de uma falência de uma empresa importante (como na
Grande Depressão a falência das empresas de Insull no setor elétrico ou a falência de Lehman
Brothers na crise financeira global de 2008/09), politicas mal concebidas (a política da Federal
Reserve na Grande Depressão, o aumento das tarifas Smoot Hawley em 1930 etc.) baseadas
em teorias e instituições econômicas rígidas e possivelmente ultrapassadas (como as
tendências deflacionárias do padrão ouro, das políticas orientadas na ideologia do ‘laissez-
faire’, dos objetivos de orçamento equilibrado, e de politicas monetárias orientadas no valor
externo da moeda no padrão ouro). É importante ser cauteloso na avaliação das políticas
perseguidas nestas grandes crises, por que na retrospectiva somos todos mais inteligentes.
Como KIndleberger e Aliber, bem como Reinhart e Rogoff, advertem que na história
econômica sempre existiam ondas de euforia econômica com confiança exagerada que
terminam em uma onda de pessimismo, revertendo rapidamente o cenário e as perspectivas
econômicas. Os agentes econômicos parecem ser - na realidade - não tão racionais e os
mercados não tão eficientes como muitas teorias econômicas suponham. Mas não são
somente fatores econômicos que podem ser no fundo de uma crise, catástrofes naturais,
guerras, revoluções e tempos de distúrbios sociais podem criar um clima de incerteza e
insegurança e influenciar e criar crises econômicas.

Crises profundas podem ser interpretadas também como momentos críticos (‘critical
junctures’) na história política, econômica e social, períodos em que ideologias e governos são
contestados e possivelmente deslegitimados, seja pelas ações do povo ou pelas ações das
elites, são -parcialmente – períodos na história aonde acontecem grandes transformações, na
vida política, econômica e social e nas instituições e ideologias.

O desenvolvimento do capitalismo global não foi um processo suave, como, por exemplo,
descrito no modelo de Solow, mas um processo de tempos de crescimento dinâmico,
interrompido por pequenas e grandes crises (Grande Depressão da década de 1930, crise
global na década de 1970, e a Grande Recessão seguindo a crise financeira global de
2008/2009), acompanhado de desemprego elevado, crises sociais e políticas. O conceito da
destruição criativa de Schumpeter descreve melhor do que o modelo de Solow o processo de
desenvolvimento econômico em uma economia capitalista. Tempos de expansão dinâmica e
rápida da produção, da inovação, do emprego e da riqueza dão lugar a tempos de crises,
recessão e depressão, com produção e emprego em queda e desespero generalizado.

Na história da vida humana houve sempre períodos de fartura e escassez, causados por
guerras, epidemias, colheitas más e outros fatores exógenos. Estes tipos de crises podem ser
131

denominados como crises típicas dos séculos antes da revolução industrial. O desenvolvimento
capitalista e a industrialização tornaram as recessões e crises de certa forma cíclicas, embora
não de uma regularidade previsível. A maioria das crises do capitalismo industrial e financeiro
não mostravam sinais de escassez de alimentos e outros bens, mas – em contrário –
prateleiras e estoques cheios de bens, faltando renda e demanda efetiva para comprar eles.
Desemprego e pobreza em meio da fartura de produtos, que não podem ser vendidos. O
otimismo da expansão com taxas de lucro em ascensão, fomentado pela expansão de crédito e
com isto da demanda, leva a investimentos duvidosos, bolhas especulativas nos mercados
financeiros e imobiliários e capacidades excessivas. Quando as expectativas mudam e a
expansão do crédito termina, a superprodução torna-se obvia (teoria da superprodução e do
subconsumo), as taxas de lucro caiam, há falências de empresas, e a crise começa. Em um
capítulo posterior esta descrição simplificada de uma crise econômica é ampliada discutindo
um leque mais amplo de gatilhos para uma crise, nenhuma crise tem uma explicação uni
causal. Obviamente em todas as crises houve vencedores e perdedores: indivíduos, empresas,
regiões e nações ganhando na crise a custo dos outros. Obviamente as crises foram sempre
sinais para uma transformação da economia, das relações de poder, das ideologias dominantes
e das relações internacionais. Com o desenvolvimento do capitalismo global e neoliberal na
década de 1970 as crises tornavam-se cada vez mais globais, embora também aqui houvesse
ramos de produção, regiões e nações que ganhavam com a crise ou foram somente pouco
atingidas.

As explicações das crises do capitalismo global focalizam mais no papel do acaso e da


contingência, no papel de fatores exógenos (choques externos), ou focalizam mais nos fatores
endógenos ou deterministas na evolução das crises. Sem dúvida, o acaso em sistemas
complexos e estocásticos é um fator importante para sistemas complexos como a vida humana
e a economia como Taleb [2008, 2012] mostra, mas também importantes são fatores
deterministas endógenas. Kindleberger e Aliber [2011] e Reinhart e Rogoff [2009] mostram
que crises financeiras são tão frequentes na história do capitalismo seguindo padrões
semelhantes levantando certas dúvidas sobre a hipótese de Taleb, que as crises são cisnes
negros imprevisíveis, embora a data exata quando uma crise se inicia dificilmente pode ser
prevista. No fundo das crises do capitalismo global há certa convergência das diferentes
teorias, se encontra um fator comum: todas elas são crises da taxa de lucro, como vai ser
explorado mais tarde neste trabalho.

As origens das crises nos anos neoliberais parecem ser – muitas vezes – consequência da
instabilidade do sistema financeiro e das capacidades globais superdimensionadas em alguns
132

setores industriais (por exemplo, no ramo da produção de automóveis). Jordà, Schularick, e


Taylor [2010, p. 3] diferenciam 140 anos de história de crises financeiras em recessões
precedidas por crises financeiras e recessões ‘normais’ e crises nacionais e globais, os
resultados chave são que as crises precedidas por crises financeiras mostram tendências
deflacionárias mais sérias do que as quedas nos ciclos conjunturais normais. Outro resultado
[p. 37] desta pesquisa é que crises associadas a crises financeiras têm custos mais elevados do
que recessões ‘normais’ e recessões depois de crises globais são especialmente duros e a
recuperação lenta. Por esta razão o trabalho focaliza em primeiro lugar as crises financeiras
nestas décadas do capitalismo neoliberal.

Obviamente das três grandes crises globais, na década de 1930 a Grande Depressão, na
década de 1970 a crise do paradigma keynesiano-fordista de desenvolvimento capitalista, em
2008/2009 e nos anos seguintes a crise financeira global e seus impactos na Grande Recessão,
somente a última teve suas causas primárias no sistema financeiro e nas politicas monetárias.
Na Grande Depressão da década de 1930 a bolha especulativa no mercado acionário dos
Estados Unidos e sua quebra em outubro de 1929 teve certo impacto sobre a crise, mas a
maioria dos economistas não vê a quebra da bolsa em Nova Iorque como a única e melhor
explicação da crise, embora na crise da década de 1970, os sistemas financeiros e as crises
financeiras haviam somente uma importância de segunda linha para explicação desta crise,
embora a quebra do sistema monetario internacional, o sistema de Bretton Woods, em 1971,
ou finalmente em 1973 pode ser vista como uma crise cambial de alcançe global antes da
eclosão da crise da década de 1970, que esta ligada ao primeiro choque dos preços de
petróleo em 1973/1974.

Parece que a instabilidade do sistema financeiro [Minsky, 2008] do capitalismo global é uma
das causas do processo de desenvolvimento interrompido por crises nos tempos mais
recentes. Parece também que o aumento da desigualdade nos países industrializados,
começando na década de 1970, é também uma das causas das crises e da instabilidade do
sistema financeiro [Stiglitz, 2012 e Rajan, 2010]. Na fase ascendente da conjuntura a expansão
do crédito fácil e barato estimula consumo e investimento, mas criando com isto - às vezes –
também bolhas especulativas nos mercados de ações, imobiliários e de commodities. Na
quebra a expansão do crédito termina, as bolhas estouram e a economia entra em uma fase
recessiva.

O papel do sistema financeiro e – especialmente - do crédito nos ciclos conjunturais e nas


crises é considerado de forma diferente nas correntes de pensamento econômico dos
clássicos, neoclássicos, keynesianos, monetaristas, novos clássicos, na escola austríaca e no
133

marxismo. Especialmente a escola austríaca enfatiza expansão e queda do crédito como causa
mais importante dos ciclos conjunturais e das crises, mas também Keynesianos, monetaristas e
marxistas consideram crises financeiras, bolhas especulativas nos mercados financeiros e
imobiliários e a politica monetária como fatores importantes para explicar expansões e
recessões da economia. Uma recessão pode tornar-se uma depressão quando muitos fatores
em conjunto desestabilizam a economia de forma profunda.

Para a Grande Depressão da década de 1930 diferentes economistas enfatizam diferentes


fatores: A desorganização da economia global como consequência da Primeira Guerra
Mundial, a queda do mercado acionário americano em outubro de 1929 e a queda da
demanda efetiva seguinte [Keynes, 1997], erros da politica monetária da Federal Reserve
[Friedman, 2009], a tendência deflacionista do padrão ouro [Temin, 1991, Eichengreen, 1992],
queda do comercio internacional [Kindleberger, 1973], a especulação financiado por crédito
[Galbraith, 1997]. A expansão do crédito leva a investimentos errados, expansão da produção
em excesso sobre a demanda, endividamento insustentável e bolhas especulativas [Escola
austríaca: Hayek, von Mises em Duncan, 2012], superprodução na expansão, defasagem dos
salários e subconsumo levam a crise da taxa de lucro na explicação marxista [Howard e King,
1992], a deflação leva a uma crise da dívida [Fisher, em Duncan, 2012]. A Grande Depressão
teve impactos econômicos e políticos desastrosos, desemprego elevado e ascensão dos
nazistas ao poder na Alemanha e por esta razão Bernanke [1994, p.1] chama a compreensão
da Grande Depressão o Santo Graal da macroeconomia e este trabalho dá um amplo espaço a
ela, embora focalizasse também a crise global nos países centrais da década de 1970 e as
crises das décadas de 1990 e 2000 com foco na crise financeira global de 2008/2009. O Brasil
foi seriamente atingida pela Grande Depressão, a crise da década de 1970 chegou com uma
defasagem somente na década de 1980 no Brasil com a crise da dívida externa do Brasil, a
década perdida, os impactos diretos da crise financeira global no Brasil foram menos
expressivos e curtos, mas possivelmente a fraqueza e instabilidade da economia global até
hoje tinham também reflexos na crise séria da economia brasileira começando em 2014,
embora a maioria dos economistas vê as causas desta crise em primeiro lugar em fatores
domesticas da política brasileira.

ii) Tipologia das crises


Os economistas concordam que o desenvolvimento capitalista é perturbado pelos ciclos de
negócios (conjunturas), que podem se tornar crises severas, mas discordam sobre as causas do
ciclo de negócios e das crises. Duncan [2012, p.107 pp.] refere-se a um livro de 1927 de Wesley
Mitchell (1874-1948) sobre os ciclos de negócios, que apresenta uma perspectiva resumida de
134

muitas das teorias dos ciclos de negócios, apresentando os fatores causais mais importantes.
“Ele classificou as teorias sob 10 categorias:

1. O Tempo. Supõe-se que padrões climáticos e as manchas solares afetam os preços


agrícolas e, assim, a economia em geral.

2. Incerteza. A comunidade de negócios tenta a prever a demanda futura e ou


produzindo demais ou produzindo de menos como resultado. Da necessidade de se
ajustar à demanda real cria o ciclo.

3. O fator emocional nas decisões de negócios. Mudanças de humor dentro da


comunidade de negócios entre excesso de otimismo e pessimismo excessivo são
consideradas responsáveis pelos altos e baixos de investimento.

4. Inovação, Promoção, Progresso. Esta teoria afirma que as inovações e as ondas de


inovações provocam mudanças na oferta e demanda de produtos e criam a
necessidade para a economia de se ajustar.

5. O Processo de poupança e investimento. Uma versão desta teoria culpa o ciclo de


negócios em uma escassez de capital, enquanto outra teoria à poupança em excesso.

6. Construção Civil. Esta teoria defende que os booms e depressões originam na


indústria da construção e se espalham para o resto da economia.

7. A superprodução geral. O investimento da comunidade empresarial desencadeia um


período de prosperidade, mas se investindo tempo demais haja excesso de produção,
produtos que não podem ser vendidos. Nesse ponto, o investimento é reduzido,
resultando em depressão.

8. Operações bancárias. A expansão do crédito causa o boom, mas o boom é revertido


quando o crédito deixa de se expandir.

9. Produção e fluxo de renda monetária. A produção se expande mais rapidamente do


que os salários, levando a mercadorias não vendidas, queda dos preços, e depressão.

10. O papel desempenhado pelo lucro. "A característica distintiva das teorias... é que
eles representam as alternativas de prosperidade e depressão como resultante da
produção pelo lucro em si."

O resumo leva em conta fatores exógenos e endógenos, fatores do lado real bem como do
lado monetário da economia, bem como a incerteza e o risco em que decisões econômicas são
tomadas. Falta aqui somente uma ênfase sobre a instabilidade sistêmica do setor financeiro.
135

Uma descrição mais profunda das causas das crises encontra-se num capitulo posterior onde
as explicações de diferentes correntes do pensamento econômico são analisadas.

Depois da quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods em 1971/1973 as


crises financeiras tornavam-se mais frequentes e – na maioria dos casos – tinham um papel
importante na evolução das crises. Obviamente num tempo de crescimento elevado, como nos
tempos de Bretton Woods, os sistemas financeiros tornam-se mais estáveis, enquanto nos
tempos de crescimento menor ou da estagnação fragilidades e fraquezas dos sistemas de
financeiros aparecem.

No quadro 1 a seguir é feito um resumo sobre difentes tipos de crise com ênfase nas crises
financeiras.

Quadro 1 Categorias de crises econômicas e ciclos conjunturais


Categoria Fatores de explicação Comentários
Ciclos conjunturais e crises reais
Crises reais são recessões
Fatores endógenos, exógenos e profundas e prolongadas,
contingênciais. Os fatores recessões são caracterizadas pela
causadores de ciclos conjunturais e queda contínua do PIB em pelo
Ciclos conjunturais e crises reais
crises reais encontram-se acima no menos dois trimestres. Crises reias
texto [com referencia ao livro de podem criar crises financeiras e
Mitchell] crises financeiras podem criar
crises reais
Crises Financeiras
(Muitas vezes acontecem juntos, uma forma de crise pode causar outra e pode causar crises reais)
Reinhart e Rogoff [2009] definem
Políticas macroeconômicas
uma mudança anual de mais de 15
insustentáveis, crises de balanço de
% como crise cambial. Em um
pagamentos, mudanças
regime de taxas de câmbio fixas
desfavoráveis de preços de
uma crise cambial mostra-se pela
Crise cambial commodities e de fluxos de capital,
perda expressiva de reservas
rupturas súbitas dos fluxos de
internacionais que muitas vezes
capital internacional, mudanças das
acaba no abandono de regime de
expectativas dos investidores
taxas fixas e/ou em medidas de
internacionais.
controle dos fluxos de capitais.
Riscos gerais dos negócios dos
bancos: descasamentos de prazos e
de moeda, inadimplências de
empresas, bancos e pessoas
Definido pelos seguintes eventos:
endividados com o banco por
Perigo de quebra de bancos
incompetência ou uma crise real
sistemicamente relevantes,
geral. Defaults de países sobre sua
corridas aos bancos e fundos de
dívida externa ou interna. Riscos
Crise bancária mercado monetário, pânicos
específicos: Alavancagem
bancários, bancos centrais e
financeira extrema, especulação
governos salvando bancos ilíquidos
nos mercados acionário, de dívida,
ou insolventes ‘Grandes demais
de derivativos, Problemas de rolar
para falir”.
a dívida, crise no mercado
imobiliário. Bancos assumindo
riscos excessivos em tempos de
taxas básicas muito baixas.
Endividamento excessivo público Reinhart e Rogoff [2009] apontam
Crise da dívida (Pública ou privada;
ou privado; O endividamento que a data de default é muitas
interna ou externa)
excessivo em moeda estrangeira e vezes bem definida, enquanto a
136

de curto prazo pode criar data de fim da crise pode criar


problemas de rolagem e, em caso problemas. Uma crise da dívida
de crises cambiais e rupturas pode se aproximar quando os
súbitas problemas de pagar os investidores financeiros
serviços da dívida podem levar a reconhecem a insustentabilidade
um default. Crises reais podem da dívida existente ou dos déficits
também erodir a possibilidade de fiscais, o risco país sobe e
pagar amortização e juros da aproximam se problemas de
dívida. rolagem da dívida.
Investidores financeiros Reinhart e al. [2016] apontam
reconhecem que investimentos ciclos de movimentos
financeiros anteriores foram internacionais de capital, bem
equivocados e de que os como ciclos dos preços de
Ruptura súbita de fluxos fundamentos de um país ou de commodities, como causadores de
internacionais de capital seus bancos e empresas mudavam crises da dívida, ciclos de
para o pior. Podem existir também movimentos internacionais de
alternativas de investimento capital têm uma fase de expansão
financeiro onde a relação risco- e uma fase de retração, que pode
rendimento é mais favorável. se tornar uma ruptura súbita.
A excessiva confiança de O estouro de bolhas especulativas
investidores (mania) pode levar pode levar a outras formas de
eles para especular em certos crises financeiras. Como uma
ativos com a expectativa de que os ascensão perpetua de preços de
preços vão continuar a subir para ativos como ações, commodities, e
sempre. A síndrome de “Esta vez é imóveis depende de um continuo
diferente” descreve um crescimento da demanda para
Bolhas especulativas comportamento de investidores estes ativos, que logicamente
financeiros, onde eles compram precisa acabar num certo
ativos financeiros ou ativos reais momento, cada bolha estoura em
num preço mais alto do que seu certa data, embora esta data seja
preço fundamental na expectativa desconhecida. As vezes uma bolha
de vender este ativo a um preço é financiada por uma expansão de
ainda mais elevado para um ‘otário crédito barato, o estouro levando a
maior’. insolvência de muitos investidores.
As crises hiperiflacionárias não são
parte deste trabalho, embora –
Uma crise hiperinflacionária é
obviamente uma crise da dívida
sempre consequência da expansão
pública e uma crise cambial podem
descontrolada da quantidade de
acabar em uma crise inflacionária
moeda, muitas vezes para financiar
ou hiperinflacionária. Reinhart e
Crises hiperinflacionárias gastos do governo que não podem
Rogoff [2009] definem uma crise
mais ser financiados pela emissão
inflacionária com uma taxa de
de dívida pública. No fundo destas
inflação anual de 20% ou mais
crises é muitas vezes uma crise
(dando um olhar específico para as
fiscal profunda do Estado.
crises onde a taxa de inflação
supera 40%).
Fonte: Do Autor apoiando se em Reinhart et al. [2016]

iii) Crises financeiras

Uma crise financeira é uma fragilidade expressiva do sistema financeiro de um país


especialmente uma fragilidade do sistema bancário. Claessens e Kose [2013, p. 3] mostram as
múltiplas faces com que uma crise financeira pode se desenvolver:

A crise financeira global de 2007 - 2009 tem sido uma lembrança dolorosa da natureza multifacetada de
crises. Eles atingem países pequenos e grandes, bem como pobres e ricos. (...). Eles podem ter origens
internas ou externas, e podem eclodir no sector privado ou público. Eles têm diferentes formas e
tamanhos, evoluem ao longo do tempo em diferentes formas, e podem rapidamente se espalhar para
além das fronteiras. Eles muitas vezes exigem respostas políticas imediatas e abrangentes, fazem
necessárias grandes mudanças no sector financeiro e nas políticas fiscais, e podem exigir uma
coordenação global das políticas.
137

Claessens e Kose [2013, p. 3] levantam três perguntas sobre crises financeiras vistas como uma
crise confiança na estabilidade do sistema financeiro, implicando mudanças no volume de
crédito, nos preços dos ativos financeiros, da estabilidade de bancos e outras instituições
financeiras, e do crédito externo. Uma crise financeira pode ter muitas causas, mas, muitas
vezes ela é precedida por bolhas especulativas nos mercados de ativos e de crédito. As três
perguntas são:

1. O que são os fatores mais importantes para explicar crises financeiras?


2. O que são os tipos de crises financeiras?
3. Quais são os impactos no setor real e financeiro das economias?

Nesta parte introdutória os fatores que explicam crises financeiras são somente discutidos de
forma curta, uma discussão mais profunda encontra-se na narrativa sobre as crises financeiras
abordadas. Claessens e Klose [p.5] enfatizam que fatores macroeconômicos como
fundamentos fracos e políticas equivocadas podem ser uma causa das crises, mas advertem
também para a existência de fatores “irracionais”. A importância dos “instintos animais” para
os mercados financeiros com referência a autores como Keynes [1997], Minsky [2008] e
Kindleberger [2011] é importante para este aspecto. Parece que os mercados não são tão
eficientes, nem os agentes econômicos tão racionais, como muitas teorias econômicas
afirmam.

Obviamente as crises financeiras são diferentes, mas existe a possibilidade de classificar


diferentes aspectos das crises. Claessens e Klose [p.3] advertem que as crises financeiras são
diferentes nas causas, nos impactos sobre o lado real e financeiro da economia e na
necessidade de intervenções do Estado, do Banco Central e das organizações internacionais.
Eles podem contagiar outros países. Eles podem surgir no setor privado ou no setor público da
economia. Muitas vezes bolhas nos mercados financeiros e de crédito, imobiliários e de
commodities precedem as crises. Variáveis financeiras, como preços de ativos financeiros e
fluxos de capital estrangeiro mostram quedas expressivas nas crises, enquanto o risco país e a
taxa de câmbio (desvalorização/depreciação) mostram aumentos expressivos (usando aqui a
definição brasileira da taxa de câmbio, por exemplo, R$/US$). Variáveis reais mostram quedas
expressivas, como o PIB e a produção industrial, ou aumentos expressivos como a taxa de
desemprego. Uma crise financeira é sempre acompanhada de uma deflação dos preços de
ativos financeiros, e - muitas vezes também - de uma deflação dos preços de ativos reais. Mas
tamanho e duração destas mudanças variam de crise para crise.
138

Claessens e Klose [p.26] mostram também citando outras pesquisas que as frequências das
crises aumentavam muito depois da quebra do sistema de Bretton Woods em 1971-1973, um
sistema monetário internacional com mercados financeiros fortemente regulamentados e
controles de fluxos internacionais de capitais. Este fato parece corroborar a hipótese que
globalização financeira e a desregulamentação dos mercados nacionais e internacionais de
capital são uma das causas para uma propensão mais elevada do capitalismo global de entrar
em crises financeiras nas últimas décadas. Mas é necessário advertir que em tempos de
crescimento elevado como nos tempos de Bretton Woods, problemas no setor financeiro e
real podem ficar ocultos, enquanto em tempo de estagnação e crise eles aparecem. O
pensamento neoliberal acreditando na dominância dos mercados eficientes sobre a
intervenção e regulamentação do Estado para estimular crescimento e inovação, bem como a
crescente desigualdade da renda e da riqueza nos países centrais depois da década de 1970,
um fato que especialmente Rajan [2010] e Stiglitz [2012] enfatizam, são fatores mais
profundos na explicação destas crises.

Frenkel, Karman e Scholtens [2004, p. V] e classificam as crises financeiras em três tipos: crises
cambiais, crises bancárias e crises da dívida pública (externa e doméstica). Claessens e Kose
[2013, p.15] acrescentam o tipo de paradas súbitas de fluxos internacionais de capital e crédito
[sudden stops]. O estouro de uma bolha especulativa no mercado acionário, imobiliário ou de
commodities bem como o fim de uma bolha de crédito, que muitas vezes precedem uma crise
financeira, pode ser visto também como uma parada súbita no financiamento da continuação
da bolha.

iv) Tipos de crises financeiras

Os tipos das crises financeiras: crises cambiais, crises bancárias, crises da dívida pública,
rupturas súbitas são inter-relacionadas e reforçam-se na evolução das crises. É importante
acrescentar bolhas especulativas.

Uma crise cambial envolve ataques especulativos contra a moeda e fuga de capitais do país
com uma desvalorização forte quando o regime de câmbio fixo não pode ser mais sustentado
(no caso de um regime de câmbio fixo ou administrado) ou uma depreciação forte (no caso de
um regime de câmbio flutuante). O governo e o banco central tentam defender a moeda
nacional através da venda de reservas internacionais, do aumento da taxa básica de juros e,
possivelmente, de controles dos fluxos de capitais. Mas as reservas são finitas, uma taxa básica
muito elevada leva a economia a recessão e controles de capital evitam o ingresso de novos
capitais. Muitas vezes a consequência e um colapso do regime de câmbio fixo ou uma
139

depreciação expressiva da moeda nacional com impactos sobre o valor da dívida externa do
país e o valor dos serviços sobre esta dívida em termos da moeda nacional.

Rupturas súbitas dos fluxos de capital são períodos de entrada maçica de capital estrangeiro
seguidos por uma ruptura súbita das entradas ou uma reversão dos fluxos. Rupturas súbitas
podem mostrar os mesmos sintomas como crises cambiais e necessitar das mesmas
intervenções incluindo a tomada de empréstimos junto a organizações internacionais (FMI,
Banco Mundial etc.). Muitas vezes a fuga de capitais também causa o aumento expressivo do
risco país.

O último fato também acontece em uma crise da dívida soberana externa, quando o país está
com dificuldades de pagar os serviços da dívida (amortizações e juros) ou os investidores
estrangeiros se preocupam com isto, muitas vezes levando a um default sobre a dívida
soberana (Rússia 1998, Argentina 2002, Grécia 2012).

Uma crise bancária mostra-se em falências de bancos, corridas atuais ou possíveis sobre o
sistema bancário e a necessidade para o governo/banco central de salvar bancos importantes
(“grande demais para falir”) da iliquidez ou da insolvência com garantias, compra de ativos ou
comprometimento de dinheiro dos contribuintes de impostos. Uma forma de crise pode
reforçar ou iniciar outra forma de crise e tornar a situação mais grave.

Rupturas súbitas (Sudden stops)

Uma ruptura súbita é uma ruptura nos fluxos de capitais internacionais. Um influxo maciço de
capitais estrangeiros para um país reverte se quando as expectativas dos investidores mudam.
Entradas maciças de capital estrangeiro são revertidas por causa de mudanças nas
expectativas dos credores. Accominotti e Eichengreen [2013] advertem que a ‘mãe de todas as
rupturas súbitas’ está na entrada maciça de capital norte-americano na década de 1920 em
muitos países da Europa (especialmente a expansão econômica na Alemanha depois da
hiperinflação em 1923 foi financiado em primeiro lugar pelo influxo de capital norte-
americano), o influxo reverteu-se rapidamente com inicio em 1929. Claessens e Klose [2013, p.
15] mostram que na crise da dívida externa dos países Latino-Americanos na década de 1980
houve também uma reversão súbita de entradas de capital internacional, bem como na crise
asiática em 1997/1998. O mesmo caso aconteceu em muitos países do sul da Europa na
década de 2000 com entradas maciças de capital externo a taxas de juros baixos até 2007 na
expectativa que os países da área do euro e o Banco Central Europeu garantem de uma forma
ou outra as dívidas, os fluxos revertidos na crise financeira global de 2008/2009, o que levou
para a crise da dívida soberana na área do Euro em 2010, levando em 2012 Grécia a um
140

default sobre parte da dívida externa. Claessens e Klose [2013, p. 17] apontam que muitas das
crises da dívida – soberana ou privada – também são parcialmente consequências de rupturas
súbitas, quando os credores acordam para reconhecer a insustentabilidade de dívidas.

Crises bancárias

Uma crise bancaria é uma crise da confiança no setor bancário de uma economia,
especialmente na confiança sobre a liquidez ou solvência de um banco, o risco de que um
banco não pode pagar seus compromissos financeiros e não honrar suas dívidas. Laeven e
Valencia [2012, p. 4] definem uma crise bancária como sistêmica quando são reunidas duas
condições: 1) sinais significativos de dificuldades financeiras no sistema bancário (indicado
pelas corridas bancárias, perdas significativas no sistema bancário e/ou liquidações bancárias)
e 2) significantes intervenções políticas no sistema bancário em resposta a perdas significativas
dos bancos (como assistência de liquidez, compra de ativos financeiros dos bancos, garantias
para dívidas dos bancos e possivelmente nacionalização). A confiança pode sumir também por
causa do reconhecimento de riscos excessivos assumidos pelos bancos, da alavancagem
financeira extrema ou de posições duvidosos no mercado de derivativos. Uma quebra de uma
instituição financeira importante (LTCM em 1998, Lehman Brothers em 2008), de uma
empresa importante ou o conhecimento de investimentos ruins de um banco pode encadear
corridas aos bancos ou um pânico bancário onde todos os depositantes tentam sacar seus
depósitos e levar a uma crise financeira e econômica mais severa. Na Grande Depressão dos
anos 1930 a quebra de um terço dos bancos nos Estados Unidos e a quebra de grandes bancos
europeus em 1931 aprofundou e prolongou a depressão. É importante anotar que no período
do capitalismo neoliberal houve também um crescimento expressivo do ‘shadow banking’
(instituições financeiras não regulamentadas pelo banco central e/ou do governo, como, por
exemplo, fundos de mercado monetário, bancos de investimento, ‘hedge funds’, ‘conduits’ e
‘special investment vehicles’, etc.). Especialmente estas instituições tornavam se vulneráveis
no inicio da crise financeira global em 2008/2008, mas também o setor bancário foi
seriamente atingido depois.

Existe também uma retroalimentação (feedback) positiva nos mercados de crédito. Em tempos
de expansão os bancos aumentam o volume de créditos, porque os valores dos colaterais
aumentam, enquanto em tempos de recessão os bancos são mais cautelosos na concessão de
crédito, o que pode piorar a recessão. Minsky [2008] descreve esta instabilidade inerente de
um sistema capitalista pelo aumento da alavancagem e do endividamento arriscado numa
expansão, o que leva a falências no momento da retração da economia e do crédito.
Financiamento protegido (hedged) refere-se a situações em que as empresas têm fluxos de
141

caixa maiores do que os serviços sobre a divida (juros e amortizações). Financiamento


especulativo refere-se a situações, quando os fluxos de caixa são maiores ou iguais do que os
pagamentos de juros, mas não conseguem diminuir a dívida existente através da amortização
da dívida. A dívida existente precisa ser sempre rolada. Financiamento Ponzi é o financiamento
mais arriscado e acontece, quando os fluxos de caixa são insuficientes para pagar os juros da
dívida e as empresas precisam sempre acumular dívida adicional para financiar os juros. A
dívida existente precisa de rolagem contínua e os juros acumulados precisam ser financiados
por novas dívidas, com isto a dívida está crescendo exponencialmente. Financiamento Ponzi
pode evitar a falência da empresa a curto prazo, mas não pode ser perseguido a longo prazo
sem default.

Minsky [2008] advertia que os agentes econômicos são excessivamente exuberantes em


tempos de expansão da economia e tornam-se excessivamente pessimistas em tempos de
crise. Em períodos de crescimento elevado as empresas conseguem mais empréstimos e
tomam mais empréstimos. Num certo ponto de tempo o otimismo excessivo está se acabando.
Quando a confiança diminui, os créditos tornam-se mais escassos. Os tomadores de
empréstimos começam a vender ativos para garantir sua liquidez, com os preços dos ativos em
queda, a deflação aumenta o peso real da dívida e muitas empresas encontram-se em uma
situação de financiamento especulativo ou financiamento Ponzi. A fragilidade financeira dos
fundamentos financeiros das empresas é a força atrás dos ciclos de negócios em uma
economia capitalista no sentido de Minsky [2008].

A interdependência internacional dos bancos pode propagar uma crise de confiança para
outros países. O mercado monetário nos Estados Unidos e na Europa mostrou um aumento
significativo das taxas de juros neste mercado e sinais de falta de liquidez depois da quebra do
banco de investimento Lehman Brothers. A crise de confiança no sistema bancário
internacional depois da crise subprime levanta a questão se a criação de novos empréstimos
através de securitização de hipotecas ou outros empréstimos não é uma forma descontrolada
de criação de moeda através do sistema bancário. Com certeza esta forma de tirar os créditos
hipotecários dos balanços dos bancos foi um incentivo para diminuir o controle de risco na
concessão de novos créditos hipotecários. Os esquemas de pagamentos para os CEO e
gerentes dos bancos (comissões, ‘stock options’) também foram incentivos para os bancos de
fazer investimentos mais arriscados em um ambiente de crédito farto e barato. Este processo
foi acompanhado por uma regulamentação mais frouxa do setor bancário e a ausência de
regulamentação e controle dos bancos sombra (bancos de investimento, ‘money Market
funds’, SIV e ‘conduits’, ‘hedge funds’, ‘private equity funds’ etc.).
142

Calomiris e Haber [2014, p. 480 pp.] criticam as teorias econômicas sobre crises bancárias com
os seguintes argumentos:

As teorias dominantes de crises bancárias (...) concebem a origem de crises bancárias em aspectos que
são comuns para todos os tempos e para qualquer lugar no mundo. (...). Estas teorias levantam três
aspectos que em certas combinações podem eclodir crises bancárias: a estrutura dos bancos, a conexão
entre os bancos e as falhas humanas. A estrutura dos bancos refere-se ao descasamento de maturidade e
liquidez dos empréstimos relativamente ilíquidos e com maturidade extensa em relação às dívidas
relativamente liquidas e de curto prazo.
Teorias estruturais explicam crises bancárias pela exposição inerente dos bancos ao risco de liquidez
resultando deste descasamento.
Teorias que se referem à interconexão entre bancos: como cada banco escolha a detenção de ativos
líquidos e da alavancagem (dívida em relação do capital próprio [também refletido na percentagem do
capital próprio na soma dos ativos]), o banco não leva em conta os efeitos de contágio para outros bancos
em um sistema bancário interconectado. (...). Neste sentido a causa das crises bancárias é na falta de uma
regulamentação que força os bancos de manter mais ativos líquidos e restringe os níveis de alavancagem
[ou determina níveis mais altos de capital próprio].
A terceira perspectiva de culpar as falhas humanas para as crises bancárias é a mais antiga, associados à
Minsky e Kindleberger, que presumem que os homens são míopes e mercados financeiros e bancos
oscilam entre otimismo exagerado e medo exagerado.
O problema que todas as três teorias gerais não podem explicar por que crises bancárias não são
igualmente prováveis em todos os países e toda a história recente.

Calomiris e Haber [2014, p. 481 pp.] aceitam estas teorias como relevantes, mas não
suficientes para explicar crises bancárias, apontando para o caso de Canada, que conseguiu
evitar crises bancárias sistêmicas mais de cento cinquenta anos. Eles advertem [p. 3 pp.] que
“a politica importa”, quer dizer, “a maneira como instituições politicas fundamentais
estruturam os incentivos para políticos, banqueiros, acionistas dos bancos, depositantes,
devedores e contribuintes de impostos formam coalizões criam leis, politicas e
regulamentações em favor deles, muitas vezes a custo de todos os outros”. Eles analisam
entre outros os casos dos Estados Unidos, Canada, Brasil e da Alemanha e Japão antes da
Primeira Guerra para fundamentar a fragilidade ou não de certo país de cair em uma crise
bancária. A análise das crises do capitalismo global usa também os resultados desta pesquisa.

Crises cambiais

Uma crise cambial é caracterizada por desvalorizações/depreciações extremas da moeda


nacional, causadas for desconfiança dos investidores internacionais, por fuga de capitais ou
ataques especulativos, como, por exemplo, no Brasil em 1998/1999 e 2002/2003 e na
Argentina em 2001/2002. Uma crise cambial é muitas vezes acompanhada de expressivas
perdas de reservas internacionais e um aumento expressivo da taxa básica de juros, em uma
tentativa de diminuir a fuga de capitais. Uma crise cambial também tem consequências sobre
solvência e liquidez do setor bancário, se este setor é altamente endividado em moeda
estrangeira (como foi o caso em Argentina 2001/2002) e sobre a dívida pública externa.
Obviamente rupturas súbitas levam sempre também para crises cambiais.
143

Crise da dívida pública ou soberana

Uma crise da dívida pública ou soberana (interna e/ou externa) começa quando os
investidores financeiros percebem que o déficit fiscal e a dívida pública estão em um patamar
insustentável, por causa de déficits fiscais ou déficits da conta corrente permanentemente
elevados. As dúvidas dos investidores sobre a possibilidade de um país de honrar suas dívidas
levam a venda destes títulos nos mercados secundários, queda dos preços dos títulos,
aumento da taxa efetiva de juros, problemas para o país de rolar a dívida em vencimento,
programas de ajuda do IMF, dos países ricos e de outras instituições internacionais ou default
sobre a dívida, como no caso da Argentina em 2001/2002 ou da Grécia em 2012. O problema
pode se complicar se o país (ou também os bancos e empresas) é altamente endividado em
moeda estrangeira (como no caso da Argentina em 2001/2002) e uma crise cambial
desencadeia uma desvalorização/depreciação cambial, que aumenta o peso da dívida e dos
serviços da dívida (amortizações e juros) em moeda nacional e pode levar a um default sobre a
dívida soberana e a quebra dos bancos e empresas nacionais. Uma recessão pode agravar o
problema como em Argentina no fim da década de 1990, porque a razão dívida pública/PIB
aumenta com a queda do PIB também se a dívida pública não aumenta, e esta razão é um
índice importante para os investidores internacionais para avaliar a sustentabilidade da dívida
externa. A crise da dívida soberana pode encadear também uma crise bancária (também em
outros países), porque muitas vezes o setor bancário é o detentor maior da dívida soberana. A
crise da área do euro com inicio em 2010 é um exemplo para isto, onde os programas do
socorro (para Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal) da União Europeia, do IMF e outras
instituições públicas de resgate foram em primeiro lugar focadas em socorrer bancos em
Alemanha, França, Reino Unido, etc, quer dizer, em países que não enfrentavam uma crise da
dívida soberana.

Bolhas especulativas e criação excessiva de crédito (bolha de crédito)

Os conceitos de especulação e de bolhas especulativas são intimamente relacionados. No


sentido de Keynes a especulação é vista como a atividade de prever a psicologia de mercado e
de prever preços de ativos (como ações, commodities, moedas, ativos imobiliários) vendendo
a preços mais altos do que os preços da compra fazendo lucros em excesso dos lucros normais
(Outra possibilidade e vender uma ação a descoberto a um preço mais elevado para comprar
depois mais barato). Blanchard [2011, p. 297 p.] afirma que “os preços das ações [pode se
acrescentar aqui, imóveis, moedas ou commodities] estão sujeitos a bolhas ou modismos que
fazem que o preço de uma ação seja diferente de seu valor fundamental. As bolhas são
episódios em que os investidores compram uma ação por um preço maior do que seu valor
144

fundamental prevendo revendê-la a um preço ainda maior.” Na terminologia popular este fato
chama se de teoria de otário maior: sempre vai ter um otário que vai comprar o ativo, que
comprei a um preço acima do valor fundamental, para um preço ainda melhor. Esta esperança
estoura com o estouro da bolha. Uma bolha sempre estoura em algum momento, porque a
demanda para estes ativos precisa sempre aumentar para garantir um aumento permanente
de preços, obviamente a quantidade de compradores e a demanda efetiva para estes ativos é
finita. Os mercados de derivativos fazem possíveis a alavancagem da demanda, mas também
aqui existem limites. Embora a teoria de mercados eficientes e a teoria de expectativas
racionais afirmam que não é possível sistematicamente fazer lucros excessivos em mercados
eficientes, a história econômica, como, por exemplo, contada em Kindleberger e Aliber
“Manias, Panics and Crashes” [2011, p. 39 pp.], mostra que existem ondas de otimismo e
pessimismo dos investidores, que levam a manias (uma forma de histeria das massas) em
investimentos em canais, ferrovias, ações, imóveis etc. As histórias mais conhecidas são a
bolha das tulipas em 1636/1637 na Holanda, a bolha dos mares do sul na Inglaterra em 1720 e
no mesmo ano a bolha da companhia de Mississipi na França, relacionado com o banco real de
John Law, a bolha no mercado acionário de Nova Iorque na década de 1920 que estourou em
outubro de 1929, a bolha imobiliária nos Estados Unidos precedendo a crise financeira global
de 2008/2009 e muitos outros.

Se os mercados não são tão eficientes como clássicos, neoclássicos e novos clássicos supõem,
e os agentes econômicos também não são tão racionais como estes economistas supõem, se
os investidores são sujeitos aos instintos animais (Keynes), as ondas de otimismo e pessimismo
ou manias podem levar a bolhas especulativas nos mercados de títulos (especialmente de
ações), imobiliários e de commodities. Uma demanda para os ativos sempre em expansão
precisa garantir uma ascensão permanente dos preços. Esta demanda pode ser alavancada
pela possibilidade de crédito fácil para a compra dos ativos, uma bolha de crédito, como
também pelos mercados de derivativos, mas obviamente a demanda não pode se expandir
infinitamente e com o aumento dos preços os primeiros investidores tentam realizar lucros,
vendendo seus ativos. Obviamente esta bolha de crédito somente pode ocorrer com uma
politica monetária frouxa do banco central.

Shiller [2000, p. 161 pp.] afirma neste contexto que

“A teoria sobre a eficiência dos mercados financeiros e as extensas pesquisas que a investigam
formam a base intelectual para os argumentos contra a ideia de que os mercados são
vulneráveis à exuberância excessiva ou às bolhas. A teoria dos mercados eficientes afirma que
todos os preços financeiros refletem precisamente todas as informações públicas em qualquer
época. Em outras palavras, os preços dos ativos financeiros são sempre determinados
corretamente, dado o que é conhecido publicamente, em qualquer período de tempo. Os
145

preços podem parecer altos ou baixos demais às vezes, mas de acordo com a teoria dos
mercados eficientes essa aparência deve ser uma ilusão.
Os preços das ações, segundo essa teoria, descrevem aproximadamente “passeios aleatórios”
ao longo do tempo: as mudanças de preços são imprevisíveis, desde que ocorram apenas em
resposta a informações realmente novas, as quais pelo próprio fato de serem novas são
imprevisíveis. A teoria dos mercados eficientes e a hipótese do passeio aleatório têm passado
por vários testes, usando-se dados sobre os mercados de ações em estudos publicados em
periódicos acadêmicos de finanças e de economia. Embora a teoria tenha sido rejeitada
estatisticamente muitas vezes nessas publicações, de acordo com algumas interpretações ela
pode ser considerada parcialmente valida. A literatura sobre as evidências favoráveis a essa
teoria é extensa e inclui trabalhos da mais alta qualidade. Portanto, concordamos ou não com
ela, devemos pelo menos levar a teoria dos mercados eficientes a sério.”
Mas a história econômica, como pode ser visto acima no livro de Kindleberger e Aliber [2011],
conta várias histórias de bolhas especulativas e manias nos mercados. Todas as bolhas têm seu
fim, por que a demanda é finita, não pode se expandir sem fins, e alguns investidores querem
realizar seus ganhos de papel vendendo. Estas bolhas começam a estourar quando
investidores percebem os preços exagerados para os ativos e querem realizar seus ganhos
vendendo os ativos o que faz os preços cair iniciando uma onda de pessimismo e de vendas,
que fazem os preços cair expressivamente. A expansão de crédito e sua retração na crise – seu
caráter pró-cíclico -, enfatizada fortemente por Minsky [1984 e 2008] bem como pela escola
austríaca, é num lado a fonte para expansão exagerada dos preços dos ativos, noutro lado
também a fonte para a queda exagerada na crise.

Uma crise financeira pode também ser a consequência do estouro de uma bolha especulativa
nos mercados de ações, imobiliários ou de commodities, quando a depreciação expressiva de
ativos financeiros põe em perigo os ativos das instituições financeiras. As instituições
financeiras podem se tornar literalmente insolventes (como no Japão depois de 1990 – bancos
zombie) sem poder conceder novos empréstimos e evitando a falência somente por causa da
vista grossa dos órgãos regulamentadoras. O estouro de uma bolha conduz muitas vezes a
uma crise econômica grave (como em 1929 no começo da Grande Depressão, embora a
maioria dos economistas não visse a quebra da bolsa como gatilho mais importante para a
depressão) ou a uma estagnação econômica prolongada (como no Japão em 1990 com o
estouro de uma bolha no mercado acionário e imobiliário). O estouro na bolha no mercado
imobiliário dos Estados Unidos em 2006/2007 levou o mundo para uma recessão profunda,
enquanto as intervenções maciças dos bancos centrais e dos governos evitavam uma crise
maior. Mas a consequência foi uma elevação da dívida pública em muitos países com a
transferência de parte da dívida privada para a dívida pública a transferência dos riscos do
setor privado para o setor público.
146

Eichengreen e Mitchener [2003] analisam uma expansão exagerada do crédito como uma
fonte da Grande Depressão e chegam a conclusão de que esta expansão pode ser uma
perspectiva que ajuda numa explicação multicausal da eclosão da Grande Depressão. Eles
concluíam com a avaliação de que com isto os trabalhos de Mises, Hayek, Robbins e Rothbard
que enfatizam a importância da dinâmica de crédito na eclosão da Grande Depressão devem
ganhar novo interesse.

v) Contágio das crises financeiras

Como uma corrida a um banco pode encadear uma crise de confiança na estabilidade do
sistema financeiro e um pânico bancário, uma crise financeira em um país pode contagiar
outros países. Uma crise em um país pode mudar expectativas e percepções dos investidores
com outros países ainda não atingidos por uma crise, e a crise financeira pode se propagar
para outros países (contágio), como no caso da crise mexicana em 1994/95 para América
Latina (efeito tequila), como na crise asiática em 1997/1998 para o mundo, e como na crise
subprime especialmente em 2008 dos Estados Unidos para o mundo. A propagação da crise foi
facilitada por novos instrumentos financeiros, vendidos mundialmente, como ‘Mortgage
Backed Securties’ MBS, ‘Collaterilized Debt Obligations’ CDO e instrumentos derivativos
(‘Credit Default Swaps’ CDS). Outro exemplo do contágio é a crise bancária em Áustria em
1931 que se propagou para outros países de Europa central e depois de alguns meses chegou à
Alemanha, embora a crise bancária, cambial e da dívida externa da Alemanha teve também
muitas causas domesticas. Este evento e discutido de forma mais ampla no capítulo sobre a
Grande Depressão. Da Alemanha, agora com controles sobre movimentos de capitais, o
contágio levou o Reino Unido, perdendo reservas de ouro, em setembro de 1931 a sair do
padrão (câmbio) ouro. A saída do Reino Unido do padrão ouro e a desvalorização da libra
tiveram agora seus impactos sobre os Estados Unidos, com os investidores temendo uma
desvalorização do dólar. Em plena depressão a Federal Reserve aumentou expressivamente a
taxa básica, para diminuir as saídas de ouro dos Estados Unidos, piorando a crise bancária no
país.

O Banco Mundial diferencia três canais de contágio [Contagion Home Worldbank], o canal
financeiro, os canais reais, especialmente sobre a balança comercial, e o canal político. Pode se
acrescentar o canal das expectativas dos agentes econômicos. A conectividade e
interdependência de atores nos mercados globais, especialmente a interdependência das
instituições financeiras, num mundo globalizado e regulamentado de forma frágil pode
contagiar outros países em uma crise de confiança através destes canais. Um caso é o contágio
da crise russa em 1998 para o Brasil, onde as relações reais e financeiras entre os dois países
147

são menores, é um exemplo como uma mudança da percepção e das expectativas dos
investidores internacionais podem atingir outro país.

vi) Crises financeiras na perspectiva de diferentes correntes de pensamento


econômico

Economistas clássicos e neoclássicos consideram as crises do capitalismo em primeiro lugar


como consequência de politicas equivocadas do governo e do banco central, o papel do
sistema financeiro, do crédito e da moeda é visto como menos importante (falhas do governo).
É importante anotar aqui que a escola austríaca enfatiza a expansão do crédito como causa
mais importante, mas como uma expansão de crédito somente pode ser sustentada por uma
politica monetária frouxa do banco central, aqui -em último lugar – os responsáveis são
também as falhas do governo.

Economistas keynesianos e marxistas consideram as crises do capitalismo em primeiro lugar


como consequência das falhas do mercado. Os mercados não são tão eficientes como clássicos
supõem, os agentes econômicos não são tão racionais como os clássicos supõem, eles são
sujeitos aos instintos animais (Keynes: animal spirits) e sujeitos a ondas de otimismo e
pessimismo, que podem se refletir em bolhas especulativas nos mercados de títulos
(especialmente de ações), imobiliários e de commodities.

Importante também na avaliação das crises mais recentes – da crise asiática e da crise
financeira global de 2008/2009 – torna-se a opinião de que os processos de
desregulamentação dos mercados financeiros na década de 1980 e depois, bem como os
processos de abertura financeira, quer dizer, fatores institucionais, são no fundo dos fatores
causadores destas crises.

Enquanto os economistas ‘mainstream’ consideram as crises como consequências de choques


externos, das falhas de mercado ou do governo, que podem ser evitadas e combatidas através
de politicas monetárias e fiscais expansionistas, correntes marginais no pensamento
econômico contemporâneo, (ideologicamente posicionadas em extremos políticos opostos),
como o marxismo e a escola austríaca consideram as crises do capitalismo como um
mecanismo de limpeza do sistema, limpando os excessos do boom (investimentos e
capacidades excessivas e dívida excessiva como consequência do otimismo do boom e do
crédito fácil e barato) e facilitando com isto uma recuperação da taxa de lucro e do inicio de
um novo ciclo de acumulação. Para eles politicas monetárias e fiscais expansionistas para
combater a crise evitam o ajuste necessário e criam um cenário de uma crise futura mais
severa.
148

Entre os economistas e políticos aderindo a princípios da escola austríaca e clássica o


banqueiro americano e secretário de tesouro norte-americano Andrew W Mellon foi o mais
radical dos liquidacionistas, aconselhando o presidente americano Herbert Hoover na Grande
Depressão de [Eichengreen/Temin 2010, p.13] “liquidar o trabalho, liquidar as ações, liquidar
os agricultores, liquidar os imóveis (...). Este vai limpar a podridão do sistema. O custo de vida
vai cair. As pessoas vão trabalhar mais, viver uma vida mais moral. Valores serão ajustados, e
as pessoas empreendedoras vão assumir os negócios de pessoas menos competentes”. Uma
politica semelhante de austeridade do governo Brüning na Alemanha na Grande Depressão
levou a Alemanha no caminho para a depressão mais profundo, para a ascensão dos nazistas e
de Hitler ao poder em janeiro 1933, e a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.

Esta experiência com suas consequências desastrosas deve barrar uma politica de austeridade
extrema para sempre, mas também adverte os políticos e economistas que politicas
expansionistas prolongadas com a salvação de bancos e empresas insolventes a custo dos
contribuintes de impostos e a criação prolongada de moeda e crédito cria um cenário para
crises futuras maiores e cria um clima social adverso: grandes instituições financeiras e
empresas são socorridas por causa de seu poder político e de sua importância sistêmica (‘too
big to fail’) e com isto uma administração faltosa é premiada, enquanto pequenos negócios
vão a falência e trabalhadores e pobres pagam a conta da festa dos ricos com desemprego e
corte dos benefícios do Estado de bem-estar social. Este risco moral pode destruir os
fundamentos da ideologia de uma economia da livre empresa, que prevê que empresas
ineficientes vão para falência.

Uma discussão mais ampla das conjunturas, crises e depressões encontra-se na parte sobre a
Grande Depressão da década de 1930, na parte sobre a crise econômica global depois 1973, na
parte sobre as crises financeiras da década e 1990 e do novo século e na parte sobre as visões
de diferentes correntes de pensamento econômico sobre as causas das crises e depressões
econômicas.
149

c. O papel do Estado na economia: Neoliberalismo versus Keynesianismo

War made the state and the state made war, Charles Tilly, The Formation of National States in
Western Europe, p. 4245
O governo civil, na medida em que é instituído para a segurança da propriedade, é na realidade
instituída para a defesa do rico contra o pobre, ou dos que têm propriedades contra os que não têm
nada. Adam Smith Wealth of Nations, p.273

O Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe
capitalista. K. Marx, O Manifesto Comunista, MEW 4, p. 464

Qual é o Estado? Ele é o representante devidamente constituído de uma sociedade organizada de


seres humanos, criado por eles para a sua proteção mútua e bem-estar. F.D. Roosevelt46

U.S. president Abraham Lincoln (1809-1865) defined democracy as: «Government of the people, by
the people, for the people”.47

Em um espírito antropológico, então, proponho a seguinte definição da nação: é uma comunidade


política imaginada - e imaginada como inerentemente limitada e soberana. É imaginado porque os
membros da nação, até da menor, nunca conhecerão a maioria de seus companheiros, nunca os
encontrarão, ou mesmo ouvirão deles, mas na mente de cada cidadão viva a imagem de sua
comunhão. (...). Com certa ferocidade, Gellner faz um argumento comparável quando declara que
"nacionalismo não é o despertar das nações para a autoconsciência: ele inventa nações onde elas
não existem". A desvantagem dessa formulação, no entanto, é que Gellner está tão ansioso em
mostrar que o nacionalismo mascara, sob pretensão falsa, que assimila "invenção" a "fabricação" e
"falsidade", em vez de "imaginação" e "criação". Desta forma, ele sugere que existem comunidades
"verdadeiras" que podem ser justapostas de maneira vantajosa às nações. De fato, todas as
comunidades maiores que as aldeias primordiais de contato face a face (e talvez até mesmo estas)
são imaginadas. As comunidades devem ser distinguidas, não por sua falsidade/genuinidade, mas
pelo estilo em que são imaginadas. Benedict Anderson, Imagined Communities, 2006, p.5 p.

O papel do Estado na economia, e com isto também suas ações numa crise, é um ponto
central na discussão econômica. A relação da formação de Estados com o desenvolvimento do
capitalismo foi discutida em capítulos anteriores e por esta razão é necessário discutir aqui a
pergunta da relação entre Estado e capitalismo. mercados e da transformação dos Estados no
processo do desenvolvimento do capitalismo global. Obviamente o foco deste capítulo está
nas relações entre poder político (Estado) e poder econômico, a história do desenvolvimento
de Estados nacionais fica na margem.

A citação de Tilly acima mostra a importância da guerra e do militarismo para a formação


histórica dos Estados e das lutas políticas, embora focando em primeiro lugar Europa. As
necessidades fiscais para financiar as guerras criavam burocracias estatais para gerir impostos
e a dívida soberana, mas também para gerenciar o recrutamento. Impostos e recrutamento
sempre criavam conflitos entre governo e população. Seguindo Mann [2012 (1) p. 221] as lutas
políticas (e com isto a formação dos Estados) desde séculos antes da revolução francesa foram
150

estruturadas por crises fiscais induzidas por guerras. Ele e outros relativizam a importância das
guerras para a formação dos Estados para países não europeus. Mas o poder militar com sua
cultura diferente e visto também como um possível perigo para o poder político democrático,
o Bonapartismo (lembrando o golpe de Estado de 18 Brumário de 1799 [9 de novembro] de
Napoleão Bonaparte), onde o poder militar desloca o poder político legítimo através de um
golpe de Estado.

A segunda e a terceira citação (Smith e Marx) acima mostram a importância da perspectiva de


classe na formação e explicação dos Estados e das lutas políticas. Nesta perspectiva o Estado
tem pouca autonomia e ele e visto como o braço prolongado da classe capitalista (ou dos ricos
na citação de Smith) que age em interesse da classe capitalista através de suas burocracias
repressivas e ideológicas.

A citação de Roosevelt mostra a perspectiva pluralista de uma democracia liberal, onde o


Estado reflete os interesses da sociedade, obviamente as políticas deste Estado liberal
refletem também a desigualdade na distribuição de poder entre diferentes classes e interesses
organizados. A citação de Lincoln reflete também a perspectiva pluralista da democracia liberal
apontando para o papel da sociedade civil/do povo numa democracia.

A última citação de Anderson reflete sobre o conceito da nação e a ideologia do nacionalismo,


onde o conceito da nação é intimamente ligado ao conceito do Estado, que é mais um
conceito funcional na vida politica, embora nação seja um conceito emocionalmente mais
carregado. As ideologias, como o nacionalismo, tentam criar comunidades imaginadas no
sentido de Anderson, instituições culturais, para criar laços sociais entre os indivíduos e um
sentido de 'nós' no imaginário deles para influenciar as ações sociais na política e na cultura.

Teorias ‘elitistas’ do Estado focalizam mais os poderes autônomos da classe dirigente dos
Estados [Mann, 2012 (1) p. 48], bem como o papel das elites em outros setores (economia,
militar, cultura etc.) no desenvolvimento do capitalismo global e de suas relações com a elite
política. Importante enfatizar é neste contexto que as instituições do Estado bem como as
instituições do capitalismo evoluam em conjunto desde a dupla revolução, da revolução
industrial na Inglaterra e da revolução francesa política e social. Importante para os Estados
liberais democráticos é diferenciar entre os governos, que mudam pelo processo eleitoral, e as
burocracias estatais que mostram uma permanência temporal maior. Para Mann (2012-1, p.
19), se referindo a T. H. Marshall [1963] sobre a experiência britânica, houve historicamente
uma evolução da cidadania civil (Estado de direito: liberdade pessoal, direito de discurso,
pensamento, e fé, e direito de propriedade e justiça), para a cidadania política (Estado
151

democrático: direito de votar e de ser eleito), para a cidadania social (Estado social: direito de
uma vida digna através dos benefícios do Estado de bem-estar social). Para Grã-Bretanha este
processo para o Estado de direito aconteceu no longo século XVIII (1688 - 1828), a cidadania
política entre 1832 (Great Reform Act) e 1918/1928 (direito de voto feminino). Na Grã-
Bretanha o Estado de bem estar social foi impulsionado antes da Primeira Guerra Mundial pela
legislação de um governo liberal e expandido amplamente pelo governo trabalhista depois da
Segunda Guerra Mundial. Obviamente em outros países este processo de evolução de um
Estado de direito, democrático, e social não foi um processo linear, enfrentando retrocessos,
mas mostra um delineamento desejável e possível.

Estado e mercado, economia e politica, a governança global, nacional, e das empresas são os
conceitos centrais na discussão contemporânea sobre o caminho certo para organizar uma
economia e a economia global. Na teoria politica e econômica contemporânea o Estado [o
Estado democrático, de direito e social] não é mais visto como uma instituição que defende
somente os interesses de uma classe social, mas como uma instituição que persegue o
objetivo de bem público e garante as leis e os direitos fundamentais dos cidadãos e faz
intermediação nos conflitos de classe e sociais. Obviamente os grupos de interesse na
sociedade tentam inserir suas agendas na agenda do governo, onde, obviamente também, o
sucesso em determinar a agenda do governo depende do poder das classes e grupos sociais. A
figura seguinte mostra a inter-relação entre o Estado e a sociedade civil onde a sociedade civil
é vista como a coletividade de todos os cidadãos e todas as entidades fora do Estado [The
Handbook of Political Sociology, 2005, p. 21]. Neste gráfico em ‘The Handbook of Political
Sociology’ falta o legislativo (parlamento) como parte de Estado democrático.
152

Executivo Policia

Judiciário O ESTADO Militar

Burocracia Serviço secreto

Partidos Estado de
políticos bem estar, mídia, Contratos de Regulação
educação pública etc.; defesa

Esfera pública Esfera dos mercados


Associações públicas Federações de Empresas
(bem estar, religiosas etc.) Sindicatos

Mídia, educação, saúde privada Associações dos Sindicatos


Patrões
Movimentos sociais Mercados

Grupos de autoajuda Associações dos


Consumidores

A vida privada das pessoas Empresas familiares


Divulgada pela mídia e e redes de clubes de elite
Pela justiça

Esfera Privada
Família Amore e afeito
Amigos
Conhecidos Relações sexuais

Figura 1: Estrutura da sociedade civil e do Estado (adaptado do The Handbook of Political


Socilology, p. 21)

O Estado é o conjunto das organizações e instituições políticas que estabelecem o poder


soberano numa área territorial definida. O papel mais importante do Estado e das instituições
políticas e garantir a ordem e estabilidade em um mundo contingente, obviamente garantir
também justiça, liberdade individual e desenvolvimento econômico e social. Neste caso é
importante enfatizar que o Estado não é somente um ator importante no nível nacional para
garantir ordem e o respeito às leis da sociedade, mas o Estado é também um ator no nível
global defendendo os interesses do país – ou de certos grupos sociais dentro do país – na
competição das nações pelo poder hegemônico através da diplomacia e da persuasão (‘soft
power’) ou através de ações militares (‘hard power’). O Estado tem o monopólio de poder legal
e da violência legal (através do militar, polícia, justiça e prisões). O Estado constitucional e de
153

direito é baseado em eleições livres, que determinam o governo, e em leis, que regulam a
conduta social dos indivíduos e das organizações, como, por exemplo, as empresas. Com os
impostos o Estado financia seus gastos de consumo, investimento e transferências. Impostos e
conscrição militar são – muitas vezes - pontos de atrito entre a sociedade civil (ou certos
grupos dentro da sociedade civil) e o governo e sua burocracia, às vezes eles são os gatilhos
para protestos, revoltas e revoluções.

O Estado nacional – inserido em um ambiente internacional - está se transformando na


história, nas últimas décadas em consequência da globalização. Em ‘The Oxford Handbook of
Transformations of the State’ [2015, p. 2] esta perspectiva internacional é afirmada:

O poder do Estado depende da dominação e pacificação de um território, da capacidade de


guerra e da força centralizadora de um nível mais alto de administração burocrática. Mas esses
atributos são constitutivos para os Estados apenas na medida em que são reconhecidos por
outros poderes estaduais. Assim, apenas a formação de uma esfera internacional em que as
unidades políticas relacionadas se percebem como formalmente iguais e legítimas tornou
possível a aplicação do Estado como modelo básico de unidade e ordem política. Para o
desenvolvimento dos Estados, a esfera internacional, portanto, tem significância constitutiva.
Na visão tradicional, o sistema internacional não é pré-estruturado politicamente. Em
vez disso, é concebido como uma interação anárquica inicial dos Estados, apesar do surgimento
do direito internacional. O monopólio da coerção legítima existe apenas dentro dos Estados
territoriais. Nas relações entre Estados, o surto de violência é uma ameaça permanente.
Com a globalização dos mercados reais e financeiros, prevê se uma perda do poder do Estado
nacional e as empresas transnacionais e as organizações internacionais tornam-se mais
poderosas. A discussão contemporânea centra se menos numa perda generalizada do poder
dos Estados [Zürn e Deitelhoff, 2015, p. 192 pp.], mas numa transformação das funções de
Estado em um ambiente de globalização econômica e cultural crescente, dos problemas
globais como guerras, aquecimento global e da existência de organizações globais e regionais
de países que interferem nas decisões dos Estados nacionais, mas abrem também novas
tarefas e funções para os Estados Nacionais. Embora formalmente o número das democracias
no mundo aumentou significativamente depois da queda da União Soviética e de seus aliados
em vez de 1991, a aceitação da democracia na opinião dos eleitores está em queda. Esta
tendência da desilusão e frustração dos eleitores é a consequência da convergência
programática dos partidos políticos mais importantes (não se vê mais diferenças significativas
nas políticas destes partidos), do crescente poder das burocracias estatais e supranacionais
(por exemplo, da comissão da União Europeia [UE]), das mídias, das organizações
internacionais e das empresas transnacionais). Partes da sociedade civil em muitos países são
preocupadas com os impactos -supostos ou verdadeiros – da globalização sobre emprego e
meio ambiente e sentem se passados por alto nas decisões políticas, que são decididas em
grémios distantes como a comissão da EU, nas organizações internacionais e entre governos e
154

burocracias nacionais. Este cenário de abandono dos eleitores pelos governos leva ao
crescimento de partidos populistas de direita na Europa, a protestos na rua e movimentos
extraparlamentares (Antiglobalização, Occupy Wall Street etc.). Crouch [2008] chama este
cenário de pós-democracia48.

Wallerstein [2007, p. 42 pp.] define como característica mais importante do Estado a


soberania, a reivindicação da autoridade e autonomia interna e externa do Estado dentro de
um círculo de outros Estados, o sistema Inter-Estados. Obviamente uma reivindicação da
soberania somente faz sentido quando esta reivindicação é reconhecida pelos outros países.
Historicamente Wallerstein vê a emergência de novas monarquias na Inglaterra, na França e
na Espanha no fim do século XV, sempre lutando pelo poder com a nobreza e o clero, e do
sistema Inter-Estados nas relações diplomáticas na Renascença na Itália e sua
institucionalização na paz Westfaliana de 1648, que terminou a guerra dos trinta anos. As
novas monarquias são vistas como poderes que centralizavam o poder e que se tornavam mais
fortes através de direitos de levantar impostos. No desenvolvimento do Estado monárquico
criam-se as primeiras burocracias. Na luta pelo poder, especialmente na Inglaterra, um ponto
decisivo na luta pela participação política entre monarca, nobreza e as camadas ricas foram
sempre os direitos de levantar impostos, onde a negação de participação do parlamento neste
processo foi uma das causas da revolução inglesa de Cromwell no século XVII e da decapitação
do rei Carlos I em 1649. Esta revolução tornou a Inglaterra uma república de 1649 até 1660,
quando a monarquia foi restaurada. Uma solução de monarquia parlamentar, embora com
sufrágio restrito, foi estabelecida com a revolução gloriosa em 1688. O século XIX foi
acompanhado no Reino Unido de lutas pelo aumento do sufrágio (por exemplo, pelos
Cartistas), que finalmente chegou com o sufrágio universal depois da Primeira Guerra Mundial.

A revolução industrial começando no fim do século XVIII – em primeiro lugar na Inglaterra –


dava inicio a um período de desenvolvimento econômico nunca vista antes na história humana
e com isto entra uma nova classe empresarial na luta pela participação do poder nos Estados.
As ideias do iluminismo e do liberalismo politico forneciam as armas ideológicas para atacar a
monarquia absoluta – especialmente na revolução francesa de 1789 [embora o conceito si
mesmo do liberalismo politico somente nasce no século XIX] e nas revoluções seguintes na
França e na Europa em 1830, 1848 e 1871 (Comuna de Paris). Os direitos humanos da
revolução francesa de 1879 – simplificados no mantra: liberdade, igualdade, fraternidade –
foram também a semente para ideologias mais igualitárias como socialismo e comunismo,
ajudadas pela situação deplorável da classe trabalhadora. Socialismo e comunismo enfatizam
155

um Estado de trabalhadores de uma economia planejada e meios de produção socializados,


deixando pouco espaço para mercados livres, empreendedores e a iniciativa privada.

Wallerstein [2007, p. 3] caracteriza a importância da Revolução Francesa em dois pontos: “O


ponto histórico de viragem foi, sem dúvida, a Revolução Francesa que trouxe duas mudanças
fundamentais na cultura do mundo: a mudança política foi desde a Revolução Francesa vista
com um fenômeno normal (a teoria do progresso é fundamental para as ideias dos filósofos
iluministas) e reorientou o conceito de soberania, do monarca ou do legislativo para o povo.”.

Fukuyama [s.a. (1), posição 432 pp.] considera um viés anglocêntrico na maioria das narrativas
sobre o desenvolvimento das instituições politicas e do Estado na discussão acadêmica, que
focalizam na sua narrativa Grécia e Roma antiga, Inglaterra com a Magna Carta, a Guerra Civil
do século XVII e a Revolução Gloriosa de 1688, e chegam em 1776 na redação da constituição
americana para descrever a evolução para as instituições politicas fundamentais de sociedades
liberais de hoje. Ele afirma [s.a. (1) posição 473 pp.]

De fato, muitos elementos do que hoje entendemos por um Estado moderno já existiam na
China e, no século III a.C., cerca de mil e oitocentos antes de surgirem na Europa. (...)
O precedente republicano clássico pela Grécia e por Roma foi copiada por muitas sociedades
posteriores, inclusive as republicas oligárquicas de Genova, Veneza, Novgorod e as Províncias
Holandesas Unidas. Mas esta forma de governo tinha um defeito amplamente reconhecido por
autores posteriores, (...) o republicanismo clássico não se encaixava bem. Funcionava melhor
em sociedades pequenas e homogêneas como as cidades – Estados da Grécia do século V a.C,
ou em Roma em seus primeiros anos. (...)
A China já havia inventado um sistema de recrutamento burocrático impessoal e baseado em
mérito muito mais sistemático do que a administração pública romana.
Fukuyama [s.a. (1), posição 406 pp.] considera três conjuntos de instituições politicas
fundamentais bem equilibradas de uma democracia liberal bem-sucedida de hoje:

1. O Estado
2. O Estado de direito
3. Governo responsável (...)
O Estado concentra e usa poder para gerar respeito de suas leis por parte dos cidadãos e se
defender de Estados hostis e outras ameaças. O Estado de direito e o governo responsável, por
outro lado, limitam o poder de Estado, em primeiro lugar forçando-o a usar seu poder de
acordo com determinadas regras públicas e transparentes e assegurando que ele se subordine
à vontade do povo. (...)
O fato de um desses três tipos de instituição existe não significa que as outras duas existem.
Como o desenvolvimento econômico é um ponto de interesse central para muitos
economistas não deve se esquecer de que existe também um desenvolvimento politico e
social. As instituições politicas e sociais, e a confiança que cria sua estabilidade, são hoje em
dia vistos pelos economistas como uma fonte importante para explicar o desenvolvimento
econômico. Mas, como existem crises e decadência na economia, existem também crises e
156

decadência nas instituições politicas e sociais. Esta decadência das instituições politicas não
somente existe nas mudanças para Estados autoritários e totalitários, mas também em
democracias liberais. Fukuyama [s.a. (1) posição 8348 pp.] considera que

Os Estados impessoais modernos são instituições difíceis de estabelecer e manter, uma vez que
o patrimonialismo – o recrutamento baseado em parentesco ou em reciprocidade pessoal – e a
forma natural de relacionamento social à qual os seres humanos revertam na ausência de
outras normas e incentivos.
Os dois tipos de decadência política – rigidez institucional e repatrimonialização – muitas vezes
vem juntos quando funcionários patrimoniais com alto interesse no sistema pessoal existente
procuram defendê-lo contra as reformas. E se o sistema entra em colapso, com frequência
somente os agentes patrimoniais com suas redes de clientes ficam para recolher os pedaços.
Fukuyama [s.a. (1) posição 8348 pp.] define a repatrimonialização como “o favorecimento de
parentes ou amigos com quem se trocou favores é uma forma natural de sociabilidade e uma
maneira negligente de interação humana. A forma mais universal de interação politica é a
relação na qual um líder está prestando favores em troca de apoio de um grupo de
seguidores”.

Mas depois de deste excurso para a discussão histórica e politica do Estado é importante
voltar ao papel do Estado na área econômica, o que é um assunto controverso.

i) O papel do Estado na economia na perspectiva histórica

Como resultado, os governos estão continuamente em risco de enfrentar uma escolha forçada
entre duas opções igualmente desagradáveis: sacrificar a estabilidade e o desempenho econômico
para defender a legitimidade democrática e superar as reivindicações populares de justiça social em
nome de uma política econômica sólida. Normalmente, esse problema tende a ser resolvido ao
abordar os dois chifres do dilema, por sua vez, alternando para frente e para trás como uma
resposta bem-sucedida a uma crise de legitimidade democrática resultando em desequilíbrios
econômicos e medidas bem-sucedidas para a estabilização econômica resultando em
descontentamento social. Wolfgang Streeck, How will capitalismo end? Posição 3772
Como existe uma evolução do capitalismo global, que, por exemplo, Wallerstein descreve em
sua análise do sistema capitalista global [2004, 2007, 2011 (1) e (2), 2012], existe também uma
evolução de Estados e de suas instituições e burocracias, na Europa impulsionada pela busca
da hegemonia geopolítica através da concorrência militar e econômica. Guerras são caras, é
necessário levantar impostos e tomar empréstimos, para isto é necessária certa unidade
ideológica e normativa entre – pelo menos – as elites. Necessário é também a criação de uma
burocracia estatal eficiente e uma extensão do sufrágio [embora em Alemanha e Japão
historicamente houve também a variante do capitalismo autoritário até a Primeira Guerra
Mundial e na década antes da Segunda Guerra Mundial, como hoje existe o capitalismo
autoritário na China] quando os primeiros exércitos populares foram criados na revolução
americana e francesa, e com as guerras totais do século XX também uma criação de uma
Estado de bem-estar social. Embora o papel central da guerra na formação e transformação de
157

Estados que Tilly [1990] afirma na citação no inicio do capítulo não pode ser tão importante no
mundo não europeu, mas a tentativa de copiar instituições políticas e econômicas dos países
bem-sucedidos e hegemônicos no século XIX e XX, o Reino Unido e os Estados Unidos, sem
dúvida, tiveram também certa importância em outras partes do mundo.

Na história do capitalismo global economistas e filósofos descrevem papeis diferentes para o


Estado na economia. No mercantilismo as intervenções do Estado no comercio internacional e
na criação de monopólios foram vistos como indispensáveis para aumentar o poder do país e
da coroa através de acumulação de metais preciosos como ouro e prata, necessários para
fornecer reservas em caso de guerras.

Desde Adam Smith o liberalismo (econômico e político) argumentava contra as intervenções


do Estado na economia e – em vez disto – confiou na iniciativa privada e na dinâmica de
mercados livres e eficientes para criar riqueza e aumentar o padrão da vida da população. A
mão invisível de Smith parecia garantir um desenvolvimento econômico harmônico. Mas o
papel do Estado em formular e garantir as regras de jogo capitalista foi também visto como um
pilar institucional indispensável para garantir a dinâmica de mercados livres. Confiança na
garantia dos direitos de propriedade e em contratos executáveis foi vista como fundamento
importante para o desenvolvimento econômico.

A ideologia oficial da maioria dos capitalistas é laissez-faire, a doutrina de que os governos não
devem interferir no funcionamento dos mercados. É importante entender que, como regra
geral, os empresários afirmam essa ideologia em voz alta, mas realmente não querem que o
laissez-faire seja implementado, ou pelo menos não totalmente, e, certamente, não costumam
agir como se eles acreditavam que o laissez-faire seja uma doutrina sã. Tentativas de limitar a
concorrência interna e externa são o pão de cada dia para a elite empresarial.

O século XIX foi na Europa e na América de Norte caracterizado pela ideologia do liberalismo
econômico e do padrão ouro sob a hegemonia econômica da Grã-Bretanha, acompanhada da
expansão do colonialismo e imperialismo nas últimas décadas de século XIX. A Primeira Guerra
Mundial acabou com a hegemonia econômica da Grã-Bretanha e Europa e vi a ascensão dos
Estados Unidos e da criação de um modelo econômico alternativo na União Soviética e levou a
distorções econômicas que foram uma das causas da Grande Depressão dos anos 1930. Na
Grande Depressão a queda da produção, o desemprego muito alto e prolongado, o fim do
padrão câmbio-ouro e as crises políticas levavam a muitos governos autoritários e totalitários
na Europa e no mundo e finalmente para a Segunda Guerra Mundial. O Keynesianismo,
pregando intervenções do Estado através de politicas monetárias e fiscais expansionistas
158

financiados por créditos (‘Deficit spending’), tornou-se uma alternativa no desespero da


Grande Depressão para o modelo clássico do liberalismo econômico não intervencionista.

Mas somente depois na pós-segunda guerra mundial o Keynesianismo tornou-se o


pensamento econômico hegemônico na Europa Ocidental e na América do Norte, enquanto na
União Soviética e na Europa Oriental, bem como na China, o modelo comunista prevaleceu. No
terceiro mundo prevaleceram em muitos países modelos desenvolvimentistas focados em
intervenções de Estado na economia e da politica de industrialização forçada através da
politica de substituição de importações por produção nacional.

Com a crise do capitalismo global começando na metade da década de 1970 (Quebra do


sistema monetário internacional de Bretton Woods em 1973, primeiro choque dos preços de
petróleo em 1973/1974, estagflação, segundo choque de petróleo de 1979) a posição do
Keynesianismo se enfraqueceu enfrentando a estagflação das economias. Posições como o
monetarismo e a ideologia neoliberal pareciam receitas melhores para combater a inflação e
dar nova vida a uma economia estagnada através de politicas de desregulamentação dos
mercados de trabalho e financeiros, da privatização, do comércio livre e da globalização. Com
uma politica neoliberal focada na dinâmica de mercados livres, na iniciativa privada, na
inovação dos empreendedores e na globalização dos mercados pensava se novamente
acelerar o crescimento e domar a inflação e livrar as economias do intervencionismo do Estado
nos moldes keynesianos e das estruturas corporativistas entre grandes empresas, sindicatos e
Estado. O sucesso nos países centrais foi em primeiro lugar visto na queda expressiva da taxa
de inflação e no estimulo as inovações, o crescimento não voltou ao nível anterior, e a
despedida da politica de pleno emprego do Estado fez o desemprego crescer expressivamente,
especialmente na Europa.

Com a crise financeira global de 2008/2009 começou novamente uma discussão sobre a
necessidade de politicas mais intervencionistas dos Estados e dos bancos centrais para evitar
uma nova Grande Depressão e combater uma crescente desigualdade de renda, riqueza e
poder.

Wallerstein [2007, p. 46 pp.] caracteriza as funções mais importantes do Estado para os


empreendedores e empresários da seguinte forma:

1. Estados estabelecem regras sobre as condições em que mercadorias, capital e trabalho


podem atravessar as suas fronteiras.
2. Estados criam as regras relativas aos direitos de propriedade [...].
3. Estados estabelecem as regras para o mercado de trabalho.
4. Estados decidem os custos que as empresas devem internalizar.
159

5. Estados decidem que tipos de processos econômicos podem ser monopolizados, e em


que grau.
6. Estados fiscalizam as empresas.
7.. Estados podem usar seu poder (militar e politico) para afetar as decisões dos outros
Estados, quando empresas nacionais podem ser afetadas por estas decisões.

ii) O poder politico do Estado como uma fonte de poder social

Os conceitos de Mann [1986, 2012 (1) e (2), 2013 (2) ] sobre as fontes de poder social somente
são descritos aqui por que o poder político do Estado é um fator decisivo para explicar nos
capítulos sguintes as crises profundas do capitalismo global e as intervenções dos Estados em
reação às crises. Obviamente também é importante neste contexto recorrer às outras fontes
de poder social descrito por Mann, o poder militar, o poder econômico, e o poder ideológico.
Todas estas fontes de poder são sujeitas nas crises profundas a um processo de erosão e
transformação do poder, das mudanças das elites (a circulação de elites em sentido de Pareto,
[Hartmann 2008, p. 25]), e das ideologias que representam e legitimam o poder. Mann [1986,
p. 1] mostra que sua elaboração das fontes de poder e de sua evolução histórica se diferencia
de outras explicações convencionais de poder que enfocam sociedades monolíticas; no sentido
de Mann sociedades são um conjunto de diferentes redes de poder que se sobre posicionam e
intersectam:

Minha abordagem pode ser resumida em duas hipóteses, a partir do qual flui uma metodologia
distinta. A primeira é: Sociedades são formadas por redes sócio-espaciais de poder que se
sobrepõem e cruzam. Sociedades não são unitárias. Não são sistemas sociais (fechadas ou
abertas); eles não são totalidades. (...).
A segunda hipótese é que (...) a narrativa geral das sociedades, sua estrutura e sua história,
pode ser descrita melhor em termos das inter-relações entre o que chamarei as quatro fontes
do poder social: ideológica, económica, militar e das relações políticas (IEMP). Estes são (1)
redes sobrepostas de interação social, não dimensões, níveis, ou fatores de uma única
totalidade social. (...). (2). Eles também são organizações, meios institucionais de alcançar
objetivos humanos. Sua primazia não vem da força dos desejos humanos com fins ideológicos,
econômicos, militares ou satisfação política, mas a partir dos meios organizacionais particulares
para atingir objetivos humanos, qualquer que seja que estes objetivos podem ser. [Mann, 1986,
p. 1 p.]
Também é discutido o lugar na sociedade onde este poder se realiza na forma hierarquizada e
institucionalizada, os donos de poder, que diferentes correntes de pensamento chamam de
elites (as vezes chamadas elites funcionais ou de mérito, para evitar a contaminação com
ideias de Pareto, Mosca e Michels), classe dominante, as oligarquias ou a plutocracia e sua
relação com a democracia liberal. Obviamente baseando sua teoria em quatro fontes de poder
que se sobre posicionam e intersectam Mann [1987, p. 339] não descreve a classe dominante
ou governante como uma elite unificada, mas como elites fracionadas nas áreas de política, de
economia, militar e ideológica, que tentam conseguir um consenso em suas tentativas e
160

estratégias para institucionalizar o conflito de classes (e outros conflitos nas sociedades). Ele
focaliza cinco estratégias historicamente viáveis: liberal, reformista, monarquista autoritária,
fascista, e socialista autoritária. As crises profundas do capitalismo global, bem como outras
crises enfraqueçam a legitimação das elites e suas ideologias e – as vezes – levam a ascensão
de contra elites e ideologias alternativas. Um foco importante deste trabalho é analisar as
transformações nas esferas de poder como impactos das crises profundas do capitalismo
global. As relações entre as elites e os 99% (o povo, a massa, a sociedade civil etc.) são
descritas no capítulo a seguir.

Seguindo Mann [2013 (2), p. 1 p,] sociedades humanas são construídas em vez de quatro redes
de poder que se sobrepõem: as fontes de poder social são ideológicas, econômicas, militares e
políticas. Mann considera este modelo satisfatório para explicar a história das sociedades
humanas pelas constelações especificas das fontes de poder na história humana. O poder no
sentido de Mann [2013 (2), p. 1] é a capacidade de conseguir que outros fazem coisas que eles
não fariam de outra forma [em sentido de Weber dominação é o poder institucionalizado e
legitimado, em sentido de Gramsci poder e dominação que são garantidos somente pela
violência não se sustentam, necessário também a legitimação por um discurso hegemônico].
Obviamente sociedades são também organizações, onde homens entram em relações de
poder na forma de cooperação, competição e conflito. As relações de poder podem se
cristalizar e estabilizar em instituições, regras formais (leis, etc.) e informais (regras de
conduta, valores, ética etc.) do comportamento humano.

O poder ideológico [Mann, 2013 (2), p. 1] deriva se da necessidade do homem de encontrar


um sentido na vida, de compartilhar valores e normas e de seguir certas práticas rituais.
Incertezas e contingências da vida social criam ideologias para fazer o mundo compreensível,
diminuir as complexidades e mostrar estratégias para conseguir ordem e desenvolvimento. As
ideologias tornam-se especialmente importantes quando numa crise econômica, política,
militar ou cultural ideologias estabilizadas tornam se ineficazes para resolver os problemas da
crise. Por esta razão religiões49 ou ideologias seculares como patriarcalismo, liberalismo,
socialismo, nacionalismo, racismo, e ambientalismo podem se tornar uma fonte importante
nas relações de poder numa crise [Mann, 2013 (2), p. 2]. Importante no poder ideológico são
também as mídias sociais (televisão, imprensa, internet, etc.) para fortalecer certas agendas,
certos pontos de vista, e certas ideologias.

O poder econômico [Mann, 2013 (2), p. 2] deriva da necessidade humana de produzir,


distribuir e consumir bens e serviços e se mostra na propriedade de empresas e das riquezas. A
combinação da mobilização e organização do trabalho humano (a divisão do trabalho, da
161

propriedade de meios de produção, da força disciplinar) e de criação de redes de troca


(mercados) no nível global no capitalismo contemporâneo tornam as relações de poder
econômico importante para a vida das pessoas. O resultado é uma distribuição desigual de
renda, de riqueza, de poder político e poder ideológico que pode incentivar lutas de classe
entre trabalho e capital, especialmente em tempos da crise quando o modelo capitalista
parece fracassar. Mas em tempos normais as mudanças econômicas e sociais são menos
velozes e dramáticas do que em crises militares, políticas e econômicas. Obviamente o conflito
de classes não é a única fonte de conflitos nas sociedades, conflitos pela salvação do meio
ambiente, pelo reconhecimento de identidades étnicas, religiosas, de escolhas sexuais, etc.
tornavam se mais importantes nas últimas décadas quando as linhas de divisão de classe
tornavam se menos claras.

Mann [2013 (2), p. 2] descreve o poder militar como organização social da violência
concentrada e letal (em sentido mais amplo pode se incluir organizações e instituições do
Estado repressivo como polícia, serviços secretos, e partes da justiça). Poder militar é mais
lealmente exercido pelas forças armadas em guerras entre países, mas também por
paramilitares, guerrilhas e terroristas em conflitos internos. Normalmente o poder militar é
subordinado ao poder político, mas existem muitos exemplos (por exemplo, Napoleão) onde
uma casta militar com organização separada assume também o poder político (por exemplo,
em golpes militares).

O poder político [Mann, 2013 (2), p. 2] e a regulação centralizada no território de um país


através do governo para providenciar a ordem social e econômica. Mann focaliza aqui no papel
do Estado e do governo para garantir esta função básica do Estado de garantir a ordem,
negligenciando outros atores políticos como partidos e outras organizações políticas que
outros autores também incluem no poder político. Obviamente a luta pelo poder entre os
partidos políticos é uma característica central das democracias liberais contemporâneas,
embora não deva se subestimar o poder das burocracias no processo político.

Mann [Mann, 2013 (1), p. 9] afirma que as fontes de poder “gerar sobreposição, cruzando
redes de relações de poder com diferentes limites e dinâmicas sócias espaciais; e suas inter-
relações podem produzir consequências imprevistas, emergentes para atores com energia.
(...). As quatro fontes de alimentação de poder oferecem meios organizacionais potenciais
poderosos distintos para os homens que perseguem seus objetivos. Mas que meios são
escolhidos, e em que combinações, vai depender de interação contínua entre as configurações
historicamente presentes de poder e o que emerge dentro e entre eles.”.
162

Como os países são inseridos no ambiente global com outros países, eles tentam aumentar seu
poder geopolítico ou conseguir uma posição hegemônica através de meios pacíficos,
diplomáticos ou militares. Mann [2012 (1), p. 271 p.] acrescenta como uma quinta
determinante de poder na competição geopolítica o gênio de liderança [a liderança
carismática em sentido de Weber], explicado na pessoa de Napoleão Bonaparte
(especialmente, mas não somente, na liderança militar dele). Este é obviamente uma
determinante contingente na história política, militar, econômica e social, mas este fator não
somente é uma determinante na perspectiva geopolítica, mas também na perspectiva nacional
de um país. Os conceitos de Mann são uma base para a análise das crises e seus impactos
econômicos, políticos, ideológicos e sociais a seguir. É importante também considerar o poder
das mídias nos tempos contemporâneos em que as novas tecnologias de comunicação e
informação abrem novas possibilidades de influência ideológica.

Priestland [2013] usa os conceitos de Mann para uma narrativa um pouco diferente da história
de poder, baseando se em diferentes fontes de poder que são no mesmo momento redes
sociais e instituições. Ele [2013, p.265] aponta para certa fraqueza na abordagem sociológica e
histórica de Mann, que se apoia nas análises de Marx (enfatizando o poder econômico
representado em classes sociais) e de Weber (apontando que classes sociais são importantes,
mas existem outras redes de poder, ideológicas (grupos de status) e politicas (partidos)):

[A abordagem Marxista-Weberiana de Mann] está excessivamente preocupado com estruturas


sociais e organizações e tem muito pouco a dizer sobre experiência subjetiva e cultura. Se
quisermos compreender o poder, precisamos entender como os membros das redes de poder
pensam e se comportam, e por que seus valores podem ter um apelo mais amplo além de seu
próprio grupo - o domínio cultural que o pensador marxista Antonio Gramsci chamou de
hegemonia. Como argumento neste livro, não é apenas o poder político e econômico dos
negócios que explica a influência da economia de livre mercado na década de 1970; é também
a sua capacidade de convencer as elites e os eleitores de que a sua visão de mundo é a correta.
Priestland [2013] aponta no título de seu livro para as redes de poder mais importantes na
história, os comerciantes (onde inclui as elites nos ramos industriais, financeiros e comerciais
da economia), os guerreiros (os elites militares, no ambiente contemporário incluindo também
os esportistas) e os sábios (onde incluem no ambiente contemporâneo os profissionais,
tecnocratas e espertos na burocracia industrial, bem como na burocracia estatal, e os
profissionais que interagem com pessoas ou com comunicação). Ele acrescenta os grupos
aristocratas - latifundiários e os grupos de trabalhadores e artesãos. Ele caracteriza estas redes
de poder como castas que apreciam diferentes valores e ideologias [Priestland 2013, p. 269
p.]. Com isto ele consegue personalizar mais as relações hierárquicas de poder, mostra
diferentes distribuições e constelações de poder em situações históricas, que surgem com a
deslegitimação de certos interesses, valores e ideologias depois de guerras e crises e levam a
163

ascensão de novos grupos de poder com suas ideologias e valores. Interessante é que
Priestland não explicitamente aponta para as redes políticos de poder, que precisam formar
alianças das castas, precisam formular objetivos e transformar instituições, coordenar os
grupos dominantes e os grupos de poder compensatório com ideologias convincentes. Ele
também aponta para a importância das constelações geopolíticas na história mais recente
[Priestland, 2013, p. 256]

A Guerra Fria forçou as castas dos Estados ocidentais a colaborar para enfrentar o comunismo, assim como as
rivalidades imperiais e nacionais no século XIX trouxeram comerciantes e sábios para uma aliança governante.
A situação de hoje não poderia ser mais diferente. Há poucas razões para que os políticos prestem atenção aos
pobres. O comunismo não é mais uma ameaça, e a velha classe trabalhadora tem diminuído e, muitas vezes, é
etnicamente dividida. E em grande parte do mundo há compreensivelmente uma forte resistência para dar ao
guerreiro mais poder.

Como o poder e uma relação social hierárquica é importante tentar identificar elites
dominantes e os grupos dominados, embora é importante enfatizar que as relações de poder
em regimes democráticos são mais caracterizadas pelo poder suave (‘soft power’) do que pelo
poder de coerção duro (‘hard power’). Importante também para isto é uma análise das elites
funcionais e de mérito, suas estratégias, suas tentativas de unificar discursos e estratégias,
suas relações com contra elites e o povo (os 99% no sentido de ‘Occupy Wall Street’] e o grau
de abertura das elites (a possibilidade de absorver e integrar talentos e a mobilidade social e
entre as gerações em geral).

iii) As elites e os 99%

Tudo por nós mesmos, e nada para outras pessoas, parece, em todas as épocas do mundo ter sido a
máxima vil dos mestres da humanidade 50. Adam Smith, Wealth of Nations, p. 153
Que se vayan todos na crise argentina de 2001/2002 esta chamada de renúncia dos
governantes foi o mantra das demonstrações51
Desde que a Grã-Bretanha mergulhou no desastre econômico em setembro de 2008, tem havido
uma tentativa concertada de redirecionar a raiva das pessoas, tanto sobre a sua própria situação, e
a da nação como um todo, longe dos poderosos. Ao invés o público britânico é rotineiramente
encorajado a direcionar suas frustrações para outros, muitas vezes alvos mais visíveis, que têm sido
vilipendiados por políticos de elite e os meios de comunicação: imigrantes, desempregados,
requerentes de benefícios, trabalhadores do setor público, e assim por diante. Depois do desastre
financeiro, esta campanha de demonização foi claramente intensificada. Políticos e meios de
comunicação social trabalharam quase de mãos dadas para promover o mito de que as pessoas que
devem ser responsabilizadas pelos múltiplos males sociais e econômicos da nação são aqueles na
parte inferior da hierarquia, em vez daqueles no topo. Owen Jones, The Establishment
(2014), p. XI
Você não tem que ser um marxista para concordar com Karl Marx quando ele escreveu em 1845
que "as idéias da classe dominante estão em cada época as idéias dominantes, ou seja, a classe que
é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força intelectual dominante”.
Hoje, a classe que predomina- que não só dirige a economia, mas tem um controle sobre as esferas
de política, mídia e intelectual, também-desempenha o papel fundamental na formação das ideias
dominantes do nosso tempo. Owen Jones, The Establishment (2014), p. XV
164

O conceito de elite foi desenvolvido como conceito de luta democrática pela burguesia
ascendente francesa no século XIX [Hartmann, 2008, p. 9] em sua luta contra as elites do
‘ancien regime’ da monarquia francesa, sua aristocracia e sua elite nos cleros [elite de mérito
contra uma elite - hereditária no caso da aristocracia - de status]. Ele sempre foi usado para
diferenciar uma elite contra a massa do povo, as classes perigosas na visão das elites. Jones
[2014, p. 5] inclui nas elites, ou no “‘Establishment. (...) políticos que fazem leis; barões da
mídia que definem as agendas de debate; empresas e financiadores que dirigem a economia;
forças policiais que impõem uma lei que é manipulada em favor dos poderosos”. Nas teorias
clássicas de elite de Mosca, Michels e Pareto este confronto de elite e massa foi uma base
ideológica importante para a ascensão do fascismo em Itália e Alemanha [Hartmann, 2008,
p.9]. Por esta razão, para evitar a contaminação com estas teorias, hoje em dia se fala das
elites funcionais, de mérito e de posição. Mas movimentos (as vezes populistas) de direita e de
esquerda confrontam também hoje os interesses e discursos da elite com interesses diferentes
dos 99% do povo. Também o conceito de pós-democracia de Crouch aponta para as tentativas
das elites políticas e econômicas de resolver conflitos através de negociações entre as elites
globais e instituições globais passando por alto os 99% do povo. Como as linhas clássicas de
divisão da sociedade em classes parecem se tornar menos importantes e novas linhas de
divisão nos países centrais aparecem entre excluídos e incluídos, entre vencedores e
perdedores, entre diferentes estilos da vida, fala se hoje mais de uma dominação por uma
plutocracia (uma elite dos ricos determinando as políticas do Estado) apontando para a
crescente desigualdade de renda, riqueza e poder nos países centrais. Importante na descrição
das elites é não cair na armadilha de teorias conspirativas: As elites não são uma classe
ideologicamente unificada, existem opiniões e ideologias muito diversificadas, existem
agendas diferentes, existem estratégias variadas, mas sob um fundo de consenso sobre os
fundamentos do Estado de direito e democrático e da economia nos moldes de capitalismo,
global ou nacional. Falar dos 99% não implica objetivos, interesses, ideologias, estratégias de
forma unificada, mas um amplo leque de interesses e ideologias diversificadas. Neste capítulo
fala se em primeiro lugar das elites, as perspectivas dos 99%, ou de forma mais restrita dos
movimentos anticapitalistas é tema do último capítulo deste trabalho.

Elites funcionais e de mérito, que parcialmente são em concorrência ou conflito, tentam - pelo
menos nos problemas centrais – chegar a um consenso, podem ser definidos [Hartmann, 2008,
p. 55 p.] como grupos dominantes na economia, na política, na educação, na religião, na
cultura e nas mídias, no militar, na burocracia estatal, e na justiça. Empiricamente Krüger
[2013, p. 109] diferencia três métodos na determinação das elites. Na abordagem da
165

reputação especialistas (que muitas vezes si mesmo fazem parte das elites) são consultados
quem em sua opinião pertence as elites. Na abordagem da decisão a análise de processos de
decisão concretos determina quem participou decisivamente destas decisões e com isto faz
parte das elites. Na abordagem de posição as elites são identificadas através de suas posições
de liderança em organizações importantes. É importante anotar que nos conflitos políticos,
econômicos e ideológicos contra elites, representando movimentos sociais, enfrentam as
elites dominantes na tentativa de tornar se as elites dominantes. Obviamente crises profundas
e guerras perdidas são – muitas vezes – acompanhadas de tentativas de mudanças nas elites.

Como o foco do trabalho está na análise das crises profundas do capitalismo global o problema
das elites, da sua influência nas políticas do Estado, de suas relações com a democracia e com
a massa do povo, de suas tentativas de afetar a legislação nacional e internacional em favor de
seus interesses próprios através de ‘lobbying’ ou de corrupção, de sua responsabilidade para a
crescente desigualdade social no cenário contemporâneo, pode ser neste lugar somente
apresentado na forma de um desenho de perguntas abertas. O centro da discussão está no
problema da influência das crises sobre a transformação politica, econômica, e social e a
mudança das elites.

Obviamente cada crise deslegitima as políticas e ideologias hegemônicas e com isto as elites
que representam estas políticas e ideologias e estimula – em alguns lugares onde a democracia
liberal teve uma história curta como na Alemanha - o desejo das massas para um líder forte
que mostra um caminho para uma saída da crise. Na Grande Depressão da década de 1930
estas mudanças políticas e ideológicas são discutidas de forma mais extensa num capítulo
posterior. Aqui são somente contadas algumas evidencias históricas importantes nesta grande
crise do capitalismo global.

O exemplo mais discutido é a ascensão do nacional-socialismo de Hitler ao poder em janeiro


de 1933, primeiro em uma aliança com elites conservadores de direita, mas já depois poucos
meses abolindo outros partidos e sindicatos e tornando se ditador. Obviamente houve com
isto certa mudança nas elites políticas, mas as velhas elites na burocracia, na economia e na
cultura ficavam em seu lugar, se não fossem de esquerda política ou judeus. Este processo
para um Estado autoritário já começou com a queda do governo de Müller (SPD) em março de
1930, bem no início da Grande Depressão, seguido por governos cada vez mais autoritários
dependendo mais do presidente conservador Hindenburg (e do artigo 48 da constituição de
Weimar) do que do parlamento, o governo Brüning (do partido católico “Zentrum’), os
governos de von Papen e de von Schleicher.
166

No Brasil a mudança política em 1930 para o Estado Getulista e depois para o Estado Novo
autoritário em 1937 é na visão de Fausto [1998, p. 326 p.] “a Revolução de 1930 não significou
a tomada direta do poder por esta ou aquela classe social. Os vitoriosos de 1930 compunham
um quadro heterogêneo, tanto de ponto social como político. (...). O Estado Getulista
promoveu o capitalismo nacional, tendo dois suportes: no aparelho do Estado, as forças
armadas; na sociedade, uma aliança entre a burguesia industrial e setores da classe
trabalhadora urbana”. Em relação a Grande Depressão Fausto [2009, p. 185] afirma que “No
início dos anos 30, o Governo provisório tratava de se firmar em meio a muitas incertezas. A
crise mundial trazia como consequência uma produção agrícola sem mercados, a ruina dos
fazendeiros, o desemprego nas grandes cidades. As dificuldades financeiras cresciam: caia a
receita das exportações e a moeda conversível se evaporara”. Skidmore [1982, p. 25 p.]
também aponta a Revolução de 1930 como “mais um capítulo na história das lutas entre as
elites em lenta transformação (...) desde 1822. (...). A estrutura social e as forças políticas do
Brasil não sofreram mudança da noite para o dia. (...) a República Velha desabou de repente
sob o peso de suas dissensões internas e da pressão de uma crise econômica em escala
mundial”. Embora houve uma mudança política, estes autores não afirmam uma causalidade
direta entre a Grande Depressão e a mudança política.

Outro exemplo de uma mudança política – embora com uma defasagem longa na Grande
Depressão em 1933 (a eleição de Roosevelt aconteceu em 1932, mas ele assumiu a presidência
somente em 1933) – de Hoover (Republicano) para Roosevelt (Democrata) nos Estados Unidos
está contando uma história que reflete se em muitas democracias estabelecidas (como no
Reino Unido, na França e nos países nórdicos da Europa): Uma mudança democrática para
outro governo que representa uma ideologia econômica mais intervencionista do Estado
introduzindo reformas importantes nos mercados de trabalho e financeiro e, nos Estados
Unidos, introduzindo as redes de segurança de um Estado de bem estar social.

Os problemas das elites e de sua relação com a massa do povo podem ser representados aqui
somente através de algumas perguntas abertas. A pergunta sobre a unidade ideológica das
diferentes elites funcionais, de sua representação pelas mídias dominantes, e o papel das
ideologias alternativas e das elites com agendas alternativas. Levanta-se também no cenário
contemporâneo da globalização a pergunta da abertura destas elites para novos entrantes
(mobilidade social em termos mais gerais) ou do fechamento das novas plutocracias ao
discurso dos novos movimentos sociais. O problema de uma plutocracia de herança, que
levantam certas dúvidas sobre o mérito das elites de mérito, é discutido por Wagenknecht
[2016, p. 72 pp.] seguindo os argumentos de Piketty [2014] sobre a importância da herança de
167

capital produtivo nas empresas: um jornal alemão [‘Handelsblatt’] mostrou que entre as
famílias empresariais mais ricas de Alemanha somente 10 por cento foram empresários da
primeira geração, enquanto 90 por cento não criavam a empresa como empreendedores, mas
eles recebiam a empresa como herança de seus pais (ou de gerações anteriores). Obviamente
existem os empreendedores como, por exemplo, Gates e Jobs, mas eles são as exceções.
Neste contexto Wagenknecht [2016, p. 76] cita Piketty [2014] que -pelo menos no seu topo – o
capitalismo foi sempre o que se chama uma sociedade patrimonialista, onde a herança decide
quem é rico e quem não é rico. Nesta página ela cita também o ordo liberal Rüstow “A
desigualdade de chances iniciais pela herança é o elemento essencial da estrutura institucional
através do qual o feudalismo sobrevive na economia de mercado e torna ela uma plutocracia-
a dominação pela riqueza”.

iv) As intervenções do Estado na economia e na sociedade civil

Na teoria econômica existem diferentes justificativas para a intervenção do Estado na


economia. A maioria das correntes de pensamento econômico aceita que os defeitos e as
limitações do mercado criam a necessidade para os governos desempenhar importantes
funções econômicas. Mas o papel do governo na economia não é um assunto pacifico na
discussão econômica e política. O Neoliberalismo focaliza um Estado mínimo, mas eficiente,
enquanto os Keynesianos e os Marxistas apontam para um papel maior do Estado na
economia, para defender o bem-estar social dos desfavorecidos da sociedade e estabilizar a
economia em tempos de desemprego elevado e, nos países em desenvolvimento, para
acelerar o desenvolvimento através de políticas públicas (por exemplo, política industrial
(escolhendo setores estratégicos)), o Estado Desenvolvimentista.

Existem vários motivos para a intervenção governamental, dos quais os principaís são:
Fornecer bens públicos, que têm benefícios que não podem ser limitados aos que pagam o
custo de sua produção e, portanto, não podem ser produzidos pelo setor privado (por
exemplo, defesa nacional, justiça). Lidar com falhas de mercado como, por exemplo,
externalidades, benefícios externos (como a imunização contra doenças transmissíveis, que
beneficia também outras pessoas) ou custos externos (como a poluição do meio ambiente).
Encorajar o consumo de bens de mérito (como educação, saúde) e desencorajar ou proibir o
consumo de produtos nocivos à saúde (cigarros, álcool, drogas). Outros objetivos são ajudar os
pobres (Estado do bem-estar social) e estabilizar a economia. Numa crise tão severa como a
crise de 2008/2009 as chamas para a intervenção e regulamentação do Estado na economia
tornam-se mais frequentes, o Estado, bem como o Banco Central (como emprestador de
última instancia) são vistos como a única possibilidade de evitar uma quebra do sistema
168

financeiro global e de uma crise profunda e prolongada da economia real. Embora um


problema aberto neste contexto é a pergunta: quem paga os custos da intervenção e da
salvação do sistema financeiro e de empresas privadas. Enquanto num lado, existem, numa
economia capitalista, falhas de mercado (externalidades, competição imperfeita, informação
imperfeita e assimétrica, recessões e depressões com desemprego elevado, desigualdade
social e má distribuição de renda), noutro lado existem também falhas do governo
(‘rentseeking’/corrupção, burocracia, desperdício de recursos, o Estado de bem-estar social
pode criar uma cultura de dependência, etc.).

Intervenções do Estado na economia ou na sociedade civil podem também ser chamadas de


politicas públicas. Politicas públicas criam necessidades fiscais e/ou novas regras burocráticas
com restrições para a liberdade do cidadão. Muitas vezes elas precisam ser financiadas por
aumentos de impostos, novos impostos, ou endividamento público e o aumento da dívida
pública. Crises com desemprego elevado e queda da produção levam a quedas dos impostos e
o aumento dos gastos do governo e podem iniciar uma crise fiscal e uma crise da dívida
pública como em muitos países da Europa depois da crise financeira global de 2008/2009.

Políticas públicas no Brasil são, por exemplo,

• São medidas fiscais, como a renúncia temporária ao imposto IPI para carros e produtos
da linha branca para estabilizar produção e emprego em tempos da crise financeira de
2008/2009;
• São programas como a Bolsa Família, para criar uma rede de segurança social para as
camadas desfavorecidas e diminuir a desigualdade social e os conflitos sociais; o conjunto de
medidas como estas é muitas vezes chamado de Estado de bem-estar social;
• São incentivos fiscais para a criação de empresas como, por exemplo, na SUAPE, para
favorecer investimentos em polos econômicos, criar renda e emprego e desenvolver regiões;
• São gastos de investimento em infraestrutura do governo, como a duplicação da BR
101, para diminuir o custo Brasil e desenvolver regiões;
• São regulamentações no mercado de trabalho, como leis trabalhistas, para proteger a
parte mais fraca no mercado de trabalho, ou seja, os trabalhadores;
• São órgãos reguladores como a ANATEL, para controlar setores privatizados e proteger
os consumidores;
• São políticas monetárias ativas do Banco Central do Brasil para estabilizar a economia
e diminuir a inflação;
• São, também, intervenções do Estado em outras áreas, como na saúde pública, na
educação, na cultura, no esporte etc.
Aqui a discussão restringe-se a políticas públicas no âmbito econômico. Intervenções do
Estado na economia são assuntos muito controversos na discussão acadêmica e política. Uma
169

parte muito controversa na discussão contemporânea é a intervenção do Estado na área


social, o Estado de bem-estar social (Estado assistencialista, ‘welfare state’).

v) O Estado de bem-estar social na discussão

Obviamente iria provar mais fácil de alcançar os ideais do Estado social, “de berço ao tumulo”,
na pequena população de um país homogêneo rico como a Suécia do que em um como a Itália.
Mas a fé no Estado foi pelo menos tão marcada em terras pobres como nos ricos, talvez mais
ainda, uma vez que em tais lugares só o Estado poderia oferecer esperança ou salvação para a
massa da população. E depois da depressão, da ocupação nazista e da guerra civil, o Estado
como agente de bem-estar, segurança e justiça [‘fairness’] era uma fonte vital de comunidade e
coesão social. Muitos comentaristas de hoje estão dispostos a ver o Estado-proprietário e o
Estado-dependência como um problema europeu, e a salvação pelo Estado como uma ilusão
antiquada. Mas para a geração de 1945 algum equilíbrio viável entre as liberdades políticas e a
função distributiva equitativa racional do Estado administrativo parecia o único caminho
sensato para fora do abismo. Tony Judt, Postwar
Ao início dos anos 70 seja impensável contemplar desvendar os serviços sociais, os benefícios
sociais, recursos culturais e educacionais financiados pelo Estado e muito mais, que as pessoas
reivindicavam como justos. Tony Judt, Ill fares the land
Se for verdade que a soberania significa a capacidade de ameaçar de forma credível, os partidos
operários ocidentais e os sindicatos alcançaram seus melhores efeitos de soberania em virtude
de uma ameaça de luta de classes indireta que poderia se envolver em conflitos sem levantar o
próprio punho. Foi o suficiente para eles um olhar discretamente para às realidades do
Segundo Mundo [o bloco socialista nos anos da existência da União Soviética] para fazer os
empregadores percebem que também neste país a paz social tem seu preço. Resumindo a
situação, pode se dizer sem muito exagero: Os ganhos sociais do período pós-guerra na Europa,
incluindo o capitalismo renano muitas vezes-mencionado, incluindo seu Estado de bem-estar
social abrangente e da cultura exuberante de terapia, foram os presentes do stalinismo - vinhas
da ira, que, no entanto, só após a sua exportação para o ar mais livre podem amadurecer para
certa doçura. Peter Sloterdijk52

O Estado de bem-estar social está no centro da discussão sobre o papel do Estado na


economia na discussão contemporânea entre neoliberais e progressistas. Como o segundo
citado de Judt mostra até os primeiros anos da década de 1970 os benefícios do Estado de
bem-estar social, os financiamentos do Estado na área do trabalho, da educação, saúde e
cultura eram vistos pela população, pelo menos pelas camadas médias e mais pobres, como
parte de contrato social para aceitar as desigualdades e problemas de uma economia
capitalista, pelo menos na Europa. Com a ascensão do discurso neoliberal, que fez da busca do
auto interesse material uma virtude e da dependência dos benefícios sociais do Estado um
pecado, as inovações sociais do Estado de bem-estar social pós-guerra foi um dos centros da
crítica nas intervenções do Estado na economia e na sociedade civil. Por esta razão é
importante dar um olhar curto sobre a história da ascendência do Estado de bem-estar social.

Uma curta história do Estado de bem-estar social

A pobreza tem existido em alguma forma ou outra desde tempos imemoriais, mas nem sempre,
ou em todos os lugares considerada como um problema "social". O alívio da pobreza sempre foi
170

considerado um dever cristão53, mas aspectos sociais da pobreza não foram enfatizados até
século XVI. (...) Quando os Estados modernos começaram a se desenvolver, o problema dos
pobres tornou-se uma importância nacional, mas, em geral, ainda estava a cargo das
autoridades locais para implementar as leis nacionais sobre a assistência aos pobres, vadiagem
e mendicância. (...). E, note-se, este foi um alívio dos pobres num quadro de repressão. (...).
Durante o século XIX, os problemas persistentes de pobreza e os problemas relacionados com a
pobreza, mais o crescimento populacional, a urbanização e a expansão da industrialização, tudo
isso contribuiu para a proeminência dos problemas sociais em muitos países europeus. (....) A
evolução da "questão social" que acompanha a industrialização serviu como importante
incentivo para a cristalização da noção de direitos sociais, quando os trabalhadores começaram
a perceber-se como uma classe e o movimento operário ganhou importância crescente.
The Oxford Handbook of the Welfare State 54.
Disposições de bem-estar social rudimentares de um ou outro tipo já foram generalizadas antes
de 1945, embora a sua qualidade e alcance variasse muito. Alemanha era tipicamente o país
mais avançado, sob Bismarck já instituiu pensão, seguro acidentes e seguros de saúde, entre
1883 e 1889. Mas outros países começaram a recuperar o atraso nos anos imediatamente
antes e depois da Primeira Guerra Mundial. Tony Judt Postwar
Os Estados de bem-estar europeus pós-1945 variavam consideravelmente nos recursos que
eles prestavam e na forma como eles foram financiados. (...). A prestação de serviços sociais de
educação, habitação, cuidados médicos, bem como áreas de lazer urbano, transporte público
subsidiado, arte e cultura financiadas com fundos públicos e outros benefícios indiretos do
Estado intervencionista. Segurança social consistia principalmente na provisão estatal de
seguro contra doença, desemprego, acidentes e os perigos da velhice. (...). O Estado -
Providência não sai barato. Seu custo, para os países que ainda não recuperaram da crise dos
anos trinta e da destruição da guerra, foi considerável. Em segundo lugar, os Estados de bem-
estar da Europa ocidental não eram politicamente diversionistas. Eles eram socialmente
redistributivos na intenção geral (alguns mais do que outros), mas não revolucionários ‘they did
not soak the rich’. Tony Judt Postwar
A discussão a seguir baseia-se em primeiro lugar nos artigos do livro “The Oxford Handbook of
the Welfare State” [2010] e nas estatísticas da OCDE. Existe uma grande variedade de formas
de Estados de bem-estar social e diferentes trajetórias de seu desenvolvimento, que aqui não
podem ser plenamente discutidos. Como as citações acima afirmam com a industrialização e o
crescimento da classe trabalhadora e dos movimentos operários a ‘questão social’ tornou-se
um problema politico central. Um crescimento do partido socialdemocrata e dos sindicatos
trabalhistas levou Bismarck na década de 1880 para a introdução das primeiras leis da
segurança social, para evitar um maior crescimento do partido socialdemocrata e para integrar
a classe trabalhadora no Estado monárquico de Alemanha, no mesmo momento reprimindo
fortemente as atividades do partido socialdemocrata. É importante anotar que o Estado no
século XIX foi ainda mais um ‘Warfare State’ com 25% dos gastos públicos totais para fins
militares e somente 5% ou menos para fins sociais, enquanto no século XXI são mais do que
50% nos países da OCDE os gastos com o Estado de bem-estar social em sentido amplo [The
Oxford Handbook of the Welfare State, posição 786]. A mudança do ‘Warfare State’ para o
‘Welfare State’ começou somente com o fim da Primeira Guerra Mundial e suas repercussões
sociais, e com a democratização depois do colapso dos impérios monárquicos na Europa. Em
muitos países a Grande Depressão da década de 1930 terminou com a expansão do Estado de
171

bem-estar social com cortes expressivos de benefícios em alguns países da Europa continental,
levando a crises politicas como na Alemanha [The Oxford Handbook of the Welfare State,
posição 804]. O corte aconteceu no mesmo momento quando o desespero da Grande
Depressão necessitava de mais gastos e novos instrumentos como somente aconteceu no
‘New Deal’ de Roosevelt nos Estados Unidos. Na presidência Roosevelt [FDR, não Theodor
Roosevelt] o Estado de bem-estar social teve sua primeira decolagem nos Estados Unidos,
embora estivesse ainda mais restrito do que em muitos países da Europa ocidental. Também
na Escandinávia aconteceu nestes tempos da Grande Depressão uma mudança para um novo
estágio da evolução do Estado de bem-estar social, que levou estes países até hoje para a
primeira linha em termos de politicas sociais.

A Segunda Guerra Mundial trazia de volta o ‘Warfare State’, mas seu fim iniciou uma nova era
para a expansão de politicas sociais com seu financiamento ajudado pelo crescimento
expressivo das economias nos trinta anos depois da guerra, como The Oxford Handbook of the
Welfare State [posição 835 pp] mostra:

A experiência de guerra e depressão pavimentou o caminho para o surgimento de um - no


entanto frágil em alguns países - consenso keynesiano para justificar políticas que promoveram
os níveis altos de emprego e níveis de tributação e gastos públicos elevados, bem como nutrir a
noção de que a intervenção do governo na economia e nos assuntos sociais era imperativa para
a estabilização da demanda e do ciclo de negócios nas economias capitalistas. (...). Conflitos
distributivos foram mitigados por um equilíbrio relativamente simétrico de poder entre as
organizações de trabalho e capital e por excepcionalmente altas taxas de crescimento.
Competição partidária, bem como a concorrência dos sistemas em um mundo agora dividida
por uma ‘Cortina de Ferro’ alimentou ainda mais a expansão Estado de bem-estar.
Já o Plano de Beveridge de 1942 [ele pediu explicitamente o governo para lutar contra os cinco
"males gigantes de Necessidade, Doença, Ignorância, Miséria e Ociosidade" para garantir a
paz, fornecendo "a segurança do berço ao túmulo" [The Oxford Handbook of the Welfare
State, posição 2248]] previu uma expansão expressiva do Estado de bem-estar social. The
Oxford Handbook of the Welfare State [posição 857pp] denomina as décadas antes da crise
global de 1973/1974 a era de ouro do capitalismo de bem-estar social e os anos depois como a
era de prata do capitalismo de bem-estar social implicando que começa um período onde o
Estado de bem-estar social esta sujeito a críticas severas seguindo a mudança politica,
econômica e ideológica pela ascensão ideológica de neoliberalismo. As críticas apontam para a
ineficiência e o paternalismo, para os aproveitadores da rede de segurança social, para a
criação de dependências que de forma burocrática debilitam a autonomia individual e a
sociedade civil e a necessidade de incentivar a volta ao mercado de trabalho para os
beneficiários das politicas sociais. Esta crítica tornou se mais intensa pelos desafios novos que
as politicas sociais enfrentavam: a expectativa de vida aumentou, a fertilidade diminuiu, as
172

sociedades tornavam se mais velhos na média com aumentos significativos da população


inativa, a diversidade étnica das sociedades ocidentais estava aumentando pela imigração de
trabalhadores e pessoas que procuravam asilo. Todos estes problemas traziam mais custos
fiscais e – em tempos de crescimento e impostos menores – aumentavam a dívida publica e as
pressões para diminuir os benefícios e os programas de Estado de bem-estar social. Em
consequência houve cortes, mas a aprovação geral da população com os programas do Estado
de bem-estar social deixou os políticos cautelosos de fazer cortes mais profundas no sistema
de segurança social até hoje.

vi) Uma análise empírica do papel do Estado na economia

O orçamento do governo mostra num lado as prioridades de cada governo e das decisões de
governos anteriores e noutro lado – espera se - as preferências e desejos da população. O
papel do Estado na sociedade pode ser – em primeira tentativa - avaliado pela participação
dos gastos do Estado no PIB e pela estrutura dos gastos. Interessante é aqui especialmente a
parte dos gastos que é destinada a serviços e benefícios sociais. De forma geral The Oxford
Handbook of the Welfare State [posição 7343] afirma que no início do século XX parte
significativa dos gastos foi destinada ao militar, hoje em dia mais de cinquenta por cento dos
gastos vai para os gastos sociais. A tabela a seguir mostra-se a participação dos gastos do
governo no PIB para Alemanha, Dinamarca, Japão, Suécia e Estados Unidos de 1900 até 2010.

Tabela 27 Gastos públicos totais em percentagem do PIB (%) 1980 - 2013

Média Média Média


1880- 1920- 1950- 1980 1990 2000 2005 2009 2010 2012 2013
1913 1938 1979
Alemanha* 16,9 16,1 34,4 48,2 44,7 43,7 45,4 46,7 46,4 44,2 44,3
Dinamarca 6,3 9,2 25,3 52,4 55,0 52,7 51,2 56,8 57,1 58,8 57,1
Estados
2,2 5,8 26,5 34,3 37,2 33,9 34,1 41,9 40,1 37,8 36,6
Unidos
França** 11,7 17,9 23,1 46,1 49,6 51,1 52,9 56,8 56,4 56,7 57,1
Itália 13,9 18,6 25,0 40,8 44,0 45,5 47,1 51,1 49,9 50,8 50,8
Noruega 8,2 9,2 30,4 44,3 49,4 41,7 41,0 45,0 44,1 42,2 43,3
Países
10,8 9,6 31,9 55,2 54,9 41,7 42,7 48,2 48,2 47,5 46,8
Baixos
Reino Unido 7,6 19,3 37,7 41,8 37,8 35,9 39,7 45,9 45,2 44,1 42,5
Suécia 7,4 10,0 26,5 60,7 58,7 52,4 51,3 51,9 49,6 50,2 50,7
Fonte; IMF; *Média 1925-1934; **Média 1925-1938

Os gastos do governo em percentagem do PIB aumentaram em todos os países aqui


considerados depois da I Guerra Mundial (com exceção da Alemanha e dos Países Baixos) e
expressivamente em todos os países considerados depois da II Guerra Mundial especialmente
por causa da expansão do Estado de bem-estar social nos moldes do pensamento keynesiano e
173

de Beveridge. A crise de 1974/1976 com taxas de crescimento menores, de desemprego mais


elevado e o envelhecimento da população levou a um aumento expressivo dos gastos dos
governos nos anos posteriores a crise, que foi parcialmente revertido nas décadas seguintes
em alguns países seguindo receitas neoliberais. Depois da crise de 1974/1976 o crescimento
maior das despesas do que das receitas resultou em um expressivo aumento da dívida pública
(especialmente no Japão depois de estouro da bolha especulativa em 1990) e menos em uma
redução dos gastos sociais como mostra a tabela a seguir para países escolhidos da OCDE
(nestes gastos públicos sociais não são incluídos os gastos do Estado com educação, os gastos
sociais são financiados de forma diferente em diferentes países por contribuições dos cidadãos
e impostos), embora seja necessário reconhecer que os problemas sociais (envelhecimento da
população, desemprego etc.) aumentavam expressivamente depois da década de 1970,
necessitando de um Estado de bem estar social maior não menor.

Tabela 28 Gastos públicos sociais em percentagem do PIB 1980 - 2013

1980 1985 1990 1995 2000 2005 2009 2010 2011 2012 2013
Alemanha 22,1 22,5 21,7 26,6 26,6 27,3 27,8 27,1 25,9 25,9 26,2
Dinamarca 24,8 23,2 25,1 28,9 26,4 27,7 30,2 30,6 30,6 30,8 30,8
Estados
13,2 13,2 13,6 15,5 14,5 16,0 19,2 19,8 19,6 19,7 20,0
Unidos
França 20,8 26,0 25,1 29,3 28,6 30,1 32,1 32,4 32,0 32,5 33,0
Itália 18,0 20,8 19,9 19,8 23,1 24,9 27,8 27,7 27,5 28,0 28,4
Noruega 16,9 17,8 22,3 23,4 21,3 21,6 23,3 23,0 22,4 22,3 22,9
Países Baixos 24,8 25,3 25,6 23,8 19,8 20,7 23,2 23,4 23,4 24,0 24,3
Reino Unido 16,5 19,4 16,7 19,9 18,6 20,5 24,1 23,8 23,6 23,9 23,8
Suécia 27,1 29,5 30,2 32,0 28,4 29,1 29,8 28,3 27,6 28,1 28,6
OECD - Total 15,5 17,2 17,6 19,5 18,9 19,7 22,1 22,1 21,7 21,8 21,9
Fonte: OECD
As politicas neoliberais não desestruturavam totalmente o Estado de bem-estar social nas
economias centrais, como os adversários ferrenhos desta ideologia afirmam, mas houve
cortes, embora o aumento expressivo das pessoas que necessitam dos benefícios do Estado de
bem-estar social normalmente criasse a necessidade de expandir os programas sociais. Como
houve cortes em vez da expansão a tendência para o aumento da desigualdade social se
fortaleceu. Os países nórdicos sofriam menos, os países anglo-saxônicos sofriam mais com
cortes e reestruração dos programas.

Obviamente em tempos da crise o Estado de bem-estar social é o último recurso para os


necessitados e a história das crises do capitalismo global é no mesmo momento uma história
dos sucessos e fracassos do Estado de bem-estar social nas tentativas em diminuir os
sofrimentos da população.
174

O desenvolvimento do Estado de bem-estar social no Brasil e em outros países da América


Latina segue seguindo The Oxford Handbook of the Welfare State [posição 13.400 pp] o
caminho da industrialização: “Nos países pioneiros (Argentina, Brasil55, Chile, Uruguai e Cuba)
os principaís esquemas da seguridade social foram introduzidos na década de 1920 e cresciam
de forma gradual e fragmentada. Para ter uma visão das sete economias mais populosas da
América Latina em 2016 (estimativa do FMI) a tabela a seguir mostra os dados econômicos
centrais de 2016 para estes países em relação ao crescimento e do papel do governo na
economia. É necessário considerar que os resultados do Brasil nesta tabela são influenciados
pela crise profunda desde 2014 (especialmente o déficit fiscal elevado e a dívida pública em
relação ao PIB).

Tabela 29 Informações econômicos sobre os sete países mais populosos da América Latina

Receitas Dívida
Gastos do Déficit do Taxa média
Participação do bruta do
governo governo Transações de
População* no PIB governo governo
geral geral Correntes crescimento
2016 global geral geral
2016* 2016* 2016* (em anual do
(milhões) 2016* (% 2016* 2016*
(em % do (em % do % do PIB) PIB 1980 -
PPC) (em % do (em % do
PIB) PIB) 2016* (%)
PIB) PIB)
Argentina 43,6 0,74 32,5 39,6 -7,1 51,8 -2,3 1,9
Brasil 206,1 2,63 32,6 43,0 -10,4 78,3 -0,8 2,2
Chile 18,2 0,37 23,3 26,5 -3,2 20,4 -1,9 4,3
Colômbia 48,8 0,58 25,8 28,7 -2,9 47,5 -5,2 3,5
México 122,3 1,94 22,6 25,6 -3,0 56,0 -2,7 2,4
Peru 31,5 0,34 19,6 22,1 -2,5 26,3 -3,8 3,1
Venezuela 31,0 0,39 15,8 41,5 -25,7 32,8 -3,4 1,3
Fonte: IMF Data Mapper (WEO), * Estimativas, PPC Paridade de poder de compra

Na próxima tabela encontra-se para estes países um resumo dos gastos totais do governo
geral e para fins sociais (incluindo previdência social, gastos com saúde, educação, e outros
programas sociais de 1990 até 2014). É importante anotar que os dados são não diretamente
comparáveis entre os países, por que para o Brasil eles referem-se ao governo geral, nos
outros países ao governo central, o que eleva o nível dos dados do Brasil em relação aos outros
países de América Latina considerados. Eles também não são diretamente comparáveis aos
dados da OCDE acima, por que nos Dados da OCDE não entram, entre outros, os dados para a
educação, que entram nos dados da CEPAL. Os dados também não refletem a eficácia dos
programas sóciais que representam estes dados sobre os gastos sociais.

Tabela 30 Gastos totais e sociais do Governo (Central/Geral) 1990 -2014 (em % do PIB)

1990 1995 2000 2005 2010 2014


Argentina (1) Gastos totais (% do 9,8 13,8 14,5 13,4 18,2 25,8
175

PIB)
Gastos sociais (%
9,5 9,5 9,1 7,7 10,5 12,6
do PIB)
Gastos totais** (%
n.d. n.d. 34,5 39,8 38,8 39,1
do PIB)
Brasil (2)
Gastos sociais (%
22,8 19,0 20,6 21,9 24,6 26,3
do PIB)
Gastos totais (% do
18,4 17,5 20,7 18,3 22,0 22,3
PIB)
Chile (1)
Gastos sociais (%
11,3 11,3 14,2 12,3 14,7 15,2
do PIB)
Gastos totais (% do
7,9 12,1 15,6 17,5 17,6 19,1
PIB)
Colômbia (1)
Gastos sociais (%
11,3 11,3 14,2 12,3 14,7 15,2
do PIB)
Gastos totais (% do
16,7 14,4 15,5 16,1 18,4 19,8
PIB)
México (1)
Gastos sociais (%
5,4 7,6 8,5 9,2 11,1 n.d.
do PIB)
Gastos totais (% do
19,5 19,0 18,5 17,2 18,1 19,3
PIB)
Peru (1)
Gastos sociais (%
n.d. n.d. 8,9 10,0 9,8 n.d.
do PIB)
Gastos totais (% do
25,8 20,6 21,8 25,9 22,9 23,6
PIB)
Venezuela (1)
Gastos sociais (%
n.d. 9,9 14,9 17,7 17,3 n.d.
do PIB)
Fonte CEPAL, * IMF, (1) Governo Central, (2) Governo Geral

Historicamente os países de América Latina, e especificamente o Brasil, mostram altos níveis


de desigualdade de renda e riqueza, bem como altos níveis de pobreza e indigência. No Brasil
os índices que medem desigualdade de renda e da pobreza mostram uma melhoria na década
de 2000, em primeiro lugar através da elevação expressiva do salário mínimo e da expansão de
programas como ‘Bolsa Família’ e de criação de novos programas como ‘Minha Casa, Minha
Vida’, e outros, pelos governos Lula da Silva e Rousseff. A crise econômica começando no fim
de 2014 e ainda em andamento em 2016 ameaça de certa forma estes sucessos. A tabela a
seguir mostra informações sobre a evolução da desigualdade de renda e da pobreza,
mostrando que a melhoria começou, para a maioria dos índices na década de 1990 e se
acelerou nas décadas de 2000/2010.

Tabela 31 Desigualdade de renda e pobreza no Brasil 1976 - 2014

Renda Renda Pobreza


Renda Pobreza Pobreza -
domiciliar - domiciliar - Pobreza - - taxa Renda -
domiciliar - - taxa número de
participação participação número de de desigualdade
participação de pessoas
dos 10% dos 50% pessoas extrema - coeficiente
do 1% mais pobreza extremamente
mais ricos - mais pobres pobres pobreza de Gini
rico - (%) - (%) pobres
(%) - (%) - (%)
1976 17,08 51,04 11,58 42,12 43.690.811 18,20 18.875.380 0,623
1981 12,67 46,40 13,14 40,79 47.848.385 17,25 20.239.527 0,584
1990 14,20 48,78 11,45 41,92 58.119.829 19,95 27.659.557 0,614
1995 13,81 47,85 12,35 35,08 51.784.426 15,19 22.430.610 0,601
176

2001 13,90 47,44 12,60 35,09 58.963.230 15,19 25.520.845 0,596


2005 12,99 45,33 14,05 30,83 56.032.401 11,50 20.889.220 0,570
2009 12,10 42,74 15,50 21,41 40.066.020 7,27 13.597.606 0,543
2011 11,76 41,81 16,15 18,42 34.355.298 6,31 11.772.648 0,531
2012 12,58 41,90 16,38 15,93 30.350.786 5,29 10.081.225 0,530
2013 11,74 41,55 16,42 15,09 28.698.598 5,50 10.452.383 0,527
2014 11,35 40,89 17,00 13,29 25.888.565 4,20 8.191.008 0,518
Fonte: IPEADATA

vii) A governança do Estado em tempos de globalização e neoliberalismo

Na introdução do livro “The Oxford Handbook on Transformation of the State” [2015, p. 1] os


autores começam com a afirmação: “O Estado continua a ser o político mais importante do
mundo moderno. Na fase mais recente da globalização (...) o papel e a posição do Estado
mudaram, mas depois de um breve intermezzo, após o qual nada menos que o "fim do Estado"
foi frequentemente proclamado, as ciências sociais chegaram a um consenso sobre a
centralidade contínua dos Estados”. Os autores [2015, p.3] apontam quatro fatores para a
importância do ambiente internacional nas transformações de Estados: Aprendizagem,
emulação, competição e coerção. Em um processo de aprendizagem os Estados podem copiar
modelos de um país com as melhores práticas na organização, nas instituições, nas políticas
públicas, por exemplo, nos países da Europa continental ocidental seguindo o modelo de
industrialização de sucesso na Inglaterra. Em um processo de emulação modelos de Estados
podem ser adaptados seguindo uma tendência ou moda internacional, como no caso na
tendência para um Estado neoliberal. No processo de competição os Estados podem ser
forçados para transformações pela pressão econômica de manter ou melhorar a
competitividade internacional. O último fator para as transformações dos Estados, suas
instituições, e políticas podem ser coerção, imposição ou guerra.

A crescente globalização e a ideologia neoliberal nas últimas décadas do século XX levavam


muitos países de repensar o papel do Estado na economia e na sociedade civil. A transferência
de competências e autoridades pelo Estado nacional para organizações internacionais como as
Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial de
Comércio, do Tribunal Internacional, da União Europeia etc., depois da Segunda Guerra
Mundial retirou certas dimensões da governança nacional e deslocou-as para uma governança
global das organizações internacionais. Com a integração cada vez maior dos mercados de
bens e serviços e de capital em um mercado global a importância crescente das empresas
transnacionais e das organizações não governamentais internacionais impactou também sobre
as transformações dos Estados nacionais.
177

Embora a ideologia neoliberal apontou as intervenções do Estado na economia e a rigidez das


burocracias e instituições estatais e suas tendências corporativistas seguindo as receitas
keynesianas como causa da queda da dinâmica de crescimento e da inovação na década de
1970, acompanhada da inflação em ascensão, os mercados globalizados de capital
delimitavam cada vez mais as políticas fiscais do Estado, “A capacidade das autoridades
estatais para reverter os compromissos existentes é altamente limitada pelos interesses e
expectativas públicas que cresceram em torno desses compromissos e pelas funções de
amortecimento contra choques externos que muitas dessas políticas cumprem”. [The Oxford
Handbook on Transformation of the State, 2015, p. 43]. Embora certas competências de
Estado nacional fossem transferidas para organizações internacionais e embora a ideologia
neoliberal tivesse certos sucessos em diminuir o papel do Estado na economia e cortar certos
benefícios do Estado de bem-estar social, a crise financeira internacional de 2008/2009 bem
como os conflitos geopolíticos recentes mostravam que existe ainda a necessidade de recorrer
em crises econômicas e políticas a um ator forte de última instância, o Estado nacional.

A mudança neoliberal na década de 1980 e depois mudava também as estrategias como o


Estado administra sua burocracia e organiza a sociedade e os comportamentos sociais dos
cidadãos. Da teoria da administração de empresas o conceito de governança foi importado
para orientar as atividades dos governos e suas burocracias. Este conceito implica uma
transformação do governo de estruturas organizacionais hierárquicas de comando e controle
para uma governança através de redes integradas e cooperativas e parcialmente organizado
de forma autônoma pelos participantes [Brown, 2015, p. 123].

Este modelo de organização de empresas e organizações não governamentais de forma mais


horizontal e participativo foi parcialmente importado para a governança de governos e suas
burocracias para aliviar um pouco a gaiola de ferro [Weber] das burocracias contemporâneas.
Brown [2015, p. 125] citando as Nações Unidas descreve governança como “processo de
tomada de decisão e o processo como as decisões são implementadas ou não”. Governança
substitui comando e controle por negociação e persuasão [Brown p. 127]. A governança
pública transforma – espera se - uma gaiola de ferro burocrática impessoal para uma relação
mais personalizada do administrador público com o cliente cidadão. No mesmo momento se
tenta orientar os burocratas públicos para um comportamento mais participativo, consensual,
eficiente, inclusivo, mas seguindo a lei. A governança também inclui uma descentralização do
poder para unidades mais pertos de seus clientes cidadãos. Num lado esta mudança
administrativa pode implicar melhorar a relação administração cidadão, mas noutro lado,
implicando também uma maior consideração de aspectos de eficiência econômica pode
178

contrabalançar a tendência de inchação da burocracia bem como restringir os serviços para o


cidadão por restrições de custos. É necessária também refletir sobre o problema de introduzir
critérios de eficiência econômica para serviços sociais que orientam se em primeiro lugar em
critérios humanistas (como na saúde e na educação).
179

d. Instituições, interesses, ideias e ideologias na transformação social


“Tudo o que é sólido desmancha no ar”, escreveram Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto
Comunista, referindo-se ao modo como a sociedade capitalista se reformula constantemente,
já que sua base econômica se modifica de que “são varridas do mapa (...) todas as relações
fixas, cristalizadas”. Jeffrey A Frieden56
"As leis são como as teias de aranha que apanham os pequenos insetos e são rasgadas pelos
grandes." Sólon
Não há tabula rasa. Somos como marinheiros que precisam reconstruir seu navio no mar
aberto, sem pode decompor o navio em uma doca e reconstruir ele a partir das melhores
peças. Otto von Neurath
Homem, um ser na procura de sentido, Platão (seguindo citações na Internet, embora s
frase exata nao se encontra no Platão)
Uma das necessidades humanas mais fortes e profundamente enraizadas é a necessidade de
transcendência, para algo em que se possa acreditar, que pode ser obedecido, por algo maior,
absoluto, por uma verdade objetiva, uma grande necessidade, por um sentido universal, como
Dostoievsky sugere em seu grande inquisidor, Philipp Bloom, Die zerrissenen Jahre 1918 -
1938
Ao longo da história as instituições que orientam a vida coletiva e individual dos homens
mudam. Em crises politicas e econômicas esta mudança pode se tornar uma transformação
profunda e rápida das instituições, e também uma mudança das elites bem como das
ideologias dominantes.

i) Instituições e interesses

No sentido de Polanyi [2001] os mercados são encaixados em instituições estabelecidos pelo


Estado, a evolução do capitalismo é -neste sentido – também um processo da evolução e das
mudanças das instituições e com isto também das transformações de Estados. Períodos de
crise são períodos em que as instituições dominantes são – muitas vezes – deslegitimadas e
questionadas e - as vezes – transformadas. Grupos marginalizados pela crise tentam usar o
Estado para proteger seus interesses e mudar as instituições. Na Grande Depressão a classe
trabalhadora e os agricultores foram os grupos mais atingidos pela crise, as instituições do
liberalismo clássico econômico e político foram deslegitimadas na crise, diferentes formas de
intervencionismo do Estado na economia e das instituições de um Estado de bem-estar social
foram implementadas num processo histórico extenso. Na crise da década de 1970 – vista pela
perspectiva de uma crise da taxa de lucro e da estagflação - as instituições do Estado
intervencionista e do Estado de bem-estar social pareciam na perspectiva de diferentes
frações das elites parte do problema da rigidez, da estagnação e da falta de inovação e
diferentes agendas do projeto neoliberal foram implementadas.
180

As instituições existentes num país são influenciadas pela evolução cultural e pelos interesses
dominantes nestas sociedades. North [2010] analisa o processo da mudança econômica com
foco na transformação das instituições. Streeck [2010] acompanha o processo da
transformação institucional de Alemanha nas últimas décadas do século XX e na primeira
década do século XXI, com foco nas transformações neoliberais, fortemente incentivados pelos
sindicatos patronais. ‘The Oxford Handbook of Transformations of the State’ [2015]
acompanha em muitos artigos a emergência dos Estados modernos e as transformações mais
recentes dos Estados e suas instituições. Estas fontes são a base para uma curta descrição do
papel das instituições na evolução capitalista e de suas transformações em crises profundas do
capitalismo.

North [2010, p. 48] define instituições e suas funções da seguinte forma:

Toda atividade organizada por seres humanos implica uma estrutura para definir a "forma como o jogo é
jogado", se se trata de atividade desportiva ou o funcionamento da economia. Essa estrutura é composta de
instituições - regras formais, normas informais, e as características de forçar seu cumprimento. (...). Como o
jogo realmente é jogado depende não só das regras formais que definem a estrutura de incentivos para os
jogadores e a força das normas informais, mas também pela eficácia de enforçar o cumprimento das regras.
Mudar as regras formais irá alterar a forma como o jogo é jogado, mas também, (...), frequentemente vale a
pena para os jogadores de contornar as regras. (...). A estrutura que os seres humanos criam para estruturar
seu ambiente político/econômico é a determinante base no desempenho de uma economia. Ele fornece os
incentivos que moldam as escolhas que os seres humanos fazem

Instituições não somente são as regras do jogo econômico, mas também ordenam a vida da
sociedade civil. Instituições são reflexos dos interesses de grupos econômicos e sociais, das
elites dominantes e de outros grupos organizados de interesse. Streeck [2009, p. 15] concebe
“instituições socioeconômicas realmente existentes como produto de conflitos e acordos, não
apenas sobre o seu projeto entre as elites que as controlam, mas também sobre a sua
promulgação entre "criadores de regras" e "tomadores de regras"”. Streeck [2009, p. 124 p.]
analisa não somente – como normalmente na ciência política – como as elites políticas criam,
recriam, abolem, e reformam instituições sociais, mas foca igualmente em "criadores de
regras" e "tomadores de regras", considerando o processo de mudança das instituições sociais
que possivelmente procede independentemente ou contra das intenções das elites que
pensam controlar este processo, através da promulgação desviante local das regras ou da
lenta acumulação das consequências antecipadas ou não antecipadas das operações rotineiras
das instituições.

Para Streeck [2009, p. 2] sistemas de instituições são somente momentos em um processo de


mudança, “embora a estabilidade seja um produto temporário da construção social e política,
a mudança é endêmica e, de fato, pode ser em grande medida endógena, não obstante os
choques externos. Um tipo de mudança endógena especialmente interessante, como
181

observado em minha pesquisa, é a autodestruição "dialética" das instituições e ordens sociais


no curso de seu funcionamento normal”. Instituições têm um tempo limitado de vida.

No contexto das crises do capitalismo global é importante anotar que as crises profundas (bem
como guerras e revoluções) são pontos de tempo em que estas mudanças das instituições
podem se acelerar. Uma crise profunda não somente mostra as fraquezas existentes das
empresas e das instituições financeiras de um país, ou das políticas macroeconômicas de um
país, mas também mostra que elites e ideologias dominantes podem perder sua legitimação.
Por esta razão a narrativa seguinte focaliza a Grande Depressão da década de 1930 em que a
ideologia do liberalismo econômico (e -em alguns países – também o liberalismo político)
perdeu credibilidade e legitimidade e políticas mais intervencionistas de diferentes formas
tomavam seu lugar. Outro foco é a crise na década de 1970 nos países centrais que
enfraqueceu a ideologia keynesiana de uma regulação macroeconômica com apoio social num
Estado de bem-estar social e levou a ascensão da ideologia neoliberal focando na dinâmica de
mercados nacionais e internacionais livres sem intervenções do governo. O último foco nesta
narrativa é a crise financeira de 2008/2009, onde a ideologia neoliberal enfraqueceu, mas
ainda não é claro se as tendências intervencionistas e antiglobalizantes se fortalecem, seja sob
ideologias de esquerda como na Grécia sob o governo de Tsipras, seja sob ideologias mais de
direita como na eleição recente de Trump nos Estados Unidos.

ii) O papel das ideias na evolução capitalista

Ideias políticas, econômicas e culturais em mudança são uma das fontes de legitimação para as
grandes transformações nas formas de poder e dominação no ambiente político, econômico e
cultural. O poder e a dominação política, econômica e cultural de uma classe dominante57 ou
elite baseia-se num lado na força (‘hard power’), violência, repressão e no controle social, mas
noutro lado também na liderança através da persuasão e argumentação (‘soft power’).
Dominação que se sustenta somente com o recurso à força e violência é frágil, uma dominação
sustentável necessita de uma legitimação intelectual e moral, o que Gramsci [Opratko, p. 36
pp.] chama de hegemonia ou ideologia hegemônica ou discurso hegemônico. Embora Marx e
Engels [(5) 1969, p. 46] advirtam que “As ideias da classe dominante são, em cada época, as
ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao
mesmo tempo sua força intelectual dominante”, sempre houve divisões e frações na classe
dominante e movimentos sociais e contra elites que desafiam as elites governantes. Dentro
dos sistemas de dominação e liderança intelectual e moral desenvolvem se ideias e
movimentos que desafiam a ideologia e o sistema de dominação prevalecente. Obviamente as
ideias e interesses da classe dominante, bem como as ideias das classes, camadas, intelectuais
182

que desafiam a ideologia dominante, influenciam os processos de transformação social. Na


terminologia marxista este problema é refletido pela relação entre a base econômica e social
de uma economia (as forças e as relações de produção) e a superestrutura (instituições,
ideologias, interesses, ideias). No pensamento marxista ortodoxo a base econômica e social
influência de forma mais forte a superestrutura de uma sociedade, uma influência inversa é
pouco discutida. Também as forças centrais que movem a história no pensamento marxista
ortodoxo são as lutas de classes (no capitalismo a luta entre burguesia e proletariado) embora
no pensamento contemporâneo a luta por reconhecimento, a dependência do caminho
anterior de uma sociedade, as lutas ideológicas e fatores contingentes ganham um espaço
maior na explicação de fatores históricos. Já em Gramsci o conceito da ideologia hegemônica
mostra os conflitos sobre a formulação de uma ideologia dominante mais como uma guerra de
trincheiras entre ideologias em conflito e o processo de transformação social é visto não
somente como uma luta de interesses econômicas das classes no capitalismo, mas também
como uma luta na formulação de uma ideologia hegemônica que consegue um consenso
amplo na formação de alianças entre classes e camadas sociais. Nas últimas décadas de século
XX e no século XXI a luta por transformações econômicas e sociais, a luta por uma igualdade
social maior, perdeu seu papel parcialmente para as lutas por reconhecimento e dignidade de
grupos de gênero, de orientação sexual, étnicos etc. Fukuyama [(1), posição 8167] afirma, que
os homens não somente desejam recursos naturais (bens e serviços econômicos), “mas
também reconhecimento. Reconhecimento é a aceitação da dignidade ou de valor de outro
ser humano, ou daquilo que é entendido como status. (...) só é possível ter status elevado se
todos os outros têm status mais baixo. (...) as lutas por status têm soma zero, onde se um
jogador ganha, outro necessariamente perde. Grande parte da história humana gira em torno
de lutas por reconhecimento”.

Para as lutas políticos pelo poder e pelo reconhecimento e para as lutas econômicas por
recursos econômicos as ideologias e as ideias são as armas intelectuais para legitimar a
distribuição de poder, riqueza, renda e status. A importância das ideias e ideologias na
transformação social não pode ser subestimada como mostram as ideias das iluministas e de
Rosseau antes da Revolução Francesa, as ideias marxistas, socialistas e anarquistas antes de
Revolução Russa, mas também de forma inversa, algumas vezes vista como contraofensiva do
capital ao intervencionismo keynesiano e ao Estado de bem-estar social, a ascensão da
ideologia do neoliberalismo nas décadas de 1970 e 1980. Em sociedades democráticas as
ideologias dominantes nunca são incontestadas, em momentos de crise econômica ou política
novas ideologias e ideias podem se tornar hegemônicas. Mas, sem dúvida, as mídias
183

dominantes tentam muitas vezes reforçar as ideologias dominantes e sustentar as elites


dominantes. Em sociedades autocráticas os governos autocratas tentam suprimir ideias
alternativas através do bloqueio de informações, da inquisição, da polícia secreta e da
repressão em geral.

O foco deste capítulo está numa visão curta e geral destas ideologias sobre o funcionamento
de uma economia capitalista e sobre o papel do Estado na economia, na discussão sobre as
crises do capitalismo global encontra-se uma discussão mais profunda dos modelos
macroeconômicos usados pelas diferentes ideologias. Focando o objetivo de analisar as crises
profundas do capitalismo global nos séculos XX e XXI e seus impactos sobre transformações
nas relações políticas, econômicas e sociais e nas ideologias econômicas dominantes é feita
uma descrição curta das ideologias do liberalismo econômico das últimas décadas de século
XIX até a Grande Depressão da década de 1930, da ideologia keynesiana intervencionista que
cresceu como impacto da Grande Depressão até a crise do capitalismo global na década de
1970 e sua volta temporária depois da Grande Recessão de 2008/2009 e da ideologia
neoliberal em ascensão desde os últimos anos da década de 1970.

Parece que na história do capitalismo global há um movimento histórico pendular entre ideias
do individualismo (mão invisível dos mercados apontando para a mão visível e incompetente
da intervenção do Estado) e ideias do coletivismo (a mão visível do Estado defendendo
intervenções do Estado na economia e apontando para a anarquia dos mercados e suas crises).
Desde as últimas décadas do século XIX até a Grande Depressão dos anos 1930, o liberalismo
econômico foi a ideologia hegemônica nos países industrializados (embora desafiada pelas
ideologias conservadoras e pela ideologia socialista, com exceção na União Soviética58 depois
da revolução russa de 1917). Na Grande Depressão dos anos 1930 o pêndulo mudou para
ideias mais intervencionistas do Estado na economia e para o protecionismo (e infelizmente na
Europa continental, como no Brasil, para regimes mais autoritários ou plenamente totalitários
em muitos países). No período pós-guerra até a primeira crise de preços de petróleo em
1973/1974, as ideias keynesianas tornavam-se a ideologia hegemônica nas economias centrais
(embora em formas diferentes nos países anglofones, na Europa ocidental continental e no
Japão), e ideias desenvolvimentistas tornavam se hegemônicas no terceiro mundo, que
enfatizavam a importância das intervenções do Estado na economia através de políticas
públicas para o desenvolvimento econômico e a estabilidade social e política, ou as ideias
socialistas no segundo mundo enfatizavam a nacionalização dos meios de produção
(empresas) e o planejamento central da econômica. Com a crise do capitalismo global na
metade da década de 1970, enfrentando estagnação econômica e inflação crescente ao
184

mesmo tempo, os pensamentos neoliberais estavam começando sua ascensão, pelo menos
nas economias centrais.

Um exemplo da influência de ideologias e ideias na formulação de politicas na Grande


Depressão da década de 1930 é descrito por Eichengreen e Temin [1997, p. 3] enfatizando a
importância da ideologia monetária internacional do padrão ouro, por eles formulada da
seguinte forma “Ouro é ético e civilizado, a moeda gerenciada (fiduciária) é o contrário. O
padrão ouro foi preservado por deflação, e a retorica da deflação foi de cortar salários.
Somente os ‘especuladores’ discordavam”. No mesmo lugar eles afirmam a importância da
ideologia do padrão ouro na eclosão e propagação da crise [p. 24]: “O padrão ouro não foi
abandonado [pelos Estados Unidos em 1931 no momento quando o Reino Unido abandonou o
padrão ouro, os Estados Unidos somente seguiam em 1933]. Sua retorica foi deflação, sua
mentalidade foi inatividade. (...) Quando tive uma ameaça ao compromisso com o ouro em
1931 o FED respondeu com aumento expressivo da taxa de juros conduzindo o país para uma
depressão mais profunda”. Eles [p.37] explicam a sobrevivência da ideologia do padrão ouro e
seu viés deflacionista nos tempos da crise profunda: “A mentalidade do padrão ouro
desenvolveu-se na longa expansão econômica da última década do século XIX e do início do
século XX. Ela sobrevive a Primeira Guerra Mundial e prometeu um porto seguro para os
navios dos Estados em mares tempestuosos sociais, políticas e econômicas. Sua âncora,
porém, provou ser uma pedra de moinho no pescoço para os Estados. Em vez de manter as
economias à tona, ele ajudou no naufrágio”.

iii) Liberalismo econômico nos anos antes e depois da Primeira Guerra Mundial

Numa economia capitalista, produção e consumo são determinados exclusivamente pelo


funcionamento do mercado, que é o centro nervoso do sistema. É através do mercado que as
ordens dos consumidores são transmitidas aos produtores, permitindo assim um
funcionamento suave da economia. Os preços estabelecidos pelo mercado fazem com que a
oferta e a demanda se equilibrem automaticamente. (...). Numa economia de mercado a
função do Estado consiste em proteger a vida, a saúde e a propriedade de seus cidadãos contra
o uso de violência ou fraude. O Estado garante o suave funcionamento da economia de
mercado com o peso de seu poder de coerção (...). Se os liberais, isto é, os liberais clássicos, se
opõem à interferência do governo nos assuntos econômicos, eles assim o fazem por ter certeza
de que a economia de mercado é o único sistema de cooperação social viável e eficiente. Estão
convencidos de que nenhum outro sistema poderia proporcionar maior bem-estar e felicidade
para o povo. (...). O fato de que o funcionamento suave da economia e o desenvolvimento
continuado sejam frequentemente perturbados por aumentos artificiais da atividade
econômica e suas consequentes depressões não é uma característica inerente à economia de
mercado. É, ao contrário, a consequência inevitável de repetidas intervenções com o propósito
de propiciar empréstimos a juros baratos através da expansão do crédito. Ludwig von
Mises Intervencionismo - Uma Análise Econômica
Liberalismo tem suas raízes na filosofia do iluminismo, o próprio conceito foi cunhado na
Espanha no início do século XIX, mas como amplo movimento político o liberalismo somente
185

mostrou-se depois da revolução de 1848, em formas muito diferentes na Grã-Bretanha - muito


mais politicamente e economicamente desenvolvida - do que no continente europeu. No
centro do liberalismo é a liberdade de individuo, que precisa orientar a ordem política e
econômica do Estado. Neste sentido o papel do Estado é simplesmente garantir a liberdade e
segurança das pessoas na vida política e econômica sem interferência na vida social, política e
econômica dos indivíduos e garantir a segurança geopolítica contra agressores externos. Todas
as correntes do liberalismo defendem os indivíduos contra a intervenção do Estado, contra
qualquer tipo de violência e qualquer coerção, especialmente pelo Estado e suas instituições.
Por esta razão o liberalismo foi uma arma ideológica forte contra as decisões e intervenções
arbitrárias das monarcas e da corte nos ‘ancien regimes’. O liberalismo econômico baseia se
nos pensamentos de Smith, supondo que uma economia capitalista é autorreguladora (a mão
invisível), se existem mercados concorrenciais livres com preços flexíveis, que se ajustam para
garantir o equilíbrio geral da economia, e direitos confiáveis de propriedade. Esta teoria foi
formulada matematicamente por Debreu e Arrow depois da Segunda Guerra Mundial, embora
sob pressupostos restritivos. A moeda foi vista como uma variável econômica que somente
influenciava variáveis nominais, não variáveis reais como produção e emprego (teoria
quantitativa de moeda). A lei de Say (de que a oferta cria sua própria demanda) foi visto como
uma garantia de pleno emprego e da ausência de crises profundas. Internacionalmente o
Reino Unido aderiu ao livre comércio sem tarefas com a abolição dos ‘corn laws’ em 1846, com
isto o livre comércio internacional, também uma posição importante de Smith, tornou-se
outro pilar do liberalismo econômico (embora os ‘corn laws’ foram abolidos por um politico
conservador Peel). Interessantemente o padrão ouro com taxas fixas de câmbio [e não taxas
flexíveis de mercados de câmbio livres] foi um pilar importante da ideologia do liberalismo
econômico no século XIX na Europa e na América de Norte com a hegemonia econômica do
Reino Unido, acompanhada do colonialismo e imperialismo. Depois da crise de 1873-1879
houve, especialmente na Alemanha e em outros países que desafiavam o papel hegemônico
do Reino Unido, a introdução de tarefas para importações bem como o desenvolvimento de
empresas gigantes e carteis, que contradiziam os pilares de comércio livre e da economia
concorrencial. A ideologia do liberalismo econômico pode ser caracterizada pelo mantra de
laissez faire, que deixava pouco espaço para a intervenção do Estado na economia. O
liberalismo econômico tem problemas de explicar a origem dos ciclos conjunturais e das crises,
choques externos e politicas mal administradas do Estado foram as explicativas nesta
ideologia. As crises foram vistas também como uma forma de limpar os excessos da expansão
anterior do sistema econômico, a expansão excessiva em primeiro lugar consequência da
expansão exagerada de moeda e crédito. Como uma crise foi interpretada como um processo
186

de limpeza de excessos anteriores houve poucos incentivos para a intervenção do Estado na


economia para diminuir os danos colaterais da crise sobre economia e sociedade.

É importante reconhecer que num ambiente de uma sociedade liberal (enquanto ainda não
totalmente democrática) como no Reino Unido e em outros países centrais antes da Primeira
Guerra Mundial, existiam também ideologias que desafiavam a ideologia hegemônica do
liberalismo. No século XIX as outras correntes ideológicas importantes foram de um lado o
conservadorismo e o nacionalismo político e noutro lado o socialismo e o internacionalismo
político. As posições do catolicismo (e parcialmente também do protestantismo) combatiam
estas dois correntes ideológicas de liberalismo e socialismo no século XIX, apoiando se nas
ideias conservadoras da tradição de trono, igreja e família (apoiando se fortemente nas ideias
reacionárias e decretos vaticanos (especialmente no dogma da infalibilidade do papa) do papa
Pius IX). No século XX o liberalismo econômico enfraqueceu na primeira Guerra Mundial por
causa da intervenção maciça dos países beligerantes na economia e do abandono do padrão
ouro (com exceção dos Estados Unidos, que somente em 1917 proibiam a exportação de ouro)
e especialmente na década de 1930 por causa do fracasso da ideologia liberal de explicar a
Grande Depressão da década de 1930 e mostrar saídas da crise através políticas ativas e
programas econômicos.

iv) Keynesianismo como reflexo da Grande Depressão da década de 1930

Por que Keynes estava muito enfatizando o problema do desemprego? Enquanto isso não foi o
único problema económico, foi certamente no sentido de que ele estava na raiz da maioria dos
principaís males sociais que assolaram o mundo no período entre guerras. (...). Do ponto de
vista de Keynes o sistema econômico, tal como existia antes da guerra, resolvesse
adequadamente o problema de alocação de recursos; ele falhou apenas na solução do
problema do desemprego. (...). Assim, a abordagem keynesiana é claramente para modificar
capitalismo de modo que o pleno emprego pode ser mantido. (...). A abordagem keynesiana
visualiza o Estado como uma força de equilíbrio que serve apenas para complementar o
comportamento dos capitalistas individuais, enquanto a abordagem socialista visualiza o Estado
como o único empreendedor que substitui, inteiramente, os capitalistas individuais. A política
keynesiana é, de fato, conservador, pois visa conservar o capitalismo de livre iniciativa. O
socialismo não é conservador; é radical e pretende mudar o sistema capitalista para uma forma
completamente diferente. Lawrence R Klein, The Keynesian revolution, p. 166 p.
Uma maioria sólida na economia é agora [1943] da opinião de que, mesmo em um sistema
capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos do governo (...).
Se o governo faz gastos em investimentos públicos (por exemplo, construindo escolas, hospitais
e estradas) ou subsidia o consumo de massa (por benefícios às famílias, redução dos impostos
indiretos, ou de subsídios para diminuir os preços das necessidades básicas), se, o governo,
além disso, financia estes gastos por endividamento e não pela tributação (que poderia afetar
negativamente o investimento privado e o consumo), a demanda efetiva de bens e serviços
pode ser aumentada até um ponto em que o pleno emprego é alcançado. M. Kalecki,
Political aspects of full employment, p. 420 [No mesmo artigo Kalecki mostra também a aversão
política das elites empresariais om a intervenção do Estado para segurar o pleno emprego]
187

A Grande Depressão da década de 1930 foi um choque profundo não somente para as pessoas
jogadas no desemprego e no desespero, mas também para os economistas e políticos
acreditando que nos moldes de pensamento liberal a economia vai voltar por si mesmo ao
pleno emprego – sem intervenções. Em vez disto, políticos como Brüning na Alemanha ainda
pioravam a crise com medidas deflacionistas de cortar salários e pensões sob a crença da
necessidade de equilibrar o orçamento e melhorar a competitividade de Alemanha numa crise
profunda. Esta mentalidade mostrou se economicamente e politicamente desastrosa em
muitos países da Europa. Ainda pior também existia a crença de que a crise era necessária para
limpar o sistema econômico de seus excessos na expansão anterior.

Obviamente com o aprofundamento da crise a ideologia liberal perdeu importância levando as


tentativas em muitos países de resolver os problemas com intervenções do Estado de forma
pragmática, mas sem fundamentação teórica. A teoria geral de emprego, juros e moeda de
Keynes publicada em 1937, quando a recuperação já estava a caminho, mas, escrito nos
tempos da crise mais profunda, apresentou um fundamento teórico para justificar
intervenções do Estado na economia em tempos da crise, argumentando que uma economia
capitalista não esteja tão auto reguladora em curto prazo como a ideologia liberal previsse.
Incerteza e risco que acompanham muitas decisões econômicas (os espíritos animais que
levam a investimentos, mais do que avaliações racionais) A explicação do desemprego elevado
e prolongado na Grande Depressão pela da falta de demanda agregada, bem como pela
inflexibilidade de preços, e problemas na área financeira e monetária, e os efeitos nocivos da
deflação são alguns dos argumentos centrais de Keynes. Reconhecendo que a economia
voltasse ao pleno emprego a longo prazo, mas, argumentando que a longo prazo estaremos
todos mortos e a recuperação automática pode demorar tempo longe demais. O
Keynesianismo, que estava propondo maciças intervenções do Estado na economia
financiadas por créditos para sair da crise, bem como ideologias totalitárias como o
comunismo burocrático e o fascismo mostravam saídas da crise, que o pensamento liberal não
conseguiu formular. A atração do Keynesianismo, mas também das alternativas totalitárias,
aumentava com a demora de uma recuperação a vista.

Nos países centrais industrializados ocidentais o Keynesianismo tornou-se a ideologia


econômica hegemônica somente depois da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970,
enquanto, por exemplo, na Alemanha o Keynesianismo somente chegou com a crise de
1966/1967, e o bloco socialista adotou pensamentos marxistas de industrialização forçada e os
países do terceiro mundo eram muitas vezes atraídos por estratégias socialistas ou
desenvolvimentistas, que apoiavam ainda mais do que o Keynesianismo o papel do Estado
188

para o desenvolvimento econômico. Com a crise da década de 1970 o Keynesianismo perde


poder, porque não desenvolveu estratégias para combater o desemprego em ascensão em um
ambiente de estagnação econômica e inflação crescente (nem os modelos keynesianos
poderiam explicar o fenômeno da estagflação), e nas décadas seguintes nos países centrais a
ideologia neoliberal tornou-se hegemônica, enfatizando mercados livres em vez da
intervenção estatal, privatização das empresas estatais, desregulamentação dos mercados, em
primeiro lugar os mercados de trabalho e os mercados financeiros, e abertura das economias
para o mercado global como medida contra uma economia esclerosada nos moldes do
intervencionismo keynesiano.

Os Keynesianos argumentavam que mercados livres somente podem desenvolver suas forças
dinâmicas e inovadoras usando as informações dissipadas entre muitos agentes na economia,
quando existem regras fixas para o funcionamento dos mercados e instituições firmes que
garantem o desenvolvimento sustentável da economia. Eles apontam também para os
exemplos históricos da instabilidade do capitalismo global, crises, pobreza, desigualdade,
desemprego e, como consequência, especialmente na Grande Depressão da década de 1930, o
nascimento de regimes políticos totalitários. Neste contexto a intervenção do Estado é um
elemento importante para a estabilidade econômica, política e social, porque somente o
Estado tem o poder de reverter o cenário depressivo. O tempo pós-guerra sob o paradigma
keynesiano nos países industrializados – a era do ouro de capitalismo – foi um tempo de
sucesso econômico e social: crescimento rápido com emprego elevado e salários reais
crescentes, inflação controlada e estabilidade política e social nestes países.

Mas o argumento mais forte do paradigma keynesiano para a intervenção do Estado na


economia aponta para a fraqueza mais óbvia dos mercados livres para seu funcionamento
ótimo: a situação inicial dos agentes econômicos não é uma situação de chances iguais para
todos: a maioria dos empresários não é de primeira geração (empreendedores), mas recebem
suas riquezas através da herança. As riquezas, a renda e o poder de mercado são distribuídos
de forma desigual e, como consequência, os resultados de uma economia de mercados livres –
ou do capitalismo – mostram a tendência de aumentar as desigualdades sociais ainda mais e
há uma tendência para a oligopolização dos mercados em muitos ramos de produção e das
finanças. Criam-se vencedores e perdedores, com a tendência de aumentar e/ou tornar
permanentes as desigualdades. Por esta razão os defensores da intervenção do Estado na
economia defendem um papel importante do Estado na economia, sejam para estabilizar a
economia e evitar os problemas econômicos, políticos e sociais das crises profundas do
capitalismo, seja para defender as regulamentações no mercado de trabalho para evitar o
189

crescimento de um setor salários muito baixas e condições de trabalho precárias, seja para
regulamentar o setor financeiro – para evitar os problemas da especulação, da informação
imperfeita e assimétrica neste setor –, seja para criar uma rede de segurança social para os
perdedores, para os desfavorecidos do desenvolvimento capitalista, o Estado de bem-estar
social. Com isto os defensores da intervenção do Estado na economia querem controlar e
diminuir as forças destrutivas do capitalismo global, do desemprego elevado e persistente, das
desigualdades e dos conflitos sociais crescentes, das ameaças para o equilíbrio ambiental, para
criar alternativas para um desenvolvimento econômico e social sustentável.

v) Neoliberalismo – conceito e ascensão de uma ideologia

O ano de 1979 é a data-chave do final do século XX a partir da perspectiva de hoje. Em três


aspectos começa neste ano a entrada na situação pós-comunista: Com o começo do fim da
União Soviética após a invasão do Afeganistão, com o inicio do governo de Margaret Thatcher e
com a consolidação da Revolução Islâmica no Irã sob o aiatolá Khomeini. O que é chamado
neoliberalismo foi recalcular o custo da paz social nos países do capitalismo da "economia
mista" tipo Europeia ou do "capitalismo regulado" no estilo americano dos Estados Unidos. Este
exame conduziu inevitavelmente à conclusão de que os empresários ocidentais haviam
comprado muito caro a paz social sob a pressão política e ideológica temporária do
comunismo. O tempo chegou para medidas de corte de custos, medidas destinadas para
acentuar a mudança do primado do pleno emprego para o primado do dinamismo das
empresas. (...) O exemplo mais flagrante é a tendência contínua do neoliberalismo - a longa
marcha para o desemprego em massa dando o tom para a perspectiva social. As novas
condições trouxeram com eles o que até então tinha sido quase inimaginável: as taxas de
desemprego de oito a dez por cento aceitas pelas populações europeias mais ou menos sem
luta - até mesmo a cada vez mais perceptível redução dos benefícios sociais poderia agora
acender nenhum fogo de luta de classes. As condições de soberania foram invertidas durante a
noite, as organizações da força de trabalho tinham pouco na mão, com que poderiam
efetivamente ameaçar porque o privilegio da ameaça foi quase totalmente transferido para o
lado empresarial. O lado empresarial pode ainda plausivelmente argumentar que as coisas
podem se virar de forma muito pior, se o outro lado se recusa a compreender e compartilhar as
novas regras de jogo. Peter Sloterdijk59
Tudo mudou radicalmente a partir de meados dos anos 1980. Pela primeira vez desde o século
XIX, a burguesia adquiriu uma ideologia atacante. O neoliberalismo conseguiu apresentar-se
como uma força de modernização e dinamismo, acusando o movimento operário, a esquerda e
os sindicatos de conservadorismo, de hostilidade ao progresso técnico, e de um desejo de
sacrificar o futuro em prol da prosperidade imediata e 'privilégios'. (...) durante a década de
1990 a propaganda neoliberal conseguiu descrever como obstáculos à modernização e do
progresso precisamente essas estruturas que já haviam sido citadas como prova da natureza
"civilizada" do capitalismo. (...). As derrotas sofridas pelas forças de esquerda durante este
período têm sido muito mais graves e desmoralizantes do que todos os golpes anteriores do
século XX. Foi revelado que a história não se move em linha reta. O colapso das ilusões
históricas da esquerda e do movimento operário foi acompanhado por uma crise sem
precedentes de valores e perda de autoconfiança. Kagarlitsky, Boris, New Realism,
New Barbarism, p. 67 pp.

É importante anotar que o conceito da ideologia neoliberal é um conceito controverso na


discussão política e econômica. Poucos economistas, defendendo políticas neoliberais, usam
190

para si a denominação como neoliberais. Embora a ideologia neoliberal fosse desenvolvida na


Sociedade de Mont Pèlerin e ampliou sua importância com a escola de Chicago e com ‘think
tanks’ financiados por parte das elites econômicas [A história pode ser acompanhada no livro
‘The road from Mont Pèlerin’, 2015], na discussão acadêmica o conceito neoliberal é -as vezes
– interpretado como uma conceituação com um viés para a esquerda política. Mas houve na
realidade das últimas décadas do século XX e no novo século XXI muitas agendas políticas que
podem ser resumidas sob a conceituação de políticas neoliberais. Harvey [2008, p. 2], um
crítico do neoliberalismo, conceitua o neoliberalismo da seguinte forma:

O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe
que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades
empreendedoras individuais caracterizada por sólidos direitos da propriedade privada, livres
mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional
apropriada a essas práticas: o Estado tem que garantir, por exemplo, a qualidade e integridade
do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e
legais para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela
força, o funcionamento apropriado dos mercados. (...). Mas o Estado não deve aventurar-se
para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criadas) devem ser
mantidas num nível mínimo, (...). Houve em toda parte uma empática acolhida ao
neoliberalismo nas práticas e no pensamento político-econômico desde os anos 1970. A
desregulação, a privatização e a retirada do Estado de muitas áreas do bem-estar social têm
sido muito comuns.
A compreensão dos sistemas econômicos e políticos não pode somente focar a distribuição do
poder numa sociedade e suas alternativas econômicas e políticas, mas precisa também
compreender a superestrutura ideológica60 que apoia ou critica o poder hegemônico. Política e
economia são relacionadas de forma tão estreita que uma análise do capitalismo
contemporâneo (aqui denominado como capitalismo global e neoliberal) e de suas crises
necessariamente precisa analisar de forma compreensiva o lado econômico, político e social.
Muitas crises do capitalismo contemporâneo somente podem ser compreendidas se os
acontecimentos econômicos são relacionados com a luta das nações e das elites dentro das
nações pelo poder hegemônico político, cultural e militar, bem como pelos eventos mais
contingentes como catástrofes naturais, revoluções, guerras e guerras civis.

O projeto neoliberal apoia-se no pensamento do liberalismo clássico na tradição da filosofia


das luzes, da liberdade individual e da racionalidade. Como corrente de pensamento político e
econômico o liberalismo foi uma arma ideológica contra o Estado autoritário feudal para
construir politicamente um Estado democrático de direito protegendo a liberdade individual
contra as intervenções arbitrárias do Estado autoritário. Economicamente, apoiando-se nos
pensamentos de Adam Smith, defendeu mercado e competição como princípios básicos para
organizar a economia (‘laissez faire’) contra o pensamento do mercantilismo defendendo a
intervenção do Estado na economia. O liberalismo econômico acreditava na dinâmica de
191

mercados livres para criar crescimento econômico, riquezas e inovações através da mão
invisível dos mercados. O liberalismo econômico se fragilizou já antes da Grande Depressão da
década de 1930 com a ascensão de grandes corporações nos Estados Unidos e na Alemanha,
mas a Grande Depressão foi o golpe decisivo para a crença que mercados livres sem
intervenções do Estado podem garantir melhor a prosperidade econômica. Depois da Segunda
Guerra Mundial em 1947 a ‘Mont Pèlerin Society’ foi fundada num pequeno vilarejo suíço por
intelectuais de vários países que queriam fortalecer novamente as ideias liberais (em novas
condições históricas por esta razão com o nome neoliberal) em um ambiente político e social
desfavorável para as ideias liberais. A ‘Mont Pèlerin Society’ e ‘think tanks’ relacionados de
redes de intelectuais, políticos e empresários com convicções neoliberais foram os
instrumentos para divulgar a mensagem neoliberal no ambiente acadêmico, político e
empresarial e tornar esta mensagem hegemônica com a ascensão de Thatcher e Reagan no
Reino Unido e nos Estados Unidos ao poder. O livro ‘The road from Mont Pélerin’ [2015]
mostra esta ascensão das ideias neoliberais, que teve seus primeiros e maiores sucessos nos
países anglófonos, mas na década de 1990 se tornou também o discurso hegemônico em
muitos outros países, obviamente juntando se a pensamentos nacionais específicas de cada
país, por exemplo, do ordo liberalismo na Alemanha (von Eucken, Rüstow, Röpcke etc.).

O paradigma político até a década de 1970 baseiava-se nos objetivos da revolução francesa de
1789: liberdade, igualdade e fraternidade. A esquerda política tem seu foco na igualdade e
fraternidade (justiça social e solidariedade) enquanto o centro e a direita política têm seu foco
na liberdade individual, as duas correntes podem se apoiar no nacionalismo ou no
internacionalismo. Obviamente na história das sociedades modernas as duas correntes foram
instrumentos importantes contra as forças do absolutismo monárquico no século XVIII até o
século XX, embora no século XX tendências extremas do nacionalismo (fascismo) e tendências
do socialismo revolucionário (o comunismo burocrático) instalaram sistemas autoritários e
totalitários.

As ideias neoliberais são realizadas pela primeira vez no âmbito político da ditadura de
Pinochet no Chile e ampliando sua força no âmbito global com o início nos governos de
Thatcher (1979), no Reino Unido, e Reagan (1981), nos Estados Unidos. As políticas neoliberais
enfatizavam a privatização das empresas estatais e cortes na máquina da burocrática estatal,
desregulamentação (especialmente dos mercados de trabalho e dos mercados financeiros),
abertura das economias para o comércio livre internacional e o livre movimento internacional
das capitais, reforçando a tendência para a globalização econômica e o aumento das
desigualdades sociais.
192

Chamayo (2019, p. 269 pp.) descreve a realização das receitas econômicas neoliberais na
ditadura de Chile, que mostram a preferência dos neoliberais para estruturas autoritárias, que
impedem a interferência da população nestas medidas:

Em 2 de novembro de 1973, apenas dois meses após o golpe de Estado de Pinochet, um editor
editorial bem informado do Wall Street Journal descobriu [Review and Outlook, The Wall Street
Journal, 2 de novembro de 1973]. já em êxtase: »Vários economistas chilenos que estudaram
em Chicago e são conhecidos em Santiago como a 'Escola de Chicago' estão prontos para
começar. Será uma experiência que estamos a acompanhar com grande interesse do ponto de
vista académico. «(...).
Quando Friedman conheceu Pinochet em março de 1975, ele falou com ele, o assunto é bem
conhecido, sobre política econômica e "terapia de choque". Quando Hayek, por sua vez, foi
recebido em novembro de 1977, ele conversou com o ditador sobre um assunto diferente, a
delicada questão do "governo representativo e democracia limitada".
[Friedrich Hayek, "Freedom of Choice", Times, 3 de Agosto de 1978, p. 15.] "Não conheci
ninguém no Chile tão vilipendiado que não pensasse que a liberdade pessoal era muito maior
sob Pinochet do que era sob Allende.” Ninguém, na verdade: para quem ousasse afirmar
publicamente o contrário, tinha desaparecido apropriadamente. [Desde 11 de setembro de
1973, cerca de 100.000 pessoas foram detidas e encarceradas, mais de 5.000 executadas e
dezenas de milhares tiveram que ir para o exílio por motivos políticos. «] (...).
“Quando a Sra. Thatcher diz que a liberdade de escolha deve entrar em jogo no mercado e não
nas urnas, ela está simplesmente lembrando", concorda Hayek, "que o primeiro tipo de escolha
é indispensável para a liberdade individual, mas o a última não é: A liberdade de escolha
também pode existir em uma ditadura capaz de autocontenção, mas não sob o regime de uma
democracia irrestrita. "[Friedrich Hayek," The Dangers to Personal Liberty ", Times, 11 de Julio
de 1978, p. 15]. Não há maneira mais clara de expressá-lo: a liberdade econômica, a do
individualismo de propriedade, não é negociável, enquanto a liberdade política é meramente
opcional. (...).
“Em última análise,” diz Hayek, “algumas democracias só foram possíveis devido ao poderio
militar de certos generais.” [Friedrich Hayek, “Freedom of Choice”, op. uma. Cit., P. 15.]. O
certo é que acabaram com muitos. (...).
E Hayek, que também tinha que estar certo porque colocou os óculos de Schmitt [Jurista
alemão relacionado com o nacional-socialismo alemão] para estudar a questão da democracia,
onde ele foi parar? Salazar toma o poder em Portugal. Hayek gentilmente enviou-lhe seu
projeto de constituição. Os generais subjugam a Argentina, ele viaja ao país para entrar em
contato com eles. Pinochet está aterrorizando o Chile - a mesma coisa em verde. Um boicote é
iniciado contra a África do Sul, Hayek pega sua caneta para defender o regime e assim por
diante. [Ver. Andrew Farrant, Edward McPhail, Sebastian Berger, "Preventing the› Abuses ‹of
Democracy", op. Cit., P. 518 e 521] (...).
A democracia não é possível em todos os lugares, advertiu Hayek, mas o inverso também era
verdadeiro: Pinochet não podia ser exportado para todos os lugares. Para o estabelecimento da
ordem neoliberal, a ditadura militar é o último recurso, não um modelo universalmente
aplicável. Como Milton Friedman apontou, o Chile era "a exceção, não a regra". [Milton
Friedman, "Free Markets and the Generals", Newsweek, 25 de Janeiro de 1982, p. 59.] (...).
Para "abordar as deficiências características dos regimes políticos em que as maiorias
legislativas têm capacidade legislativa quase ilimitada", [James D. Gwartney, Richard E. Wagner,
"Public Choice and the Conduct of Representative Government", op. uma. Cit., P. 4], deve-se
restringir o escopo do poder governamental desde o início e proibi-lo de uma vez por todas de
interferir na "economia" por meio das proibições gravadas em pedra na constituição. A
excessiva liberdade de tomada de decisão democrática foi contrastada com o modelo de um
"governo constitucionalmente restrito" em questões econômicas. (...). “Uma constituição como
193

a proposta aqui obviamente tornaria todas as medidas socialistas de redistribuição


impossíveis.” [Friedrich Hayek, Law, Legislation and Freedom. Volume 3. Cit., p. 203.] (...).
O mercado deixou de ser aquilo de que os políticos deveriam ficar de fora e passou a ser algo
ao qual a política teve de se submeter a partir de então. [Através dos mercados financeiros].
Mas a dimensão autoritária do neoliberalismo vai além da esfera de poder do Estado. O que a
economia defende com unhas e dentes - este é o ponto de sua mobilização política - é a
autonomia de seu governo privado. Se há um ator social que não quer ser governado, são eles:
tornar-se ingovernável, mas ser capaz de governar melhor os outros. (...).
Pretendia-se apresentar o neoliberalismo como expressão de uma "fobia de estado". Na
realidade, ele se dá muito bem com o poder do Estado, incluindo suas formas autoritárias,
desde que esse Estado permaneça economicamente liberal.
A mudança da política econômica na China no fim da década de 1970 liderada por Deng
Xiaoping introduzindo elementos de uma economia de mercado e seus sucessos nas décadas
seguintes fortalecia também a crença na dinâmica de mercados livres para liberar forças que
aumentam significativamente o crescimento econômico e a inovação. Os sucessos dos tigres
asiáticos nesse período também reforçaram esta crença, embora, por exemplo, países como
Coreia do Sul seguiam mais o caminho japonês do desenvolvimento gerido por um Estado
desenvolvimentista. Mas nos Estados Unidos e na Europa ocidental os resultados das
mudanças no paradigma econômico são menos conclusivos conseguindo sucessos somente na
inovação. Também na América Latina as ideias neoliberais ganham mais força no fim da
década 1980, depois de Consenso de Washington (com os objetivos da estabilização
macroeconômica – controle fiscal e monetário –, privatização, liberalização,
desregulamentação e abertura comercial e financeira). Depois da queda do socialismo
burocrático na União Soviética em 1991 a ideologia neoliberal torna-se hegemônica no
pensamento econômico e político. As mudanças forçadas no sentido neoliberal depois da
queda do socialismo burocrático nos países do bloco soviético levavam a uma queda profunda
da produção e do emprego com recuperação lenta e a criação de um capitalismo autoritário e
oligárquico na Rússia.

Posições contrárias à intervenção do Estado na economia são, por exemplo, as posições


neoliberais, as posições de economistas clássicos, monetaristas e novo-clássicos, como, por
exemplo, dos economistas Hayek e Friedman e filósofos como Nozick. Eles avaliam a
intervenção do Estado na economia como intromissão do Estado na liberdade individual dos
cidadãos e um impedimento para a dinâmica de mercados livres de criar riqueza e inovação.
Para eles o capitalismo global é o paradigma mais bem-sucedido na história de criar riquezas
num processo de desenvolvimento contínuo. Os mercados são eficientes (e os atores nos
mercados racionais) e resolvem de forma satisfatória os problemas econômicos e sociais de
uma sociedade, além de favorecerem a inovação.
194

Intervenções do Estado na economia são, na visão desses economistas e filósofos libertários,


impedimentos para a livre iniciativa econômica, que estrangulam o crescimento e a inovação,
criam burocracias e regulamentações novas, que custam dinheiro, aumentam a dívida pública
e o peso do Estado na economia. Burocracias e regulamentações mostram a dinâmica de criar
mais burocracias e mais regulamentação, porque os agentes econômicos tentam evitar e furar
as regulamentações e tentam capturar as burocracias reguladoras para seus interesses. O
ambiente burocrático cria oportunidades para a corrupção e o ‘rent-seeking’. Intervenções do
Estado na economia são, na visão destes economistas, também ineficazes, porque o Estado
não tem informações melhores do que os agentes que agem nos mercados livres. Políticas
monetárias e fiscais discricionárias para estabilizar a atividade econômica e diminuir os efeitos
dos ciclos econômicos sobre produção e emprego são contra produtivos ou ineficazes, porque
os efeitos das políticas mostram defasagens longas e imprevisíveis, e os agentes econômicos
tentam prever as intervenções do governo e reagir de forma que pode tornar as políticas
ineficazes. Além disso, o Estado não tem informações melhores do que os agentes econômicos
o que torna as intervenções do Estado problemáticas porque as informações dispersadas entre
os agentes econômicos nos mercados livres nunca podem ser compreendidas e usadas
eficientemente pelo Estado. O Estado de bem-estar social cria, na visão desses economistas,
uma cultura de dependência, impede esforços próprios dos desfavorecidos e cria problemas
fiscais para o Estado em financiar esses gastos sociais.

Para os defensores ferrenhos de mercados livres, como Hayek, as intervenções do Estado na


economia é o caminho para a servidão e para o totalitarismo, sendo as falhas do governo mais
perigosas do que as falhas dos mercados. Por esta razão, o mantra desta posição é: mais
mercado e menos governo; o governo é o problema, não a solução. Para a maioria dos
neoliberais os mecanismos dos mercados competitivos e livres são no centro de uma
argumentação mais política do que econômica: mercados competitivos livres são centrais para
a liberdade individual e política e para a democracia, embora as experiências históricas de
economias de mercado livres no paradigma neoliberal como na era de Pinochet em Chile, na
China depois das reformas do fim da década de 1970, na Rússia depois da transformação na
década de 1990 e na Cingapura não parecem corroborar esta argumentação de alinhamento
de estruturas de mercados livres e estruturas de democracia. Mesmo nos países democráticos
reformas neoliberais e acordos internacionais de comercio livre são - as vezes –
implementados com discursos restritos entre as elites sem muito recurso às opiniões e
interesses dos eleitores. Priestland [2013, p.180] aponta para o papel importante da ajuda das
elites para o sucesso da ideologia neoliberal:
195

No entanto, se o neoliberalismo tivesse algum efeito no mundo real, ele precisava do poder
político, e os negócios americanos - grandes e pequenos - eram fundamentais para sua
crescente influência. Através das crises econômicas do final da década de 1960 e início da
década de 1970, ressentidas com os impostos e regulamentos do governo, e com medo dos
ativistas de consumo [apontando para críticos de consumo como Nader nos Estados Unidos], os
empresários estavam determinados a se organizar para conter o poder do trabalhador e do
sábio.
Mas os resultados das políticas neoliberais nos países centrais são pouco conclusivos, o
crescimento nunca voltou aos níveis da era de ouro, o desemprego aumentou
expressivamente, a desigualdade de renda e de riqueza e a insegurança do emprego
aumentavam significativamente, embora houvesse avanços na inovação e a inflação parce
controlada.

Para os países de América Latina e outros países emergentes uma agenda


desenvolvida por Williamson (2004, p. 283 pp.) e outros economistas, o “Consenso de
Washington”, para renovar o crescimento no mundo em desenvolvimento, aplicando receitas
neoliberais que foram também defendidas e aplicadas por instituições internacionais como,
por exemplo, o FMI e o Banco Mundial. O “Consenso de Washington” focalizava dez pontos
para a política econômica dos países em América Latina: (Williamson, 2004, p.284)

1. Déficits orçamentários (...) pequenos o bastante para serem financiados sem recurso
ao imposto inflacionário;
2. Gastos públicos redirecionados de áreas politicamente sensíveis que recebem mais
recursos do que seu retorno econômico é capaz de justificar (...) para campos
negligenciados com altos retornos econômicos e o potencial para melhorar a
distribuição de renda, tais como educação primária e saúde, e infraestrutura;
3. Reforma tributária (...) de forma que alargue a base tributária e reduza alíquotas
marginais;
4. Liberalização financeira, envolvendo um objetivo final de taxas de juros determinadas
pelo mercado;
5. Uma taxa de câmbio unificada a um nível suficientemente competitivo para induzir um
crescimento rápido nas exportações não tradicionais;
6. Restrições comerciais quantitativas a serem rapidamente substituídas por tarifas que
serem progressivamente até fosse alcançada uma taxa baixa uniforme de ordem de
10% a 20%;
7. Abolição de barreiras que impedem a entrada de investimento estrangeiro direto;
8. Privatização de empresas de propriedade do Estado;
9. Abolição de regulamentações que impedem a entrada de novas empresas ou
restringem a competição;
10. A provisão de direitos garantidos de propriedade, especialmente para o setor informal.
No final da década de 1980 e depois muitos países na América Latina estavam buscando a
estabilidade macroeconômica e uma integração maior na economia global, substituindo a
política de substituição das importações por uma política mais orientada nas exportações para
a economia global. O Consenso de Washington focalizava alguns pontos muito controversos,
baseadas nas ideias neoliberais, como a privatização de estatais, a abertura comercial e
financeira e a desregulamentação dos mercados, com foco no mercado de trabalho. Em geral,
196

os efeitos esperados em relação ao crescimento econômico e da melhor distribuição da renda


não se realizavam e muitos países em América Latina abandonavam as receitas do Consenso
do Washington, especialmente na década de 2000.

Críticos da ideologia neoliberal apontam para os seguintes problemas da implementação de


medidas neoliberais:

• Um aumento da desigualdade de renda, riqueza e de poder;


• Com a desregulamentação dos mercados de trabalho retira se uma rede de segurança
legal para os mais frágeis no mercado de trabalho, os trabalhadores, com a
desregulamentação dos mercados financeiros foram dados incentivos à especulação,
incentivos a criação de inovações financeiras, parcialmente perigosas, ou instrumentos
da especulação, com isto aumentando a possibilidade de crises financeiras e do
aumento do poder do setor financeiro em relação ao setor real da economia;
• O modelo de mercado competitivo aplicado as esferas da vida social, aonde outros
princípios são mais importantes, como na saúde, na educação, nos serviços sociais, no
espaço político, leva a distorções na vida humana e para a perda da coesão social;
• As teorias de ‘racional choice’ e ‘public choice’ aplicadas as atividades públicas e de
governos, embora podem parcialmente explicar a corrupção e o ‘rent-seeking’ dos
políticos e servidores públicos, subestimam a orientação para o bem coletivo nestas
áreas;
• Crescente influência das corporações (com foco no setor financeiro) sobre decisões
dos governos;
• Com a globalização crescente decisões e problemas locais são transferidos para
organizações internacionais e tirados da influência dos governos nacionais e de seus
eleitorados, criando acordos decididos fora dos olhos da população pelos governos
nacionais, pelas organizações internacionais e pelos ‘lobbys’ das grandes corporações.
Estes processos, democraticamente somente legitimados de forma tênue, esvaziam a
democracia e levam a deslegimitação dos governos nacionais. A governança dos
especialistas técnicos e dos lobistas suplanta os governos democraticamente eleitos.
• O conceito de homem econômico e a ciência econômica tornam se imperialistas nas
ciências sociais e na vida social, o motivo de enriquecer não é o motivo central da vida
humano, o homem é também um ser cooperativo, um animal social e político, que
tenta dar sentido à vida com altruísmo, amizade e amor.
197

Os Skildelsky’s refletem em seu livro ‘How much is enough’ [2012] sobre o imperialismo
econômico do homem incentivado pelo dinheiro:

Proponhamos-nos [neste livro] uma série de políticas para trazer o desejo ilimitado de riqueza sob o
controle de um conceito objetivo do bem. A menos que esse controle seja alcançado nós somos
uma civilização condenada (..). As três objeções seguintes são mais profundas. "Suas propostas", diz
o primeiro, "terá o efeito de minar toda iniciativa, criatividade, visão. É um modelo para a
ociosidade universal. Às vezes é acrescentado que nossas ideias refletem uma mentalidade
decadente, "velho-europeia". (...). O que desejamos ver mais é o lazer (...), uma categoria que,
devidamente compreendida, está tão longe de coincidir com a ociosidade que é quase o seu oposto
polar. (...). É apenas a pobreza de imaginação de nossa cultura que leva a crer que toda criatividade
e inovação - ao contrário daquela espécie específica dirigida à melhoria dos processos econômicos -
precisam ser estimuladas pelo dinheiro. [2012, p. 8 p.] A imagem do homem como um ocioso
congênito, movido à ação apenas pelas perspectivas de ganho, é exclusiva da era moderna. Os
economistas, em particular, veem os seres humanos como bestas de carga que precisam de um
estímulo de uma cenoura ou de um pau para fazer qualquer coisa. (...). Essa não era a visão antiga
das coisas. Atenas e Roma tinham cidadãos que, embora economicamente improdutivos, eram
ativos ao mais alto grau - na política, na guerra, na filosofia e na literatura. Por que não levar os, não
o burro, como nosso guia? [2012, p. 10] Fazer dinheiro: é verdade, dizem os nossos críticos, não é a
mais nobre das atividades humanas, mas dos principaís objetivos do esforço humano é o menos
nocivo. Keynes afirmou bem: "as perigosas inclinações humanas podem ser canalizadas em canais
relativamente inofensivas pela existência de oportunidades de ganhar dinheiro e riqueza privada
que, se não puderem ser satisfeitas dessa maneira, podem encontrar sua saída na crueldade, a
perseguição imprudente do poder pessoal e da autoridade, e outras formas de auto
engrandecimento”. Não estamos propondo que a produção para ganhar dinheiro seja proibida,
como foi na União Soviética, mas que "o jogo" deve estar sujeito a regras e limitações que não
afastem a sociedade da boa vida. [2012, p. 11]. Um Estado liberal, John Rawls e outros nos
ensinaram a crer, não encarna nenhuma visão positiva, mas apenas os princípios necessários para
que pessoas de diferentes gostos e ideais vivam em harmonia. Promover, por uma questão de
ordem pública, uma ideia positiva da boa vida é, por definição, iliberal, talvez até mesmo totalitário.
Retornamos a essa objeção no devido tempo; digamos aqui apenas que ela repousa sobre um
completo equívoco do liberalismo. (...). Um Estado "neutro" simplesmente entrega o poder aos
guardiões do capital para manipular o gosto do público em seus próprios interesses. [2012, p. 11 p.]
Economia, diz um texto recente, estuda "como as pessoas escolhem usar recursos limitados ou
escassos na tentativa de satisfazer suas necessidades ilimitadas". Os adjetivos em itálico são
estritamente redundantes: se os desejos são ilimitados, então os recursos são, por definição,
limitados relativamente a eles, independentemente quão ricos podemos estar no sentido absoluto.
Estamos condenados à carência, não por falta de recursos, mas pela extravagância dos nossos
apetites. (...) A perspectiva da pobreza, e com ela a ênfase na eficiência a todo custo, é incorporada
à economia moderna. Nunca foi assim. Adam Smith, fundador da economia moderna, supôs que
nosso desejo inato de se aperfeiçoar acabaria por enfrentar limites naturais e institucionais,
resultando na realização de um "estado estacionário." [2012, p. 12]
Resumo da agenda neoliberal

No centro da agenda neoliberal é a crença de que mercados livres estimulam melhor


crescimento e inovação do que intervenções do Estado. Por esta razão um objetivo central da
ideologia neoliberal é diminuir o papel do Estado na economia sem interferir no poder
repressivo do Estado (militar, policia, justiça, prisões etc.). Resumindo a agenda neoliberal
pode se considerar quatro objetivos importantes para os países centrais:
198

• Privatização de empresas estatais, diminuição do setor público (pessoal, gastos,


impostos), e cortes no Estado de bem estar social. Os cortes de impostos muitas vezes
favorecem as camadas abastadas e o setor empresarial. Abertura de ramos
historicamente relacionados com o setor público na economia fundamental (água,
eletricidade, gás, transporte, habitação, etc.), na saúde e educação para o capital
privado. Obviamente a abertura de monopólios naturais para o capital privado
necessita de criação de novos órgãos púbicos de regulação e nova regulamentação,
em certa contradição com o próximo ponto da desregulamentação na agenda
neoliberal. Políticas de austeridade e – parcialmente – substituição das intervenções
discricionárias macroeconômicas do Estado por regras (por exemplo, orçamento
equilibrado) ou instituições de especialistas democraticamente não legitimadas (Banco
Central, justiça, Think tanks etc.). Privatização não pode ser vista somente pela
perspectiva de venda de empresas estatais, ações ou imóveis do Estado, mas também
no deslocamento de funções e atividades do Estado para o setor privado, como a
terceirização da limpeza e segurança para o setor privado, a substituição da
previdência social do Estado por modelos de previdência das seguradoras do setor
privado e até os modelos da parceria pública privada. A privatização em setores
monopolizados ou oligopolizados (por exemplo, ferrovias, telecomunicação) implica a
necessidade de criar órgãos de regulamentação, criando com isto novas burocracias e
a possibilidade de captura dos órgãos reguladoras pelo setor privado.

• Desregulamentação dos mercados, entre eles os mercados de trabalho e financeiros.


Flexibilidade é o mantra magico da desregulamentação com o objetivo de diminuir o
poder de burocracias estatais, corrupção e rent-seeking, aumentando o poder do
capital privado.

• Abertura dos mercados produtivos e financeiros nacionais para o mercado global, mas
controlando os fluxos internacionais de trabalho e imigração (globalização).

• Diminuição do poder e da influência das organizações trabalhistas, ecológicas, de


consumidores etc., mas sem controlar a influência das organizações do capital privado
nas decisões dos governos eleitos.

• As novas estratégias administrativas trazem indiretamente a orientação para os


mercados para dentro das empresas e orientam os trabalhadores para obedecer aos
desejos dos clientes e mercados, fazendo os empregos dependentes da volatilidade
199

dos mercados (por exemplo, através de profit centers e flexibilização das relações de
trabalho). O conceito do shareholder value, as tentativas de interessar mais pessoas
para o mercado de ações, para a procura do lucro nos mercados financeiros e na
especulação pode ser visto também como impacto indireto da ideologia neoliberal.
Não somente transformações institucionais e tecnológicas fornecem o solo para a
financeirização da economia, mas também a crença na sabedoria superior dos
mercados.

vi) A mudança do cenário depois da crise financeira global de 2008/2009

Com a crise financeira global dos anos 2008/2009 e a Grande Recessão a posição do
Keynesianismo do intervencionismo do Estado ganhou novamente amplo apoio para evitar
uma nova Grande Depressão. Na crise financeira global de 2008/2009, o Estado (governos
centrais e bancos centrais) faziam intervenções maciças para salvar o sistema financeiro e para
retornar ao crescimento para evitar os problemas de desemprego, desespero e instabilidade
econômica e social da década de 1930. A crise também levou muitos economistas e políticos a
focar novamente a crescente desigualdade social e exclusão nos países centrais. As receitas de
Keynes voltavam ao palco da discussão econômica e política, os argumentos neoliberais foram
enfraquecidos por um tempo, mas orientam ainda governos e a academia. Na academia a
teoria de mercados eficientes, a teoria de expectativas racionais e a teoria dos ciclos reais de
negócios, em que se baseia a crença neoliberal na dinâmica de mercados livres e da
desregulamentação da economia, ficam ainda de pé, embora a crise de 2008/2009 mostrou os
perigos de mercados descontrolados. A crise revitalizou também os pensamentos marxistas
sobre as forças destrutivas de um capitalismo selvagem, criando desemprego, insegurança,
desespero, mas, também criando movimentos sociais no lado esquerdo do espectro político.
Mas levou também ao fortalecimento da extrema direita em muitos países. Mas este é tema
do último capítulo do trabalho.

Os custos destas intervenções dos Estados, muitas vezes, oneram o contribuinte de impostos.
Os contribuintes de impostos, os pensionistas, os funcionários públicos e os que dependem
dos benefícios do Estado de bem-estar social pagam a conta para os excessos do sistema
financeiro global, como mostram os programas da austeridade fiscal em muitos países de
Europa. Parece que a discussão na economia e na política volta depois da crise global mais
para uma posição intervencionista e reconhece que as políticas públicas do Estado podem ser
um instrumento para amenizar os problemas econômicos e sociais que o capitalismo global
criou. Mas com a posição crítica que também as políticas públicas focadas em setores como a
200

agricultura e no setor imobiliário podem criar incentivos distorcidos e setores favorecidos,


enquanto os custos são distribuídos para outros setores da sociedade.

Parece também que as crises fiscais e da dívida em muitos países da OCDE – começando com a
crise financeira e econômica global de 2008/2009 que se tornaram mais visíveis na primavera
de 2010, a mais séria na Grécia, mas também em Irlanda e Portugal, e chegando a países
maiores como Espanha e Itália – mostram que a intervenção do governo na economia e o
salvamento dos bancos têm um preço: uma dívida pública elevada que pode tornar-se
insustentável.

Parece que as posições econômicas extremas, como o liberalismo da escola austríaca, num
lado, e o marxismo, noutro lado, têm alguma razão com seus argumentos sobre as crises
econômicas. Eles apontam que as crises no capitalismo são consequência de uma expansão
econômica insustentável no boom e elas funcionam como um mecanismo de limpeza para o
sistema econômico, limpando os excessos de investimentos insustentáveis no boom (criados
por uma bolha de crédito e taxas de juros extremamente baixos) e abrindo a economia para a
possibilidade de uma nova expansão e da recuperação da taxa de lucros.

Eles argumentam também que políticas intervencionistas do Estado podem resolver os


problemas das crises temporariamente, mas com a consequência de criar com as intervenções
no futuro possivelmente crises ainda mais sérias. Esta argumentação mostra certa relevância
para os problemas econômicos que desde 2010 enfrentam muitos países da OCDE, crises da
dívida pública e desequilíbrios das contas externas em nível global como consequências das
intervenções em 2008/2009 para salvar bancos e evitar uma recessão maior. A crise do
sistema financeiro tornou-se com isto uma crise do setor público, implicando a introdução de
políticas de austeridade que ferem os mais frágeis da sociedade, os desempregados, os
excluídos, os pobres. Mas eles chegam também de ameaçar a classe média, embora as elites
fiquem muitas vezes ilesas. Neste sentido as políticas monetárias e fiscais muito expansionistas
depois da crise global mostram como consequência em alguns países a criação de uma dívida
pública insustentável – parte da dívida privada foi transferida para a dívida pública, bem como
a socialização dos prejuízos privados pelo Estado para a recuperação da taxa de lucros.

Mas com a crise da dívida soberana – consequência da crise bancária anterior nos países
centrais - países como Espanha, Irlanda, Grécia, Itália, e Portugal na primavera de 2010 tentam
combater as dívidas públicas crescentes com políticas de austeridade, enquanto as economias
estão ainda em crise e necessitam de políticas keynesianas expansionistas.

vii) Perspectivas teóricas e empíricas das décadas neoliberais


201

Alguma coisa é profundamente errada com a maneira de vida que vivemos hoje. Nos trinta
anos passados nos tornamos uma virtude perseguir o interesse pessoal material: de fato a
busca de interesse pessoal material constitui agora a única coisa que permanece do nosso
sentido do objetivo coletivo (...). A quebra de 2008 nos lembra de que o capitalismo não
regulado é o inimigo pior de si mesmo: mais cedo ou mais tarde ele vai tornar se vítima de seus
excessos e vai voltar para o Estado para seu salvamento. (...) E, contudo, parecemos incapazes
de conceber alternativas. (...) Como o colapso econômico de 2008 deixou claro, o contrato
social que definiu a vida pós-guerra na Europa e América - a garantia de segurança, estabilidade
e justiça - não é mais garantido; na verdade ele não faz mais parte do discurso comum.
Tony Judt Ill fares the land

Obviamente o conceito de neoliberalismo é um conceito que envolve sentimentos políticos.


Desde a ascensão do neoliberalismo como ideologia econômica e política importante na
década de 1970 houve mudanças significativas em muitos países a respeito da propriedade
estatal de empresas e da regulamentação dos mercados, com enfoque nos mercados
financeiros e de trabalho. Privatização e desregulamentação aconteciam em muitos países do
mundo, a globalização da economia real e financeira ganhou espaço já depois da queda do
sistema de Bretton Woods em 1971/73. Como Judt [2010] e especialmente Piketty [2014]
advertem a desigualdade de renda e riqueza aumentava significativamente desde a década de
1970. É importante apontar que o Brasil está, neste sentido, na contramão em relação ao
aumento da desigualdade desde a década de 2000, especialmente devido a políticas públicas
sociais (por exemplo, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida etc.), mas o Brasil está ainda entre
os campeões do mundo na desigualdade de renda. Em relação ao crescimento econômico as
receitas neoliberais não conseguiam reverter a tendência da queda da década de 1970 nos
países industrializados centrais, como mostra a tabela a seguir.

Tabela 32 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão

Crescimento
Crescimento PIB Crescimento PIBpc
Produtividade/hora
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-
3,3% 3,1% 4,7% 2,7% 1,9% 4,0% 3,2% 1,9% 4,2%
2012
1951-
6,0% 3,9% 9,3% 5,0% 2,5% 8,1% 5,8% 2,6% 7,3%
1973
1960-
4,6% 4,2% 9,9% 3,7% 2,9% 8,7% 5,4% 2,5% 8,5%
1973
1974-
1,9% 2,6% 3,4% 2,0% 1,5% 2,3% 3,0% 1,1% 3,0%
1981
1982-
1,7% 2,7% 1,8% 1,2% 1,6% 1,5% 1,4% 1,6% 2,3%
2012
Crescimento salário real por
Taxa Desemprego % Taxa Inflação IPC %
hora (manufatura) %
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-
5,4 5,8 3,2 2,6% 3,6% 3,0% 6,7% 5,2% 7,1%
2012
202

1951-
3,0 4,7 3,3 2,7% 2,7% 4,7% 9,8% 5,3% 12,5%
1973
1960-
0,9 4,9 1,3 3,2% 3,0% 5,7% 10,5% 5,0% 14,7%
1973
1974-
3,1 6,9 2,0 4,8% 9,0% 8,6% 8,8% 10,0% 11,2%
1981
1982-
7,7 6,4 3,3 2,0% 3,0% 0,7% 3,8% 3,9% 2,0%
2012
Fonte: BLS
O crescimento econômico (do PIB ou do PIBpc) bem como o crescimento da produtividade
mostra queda expressiva depois de 1974, enquanto a taxa de desemprego subiu
expressivamente desde a década de 1980, quando também – um sucesso - a taxa de inflação
foi controlada. O crescimento dos salários reais parece ainda expressivo, embora muito menor
do que antes da crise de 1974/1976, mas é necessário fazer duas advertências: primeiro
reporta se o salário por hora, com as horas trabalhadas em queda o crescimento do salário
mensal pode ser menor, segundo reporta-se o salário na manufatura, embora em todos os
países reportados o setor da indústria teve um recuo expressivo em favor do setor de serviços
de 1970 até 2011 [World Bank Data], onde os salários são em média menores (Indústria
Alemanha de 48% para 31%, Japão de 44% para 26%, Estados Unidos de 35% para 20%,
Serviços Alemanha de 48% para 69%, Japão de 51% para 73% e Estados Unidos de 61% para
79%).

A respeito do aumento da desigualdade de renda a World Top Incomes Database [2014]


reporta aumentos significativos da década de 1970 para a década de 2000 para os Estados
Unidos: a participação na renda nacional dos 10% com a renda mais alta (incluindo ganhos de
capital) subiram 34% na década de 1960 para 50% em 2012, no Reino Unido subiu de 30% para
39% em 2011, na Alemanha subiu de 31% para 37% em 2007, somente em Suécia a
participação ficou igual em 30%.

Em um artigo recente Piketty [2018, p.2 pp.] tenta avaliar as consequências politicas dos
aumentos da desigualdade:

A desigualdade de renda aumentou substancialmente na maioria das regiões mundiais desde a


década de 1980, embora em diferentes velocidades (ver Alvaredo et al World Inequality Report
2018, wir2018.wid.world). Este processo de desigualdade crescente veio após um período
relativamente igualitário entre 1950 e 1980, que se seguiu uma longa seqüência de eventos
dramáticos-guerras, depressões, revoluções-durante a primeira metade do século 20 (ver Piketty,
2014). Dada a evolução recente, pode-se esperar que se observasse uma crescente demanda
política de redistribuição, por exemplo, devido a alguma lógica simples do eleitor mediano. No
entanto, até agora, parece estar observando, em sua maior parte, o surgimento de várias formas de
"populismo" xenófono e políticas baseadas na identidade (Trump, Brexit, Le Pen/FN, Modi/BJP, AfD,
etc), ao invés do retorno às politicasa baseadas na logica de classe (baseado em renda ou riqueza).
(...) A “esquerda” virou um partido da elite intelectual (Brahmin left), enquanto a “direita” pode ser
vista como o partido da elite comercial (Merchant right).
203

Piketty [2018, p. 7} interpreta a abstenção crescente eleitoral dos grupos com menor nível de
educação e menor renda em França, Estados Unidos e no Reino Unido [o trabalho pesquisa
somente estes países, esta tendência pode ser generalizada para outros países centrais] que
estes eleitores não se sentem mais representados pelos partidos das múltiplas elites. A
extrema direita xenófoba e nacionalista ganha espaço politico nestes grupos de perdedores da
globalização e do progresso tecnológico, entrando também em camadas que sentem se
ameaçadas pela globalização, imigração, e pelo prgresso tecnológico.

Mas esta discussão sobre as consequências politicas da crise de 2008/2009 e as perspectivas


de movimentos sociais anticapitalistas são tema do ultimo capitulo.
204

3. As crises profundas do capitalismo no século XX e XXI

O conceito da especulação pode ser visto como a atividade de prever a psicologia do mercado, e o
conceito de empreendimento como atividade de prever o rendimento potencial dos ativos ao longo
de toda a sua vida, não é sempre o caso que a especulação predomina sobre o empreendimento.
Quando a organização dos mercados de investimento melhora, o risco da predominância de
especulação, no entanto, aumenta. (...). Os especuladores não podem causar danos como bolhas
em um fluxo constante de empreendimento. Mas a situação é séria quando o empreendimento se
torna a bolha num turbilhão de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país
torna-se um subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será malfeito.
John Maynard Keynes61
"Capital (...) foge turbulências e conflitos e é da natureza ansiosa. Parece muito verdadeiro, mas não
é toda a verdade. Capital tem horror diante da ausência de lucro ou de lucro muito pequeno, como
a natureza diante do vazio. Com lucro adequado o capital torna se corajoso. Dez por cento com
certeza e você pode aplicar o capital em todos os lugares; 20 por cento, e o capital torna se
animado, 50 por cento, positivamente audacioso; com 100 por cento pisa em todas as leis
humanas; 300 por cento, e existe nenhum crime o que o capital não arrisca, mesmo com o perigo
de ser enforcado. Se turbulência e conflitos trazem lucro, o capital vai estimular ambos.
Contrabando e tráfico de escravos são provas para isto" DUNNING P.J., em MARX, Karl, Das
Kapital, Bd. 1, Berlin: Dietz-Verlag, 1961, p. 801.

a. Introdução

Na história do capitalismo global existem tempos de crescimento acelerado da produção,


acumulação e inovação e tempos de estagnação ou de crises. Uma explicação destas fases
diferentes de desenvolvimento capitalista precisa se apoiar na teoria econômica e também
numa análise da história política, econômica, social e cultural. Uma análise das causas dos
sucessos e fracassos do desenvolvimento capitalista deve reconhecer que o ambiente
institucional e a evolução histórica são fontes importantes para explicar estes sucessos e
fracassos. Beckert [2016] enfatiza que as crises do capitalismo, bem como suas fases
dinâmicas, são reflexos das expectativas dos agentes econômicos em um ambiente de
incerteza sobre o futuro, a euforia em caso do ‘boom’, o pânico em caso da crise. Cada ‘boom’
e cada crise é diferente, cada ‘boom’ e cada crise cria perdedores e vencedores, pessoas,
empresas, instituições, regiões e países. Cada ‘boom’ e cada crise mostra sua face especifica
para cada país, para cada região, para cada setor. Mas existe a possibilidade de categorizar os
períodos de desenvolvimento capitalista sob conceitos como era de ouro e da guerra fria, crise
energética e econômica da década de 1970, período neoliberal desde a década de 1980,
embora seja importante reconhecer que esta periodização não capta todos os países, porque
cada país tem sua própria história dependendo do ambiente institucional e do caminho
histórico viajado anteriormente. Cada periodização está nivelando diferenças regionais e
setoriais e deve ser visto somente como um mapeamento generalizado.
205

Neste trabalho três crises do desenvolvimento capitalista global são vistas como profundas no
século XX e XXI:

• A Grande Depressão da década de 1930 (Desde a Grande Depressão houve uma


mudança do liberalismo econômico hegemônico nos países capitalistas centrais para
um intervencionismo mais forte do Estado na economia inspirado parcialmente nas
ideias de Keynes, esta mudança tornou se hegemônico somente depois da Segunda
Guerra Mundial e de forma desigual nos países centrais);
• O período da crise econômica começando com o primeiro choque de preços de
petróleo em 1973 (Neste período começou uma mudança da ideologia hegemônica
nos moldes de Keynesianismo – Fordismo nos países capitalistas centrais para a
ideologia neoliberal) e chegando aos países de América Latina na década de 1980 e no
leste europeu (nos países em transformação para uma economia capitalista) na
década de 1990;
• O período da Grande Recessão e da crise da dívida soberana na área do Euro
começando em 2008 com a crise financeira global de 2008/2009 (Neste período as
críticas da ideologia hegemônica do neoliberalismo foram as intervenções fortes do
Estado [e dos bancos centrais] para salvar o sistema financeiro e evitar uma nova
Grande Depressão e também criticas das bases teóricas do neoliberalismo como a
teoria dos mercados eficientes e das expectativas racionais; mas a discussão sobre o
caminho futuro das políticas econômicas ainda está em aberto, embora a crise
bancária inicial transformou-se pelas intervenções fortes dos Estados em uma crise da
dívida pública, especialmente em alguns países no sul da Europa, levando a um
discurso favorecendo políticas de austeridade com a consequência de uma nova
retração das intervenções do Estado na economia62). Para explicar a crise financeira
global de 2008/2009 o trabalho aborda também as crises financeiras anteriores com
impacto internacional nas décadas de 1990 e 2000.

Obviamente generalizando a história desta forma nivela diferenças nacionais, regionais e


setoriais. Mas a estrutura foi escolhida porque estas crises representavam desafios profundos
para políticas econômicas e sociais nos países capitalistas centrais e para as ideologias
econômicas que fundamentavam as políticas. Também no Brasil a Grande Depressão, a crise
da dívida externa na década de 1980, e a crise financeira global de 2008/2009 foram um
divisor das águas em sentido da politica e ideologia econômica, embora a última crise com
menor expressão. Estas crises representam também pontos de mudança nos pensamentos
econômicos e sociais prevalecentes e levavam a novos caminhos institucionais, políticos e
206

culturais. Sem dúvida a Grande Depressão da década de 1930 foi a crise que mais
profundamente desafiou o capitalismo global e suas consequências sociais tinham impactos
políticos desastrosos em Alemanha. Com isto a Grande Depressão da década de 1930 tornou-
se um espelho para avaliar as crises seguintes, para usar o título de um livro recente de
Eichengreen [2015, ‘Hall of Mirrors’ refere se também na sala no palácio de Versalhes onde o
acordo de paz foi assinado pelos alemães como um evento que pode explicar uma parte da
Grande Depressão como consequência da Primeira Guerra Mundial e suas consequências
políticos desastrosos na Alemanha], e ela mostrou de certa forma também que políticos,
economistas e a sociedade podem aprender parcialmente os ensinamentos da história.

Uma revisão bibliográfica da análise quantitativa das crises

Uma análise quantitativa das crises na perspectiva global, com foco nas crises financeiras,
encontra-se em Reinhart e Rogoff [2009, com fornecimento amplo dos dados no site Carmen
Reinhart] com oito séculos de crises, em Jordà, Schularick e Taylor [2010] com 140 anos de
crises [1870 – 2008] em 14 países avançados e em Laeven e Valenca [2008 e 2012] com crises
bancárias depois da Segunda Guerra Mundial em nível global. Em um artigo mais recente
Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e Trebesch [2016] analisam a relação entre ciclos de preços
de commodities, ciclos de fluxos internacionais de capital e defaults sobre a dívida soberana
entre 1815 e 2014 [com fornecimento amplo dos dados no site de Carmen Reinhart]. Em Barro
e Ursúa [2008] encontra-se uma análise das crises macroeconômicas reais desde 1870 para 35
países usando dados (aperfeiçoados) do Projeto Maddison, definindo uma crise real por uma
queda acumulada de 15% no PIB per capita (denominado desastre econômico). Em Schularick
e Taylor [2009] encontra-se uma análise de crises financeiras para 14 países de 1870 até 2008,
focada no comportamento de moeda, crédito e variáveis macroeconômicas. Funke, Schularick
e Trebesch [2015] mostram uma análise empírica dos impactos políticos das crises financeiras
de 1870 até 2014 para 20 economias avançadas, também uma perspectiva importante para
este trabalho para avaliar as tendências para a polarização política e o extremismo político em
consequência das crises profundas do capitalismo global. Em Kindleberger e Aliber [2011]
encontra-se uma lista das crises financeiras, mas sem quantificação. Um resumo bibliográfico
mostra os seguintes resultados. Reinhart e Rogoff [2009] incluem em sua pesquisa no nível
global também surtos inflacionários altos, crises cambiais (‘currency crises’) e o estouro de
bolhas especulativas no mercado acionário e imobiliário (embora o último seja somente
representativo por casos específicos), bem como crises bancárias e defaults sobre a dívida
soberana externa e interna. Em um artigo mais recente Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e
Trebesch [2016, com dados no site de Carmen Reinhart] mostram os ciclos de preços de
207

commodities e os ciclos de globais de capital e analisam sua relação com os defaults sobre a
dívida soberana, supondo que rupturas súbitas (‘sudden stops’) nos fluxos internacionais de
capital podem ser gatilhos para crises financeiras, bem como quedas expressivas de preços de
commodities podem iniciar crises financeiras para países exportadores de commodities. Em
artigos de Das, Papaioannou e Trebesch [2012] e de Cruces e Trebesch [2011] encontram se
analises e dados sobre as perdas de investidores em dívida soberana (‘haircuts’) pelo default
(‘debt restructuring’) dos devedores soberanos entre 1950 e 2010 (no segundo artigo de 1970
até 2010).

Análises empíricas necessitam de uma definição quantitativa, por exemplo, para crises
cambiais ou crises inflacionárias, ou da determinação de datas de eventos que caracterizam,
por exemplo, o início e o fim de crises bancárias e crises da dívida soberana (externa e interna),
o quadro a seguir mostra as definições quantitativas de Reinhart e Rogoff [2009], explicando
assim quantitativamente as crises financeiras ampliando com isto a descrição verbal num
capítulo anterior deste trabalho sobre crises. Como o livro de Reinhart e Rogoff [2009] tem o
escopo mais amplo (oitocentos anos de crises e no nível global), é importante mostrar no
quadro seguinte as definições das crises usadas por Reinhart e Rogoff.

Quadro 2 Definição das crises seguindo Reinhart e Rogoff

Crises definidas por limiar


Máximo
Tipo Limiar Período
(% a.a.)
1500-1790 173,1
Uma taxa de inflação anual 20 por cento ou
Inflação 1800-1913 159,6
superior
1914-2008 9,63E+26
Taxa anual de depreciação de 15 por cento ou 1800-1913 275,7
Crises cambiais mais contra o US$ ou outra moeda de ancora* 1914-2008 3,37E+09
Adulteração da A redução do conteúdo metálico em moeda 1258-1799 -56,8
moeda Tipo um circulando de mais de 5% 1800-1913 -55,0
O episódio extremo mais
Uma reforma da moeda onde uma nova moeda
Adulteração da recente a conversão da
substitui uma moeda muita depreciada em
moeda Tipo dois moeda de Zimbabwe na taxa
circulação
de dez bilhões para um
Crises definidas por eventos
Tipo Critério Comentário

(1) Corridas bancárias que levam ao


Crise bancária Tipo encerramento, fusão, ou aquisição pelo setor
um: sistêmica, Tipo público de um ou mais instituições financeiras e Existem problemas de definir
dois: estresse (2) caso não existam corridas bancárias, o a data do início bem como o
financeiro (mais encerramento, fusão, aquisição ou a assistência fim da crise financeira
suave). em grande escala do governo para uma instituição
financeira importante.
208

A moratória soberana (default) é definida como a


falha de um governo em fazer pagamentos para A data de default é bem
Crise da dívida serviços da dívida (amortizações e juros) na data definida, mas ocorrem
soberana externa do vencimento. Incluindo episódios de problemas e definir o fim da
reestruturação da dívida em termos menos crise.
favoráveis do que a obrigação inicial.
A definição dada acima para uma crise da dívida
Documentação parcial
externa se aplica também aquiu, acrescendo
Crise da dívida fornecida por Standard and
também o congelamento de depósitos bancários
pública interna Poor's. Dificuldade de definir
e/ou a forçada conversão de tais depósitos em
as datas.
dólares em moeda local.
Fonte: Reinhart e Rogoff [2009], *A libra do Reino Unido £, o franco francês, o marco alemão e hoje o
euro €.
O gráfico a seguir mostra uma comparação histórica de um índice composto de crises
financeiras para sessenta e seis países de 1900 até 2008 [Reinhart e Rogoff [2009], p. 253],
incluindo crises bancárias, crises cambiais, default soberano, crises de inflação e crises dos
mercados acionários (para vinte e cinco países) usando dados atualizados no website de
Carmen Reinhart. O índice para um país num certo ano pode alcançar no máximo o valor de
cinco, se cada uma das crises está presente neste ano, por exemplo, em 1998 o índice teve o
valor de cinco para a Rússia, porque Rússia estava experimentando uma crise cambial, uma
crise bancária, um default soberano sobre títulos da dívida interna e externa e uma crise do
mercado acionário. O valor do índice para cada país em cada ano é ponderado com a
participação do país no PIB global (usando dados do projeto Maddison). No gráfico aqui entra
também - expandindo a abordagem de Reinhart e Rogoff - uma tentativa de representar as
crises reais macroeconômicas, usando dados do IMF para a taxa de crescimento do PIB (uma
recessão é caracterizada por uma taxa de crescimento negativa), mostrando a participação dos
países em recessão em trinta e um países (sem ponderação).
209

Gráfico 15 Índice composto de crises financeiras (Reinhart e Rogoff (2009)) e Índice de crises
reais, 1900 – 2014

Fonte: Website Carmen Reinhart, cálculos próprios

O gráfico mostra as crises profundas do capitalismo: a Grande Depressão, A crise de


1973/1974 e a crise financeira global de 2008/2009. Acrescentam-se as crises pós-guerra [1918
e 1945 e depois], onde somente a crise de 1920/1921 é discutida de forma curta, porque a
saída rápida da crise no fim de 1921 sem intervenções dos governos e dos bancos centrais
formou expectativas e orientou políticas econômicas na Grande Depressão (em sentido de que
os mercados ajustam se automaticamente sem intervenções). Aparecem também as crises da
década de 1980 [no gráfico não é explicitamente marcada a crise da dívida externa na América
Latina e em alguns países do leste europeu] e 1990 e do início do século XXI [Japão, México,
Sudeste de Ásia, Rússia, Brasil e Argentina]. Uma análise mais profunda das crises encontra-se
nos capítulos seguintes, mas é importante já apontar para algumas perspectivas gerais
importantes.

Reinhart e Rogoff [2009, p. 15 pp.] levantam a ideia de uma síndrome de “Esta vez é diferente”
para a explicação de muitas crises financeiras, especialmente as crises com um estouro de
bolhas especulativas [ou de uma ruptura rápida de fluxos internacionais de capital].

A síndrome de “Esta vez é diferente” [‘This time is diferent’, Reinhart e Rogoff (2009)] é
“raizada na crença firme de que crises financeiras são coisas que acontecem com outras
pessoas em outros países em outros tempos. Crises não acontecem aqui e agora. Fazemo-nos
210

as coisas de forma melhor, nós somos mais espertos, nós aprendemos com erros do passado.
As regras antigas da avaliação não mais podem ser usadas. A expansão [‘boom’] atual,
diferente das expansões que precediam os colapsos catastróficos no passado (também em
nosso país), é construída com fundamentos firmes, reformas estruturais, inovações
tecnológicas, e politicas eficazes. Ou assim anda a história”. A essência do livro [Reinhart e
Rogoff (2009), p.20] pode ser formulada que “períodos de prosperidade (alguns deles
prolongados) muitas vezes acabam em lacrimas”.

A síndrome se manifestou na expansão da década de 1920 que levou a Grande Depressão


[Reinhart e Rogoff (2009), p.15p.]: “O imaginário foi o seguinte: Nunca mais vai ter uma guerra
mundial: maior estabilidade política e um crescimento global forte podem ser sustentados por
tempo indefinido; as dívidas dos países em desenvolvimento são pequenas. (...) A década de
1920 foi um período de otimismo implacável global como os anos que precediam a crise
financeira global de 2008/2009.” [Embora esta avaliação somente valha com expressão menor
para os países que perderem a Grande Guerra de 1914/1918].

Na crise da dívida externa na década de 1980 a mesma síndrome pode ser vista [Reinhart e
Rogoff (2009), p.15 p.]: “Os preços das commodities são elevados, as taxas de juros baixos, o
dinheiro do petróleo está reciclado, no governo há tecnocratas hábeis, o dinheiro é usado para
investimentos em infraestrutura de rendimento alto, em vez de títulos de dívida como nos
anos de 1930 houve créditos bancários. Como os bancos fornecem grandes blocos de crédito,
vai ter uma coleta de informações e monitoramento para garantir que o dinheiro é gasto de
forma eficiente e os créditos são repagos”.

Na evolução da crise na Ásia, nas crises da década de 1990 e na crise financeira global um
otimismo semelhante estava prevalecente.

Em Jordà, Schularick e Taylor [2010] as crises globais e mais profundas foram a crise de 1907
(aqui não abordada, centrada nos Estados Unidos, a crise que levou a criação do ‘Federal
Reserve’ em 1913) a crise de 1921, a Grande Depressão e a crise financeira global de
2008/2009. Como a análise inclui somente quatorze países com somente Japão na Ásia e
nenhum país na América Latina, a crise da dívida externa da década de 1980 e as crises nos
países emergentes na década de 1990 e no início do século XXI não aparecem nesta pesquisa.
Estas crises analisadas em Jordà, Schularick e Taylor [2010] são crises globais e sistêmicas que
tinham quedas de produção e deflação mais elevada do que recessões normais. Também os
autores apontam que desequilíbrios globais (países [poupadores] com expressivos superávits
na conta corrente para um período prolongado e países [gastadores] com expressivos déficits
211

na conta corrente) podem parcialmente explicar a eclosão das crises. Na análise de Schularick
e Taylor [2009] com a mesma amostra os autores enfatizam que uma expansão de crédito é
um fator importante para explicar a eclosão de crises financeiras e reais. Eles diferenciam em
um período das crises antes da Segunda Guerra Mundial e um período depois. Na primeira era
do capitalismo financeiro crédito e moeda foram voláteis, mas em longo prazo mantinham
uma relação estável entre si e com o PIB, com exceção da Grande Depressão, onde houve um
colapso da moeda e do crédito. Na segunda era pós Segunda Guerra Mundial [p.2] o crédito
dissociou-se do crescimento monetário com um crescimento mais rápido através da
combinação de alavancagem mais elevada e financiamento não monetário. Também na
segunda era a política econômica foi mais ativa, a supervisão dos bancos mais intensa e o
banco central assumiu o papel de emprestador de última instancia, evitando a deflação e
quedas maiores do PIB. Mas apesar das políticas ativas a queda da produção em 2009 foi
profunda, implicando que os choques no sistema financeiro podem ter impactos mais
profundos do que antes [p.13] e a questão aberta é “em que medida o seguro implícito do
governo e a perspectiva de operações de resgate por sua vez, têm contribuído para o
crescimento espetacular das finanças e a alavancagem no sistema, criando mais dos mesmos
riscos que eles queriam combater”.

Em Barro e Ursúa [2008] são identificadas mais ou menos as mesmas crises profundas e
globais como em Reinhart e Rogoff [2009] focando na queda acumulada da produção nas
crises [Barro e Ursúa [2008] p. 2], onde as crises pós-guerras lideram a classificação [aqui não
abordadas porque estas crises estavam diretamente ligadas às guerras, não diretamente
ligados ao desenvolvimento capitalista], a Grande Depressão, a crise de 1920/[1921] e as crises
pós Segunda Guerra Mundial como a crise da dívida de América Latina na década de 1980 e a
crise asiática em 1997/1998. A crise financeira global não entra nesta lista, porque o artigo foi
publicado em abril de 2008.

Em um trabalho recente Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e Trebesch [2016] mostram os


cíclos dos fluxos de capital desde o congresso de Vienna em 1815, neste trabalho encontram-
se também os dados do quadro a seguir.

Quadro 3 Movimentos internacionais de capital e rupturas súbitas: 1815-2015


Expansões globais: Aumento das entradas de Quedas globais: Declinio das entradas ou saídas de
capital capital
Episódio Fundo Pico Duração Mudança Pico Fundo Duração Mudança
(% do PIB) (% do PIB)
1 1821 1824 3 11,8 1824 1828 4 -12,0
2 1828 1834 6 17,8 1834 1840 6 -17,9
3 1840 1843 3 5,9 1843 1849 6 -5,3
212

4 1849 1852 3 3,8 1852 1857 5 -3,1


5 1857 1865 8 16,5 1865 1869 4 n.a.
6 1869 1873 4 11,3 1873 1878 5 -11,8
7 1878 1890 12 18,1 1890 1894 4 -16,2
8 1894 1897 3 6,1 1897 1901 4 -5,5
9 1901 1914 13 14,7 1914 1918? 5 n.a.
1914-1918, Primeira Guerra Mundial: Colapso dos fluxos privados de capital, mas existe um aumento dos fluxos
oficiais dos Estados Unidos
10 1918? 1929 12 12,0 1929 1933 4 -31,6
11 1933 1938 5 5,0 1938 n.a. n.a. n.a.
1939-1945, Segunda Guerra Mundial: Controles de câmbio em amplo ambito introduzidos em 1939
12 1946 1981 35 11,6 1981 1986 5 -7,9
13 1986 1991 5 6,1 1991 1999 8 -9,0
14 1999 2011 12 18,3 2011 2015 4 -15,9
Média 9 11,7 5 -12,4
Fonte: Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e Trebesch [2016, data tables]
Notas: Os episódios em itálico denotam uma expansão ou um declínio duplo (fluxo de capital e preço de
commodity). Para se qualificar como um uma expansão ou um declínio duplo, deve haver pelo menos dois anos de
sobreposição nessa fase do ciclo.

O gráfico a seguir, retirado um trabalho recente de Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e


Trebesch [2016], mostra os fluxos internacionais de capital de 1815 até 2014.

Gráfico 16 Fluxos internacionais de capital 1815 até 2014 do trabalho de Carmen Reinhart,
Vincent Reinhart e Trebesch [2016]

Fonte: Carmen Reinhart, Vincent Reinhart e Trebesch [2016 data tables]


213

b. A Grande Depressão da década de 1930


Jovens mineiros e dignos plantadores de algodão pasmos diante do destino, com o mesmo tipo de
espanto atônito que o de um animal numa armadilha. Não conseguem simplesmente entender o
que acontecia com eles. Foram criados para o trabalho, e veja! Parecia que nunca mais teriam a
chance de trabalhar de novo. George Orwell63
As pessoas que sentem fome e não têm emprego é a matéria com que se fazem as ditaduras.
Franklin Delano Roosevelt64
Fascismo e Comunismo prosperam com o desespero social, no grande hiato que separam ricos e
pobres. Tony Judt65
A razão pela qual 'fascismo' ascende para o poder é o fracasso político e social da democracia
liberal.66
Bernanke [2004, p. 5] afirma que “compreender a Grande Depressão é o cálice sagrado da
macroeconomia”. O trabalho tenta descrever a Grande Depressão e seus impactos e mostrar
diferentes perspectivas de explicar este evento central para o pensamento econômico e
político. O objetivo do trabalho é também comparar a Grande Depressão e seus impactos com
as duas crises profundas seguidas no século XX [a crise na segunda metade da década de 1970]
e XXI [a crise financeira global de 2008/2009].

i. Introdução
“Finanças é o sistema nervoso do capitalismo”, observou Ramsey MacDonald, intermitentemente
primeiro-ministro da Grã-Bretanha entre 1924 e 1935. Se assim for, então o sistema capitalista nos
anos de MacDonald sofria de uma desordem neurológica crônica. O 1929 Wall Street ‘crash’ foi
seguido pelo colapso de instituições financeiras e uma implosão da atividade nos mercados
financeiros. As crises subsequentes tornavam-se a Grande Depressão - a grande catástrofe
econômica dos tempos modernos. Barry Eichengreen, Golden Fetters (1992) p. 3
A Grande Depressão da década de 1930 mudou o mundo e a vida, as esperanças e as ideias do
homem esquecido do povo, as ideias dos homens e mulheres da classe dominante, dos
políticos e dos acadêmicos. A Grande Depressão dos anos 1930 é visto neste trabalho como
marco de referência para as crises do capitalismo global nos anos posteriores. A Grande
Depressão – a crise mais séria do capitalismo global – mostrou as possíveis falhas do
liberalismo econômico, do ‘laissez-faire’, do padrão ouro e do comércio livre: depressão,
deflação e desemprego em níveis extremos. Neste ambiente de desespero e medo a Grande
Depressão trazia também implicações politicas importantes: as fraquezas das democracias
liberais em combater a crise criavam ilusões e esperanças que as alternativas do fascismo [na
Itália desde 1922 e na Alemanha depois 1933] ou outras formas de regimes autoritárias ou do
comunismo [na União Soviética depois de 1917 – o nome da União Soviética somente foi
assumido em 1922] mostrassem caminhos para superar a crise.
214

A Grande Depressão da década de 1930, no imaginário comum se iniciando com a quebra da


bolsa de valores de Nova Iorque em outubro de 1929, foi sem dúvida a crise mais séria do
capitalismo global. A crise mais séria porque tinha dimensões globais, embora os Estados
Unidos e a Alemanha fossem provavelmente entre os países mais seriamente atingidos,
porque a profundidade e a duração da crise foram extraordinárias, os Estados Unidos somente
saiavam totalmente da Depressão com a Segunda Guerra Mundial, enquanto a recuperação
econômica já começou em 1933. Mais séria também porque as ideias econômicas, as
instituições econômicas e politicas dominantes não passavam no teste da Grande Depressão.
O pensamento econômico liberal foi abandonado nos Estados Unidos com o New Deal de
Roosevelt e substituído por um sistema de uma intervenção mais forte do Estado na economia
e pela expansão dos instrumentos do Estado de bem-estar social. Na Europa em muitos países
a Grande Depressão levou a governos autoritários e ao abandono da democracia. No Brasil
também a década de 1930 foi o caminho para o regime autoritário de Getúlio Vargas, mas
também para mudanças que protegiam mais os trabalhadores e industrializavam o Brasil. O
sistema politico na Alemanha já estava desde 1930 no caminho para um regime autoritário
com pouco controle parlamentar [a politica do governo cada vez mais conduzida por decretos
de emergência do executivo sem aprovação parlamentar baseado no artigo 48 da constituição
de Weimar], embora ainda com eleições democráticas, mas com a ascensão de Hitler e seus
nacional-socialistas ao poder em janeiro de 1933 começou o caminho para uma ditadura
sangrenta, para a Segunda Guerra Mundial e para o holocausto. Embora, sem dúvida, a Grande
Depressão dos anos 1930 não foi na Alemanha o único fator neste caminho desastroso, a
Primeira Guerra Mundial destruindo a civilização europeia e ceifando a juventude dos países
beligerantes, o tratado de Versalhes com sua criação de ódio nacionalista e racista na
Alemanha, a hiperinflação de 1923 em Alemanha que empobreceu a classe média e a recusa
de grande parte da classe dominante na Alemanha de aceitar o sistema democrático da
republica de Weimar foram – com certeza – também fatores importantes no caminho para a
catástrofe.

Nos gráficos a seguir tenta-se mostrar alguns fatos importantes da Grande Depressão em
diferentes países, com foco no Brasil, nos Estados Unidos e na Alemanha, com foco na queda
do PIB, no aumento do desemprego e na quebra do mercado acionário nos Estados Unidos.
215

Gráfico 17 PIB real 1925-1939, Estados Unidos, Alemanha e Brasil, Taxa de desemprego

Fonte: Bureau of Labor Statistics, IBGE

Gráfico 18 Grande Depressão: Índice DOW Jones (Índice de preços de ações EUA) 1920-1941

Fonte: NBER [NBER SERIES: 11009]

A Grande Depressão dos anos 1930 ainda levanta muitas perguntas com respostas
controversas. Kindleberger [1973, p. 18 pp.] resume as perguntas mais importantes: A
Depressão tinha uma causa principal ou foi consequência de muitas causas e fatores
contingentes? A Grande Depressão foi um fato único, ou tinha antecessores na Longa
Depressão mundial de 1873-1896 ou na depressão antes da revolução europeia de 1848? A
Depressão foi a consequência de processos e problemas endógenos ou exógenos? Para os
216

problemas endógenos Kindleberger resume posições de Schumpeter (um encontro simétrico


do ciclo de Juglar (médio prazo), com um ciclo de Kitchin (curto prazo) e um ciclo de
Kondratieff (longo prazo)), dos marxistas e dos keynesianos enfatizando superprodução e
superinvestimento e subconsumo no processo de acumulação de capital, e da instabilidade do
sistema financeiro e dos problemas da deflação (enfatizado por Keynes, da escola austríaca e
de Fisher). Para os fatores exógenos Kindleberger resume as posições de Friedman sobre erros
na politica monetária [da Federal Reserve] e na politica comercial [por exemplo, a tarifa
Smoot-Hawley de 1930 e as tendências protecionistas de muitos países na depressão] e da
politica fiscal orientada pelo conceito de orçamento equilibrado e suas consequências
deflacionistas. Na avaliação de Eichengreen e Temin as distorções econômicas e politicas da
Primeira Guerra Mundial e o padrão ouro foram responsáveis pela profundidade e extensão
temporal da Depressão bem como para sua propagação no nível global. Aqui Eichengreen e
Temin referem-se às consequências deflacionistas do padrão ouro e sua estrutura assimétrica,
onde países com influxo de ouro esterilizavam o influxo e com isto pressionavam os países
deficitários para politicas deflacionárias mais fortes, bem como a impossibilidade dos bancos
centrais de agir como emprestador de última instancia em crises bancárias no padrão ouro. As
ideias econômicas hegemônicas neoclássicas na época [a ideia que a economia seja
autorregulada através de preços flexíveis e da lei de Say] são responsáveis para inatividade e a
falta das ideias nas politicas e econômicas dos governos e bancos centrais como economistas
progressistas argumentam, ou o ‘New Deal’ de Roosevelt na verdade prolongou a Depressão
porque as intervenções destruíram a confiança dos empresários e capitalistas como
economistas mais conservadores afirmam.

Explicando a falta de ideias e ações da classe dominante em enfrentar a depressão


Kindleberger [1973, p. 22] cita Hobsbawm “Nunca houve um naufrágio, onde o capitão e a
tripulação tinham menos entendidos as causas do acidente e onde eles foram mais incapazes
de fazer qualquer coisa contra isto.”

O banho de sangue da Primeira Guerra Mundial, que destruiu uma economia globalizada
pacifica e prospera, embora pouco democrática e imperialista, e a hegemonia econômica e
politica do Reino Unido, e criou relações internacionais cheio de ódio e desejos de vingança. O
fim da guerra criou novos países na Europa central, repintou fronteiras na Europa e no Oriente
Médio, e para os países perdedores (Alemanha, o império austro-húngaro e Turquia (Império
Otomano) etc.) perdas de área nacional e população (e com isto de orguho nacional) foram a
consequência dos tratados de paz, e como Keynes mostrou para Alemanha no caso do tratado
de Versalhes (1919) ao pagamento de reparações insuportáveis. Noutro lado a guerra e a
217

revolução de 1917 na Rússia levavam também a um fortalecimento dos movimentos


operários, a expansão das instituições do Estado de bem-estar social e a expansão de regimes
democráticos na Europa, mas muitos destes progressos foram perdidos na instabilidade
politica da década de 1920 e na Grande Depressão. A matança da juventude europeia nas
trincheiras da Primeira Guerra Mundial criou também movimentos e partidos políticos
autoritários e violentos e conflitos políticos e ideológicos sem fim, que levavam – em última
instancia – o mundo para a Segunda Guerra Mundial e para o holocausto.

Por todas estas razões a Grande Depressão dos anos 1930 é ainda hoje um evento de
referência para discussões econômicas e politicas controversas e – por esta razão – precisa ser
discutida da forma mais ampla neste trabalho.

É importante afirmar que uma crise pode ser vista não somente como um processo negativo,
mas também como um processo de transformação, de reestruturação da economia capitalista
através da transformação de instituições, da inovação, da destruição de capital e de produtos
obsoletos e do retorno da taxa de lucros a um nível aceitável para a classe dominante. Embora
a crise levasse ao desepero e desemprego elevado para grande parte da população, ela deixou
também outras partes menos lesadas e poucos tornavam se vencedores com as chances
escassas que a crise abriu. Obviamente este processo de mudança estrutural sempre cria
vencedores e perdedores, no nível dos países do capitalismo global, de regiões, empresas e
bancos e no nível dos agentes econômicos. Muitas vezes trabalhadores, beneficiários do
Estado de bem-estar social e contribuintes de impostos são entre os perdedores das politicas
deflacionistas ou de austeridade: desemprego, exclusão e emprego ou salários mais baixos,
benefícios cortados, e impostos mais elevados são os impactos das crises para eles.

A discussão a seguir mostra de forma resumida alguns problemas políticos e econômicos da


década de 1920 antes da crise, normalmente descrito (em primeiro lugar com vista para os
Estados Unidos) como a exuberante década de 1920 (“roaring twenties”) que também podem
ser entre os fatores causadores da Grande Depressão. Não é necessário subscrever a hipótese
da escola austríaca, bem como da escola marxista, que dentro dos tempos da expansão
econômico desenvolvem se os problemas e fatores que levam a crise seguinte [desequilíbrios
setoriais, investimentos mal concebidos estimulados pela euforia e pela expansão do crédito
nos tempos da expansão econômico, onde a expansão de crédito e a crescente desigualdade
de renda podem levar a bolhas especulativas nos mercados financeiros, imobiliários e de
commodities], para notar a importância da Primeira Guerra Mundial e da expansão
exuberante na década de 1920 [pelo menos nos Estados Unidos] para a eclosão da Grande
Depressão, embora curtamente depois da guerra já houvesse uma curta, mas profunda,
218

recessão em 1920/1921 nos Estados Unidos, no Reino Unido e em alguns outros países. Nas
partes seguintes descreve se de forma resumida o processo do desenvolvimento da Grande
Depressão e a recuperação, começando em 1932/1933. As transformações profundas
econômicas, politicas e ideológicas do capitalismo global como impacto da crise são o foco de
um capítulo posterior. As controvérsias de diferentes correntes de pensamento econômico
sobre as causas da Grande Depressão são foco do último capítulo sobre a Grande Depressão. A
perspectiva dos desenvolvimentos políticos e econômicos está com foco nos dois países
centrais, Alemanha e Estados Unidos, e – em primeiro lugar –com foco no Brasil, um país
periférico neste período do capitalismo global.

ii. Os impactos da Primeira Guerra Mundial sobre o capitalismo global

A Primeira Guerra Mundial foi o ponto de viragem na história da sociedade, os seus resultados
determinavam de forma decisiva o século XX. (...) Tomou mais vidas humanas do que qualquer
outra [guerra antes]. (...) A civilização de múltiplos Estados da Europa, dominante no mundo
durante séculos, quase cometeu suicídio. Suas filosofias principaís da esperança, o liberalismo e
o socialismo, parecem ser extintas em uma semana enlouquecida em agosto de 1914. Suas
principaís potências iam com os olhos aparentemente abertos à extinção ou ao declínio.
Praticantes supostos da racionalidade formal, diplomatas e capitalistas, emprestaram suas
técnicas para uma guerra que destruiu as pela metade. Esses quatro anos banhados em sangue
levantam a questão, são seres humanos, é a sociedade humana, racional? Michael Mann,
The sources of social power, Volume II, The rise of classes and Nation-States 1760 – 1914, p.
740
O aspecto revolucionário da economia de guerra consistiu principalmente na rápida
transferência de recursos do consumo para a produção de armas e a reorganização atendente
de toda vida econômica das nações beligerantes. Em um período relativamente curto de
tempo, os governos parcimoniosos do século XIX, se transformaram em grandes gastadores do
século XX. (...). Depois da guerra, era quase impossível para as classes dominantes a ignorar a
realidade dos movimentos de massa ou reverter para as velhas acolhedoras maneiras da
política de elite. Feinstein, Temin, Toniolo, The World Economy between the Wars, p. 21 e 23
A perda de população e a destruição da infraestrutura e do estoque de capital foram a herança
econômica mais importante da guerra para os países beligerantes, embora a destruição de
infraestrutura e do estoque de capital fosse centrada na França e Bélgica, bem como na Rússia
e em outros países do leste europeu, muito menos no Reino Unido e na Alemanha. O império
russo já colapsou em 1917 com a revolução de fevereiro e a abdicação do czar e finalmente em
outubro do mesmo ano com a tomada do poder pelos bolcheviques [os meses de fevereiro e
outubro referem-se ao calendário Juliano usado na Rússia até 1918, no calendário Gregoriano
estas revoluções aconteciam em março e novembro]. O império Otomano e o império austro
húngaro colapsavam com o fim da guerra em 1918 e o imperador alemão abdicou e fugiu para
Holanda em novembro de 1918 e Alemanha tornou-se uma república. Guerras civis,
revoluções (Alemanha e Hungria) e revoltas operarias marcavam o cenário pós-guerra em
muitas partes da Europa. Criavam-se novos países na Europa e no Médio Oriente (no Médio
219

Oriente sobre a tutela do Reino Unido e da França), novas fronteiras foram criadas e com isto
novas tensões políticas e étnicas. A guerra também destruiu laços econômicos entre os países
com a suspensão do padrão ouro e a desestruturação do comercio internacional e dos fluxos
internacionais de capital. Os Estados Unidos, e também o Japão, saiam da guerra com poder
econômico e político em ascensão, enquanto os países da Europa, vencedores ou perdedores,
perdiam poder econômico e político. A herança mais importante da guerra foi a instabilidade
social, econômica e política, nas políticas domesticas, bem como na política internacional. As
feridas da guerra determinavam a vida econômica, social e política para todo o período entre
as guerras, pelo menos na Europa. A guerra também destruiu a legitimação das elites
governantes nos países beligerantes: as elites conservadores e liberais levarem seus povos
para o massacre das trincheiras por mais de quatro anos. Com este banho de sangue por uma
causa fingida – o assassinato do sucessor ao trono austríaco por um terrorista sérvio –
escondendo os motivos imperialistas verdadeiras as elites e suas ideologias perdiam
credibilidade preparando o caminho para novas elites e ideologias: em Rússia em 1917 com a
ascensão dos bolcheviques no poder, em 1922 com o fascismo na Itália, em 1933 com o
nacional-socialismo na Alemanha, e em muitos outros países da Europa nas décadas que
seguiam a guerra com a ascensão de governos autoritários no poder, como na Hungria,
Polônia, Portugal, Espanha etc.

Foram mobilizados 65 milhões homens e mulheres para o serviço militar nos tempos da
guerra, 8 milhões perdiam a vida na guerra (As perdas mais significativas em vidas da
população civil e militar foram na Servia (31,3% da população antes da guerra), na Rússia
(18,5%), na Romênia (14%), na Áustria-Hungria (9,5%), na Bulgária (9,2%) na Alemanha (8%),
na França (7,7%) e no Reino Unido (3,9%)). Na Alemanha 63 % destes mortos militares foram
entre 20 e 30 anos., 7 milhões ficavam incapazes de trabalhar para sempre, 15 milhões foram
gravemente feridos [para os dados: Aldcroft p. 26 pp.]. Houve também milhões de mortos na
população civil, não contados os mais de 20 milhões de mortes em todo mundo na pandemia
da gripe espanhola67 de 1918/1919 [Spinney, 2017, p. 165 p.]. A guerra não somente matou
uma grande parte da juventude nos países beligerantes, mas também destruí infraestrutura,
capital industrial, imóveis, rebanhos e alimentos, deixando a população com fome e
desesperada, criando revoltas e revoluções (Rússia, Alemanha, Hungria).

A guerra levou também a um clima de ressentimento, desconfiança e ódio nacionalista,


especialmente nos países que perderam a guerra (p.e., com o Tratado de Versalhes de 1919).
Os tratados de paz criavam novos países em Europa central, deslocavam populações,
destruíram laços econômicos anteriores e tornaram o continente europeu em um grande
220

perdedor econômico e social, mas também levando os Estados Unidos a uma posição
econômica e política hegemônica, mas o isolacionismo americano depois da guerra não
deixava os governos norte-americanos assumissem este papel da liderança econômica, que
antes da guerra foi assumida pelo Reino Unido e pelo centro financeiro de Londres (‘The City of
London’).

A Primeira Guerra Mundial levou a distorções econômicas importantes, que são um fator
importante na explicação da Grande Depressão. Temin [1991] aponta as distorções das
consequências da Primeira Guerra Mundial como causa mais importante da Grande
Depressão. O financiamento da guerra e da reconstrução depois da guerra levou os países na
Europa para sérios problemas fiscais, para inflações e hiperinflações, para revoltas e
revoluções sociais, que interrompem produção, distribuição e o comércio internacional. A
criação de novos Estados na Europa Central e o desenho de novas fronteiras depois da queda
do império russo, austro-húngaro e otomano destruíram laços econômicos e criavam tensões
étnicas e um clima de desconfiança e de ressentimentos. O Reino Unido perdeu sua posição
hegemônica na economia global, dívidas de guerra e reparações levavam os países da Europa
para uma maior dependência dos Estados Unidos. Os Estados Unidos tornavam se a economia
mundial hegemônica e o maior credor, Nova Iorque tornou-se um centro financeiro
concorrente de Londres. Embora os Estados Unidos tornavam-se a nação economicamente
mais importante no nível global, eles não entravam na Liga das Nações em 1919, nem
assinavam o contrato de paz de Versalhes, e seguiam uma política focada nos problemas
internas do país (isolacionismo político) voltando no mesmo ano ao padrão câmbio-ouro, mas
sem assumir a posição de liderança para gerir este sistema como o Reino Unido fez antes da
guerra.

Processos de inflação e hiperinflação em muitos países foram a consequência do


financiamento dos custos da guerra nos países beligerantes através da emissão de títulos
públicos e parcialmente através da monetização dos déficits. As dívidas públicas elevadas
foram para muitos governos na Europa continental uma tentação de diminuir o peso real das
dívidas através da inflação. Os custos de reconstrução para os países perdedores sem fontes
de financiamento foram parcialmente pagos pela emissão de moeda levando a processos
inflacionários e hiperinflacionários. Os processos inflacionários e hiperinflacionários causavam
também problemas de retornar ao padrão ouro com as paridades antes da guerra, mas
também levavam os governos para tentativas de estabilização, onde o padrão ouro antes da
guerra parecia prometer um ambiente da estabilidade macroeconômica. Os Estados Unidos
voltavam em 1919 ao padrão ouro, os problemas econômicos do pós-guerra e as ondas
221

inflacionárias e hiperinflacionárias levavam, depois da primeira tentativa na conferência de


Genova de 1922, a um sistema monetário internacional transformado chamado padrão
câmbio ouro em 1925, quando finalmente em maio de 1925 o Reino Unido voltou ao ouro na
taxa de câmbio pré-guerra o padrão ouro parecia reestabilizado.

As dívidas entre os aliados e as reparações para os países derrotados criavam distorções


econômicas e ressentimentos políticos no período entre guerras (Entente: Reino Unido,
França, Rússia, Itália (desde 1915) Estados Unidos (desde 1917), Japão e outros países; países
centrais: Alemanha, o Império Austro-Húngaro, Turquia, Bulgária etc.). As dívidas de guerra
nos países da Entente somavam se em cerca de 26,5 bilhões de US$ [Aldcroft p. 98]. O credor
maior foram os Estados Unidos, o devedor maior foi França, com uma dívida de cerca 3 bilhões
de US$ com o Reino Unido e 4 bilhões de US$ de dívida com os Estados Unidos, enquanto o
Reino Unido tinha cerca de 4,7 bilhões de US$ dívidas com os Estados Unidos. Outros países
tinham cerca de 3,2 bilhões US$ dívidas com os Estados Unidos, 8,1 bilhões de US$ com o
Reino Unido e 3,5 bilhões de US$ com a França [Kindleberger, 1973, p. 40]. A Rússia sob o novo
governo soviético repudiou em 1918 as dívidas do governo czarista anterior com os aliados.
França e o Reino Unido queriam ligar negociações sobre as reparações da Alemanha com
negociações sobre suas dívidas com os Estados Unidos, mas os Estados Unidos negavam
reestruturar as dívidas interaliadas.

As reparações de Alemanha não foram fixadas explicitamente na conferência de paz em


Versalhes em 1919, no período antes de definir a conta final foram feitos confiscos de
propriedade física e intelectual alemão no exterior, o confisco de grande parte da frota
mercantil, bem como entregas de bens em espécie, especialmente carvão [Ritschl, p.2 pp.
também para o texto a seguir]. Reparações, conforme determinado pelo ultimato de Londres
de 1921, foram definidas em três tranches, uma indenização líquida de 12 bilhões de marcos
de ouro (A bonds) igual a 20% do PIB da Alemanha em 1913 (depois da guerra o nível do PIB
Alemão foi significativamente menor), uma compensação de 38 bilhões de marcos de ouro
para as dívidas de guerra interaliados (B bonds) juntos com os A bonds cerca de 100 % do PIB,
e um adicional de 82 bilhões de marcos de ouro (C bonds) resultando no total de cerca 260%
do PIB. No entanto, foi comunicado ao governo alemão que os C bonds não precisam ser pagos
sob quaisquer condições realistas. O plano Dawes em 1924 reduziu um pouco as reparações e
o Plano Young em 1929 outra vez, até na moratória de Hoover em 1931 os pagamentos eram
suspensos para um ano até em julho de 1932 em uma conferência em Lausanne as reparações
foram quase totalmente canceladas. As reparações foram sempre um assunto que criou
violentas discussões no palco político nacional e internacional e o atraso de pagamentos em
222

1922 levou a ocupação do distrito industrial de Ruhr em 1923 pelo militar de França e Bélgica,
à greve geral e lutas armadas e –em último lugar - à hiperinflação galopante na Alemanha de
1923.

Mas o fim da guerra levou também a uma ascensão da democracia liberal e social na Europa,
embora às vezes da duração curta. Os horrores da guerra, os sacrifícios dos povos na guerra e
os impulsos da revolução russa de 1917 levavam também a ascensão e legalização dos
movimentos operários e para a extensão das leis trabalhistas e do Estado de bem-estar social.
Mas o fracasso dos partidos socialistas em combater a eclosão da guerra em 1914 (somente os
partidos socialistas de Rússia, Sérvia e Itália conseguiam resistir à onda nacionalista e as
pressões dos governos nestes países, embora nos anos seguintes a resistência aumentasse
com greves e cisões nos partidos socialistas) levou praticamente a quebra da Segunda
Internacional Socialista (fundada em 1889), a cisões dos partidos socialistas, e lutas entre
diferentes frações socialistas. Depois da guerra houve uma cisão dos partidos socialistas em
uma parte reformista socialdemocrata e uma parte revolucionária comunista em muitos países
e a criação da terceira Internacional (comunista) em 1919.

Muitos intelectuais e escritores (por exemplo, Zweig e Keynes) viam o mundo europeu antes
da guerra como um mundo que garantiu paz, prosperidade e liberdade, a guerra sangrenta
entre países civilizados acabou com esta ilusão. Embora é importante lembrar que esta visão
esquece as violências colonialistas e imperialistas antes da guerra, uma visão eurocêntrica.
Culturalmente houve reações muito diferentes: pacifismo, expressionismo, futurismo,
dadaísmo, e outros desenvolvimentos nas artes que mostravam o desamparo antes dos
horrores da guerra, mas houve também reações que idolatravam a guerra (por exemplo, na
Alemanha Jünger e outros) e formulavam ideias para a extrema direita.

Para Temin o choque da Primeira Guerra Mundial e, mais amplo, o conflito que Churchill
chamou a segunda guerra dos trinta anos68 – o período entre as guerras – [Temin, 1993, p. 88]
foi uma causa importante da Grande Depressão, um ponto a ser discutido também nos
próximos capítulos.

iii. O período da instabilidade política e econômica até 1923


(...) foi a eclosão da guerra em agosto 1914 – a "grande catástrofe seminal" do século XX, nas palavras de
George Kennan – que abruptamente terminou um período excepcionalmente longo de paz na história
europeia. Como Kennan e muitos outros historiadores argumentaram, foi a grande guerra que marcou o
início da "era dos extremos" (termo de Eric Hobsbawm) e de décadas de convulsões violentas. A escalada
após 1939 de um conflito ainda mais devastador do que a primeira guerra mundial levantou a questão de
saber se as ditaduras agressivas de Stalin, Hitler ou Mussolini poderiam ser rastreadas até os
acontecimentos de 1914 – 18. Muitos estavam convencidos de que a grande guerra tinha desencadeado
fúrias que não podiam ser contidas pelos tratados de paz de Paris em 1919 – 20. (...) a grande guerra não
223

foi imediatamente seguida por um período de paz. Entre 1917 e 1920 sozinhos, a Europa não
experimentou menos de vinte e sete transferências violentas de poder político, muitas delas
acompanhadas por guerras civis latentes ou abertas. O caso mais extremo foi, naturalmente, a própria
Rússia, onde a hostilidade entre os apoiantes e adversários do golpe bolchevique de Lenin em outubro de
1917 tinha rapidamente se intensificado em uma guerra civil de proporções historicamente sem
precedentes69, (...) um extenso arco de violência pós-guerra agora esticado da Finlândia e dos Estados
bálticos através da Rússia e da Ucrânia, da Polónia, da Áustria, da Hungria e da Alemanha, por todo o
caminho através dos Balcãs e na Anatólia e no Cáucaso. (...) A Irlanda, um país emergente da Europa
Ocidental que, pelo menos durante a guerra da independência irlandesa (1919 – 21) e a subsequente
Guerra Civil (1922 – 23), parecia seguir um curso semelhante (embora menos violento) como os países da
Europa Central e Oriental entre 1918 e 1923 (...). Bem mais do que 4 milhões de pessoas – mais do que as
vítimas combinadas de guerra da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos – morreram como resultado de
conflitos armados na Europa pós-guerra. (...) As revoluções ocorridas entre 1917 e 1923 podem ser de
natureza sociopolítica, buscando uma redistribuição de poder, terra e riqueza, como foi o caso na Rússia,
Hungria, Bulgária e Alemanha; ou poderiam ser revoluções "nacionais", como foi o caso nas zonas de
quebra dos derrotados Habsburg, Romanov, Hohenzollern e os impérios otomanos, onde novos e
reemergentes Estados, inspirados por ideias de autodeterminação nacional, procuraram estabelecer-se.
Gerwarth, Robert The Vanquished, p. 11 pp..

O período pós-guerra até 1923 pode ser descrita para Europa como um período de
instabilidade econômico e política. Neste tempo houve a guerra civil sangrenta na Rússia
[desde 1922 a União Soviética], uma guerra entre Rússia e Polônia, conflitos armados no
Báltico, revoluções na Alemanha (Berlin, Bavária) e na Hungria, greves e revoltas operárias em
muitos países (biênio vermelho na Itália, o susto vermelho nos Estados Unidos). Houve a curta,
mas aguda depressão de 1920/1921 com foco nos Estados Unidos e no Reino Unido, processos
inflacionários e hiperinflacionários em muitos países da Europa. Somente depois de 1923
houve uma estabilização econômica e política nos países centrais da Europa. O gráfico a seguir
mostra a taxa de inflação anual do Índice de preços ao consumidor para alguns países centrais,
mas houve também inflação alta e hiperinflação em outros países da Europa (Para Alemanha o
gráfico grande está descontinuado nos tempos da hiperinflação, descrita no gráfico pequeno
inserido).
224

Gráfico 19 Taxa de inflação anual para Alemanha, Estados Unidos, França e o Reino Unido de
1900 até 1938

Fonte: REINHART, Carmen M, website, data This time is diferente, para a hiperinflação na
Alemanha HISTAT: Historische Statistik http://www.gesis.org/histat/

Obviamente os governos queriam voltar para a estabilidade de preços no padrão ouro, mas o
aumento diferenciado do nível dos preços nos países no tempo da guerra dificultou a volta ao
ouro pelo menos na paridade antes da guerra, no Reino Unido até 1925, enquanto a França
voltou em 1926 (formalmente dois anos depois) com uma paridade desvalorizada. Obviamente
os responsáveis para as políticas econômicas na Grande Depressão nem pensavam em
abandonar o padrão (câmbio) ouro nem tentavam medidas expansionistas na profundeza da
crise, temendo a volta da inflação, embora nesta vez em um ambiente de deflação galopante.

O tempo pós-guerra na Alemanha é uma história de fome e da confusão política, da revolução


(novembro de 1919), de conflitos armados entre grupos armados da direita (‘Freikorps’) e dos
revolucionários, de assassinatos políticos pelos militares, pelos Freikorps e as organizações
secretas de direita (organização Consul e outros), como os líderes assassinados do partido
comunista em 1919, Luxemburg e Liebknecht, e o presidente de Bavária Eisner dos
socialdemocratas independentes (USPD), e nos anos seguintes católicos e liberais como
Erzberger e Rathenau, com um golpe fracassado da direita em 1920 (‘Kapp Putsch’), com
resistência armada dos comunistas no conflito da Ruhr pós ‘Kapp-Putsch’ e em Hamburgo em
1923, a tentativa de um golpe por Hitler e da direita política em 1923 em Munique, e a
225

hiperinflação mais aguda de 1923, que destruí as poupanças da classe média alemã, seguindo
a invasão militar francesa e belga no distrito industrial de Ruhr. A inflação em ascensão depois
da guerra e a desvalorização do marco conseguiu evitar desemprego mais elevado até 1923,
bem como a recessão profunda, mas curta, de 1921 em outros países. Quando com a invasão
militar da Ruhr, com uma resistência passiva com financiamento público, a economia alemã
colapsou, a hiperinflação acelerou e o desemprego aumentou expressivamente e os salários
reais caiavam. Depois da estabilização da moeda alemã no fim de 1923 começou um período
de estabilização e crescimento econômico financiado em primeiro lugar por créditos
americanos, acompanhado com um clima político um pouco mais tranquilo.

Nos Estados Unidos a década de 1920 foi um período de expansão expressiva da economia
com inovações e o início de uma sociedade de consumo da massa (novos métodos de
produção como o Taylorismo e a linha de montagem de Ford, novos produtos, para o consumo
de massa: Carros, rádios, geladeiras, cinema etc.) e também um clima de mudança cultural
(era de jazz e de novas danças) sob as restrições da proibição, que levou também a um
aumento da criminalidade (Al Capone, Dillinger etc.). Nos Estados Unidos houve uma mudança
de uma sociedade rural e agrária para uma sociedade urbana, de uma economia de pequenas
empresas competitivas para uma economia dominada por grandes empresas, embora estas
tendências já tivessem início depois do fim da guerra civil em 1865. Para o Reino Unido a
década de 1920 foi um período de dificuldades econômicas permanentes, a taxa de
desemprego industrial desde 1921 nunca caiu abaixo dos 10% e os problemas pioravam com a
volta ao padrão ouro na taxa de câmbio pré-guerra (sobrevalorizado) em 1925. As políticas
deflacionárias para aumentar a competitividade da economia britânica foram também um
fator que explica os problemas econômicos do Reino Unido no período entre as guerras. A
volta a taxa de câmbio pré-guerra foi também uma decisão visando a credibilidade do setor
financeiro britânico e da defesa da ‘City’ de Londres como centro financeiro global, uma vitória
do setor financeiro sobre o setor produtivo. A França voltou depois de um tempo de inflação
elevada e volátil a uma taxa de câmbio subvalorizado em 1926 ao câmbio ouro e não
enfrentou os problemas econômicos do Reino Unido, mesmo na Grande Depressão que
começou somente em 1931 na França a taxa de desemprego geral nunca subiu acima de 5%,
porque na década de 1920 a França era ainda um país com grande importância da agricultura.
O franco subvalorizado atraiu influxos de ouro que ainda aumentavam os problemas do Reino
Unido em sua concorrência com os Estados Unidos para a hegemonia nas finanças
internacionais. Mas com a saída do padrão ouro pelo Reino Unido em 1931 e pelos Estados
226

Unidos em 1933 a situação de França piorou e até a saída de ouro em 1936 a economia ficou
estagnada ou em recessão.

Na Itália depois da guerra houve fortes lutas de classe em 1920 e 1921, mas a classe
dominante conseguiu unir as forças para estabelecer um regime fascista sob Mussolini em
1922, reprimindo partidos e sindicatos de esquerda e estabelecendo um Estado corporativista,
que se tornou uma ditadura plena em 1925.

A década de 1920 diretamente depois da guerra foi em todo mundo um período de


crescimento do número de regimes democráticos, especialmente na Europa, mas os
problemas do pós-guerra, os conflitos violentos entre direita e esquerda e o nacionalismo
fanático levavam já na década de 1920 na ascensão de regimes autoritários na Europa central,
uma tendência que se fortaleceu na Grande Depressão.

No Brasil houve um período onde a oligarquia dominante agrária (política de café com leite de
São Paulo e Minas Gerais) foi desafiada por revoltas militares (tenentismo, coluna Prestes
etc.), mas conseguiu levar sua política econômica de subvenção do setor cafeeiro diante, com
aumento dos estoques e dos custos da sustentação de estoques, o que levou a problemas
econômicos e políticos mais sérios na Grande Depressão.

A década de 1920 foi também o palco para uma depressão curta, mas aguda, em 1920/1921
nos Estados Unidos e no Reino Unido e em alguns outros países, uma explicação são as
políticas fiscais e monetárias restritivas nos Estados Unidos e no Reino Unido para combater a
inflação ascendente pós-guerra e da curta, mas forte, expansão econômica pós-guerra nestes
países. A depressão foi acompanhada de uma deflação expressiva, mas a recuperação foi
rápida sem intervenções dos governos ou bancos centrais. A tabela a seguir mostra os fatos
mais importantes da crise de 1920/21 em comparação com o período da Grande Depressão.
Alemanha, Bélgica e –parcialmente – França escapavam da depressão profunda por causa da
reconstrução pós-guerra e da inflação em ascensão neste período.

Tabela 33 Recessão em 1921: Índices da produção industrial (I)/manufatura(M) em países


escolhidos (1920=100) e comparação com a Grande Depressão dos anos 1930 (1929 = 100)

Bélgica Reino Estados Unidos


França (I) Alemanha* Suécia (I)
(I) Unido (I) (M)
1913 175,4 119,4 181,5 105,7 102,1 81,5
1920 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1921 116,5 92,7 120,4 78,4 81,4 81,1
1922 137,9 120,4 129,6 96,8 94,2 103,2
1923 144,9 131,7 85,2 104,2 99,7 116,5
227

Taxa crescimento
16,5% -7,3% 20,4% -21,6% -18,6% -18,9%
1921/1920
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 95,9 100,0 90,0 93,9 95,7 85,6
1931 88,8 88,8 76,3 88,3 89,5 72,0
1932 76,4 79,7 67,0 81,6 89,2 53,8
1933 74,5 88,3 73,2 89,7 95,1 62,8
1934 75,0 84,7 87,3 110,2 104,5 69,1
1935 79,7 82,1 98,1 121,8 112,5 82,8
1936 88,7 89,3 109,9 134,2 122,6 96,8
Taxa crescimento
ano do fundo -25,5% -20,3% -33,0% -18,4% -10,8% -46,2%
para 1929
Deflação EUA (%)
Deflação EUA (%) Deflação EUA IPC
atacado -44,1 IPC 1933/1929
-38,0 (%)1938/1937
-14,8
1920/1921
Fontes: * Alemanha http://www.gesis.org/histat/de/data/themes/20
Outros países: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts
Database, January 2009, http://www.ggdc.net/, Deflação: Gordon, p 172

A memória da recuperação rápida da depressão nos anos 1920/1921 foi também parcialmente
responsável pela inatividade de governos e bancos centrais nos primeiros anos da Grande
Depressão, fundada também na ideologia neoclássica hegemônica antes da Grande Depressão
– fortemente hostil a intervenções do governo na economia - que esperava uma recuperação
rápida automática da economia capitalista depois da queda através da dinâmica de mercados
livros e preços flexíveis.

iv. O período da prosperidade relativa até 1929

O padrão-ouro (...) é convencionalmente retratado como sinônimo de estabilidade financeira.


Sua queda a partir de 1929 está implicada na crise financeira global e da depressão mundial. A
mensagem central deste livro é que precisamente o oposto era verdade. Longe de ser sinônimo
de estabilidade, o próprio padrão ouro era a principal ameaça para a estabilidade financeira e
prosperidade económica entre as guerras.
Barry Eichengreen, Golden Fetters (1992) p. 4
O período depois de 1923 até a Grande Depressão, ou para Alemanha depois de 1925, é visto
como um período de estabilidade relativa econômica e política e até um período de
prosperidade econômica. A caracterização da prosperidade – com certeza – aplica se aos
Estados Unidos: modernização, inovação, urbanização e o início de uma sociedade de consumo
de massa, mas com uma fragilidade permanente do setor da agricultura. As pessoas tornavam
se mais ricos, o padrão de vida se elevou, mas de forma desigual. O aumento da desigualdade
de renda e riqueza é visto por alguns economistas como um fator importante para explicar a
eclosão da crise, focando em teorias de subconsumo, da superprodução e de
superinvestimentos, embora estas teorias sejam controversas no ambiente acadêmico.
228

Para o Reino Unido, depois da volta ao ouro em 1925, a década de 1920 pode somente ser
caracterizada como uma década perdida com desemprego elevado e crescimento medíocre
como consequência das políticas deflacionistas para aumentar a competividade da indústria.
Para a França a estabilização macroeconômica começou somente com a volta ao padrão
(câmbio) ouro em 1926 (formalmente em 1928), que acabou com um período de inflação alta
e volátil. Na Alemanha houve depois da estabilização macroeconômica desde 1924 um período
de certa prosperidade, embora financiada por influxos de capital estrangeiro, e certa
estabilização política. Por esta razão este período para a Alemanha pode ser descrito como
prosperidade a crédito, embora o desemprego ficasse elevado em todo período. A Alemanha
já experimentou em 1928 uma séria recessão com o desemprego chegando em fevereiro de
1929 em mais de 3 milhões de desempregados, antes da Grande Depressão.

O gráfico a seguir mostra uma prosperidade diferenciada para os países centrais mais
importantes com um índice do PIB per capita (base 1923 = 100, foi escolhido o PIB per capita,
porque houve mudanças importantes na população e produção com as novas fronteiras do
tratado de paz de Versalhes), que mostra que Alemanha e também França começavam depois
da guerra em um nível muito menor do que antes da guerra e a Alemanha chegou somente em
1926 ao mesmo nível do PIB per capita de antes da guerra. É importante anotar que existem
diferentes estatísticas econômicas para o período entre as guerras e que estas estatísticas são
muito mais frágeis do que depois da Segunda Guerra Mundial.

Gráfico 20 Índice PIBpc (1913 =100) Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido
229

Fonte: Maddison tables and updates, cálculos próprios

Na avaliação global da Grande Depressão dados novos com frequência mensal [Albers/Uebele,
p. 2] mostram que muitos países da Europa já experimentavam uma situação econômica de
fragilidade em meio da década de 1920 aumentando a credibilidade da ideia de uma “Longa
Depressão Europeia” (Kindleberger) e levantando dúvidas sobre posições que focalizam no
centro americano da Grande Depressão. Com um indicador mensal da atividade econômica
para trinta países eles apontam para a fragilidade de muitas economias europeias na década
de 1920, como a tabela a seguir mostra [Albers/Uebele, p. 19] que conta a percentagem dos
meses em recessão para o indicador da atividade econômica.

Tabela 34 Tendências recessivas 1925-1928

Forte (Queda >20%) Suave (Queda entre 0% e 20%) Nenhuma Queda


Alemanha 54% Checoslováquia 19% Canada 0%
Itália 50% Dinamarca 19% Japão 0%
Reino Unido 46% Suécia 19% Lituânia 0%
Noruega 46% Bélgica 17% Espanha 0%
África do Sul 38% Finlândia 17% Suíça 0%
Polônia 29% Países Baixos 15% Estados Unidos 0%
França 27% Hungria 13%
Áustria 23% Estônia 10%
Fonte: Albers e Uebele, p. 19

A tabela mostra que muitos países da Europa já experimentavam sérias tendências recessivas
entre 1925 e 1928, apontando para um peso importante da Europa na eclosão da Grande
Depressão, embora a queda no fim de 1929 dos Estados Unidos tirou a economia mais
importante da economia global das trilhas e levou com isto a uma fragilidade ainda maior dos
países da Europa e dos países exportadores de commodities na periferia. A diminuição dos
fluxos de capital dos Estados Unidos para estes países, que já começou em 1928, aumentando
ainda mais a fragilidade da economia global.

Estes fatos apontam para uma leitura mais global na eclosão e propagação da Grande
Depressão, embora muitas análises saiam do pressuposto de que a Grande Depressão teve sua
origem nos Estados Unidos, embora é necessário considerar que o puro tamanho e a pura
importância da economia dos Estados Unidos de qualquer forma numa análise global apontam
para uma importância dos Estados Unidos na eclosão e propagação da Grande Depressão.

As fragilidades das estatísticas mostram também os dados sobre o desenvolvimento


econômico do Brasil entre as guerras. O gráfico a seguir mostra diferentes estimativas da taxa
de crescimento do PIB do Brasil, dados do IBGE, dados do IMF e dados do Groningen Growth
230

and Development Centre (GGDC que se baseiam nos cálculos de Maddison). As diferenças são
expressivas na avaliação da queda acumulada do PIB no Brasil em 1930 e 1932 (IBGE – 5,3%,
IMF – 8,1 % GGDC -3,9%) e na avaliação da recuperação acumulada do produto de 1932 até
1938 (IBGE 56,5%, IMF 46,4% GGDC 36,6%).

Gráfico 21 Taxa de crescimento do PIB Brasil 1913 – 1939, estimativas do IBGE, do IMF e do
Groningen Growth and Development Centre (GGDC).

Fontes: IBGE, IMF Datamapper, Groningen Growth and Development Centre

Embora na década de 1920 o Brasil fosse ainda um país principalmente de agricultura, a


industrialização começou antes e houve impulsos fortes pela Primeira Guerra Mundial
(crescimento acumulado do setor industrial entre 1914 e 1928 191,3%) e na recuperação da
Grande Depressão (crescimento acumulado do setor industrial entre 1932 e 1938 94,6% em
comparação crescimento acumulado do PIB neste período 53,6% (IBGE, cálculos próprios)) e
também depois da Segunda Guerra Mundial, que mudou a composição setorial do PIB e da
ocupação para um país industrializado, como pode ser visto na tabela a seguir.

Tabela 35 Composição setorial do PIB e da ocupação, Brasil 1900 – 2000

Agricultura Indústria Serviços


PIB Ocupação PIB Ocupação PIB Ocupação
1900 45,0 66,9 13,2 4,2 41,8 28,9
1930 36,3 66,3 17,0 13,6 46,7 20,2
1950 23,2 59,9 25,9 17,6 50,9 22,5
1963 16,2 51,0 34,9 18,8 48,9 30,2
231

1980 10,1 29,4 40,9 29,1 49,0 41,5


1993 12,5 26,1 39,5 20,8 48,0 53,0
2000 12,9 23,6 38,4 19,2 48,7 57,2
Fonte: Brazilian economic growth, 1900-2000: lessons and policy implications
A tabela a seguir mostra crescimento médio e volatilidade do crescimento do PIB e seus
setores em certos períodos de 1900 até 2000.

Tabela 36 Taxas médias de crescimento e desvio padrão do PIB e dos setores da economia,
população e PIB per capita, Brasil 1900 – 2000

1901–30 1931–50 1951–63 1964–80 1981–93 1994–2000


Total PIB
4,3 5,1 6,9 7,8 1,6 3,1
média
Total PIB
5,1 4,4 2,9 3,3 4,1 2,0
dp*
Agricultura
3,6 2,7 4,1 4,5 2,4 3,4
média
Agricultura
7,5 5,1 4,0 4,5 5,9 2,6
PIB dp*
Indústria
5,2 7,3 9,5 8,5 0,4 2,6
média
Indústria
7,0 5,6 4,9 5,3 6,5 3,2
dp*
Serviços
4,7 5,5 6,7 7,5 0,5 3,2
média
Serviços
7,0 5,9 3,9 4,0 5,0 5,0
dp*
População 2,4 2,0 3,0 2,6 1,9 1,4
PIB per
2,0 3,1 3,9 5,1 –0,2 1,7
capita
Fonte: Brazilian economic growth, 1900-2000: lessons and policy implications *dp desvio
padrão
A tabela mostra o crescimento forte até 1980, diminuindo expressivamente com a crise da
dívida externa na década de 1980.

O retorno ao padrão (câmbio) ouro

A Grande Depressão foi causada, em minha opinião, pelas tensões da Primeira Guerra Mundial
sobre o padrão-ouro. A própria guerra levou à suspensão do padrão-ouro, mas não – como foi
amplamente declarado – a sua morte. O sistema foi reavivado depois da guerra essencialmente
na sua forma pré-guerra. As condições eram muito diferentes, tornando a restauração do
padrão-ouro tortuoso. Foi necessário um intenso apego a ideologia do padrão-ouro para
completar a sua restauração. (...). A combinação de condições modificadas e algumas escolhas
políticas da década de 1920 – especificamente a escolha de valores para a libra e o franco –
criavam tensões para o funcionamento do padrão-ouro entre as guerras. A assimetria do
padrão ouro forçou mais os países deficitários de contrair do que os países superavitários de
expandir. As regras do padrão ouro ditavam deflação em vez de desvalorização para os países
deficitários. O resultado foi uma política deflacionária mundial no final de 1929. (...). Foi a
combinação do choque da Primeira Guerra Mundial, uma instituição internacional imutável [o
padrão ouro], e um regime inflexível de políticas que gerou a Grande Depressão. A Depressão
não era inevitável em 1929. Se os políticos fossem capazes de libertar-se das amarras do
232

padrão-ouro, eles poderiam ter instituído políticas anticíclicas. Mas, sem essa mudança, as
regras do padrão-ouro mandavam deflação. Políticas destinadas a efetuar a deflação
ampliavam as forças deflacionárias presentes em 1929. Peter Temin Lessons from
the Great Depression p. 33 p.
Temin [1991] e também Eichengreen [1992] enfatizam que as regras e a ideologia do padrão
ouro sob o choque da Primeira Guerra Mundial foram os responsáveis para tornar a recessão
uma depressão. Também a propagação da crise para o nível global foi na opinião de Temin
consequência das regras do padrão ouro. Embora muitos pesquisadores apontassem para os
Estados Unidos como origem da Grande Depressão, Temin adverte que politicas deflacionistas
nos Estados Unidos e na Alemanha foram causas importantes.

Temin [1993, p. 88 p.] conceitua o padrão ouro com cinco características, os primeiros três
implicando as duas restantes. (1) Os fluxos livres de ouro entre indivíduos e países, (2) a
relação fixa das moedas nacionais em termos de ouro e com isto taxas fixas de câmbio, e (3) a
falta de um órgão internacional de coordenação e de emprestador de última instancia
internacional como o Fundo Monetário Internacional (FMI/IMF) no sistema de Bretton Woods
depois da Segunda Guerra Mundial. Estes arranjos institucionais implicam que (4) existia uma
assimetria entre países com déficits e superávits no balanço de pagamentos, onde países com
déficit precisam exportar ouro, enquanto países superavitários importavam ouro. As regras do
padrão ouro previam que países superavitários aumentavam sua quantidade de moeda em
circulação implicando um aumento dos preços e uma perda de competitividade, enquanto
países deficitários perdiam ouro é precisavam enxugar sua quantidade de moeda implicando
uma diminuição do nível dos preços e um ganho de competitividade, implicando teoricamente
um mecanismo de ajuste que garantiu a volta ao equilíbrio dos balanços de pagamentos. Na
realidade países superavitários muitas vezes esterilizavam os influxos de ouro, forçando os
países deficitários para medidas deflacionárias mais sérias. O mecanismo de ajustamento foi –
por esta razão x– (5) para um país deficitário uma deflação em vez de uma desvalorização,
onde medidas deflacionistas são politicamente difíceis e economicamente demoradas, levando
muitas vezes a distúrbios sociais (como em 1926 no Reino Unido a uma greve de muitos meses
na indústria de carvão e uma greve geral mais curta). A escolha implícita de deflação em vez da
desvalorização foi para Temin o fator mais importante para a transmissão internacional de
choques deflacionistas e da crise na Grande Depressão.

Uma diferença importante do padrão (câmbio) ouro entre as guerras do padrão ouro antes da
Primeira Guerra Mundial foi que as reservas em moeda estrangeira (convertíveis em ouro, em
sua grande maioria dólares e libras) poderiam ser contadas como reservas internacionais
[Bernanke, 2004, p. 10]. Embora já no padrão ouro para muitos países existissem reservas em
233

moeda estrangeira, este fato aumentou a instabilidade do padrão (câmbio) ouro, porque em
tempos de uma possível desvalorização da libra (em 1931) e do dólar (em 1933) os bancos
centrais com reservas em moedas estrangeiras trocavam moeda estrangeira por ouro
esvaziando as reservas de ouro nos países já enfrentando problemas.

Bordo e McDonald [2001] levantam alguns argumentos que diferenciam o padrão câmbio ouro
entre guerras do padrão ouro antes da Primeira Guerra Mundial e explicam as fraquezas do
sistema monetário internacional entre as guerras:

1. As reservas dos países aderentes [com exceção dos países centros de reservas Estados
Unidos, Reino Unido e depois França] poderiam ser de ouro ou de moedas dos países
centrais o que fragilizou o sistema monetário internacional, porque aumentou a
possibilidade para os países superavitários de esterilizar influxos de ouro e
enfraquecer o mecanismo de ajuste dos balanços de pagamentos no padrão ouro. O
padrão câmbio ouro foi introduzido porque teve a preocupação de uma escassez de
ouro no nível global.
2. O padrão câmbio ouro sofreu da má distribuição das reservas de ouro entre países
deficitários e superavitários. Este fato reflete a preferência do Banco da França pelo
ouro no período depois da volta ao ouro em 1926 [a uma taxa subvalorizada ao
contrário da volta ao ouro do Reino Unido em 1925 a uma taxa de câmbio
supervalorizada] e a persistente esterilização dos influxos de ouro pela Federal
Reserve. [Entre 1927 e 1932 França aumentou seu estoque de ouro de 7% para 27%
das reservas mundiais de ouro e esta acumulação das reservas de ouro foi em grande
parte eficientemente esterilizada]. Esta acumulação de ouro criou uma escassez
artificial de reservas e levou outros países para uma pressão deflacionária.
3. No padrão ouro clássico a libra o Reino Unido e o Bank of England tinham uma posição
importante para o funcionamento suave do sistema com a mudança da taxa básica de
juros (discount rate) e com isto atraindo ou repelindo influxos de ouro. Em tempos de
crise o Reino Unido funcionou com emprestador de última instancia para países com
problemas, os Estados Unidos não queriam assumir esta posição no período entre as
guerras por causa de tendências políticas isolacionistas. A fraqueza da libra no período
entre as guerras criou mais tensão para o sistema câmbio ouro.

A maioria dos governos dos países beligerantes efetivamente suspendeu o padrão ouro
durante a Primeira Guerra Mundial e financiou parte de seus gastos militares expressivos
emitindo moeda. Como consequência os preços estavam mais elevados em todos os lugares
ao final da guerra em 1918. Vários países financiavam também seu processo de reconstrução
234

imprimindo moeda, resultado inflação, e algumas vezes, como no caso da Alemanha (1923) a
hiperinflação.

Tabela 37 Déficits fiscais (-) e superávits (+) como parte dos gastos dos governos (%) 1914-
1918
Reino Unido França Alemanha Itália Estados Unidos
1914 -61,3 -54,8 -73,5 -6,1 -0,1
1915 -79,8 -79,4 -94,4 -45,3 -8,4
1916 -75,0 -96,6 -92,7 -64,9 6,7
1917 -76,1 -86,1 -90,8 -69,6 -43,7
1918 -69,2 -80,0 -93,8 -70,2 -71,2
Fonte: Eichengreen, 2000, p. 75

Os Estados Unidos voltavam ao padrão ouro em 1919 [Eichengreen, 2000, p. 76 pp.]. A


lembrança da estabilidade financeira, do crescimento rápido das economias e do mecanismo
de ajuste automático do padrão ouro antes da Primeira Guerra Mundial levou muitos países de
tentar a volta ao padrão ouro. Mas os níveis dos preços em muitos países foram muito mais
altos depois da guerra e a inflação foi diferente em diferentes países o que levantou a questão
a que taxa de câmbio voltar ao padrão ouro. A Conferência de Gênova em 1922 sancionou o
padrão de troca parcial de ouro, no qual países menores poderiam reter como reservas as
moedas de vários países grandes cujas próprias reservas internacionais consistissem
totalmente em ouro (Padrão câmbio ouro) [Eichengreen, 2000, p. 76 pp.]. Normalmente a
volta do Reino Unido para o padrão câmbio ouro na taxa de câmbio pré-guerra em 1925
[provavelmente sobrevalorizada: US$ 4,86 por Libra] é vista como restauração do padrão
(câmbio) ouro (ou a volta de França em 1926), porque Áustria, Alemanha, Polônia e Hungria já
haviam estabilizadas as taxas de câmbio antes. Muitos países seguiam a decisão do Reino
Unido. Antes da volta ao padrão câmbio ouro os países deixavam flutuar suas moedas
livremente.

Se 1925 [ou 1926] fossem vistos como renascimento do padrão (câmbio) ouro, a saída do
Reino Unido do ouro e a desvalorização da libra em 1931 [ou a saída dos Estados Unidos em
1933 sob Roosevelt], em plena depressão, fossem vistas como sua extinção [Eichengreen,
2000, p. 76 pp.]. O preço para o Reino Unido de voltar ao ouro a uma taxa supervalorizada foi a
necessidade de seguir politicas deflacionistas para melhorar a competitividade, a decisão pode
ser vista como a vitória da ‘city’ de Londres (do setor financeiro) sobre o setor industrial. A
França voltou em 1926 [de jure 1928] para o ouro a uma taxa de câmbio subvalorizada o que
tinha como consequência entradas de ouro para a França e saídas de ouro do Reino Unido
enfraquecendo a posição de Londres como centro financeiro global.
235

Os aspectos internacionais que figuravam entre os gatilhos para a eclosão da Grande


Depressão são: a crise da agricultura em muitos países na década de 1920, a fragilidade da
economia britânica depois da volta ao padrão ouro em 1925 a uma paridade supervalorizada,
a fragilidade da recuperação alemã dependendo de influxos contínuos de capital norte-
americano e a fragilidade do sistema bancário alemão depois da hiperinflação de 1923, a
queda do influxo de capital norte-americano para Europa e os países da América Latina
começando em 1928, tendências recessivas nos Estados Unidos e na Alemanha como
consequência de políticas monetárias restritivas já antes da quebra da bolsa de Nova Iorque
em outubro de 1929, que é visto até hoje no imaginário coletivo como gatilho para a Grande
Depressão.

Temin [1993, p. 88] argumenta que “A guerra alterou os padrões de comércio entre os países,
trazendo novas áreas agrícolas para a produção e redesenhando as fronteiras nacionais. Ele
transformou a posição de capital nas nações como a Grã-Bretanha e tornou os Estados Unidos
o credor maior no nível internacional depois da guerra. A guerra envenenou as redes de
cooperação internacional que existiam antes”. A tabela a seguir mostra o retorno ao ouro
depois da Primeira Guerra Mundial e a taxa de câmbio com que os países retornavam ao ouro
em relação à paridade antes da guerra e a saída do padrão ouro70.

Tabela 38 Retorno ao padrão ouro, saída do ouro, paridade de volta em relação a paridade
antes da guerra, queda da produção industrial, países escolhidos

Paridade nova Queda da


Data da volta ao
Data de saída do em por cento da Produção
padrão ouro de
padrão ouro paridade antes industrial Grande
fato
da guerra Depressão (%)
Volta ao ouro com moeda depreciada de menos de 10% do valor antes da guerra
Alemanha* 1924 ago/31 1,00E-10 -41,8
Polônia* 1926 abr/36 0,000026 -46,6
Áustria* 1922 set/31 0,00007 n.d.
Hungria* 1924 jul/31 0,0069 n.d.
România 1927 mai/32 3,1 n.d.
Bulgária 1924 1931 3,8 n.d.
Portugal 1929 1931 4,1 n.d.
Grécia 1927 set/31 6,7 n.d.
Jugoslávia 1925 1931 8,9 n.d.
Volta ao ouro com moeda depreciada de 10% a 30%
Finlândia 1924 out/31 13,0 n.d.
Bélgica 1923 mar/35 14,5 -30,6
Checoslováquia 1926 set/31 14,6 -40,4
França 1926 out/36 20,3 -31,1
Itália 1926 out/36 27,3 -33,0
Volta ao ouro na paridade antes da guerra
236

Estados Unidos jun/19 mar/33 100 -46,8


Suécia 1922 set/31 100 -10,3
Países Baixos 1924 out/36 100 -37,4
Suíça 1924 1936 100 n.d.
Reino Unido 1925 set/31 100 -16,2
Dinamarca 1926 set/31 100 -16,5
Noruega 1928 set/31 100 n.d.
Fontes: Feinstein, Temin e Toniolo, 2008, p.46 e para a saída do ouro e dados para Estados
Unidos em: WANDSCHNEIDER 2005, queda da produção industrial em Romer, 2003 * Estes
países experimentavam uma hiperinflação (Alemanha) ou uma inflação muito alta no período
pós guerra antes da volta ao padrão câmbio ouro

Na perspectiva de muitos economistas a paridade com que o Reino Unido voltava ao ouro em
1925 foi supervalorizada (em vez de 10%) e a paridade com que a França voltava ao ouro em
1926 foi subvalorizada levando a sérios problemas no funcionamento do padrão (câmbio) ouro
com necessidade de políticas deflacionárias no Reino Unido e influxos expressivos de ouro na
França. A saída do padrão ouro de Reino Unido em setembro de 1931, acompanhada de
muitos outros países, livrou o país da necessidade das políticas deflacionistas, mas a taxa de
câmbio da França e de outros países de bloco de ouro (a maioria deles permanecendo no
padrão ouro até 1936) tornou se supervalorizada em consequência da saída de ouro de Reino
Unido em 1931 e dos Estados Unidos em 1933.

O candidato mais importante para a explicação da profundidade e do tempo prolongado da


Grande Depressão e sua propagação internacional é: a ideologia prevalecente do pensamento
clássico econômico e do padrão ouro de que uma crise com queda da demanda global seja
resolvida automaticamente com a queda dos preços e salários que prometem uma
recuperação das expectativas, do investimento e consumo como na curta, mas profunda,
depressão dos anos 1920/1921. Esta crença subestimou os efeitos destrutivos da deflação
generalizada, da queda da quantidade de moeda e sua propagação internacional através do
padrão ouro e da eclosão de crises bancárias, defaults soberanos, corridas de desvalorizações
e uma espiral para baixo da produção e das exportações. Esta ideologia liberal também explica
a prolongada inatividade de governos e bancos centrais em estabilizar a demanda global e os
sistemas financeiros. A falta de cooperação internacional dificultou a saída desta depressão em
nível global. Uma desvalorização coordenada dos países (aumento dos preços de ouro) tivesse
abrindo espaços para políticas monetárias mais expansionistas que poderiam ter evitado ou
diminuido o perigo de crises bancárias e facilitado uma recuperação. Bernanke [2004, p. 16
pp.] apontou que países que abandonavam o padrão ouro mais cedo sofriam menos e se
recuperavam mais cedo.
237

Outros candidatos para explicar profundidade, extensão e a longa duração da Grande


Depressão são a queda da moeda nominal, a rigidez dos salários, a extensão global da crise, os
erros de governos e bancos centrais, as tentativas nacionalistas de sair da crise sem
coordenação internacional com a consequência de dificultar a recuperação em outros países e
outros fatores estruturais e contingentes, que são o objetivo dos capítulos a seguir.

Prosperidade a crédito: A expansão do crédito no período entre as guerras

Pelo menos nos Estados Unidos a década de 1920 foi um período de expansão econômica e
inovação, parcialmente financiado pela expansão de crédito, novamente também como
crédito ao consumidor, bem como de forma crescente para o investimento financeiro na bolsa
de valores. Eichengreen e Mitchener [2003] enfatizam que o acesso ao crédito alimentou a
expansão da compra de carros e outros bens duráveis de consumo, em 1925 uma expansão no
setor da construção civil e a seguir uma crise neste setor, e a bolha no mercado acionário em
1928/1929. Uma expansão de crédito leva a um aumento da alavancagem financeira, um
problema que pode aprofundar uma crise, por que bancos, empresas e pessoas tornam se
mais vulneráveis numa queda dos preços de ativos numa crise. Especialmente na teoria
austríaca dos ciclos conjunturais a expansão do crédito com taxas de juros abaixo de seus
níveis naturais é vista como um fator importante na criação de superinvestimentos e
investimentos equivocados, que levam finalmente para a crise, que através de destruição de
capital em um processo de limpeza de excessos leva a economia para o caminho normal.
Eichengreen e Mitchener [2003] não enfatizam uma explicação monocausal da crise como os
teóricos austríacos, mas advertem que em uma abordagem multifacetada o problema de uma
bolha de crédito deve ser refletido na explicação da Grande Depressão.

Prosperidade a crédito: os fluxos internacionais de capital no período entre as guerras

A Primeira Guerra Mundial transformou os Estados Unidos de um país devedor (posição


líquido do Investimento internacional em julho de 1914 de – 3,8 bilhões de US) para um país
credor (posição líquido de Investimento internacional em 1919 3,7 bilhões de US$) em
consequência, em primeiro lugar, dos créditos para os governos do Reino Unido e da França na
guerra [Eichengreen 1989, p. 237 p.]. Diretamente depois da guerra até 1924 os mercados de
capital internacional ficavam calmos, até lá os investidores não queriam emprestar para
devedores em Europa, mas também os empréstimos para América Latina ficavam deprimidos.

Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 76] procuram avaliar o papel dos fluxos internacionais de
capital na eclosão da Grande Depressão. Resumindo a posição destes autores: Os fluxos de
capital depois de 1924 ajudavam a criar um ambiente de prosperidade em partes da Europa, a
238

ruptura súbita começando em 1928 com uma diminuição dos fluxos foi um fator na eclosão da
crise na Europa e das crises bancárias na Áustria, Alemanha e na Europa central de 1931. A
queda começando no verão de 1928 com uma política restritiva da ‘Federal Reserve’ (para
acalmar a especulação no mercado acionário) e a mudança dos fluxos de capital para um
mercado acionário de Nova Iorque em plena expansão secou os fluxos de capital para Europa e
América Latina levando a políticas mais contracionistas nestes países [Eichengreen, 1992, p. 12
p.].

Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 77 p.] apontam que os fluxos de capital dos países
credores para países devedores no período de 1924 até 1930 foi cerca de 10 até 11 bilhões de
US$. Os créditos, na maioria na forma de títulos de dívida (‘bonds’) foram 60% dos Estados
Unidos, respectivamente 15% do Reino Unido e da França e o resto de outros credores
europeus, Suíça, Países Baixos, Checoslováquia e Suécia. Um terço destes fluxos de capital
internacional foi para a Alemanha. Os domínios britânicos e Índia recebiam um quinto e
também um quinto foi para América Central e Sul [Feinstein, Temin e Toniolo, 2008, p. 79]. Na
Europa os fluxos foram quase de tamanho igual de curto e de longo prazo.

Eichengreen [1989, p. 240] mostra a distribuição de emissões de títulos estrangeiros nos


Estados Unidos entre 1919 e 1929.

Tabela 39 Distribuição da emissão de títulos estrangeiros de dívida nos Estados Unidos 1919 –
1929

América Total Milhões


Europa % Canada % Ásia %
Latina % US$
1919 60,3 30,4 8,9 0,2 377,5
1920 51,5 38,2 10,1 0,0 480,4
1921 26,2 32,5 38,6 2,5 594,7
1922 29,5 23,5 31,2 15,6 715,8
1923 26,1 29,0 27,7 17,0 413,3
1924 54,7 15,7 19,4 9,9 961,3
1925 58,9 12,8 14,8 13,2 1.067,1
1926 43,5 20,3 33,1 2,8 1.110,2
1927 44,2 18,1 26,0 11,5 1.304,6
1928 48,0 14,8 26,5 10,5 1.243,7
1929 21,5 44,0 26,5 7,8 658,2
Fonte; Eichengreen [1989] p. 240

Accominotti e Eichengreen [2013] chamam este episódio [para Europa] de influxos de capital
internacional até 1928/1928 e sua reversão “mãe de todas as rupturas súbitas”, um processo
voltando ao palco nas crises da crise da dívida externa nos países de América Latina na década
de 1980 e nas crises das décadas de 1990 e 2000, embora nestes casos houvesse certa
239

substituição da queda de fluxos privados pelo aumento dos fluxos públicos [do IMF, dos países
centrais e das instituições da União Europeia agindo como emprestador de última instância
internacional, embora sob condicionalidade de programas de austeridade]. Eles apontam
também [p. 9] que com a seca dos mercados internacionais de capital em Nova Iorque e
Londres 1929 até 1932, governos e empresas mudavam para Paris e Estocolmo, o que atenuou
um pouco os efeitos negativos. Mas de qualquer forma a reversão foi expressiva, o déficit
agregado em conta corrente de Alemanha, Áustria e Hungria em relação ao PIB agregado foi
em 1927 de 4,9%, a reversão de 1927 e 1931 foi de 6% pontos percentuais do PIB agregado
[p.3 p.], um tema que vai ser aprofundado no capítulo sobre a crise.

Os fluxos internacionais de capital de longo prazo neste tempo foram em primeiro lugar
emissões de títulos de dívida (‘bonds’) do setor público e privado. Os fluxos de curto prazo
foram em primeiro lugar créditos comerciais, outros empréstimos e fluxos de capital de
curtíssimo prazo (‘hot money´). Embora o papel da ruptura súbita dos fluxos de capital para
Alemanha na eclosão da Grande Depressão neste país é um assunto controverso, Feinstein,
Temin e Toniolo [2008, p. 89] afirmam que a ruptura aumentou os problemas do governo
alemão e foi importante na introdução de medidas deflacionistas posteriores do governo.

Crises na agricultura mundial

Na discussão sobre as causas da Grande Depressão houve também uma discussão controversa
sobre superprodução de produtos agropecuários no nível global no período entre guerras (em
relação a demanda efetiva para estes produtos) que levou a queda dos preços e a problemas
da agropecuária especialmente para os produtores e exportadores nos países periféricos, mas
também para agricultura dos Estados Unidos e da Europa. A superprodução foi, neste sentido,
incentivada pela queda da produção nos países da Europa nos tempos da guerra, mas a
produção agropecuária voltou nestes países depois da guerra rapidamente ao nível antes da
guerra. Os casos dos Estados Unidos e do Brasil são discutidos depois de uma discussão mais
geral sobre os problemas da agricultura entre as guerras. A tabela a seguir mostra a produção
agropecuária no nível mundial de 1870-1938. Nesta tabela pode se ver que a produção
aumentou significativamente na América do Sul, Austrália, Canada, EUA, e na Nova Zelândia
desde 1870 (onde houve uma curta queda na depressão dos anos 1920/21). Para Europa a
produção começa somente na segunda metade da década de 1920 alcançar ou superar o nível
de 1913.

Tabela 40 Valor adicionado e produção bruta na agricultura mundial, 1870-1938 (Índices,


1913=100)
1870 1900 1913 1919 1920 1929 1933 1938
240

Valor adicionado bruto total 53,0 83,3 100,0 n.d. 85,3 112,4 112,8 116,6
Europa 58,4 82,4 100,0 n.d. 75,5 108,4 106,5 112,6
Europa norte oeste 70,3 94,2 100,0 n.d. 80,4 104,9 114,3 116,0
Europa sul 62,9 82,3 100,0 92,9 97,9 117,2 109,5 106,4
Europa leste 41,7 68,2 100,0 n.d. 59,3 108,8 95,5 111,2
Ásia 64,9 87,8 100,0 112,8 98,9 115,1 118,0 114,3
América do Sul 13,4 48,6 100,0 105,5 111,3 162,6 148,1 178,4
Austrália, Canada, EUA, Nova 34,1 81,8 100,0 105,5 94,3 117,5 121,0 123,3
Zelândia

Produção bruta total 51,5 81,8 100,0 n.d. 87,8 116,9 116,9 122,9
Pecuária 44,6 78,6 100,0 n.d. 88,2 120,5 117,5 129,1
Lavouras 55,2 83,6 100,0 n.d. 88,6 115,6 115,5 120,3
Fonte: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, March 2010,
http://www.ggdc.net/ Source: Giovanni Federico, ‘The Growth of World Agricultural Production, 1800-
1938’, Research in Economic History 22 (2004) 125-181; for more details on sources and methods see
the attached textfile.
Kindleberger [1973, p. 88] mostra os produtos mais importantes nas exportações mundiais de
1929.

Tabela 41 Valor das Exportações agrícolas 1929

Produto Valor milhões US$ %


Algodão 1.400 11,3%
Trigo 825 6,6%
Açúcar 725 5,8%
Lã 700 5,5%
Café 575 4,5%
Seda 550 4,4%
Borracha 425 3,4%
Manteiga 400 3,3%
Arroz 400 3,3%
Tabaco 350 2,8%
Milho 250 2,0%
Outros 6.600 49,9%
Exportações totais 12.500 100%
Fonte: Kindleberger [1973, p. 88]

O gráfico a seguir mostra a expressiva ascensão dos preços dos produtos da agricultura dos
Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, sua queda na curta, mas aguda, depressão de
1920/1921, uma recuperação parcial depois desta depressão, mas com os preços estagnados
ou em queda até 1929, quando começou novamente uma forte queda dos preços.
241

Gráfico 22 Estados Unidos Índices dos preços da agricultura (1929 = 100) 1913-1937: geral (58
produtos), culturas (crops), carnes, algodão

Fonte USDA, cálculos próprios

Para os Estados Unidos os preços agropecuários estavam subindo rapidamente na guerra por
causa da diminuição da produção europeia em tempos da guerra, na crise de 1920/21 houve
uma queda expressiva dos preços com uma recuperação parcial até 1929, quando novamente
começou uma queda expressiva dos preços agropecuários. Mas na década de 1920 os preços
agropecuários nos Estados Unidos nunca mais chegavam antes da Grande Depressão para os
níveis dos tempos da Primeira Guerra Mundial, eles ficavam deprimidos em todo período até
1929. É também necessário apontar que o gráfico mostra os preços nominais dos produtos
agropecuários, como consequência da alta dos preços gerais na guerra, os preços
agropecuários reais podem ser vistos como deprimidos para os agricultores para todo período
pós-guerra, uma situação que piorou na Grande Depressão, a deflação levando muitos
agricultores endividados para a falência. A análise dos preços dos produtos agropecuários de
exportação do Brasil está discutida mais tarde neste capítulo.

Aldcroft [p. 259 pp.] mostra os produtos onde houve possivelmente superprodução: trigo,
açúcar, café, algodão, borracha, seda natural, chumbo, zinco, petróleo. Nestes produtos os
estoques aumentavam continuamente depois da metade da década de 1920 e os preços
caiavam. (os estoques na média dobravam e os preços na média caiavam 25 até 30%). Uma
versão diferente do argumento aumenta os produtos para 15 que representavam 25% das
242

exportações mundiais. As exportações destes produtos foram cerca 50% do valor das
exportações totais de 16 países agrários fora da Europa: Argentina, Brasil, Uruguai, Cuba,
Canada, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Índia (Colônia britânica), Indonésia (Colônia
holandesa), Malásia (Colônia britânica), Indochina (Colônia francesa), China e Tailândia (Sião).

Para o açúcar: a demanda aumentava mais rápido do que antes da guerra (4,5% contra 3%),
mas os preços caiavam desde 1923 (os preços de 1929 foram 1/3 dos preços de 1923). Na
guerra a produção de açúcar através de beterraba sacarina caiu na Europa incentivando a
produção de açúcar na periferia, mas a produção europeia aumentou rapidamente depois da
guerra por causa de medidas protecionistas (tarifas) e subvenções.

Para o café: tive tentativas de restringir a produção e/ou de tirar produção do mercado através
de formação de estoques, garantindo os preços, mas com isto atraindo novos produtores no
nível nacional e internacional (os preços elevados atraíram novos produtores em Columbia,
Costa Rica, Haiti, Guatemala e Nicarágua). No Brasil o governo federal acabou com a compra
de café para estoques em 1924, o Estado de São Paulo financiou depois um programa de
estocagem com créditos internacionais. Este programa de estabelecer os preços incentivou
novas plantações e aumentou ainda mais a superprodução. Em consequência da crise em
outono 1929 o financiamento externo secou, a intervenção no mercado acabou e os preços
encontravam se em queda livre. As intervenções mostravam benefícios de curto prazo, mas
criavam problemas de longo prazo, especialmente porque o café necessita um período
relativamente longo até ser produtivo depois da plantação.

Os produtos de exportação mais importantes do Brasil na primeira metade do século XX


mostra a seguinte tabela.

Tabela 42 Principaís mercadorias da exportação em valor (1901/1950)

Peles e
Café Açúcar Algodão Borracha TOTAL
Couros
1901/10 51,5% 1,2% 2,1% 4,4% 27,9% 87,1%
1911/20 52,4% 3,2% 2,0% 6,4% 11,4% 75,4%
1921/30 69,6% 1,4% 2,4% 4,6% 2,5% 80,5%
1931/40 50,0% 0,5% 14,3% 4,4% 1,1% 70,3%
1941/50 46,1% 0,8% 11,4% 3,3% 1,0% 62,5%
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR
Para o Brasil o gráfico a seguir mostra e evolução dos preços dos produtos agropecuários mais
importantes antes da Grande Depressão e na década de 1930: Café, açúcar e algodão.
243

Gráfico 23 Índices de preços das exportações de café (em moeda nacional e estrangeira), de
açúcar e algodão (em moeda nacional) 1913 -1939

Fonte: IBGE, cálculos próprios

O gráfico mostra o aumento expressivo dos preços dos três produtos de exportação de Brasil
na Primeira Guerra Mundial, a queda na crise de 1920/21, a recuperação nos anos seguintes
(com uma queda menor em 1926/27) e a queda generalizada na Grande Depressão depois de
1929. Para o índice de preços de café mostra se, neste período, uma queda maior nos preços
em moeda estrangeira (libra) do que em moeda nacional, consequência da desvalorização da
moeda brasileira (mil-réis) na Grande Depressão diminuindo as perdas para os produtores
brasileiros de café, mas aumentando os custos de importação para importadores e
consumidores. As quedas dos índices dos preços em moeda estrangeira (faltando no gráfico)
para os produtos açúcar e algodão devem ser maiores também do que as quedas em preços
em moeda nacional pela mesma razão da desvalorização da moeda brasileira. Uma análise
mais diferenciada, especialmente para o caso de café, encontra-se na análise da Grande
Depressão no próximo capítulo. As quantidades exportadas de café mostram uma volatilidade
muito pequena (Coeficiente de variação (CV) de 0,16), a volatilidade dos valores das
exportações de açúcar (CV) é muito maior (0,95) e do algodão ainda maior (1,47), mas a
influência da Grande Depressão sobre as quantidades exportadas é tênue.

O modelo agroexportador e a política da sustentação do preço do café nos primeiros trinta


anos do século XX foi desafiado pela Grande Depressão da década de 1930. Embora a Grande
244

Depressão não tivesse suas raízes no Brasil, estes dois problemas conectados aumentavam a
vulnerabilidade da economia brasileira e o rápido contágio da crise para o Brasil.

Gremaud, Vasconcellos e Toneto [p. 359 pp.] resumiram esse contágio: queda dos preços do
café (consequência do fim da política de estocagem e da queda da demanda), com a eclosão
da crise reversão dos fluxos positivos de capital estrangeiro na década de 1920, crise do
balanço brasileiro de pagamentos como consequência da queda do valor das exportações e a
balança de capital se tornando negativa. Mas vale a pena aprofundar um pouco a política de
sustentação do mercado de café até a crise, uma política que Abreu [p.2 embora a política de
sustentação do setor cafeeiro aparece aqui somente como um fator no período de 1930-1945]
chama de ‘rent seeking’ do setor cafeeiro. Abreu [p. 3 pp..] resume a situação econômica do
Brasil antes da crise: “O Brasil foi um país muito pobre no final de 1920 o PIB per capita atingiu
o pico em 1929, cerca de EUA $ 800 (1996 dólares), cerca de 15 % do seu nível em meados da
década de 1990. (...) O Brasil foi muito pouco povoado em 1928: com uma população de 34,5
milhões havia apenas um pouco mais de 10 habitantes por quilômetro quadrado. (...) A
infraestrutura foi bastante pobre. (...)As exportações chegaram a um pico de todos os tempos
de £ 97.400.000 em 1928, dos quais todos eram de commodities agrícolas e 71% de café. (...).
As importações também atingiram um pico em 1928 de £ 90.700.000. Todos os bens de capital
e bens de consumo duráveis foram importados e a percentagem de direitos de importação no
total de Receita Federal excluindo a receita industrial foi de quase 50%. (...) As exportações em
1928 foram direcionadas, principalmente, para os Estados Unidos (45%), Alemanha (11,2%),
França (9,2%) e um grande número de economias europeias menores, assim como Argentina,
todos com quotas de mercado de cerca de 5-8 % das exportações. Grã-Bretanha tornou-se um
mercado de exportação menor de apenas 3,4% do total das exportações brasileiras. Principaís
fornecedores de importações foram os Estados Unidos (26,6%), Grã-Bretanha (21,5 %).
Alemanha (12,5 %) e Argentina (11,5 %). (...) A dívida pública externa brasileira em 1928 foi
substancial em £ 234.900.000. A razão da dívida para a exportação foi de 2,36 e o serviço da
dívida correspondia a quase 25 % das exportações.”

Furtado [p. 177. Pp.] aponta o convênio de Taubaté em 1906 como base das políticas estatais
de “valorização” de café, embora já existisse uma política de sustentação dos preços em
moeda nacional de café através de depreciações da moeda nacional no fim do século XIX. O
convênio de Taubaté [Furtado, p. 179] previa uma política do governo de sustentação do
mercado de café através da compra e estocagem de excedentes, financiado por empréstimos
estrangeiros e com o serviço destes empréstimos garantido por um imposto sobre a
exportação de café. Prevista foi também uma política de desencorajamento da expansão de
245

plantações de café. Em 1924 o governo de São Paulo assumiu o suporte dos preços de café
através da compra e estocagem de excedentes e financiamento externo [Abreu p.4].

Na eclosão da crise o setor cafeeiro se encontrou numa situação extremamente vulnerável


[Furtado, p. 181] com a produção cafeeira nacional entre 1925 e 1929 crescendo quase 100%,
a entrada de novos concorrentes no mercado mundial de café, estoques em crescimento [p.
181: em 1927 até 1929 as exportações conseguiam apenas absorver dois terços da produção
de café]. A dívida externa estava relativamente elevada e com a eclosão da crise os
empréstimos estrangeiros começavam a secar. O Brasil estava em 1929 enfrentando uma
superprodução de café com queda expressiva dos preços, uma crise cambial e uma crise da
dívida externa e interna.

A queda expressiva dos preços de commodities tinha como consequência um barateamento


das importações para os países industriais e uma melhora dos termos de troca para eles,
porque os preços dos produtos manufaturados caíram mais lentamente (na Grande
Depressão). Para o Brasil houve consequentemente uma piora dos termos de troca. O
aumento de poder de compra nos países industrializados deveria incentivar uma expansão e
um aumento das importações nos países agrários da periferia, mas as elasticidades baixas de
demanda da renda e dos preços diminuíam os efeitos.

Fragilidades na prosperidade na década de 1920

A década de 1920 foi para os Estados Unidos um período de expansão econômica expressiva
com inovações, produção de bens de consumo de massa (automóveis, rádio, refrigeradores
etc.) e serviços como o cinema. Kindleberger e Aliber [p.27] suspeitam que bolhas
especulativas, como a bolha especulativa no mercado acionário dos Estados Unidos, são
precedidas por um choque macroeconômico e de expectativas. O choque pode ser diferente
para cada expansão especulativa. Para a Grande Depressão nos Estados Unidos eles afirmam
que [p.27] “O choque nos Estados Unidos na década de 1920 foi a rápida expansão de
produção de automóveis e o desenvolvimento associado de rodovias juntos com a
eletrificação de grande parte do país e a rápida expansão do número de domicílios com
telefones.” A década de 1920 também foi caracterizada nos Estados Unidos por duas
mudanças constitucionais importantes, a introdução do voto feminino e a proibição de
produção, distribuição e venda de bebidas alcoólicas (revogação em 1933), alguns países
europeus (por exemplo, Alemanha em 1918) já introduziam o voto feminino antes, outros no
mundo, especialmente Austrália (1902) e Nova Zelândia (1893) já antes. Os Estados Unidos
tornaram-se depois da guerra a economia mais avançada no nível global e o maior credor
246

internacional, embora politicamente e economicamente o país não quisesse assumir o papel


do poder hegemônico que antes o Reino Unido obtinha (Por exemplo, contrariando o desejo
do presidente Woodrow Wilson os Estados Unidos não entravam na Liga das Nações e não
assinavam o tratado de Versalhes). Na expansão econômica existiam também já problemas,
problemas de preços deprimidos na agricultura, problemas da desigualdade crescente de
renda e com isto o aumento da especulação nos mercados financeiros e excessos nos
mercados imobiliários regionais (especialmente Florida). Economistas da escola austríaca
como Rothbard [2008] advertem que no fundo da expansão foi uma expansão expressiva do
crédito, embora esta interpretação seja controversa entre economistas.

Depois da guerra as economias europeias foram em primeiro lugar preocupadas com a


reconstrução, com os problemas das dívidas de guerra e das reparações (especialmente
Alemanha) e com os problemas da inflação e hiperinflação como consequência dos
desequilíbrios fiscais na guerra e nos tempos da reconstrução. Depois de 1925 a maioria dos
países estava novamente no caminho da recuperação e expansão da economia, embora
muitas vezes financiado por créditos dos Estados Unidos. O Reino Unido ficava na década de
1920 em uma situação de estagnação e desemprego elevado e precisava depois da volta ao
ouro em 1925 seguir politicas deflacionistas. As relações internacionais na Europa estavam
envenenadas pelo ódio nacionalista e o crescimento de correntes políticos extremistas,
negando valor das instituições democráticas e dos valores liberais políticos e econômicos.

A Grande Depressão aumentou a aceitação e o poder do extremismo de direita como uma


pesquisa de Bromhead, Eichengreen e O’Rourke [2012] mostra, embora com mais expressão
em países com uma curta experiência com a democracia: enquanto 24 países na Europa em
1920 poderiam ser avaliados como democráticos, em 1939 o número de países democráticos
caiu para 11 [2012, p. 2], por exemplo, os nacional-socialistas de Hitler tinham na eleição de
1928 2,6% dos votos e em 1932 43,2%71 dos votos [p. 8], em janeiro de 1933 Hitler tornou-se
chanceler da Alemanha e no mesmo ano outros partidos e sindicatos foram proibidos e a
ditadura nazifascista já foi estabelecida. Mas não somente na Alemanha a Grande Depressão
mostrou uma mudança para a direita extremista, em Bélgica, Tchecoslováquia, Hungria e
Romênia os partidos da extrema direita aumentavam seu voto em mais de 15 pontos
percentuais [p. 8]. Os autores advertem que o perigo de uma polarização política é maior
quando os tempos de depressão (‘hard times’) prevalecem por um tempo prolongado. O
assunto das transformações políticas em resposta a Grande Depressão e o assunto de um
capítulo posterior.
247

Resumindo é possível levantar algumas considerações sobre a perplexidade, desamparo e


inatividade (pelo menos nos primeiros anos) dos governos e bancos centrais antes da
profundidade e da duração da Grande Depressão: O pensamento econômico hegemônico
neoclássico prevê uma recuperação automática de uma economia em recessão através da
dinâmica dos mercados livres e preços flexíveis e – por esta razão – está contrário a
intervenções discricionárias do governo na economia. O padrão ouro (ou no tempo entre as
guerras o padrão câmbio ouro) está centrado na estabilidade externa (taxas de câmbio fixas) e
interna (inflação baixa) da moeda, com a consequência de orientar a política monetária em
primeiro lugar para o equilíbrio externo, sem prever intervenções expansionistas numa crise,
que podem pôr em perigo a estabilidade externa da moeda nacional. Este fato tem para países
deficitários no balanço de pagamentos a consequência de seguir politicas deflacionistas em
uma crise, o que piora os problemas internos de recessão e desemprego do país. Este foco no
equilíbrio externo restringe também a possibilidade dos bancos centrais de agir como
emprestador de última instância em crises bancárias agudas, como nos Estados Unidos, na
Áustria e na Alemanha nos primeiros anos da Grande Depressão. As dívidas públicas elevadas
dos países beligerantes depois da Primeira Guerra Mundial (com exceção de Alemanha que se
livrou se destas dívidas através da hiperinflação de 1923) e a memória de inflações altas e
hiperinflações depois da guerra (na guerra a pressão inflacionária foi parcialmente controlada
através de controle de preços) levavam os governos e bancos centrais para uma política de
orçamento equilibrado e uma tendência de uma política monetária restritiva para evitar uma
nova inflação ou hiperinflação, também em um ambiente – como na Grande Depressão – de
deflação expressiva. Considerando estes argumentos pode se compreender melhor a
inatividade dos governos e bancos centrais nos primeiros anos da Grande Depressão.

v. Início e aprofundamento da crise

Uma anedota relata que um convidado de Roosevelt, na véspera de sua posse havia dito: “Se
você tem sucesso será o maior presidente da história dos Estados Unidos”. Resposta concisa de
Roosevelt: “E se eu falho o último presidente”. Em Pressler, Die erste Weltwirtschaftskrise,
p. 83
A análise da Grande Depressão precisa diferenciar entre fatores reais e monetários, entre
fatores que se apresentam como gatilhos da crise, fatores que aprofundavam e prolongavam a
crise, fatores que levavam ao contágio da crise nos Estados Unidos e Europa para a economia
global. Também é importante diferenciar a crise da economia real da crise financeira e suas
diferentes formas: Estouro de bolhas especulativas, crises bancárias, crises cambiais, crises da
dívida do setor privado e público e rupturas súbitas de fluxos de capital internacional (‘sudden
stops’). Neste ambiente da crise é importante também refletir sobre as crises dos balanços das
248

empresas (‘balance sheet recessions’) no sentido de Koo [2015], refletindo o ambiente depois
de uma expansão expressiva do crédito ao setor privado, da alavancagem exagerada, que
forca o setor privado na crise para o processo de diminuir a alavancagem (‘deleveraging’)
através de repagamento de dívidas. Este problema de endividamento elevado leva o setor
privado dar prioridade a repagar dívida fazendo impossível investimento e consumo através de
crédito fornecido pelo setor financeiro e do banco central a taxas de juros muito baixas. Este
cenário prevaleceu também depois da crise financeira global de 2008/2009 nos países centrais,
onde uma politica monetária extremamente expansionista (’quantitative e qualitative easing’)
não conseguiu expandir a economia real e o Estado precisava com uma expansão fiscal nos
moldes keynesianos com endividamento público fomentar o crescimento e a inovação. O
assunto da deflação é também um ponto de reflexão importante na avalição da Grande
Depressão, especialmente porque aprofunda os problemas de endividamento alto do setor
privado e público através de aumento expressivo do peso real dos serviços da dívida.

Na memória coletiva a quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 é lembrada como
inicio da Grande Depressão. Históricos e economistas diminuem hoje a importância deste
evento para a eclosão da crise e advertem que a crise não foi um evento uni causal, mas
consequência da combinação de muitos fatores causais com eventos contingentes.
Obviamente a quebra da bolsa foi um sinal importante para mudanças nas expectativas dos
agentes econômicos e na explicação das mudanças do ambiente econômico (financeiro e real)
e politico (nacional e internacional). Mas já antes da quebra houve sinais de uma recessão
nascente nos Estados Unidos e na Alemanha e problemas econômicos em muitos países na
Europa e no mundo. No Brasil houve especialmente o problema da intervenção do governo
Federal e depois do governo do Estado de São Paulo no mercado de café com financiamento
externo, o produto mais importante na pauta das exportações do Brasil, o que sustentou o
preço de café na década de 1920 até a crise, mas também levou a acumulação de estoques de
café, o crescimento da dívida pública e a entrada de novos produtores de café no nível
nacional e internacional. Quando a crise eclodiu, o crédito externo secou e os preços
começavam sua queda expressiva, e os problemas disfarçados do setor de café apareciam. A
queda abrupta dos preços internacionais de café levou a uma queda expressiva do valor das
exportações brasileiras, problemas de servir a dívida externa, problemas na sustentação da
taxa de câmbio com as moedas internacionalmente mais importantes: o US dólar e a libra.

No primeiro lugar e necessário narrar um resumo histórico dos primeiros sinais da crise, com
foco nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil, diferenciando por problemas na agricultura,
como nestes tempos o setor de agricultura foi ainda um setor importante em muitos países do
249

mundo, problemas financeiros (fragilidades de sistemas financeiros nacionais e internacionais,


bolhas especulativas etc.), bem como problemas na economia real da indústria em diferentes
países.

Em segundo lugar é necessário analisar o contágio e a propagação da crise em nível global


através dos canais reais de transmissão (em primeiro lugar do comércio internacional), dos
canais monetários (fluxos de capital internacional (‘sudden stops’), crises bancárias, estouro de
bolhas especulativas e crises da dívida pública (interna e externa)), dos canais das expectativas
e dos canais políticos (especialmente a tendência de introduzir politicas protecionistas,
controles de capital e abandonar o padrão (câmbio) ouro).

Em terceiro lugar é importante analisar a interdependência dos fatores monetários e reais com
eventos contingentes no aprofundamento e no prolongamento da crise, com foco nos Estados
Unidos, Alemanha e o Brasil.

Em último lugar é importante analisar de forma resumida as politicas econômicas dos


governos e bancos centrais no combate da crise. Pode se resumir aqui que a maioria dos
governos enfrentou os primeiros anos da crise com inatividade e politicas deflacionistas e
protecionistas que muitas vezes pioravam a situação na esperança de que mercados livres e
preços flexíveis podem tirar as economias da crise sem intervenção do Estado, fundamentada
na teoria econômica clássica hegemônica e na lembrança da curta, mas aguda, depressão de
1920/1921, que teve recuperação rápida sem expressivas intervenções dos governos e bancos
centrais. Importante também é analisar aqui as transformações no pensamento econômico e
politico como consequência da crise, bem como as mudanças para governos mais
intervencionistas, mas também as mudanças para governos mais autoritários de direita e
extrema direita em muitos países no mundo, somente as democracias bem estabelecidas
ficavam insentas desta tendência.

Perspectivas globais da Grande Depressão

A Grande Depressão foi um processo econômico global de queda da produção e do emprego,


mais profundo nos Estados Unidos, na Alemanha e em outros países da Europa, menos
profundo, por exemplo, no Japão e no Brasil. A queda de produção foi acompanhada de uma
deflação aguda dos preços, em primeiro lugar das commodities, em segundo lugar dos
manufaturados. Tendências recessivas em 1929 nos Estados Unidos e em Europa tornavam se
uma depressão profunda depois de crises financeiras, crises bancárias, rupturas súbitas dos
fluxos de capital, estouro de bolhas especulativas (em primeiro lugar a quebra do mercado
acionário dos Estados Unidos) e erros na politica monetária e a inatividade dos governos.
250

Problemas da agricultura no nível global na década de 1920 elevavam ainda as fragilidades da


economia global e castigavam especialmente países exportadores de commodities como o
Brasil. A propagação da crise levou a quedas expressivas no comercio internacional e politicas
protecionistas e muitas economistas suspeitam que as regras do padrão (câmbio) ouro foram
responsáveis pelo contágio da crise para outros países e para aprofundar as tendências
deflacionistas na economia global, bem como para politicas cautelosas demais ou para
politicas que reforçavam ainda mais as tendências deflacionistas. A tabela a seguir mostra os
efeitos globais da Grande Depressão, a queda profunda da produção (com exceção dos
alimentos), dos preços e do comércio exterior fica bem visível.

Tabela 43 Produção, preços, e comércio internacional na Grande Depressão


(Índice 1929 = 100)

1929 1930 1931 1932


Produção industrial
Mundial* 100 87 75 64
Europa* 100 92 81 72
América do Norte 100 81 68 54
Produção primária – Alimentos
Mundial 100 102 100 100
Europa* 100 99 102 104
América do Norte 100 102 103 100
Produção primária -Matérias-primas
Mundial 100 94 85 75
Europa* 100 90 82 73
América do Norte 100 90 80 64
Preços mundiais
Alimentos 100 84 66 50
Matérias-primas 100 82 59 44
Manufaturados 100 94 78 63
Comércio internacional
Valor (preços correntes) 100 80 57 39
Volume exportações 100 93 85 74
Preços exportações 100 86 67 52
Fonte: Feinstein, Temin, Toniolo (2008, p. 93 p.) * sem União Soviética
O papel do padrão (câmbio) ouro e da ideologia econômica liberal hegemônica no
aprofundamento, na prolongação e no contágio da Grande Depressão, bem como na
orientação das politicas econômicas faz parte de um capítulo posterior.

Em um capítulo posterior sobre o papel das crises financeiras na Grande Depressão um olhar
especial precisa ser no ano 1931, que é visto por muitos economistas como um ano decisivo
no aprofundamento e prolongamento da depressão. A crise bancária na Áustria, a seguir a
crise bancária, cambial, e de dívida pública na Alemanha, o contágio para o Reino Unido que
251

em setembro de 1931 foi forçado a sair do padrão (câmbio) ouro, desvalorizando a libra e
introduzindo politicas protecionistas, e, finalmente, o contagio para os Estados Unidos, onde a
saída de ouro forçou a “Federal Reserve” aumentar a taxa básica, para evitar uma saída do
padrão ouro (que aconteceu somente em 1933 sob Roosevelt), e com isto em uma crise
profunda piorando uma crise bancária e prolongando a depressão. Por esta razão o ano 1931 é
visto para os Estados Unidos, Alemanha, e também para países como França, aderindo ainda
no bloco de ouro, como o ponto de viragem para o pior.

A tabela a seguir mostra picos e fundos da Grande Depressão para países escolhidos, a queda
da produção industrial e do PIBpc, a recuperação até 1938 e a saída do país do padrão
(câmbio) ouro, dados fornecidos por diferentes autores. A queda da produção industrial em
Espanha na fase de recuperação em outros países é consequência da guerra civil desde 1936,
não da Grande Depressão, a Espanha também não voltou ao padrão ouro depois da Primeira
Guerra Mundial.

Tabela 44 A Grande Depressão: Pico e Fundo, Queda da Produção Industrial e do PIBpc,


recuperação até 1938 e saída do padrão ouro, Países escolhidos

Prod.
Prod.
Industrial
Pico Fundo Indust. PIBpc Saída do
Δ 1938/
Albers/ Albers/ Δ Fundo/ Δ Fundo/ Padrão
Fundo
Uebele Uebele Pico (%) Pico (%) Ouro
(%)
Romer
Romer
Europa
Alemanha 1929 Q3 1932 Q3 -41,8 -17,8 48,5 ago/31
Áustria 1929 Q3 1933 Q1 -23,4 25,6 set/31
Bélgica 1929 Q3 1932 Q3 -30,6 -8,8 4,9 mar/35
Checoslováquia 1929 Q3 1933 Q1 -40,4 -20,8 19,6 set/31
Dinamarca 1930 Q4 1932 Q3 -16,5 -4,3 11,5 set/31
Espanha 1929 Q3 1932 Q3 -9,2 -28,0 -
Finlândia 1928 Q2 1932 Q1 -6,1 40,8 out/31
França 1930 Q1 1932 Q2 -31,3 -15,9 12,8 out/36
Hungria 1929 Q3 1932 Q4 -9,2 21,1 jul/31
Itália 1929 Q3 1932 Q3 -33,0 -7,0 15,3 out/36
Noruega 1929 Q4 1931 Q3 -8,4 20,6 set/31
Países Baixos 1929 Q4 1932 Q3 -37,4 -16,0 9,3 out/36
Polônia 1929 Q1 1932 Q3 -46,6 -8,6 37,3 abr/36
Reino Unido 1929 Q3 1932 Q4 -16,2 -6,6 22,0 set/31
Romênia 1929 Q4 1933 Q1 -6,1 8,5 mai/32
Suécia 1929 Q4 1932 Q3 -10,3 -4,8 31,0 set/31
Suíça 1929 Q3 1932 Q4 -8,6 11,9 1936
América
Argentina* 1929 Q2* 1932 Q1* -17,0 -19,4 15,6 1929
Brasil* 1928 Q3* 1931 Q4* -7,0 -13,3 27,1 1930
252

Canada** 1929 Q21932 Q3 -42,4 -29,0 34,9 out/31


Chile 1929 Q31932 Q2 -46,6 71,4 n.d.
Estados Unidos 1929 Q21932 Q3 -46,8 -28,9 28,3 mar/33
México 1929 Q41932 Q4 -26,1 30,7 n.d.
Outros Países
África do Sul 1929 Q2 1932 Q3 n.d.
Austrália 1929 Q3 1931 Q3 -21,9 35,2 dec/29
Índia 1929 Q4* 1931 Q4* -4,3 -1,8 n.d.
Japão 1929 Q2 1932 Q1 -8,5 -9,3 33,3 dec/31
Nova Zelândia 1929 Q3 1933 Q1 -17,8 49,3 set/31
Fontes: *Romer, 2003 e produção industrial, pico e fundo: Albers e Uebele, Saída ouro:
Wandschneider, PIBpc: Maddison tables and updates
** ** Com efeito, a Canadá saiu do padrão ouro já em 1929, formalmente em outubro de
1931 [Powell, 2005, p. 43]

Uma queda tão expressiva da produção teve como impacto uma explosão do desemprego e
dos problemas relacionados com o desemprego elevado e prolongado em um ambiente onde
o seguro desemprego ainda não existiu (Estados Unidos) ou rapidamente chegou a seus limites
financeiros (por exemplo, na Alemanha). A tabela a seguir mostra taxas de desemprego
estimadas em diferentes fontes, a discrepância entre as estimativas é devida a diferentes
conceitos de mensuração (desemprego geral ou industrial) bem como a fragilidade de levantar
os dados nos tempos entre as guerras. Para o Brasil não existem dados neste período para o
desemprego.

Tabela 45 Desemprego no período entre as guerras e na Grande Depressão

Dados de Petzina: em histat


Alemanha Reino Unido Estados Unidos Suécia França
Média 1919-1928 7,7 10,6 7,1 12,9 4,1
1929 13,3 10,4 4,7 10,2 1,0
1932 43,8 22,1 34,0 22,4 15,4
1938 3,2 12,9 26,4 10,9 7,8
Dados de Mitchell: em histat
Média 1919-1928 7,7 7,3 4,5 11,4** n.d.
1929 13,1 7,3 3,2 11,2 n.d.
1932 30,1 15,6 24,1 22,8 n.d.
1938 2,1* 9,3 19,1 10,9 n.d.
Fontes: histat *1937 **1925-1928 , Petzina usa diferentes fontes do desemprego industrial (os mesmos dados
encontram-se em Eichengreen e Hatton) e de dados de sindicatos

É importante enfatizar que os números dizem pouco sobre os impactos sociais da Grande
Depressão. Eles não contam histórias das tragédias humanas que a depressão trazia para o
homem esquecido e a mulher esquecida do povo, os empobrecidos, os desempregados, sobre
253

a perda de esperança, sobre a raiva dos excluídos pela crise, sobre as expectativas politicas. A
literatura fala melhor sobre isto, por exemplo, Stud Terkel em ‘Hard Times’, ou Steinbeck
(‘grapes of wrath’), Orwell (The way to Wigan Pier), Fallada (‘Kleiner Mann – was nun?’) ou
outros. Mas Terkel fala também das pessoas (75% da população ativa foram ocupadas na
Grande Depressão nos Estados Unidos, embora muitos com salários menores) que não foram
atingidas ou ganhavam com a depressão, usando as oportunidades que as crises também
oferecem. É importante considerar este fato, se não fica incompreensível porque a crise não
trazia transformações politicas mais profundas na economia americana do que o ‘New Deal’.
Neste contexto é também importante considerar que a União Soviética ficava totalmente ilesa
da Grande Depressão global [mas também com quedas nas exportações], embora a década de
1930 fosse lá um período sombrio de terrorismo stalinista: opressão, Gulag, os grandes
processos públicos contra parte da liderança comunista, a coletivização forçada da agricultura,
a deportação dos agricultores ricos (culaques) e certas etnias, as matanças em massa pela
fome e pela repressão da polícia política.

1) Os primeiros sinais da crise


Os especuladores podem não fazer mal como bolhas em um rio constante de
empreendimentos. Mas a situação é grave quando o empreendimento se torna uma bolha num
torvelinho de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país se torna um
subproduto das atividades de cassino, o trabalho tende a ser malfeito. John Maynard
Keynes72
Nos Estados Unidos e na Alemanha uma recessão já estava em andamento antes da quebra da
bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929. Como se pode ver no gráfico a seguir para os
investimentos nos Estados Unidos o pico do investimento residencial já aconteceu no segundo
semestre de 1928, para o investimento em estruturas não residências no segundo trimestre de
1929 e para o investimento em equipamentos das empresas no terceiro semestre de 1929,
depois começou a queda da depressão.
254

Gráfico 24 Investimento em equipamento das empresas, em estruturas não residenciais e


residenciais Estados Unidos 1919 – 1939

Fonte: NBER

A produção de carros nos Estados Unidos teve seu pico em abril de 1929 [NBER data], a
produção industrial em julho de 1929.

Em Alemanha o investimento privado houve seu pico no terceiro trimestre de 1927, seguido
de um período de queda em 1928 e uma recuperação mais fraca no terceiro trimestre de
1928, quando uma nova queda começou. Para a renda nacional e para a renda disponível
houve um pico no primeiro trimestre 1928 e em seguida uma queda e uma recuperação frágil
no primeiro trimestre de 1929, seguida pela queda final [dados trimestrais de Ritschl 2002
data]. A produção industrial teve seu pico em março 1928 iniciando depois a queda final. Em
1926/1927 houve uma expansão especulativa do índice de preços de ações alemã que o banco
central combateu aumentando a taxa básica de juros com impactos em 1928 também sobre a
produção geral. Nas contas nacionais anuais [Ritschl 2002 data] o pico do PIB foi em 1928 com
uma queda menor em 1929 seguida de uma queda mais aguda na Grande Depressão. Pode se
dizer que a Alemanha já se encontrou numa situação recessiva em 1929.

A quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 é vista por muitos historiadores e
alguns economistas (por exemplo, Galbraith) como sinal do inicio da Grande Depressão, bem
como seu gatilho. Com certeza a quebra levou a uma perda de riqueza para investidores
financeiros e aumentou a incerteza levando a certas restrições no consumo e no investimento.
255

Mesmo Galbraith (1997) que enfatiza a importância da quebra da bolsa para a Grande
Depressão, argumenta cautelosamente [p.88]; “Em 1929 a economia estava caminhando para
problemas. Estes problemas foram eventualmente de forma violenta refletida no mercado de
ações.” Muitos economistas e mesmo a ‘Federal Reserve’ em 1928 refletiam sobre a
especulação desenfreada na bolsa de valores apontando para uma possível bolha especulativa.
Esta possibilidade de altos rendimentos no mercado acionário dos Estados Unidos foi também
uma causa para a ruptura súbita dos fluxos internacionais de capital dos Estados Unidos para
Europa e a América Latina, por que investimentos financeiros no mercado acionário pareciam
mais promissores do que em títulos da dívida de países da Europa ou de América Latina.
Blanchard [2011, p. 297 p.] caracteriza bolhas especulativas: “Os preços das ações estão
sujeitos a bolhas ou modismos que fazem com que o preço de uma ação seja diferente de seu
valor fundamental. As bolhas são episódios em que os investidores financeiros compram uma
ação por um preço mais alto do que seu valor fundamental na esperança de vendê-la a um
preço ainda maior. Modismo é um termo geral para descrever momentos em que, por causa
da moda ou de excesso de otimismo, os investidores financeiros estão dispostos a pagar por
uma ação mais do que seu valor fundamental. Podem existir também bolhas no mercado
imobiliário e nos mercados de commodities”. O gráfico a seguir mostra o Dow Jones de 1920
até 1941 e sua taxa (suavizada) de crescimento contínuo mostrando o inicio da bolha em 1926,
tornando se mais expressiva em 1928 e 1929 e o estouro da bolsa em outubro de 1929.

Gráfico 25: Índice Dow Jones e taxa de crescimento contínuo do índice Dow Jones e taxa
suavizada de crescimento (HP λ =5) 1920-1941
256

Fonte: NBER, cálculos próprios

Nos Estados Unidos o desaquecimento da economia já começou antes da quebra da bolsa de


Nova Iorque em outubro de 1929, a produção industrial começou sua queda em agosto de
1929, como o gráfico a seguir mostra.

Gráfico 26 Produção industrial mensal real (preços de 1929) e o índice DOW JONES janeiro de
1929 até dezembro de 1938

Fonte NBER

O setor imobiliário estava em desaquecimento desde o primeiro trimestre de 1926 para


estruturas não habitacionais e desde o segundo trimestre de 1928 para investimentos
habitacionais em queda expressiva [NBER Macrohistory Database].

Outra fonte importante para a crise foi a situação deprimida da agricultura norte-americana
depois da Primeira Guerra Mundial, que durou quase toda década de 1920, causada pela
queda dos preços dos produtos agropecuários depois da guerra seguido do aumento da
produção agropecuária na guerra. O Estado precário da agricultura americana (e da agricultura
em outros países) no período entre as guerras foi um fator importante porque quase metade
da população norte-americana em 1920 ainda viveu e trabalhou no ambiente rural (e em
outros países a participação do emprego da agricultura foi – com exceções -ainda maior). Um
fator importante também porque com a expansão forte da agropecuária na guerra houve
expressivos investimentos do setor financiados por créditos. Estas dívidas e seus serviços
tornavam se mais pesadas com a queda expressiva dos preços agropecuários na curta, mas
257

aguda, depressão de 1920/1921, porque depois da depressão os preços não voltavam ao nível
na guerra, mas ficavam deprimidos em toda década de 1920. Este problema ainda foi
regionalmente pior para os estados no centro dos Estados Unidos por causa das secas na
década de 1920 e na Grande Depressão (na ‘dust bowl’). O gráfico a seguir mostra estas
tendências no valor nominal da produção, nos preços e na renda líquida da agricultura de 1913
até 1939.

Gráfico 27 Valor nominal da produção, preços da agropecuária, e renda líquida da agricultura


nos Estados Unidos 1913 – 1939

Fonte: USDA, NBER

2) A crise nos Estados Unidos

Um problema controverso entre economistas é o gatilho da Grande Depressão, quer dizer


identificar os eventos (por exemplo, a quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929 ou
as falências de empresas importantes) ou os problemas estruturais da década de 1920 que
influenciam a queda para a Grande Depressão. Outro problema é a pergunta dos eventos e
mecanismos para a propagação global da crise, sem dúvida o viés deflacionista de padrão ouro
e a propagação através do comércio internacional, das expectativas e dos fluxos internacionais
de capital são os fatores mais importantes para explicar o contágio da crise. Relacionado é o
problema de determinar o centro da crise, os Estados Unidos ou a Europa, com foco na
Alemanha.
258

Blanchard [p. 773 pp.] descreve o inicio da crise nos Estados Unidos da seguinte maneira:
“Segundo os relatores populares, a Grande Depressão foi causada pelo colapso da bolsa de
valores. Nem tanto. Uma recessão já havia começado antes do colapso e outros fatores
desempenharam um papel importante posteriormente na Depressão. Mesmo assim, o colapso
foi importante.” Os outros fatores podem ser os problemas da agricultura norte-americana na
década de 1920, a mudança das expectativas como consequência do estouro da bolha
especulativa no mercado acionário, a crescente desigualdade de renda e riqueza e o
endividamento crescente do setor privado na década de 1920. A desintegração do comércio
internacional e a deflação expressiva e suas consequências sobre o setor bancário, adicionado
os problemas dos bancos já castigados pela queda dos valores das ações e das falências no
setor agropecuário, são também outros fatores para explicar por que uma recessão se tornou
a Grande Depressão. A queda da quantidade de moeda nominal, falhas da politica monetária
de combater a crise e agir como emprestador de última instancia numa crise bancária aguda
em 1930, 1931 e 1933 são outros fatores. Muitos destes problemas da inatividade do governo
e do banco central podem ser explicados pela ortodoxia neoclássica hegemônica e pela rigidez
do padrão câmbio ouro.

Eichengreen e Temin [2010] apontam para uma explicação keynesiana da eclosão da crise:

Keynes foi claro sobre o impulso que desencadeou a Grande Depressão. Ele disse que em
meados de 1931 que [a causa] foi ‘a queda do investimento (...). Eu acho isto sem qualquer
dúvida que [a queda do investimento] seja toda a explicação do presente estado de coisas’.
(Keynes 1931, pp. 349-351). Seguimos Keynes, mas levando o argumento um passo adiante. As
políticas monetárias e fiscais restritivas da década tardia de 1920 induziram o investimento a
cair, [a politica restritiva] foi a consequência de adesão de políticos a ideologia do padrão-ouro.
(...) Como resultado dessa ideologia, autoridades monetárias e fiscais implementavam políticas
contracionistas quando a retrospectiva mostra claramente que eram necessárias políticas
expansionistas. [p.3]

Ela [A Grande Depressão] começou como uma contração econômica não atípica, primeiro na
Alemanha e depois nos Estados Unidos. Esta desaceleração corriqueira, em seguida, foi
convertida na Grande Depressão pelas ações de bancos centrais e governos, especialmente na
onda de crises cambiais no verão e outono de 1931. [p.12]

As políticas foram perversas porque elas foram formuladas para preservar o padrão-ouro, não
para estabilizar a produção e o emprego. Os banqueiros centrais pensavam que a manutenção
do padrão-ouro com o tempo vai restaurar o [pleno] emprego, enquanto as tentativas para
aumentar diretamente o emprego falhariam. [p.13]

Temin [p. 43 pp.] aponta que quatro eventos no período do quarto trimestre de 1929 até o fim
de 1930 são apresentados na discussão acadêmica como fatores importantes para o
aprofundamento e a propagação da crise: A queda do mercado acionário em Nova York em
outubro de 1929, o Ato Tarifário de Smoot Hawley em 1930, a primeira crise bancária [descrita
259

por Friedman e Schwartz] em dezembro de 1930 e o colapso mundial dos preços de


commodities.

Temin não nega a importância destes fatores para o aprofundamento da crise e sua
propagação, mas, num lado, aponta para os efeitos pequenos destes eventos, noutro lado,
nega com argumentos teóricos a importância de alguns fatores para o aprofundamento da
crise nos Estados Unidos em 1930.

A respeito da queda do mercado acionário ele argumenta que o efeito deste choque deve ser
pequeno demais para explicar a queda expressiva da produção e do consumo em 1930,
admitindo que a queda tivesse um efeito riqueza negativo e aumentou a incerteza. Kennedy
[1999, p. 40 p.] aponta também que a influência da queda do mercado de ações foi exagerada
por muitos historiadores, porque eles confiavam numa estimativa da bolsa de Nova Iorque de
que cerca vinte milhões de americanos possuíram ações. O departamento de tesouro calculou
que somente cerca três milhões de americanos possuíram ações em 1928, menos de 2,5% da
população. E as corretoras reportavam um número muito menor de cerca 1,5 milhões de
clientes em 1929. Mas o efeito riqueza e o aumento da incerteza ficam um momento muito
importante para a explicação da Grande Depressão, embora em outros países seriamente
atingidos pela crise como Alemanha não teve o estouro de uma bolha especulativa em 1929
(em Alemanha houve uma expansão especulativa do mercado de ações em 1926/1927).
Importante é também o fato de que parte da bolha foi financiada por crédito, acelerando a
queda pela necessidade de liquidar ações em caso de ‘margin calls’ das corretoras que não
podem ser satisfeitas por dinheiro líquido dos clientes.

A respeito do Ato Tarifário Smoot Hawley ele argumenta que um aumento das taxas de
importação é, como uma desvalorização, uma politica expansionista para os Estados Unidos,
embora uma politica de empobrecer a vizinhança para os parceiros comerciais, que pode ter
como consequência uma retaliação de outros países. Mas novamente ele argumenta [1991, p.
46] que as exportações em vez de sete por cento do PIB nos Estados Unidos e a queda das
exportações nos próximos dois anos em 1,5 por cento do PIB o efeito negativo é pequeno. Mas
também é necessário considerar que um aumento das taxas de importação do maior credor do
mundo, os Estados Unidos, dificultou a situação de países devedores, como a Alemanha, de
conseguir divisas para servir as dívidas com os Estados Unidos. Uma politica protecionista que
implica retaliações de outros países também complica a situação de países devedores,
especialmente se eles, como Brasil, enfrentam quedas expressivas dos preços de suas
exportações no mesmo tempo. Mas para os Estados Unidos o aumento das taxas de
260

importação foi uma ação expansionista sem consideração das possíveis retaliações de outros
países, que também foram posteriormente realizadas.

Sobre a crise bancária de dezembro de 1930 Temin argumenta que esta crise bancária foi um
menor evento na história econômica [1991, p. 51]. As crises bancárias de 1931 e 1933 nos
Estados Unidos houvessem impacto muito maior, bem como as crises bancárias de 1931 na
Europa.

Um choque negativo de preços, como a queda dos preços de commodities, tem impactos
diferentes para diferentes grupos e países [1991, p.55. p.]. Para um país com exportações
concentradas em poucas commodities, o choque negativo é um desastre. Este foi, por
exemplo, o caso do Brasil (e Chile). Para os países importadores este choque foi positivo, com
um efeito líquido provavelmente positivo para os Estados Unidos com mais consumidores do
que produtores agrícolas.

Mas ele afirma também que é necessário ver a queda dos preços das ações e das commodities
inserido em um processo mais generalizado de deflação na Grande Depressão. A deflação tem
um efeito estático [efeito Keynes] aumentando o estoque de moeda real com impactos
positivos sobre produção e emprego e um efeito dinâmico [efeito Mundell] sobre as
expectativas das pessoas [Temin, 1991, p. 56]. Esperando quedas futuras dos preços, as
pessoas adiam compras para um futuro com preços menores. A queda dos preços aumenta
também o peso real da dívida levando a falências para devedores [como também descrita na
teoria da deflação da dívida de Fisher] embora ela favorecesse os credores (quando o crédito é
pago), como os devedores muitas vezes tem renda menor do que os credores, o efeito líquido
sobre o consumo é negativo. Embora é necessário adicionar o fato de que em caso de default
dos devedores, os credores perdem também com a deflação. Mas Temin [1991, p. 56 p.]
argumenta que em 1930 não houve expectativas negativas expressivas da comunidade de
negócios de uma deflação prolongada, lembrando a curta, mas explosiva, deflação na crise de
1921. Importante neste contexto é também a teoria de deflação da dívida de Fisher apontando
para um peso maior da dívida e dos serviços da dívida em termos reais em caso da deflação
levando a falências de empresas e indivíduos e um default sobre suas dívidas enfraquecendo a
posição dos bancos diminuindo o valor dos ativos (empréstimos e investimentos em ações e
títulos da renda fixa), diminuindo o capital (que cobre os prejuízos) e aumentando o peso real
das dívidas.

A queda da produção nos Estados Unidos na crise pode ser vista na tabela a seguir, resumindo
as taxas e crescimento de variáveis das contas nacionais bem como nos gráficos anteriores
261

relativos a produção industrial e agropecuária. Como se pode ver também na tabela a seguir os
preços estavam também em queda desde o terceiro trimestre de 1929. A tabela mostra
também que o investimento (em equipamentos, da construção civil (CC) em estruturas não
habitacionais e habitacionais) mostrou a queda mais expressiva entre inicio da queda e o piso
da depressão no primeiro trimestre de 1933, seguido pelo consumo de bens duráveis, das
exportações e das importações, a queda do consumo das não duráveis foi ainda expressiva em
menos 22 %. Todas estas variáveis mostram também quedas expressivas nos preços. É
importante enfatizar que o investimento imobiliário já estava em queda desde o terceiro
trimestre de 1925. É também importante enfatizar que a maioria das variáveis no primeiro
trimestre de 1940 ainda foi em um nível menor do que no terceiro trimestre de 1929. A
exceção são os gastos do governo em primeiro lugar para fins militares num ambiente global
de guerra em Europa e Ásia. Foi, sem dúvida, a guerra que retornou os Estados Unidos
(entrando na guerra em dezembro de 1941) ao pleno emprego e a recuperação econômica. O
papel do ‘New Deal’ de Roosevelt depois de março 1933 na recuperação da economia
americana está ainda controversa, embora houvesse neste período pela primeira vez
tentativas expressivas do Estado norte-americana para ativamente combater a depressão,
tentativas nem sempre consistentes, mas que, sem dúvida, conseguiam reverter as
expectativas pessimistas.

Tabela 46 Grande Depressão Estados Unidos: Variação percentual do PIB real e seus
componentes e do deflator do PIB e dos componentes (Contas Nacionais trimestrais)
3. tr. 3. tr. 3. tr. 3. tr. 1. tr. 1. tr.
1. tr. 1933/
1929/ 1. 1929/ 1. 1929/ 3. 1929/ 3. 1940/ 1. 1940/ 3.
3. Tr. 1929
Tr. 1913 Tr. 1919 Tr. 1925 Tr. 1926 Tr. 1933 Tr. 1929
PIB Real 58,6% 41,3% 16,1% 9,7% -36,2% 60,0% 2,0%
Deflator PIB 69,6% -3,2% -2,6% -0,7% -26,9% 20,0% -12,3%
Investimento equipamentos n.d. 39,1% 23,7% 12,4% -79,0% 306,0% -14,6%
Deflator Investimento equipamentos n.d. 23,8% 3,6% 2,7% -22,9% 27,8% -1,5%
Investimento CC não habitacional n.d. 172,5% -12,0% -8,1% -76,7% 52,9% -64,4%
Deflator Investimento CC não
n.d. 8,0% -0,6% -0,8% -25,3% 28,0% -4,4%
habitacional
Investimento CC habitacional n.d. 75,1% -16,2% -20,3% -84,2% 357,1% -27,6%
Deflator Investimento CC habitacional n.d. 25,8% 1,8% 0,9% -33,1% 45,1% -3,0%
Consumo Duráveis n.d. 68,0% 13,8% 9,0% -55,0% 113,7% -3,8%
Deflator Consumo Duráveis n.d. 32,4% -0,9% -0,1% -20,6% 6,5% -15,4%
Consumo Não Duráveis n.d. 38,7% 18,2% 6,2% -22,0% 33,9% 4,5%
Deflator Consumo Não Duráveis n.d. 13,3% -0,3% 0,3% -22,7% 11,4% -13,9%
Exportações n.d. 5,0% 16,7% 9,3% -44,2% 68,8% -5,8%
Deflator Exportações n.d. -36,2% -11,8% -6,5% -48,9% 64,0% -16,2%
Importações n.d. 91,1% 25,5% 21,8% -37,7% 34,5% -16,2%
Deflator Importações n.d. -24,9% -18,8% -15,5% -55,3% 64,3% -26,5%
Gastos Governo n.d. -19,1% 14,2% 17,2% 2,9% 47,3% 51,6%
262

Deflator Gastos Governo n.d. 29,6% 6,2% 3,6% -13,6% 14,7% -0,9%
Fonte: NBER, Cálculos próprios
Embora todos os economistas enfatizassem o papel do lado monetário da economia na
eclosão da crise como importante, a ênfase de diferentes economistas está na queda da
moeda restrita (M1) e da politica monetária do FED e de sua falha em agir com emprestador
de última instância nas crises bancárias (especialmente Friedman e os monetaristas), da
expansão e retração do crédito (especialmente economistas da escola austríaca como
Rothbard, mas também economistas da corrente Keynesiana como Minsky) ou da rigidez do
sistema monetário internacional – padrão câmbio ouro – no tempo entre as guerras
(Eichengreen e Temin).

Mas Keynes dava ênfase especial aos problemas da informação imperfeita e assimétrica que
influencia o comportamento dos atores nos mercados financeiros em sentido amplo. Nos
mercados financeiros em sentido amplo são negociadas promessas de fluxos de caixa no
futuro contra moeda (créditos, ações, títulos da dívida etc. são concedidos ou vendidos sobre a
expectativa de que geram rendimentos futuros acima do reembolsamento do investimento
inicial ou da dívida, expectativas que podem ser decepcionadas). O futuro é incerto e muitas
transações baseiem-se mais nos instintos animais dos investidores financeiros do que em
decisões racionais. A incerteza fundamental também inviabiliza cálculos do risco baseados em
probabilidades, um pressuposto básico da teoria de expectativas racionais e de mercados
eficientes. A instabilidade do sistema financeiro é por esta razão também para Keynes e ainda
mais para Minsky o fator decisivo para a instabilidade da demanda agregada, um fato muitas
vezes esquecido na formalização das ideias keynesianas por Hansen e Hicks através do modelo
IS-LM, focando especialmente na queda do investimento e do consumo de bens duráveis.

A tabela anterior e a seguinte mostram de forma clara esta queda expressiva da demanda
global: queda expressiva do PIB e da produção industrial entre setembro de 1929 e março
1933 (fundo da crise), e dos componentes do PIB: o investimento em estruturas habitacionais
e não habitacionais, o investimento em equipamentos (obviamente também o investimento
em estoques, que não aparece na tabela), e o consumo de bens duráveis. Importante é
também a queda das exportações e importações, um fator importante no contágio da crise
para o mundo. Esta queda da demanda agregada leva a um aumento expressivo da taxa de
desemprego chegando em 1933 em 25% da força de trabalho e cerca 37% da força de trabalho
industrial. Obviamente este fato levou economistas tão diferentes como Keynes, Bernanke e
Eichengreen analisarem a rigidez dos salários nominais e o comportamento dos salários reais
(muitas vezes em ascensão por causa da deflação dos preços e da rigidez nominal dos salários),
um problema considerado num capítulo posterior. Importante neste contexto é também
263

analisar a inatividade dos governos nos primeiros anos da crise restringida pela regra do
orçamento equilibrado e da defesa da paridade no padrão câmbio ouro, negligenciando a
possibilidade de uma politica fiscal expansionista keynesiana financiada por emprestimos
(‘deficit spending’) acompanhada de uma politica monetária expanisonista (impossivel em um
ambiente de padrão ouro focalizando a estabilidade externa do valor da moeda (a taxa de
cãmbio)).

Tabela 47 Grande Depressão Estados Unidos 1913 – 1939

1913 1919 1925 1929 1932 1933 1938 1939


PIB Índice (1929=100) 61,3 71,0 86,6 100,0 73,0 71,5 94,8 102,3
PIB per capita Índice (1929=100) 76,8 82,3 91,1 100,0 71,1 69,2 88,8 95,1
Produção Industrial Manufatura (1929=100) 53,8 66,0 81,9 100,0 53,8 62,8 80,9 102,5
Taxa de desemprego (%) 4,3 1,4 3,2 3,2 24,1 25,2 19,1 17,2
Taxa de desemprego na industrial (%) n.d. 8,6* 5,4 5,3 36,3 37,6 27,9 n.d.

Fontes: Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, January 2009, http://www.ggdc.net
para PIB e produção industrial, Eichengreen/Hatton para desemprego Industrial, BLS para desemprego

Importante é também encontrar respostas às perguntas: porque uma recessão normal em


muitos países já se evoluindo antes da quebra da bolsa de Nova Iorque tornou se uma
depressão profunda e prolongada? Porque a depressão espalhou se rapidamente para a
maioria dos países do mundo? Porque a maioria dos governos e bancos centrais permanecia
quase em inatividade durante os primeiros anos da crise? Onde foi o centro da crise e para
onde e através de quais canais de transmissão a crise tornou se global? A reposta preferida
hoje por muitos economistas para estas perguntas é concentrar se na rigidez do padrão
câmbio ouro na época e suas consequências deflacionistas e seus impactos sobre politicas de
inatividade dos governos e bancos centrais nos primeiros anos da crise, parcialmente também
usando politicas deflacionistas que agravavam a crise. A hipótese de Friedman e Schwartz
[Friedman e Schwartz, 2009] de que erros da politica monetária da FED em salvar bancos na
crise e evitar uma queda da moeda nominal foram a causa primária na profundidade e duração
prolongada da Grande Depressão é visto hoje (por exemplo, por Temin e Eichengreen) com
certo ceticismo. A maioria dos economistas hoje aceita a hipótese de que a Grande Depressão
não foi um evento monocausal, mas um evento que tinha multiplas causas e canais de
transmissão.

Os canais de transmissão mais importantes são: Canais na economia real: transmissão através
da queda das exportações, queda dos lucros, da renda e do emprego em certos ramos da
produção e na economia como um todo iniciando um circulo vicioso; Canais na economia
monetária no sentido amplo: Estouro de uma bolha especulativa no mercado acionário dos
Estados Unidos, paradas súbitas (‘sudden stops’) dos fluxos de capitais internacionais e da
264

concessão do crédito no nível nacional (‘credit crunch’), crises cambiais, crises bancárias com
falências dos bancos, queda da quantidade de moeda nominal e deflação aguda aumentando a
fragilidade do sistema financeiro e de outros devedores; a rigidez do sistema monetário
internacional de câmbio ouro com um viés deflacionário contagiando a economia global e
impedindo programas fiscais e monetários expansionistas e ações dos bancos centrais de
salvar o sistema financeiro (agindo como emprestador de última instância); Canais de
expectativas: Expectativas positivas na expansão tornam-se negativas desde o inicio da crise
(Aqui há também um efeito ‘overshooting’ ultrapassagem: o otimismo exagerado torna se um
pessimismo exagerado). Queda do valor de ativos financeiros e a deflação generalizada levam
a um efeito de riqueza negativo e a um aumento da incerteza, restringindo gastos com
investimentos e consumo. A queda dos gastos com investimentos e consumo desequilibra as
contas fiscais (com a queda dos impostos) e sob o mantra do orçamento equilibrado leva a um
aumento dos impostos e/ou diminuição dos gastos do governo piorando o cenário depressivo
da queda da demanda global e da deflação; Canais políticos: A ideologia neoclássica
prevalecente na época e a rigidez do padrão câmbio ouro levam governos e bancos centrais a
certa inatividade, evitando intervenções expansionistas, e – às vezes – às intervenções
deflacionistas que agravavam a crise. A tentativa de proteger a economia nacional da
concorrência estrangeira leva a medidas protecionistas incentivando medidas de retaliação de
outros países prejudicando o comércio internacional. A saída do padrão câmbio ouro com
desvalorização da moeda nacional e/ou controles de fluxos de capitais – uma medida para
expandir a economia nacional a custos da vizinhança – pode levar a uma corrida de
desvalorizações perdendo se os efeitos expansionistas, mas também abrindo a possibilidade
de intervenções monetárias expansionistas.

Obviamente esta diferenciação dos canais para o aprofundamento e a transmissão da crise


aqui é mais uma forma didática de identificar as causas da profundeza e da duração
prolongada da Grande Depressão do que uma descrição empírica. Os canais são
interdependentes: uma queda da economia real pela mudança adversa das expectativas
influencia negativamente a estabilidade do sistema financeiro e vice-versa, por exemplo. Da
mesma forma a diferenciação entre causas nacionais e internacionais negligencia o fato de que
causas nacionais podem contagiar a economia global, bem como causas internacionais podem
ter consequências diferenciadas para os países nacionais. Um exemplo para este fato é a crise
bancária na Áustria em 1931, que espalhou se para Europa Central e Alemanha, levou estes
países a abandonar o padrão câmbio ouro através do controle de capitais no caso de
Alemanha o que levou para ataques especulativos e a fuga de capitais no Reino Unido
265

enfraquecendo a libra e em setembro de 1931 levando o Reino Unido para a sáida do padrão
câmbio ouro e desvalorizar a libra aliviando a crise no Reino Unido. Mas este fato leva a uma
saída de ouro e um aumento da taxa básica nos Estados Unidos seguindo as regras do padrão
ouro levando a uma nova crise bancária e um aprofundamento da depressão nos Estados
Unidos.

No lado monetário da economia é importante enfatizar que a queda da moeda nominal e do


crédito é relacionada com as crises bancárias e o estouro da bolha especulativa no mercado
acionário bem como com os problemas da economia real. Todos os economistas que
estudavam a Grande Depressão davam grande atenção a fatores monetários na explicação da
crise, mas Friedman provavelmente é o economista que de forma mais expressiva enfatiza
uma teoria uni causal dos fatores monetários, das crises bancárias e da politica monetária da
FED na explicação da crise. Na argumentação de Friedman e Schwartz (2008), que foram
menos interessados em explicar a eclosão da crise e a quebra da bolsa de Nova Iorque, a crise
bancária e as falências maciças de bancos de outubro de 1929 até o abril de 1933, a queda da
moeda nominal e da velocidade, mas especialmente a falha da politica monetária da FED em
expandir a quantidade de moeda e agir como emprestador de última instancia explicam para
eles a duração prolongada e a profundidade da crise. A maioria dos economistas aceita hoje
uma multi-causalidade na explicação da crise, como, por exemplo, Kindleberger (1987) e
Eichengreen (2003, p. 6), que para citar o último “(...) a Grande Depressão foi um evento
multifacetado que é improvável de ser adequadamente explicada por qualquer explicação
monocausal”.

A tabela a seguir mostra o comportamento das variáveis monetárias em sentido amplo antes
da crise, na crise e na recuperação.

Tabela 48 Agregados monetários EUA 1920-1938

3. tr. 1929/1. Tr. 1920 1. tr. 1933/3. Tr. 1929 2. tr. 1938/3. Tr. 1929
Empréstimos ações EUA 67,0% -46,1% -67,6%
Outros empréstimos 17,4% -40,7% -36,1%
Depósitos 6,5% -15,4% 11,2%
M1 10,2% -27,3% 10,6%
M2 19,2% -30,4% -4,8%
M0 3,5% 23,1% 99,5%
Reservas bancárias 12,1% -3,9% 228,1%
Índice preços atacado -0,3% -37,4% -18,6%
M1 real 10,5% 16,0% 35,9%
M2 real 19,5% 11,0% 17,0%
M0 real 3,8% 96,4% 145,1%
Reservas bancárias reais 12,4% 53,5% 303,1%
266

Fonte: NBER, cálculos próprios


Na tabela pode se ver na crise entre 1929 e 1933 a expressiva queda da moeda nominal (M1 e
M2) enquanto a base monetária (M0) cresceu nominalmente e ainda de forma mais expressiva
realmente por causa da deflação de 37,4% no período, bem como a moeda nominal (M1 e M2)
aumentavam em termos reais, refletindo num lado certa reflação da economia pela expansão
da base econômica e apontando para um efeito Keynes da moeda real. Houve uma forte
retração de crédito no período 1929 – 1933. Importante e a expansão da base monetária no
período 1929 – 1938 em quase 100% (realmente 145%), mas que não levou a um aumento na
concessão do crédito, mas a um aumento das reservas bancárias. Esta tendência é explicável
pela politica monetária mais expansionista do FED depois do primeiro trimestre de 1933
depois da saída do padrão ouro e da desvalorização do dólar, que não se reverteu em
concessão de crédito por causa da cautela dos bancos e/ou por causa da falta da demanda por
crédito numa ‘balance sheet recession’. O banco central pode fornecer moeda de base para os
bancos, mas não pode forcar os bancos de conceder créditos nem forçar o setor produtivo e os
consumidores tomar empréstimos, quando eles estão tentendo repagar suas dívidas antigas
(‘deleveraging’), em vez de demandar mais créditos em uma ‘balance sheet recession’. Na crise
financeira global de 2008/2009 houve problemas similares com a eficácia de uma politica
monetária muito expansionista prolongada apontando para uma assimetria da politica
monetária, que está mais eficaz na direção restritiva do que na direção expansiva.

O gráfico a seguir mostra a taxa básica nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na
Alemanha no período entre as guerras. Alguns autores fazem a queda pequena da taxa básica
em 1927 nos Estados Unidos (para ajudar o banco da Inglaterra e o Reino Unido) responsável
para a bolha especulativa no mercado acionário, e o aumento antes da crise em 1929
responsável pelo estouro da bolha. O gráfico mostra que a taxa básica nos Estados Unidos já
chegou ao nível de 5% no inicio de 1928 sem ter grandes consequências sobre a valorização
dos preços das ações (que se acelerou ainda mais), sobre a expansão do crédito e da expansão
da produção, somente em agosto de 1929 o FED aumentou a taxa básica novamente para 6%
para diminuir a especulação no mercado de ações. Alguns economistas veem aqui o gatilho
para a queda. Mas depois da quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro a taxa básica seguiu
em queda, mas com a deflação expressiva a taxa real de juros ainda ficava bem elevada, até
com a saída do Reino Unido do ouro em setembro de 1931 o FED novamente elevou a taxa
básica para diminuir as saídas de ouro dos Estados Unidos levando a um novo
aprofundamento da depressão. A crise bancária na Europa na primavera e no verão de 1931
levava o banco central alemão para um aumento expressivo da taxa básica (com controles dos
fluxos de capital, saindo com isto do padrão (câmbio) ouro, mas sem desvalorização e uma
267

politca monetária muito mais expansionista). Como consequência dos controles de captal na
Alemanha os ataques especulativos deslocavam se para o Reino Unido, que aumentou
primeiro a taxa básica, mas em setembro de 1931 foi saindo do padrão ouro e desvalorizando
a libra, facilitando a queda da taxa básica e uma politica monetária um pouco mais
expansionista. Com a saída do Reino Unido (acompanhado de muitos outros países) do padrão
(câmbio) ouro os ataques especulativos deslocavam se para os Estados Unidos (receiando uma
possível desvalorização do dólar) com saídas de ouro. A FED respondeu com um aumento da
taxa básica para garantir o valor externo da moeda americana, mas com isto aprofundando e
prolongando a depressão. A crise de 1931 será analisada de forma mais profunda num capítulo
posterior como ponto de viragem da crise para pior.

Gráfico 28 Taxas básicas dos bancos centrais de Alemanha, Estados Unidos, França e Reino
Unido 1919 – 1938

Fonte NBER [Para Alemanha os dados no tempo da hiperinflação de 1923 foram excluídos]

O gráfico a seguir mostra as reservas de ouro dos bancos centrais e governos dos Estados
Unidos, do Reino Unido e da França em milhões de US$ de junho de 1928 até outubro de
1933. A França tinha fortes influxos de ouro até a saída de padrão ouro do Reino Unido em
setembro de 1931, porque voltou em 1926 ao ouro com uma taxa de câmbio subvalorizada,
mas grande parte dos influxos foi esterilizada. No gráfico pode se ver também a saída de ouro
dos Estados Unidos em setembro de 1931 que fez a FED aumentar a taxa básica, levando os
bancos nos Estados Unidos para uma nova crise.
268

Gráfico 29 Reservas em ouro dos bancos centrais e governos dos Estados Unidos, do reino
Unido e da França em milhões de US$ junho 1928 até outubro de 1933 [US$ 20.67 por ounce]

Fonte: BANKING AND MONETARY STATISTICS 1914 -1941 p. 544 p.

A tabela a seguir mostra a quebra dos bancos nos Estados Unidos na Grande Depressão, a
perda de depósitos e a queda do crédito pelos bancos. A tabela mostra que a crise bancária
em 1931 (seguindo a crise bancária na Áustria e Alemanha de maio 1931 até julho de 1931 e a
saída do padrão ouro do Reino Unido em setembro de 1931) foi severa, mas a crise em 1933
foi ainda mais desastrosa com mais de um quarto dos bancos quebrando e os depósitos
envolvidos nestes bancos de 8,5% dos depósitos totais. Temin [1994, p. 9 pp.] argumenta que
a crise bancária do fim de 1930 não foi tão importante em efeitos macroeconômicos como
Friedman e Schwartz apontam. A tabela mostra um aumento das quebras dos bancos em
1930, mas menos significativo do que em 1931 e especialmente em 1933. Obviamente o FED
não conseguiu agir como emprestador de última instância seguindo as regras do padrão ouro
para defender a taxa fixa de câmbio. Somente com a saída do ouro em 1933 sob o governo
Roosevelt a politica monetária pode se tornar mais expansionista e a crise bancária de 1933 foi
controlada (também pela introdução de um feriado bancário com seleção de bancos ainda
viáveis).

Tabela 49 Suspensão dos Bancos na Grande Depressão nos Estados Unidos 1928-1934

Suspensão bancos Total bancos Suspensão bancos


Emprésti Número Depósitos
Número Depósitos Número Depósitos
mos % %
269

1928 498 142 25.579 61.480 58.649 1,9% 0,2%


1929 659 231 24.633 59.832 58.848 2,7% 0,4%
1930 1.350 837 22.773 58.092 56.602 5,9% 1,4%
1931 2.293 1.690 19.970 49.500 50.046 11,5% 3,4%
1932 1.453 706 18.394 45.886 45.169 7,9% 1,5%
1933 4.000 3.597 15.015 42.125 40.606 26,6% 8,5%
1934 57 37 16.096 49.708 43.422 0,4% 0,1%
Fonte: BANKING AND MONETARY STATISTICS 1914 -1941, p. 16 pp.

Na opinião de Temin (1994, p. 6 pp.) nem os fatores monetários e as crises bancárias até 1931
(Friedman e Schwartz), nem o aumento das taxas de importação (Smoot Hawley), nem a
quebra da bolsa em outubro de 1929 (Galbraith), nem o colapso dos preços de commodities
(Kindleberger) podem explicar a profundidade da Grande Depressão nos Estados Unidos.
Temin argumenta que estes choques adversos não foram tão expressivos para poderiam
explicar a profundidade da Grande Depressão nos Estados Unidos. Também, em sua opinião, a
crescente desigualdade levando a efeitos como subconsumo/superprodução e aumento da
especulação não pode explicar a depressão profunda nos Estados Unidos [Temin (1994 p.4
pp.)]. Obviamente todos os fatores incluindo a reversão das expectativas dos agentes
econômicos em conjunto com a rigidez e o viés deflacionário do padrão câmbio ouro que
levou a inatividade nas politicas econômicas e parcialmente a politicas que pioravam a crise
são um fator suficiente para explicar a Grande Depressão nos Estados Unidos.

Gráfico 30 Participação na renda nacional dos 10%, 1% e 0,1% no topo na distribuição de


renda nos Estados Unidos 1913 – 1945
270

Fonte: FACUNDO, ATKINSON, PIKETTY e SAEZ.

Como o gráfico anterior mostra houve um aumento da desigualdade da renda nos Estados
Unidos na década de 1920, mas como Temin reporta para os 10% no topo em cerca 5 pontos
percentuais. Uma melhora da distribuição da renda nos Estados Unidos acontece somente
com o fim da segunda guerra mundial. Mas é importante considerar que desde a metade da
década de 1970 a desigualdade nos Estados Unidos está crescendo outra vez rapidamente e na
interpretação da crise financeira global de 2008/2009 este fator da crescente desigualdade da
renda está novamente em discussão.

A crise financeira global, discutida em um capítulo posterior, mostrou também uma bolha
especulativa e seu estouro (nesta vez no mercado imobiliário dos Estados Unidos) e uma
expansão expressiva do crédito com inovações financeiras (especialmente nos créditos
hipotecários e nos derivativos). Interessantemente já antes da crise financeira global
Eichengreen e Mitchener [2003] analisam a Grande Depressão como uma bolha (‘boom’) de
crédito dando errado. Eles consideram que a ampla disponibilidade de crédito em 1925
alimentava uma bolha no mercado imobiliário [em 1925] e em 1928/1929 no mercado
acionário. Kindleberger [2011] e Minsky [2008] advertem que as possibilidades de bolhas nos
mercados de crédito, imobiliários, acionários e de commodities podem levar a uma crescente
instabilidade do sistema financeira e para a eclosão de crises financeiras. Eichengreen e
Mitchener [2003] advertem que uma expansão expressiva do crédito no padrão ouro é mais
improvável, mas eles mostram que a razão do crédito privado para o PIB quase duplicou de
1913 até 1929 nos Estados Unidos e no Reino Unido [p. 64]. Eles resumem sua pesquisa da
seguinte forma [p. 53]: “A Depressão foi um evento complexo e multifacetado. A perspectiva
proporcionada pela visão da bolha (‘boom’) de crédito é um complemento útil dessas
interpretações mais convencionais.” Entre as interpretações convencionais é a rigidez do
padrão câmbio ouro, a queda da demanda global e a reversão de expectativas otimistas, a
bolha especulativa no mercado acionário dos Estados Unidos, os problemas monetários (crises
bancárias e queda da moeda nominal e deflação aguda) etc. O problema da reversão das
expectativas otimistas na década de 1920 até a quebra da bolsa de Nova Iorque em outubro
de 1929 é também assunto de uma discussão controversa, muitos economistas advertem que
no fim de 1929 e em 1930 existiam amplas expectativas sobre uma rápida recuperação da
economia, nos Estados Unidos e em outros países, especialmente Alemanha. A lembrança da
rápida recuperação da economia dos Estados Unidos e do Reino Unido na crise profunda de
1920/1921 e a confiança da ideologia neoclássica na recuperação automática rápida de uma
economia de mercados livres e de preços flexíveis devem ser fontes destas previsões otimistas.
271

Mas existe também certa dúvida sobre isto, por que a queda acumulada da produção
industrial desde setembro de 1929 até o fim de 1930 foi já expressiva 28,5%, a queda do PIB
desde o 3 trimestre de 1929 foi de 22,4%, a deflação acumulada no mesmo período foi de
menos 15,6% e a queda do índice de todas as ações de menos de 46,4% (NBER macrohistory),
não uma base para expectativas otimistas.

O papel do padrão (câmbio) ouro na eclosão, propagação e aprofundamento da crise, bem


como seu papel na orientação para politicas econômicas deflacionistas é tema de um capítulo
especifico. Também os problemas nos mercados de trabalho nacionais, a rigidez dos salários, é
um tema de um capítulo especifico.

Para resumir os Estados Unidos experimentavam tendências recessivas da economia real já


antes do estouro da bolha especulativa no mercado das ações em outubro 1929, crises
bancárias em 1930, 1931 e 1933 (está última crise foi a mais profunda) e a saída do padrão
ouro somente em 1933 e da desvalorização expressiva do dólar dando inicio a uma
recuperação. A recuperação baseiava se também, na opinião da maioria dos economistas, nas
medidas do ‘New Deal’ de Roosevelt, revertendo as expectativas pessimistas, fortalecendo os
mercados financeiros e a agricultura, os mercados de trabalho e os sindicatos e introduzindo
politicas públicas para combater o desemprego, embora a eficiência de algumas medidas é
controversa. Uma parte de economistas mais conservadores levanta dúvidas sobre a eficácia
do ‘New Deal’ ou caracteriza o ‘New Deal’ como contraprodutivo piorando as expectativas do
empresariado.

3) O contágio e a propagação da crise

Para o contágio da crise para o mundo a maioria dos autores responsabiliza em primeiro lugar
a rigidez do padrão câmbio ouro, mostrando que países que abandonam mais rápido o padrão
ouro (como o Brasil) foram menos castigados. Importante no contágio da crise são as
mudanças das expectativas, a queda da demanda global com impacto sobre as exportações e
os preços das commodities e as rupturas súbitas dos fluxos de capitais (sudden stops), que
levavam muitos países a crises cambiais, bancárias e crises da dívida externa (como no Brasil
onde houve um esvaziamento rápido das reservas internacionais e moratórias da dívida,
embora uma crise bancária séria fosse evitada). A tabela a seguir mostra a queda expressiva
das exportações mundiais, dos Estados Unidos e do Brasil na Grande Depressão, mostrando a
forte deflação dos preços das exportações, mas também do volume e do valor.

Tabela 50 Índices Valor, volume e preços das exportações mundiais, dos EUA, Alemanha e
Brasil 1921-1938 (1929 =100)
272

Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export. Export.
Mundo Mundo Mundo EUA EUA EUA Alemanha Alemanha Alemanha Brasil Brasil Brasil
Valor Preço Volume Valor Preço Volume Valor Preço Volume Valor Volume Preço
1921 59,7 106,0 57,5 84,3 117,2 71,7 48,9 87,1 56,2
1922 65,8 102,0 66,3 72,6 107,8 66,0 65,9 92,5 71,3
1923 74,2 110,0 68,8 79,1 115,6 67,9 72,7 100,6 72,3
1924 83,0 112,0 75,0 87,9 112,5 77,4 91,2 91,6 99,6
1925 95,2 120,0 80,0 93,9 114,1 81,1 67,1 100,9 66,5 107,9 89,6 120,4
1926 90,3 110,0 82,5 91,7 104,7 86,8 75,2 100,2 75,0 99,5 88,5 112,5
1927 95,2 104,0 91,3 92,3 98,4 92,5 79,8 101,2 78,9 93,7 98,2 95,4
1928 99,1 104,0 95,0 97,6 100,0 96,2 89,9 101,4 88,7 102,9 95,3 108,0
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 79,7 86,0 92,5 73,3 89,1 81,1 88,5 94,2 94,0 69,4 105,8 65,6
1931 56,7 68,0 83,8 46,0 68,8 66,0 70,9 82,7 85,8 53,0 114,8 46,2
1932 38,5 54,0 71,3 30,4 57,8 50,9 44,2 71,7 61,7 39,0 79,7 48,9
1933 44,5 62,0 72,5 31,9 60,9 50,9 35,9 64,8 55,4 47,1 99,8 47,2
1934 57,0 76,0 76,3 40,6 71,9 54,7 32,2 62,0 52,0 63,6 108,6 58,6
1935 59,1 74,0 80,0 43,3 73,4 58,5 33,0 59,0 55,9 58,5 120,0 48,8
1936 63,9 78,0 82,5 46,6 75,0 60,4 40,2 59,8 67,3 69,6 128,0 54,4
1937 78,2 84,0 93,8 63,4 79,7 79,2 50,6 64,0 79,0 75,3 124,0 60,7
1938 68,8 78,0 88,8 58,7 73,4 77,4 47,8 67,1 71,3 63,9 152,1 42,0
Fonte: http://unstats.un.org/unsd/trade/imts/historical_data.htm, Alemanha: http://www.gesis.org/histat/de/data/themes/23
Obviamente preços e quantidades de exportações em queda resultavam em uma queda
expressiva dos valores das exportações. Obviamente a queda da demanda global com a
consequência da queda das exportações (e importações) espalhou a crise para o mundo,
rupturas súbitas de entradas de capital a longo e a curto prazo (hot Money) com fugas de
capital, crises bancárias, crises de balanço de pagamentos e crises e defaults sobre a dívida
pública e privada aumentavam ainda estes problemas. Temin (1994 p. 8) argumenta que o
aumento das taxas de importações nos Estados Unidos (Smoot Hawley) com certeza levou a
medidas retaliatórias de outros países e com isto a uma desintegração maior do comércio
internacional. Mas como explicação para a duração e profundidade da Grande Depressão nos
Estados Unidos ele rejeita o argumento da importância das tarifas Smoot Hawley, porque as
exportações norte-americanas representavam somente 7% do PIB em 1929 e resultavam em
uma queda de 1,5% (em relação ao PIB) nos próximos dois anos. Ele rejeita também o efeito
recessivo do ato tarifário de Smoot Hawley para os Estados Unidos com o argumento que um
aumento das tarifas (ou uma desvalorização) é uma medida expansionista para a economia
nacional, embora retaliações dos países parceiros comerciais possam reverter esta politica de
empobrecer a vizinhança.

Um papel importante no contágio da crise para o mundo são as rupturas súbitas dos fluxos
internacionais de capital e – em primeiro lugar – as fugas e capital de curto prazo (‘hot
money’), estes efeitos desestabilizadores dos fluxos de capitais levavam para a introdução de
273

controles de capitais nos anos pós-guerra de Bretton Woods. Este ponto é especialmente
importante para explicar os eventos da crise na Alemanha e no Brasil.

Em relações aos credores James [1995, p. 4] afirma que as exportações médias anuais de
capital de longo prazo dos Estados Unidos mais que dobravam em 1924 -1928 para 1.142
milhões de US$ em relação ao período de 1919-1923, enquanto os do Reino Unido
aumentavam em 171 milhões de US$ para 587 milhões de US$. No período de 1929 até 1931
as exportações de capital dos Estados Unidos diminuam para 595 milhões de US$ e no período
depois de 1932 quase secavam para 28 milhões de US$, para o Reino Unido os números são
399 e 143 milhões de US$ para os respectivos períodos. James resume esta ruptura súbita da
seguinte forma: “Um fluxo de capitais para os países devedores foi seguido por um colapso de
confiança e, em seguida, por um período em que a direção do fluxo de capital foi revertida.
Capital foi -na segunda fase – devolvido aos países credores e países devedores foram forçados
ao ajuste.”

Este fato pode ser analisado de forma mais profunda para a Alemanha e para o Brasil,
considerando também as crises bancárias, crises cambiais e de balanço de pagamentos, bem
como crises da dívida soberana e privada.

O papel do padrão (câmbio) ouro para a Grande depressão

“Quando a Grande Depressão atingiu o mundo depois de 1929, o padrão ouro era fraco. (...).
Houve uma onda de desvalorizações retaliatórias e uma guerra de tarifas de importação. Em
1933 os Estados Unidos impuseram um embargo às exportações de ouro, introduziram
controles de câmbio e desvalorizavam o dólar, de $ 20,67 para $ 35 por onça do ouro. O golpe
de misericórdia foi a dissolução do bloco de ouro (França, Bélgica, Países Baixos, Itália, Suíça,
Polônia) depois da desvalorização do franco belga, em 1935. ” [Burda&Wyplosz p. 394]

O quadro seguinte mostra as desvalorizações até o primeiro de março de 1934, quando


somente Bélgica, França, Holanda, Polônia e Suíça aderiram ao padrão ouro.

Quadro 4 : A corrida des desvalorizações até o Primeiro de março de 1934


274

A queda do comércio internacional na Grande Depressão da década de 1930 foi uma


consequência das corridas de desvalorizações (medidas de empobrecer a vizinhança), das
medidas protecionistas [p.e., Aumento das tarifas de importações nos Estados Unidos Smoot
Hawley 1930] e do enfraquecimento das economias nacionais com crises bancárias nos
Estados Unidos (1930, 1931 e 1933), Áustria e Alemanha (1931), quedas da produção,
desemprego elevado e queda das importações.

O sistema internacional de comercio mundial e de fluxos de internacionais de capital


desintegrou-se, e Eichengreen [1992] e Temin [1991] argumentam que o sistema monetário
padrão ouro depois da primeira Guerra Mundial foi uma das causas para espalhar a Grande
Depressão nos anos da década de 1930 e dificultar uma saída da crise, porque levou os
governos a defender as paridades fixas com o ouro através de politicas deflacionistas que
pioravam a crise e contagiavam outros países.

A tabela a seguir mostra a aderência e a saída de países ao padrão câmbio ouro.


Tabela 51 Adoção e suspensão do Padrão câmbio ouro

Padrão Câmbio Padrão Câmbio Controles de


Desvalorização
Ouro adotado Ouro suspenso capitais
Alemanha set/24 1931 jul/31
Argentina 1927 1929
Áustria 1923 1931 out/31 set/31
Bélgica 1925 1935 mar/35
Brasil 1927 1930
Bulgária 1927 1931
275

Canadá jul/26 out/31 set/31


Dinamarca jan/27 set/31 nov/31 set/31
Estados Unidos jun/19 fev/33 mar/33 abr/33
Finlândia 1926 out/31 out/31
França ago/26 1936 out/36
Grécia 1928 1931 set/31 abr/32
Hungria abr/25 1931 jul/31
Itália dez/27 1936 mai/34 out/36
Jugoslávia 1931 1931
Noruega mai/28 1931 set/31 set/31
Países Baixos abr/25 1936 out/36
Polônia out/27 1936 abr/36 out/36
Portugal 1931 1931
Reino Unido mai/25 set/31 set/31
România fev/29 1932 mai/32
Suécia abr/24 set/31 set/31
Suíça 1925 1936
Tchecoslováquia abr/26 1931 set/31 fev/34
Fonte: Kirsten Wandschneider: The Stability of the Inter-war Gold Exchange Standard Did Politics Matter?, 2005,
http://sandcat.middlebury.edu/econ/repec/mdl/ancoec/0518.pdf

Em Obstfeld/Taylor [2004, p. 307] a data de saída do padrão (câmbio) ouro do Brasil é


diferente no dia 7 de dezembro de 1929.

Eichengreen [1992, p. 15] afirma: “Assim, a crise debilitante de 1929-1930 não era
simplesmente o produto de uma mudança contracionista da política monetária dos EUA, mas
uma mudança na política restritiva em todo o mundo”, políticas ligadas pelas regras do
padrão-ouro. Eichengreen e Temin afirmam [2010, p. 3] que os governos e bancos centrais
foram tão lentos em combater a crise, porque “Escolhas nos anos ao redor de 1930 foram
feitas de acordo com uma visão de mundo em que a manutenção do padrão ouro - tal como
era, no final da década de 1920, era o pré-requisito fundamental para a prosperidade. Como
resultado dessa ideologia, autoridades monetárias e fiscais programavam políticas
contracionistas quando – na retrospectiva – se mostrou claramente que eram necessárias
políticas expansionistas.”. Eichengreen e Temin [p.13] acrescentam que as “Políticas foram
perversas porque elas foram formuladas para preservar o padrão-ouro, não para estabilizar a
produção e o emprego. Os banqueiros centrais pensavam que a manutenção do padrão-ouro,
com o tempo facilitava a restauração do emprego, enquanto as tentativas para aumentar o
emprego diretamente falhariam”. A mentalidade do padrão ouro é descrita por Eichengreen e
Temin [1997, p. 3]: “As virtudes vitorianas e eduardiana da economia, confiabilidade,
estabilidade e cosmopolitismo foram invocados ritualmente como atributos do sistema
monetário. O ouro era moral, de princípios e civilizado; moeda gerenciada [fiat money] o
oposto. O primeiro foi preservado pela deflação, a deflação foi cortar salários. Apenas
276

“especuladores” discordavam. Esta retórica deslegitimava os argumentos daqueles que


ousaram questionar o mérito da convertibilidade ouro.”

Resumindo a maioria dos autores concorda que os países que saiam mais rápido do padrão
(câmbio) ouro na Grande Depressão, conseguiam sair da crise mais rápido através de politicas
monetárias (e fiscais) mais expansionistas e – parcialmente – de desvalorizações da moeda
nacional, embora isto prejudicasse os países que permaneciam com sua paridade com o ouro.
Os países que defendessem sua paridade de ouro por mais tempo sofriam mais na Grande
Depressão e demoravam a se recuperar. Uma desvalorização coordenada dos países de suas
moedas em relação ao ouro foi teoricamente uma possibilidade de estimular as economias
nacionais através de politicas monetárias nacionais mais expansionistas, também evitando os
problemas da corrida desvalorização que ocorreriam de fato, mas no clima politico
internacional neste período esta coordenação não se tornou possível, somente com o contrato
de estabilização das taxas de câmbio entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a França em
setembro de 1936 foi feito um passo nesta direção, mas a maioria dos países seguiu seus
caminhos de autarquia.

4) A crise na Alemanha e na Europa

Ritschl [2012, p. 1. Pp.] resume a história da Grande Depressão na Alemanha desde a expansão
econômica depois da estabilização da moeda em 1924 (terminado a hiperinflação de 1923) e
da volta ao ouro em setembro de 1924 da seguinte forma: “Depois de ser um importador
expressivo de capital durante o Plano Dawes de 1924-1929 a Alemanha enfrentou no Plano
Young de 1929/1930 uma parada súbita de entrada de capital e problemas na conta corrente
por causa da queda das exportações (...). O ciclo conjuntural acompanhou estas mudanças e
definiu os limites e possibilidades de políticas macroeconômicas para a Alemanha.” Os dados
sobre o lado monetário da economia alemão confirmam este resumo, embora a consequência
sobre os limites da politica macroeconômica deflacionista do governo Brüning – defendida por
Ritschl como sem alternativas – é controversa (especialmente Temin dúvida está hipótese de
Borchardt, também defendida por Ritschl) e precisa de uma discussão mais aprofundada.
Existe na Alemanha uma discussão controversa sobre a hipótese de Borchardt [Ritschl, 2001]
de que para a politica deflacionista de Brüning dentro do ambiente nacional e internacional
não houve alternativas. Uma parte da argumentação de Ritschl tenta mostrar que a expansão
econômica de Alemanha depois da hiperinflação de 1923, financiada por créditos externos,
baseava se na expansão do consumo e no aumento dos salários e dos gastos do Estado de bem
estar social, que tornavam a Alemanha menos competitiva. Com isto Ritschl argumenta que
277

dentro das regras do padrão câmbio ouro e do Plano Young a politica deflacionista não houve
alternativas viáveis. O consenso de históricos e economistas (e hoje ainda defendido pela
maioria dos economistas) foi que Brüning seguiu a politica deflacionista deliberadamente
seguindo suas crenças conservadores e tentando piorar a crise para conseguir no nível da
politica externa uma revisão parcial do tratado de Versalhes no sentido do terminar o
pagamento de reparações de guerra previstas no Plano Young de 1929. Com esta politica
deflacionista e o aumento catastrófico do desemprego Brüning foi parcialmente
responsabilizado pela ascensão do nazismo e de Hitler. A hipótese de Borchardt e de seu
discípulo Ritschl abriu uma discussão acadêmica sobre o assunto. Os críticos advertem que a
argumentação de Borchardt – Ritschl insere se na mudança para a ideologia neoliberal na
década de 1980 e deixa considerar alternativas expansionistas (keynesianas) que existiam na
crise da década de 1930, mas concedendo que a expansão da economia alemão na segunda
metade da década de 1920 mostrou problemas estruturais. Temin [1991, p. 70 pp.] argumenta
que a discussão sobre a política de Brüning mostra como os políticos da época foram
prisioneiros da ideologia do padrão (câmbio) ouro e argumenta que uma saída do ouro com
desvalorização também foi uma opção para Alemanha na crise bancária e cambial em 1931,
pelo menos em este momento seguindo a política de saída do ouro do Reino Unido em
setembro de 1931.

Primeiro um resumo do lado real da economia alemã nas tabelas a seguir:

Tabela 52 O lado real da economia alemã 1925-1938, Índices (129 =100) com exceção do
desemprego (em %)

Taxa
Produção Investimento Preços ao Taxa
PIB real Exportações Consumo desemprego
Industrial bruto consumidor desemprego
Indústrial
1925 85,0 n.d. 69,9 101,4 84,5 92,1 4,8 6,8
1926 87,5 78,2 78,7 99,3 88,3 92,3 13 18
1927 96,2 100,0 81,6 109,0 92,2 96,0 6,3 8,8
1928 100,4 99,0 92,6 106,3 97,1 98,5 6,1 8,6
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 9,4 13,3
1930 98,6 88,1 89,7 87,5 99,0 96,2 15,3 22,7
1931 91,0 72,3 71,3 65,3 94,2 88,4 23,3 34,3
1932 84,2 58,4 42,6 52,1 83,5 78,3 30,1 43,8
1933 89,5 65,3 36,8 61,1 86,4 76,6 26,3 36,2
1934 97,2 82,2 30,9 88,2 92,2 78,6 14,9 20,5
1935 106,3 95,0 31,6 82,6 97,1 79,9 11,6 16,2
1936 115,7 105,9 36,0 89,6 97,1 80,8 8,3 12,0
1937 128,2 115,8 44,9 87,5 108,7 81,2 4,6 6,9
1938 141,3 123,8 43,4 91,7 112,6 81,6 2,1 3,2
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976), cálculos próprios, desemprego: BLS e Eichengreen/Hutton
278

Houve um período de expansão entre 1925 e 1928, 1929 já foi um ano de estagnação com o
desemprego em ascensão. O fundo da depressão foi em 1932, enquanto as exportações
seguiam em queda até 1934, mas nunca mais se recuperavam para os níveis antes da crise
[perda de competitividade não acompanhando as desvalorizações em outros países desde
1931]. A crise profunda em 1932 em relação ao ano de 1929 mostra se na queda da produção
industrial em 41,6% e na taxa de desemprego geral de 30,1% e de desemprego industrial de
43,8%. O desespero de grande parte da população, as políticas deflacionistas do governo
Brüning dependendo cada vez mais de medidas emergenciais sem participação do parlamento,
a radicalização das lutas políticas pelos grupos paramilitares de direita e esquerda, levava a
ascensão dos nacional-socialistas de Hitler já nas eleições de 1930 e tornavam eles o partido
maior no parlamento nas duas eleições de 1932 e finalmente em janeiro de 1933 na afirmação
de Hitler como chanceler pelo presidente Hindenburg. Uma discussão sobre salários e
produtividade de trabalho no período entre as guerras e sobre a hipótese keynesiana da
rigidez dos salários nominais na crise numa perspectiva mais global é feita num lugar posterior.

A tabela a seguir mostra o lado monetário – em sentido amplo – para a economia alemã entre
1924 e 1938.

Tabela 53 O lado monetário da economia alemã 1925-1938, Índices (1928 =100)

Dinheiro
Reservas Dívidas
em Crédito
Ouro em ouro e M0 M1 Depósitos bancos com
poder do bancos
divisas estrangeiros
público
1924 27,8 63,5 53,5 57,9 43,8 41,0 - 23,3
1925 44,3 68,5 75,5 77,7 65,6 62,8 14,9 40,6
1926 67,1 85,8 84,8 86,5 80,5 79,2 32,8 58,4
1927 68,3 71,8 93,6 94,8 93,8 93,8 68,7 77,9
1928 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1929 83,7 95,0 100,1 99,7 101,2 101,5 110,4 111,2
1930 81,2 91,5 95,5 95,6 94,9 94,8 108,9 123,6
1931 36,1 39,7 105,6 100,6 80,0 72,8 79,3 110,9
1932 29,5 32,5 87,4 84,0 69,5 64,4 62,7 106,2
1933 14,1 20,3 85,8 84,8 65,9 60,3 38,3 107,5
1934 2,9 6,8 89,1 88,8 70,5 65,3 26,7 115,5
1935 3,0 8,2 90,9 94,4 74,2 69,5 23,9 124,5
1936 2,4 5,7 100,1 105,8 80,7 75,2 22,0 126,4
1937 2,6 8,3 109,6 114,9 88,3 82,3 21,2 133,9
1938 2,6 8,6 162,2 161,0 109,5 94,7 19,9 157,3
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976) http://www.gesis.org/histat, cálculos próprios

Em primeiro lugar a tabela mostra os efeitos expressivos da crise bancária, cambial, e da dívida
pública em 1931, a queda expressiva das reservas de divisas e de ouro do banco central, a
queda expressiva da moeda nominal M1 por causa da queda dos depósitos e especialmente
dos depósitos de estrangeiros (fuga de capital). Neste ano a Alemanha saiu do padrão ouro
279

introduzindo controles de capital, mas sem desvalorização, e grandes bancos foram


praticamente nacionalizados. Uma análise mais profunda do ano 1931 encontra se em um
capítulo posterior. Houve também uma queda do crédito até 1933, mas não de forma tão
expressiva. Clavin [2000, p. 120 pp.] explica porque os bancos na Europa central foram, de
forma diferenciada, vulneráveis na Grande Depressão. Em primeiro lugar eles foram
dependentes de capital estrangeiro, o influxo de capital estrangeiro começou a secar já em
1929, mas em 1931 houve fugas maciças de capital estrangeiro. Em segundo lugar os bancos
tinham laços estreitos com a indústria e agricultura, na crise a indústria e agricultura entravam
em queda livre com falências e defaults sobre créditos e o valor dos colaterais em queda, o
que levou a uma fragilidade do sistema financeiro. Uma politica monetária expansiva dos
bancos centrais e a ação como emprestador de última instância poderiam ter salvado o
sistema financeiro. Mas as regras do sistema câmbio ouro descartavam estas medidas.

A crise bancária começou e maio de 1931 em Áustria com a falha do maior banco do país
Creditanstalt. A crise espalhou-se para Hungria e outros países do leste de Europa. Em julho a
crise chegou a Alemanha (a moratória de Hoover em junho de 1931 para os pagamentos de
reparações da guerra aliviou um pouco a pressão sobre a Alemanha). Com a falha da DANAT
Bank, houve fuga de capitais de Alemanha e corridas aos bancos. O Reichsbank, o banco
central da Alemanha, introduziu controles de capitais para estancar a queda das reservas e de
ouro e com isto saindo do padrão câmbio ouro em julho de 1931, mas sem desvalorizar o
marco alemão. Os ataques especulativos voltavam depois para o Reino Unido que - perdendo
reservas de ouro -saiu do padrão câmbio ouro em setembro de 1931 com forte desvalorização
da libra. O gráfico a seguir mostra os dados agregados monetários da Alemanha.
280

Gráfico 31 Base monetária, Reservas bancárias e moeda em poder do público, Alemanha 1924
– 1938

Fonte: http://www.gesis.org/histat (baseados em Ritschl)

Para analisar as fugas de capital é necessário um curto olhar para os dados mais importantes
do balanço de pagamentos alemão e da dívida pública. Embora a dívida pública praticamente
fosse eliminada pela hiperinflação de 1923, em 1929 houve já uma dívida pública e uma dívida
externa importante, parcialmente financiando as reparações.

Tabela 54 O balanço de pagamentos alemão (milhões Reichsmark)

Capital Capital
Saldo Entrada Saldo
Conta Saída de longo curto
renda Reparações de balança
corrente capital prazo prazo
capital capital capital
(saldo) (saldo)
1924 -1.664 159 -281 3.256 -750 2.506 1.000 506
1925 -3.045 -6 -1.057 1.518 -87 1.431 1.124 107
1926 -39 -173 -1.191 1.641 -118 1.523 1.376 147
1927 -4.244 -345 -1.584 4.336 -854 3.482 1.210 1.779
1928 -3.192 -563 -1.999 5.975 -2.852 3.123 1.268 1.335
1929 -2.469 -800 -2.337 3.544 -2.119 1.425 229 765
1930 -610 -1.000 -1.706 3.678 -2.442 1.236 967 117
1931 1.040 -1.200 -988 3.817 -3.160 657 126 477
1932 257 -900 - 550 -1.299 -749 -36 -763
1933 132 -698 - 603 -1.410 -807 -250 -747
1934 -534 -625 - 1.310 -1.120 190 -200 510
1935 -107 -550 - 837 -710 127 -33 260
1936 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
1937 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
1938 n.d n.d - n.d n.d n.d n.d n.d
Fonte: Deutsche Bundesbank (1976) http://www.gesis.org/histat, cálculos próprios
281

A tabela mostra a queda da entrada de capital começando em 1929 (a saída expressivamente


aumentando já em 1928) e quase secando depois de 1931. Em 1931 e depois começa uma
fuga de capital que diminui expressivamente as reservas da Reichsbank em divisas e ouro. Faz
se necessário o controle de capitais e uma politica para diminuir as importações (mais do que a
queda das exportações) para reverter a tendência da conta corrente. O pagamento de
reparações cessa em 1932 com a conferência internacional em Lausanne.

A tabela a seguir mostra dados para a dívida publica e para as reservas internacionais da
Reichsbank.

Tabela 55 Dívida pública alemã (milhões Reichsmark)

Dívida
Dívida Dívida Dívida Dívida externa Reservas
Dívida Ouro
governo longo curto pública/PIB (pública e Intern.
pública Reichsbank
Central prazo prazo % privada) Reichsbank
/PIB %
1924 1.958 149 2.068 760
1925 2.703 958 39 2.230 1.208
1926 7.141 930 12 2.795 1.831
1927 7.300 1.275 122 2.337 1.865
1928 14.599 7.131 1.384 187 16,6 75,2 3.257 2.729
1929 18.159 8.229 1.918 1.095 20,5 86,3 3.095 2.283
1930 21.319 9.630 2.494 2.208 25,9 81,5 2.980 2.216
1931 24.022 11.342 4.618 1.997 34,8 97,8 1.292 984
1932 24.177 11.434 4.652 2.210 42,6 45,9 1.059 806
1933 24.347 11.690 4.615 2.654 41,7 40,2 661 386
1934 24.530 11.793 3.765 3.789 37,5 28,1 223 79
1935 25.063 12.452 4.093 4.442 34,3 n.d. 268 82
1936 26.701 14.372 5.535 5.072 32,9 20,6 185 66
1937 27.809 16.058 8.029 4.407 30,6 16,6 269 71
1938 30.322 19.098 11.763 3.868 30,3 14 279 71
Fonte: http://www.gesis.org/histat, PAPADIA/SCHIOPPA, cálculos próprios

A tabela mostra que a dívida pública em relação ao PIB (incluindo as dívidas do governo
central, dos governos dos estados e dos municípios) é relativamente pequena por causa da
quase eliminação da dívida pela hiperinflação de 1923. Um problema na crise foi que na crise
bancária e cambial de 1931 a dívida externa privada e pública tornou-se elevada, levando ao
default em 1933. Papadia e Schioppa [2013, p. 6] mostram que em novembro de 1931 o maior
devedor foi o setor industrial com 61,7% seguido pelo setor público com 16,4% e os bancos
com 15,4%, os maiores credores foram os Estados Unidos (41,7%), os Países Baixos (17%),
Suíça (13%) e o Reino Unido (12,9%). A queda expressiva da dívida externa depois de 1931 foi
consequência da eliminação das reparações na conferencia de Lausanne em 1932.
282

A tabela a seguir mostra a eliminação da dívida pública pela hiperinflação, que explica a dívida
pública relativamente pequena em 1924 e depois comparada com outros países beligerantes
na Primeira Guerra Mundial.

Tabela 56 Dívida do governo central alemã 1913-1923 (milhões de Mark e Goldmark calculado
a taxa de câmbio do US$)

Dívida em marcos nominais Dívida em Goldmark (real)


1913 4.805,8 4.805,8
1914 4.917,9 4.917,9
1915 9.496,9 8.240,3
1916 30.235,1 23.089,0
1917 50.299,1 34.345,6
1918 71.915,4 58.515,4
1919 92.396,4 33.745,9
1920 93.030,4 5.424,2
1921 82.160,0 5.523,0
1922 65.667,7 903,8
1923 59.573,4 11,9
Fonte: http://www.gesis.org/histat

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional73 sobre as dívidas dos países beligerantes
mais importantes antes e depois da guerra, pode ser ver que a hiperinflação de 1923 deixou a
Alemanha com uma dívida pública relativamente pequena.

Tabela 57 Dívida pública/PIB % 1913-1938 Países centrais escolhidos

Alemanha França Itália Reino Unido Estados Unidos


1913 38,5 66,3 77,2 27,9 3,2
1920 n.d. 169,6 159,7 137,8 27,9
1921 n.d. 237,0 152,2 158,4 32,4
1922 n.d. 235,9 140,9 183,5 31,5
1923 n.d. 216,8 143,5 195,5 26,3
1924 n.d. 192,4 142,8 188,8 24,4
1925 11,6 197,2 103,8 177,0 22,5
1926 12,3 144,7 89,4 187,1 20,2
1927 9,7 157,5 99,7 177,5 19,1
1928 10,7 142,3 97,7 175,8 18,2
1929 13,1 138,6 97,4 170,5 16,3
1930 16,8 143,8 106,6 171,0 17,7
1931 20,8 161,0 101,3 184,8 21,9
1932 25,2 172,7 80,0 190,1 33,1
1933 25,3 n.d. 86,4 194,0 40,0
1934 22,1 n.d. 89,5 186,6 41,0
1935 21,9 n.d. 80,7 178,1 39,2
1936 21,5 n.d. 80,2 170,2 40,4
1937 22,4 n.d. 72,1 158,7 39,6
1938 31,5 101,6 71,4 155,1 43,2
Fonte: International Monetary Fund
283

Os governos de von Papen e von Schleicher que seguiam o governo de Brüning em junho 1932
e dezembro de 1932, autoritários e dependendo totalmente de medidas sancionados pelo
presidente von Hindenburg sem aprovação pelo parlamento, começavam introduzir
cautelosamente medidas ativas para combater a crise e o desemprego, embora em tamanho
inexpressivo. O governo de Hitler com inicio em 30 de janeiro de 1933 mudou rapidamente o
cenário politico e econômico depois do incêndio do ‘Reichtstag’ em fevereiro de 1933 para
uma ditadura sangrenta em caminho para a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. A
recuperação da crise é descrita em um capítulo posterior comparativo para o ambiente global.

O aprofundamento da crise – a crise de 1931

A crise de 1931 foi um ponto de viragem na Grande Depressão aprofundando e prolongando a


crise nos países centrais. Ela começou com a crise bancária e cambial em maio de 1931 em
Áustria, seguida pela crise bancária, cambial e da dívida pública na Alemanha, começando em
junho de 1931, embora a perda de ouro e reservas internacionais pela Reichsbank (banco
central alemão) já começou com a crise na Áustria (já houve fugas de capital depois do sucesso
dos nazistas na eleição de setembro de 1930). Em maio de 1931 o Creditanstalt, maior banco
de Áustria, foi salvo pelo governo austríaco. Em 1929 o Creditanstalt foi forçado a integrar a
insolvente Boden- Credit- Anstalt, um fato importante na crise de maio de 1931. Embora a
exposição de bancos alemães na Creditanstalt foi pequena (menos de 4% seguindo James
(2013, p. 122)) expectativas e a politica externa alemã levavam ao contagio da crise. Em julho a
crise se aprofundou, embora o presidente americano Hoover já declarasse uma moratória para
as reparações alemãs e para as dívidas de guerra dos aliados em 20/21 de junho: O Reichsbank
aumentou a taxa básica em dois pontos percentuais, o Danatbank fechou, o Dresdner Bank e o
Rheinische Landesbank tornavam-se ilíquidos, houve uma corrida aos bancos, fuga de capital
estrangeiro, um feriado bancário foi declarado, os grandes bancos alemães foram
praticamente nacionalizados [1932, 91 % do capital do Dresdner Bank, 70 % do Commerzbank,
e 35 % do Deutsche Bank estavam em propriedade pública (James [1913, p. 125),
reprivatizados alguns anos depois], e controles de capital implementados (com esta medida
Alemanha saiu do padrão (câmbio) ouro, mas, sem desvalorizar a moeda). James [2013, p. 125
p.] descreve as medidas do Reichsbank e do governo alemão na crise bancária: Primeiro o
governo reorganizava os grandes bancos com infusão de capital, segundo o Reichsbank criou
uma instituição para descontar letras de câmbio (Akzept- und Garantiebank), terceiro o
Reichsbank criou um ‘bad bank’, assumindo ativos problemáticos em dezembro de 1932
(Deutsche Finanzierungsinstitut AG e Tilgungskasse für gewerbliche Kredite). Neste tempo,
bem como hoje, as ações de bail-outs criavam fortes hostilidades públicas, porque pareciam
284

beneficiar as instituições responsáveis pela crise socializando prejuízos privados com dinheiro
público em uma crise fiscal e sob fortes medidas de austeridade (Notverordnungen de
Brüning).

Eichengreen [2015, p. 148] descreve o contágio da crise para o Reino Unido e os Estados
Unidos: “Em maio e junho, a Alemanha insistiu que não seja a Áustria. A Grã-Bretanha e os
Estados Unidos agora insistiam que não sejam a Alemanha. Isso, no entanto, não impediu a
crise de ultrapassar primeiro o canal e depois o Atlântico. Onde a crise alemã se desenvolveu
ao longo de quase dois anos, foram necessárias apenas algumas semanas para chegar a
Londres e apenas alguns dias para infectar Nova York.” Eichengreen discursa sobre as perdas
de ouro do Bank of England desde o julho 13, que em duas e meio semanas chegavam a cerca
de 25% de suas reservas, forçando o Reino Unido de abandonar o padrão (câmbio) ouro em
setembro e desvalorizando a libra. A perda seguinte de ouro do Federal Reserve [investidores
temendo uma desvalorização do dólar também] forçou o FED de aumentar a taxa básica em
dois pontos percentuais para evitar uma desvalorização do dólar aprofundando a depressão e
a crise bancária.

A crise de 1931 levanta muitas perguntas. As causas do contágio em poucos meses de Áustria
para Alemanha, de Alemanha para o Reino Unido, do Reino Unido para os Estados Unidos, é
uma destas perguntas. Embora o problema do contágio seja assunto de um capítulo posterior,
aqui já pode se apontar para a sensibilidade de investores com eventos políticos e econômicos
em países onde se investiu capital. Para Alemanha pode se apontar para a instabilidade
politica depois da quebra da grande coalização sob o chanceler socialdemocrata Müller em
1930, a ascensão expressiva do partido nacional-socialista e do partido comunista nas eleições
em setembro de 1930, e de politicas mais agressivas do chanceler Brüning na questão dos
pagamentos das reparações, na questão da revisão do tratado de Versalhes, na questão do
plano de uma união aduaneira com Áustria. No lado econômico pode se apontar para o rápido
contágio das expectativas de congelamento de investimentos financeiros com a introdução de
controles de capital e com perdas possíveis no caso de uma desvalorização.

Uma discussão acadêmica também se acendeu sobre a questão da interpretação da crise


alemã em 1931, ela em primeiro lugar fosse uma crise bancária, uma crise cambial, ou uma
crise fiscal (ou da dívida pública). A controvérsia não é sobre o fato de que em 1931 acontecia
a crise cambial, a crise bancária, a crise fiscal, em conjunto, mas sobre a questão sobre o
gatilho da crise, o desequilíbrio fiscal, e desequilíbrio externo, ou a fragilidade do sistema
bancário alemão. Nesta discussão, que não pode ser decidida aqui, é também importante
apontar para os acontecimentos políticos antes da eclosão da crise. Para uma crise bancária
285

apontam a fragilidade do sistema bancário alemão depois da hiperinflação de 1923 com pouco
capital próprio (alta alavancagem), politicas arriscadas de alguns bancos (por exemplo, o
Danatbank), descasamento de prazos e de moeda, financiando créditos de longo prazo com
dívidas de curto prazo, em grande parte de moeda estrangeira. Para uma crise cambial aponta
a saída expressiva de capital estrangeiro e da fuga de capital alemão depois da crise austríaca e
a publicação de declarações de Brüning sobre dúvidas sobre os pagamentos das reparações
(aumentando também o receio de credores privados), sobre uma possível união aduaneira
com Áustria e sobre revisões do tratado de Versalhes (aumentando a preocupação do governo
francês). Para uma crise fiscal aponta a necessidade para o governo alemão de financiar
déficits fiscais e comerciais com créditos em moeda estrangeira, desde 1928 enfrentando uma
liquidez internacional em queda, embora os Young-bonds em 1930 e a moratória de Hoover
em 1931 davam certos alívios. Neste contexto aparece também a avaliação da politica
altamente deflacionária de Brüning com suas consequências sociais e políticas desastrosas
para mostrar a impossibilidade da Alemanha de pagar as reparações, melhorar a
competitividade das exportações alemãs, e equilibrar o orçamento. A maioria dos economistas
vê esta politica de austeridade com responsável pelo aprofundamento e prolongamento da
depressão, a posição de Borchard apontando para a impossibilidade de politicas alternativas
no ambiente internacional fica em posição solitária (também de certa forma enfraquecida
pelas tentativas de politicas mais expansionistas dos governos seguintes de von Papen e von
Schleicher e desde fevereiro de 1933 do governo Hitler). Especialmente as medidas de
austeridade (Notverordnung) do governo Brünng em outubro e dezembro de 1931 para
equilibrar o orçamento e melhorar a competitividade não faziam nenhum sentido com a saída
de Reino Unido e outros países do padrão ouro em setembro de 1931 e do abismo social em
que a Alemanha se encontrou no aprofundamento da crise. No gráfico a seguir o
aprofundamento de crise na Alemanha depois da crise de julho de 1931 pode ser observado.
286

Gráfico 32: Crise Alemanha junho 1929 – dezembro 1933, Desemprego (mil), Índice de
produção industrial (junho 1929 =100), Índice de preços das ações (junho 1929 =100), Índice
das exportações (junho 1929 =100)

Fonte: histat

Outra questão aberta é o problema se a desvalorização da libra em setembro de 1931 não


abriu a possibilidade de uma desvalorização conjunta dos países centrais para seguir politicas
mais expansionistas e introduzir controles de capital para conter os movimentos de capital de
curto prazo através das fronteiras, como o sistema de Bretton Woods previu posteriormente.
Mas, provavelmente, o ambiente politico internacional não abriu espaço para uma ação
coordenada, embora no Bank of International Settlements (BIS) existiam planos para uma
desvalorização conjunta (aumento do preço do ouro). Na avaliação de politicas em reflexo da
crise é sempre importante considerar que em retrospecto é sempre muito mais fácil conceber
alternativas de ação.

A crise no Reino Unido, na França e em outros países da Europa

Clavin [2000, p. 1] resume a Grande Depressão na Europa “em 1932 a economia europeia foi
vítima de uma crise sem precedentes de três anos. Nos países mais seriamente atingidos –
Polônia, Alemanha e Áustria – uma em cinco da população adulta foi desempregada e a
produção industrial caiu em três anos em quarenta por cento. Embora existissem variações
nacionais, nenhuma parte de Europa ficava intocada.” Importante neste contexto é não
esquecer que a União Soviética, país meio na Europa – meio na Ásia, não foi atingido pela
287

Grande Depressão, mas conseguiu crescer rápido, embora a queda das exportações criava
certos problemas. Obviamente também não deve se esquecer dos custos humanos desta
industrialização forçada na União Soviética: coletivização forçada da agricultura levando a
milhões de mortos pela fome, pela perseguição política, pelos ‘GULAGS’, pelos processos de
Moscou, pelo terror stalinista. Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 156] resumem esta parte
da história da Grande Depressão da seguinte forma: “A União Soviética não experimentou uma
depressão e o Produto Interno Bruto per capita cresceu 6,6% p.a. entre 1932 e 1938. (...)
[p.159 p.]. Enquanto em 1929 – 1939 o mundo foi lutando com maior ou menor sucesso
encontrar caminhos para sair da depressão, o produto per capita na União Soviética subiu
cerca 61 por cento, com somente um revés menor em 1932.” Mas os custos humanos desta
industrialização forçada com coletivização da agricultura foram enormes pelas mortes pela
fome e as execuções, pelas vidas destruídas nas prisões e Gulags.

Também as maiores economias na Europa ocidental, Alemanha, Reino Unido e França,


experimentavam uma depressão séria, mas de forma diferenciada. Para os países da Europa as
taxas de crescimento do PIB [IMF Data Mapper], do PIB per capita [Maddison data] para os
períodos de 1900/1913, 1919/1929, 1930/1933, 1934/1938 para os países onde existem dados
para estes períodos nas fontes citadas, podem ser vistas na tabela a seguir. Obviamente, como
já explicado, em alguns países a depressão começou mais cedo ou mais tarde e acabou mais
cedo ou mais tarde, por esta razão os dados são somente estimativas para a profundeza da
depressão, os Estados Unidos somente aparecem para fins comparativos. Os dados para a
União Soviética de Maddison são diferentes das estimativas acima citadas de Feinstein, Temin
e Toniolo [2008], o que mostra outra vez a fragilidade de estimativas estatísticas antes da
Segunda Guerra Mundial.

Tabela 58 Taxas de crescimento anuais do PIB e do PIBpc para países europeus e para os
Estados Unidos para períodos escolhidos

Taxas anuais de crescimento do PIBpc


Taxas anuais de crescimento do PIB [IMF]
[Maddison]
1900- 1919- 1930- 1934- 1900- 1919- 1930- 1934-
1913 1929 1933 1938 1913 1929 1933 1938
Alemanha 3,1% 2,8% -2,7% 7,8% 1,6% 4,6% -4,3% 2,3%
Áustria 2,3% 3,3% -6,2% 4,7% 1,3% 5,1% -8,5% 1,5%
Bélgica 2,0% 5,8% -1,3% 1,0% 1,0% 4,1% -2,5% 0,2%
Bulgária n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. 2,0% 0,9%
Dinamarca 3,5% 4,5% 1,9% 2,5% 2,0% 2,8% 1,4% 0,6%
Espanha 1,8% 3,7% -1,4% -5,5% 1,1% 3,0% -3,2% -2,2%
Finlândia 3,0% 7,3% 0,6% 6,6% 2,0% 5,1% -0,2% 1,9%
France 1,5% 7,0% -2,2% 1,1% 1,3% 5,3% -3,5% 0,3%
Grécia 6,1% 5,6% 1,8% 3,7% -1,2% 6,3% 0,7% 0,7%
288

Hungria n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. -1,4% 0,8%


Itália 3,8% -0,1% -0,8% 3,5% 1,8% 2,8% -2,6% 0,7%
Jugoslávia n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. -5,6% 1,1%
Noruega 2,7% 4,6% 1,6% 4,4% 1,9% 2,7% 1,4% 1,3%
Países Baixos 2,5% 6,3% -2,0% 2,2% 1,2% 3,3% -4,5% 0,4%
Polônia n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. -9,1% 2,1%
Portugal 0,8% 4,1% 3,1% 1,4% 0,0% 3,2% 2,5% 0,1%
Reino Unido 1,5% -0,1% -0,6% 3,9% 0,5% 1,2% -1,4% 1,2%
România n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. 0,9% 0,3%
Suécia 3,2% 5,2% -1,9% 6,1% 2,4% 3,7% -0,2% 1,3%
Suíça 2,0% 5,1% -0,9% 1,7% 1,7% 3,4% -2,3% -0,1%
Tchecoslováquia n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. -5,7% 0,8%
USSR n.d. n.d. n.d. n.d. 1,0% 9,2% 2,5% 2,5%
Estados Unidos 3,5% 3,2% -7,4% 6,7% 1,9% 2,0% -11,5% 1,7%
Fontes: IMF Data Mapper para PIB, Groningen Growth and Development Centre para PIBpc
Embora os dados são diferentes, a tendência de uma queda no período de 1930-1933 pode ser
vista em quase todos os países, com exceção de Bulgária, Dinamarca, Grécia, Noruega,
Portugal, România e –obviamente como já discutido acima – a União Soviética, embora a
queda da atividade econômica neste período pode ser encontrada em todos os países.

Para o Reino Unido os dados que descrevem os efeitos econômicos da Grande Depressão na
Grande Depressão podem ser apreciados na próxima tabela.

Tabela 59 Grande Depressão Reino Unido 1913 – 1939

1913 1919 1925 1929 1932 1933 1938 1939


PIB Índice (1929=100) 89,4 90,2 92,2 100,0 94,9 97,7 118,4 119,6
PIB per capita Índice (1929=100) 89,4 88,5 93,5 100,0 93,5 95,9 113,9 113,8
Produção Industrial Índice Manufatura
82,0 81,7 90,0 100,0 89,7 96,3 129,0 n.d.
(1929=100)
Taxa de desemprego (%) n.d. n.d. 8,6 8,0 17,0 15,4 10,1 n.d.
Taxa de desemprego na indústria (%) n.d. 3,2* 11,3 10,4 22,1 19,9 12,9 10,5
Índice de preços ao Consumidor IPC
55,3 123,1 104,5 100,0 90,6 88,7 94,5 97,1
(1929=100)
Investimentos brutos, Índice (1929=100) n.d. n.d. 88,9 100,0 85,9 88,7 128,4 115,0
Consumo das famílias, Índice (1928=100) n.d. n.d. 93,2 100,0 102,0 104,6 116,7 117,3
Exportações Volume (1929=100) n.d. n.d. 93,2 100,0 67,8 68,8 76,8 71,0
Fontes: Groningen Growth and Development Centre para PIB, produção industrial, Bank of England para
desemprego e IPC, Eichengreen and Hatton para Desemprego industrial, Histat para Investimento, consumo,
exportações
A tabela mostra a fragilidade do crescimento econômico no Reino Unido no período entre as
guerras. A volta ao ouro em 1925 na paridade supervalorizada (com o US$) antes da guerra foi
um dos problemas da competitividade das indústrias do Reino Unido, bem como as dívidas
públicas elevadas como consequência da guerra. Como consequência da fragilidade da libra o
‘Bank of England’ precisava seguir uma politica monetária restritiva desde 1925 até a saída do
ouro em setembro de 1931, com taxa básica de juros entre 4% e 5% (somente em 1930 houve
289

certo período de relaxamento com uma taxa de 3%, mas ainda levando a uma taxa real de
juros elevada em consequência da deflação). Depois da saída do ouro uma politica monetária
mais frouxa possibilitava a recuperação. Embora a queda na Grande Depressão não fosse tão
forte como, por exemplo, nos Estados Unidos e na Alemanha, o desemprego ficava elevado na
toda década de 1920 e na Grande Depressão as exportações entravam em queda expressiva e
em primeiro lugar a indústria pesada mostrava quedas expressivas. Com isto a Grande
Depressão mostrou sua face mais cruel em regiões onde houve indústria pesada e minas de
carvão, onde o desemprego chegou a taxas de sessenta por cento. A região de Londres e da
Inglaterra do Sul foi menos atingida.

A tabela a seguir mostra um resumo de dados sobre a Grande Depressão na França.

Tabela 60 Grande Depressão França 1913 – 1939

1913 1919 1925 1929 1932 1933 1938 1939


PIB Índice (1929=100) 74,4 56,0 87,1 100,0 85,3 91,4 96,5 103,4
PIB per capita Índice (1929=100) 74,0 59,7 88,5 100,0 84,1 90,0 94,8 101,8
Produção Industrial Índice Manufatura
64,3 53,8 82,2 100,0 79,7 88,3 93,8 n.d.
(1929=100)
Taxa de desemprego na indústria (%) n.d. n.d. 3,0 1,0 15,4 14,1 7,8 8,1
Índice de preços ao Consumidor
n.d. n.d. n.d. 100,0 93,6 90,6 118,4 126,5
(1929=100)
Investimentos brutos, Índice (1928=100) n.d. n.d. 72,1 100,0 78,6 77,1 74,3 n.d.
Exportações Volume (1929=100) n.d. n.d. 75,6 100,0 59,7 58,7 62,8 n.d.
Fontes: Groningen Growth and Development Centre para PIB, produção industrial, Eichengreen and Hatton para
Desemprego industrial, Histat para Investimento, consumo, exportações

A França foi atingida pela Grande Depressão com defasagem, mas também a recuperação
demorou mais tempo, como França e o bloco de ouro foram entre os últimos de sair de padrão
(câmbio) ouro em 1936.

Beaudry e Portier [2002, p. 74 pp] descrevem da seguinte forma a versão popular da narrativa
sobre a Grande Depressão na França, embora eles próprios discordam parcialmente desta
versão:

O crescimento francês foi rápido em 1920, apesar de uma recessão curta em todo o mundo em 1921. Este
crescimento foi acompanhado por uma depreciação contínua do franco francês. (...)
O custo político de depreciação tornou-se muito grande, e em 1926 o ex-presidente Raymond Poincaré foi
designado como o novo primeiro-ministro (Presidente du Conseil) de uma coalizão de direita. Este
governo implementou uma política de estabilização rigorosa com reduções de investimento público,
estabilização do consumo público, e os aumentos de impostos e tarifas. Após uma desvalorização final em
junho de 1928, o franco francês estabilizou a um nível de um quinto do seu valor de 1913 em ouro.
A depressão francesa é considerada ter sido relativamente leve (...). No seu máximo, o desemprego não
excedeu um milhão, menos que 5% da força de trabalho 1930. A queda na produção foi também
relativamente modesta e nunca chegou a 20% da produção de 1929 em comércio e fabrica. A depressão
na França não foi acompanhada por uma crise bancária, já que apenas um grande banco falhou.
290

Começando em 1931, muitos países decidiam desvalorizar a sua moeda. A libra foi desvalorizada em 1931
e o dólar dos Estados Unidos em 1933.
Apesar do influxo de ouro (um terço do estoque de mundo ouro estava na França, em 1933) e o aumento
relativo de preços que se seguiu, a França não desvalorizou. Além disso, o governo liderado por Pierre
Laval decidiu, em 1935-1936 implementar uma política deflacionária rigorosa.
Em maio de 1936, uma coalizão de socialistas e comunistas ganhou as eleições, e o líder socialista Leon
Blum tornou-se Presidente du Conseil em junho. As novas regulamentações do mercado de trabalho
impostas pela Frente Popular provocavam um grande aumento do custo do trabalho. (...). Uma greve
nacional levou aos Acordos de Matignon, onde os salários foram aumentados em média 12%. Ao mesmo
tempo [outubro de 1936], o Franco francês foi desvalorizado em 30%. (...)
Quatro pontos básicos devem ser mantidos em mente. Em primeiro lugar, a depressão começou em
França um ano depois [da depressão] nos Estados Unidos. Em segundo lugar, não houve grande crise
bancária na França. Em terceiro lugar, não havia uma política deflacionária antes 1934. Em quarto lugar,
na saída da recessão em 1936, um importante programa de reformas foi implementado, o que espelha a
1933 New Deal nos Estados Unidos.

Embora na Europa central, como na Alemanha, a depressão foi forte, nos países nórdicos de
Europa a depressão foi mais leve. Grytten [s.a.] resume os fatos e as explicações:

Para todos os quatro países a recessão mais forte foi durante a [primeira] guerra, com quedas entre 13,5 e
34,7 por cento do PIB per capita. Dinamarca, Noruega e Suécia, foram todas neutras, e experimentavam
declínios semelhantes. Quanto a Finlândia, a situação era dramaticamente pior. Este foi basicamente
devido ao envolvimento da Rússia na Primeira Guerra Mundial. (...)
Dinamarca, Suécia, e Noruega, em particular, foram gravemente atingidas pela depressão pós-guerra do
início dos anos 1920. A crise ocorreu tanto como resultado da depressão internacional, que se seguiu ao
sobreaquecimento da economia até o final do verão de 1920, e em consequência de uma reorientação
acentuada para a política monetária deflacionária para restaurar o valor par das moedas dinamarquesas,
norueguesas e suecas. Na Finlândia, a crise em tempo de guerra foi tão profunda, que o país de fato
experimentou crescimento moderado no início de 1920. (...)
A Grande Depressão da década de 1930 foi surpreendentemente suave em todos os países do N4 [os
países nórdicos], com queda do PIB per capita de 3,6% para 6,5%. Ao mesmo tempo, o PIB per capita caiu
mais de 10% na Europa Ocidental e mais de 30% nos Estados Unidos e no Canadá. (...)
Para a Dinamarca, Noruega e Suécia este gráfico [não a mostra aqui] revela claramente que a deflação foi
grave tanto em 1920 e 1930. Quanto a Finlândia, ela teve a inflação em 1920 e, depois, forte deflação na
década de 1930. Rumo aos últimos anos da década de 1930 todos os quatro países registaram uma
inflação moderada. A deflação do início dos anos 1920 pode ser explicada tanto pela forte depressão pós-
guerra internacional e da política monetária deflacionária que ocorreu em Dinamarca, Noruega e Suécia.
(...)
Tabela 4 [parcial, p. 14]; Desemprego como por cento da força de trabalho
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938
Dinamarca 7,0 5,7 8,2 10,9 9,3 7,4 7,7 8,9 8,0 6,7
Finlândia 4,1 5,8 6,7 8,4 7,6 6,4 5,4 3,9 3,8 3,8
Noruega 7,0 7,0 10,2 10,6 10,8 10,3 9,9 8,7 7,3 6,8
Suécia 4,2 4,2 7,0 9,3 9,6 7,5 6,2 5,2 4,5 4,5

A saída do padrão ouro em setembro e outubro de 1931 pelos N4 estimulou tanto os sectores domésticos
e de exportação das economias nórdicas. Assim, a crise se tornou mais suave e curto e a recuperação mais
rápida do que na maioria dos outros países. O paradoxo de recuperação rápida e a persistentemente
elevada taxa de desemprego pode ser explicada basicamente por dois fatores demográficos. A proibição
de imigração para a América do Norte canalizou meio milhão trabalhadores excedentes nos mercados de
trabalho nórdicos e, portanto, uma mudança positiva na oferta de trabalho aconteceu. (...). Assim, o
desemprego manteve-se alto, apesar do melhor ciclo de negócios do que na maioria dos outros países.
291

5) A crise no Brasil e em outros países da América Latina

O contágio da crise para o Brasil aconteceu pela queda expressiva dos preços das exportações
e de seu valor, especialmente no produto mais importante da exportação brasileira, o café. No
lado monetário houve uma ruptura súbita das entradas de capital estrangeiro levando a
problemas de financiar os serviços da dívida externa e um esvaziamento das reservas
internacionais, a saída do padrão ouro com desvalorização da moeda brasileira e controles de
capitais e um default sobre a dívida externa. Gremaud, Vasconcellos e Toneto [2002, p. 359
pp.] resumem o inicio da crise no Brasil da seguinte forma:

“A crise de 1930, iniciada nos Estados Unidos e que se repercutiu rapidamente na Europa,
chegou ao Brasil por meio de uma rápida queda na demanda por café, acompanhada de forte
queda nos preços do café. Outro impacto importante da crise foi a reversão dos fluxos de
capital: se a década de 20 foi bastante favorável ao Brasil no que tange à entrada de capital
externo, essa entrada foi revertida com a crise de 1930. Assim, configurou-se uma grave crise
no balanço de pagamentos brasileiros, pois as exportações caíram e a balança de capital passou
a ser negativa.
A forma como o Brasil fez frente à crise, provocou o que Furtado chamou de deslocamento do
centro dinâmico da economia brasileira. Este se refere ao período em que o elemento essencial
na determinação do nível de renda da economia brasileira deixa de ser a demanda externa,
como é típico de uma economia agroexportadora, e passa a ser a atividade voltada ao mercado
interno, mais precisamente o consumo e especialmente o investimento doméstico. Esse
deslocamento ocorre em função da crise e da resposta à crise dada pelo governo de Getúlio
Vargas, depois de ter ocorrido a Revolução de 30. (...) ao longo da década de 30, o setor
industrial passa a ganhar espaço, em detrimento do setor agrícola, na geração de valor
adicionado na economia brasileira.
A crise da economia mundial na forma descrita anteriormente (queda dos preços e da
exportação de café e fuga de capitais) gerou efeito negativo no Brasil que, se comparado com
outros países, foi, no entanto, de menor intensidade e de menor duração.”
Os gráficos a seguir mostram de forma resumida os efeitos da Grande Depressão sobre as
variáveis macroeconômicas mais importantes do Brasil.
292

Gráfico 33 Índice PIB real, produção industrial, valor exportações, PIB agricultura, Brasil 1918-
1939,

Fonte: IBGE, cálculos próprios.


O PIB, o PIB da agricultura e a produção industrial desde 1929 em queda leve com recuperação
rápida, a queda expressiva do valor das exportações com a consequência de problemas do
balanço de pagamentos e do default sobre a dívida externa em 1931.

Gráfico 34 Valor exportações e importações (US$ Milhões), taxa de câmbio mil-réis – libra,
Brasil 1920-1939
293

Fonte: IBGE, cálculos próprios.


O gráfico mostra exportações e importações (valor em moeda estrangeira) em queda livre
desde 1929 e a desvalorização da taxa de câmbio depois da saída de padrão câmbio ouro
amenizando o efeito sobre as rendas dos exportadores em moeda nacional. O gráfico a seguir
mostra o efeito amenizado do valor das exportações em moeda nacional como impacto da
desvalorização da moeda nacional em relação a moeda estrangeira (libra).

Gráfico 35 Valor exportações moeda nacional e estrangeira Brasil 1920-1939

Fonte: IBGE, cálculos próprios


294

Gráfico 36 Valor exportações de café moeda nacional e estrangeira, quantidade exportada de


café, Brasil 1920-1939

Fonte: IBGE, cálculos próprios.

O gráfico anterior mostra as exportações (valor) de café em queda livre depois de 1929
(embora a queda da quantidade exportada de café começou somente em 1931) e o efeito
amenizado pela desvalorização da moeda nacional sobre o valor das exportações em moeda
nacional.
295

Gráfico 37 Preço de café em moeda nacional (Eixo esquerdo) e moeda estrangeira (Eixo
direito) e taxa de câmbio mil reis libra (Eixo esquerdo)

Fonte: IBGE, cálculos próprios.


O gráfico mostra novamente o efeito da queda expressivo dos preços de café em moeda
estrangeira e o efeito amenizado da queda dos preços em moeda nacional pela depreciação.

A Tabela a seguir mostra de forma resumida as perspectivas macroeconômicas da economia


brasileira na Grande Depressão mostrando o inicio da recuperação em 1932, embora o valor
das exportações e importações ficasse deprimido em toda década de 1930.

Tabela 61 Perspectivas macroeconômicas da Grande Depressão no Brasil (Índices 1929 = 100)

1913 1919 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1937 1938
PIB Índice 48,4 55,9 100,0 97,9 94,7 98,7 107,5 117,4 141,8 148,2
Taxa de crescimento PIB 2,9 7,9 1,1 -2,1 -3,3 4,3 8,9 9,2 4,6 4,5
PIB per capita Índice 65,4 65,2 100,0 96,7 92,3 95,0 102,2 110,1 127,2 130,8
Produção Industrial, Índice 42,7 58,8 100,0 92,9 94,2 95,5 106,9 119,0 164,7 170,0
Exportações Valor US$ Índice 69,3 125,1 100,0 69,4 53,0 39,0 47,1 63,6 75,3 63,9
Importações Valor Índice 74,4 76,3 100,0 61,3 31,7 25,2 40,3 50,3 75,9 67,0
Saldo BC Valor Índice 48,9 319,1 100,0 101,3 137,5 93,4 74,0 116,5 72,9 51,6
Taxa câmbio mil-réis /US$ Índice 36,5 43,5 100,0 108,2 168,2 165,9 149,4 172,9 188,2 207,1
Exportações, Volume, Índice 77,7 96,9 100,0 105,8 114,8 79,7 99,8 108,6 124,0 152,1
Importações Volume, Índice 83,1 44,1 100,0 61,3 43,1 38,8 56,1 61,5 87,5 82,1
Termos de troca Índice 99,6 74,7 100,0 65,6 62,8 75,1 65,7 71,6 70,0 51,5
Exportação Café Valor Índice 60,6 98,2 100,0 61,2 50,7 39,0 38,9 32,0 26,6 24,1
Exportação café volume Índice 92,9 90,8 100,0 107,1 125,0 83,6 108,2 99,1 84,9 119,8
Exportação Café Preços, Índice 65,9 113,3 100,0 57,6 40,7 48,0 46,3 45,0 48,7 33,6
Produção Café (t) Índice n.d. n.d. 100,0 103,7 82,6 97,4 112,7 104,8 92,7 89,1
Dívida externa (US$) Índice) 57,3 55,1 100,0 105,6 100,7 76,8 91,7 110,2 97,9 96,9
Fontes: IBGE, Groningen Growth and Development Centre, Historical National Accounts Database, January 2009,
http://www.ggdc.net/

ABREU [1998] resume a situação da economia brasileira na década de 1920 e os impactos


mais importantes sobre a economia brasileira:

O Brasil estava entre os países em desenvolvimento que enfrentavam primeiro a consequência


desfavorável de mudanças nas condições econômicas internacionais depois de meados de
1928. A entrada significativa de capital estrangeiro foi interrompida no meio do ano,
especialmente na forma de endividamento de todos os três níveis de governo. Houve contração
monetária seguindo a queda do nível de reservas estrangeiras no Caixa de Estabilização. Entre o
final de 1928 e no final do terceiro trimestre de 1930 a base monetária caiu 14 %.
O apoio aos preços do café, sob a administração do Estado de São Paulo desde 1924, dependia
da capacidade de contrair empréstimos estrangeiros em caráter permanente, especialmente
se, como foi o caso, os estoques de café tendem a aumentar. A safra extremamente boa em
1927 foi seguida por outra muito boa em 1929.
A falta de financiamento externo e o aumento dos estoques resultaram no colapso dos preços
do café no final de 1929 e, portanto, das exportações de café que representavam dois terços do
total das exportações.
296

Até o final de 1929, o preço do café Santos 4 havia caído de 11 para menos de 7 pence por
libra. A queda continuou em 1930 e 1931 para chegar a 4 pence. O governo federal se recusou
a socorrer o programa de apoio ao café de São Paulo e ficou no padrão-ouro.
As reservas internacionais diminuíram quando as exportações caíram e a entrada de
empréstimos foi novamente interrompida após alguma recuperação no primeiro semestre de
1930. Havia falências generalizadas nas atividades agrícolas: cafeicultores não podiam pagar
suas dívidas, como os preços caíram muito abaixo dos avanços que haviam recebido das
autoridades de valorização no passado.
Como aconteceu em todos os outros países da América Latina, as dificuldades económicas
causadas pela crise fomentavam a agitação política e levavam a mudanças de governo, a
maioria deles através de golpes. Getúlio Vargas, que havia sido derrotado pelo candidato oficial
nas eleições presidenciais no início de 1930, tornou-se chefe do governo provisório. Em
novembro ele estava no poder e enfrentou uma crise econômica muito grave. As reservas
cambiais que foram £ 31.000.000 em setembro de 1929, chegavam a £ 14.000.000 em agosto e
tinham desaparecidas até novembro [de 1930]. Os preços do café ainda estavam em queda e a
taxa de câmbio estava se desvalorizando [depois da saída do padrão ouro], houve uma queda
substancial no nível da produção e uma crise fiscal grave depois da desvalorização cambial após
meados de 1930.
Apesar da queda contínua dos preços do café o serviço da dívida pública externa continuou a
ser pago. A política cambial nominalmente não envolveu controles, mas, de fato, houve uma
sucessão de moratórias sobre as dívidas externas. O governo recorreu a políticas comerciais
pouco ortodoxas, como o comércio externo de escambo com a Alemanha e os Estados Unidos
para enfrentar a escassez de divisas.
A desvalorização média da taxa de câmbio mil-réis/dólar foi de 8% em 1930 e 55% em 1931, de
modo que, quando os preços domésticos caiavam de 11-12% em ambos os anos, a
desvalorização real do mil-réis era de mais de 110% em relação ao dólar.
Outras políticas públicas, tais como os relacionados com o café, tiveram um efeito importante
na manutenção do nível da atividade econômica. Com Aranha, o governo federal assumiu
oficialmente política cafeeira do estado de São Paulo, e um embrião do que viria a ser o
Departamento Nacional do Café foi criado. A nova política cafeeira seria mantida com ajustes
relativamente menores até 1937 (...) na tentativa de resolver o excesso de produção do café.
Em 1933, quando a política se tornou permanente, 30% do café da safra anual foram liberados
para comercialização imediata, 30% foram abastecidos pelo Departamento Nacional do Café e
40% foram destruídos. Mais de 70 milhões de sacas de café – o equivalente a cerca de três anos
de consumo mundial – foram destruídas, principalmente entre 1931 e 1938.
O governo de Vargas é frequentemente caraterizado como uma politica pré-keynesiana de
estabilização da renda nacional com deficit spending através da compra de parte da produção
de café e da destruição maciça de estoques de café como um elemento importante da política
brasileira de café para a maior parte da década de 1930. Os dados sobre o déficit público
agregado em 1930 tendem a apoiar a ligação entre o início da recuperação do nível de
atividade e o déficit público: alterações em 1931-1933 foram acima de 12% das despesas (40%
em 1932) e depois de 1933 os déficits tornavam-se normais.
As políticas que aceleraram a recuperação também incluíram o reajuste econômico de 1933,
que baixou em 50% as dívidas agrícolas do café e permitiu renegociação de dívidas residuais
com períodos generosas de carência. Os bancos brasileiros sobreviveram a crise com a ajuda do
governo federal.
O fundo da recessão para o PIB foi atingido em 1931, com o PIB 5,3% abaixo do seu máximo em
1929. A intervenção do Estado na economia aumentou substancialmente depois de 1930
através de controle de capitais e de câmbio e outras medidas. Novas políticas também foram
introduzidas para lidar com excesso de produção de açúcar, incluindo a mistura obrigatória de
álcool na gasolina importada. Em 1933, um Instituto do Açúcar e do Álcool foi criado para gerir
as políticas de produção de açúcar. Foi só depois de 1933, e ainda mais depois de 1937, no
entanto, que a intervenção do Estado se consolidou em muitas outras políticas setoriais.
A tabela a seguir mostra os impactos no lado monetário da economia brasileira:
297

Tabela 62 O lado monetário da economia brasileira na Grande Depressão

Papel-moeda
Depósitos à Depósitos à Encaixe dos
em poder do M1 Empréstimos
vista prazo bancos
público
dez-19 1.179 1.196 2.375 713 512 1.800
dez-20 1.009 1.342 2.351 877 732 2.102
dez-21 1.212 2.100 3.312 975 727 2.900
dez-22 1.642 2.433 4.075 689 773 3.093
dez-23 1.930 2.633 4.563 677 714 3.873
dez-24 2.283 2.722 5.005 847 659 4.037
dez-25 2.025 2.390 4.415 921 720 3.865
dez-26 1.943 2.568 4.511 853 645 3.765
dez-27 2.193 2.996 5.189 1.460 742 4.955
dez-28 2.337 3.575 5.912 1.734 878 6.009
dez-29 2.126 3.450 5.576 2.007 843 6.076
dez-30 1.949 2.808 4.757 2.480 825 5.960
dez-31 2.020 3.501 5.521 2.021 919 5.893
dez-32 2.209 4.270 6.479 1.601 1.429 6.697
dez-33 2.215 4.191 6.406 1.493 1.087 6.879
dez-34 2.382 4.849 7.231 1.797 1.073 7.406
dez-35 2.852 4.758 7.610 2.279 1.075 7.752
dez-36 3.289 5.183 8.472 2.375 1.151 7.717
dez-37 3.486 5.924 9.410 1.908 1.463 8.600
dez-38 3.579 7.852 11.431 2.220 1.593 9.942
Fonte: IBGE
A tabela mostra um aperto monetário e do crédito nos anos 1930 e 1931, mas voltando ao
nível normal já em 1932 e com expansão depois.

A tabela a seguir mostra a dívida externa do Brasil e as reservas internacionais de ouro do


Brasil, mostrando o esvaziamento do ouro na crise e o default sobre a dívida externa em
outubro de 1931.

Tabela 63 Dívida externa do Brasil e reservas em ouro

Dívida externa (libras)


Entradas de Saldo em Reservas de Ouro
empréstimos Juros Amortizações circulação (milhões US$)
estrangeiros
1919 2.019 7.579 3.274 152.423
1920 — 7.890 2.088 150.335
1921 20.336 7.360 1.303 169.368 42,6
1922 17.716 8.017 1.707 185.377 46,2
1923 — 8.989 1.935 183.442 48,7
1924 — 8.411 1.759 181.683 53,8
1925 3.082 8.284 1.783 182.982 54,3
1926 29.246 9.491 1.774 210.454 56,3
1927 26.622 10.295 2.890 234.186 100,7
1928 25.293 12.264 4.510 254.969 148,6
298

1929 2.877 13.082 5.560 252.286 150,4


1930 20.000 13.359 6.132 266.154 10,5
1931 18.359 11.908 8.548 275.966
1932 — 5.244 7.536 268.430
1933 — 3.111 1.993 266.430
1934 — 4.519 2.398 264.021
1935 — 5.849 1.760 258.783
1936 — 5.918 1.807 252.638
1937 — 6.497 1.845 242.706
1938 — — — 242.706
Fonte: IBGE e para ouro: BANKING AND MONETARY STATISTICS 1914 -1941

Eichengreen e Portes [1990, p. 82 p.] resumem o default do Brasil da seguinte forma:

Em outubro de 1931 Brasil suspendeu os pagamentos de juros sobre a maior parte de suas
dívidas externas. Em março de 1932, o governo anunciou que iria emitir títulos de vinte e
quatro anos para capitalizar os juros de mora e iria retomar o pagamento de juros normais em
1934. Mas em 1934, a conselho de peritos financeiros britânicos, o Brasil anunciou um plano
para reestruturar a dívida. O Plano Aranha, projetado para ser executado por meio de 1937,
limitando o serviço da dívida para cerca de metade das receitas das exportações líquidas do
Brasil. (...). No final de 1937, com a situação externa pouco melhorada, os pagamentos do
serviço da dívida foram suspensos novamente. (...). Finalmente, em 1943 o Brasil negociou um
acordo permanente com os seus credores, dando os credores a opção de escolher entre dois
planos. No primeiro [plano], as taxas de juros seriam cortadas em 30 a 70 por cento, e no
âmbito do segundo, os credores sofriam um ‘haircut’ de 20 a 50 por cento do valor de face do
título em troca de um pagamento em dinheiro de 6 até 60 por cento do [novo] valor de face e
uma taxa de juro um pouco maior sobre o restante.
A recuperação da economia brasileira faz parte de um capítulo posterior.

6) Mercados de trabalho, lucros e salários e desigualdade social na Grande Depressão

A Grande Depressão desafiava a teoria economia clássica em um de seus pressupostos mais


importantes: da eficiência de mercados livres de voltar automaticamente e rapidamente uma
economia em recessão ao equilíbrio de pleno emprego através de preços flexíveis. A realidade
foi muito diferente do cenário desenhado pela teoria econômica clássica: Uma economia em
queda profunda e prolongada da produção e do emprego que, embora os preços estivessem
caindo rapidamente (deflação expressiva), não mostrava depois de três anos sinais de
recuperação – pelo menos até 1933 a maioria dos países estava em depressão. Nos mercados
de trabalho o desemprego elevado, preocupante, e persistente foi também um desafio sério
para a teoria econômica clássica, que negava intervenções do Estado: os problemas sociais e
políticos criados pela massa de desempregados empobrecidos chamavam em primeiro lugar
para intervenções do Estado e da sociedade civil em criar empregos e amenizar os
sofrimentos. A tabela a seguir mostra dados para o desemprego industrial entre 1920 e 1939
299

para países escolhidos, diferentes autores apontam sobre a fragilidade dos dados sobre o
desemprego no período entre as guerras.

Tabela 64 Taxa de desemprego industrial 1920 – 1939, Países escolhidos

Estados Países Reino


Alemanha Austrália Bélgica Canada Dinamarca França Noruega Suécia
Unidos Baixos Unido
1920 3,8 5,5 n.d. 4,6 6,1 8,6 n.d. 2,3 5,8 3,2 5,4
1921 2,8 10,4 9,7 8,9 19,7 19,5 5,0 17,7 9,0 17,0 26,6
1922 1,5 8,5 3,1 7,1 19,3 11,4 2,0 17,1 11,0 14,3 22,9
1923 10,2 6,2 1,0 4,9 12,7 4,1 2,0 10,7 11,2 11,7 12,5
1924 13,1 7,8 1,0 7,1 10,7 8,3 3,0 8,5 8,8 10,3 10,1
1925 6,8 7,8 1,5 7,0 14,7 5,4 3,0 13,2 8,1 11,3 11,0
1926 18,0 6,3 1,4 4,7 20,7 2,9 3,0 24,3 7,3 12,5 12,2
1927 8,8 6,2 1,8 2,9 22,5 5,4 11,0 25,4 7,5 9,7 12,0
1928 8,6 10,0 0,9 2,6 18,5 6,9 4,0 19,2 5,6 10,8 10,6
1929 13,3 10,2 1,3 4,2 15,5 5,3 1,0 15,4 2,9 10,4 10,2
1930 22,7 18,4 3,6 12,9 13,7 14,2 2,0 16,6 7,8 16,1 11,9
1931 34,3 26,5 10,9 17,4 17,9 25,2 6,5 22,3 14,8 21,3 16,8
1932 43,8 28,1 19,0 26,0 31,7 36,3 15,4 30,8 25,3 22,1 22,4
1933 36,2 24,2 16,9 26,6 28,8 37,6 14,1 33,4 26,9 19,9 23,2
1934 20,5 19,6 18,9 20,6 22,2 32,6 13,8 30,7 28,0 16,7 18,0
1935 16,2 15,6 17,8 19,1 19,7 30,2 14,5 25,3 31,7 15,5 15,0
1936 12,0 11,3 13,5 16,7 19,3 25,4 10,4 18,8 32,7 13,1 12,7
1937 6,9 8,4 11,5 12,5 21,9 21,3 7,4 20,0 26,9 10,8 10,8
1938 3,2 7,8 14,0 15,1 21,5 27,9 7,8 22,0 25,0 12,9 10,9
1939 0,9 8,8 15,9 14,1 18,4 n.d. 8,1 18,3 19,9 10,5 9,2
Fonte: Eichengreen and Hatton (1988, p. 6)
Eichengreen e Hatton (1988, p.16) descrevam que o aumento expressivo do desemprego na
crise foi [obviamente] acompanhado com a queda expressiva do emprego. Eles apontam
também que o desemprego na crise aumentou diferenciadamente em diferentes ramos da
indústria bem como regionalmente, por exemplo, no Reino Unido, Londres e o sul da
Inglaterra foram pouco atingidos, enquanto o país de Gales e a Escócia bem como o centro
industrial de Inglaterra foram seriamente atingidos.

A tabela a seguir mostra os índices dos salários nominais para os mesmos países da tabela
anterior entre os anos 1929 até 1938 (crise e recuperação):

Tabela 65 Salários nominais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices
1929 = 100), países escolhidos

Estados Países Reino


Alemanha Austrália Bélgica Canada Dinamarca França Noruega Suécia
Unidos baixos Unido
1929 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
1930 97 98 108 101 102 100 106 100 102 100 103
1931 90 89 101 96 102 96 105 96 100 98 103
300

1932 75 84 92 91 102 84 100 98 93 96 101


1933 73 81 90 86 102 83 102 96 89 95 98
1934 75 82 86 87 103 98 102 97 86 96 98
1935 76 83 82 89 104 102 101 97 83 97 99
1936 77 85 88 91 103 104 116 100 81 100 100
1937 79 89 99 98 105 117 173 107 82 104 103
1938 82 96 105 102 111 121 192 118 86 107 109
Fonte: Eichengreen and Hatton (1988, p. 21)
Eichengreen e Hatton (1988, p.16) apontam que o salário nominal, com exceção de Alemanha,
respondeu relativamente pouco ao aumento expressivo do desemprego na crise e começava a
subir no tempo da recuperação, novamente com exceção de Alemanha, onde a ditadura de
Hitler proibiu sindicatos e greves já em 1933, introduziu controles de salários, levou políticos e
militantes da esquerda para os campos de concentração ou para o exilio, e mandou matar
muitos deles. Com a deflação expressiva nos tempos da crise, os salários reais não se
ajustavam a queda do emprego e em vez disto ainda subiam, com exceção novamente de
Alemanha, como mostra a tabela a seguir. O cenário para os trabalhadores foi ainda pior do
que os dados para os salários nominais por hora mostram, porque grande parte da força de
trabalho não trabalhava mais em tempo integral.

A tabela a seguir mostra os índices dos salários reais para os mesmos países da tabela anterior
entre os anos 1929 até 1938 (crise e recuperação):

Tabela 66 Salários reais por hora 1929 – 1938 na indústria, minas e transporte (Índices 1929 =
100), países escolhidos

Estados Países Reino


Alemanha Austrália Bélgica Canada Dinamarca França Noruega Suécia
Unidos Baixos Unido
1929 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
1930 101 103 104 101 107 103 101 104 106 104 106
1931 102 105 109 108 114 110 103 104 111 109 109
1932 96 104 111 111 114 108 106 109 111 110 110
1933 95 104 109 111 111 111 109 109 107 112 108
1934 95 103 108 111 107 124 110 108 103 111 107
1935 95 102 103 113 105 123 116 106 103 111 107
1936 96 103 104 113 103 123 127 107 101 111 107
1937 99 105 108 118 102 133 155 107 104 110 108
1938 100 110 112 121 105 140 153 114 102 113 112
Fonte: Eichengreen and Hatton (1988, p. 22)

A tabela mostra que em todos os países escolhidos o salário real (industrial) subiu em tempos
da crise e do desemprego elevado e persistente [com exceção de Alemanha], um fato
dificilmente a ser explicada pela teoria clássica. A deflação expressiva superou a queda –
parcialmente -expressiva dos salários nominas. A explicação keynesiana é a rigidez nominal
301

dos salários que caíssem somente lentamente em reflexos ao aumento expressivo do


desemprego. Bernanke [2004, p.276 pp.] também aponta para a rigidez dos salários como
explicação para o fato de que os salários reais se comportam de forma contra cíclica na Grande
Depressão nos Estados Unidos. A rigidez dos salários nominais na crise foi um elemento
importante na explicação keynesiana da Grande Depressão. É necessário acrescentar que as
cortes de salários para a força de trabalho civil (incluindo os servidores públicos) nas medidas
de austeridade de Bruening entre 1930 e 1932 - acompanhadas de cortes nos benefícios para
os desempregados - não melhoraram a situação no mercado de trabalho, mas, estas medidas
deflacionistas - como previsto por Keynes - pioravam e prolongavam a crise. Uma justificação
das medidas da austeridade foi a tentativa de aumentar a competitividade das exportações
alemãs, sem sucesso, e depois da desvalorização da libra em setembro de 1931 (e de outras
moedas) uma medida suicida.

O aumento expressivo dos salários reais de 1936-1937 na França foi consequência das politicas
econômicas do governo de Leon Blum da frente popular em 1936. A recuperação inexpressiva
dos salários reais na Alemanha é consequência das politicas de Hitler depois do incêndio do
‘Reichstag’ em fevereiro de 1933, controlando os salários, e proibindo sindicatos e partidos de
esquerda e em julho de 1933 com a autodissolução dos outros partidos restantes com exceção
do partido nacional-socialista. Com poderes ditatoriais, a instituição de um Estado corporativo
e a proibição de greves e controles de salários, a rápida recuperação do emprego depois de
1933, alcançando pleno emprego já em 1936, não foi acompanhada por um aumento
significativo dos salários e de do consumo.

Obviamente em uma queda tão expressiva da demanda, da produção, do emprego e dos


preços como na Grande Depressão os lucros das empresas estavam em queda livre. Este fato
mostra o gráfico seguinte para os Estados Unidos. O gráfico mostra também que na curta, mas
profunda, depressão de 1920/1921 houve também uma queda expressiva dos lucros. A
maioria dos economistas considera a queda dos lucros (e mais especificamente da taxa dos
lucros) um fenômeno que acompanha todas as recessões e depressões. Obviamente a queda
dos lucros é diferente em pequenas e grandes empresas, em ramos diferentes da produção
(tendencialmente mais forte na produção de bens de capital e de bens de consumo duráveis),
em regiões do país, etc. As decisões empresariais de produção e investimento dependem em
primeiro lugar da taxa esperada de lucro, uma variável sujeita a incerteza e ao risco, que leva a
pergunta se a taxa de lucro é um indicador antecedente ou não. Análises do ciclo conjuntural
(Zarnowitz [1996, p. 300 pp.] para ciclos nos Estados Unidos 1948 até 1980 e Tichy [1994, p.
106 p] para ciclos nos Estados Unidos e na Europa 1960 até 1992) mostram que os lucros são
302

um indicador antecedente, consequência em primeiro lugar da defasagem dos custos unitários


de salários no ciclo conjuntural. Alguns economistas marxistas enfatizam o papel da queda da
taxa de lucro na explicação da Grande Depressão [Howard e King, 1992, p. 9 pp.], outros
enfatizam mais o papel da superprodução, e/ou – do superinvestimento e do subconsumo na
expansão econômica, ou a desproporcionalidades entre o crescimento dos setores de bens de
investimento e bens do consumo. A teoria de Marx da tendência da queda de lucro a longo
prazo como consequência da inovação tecnológica é uma tendência de longo prazo, que
dificilmente pode explicar ciclos conjunturais.

Gráfico 38: Lucros líquidos das corporações nos Estados Unidos 1920 – 1938, nominais e reais,
Índice de preços ao atacado

Fonte: NBER

O problema da crescente desigualdade de renda antes da Grande Depressão (bem como antes
da crise financeira global de 2008/2009) e a hipótese de Keynes que as camadas mais
abastadas têm provavelmente uma propensão marginal a consumir menor do que as camadas
com rendas mais baixas suportam outra hipótese de um possivel vazamento da renda nacional
para a poupança e para a especulação nos mercados financeiros (ações, imobiliários e de
commodities). Seguindo esta hipótese que com o aumento da desigualdade de renda aumenta
o perigo da criação de bolhas especulativas (inflação expressiva nos mercados financeiros, de
commodities e imobiliárias). O gráfico a seguir mostra a evolução da desigualdade nos anos
303

depois de 1913 nos Estados Unidos para a participação das camadas de 10%, 1% e 0,1%
maiores na renda nacional.

O gráfico mostra um aumento significativo da desigualdade na distribuição de renda para as


camadas de 1% e 0,1% de maior renda (antes impostos e transferências) antes da Grande
Depressão, para a camada dos 10% o aumento é menos significativo;

Gráfico 39 Participação dos 10%, 1%, 0,1% camadas com renda maior na renda nacional dos
Estados Unidos 1913 -2012

Fonte: FACUNDO, Alvaredo, ATKINSON, Anthony B., PIKETTY , Thomas, SAEZ , Emmanuel, The
World Top Incomes Database, disponível em http://topincomes.g-
mond.parisschoolofeconomics.eu/ access: 29/12/2013
7) A Grande Depressão: o papel das crises financeiras

Embora a versão popular da narrativa sobre a Grande Depressão enfatiza o papel do estouro
da bolha no mercado acionário de Nova Iorque em outubro de 1929 como evento decisivo
para o início da Grande Depressão as versões das narrativas acadêmicas são céticas em relação
ao papel da quebra da bolsa de Nova Iorque para o desenvolvimento da Grande Depressão. O
fato de que tendências recessivas na economia real em diferentes partes do mundo já em
1928 (e na agricultura já antes) tornavam se a Grande Depressão tem diferentes explicações
focando em diferentes causas, a maioria enfatizando a multicausalidade da crise: queda da
demanda agregada (com foco nos investimentos), erros dos governos e bancos centrais
(consequência das regras do padrão ouro e da teoria clássica), rupturas súbitas dos fluxos
304

internacionais de capital, crises bancárias, crises da dívida soberana e o contágio rápido da


crise pelas regras deflacionistas do padrão ouro, e, obviamente, fatores contingentes.

Alguns economistas como Accominotti e Eichengreen [2013] enfatizam o papel das rupturas
súbitas dos fluxos de capital norte americano para América Latina e Alemanha, começando já
em 1928 [em 1928 começou a queda dos fluxox], como um fator importante para os eventos
subsequentes, mas o papel das crises monetárias e bancárias, das crises cambiais e da dívida
soberana para eclosão e desenvolvimento da Grande Depressão não é claro. Eles são gatilhos
ou causas da crise ou eles são impactos da crise. Uma crise real sempre mostra as fragilidades
no setor privado e público com impactos sobre a estabilidade financeira. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 233 p.] argumentam cautelosamente que a profundidade e a duração da Grande
Depressão pode ser consequência da indecisão e lentidão dos responsáveis para as politicas
econômicas.

Neste capítulo o foco está no papel das crises financeiras para a Grande Depressão, seja como
causa, seja como impacto. A tabela a seguir mostra a profundidade da Grande Depressão e sua
duração para países escolhidos (para países onde existem dados do IMF e a queda acumulada
do PIB na crise foi maior do que cinco por cento). Um dos países mais castigados com a Grande
Depressão foi o Chile (na tabela com uma queda acumulada do PIB de -44,1%), em primeiro
lugar pela queda das exportações e dos preços de salitre e cobre. O Brasil está entre os países
nas Américas que sofriam menos com a Grande Depressão, ainda que os impactos
econômicos, políticos, e sociais da crise foram profundos para o Brasil. A diferença entra os
dados do IMF e do projeto Maddison mostram a fragilidade dos dados estatísticos antes da
segunda Guerra Mundial.

Tabela 67 Queda e recuperação do PIB (ou PIBPc) na Grande Depressão

Recuperação
Inicio da Queda Queda PIBpc
Europa Início da queda acumulada até
Recuperação acumulada Maddison
1938
Alemanha* 1929 1933 -16,1% 55,0% -17,8%
Áustria 1930 1934 -22,5% 25,8% -23,4%
Bélgica 1929 1933 -7,9% 7,3% -10,4%
Espanha 1930 1932 -5,8% -24,4% -9,2%
França 1930 1936 -12,5% 8,9% -15,9%
Grécia 1930 1932 -6,5% 37,5% -8,9%
Hungria 1930 1933 -9,4% 26,4% -11,4%
Itália 1930 1932 -5,5% 21,7% -8,6%
Noruega 1931 1932 -8,1% 33,3% -8,4%
Países Baixos 1930 1935 -9,9% 12,9% -9,3%
Polônia 1929 1934 -20,7% 44,9% -8,4%
Reino Unido 1930 1932 -5,8% 25,7% -6,6%
305

Suécia 1931 1933 -14,8% 37,9% -6,4%


Suíça 1930 1933 -8,0% 14,4% -9,0%
Recuperação
Inicio da Queda Queda PIBpc
América Início da queda acumulada até
Recuperação acumulada Maddison
1938
Argentina 1930 1933 -13,7% 27,9% -19,4%
Brasil 1930 1932 -8,1% 46,4% -13,3%
Canada 1929 1934 -29,6% 41,5% -34,8%
Chile 1930 1933 -44,1% 89,8% -35,8%
Estados Unidos 1930 1934 -29,6% 38,5% -30,8%
México 1929 1933 -20,8% 44,8% -31,1%
Peru 1930 1933 -21,7% 49,1% -25,4%
Uruguai 1931 1934 -39,8% 37,2% -25,7%
Venezuela 1931 1933 -25,6% 70,6% -24,1%
Recuperação
Inicio da Queda Queda PIBpc
Outros Início da queda acumulada até
Recuperação acumulada Maddison
1938
Austrália 1929 1932 -17,3% 43,0% -21,9%
Coreia 1929 1931 -9,9% 53,5% -12,8%
Japão 1930 1931 -7,5% 39,3% -9,3%
Nova Zelândia 1930 1933 -14,6% 56,9% -17,8%
Fontes; IMF (PIB), Maddison Data (PIBpc), cálculos próprios
* Estatisticas nacionais de Alemanha mostram uma queda acumulada maior

Embora seja necessário diferenciar entre um ciclo normal de negócios numa economia
capitalista e crises e depressões, obviamente uma recessão normal pode se tornar uma
depressão por fatores estruturais e contingentes. Sobre este assunto de fatores estruturais e
contingentes é necessário um aprofundamento na parte sobre as explicações das diferentes
correntes de pensamento econômico com resultados, parcialmente divergentes, parcialmente
convergentes. Obviamente é também importante diferenciar entre crises reais e crises
financeiras, embora muitas vezes as duas formas de crise são intimamente ligadas. Mas
existem também crises e depressões sem crises financeiras, por exemplo, as quedas da
produção (medida pelo PIB) em consequência de guerras, guerras civis, revoluções e desastres
naturais.

Reinhart (web-site) fornece dados para crises financeiras no nível global para o período da
Grande Depressão (bem como para períodos anteriores e posteriores) que juntos com outras
fontes sobre o assunto são a base para a análise a seguir. O gráfico a seguir usando um índice
de Reinhart mostra a importância de crises financeiras para o período de 1925 até 1938 no
nível global, para América do Norte (Canada e Estados Unidos), Europa e América Latina,
mostrando a coincidência de crises financeiras com a Grande Depressão (1929 – 1933).
306

Gráfico 40 Crises financeiras no período de 1925 até 1938, baseado em dados de


http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/

Os diferentes tipos de crises financeiras são: Rupturas súbitas (‘sudden stops’) dos fluxos
internacionais de capital, bolhas especulativas, crises cambiais (ou crises do balanço de
pagamentos), crises bancárias, crises da dívida pública e privada, e Reinhart e Rogoff
acrescentam ainda crises inflacionárias (em caso da Grande Depressão o problema foi a
deflação, não a inflação). A análise seguinte não considera as crises inflacionárias e restringe-
se a países escolhidos da América do Norte, Europa e América Latina. Uma analise mais
profunda dos problemas da deflação expressiva encontra se no capítulo sobre as controvérsias
(teóricas) sobre as causas da Grande Depressão na parte sobre a teoria da deflação da dívida
de Fisher.

Rupturas súbitas (Sudden stops) dos fluxos internacionais de capital

Accominotti e Eichengreen [2013] chamam à reversão dos fluxos de capital norte-americano (e


de outros países credores) antes da Grande Depressão a mãe de todas as rupturas súbitas.
Como a reversão foi o primeiro sinal de uma mudança no cenário econômico global é
importante começar com esta forma de crise financeira. A tabela a seguir mostra os fluxos
internacionais de capital para o período entre guerras dos países credores para dois países
devedores: Alemanha e Brasil. Feinstein e Watson [1995, p 94 pp.] advertam sobre as
fragilidades dos dados para os movimentos internacionais de capital entre as guerras.

Tabela 68 Fluxos internacionais de capital no período entre as guerras 1924 – 1937


307

Países Credores Alemanha Brasil


EUA
Credores* capital
Saldo Capital Capital
Conta de longo Entradas de
Conta balança longo curto Juros e Entrada
corrente, prazo empréstimos
corrente de prazo prazo Amortizações líquida
ouro e investido estrangeiros
capital (saldo) (saldo)
moeda no
exterior
(US$ milhões) (Milhões de Reichsmark) (Mil Libras)
1924 1.630 1.006 -1.664 2.506 1.000 506 10.170 -10.170
1925 1.460 1.092 -3.045 1.431 1.124 107 3.082 10.067 -6.985
1926 810 1.272 -39 1.523 1.376 147 29.246 11.265 17.981
1927 1.250 1.465 -4.244 3.482 1.210 1.779 26.622 13.185 13.437
1928 1.980 1.671 -3.192 3.123 1.268 1.335 25.293 16.774 8.519
1929 1.420 1.029 -2.469 1.425 229 765 2.877 18.642 -15.765
1930 510 1.069 -610 1.236 967 117 20.000 19.491 509
1931 -870 412 1.040 657 126 477 18.359 20.456 -2.097
1932 -590 67 257 -749 -36 -763 12.780 -12.780
1933 -340 203 132 -807 -250 -747 5.104 -5.104
1934 -820 84 -534 190 -200 510 6.917 -6.917
1935 -1.760 108 -107 127 -33 260 7.609 -7.609
1936 -2.870 59 n.d n.d n.d n.d 7.725 -7.725
1937 -2.610 18 n.d n.d n.d n.d 8.342 -8.342
Fontes: Feinstein e Watson (Credores), HISTORICAL STATISTICS OF THE UNITED STATES 1780-1945 (Estados Unidos),
Alemanha: Deutsche Bundesbank (em HISTAT), Brasil: IBGE
* Feinstein e Watson, Países credores são: Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Países Baixos, Suécia, e
Tchecoslováquia e até 1932 França, (1933 e depois França entra como país devedor) . Devedores são outros países
de Europa, em primeiro lugar Alemanha, (França 1933-1937), países do império britânico, América do Sul e os
maiores países da Ásia
É importante anotar a fragilidade dos dados do período entre as guerras, Feinstein e Watson mostram também
dados para os devedores e os erros (incluindo comissões) são em alguns anos enormes

A tabela mostra que a reversão dos fluxos de capital começou em 1929 (uma diminuição dos
fluxos), antes da eclosão da crise. Para Alemanha a tabela mostra que já em 1927 começou um
período onde a parte de capital de curto prazo tornou se majoritária (mostrando certo
ceticismo dos credores), em 1928 o influxo já foi menor do que no ano anterior, desde 1929 o
influxo tornava se cada vez menor até tornar se negativo em 1932. Para outros países da
Europa, como, por exemplo, Áustria, Polônia, Itália e Jugoslávia a queda já começou antes
[Feinstein e Watson, 1995, p. 117]. No verão de 1931 eclodiu a crise bancária, cambial, e da
dívida externa na Alemanha, implicando a saída do padrão ouro com controles de capital, mas
sem desvalorização. No Brasil a queda da entrada líquida de capital também começou 1928,
tornou se negativa em 1929 e depois de 1931 não houve mais entradas de empréstimos
estrangeiros com o default sobre a dívida externa em 1931.

Feinstein e Watson [1995, p. 95 p.] mostram comentários negativos sobre os fluxos


internacionais de capital entre as guerras, criticando os Estados Unidos para os créditos
308

imprudentes e excessivos e os tomadores de empréstimos, em primeiro lugar a Alemanha para


onde foi grande parte dos créditos, pelo desperdício em investimentos públicos extravagantes
e improdutivos. Outras críticas apontam para a prática do Reino Unido de emprestar a longo
prazo e financiando se a curto prazo no fim da década de 1920, a abrupta retirada dos fundos
de Alemanha quando os investidores norte-americanos reverteram seus fundos para títulos
domésticos em 1928/1929, e os grandes movimentos voláteis de capital francês na década de
1920 criavam problemas para a libra entre 1928 e 1931.

Para muitos países as crises de balanço de pagamentos criadas pela reversão dos fluxos
internacionais de capital levaram com a queda do valor das exportações em 1929 países da
América Latina a saída de padrão ouro, bem como em 1931 ao default sobre a dívida externa.
Nos dados de Reinhart [aqui sem consideração dos países pequenos da América central,
Reinhart, Carmen M, web-site] aconteciam em 1931 na América Latina defaults sobre a dívida
externa na Bolívia, Brasil, Chile e Peru, em 1932 na Colômbia e Paraguai, em 1933 no Uruguai,
embora Argentina e Venezuela não entrassem em default na Grande Depressão e México e
Equador já entravam antes em default, em 1928 e 1929 respectivamente. Os problemas de
Alemanha em 1931 são de importância maior com a crise bancária, cambial, e da dívida
pública em conjunto, que levou a Alemanha ao abandono de padrão ouro com a introdução de
controles cambiais e dos fluxos de capital, mas sem desvalorização da Reichmark. O contágio
da crise para o Reino Unido levou em setembro de 1931 para a saída do padrão ouro com
desvalorização da libra. O contágio da crise para os Estados Unidos com perdas de ouro forçou
o Federal Reserve aumentar a taxa básica, aprofundando a depressão e a crise bancária.

O próximo gráfico mostra os efeitos conjuntos da reversão dos fluxos de capital (1929 até
1931) e da queda expressiva dos preços de commodities (índice fornecido de 1800 até 2009 de
Reinhart - sem tendência) sobre os defaults sobre a dívida em 46 países independentes na
amostra.
309

Gráfico 41 Preços de commodities, Fluxos internacionais de capital de capital (dados de


Reinhart e de Feinstein e Watson), Percentagem dos países em default de 46 países na
amostra 1925 – 1938

Fontes: Reinhart, Carmen, web-site, para Fluxos internacionais de capital: Feinstein e Watson

Para o tipo das rupturas súbitas dos fluxos internacionais de capital é possível resumir que
uma reversão rápida dos fluxos pode encadear crises de balanço pagamentos, crises cambiais
e crises da dívida externa e com isto criar uma crise no setor real da economia. Para os países
exportadores de commodities uma queda expressiva dos preços das commodities pode
aumentar ainda mais as tendências recessivas. Em crises posteriores, por exemplo, as crises
nos mercados emergentes na década de 1990 e no inicio da década de 2000 muitas vezes (por
exemplo, no México em 1994 e no sudeste asiático em 1997) iniciam se com entradas maciças
de capital fomentadas por expectativas exageradas otimistas de lucros futuros (e a confiança
em taxas de câmbio fixas) revertendo se quando os investidores percebiam que suas
expectativas anteriores foram equivocadas ou exageradas.

Bolhas especulativas e quebras de mercados acionários

“Índices de Wall Street previam nove das últimas cinco recessões!” Samuelson74

A narrativa popular da Grande Depressão considera a quebra da bolsa de valores de Nova


Iorque em outubro de 1929 como evento decisivo para a eclosão da crise. Embora a maioria
dos economistas seja mais cautelosa na avaliação da importância da quinta-feira negra (24
outubro de 1929) para e Grande Depressão parece que uma bolha especulativa na década de
310

1920 e seu estouro teve alguma influencia sobre os eventos seguintes. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 250] adicionam a seus cinco tipos de crises financeiras a quebra do mercado
acionário (‘stock market crash’). Quantitativamente eles referem-se a uma quebra de mercado
acionário quando há uma queda acumulada de 25% ou mais nos preços reais das ações, um
critério que Barro e Ursúa [2009] usam em sua pesquisa sobre a relação entre quebra de
mercados acionários e depressões. Reinhart e Rogoff identificam as seguintes quebras dos
mercados acionários no período de 1927 – 1935 (em parênteses o ano quando a queda
acumulada chega a 25% do preço real das ações): Alemanha (1931), Austrália (1930), Bélgica
(1929 – 1931), Canada (1930/1931), Colômbia (1929 e 1934), Espanha (1931), Estados Unidos
(1931), França (1930/1931), Grécia (1931/1932), Hungria (1929), Itália (1929 e 1931), Países
Baixos (1929/1930), Polônia (1929 e 1931), Reino Unido (1931). Suécia (1931), Uruguai (1932).
Obviamente estes dados não mostram a direção da causalidade, da depressão para uma
quebra do mercado acionário, ou da quebra do mercado acionário para uma mudança das
expectativas e uma depressão. O último caso aparece na narrativa popular sobre a Depressão
nos Estados Unidos, onde o estouro da bolha especulativa em outubro é visto como o gatilho
para a Grande Depressão, embora economistas como Temin [1991, p. 43 pp.] e outros
consideram que a quebra não foi o fator mais importante na eclosão da crise.

Os céticos de certa forma referem-se à citação de Samuelson acima, que os índices de


mercados acionários possam ser sinais fracos para recessões/depressões, porque quebras do
mercado acionário são mais frequentes do que recessões/depressões. Em sua pesquisa sobre
quebras de mercados acionários e depressões Barro e Ursúa [2009] mostram coincidências
bem mais significativas do que a citação de Samuelson parece mostrar. Barro e Ursúa [2009, p.
1] afirmam que para dados de longo prazo (parcialmente desde 1870) para 30 países quebras
de mercados acionários (definidas como declínios plurianuais dos retornos de pelo menos -
25%) coincidem com depressões menores (quedas acumuladas de pelo menos -10% no
consumo ou no PIB) em 31% do tempo, e depressões maiores (quedas acumuladas de pelo
menos -25% no consumo ou no PIB) coincidem em 10% do tempo. De forma inversa,
depressões menores mostram quebras do mercado acionário em 71% do tempo, e depressões
maiores mostram estas quebras em 92% do tempo. Eles consideram que as probabilidades das
depressões menores e maiores são muito acima das probabilidades típicas para estas
depressões [Barro e Ursúa, 2009, p.1], de forma inversa, a ausência de uma quebra do
mercado acionário é tranquilizadora no sentido de que depressões estão altamente
improváveis. Eles concluem que quebras de mercados acionários têm poder preditivo
substancial para depressões [Barro e Ursúa, 2009, p.22]. A tabela a seguir mostra alguns dados
311

de uma pesquisa anterior de Barro e Ursúa [2008] sobre a coincidência de quebras do mercado
acionário e depressões nos tempos da Grande Depressão. É importante anotar que Barro e
Ursúa usam para o PIB dados de Maddison, mas recalculando os dados para certos períodos e
certos países.

Tabela 69 Depressões e quebra do mercado acionário na Grande Depressão

Queda dos
Taxa inflação
Piso Pico Queda PIB (%) preços reais
anual
das ações
Alemanha 1932 1928 28,0% -56,2% -3,5%
Austrália 1931 1926 22,1% -17,9% -1,3%
Áustria 1933 1929 23,5% -53,3% -0,4%
Bélgica 1934 1930 11,7% -45,1% -5,2%
Canada 1933 1928 34,8% -55,8% -4,1%
Espanha 1933 1929 9,6% -46,4% -0,9%
Estados Unidos 1933 1929 29,0% -63,1% -6,4%
França 1935 1929 18,7% -53,5% -3,9%
Países Baixos 1934 1929 12,9% -58,2% -3,2%
Fonte; Barro e Ursua 2008
A importância da quebra do mercado acionário para a economia real depende da importância
do mercado acionário no país (medida, por exemplo, pela capitalização em relação ao PIB), da
importância do crédito na compra das ações, e das mudanças das expectativas dos
investidores e consumidores. A quebra do mercado acionário dos Estados Unidos sem dúvida
mostra em todos estes critérios sua importância para uma retração do investimento e do
consumo no cenário nacional dos Estados Unidos, embora seguindo Temin [1991, p. 43 pp.]
provavelmente a quebra não explica a profundidade e duração da Grande Depressão neste
país.

Um segundo ponto importante na avaliação da queda dos preços reais das ações é a pergunta
se esta quebra do mercado acionário foi um estouro de uma bolha especulativa ou o impacto
da queda da produção e do emprego na Grande Depressão. A maioria dos economistas afirma
que a quebra de mercado acionário de Nova Iorque em outubro de 1929 foi o estouro de uma
bolha especulativa que ganhou força desde 1927, usando critérios, por exemplo, como a
expressiva ascensão da relação preço/lucro neste período.

A deflação e crises reais, bancárias, cambiais e da dívida

A Grande Depressão foi acompanhada na maioria dos países por uma deflação expressiva. A
deflação cria problemas para o setor real e para o setor financeiro da economia. Temin [1991,
p. 56 p.] aponta para dois efeitos de uma deflação generalizada, o efeito estático e o dinâmico.
O efeito estático, também conhecido como efeito Keynes, é um efeito positivo sobre produção
312

e emprego porque com um estoque nominal de moeda constante o estoque real da moeda
aumenta – com isto o poder de compra –, deflação substitui a depressão. O efeito dinâmico,
também conhecido como efeito Mundell, considera as mudanças das expectativas num
processo de deflação. Se os agentes econômicos esperam que a deflação continue, eles adiam
compras e a tomada de créditos, porque eles podem comprar mais barato no futuro com os
preços em queda, mas precisam reembolsar os créditos no futuro com um valor real mais alto.
As taxas reais de juros são mais altas do que as taxas nominais de juros num processo
deflacionário. A deflação causa depressão.

A teoria da deflação da dívida de Fisher [1933] mostra os efeitos nocivos de uma deflação
expressiva para a economia: Numa expansão econômica o otimismo, lucros e o valor dos
colaterais dos empréstimos aumentam, consumidores e investidores se endividam mais e os
bancos concedem mais empréstimos, porque lucros e os valores dos colaterais aumentam.
Com isto empresas, consumidores e bancos tornam se mais frágeis quando as expectativas
mudam. A mudança das expectativas pode ser consequência da falência de uma empresa
importante (na Grande Depressão, por exemplo, a falência do império Hatry na Inglaterra em
setembro de 1929, a falência de Insull nos Estados Unidos, ou a falência e o suicídio de Ivar
Kreuger, do império suíço de fósforos) ou a quebra do mercado acionário etc. Começam as
vendas de ativos, os preços caiam, o valor dos coleterais cai, os bancos enxugam a oferta de
crédito, forçando as empresas de cortar produção, emprego e investimento e os consumidores
de restringir o consumo, aumentando depressão e deflação. A deflação aumenta o valor real
das dívidas e do valor real das amortizações e juros, iniciando uma onda de defaults sobre a
dívida e levando bancos a falência.

As duas tabelas seguintes mostram a deflação expressiva nos anos da Grande Depressão em
alguns países centrais escolhidos e nos mais importantes países da América Latina [dados de
Website de Carmen Reinhard].

Tabela 70 Taxa de inflação (%) em países centrais escolhidos na Grande Depressão

Estados
Alemanha Canada França Itália Reino Unido
Unidos
1928 3,1 -0,1 -1,3 0,0 1,3 0,0
1929 1,0 1,1 7,5 6,4 2,1 -1,1
1930 -4,0 -5,4 -9,6 1,0 -11,2 -2,8
1931 -8,3 -12,5 -9,1 -4,0 -3,7 -4,0
1932 -11,4 -8,1 -10,4 -9,3 -1,9 -2,4
1933 -1,3 -1,9 -3,0 -3,4 -3,4 -2,5
1934 2,6 3,0 2,7 -3,5 -6,6 0,0
1935 1,3 1,3 2,7 -8,5 8,3 0,6
1936 1,3 1,8 1,3 6,7 5,3 0,6
1937 0,0 6,6 3,2 26,3 14,4 3,8
313

1938 1,2 -2,2 -2,3 13,9 1,7 1,2


1939 0,0 -0,5 -0,9 6,1 3,1 3,0
Fonte: http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/

Tabela 71 Taxa de inflação (%) em países escolhidos de América Latina na Grande Depressão

Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Venezuela


1928 -1,0 11,6 0,4 0,3 -10,2 -6,7 -1,2
1929 1,1 -3,6 7,4 4,4 1,4 -2,2 -3,6
1930 1,0 -9,2 -5,2 -21,6 1,9 -4,5 -7,4
1931 -14,0 -3,4 0,0 -12,2 -12,0 -6,5 -3,3
1932 -10,2 0,4 23,6 -20,1 -11,6 -4,4 -7,6
1933 12,8 -0,9 4,4 26,5 7,1 -2,6 -9,0
1934 -11,3 7,4 4,2 26,6 2,2 2,0 -13,1
1935 6,0 6,5 -1,4 -0,1 2,2 1,3 -2,8
1936 8,9 14,1 12,3 10,0 8,4 5,3 5,8
1937 2,3 7,4 9,8 -1,9 23,6 6,3 0,0
1938 -0,6 10,6 2,2 13,1 5,6 1,2 -6,4
1939 1,7 3,0 7,6 2,9 1,5 -1,2 -1,0
Fonte: http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/

Crises bancárias

Reinhart e Rogoff [2009, p. 142] afirmam que crises bancárias atormentavam países ricos e
pobres desde o período pesquisado por eles de 1800 até 2008 e para 66 países na amostra.
Eles afirmam também que as crises bancárias são especialmente elevadas nos centros
financeiros globais no Reino Unido, nos Estados Unidos e na França, embora numa avaliação
da Grande Depressão na França Beaudry e Portier [2002, p. 74 pp.] apontam que não houve
crise bancária na França neste período, porque somente um banco grande falhou. Em vez disto
nos dados de Reinhart e Rogoff [disponível no website de Carmen Reinhart] aparece uma crise
bancária de 1930 até 1932 [referindo se a Bernanke [2004, p. 90] com os bancos Banque
Adam, Boulogne-sur-Mer, e Oustric Group, acompanhada de corridas bancárias em bancos
provinciais]. Nos dados de Reinhart e Rogoff aparecem na amostra de 66 países em 1929 e
1930 cinco países, em 1931 vinte e três países (entre eles: Alemanha, Austrália, Áustria,
Bélgica, Estados Unidos, França, Hungria, Polônia, Argentina e México e interessantemente o
Brasil sem determinação dos bancos em crise), em 1932 sete países e em 1933 dois países, em
todos os anos referidos os Estados Unidos aparecem com uma crise bancária (sistêmica),
embora uma análise posterior vai mostrar que as crises bancárias de 1931 e 1933 foram as
mais sérias. No período da Grande Depressão não houve crise bancária no Reino Unido e na
Canada. Importante é que a Canada, com uma queda da produção maior do que os Estados
Unidos na Grande Depressão e uma duração comparável, mostra na Grande Depressão
nenhuma crise bancária, um caso a ser analisado posteriormente.
314

Crises bancárias e crises cambiais, reversos de fluxos internacionais de capital, e crises da


dívida (pública e/ou privada) são relacionadas, mas existem modelos econômicos diferentes
para modelar a causalidade entre estas crises [por exemplo, em Krugmann [2011]]. Uma
fragilidade do sistema bancário ou de bancos específicos (empréstimos irresponsáveis,
descasamento de prazos e/ou de moedas) pode levar a corridas e pânicos bancários. Não
somente fundamentos fracos podem causar uma crise bancária, mas Minsky [1984 e 2008]
adverte sobre uma fragilidade sistêmica dos bancos, como resultado de politicas de crédito
pró-cíclicas e exageradamente otimistas numa expansão econômica. A teoria da deflação da
dívida de Fisher [1933] mostra também os impactos nocivos da deflação sobre a situação
econômica dos bancos. Bernanke e James [2004, p. 88 pp.] afirmam que a dívida dos bancos
(em primeiro lugar depósitos dos clientes, mas, desde os últimos anos do século XX bancos e
outras instituições financeiras dependem cada vez mais de créditos nos mercados monetários
e interbancarios) é fixada em termos nominais, os ativos podem ser (dependendo de sistema
bancário do país) instrumentos da dívida (empréstimos e títulos da dívida soberana), fixados
também em termos nominais, e ações (‘equity’), fixados em termos reais. Se os ativos dos
bancos são somente instrumentos da dívida o impacto negativo da deflação e mais lento,
porque somente quando os créditos e os títulos da dívida entram em default os ativos dos
bancos diminuem e os bancos sentem o aperto e o perigo da insolvência, embora quando os
depositantes no banco (os credores do banco) percebem as fragilidades nos ativos do banco já
pode se desencadear uma corrida ao banco. Se os ativos são também em ações uma queda
dos preços das ações leva diretamente a queda no valor dos ativos e ao aperto do banco. Por
esta razão quebras do mercado acionário e defaults sobre a dívida externa de outros países (se
estes títulos são no portfólio dos bancos) podem também impactar na fragilidade dos bancos
domésticos.

Outros fatores que enfraquecem os bancos e o sistema bancário são, por exemplo, a queda
dos preços de commodities que leva agricultores endividados a falência e levando a defaults
sobre suas dívidas, a depressão em geral leva empresas a dificuldades financeiras e com isto os
bancos que emprestavam para eles. Na Europa os processos hiperinflacionários, por exemplo,
em Alemanha e Áustria, levavam a uma subcapitalização dos bancos no período posterior e
com isto para uma fragilidade mais elevada.

Bernanke e James [2004, p. 88 pp.] resumem para o período entre as guerras que muitos
países experimentavam crises bancárias, e obviamente ainda mais na Grande Depressão. Estes
problemas tornam se muito mais agudos em 1931, seguindo a crise da Creditanstalt em
Áustria e da crise do sistema bancário e da crise cambial em Alemanha em junho e julho de
315

1931. Em agosto a crise bancária chegou aos Estados Unidos (embora uma crise bancária já
estivesse se aproximando antes, a relação depósitos/dinheiro estava caiando desde o inicio de
1931 mostrando uma queda da confiança no sistema bancário Temin [2008, p. 8]). Até janeiro
de 1932 1860 bancos falhavam [Bernanke e James [2004, p. 88 pp.]]. A tabela a seguir mostra
as diferenças dos logaritmos para a relação depósitos/dinheiro para países escolhidos no
período 1930 até 1936, uma diferença negativa apontando para uma queda de depósitos
bancários em relação ao dinheiro e uma queda da confiança na estabilidade do sistema
bancário. Em fevereiro de 1933 começou um pânico bancário nos Estados Unidos, que
somente acabou com o feriado bancário em março de 1933 do novo presidente Roosevelt e a
regulação posterior do sistema bancário norte-americano.

Tabela 72 Diferenças dos logaritmos para a relação depósitos/dinheiro para países escolhidos

1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936


Áustria 0,17 -0,40 -0,06 -0,20 -0,07 -0,01 -0,02
Alemanha -0,11 -0,40 0,05 -0,09 -0,01 -0,08 -0,02
Canada 0,07 -0,01 0,03 -0,05 0,00 0,01 -0,06
Estados Unidos 0,00 -0,15 -0,26 -0,15 0,14 0,05 0,02
França -0,07 -0,12 -0,01 -0,10 -0,07 -0,10 -0,03
Reino Unido 0,03 -0,07 0,10 -0,07 -0,02 0,01 -0,03
Fonte; Bernanke e James [1991/2004]
A tabela mostra que em todos os países, com exceção de Canada, houve significativa
diminuição da relação depósitos/dinheiro, mostrando a desconfiança dos depositantes nos
bancos.

O foco deste capítulo vai ser sobre a crise bancária (cambial e fiscal) de Alemanha em 1931,
seus impactos sobre o Reino Unido e os Estados Unidos e a crise bancária nos Estados Unidos
em 1931 e 1933. A crise financeira de 1931, começando com a quebra do maior banco de
Áustria a Creditanstalt em 11 de maio de 1931 se espalhando depois para Alemanha, para a
saída do Reino Unido do padrão (câmbio) ouro em setembro de 1931 e para a crise bancária
nos Estados Unidos começando em junho de 1931 e piorando com a saída do Reino Unido do
padrão ouro, é visto como uma determinante importante no aprofundamento da Grande
Depressão e de sua prolongação. Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 98] argumentam que a
crise austríaca (a crise bancária e a crise cambial seguinte) não causou a crise bancária e
cambial alemã em julho de 1931 e as crises seguintes. Eles afirmam: “A crise alemã de julho de
1931 foi devida somente às causas alemãs. (...) Bancos de Alemanha e o marco alemão
entravem em colapso em conjunto, afinal desencadeando ataques contra a libra e o dólar.”
Temin [2008, p. 5 p.] afirma que a narrativa tradicional da crise dupla alemã em julho de 1931,
se apoiando na crise austríaca, é que uma crise bancária consequência de empréstimos além
316

dos limites levou a uma crise cambial com a saída do padrão ouro em julho de 1931,
introduzindo controles de capital, mas não desvalorizando o marco. Uma visão alternativa,
mais recente, afirma que os problemas fiscais da Republica de Weimar (e também a discussão
sobre uma possível união tarifária com Áustria e a possibilidade de default sobre as reparações
de Alemanha) criou problemas para o marco alemão e foi a crise cambial que levou a crise
bancaria. Temin [2008, p. 6] considera “Se os problemas bancários iniciavam a crise, então os
banqueiros são os culpados, se a moeda era a chave, os políticos são os vilões”. Temin decide
se para a segunda alternativa, que uma crise monetária consequência de politicas
insustentáveis levou a quebra dos bancos e não vice versa. O padrão ouro fez que o banco
central alemão, o Reichsbank, não pode agir como emprestador de última instância na crise da
Nordwolle e da Danatbank, porque suas reservas de ouro estavam se esvaziando rapidamente.
Uma cooperação internacional com a França tornou se impossível depois da decisão de
Brüning na primavera de tornar a politica externa de Alemanha mais agressiva em direção em
Europa Central e Leste, com a tentativa de uma união tarifária com Áustria {Ferguson e Temin,
2001, p. 41]. Uma análise ampla e cuidadosa da crise cambial e bancária de 1931 em Alemanha
encontra se em Ferguson e Temin [2001].

Ritschl e Sarferaz [2008, p. 8 p.] contam uma história diferente:

Quando finalmente crise da Alemanha eclodiu em 1931, ela começou não apenas como uma
crise cambial nem uma crise bancária, nem foi apenas uma crise dupla que combine os dois. Em
vez disso, começou como uma crise da dívida, com um anúncio em maio pelo chanceler alemão
Brüning que a Alemanha pode enfrentar dificuldades no pagamento da parcela de reparações
no meio do ano sob o plano Young. Tanto a moeda alemã como o sistema bancário alemão
experimentavam ataques em junho. A fase aguda da crise terminou em julho com a moratória
de Hoover sobre as dívidas da guerra e das reparações.
Os resultados destas crises Ritschl e Sarferaz [2008, p. 3] resumem da seguinte forma:

Começando em 1931, a Alemanha passou por várias fases de crise bancária, controles de
capital, e moratórias de dívida. Em 1932 as reparações foram perdoadas, e Grã-Bretanha e na
França fizeram um default sobre suas dívidas de guerra com os Estados Unidos, que
supostamente tinham sido apoiadas pelas reparações de Alemanha. Em 1934, o default sobre a
dívida [externa] da Alemanha foi completa e transferências foram contidas a valores triviais.
A introdução de controles de capital na Alemanha e Áustria em 1931 estava congelando os
ativos de curto prazo dos bancos britânicos (e de outros países) em bancos de Alemanha e de
Áustria, levando a um enfraquecimento na estabilidade da libra, na crise cambial da libra em
setembro de 1931 e, em última consequência, na saída do Reino Unido do padrão ouro em 19
de setembro de 1931. Muitos países seguiam o Reino Unido abandonando o padrão (câmbio)
ouro, o inicio da desintegração do sistema monetário internacional. A crise financeira se
propagou em setembro de 1931 para os Estados Unidos pela desconfiança sobre uma possível
saída do padrão ouro com desvalorização do dólar, o número de falências dos bancos subiu e o
317

Federal Reserve estava perdendo ouro e o Federal Reserve, em plena depressão, subiu a taxa
básica de juros para defender o valor internacional do dólar. Embora um aumento da taxa
básica de juros em uma crise cambial foi à resposta padrão dos bancos centrais no sistema
monetário internacional de padrão ouro, para Feinstein, Temin e Toniolo [2008, p. 102] a
decisão mostra como a ideologia do padrão ouro transmitiu e ampliou a Grande Depressão.
Em um artigo recente Moessner e Allen [2010] mostram diferentes estratégias dos bancos
centrais na Grande Depressão e na Grande Recessão para salvar o sistema financeiro em uma
crise profunda. Na crise financeira de 2008/2009 e na Grande Recessão seguinte os bancos
centrais usavam as experiências da Grande Depressão para injetar maciçamente liquidez no
sistema financeiro e na economia para evitar uma crise bancária mais profunda, embora
enfrentando críticas de salvar bancos insolventes, premiar estratégias gerenciais fracassadas e
deixar os custos destas estratégias fracassadas com os contribuintes dos impostos. A tabela a
seguir mostra as diferentes estratégias dos bancos centrais na Grande Depressão e na Grande
Recessão, mostrando a dificuldade dos bancos centrais de agir como emprestador de ultima
instância sob o padrão ouro na Grande Depressão.

Tabela 73 Injeção de liquidez pelos bancos centrais* na Grande Depressão e na Grande


Recessão

Como % dos
ativos dos bancos Como % dos depósitos bancários Como % do PIB
centrais
1931 3,8 1,0 n.d.
2008-2009 28,5 5,5 5,4
Fonte: Moessner e Allen
* Bancos centrais dos 30 maiores países no período

Richardson [2007, p. 40] resume as crises bancárias nos Estados Unidos na Grande Depressa da
seguinte forma;

Antes de Outubro de 1930, o padrão de falhas [de bancos] se assemelhava ao padrão que
prevaleceu durante os anos 1920. Pequenos bancos rurais, com grandes perdas de crédito
falhavam em uma taxa constante. Desde novembro 1930 o colapso das redes de bancos
correspondentes desencadeava pânicos bancários. As corridas bancárias subiam em número e
gravidade após conglomerados financeiros proeminentes em New York e Los Angeles fechavam
em meio de escândalos cobertos com destaque na imprensa nacional. Mais de um terço dos
bancos que fecharam suas portas aos depositantes logo retomou as operações normais. Após a
saída da Grã-Bretanha do padrão-ouro em setembro de 1931, a depressão se aprofundou. Os
valores dos ativos diminuíam, a insolvência surgiu como a maior ameaça que enfrentam as
instituições depositárias. Durante a crise financeira em no inverno de 1931, quase todos os
bancos que quebraram foram liquidados com uma perda substancial.
Em geral, entre a quebra em outubro de 1929 e o feriado bancário em março de 1933, iliquidez
e insolvência foram fontes substanciais dos problemas bancários. Quase três quartos dos
bancos que fecharam as portas devido a dificuldades financeiras estavam insolventes. Pouco
318

mais de um quarto foi solvente e sem ajuda financeira externa, reabriam os negócios, ou
reembolsavam todos dos seus depositantes e credores, ou fixem fusão no valor de face com
outras instituições. Ativos congelados e desvalorizados foram a principal causa de
aproximadamente um meio e uma causa contribuinte de outro quarto de todas as suspensões
de banco. Saques pesados foram a principal causa de pouco menos de um meio e uma causa
contribuinte de outro sexto de todas as suspensões de banco.
Calomiris e Haber [2014, p. 3111 p.] apontam para um fato paradoxo: embora o sistema
bancário dos Estados Unidos enfrentasse crises bancárias sistêmicas contínuas na Grande
Depressão, em 1931 e 1933, o sistema bancário canadense mostrou se “notavelmente
resistente” e não houve falhas bancárias durante a Grande Depressão. Realmente a economia
canadense foi tão severamente atingida pela Grande Depressão como a economia dos Estados
Unidos. O PIB real caiu entre no período de 1929 até 1933 -29,5% na Canada e – 26,6% nos
Estados Unidos [IMF data mapper], o desemprego geral aumentou de uma taxa de 4,2% na
Canada e de 3,2% nos Estados Unidos em 1929 para 26,6% e 25,2%, respectivamente, em 1933
[Histat], a moeda M1 nominal diminui entre 1929 e 1933 em 29% na Canada e em 25,2% nos
Estados Unidos [Historical Statistics of the United States, 1949]. Calomiris e Haber apontam
diferentes estruturas institucionais e politicas: a atividade filial do negócio bancário foi restrita
nos Estados Unidos para evitar oligopólios, mas na Canada foi permitida. Canada não houve
um banco central até 1935. Embora profundidade e duração da Grande Depressão sejam
comparáveis nos Estados Unidos e na Canada, a ausência de crises bancárias na Canadá
levanta certos limites ao foco de Friedman e Schwartz sobre o papel das crises bancárias nos
Estados Unidos na Grande Depressão, embora exista uma diferença importante: A Canada já
saiu do padrão ouro em outubro de 1931, embora os Estados Unidos somente em março de
1933.

Crises cambiais (crises do balanço de pagamentos)

Para Claessens e Kose [2013, p. 12] crises cambiais “envolvem ataques especulativos contra
uma moeda que resultam em uma desvalorização (ou uma depreciação expressiva), ou forçam
as autoridades de defender a moeda gastando grandes quantidades de reservas
internacionais, ou subindo as taxas de juros, ou introduzindo controles de capital”. Dados
sobre crises cambiais podem ser encontrados em Reinhart [website], uma definição
quantitativa em Reinhart e Rogoff [2009, p.7] aponta uma crise cambial “quando a moeda de
um país deprecia 15% ou mais contra o dólar (ou outra moeda ancora, historicamente a libra,
o franco francês, ou o marco alemão)”.

Claessens e Kose [2013, p. 12 p.] consideram três modelos para explicar crises cambiais. Os
modelos da primeira geração explicam crises cambiais em um ambiente de regimes de câmbio
fixo ou administrado (‘peg’) quando investidores percebem politicas macroeconômicas do
319

governo como arriscadas e insustentáveis e começam a atacar a moeda antecipando o fim de


regime de câmbio fixo. O banco central perde reservas internacionais e o sistema de câmbio
fixo ou administrado colapsa. Os modelos da segunda geração explicam crises cambiais com
profecias autorrealizáveis quando os fundamentos macroeconômicos parecem estáveis. Neste
caso os investidores ataquem a moeda simplesmente porque preveem que outros investidores
vão atacar também, como na crise de 1992 do sistema monetário europeu, embora existisse
também a opinião de que a libra estava sobrevalorizada. Os modelos da terceira geração,
motivados em primeiro lugar pela crise asiática de 1997/1998 onde os desequilíbrios
macroeconômicos foram pequenos, apontam para descasamentos nos balanços de do setor
bancário ou empresarial (do prazo ou da moeda) que levam a uma ruptura súbita de entradas
de capital internacional e pânicos autorrealizáveis. Aqui também as crises envolvem mudanças
das expectativas e das percepções dos investidores internacionais sobre o risco de seus
investimentos e empréstimos.

Na década de 1920 o sistema monetário internacional de (câmbio) ouro foi um sistema de


taxas de câmbio fixas com um mecanismo de ajuste automático em caso de desequilíbrios, que
funcionava no ambiente antes da guerra, mas mostrava problemas no período entre as
guerras especialmente numa crise tão profunda como a Grande Depressão. As fraquezas do
sistema monetário internacional de padrão (câmbio) ouro já foram discutidas em outro lugar,
mas é importante apontar que as saídas da do padrão ouro poderiam ser os impactos da crise
(como no caso de Brasil e muitos outros países da América Latina onde as reservas estavam se
esvaziando, como também em julho de 1931 na Alemanha), ou – como no caso de Reino Unido
em verão de 1931 – simplesmente a impossibilidade política de aprofundar ainda mais a crise
através de um aumento da taxa básica para defender a paridade, ou uma estratégia para
ganhar competividade através de uma desvalorização que prejudica outros países. Temin
[1991, p. 96 pp.], por exemplo, considera a decisão dos Estados Unidos de desvalorizar o dólar
em março de 1933 como uma estratégia de interesse nacional da mudança do regime politico
e econômico para aumentar preços e atividade econômica no ambiente nacional. Ele adverte
que os Estados Unidos não foram sobre a pressão especulativa dos atores internacionais e
nacionais nos mercados para desvalorizar o dólar, “os Estados Unidos detinham um terço das
reservas globais de ouro, os Estados Unidos tinham um superávit crônico na balança comercial
e estavam dominando o comércio internacional nas manufaturas modernas (...)”.
Desvalorização foi uma dimensão da estratégia nacional mais ampla de políticas para
revitalizar a economia norte-americana através do New Deal sem se muito preocupar com
seus impctos internacionais.
320

Eichengreen e Sachs [1985, p. 946] revelam em seu trabalho sobre desvalorizações


competitivas e recuperação na Grade Depressão:

Embora seja indiscutível que a depreciação da moeda trazia benefícios macroeconômicos para
um país que o fiz, mas as políticas que acompanhavam as depreciações [políticas
protecionistas] de 1930 tinham efeitos de empobrecer a vizinhança. Embora seja provável que
a desvalorização da moeda (se tivesse sido ainda mais amplamente adotada) teria trabalhado
para o benefício do mundo todo, a abordagem esporádica e descoordenada de política
cambiais na década de 1930 tendiam (...) reduzir a magnitude dos benefícios.

Eles apontam também na citação acima que uma desvalorização generalizada (aumentando o
preço de ouro) poderia abrir possibilidades para políticas monetárias mais expansionistas.
Eichengreen e Irwin [2009, p. 32] resumem as politicas na Grande Depressão:

Com a eclosão da Grande Depressão, os atores políticos foram confrontados com um dilema de
política econômica. Em face de um colapso macroeconômico sem precedentes, as opções
disponíveis foram deflação sob o padrão-ouro, a desvalorização da moeda, ou controles diretos
sobre o comércio e os pagamentos para manter as reservas de ouro e divisas. A maioria dos
países rejeitou a deflação como demasiado dolorosa [com exceção de Alemanha sob Brüning],
dada a gravidade do choque e a magnitude necessária do ajustamento de preços e salários.
Assim, estas três opções foram efetivamente reduzidas a duas: a manutenção de taxas de
câmbio fixas ou manter o comércio aberto.
Nós encontramos evidência deste ‘tradeoff’ de políticas: os países que ficaram no padrão-ouro
tendem a impor restrições comerciais mais rígidas do que as que permitiram que suas moedas
se depreciassem. Tendo sacrificado um instrumento de política (autonomia monetária) que
potencialmente poderia ter sido usado para combater a depressão, os atores políticos em seu
desespero recorreram a outro (controlos comerciais). Circunstâncias históricas condicionavam
esta escolha. Os países que sofreram uma inflação elevada após a Primeira Guerra Mundial
ficavam no padrão-ouro e manterem a paridade cambial; e efetivamente sacrificaram a política
comercial no altar da estabilidade financeira. O mesmo ocorreu com países que tinham
adquirido o estatuto de centro financeiro e agora valorizavam sua manutenção. França e outros
países nesta posição usavam tarifas e quotas de importação para regular o comércio e a
balança de pagamentos; Alemanha e os países de controle de câmbio não manterem a livre
mobilidade do capital, deixando a eles apenas a escolha de se impor tarifas mais altas ou alocar
divisas para regular o comércio e o balanço de pagamentos. Países que não sofriam problemas
monetários após a Primeira Guerra Mundial ou não tinham de defender o status de centro
financeiro saiavam do padrão-ouro e permitiram a desvalorização de sua moeda e foram
capazes de manter as políticas comerciais mais liberais.
As tabelas a seguir mostram crises cambiais em países centrais escolhidos e da América Latina
na Grande Depressão (desvalorização sinal positivo, valorização sinal negativo), as linhas em
cinza mostram os anos da saída do Reino Unido em setembro de 1931 e dos Estados Unidos
em março de 1933, respectivamente.

Tabela 74 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países centrais escolhidos na Grande
Depressão

Estados
Alemanha Canada França Itália Reino Unido
Unidos
Referência £ US$ £ £ £ US$
Saída padrão
ago/31* 1929/out/31 mar/33 out/36 out36*** set/31
ouro
321

1928 -0,4 0,7 -0,6 0,1 2,1 0,6


1929 0,2 -0,8 0,6 -0,1 0,7 -0,6
1930 -0,1 20,8 -0,5 -0,3 -0,6 0,5
1931 -29,9 -4,5 -30,5 -30,4 -28,8 44,0
1932 -3,5 -13,9 -2,8 -2,3 -2,8 2,9
1933 -0,6 -0,7 56,0 -0,5 -3,0 -35,9
1934 -10,8 2,3 -3,3 -10,3 -7,0 3,4
1935 -0,4 -1,0 -0,3 -0,4 5,4 0,3
1936 -1,0 0,1 -0,4 40,7 52,8 0,4
1937 2,7 0,9 1,8 40,0 1,9 -1,8
Fonte: http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/
* Alemanha saiu em julho/agosto 1931 introduzindo controles de capital sem desvalorização
** Com efeito, a Canadá saiu do padrão ouro já em 1929, formalmente em outubro de 1931 [Powell,
2005, p. 43]
** Itália saiu em maio 1934 introduzindo controles de capital, somente em out/36 desvalorizou a lira

A tabela mostra que nos países centrais as crises cambiais começavam em 1931 com as crises
bancárias na Áustria [maio de 1931] e na Alemanha com a crise bancária, fiscal e da dívida no
verão de 1931 com saídas forçadas do padrão ouro e finalmente com a saída do Reino Unido
em setembro de 1931 depois de ataques especulativos contra a libra. Canada já saiu
efetivamente em 1929 do padrão ouro [formalmente somente em outubro de 1931 [Powell,
2005, p. 43]]. A saída do padrão ouro do Reino Unido foi rapidamente acompanhada por
outros países e muitos historiadores apontam a saída do Reino Unido como fim do sistema
monetário internacional de padrão (câmbio) ouro no setembro de 1931, outros com a saída
dos Estados Unidos em março de 1933 ou em 1936 com o fim do bloco de ouro, liderado por
França. É importante anotar que as mudanças negativas nas taxas de câmbio em 1931 nos
países com exceção de Canadá e Reino Unido não foram consequências da desvalorização da
própria moeda (eles ficavam no padrão ouro ou saiavam do padrão ouro sem desvalorização
neste ano), mas consequência da desvalorização da libra e do dólar canadense em seguir
[valorizando as moedas dos países que não acompanhavam a devalorização da libra].

Tabela 75 Taxa de mudança da taxa de câmbio (%) em países escolhidos da América Latina na
Grande Depressão

Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Venezuela


Referência US$ US$ £*/US$ US$ US$ £**/US$ US$
Saída padrão
1929 dez/29 1932 1931 1931 n.d. 1931
ouro
1928 1,5 0,7 0,6 1,0 1,0 -4,2 -0,6
1929 2,9 5,3 0,0 0,0 -0,1 0,5 0,0
1930 23,1 17,4 0,8 0,0 5,4 36,7 3,8
1931 29,1 55,0 7,5 1,0 16,8 3,9 13,3
1932 -0,1 -18,8 195,3 48,6 21,9 62,8 9,3
1933 75,8 -11,2 4,3 -0,6 15,3 -22,3 -21,3
1934 1,1 29,0 -4,7 12,9 -0,1 -6,1 -25,6
1935 0,3 20,7 -1,8 0,0 0,0 -5,9 0,0
322

1936 0,4 -7,2 12,1 5,1 0,0 -0,8 0,3


1937 -1,8 4,2 -3,7 -4,9 0,0 3,3 -14,0
1938 7,0 1,1 0,0 0,0 17,6 18,7 -5,6
1939 4,6 12,4 0,0 0,0 29,7 17,4 0,0
Fonte: http://www.carmenreinhart.com/this-time-is-different/
* Chile referência taxa de câmbio £ até 1936, depois US$
** Peru referência taxa de câmbio £ até 1930, depois US$
Nos países da América Latina, já em crise desde 1929 com a queda dos preços das
commodities e com isto do valor das exportações, o ciclo das desvalorizações e da saída do
regime de padrão ouro já começa em 1930. As crises cambiais levam em muitos países
também a crises da dívida externa e defaults, analisadas no próximo capítulo.

Expansão do crédito e defaults sobre a dívida pública e privada

Outra forma de crise financeira são crises dá dívida, consequência de endividamento


insustentável do setor privado ou público ou de eventos adversos como rupturas súbitas dos
fluxos internacionais de capital, crises bancárias e cambiais, quedas expressivas dos preços de
commodities para países exportadores de commodities ou outros eventos contingentes
adversos. A consequência da iliquidez ou insolvência no setor privado normalmente têm como
consequência a falência da empresa ou a falência pessoal de uma pessoa física [insolvência
individual no Brasil]. Numa falência no setor privado os credores têm direitos sobre os ativos
da empresa ou pessoa falida e dos colaterais do crédito e, possivelmente, sobre rendas futuras
eventuais.

Embora exista a crença que países não podem ir a falência, na realidade histórica existem
muitos casos de defaults de países [Reinhart e Rogoff, 2009, p. 51]. A moratória soberana
(default) é definida como a falha de um governo em fazer pagamentos para serviços da dívida
(amortizações e juros) na data do vencimento (Incluindo episódios de reestruturação da dívida
em termos menos favoráveis do que a obrigação inicial). Este pode ser um default sobre a
dívida externa ou da dívida interna de um país, onde uma forma de default sobre a dívida
interna, sem proteção contra a inflação, pode ser feito também através da inflação alta ou
hiperinflação, por exemplo, nos processos hiperinflacionários da década de 1920 em Áustria e
Alemanha. Num default sobre a dívida soberana é mais difícil para os credores de conseguir
enforçar seus direitos do que na falência privada, embora, na maioria dos casos o default é
parcial e temporário incluindo renegociações da dívida sobre valor de face (possibilidade de
‘haircuts’), taxa de rendimento e prazo.

Na Grande Depressão muitos países na Europa central e leste (por exemplo, Alemanha em
1932, Áustria em 1938, Hungria em 1932, Romênia em 1933) e na América Latina (por
exemplo, Brasil em 1931 e 1937 e quase todos os outros países da América Latina na década
323

de 1920 e 1930 com exceção de Argentina e Venezuela) entravam em default sobre sua dívida
externa soberana [Reinhart e Rogoff, 2009, p. 96], consequência da ruptura súbita dos fluxos
internacionais de capital e da queda expressiva dos preços das commodities da exportação.
Obviamente o endividamento exagerado do setor privado, bem como do setor pública, em
tempos da expansão econômica e do otimismo pode criar problemas em tempos da mudança
do cenário econômico e das expectativas. Esta reversão pode ser ainda mais expressiva
quando existe uma grande parte de dívida de curto prazo, difícil de rolar em tempos de crise,
e/ou grande parte da dívida em moeda estrangeira que se torna muito mais pesada em moeda
nacional em caso de uma crise cambial com desvalorização expressiva. Uma crise da dívida
interna pode também levar para um perigo para o setor financeiro, muitas vezes altamente
investido em títulos da dívida interna.

O gráfico a seguir mostra a importância das crises da dívida externa (Participação (%) dos
países em default sobre a dívida externa em uma amostra de 65 países) na Grande Depressão.

Gráfico 42 Participação dos países em default sobre a dívida externa (sem ponderação e com
ponderação pelo PIB) entre 1920 e 1939

Fonte: Website Carmen Reinhart, This time is diferent, Table 179.

Contágio das crises financeiras – o exemplo da crise bancária de 1931

Richardson e van Horn [2007, p. 1 pp.] descrevem o exemplo mais obvio do contágio da crise
bancária e financeira de 1931 para Alemanha, o Reino Unido (implicando a saída do padrão
câmbio ouro em setembro de 1931) e finalmente para os Estados Unidos da seguinte forma:
324

Em maio de 1931, a maior instituição financeira da Áustria, a Creditanstalt, entrou em colapso,


marcando o que geralmente é considerado o início de uma crise bancária internacional.
Durante o próximo mês, dificuldades financeiras se espalharam por toda a Europa central, com
problemas envolvendo bancos na Hungria, Tchecoslováquia, Romênia, Polônia e Alemanha. Em
13 de julho, o fracasso de um grande banco alemão, o Darmstadter- und Nationalbank,
desencadeou corridas por todo o país e obrigou o governo alemão a fechar todas as instituições
depositárias. Os bancos reabriram para operações limitadas após dois dias e retomaram as
operações normais após um mês. Mais tarde naquele verão, a crise se espalhou para a Grã-
Bretanha. Em setembro, as vendas de libras esterlinas e retiradas de bancos britânicos
aceleraram. Com o objetivo de deter as saídas financeiras, a Grã-Bretanha abandonou o
padrão-ouro (Barry Eichengreen, 1992; Peter Temin, 1989 e 1993; Charles Kindleburger, 1986).
De acordo com a sabedoria acadêmica convencional, a saída da Grã-Bretanha do ouro
transmitiu a crise financeira da Europa para os Estados Unidos (Milton Friedman e Anna
Schwartz, 1963; Eichengreen, 1981 e 1992; Temin, 1989 e 1993). Antecipando uma ação
semelhante por parte das autoridades monetárias americanas, os bancos centrais e detentores
privados na Europa converteram ativos em dólar no mercado monetário de Nova York em ouro.
O descarregamento de contas rapidamente assumiu proporções de pânico. As saídas de ouro
aumentaram rapidamente, drenando fundos do sistema financeiro dos EUA. Para parar a fuga
internacional, o Sistema da Reserva Federal elevou a taxa de desconto de 1 ½ para 3 ½ por
cento entre 9 de outubro e 16 de outubro.
O aumento mais acentuado dentro de um período tão breve em toda a história do sistema [da
Federal Reserve], antes ou desde então (…) o movimento intensificou as dificuldades
financeiras internas e foi acompanhado por um aumento espetacular nas falências bancárias e
corridas aos bancos (…) nos seis meses de agosto de 1931 a janeiro de 1932, 1.860 bancos com
depósitos de US $ 1.449 milhões em operações suspensas, e os depósitos desses bancos que
conseguiram se mantiver à tona caíram em uma soma muito maior. Os depósitos totais caíram
no período de seis meses em quase cinco vezes dos depósitos em bancos suspensos ou por não
menos que 17% do nível inicial de depósitos em bancos operacionais (Friedman e Schwartz,
1963, p. 317).
Os grilhões dourados [‘Golden Fetters’ do padrão ouro], em outras palavras, obrigaram o
Federal Reserve a elevar a taxa de desconto e restringir a oferta de crédito, contribuindo para
(ou em muitos relatos, causando) o maior surto de suspensões bancárias na história dos
Estados Unidos.
Embora Richardson e van Horn [2007] pesquisam outra explicação do contágio para os Estados
Unidos, o papel dos depósitos e créditos bloqueados de bancos americanos em Alemanha
depois de julho de 1931, na pesquisa eles descartam esta explicação alternativa para o
contágio e enfatizam as regras do padrão câmbio ouro como hipótese mais provável para
explicar o contágio.

Os impactos das crises financeiras na Grande Depressão

Resumindo pode se dizer que, diferentemente da crise financeira global de 2008/2009 que
levou a Grande Recessão, as crises financeiras não podem ser vistas como gatilhos da Grande
Depressão, embora a ruptura súbita de influxos de capital norte-americano em 1928/1929
para Europa e América Latina e o estouro da bolha especulativa no mercado acionário de Nova
York em outubro de 1929 teve certos impactos. As crises bancárias, na Europa e nos Estados
Unidos no verão de 1931 e nos Estados Unidos novamente em 1933, com certeza
influenciavam na duração e no aprofundamento da Grande Depressão. Mas elas tornavam se
325

tão sérias porque os bancos centrais não poderiam agir como emprestador de última instancia
seguindo as regras de padrão (câmbio) ouro. As crises cambiais e a ideologia do padrão ouro
levavam a propagação da crise para o mundo, levavam a estratégias de empobrecer a
vizinhança (protecionismo, controles de capital, corridas de desvalorizações) e dificultavam
intervenções coordenadas dos países (por exemplo, uma desvalorização coordenada da
paridade das moedas nacionais com o ouro facilitando a expansão monetária). O fim do
sistema monetário internacional padrão ouro pode ser datado no setembro de 1931 com a
saída do Reino Unido, ou com a saída dos Estados Unidos em março de 1933, ou com o fim de
bloco de ouro em 1936. A expansão de crédito ao setor privado, defaults, falências de
empresas e bancos na crise são um fator importante para explicar profundidade e duração da
Grande Depressão, defaults sobre a dívida pública podem diminuir os problemas dos países
devedores, mas levam a sérios problemas nos países credores. O default sobre suas dívidas do
Brasil e da Alemanha, por exemplo, diminui os problemas dos balanços de pagamentos destes
países, mas também levou a problemas para os países credores.

A expansão do crédito para o setor privado é também um fator importante na explicação de


recessões e depressões, enfatizada especialmente pela escola austríaca. Não somente a
moeda, como Friedman/Schwartz advertem, mas também o crédito importa na explicação dos
ciclos conjunturais. Eichengreen e Mitchener [2013] analisam o papel da expansão do crédito
na década de 1920 para a eclosão da Grande Depressão. No fundo é o comportamento
assimétrico dos bancos e do sistema financeiro na concessão de crédito no ciclo conjuntural,
também enfatizado por Minsky [2008 e 1984]. Na expansão econômica os bancos financiam
investimento e consumo com expansão de crédito, com os valores dos colaterais subindo a
avaliação do risco pelos bancos torna se mais frouxa. É importante anotar aqui que os bancos
centrais precisam acomodar a expansão do crédito com uma politica monetária expansionista.
Quando a expansão econômica chega a seu fim os bancos tornam se mais cautelosos e a
expansão do crédito cessa e a queda para a recessão ou depressão começa.

Eichengreen e Mitchener [2003, p. 64] mostram a relação do crédito para o setor privado/PIB
em 1913 e 1929, mostrando forte expansão do crédito nos Estados Unidos, Japão, e Reino
Unido.

Tabela 76 Relação crédito ao setor privado/PIB 1913 e 1929

1913 1929
Alemanha 2,59 1,64
Bélgica 2,34 2,51
Dinamarca 3,41 3,72
Estados Unidos 2,43 4,08
326

França 2,79 2,57


Japão 1,88 3,39
Noruega 2,19 3,08
Reino Unido 2,65 4,60
Suíça 4,30 4,49
Fonte: Eichengreen/Mitchener p. 64
Eichengreen e Mitchener [2003, p. 12] resumem os resultados da seguinte forma: Sete dos
nove países tinham expansão de crédito para o setor privado no período e em quatro países a
expansão foi expressiva (Estados Unidos, Japão, Noruega, e Reino Unido). Somente Alemanha
e França experimentavam um declínio do crédito no período, devido à hiperinflação alemã em
1923 e a inflação alta em França na primeira metade da década de 1920. O crédito ao setor
privado inclui não somente crédito bancário, mas também crédito através de emissões de
títulos nos mercados financeiros pelo setor privado. Mas Eichengreen e Mitchener [p. 52]
advertem também que a hipótese da expansão forte de credito para explicação da Grande
Depressão é somente um fator para explicar os acontecimentos depois de 1929. Para eles “é
difícil de contestar que as condições no mercado de crédito, pelo menos, desempenharam um
papel de apoio”. Eles acrescentam para os Estados Unidos que a Federal Reserve manteve na
década de 1920 uma politica monetária relativamente acomodativa e a inovação financeira
aumentou este efeito.

vi. Recuperação

A recuperação começou na maioria dos países no fim de 1932 ou em 1933 de forma


diferenciada (a recuperação demorou mais nos países que em 1933 ainda estavam no padrão
ouro – o bloco de ouro, liderado por França). Temin [1991, p. 90 p.] considera que em 1932 já
houve primeiros sinais de uma melhoria, com foco nos Estados Unidos e na Alemanha [aqui
com a mudança do governo von Papen com tentativas cautelosas e pequenas para acabar com
a política deflacionista do governo Brüning, mas que não conseguiam iniciar um processo de
recuperação sustentada]. Ele argumenta que uma mudança sustentável somente aconteceu
em 1933 com uma mudança de regime de políticas econômicas que mudava as expectativas,
uma reorientação de uma política deflacionista e de equilíbrio fiscal orientada nas regras do
padrão ouro e da teoria econômica clássica para políticas mais expansionistas, embora não
fundamentadas em teorias econômicas elaboradas [A ‘Teoria Geral’ de Keynes somente foi
publicada em 1936]. Temin [1991, p. 89 pp.] chama este novo regime de políticas econômicas
de ‘socialista’ [especialmente em p. 111], embora as iniciativas socialistas fundamentais de
nacionalização de empresas e do planejamento central da economia não aconteciam em
nenhum dos países centrais. Clavin [2000, p. 167 pp.] resume o período de recuperação sob o
título de caminhos nacionalistas para a recuperação. Embora a maioria dos caminhos nacionais
327

para a recuperação enfatizava maiores intervenções do Estado na economia e tentativas de


criar ou aprofundar as estruturas de um Estado de bem estar social (‘welfare state’), chamar
isto de caminho socialista parece equivocado especialmente para Alemanha, onde as primeiras
medidas de Hitler foram a proibição de partidos de esquerda, sindicatos e greves, e a
perseguição e matança de socialistas, sindicalistas e comunistas, e com a lei de
empoderamento (Ermächtigungsgesetz) em março de 1933 abrindo o caminho para uma
ditatura de Hitler e seu partido nacional—socialista. Embora possa ser difícil determinar um
nome único para os diferentes caminhos de políticas para a recuperação, intervenções tão
diferentes nos Estados Unidos, na Suécia, na Alemanha, no Brasil, e Japão, possivelmente a
denominação de um maior intervencionismo do Estado na economia poderia unificar estes
caminhos diferentes.

A recuperação nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos a mudança do regime começou com a primeira presidência de Roosevelt
em março de 1933 com um feriado bancário na crise bancária mais perigosa dos Estados
Unidos, que em conjunto com as regulamentações posteriores do sistema financeiro resolveu
para décadas o problema das crises bancárias nos Estados Unidos. A expectativa de uma
possível desvalorização do dólar levou a saídas de ouro dos Estados Unidos já antes da
inauguração de Roosevelt, as reservas em ouro da ‘Federal Reserve’ diminuam pela troca de
depósitos bancárias para moeda e ouro e a fuga de capitais estrangeiros, que iniciavam uma
crise bancária profunda nos primeiros meses de 1933. Depois da estabilização temporária em
abril 1933 as saídas começavam de novo e em 18 de abril de 1933 Roosevelt [Eichengreen
determina a data da saída do padrão ouro em 19 de abril, 1992, p. 332] livrou o dólar de seu
valor oficial (a paridade com o ouro de 20,67 US$ por onça de ouro) e o dólar começava a se
desvalorizar, até julho de 1933 seu valor desvalorizou 35 até 40 por cento contra a libra
[Temin, 1991, p.96]. Temin [1991, p. 96 p.] consta que este ato foi uma mudança de regime de
políticas, porque o dólar não foi desvalorizado sob a pressão do mercado, os Estados Unidos
com um terço das reservas mundiais de ouro e com um superávit crônico na balança comercial
não foram forçados a desvalorizar o dólar. A desvalorização do dólar foi parte de uma
estratégia expansionista e inflacionista para aumentar a atividade econômica e os preços junto
com políticas monetárias e fiscais mais expansionistas. Foi um ato nacionalista sem considerar
os efeitos prejudicais sobre as exportações de outros países. A desvalorização [o dólar teve até
abril de 1933 uma paridade com o ouro de US$ 20,67 por onça de ouro, depois de abril flutuou
e em janeiro de 1934 tive nova paridade com o ouro em US$ 35,00 por onça de ouro valendo
até agosto de 1971 quando a administração de Nixon decidiu não mais converter dólares em
328

ouro na paridade] conseguiu elevar os preços na agricultura, os preços das ações, facilitou uma
política monetária mais expansionista nos Estados Unidos que elevou a produção industrial,
embora não permanentemente. O gráfico a seguir mostra a desvalorização do dólar em
relação a libra e seu impacto sobre a expansão da produção industrial e sobre uma expansão
monetária, refletida na queda expressiva da taxa básica de juros.

Gráfico 43 Taxa de câmbio US$/£ setembro de 1929 até dezembro de 1938 (desvalorização da
Libra esterlina em setembro de 1931 e do US$ em abril de 1933), Taxa básica dos Estados
Unidos e do Reino Unido, Produção industrial dos Estados Unidos (Índice 2012 = 100)

Fontes: BANKING AND MONETARY STATISTICS 1914 -1941, NBER


A tabela a seguir mostra a renda nacional nos Estados Unidos e seus componentes e o
emprego, mostrando uma queda expressiva da renda nacional nominal e seus componentes e
das pessoas empregadas na crise, a recuperação começando em 1934 (embora produção
industrial e emprego já começavam crescer em 1933). Bernanke [1994, p. 47] mostra os
efeitos da Grande Depressão sobre a situação financeira das empresas:

No setor empresarial, a incidência de dificuldades financeiras foi muito desigual. Os lucros das
empresas agregadas antes de impostos foram negativos em 1931 e 1932, e depois de impostos
os lucros acumulados foram negativos em todos os anos 1930-1933 (Chandler, 1971, 102 p.).
Mas o subconjunto de empresas que detêm mais de US $ 50 milhões em ativos manteve lucros
positivos ao longo deste período, deixando o peso de ser suportada pelas empresas de menor
dimensão. Solomon Fabricant (1935) relatou que, só em 1932, as perdas de empresas com
ativos de US $ 50.000 ou menos foram iguais a 33 por cento da capitalização total; para as
empresas com ativos na faixa de US $ 50.000 US $ 100.000, o valor comparável foi de 14 por
cento. Isso levou a altas taxas de falha entre as pequenas empresas.
329

A Grande Depressão foi, sem dúvida, também uma crise de lucro, mas se esta crise de lucro foi
o gatilho para a crise, como autores da corrente marxista enfatizam, ou impacto da queda
econômica, precisa ser avaliado em um capítulo posterior quando são resumidas as posições
de diferentes correntes de pensamento econômico.

Tabela 77 Renda nacional (em bilhões de US$) e seus componentes e pessoas empregadas (em
milhões) nos Estados Unidos 1929 – 1939

Compensação
Renda Renda dos Lucros Juros Empregados
dos Outros
Nacional proprietários corporativos líquidos em milhões
empregados
Estrutura
100,0 54,6 14,9 11,5 4,9 14,2
1929
1929 94,2 51,4 14,0 10,8 4,6 13,4 47,4
1930 83,1 47,2 10,9 7,5 4,8 12,7 45,2
1931 67,7 40,1 8,3 3,0 4,8 11,5 42,4
1932 51,3 31,4 5,0 -0,2 4,5 10,6 39,0
1933 49,0 29,8 5,3 -0,2 4,0 10,1 39,4
1934 58,3 34,6 7,0 2,5 4,0 10,2 42,5
1935 66,4 37,7 10,1 4,0 4,1 10,5 44,0
1936 75,2 43,3 10,4 6,2 3,8 11,5 46,8
1937 83,7 48,4 12,5 7,1 3,7 12,0 47,9
1938 77,1 45,5 10,6 5,0 3,6 12,4 46,1
1939 82,5 48,6 11,1 6,6 3,6 12,6 47,4
Estrutura
100,0 58,9 13,5 8,0 4,4 15,3
1939
Fontes: Bureau of Economic Analysis (BEA) e KEHOE/PRESCOTT

Os gráficos e tabelas seguintes mostram uma análise resumida da recuperação, que usando
dados trimestrais começou em março de 1933 (com a inauguração do presidente Roosevelt).
Como em recessões normais também na Grande Depressão a queda dos investimentos e do
consumo de bens duráveis é mais expressiva do que do consumo de bens não duráveis e de
serviços. Para dados anuais do ‘Bureau of Economic Analysis (BEA)’ a recuperação começou
somente em 1934, houve uma nova recessão em 1938, e uma recuperação total foi somente
alcançada na Segunda Guerra Mundial quando o desemprego voltou nos Estados Unidos para
seu nível antes da crise, embora seja importante anotar que nos Estados Unidos (em diferença,
por exemplo, da Alemanha), as pessoas empregadas em programas emergenciais do governo
(importante somente com o ‘New Deal’ em 1933 e diante) foram contabilizadas como
desempregados.
330

Gráfico 44 PIB e seus componentes (Índices 1929:3 = 100) Estados Unidos 1929:3 – 1939:12

Fonte: NBER, cálculos próprios

Tabela 78 Índices (1929 =100) para o PIB Estados Unidos e seus componentes 1929-1947
Produto Consumo Gastos do
Consumo Consumo Investimento
Interno de bens governo
das de bens Serviços bruto do setor Exportações Importações
Bruto não (consumo e
famílias duráveis privado
(PIB) duráveis Investimento)
Estrutura
100,0 74,0 9,4 32,5 32,1 16,4 5,7 -5,3 9,2
PIB 1929
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 91,5 94,6 83,3 94,6 98,2 67,9 83,3 85,4 110,5
1931 85,6 91,6 71,8 93,5 95,6 44,3 68,8 75,6 114,7
1932 74,6 83,4 55,1 85,3 89,7 16,0 54,2 63,4 111,6
1933 73,7 81,6 53,8 84,9 86,4 22,1 54,2 65,9 107,4
1934 81,6 87,5 61,5 92,1 90,8 36,6 60,4 65,9 120,0
1935 88,9 92,7 74,4 97,1 93,8 63,4 64,6 87,8 124,2
1936 100,3 102,2 89,7 108,2 99,6 80,2 66,7 85,4 144,2
1937 105,4 105,9 94,9 111,1 104,4 99,2 83,3 97,6 137,9
1938 102,0 104,3 78,2 112,5 103,3 67,9 83,3 75,6 148,4
1939 110,1 110,1 93,6 117,9 107,3 85,5 87,5 78,0 162,1
1940 119,8 115,7 106,4 122,9 111,7 116,0 100,0 80,5 167,4
1941 141,0 123,9 123,1 130,1 118,3 142,7 102,1 100,0 282,1
1942 167,7 121,1 78,2 130,5 124,9 79,4 66,7 90,2 653,7
1943 196,3 124,4 70,5 131,5 134,8 49,6 56,3 114,6 981,1
1944 211,9 127,9 64,1 134,1 142,1 58,8 60,4 119,5 1.102,1
1945 209,9 135,8 71,8 142,3 149,8 76,3 85,4 126,8 968,4
1946 185,6 152,8 129,5 155,2 156,8 181,7 185,4 104,9 342,1
1947 183,6 155,6 152,6 154,5 157,1 174,8 210,4 100,0 290,5
331

Estrutura
100,0 64,8 8,7 31,0 25,0 14,9 7,5 -3,2 16,0
PIB 1947
Fonte: Bureau of Economic Analysis (BEA)

Depois do feriado bancário em março de 1933, depois da desvalorização do dólar com a saída
temporária do padrão ouro (e a volta ao ouro em janeiro de 1934 a uma paridade
desvalorizada), começou a expansão monetária diminuindo a taxa básica de juros para 2% ao
ano em novembro de 1933 e 1,5% ao ano em fevereiro de 1934 (a taxa básica estava antes no
nível de 2,5% ao ano, mas curtamente elevada até o nível de 3,5% no período da transferência
do poder em março de 1933). Do primeiro trimestre de 1933 até o segundo trimestre de 1938
a base monetária foi expandida em 62,1%, a quantidade de moeda em 52,2% [dados básicos:
NBER]. A queda da taxa básica parece não muito expressiva, mas uma taxa básica nominal de
2,5% na crise com uma deflação média de -9,6% ao ano de 1929 até 1932 é igual a uma taxa
real de juros de 13,4% ao ano, criando problemas sérias para o investimento e o consumo de
bens duráveis. A política monetária mais expansionista, a desvalorização do dólar, a mudança
das expectativas, e uma política fiscal um pouco mais expansionista (embora o discurso
público de Roosevelt sempre enfatizasse a importância do orçamento equilibrado)
conseguiram reflacionar a economia até 1938 em média em 2,5 ao ano.

No gráfico a seguir pode se apreciar a reflação lenta da economia norte-americana depois de


março de 1933.
332

Gráfico 45 Deflator do PIB, Índice de preços ao atacado, Deflator de bens de consumo duráveis
e não duráveis, e Índice de preços de ações (1929=100) para os Estados Unidos 1929 -1940

Fonte: NBER e BLS

A deflação anualizada de 1929 até 1932 foi de -9,6% ao ano para o Índice geral de preços, -
23,2% ao ano para o Índice de preços de produtos da agricultura, -15,1% ao ano para o Índice
preços alimentos, e -24,4% ao ano para o preço de trigo. A reflação anualizada entre 1933 e
1938 nos anos para estes índices foi de 2,5% ao ano, 6,4% ao ano, 3,2% ao ano e 5,1% ao ano,
respectivamente.

A política fiscal de Roosevelt foi um balanceamento precário entre a necessidade de


financiamento das medidas de ‘New Deal’ e o discurso público de equilibrar o orçamento, não
uma política fiscal expressivamente expansionista nos moldes de pensamento keynesiano do
‘deficit spending’, como mostra a tabela a seguir. O déficit primário elevado em 1932/1933 e
nos anos posteriores é parcialmente consequência da queda expressiva das receitas e da
queda expressiva do PIB nominal (como denominador dos dados na tabela) a uma taxa
anualizada de – 14% entre 1929 e 1933, enquanto os gastos nominais entre 1932 e 1933
mostravam uma queda e somente em 1934 houve um aumento expressivo dos gastos
nominais, mas em 1935 com a eleição de 1936 se aproximando houve novamente uma queda
dos gastos nominais.

Tabela 79 Dados fiscais do governo federal dos Estados Unidos 1929 – 1947
Taxa real
Receitas Juros de juros de
Gastos do Superávit Dívida PIB PIB real $
do sobre longo
governo /Déficit pública nominal de 1929
governo dívida prazo
em relação primário % bruta em (bilhões (bilhões
em relação pública em sobre a
ao PIB do PIB % do PIB US$) US$)
ao PIB % do PIB dívida
pública
1929 3,72 3,02 0,65 1,36 16,33 4,42 104,6 104,6
1930 4,44 3,64 0,72 1,53 17,73 6,93 92,2 95,7
1931 4,07 4,67 0,80 0,20 21,93 12,90 77,4 89,6
1932 3,27 7,92 1,02 -3,63 33,14 15,01 59,5 78,0
1933 3,54 8,15 1,22 -3,39 39,96 9,28 57,2 77,0
1934 4,57 10,07 1,15 -4,35 40,99 0,64 66,8 85,4
1935 5,06 8,86 1,12 -2,69 39,16 1,01 74,3 93,0
1936 4,78 10,06 0,90 -4,39 40,36 2,23 84,9 105,0
1937 5,39 8,41 0,94 -2,08 39,64 -0,53 93,0 110,3
1938 6,49 7,86 1,08 -0,29 43,16 4,86 87,4 106,7
1939 5,41 9,61 1,02 -3,18 43,96 4,17 93,5 115,2
1940 6,78 8,94 1,03 -1,13 42,42 1,74 102,9 125,3
1941 7,26 10,46 0,88 -2,32 38,64 -2,35 129,4 147,5
1942 9,33 21,04 0,78 -10,93 44,76 -8,01 166,0 175,4
1943 12,64 40,00 0,91 -26,46 68,90 -3,50 203,1 205,3
333

1944 21,76 43,23 1,19 -20,29 91,49 0,86 224,6 221,7


1945 22,48 44,08 1,62 -19,98 116,00 0,27 228,2 219,6
1946 19,58 27,14 2,12 -5,43 121,20 -6,10 227,8 194,1
1947 17,83 15,93 2,03 3,93 105,68 -11,86 249,9 192,0
Fontes: IMF, Fred (PIB)
É necessário fazer uma análise mais diferenciada das políticas fiscais, diferenciando entre o
setor do governo na contabilidade nacional, que inclui também o nível de Estados e dos
municípios, e do governo federal (os dados acima se referem ao governo federal), para ver de
onde constam os impulsos mais importantes da política fiscal. A tabela a seguir mostra receitas
e gastos do setor do governo geral e do governo federal em termos nominais.

Tabela 80 Receitas e gastos do setor Governo e do Governo Federal dos Estados Unidos 1929 –
1947

Setor Governo (bilhões US$) Governo Federal (bilhões US$)


Gastos Gastos com Gastos Gastos com
Receitas Receitas
correntes investimento correntes investimento
1929 10,5 8,4 2,9 3,7 2,9 0,2
1930 10,0 8,8 3,3 2,9 3,0 0,3
1931 8,7 10,3 3,1 1,9 4,3 0,4
1932 8,2 9,3 2,3 1,6 3,2 0,5
1933 8,6 9,6 2,0 2,6 3,7 0,7
1934 9,7 11,2 2,7 3,4 5,9 0,9
1935 10,5 11,8 2,9 3,7 5,9 1,2
1936 11,9 13,4 4,2 4,6 8,2 1,3
1937 14,3 12,7 3,9 6,6 6,8 1,3
1938 13,9 14,0 4,3 6,0 7,8 1,3
1939 14,2 15,1 4,6 6,3 8,8 1,2
1940 16,6 16,0 4,4 8,2 9,2 1,6
1941 23,8 21,6 10,8 14,9 14,3 8,5
1942 31,2 41,5 29,0 22,3 33,7 27,4
1943 47,6 63,6 39,9 38,5 55,5 39,0
1944 49,4 77,8 38,1 40,1 69,5 37,4
1945 51,4 82,3 25,3 41,5 73,6 24,5
1946 50,4 57,8 4,7 39,5 47,6 3,1
1947 55,4 52,9 5,7 42,8 40,4 2,8
Fonte: Bureau of Economic Analysis (BEA)
A tabela mostra os efeitos adversos da crise sobre as finanças públicas, as receitas diminuem e
os gastos aumentam, especialmente com transferências sociais, embora para o setor Governo
(geral) os gastos com investimento diminuem, enquanto para o governo federal os gastos com
investimento mostram uma tendência anticíclica até 1933 (os gastos expandindo enquanto a
economia está encolhendo). Somente em 1935 as receitas voltam ao nível de 1929, enquanto
os gastos do governo federal mostram uma expansão mais expressiva, com uma estagnação
em 1935 antes das eleições de 1936. Em 1935 Roosevelt fez uma proposta para aumentar
334

expressivamente os impostos para os ricos e as corporações, que juntamente com alguns de


suas medidas do ‘New Deal’ levou a comunidade empresarial a chamar Roosevelt o traidor de
sua classe (Brands, 2008). Em 1936 a taxa marginal do imposto de renda para a maior faixa da
renda aumentou para 79% [de 63% em 1932 e 25% em 1925].

Nos Estados Unidos a recuperação de Roosevelt foi definitivamente ajudada pelas medidas do
‘New Deal’, embora sobre a importância destas medidas para a recuperação existe uma
controversa entre os economistas. Os programas específicos do ‘New Deal’ são descritos sob o
capitulo posterior de transformações. Mas em relação à relativa inatividade do governo e da
Federal Reserve antes de 1933, houve pelo menos programas e tentativas de combater a
depressão e uma política monetária mais expansionista, da saída do padrão câmbio ouro e da
desvalorização do dólar, da recuperação da agricultura e da indústria através da intervenção
do governo, dos programas do combate ao desemprego através de programas de empregos
públicos e do fortalecimento dos sindicatos e dos trabalhadores. Esta maior intervenção do
Estado na economia encontrou forte resistência na classe empresarial e algumas medidas
foram abandonadas. Em 1937/1938 uma revisão das políticas monetárias e fiscais para
garantir um orçamento equilibrado levou a uma nova recessão forte e somente com a entrada
dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em 1941 o desemprego voltou a níveis como
antes da Grande Depressão. Neste sentido Kennedy [1999, p.362 p] resume: “No nono ano da
Grande Depressão e no sexto ano do New Deal de Roosevelt, com mais de milhão de
trabalhadores continuando desempregados, os Estados Unidos ainda não tinham encontrado
uma fórmula para a recuperação económica.”. Ele [p. 361] avalia o ‘New Deal’ da seguinte
forma: “O presidente pode ter plantado as sementes da “revolução keynesiana” em políticas
fiscais americanas, mas seria algum tempo depois que eles iriam totalmente florescer. Nesse
meio tempo, Roosevelt parecia ter forjado o pior de todos os mundos: os gastos do governo
insuficientes para a recuperação, mas o governo fazendo suficiente barulho de espada para
manter o capital privado intimidado. ”

Economistas como Blanchard e Stiglitz e Walsh resumem o processo da recuperação nos


Estados Unidos da seguinte forma:

[BLANCHARD, p. 477 pp.] A recuperação teve início em 1933. Exceto por outra queda abrupta
em 1937 (...), o crescimento foi consistentemente elevado, com uma taxa média anual de 7,7
por cento de 1933 a 1941. (...) Um dos fatores que contribuíram para a recuperação está claro.
Após a eleição de Franklin Roosevelt, em 1932, houve uma mudança na política monetária e
um aumento dramático da moeda nominal. (...). O papel de outros fatores, dos déficits
orçamentários ao Novo Contrato [New Deal] – o conjunto de programas implementados pelo
governo Roosevelt para tirar a economia dos Estados Unidos da Grande Depressão -, é menos
claro.
335

[STIGLITZ/WALSH p. 4] “Não apenas a macroeconomia, mas muitas das políticas e programas


de governo que consideramos comuns hoje surgiram da experiência dos anos 1930. Talvez o
mais importante seja a aceitação geral da ideia de que os governos são responsável pela não
repetição de períodos como a Grande Depressão. Nos Estados Unidos a Lei do Emprego de
1946 determina que o governo federal crie “condições sob as quais sejam asseguradas
oportunidades úteis de emprego (...) para aqueles aptos, dispostos e que buscam trabalho, e a
promoção máxima de emprego, de produção e de poder de compra.”
Outro legado da Grande Depressão é o programa de Seguridade Social que proporcionou renda
a milhões de idosos. (..). O terceiro legado é o sistema de seguro federal de depósitos
bancários.
Os diferentes programas e intervenções do governo norte-americano de Roosevelt entre 1933
e 1938 na economia e sociedade dos Estados Unidos são resumidos como ‘New Deal’ (Novo
Contrato) com o objetivo de combater a Grande Depressão, focando nos objetivos de
assistência para os desempregados e pobres (‘relief’), a recuperação da produção, do emprego
e do nível dos preços (‘recovery’), e da reforma do sistema financeiro (‘reform’).

Os programas de ‘New Deal’ concentram se num lado na criação direta de empregos pelo
setor público (o Estado como empregador de última instancia) em programas como o ‘Civilian
Conservation Corps’ (para empregar jovens desempregados em trabalhos de preservação
ambiental e reflorestamento) e a ‘Work Progress Administration’ (empregando
desempregados em projetos de construção, mas também em projetos culturais) e na ‘Civil
Works Administration’, noutro lado no fortalecimento dos sindicatos trabalhistas pela
‘National Labor Relations Act (NLRA)/Wagner Act’ em 1935. A introdução de um programa de
previdência social para os idosos e de um seguro desemprego mostram os primeiros passos do
Estado norte-americano para um Estado de bem-estar social, embora os efeitos reais do
programa de previdência social somente aconteciam anos depois.

Outra corrente dos programas focalizou no aumento dos preços na agricultura e na indústria
através da diminuição da produção na agricultura (‘Agricultural Adjustment Act’ (AAA) de
1933) e da cartelização e regulamentação da competição na indústria (‘National Industrial
Recovery Act (NIRA) ’ de 1933, revogada em 1935 pela suprema corte dos Estados Unidos).

Importantes regulamentações no setor financeiro foram a ‘Glass-Steagall Banking act’ de 1933


(dividindo bancos comerciais e bancos de investimento, revogada em 1999), a criação da
‘Securities and Exchange Comission’ (SEC) em 1933 (controlando e supervisando as bolsas de
valores e mercados financeiros), a criação de uma instituição para o seguro de depósitos
bancários, ‘Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC)’ em 1933 e da ‘Federal National
Mortgage Association (Fanny Mae)’ para securitizar e segurar hipotecas em 1938, bem como a
criação de órgãos e da ampliação de direitos da ‘Federal Reserve’ de supervisionar o setor
financeiro.
336

A entrada direta do governo na economia aconteceu pela criação da Tennessee Valley


Authority, criando hidroelétricas para criar e distribuir energia elétrica.

O ’New Deal’ norte-americano mostrou transformações importantes do papel do Estado na


economia, introduzindo politicas públicas para fortalecer e beneficiar as camadas fragilizadas
da economia capitalista, uma política seguida em muitos países na Grande Depressão, um fato
a ser analisado depois no capítulo sobre as transformações importantes da época.

A recuperação na Alemanha

A recuperação na Alemanha começou também em 1933 (embora alguns economistas


interpretassem os tímidos sinais de recuperação em 1932 como início do processo de
recuperação) com a nomeação de Hitler como chanceler pelo presidente Hindenburg em fim
de janeiro de 1933, mudando o rumo das políticas de criação de emprego através de medidas
de emprego público, mas também com uma política forçada de rearmamento com o resultado
que em 1937 a economia alemã encontrou-se em uma situação de pleno emprego, mas a
custo de uma ditadura sangrenta, a proibição dos sindicatos e da oposição, a matança de
socialistas e comunistas, a internação da oposição em campos de concentração, uma política
antissemita cada vez mais cruel, e uma política externa cada vez mais agressiva, que abriu o
caminho para a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. A dívida pública crescente como
consequência do rearmamento forçado somente pode ser saneada pela pilhagem dos países
vencidos nos primeiros anos da guerra e pela desapropriação dos judeus. Alguns economistas
chamam o processo da recuperação econômica alemã de keynesianismo militar, embora
outros negassem isto com o argumento que a recuperação do pleno emprego não aumentou o
consumo e o padrão da vida dos trabalhadores, pela proibição dos sindicatos e das greves e
pela introdução de um congelamento de salários já em 1933. A repressão sangrenta da
oposição ao regime, a nova segurança do emprego, os sofrimentos passados da Grande
Depressão, a humilhação sentida pelo Tratado de Versalhes e sua reversão pelo regime, todos
estes fatos podem ser uma explicação porque a maioria da população alemã apoiava o regime
nacional-socialista, pelo menos até o início da guerra em setembro de 1939. É também
importante anotar que houve tentativas heroicas de resistência – em primeiro lugar dos
comunistas, embora estas tentativas nunca conseguíssem seriamente desestabilizar a
ditadura. Houve também uma tentativa fracassada de atentado de militares conservadores em
20 de julho de 1944, mas, infelizmente, os soldados alemães lutavam até o fim em oito de
maio de 1945 sem motins ou revoltas.
337

A tabela a seguir mostra índices para o PIB real e seus componentes, bem como para o número
de desempregados e a taxa de desemprego. É importante anotar que a queda do PIB pelos
dados recentes e nacionais é muito maior (queda de 27,2 % pelo PIB real) do que as
estimativas de Maddison, usados para comparações internacionais acima, que mostram uma
queda de somente 17% para o PIB per capita, mostrando a fragilidade dos dados estatísticos
para períodos mais antigos.

Tabela 81 Recuperação em Alemanha, Índices (real 1928 = 100)

Índice número
Consumo Investimento Índice taxa de
PIB real de
privado bruto desemprego
desempregados
1928 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1929 98,1 97,5 93,3 136,5 156,0
1930 91,3 96,9 75,6 221,1 182,1
1931 79,3 92,5 51,2 324,9 277,4
1932 72,8 89,9 38,4 400,8 358,3
1933 78,6 86,5 48,1 345,4 313,1
1934 87,1 87,9 76,3 195,4 177,4
1935 97,9 93,3 107,6 154,6 138,1
1936 109,3 100,3 127,4 114,5 98,8
1937 121,5 104,4 146,1 65,6 54,8
1938 133,0 104,9 171,4 30,8 25,0
Fonte: Histat (parcialmente de dados de Ritschl 2002), cálculos próprios

A tabela mostra que para todos os índices a recuperação começou em 1933, com exceção para
o consumo (onde a recuperação começou em 1934) e em 1936 o nível de 1929 já foi alcançado
ou superado, com exceção do número de desempregados, onde o nível de 1929 foi somente
expressivamente superado em 1937. É importante anotar que o consumo fica relativamente
atrás na recuperação, consequência do controle de salários e da repressão politica desde 1933,
bem como do foco da política nacional-socialista no rearmamento e na preparação para a
guerra.

O gráfico a seguir mostra índices (1929 =100) para a política monetária expansionista depois
de 1933 incluindo uma fonte indireta da criação de moeda (na tabela em milhões de Marcos,
em 1933 representando 9,4% da base monetária chegando a 122,6% da base monetária em
1938), as letras de câmbio MEFO e os cupões de impostos, especialmente usados para
financiar o rearmamento.
338

Gráfico 46 Índices (1929=100) para a base monetária, M1, depósitos e – em milhões de marcos
– MEFO letras de câmbio e cupões de impostos, Alemanha 1929 – 1933

Fonte: Histat (Parcialmente Ritschl (2002) disponível também em HISTAT)

Na próxima tabela encontram-se os índices para a expansão fiscal na Alemanha depois de


1933 mostrando a expansão expressiva dos gastos totais do governo, o aumento da
participação dos gastos militares nos gastos totais e o aumento da dívida pública, que não
inclui o financiamento monetário através das letras de câmbio MEFO e dos cupões de
impostos.

Tabela 82 Índices (1929=100) PIB nominal, gastos do governo, participação de gastos militares,
índice dívida pública Alemanha 1928 = 1938

Gastos do Gastos
governo defesa/guerra
PIB nominal Dívida pública
(transferências em % dos gastos
incluídas) totais
1928 100,0 100,0 26,2 100,0
1929 100,0 100,7 23,3 124,4
1930 92,6 97,7 23,1 146,0
1931 75,8 81,0 18,6 164,5
1932 62,8 69,7 17,2 165,6
1933 64,5 80,8 16,5 166,8
1934 72,0 99,6 29,7 168,0
1935 80,5 105,9 36,4 171,7
1936 89,5 128,9 46,0 182,9
1937 100,2 140,7 45,7 190,5
339

1938 111,6 189,5 55,8 207,7


Fonte: Histat (Weitzel 1967, Leineweber 1988)

A recuperação no Brasil

Abreu [1998] resume o processo de recuperação no Brasil, mais cedo e mais rápido do que na
maioria dos países centrais, mas também no lado externo acompanhado por problemas do
balanço de pagamentos, da desvalorização da taxa de câmbio, dos defaults sobre a dívida
externa e de controles de capitais, de forma geral caracterizada – como na maioria de outros
países por uma intervenção mais forte do Estado na economia.

“De 1933 até 1936 houve uma expansão econômica forte no Brasil. (...) O crescimento do PIB
entre 1933 e 1936 foi de 8% ao ano. A produção industrial aumentou em 13,4% ao ano e a
produção agrícola em 4,2%, apesar de uma colheita muito má em 1935. Esse desempenho
industrial marcante foi em parte devido ao extremamente bom desempenho da indústria têxtil,
cuja produção cresceu 16,8% ao ano neste período. A produção têxtil é estimada como
correspondente a 20-25% do valor adicionado da industrial total. A produção da indústria
química, que foi menos do que um quinto da indústria têxtil no começo da década de 1930,
aumentou ainda mais espetacularmente com 23,8% anualmente. (...), mas a partir de início de
1937 havia indícios de que a economia estava superaquecida e a expansão de mais de 40% do
valor das importações no ano não foi acompanhado pelo aumento de 9% nas exportações. (..).
No tempo de autogolpe de Vargas em novembro de 1937 houve uma clara deterioração da
situação económica que tinha sido tão favorável desde que ele se tornou presidente
constitucional do Brasil em 1934. Para o superaquecimento da economia doméstica foi
adicionado à queda no nível de atividade em Estados Unidos [em 1937/1938], que gravemente
afetou as exportações brasileiras. Dificuldades da balança de pagamentos tornavam-se mais
uma vez importantes. ” [Abreu 1998, p. 12 pp.]
Abreu [1998, p. 18] chama este período de 1937 e adiante como “desaceleração, recessão e
expansão na guerra”. As tabelas a seguir mostram os índices das contas nacionais e das
exportações e importações e da dívida pública para o período da crise e da recuperação.

Tabela 83 Brasil índices (1929=100) contas nacionais 1929-1939

Transportes e Setor
PIB real Agricultura Indústria Comércio
Comunicações Governamental
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 97,9 101,2 93,3 85,7 91,4 114,2
1931 94,7 94,8 94,4 89,9 86,8 113,6
1932 98,7 100,5 95,7 82,2 88,0 133,1
1933 107,5 112,6 106,9 89,1 101,3 119,3
1934 117,4 119,6 118,8 92,7 110,7 139,8
1935 120,9 116,6 133,0 105,8 117,2 133,2
1936 135,6 127,7 155,9 116,4 132,5 145,8
1937 141,8 127,8 164,2 126,6 140,1 161,2
1938 148,2 133,2 170,4 138,4 142,9 173,9
1939 151,9 130,0 186,2 149,3 148,6 169,5
Fonte: IBGE Século XX, cálculos próprios
340

Tabela 84 Brasil índices (1929=100) PIB real, Investimento, Exportações e Importações, Dívida
externa, Exportações Café, Produção Industrial 1929-1939

Exportações Importação Dívida Valor


Investimento Produção
PIB real Valor em Valor em Externa exportações
bruto Industrial
US$ US$ (US$) de café
1929 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 97,9 66,4 69,4 61,3 105,6 61,2 96,3
1931 94,7 35,7 53,0 31,7 100,7 50,7 97,7
1932 98,8 39,3 39,0 25,2 76,8 39,0 97,1
1933 107,6 49,1 47,1 40,3 91,7 38,9 101,3
1934 117,5 63,5 63,6 50,3 110,2 32,0 111,7
1935 120,9 72,2 58,5 53,4 103,5 25,8 123,3
1936 135,5 79,4 69,6 53,4 102,5 26,4 140,3
1937 141,7 94,3 75,3 75,9 97,9 26,6 144,8
1938 148,1 102,7 63,9 67,0 96,9 24,1 150,2
1939 151,7 102,1 65,1 59,3 88,3 22,1 162,5
Fonte: IBGE Século XX, cálculos próprios

Para a maioria dos índices a recuperação já começou em 1932, para a produção industrial já
em 1931, para as exportações e importações em 1933, o valor das exportações de café mostra
uma tendência declinante para todo o período.

Índices monetários para crise e recuperação encontram-se na próxima tabela. A expansão


monetária já começou em 1931 e em 1932 o nível de preços começava a tendência
ascendente (com uma queda menor em 1933).

Tabela 85 Índices monetários Brasil 1929 – 1938

Índice Custo de
M1 Deflator do PIB Empréstimos
vida – RJ
1929 100,0 100,0 100,0 100,0
1930 85,3 87,6 91,0 98,1
1931 99,0 78,1 87,6 97,0
1932 116,2 79,3 88,0 110,2
1933 114,9 77,7 87,3 113,2
1934 129,7 82,6 94,0 121,9
1935 136,5 86,6 99,3 127,6
1936 151,9 88,0 113,9 127,0
1937 168,8 96,2 119,1 141,5
1938 205,0 99,3 127,7 163,6
Fontes: IBGE Século XX, IPEADATA, cálculos próprios

Dados fiscais para o período da crise e da recuperação encontram-se na próxima tabela.

Tabela 86 Dados fiscais em % do PIB Brasil 1929 – 1945


341

Gastos totais
Carga Superávit/341eut Dívida interna
Consumo do Investimento primários do
tributário no sch primário no governo
governo (em do governo governo
nível federal nível federal (em federal (em %
% do PIB) (em % do PIB) federal (em %
(em % do PIB) % do PIB) do PIB)
do PIB)
1929 4,42 0,35 5,25 6,07 0,82 9,00
1930 7,18 0,44 8,22 5,34 -2,88 12,10
1931 5,04 0,29 6,00 6,55 0,55 9,80
1932 9,33 0,65 10,68 6,02 -4,66 9,30
1933 2,76 0,98 4,58 7,04 2,46 8,80
1934 7,13 0,25 8,20 7,04 -1,15 10,10
1935 6,13 0,28 7,22 7,53 0,31 10,30
1936 6,10 0,52 7,44 6,79 -0,65 9,60
1937 7,86 0,10 8,67 7,02 -1,65 8,80
1938 7,43 0,43 8,76 7,27 -1,48 9,30
1939 6,16 1,87 8,86 8,25 -0,61 10,80
1940 6,65 1,90 9,41 8,31 -1,09 12,50
1941 5,64 1,82 8,42 8,26 -0,17 10,40
1942 5,48 2,24 9,04 7,90 -1,15 8,20
1943 4,12 1,79 7,17 7,79 0,62 7,20
1944 4,26 1,35 6,98 7,99 1,01 5,70
1945 5,22 1,23 7,83 8,45 0,62 7,00
Fonte: IBGE Século XX, IPEADATA, cálculos próprios

A tabela mostra que o governo federal entrou na década de 1930 várias vezes num déficit
primário, tentando em 1931 e 1933 conter as despesas [em 1932 houve uma expansão
expressiva das despesas, provavelmente por causa da revolução paulista] para chegar a um
superávit temporário. Os dados não mostram uma tendência expressiva de políticas
keynesianas de ‘deficit spending’ do governo federal, embora a política do governo adotada
em relação ao café nos anos 1930 e depois pode ser interpretada como uma política nos
moldes keynesianos. Pelaez [1968, p. 17 p.] descreve esta política citando Furtado:

A explicação da queda da atividade econômica brasileira segue, pois, um modelo Keynesiano


simples de transmissão de crises no âmbito internacional. (...). Tendo que enfrentar o acúmulo
de estoques, o Governo Brasileiro, com receio do eventual impacto, que teriam sobre os preços
do produto, optou por qeima-los. Impossibilitado de levantar empréstimos no exterior, dada a
recessão existente nos mercados financeiros internacionais, o governo financia a incineração
através de uma “expansão do crédito”. Essa política acarreta um grande déficit orçamentário o
que, por sua vez, repõe a economia nacional no nível de pleno emprego através do efeito
multiplicador. Para citar as palavras de Furtado:

“Na realidade o Brasil estava construindo a famosa pirâmide que iria ser mais tarde imaginada
por Keynes... assim é que a política de proteção do café não passou, na realidade, de um
autêntico programa de expansão da renda nacional. O Brasil adotava na prática uma política
anticídica de envergadura muito mais ampla que a da que, nos países industrializados, não
chegava sequer a ser sugerida... segue-se, claramente, que a recuperação da economia
brasileira ocorrida de 1933 em diante, não teve por causa nenhum fator externo; provocou-a a
política de escorva de bomba (pump priming politic) adotada inconscientemente pelo Brasil
como subproduto da proteção do café”.
342

A tabela a seguir de Pelaez [1968, p. 25, existe certa incoerência entre a quantidade destruída
de café (em 1000 sacos) e da oferta mundial (possivelmente em milhões de sacos)] mostra a
política de destruição de café no Brasil na década de 1930 e seus efeitos sobre a oferta
mundial de café.

Tabela 87 Café destruído no Brasil e a oferta Mundial (1.000 sacos)

Oferta aparente mundial ao fim do


Café destruído até o fim de ano
ano
1931 2.825 6.936
1932 12.155 6.239
1933 25.842 7.590
1934 34.108 6.648
1935 35.801 7.835
1936 39.532 7.919
1937 56.728 7.054
1938 64.732 7.850
1939 68.252 8.079
1940 71.069 n.d.
Fonte: Pelaez [1968] p. 25
É importante anotar que em retrospectiva é sempre mais fácil criticar decisões políticas
problemáticas se baseando em teorias e ideologias ultrapassadas, mas, obviamente no Brasil
houve tentativas de políticas de recuperação mais rápidas do que em muitos países centrais.
Embora o gatilho para o contágio da crise foi a crise nos países centrais se espalhando pelo
mundo através dos canais reais e monetários e das tendências deflacionistas do padrão ouro,
houve também nas políticas brasileiras de café nas primeiras décadas do século XX causas que
ajudavam no estouro da crise brasileira: A sustentação dos preços de café através das políticas
de retirar parcialmente a oferta de café pela criação de estoques financiados por créditos, o
que incentivou ainda mais a produção nacional e internacional. Obviamente os governos
seguiam com esta política uma política de comprar tempo e satisfazer os desejos do setor
cafeeiro. Obviamente também uma política de sustentação de preços precisava chegar a um
fim em certo ponto de tempo, como também a política agrária da União Europeia precisava
reconhecer posteriormente. No Brasil a Grande Depressão acelerou o fim da política e levou a
queima de estoques de café.

É importante também anotar que a queima de estoques café, bem como a destruição de
produtos da agropecuária nos Estados Unidos nos tempos de Roosevelt, deixam um sabor
amargo para os defensores do capitalismo em um ambiente de uma população parcialmente
fomenta e desesperada.

vii. Transformações políticas, econômicas e ideológicas


343

Ao longo dos anos 1920 e 1930, à medida que as instituições econômicas dos Estados
capitalistas liberais se tornaram instáveis durante a Grande Depressão, a maioria desses
Estados rejeitou as ideias do liberalismo clássico como a pedra angular da gestão econômica.
Em resposta a essa desestabilização e incerteza, uma variedade de ideias econômicas
reflacionárias e redistributivas, que vão do Keynesianismo ao fascismo, foram desenvolvidas e
implantadas por diferentes Estados. Essas ideias econômicas, em suas formas keynesianas e ao
invés das formas fascistas, serviram como base ideológica da ordem “liberal incorporada
(‘embedded’)” do pós-guerra, prevista por Polany e outros. (...). Em particular, o desemprego
maciço e prolongado foi visto como um resultado inevitável do processo capitalista. À luz
dessas novas ideias, o Estado teve o dever de socializar as condições de investimento para
minimizar a inerente instabilidade do ciclo econômico e seu desemprego associado.
Blyth, Mark, Great Transformations p. 4 p.
Dificuldades económicas não é uma causa suficiente [para explicar a subida do fascismo]. Todos
os países sofreram economicamente, mas a maioria não se voltou para o fascismo. A Grande
Depressão mordeu mais profunda nos Estados Unidos e Canadá, e eles ficaram democráticos.
Estes dois foram seguidos no sofrimento pela despótica Áustria e Polônia, mas depois veio
Tchecoslováquia democrática e Irlanda antes de se chegar à Alemanha (e Austrália). No geral,
não houve relação entre a profundidade da depressão e resultados despóticos. A depressão
causou o colapso de qualquer governo que estava no poder, seja de direita ou à esquerda. (...).
Então, por que algumas classes superiores levantavam a arma despótica ou fascista quando
nem propriedade nem lucros foram muito ameaçados? Eles haviam se assustado no período
insurrecional depois de 1917. Por que não explorar a fraqueza atual da esquerda para acaba-lo
completamente? É difícil hoje em dia, quando o capitalismo tem sido aparentemente
triunfante, para apreciar que neste período problemático muitos temiam que capitalismo
estivesse falhando. (...) O medo pode racionalmente surgir a partir de uma ameaça que é baixa
em probabilidade, mas alta em danos se ela se concretizasse. “É melhor prevenir do que
remediar”, as classes superiores pensavam. (...). No entanto, a maioria dos ricos de virar a arma
[do fascismo] não eram capitalistas industriais, mas os proprietários agrários, o corpo de
oficiais, e as hierarquias da igreja – o antigo regime. Michael Mann, The sources of
social power, Volume III

A primeira citação de Blyth [2002] mostra que a Grande depressão levou a um processo
demorado de transformações politicas e econômicas em direção para instituições de um
Estado mais intervencionista e um Estado de bem-estar social. Os grupos mais atingidos pela
crise, neste caso a classe trabalhadora e os agricultores, tentam usar o Estado para se proteger
e neste processo politico levam a transformações profundas das instituições politicas e
econômicas. A segunda citação de Mann [2012 (2)] mostra como as classes dominantes podem
reagir a este perigo de que a classe trabalhadora e seus aliados podem demandar
transformações profundas nas instituições em uma crise profunda, e podem apoiar a
alternativa fascista. No caso da ascensão do fascismo de Mussolini na Itália em 1922 foram a
crise revolucionária (o biannio vermelho 1919-1920) pós-guerra e as fraquezas politicas do
liberalismo italiano de resolver a crise que levavam as fascistas ao poder, junto com o
sentimento nacional de ser traída na conferencia de paz em Versalhes. No caso da ascensão
dos nazistas de Hitler em janeiro de 1933 foi a Grande Depressão e a crise politica depois da
queda do governo Müller (SPD) em 1930 seguida por governos sem base parlamentar que não
conseguiam resolver os problemas econômicos e políticos que levava o maior partido [nas
344

eleições de 1932] – os nazistas – ao poder assistidos por outros partidos de direita e do centro
e grande parte das elites empresariais e militares. Crises profundas como a Grande Depressão
levam não somente a perdas de produção e dos investimentos, a problemas sociais como
desemprego elevado e prolongado e a pobreza, a falências e problemas financeiros, mas
também a discussões e lutas mais violentas sobre os fundamentos políticos, econômicos,
sociais e ideológicos das sociedades em crise.

Seguindo Mann [2013 (2), p. 1 p,] sociedades humanas são construídas em vez de quatro redes
de poder que se sobrepõem: as fontes de poder social são ideológicas, econômicas, militares e
politicas. Mann considera este modelo satisfatório para explicar a história das sociedades
humanas pelas constelações especificas das fontes de poder na história humana. O poder no
sentido de Mann [2013 (2), p. 1] é a capacidade de conseguir que outros fazem coisas que eles
não fariam de outra forma. Obviamente parte das sociedades são também as organizações
econômicas, politicas e sociais, onde os homens entram em relações de poder na forma de
cooperação, concorrência e conflito. As relações de poder podem se cristalizar, estabilizar e
legitimar em instituições, regras formais (leis, etc.) e informais (regras de conduta, valores,
ética etc.) do comportamento humano, vistas como dominação legitima e institucionalizada.

Em todas estas esferas uma crise profunda, como a Grande Depressão, pode levar a conflitos e
lutas que podem introduzir transformações profundas no âmbito econômico, político,
ideológico e militar. Na Grande Depressão houve transformações profundas em muitos países.
Obviamente uma crise tão profunda leva ao ceticismo sobre a viabilidade do sistema
econômico, político e social. Também levanta dúvidas sobre as ideologias econômicas e
políticas que fundamentavam o sistema do capitalismo global (o liberalismo econômico, a
teoria econômica clássica e o sistema monetário internacional do padrão ouro) e o sistema
político (liberalismo político, democracia e parlamentarismo). Na parte a seguir se tenta
resumir as transformações profundas no ambiente político, econômico, ideológico e militar na
década de 1930 com foco nos Estados Unidos, na Alemanha e no Brasil. Obviamente esta
tentativa pode ser feita somente de forma superficial e cautelosa com vista a amplitude do
assunto.

É também importante anotar que as transformações podem ser os reflexos de ações e


estratégias de camadas, organizações e partidos populares, ou de ações e estratégias de elites,
e de suas organizações e partidos. Embora este seja uma perspectiva importante de analisar a
Grande Depressão e outras crises profundas, este trabalho somente toca de forma restrita nas
transformações políticas.
345

Knight [2014, p. 276 p.] em seu resumo sobre a Grande Depressão na América Latina pergunta
cautelosamente em que sentido um fenômeno econômico como a Grande Depressão pode
causar impactos políticos, sociais e culturais:

(...) até que ponto os fenômenos políticos da década de 1930 – incluindo instabilidade política,
fortalecimento do Estado, dirigismo econômico, autoritarismo, corporativismo, frentes
populares, nacionalismo, etc. – [são] produtos da Depressão? (...)
O segundo problema familiar que emerge imediatamente é o velho de ‘post hoc ergo propter
hoc’ (“depois disso, portanto, por causa disso”) – ou seja, o risco de atribuir impactos para a
depressão que de fato são de uma causalidade completamente diferente.
Pode se acrescentar o problema de confundir impactos da depressão com fatores
contingentes. Um bom exemplo para isto pode ser a tentativa de apontar uma causalidade
entre a Depressão no Brasil e o golpe militar em outubro de 1930 e a posse da presidência de
Vargas em novembro deste ano como causa mais importante para a mudança política no
Brasil, embora o fato contingente do assassinato de João Pessoa por motivos não diretamente
ligados a política, candidato a vice-presidência do Brasil na chapa perdedora de Vargas, teve
também um papel importante na decisão de golpe. Na história do Brasil a Grande Depressão é
vista como uma causa entre outros da ascensão de Vargas, e não a mais importante.

Transformações politicas

O fascismo, como o socialismo, estava enraizado em uma sociedade de mercado que se


recusava a funcionar. Consequentemente, era mundial, universal em âmbito, geral na
aplicação; suas questões transcendem a esfera econômica e geram uma transformação geral de
um tipo distintamente social. Radiava em quase todos os campos da atividade humana, seja
política ou econômica, cultural, filosófica, artística ou religiosa. E, até certo ponto, ele se uniu às
tendências locais e tópicas. Nenhuma compreensão da história do período é possível ao menos
que distingamos entre o movimento fascista subjacente e as tendências efémeras com as quais
esse movimento se funde em diferentes países. Karl Polanyi, The Great Transformation
p.248
As transformações políticas podem incluir quedas de governos, deslegitimação das instituições
e ideologias dominantes na área econômica e política e, às vezes, a mudança de um sistema
político do parlamentarismo e da democracia para um sistema do governo autoritário ou de
uma ditadura. Numa crise profunda do capitalismo global – como a Grande Depressão –
normalmente espera se um crescimento do sentimento anticapitalista na população e uma
mudança para a esquerda política. Isto não foi o que aconteceu como regra geral na Grande
Depressão em muitos países do mundo com exceção nos países com uma tradição
democrática firme como nos Estados Unidos onde o ‘New Deal’ de Roosevelt desde 1933 levou
a uma maior intervenção do governo na economia, um fortalecimento dos sindicatos
trabalhistas e a extensão do Estado de bem-estar social (seguridade social, seguro
desemprego, etc.), na França em 1936 com o governo de Blum numa Frente Popular que levou
a importantes conquistas legais e materiais para a classe trabalhadora, e na Espanha em 1931
346

com a queda da ditadura de Primo de Rivera e 1936 com a vitória da Frente Popular, mas no
mesmo ano enfrentando o golpe militar que em 1939 finalmente levou a ditadura de Franco
na Espanha. Em contrário, em muitos países na Europa (com exceção dos países aonde uma
democracia liberal já foi estabelecida firmemente por muitos anos, como nos países nórdicos,
no Reino Unido, e nos países Benelux e França e também na Checoslováquia, um país criado
somente depois do fim da primeira Guerra Mundial) e na América Latina estabilizam se
governos mais autoritários da direita e no Japão onde houve a ascensão de governos
militaristas.

O caso mais discutido nas transformações políticas como consequência da Grande Depressão é
obviamente a Alemanha com a ascensão de Hitler ao poder em janeiro de 1933. Desde a
proclamação da República em nove de novembro de 1918 pelo socialdemocrata Scheidemann
a república de Weimar nunca foi uma democracia estável: o pacto da socialdemocracia com as
elites militares e paramilitares nas agitações revolucionárias de 1918 e 1919, as tentativas de
revoluções, revoltas, golpes e contragolpes, a matança de políticos da esquerda e das
democratas liberais, a hostilidade entre socialdemocratas e comunistas, a hostilidade de
grande parte das elites e da burocracia estatal com a democracia de Weimar somente acabou
em um período mais estável depois de hiperinflação de 1923. Mas já em março de 1930 no
inicio da Grande Depressão com a queda do governo Müller (SPD) sobre a questão das
contribuições para o seguro de desemprego começava a descida para uma democracia
autoritária nos governos Brüning (até maio de 1932), von Papen (até dezembro de 1932), von
Schleicher (até 28 de janeiro de 1933), que cada vez mais precisavam de decretos de
emergência sem parlamento para governar. Wehler [2008, Band 4, p. 359 %] mostra a
ascensão de partidos autoritários de direita (NSDAP, DNVP e DVP) no parlamento nas eleições
de 1919 até 1933 e dos partidos democráticos (SPD, DDP, Zentrum e BVP), dos partidos da
extrema esquerda (USPD até 1928 e KPD desde 1920) e outros partidos pequenos.

Tabela 88 Orientações básicas políticos no esquema partidário alemão 1919/1933

1919 1920 1924/1 1924/2 1928 1930 1932/1 1932/2 1933


Partidos autoritários (de direita) 15 30 36 35 26 30 45 42 55
Partidos democráticos 76 47 46 50 49 43 38 36 33
Partidos da extrema esquerda 7 20 13 9 11 13 14 17 12
Outros partidos pequenos 2 3 5 6 14 14 3 5 -
Fonte: Wehler 2008 p. 359
NSDAP 6,5* 6,6* 2,6 18,3 37,4 33,1 43,9
Fonte: Wehler (2008) e http://www.wahlen-in-deutschland.de/wrtw.htm
* associações eleitorais, que foram reunidas na DVFP-NSDAP
347

É importante anotar que as eleições de 1933 não foram mais livres, com muitos políticos da
esquerda assassinados, nos campos de concentração, na clandestinidade ou no exilio.

Outra tabela de Wehler [2008, Band 4, p. 519] mostra o processo rastejante com que a
democracia alemã tornou se cada vez mais autoritária na Grande Depressão.

Tabela 89 : Decretos emergenciais e atividades do parlamento (‘Reichstag’) 1930 – 1933

1930 1931 1932


Leis decididas pelo parlamento 98 34 5
Decretos emergenciais 5 44 66
Dias de reunião do parlamento 94 41 13
Fonte: Wehler 2008, p. 519
O caminho de Alemanha para a ditadura de Hitler e seu partido nazista demorou pouco mais
de um ano, embora a plena estabilização política do regime demorasse mais tempo. A
perseguição de inimigos políticos começou diretamente depois da subida ao poder, aumentou
depois do incêndio do parlamento (‘Reichstag’) em 27 de fevereiro de 1933 e da proclamação
da lei de empoderamento (‘Ermächtigungsgesetz’) em março de 1933 e da abertura dos
primeiros campos de concentração no mesmo mês. Em maio de 1933 começou a liquidação e
proibição de partidos e sindicatos e a criação de uma organização única dos trabalhadores e
patrões nos moldes corporativistas (‘Deutsche Arbeitsfront’). Em abril de 1933 começou com
um boicote de lojas de judeus a perseguição de judeus que se tornou cada vez mais intensiva
nos anos seguintes até o holocausto nos anos da guerra. Em junho e julho de 1934 a liderança
de SA (‘Sturmabteilung’, organização paramilitar dos nazistas liderada por Röhm) é asassinada
junto com outros inimigos políticos. Em dezembro de 1933 uma lei declara o partido nazista
como (único) partido de Estado. Depois de morte do presidente Hindenburg em agosto de
1934 Hitler assume também a presidência do país tornando se nos anos seguintes cada vez
mais o ditador indisputado num regime totalitário.

É também importante anotar que o clima geopolítico esfriou cada vez mais com a Grande
Depressão e com a ascensão de governos autoritários, nacionalistas e militaristas em muitas
partes do mundo. A agressão de Japão na Manchúria [parte da China] em 1931 e na China em
1937, a agressão de Itália a Etiópia em 1935, a anexação de Áustria e partes da Checoslováquia
em 1938 pela Alemanha e a anexação do resto de Checoslováquia na primavera de 1939, a
guerra civil na Espanha (1936 – 1939) foram os primeiros sinais que uma grande guerra estava
se aproximando.

Lindvall [2014] fazendo uma análise empírica das consequências politicas da Grande Depressão
da década de 1930 e da Grande Recessão seguindo a crise financeira global de 2008/2009
348

resume que as crises econômicas tevem consequências politicas importantes, baseando se em


duas ideias fundamentais:

A primeira idéia é que na fase inicial de uma crise econômica global profunda, quando a crise é
amplamente entendida como uma ameaça à ordem econômica estabelecida, os interesses da
classe média são mais provavelmente alinhados com os ricos (e, portanto, com partidos
conservadores) do que com os pobres. A segunda idéia é que, uma vez que uma crise
econômica deixa de ser considerada uma ameaça sistêmica, as circunstâncias políticas
favorecem a esquerda, uma vez que dificuldades econômicas generalizadas podem afetar tanto
a classe média quanto os pobres. [Lindvall, 2014, p. 2]
Não deve se esquecer de que em uma crise tão profunda como a Grande Depressão o
desespero e a falha de governos e parlamentos levam a esperança para um homem forte (o
salvador da pátria) que oferece caminhos autoritários para sair da crise. Outros pesquisadores
encontravam forte apoio da hipótese de que “os cidadãos tendiam a recompensar os seus
governos quando suas economias cresceram vigorosamente e punir seus governos quando o
crescimento econômico está desaclerando”. Lindvall [2014, p.2] afirma que as mudanças
politicas como consequência das crises são causadas por alianças diferentes de classes:

A afirmação de que os efeitos políticos das crises econômicas dependem do surgimento de


coalizões entre classes, como a “New Deal Coalition” de Franklin D. Roosevelt nos Estados
Unidos e a coalizão de agricultores, trabalhadores e estratos da classe média baixa que
apoiavam o governo social-democrata sueco na década de 1930 se baseiam na literatura
comparativa sobre as respostas da política interna às crises econômicas internacionais,
especialmente sobre o trabalho de Peter Gourevitch (1986). Em sua ‘Politics in Hard Times’,
Gourevitch explica a variação entre países nas respostas políticas às crises de 1870, 1930 e
1970, da seguinte maneira: primeiro, ele identifica os grupos sociais relevantes e seus
interesses econômicos; Em segundo lugar, identifica as opções políticas relevantes; Em terceiro
lugar, ele mostra quais coalizões (sociais) se formaram por trás dessas opções políticas e por
quê; Quarto, ele investiga o papel secundário que as instituições, organizações e idéias
desempenharam na política de formação da coalizão. Finalmente, a idéia de que a classe média
pode aliar-se com os pobres ou com os ricos (e a idéia de que a probabilidade de escolher uma
ou outra opção depende de circunstâncias econômicas, sociais e políticas de distribuição).
Funke, Schularick e Trebesch [2015] em seu trabalho “Politics in the Slump: Polarization and
Extremism after Financial Crises, 1870-2014” resumam algumas descobertas chave de seu
estudo enfatizando que [p. 1]: “Com a catástrofe da década de 1930 em mente, o medo da
radicalização política na esteira dos desastres econômicos e financeiros aparece no discurso
público. Os recentes acontecimentos na zona de euro apoiam estas preocupações”.

Nossa primeira descoberta chave é que as crises financeiras são seguidas por mudanças
importantes no comportamento dos eleitores que, por sua vez, contribuem para altos níveis de
incerteza política. A polarização política aumenta após as crises financeiras ao longo dos séculos
19 e 20. Além disso, os partidos políticos da extrema-direita parecem ser os maiores
beneficiários políticos de uma crise financeira. Em média, os partidos de extrema direita viram
um aumento em suas ações de voto de cerca de 30% em relação ao seu nível pré-crise nos
cinco anos após uma crise financeira sistêmica. Estes resultados ecoam um estudo recente de
Bromhead, Eichengreen e O’Rourke (2012), que se concentram nas consequências eleitorais
das crises nos anos 1920 e 1930. Mostramos que os ganhos dos partidos de extrema-direita
não se limitaram ao período de entreguerras: nas últimas décadas, partidos de extrema-direita,
349

incluindo partidos populistas da chamada “Nova Direita”, também viram ganhos eleitorais
amplos. Depois das crises financeiras, os eleitores parecem ser sistematicamente atraídos pela
retórica política da extrema-direita, com suas tendências nacionalistas ou xenófobas. Além
disso, identificamos uma importante assimetria na resposta política às crises: em média, a
extrema esquerda não beneficiou igualmente de episódios de instabilidade financeira.
Nossa segunda percepção principal é que governar se torna mais difícil depois de crises
financeiras, independentemente das partes que estejam no poder. Em particular, após a
Segunda Guerra Mundial, as crises são associadas à diminuição das maiorias governamentais,
ao fortalecimento da oposição e fracionalização política. Isto, por sua vez, está associado a uma
maior probabilidade de crises e mudanças no poder executivo.
Em terceiro lugar, documentamos que os protestos de rua aumentam dramaticamente após as
crises financeiras. Os motins, as greves e as manifestações podem ser vistos como uma
restrição à governança. Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 2 p.] (...)
É importante notar que a mudança observada para a direita não é apenas um fenômeno da
“Grande Depressão” da década de 1930 e da “Grande Recessão” do final dos anos 2000. Como
nós ilustramos abaixo, nossos resultados se mantêm – mesmo quando estes dois episódios
signigificantes são excluídos. Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 15. ]
Os ganhos eleitorais dos partidos de extrema direita têm sido particularmente pronunciados
após as crises econômicas globais dos anos 1920 e 1930 e depois de 2008. No período entre
guerras, os casos mais proeminentes são a Itália e a Alemanha. A aliança fascista de Mussolini
beneficiou-se da crise bancária dos primeiros anos da década de 1920 na Itália e da recessão
global após o fim da Primeira Guerra Mundial, com 19,1% dos votos em 1921 e cerca de 65%
em 1925. Na Alemanha, os nazistas obtiveram 18,3% dos votos nas eleições de 1930, mais de
30% nas duas eleições de 1932 e mais de 40% nas eleições de março de 1933, quando a Grande
Depressão teve seu maior impacto na Europa Central. No entanto, durante a década de 1930,
os partidos de extrema direita também aumentaram o sucesso eleitoral na Bélgica (os Rexistas
e a União Nacional Flamenga), na Dinamarca (Partido dos Trabalhadores Nacional Socialista), na
Finlândia (Movimento Popular Patriótico), na Espanha (Falange) e na Suíça (Frente Nacional).
Funke, Schularick e Trebesch [2015, p. 15. ]
É nenessário acrescentar que o medo das elites e da classe média de uma revolução dos
comunistas ou de outros partidos da esquerda houve também influencia importante sobre os
ganhos da extrema direita no período entre as guerras. Focalizando na Grande Depressão da
década de 1930 Bromhead, Eichengreen e O’Rourke, [2012, p. 1] resumem que o sucesso
eleitoral dos partidos da extrema direita foi mais expressivo em países com uma curta história
de democracia, aonde já existiam partidos da extrema direita, e com regimes eleitorais com
poucas barreiras legais para a representação parlamentar. Eles [p. 21 p.] resumem sua
pesquisa apontando que cada explicação para o extremismo político entre as guerras precisa
começar pela Primeira Guerra Mundial lançando sombras sobre as décadas a seguir. Eles
apontam também que os fascistas pareciam oferecer uma ‘terceira via’ entre o caminho
revolucionário do partido comunista e a ortodoxia econômica liberal dos governos, que não
conseguiam oferecer politicas para sair do desastre econômico e social. Em Alemanha o
eleitorado já foi radicalizado pela guerra perdida, pelo Tradado de Versalhes e as reparações,
pela hiperinflação de 1923 e pelos sentimentos antiparlamentares de grande parte das elites.
Também importante é o fator que os partidos de direita pareciam oferecer um caminho de
unificação nacional (´Volksgemeinschaft’) na versão étnica (excluindo e perseguindo bodes
350

expiatórios como judeus e comunistas) e com isto evitando as estratégias divisórias de luta de
classe da esquerda.

Resumindo os efeitos políticos da Grande Depressão pode se citar a descrição histórica de


Lindvall [2014, p. 6 p.]:

Nos primeiros dois anos após o início da Grande Depressão, os únicos países democráticos
onde a esquerda fez ganhos relativos foram a Tchecoslováquia e os Estados Unidos (onde as
mudanças foram bastante pequenas) e a Nova Zelândia (onde o governo de direita permaneceu
no poder apesar de ganhos significativos para o Partido Trabalhista). No mesmo período, os
partidos de centro-esquerda fizeram mal em muitos países. Os liberais no Canadá e os partidos
trabalhistas na Austrália, Noruega e Reino Unido tevem perdas eleitorais significativas,
resultando na formação de novos governos de direita na Austrália e no Canadá, e também no
Reino Unido, onde o ex-líder do Partido Trabalhista Ramsay MacDonald concordou em liderar
um governo nacional baseado na maioria conservadora na Câmara dos Comuns [mas a maioria
do Partido Trabalhista não seguiu Ramsay MacDonald, que foi excluído do Partido Trabalhista].
Na Áustria, os partidos de direita fizeram pequenos ganhos em 1930, na que provou ser a
última eleição livre da Primeira República (que caiu em um golpe fascista sob Dollfuss em
1933/1934), e na Alemanha, o aumento menor no apoio ao [partido] comunista em 1930 foi
marcado por grandes perdas para o principal partido de esquerda, os social-democratas. Em
1932, o centro-esquerda continuou a fazer mal em alguns países: na Estónia e na Grécia, os
governos incumbentes que incluíam partidos de esquerda ou centrista foram derrotados por
partidos de oposição de direita; Na Alemanha, os socialdemocratas continuaram a declinar; e
na Irlanda, o voto trabalhista declinou acentuadamente em duas eleições subsequentes
(embora se deva notar que as perdas do Partido Trabalhista foram associadas a ascensão de
Fianna Fail, de Eamon de Valera, que - enquanto eu o categorizei como um partido de direita
sobre a base de Swank (2006) – foi eleita numa plataforma relativamente progressiva, em
comparação com o partido eminente Cumann na nGaedheal, que estava no poder desde a
criação da Nação Livre Irlandês.
Entre meados de 1932 e 1935, no entanto, os partidos de centro-esquerda fizeram bons
resultados em quase todos os países democráticos, com exceção de países onde os partidos
fascistas fizeram avanços significativos e a democracia se rompeu (Tchecoslováquia, onde o
partido nacional socialista que representava os alemães dos Sudetes ganhou 15% dos votos em
1935, a Alemanha, onde o governo nacional-socialista de Adolf Hitler aboliu a democracia ao
aprovar a Lei de Empoderamento [‘Ermächtigungsgesetz’] em 1933, a Grécia, onde a
monarquia foi restaurada em meados da década de 1930). Em maio de 1932, os partidos
socialistas franceses ganharam uma clara maioria e passaram a formar o chamado governo da
“Frente Popular”75. Em setembro, os social-democratas de Per-Albin Hansson ganharam as
eleições gerais suecas e formaram um governo minoritário que posteriormente solidificou o
seu apoio através da cooperação com o Partido dos Agricultores (a social-democraçia manteve
o poder na Suécia até o final da década de 1970). Em novembro de 1932, Franklin D. Roosevelt
derrotou Herbert Hoover na eleição presidencial e os democratas ganharam a maioria nas duas
casas do Congresso, aumentando ainda mais seu apoio em 1934. Na Bélgica, os social-
democratas e comunistas fizeram ganhos menores eleitorais em 1932 Na Dinamarca, os
democratas sociais em exercício aumentaram um pouco o seu apoio na eleição de 1932,
permanecendo no governo, e passaram a ganhar a eleição de 1935. Na Noruega, os social-
democratas aumentaram grandemente seu apoio em 1933 e passaram a formar um governo
em 1935, através da cooperação com o partido agrário norueguesa. Na Austrália, o Partido do
País e o Partido Unido permaneceram no governo após as eleições de 1934, mas o apoio
eleitoral aumentou tanto para o Partido Trabalhista como para os Comunistas. No Reino Unido,
os conservadores permaneceram na maioria após a eleição de 1935, mas o Partido Trabalhista
recuperou algum apoio, após a derrota séria em 1931. No Canadá, os liberais formaram um
novo governo após a eleição de 1935. Na Nova Zelândia o Partido Trabalhista ganhou a eleição
de 1935 e formou um novo governo.
351

Embora esta narrativa parecesse ser mais positiva do que as avaliações anteriores, é
necessário advertir que na Alemanha a subida de Hitler e seus nacional-socialistas ao poder
em 1933 já deixava sombras sérias sobre o futuro cenário internacional.

Para a América Latina, e especialmente para o Brasil, pode se generalizar que a alternativa de
governos mais autoritários e com maior intervenção do Estado na economia foi realizada em
muitos países nos tempos da Grande Depressão. Fausto [1997, p. 133 e 145] para América
Latina cita a ocorrência de “onze movimentos revolucionários, predominantemente militares,
em apenas dois anos”: Argentina setembro de 1930, Brasil outubro de 1930, Chile junho de
1932, Equador agosto de 1931, outubro de 1931 e agosto de 1932, Peru agosto de 1930 e
fevereiro/março de 1931, Bolívia junho de 1930, Republica Dominicana fevereiro de 1930,
Guatemala dezembro de 1930. Knight [2014, p. 288 p.] alerta que fatos e decisões
contingentes tevem na América Latina no período dos anos trinta impactos importantes para
as narrativas politicas:

Eu sou céptico em como nós podemos discernir, através de América Latin, padrões políticos
comuns que andam na parte traseira da experiência econômica comum da depressão;
observamos uma “variedade desconcertante de caminhos políticos”, mesmo entre países
“semelhantes em renda per capita e seu grau de abertura ao comércio”. [Entre aspas duplas
uma citação de um artigo de Díaz Alejandro]
Na introdução de “The Great Depression in Latin America” Drinot [2014, p. 1] resume as
narrativas políticas nos tempos da Depressão na América Latina de seguinte forma:

Na América Latina, a crise econômica mundial da década de 1930 também provocou, ou


adicionou combustível, para erupções políticas do Rio Grande à Terra do Fogo. Na maioria dos
países, os governos de direita e esquerda caíram e foram substituídos, tipicamente, por
governos de persuasão oposta. No Cone Sul, por exemplo, o governo reformista de Arturo
Alessandri no Chile substituiu o regime militar de Carlos Ibañez. Do outro lado da cordilheira, o
governo reformista de Hypolito Yrigoyen na Argentina foi substituído pela ditadura militar do
general José F. Uriburi. Como na Europa, em alguns casos, essas erupções políticas resultaram
em conflitos militares, como a Guerra de Leticia entre o Peru e a Colômbia (1931-32) e, em
escala muito maior, a Guerra do Chaco (1932-35), em que a Bolívia perdeu grande parte do seu
território para o Paraguai. Como na Europa também, essas erupções políticas provocaram ou
aceleraram transformações econômicas, sociais e culturais, incluindo, e talvez mais importante,
uma transformação do papel do Estado.
Generalizando, mas também apontando para exceções, Knight [2014, p. 292] vê uma ascensão
do caudilhismo autoritário e a velha oligarquia perdeu terreno para regimes personalistas de
homens fortes:

Em um país latino-americano que tinha realmente experimentado uma revolução social [na
década de 1910] - México – a Depressão empurrou o regime decisivamente (mas em grande
parte pacífica) para a esquerda, garantindo a expulsão de Callas e as reformas radicais de
Cardenas de meados dos anos 1930. [Knight, 2014, p. 293]
Para o Brasil Knight [2014, p. 290, citação em aspas de Skidmore, 2000] a revolta de Vargas em
1930 ‘representou uma tomada anticonstitucional do poder, produto de rivalidades de elites
352

interestaduais regionais, aliado à “pressão da crise econômica mundial”’. Fausto [1998, p. 323
pp.] chama a tomada de poder por Vargas “revolução de 1930” e aponta para os problemas da
cafeicultura em consequenca da Grande Depressão como um fator entre outros, mas não
decisivo para o estouro da “revolução de 1930”, para as mudanças politicas seguintes. Fausto
[1998, p. 325 pp.] discursa na citação seguinte sobre as bases politicas e de classe do Estado
Getulista e seus impactos no ambiente político e institucional:

A revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta nova classe social: a
classe média ou a burguesia industrial. A classe média deu lastro a Aliança Liberal, mas era por
demais heterógena e dependente das forças agrárias para que, no plano político, se formulasse
um programa em seu nome. (...). Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo,
tanto de vista social como político. (...)
Um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico não apenas
pela centralização e pelo maior grau de autonomia como também por outros elementos: (...)
1. A atuação econômica, voltada gradativamente para os objetivos de promover a
industrialização, incorporando-os, a seguir, a uma aliança de classes promovida pelo poder
estatal;
2. A atuação social, tendente de dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos;
3. O papel central dado às Forças Armadas – em especial o Exército – como suporte de
criação de uma indústria de base e, sobretudo, como fator de garantia de ordem interna. (...)
(...) o Estado Getulista promoveu o capitalismo nacional, tendo dois suportes: no aparelho do
Estado, nas Forças Armadas; na sociedade uma aliança entre a burguesia industrial e setores da
classe trabalhadora urbana. (...). As transformações apontadas não ocorreram da noite para o
dia, nem corresponderam a um plano do conjunto do governo revolucionário.
O Estado Novo, a fase da ditadura de Vargas, sem parlamento e partidos políticos, foi
declarada em novembro de 1937, embora já desde novembro de 1935 o Brasil viveu sobre o
estado de sítio ou de guerra com exceção de três meses em 1937 [Brazil since 1930, 2014, p.
54.]. Fausto [2006, p. 89 pp.] descreve o Estado novo como modernização autoritária. “O
Estado Novo concentrou a maior soma de poderes até aquele momento da história do Brasil”
[Fausto, 1998, p. 366]. “Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico,
dizendo que representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial,
cujo objetivo comum era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais”.
[Fausto, 1998, p. 367]. O objetivo da industrialização do Brasil, parte do próximo capitulo,
também se apoiou numa política educacional, trabalhista e nacionalista e repressiva.

Transformações econômicas

No início dos anos trinta, a mudança entrou com aspereza. Seus pontos de referência foram o
abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha; os Planos Quinquenais na Rússia; o lançamento
do New Deal; a revolução Nacional-Socialista na Alemanha; O colapso da Liga [das Nações] em
favor de impérios autarquistas. Enquanto no final da Grande Guerra os ideais do século XIX
eram primordiais e sua influência dominava na década seguinte, em 1940 todo o sistema
internacional desaparecera e, além de alguns enclaves, as nações viviam num cenário
internacional inteiramente novo. Karl Polanyi, The Great Tramsformation, p.24
353

Para que a licença de caça capitalista fosse restaurada após a Grande Depressão, com suas
repercussões internacionais e a devastação global, um preço elevado teria que ser pago pela
classe capitalista, incluindo a promessa de pleno e estável emprego politicamente garantida,
redistribuição de renda, riqueza e oportunidades de vida em favor das pessoas comuns,
proteção social no local de trabalho por meio de sindicatos fortes e negociação coletiva livre e
além do local de trabalho por meio de um Estado de bem-estar abrangente – tudo negociado
com uma pistola apontada para a cabeça do capitalismo liberal, forçando-o em um casamento
de espingarda com a social-democracia. Wolfgang Streeck, How will capitalismo
end? Posição 3356
A Grande Depressão levou a uma desintegração da economia internacional e tentativas de
seguir estratégias protecionistas, nacionalistas e de autarquia econômica para sair da crise.
Com a saída dos países da América Latina do padrão (câmbio) ouro já no início da crise, do
Reino Unido em setembro de 1931 seguida de muitos países, a saída dos Estados Unidos em
1933 e finalmente em 1936 da França e dos últimos países europeus do bloco de ouro o
sistema monetário internacional se desintegrou com a consequência de corridas de
desvalorizações para defender a competitividade nacional a custo de outros países, controles
dos movimentos internacionais de capital e medidas protecionistas que levavam a uma queda
ainda mais profunda do comércio internacional. Uma queda dos fluxos internacionais de
capital já começou em 1928/1929, a queda do comércio internacional começou em 1929 e
aprofundou se com a crise e não chegou aos níveis antes da crise até a década de 1950.
Tendências de protecionismo e do comércio bilateral aprofundavam se na crise. James [2001]
em seu livro “The end of globalization” argumenta que crises reais e financeiras profundas
podem reverter o processo de globalização e mostra no exemplo da Grande Depressão como
isto pode acontecer. James também adverte com vista nas crises da década de 1990,
especialmente da crise asiática de 1997/1998, que o processo de globalização pode ser
revertido novamente, sem conhecer ainda a este estágio a crise financeira global de
2008/2009 e seus impactos [na primeira edição do livro]. A eleição de Trump nos Estados
Unidos focalizando uma política mais isolacionista e protecionista dos Estados Unidos, os
desequilíbrios globais persistentes e a fraqueza da economia global depois da crise de
2008/2009, o Brexit decidido em 2017, a possibilidade da quebra zona de euro e da União
Europeia em consequência do crescimento de partidos políticos céticos a União Europeia e a
moeda unificada da zona de euro, o euro, bem como a crescente xenofobia com a imigração
para os Estados Unidos e Europa, mostram que esta previsão de James pode tornar se
novamente uma ameaça real. Para a Grande Depressão James [2001, p. 187] resume os efeitos
econômicos da crise da seguinte forma:

É fácil resumir a sabedoria convencional que emergiu rapidamente em resposta aos problemas
da economia global. Tudo o que se movia através das fronteiras nacionais – capitais, bens, ou
pessoas – realmente não tinha nenhum direito para fazer isso e deveria ser interrompido. Se
não puder ser interrompido, deve ser controlado, de acordo com uma definição de interesse
354

nacional. A cada conferência, os delegados aceitaram que a soberania envolvia a escolha de


quem poderia ser admitido a um determinado país, de acordo com o interesse nacional. O
comércio deveria ser regulado de forma a maximizar o emprego doméstico. Os bancos centrais
começaram a redefinir seu trabalho de gestão monetária de acordo com as prioridades
nacionais.
Embora na parte do trabalho sobre a recuperação da Grande Depressão já foram discutidas as
transformações mais importantes nas instituições e políticas nacionais, aqui pode ser feito um
resumo destas transformações econômicas com foco nos Estados Unidos, na Alemanha e no
Brasil. Generalizando pode se dizer que a deslegitimação das ideologias do liberalismo
econômico, do livre comércio internacional, do padrão ouro, levou em muitos países a um
intervencionismo maior do Estado, ao protecionismo comercial e ao controle de fluxos de
capitais (ou a flutuação da moeda nacional, implicando uma saída do padrão ouro). Todas
estas transformações mostram uma ênfase nacionalista nas relações internacionais e nas
instituições internacionais, focalizando o interesse nacional abandonando a cooperação
internacional, levando a agressões internacionais pela Alemanha, a Itália e o Japão,
ultimamente levando a Segunda Guerra Mundial.

Transformações nos Estados Unidos

As primeiras medidas de Roosevelt como novo presidente dos Estados Unidos foram a
introdução de um feriado bancário no nível nacional (seguida de leis para a regulamentação do
setor financeiro: regulação e controle dos mercados financeiros através do SEC, introdução de
seguro para depósitos bancários (FDIC), divisão do setor dos bancos depositários e dos bancos
de investimento através do Glass-Steagall banking act (1933), etc.) e da saída do padrão ouro
que possibilitou uma política monetária mais expansionista. A maioria dos programas criados
pelo New Deal já foi discutida na parte sobre a recuperação da Grande Depressão, aqui o New
Deal é discutido com uma perspectiva mais geral. Na campanha eleitoral em 1932 Roosevelt
prometeu mudanças radicais através dos “three R’s – relief, recovery and reform” [assistência,
recuperação, e reforma] e declarou “Prometo vocês, prometo a mim mesmo, um novo
contrato para o povo americano” [Mann, 2012 (2), p. 242]. Tooze [2015, p. 505] avalia a
política econômica de Roosevelt como nacionalista com vista em primeiro lugar a saída de
ouro seguindo outros países, especialmente a saída do Reino Unido do padrão ouro em 1931 e
pela primeira vez introduzindo medidas protecionistas ao livre comércio internacional desde
1846: “Mas esta mudança para uma política "construtiva" nos Estados Unidos foi, como em
outros lugares, o afastamento das obrigações internacionais. Não foi depois da Primeira
Guerra Mundial, mas como reação à desilusão dos anos 1920 e da Grande Depressão que o
isolacionismo pleno veio verdadeiramente à frente na política americana”. [Tooze, 2015 p.
505]. É importante lembrar neste contexto que a moratória de Hoover em junho de 1931
355

sobre as reparações e as dívidas da guerra dos aliados foi uma tentativa de aliviar as pressões
financeiras internacionais depois da crise bancária na Europa central, embora enfrentando
fortes críticas de França.

Fishback e Wallis [2012, p. 3] advertem que:

Os estudiosos buscaram em vão um quadro unificador abrangente para o New Deal, porque o
New Deal não era a implementação de um plano econômico ou político. A economia do New
Deal não era uma tentativa keynesiana de estimular a economia. O próprio Keynes examinou a
estrutura fiscal em profundidade e argumentou que os aumentos de gastos não eram exemplos
de um estímulo keynesiano porque os impostos aumentaram quase tão rapidamente quanto os
gastos. Portanto, os déficits estavam longe do tamanho necessário para compensar o declínio
econômico. (...). Outros argumentam que o New Deal foi concebido para aumentar os preços
para estimular a produção e aumentar os salários para ajudar a pagar os preços mais elevados.
O afastamento do padrão-ouro, a Administração Nacional de Recuperação (NIRA), a
Administração de Ajustamento Agrícola [AAA] e as Diretorias Nacionais de Relações
Trabalhistas [National Labor Relations Board] pareciam ter esse foco, mas havia outras áreas do
New Deal contrárias a essas políticas.
Roosevelt e os membros da coalizão do New Deal eram pragmáticos. Roosevelt certamente não
era incomodado pela inconsistência teórica. O foco estava em resolver problemas específicos e
havia muitos problemas para resolver com a economia deprimida.
Nem todas as reformas foram bem-sucedidas e algumas foram revertidas pela justiça, mas as
reformas de New Deal do setor financeiro ficavam até hoje, embora na década de 1990
algumas caiassem na onda liberalizante, bem como os elementos mais importantes de um
Estado de bem-estar social ficavam resistentes às ondas liberalizantes começando com a
presidência de Reagan, e o programa da previdência social está valendo ainda hoje.

Fishback e Wallis [2012, p. 3] advertem que é importante diferenciar entre medidas que foram
verdadeiras novas e medidas que foram uma extensão de programas anteriores, por exemplo,
o Reconstruction Finance Corporation (RFC) criado em 1932 por Hoover para fornecer crédito
aos bancos e ao setor privado em geral, que tornou se sob Roosevelt o banco para financiar os
programas de New Deal e estendeu seu escopo para fornecer crédito ao setor privado.
Fishback e Wallis [2012, p. 4] advertem também que é importante diferenciar entre programas
financiados somente pelo governo nacional, como defesa, e programas financiados pelo
governo nacional em conjunto com governos estaduais e de municípios, como partes dos
programas de bem-estar social.

Importantes e duradoras estavam os programas de previdência social (incluindo o seguro


desemprego) e os programas para o empoderamento dos trabalhadores e seus sindicatos
através do National Labor Relations (Wagner Act) de 1935 e da introdução do salário mínimo
em 1938 [a lei Taft Hartley de 1947 restringiu certas reformas do National Labor Relations
(Wagner Act) de 1935]. De certa forma os programas de criação de emprego através do setor
público podem ser vistos também como programas que favorecem os trabalhadores. O
356

problema destes programas é visto pelos economistas mais conservadores no possível efeito
negativo sobre a confiança do setor empresarial e seus investimentos, mas, obviamente, se a
politica orienta se somente no bem estar da classe empresarial nenhuma mudança para as
camadas populares seja possível.

Os programas de cartelização no setor industrial e do setor da agricultura para estabilizar os


preços e salários são a parte mais controversa do New Deal, parcialmente no setor industrial
derrubada pela justiça, porque incluíam uma estratégia para limitar a competição.

Fishback e Wallis [2012, p. 8] avaliam que: “O que se destaca mais proeminente tanto nos
debates históricos e contemporâneos sobre o New Deal é o crescimento do governo nacional,
algo que os americanos tinham firmemente resistindo por quase um século e meio”. Sem
dúvida também a introdução de programas do Estado de bem-estar social nos Estados Unidos
nos moldes socialdemocratas na Europa também foi um progresso social importante.

Importante é lembrar que a Grande Depressão nos Estados Unidos não levou a criação de
movimentos amplos de oposição ao capitalismo, seja nos moldes socialistas ou fascistas,
embora Huey Long ou Father Coughlin – entre outros – representavam focos onde uma
oposição (com tendências da extrema direita) tentava se organizar. Roosevelt conseguiu pela
reforma do topo para baixo formar uma espécie de capitalismo organizado especificamente
norte americano. Os inimigos mais perigosos do New Deal – especialmente do segundo New
Deal que dava mais poder aos trabalhadores e seus sindicatos – faziam partes das elites, da
elite empresarial e da justiça.

Transformações na Alemanha

As transformações econômicas na Alemanha como consequências da Grande Depressão


começavam somente com o governo de Hitler em janeiro de 1933, que rapidamente tornou-se
uma ditadura sangrenta e acabou na guerra genocida de Hitler e seu partido nazista. A política
econômica de Brüning na Grande Depressão seguia as ideias de liberalismo dentro das regras
do padrão ouro. Suas políticas deflacionistas [com o objetivo de baratear as exportações e
mostrar a inviabilidade das reparações] são vistas pela maioria dos históricos e economistas
como catastróficas em suas consequências sobre desemprego, pobreza e instabilidade social e
política, embora uma minoria de economistas alemães defenda a posição que Brüning teve
pouco espaço político e econômico no ambiente internacional para tentar uma política
alternativa. Propostas para uma política mais expansionista existiam no ambiente acadêmico e
político, embora mesmo políticos socialdemocratas como Hilferding não apoiassem estes
programas de criação de empregos, mostrando a força da ideologia liberal. Os governos cada
357

vez mais autoritários de von Papen e von Schleicher em 1932/1933 tentavam políticas mais
expansionistas para aliviar o desemprego e estimular a atividade econômica, mas em tamanho
pequeno e muito cauteloso. As políticas posteriores dos nazistas utilizavam estas medidas em
tamanho muito maior.

As transformações econômicas do governo de Hitler somente podem ser entendidas sob a


perspectiva de seus objetivos geopolíticos de expansão e guerra, que implicou uma
transformação da economia alemão para o rearmamento, reorientando os recursos
econômicos para este objetivo e tentando certa autarquia da economia alemã em relação a
economia internacional para poupar as reservas internacionais em um ambiente onde as
exportações alemães tornavam se cada vez menos competitivas depois das ondas de
desvalorizações em outros países. As transformações econômicas precisam ser entendidas
também na perspectiva da repressão crescente e violenta dos trabalhadores e dos opositores
ao sistema nazista, embora as interferências no poder da elite empresarial ficavam restritas
enquanto ela estava apoiando o objetivo de rearmamento e da concentração da economia
alemão para uma guerra futura. Como seja escrito mais adiante houve forte intervenção do
Estado na economia, criação de burocracias estatais para regular indústria, agricultura,
finanças e comércio internacional, criação de uma estrutura corporativista que fortaleceu o
papel das lideranças nas empresas contra os trabalhadores, criação de empresas estatais, mas
houve poucas nacionalizações de empresas, com exceção da expropriação das empresas em
propriedade de judeus ou da venda forçada destas empresas, seguindo as políticas racistas
cada vez mais repressivas dos nazistas.

Mas a economia alemã precisava com a recuperação e com os programas de rearmamento


cada vez mais insumos do exterior, que somente parcialmente podem ser substituídos pela
transformação de carvão em petróleo sintético, produção de borracha sintética e uso de
minério de ferro alemão de baixo grau para a produção de aço, entre outras. Já em 1934 as
importações em ascensão foram um sintoma da recuperação da economia alemã, mas as
exportações estavam declinando, levando a uma crise do balanço de pagamentos por falta de
reservas em moeda estrangeira e falta ao acesso de crédito internacional [embora houvesse
uma saída de Alemanha do padrão ouro em 1931 com controles dos fluxos de capital o marco
alemão não foi desvalorizado em relação ao ouro]. O acesso ao crédito internacional ficou
restrito pela política protecionista alemã, pelo default sobre partes das dívidas externas, pelo
controle de fluxos de capital, e pela agressiva política externa alemã. A queda das exportações
alemãs também era consequência do protecionismo alemão e da queda da competitividade
das exportações alemãs por causa das desvalorizações da libra (em setembro de 1931), do US$
358

(em abril de 1933), e do franco francês (em 1936) e muitas outras moedas que seguiam os
exemplos destes países centrais. Tudo isto levou a uma séria crise de balanço de pagamentos
em 1934, uma crise fiscal e monetária e a intervenção cada vez forte do Estado na economia,
uma história contada em baixo.

Existe uma discussão controversa em relação a recuperação da economia alemã depois da


Grande Depressão sobre a pergunta se politica econômica nazista somente aproveitou uma
expansão já em andamento no quarto trimestre de 1932 e medidas já elaboradas pelos
governos von Papen e von Schleicher, ou se as políticas do novo governo nazista teve um
impacto decisivo na recuperação da economia alemã, mas sem elevar significativamente o
padrão de vida – também nos tempos de pleno emprego desde 1937 – da classe trabalhadora.
Spoerer e Streb [2013, 117 p.] se referindo a diferentes economistas alemães aceitam a
primeira hipótese, Abelshauser [1999, p. 505 pp.] defende a hipótese de que as políticas do
governo nazista (incluindo seu foco no rearmamento) financiado por créditos teve um impacto
definitivo para tirar a economia alemã da depressão. Embora o padrão da vida dos
trabalhadores alemães aumentou pouco nos tempos do pleno emprego desde 1937,
obviamente somente o fato de retornar a um emprego significava já uma mudança importante
para os trabalhadores desempregados (É necessário lembrar também que esta volta ao
emprego aconteceu em um ambiente autoritário e repressivo nas empresas e na vida privada,
sem a proteção de sindicatos livres, mas com certos benefícios sociais do Estado), mas aqui a
ênfase está na situação dos salários reais, que aumentavam somente minimamente
comparados a tempos da crise, um ponto não controverso na discussão histórica e econômica.
Não controverso é também o fato de que a atividade econômica na Alemanha baseou se cada
vez menos em mecanismos de uma economia de mercado e cada vez mais em medidas
intervencionistas de um Estado cada vez corporativista. O gráfico a seguir mostra a produção
de bens de investimento (em valor e quantidade) e as encomendas da indústria (uma variável
antecipativa) na crise e na recuperação na Alemanha. Uma recuperação menor em 1932
parece se mostrar para as encomendas, mas para a produção de bens de investimento uma
recuperação neste período é menos decisiva, mas se houve uma recuperação já no último
trimestre de 1932 ela foi pouco visível e certamente não se mostrou no mercado de trabalho.
359

Gráfico 47 Produção de bens de investimento (Valor e quantidade) e ecomendas de indústria


na indústria, Alemanha, 1929 – 1934

Fonte: Histat, Alecke, Björn, (1997 [2010]) Investitionsverhalten in der Weimarer Republik:
Makroökonomische Daten. GESIS Köln, Deutschland ZA8447 Datenfile Version 1.0.0

A recuperação – com certeza – ainda não chegou ao mercado de trabalho em janeiro de 1933,
quando o número de desempregados chegou ao valor mais alto na crise com mais de 6
milhões de desempregados.

Políticas expansionistas com foco no combate ao desemprego

As políticas nazistas para sair da depressão são analisadas de forma controversa, um ‘milagre
econômico’ iniciado por gastos do governo financiados por créditos e medidas para criação de
empregos (visto por alguns como Keynesianismo militar, porque os gastos depois de 1934
concentram-se no rearmamento), descrito, por exemplo, por Abelshauser [1999], ou, um
processo de crescimento deformado [Buchheim, 2008, e Spoerer e Streb, 2013 p. 117 pp]
pelos gastos para rearmamento, aproveitando uma recuperação em 1932 já em curso e
medidas de combate ao desemprego já concebidas nos governos de von Papen e von
Schleicher. Um congelamento dos salários em 1933 e um congelamento de preços em 1936
evitavam pressões inflacionárias, mas os desequilíbrios fiscais do rearmamento forçado
levavam também as geopolíticas de conquista e espoliação de outros países na Segunda
Guerra Mundial. Obviamente a recuperação forçada levou também a uma mudança otimista
das expectativas da elite empresarial reforçando a recuperação.
360

Para as eleições em 31 de julho de 1932 o partido nazista defendeu em um programa eleitoral


emergencial (baseado numa proposta anterior de Gregor Strasser, baseando se em ideias de
economistas heterodoxos alemães) uma política de recuperação económica e criação de
emprego [Plumpe, 1984, p. 70]. Com o programa Reinhardt, financiado por crédito, de um
bilhão de ‘Reichsmark’ [RM] para a criação de empregos, publicado em junho de 1933, Tooze
[2006, posição 1071] aponta que “o partido nazista cumpriu sua promessa”. Abelshauser
[1999, p. 506] afirma que até o final de 1935 o governo nazista injetou de quase 5 bilhões RM
(até o final de 1934, 4 bilhões RM), com o propósito de criação de empregos, ou seja, mais de
três vezes o volume total de investimento industrial neste período. Os gastos foram em
primeiro lugar para obras de infraestrutura, construções públicas (19,6 %), construção de
habitações (25,5 %), investimentos em transporte público (33,3 %, entre eles a construções de
rodovias ‘Autobahn’) e outros [Spoerer e Streb, 2013, p. 107]. Outras iniciativas com o objetivo
de criação de empregos foram centradas na diminuição/revogação de impostos e medidas de
facilitar o acesso ao crédito. Também a criação de uma frente de trabalho
(‘Reichsarbeitsdienst’, primeiro voluntario, obrigatório desde 1935 para homens entre 18 e 25
anos) para obras de irrigação, drenagem e reflorestamento, a desestimulação para as
mulheres de trabalhar, e a introdução da conscrição geral para as forças armadas em 1935
podem ser vistas como medidas que teve um impacto positivo no mercado de trabalho, sem
negar os impactos negativos das últimas duas medidas para a situação das mulheres e dos
homens. Como impacto da crise no verão de 1934, descrita em baixo, e do caminho forçado
para o rearmamento e a guerra, o rearmamento tornou-se cada vez mais a fonte para a
criação de empregos e a maioria de economistas está vindo em 1936 uma situação de pleno
emprego. O gráfico a seguir mostra a expansão rápida do emprego industrial na Alemanha em
comparação com outros países.
361

Gráfico 48 Emprego industrial (Índice 1929 =100) em Alemanha, Canada, Estados Unidos e
Suécia 1929 – 1940

Fonte: Histat, Sensch, Jürgen, (1903, 2002 [2016]) histat - Datenkompilation online:
Entwicklung der Arbeitslosigkeit in Deutschland 1887 – 2000. GESIS Köln, Deutschland ZA8218
Datenfile

Políticas de intervenção do Estado na indústria, na agricultura e no setor financeiro

A intervenção do Estado na economia aumentou significativamente depois da ascensão de


Hitler e de seu partido nazista ao poder em 1933: regulamentação, regulação e outras políticas
industriais determinavam o caminho para os objetivos de uma autarquia econômica e o
rearmamento. A crise bancária do verão de 1931 já levou a Alemanha para a saída do padrão
ouro através de introdução de controles dos fluxos de capital, uma desvalorização foi
descartada visando problemas previstos de servir a dívida externa, embora a desvalorização da
libra em setembro de 1931 já levou certo alivio para estes problemas (bem com o fim das
reparações em 1932 e a desvalorização do US$ em abril de 1933), embora em 1931 já
começassem defaults parciais sobre a dívida externa alemã. A expropriação de empresas foi a
exceção, embora as empresas em propriedade de judeus (em primeiro lugar no comércio e no
setor financeiro) foram forçadas a vender a preços desvalorizados e em 1938 expropriados por
lei seguindo as políticas repressivas dos nazistas contra os judeus começando com um boicote
de lojas de judeus em primeiro de abril de 1933 seguidas por ações cada vez mais violentos da
política racista do governo de Hitler.
362

A relação diferenciada entre a elite empresarial de Alemanha (que parcialmente já tinham


financiado o partido nazista antes de 1933) e o novo governo é descrito por Tooze [2006,
posição 2045 pp.]

Na segunda-feira, 20 de fevereiro de 1933, às 18 horas, um grupo de cerca de vinte e cinco


homens de negócios foram convocados para assistir a uma reunião particular na casa de
Hermann Goering, atualmente presidente do Reichstag, na qual Hitler, o Chanceler do Reich,
[falava] para "explicar suas políticas”. (...)
A reunião de 20 de fevereiro e suas consequências são os exemplos mais notórios da disposição
dos grandes negócios alemães para ajudar Hitler a estabelecer seu regime ditatorial. A
evidência não pode ser desviada. Nada sugere que os líderes dos grandes negócios alemães
estavam cheios de ardor ideológico para o nacional-socialismo, antes ou depois de fevereiro de
1933. Nem Hitler pediu a Krupp & Co que se inscrevesse em uma agenda de antissemitismo
violento ou guerra de conquista. O discurso que ele deu aos empresários na casa de Goering
não era o discurso que ele havia dado aos generais algumas semanas antes, no qual ele falara
abertamente sobre o rearmamento e a necessidade de expansão territorial. Mas o que Hitler e
seu governo prometeram foi o fim da democracia parlamentar e à destruição da esquerda
alemã, e para isso a maioria das grandes empresas alemãs estava disposta a fazer um
pagamento substancial. À luz do que Hitler disse na noite de 20 de fevereiro, a violência do
Machtergreifung não deveria ter sido uma surpresa.
Mas o que estava claro era que a autoridade legítima no Terceiro Reich procedia de cima para
baixo, idealmente do topo de cima para baixo. E o que também era claro era que muitos líderes
de negócios alemães prosperavam nesse ambiente autoritário. Na esfera de suas próprias
empresas, eles eram agora os líderes indisputados, habilitados como tal pela legislação nacional
de trabalho de 1934. Proprietários e gerentes compraram entusiasticamente na retórica de
Führertum. Ele se mesclava muito bem com o conceito de Unternehmertum (liderança
empresarial) que se tornara cada vez mais na moda nos círculos empresariais, como um
contraponto ideológico às tendências intervencionistas dos sindicatos e do Estado de bem-
estar de Weimar. (...)
E, talvez o mais importante, o regime de Hitler prometeu libertar as empresas alemãs para gerir
os seus próprios assuntos internos, libertando-os da supervisão de sindicatos independentes.
Mas não houve somente convergência entre os interesses do governo e da elite empresarial.
Como Tooze [2006, posição 2111 p.] afirma “para aqueles homens de negócios que operavam
em empresas pequenas, no ambiente nacional ou local, os anos após 1933 eram claramente
uma época dourada de "normalidade" autoritária”. Mas ele descreve também as diferenças
nas agendas do governo e da elite empresarial das grandes empresas [Tooze, 2006, posição
2111 pp.]

Para simplificar, por razões de clareza, a agenda em tempo de paz dos elementos mais
politicamente influenciados nos negócios alemães consistia em pelo menos dois elementos
distintos, um nacional e outro internacional. A agenda doméstica era de conservadorismo
autoritário, com uma aversão marcada pela política parlamentar, altos impostos, gastos sociais
e sindicatos. A perspectiva internacional dos negócios alemães, por outro lado, era muito mais
"liberal" no sabor. Embora a indústria alemã não fosse de modo algum contrária aos direitos
aduaneiros, a associação industrial do Reich favoreceu fortemente um sistema de movimento
de capital livre e multilateralismo apoiado pelos princípios da Nação Mais Favorecida. No caso
da indústria pesada, esta defesa do comércio internacional foi combinada com visões de
interesses europeus. O comércio internacional foi organizado no âmbito de cartéis formais, por
vezes com alcance global. A Siemens e a AEG dividiram o mercado global de engenharia elétrica
por meio de entendimentos com seus principais competidores americanos. No entanto, todos
363

esses acordos eram livremente escolhidos pelos empresários alemães e seus homólogos
estrangeiros, independentemente da interferência do Estado. Nesse sentido, embora pouco
liberais, eram pelo menos casos de autoadministração voluntarista de negócios. Enquanto isso,
grande parte do comércio externo alemão permaneceu livre de qualquer tipo de regulação de
cartéis, principalmente têxteis, maquinas e engenharia, sendo a associação de construtores de
máquinas, a VDMA, um expoente particularmente agressivo do livre comércio. Foi esse
contraste entre o autoritarismo doméstico e o "liberalismo" internacional que definiu a posição
ambígua em que se encontrava a empresa alemã em 1933. Por um lado, o governo de Hitler
aproximou os empresários alemães da realização de sua agenda doméstica. (...). Por outro lado,
a desintegração da economia mundial e à deriva cada vez mais protecionista da política alemã
estavam em profunda contradição com os interesses comerciais de grande parte da
comunidade empresarial alemã. (...). [Na agenda externa a situação foi outra] Hitler, Schacht e
Hugenberg eram todos inimigos notórios do liberalismo econômico. E apesar do terreno
comum de oposição à constituição de Weimar e hostilidade para com os partidos da esquerda,
este é o pano de fundo essencial contra o qual devemos interpretar a reunião de 20 de
fevereiro. Hitler não se dirigia a uma reunião que sabia estar em pleno apoio de seu governo;
pelo contrário. (...) Hitler e Schacht sabiam que [uma discussão plena da política econômica do
governo] seria contraproducente, uma vez que não havia esperança de concordar com as
questões-chave da política internacional. Schacht já tinha tido suas opiniões sobre política
comercial e dívidas internacionais criticadas pelo Reichsverband.
Mas o governo sabia que o empresariado de Alemanha foi seriamente enfraquecido na Grande
Depressão, precisando apoio financeiro e intervenção do governo para sobreviver e evitar
falência na crise, especialmente os bancos e a indústria pesada, embora também muitas
empresas fossem a falência. Tooze [2006, posição 2181] resume as políticas econômicas do
novo governo nos primeiros anos da seguinte forma:

Os primeiros anos do regime de Hitler viram a imposição de uma série de controles sobre os
negócios alemães que não tinham precedentes na história da paz. Em grande parte, esses
problemas foram consequências da dificuldade de administrar a balança de pagamentos alemã
e, nesse sentido, tiveram claramente sua origem na grande crise financeira do verão e outono
de 1931. No entanto, com a completa desintegração do padrão-ouro após desvalorização do
dólar, a incerteza da Alemanha em relação à dívida de longo prazo, incluindo centenas de
milhões de Reichsmarks devidos pelas empresas alemãs e a imposição do Novo Plano, esses
regulamentos assumiram um novo e mais sistemático caráter. (...). O Novo Plano, que regulava
efetivamente o acesso de todas as empresas alemãs a matérias-primas estrangeiras, criou uma
burocracia substancial, que controlava as funções vitais de uma grande fatia da indústria alemã.
Embora as exportações fossem, evidentemente, encorajadas, a recusa do governo em
desvalorizar significava que a maioria dos exportadores alemães só era competitiva se
solicitaram pela primeira vez um subsídio. Isso também exigia considerável papelada e mais
burocracia. E o subsídio à exportação, por sua vez, foi financiado por um severo imposto
redistributivo incidente sobre toda a indústria alemã. A gestão deste sistema oneroso de
controles era a principal função de um novo quadro de organizações empresariais obrigatórias
impostas por Schacht entre o outono de 1934 e a primavera de 1935.
A regulamentação e regulação do setor industrial, do setor financeiro e da agricultura pelo
ministério de economia, pelo banco central (‘Reichsbank’) e pelo ministério de agricultura
foram introduzidas através da legislação e através de organizações obrigatórias dos ramos de
produção e pela organização obrigatória dos agricultores (‘Reichsnährstand’), controlando o
acesso a matérias primas importadas e a moeda estrangeira, mas também produção e preços.
Esta organização pode ser vista como a introdução de elementos corporativistas com
364

elementos de uma economia de mercado, embora em muitos casos existisse uma confusão de
competências. As empresas alemãs aproveitavam a recuperação para aumentar seus lucros,
como o gráfico a seguir mostra, também aproveitando as políticas racistas nazistas através da
expropriação de empresas judaicas ou da compra destas empresas a preços desvalorizados.

Gráfico 49 Rentabilidade sobre o capital próprio (%) das companhias abertas industriais
Alemanha 1928 – 1939

Fonte: histat, Spoerer, Mark, (1996 [2003]) Von Scheingewinnen zum Rüstungsboom. Die
Eigenkapitalrentabilität der deutschen Industrieaktiengesellschaften 1925 -1941. GESIS Köln,

Tooze [2006, posição 2231 pp.] descreve os primeiros anos de recuperação para as empresas
alemãs:

A combinação do aumento da demanda interna, o fim da concorrência externa, o aumento


relativamente constante dos preços e salários criaram um contexto em que era difícil não fazer
lucros saudáveis. De fato, em 1934 os bônus pagos às diretorias de algumas empresas eram tão
espetaculares que eles estavam causando embaraço agudo para o governo de Hitler. À luz do
aumento muito mais modesto nos rendimentos dos trabalhadores, parecia que os comunistas e
socialdemocratas realmente tinham um ponto. O regime nazista era uma "ditadura dos
patrões". Tendo regulado as importações, exportações e fixação de preços no mercado interno,
o RWM [ministério de economia], portanto, mudou-se na primavera de 1934 para controlar o
uso dos lucros das empresas. A distribuição de lucros para os acionistas não deve exceder uma
taxa de 6% do capital. Isto, naturalmente, não teve qualquer efeito sobre a rentabilidade
subjacente. Significava simplesmente que os contabilistas corporativos eram encorajados a
esconder os lucros em depreciação exagerada e reservas. Nos anos seguintes, as empresas
alemãs construíram reservas financeiras gigantescas, que poderiam ser usadas para
investimentos financiados internamente. E isso, além dos aspectos cosméticos, era claramente
o verdadeiro propósito do decreto de dividendo. Do ponto de vista das autoridades do Reich, o
objetivo era dividir os recursos nacionais disponíveis para investimento e despesa pública. O
investimento industrial seria financiado a partir dos lucros não distribuídos aos acionistas. O
365

acesso dos tomadores corporativos no mercado de capitais de longo prazo - fornecida pela
poupança das famílias através dos bancos, caixas de poupança e fundos de seguros - seria
restrito, reservando esses fundos para uso pelo Estado.

Os lucros aumentavam ainda mais nos primeiros anos da guerra e as empresas alemãs
ajudavam as políticas de guerra, como haviam ajudadas as políticas de rearmamento depois de
1935, que desde neste tempo substituam os programas de expansão do setor privado. As
empresas alemãs colaboravam também nas políticas genocidas no leste da Europa.

A crise de 1934 e a política econômica externa de Alemanha

O verão de 1934 é mais lembrado em Alemanha e Áustria pelos acontecimentos políticos


violentos do que pela crise de balanço de pagamentos que Alemanha experimentou neste
período: o assassinato das lideranças da SA (‘Sturmabteilung’) pela liderança nazista na noite
das facas longas (assassinando também outros opositores do regime, entre eles o chanceler
anterior von Schleicher) e o golpe violento dos nazistas de Áustria, que embora fracassado
matou o chanceler autoritário da Republica de Áustria Dollfuss.

Mas, como Tooze [2006, posição 1537 pp.] descreve, no mesmo momento eclodiu uma crise
econômica séria na Alemanha:

Entre março e setembro de 1934, o regime nazista sofreu a coisa mais próxima de uma crise
socioeconômica global em toda sua história. No início de 1934 as reservas de moeda
estrangeira do Reichsbank diminuíram de forma alarmante. (...). A situação fez que o alemão
viajasse para o exterior com uma ração cambial restrita de não mais de 50 marcos por mês.
Para evitar um 'mercado negro' para Reichsmarks (...), os viajantes foram proibidos de tomar
notas alemãs para fora do país. Simultaneamente, o Reichsbank e o Ministério de Economia
(RWM) iniciou o doloroso processo de redução dos aportes mensais de câmbio aos
importadores da Alemanha. No verão eles foram cortados para cinco por cento dos níveis que
tinham recebido antes da crise em julho de 1931. Uma vez que todas as indústrias mais
importantes na Alemanha eram dependentes de matérias-primas do exterior, essa restrição
selvagem levantava medo de uma nova onda de demissões. A escassez de matérias-primas
ameaçava não somente desemprego; também implicava escassez para os consumidores, medo
agravado pela extraordinariamente má colheita de 1934. O descontentamento popular com o
aumento dos preços dos alimentos importados foi generalizado. (...)
Em 14 de junho de 1934, Schacht [desde março de 1933 o presidente do banco central, desde
agosto de 1934 também minístro de economia] declarou uma completa suspensão de
pagamentos em moeda estrangeira sobre toda a dívida externa da Alemanha. Ao mesmo
tempo, cortou a moeda estrangeira alocada aos importadores alemães. Em 23 de junho de
1934, o Reichsbank abandonou completamente o sistema ordenado de racionamento mensal
de divisas estrangeiras. Doravante, a moeda estrangeira era distribuída diariamente, de acordo
com o que estava disponível. De dia para dia, os importadores alemães não podiam estar certos
de obter a divisa estrangeira de que necessitavam para satisfazer as reivindicações de seus
fornecedores estrangeiros. O comércio exterior ameaçava se detiver completamente. Enquanto
isso, a resposta internacional à inadimplência da Alemanha estava mais enfurecida do que
nunca. (...)
Enquanto a economia doméstica alemã se recuperou, as exportações continuaram a diminuir.
Em cada mês de 1933 as exportações eram mais baixas do que tinham sido em 1932 (...). A
tendência continuou em 1934, com os rendimentos de exportação no início do verão de 1934
20 por cento mais baixos do que tinham sido um ano antes. Sem exportações, a Alemanha não
366

podia pagar por suas importações desesperadamente necessárias, nem pagar suas dívidas
externas. E isso não era meramente um imperativo financeiro abstrato. O sustento de milhares
de empresas e milhões de trabalhadores dependia de encontrar clientes no exterior.
A competitividade das exportações alemãs diminui desde a desvalorização da libra em
setembro de 1931, agravado pela desvalorização do dólar em abril de 1933 e pelo ambiente
global de políticas protecionistas na Grande Depressão, bem como nas medidas retaliatórias
contra o default alemão. A recuperação alemã levou a uma diminuição de desemprego, mas
no mesmo momento numa demanda ascendente de matérias primas importadas. Uma
desvalorização do marco alemão ficava fora da discussão por causa das dívidas externas
alemãs. A consequência da crise foi um recuo de Alemanha para a autarquia, direção do
comércio exterior para países com que podem ser feitos acordos bilaterais (entre eles o Brasil),
controle e restrições as importações e subsídios as exportações, controle de preços, default
sobre a dívida externa, medidas implementadas pelo Plano Novo de Schacht. Com isto a
economia alemã tomou o caminho para uma economia de estruturas mais corporativistas do
que de estruturas de uma economia de mercado. Obviamente todas estas intervenções
levavam a um aumento significativo da burocracia estatal, uma tendência que aumentou com
a política de rearmamento forçado e a preparação para a guerra.

Transformações econômicas no Brasil

Como em outros países no Brasil o impacto da Grande Depressão foi um aumento significativo
da intervenção do Estado na economia, através de criação de burocracias novas para controlar
e regular o câmbio, os movimentos de capitais, o comércio exterior, certos mercados de
produtos, com foco no mercado de café, o mercado de trabalho e os mercados financeiros e
através da legislação regulamentando estes ramos. Este compromisso com uma intervenção
maior de Estado na economia foi menos uma estratégia deliberada desenvolvimentista, mas
mais uma introdução forçada de medidas ad hoc pela mudança brusca das condições que
resultavam da depressão 1928-1933 [Abreu, 1998, p. 11]. Muitas medidas foram uma
extensão de intervenções já introduzidas décadas atrás, especialmente as políticas de
intervenção no mercado de café. As receitas liberais tevê sempre expressão menor na
economia brasileira, como Knight [2014, p. 300] generaliza para toda a América Latina:

Ao contrário de alguns mitos, os Estados latino-americanos nunca foram consistentemente


comprometidos com princípios ou políticas de laissez-faire; seu "liberalismo" era muitas vezes
altamente iliberal (por exemplo, envolvendo subsídios estatais de infraestrutura e o controle da
força de trabalho); E uma vez que eles dependiam de impostos sobre o comércio exterior para
a maior parte de suas receitas, um compromisso com o livre comércio completo significaria
suicídio fiscal. Portanto, mesmo durante o chamado apogeu liberal da região
(aproximadamente 1860-1914), os Estados mantiveram elevadas tarifas76 (de receita) e, em
outros aspectos, intervieram na economia.
367

As medidas da política econômica intervencionista como consequência da Grande Depressão


foram também a base para políticas desenvolvimentistas do Estado na América Latina depois
de Segunda Guerra Mundial, com foco na política de industrialização pela substituição de
importações.

A política de intervenção no setor cafeeiro da economia brasileira está no foco da discussão


sobre as intervenções do governo, num lado porque a queda do valor das exportações levou a
uma crise de balanço de pagamentos, controles de câmbio e de movimentos de capital,
defaults sobre a dívida externa, noutro lado porque a intervenção do Estado no mercado de
café através de financiamento de estoques e queima de partes da produção levou de fato a
um programa de defesa da demanda agregada nos moldes keynesianos.

Em 1931 o governo federal criou o Conselho Nacional do Café (CNC) tomando a iniciativa da
política cafeeira do governo do estado de São Paulo. Abreu [1998, p. 9] descreve a política de
intervenção no setor cafeeiro:

A nova política cafeeira seria mantida com ajustes relativamente menores até 1937. Baseou-se
na tentativa de resolver a superprodução maciça de café. Em 1933, quando a política foi
tornada permanente, 30% [da produção] anual do café foram liberadas para comercialização
imediata, 30% foi abastecida pelo Departamento do Café e 40% foi destruído. Mais de 70
milhões de sacos do café - equivalente a cerca de três anos de consumo mundial - foram
destruídos, principalmente entre 1931 e 1938.
A compra governamental de estoques de café dependia em parte de déficits consideráveis,
atingindo em alguns anos mais de um terço do custo total do programa apoio ao café. Embora
seja razoável ver algum Keynesianismo avant la lettre poderia ter sido dito de outros
importantes programas da República Velha financiados pela criação de déficit: a construção
significativa de barragens no início dos anos 20 vem à mente. Que Vargas passa a ser mais
frequentemente mencionado como um instintivo pré-keynesiano talvez seja explicado pela
aparente irracionalidade da proposta de Keynes de “enterramento de garrafas em buracos no
chão” e a destruição maciça de café como um elemento importante da política cafeeira
brasileira durante a maior parte da década de 1930. Dados sobre o déficit público agregado na
década de 1930 tendem a apoiar a ligação entre recuperação do nível de atividade e déficit
público: déficits em 1931-33 estavam acima de 12% das despesas (40% em 193277) e depois de
1933 os déficits planejados tornaram-se habituais.
As medidas de controle de câmbio, desvalorização da taxa de câmbio, defaults sobre a dívida e
controles sobre o comércio exterior são consequências diretas da crise do balanço de
pagamentos com a Grande Depressão. Fonseca [2009, p.12 pp.] descreve a criação de novas
organizações burocráticas para regular e regulamentar a economia:

(...) na área trabalhista, a mudança da política governamental começa menos de um mês depois
da posse do Governo Provisório, em novembro de 1930, com a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio. A legislação criava um marco regulatório para a definição de
regras básicas, como contratação, dispensa e remuneração, até então restritas a algumas
categorias sindicalizadas. O foco desta legislação restringir-se à economia urbano-industrial
constitui sua característica institucional mais marcante e reveladora de intenções, pois excluía
os trabalhadores do campo de direitos como férias, 13º salário, carteira do trabalho e direito de
greve.
368

A preocupação com a melhoria da produção agrícola e industrial também aparece com a


criação da Diretoria Geral de Pesquisas Científicas junto ao Ministério da Agricultura, do
Instituto de Tecnologia. Previa-se, ainda, a criação de duas diretorias, das Minas e das Águas, e
três centros de pesquisa vinculados à extração mineral: Instituto Geológico e Mineralógico,
Laboratório Central de Indústria Mineral e Escola Nacional de Química. Estes fazem parte de
uma série de órgãos, institutos, departamentos e comissões, a mostrar a alteração da relação
entre Estado e economia na década de 1930, os quais evidenciam a preocupação oficial com a
diversificação do setor primário e com a indústria. A criação da Carteira de Crédito Agrícola e
Industrial do Banco do Brasil em 1937 marca uma nova postura do Estado, com a
institucionalização de um departamento dentro do Banco do Brasil voltado a financiar, com
crédito de longo prazo, a produção.
O governo também alterou a legislação (...) para disciplinar o funcionamento do mercado de
câmbio e gerenciar os fluxos monetários externos (Laan, 2010). Citam-se, ainda, a criação do
Departamento Nacional do Trabalho e do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1933; do
Conselho Federal do Comércio Exterior, do Plano Geral de Viação Nacional e da Comissão de
Similares, em 1934; e do Conselho Técnico de Economia e Finanças, em 1937.
A partir do Estado Novo, e certamente sob o impulso do contexto de guerra, esta política de
criação de órgãos, conselhos e institutos intensificou-se. Datam de 1938: o Conselho Nacional
do Petróleo, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), o Instituto Nacional do
Mate e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – (IBGE); de 1939, o Plano de Obras
Públicas e Aparelhamento de Defesa e o Conselho de Águas e Energia; de 1940, a Comissão de
Defesa Nacional, o Instituto Nacional do Sal, a Fábrica Nacional de Motores e a Comissão
Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. São do final da década de 1930 as primeiras iniciativas
no campo da siderurgia, as quais resultarão na criação da Companhia Siderúrgica Nacional em
1941. O ferro é necessário para possibilitar indústrias, usinas e o abastecimento urbano. As
palavras “independência econômica”, “libertar-nos”, “nacionalizando” e “engrandecimento”
evidenciam o tom nacionalista integrante da ideologia nacional-desenvolvimentista.
Fonseca também defende de já na década de 1930 e depois na guerra desenvolveu se certa
ideologia desenvolvimentista de industrialização do Brasil através de substituição de
importações [Fonseca, 2009, p. 863]

Procuramos também contestar ou relativizar outras teses vinculadas às interpretações


tradicionais, como a da existência de divergência radical de interesses entre os setores agrário e
industrial, a qual negligencia a complementaridade existente entre ambos e dificulta a
explicação do crescimento industrial e de um projeto de substituição de importações já na
década de 1930. Este certamente não nasceu pronto e acabado, mas foi se corporificando e
ganhando adeptos, fato facilitado pela crise do setor exportador. Vários autores, como Luz
(1975) e Carone (1977, 1978), já haviam mostrado que a trajetória das ideias e iniciativas pela
industrialização do Brasil estava indo de longa data, muito anteriores a 1930. Na mesma
direção, o material empírico aqui trabalhado permite detectar, já muito antes dessa década, a
gênese das ideias desenvolvimentistas e defensoras da industrialização por substituição de
importações (Fonseca 2004a). Estas não nasceram em 1930; todavia, foi a partir deste ano, com
a alteração na correlação de forças políticas propiciada pela R30 e com a interveniência do
contexto externo, que se abriu espaço para gradualmente se materializarem como política
econômica e serem implantadas apontando para a existência de um projeto para o país que
perdurou pelo menos nas cinco décadas seguintes.
É importante anotar que duas medidas centrais do governo Vargas nos mercados de trabalho
para incluir a classe trabalhadora urbana na aliança política, embora os sucessos desta política
sejam controversos, somente aconteceu no Estado Novo com o salário mínimo entrando em
vigência no início da década de 1940 e os direitos do trabalhador criada na Consolidação das
369

Leis do Trabalho (CLT) em 1943, inspirada na Carta de Lavoro corporativista de Itália de


Mussolini. Estas duas leis ainda são validas no século XXI no Brasil.

Transformações ideológicas e culturais

As opiniões que são mantidas com paixão são sempre aquelas para as quais não existe um bom
fundamento; de fato, a paixão é uma medida da falta de convicção racional do detentor. As
opiniões na política e na religião são quase sempre mantidas apaixonadamente. (...); as pessoas
odeiam os céticos muito mais do que odeiam os defensores de opiniões hostis aos seus.
Bertrand Russell, Sceptical essays, p.13

Uma primeira aproximação de uma conceituação viável de uma ideologia pode ser sua
caracterização como um sistema de crenças políticas que unificam uma visão do mundo
simplificando sua complexidade com uma visão de um mundo "melhor" e a descrição de uma
estratégia para chegar lá. Uma ideologia política neste sentido unifica uma análise da situação
atual, objetivos éticos, políticos, econômicos e sociais e estratégias e táticas para alcançar
estes objetivos em uma narrativa que apela também nas emoções e no imaginário dos
cidadãos. Sua tentativa de dar sentido e esperança à vida dos cidadãos e criar e fixar
identidades, a ideologia assemelha se das religiões, como Steger [2013] afirma:

As ideologias políticas modernas surgiram durante as revoluções americana e francesa como


sistemas de crenças políticas maleáveis que competiam com doutrinas religiosas sobre quais
tipos de ideias e valores deveriam guiar as comunidades humanas. Supostamente constituindo
perspectivas "seculares" sobre essas questões fundamentais, as ideologias, no entanto,
lembravam as religiões em suas tentativas de vincular as diversas dimensões éticas, culturais e
políticas da sociedade em um sistema de pensamento bastante abrangente. Imitando a
inclinação de seus rivais ao comércio de verdade e certeza, as ideologias também se baseavam
em narrativas, metáforas e mitos que persuadiam, elogiam, condenam, convencem e separam
o "bem" do "mau". Como a religião, eles prosperaram nas emoções humanas, gerando raiva,
medo, entusiasmo, amor, sacrifício e altruísmo. As ideologias inspiraram o assassinato em
massa, a tortura e a violação, da mesma forma que as doutrinas religiosas passaram pela gama
de vícios humanos (Hazareesingh 1994: 13). Apesar de suas conotações pejorativas, no entanto,
a ideologia merece uma audição mais equilibrada - uma que reconhece seu papel integrador de
proporcionar estabilidade social, tanto quanto sua propensão a contribuir para a fragmentação
e alienação; Sua capacidade de fornecer padrões de avaliação normativa tanto quanto sua
tendência para simplificar demais a complexidade social; Seu papel como guia e bússola para a
ação política tanto quanto seu potencial para legitimar a tirania e o terror em nome de nobres
ideais.

Baseando-me nessa concepção apreciativa de ideologia que leva a sério as funções


indispensáveis dos sistemas de crenças políticas, independentemente de seus conteúdos
particulares ou orientações políticas, defino a ideologia como sistemas de crenças abrangentes,
constituídos por idéias padronizadas e reivindicações à verdade. Codificados pelas elites sociais,
esses mapas mentais compartilhados que ajudam as pessoas a percorrer seus ambientes
políticos complexos são abraçados por grupos significativos na sociedade (Steger 2009b;
Sargent 2008). Todos os sistemas de crenças políticas são historicamente contingentes e,
portanto, devem ser analisados com referência a contextos particulares que ligam suas origens
e desenvolvimentos a épocas e espaços específicos. Ligando a crença e a prática, as ideologias
encorajam as pessoas a agir enquanto simultaneamente restringem suas ações. Para este fim,
os codificadores ideológicos - tipicamente as elites sociais que residem nas grandes cidades -
370

constroem "reivindicações de verdade" que buscam fixar definições autoritativas e significados


de seus conceitos fundamentais.

Estes codificadores ideológicos de Steger [2013] refletem o fato de que diferentes grupos de
homens e mulheres desenvolvem diferentes perspectivas de ver e interpretar o mundo e com
isto criam e atendam a ideologias diferentes. Para Marx as perspectivas são determinadas em
primeiro lugar pela classe social e pelas condições materiais do homem, para Priestland [2013]
pela casta (ocupação), diferenciando entre comerciante, guerreiro e sábio (‘merchant, warrior
and sage’), onde o comerciante representa as elites econômicos e suas ideologias, o guerreiro
representa a elite militar, o sábio o intelectual e as elites culturais e da burocracia (que
Galbraith chama de tecnocracia). Obviamente comunidades (como, por exemplo,
comunidades religiosas) também influenciam perspectivas e crenças, bem como o ambiente
social, papéis sociais, subculturas, bem como na perspectiva Freudiana a educação e o
desenvolvimento na infância e a socialização na juventude e na idade adulta. As instituições
ideológicas do Estado, como escolas, universidades, exército etc., também criam e reforçam
ideologias como patriotismo e nacionalismo.

Na discussão sobre as mudanças ideológicas é importante não cair na armadilha idealista


afirmando que somente as ideologias e o imaginário explicam e determinam o caminho de
eventos históricos, mas, é igualmente importante não cair na armadilha materialista de que
somente as condições materiais e sociais explicam e determinam estes eventos e determinam
também as ideologias para interpretar a história. Ideologias, instituições culturais e o
imaginário bem como estruturas e fatos materiais e sociais influenciam-se entre si e também
influenciam os eventos históricos, mas é também importante enfatizar o papel de fatores
contingentes de acaso no caminho de eventos históricos. Em períodos históricos críticos
(‘critical junctures’) como na Grande Depressão os atores são influenciados pelas ideologias e
instituições prevalecentes, mas, obviamente, quando os fatos mudam tão profundamente
como na Grande Depressão os atores ajustam suas ideologias e transformam as instituições,
este é o processo de transformação ideológica e cultural que será analisada neste capítulo. O
preço de não transformar ideologias e instituições em uma crise profunda é caminhar para a
decadência.

É importante anotar que na narrativa seguinte sobre as transformações ideológicas e culturais


existe o perigo de generalizar e com isto eliminar particularidades, um perigo ainda maior do
que nas transformações políticas e econômicas. A narrativa a seguir foca nos três países no
centro deste trabalho: Alemanha, Brasil e Estados Unidos. O foco nas transformações
ideológicas e culturais precisa ser visto com a cautela de que a descrição das correntes
371

principais levanta o problema de esquecer outras ideologias e traços culturais importantes


nestes países.

A narrativa prevalecente e a ideologia hegemônica nas últimas décadas antes da Primeira


Guerra Mundial nos países centrais foram o liberalismo econômico e político. Nos países
centrais o liberalismo político na realidade foi deficiente: o direito de voto restringiu-se na
maioria dos países a uma parte dos homens excluindo as mulheres, na Alemanha e no império
Austro-húngaro reinava uma monarquia autoritária, onde o parlamento teve poucos poderes,
na Rússia existia o poder quase absoluto do czar restringido somente marginalmente pelo
parlamento – a Duma, criada somente depois da revolução (fracassada) de 1905, na França
existiu uma republica com pleno voto para os homens, no Reino Unido existiu uma monarquia
parlamentar, mas também com voto restringido. No Brasil a monarquia dava lugar em 1889 à
república velha, onde o direito a voto também restringiu se a uma pequena parte dos homens
letrados.

O liberalismo econômico baseava se nos pilares de sistema monetário internacional de padrão


ouro, no livre comércio internacional e na livre movimentação internacional de capital e
trabalho, embora somente o Reino Unido fosse o país onde o livre comércio internacional
reinava plenamente (e em alguns países menores da Europa), enquanto os outros países
centrais levantavam barreiras tarifárias e não tarifárias em consequência da Grande Deflação
de 1873 até 1896. O laissez faire deixando mercados livres decidir sobre preços, investimento
e consumo com mimima intervenção do Estado foi outro pilar importante do liberalismo
econômico. Para as politicas do Estado reinavo o princípio do orçamento equilibrado. Países
periféricos como a China foi forçada a abrir seus mercados para os produtos dos países
centrais e conceder privilégios por intervenções militares (guerras de ópio do Reino Unido
1840—1842, 1858 – 1860, guerra contra Japão 1894/1895, intervenção internacional depois
da revolta dos boxers em 1900 por oitos países centrais), com a queda do império Quing em
1911 a China tornou-se uma republica, embora frágil enfrentando conflitos regionais, guerra
civil e na década de 1930 a agressão japonesa; as colônias eram submissas em suas políticas
econômicas as políticas dos países colonizadores. Embora em suas relações com países
periféricos ações militares dos países centrais (também na América Latina, às vezes para
enforçar o pagamento de dívidas externas) foram a regra no imperialismo que acompanhou o
liberalismo. Existia também a crença de que o liberalismo, o livre comércio e a
interdependência econômica entre os países centrais poderiam evitar uma grande guerra
entre os grandes poderes, mas o ano 1914 destruiu estas ilusões. O imperialismo foi justificado
para a opinião pública interna nos países centrais com a missão civilizadora e humanista dos
372

países centrais, disfarçando os interesses econômicos, políticos e militares que estavam atrás
das disputas por terra, lucros e poder. Nas margens das ideologias do liberalismo e do
imperialismo cresciam também em muitos países centrais correntes de chauvinismo, racismo,
antissemitismo e de eugenia antes da Primeira Guerra Mundial.

O desastre da guerra sem fim entre os grandes poderes da Europa matando milhões levantou
fortes dúvidas sobre a suposta civilização nos países centrais. A ideologia do liberalismo sofreu
suas primeiras rachaduras no mundo. Os Estados Unidos sob o presidente Wilson entravam
em 1917 na guerra sob as frases de uma guerra para acabar com todas as guerras e tornando o
mundo seguro para a democracia. Com os 14 pontos de Wilson ele previu um mundo pacifico,
controlado pela Liga das Nações e prometendo a autodeterminação politica dos povos, mas na
realidade negando a libertação das colônias e a igualdade das raças humanas. Depois da
guerra a matança sangrenta entre países supostamente civilizados deixou dúvidas sobre o
legado do liberalismo e da democracia parlamentar fortalecendo ideologias autoritárias de
direita e de esquerda, especialmente depois da revolução bolchevique em novembro de
191778

A agenda da paz sem vitória (quer dizer sem ganhos territoriais) de Wilson de janeiro de 1917
e os 14 pontos de Wilson de janeiro de 1918, onde especialmente o ponto sobre
autodeterminação dos países levantou esperanças nos países colonizados e na Irlanda, Japão e
China. Tooze [2006, p. 119] afirma que em nenhum dos 14 pontos aparecia literalmente o
conceito de autodeterminação dos países (mas, Wilson enfatizou o direito das nações de
escolher sua forma de governo). A criação de uma Liga de Nações para arbitrar os conflitos
entre países foi também objetivo dos 14 pontos (realizado em 1919, mas sem participação dos
Estados Unidos). Os tratados de paz com Alemanha (tradado de Versalhes) e seus aliados não
foram o caminho para a paz, mas criavam novamente tensões internacionais, tentativas de
revisão, desconfiança entre as nações e ódio nacionalista. As esperanças dos países
colonizadas para sua independência também foram decepcionadas, criando novas colônias
(sob a forma de mandatos) no oriente médio e a distribuição das colônias alemãs entre os
vencedores da guerra. Os tratados iniguais com a China e os direitos territoriais na China do
Reino Unido, da França e do Japão não foram revertidos.

Osterhammel [2014, p. 575] ver o liberalismo com ideologia hegemônica nas últimas décadas
do século XIX:

O liberalismo, a teoria política mais influente da época, viu a introdução de tais controles [de
poder] como um de seus principais objetivos. E embora, no período anterior à Primeira Guerra
Mundial, o liberalismo dificilmente realizasse plenamente os ideais de seus principais líderes,
373

havia uma tendência visível em muitas partes do mundo para reduzir a arbitrariedade
individual no exercício do poder e para impor o princípio da prestação de contas.
Em 1913, com relação às tendências das últimas décadas, foi possível falar da expansão da
democracia, mas não de seu irresistível triunfo, enquanto o liberalismo político já tinha seus
melhores anos por trás.
Thompson [2011, p. 29] mostra a face dupla do liberalismo:

Na abertura do século XX, o liberalismo era a ideologia mundial hegemônica - ou pelo menos a
de seus setores governantes, "espalhando-se pelo espectro político para abarcar quase toda a
classe política", como escreve John Gray com referência à Grã-Bretanha, mas na verdade, essa
descrição se aplicava muito mais amplamente. (...)
É importante não entender mal: o liberalismo não implicava necessariamente uma visão
humanitária ou fofinha. Ao contrário, dependendo de como foi entendido, o liberalismo deixou
muito espaço para a violência, o racismo, o autoritarismo, a escravidão levemente disfarçados,
até mesmo o genocídio. (...).
Em sociedades sujeitas à autoridade irresponsável, o liberalismo como projeto de oposição tem
um poder ideológico extraordinário. Logicamente, repudia, exceto em circunstâncias bem
definidas, a intrusão no comportamento pessoal dos cidadãos, seja pelo governo, pelo
monopólio privado ou pelos árbitros morais autonomeados. A ideologia liberal, portanto,
oferece muitas atrações tentadoras - a liberdade de viver a própria vida, protegida contra
imposições arbitrárias ou inflicções por superiores sociais ou deferência compulsória para com
eles; Livre escolha de estilos de vida pessoais, de ocupação, de parceiros sexuais, de
compromisso ideológico; A possibilidade de exercer pressão sobre um governo insatisfatório; E,
se alguém está interessado em tais coisas, de entrada no mercado para aumentar a sua riqueza
e status. Não surpreende então que os movimentos de massa que exigem mudanças de longo
alcance se mobilizem com bastante frequência sob as bandeiras liberais. Historicamente, tem
sido a ideologia de oposição de primeiro recurso. O princípio animador do liberalismo é que o
governo é essencialmente contratual - e, em princípio, esse contrato pode ser forçosamente
anulado se o governo abusar de sua autoridade e violar seus termos. O liberalismo foi,
portanto, a ideologia inicial da emancipação geral do governo arbitrário e do privilégio
hereditário, e continuou durante muitas décadas a cumprir esse papel. As contradições do
liberalismo como ideologia emancipadora, no entanto, se tornaram evidentes mesmo durante
os anos revolucionários - ainda mais do que com uma monarquia absolutista -, suas implicações
foram colocar os sem propriedade à mercê dos proprietários e entre as primeiras ações dos
predecessores e sucessores dos jacobinos era bloquear as massas para fora da nação política,
restringindo a franquia a proprietários de imóveis significativos. Grande parte da contradição
surge da realidade das duas dimensões do liberalismo - como o liberalismo econômico, por um
lado, e o liberalismo social, por outro. [Thompson, 2011, p. 5 p.]
A questão da democracia no sentido de franquia universal nunca foi tão simples como foi
representada pelos seus proponentes ou pelos seus inimigos. O liberalismo econômico pode
funcionar perfeitamente bem sem a democracia e freqüentemente o fez, começando com o
Império Britânico e os Estados Dixie dos EUA, e trabalhando seu caminho através do século XX
em formações como a Itália fascista, o regime sul-africano da apartheid e outros regimes de
caráter ditatorial. Além disso, o liberalismo econômico tende a gerar monopólio e anular a
realidade da liberdade econômica tanto para a força de trabalho quanto para os consumidores.
Para concentrações gigantescas de capital, a democracia política tende a ser um inconveniente,
porque pode interferir com suas operações e, embora possa ser controlado pela manipulação
da mídia, lobby e outras técnicas, ainda há que dedicar recursos para isso. [Thompson, 2011, p.
6]
Em muitos países, menos nos países com estruturas bem estabelecidas da democracia
parlamentar, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos, a França e outros países centrais
menores, já nos anos entre as guerras antes da Grande Depressão o liberalismo político e
374

econômico foi enfraquecido e ideologias chauvinistas, militaristas e imperialistas, autoritárias e


racistas estavam em ascensão, seguindo a ascensão de Mussolini ao poder em Itália em 1922.
A Grande Depressão diminui ainda mais a atração das ideias liberais e incentivou ideologias
autoritárias do homem forte – salvador da pátria, que pode resolver os problemas
econômicos, políticos e sociais, sem governos e parlamentos fracos, sem força, sabedoria e
vontade para sair do desastre econômico e enfraquecido por discussões parlamentares sem
fim. Thompson [2011, p. 31] afirma esta versão sobre o liberalismo pós-guerra:

Embora as sociedades liberais no final da Grande Guerra ainda tivessem abundância em


reserva, notadamente as forças econômicas e institucionais do Império Britânico e acima de
tudo dos EUA, para atender as ideologias antigas e novas que contendiam com ela, durante
quase o próximo quarto de século [o liberalismo] estava inquestionavelmente na defensiva.
Certamente foi a ordem política e social do liberalismo que, explicitamente ou por implicação,
foram indiciados mais severamente pela catástrofe da guerra e suas conseqüências, tanto pela
esquerda como pela direita. (...)
Mas o liberalismo também foi desafiado por diferentes direções políticas, porque não
conseguiu garantir liberdade significativa ou necessidades materiais básicas. Os políticos,
aderindo aos valores do liberalismo no sentido geral, no Reino Unido e na França (e até mesmo
na Alemanha) levaram suas nações ao inferno enquanto seus publicitários e propagandistas
tinham batido na mensagem de nenhum compromisso e da vitória total. A escala de suas
perdas e as conseqüências da turbulência social e da desilusão obstruiram celebrações da
vitória nestes dois países.
A mudança na ideologia econômica hegemônica do liberalismo nos países centrais para
ideologias mais centralizadoras, corporativistas e intervencionistas do Estado como impacto da
Grande Depressão será discutido no próximo capitulo nas controvérsias sobre as causas da
crise e das estratégias para evitar novas crises. A quebra dos pilares importantes do liberalismo
econômico, do padrão (câmbio) ouro, do livre comércio internacional e da livre movimentação
internacional de capital já foi descrita em capítulos anteriores. A restrição da imigração (e com
isto da livre movimentação do fator trabalho) já começou nos Estados Unidos e em outros
países com o fim da Primeira Guerra Mundial.

A ascensão de ideologias chauvinistas, militaristas e imperialistas e as tensões geopolíticas


começavam na década de 1930, junto com a ascensão de ideologias autoritárias e racistas [as
últimas em primeiro lugar na Alemanha e em alguns países da Europa oriental]. Na Alemanha
com a ideologia racista, imperialista e chauvinista do nazismo, embora é importante enfatizar
que a ideologia tentava também atrair a classe trabalhadora enfatizando uma comunidade
nacional (‘Volksgemeinschaft’) que trancendesse a luta das classes sociais e as discussões
intermináveis no parlamento e fornecia alguns benefícios de um Estado de bem-estar social
para as massas. Nos Estados Unidos não houve esta volta para um nacionalismo politico na
politica oficial, embora nas margens existissem movimentos autoritários e racistas. No Brasil
também não houve uma volta para o extremo nacionalismo, embora o governo Vargas
375

tentasse fortalecer a identidade brasileira nas massas através da educação e da propaganda, e


também existia o integralismo de Plinio Salgado.

Com a Grande Depressão, embora nem sempre diretamente causada por ela, mas, seguindo a
estratégia de governos de resolver problemas internos por políticas externas mais agressivas, o
cenário geopolítico mudou com aventuras militares mais agressivas. No Japão com a ascensão
do poder militar no Estado e uma geopolítica expansionista na década de 1930 começando
com intervenção em Manchúria em 1931 e finalmente com a guerra com China em 1937, a
expansão geopolítica na década de 1940 para o sudeste asiático e em dezembro de 1941 com
o ataque a Pearl Harbour em dezembro de 1941. Na Alemanha houve no governo de Hitler um
rearmamento forçado, em março 1936 a invasão militar na zona desmilitarizada de Renânia
(‘Rheinland’) e em 1936 também junto com Itália intervenção no lado golpista na guerra civil
na Espanha (até 1939), em março 1938 a anexação (reunião com) de Áustria, em setembro
1938 anexação de parte da Checoslováquia (Sudetenland) e em março de 1939 do resto da
Checoslováquia, com invasão militar de Polônia em setembro de 1939 começou a Segunda
Guerra Mundial na Europa. Na Itália houve a invasão militar em Etiópia em 1935 e a ocupação
militar de Albânia em 1939.

É importante considerar que a Grande Depressão levou a uma mudança ideológica importante
em direção para um Estado mais intervencionista na economia: o Keynesianismo. Mas, como o
paradigma Keynesiano Fordista tornou se hegemônico nos países centrais somente depois da
Segunda Guerra mundial a descrição das políticas intervencionistas seja assunto do capítulo
sobre a crise da década de 1970, onde começou o enfrentamento do paradigma keynesiano
ainda hegemônico com o paradigma neoliberal em ascensão.

ii. Controvérsias sobre a Grande Depressão

A discussão das controvérsias sobre as causas da Grande Depressão e as estratégias para evitar
novas depressões é feita de forma concisa, porque no capítulo quatro mais adiante são
discutidas as tentativas de diferentes correntes de pensamento econômico para explicar as
crises econômicas e fornecer estratégias para evitar as crises.

A Primeira Guerra Mundial é vista por muitos analistas (entre eles, em primeiro lugar
Eichengreen e Temin em diferentes publicações) como um evento que desorganizou a
economia global e levou a distorções no funcionamento do capitalismo global: A guerra
mudou o cenário geopolítico, os países europeus perdiam sua importância na economia global
enquanto os Estados Unidos tornavam-se a economia e o credor mais importante no nível
global. A guerra desestruturou as economias nacionais (em primeiro lugar na Europa) com seu
376

desvio de recursos para fins militares, com a matança de grande parte da população
trabalhadora, com a destruição de residências, terras para agricultura, fábricas etc. (em
primeiro lugar no norte da França, na Bélgica e na Rússia) e destruiu ou mudou os laços
econômicos entre as nações. A guerra criou depois da curta comuna de Paris de 1871 o
primeiro país socialista dos trabalhadores e campesinos na grande parte do antigo império
czarista, a União Soviética (depois da revolução bolchevique em novembro de 1917, embora o
nome da União Soviética fosse somente assumido em 1922), que tornou se uma ditadura do
partido comunista da União Soviética seguindo a estratégia leninista, das condições
geopolíticas adversas, e da guerra civil sangrenta. As nações beligerantes controlavam,
planejavam, e dirigivam a economia privada para produzir armas durante a guerra. Os países
beligerantes saiavam do padrão ouro, os laços de comércio internacional e das finanças
internacionais foram destruídos, as dívidas para financiar a guerra explodiam nestes países e o
recurso mais importante de economias de mercado, a confiança, esvaziou-se nos ódios
nacionalistas. Depois da guerra em muitos páises centrais um Estado de bem estar social foi
criado ou ampliado. As dívidas elevadas (e para os países vencidos também as reparações)
levavam a processos de inflação e hiperinflação e a dificuldades de voltar ao padrão ouro
depois da guerra. Com isto a Primeira Guerra Mundial é vista como uma herança maldita para
o funcionamento do capitalismo global no período entre as guerras. A guerra sangrenta entre
países supostamente civilizados que – na sua maioria – seguiam as regras de liberalismo
politico e econômico levou também a certa descrença na ideologia liberal e a ascensão de
ideologias inimigas do capitalismo e da democracia parlamentar da esquerda e da direita.

A maioria dos historiadores e economistas avalia a Grande Depressão como um evento


multicausal, onde uma recessão normal (como na Alemanha e nos Estados Unidos) ou uma
estagnação (como no Reino Unido) tornou-se uma depressão profunda e prolongada por causa
de eventos contingentes, por causa de erros da politica econômica e por causa de ideologias
econômicas com viés deflacionário que inspiravam as lideranças politicas e econômicas, o
padrão ouro, a teoria neoclássica, o lassaiz faire e o orçamento equilibrado. Estas ideologias
fundamentavam as crenças na eficiência de mercados livres para voltar automaticamente às
economias para o equilíbrio de pleno emprego. A teoria keynesiana foi a base para uma
mudança do paradigma do pensamento econômico sobre a explicação da crise e para as
intervenções necessárias dos governos e dos bancos centrais para sair da crise, embora o
paradigma keynesiano somente tornasse se hegemônico nos países centrais depois da
Segunda Guerra Mundial, de forma diferenciada em diferentes países. Na explicação da crise
nos moldes keynesianos incerteza e risco como fatos inevitáveis nas decisões econômicas
377

(especialmente do investimento) e da vida econômica e a fragilidade inerente do sistema


financeiro exibem um papel central, embora na formalização do pensamento keynesiano a
ênfase na queda da demanda agregada no modelo IS-LM negligenciou o papel importante da
incerteza e do risco e da fragilidade sistêmica dos mercados e instituições financeiros na
explicação keynesiana.

A maioria dos economistas analisa a Grande Depressão hoje numa perspectiva global, não
somente em seus efeitos globais, mas também na ênfase de que as tendências recessivas que
se tornavam a Grande Depressão tinham suas origens na Europa (e possivelmente lá antes do
que nos Estados Unidos), bem como nos Estados Unidos, enfatizando também a fraqueza do
setor da agricultura com preços depressivos para grande parte do período entre as guerras
que se tornou catastrófica em tempos da Grande Depressão, prejudicando seriamente países
exportadores de produtos primários, como o Brasil. Com isto explicações de Friedman e
Schwartz focando nos eventos nos Estados Unidos e nos erros da Federal Reserve na sua
politica monetária perdem um pouco de sua força central explicativa. A corrente mais
importante do pensamento econômico na explicação da propagação da crise no nível global,
bem como da explicação dos erros das politicas econômicas, é o peso que economistas como
Temin [1991] e Eichengreen [1992] atribuíam às regras de padrão (câmbio) ouro com seu viés
deflacionista. Esta explicação parece ser aceita hoje de forma geral pelos economistas. As
tendências do capitalismo global de criar ciclos econômicos de expansão e recessão já foram
analisadas por economistas no período entreguerra na teoria conjuntural.

A narrativa sobre o papel do padrão ouro

Temin [1991] e Eichengreen [1992] argumentam que o sistema monetário internacional do


padrão (câmbio) ouro no período entre as guerras baseava se em uma ideologia econômica
que favorece politicas deflacionistas e não intervencionistas nos tempos da crise aumentando
os problemas econômicos. Priorizando a paridade da moeda nacional com o ouro (uma taxa
fixa de câmbio) os bancos centrais nem poderiam seguir uma política monetária expansionista
para recuperar a economia numa crise, nem poderiam agir como emprestador de última
instancia para salvar os bancos fragilizados na crise. Eles também argumentam que o padrão
câmbio ouro foi a principal força que propagou o colapso econômico para o ambiente global.
As nações que abandonaram o padrão ouro rapidamente na crise forem também as primeiras
a se recuperar da depressão.

Eichengreen e Temin também apontam a falta de coordenação internacional como uma


explicação importante para a profundidade e duração da Grande Depressão. Na Grande
378

Recessão na crise de 2008/2009 esta lição foi aprendida, com os bancos centrais e os governos
introduzindo intervenções expansionistas coordenadas para recuperar as economias nacionais
e a economia global. Kindleberger [1973] enfatiza a falta de uma liderança econômica global
na coordenação das políticas e a falta do emprestador internacional de última instância, que o
Reino Unido, e o ‘Bank of England’ e a libra assumiram nos tempos do padrão ouro antes da
Primeira Guerra Mundial. No período entre as guerras o Reino Unido não podia mais assumir
este papel, por causa da fragilidade da economia inglesa e da libra, e os Estados Unidos não
queriam assumir este papel por causa de tendências políticas isolacionistas. O resultado foi
uma desorganização internacional, estratégias nacionais de salve se quem puder, com políticas
de empobrecer a vizinhança como protecionismo, corridas de desvalorizações, e criação de
esferas de interesse das nações mais fortes.

Eichengreen e Temin [2010, p. 3 p.] resumem sua avaliação do papel da ideologia do padrão
ouro na eclosão e propagação da Grande Depressão:

Keynes estava claro sobre o impulso que desencadeou a Grande Depressão. Ele disse, em
meados de 1931, que na "queda do investimento (...) encontro - e acho sem qualquer dúvida
ou reservas - toda a explicação do estado atual das coisas". (Keynes 1931, pp. 349-351).
Seguimos Keynes, mas tomamos o argumento um passo adiante. As políticas monetárias e
fiscais apertadas do final da década de 1920, que induziram o investimento a cair, foram
devidas à adesão dos formuladores de políticas à ideologia do padrão-ouro. As escolhas nos
anos em torno de 1930 foram feitas de acordo com uma cosmovisão em que a manutenção do
padrão-ouro, tal como era no final dos anos 1920, era o pré-requisito primário para a
prosperidade. Como resultado dessa ideologia, as autoridades monetárias e fiscais
programaram políticas de contração quando a visão retrospectiva mostra claramente que eram
necessárias políticas expansionistas. (...).
Tanto os decisores políticos como as pessoas afetadas pelas suas ações operavam dentro deste
regime [do padrão ouro]. Quando pensavam em ações alternativas, pensavam em alternativas
dentro deste regime, isto é, dentro do padrão-ouro. Alternativas fora do regime não foram
levadas a sério, quer pelos responsáveis políticos, quando propostas, quer pelos investidores e
consumidores quando empreendidas. Elas foram interpretadas como aberrações do regime
padrão-ouro estável.
A narrativa dos Keynesianos

O foco dos Keynesianos na explicação da Grande Depressão está na queda da demanda


agregada, a queda causada em primeiro lugar pela queda dos investimentos em um ambiente
de mudanças abruptas das expectativas dos agentes econômicos. Os Keynesianos enfatizam
que os agentes econômicos agem em um ambiente de incerteza e risco, em um ambiente de
informação imperfeita e assimétrica. Por esta razão as decisões de investimentos reais e
financeiros são muitas vezes não somente baseadas em cálculos racionais, mas também nos
instintos animais dos investidores baseados em otimismo ou pessimismo espontâneo.
Kindleberger e Aliber [2011] acrescentam que o otimismo exagerado pode levar para bolhas
especulativas nos mercados acionários, imobiliários e de commodities e sua reversão abrupta
379

no estouro das bolhas levando a pânicos financeiros e crises da economia financeira e real. O
gatilho para uma mudança das expectativas pode ser uma falência de uma empresa
importante, a quebra do mercado acionário ou de outros mercados financeiros, rupturas
súbitas de fluxos internacionais de capital, ou simplesmente a percepção do que os riscos dos
investimentos feitos eram maiores do que percebidos anteriormente.

Keynes [versão eletrônica da The General Theory (...), p. 103] descreve a importância da
informação imperfeita, da incerteza e do risco que acompanha os negócios:

(..) existe a instabilidade devida à característica da natureza humana de que grande parte de
nossas atividades positivas dependem do otimismo espontâneo e não de uma expectativa
matemática, moral, hedonista ou econômica. A maioria, provavelmente, de nossas decisões de
fazer algo positivo, cujas consequências totais serão extraídas ao longo de muitos dias, só pode
ser tomada como resultado de espíritos animais - de um impulso espontâneo à ação em vez da
inação, e não como resultado de uma média ponderada de benefícios quantitativos
multiplicados por probabilidades quantitativas. A empresa só finge ser principalmente acionada
pelas declarações em seu próprio prospecto, por mais cândido e sincero que seja. Apenas um
pouco mais do que uma expedição para o Polo Sul, [uma ação de negócios] é baseado em um
cálculo exato dos benefícios que virão. Assim, se os espíritos animais estiverem abatidos e o
otimismo espontâneo falhar, deixando-nos depender apenas de uma expectativa matemática,
o empreendimento se desvanecerá e morrerá, embora os temores de perda possam ter uma
base não mais razoável do que as esperanças de lucro antes. (...)
Isto significa, infelizmente, não só que as recessões e depressões são exageradas em grau, mas
que a prosperidade econômica é excessivamente dependente de um ambiente político e social
que é adequado ao homem médio de negócios. Se o medo de um governo trabalhista ou de um
New Deal deprime a empresa, isso não precisa ser resultado de um cálculo razoável ou de um
enredo com intenção política - é a mera consequência de perturbar o delicado equilíbrio do
otimismo espontâneo. Ao estimar as perspectivas de investimento, devemos ter em conta,
portanto, os nervos e a histeria e até mesmo as digestões e reações ao clima daqueles de cuja
atividade espontânea depende em grande parte [o investimento].
A hipótese de mercados financeiros instáveis foi levantada mais adiante por Minsky [2008 e
1984]. Seguindo Minsky as empresas perseguem três tipos de estratégias financeiras.
Financiamento protegido (‘Hegded finance’) refere-se a situações em que as empresas têm
fluxos de caixa maiores do que os serviços sobre a dívida (juros e amortizações).
Financiamento especulativo refere-se a situações, quando os fluxos de caixa são maiores ou
iguais aos pagamentos de juros, mas não conseguem diminuir a dívida existente, a dívida
precisa ser sempre rolada o que pode se tornar difícil em tempos da crise. Financiamento
Ponzi é o financiamento mais arriscado e acontece, quando os fluxos de caixa são insuficientes
para pagar os juros da dívida e as empresas precisam sempre acumular dívida adicional para
financiar os juros. Financiamento Ponzi pode evitar a falência da empresa a curto prazo, mas
não pode ser perseguido a longo prazo sem default, porque a dívida cresce exponencialmente.

Minsky advertia que os indivíduos são excessivamente exuberantes em tempos da expansão


econômica e excessivamente pessimistas em tempos da crise. Em períodos de crescimento
380

elevado as empresas conseguem mais empréstimos e tomam mais empréstimos. Os bancos


concedem mais empréstimos por que o valor das empresas e dos colaterais está aumentando.
Num certo ponto de tempo o excessivo otimismo está se acabando. Quando a confiança
diminui, os créditos tornam-se mais escassos. As empresas começam a vender ativos, com os
preços em queda à deflação aumenta o peso real da dívida e muitas empresas entram em uma
situação de financiamento especulativo ou financiamento Ponzi. A fragilidade financeira dos
fundamentos financeiros das empresas é a força atrás dos ciclos de negócios em uma
economia capitalista seguindo Minsky. A teoria de Fisher [1933] de deflação de dívida aponta
para os efeitos nocivos de uma deflação sobre o peso real das dívidas e dos serviços das
dívidas e com isto para a fragilidade das empresas e dos bancos numa crise.

Uma versão um pouco diferente da visão keynesiana é a versão de Koo [2015 e 2009] de uma
recessão acompanhada de endividamento insustentável do setor privado (‘balance sheet
recession’). Koo [2015, posição 623 pp.] adverte que recessões de deterioração do balanço das
empresas somente acontecem quando uma bolha especulativa em âmbito nacional financiada
por dívida estoura como possivelmente em 1929 nos Estados Unidos, mas, sem dúvida, no
Japão na década de 1990, e nos Estados Unidos, Espanha, Irlanda e no Reino Unido na crise
financeira global de 2008/2009. Quando empresas e/ou famílias são altamente endividadas
elas tentam repagar dívida em vez de se endividar novamente para financiar investimentos,
residências, e consumo de bens duráveis. Koo adverte que em uma recessão dos balanços das
empresas uma política monetária extremamente expansionista, como na crise de 2008/2009,
não pode surtir efeito por que não existe demanda para créditos, nem a taxas de juros muito
baixas, porque os agentes econômicos precisam repagar dívidas antigas (desalavancagem ,
‘deleveraging’). Neste caso Koo adverte que o Estado precisa se endividar e aumentar seus
gastos para substituir demanda agregada do setor privado.

A substituição da queda da demanda agregada do setor privado pelo aumento da demanda


agregada do setor público pode ser vista também o foco das estratégias keynesianas para
combater uma depressão como a Grande Depressão. Uma política fiscal expansionista é a
principal intervenção necessária do governo para substituir a queda da demanda agregada do
setor privado e levar a economia à recuperação. Importante também é uma política monetária
expansionista, embora o próprio Keynes fosse cético a eficiência da política monetária em uma
crise profunda. Importante são também políticas sociais que diminuem os problemas de
desemprego e da pobreza. No ambiente da crise uma intervenção importante do Estado na
economia foi a ampliação do Estado de bem-estar social. O capitalismo pós Segunda Guerra
Mundial tornou-se com as intervenções um capitalismo organizado e regulado. Seguindo a
381

crise financeira global de 2008/2009 muitos economistas da corrente keynesiana enfatizam


medidas do Estado para combater a crescente desigualdade de renda e de poder visto como
uma fonte das crises do capitalismo global na era neoliberal.

A narrativa de Friedman e Schwartz

Friedman e Schwartz [2009] argumentaram que o FED foi responsável pela profundidade e
duração da Grande Depressão, os erros da política monetária do FED faziam de uma recessão
normal uma Grande Depressão. Com uma diminuição quase proporcional do estoque de
moeda nominal à queda do nível dos preços entre 1929 e 1933, o estoque de moeda real
permaneceu quase constante, eliminando um dos mecanismos que poderiam ter levado à
recuperação. Friedman e Schwartz afirmam que a política monetária fracassou completamente
no combate à crise bancária, porque o FED e outros bancos centrais não funcionavam como
emprestador de última instância para evitar maciças falências bancárias. Olhando para a
paridade externa da moeda, fluxos de ouro, e fugas de capital os bancos centrais dentro da
ideologia de padrão ouro nem poderiam expandir a quantidade de moeda nem poderiam agir
como emprestador de última instância para salvar os bancos. No sentido mais amplo a teoria
monetarista explica recessões e depressões por falhas politicas contrário aos Keynesianos que
explicam elas pela instabilidade do setor privado consequência da incerteza inerente nas
decisões econômicas que leva a falhas dos mercados e a rigidez dos preços que evita um ajuste
automático da economia em direção ao pleno emprego.

Friedman e Schwartz [2008, p. 3 p.] resumam sua avaliação das causas da Grande Depressão
de seguinte forma:

A contração é de fato um testemunho trágico da importância das forças monetárias. É verdade


que, à medida que os acontecimentos se desenrolam, o declínio do estoque de dinheiro e o
quase colapso do sistema bancário podem ser considerados como uma consequência das forças
não monetárias nos Estados Unidos e das forças monetárias e não monetárias no resto do
mundo. Tudo depende de quanto é assumido como dado. Pois também é verdade que, como
veremos, ações diferentes e praticáveis pelas autoridades monetárias poderiam ter impedido o
declínio do estoque de moeda - de fato, poderia ter produzido quase qualquer aumento
desejado no estoque monetário. As mesmas ações também teriam aliviado as dificuldades
bancárias de forma apreciável. A prevenção ou moderação do declínio do estoque de moeda,
muito mais a substituição pela expansão monetária, teria reduzido a severidade da contração e
quase tão certamente a sua duração. A contração ainda pode ter sido relativamente grave. Mas
é dificilmente concebível que a renda monetária poderia ter diminuído em mais de metade e os
preços em mais de um terço em quatro anos, se não houvesse declínio no estoque de moeda.
Temin [1991, p. 46 p.] é cético a versão de Friedman e Schwartz com vista nas crises bancárias
de 1930, 1931 e 1933 como mecanismo primário da propagação da crise nos Estados Unidos
em conjunto com o fato da morte do presidente da FED Benjamin Strong em 1928. Temin [p.
50 p.] argumenta que as falhas bancárias em novembro e dezembro de 1930 foram um menor
382

evento na Grande Depressão. Na segunda crise bancária Temin [p.78 p.] adverte que a decisão
da FED de aumentar a taxa básica (com queda do estoque monetário) para defender o valor
externo do dólar e não seguir a desvalorização da libra aprofundou e prolongou a depressão.
Aqui ele segue a análise de Friedman e Schwartz. As crises bancárias e cambiais de 1931 na
Austria e Alemanha, seu contágio para a crise no Reino Unido que levou a saída de padrão
ouro e a desvalorização da libra em setembro de 1931 e seus reflexos nos Estados Unidos, são
um aviso para a importância das crises bancárias, das politicas monetárias e do papel do
padrão ouro na explicação da profundidade e da duração da Grande Depressão.

A narrativa da escola austríaca e de Schumpeter

Na narrativa da escola austríaca (von Mises, Hayek, Rothbard, etc.) as causas de uma recessão
ou depressão encontram-se sempre na expansão (‘boom’) anterior. A expansão econômica é
financiada pela expansão de crédito para consumo, investimento e especulação. Crédito
barato e fácil e taxas baixas de juros levam a investimentos equivocados, expansão da
produção acima da demanda, endividamento insustentável e bolhas especulativas. Quando a
expansão do crédito cessa por causa de um choque negativo (falência de uma empresa
importante, crise política, queda do mercado das ações etc.), a bolha especulativa estoura,
alguns investimentos mostram-se falhos e a produção precisa ser reduzida, o desemprego
aumenta. A crise é vista como uma crise de superprodução (mais especifico de
superinvestimento como consequência da expansão do crédito e da taxa de juros muito baixa)
levando a uma crise da taxa de lucro: a crise neste sentido funciona como um mecanismo de
limpeza que destruí capital (os investimentos falhos) para possibilitar novamente a expansão e
uma recuperação da taxa de lucro.

Rothbarth [2000, e, 2009], visto como um dos defensores mais extremos da escola austríaca,
aponta a teoria austríaca como aplicável a todos os ciclos de negócios, e especialmente para
explicar a Grande Depressão:

Alguns economistas estão dispostos a admitir que a teoria austríaca pudesse “às vezes” dar
conta de expansões cíclicas e depressões, mas acrescentando que outras instâncias podem ser
explicadas por diferentes teorias. No entanto, como afirmamos acima, acreditamos seria um
erro: consideramos que a análise austríaca é a única que explica os ciclos econômicos e seus
fenômenos familiares. Crises específicas podem, de fato, ser precipitadas por outras
intervenções do governo no mercado. [Rothbarth, 2000, p. 55]
O principal impacto da Grande Depressão sobre o pensamento foi a aceitação universal da
visão de que o capitalismo de "laissez-faire" era o culpado. [Rothbarth, 2000, p. xxxvii]
Ludwig von Mises, sozinho armado com uma correta teoria do ciclo econômico, foi um dos
poucos economistas a prever a Grande Depressão e, portanto, o mundo econômico foi forçado
ele ouvi-lo com respeito. [Rothbarth, 2009, p. 43]
383

O ciclo não é provocado por qualquer falha misteriosa da economia de livre mercado, mas pelo
contrário: por uma intervenção sistemática do governo no processo de mercado. A intervenção
do governo provoca a expansão dos bancos e a inflação, quando a inflação chega ao fim, o
subsequente ajuste da depressão entra em jogo. [Rothbarth, 2009, p. 28]
Até hoje, também entre os economistas, a explicação e a análise misesianas da depressão
ganharam grandes avanços precisamente durante a Grande Depressão dos anos 30 - a própria
depressão que é sempre defendida pelos defensores da economia de livre mercado como a
única maior e catastrófica crise do capitalismo laissez-faire. Não era tal coisa. 1929 foi tornado
inevitável pela expansão vasta do crédito bancário durante todo o mundo ocidental durante os
1920s: Uma política deliberada adotada pelos governos ocidentais, e mais importante, pelo
sistema de ‘Federal Reserve’ nos Estados Unidos. Foi tornada possível pela falha do mundo
ocidental para retornar a um padrão de ouro genuíno após a Primeira Guerra Mundial, e assim
permitir mais espaço para políticas inflacionárias pelo governo. Todo mundo agora pensa no
presidente Coolidge como um crente no laissez-faire e uma economia de mercado sem
entraves; Ele não era, e tragicamente, em nenhuma parte menos do que no campo da moeda e
do crédito. [Rothbarth, 2009, p. 28]
Muitas economistas aceitam a ideia que a bolha de crédito nos Estados Unidos (e também dos
créditos americanos para a Alemanha) seja uma das causas para a eclosão da Grande
Depressão, mas negam uma unicausildade para a crise.

Schumpeter representa uma tradição um pouco diferente da escola austríaca, por esta razão
sua análise da Grande Depressão está comparada a análise de Hayek seguindo um artigo de
Klausinger [1995]. Na visão do Hayek [Klausinger, 1995, p. 96 p.] o ciclo conjuntural é
consequência do investimento excessivo das empresas incentivado por uma taxa de juros
abaixo da taxa natural de juros (como consequência da criação de moeda através de criação de
crédito (ao invés de um aumento genuíno da poupança)), a versão acima descrita da teoria
austríaca. A prosperidade no sentido de Schumpeter depende em primeiro lugar da inovação
dos empreendedores financiada pelo crédito bancário, quando competidores, que copiam as
inovações, destruam os lucros monopolistas dos inovadores e empresas velhas que não
implementavam as inovações são destruídas a recessão começa. Schumpeter [Klausinger p.
96] também considera efeitos secundários, mudanças das expectativas, cálculos errados, e
efeitos multiplicadores que reforçam os efeitos primários. Schumpeter também diferencia os
ciclos conjunturais através seus períodos: Kondratieff (longo prazo), Juglar (normal, ciclo
conjuntural) e Kitchin (curto prazo).

Schumpeter e Hayek concordam em duas perspectivas [Klausinger, 1995, p. 104]: Primeiro: a


única forma de evitar uma depressão e evitar a expansão expressiva (‘boom’), e segundo:
tentativas de iniciar uma recuperação da economia através de políticas monetárias e fiscais
anticíclicas interferem na função de limpeza (‘liquidation’) da depressão e não são eficazes ou
ainda pioram a próxima depressão.
384

Em relação a explicação da Grande Depressão Schumpeter [2010, p. 936] enfatiza o fato da


coincidência dos três ciclos, Kondratieff, Juglar e Kitchin. Schumpeter [Klausinger, 1995, p. 108]
aponta que fatores externos tornavam a Grande Depressão uma catástrofe. Entre eles ele
menciona mudanças institucionais, políticas fiscais, sociais, salariais e monetárias, e fatores
contingentes, que levavam para um capitalismo diferente do capitalismo intato do século XIX.

Hayek enfatiza, seguindo a teoria austríaca, o investimento exagerado (‘overinvestment’)


causado pela política monetária expansionista da longa expansão da década de 1920
[Klausinger, 1995, p. 108] e as políticas fiscais e monetárias na Grande Depressão que
prolongavam a crise. Hayek também menciona políticas fiscais focadas em altos gastos e altos
impostos antes da Grande Depressão como um fator que levou a uma escassez de capital.

Schumpeter e Hayek não identificam o sistema monetário de padrão (câmbio) ouro como fator
causal da Grande Depressão. Em seu livro “Konjunkturzyklen’ Schumpeter [1961, p. 935 pp.]
aponta a coincidência dos três ciclos de duração diferente como fator mais importante para
explicação a Grande Depressão, mas levando também em conta os fatores das mudanças
estruturais como impactos da Primeira Guerra Mundial, embora ele não avalie estas mudanças
como tão prevalentes como Eichengreen e Temin. Ele inclui também fatores monetários e
contingentes, com isto sua teoria torna-se mais multicausal do que a teoria austríaca.

Por razões conhecidas [os ciclos de inovação] o desenvolvimento capitalista traz distúrbios
[ciclos de expansão e depressão]. (...). Nestas expansões há alguns em que os ajustes a longo
prazo e mais profundos e às mudanças industriais de curto prazo e menos profundas não
ocorrem simultaneamente, e outros em que este é o caso. No primeiro caso os sintomas sejam
menos sérios; no segundo caso (...) mais sérios. [Schumpeter, 1961, p. 936]
[Sobre o endividamento problemático de empresas e consumidores]. Na maneira em que as
empresas, bem como as famílias nos anos da década de 1920 se endividavam, é claro que o
fardo crescente - em muitos casos [relacionados] com a queda no nível de preços - teve um
significado causal para a repentina queda para baixo na depressão. (...). Eles [os excessos
especulativos] devem ser atribuídos ao clima espiritual [de otimismo] do tempo, a política de
dinheiro barato e as práticas comerciais das empresas que estavam procurando aumentar suas
vendas. [Schumpeter, 1961, p. 936]
A falência de bancos são eventos muito regulares (embora não essenciais) durante cada grande
crise (...). Os fatores externos desempenharam um papel. (...) mais perturbador nas mudanças
políticas e sociais do período pós-guerra, (...), mas com menos relevância para a crise. (...).
Houve uma classe importante de "compreensíveis, mas menores efeitos colaterais". Neste
caso, eles podem ser corroborados com as atividades de homens como Hatry ou Kreuger e no
caso da Alemanha, na prática da personalidade impulsiva do homem que conduzia o
Danatbank. [Schumpeter, 1961, p. 937 p.]
A narrativa neomarxista

A teoria marxista e neomarxista (Marx, Sweezy, Mandel, etc.) enfatiza que as crises do
capitalismo são em último lugar consequência de uma crise da taxa de lucro que se aprofunda
quando o superinvestimento e o subconsumo (consequência do aumento da desigualdade da
385

renda) tornam se óbvios e uma crise como mecanismo de limpeza do sistema econômico
precisa destruir capital para recuperar a taxa de lucro para um nível aceitável para a classe
dominante.

Para Marx crises são vistas como um subproduto das contradições internas do sistema
capitalista não consequência de fatores exógenos [Solimano, 2014, p. 117]. Solimano [p. 117
p.] enfatiza três fatores para uma crise capitalista de superprodução, superinvestimento e
subconsumo: (1) A tendência da queda da taxa de lucro (consequência da substituição do fator
trabalho pela inovação tecnológica na visão de Marx, mas sujeito a tendências
compensatórias), que é uma tendência em longo prazo que dificilmente pode explicar crises
cíclicas. Mas, sem dúvida, cada crise num sistema capitalista é uma crise da taxa de lucro [taxa
de lucro atual, mas também e em primeiro lugar da taxa esperada de lucro]. (2) A tendência
para o subconsumo implicando crises de realização, na terminologia keynesiana uma falta de
demanda agregada. (3) A desproporcionalidade entre o setor de produção de bens de
investimento e bens de consumo, supondo uma expansão exagerada de um setor em relação
ao outro. Em modelos keynesianos este problema aparece no modelo de acelerador –
multiplicador.

Howard e King [1992, volume 2, p. 19] resumem a análise marxista da Grande Depressão da
seguinte forma: “No entanto, análises marxistas da Depressão se mostravam de certa forma
deficiente, e a razão final é semelhante ao caso da teoria neoclássica burguesa [antes do
Keynes]: eles não tinham uma teoria adequada da demanda efetiva. ” Howard e King [1992,
volume 2, p. 3] identificam duas perguntas centrais que os economistas marxistas levantavam
na tentativa de explicar a Grande Depressão: “O que ela significava para o futuro do sistema
capitalista e as perspectivas para o socialismo? E como ela poderia ser explicada
consistentemente com a teoria de Marx da crise? ” Entre os teóricos marxistas a natura da
crise foi um assunto controverso, porque uma teoria elaborada unificada marxista das crises
econômicas não existia, e provavelmente não pode existir, por causa da singularidade histórica
de cada crise, e especialmente da Grande Depressão. Alguns teóricos viam a Grande
Depressão como a agonia da morte ou a crise final do capitalismo, mas a história mostrou em
outra direção com a ascensão do fascismo na Alemanha, o “New Deal” nos Estados Unidos e
uma crescente intervenção do Estado na economia em outros países; a crise parecia abrir mais
os caminhos de reação ou reforma do que da revolução [Howard e King 1992, volume 2, p. 3].

Howard e King [Howard e King 1992, volume 2, p. 19] resumem sua avaliação dos
pensamentos neomarxistas sobre a crise da seguinte forma:
386

As análises marxistas da Depressão mostraram-se ser semelhantes as análises dos economistas


burgueses: faltava uma teoria adequada da demanda efetiva. Os marxistas dos anos 1930
falhavam em superar esses defeitos, mas as vertentes dominantes de desproporcionalidade e
subconsumismo indicaram que estavam trabalhando para fazê-lo.
É importante anotar que faltava também uma análise da importância do lado monetário das
crises, bem como as perspectivas das crises bancárias, cambiais, de rupturas súbitas dos fluxos
internacionais de capital, e de dívidas soberanas para explicação da crise.

È importante anotar que na Alemanha o partido Socialdemocrata em 1932 não apoiou


initiciativas (a proposta de Wageman e outros) de programas de criação de empregos no
sentido keynesiano, fixado na ideologia neoclássica, no medo de uma possível inflação como
impacto de politicas fiscais e monetárias expansionistas, na função da crise de limpar os
excessos da expansão.

Convergências e controvérsias

A escola austríaca aponta para uma expansão expressiva do crédito como fonte das crises do
capitalismo. Como a expansão do crédito somente é possível com uma política monetária
acomodativa do banco central o culpado pela crise está aqui também em primeiro lugar a
política equivocada do banco central e do governo.

Embora a ênfase em atores, instituições, eventos, teorias e fatores históricos e contingentes


são divergentes entre as diferentes correntes de pensamento econômico, existe agora certa
convergência na narrativa geral sobre a Grande Depressão. Uma recessão tornou-se (com foco
nos Estados Unidos e na Alemanha) a Grande Depressão por causa das distorções econômicas,
políticas e sociais como herança da Primeira Guerra Mundial, por falhas de mercado, bolhas,
rupturas súbitas e crises bancárias, e erros dos governos e bancos centrais, além de fatores
contingentes. Convergencia existe na multicausalidade da Grande Depressão. A ideologia do
padrão ouro com seu viés deflacionista propagou a Depressão para o âmbito global e o
pensamento do liberalismo econômico com a crença que as forças de mercados livres de
retornar as economias automaticamente para o pleno emprego paralisou governos e bancos
centrais e com isto aprofundou e prolongou a crise. A crise bancária e cambial na Áustria e
depois Alemanha em verão de 1931 e visto como um fator importante para explicar o
aprofundamento e a prolongação da crise com seu contágio para o Reino Unido e os Estados
Unidos. Desequilíbrios globais com os Estados Unidos como credor global e países como
Alemanha e Brasil dependendo dos fluxos de capital norte-americano levavam a crises
financeiras para estes países quando os fluxos começavam a diminuir em 1928 e secando
totalmente depois. As crises financeiras, a deflação aguda e prolongada, a desintegração do
comércio internacional levava empresas, bancos, governos a beira da falência e do default,
387

que mudavam expressivamente as expectativas dos atores econômicos, aumentavam a queda


da demanda agregada e finalmente levavam a uma espiral viciosa de falências, desemprego e
deflação. A falta de ações coordenadas dos governos nacionais e a falta de ideologias e
estratégias poderosas e convincentes de combater a crise levou a crise mais séria do
capitalismo global, a Grande Depressão.
388

c. A crise econômica global na década de 1970 e 1980


Os anos sessenta terminavam mal em todos os lugares. O fechamento do ciclo longo de
crescimento e prosperidade do pós-guerra dissipou a retórica e os projetos da Nova Esquerda;
a ênfase otimista sobre a alienação pós-industrial e a qualidade sem alma da vida moderna logo
seria substituída por uma renovada atenção ao emprego e salários. (...). Em ambos os lados da
Cortina de Ferro as ilusões foram deixadas de lado. Somente os verdadeiramente radicais
ficavam com a determinação de permanecer fora do consenso político, um compromisso que
os levou para a clandestinidade, violência e crime na Alemanha e na Itália, como nos EUA e na
América Latina. (...). Em 15 de agosto de 1971, o presidente americano Richard Nixon
unilateralmente anunciou que seu país estava abandonando o sistema de taxas de câmbio
fixas. (...). No dia 6 de outubro de 1973, o Yom Kippur (Dia do Perdão) do calendário judaico,
Egito e Síria atacaram Israel. Dentro de vinte e quatro horas os países exportadores de petróleo
árabes haviam anunciados planos para reduzir a produção de petróleo; Dez dias depois, eles
anunciaram um embargo de petróleo contra os EUA em retaliação por seu apoio a Israel e o
preço do petróleo aumentou em 70 por cento. (...). Com isto começou o fim da era mais
próspera da história registrada. (...). Ao longo dos anos setenta um número crescente de
políticos chegou à convicção de que a inflação agora colocava maiores riscos do que altos níveis
de desemprego especialmente por que os custos humanos e políticas de desemprego foram
institucionalmente aliviados. Tony Judt, Postwar
Gentlemen, the dollar is our currency. And from now on, it is your your problem John
Connally, US Treasury Secretary, 197179
A “crise financeira” [de 2008/2009], a atual crise da dívida soberana [na área do euro], parece
ser mais uma permutação de um velho conflito entre capitalismo e democracia que se
reafirmou após o final do período de crescimento pós-guerra. As calamidades de hoje eram
precedidas de inflação alta no final dos anos 1960 e nos anos 1970, o aumento dos déficits
públicos na década de 1980, e o crescente endividamento privado nas décadas de 1990 e 2000.
Em cada caso, os governos foram confrontados com exigências populares de prosperidade e
segurança que eram incompatíveis com as dinâmicas dos mercados. A inflação, os déficits e a
expansão do crédito não devem ser entendidos como resultado da gestão económica com
defeito, mas como tapa-buracos temporários para satisfazer simultaneamente as
reivindicações democráticas de justiça social e económica. (...) Como o local do conflito
distributivo se mudou com o tempo do mercado de trabalho e das relações industriais para a
política de gastos públicos, e em seguida, para a concessão de crédito as famílias, e de lá para a
diplomacia fiscal internacional, o conflito tornou-se cada vez mais isolado das pressões
democráticas populares. Ao mesmo tempo, os riscos políticos e económicos associados com as
contradições de capitalismo democrático aumentavam, com consequências potencialmente
negativas para a integração social das políticas democráticas, bem como para a integração
sistêmica das economias avançadas de mercado. (...) Em um ensaio seminal em 1943, Michal
Kalecki identificou a “confiança” dos investidores como um fator crucial que determina o
desempenho económico (Kalecki 1943). A confiança dos investidores, de acordo com Kalecki,
depende do grau em que as expectativas dos lucros atuais dos proprietários de capital são
confiavelmente sancionadas pela distribuição do poder político e suas políticas. (...)
Wolfgang Streeck, The Crisis in Context – Democratic Capitalism and Its Contradictions
i. Introdução

Com o fim do período de reconstrução das economias que sofriam na II Guerra Mundial e na
ocupação nazista na década de 1970 começou uma crise econômica mundial nos países
avançados que mudou o cenário econômico. O Plano Marshall no fim da década de 1940 tinha
estimulado o crescimento econômico elevado nos países da Europa ocidental, chamado a era
de ouro por Hobsbawm ou os trinta anos gloriosos pelos franceses, caracterizando um período
389

do rápido crescimento do PIB, da produtividade do trabalho, do emprego, dos salários reais e


dos benefícios do Estado de bem-estar social em um ambiente de uma inflação controlada e
do desemprego em queda. Este desenvolvimento rápido das economias, incluindo Japão e os
Estados Unidos e a concorrência sistêmica com os países do socialismo burocrático na União
Soviética, no leste Europeu, na China e Vietnã [também na Coreia do Norte e desde a década
de 1960 na Cuba], criou um clima político onde o Estado de bem-estar social foi expandido em
muitos países capitalistas. O paradigma keynesiano tornou-se o pensamento hegemônico em
muitos países da Europa ocidental e América de Norte, garantindo acesso aos produtos de
consumo para a maioria da população, empregos seguros a salários crescentes, embora para
muitos trabalhadores no paradigma taylorista/fordista o trabalho torna se fragmentado,
monótono, repetitivo e alienante. Nas grandes empresas houve uma hierarquia burocrática
pesada, diferenciando entre a administração que ficava com as tarefas criativas de
planejamento, decisão e controle, deixando os trabalhadores manuais e os funcionários
simples de colarinho branco com tarefas repetitivas e monótonas. O Estado de bem-estar
social estendeu uma rede de segurança social para os desempregados, doentes e idosos, para
os excluídos do progresso econômico e garantiu certa estabilidade e coesão social. Uma
economia em plena expansão facilitou o financiamento da expansão do Estado de bem-estar
social. A politica dos Estados, seja sob governos conservadores ou socialdemocratas, foi
orientada por uma politica de pleno emprego e da extensão dos direitos e benefícios sociais,
embora na Alemanha a teoria keynesiana fosse plenamente inserida nas politicas somente
depois de uma curta e amena recessão em 1966/1967. Estas décadas depois da segunda
Guerra Mundial foi também um ambiente onde as desigualdades sociais, especialmente da
renda, foram menores do que nas décadas seguintes. A guerra fria entre o mundo capitalista
[chamado na época primeiro mundo], o mundo de socialismo burocrático [chamado na época
segundo mundo] atrás da cortina de ferro e os países não alinhados [chamados na época
terceiro mundo] dava impulsos econômicos para o Japão, os Estados Unidos e Europa
ocidental [especialmente com a guerra de Coreia de 1950 até 1953] e garantiu para os países
do capitalismo global certa unidade ideológica.

Kalecki [1972] na década de 1940 advertiu que uma politica de pleno emprego poderia
enfrentar a oposição das elites empresariais e financeiras porque num ambiente de pleno
emprego os trabalhadores e seus sindicatos tornam-se mais combativos na politica salarial e
em lutas para a participação no poder nas empresas e na sociedade:

A razão para a oposição dos líderes industriais contra uma politica de pleno emprego alcançada
pelos gastos do governo podem ser subdivididas em três categorias: (a) a antipatia à
interferência do governo no problema do emprego como tal; (b) o desagrado da direção dos
390

gastos do governo (no investimento público e no subsídio ao consumo); (c) a antipatia com as
mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. [Kalecki 1972, p.
423]
De fato, nos últimos anos da década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 os
conflitos trabalhistas aumentavam significativamente nas economias centrais e o modelo
keynesiano-fordista entrou em dificuldades enfrentando na segunda década de 1970 o
problema de estagflação, desemprego em ascensão e inflação crescente em conjunto com a
crise energética de 1973. A guerra dos Estados Unidos em Vietnã e os problemas nas
universidades, que enfrentavam a crescente entrada de novos estudantes, e a rigidez dos
sistemas educacionais levavam a uma revolta dos estudantes em 1968, que pode ser visto
como uma revolução cultural no ocidente, embora Judt [2005] avalie as perspectivas
libertárias nas demandas dos estudantes como uma semente para as estratégias neoliberais da
classe dominante que ganhavam espaço na década de 1970 e tornavam se hegemônicas nas
décadas de 1980 e 1990.

O sistema de Bretton Woods, um sistema monetário internacional com taxas de câmbio fixas,
embora ajustáveis no caso de um desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos, e com
controles de capital rígidos começou a ruir em 1968 e finalmente terminou em 1973 tornando-
se um regime de taxas flutuantes de câmbio e da globalização da produção e das finanças. As
pressões salariais e os choques de preços de petróleo em 1973 e 1979 impactavam em
pressões inflacionárias com tendências recessivas, um choque adverso de oferta. Monetaristas
e neoliberais interpretavam a situação como consequência das intervenções do Estado na
economia e da regulamentação rígida que estrangulavam a livre iniciativa dos agentes nos
mercados, o crescimento econômico e a inovação. A estratégia neoliberal prometia que mais
confiança na dinâmica de mercados livres e menos confiança nas intervenções do Estado pode
estimular novamente crescimento e inovação. As décadas seguintes com a implementação do
paradigma neoliberal nos países centrais mostrava uma onda de inovações, mas também um
aumento significativo e prolongado do desemprego e da desigualdade de renda, riqueza e
poder em muitos países centrais. No Brasil a década de 1970 foi ainda um período de
crescimento acelerado, mas sob uma ditadura militar restringindo fortemente os ganhos
salariais da classe trabalhadora sob um clima de repressão generalizada. A segunda crise dos
preços de petróleo em 1979, a politica monetária restritiva nos Estados Unidos e em outros
países centrais aumentou os custos da dívida externa no Brasil e dificultou novos
endividamentos, e a crise da década de 1970 nos países centrais chegou na década de 1980 no
Brasil, a crise da dívida externa e a década perdida (para o desenvolvimento brasileiro).
391

A tabela a seguir mostra de forma curta as perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos,
do Japão e da Alemanha na era de ouro e nas décadas a seguir.

Tabela 90 Crescimento PIB, PIBpc, Produtividade/hora, Salário real por hora, Taxa de
desemprego, Taxa de Inflação 1951-2012 para Alemanha, Estados Unidos e Japão

Crescimento
Crescimento PIB Crescimento PIBpc
Produtividade/hora
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão
1951-2012 3,3% 3,1% 4,7% 2,7% 1,9% 4,0% 3,2% 1,9% 4,2%
1951-1973 6,0% 3,9% 9,3% 5,0% 2,5% 8,1% 5,8% 2,6% 7,3%
1960-1973 4,6% 4,2% 9,9% 3,7% 2,9% 8,7% 5,4% 2,5% 8,5%
1974-1981 1,9% 2,6% 3,4% 2,0% 1,5% 2,3% 3,0% 1,1% 3,0%
1982-2012 1,7% 2,7% 1,8% 1,2% 1,6% 1,5% 1,4% 1,6% 2,3%
Taxa Desemprego % Taxa Inflação IPC % Crescimento salário real %*
Alemanha EUA Japão Alemanha EUA Japão** Alemanha EUA Japão
1951-2012 5,4% 5,8% 2,7% 2,7% 3,7% 3,1% 3,9% 1,6% 3,5%
1951-1973 3,0% 4,7% 1,9% 2,7% 2,7% 4,8% 6,9% 2,5% 6,9%
1960-1973 0,9% 4,9% 1,3% 3,2% 3,1% 5,9% 7,0% 1,9% 8,2%
1974-1981 3,1% 6,9% 2,0% 4,9% 9,4% 9,0% 3,7% 1,1% 2,1%
1982-2012 7,7% 6,4% 3,3% 2,0% 3,0% 0,7% 1,7% 1,0% 1,3%
Fonte: BLS *até 2011 ** desde 1956

A tabela deixa clara a mudança no crescimento do PIB e da produtividade (queda expressiva


depois de 1974), na inflação (aumento expressivo entre 1974 e 1981, depois com politicas
monetaristas restritivas o controle da inflação), no desemprego (aumento expressivo depois
de 1974) e dos salários reais por hora (aumentos expressivos na Alemanha e no Japão até
1973, depois queda expressiva nestes países e também nos Estados Unidos) depois da crise
começando no fim de 1973.

É possível caracterizar o período pós Segunda Guerra Mundial até a crise da década de 1970
como hegemonia do modelo keynesiano-fordista, também chamado de era de ouro
[Hobsbawm] ou os trinta anos gloriosos pelos Franceses. A crise do sistema monetário
internacional de Bretton Woods 1971 até 1973, a crise energética e os choques dos preços de
petróleo em 1973 e 1979, a estagnação econômica com crescimento do desemprego e
ascensão da inflação foi um cenário para que o Keynesianismo não tivesse receitas. No fim da
década de 1960 a revolta dos estudantes contra a guerra dos Estados Unidos em Vietnã e
contra as ultrapassadas normas sociais foram acompanhadas na França e Itália por lutas
trabalhistas, o período seguinte foi visto como uma revolução cultural e um período de
transformações profundas nos países centrais, bem como no terceiro mundo. No nível
mundial: grupos terroristas nos países centrais, a primavera de Praha e seu fim através da
392

invasão das tropas do pacto de Varsóvia, a revolução cultural na China, a crise no Oriente
médio, a revolução iraniana em 1979 e a redistribuição da renda mundial através dos choques
dos preços de petróleo levou o mundo para um período de incerteza, mas também de
transformações fundamentais.

A quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods em 1971/1973, o aumento


dos conflitos trabalhistas no fim da década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970,
os choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979 são perspectivas importantes para explicar
a eclosão da crise. Seus impactos sobre a ascensão da taxa de inflação nos países centrais na
década de 1970 precisam ser analisados também. Estagnação econômica, inflação e
desemprego crescentes na segunda metade da década de 1970 levavam para certo descrédito
do pensamento keynesiano facilitando a ascensão de ideias monetaristas e neoliberais para
reaquecer a economia estagnada através da liberação da força da dinâmica de mercados
livres, da desregulamentação, da privatização de empresas estatais e dos incentivos ao
comércio livre internacional e da livre movimentação internacional de capitais, um cenário
muitas vezes resumido como globalização produtiva e financeira num ambiente ideológico
neoliberal.

Uma tentativa de periodização das décadas pós 1970

As décadas pós 1970 influenciam de forma expressiva o capitalismo global e precisam ser
analisadas aqui, embora o centro do trabalho esteja nas crises do capitalismo global com
impactos significativos para o Brasil desde a década de 1990, culminando na Grande Recessão
com início em 2008. A crise nos países centrais da década de 1970 chegou com uma
defasagem no Brasil (e na América Latina) na década de 1980 com as crises das dívidas
externas. A crise da década de 1970 foi menos profunda do que a Grande Depressão, como
evidencia a tabela acima, mas teve reflexos políticos, institucionais, econômicos, sociais, e
culturais tão profundos que pode ser vista como outra crise profunda do capitalismo global.
Mas no imaginário público nos países centrais também foi sentida como uma crise profunda
porque acabou com um período de ampla prosperidade.

É importante reconhecer que crises militares e políticas como as duas guerras mundiais tinham
também impactos importantes para o desenvolvimento do capitalismo global e suas crises,
bem como os sucessos na era do ouro da pós-Segunda Guerra Mundial. O olhar não pode ser
somente fixado na história econômica, mas é necessário também refletir as histórias políticas,
culturais e sociais. Neste sentido é interessante que a queda do socialismo burocrático real na
União Soviética em 1991 e no leste europeu depois de 1989 teve impactos econômicos pouco
393

expressivos nos países capitalistas centrais, embora fortalecesse a ideologia neoliberal e fui
interpretada por muitos observadores como uma vitória eterna do sistema do capitalismo
global e da democracia, o fim da história [Fukuyama]. Mas esta euforia rapidamente se
esvaziou. A crise financeira de 2008/2009 lembrou muitos observadores que os velhos
problemas do capitalismo global são ainda existentes: as crises e a distribuição desigual de
renda, riqueza e poder.

Cada periodização de um período de tempo tão extenso como o período pós-Segunda Guerra
Mundial, que é no foco deste trabalho juntamente com a Grande Depressão da década de
1930, é de certa forma arbitrária, porque não reflete as idiossincrasias de diferentes países e
regiões e seus caminhos históricos específicos. O período até a crise profunda na metade da
década de 1970 pós-Segunda Guerra Mundial para os países centrais do capitalismo
democrático, “onde o governo faz intervenções nos mercados para garantir justiça social e
estabilidade demandada por uma maioria votante” [Streeck 2013 [2]] é denominado por
Fourastié [Judt, 2009] os “Les trente glorieuses”, por Hobsbawm [(2) 1997] a era do ouro e por
Arrighi [2010] Fordismo-Keynesianismo e por Streeck [2013] capitalismo “com a correção
política no modelo Keynesiano e Beveridgeano”.

Para o período que começa com a crise econômica mundial de 1973/1975 Streeck [2013 [1] e
[2]] propõe a seguinte periodização com foco especialmente na trajetória da dívida pública e
na trajetória dos Estados Unidos e parcialmente de outros países centrais:

1. Inflação elevada, desemprego em ascensão e dívida pública moderada na década de


1970 [para a avaliação empírica neste trabalho o período foi prolongado até 1983,
quando a inflação nos Estados Unidos parecia domada].
2. De 1980 [aqui no trabalho 1983] até 1993 com inflação baixa e controlada e dívida
privada e pública em ascensão com desemprego ainda em alta.
3. 1994 até 2007 com inflação baixa, a dívida pública em queda e dívida privada em
ascensão [para a avaliação empírica estes dois períodos [de 2. e 3.] foram juntados
[1984 – 2007] por que a queda da dívida pública parece em primeiro lugar um
fenômeno dos Estados Unidos, aonde aconteceu na década de 1990 uma expansão
econômica expressiva]. Este período foi chamado por economistas da corrente
principal [mainstream] “grande moderação” supondo que a estratégia neoliberal
conseguiu estabilizar o capitalismo em relação aos ciclos de crescimento e da inflação
[Wolfson e Epstein, 2013, p.406]. Já antes da crise da década de 1970 alguns
economistas keynesianos pensavam ter domado o ciclo de negócios através das
394

políticas keynesianas anticíclicas. As esperanças foram falsificadas pelas crises da


década de 1970 e da crise financeira global de 2008/2009.
4. Desde 2008 um cenário com inflação baixa, a dívida privada lentamente em queda
(“deleveraging” do setor privado) e da dívida pública explodindo como consequência
de medidas fiscais expansionistas na Grande Recessão, da transferência de dívidas e
riscos do setor privado para o setor público e das medidas de salvamento do sistema
financeiro.

Obviamente esta periodização não se aplica a todos os países industrializados centrais, por
exemplo, no Japão já na década de 1990 houve uma explosão da dívida pública como
consequência da recessão e estagnação da economia japonesa depois do estouro da bolha
especulativa nos mercados acionários e imobiliários [em 1990] e das políticas fiscais
expansionistas para evitar uma recessão mais profunda. Obviamente a periodização também
não se aplica a mercados emergentes como o Brasil, nem a países em transição como Rússia e
os países no leste Europeu, que experimentavam quedas expressivas do PIB e surtos de
inflação muito alta na primeira década depois da transição para estruturas econômicas
capitalistas [na década de 1990].

A interpretação de Streeck desta periodização é que com a crise da década de 1970 a


sustentação do modelo Keynesiano tornou-se mais difícil, especialmente com vista aos custos
crescentes dos benefícios do Estado de bem-estar social em tempos de crise. Com inflação e
desemprego em ascensão conjunta na década de 1970 as receitas keynesianas para combater
uma crise tornavam-se ineficazes e ideias monetaristas e neoliberais ganhavam espaço.

No fim da década de 1970 a inflação foi mais temida do que o desemprego em ascensão, pelo
menos pela maioria dos políticos, empresários, economistas e das mídias com a consequência
do abandono das políticas keynesianas de pleno emprego e a introdução de receitas
monetaristas e neoliberais dos governos Thatcher no Reino Unido e Reagan nos Estados
Unidos se concentrando no combate da inflação e na desregulamentação, privatização, e
abertura da economia seguindo receitas neoliberais.

O discurso político e econômico mudou: abertura dos mercados nacionais (globalização),


privatização das empresas estatais, desregulamentação dos mercados, com foco nos mercados
de trabalho e financeiros, redução de impostos para empresas e as classes abastadas e
tentativas de diminuir os benefícios do Estado de bem-estar social. O aumento da dívida
pública depois da década de 1970 foi atribuído [Streeck 2013 [2]] à pressão dos eleitores e ao
oportunismo dos políticos por teóricos da escolha pública evocando uma falha democrática
395

com viés para déficits públicos e ascensão da dívida pública com consequência para políticas
de redistribuição da renda pelo eleitorado da renda mais baixa. Streeck [2013 [2]] nega esta
explicação, por que desde a década de 1970 a ascensão do endividamento público foi
acompanhada pela queda do padrão de vida das classes desfavorecidas e também da classe
trabalhadora, bem como da queda da força política destas classes pelo enfraquecimento dos
sindicatos pelas políticas neoliberais de Reagan e Thatcher [exemplos são a quebra da greve
dos controladores de tráfego aéreo por Reagan em 1981 e a quebra da greve dos mineiros de
carvão na Inglaterra por Thatcher em 1984/1985]. Streeck considera o baixo crescimento
como responsável pelo aumento da dívida pública e o aumento da dívida privada como
estratégia da classe trabalhadora para defender seu padrão de vida. Rajan [2010] está ainda
mais pronunciada de chamar esta estratégia de keynesianismo privado, estabilizando o
consumo através de endividamento privado que encontrou seus limites na crise financeira
global de 2008/2009.

A seguir é feita uma análise empírica sobre o desempenho econômico e social de seis países da
OCDE nos períodos descritos, Alemanha, Grécia e Suécia como países da Europa continental,
Alemanha (Alemanha ocidental até 1990, Alemanha estatisticamente reunida desde 1991,
embora a reunião jurídica já acontecesse em 1990) como modelo de uma economia de
mercado social, Grécia como a economia europeia mais atingida pela crise financeira global de
2008/2009, Suécia como modelo de uma economia típica de Estado de bem-estar social
escandinavo. O Reino Unido e os Estados Unidos como países seguindo o modelo de
capitalismo mais liberal anglo-saxão, embora o Reino Unido tenha um Estado de bem-estar
social nos moldes de Beveridge bem mais amplo do que os Estados Unidos. E Japão como uma
economia asiática com história institucional e cultural diferente.

O Brasil não se encaixa bom na periodização acima, o grande divisor para o Brasil não está na
década de 1970, mas na década de 1980 com a crise da dívida externa, que foi uma crise da
dívida soberana para muitos países na América Latina, bem como no leste Europeu. Esta crise
da dívida externa já apresenta sintomas que novamente aparecem na crise de certos países na
área do euro depois de 2010. Embora seja importante também apontar para uma diferença
importante: A crise da dívida soberana tinha como fundo uma crise bancária seguindo da crise
financeira global de 2008/2009 que se transformou em uma crise da dívida soberana por causa
da transferência de dívidas e riscos do setor privado para o setor público, pelos custos de
salvamento do setor financeiro e das medidas fiscais expansionistas para evitar uma nova
Grande Depressão em consequência da crise inicial do sistema financeiro. A crítica das mídias
estava apontando para um Estado, que se endividou demais, e receitando uma política cega de
396

austeridade do setor público esquecendo as verdadeiras fontes das crises nos sistemas
financeiros e do setor privado. Embora na Grécia esta crítica acertasse parcialmente em sua
análise, Irlanda e Espanha foram países com dívida pública pouco expressiva antes da crise
financeira global de 2008/2009 e começavam se endividar expressivamente somente depois
da crise.

Análise empírica

Neste capitulo tenta se avaliar empiricamente a periodização de Streeck [2013 [1] e [2]]. No
imaginário público a crise na década de 1970 parecia maior em relação ao crescimento
elevado na era do ouro e no nível muito mais elevado da inflação, embora a recessão nem
fosse tão prolongada nem tão profunda como a Grande Depressão. “No entanto, a dor foi real,
agravada pelo aumento da concorrência nas exportações de novos países industrializados na
Ásia e em contas de importação cada vez mais onerosas, uma vez que as commodities (e não
apenas o petróleo) aumentaram de preço. As taxas de desemprego começaram a aumentar,
de forma constante, mas inexoravelmente” [Judt 2005, p. 457].

Nos países centrais a crise também atingiu o setor industrial, iniciando um processo de
desindustrialização como consequência da terceira revolução industrial [tecnologia de
informação e comunicação e biotecnologia] e pelo aumento da competição pelos países
emergentes. Embora todos os ramos tradicionais de indústria fossem atingidos, a perda de
empregos acelerou se especialmente nos ramos dos estaleiros, produção de aço, e embora
não um ramo industrial, na mineração de carvão. Na Europa Ocidental (West Europe) a
participação da indústria e construção no PIB [em preços correntess] diminui de 34,2% em
1970 para 22,0% em 2000, no emprego de 44,6% para 24,5%, na Europa de Norte a
participação da indústria e construção no PIB ficava estável em 27,1%, no emprego diminui
expressivamente de 37,4% para 24,5%, na Europa do Sul a participação da indústria e
construção no PIB diminui de 25,7% para 22,1%, no emprego de 32,3% para 28,8% [dados de
The Cambridge Economic History of Modern Europe: Volume 2, 2010, posição 6970]. Nos
Estados Unidos a participação da indústria e construção no PIB diminui de 23,9% para 14,5%,
no emprego de 22,6% para 12,6% [dados de Walton e Rockoff, 2010, p. 534].

Depois da crise de 1973/1974 o crescimento econômico médio teve queda significativa,


embora houvesse períodos com crescimento mais forte, na Alemanha depois da reunião
[1990] e nos Estados Unidos em grande parte da década de 1990. A inflação teve ascensão
começando nos últimos anos da década de 1960 e, em alguns países a inflação chegou a dois
dígitos depois dos choques de preços de petróleo em 1973/1975 e 1979/1980. A política
397

monetária fortemente restritiva em 1979 e nos primeiros anos da década de 1980 nos Estados
Unidos e em outros países centrais teve sucesso em controlar a inflação (medida pelo índice
de preços ao consumidor) para as seguintes décadas (com exceção da Grécia até sua entrada
na área do euro), mas aumentando expressivamente o desemprego, o que mostra que a
política de pleno emprego nos anos antes da crise 1973/1974 foi abandonada em favor de
uma política de controle de inflação.

Como os primeiros quatro gráficos mostram, houve até a crise de 1973/1975 forte
crescimento do PIB real com exceção do Reino Unido, mais forte nos países mais destruídos
pela guerra, em um ambiente de inflação controlada. Para Alemanha. Estados Unidos e o
Reino Unido um gráfico mostra o hiato do PIB, mostrando correlação elevada do ciclo entre
Estados Unidos e Reino Unido, menor entre Alemanha e os outros países, com recessões
simultâneas em 1974/1975, 1981/1982 e 2009/2010. A inflação mostra para os países
escolhidos picos nos dois choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979 para ser controlada
na década de 1980, consequência da queda lenta dos preços de petróleo e do ambiente mais
competitivo no capitalismo global da era neoliberal.

Gráfico 50 Taxas médias de crescimento do PIB real (%) em diferentes períodos entre 1950 e
2015 para Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos

Fonte; IMF
398

Coeficiente
Reino Estados
de Alemanha
Unido Unidos
Correlação
Alemanha 1,00
Reino
0,34 1,00
Unido
Estados
0,39 0,74 1,00
Unidos

Gráfico 51 Hiato do PIB (em % do PIB potencial, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos 1950
– 2015 (séries suavizadas)

Fonte: AMECO

Gráfico 52 Taxa média anualizada de inflação (%) para períodos entre 1950 e 2015, para
Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos,

Fonte: IMF, BLS


399

Gráfico 53 Taxas de inflação para Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Japão 1951 – 2015

Fonte: BLS

O gráfico a seguir mostra a aceleração da inflação nos Estados Unidos (medida pelo deflator do
PIB) em consequência dos choques de preços de petróleo em 1973 e 1979. Um impacto
semelhante também aconteceu em outros países industrializados centrais.

Gráfico 54 Inflação dos preços de petróleo e inflação do deflator do PIB dos Estados Unidos
1950 – 2015
400

Fonte: BP, NBER

O gráfico a seguir mostra o aumento expressivo da taxa de desemprego nos países escolhidos
depois da crise da década de 1970.

Gráfico 55: Taxa de desemprego média para períodos entre 1950 e 2015, para Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos
Fonte AMECO

Os gráficos a seguir mostram a tendência do crescimento da dívida privada e pública no


período: o desenvolvimento da dívida pública (em % do PIB): países beligerantes como Reino
Unido e Estados Unidos com um índice alto em 1950 como consequência dos custos da guerra,
os perdedores Alemanha e Japão com um índice pequeno por causa do default sobre a dívida
soberana depois da guerra com uma reforma da moeda nacional (1948 em Alemanha) ou pela
inflação elevada (em Japão). Nos períodos seguintes os países observados têm trajetórias
diferentes, somente depois da crise financeira global em 2008/2009 a maioria dos países
sofreu uma explosão dá dívida pública, com exceção de Alemanha e Suécia. No Japão a
aceleração de endividamento público começou já com a crise de 1973/74 e acelerou depois do
estouro da bolha especulativa nos mercados acionário e imobiliário em 1990 teve novamente
uma aceleração do endividamento público no Japão. Na Alemanha uma aceleração de
endividamento começou com a crise 1973/1975, houve aceleração com a reunião da
Alemanha em 1990, mas depois não houve aceleração significativa.
401

Gráfico 56 Dívida pública (em % do PIB) 1950, 1973, 1983, 2007 e 2015 Para Alemanha, Grécia,
Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos

Fonte: IMF

Gráfico 57 Taxas de crescimento (%) da dívida pública em % do PIB em 401eutsche distintos


entre 1950 e 2015 Alemanha, Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos

Fonte: IMF
402

Gráfico 58 Dívida pública em % do PIB da Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos
1950 – 2015

Fonte: IMF

Em relação ao setor privado (não financeiro) pode se resumir, avaliando os gráficos seguintes,
que a dívida das famílias em relação ao PIB teve uma tendência ascendente (desde 1970) para
todos os países observados até a crise financeira global de 2008/2009 com períodos de queda
em Suécia (começando com a crise financeira prolongada de 1990 até 1993 na Suécia) e na
Alemanha (efeito estatístico (em 1992 ) da reunião com a DDR com pouco endividamento das
famílias, antes os dados referem-se somente à Alemanha ocidental). Depois da crise financeira
global houve forte queda da dívida das famílias em relação ao PIB (Deleveraging), embora em
Japão e Alemanha uma queda já começou em 1999/2000. Na Suécia depois da crise de
2008/2009 a dívida das famílias (% do PIB) teve uma ascensão significativa. Na Grécia, onde
houve um aumento explosivo da dívida das famílias (% do PIB) depois de aderir ao euro em
2001 e uma estagnação depois da crise de 2008/2009, na realidade este fato aponta para uma
diminuição nominal da dívida, porque depois de 2008/2009 o PIB nominal da Grécia estava em
queda expressiva.

Para o setor das empresas não financeiras não houve uma tendência comum entre os países
observados. A dívida deste setor em relação ao PIB não mostrou mudanças expressivas no
período na Alemanha, leve aumento nos Estados Unidos, aumento mais forte no Reino Unido
e na Grécia, e queda depois da crise 2008/2009 no Reino Unido e estagnação na Grécia. No
403

Japão houve aumento significativo até 1993 e um queda expressiva depois de 1997
(deleveraging). Na Suécia (em 2014 com uma relação de mais de 160%) houve uma tendência
ascendente, mas com períodos intermitentes de queda.

Gráfico 59 Dívida das famílias em relação ao PIB (%) 1970 – 2015 Alemanha, Grécia, Japão,
Suécia, Reino Unido e Estados Unidos

Fonte: BIS, Ameco


404

Gráfico 60 Dívidas das empresas não financeiras em relaçã ao PIB 1970 – 2015 Alemanha,
Grécia, Japão, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos

Fonte BIS, Ameco

A periodização de Streeck [2013 [1] e [2]], apontando como a última causa do aumento da
dívida pública a queda generalizada do crescimento médio nos países da OCDE depois da crise
de 1973/1975, pode ser vista como corroborada pelos dados empíricos. As causas específicas
como a crescente resistência aos impostos nas décadas de 1980 e 2000 levaram nos Estados
Unidos a um corte importante dos impostos para os mais ricos sem diminuir os gastos do
governo nos tempos de Reagan, Bush e Bush filho e a um aumento expressivo da dívida/PIB na
década de 1980, mas na década de 2000 somente com a crise financeira global de 2008/2009,
que começou nos Estados Unidos já em 2007, começou um aumento significativo. Também no
Reino Unido a explosão da dívida pública/PIB somente aconteceu com a crise de 2008/2009.
Para o Japão a história é novamente diferente, aumento expressivo da dívida/PIB depois da
crise de 1973/1975, estabilização depois de 1987 e novamente crescimento explosivo depois
do estouro da bolha especulativa nos mercados acionário e imobiliário em 1990. Para
Alemanha um aumento lento da dívida/PIB depois da crise 1973/1975 até 2010, depois uma
queda (deleveraging).

Para todos os países observados pode se acompanhar a tendência de crescimento expressivo


da dívida das famílias/PIB depois da crise de 1973/1975, consequência do Keynesianismo
privado, estimulando o endividamento das famílias para garantir o padrão da vida num
ambiente da crescente desigualdade da distribuição de renda e do crescimento quase
inexistente dos salários reais da classe trabalhadora.

Dois fatores importantes na eclosão e no desenvolvimento da crise da década de 1970 são a


quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods no período de 1971 até 1973 e
as crises energéticas de 1973/1974 e 1979/1980, porque elas são fatores que aumentavam a
volatilidade e a incerteza para os agentes econômicos nos mercados globais: governos,
empresas produtivas e financeiras, famílias e trabalhadores, bem como das organizações das
sociedades civis. Por esta razão estes eventos internacionais importantes é tema dos próximos
dois capítulos. O novo cenário levou a importantes transformações instituicionais, econômicos,
políticos e ideológicos, que são mais do que a própria crise econômica objetivo de um capítulo
posterior.

Na descrição da crise 1973/1974 e nos anos seguintes o próximo capitulo resume a quebra do
sistema monetário internacional de Bretton Woods entre os anos de 1968 e 1973, um sinal
que uma instituição básica do capitalismo global estava ruindo sob as forças dos movimentos
405

internacionais de capital (parcialmente especulativas). Os impactos foram sérias crises


cambiais em 1971 e 1973 que finalmente levavam a quebra do sistema de Bretton Woods em
1973 e para um sistema monetário internacional de taxas de câmbio flutuantes, embora
houvesse sempre tentativas de voltar ao sistema com taxas de câmbio estáveis, pelo menos na
Europa, finalmente instituindo e 1999/2002 uma moeda única – o euro – para uma parte dos
países de Europa ocidental [a área do euro]. No capitulo a seguir descreve-se a crise de
1973/1974 e dos anos seguintes, dando ênfase nas crises energéticas de 1973/1974 e
1979/1980, que ficava na lembrança pública como uma das causas mais importantes da crise
da década de 1970, embora seja necessário apontar neste capítulo para outras causas
importantes que já se desenvolviam no fim da década de 1960. Outras causas são também
discutidas no capitulo a seguir sobre as transformações políticas, econômicas e ideológicas
como impactos da crise.

ii. A quebra do sistema de Bretton Woods nos anos 1968-1973

A era de Bretton Woods, de 1944 até 1973, foi em geral, com poucas exceções, um período da
estabilidade das taxas de câmbio, inflação baixa (somente até o fim da década de 1960),
desemprego em baixo, crescimento elevado e salários reais em ascensão [Rickards, p.78].
Burda e Wyplosz [2005, p. 394] avaliam o período de Bretton Woods, pelo menos até 1968
positivamente: “Durante muito tempo, o sistema de Bretton Woods funcionou relativamente
bem. A estabilidade da taxa de câmbio prevaleceu. O comércio expandiu-se rapidamente, e
era facilmente financiado pelos saldos em dólares, providos de início pelo Plano Marshall,
depois pelos déficits comerciais dos Estados Unidos e pelos resultantes fluxos de capital. O FMI
tornou-se o respeitado cão-de-guarda do sistema de taxa de câmbio fixa”.

O sistema de Bretton Woods foi diferente do sistema de padrão câmbio ouro no período entre
as guerras mundiais em três pontos importantes: (1) A possibilidade de ajuste das taxas de
câmbio – em princípio fixas – em caso de um ‘desequilíbrio fundamental’ do balanço de
pagamentos80, (2) a possiblidade de controles de capital para diminuir a possibilidade de
ataques especulativos contra uma moeda nacional, e (3) uma instituição supranacional, o
Fundo Monetário Internacional (FMI)81, para monitorar o sistema de taxas de câmbio fixas, as
politicas econômicas nacionais e conceder créditos em uma crise de balanço de pagamentos.

O sistema de Bretton Woods começou se dissolver em 1968 e finalmente em 1973 o FMI


declarou o fim do sistema de taxas de câmbio (em princípio) fixas e o começo de um período
de taxas de câmbio flutuantes entre os países centrais que ainda hoje prevalece. A quebra do
406

sistema de Bretton Woods esta estreitamente ligada a politica monetária e fiscal expansionista
dos Estados Unidos na decáda de 1960 e da queda das reservas de ouro deste país.

Em 1961 o ‘London Gold Pool’ foi criado para estabilizar o preço de ouro no mercado de ouro
privado. “Com o objetivo de aumentar e estabilizar a oferta de liquidez internacional foi
decidido na Conferencia do Rio, em 1967, criar direitos especiais de saque (DES).” [Burda e
Wyplosz, p. 401]. Os DES [‘Special Drawing Rights’ SDR] são ativos suplementares das reservas
internacionais emitidos pelo FMI, primeira vez em 1969/1970, depois em 1981 e em 1997,
sobre os DES incide um retorno, uma taxa de juros. O valor do DES é calculado por uma cesta
de quatro moedas, que reflete a participação de cada moeda nos negócios internacionais, em
2011 com o dólar americano com um peso de 41,7%, o euro com 37,4%, o iene com 9,4% e a
libra com 11,3%. Em 2015 o yuan (renimbi) chinês entrou na cesta e os pesos dos DES
mudavam: o dólar americano com um peso de 41,73%, o euro com 30,93%, o yuan (renimbi)
com 10,92%, o iene com 8,33%, e a libra com 8,09%. [IMF]

No fim da década de 1960 as crises dos balanços de pagamentos tornavam-se mais frequentes,
em 1967 a libra foi desvalorizada, em 1969 o franco francês, e no mesmo ano o marco alemão
foi valorizado.

As causas da quebra do Bretton Woods

Eichengreen [1993, p. 624] descreve seis explicações distintas para o colapso de Bretton
Woods: “diferenças entre as políticas monetárias dos EUA e as políticas estrangeiras, as
diferenças entre as políticas fiscais estrangeiras, o fracasso de países deficitários de
desvalorizar, a falha de países superavitários para revalorizar, um declínio secular na posição
da competitividade internacional dos Estados Unidos, e falhas na estrutura do sistema
(nomeado o dilema de Triffin82). Todas essas hipóteses são familiares a partir da literatura da
década de 1960”.

O mesmo autor [1993, p.650] resume o colapso de Bretton Woods da seguinte forma: “Em
última análise, então, o colapso de Bretton Woods foi atribuído tanto a estrutura do sistema,
como as políticas específicas que os países perseguiram [especificamente os Estados Unidos
depois da quebra do Gold Pool em 1968; A corrida para o ouro foi resultado da especulação
sobre uma possível desvalorização do dólar]. As falhas estruturais do sistema de qualquer
forma, mais cedo ou mais tarde, levariam ao colapso; políticas nacionais e estrangeiras
determinaram apenas o momento do colapso”.
407

O crescimento expressivo dos mercados de euro-dólar facilitou também os ataques


especulativos nos mercados cambiais e foi também uma fonte importante para a queda do
sistema de Bretton Woods.

O processo da desintegração de Bretton Woods: Desvalorização da libra (novembro 1967),


corrida ao ouro e fim do Gold Pool (março 1968)

1961, outubro Estabelecimento do Gold Pool em Londres.


1962, janeiro – março Início das compras permanentes de ouro dos Estados Unidos pela França

1965, fevereiro Presidente de Gaulle e Giscard d’Estaing propõem um retorno ao padrão-ouro


1967, outubro Fim das compras permanentes de ouro dos Estados Unidos pela França
1967, novembro O Reino Unido desvaloriza a Libra de US$ 2,80 para US$ 2,40
1968, março Fim do Gold Pool; começa um mercado de ouro de duas camadas.

Gourinchas [2005] discursa sobre o conceito de privilegio exorbitante dos Estados Unidos de
possuir a moeda mais importante no ambiente global e uma senhoriagem no sistema
monetário internacional de Bretton Woods e depois:

O privilegio extraordinário dos Estados Unidos: a ideia de que posição única de os Estados
Unidos na ordem monetária internacional lhe permite desfrutar de um “privilégio exorbitante”,
nas palavras famosas não do presidente de Gaulle, mas de Guiscard d’Estaing83. Em quatro de
fevereiro de 1965 o presidente francês de Gaulle reclamou em uma conferência famosa de
imprensa no Palácio do Eliseu, que um aumento na oferta de moeda dos EUA levasse ao
aumento das saídas de capitais dos Estados Unidos (...) e seja uma forma de expropriação de
suas empresas nacionais [da França]. Para de Gaulle, o papel do dólar como moeda de reserva
internacional fez com que os Estados Unidos poderiam pedir o dinheiro do resto do mundo,
gratuitamente. Ao imprimir dólares e usá-los para comprar empresas estrangeiras, foi alegado,
os Estados Unidos estavam abusando de sua posição hegemônica no centro do sistema
monetário internacional. Mas essa saída de capital de longo prazo levou a uma fuga contínua
das reservas de ouro dos Estados Unidos, apesar das inúmeras e inúteis tentativas dos Estados
Unidos para limitar o tamanho do déficit da balança de pagamentos.

Esta interpretação do papel dos Estados Unidos no sistema monetário internacional levou a
França de trocar reservas em dólares por ouro com inicio em 1962, a possibilidade de
converter dólares para o ouro foi prevista no sistema de Bretton Woods. Na tabela a seguir
pode se acompanhar a diminuição do estoque de reservas de ouro dos Estados Unidos pelas
compras de França e outros países bem como pelas intervenções dos membros do Gold Pool
no mercado de ouro privado. Esta diminuição do estoque de ouro dos Estados Unidos
acompanhada de um expressivo aumento de suas obrigações líquidas em dólares levou as
crises de confiança nos mercados cambiais nos anos até 1973 previsto no dilema do Triffin.

Tabela 91 Reservas de ouro monetário em toneladas países escolhidos 1950 – 1973

1950 1960 1965 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973
408

Mundo 31.096 35.892 38.347 36.901 36.192 36.287 36.606 36.575 36.676 36.798
Instituições 1.375 2.197 1.223 1.866 1.749 1.672 3.644 4.530 4.987 4.945
EUA 20.279 15.822 12.499 10.722 9.679 10.539 9.839 9.070 8.584 8.584
Alemanha - 264 3.919 3.757 4.034 3.625 3.537 3.623 3.650 3.658
França 588 1.458 4.182 4.651 3.445 3.152 3.139 3.131 3.132 3.139
Itália 227 1.958 2.136 2.133 2.598 2.627 2.565 2.563 2.562 2.565
Japão 6 220 292 301 316 367 473 604 656 657
Reino Unido 2.543 2.489 2.012 1.146 1.309 1.308 1.198 690 656 653
Suíça 1.306 1.942 2.703 2.745 2.332 2.348 2.427 2.585 2.585 2.588
Fonte: World Gold Council

Embora o sistema de Bretton Woods fosse um regime (padrão dólar ouro) de taxas de câmbio
fixas com relação fixa do dólar ao ouro (em 35 US$ por onça de ouro) com a possibilidade de
ajustes em caso de um desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos com anuência do
FMI, na realidade ajustes foram raros, como o gráfico a seguir mostra.

Gráfico 61 Taxas de câmbio do marco alemão, franco francês, cem ienes (eixo de esquerda) e
da libra (eixo da direita) 1960 até 1980

Fonte: World Bank Data

O banco central alemão Deutsche Bundesbank em seus relatórios anuais de 1967 até 1973
segue os eventos que levavam ao colapso de Bretton Woods. O texto seguinte segue de forma
muito resumida desta descrição.
409

Houve uma crise de balanço de pagamentos do Reino Unido depois da crise no Oriente Médio
em 1967 (a guerra dos sete dias entre Israel [num lado], Egito, Síria e Jordânia [noutro lado]
em junho de 1967) é seguida em novembro de 1967 por uma desvalorização expressiva da
libra (14,3%) e uma corrida ao ouro do Gold Pool em Londres.

O Gold Pool de Londres tinha a função – através da intervenção dos bancos centrais dos
Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha, e da França (até 1967) e outros – de equilibrar
oferta e demanda por ouro no mercado. Embora em tempos da crise o Gold Pool precisava
ofertar ouro, até 1965 o Gold Pool funcionava bem em estabilizar o mercado de ouro e
absorveu ouro em valor de 1,3 bilhões de US$ entre 1961 e 1965. Mas a situação mudou em
1965 com o fim da venda do ouro pela União Soviética e pelo aumento da demanda por ouro,
parcialmente por razões especulativas.

Com a desvalorização da libra em novembro de 1967 a confiança nas moedas centrais como
dólar e libra diminui e uma corrida pelo ouro começou com a expectativa da possibilidade da
desvalorização do dólar em relação ao ouro (preço fixado até agosto de 1971 em 35 US$ por
onça de ouro). Desde novembro de 1967 o Gold Pool perdeu três bilhões de US$ em ouro (com
uma participação dos Estados Unidos em 59% depois da saída da França do Gold Pool em
junho de 1967) na tentativa de estabilizar o preço de ouro. Em março de 1968 as intervenções
foram encerradas e o preço de ouro no mercado privado chegou em junho de 1968 em 41
US$.

As autoridades monetárias decidiam também em março de 1968 usar o ouro monetário oficial
somente para transações entre bancos centrais.

A crise do franco francês em novembro de 1968, a desvalorização do franco francês (agosto


1969) e a valorização do marco alemão (setembro 1969)

1969 agosto Desvalorização do Franco francês


1969 setembro Alemanha deixa o cambio flutuar (float)
1969 outubro Valorização do marco alemão
1970 janeiro Primeira alocação de SDR (special drawing rights) – direitos de saque especiais
1971 janeiro Segunda alocação de SDR
Em novembro de 1968 houve uma crise do franco francês. Até a revolta estudantil de maio de
1968 o franco francês foi uma moeda forte com reservas internacionais maiores do que as de
Alemanha e um balanço de pagamentos equilibrado. As revoltas sociais e as greves depois do
maio de 1968 enfraqueciam a posição de França. Para acalmar a crise grandes aumentos
salariais foram concedidos que enfraquecessem a competitividade de França. Em novembro de
1968 desenvolveu-se uma crise cambial com fortes entradas de capital especulativo na
410

Alemanha (9,1 bilhões de marcos) com a expectativa de uma valorização do marco alemão. O
governo francês não desvalorizava o franco, mas introduziu controles de capital [em agosto de
1969 teve novamente distúrbios do sistema monetário internacional quando o franco francês
depois de maciças perdas de reservas em 1968 e 1969 foi desvalorizado em 11,1%.]. Em 19 de
novembro de 1969 o governo alemão decidiu não valorizar o marco e introduziu impostos
sobre as exportações e diminuição de impostos sobre importações (substituindo uma
valorização). A entrada de capital reverteu-se quando as expectativas de uma valorização
foram desapontadas. O gráfico a seguir mostra o desenvolvimento das reservas internacionais
(ouro e divisas) de Alemanha, França, Japão e Reino Unido, e mostra que depois de 1969 o
fluxo de dólares para os países centrais aumentou expressivamente levando a crise de
confiança sobre o dólar, previsto por Triffin.

Gráfico 62 Reservas internacionais (incluindo ouro em dólares correntes) de Alemanha, Japão,


França e Reino Unido 1960 -1974
Fonte; World Bank Data

O gráfico mostra a entrada temporária de capital na Alemanha em 1968 (que se reverteu


depois do desapontamento de que não houve valorização do marco) e a perda de reservas da
França. O gráfico está mostrando também começando em 1969 a acumulação das reservas em
dólares pela Alemanha, Japão, França e Reino Unido [fuga de capital dos Estados Unidos
prevendo uma desvalorização do dólar em relação ao ouro acompanhada de uma diminuição
das reservas de ouro dos Estados Unidos na tabela acima], a mesma tendência pode ser vista
411

em outros países industrializados. As entradas de dólares foram parcialmente esterilizadas,


mas também aumentavam as pressões inflacionárias.

Estes movimentos desestabilizadores de capital internacional são uma das causas da quebra
do sistema de Bretton Woods e é consequência da queda da confiança na estabilidade do
dólar. Os problemas do balanço de pagamentos dos Estados Unidos, o aumento da inflação
nos Estados Unidos nestes últimos anos de Bretton Woods, os desequilíbrios fiscais nos
Estados Unidos, consequência dos gastos militares na guerra de Vietnam e dos programas
sociais da Grande Sociedade de Johnson, são no fundo desta queda da confiança no dólar.

Houve o inicio de uma crise do marco alemão na primavera de 1969, quando já em maio
houve influxos de dólares em quantidade maior do que na crise de novembro de 1968, quando
as reservas internacionais da Alemanha aumentavam em 9,1 bilhões de marcos alemães. Entre
28 de abril e 9 de maio de 1969 as reservas de Alemanha aumentavam em 16,7 bilhões de
marcos em antecipação de uma valorização esperada. Mas em 9 de maio o governo alemão
decidiu não valorizar o marco e as entradas diminuíam. Em agosto de 1969 teve novamente
distúrbios do sistema monetário internacional quando o franco francês depois de maciças
perdas de reservas em 1968 e 1969 foi desvalorizado em 11,1%.

Antes das eleições gerais na Alemanha ocidental em 28 de setembro de 1969, onde uma
possível valorização do marco foi um ponto controverso do debate político, a entrada de
divisas novamente aumentou na expectativa de uma valorização do marco (6,3 bilhões de
marcos na semana antes da eleição). Em 25 e 26 de setembro as bolsas para moedas
estrangeiras foram fechadas, em 30 de setembro o governo alemão decidiu deixar o marco
flutuar, a taxa de câmbio do dólar caiu de 3,97 para 3,70 DM/US$ até 24 de outubro
valorizando o marco. Em 24 de outubro o governo alemão depois de uma consulta com o FMI,
decidiu valorizar o marco em 9,3% e definir uma nova paridade com o dólar em 3,66 DM/US$
(antes 4,00 DM/US$). Os agentes econômicos nos mercados cambiais aceitavam a nova
paridade e o influxo de divisas rapidamente tornou-se uma expressiva saída de divisas (23
bilhões de marcos até dezembro de 1969).

Em janeiro de 1970 começou uma distribuição de direitos especiais de saque no valor de 9,1
bilhões de dólares pelo FMI, distribuídos sobre três anos, para aumentar a liquidez
internacional. O ano de 1970 foi um ano de relativa tranquilidade nos mercados cambiais
globais, embora houvesse um curto período de flutuação do dólar canadense e uma curta crise
especulativa contra a lira italiana. Mas houve um expressivo aumento das reservas
internacionais globais neste ano, forçado especialmente pelo aumento das reservas em
412

dólares (as reservas em divisas aumentavam de 28,8 bilhões em fim de 1967 para 43,8 bilhões
de US$ em 1970).

A crise de 1971, o fechamento da janela de ouro por Nixon (agosto 1971) e o acordo
Smithsoniano (dezembro 1971)

1971 maio O marco alemão e o florim holandês flutuam


1971 agosto Os Estados Unidos suspendem a conversibilidade do dólar em ouro para transações
oficiais (...) e impõem controles de preços e uma sobretaxa de 10 por cento para
importações; os países com as principais moedas começam flutuando, exceto França,
impõem controles de câmbio e fazem intervenções [no mercado de câmbio] comprando
dólares.
1971 dezembro No acordo Smithsoniano, os países G10 realinham as taxas de câmbio revisando o
sistema de câmbio fixo: Os Estados Unidos desvalorizam o dólar para 38,00 dólares por
onça de ouro revisando o sistema de taxas fixas de câmbio (desvalorização média do
dólar em relação a outras moedas de 10 por cento – considerando também a valorização
da moeda nacional em alguns países), a conversibilidade do dólar em ouro não foi
restaurada e os Estados Unidos fizeram nenhum compromisso para apoiar o valor do
dólar.
Em 1971 os mercados cambiais globais encontravam se em plena crise do dólar americano. As
causas da crise foram as saídas expressivas de dólares dos Estados Unidos para outros países
centrais e o desequilíbrio fundamental do balanço de pagamentos dos Estados Unidos. A saída
de dólares foi parcialmente consequência dos diferentes níveis de juros e parcialmente
consequência da especulação esperando uma desvalorização do dólar. Em cinco de maio de
1971 o governo alemão deixou o marco flutuar, alguns países como os Países Baixos seguiam a
Alemanha, a Suíça e a Áustria valorizavam suas moedas e outros países introduziam controles
de capital para evitar os influxos de dólares, que aumentavam as pressões inflacionárias. Em
maio abriu se o palco para uma crise mais severa do dólar.

Em agosto de 1971 a crise do dólar tornou se global e em 15 de agosto de 1971 o presidente


dos Estados Unidos Nixon fechou a janela de ouro para outros países (fim da convertibilidade
do dólar em ouro e com isto o fim do padrão dólar ouro e inicio do padrão dólar) e aumentou
os impostos sobre importações em 10%, com isto evitando ainda uma desvalorização do dólar
em relação ao ouro e as outras moedas (uma desvalorização do dólar em relação ao ouro é um
aumento do preço de ouro em dólares, ainda nesta data em 35,00 US$ por onça de ouro).

Em 18 de dezembro de 1971 foi fechado em Washington um novo acordo (acordo


Smithsoniano) sobre um novo sistema de taxas de câmbio fixas com bandas mais amplas (+/-
2,25%). O dólar foi desvalorizado em 7,8% com o preço oficial da onça do ouro aumentando de
35,00 para 38,00 dólares. Alguns países, por exemplo, Alemanha, valorizavam ainda suas
moedas.
413

As causas da crise do dólar em agosto foram em primeiro lugar os fluxos desestabilizadores de


dólares para os países da Europa e para o Japão, em agosto as obrigações líquidas em dólares
dos Estados Unidos se encontravam em 56 bilhões de US$, as reservas internacionais dos
Estados Unidos encontravam-se neste momento em 12 bilhões de US$ (10,2 bilhões US$ em
ouro). A entrada de dólares nos países centrais aumentava as pressões inflacionárias nestes
países (inflação importada).

A quebra final do Sistema de Bretton Woods em março de 1973

1972 junho A libra começa a flutuar contra o dólar.


1973 fevereiro O dólar desvalorizado para 42,22 dólares por onça de ouro; todas as principais moedas
são, portanto, revalorizadas em 10 por cento.
1973 março Após intervenções maciças nos mercados cambiais o sistema de câmbio fixo entra em
colapso e começa um sistema de câmbio flutuante entre as principais moedas.

As mudanças do acordo Smithsoniano não tinham os efeitos esperados sobre os desequilíbrios


nos Estados Unidos. Em 1972 houve novos fluxos especulativos no sistema monetário
internacional que levavam a flutuação da libra em junho de 1972 e expressivas entradas de
capital na Alemanha, parcialmente em dólares, parcialmente em libras. No fim de janeiro de
1973 a crise tornou-se aguda e até primeiro de março de 1973 começavam duas ondas de
especulação com entrada de 23 bilhões de US$ nos outros países centrais. A Alemanha
recebeu em um mês 7,6 bilhões US$ com as intervenções nos mercados cambiais. Em dois de
março as bolsas dos mercados de câmbio fechavam para duas semanas nos países centrais. Já
em 12 de fevereiro o dólar foi desvalorizado em 10% e desde janeiro e fevereiro Suíça, Itália e
Japão deixavam suas moedas flutuar. Alemanha e França e outros países europeus deixavam
suas moedas flutuar no inicio de março de 1973. Finalmente o sistema de Bretton Woods
chegou ao fim, embora os países da Communidade Econômica Europeia (EWG) tentavam de
estabilizar as taxas de câmbio entre os países membros84 enquanto deixavam o dólar flutuar.
Os movimentos de capitais especulativos e os desequilíbrios fundamentais entre os países
centrais foram as causas mais importantes para fim de sistema monetário internacional de
Bretton Woods.

iii. A crise econômica global depois de 1973


Eu tenho argumentado que o capitalismo da OCDE tem estado em trajetória de crise desde a
década de 1970, o ponto de viragem histórico foi quando o acordo pós-guerra foi abandonado
pelo capital em resposta a um aperto global de lucro. Mais precisamente, três crises se
sucederam: a inflação global da década de 1970, a explosão da dívida pública nos anos 80 e o
rápido endividamento privado na década subsequente, resultando no colapso dos mercados
financeiros em 2008. Wolfgang Streeck, How will capitalismo end? Posição 360 pp.
414

A crise econômica global depois de 1973 pode ser visto por diferentes perspectivas. No âmbito
geral o fim da era do ouro foi visto como o fim da era de reconstrução depois da guerra, uma
crise estrutural da sociedade industrial clássica com o advento da terceira revolução industrial
(tecnologias de informação, comunicação e biotecnologia), uma crise social-econômica com o
consumismo e as mudanças dos valores sociais, expressos em diferentes conceitos como
‘sociedade pós-industrial’ (Bell), pós-modernidade (Lyortart), sociedade de riscos (Beck) e
muitos outros conceitos que descrevem de diferentes formas os sentimentos de mudanças
profundas, sem definir exatamente o conteúdo destas mudanças. Possivelmente a queda das
taxas de crescimento nos países centrais depois de 1973 foi também a consequência do fim do
longo período da reconstrução das economias destruídas pela II Guerra Mundial e o início do
funcionamento normal das economias capitalistas sujeitas ao ciclo conjuntural e –
ocasionalmente – a crises mais severas. Especialmente os desafios da terceira revolução
industrial são responsabilizados pelas mudanças, e – em retrospectiva – como uma das causas
da queda do projeto comunista no fim da década de 1980, embora este seja somente um
aspecto da crise dos países socialistas, outro aspecto seja a ossificação burocrática com fortes
restrições da liberdade política, bem como a ineficiência em satisfazer os desejos de consumo
da população.

Um evento importante para explicar a crise é sem dúvida o aumento expressivo dos preços de
petróleo dos países da OPEP (Organização dos países exportadores de petróleo) em outubro
de 1973 e o embargo para Canada, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e os Países Baixos – um
choque adverso da oferta.

Outro ponto importante foi a crescente combatividade da classe trabalhadora em muitos


países centrais no fim da década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970, que levou a
aumentos significativos dos salários nominais (muito acima do aumento da produtividade de
trabalho) depois de greves amplas. Este aspecto foi interpretado como consequência da
estratégia keynesiana de garantir o pleno emprego e segurar a estabilidade social através dos
benefícios de um Estado de bem-estar social amplo, previsto por Kalecki [1972] apontando
para uma forte resistência da classe empresarial, ou de forma mais ampla, das elites contra a
ampliação dos direitos e benefícios para a população. Alguns autores avaliam as tentativas
neoliberais nas décadas seguintes depois da crise de 1973/1974 para aumentar as taxas de
lucro, diminuir as intervenções do governo na economia, e cortar benefícios sociais como
vingança do capital, livrando se dos grilhões do capitalismo regulado e organizado nos moldes
keynesianos. Com o avanço da inflação na década de 1970 a inflação tornou-se ainda mais
415

temida do que o desemprego. A consequência foi que nos tempos neoliberais seguintes
tentativas de combater o desemprego através de politicas de demanda foram abandonadas.

Outro aspecto importante foi o enfraquecimento da ideologia keynesiana com a estagnação e


recessão nos países centrais depois de 1973 acompanhada de uma inflação em ascensão
depois de pelo menos duas décadas de crescimento rápido. Este fenômeno (estagflação) –
estava contrariando a teoria keynesiana que prevê uma relação inversa entre crescimento e
inflação no ciclo conjuntural – e abriu espaço para o pensamento monetarista. O pensamento
monetarista e o pensamento neoliberal culparam o intervencionismo keynesiano, os gastos
com o Estado de bem-estar social, bem como a regulamentação forte dos mercados, para a
estagnação da economia. Nesta visão as intervenções do Estado, a regulamentação dos
mercados e a regulação macroeconômica sufocavam a dinâmica de mercados livres e a
inovação.

A crise do paradigma keynesiano-fordista de produção capitalista


Na crise mundial da acumulação capitalista nos meados da década de 1970, que atingiu todas
as economias industrializadas centrais e, com certa defasagem, as economias na América
Latina, havia uma reavaliação do paradigma keynesiano na teoria econômica, bem como na
política econômica dos governos. O Keynesianismo foi responsabilizado pela pressão
inflacionária, pelo crescente endividamento do Estado, pela crescente regulamentação e
burocratização da economia, pela supressão da iniciativa privada, por causa da tributação
excessiva e da crescente generosidade dos benefícios de Estado de bem-estar social, que
supostamente criou uma cultura de dependência.
O paradigma keynesiano-fordista (também chamado de capitalismo organizado, economia
mista ou economia social de mercado) pode ser caracterizado pelos seguintes traços
estruturantes de uma economia capitalista organizada, que incorporam certos elementos
corporativistas:
• As intervenções do Estado na economia através de uma política fiscal e monetária discricionária
garantem certa estabilidade da produção, renda e emprego no ciclo conjuntural e evitam
depressões como a Grande Depressão da década de 1930. Os otimistas acreditavam que as
intervenções poderiam pôr um fim aos problemas conjunturais de desemprego e da
subutilização das capacidades. Os objetivos de crescimento econômico e de desemprego baixo
são os objetivos centrais da política macroeconômica dos governos. A inflação baixa é um
objetivo importante, mas secundário em relação ao objetivo de desemprego baixo.
• Os benefícios do Estado de bem-estar social garantem uma estabilidade social protegendo a
classe trabalhadora contra os riscos da vida e da instabilidade da economia capitalista.
Protegendo as camadas mais fracas da sociedade com a rede de segurança do Estado de bem-
estar social (ironicamente algumas vezes caracterizado como paternalismo do Estado do berço
até o túmulo) evitam-se também conflitos sociais mais sérios. Esta preocupação com os
desfavorecidos do capitalismo global é também consequência da competição sistêmica nos
416

tempos da Guerra Fria entre o capitalismo global e o socialismo burocrático real na União
Soviética, na China e nos países de Europa oriental.
• A regulamentação dos mercados, com foco no mercado de trabalho e nos mercados financeiros
e nas instituições financeiras, e a regulação macroeconômica (políticas para estabilizar a
demanda agregada) garantem o desenvolvimento equilibrado nos países centrais, evitando um
aumento excessivo das desigualdades de renda e riqueza e a especulação excessiva.
• A presença de sindicatos trabalhistas fortes também representa uma forma de proteger a parte
mais fraca nos mercados de trabalho – a força de trabalho – e garante – pelo menos em teoria
– um poder compensatório para a classe trabalhadora em confronto com o capital. Mas com as
intervenções do Estado este poder compensatório é visto pelas elites como um entrave para
sua posição dominante, para a liberdade individual e empresarial, para os lucros, para a
inovação e para o crescimento, focando nos custos burocráticos e fiscais. A classe média
ascendente nos países centrais ficava também cada vez mais apreensiva aos impostos altos que
financiavam o Estado de bem-estar social, abrindo no fim da década de 1970 uma brecha para
o ataque neoliberal dos governos de Thatcher e Reagan.
• O sistema de Bretton Woods forneceu um sistema monetário internacional mais estável e no
mesmo momento mais flexível do que o regime de câmbio ouro no período entre as guerras e
evita – através de controles dos fluxos de capitais estrangeiros de curto prazo – os problemas
de fluxos internacionais desestabilizadores de capital e da especulação cambial, como nos
últimos anos do regime câmbio ouro entre as guerras. Mas já na década de 1960 os fluxos de
capital internacional desestabilizadores se tornavam maiores e – em último lugar – levavam a
quebra final do regime de Bretton Woods em 1973, corroborando o dilema de Triffin da década
de 1960 onde a liquidez crescente da moeda de reserva internacional do dólar levou a uma
perda de confiança na estabilidade do dólar e aos fluxos internacionais crescentes de capital. O
mercado de eurodólares teve um papel importante para estas tendências.
A parte fordista-taylorista do paradigma keynesiano-fordista considera em primeiro lugar a
organização do processo da produção nas empresas, enquanto a parte keynesiana representa
a regulação macroeconômica e social. A perspectiva fordista-taylorista pode ser caracterizada
pelos seguintes traços estruturantes na organização das empresas:

• Produção de massa (tipicamente representada pela linha de montagem automatizada)


e consumo de massa de bens e serviços para os consumidores dependendo de uma
organização rígida da força de trabalho, de custos altos em investimento e no controle acirrado
dos trabalhadores. O consumo de massa de produtos uniformizados começou nos Estados
Unidos já na década de 1920 padronizando produção e produtos através na produção em
massa usando os conceitos da administração cientifica de Taylor e as linhas de montagem (nos
fabricas de automóveis de Ford já em 1911/1913). O consumo de massa foi também facilitado
para grande parte da população pela criação e ampliação do crédito ao consumidor. O conceito
de Fordismo foi seguindo Hachtmann e Saldern (2010, p. 175) cunhado por Friedrich von Gottl-
Ottlilienfeld em maio de 1924. Na década de 1930 o marxista Gramsci previu a grande
importância do Fordismo (e Americanismo) para as sociedades capitalistas. Mesmo na União
Soviética o conceito da administração cientifica de Taylor foi implementado na década de 1920
(Priestland, 2009, posição 2250 pp.), embora “anteriormente, Lenin havia condenado o sistema
como típico de um capitalismo brutal”. O conceito de Fordismo-Taylorismo se sobrepõe com os
conceitos de racionalização (da produção) e da eficiência, mostrando a dupla face da
modernização capitalista (Hachtmann e Saldern, 2010, p. 175), num lado ganhos da eficiência
da produção, noutro lado condições de trabalho mais desagradáveis para os trabalhadores no
chão das fabricas. Depois da Segunda Guerra Mundial o reflexo – pelo menos na Alemanha - foi
a ascensão de movimentos de humanização do trabalho organizados pelos sindicatos e parte
da academia, porque na Europa o Fordismo-Taylorismo ampliou sua importância somente
depois da guerra.

• A produção em massa depende da organização minuciosa do trabalho humano, para


evitar os custos da ociosidade dos trabalhadores por causa dos pesados investimentos em
417

tecnologia. Existe uma nítida diferenciação de poder e do controle entre os administradores da


empresa e os trabalhadores. Todos trabalhos de conhecimento, planejamento, organização,
decisão e controle são executados pela administração, o trabalhador fica com o trabalho
manual. As tarefas são fragmentadas, o trabalho torna-se monótono e repetitivo e
empregando em sua maioria trabalhadores sem qualificação. As tarefas pouco interessantes
são consequência da visão negativa do Taylorismo do trabalhador, visto como preguiçoso e
motivado somente pelo salário. As tarefas burocratizadas necessitam de um controle acirrado
do trabalhador para manter e aumentar a produtividade. O controle acirrado, a fragmentação
do trabalho e as linhas formais de autoridade tinham como consequência a necessidade de
uma quantidade expressiva de gerência intermediária conduzindo a uma hierarquia burocrática
ampla. Hachtmann e Saldern [(2), 1910, p. 189 p.] apontam que no século XX em primeiro lugar
mulheres e trabalhadores estrangeiros sofriam estas condições fordistas-tayloristas de
trabalho, em 1970 na Alemanha 60% dos trabalhadores não qualificados foram mulheres e
estrangeiros, embora as indústrias automotivas e de aeronaves como ramos centrais do
fordismo-taylorismo ficavam domínios masculinos. Obviamente esta estrutura rígida de
trabalho foi também visto como uma forma de manter o poder de decisão nas camadas mais
altas da gerencia o que levou a demandas por co-determinação nas decisões [‘Mitbestimmung’]
pelos trabalhadores e seus sindicatos, que levou – pelo menos na Alemanha – para as leis de
co-determinação na década de 1950 para diminuir a distribuição desigual de poder.

• O modelo Fordista de produção capitalista garante neste sentido empregos estáveis


com salários atraentes, pelo menos nos tempos de prosperidade, por outro lado torna o
trabalho monótono e alienante e estabelece uma organização burocrática pouco flexível.
Também a produção de bens de consumo é padronizada e pouco flexível com os desejos
variados dos consumidores. É necessário acrescentar que o modelo de Fordismo-Taylorismo
começou prevalecer na produção industrial dos Estados Unidos no período entre as guerras e
depois, embora em Europa prevalecesse somente depois da Segunda Guerra Mundial, mas
também nestes tempos houve ramos de produção que foram não fordistas ou somente
parcialmente fordistas. Também nos tempos de pós-Fordismo existem ainda estruturas
fordistas de produção nos países centrais e ainda mais nos países emergentes.

Este paradigma keynesiano-fordista entrou em crise com a crise econômica nos meados da
década de 1970. Arrighi [2010] argumenta que esta crise também foi uma crise da hegemonia
econômica, politica e militar dos Estados Unidos no nível global. Ele argumenta também que
esta crise foi também um ponto de mudança histórica do capitalismo, mas, embora os sinais
da mudança sejam anotados por muitos observadores econômicos e políticos, o conteúdo da
mudança é menos claro e mais controverso.

Arrighi argumenta também que desde 1970 começavam mudanças na distribuição espacial da
acumulação do capital, o centro da indústria se deslocando dos Estados Unidos e da Europa
ocidental para a Ásia e para outros países emergentes, para países de salários menores, leis
trabalhistas mais frouxas e uma classe trabalhadora mais dócil e menos organizada. O
deslocamento também pode ser visto dentro dos países centrais, a perda da importância das
regiões da indústria pesada (Distrito Ruhr na Alemanha, centro norte industrial de Inglaterra,
‘rust-belt’ nos Estados Unidos) e a ascensão das tecnologias de informação, da comunicação e
de outras novas tecnologias (vale de silício, por exemplo) e dos centros financeiros como
Londres, Nova Iorque, Shanghai, Tóquio, Cingapura, Frankfurt etc. Alguns analistas apontam
418

para uma mudança do capitalismo industrial para um capitalismo financeiro e de serviços nos
países centrais, embora esta tendência seja menos obvia na Alemanha e no Japão.

Streeck [2016, posição 1722 pp.] descreve a mudança estrutural do capitalismo na década de
1970 da seguinte forma:

Em 1971, havia sinais claros de que o mundo do Fordismo pós-guerra - em retrospectiva, idílica
- estava chegando ao fim. À medida que os trabalhadores começaram a se rebelar, exigindo
uma crescente participação nos lucros após duas décadas de crescimento ininterrupto e pleno
emprego, os clientes também estavam se tornando mais difíceis. Em todo o Ocidente, os
mercados de bens de consumo padronizados produzidos em massa, apresentavam sinais de
saturação. As necessidades básicas haviam sido satisfeitas; se a máquina de lavar roupa ainda
estava lavando, por que comprar uma nova? As compras de substituição, no entanto, não
poderiam sustentar taxas de crescimento comparáveis [aos trinta anos gloriosos]. A crise
emergente manifestou-se mais visivelmente entre os produtores de massa prototípicos da era
fordista, a indústria automobilística, cuja capacidade de produção cresceu de forma
desordenada, mas que agora se viu espremida entre a crescente resistência dos trabalhadores
ao seu regime de fábrica taylorísta e a crescente indiferença dos consumidores ao regime de
produção em massa. No início da década de 1970, as vendas do Volkswagen “Beetle”
subitamente caíram e a Volkswagen como empresa entrou em uma crise tão profunda que
muitos a tomaram como o início de seu fim.
Mudanças aconteciam também na organização da produção: a produção fordista em empresas
gigantes, altamente burocratizadas e hierarquizadas e verticalmente integradas dava lugar
para a produção enxuta e flexível em empresas menores com estruturas organizacionais
menos hierarquizadas e mais flexíveis e dando mais espaço para a iniciativa individual e o
trabalho em equipes.

A mudança do paradigma keynesiano de regulação macroeconômica rígida do capitalismo


organizado (Offe) levou a um modelo orientado na dinâmica de mercados livres, para um
capitalismo desorganizado (Offe) ou um capitalismo de acumulação flexível (Harvey). Nos
países centrais houve também uma mudança para uma sociedade de serviços, não mais
caracterizado em primeiro lugar pela indústria, mas pela globalização da produção, pelo
outsorcing e pela terceirização para países emergentes. Mas, embora houvesse esta tendência
para empresas mais flexíveis, o poder corporativo, a concentração de produção e distribuição,
o poder da classe empresarial agora mais globalizada, a importância do capital financeiro, não
diminuiu nas décadas neoliberais, mas aumentou com a crescente desigualdade de renda, da
riqueza e do poder nos países centrais.

A queda do modelo de socialismo burocrático desde 1989 na União Soviética e nos países de
leste europeu, a introdução de reformas para uma economia de mercado na China desde
1979, a crescente diferenciação da classe média nos países centrais, o enfraquecimento dos
sindicatos e das ideologias de esquerda nos países centrais, a mudança das lutas de classe,
focadas em salários, condições de trabalho e participação nas decisões políticas e econômicas
419

para lutas mais focadas no meio ambiente e na identidade (de gênero, da etnia e sexuais),
levou a um fortalecimento das camadas dominantes nos países centrais.

Importante é registrar aqui novamente a tendência do capitalismo para a mudança, para a


flexibilidade, para a adaptação às novas condições no ambiente social e empresarial, uma
tendência que Braudel já enfatizou como uma característica central do capitalismo, sua
flexibilidade. As transformações políticas, econômicas, sociais e ideológicas como impacto da
crise da década de 1970 são descritos de forma mais extensa num capitulo posterior.

Crises de ramos específicos de produção nos países centrais

A transformação social em sociedades capitalistas é parcialmente consequência das


transformações econômicas causadas por impactos das mudanças das preferências dos
consumidores, das inovações tecnológicas e organizacionais e da globalização. Mas não
somente estes fatores gerais podem explicar as transformações de uma sociedade industrial
para uma sociedade pós-industrial de serviços. A decadência de certos ramos de produção nos
países centrais é também consequência de fatores específicos, que já antecedem a crise da
década de 1970. A inovação tecnológica, a acirrada competição internacional, outsourcing da
produção nacional para países com salários mais baixos e legislação trabalhista mais frouxa
levavam para crises estruturais em certos ramos da produção e -as vezes – para um processo
de desindustrialização. Na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial houve com a
ascensão da indústria automobilística também crises estruturais em outros ramos da produção
começando já na década de 1960. Aqui são consideradas a crise da indústria têxtil e de
vestuário, crise da mineração de carvão, crise da indústria de aço e a crise da indústria de
construção naval. A destruição criativa de Schumpeter cria problemas de ajustamento para
empresas, empregados, municípios e regiões que podem ser amenizados por políticas
públicas. No nível regional o distrito da Ruhr na Alemanha, o Rust Belt nos Estados Unidos, os
distritos da mineração no país das Gales e os cidades da Escócia com a indústria naval são
alguns exemplos desta crise regional de desindustrialização.

Na década de 1960 a indústria têxtil, de vestuário e de couro na Alemanha entravam em um


processo de crise estrutural enfrentando a competição de mercados emergentes, em primeiro
lugar na Ásia, e de outsourcing da produção de empresas alemães para países com níveis
salariais menores e leis trabalhistas mais frouxas. A mineração de carvão na Alemanha entrava
já no fim da década de 1950 em um processo de crise estrutural enfrentando condições
geológicas de mineração mais difíceis, salários mais elevados do que os competidores
estrangeiros, e a competição do petróleo e gás barato até a crise energética na década de
420

1970. A indústria de ferro e aço na Alemanha entrava na crise na década de 1970 com o
primeiro choque de preços de petróleo em 1973 que iniciou uma recessão nos países centrais.
A produção de ferro e aço sempre foi altamente sensível nas crises conjunturais e na década
de 1970 a indústria começou a enfrentar no mesmo período demanda em queda, excesso de
capacidade, custos salariais elevados e competidores novos especialmente na Ásia {e depois
no Brasil). Também na década de 1970 a construção naval caiu expressivamente no nível
global, na Alemanha grandes estaleiros entravam na falência ou encerravam suas atividades
(1962 Schlieker Werft Hamburg, 1972 Rolandswerft Bremen, 1973 Deutsche Werft Hamburg,
1983 AG Weser Bremen, entre outros), a queda da demanda com a crise da década de 1970, a
competição de Japão e depois Coreia do Sul foram algumas das causas.

Todas estas crises estruturais tiveram sérias consequências na produção e na ocupação e


levavam os governos para programas para amenizar os efeitos do ajustamento negativo da
ocupação muitas vezes somente conseguindo uma trégua temporal. Como a indústria têxtil, a
indústria de aço e a mineração de carvão tiveram concentração no distrito de Ruhr, a crise
estrutural foi também uma crise regional que não somente levou as regiões para a crise, mas
também o comércio, as infraestruturas e as finanças públicas nestas regiões. A tabela a seguir
mostra as consequências das crises estruturais sobre a ocupação nas indústrias consideradas
com sua perda expressiva de empregos, a tabela termina em 1987/1989 porque com a reunião
de Alemanha em 1990 os dados não são mais comparáveis.

Tabela 92: Crises estruturais Alemanha: Ocupação em mil e em % da ocupação total


Mineração de Indústria ferro Construção Indústria Indústria
Indústria têxtil
carvão e aço naval vestuário couro
1950 587,6 236,2 624,6 745,9 346,9
1960 516,4 417,3 95,0 676,7 659,6 277,7
1970 281,8 374,4 76,0 537,2 553,9 208,0
1987/1989 190,0 179,9 33,7 253,0 251,0 79,0
Ocupação em % da ocupação total
1950 2,50 1,00 2,66 3,17 1,48
1960 1,95 1,60 0,36 2,55 2,49 1,05
1970 1,07 1,40 0,29 2,04 2,10 0,79
1987/1989 0,70 0,66 0,12 0,93 0,92 0,29
Fonte: IAB 1974, Statistisches Jahrbuch, Histat
Os números não podem narrar as histórias sociais que se relacionam aos fechamentos de
fabricas, a perda de empregos e habilidades, a queda da vida econômica nos municípios e na
resistência dos trabalhadores e seus sindicatos. Embora o período até 1974 foi ainda um
ambiente em que se encontrou mais fácil um novo emprego, pode se compreender as
dificuldades de um mineiro de 50 anos de encontrar um novo emprego em ramos diferentes
421

com tarefas diferentes possivelmente em um município diferente e com perdas salariais, se ele
com esta idade ainda teve a chance de um novo emprego. Os problemas sociais foram
parcialmente amenizados por programas de aposentadoria precoce e planos sociais das
empresas. Raphael (2019, p. 9 pp.) conta uma história na perspectiva dos trabalhadores e seus
sindicatos na Alemanha, França e no Reino Unido desta transformação social também
denominada de desindustrialização:

Acima de tudo, as fábricas das "velhas" indústrias - siderúrgicas, minas de carvão, estaleiros e
fábricas têxteis - que formaram a espinha dorsal dessas economias nos anos de boom do milagre
econômico, desapareceram no curso desse processo de transformação e com elas milhões de
empregos; ao mesmo tempo e intimamente ligado à redução do emprego industrial, houve um
aumento significativo da produtividade do trabalho neste setor. Tecnologicamente, essas décadas
foram marcadas pela disseminação do processamento eletrônico de dados, isto é, auxiliado por
computador, em todas as áreas das empresas industriais, desde a produção até o contato com o
cliente, o que resultou em mudanças de longo alcance. (...). As consequências sociais desse
processo foram numerosas e graves. Em meados da década de 1970, os trabalhadores industriais
formavam de longe o maior grupo ocupacional ou de status na maioria dos países da Europa
Ocidental, enquanto hoje a maioria das pessoas trabalha em uma ampla variedade de profissões de
serviços. (...) o motor do pleno emprego baseado na indústria, que funcionou até o início dos anos
1970, começou a gaguejar e houve um retorno do desemprego em massa, especialmente no
desemprego juvenil e de longa duração. Além disso, o conhecimento especializado foi desvalorizado
ou totalmente redefinido, as carreiras tiveram que ser reinventadas e os planos de vida revisados.
Flexibilidade se tornou a palavra mágica da época. (...). Os protagonistas da minha história social do
trabalho industrial são os trabalhadores, os mestres [das obras] e os capatazes, que se viam cada
vez mais marginalizados na percepção do público e, em certa medida, perdiam o foco na discussão
de oportunidades e riscos futuros. (...). Os "custos do progresso", ou seja, processos de declínio
social, crescente desigualdade social e marginalização, aparecem mais facilmente desta forma do
que se tomarmos a perspectiva daqueles que emergiram como "vencedores" desta fase de
convulsão, por exemplo, os empresários e ocupados na indústria de TI [tecnologia da informação] e
do setor financeiro, nas áreas de marketing e de consultoria, bem como em pesquisa e
desenvolvimento.

Antes de voltar para a narrativa de Raphael seja importante resumir a história da indústria de
ferro e aço com sua força de trabalho muitas vezes vista como centro da classe trabalhadora
industrial e seus donos de capital Krupp, Thyssen, Stinnes, e outros vistos como parte mais
politicamente reacionária do empresariado alemão, embora em suas políticas sociais com sua
força de trabalho muitas vezes seguindo politicas paternalistas sociais.

Tarr (1988, p. 174 pp.) considera em 1988 como causas da crise da indústria de aço nos
Estados Unidos e na Comunidade Europeia (hoje União Europeia) começando em 1974 a
entrada de novos concorrentes (neste tempo de Japão) com custos salariais menores e a
queda da demanda (refletida em capacidades ociosas). A tabela seguinte mostra a queda
relativa da produção de aço na Alemanha desde a década de 1960 e nos Estados Unidos desde
a década de 1950, embora a produção absoluta ainda aumenta até a década de 1970. A
ocupação cai desde a década de 1960 com a queda acelerando desde a década de 1970.
422

Tabela 93: Produção de aço bruto, Mundo, Alemanha (e ocupação), Estados Unidos 1950 -
1990

Aço bruto Alemanha Estados Unidos


Mundo Aço bruto Aço bruto
% do mundo Ocupação % do mundo
(Milh. t) (Milh. t) (Milh. t)
1950 189 12,1 6,4 236,2 96,8 51,2
1960 347 34,1 9,8 417,3 99,3 28,6
1970 595 45,0 7,6 374,4 131,5 22,1
1980 717 43,8 6,1 288,2 111,8 15,6
1990 770 38,4 5,0 175,0 89,7 11,6
Fonte: Tarr (1988), Statistisches Bundesamt, World Steel Association
Em 2018 a produção de aço bruto no mundo foi de 1.808 milhões de toneladas com 51,3
produzido em China, 5,9 % na Índia, 5,8 % no Japão, 4,8% nos Estados Unidos, 4,0% em Coreia
do Sul, em sétimo lugar Alemanha com 2,3 % e no nono lugar Brasil com 1,9 % (World Steel
Association 2019).

Obviamente uma perda de tantos empregos cria resistência nos trabalhadores atingidos pelo
perigo de desemprego e da mudança da profissão. Embora esta perspectiva dos perdedores da
desindustrialização, da globalização e da mudança política neoliberal é mais um tema para os
capítulos posteriores da era neoliberal, seja importante descrever curtamente os problemas
dos ramos da produção sujeitos a transformações profundas antes da era neoliberal. Raphael
(2019, p. 35 pp.) descreve estas transformações no Reino Unido, na França e na Alemanha da
forma seguinte:

Entre 1975 e 2012, o número de empregos industriais na Grã-Bretanha e na França caiu pela
metade, na República Federal da Alemanha, por um quarto. A participação dos empregados da
indústria no emprego total muda a estrutura econômica e social. Não apenas as fábricas das
"velhas" indústrias, ou seja, siderúrgicas, minas de carvão, estaleiros e fábricas têxteis,
desapareceram no curso da mudança estrutural acelerada pela crise que a indústria manufatureira
da Europa Ocidental experimentou nas décadas de 1970 e 1980, mas toda o setor da indústria
perdeu importância, e na maioria dos ramos, o número de empregados caiu significativamente.
Muitos dos que trabalhavam lá não conseguiram encontrar um novo emprego após sua demissão, o
aumento da taxa de desemprego dos trabalhadores industriais, mas também de técnicos e
engenheiros na Europa Ocidental, especialmente nos anos de 1975 a 2000, foi
correspondentemente forte, definido como um declínio absoluto e/ou relativo no setor industrial
(em termos de emprego e/ou valor adicionado) das respectivas economias nacionais, pode ser
entendido como um efeito colateral de crise de mudanças de longo prazo no curso geral
crescimento econômico e aumento da produtividade nos países da Europa Ocidental no longo
século XX. (...).

Mesmo antes da recessão de 1973/74, os empregos na indústria foram cortados - basta pensar na
mineração de carvão, na construção naval ou na indústria têxtil, mas essas perdas poderiam ser
compensadas inicialmente pela criação de novas oportunidades de emprego, principalmente
novamente no setor industrial. (...).

[Desde a década de 1980, a desindustrialização ganhou novas dimensões] Regiões extremamente


pobres e áreas de crise urbana emergiram nas quais o desemprego, os baixos salários, a pobreza e a
exclusão aumentaram. No final das contas, no entanto, havia quatro categorias de trabalhadores
423

que foram particularmente afetadas por demissões em todos os três países: trabalhadores e
funcionários não qualificados, idosos, jovens e mulheres, com os primeiros formando o maior grupo
de demissões em todos os três países. (...).

A desindustrialização também significou que toda uma coorte etária, nomeadamente trabalhadores
industriais do sexo masculino com mais de 50 anos, deixou a vida ativa prematuramente; desde o
final da década de 1970, eles estavam entre os primeiros a serem atribuídos à nova categoria
estatística social dos desempregados de longa duração, mesmo que muitos deles logo fossem
capazes de ter uma existência socio-politicamente protegida como aposentados precoces ou
aposentados por invalidez. (...).

Seja na Grã-Bretanha, na França ou na BRD: o velho truísmo liberal "Cada um é o ferreiro de sua
própria fortuna" celebrou um feliz começo nas três décadas que estão em jogo aqui. Mais e mais
amplamente do que nunca, os padrões meritocráticos de interpretação foram usados para legitimar
ou desculpar, tanto a discriminação social quanto os novos privilégios, isto é, para ambos os lados.
Numerosos idiomas políticos e culturais confirmaram esta tendência para uma "liquefação" do
social e para a "subjetivação", que não se alimentava apenas de convicções ortodoxas liberais, mas
também de correntes libertárias, críticas socialistas de esquerda à sociedade afluente e organizada.
cultura de consenso, bem como ideias verdes - alternativas sobre a vida e os negócios. (...).

Obviamente em uma economia prospera com na era de ouro estas crises setoriais podem ser
enfrentadas de forma mais amena quando novos empregos em outros setores surgiam. Num
ambiente onde o desemprego já e elevado e prolongado as consequências para trabalhadores,
municípios e regiões são mais duras.

Os países centrais enfrentando uma crise nova: a estagflação

Na década de 1970 os países centrais enfrentavam uma nova forma de crise econômica: a
estagflação, estagnação ou queda da produção com ascensão do desemprego acompanhada
da aceleração da inflação, que dificilmente pode ser explicado no paradigma keynesiano. Os
gráficos seguintes mostram este cenário desconhecido pelos países centrais.
424

Gráfico 63 Taxa de desemprego na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1970 – 1990

Fonte: BLS

Gráfico 64 Taxa de inflação na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985

Fonte: BLS
425

Gráfico 65 Taxa de crescimento do PIB na Alemanha, Estados Unidos e Japão (%), 1965 – 1985

Fonte: BLS
A queda do produto, a ascensão do desemprego e da inflação e as crises simultâneas em
1974/1975 e 1980/1982 (nos Estados Unidos com uma curta recuperação em 1981) podem ser
vistos nos gráficos anteriores. Embora as crises nos países centrais na década de 1970 e no
inicio da década de 1980 não foram tão graves como a Grande Depressão dos anos 1930,
obviamente a queda a produção e o aumento do desemprego acompanhado pela aceleração
da inflação foi um cenário até lá desconhecido, comparado com os trinta anos gloriosos das
economias capitalistas no pós-guerra. Em nesta perspectiva a década de 1970 parecia uma
nova crise profunda do capitalismo global. A crise foi vista também como o retorno para o
paradigma do capitalismo normal depois de um período de crescimento elevado incentivado
pela recuperação das economias destruídas pela guerra na Europa e no Japão. O paradigma do
capitalismo normal é caracterizado por períodos de crescimento e inovação interrompidos por
crises conjunturais com desemprego elevado.
As tentativas dos governos na década de 1970 de revitalizar economias estagnadas com
receitas keynesianas acabaram com uma aceleração da inflação e problemas fiscais do Estado
[endividamento crescente]. Ideias alternativas monetaristas para controlar a inflação e ideias
neoliberais de diminuir o peso fiscal e regulatório dos governos na economia através da
liberação da dinâmica de mercados livres para acelerar crescimento, investimento e inovação
ganhavam espaço no ambiente acadêmico e politico. O sucesso destas novas estratégias para
revitalizar o capitalismo estagnado nos países centrais foi somente parcial: sucesso na
426

estimulação da inovação com foco nas novas tecnologias de informação, comunicação e


biotecnologia, sucesso também na estimulação da globalização produtiva, comercial e
financeira, sucesso também no controle da inflação, mas a custo de taxas de desemprego em
ascensão e altas taxas de desemprego estrutural de longo prazo, mas nenhum sucesso de
voltar ao crescimento e as taxas muito baixas de desemprego dos trinta anos gloriosos. Os
sucessos foram acompanhados nos países anglofones de uma crescente desigualdade de
renda, riqueza e poder, do poder crescente do setor financeiro e das grandes empresas nestes
países, das tentativas de restringir os benefícios do Estado de bem-estar social e de um
endividamento acelerado do Estado, especialmente na Grande Recessão depois de 2008. Nos
outros países centrais estas tendências também podem ser vistas, embora de forma desigual e
menos expressiva, especialmente nos países nórdicos da Europa e na França (embora
acompanhado também do desemprego em ascensão e de longo prazo).
O Brasil na década de 1970
A crise da década de 1970 nos países centrais chegou com defasagem no Brasil com a crise da
dívida externa da década de 1980 (a década perdida), mas obviamente as crises nos países
centrais e os choques dos preços de petróleo também tinham seus reflexos na economia
brasileira da década de 1970.

Gráfico 66 Taxa de crescimento do PIB real (%), da indústria de transformação (%), do


investimento bruto real (%) 1960 – 1985

Fontes: IBGE, IPEADATA


427

Na crise de 1973/1974 a economia brasileira mostrou crescimento positivo, mas uma queda
das taxas de crescimento do PIB, da indústria de transformação e do investimento bruto e uma
nova queda em 1977, como o gráfico acima mostra. A crise do choque dos preços de petróleo
de 1979/1981 chega com toda força no Brasil em 1981, onde começa uma recessão profunda
(de mergulho duplo) que somente acaba em 1984. A indústria de transformação mostra uma
taxa de crescimento mais volátil do que a taxa de crescimento do PIB real, a taxa de
crescimento do investimento bruto mostra uma volatilidade expressivamente maior.

Gráfico 67 Taxa de Inflação IPC-FIPE, IGP-DI FGV (%) e taxa de desvalorização cambial da
moeda nacional em relação ao dólar (US) em %, 1960 – 1985

Fonte: IPEADATA
O gráfico mostra duas taxas de inflação para o período de 1960 até 1985 (o índice de prços ao
consumidor e o IGP-DI, um índice de preço mais amplo) com ascensão da taxa de inflação até
1964, recuando lentamente até 1973, em 1974 o efeito do choque dos preços de petróleo é
repassado para a inflação interna, como também em 1979/1980, a taxa de câmbio acompanha
de forma geral a inflação interna, com exceção das maxidesvalorizações em 1964, 1979 e
1983.
428

Gráfico 68 Índices de quantum e de preços da exportação e da importação Brasil, índice dos


preços de commodities da agricultura, 1960 – 1985

Fonte: IBGE, World Bank (pink sheet)


Os efeitos dos choques dos preços de petróleo em 1973/1974 e 1979/1980 são refletidos nos
índices dos preços das importações, mas enquanto em 1973/1974 o índice dos preços das
exportações acompanha os aumentos dos preços das importações, depois de 1979/1980 os
preços das importações sobem muito mais rápido do que os preços das exportações piorando
as relações de troca para o Brasil e diminuindo o índice de quantum das importações. Os
preços das exportações acompanham em 1973/1974 os preços das importações, porque os
preços das commodities da agricultura tiveram nestes anos também uma ascensão expressiva
como mostra o índice do Banco Mundial, e no Brasil nesta década as commodities agrícolas
somavam cerca cinquenta por cento das exportações totais no valor.
429

Gráfico 69 Dívida Externa e Reservas Internacionais (Milh. US$) [Eixo esquerdo] Preço de
Petróleo (US$/barrel) [Eixo direito] 1960-2012

Fonte: IPEADATA, BCB


O gráfico mostra que com o aumento dos preços de petróleo o endividamento externo do
Brasil aumentou. O aumento expressivo da dívida externa no primeiro governo Cardoso e no
governo Rousseff não é diretamente ligado aos preços de petróleo, mas a razões internas,
relatados em um capítulo posterior. O endividamento em ascensão facilitou a estratégia do
Brasil de financiar o crescimento e o investimento ainda depois do primeiro choque dos preços
de petróleo em 1973/1974 com taxas de juros acessíveis, embora flexíveis. Esta possibilidade
de financiamento externo a juros acessíveis abriu-se por causa das tentativas dos bancos dos
países centrais de reciclar os petrodólares depositados pelos países exportadores de petróleo
para países importadores de petróleo como o Brasil neste período. A mudança do ambiente
externo, em primeiro lugar consequência da mudança da politica monetária dos Estados
Unidos em 1979 elevando as taxas de juros e diminuindo a liquidez global, levou a crise da
dívida externa e a recessão profunda no Brasil de 1981/1983, mas isto é tema de um capítulo
posterior.
Os conflitos sobre a distribuição de renda e riqueza
Como Kalecki [1972] já previu na década de 1940 a regulação macroeconômica nos moldes de
pensamento keynesiano com a garantia de pleno emprego e com a segurança dos benefícios
do Estado de bem-estar social depois da Segunda Guerra Mundial teve consequências sobre a
relação entre capital e trabalho. A crescente autoconfiança dos trabalhadores e seus sindicatos
430

em um ambiente de pleno emprego na década de 1960 e nos primeiros anos da década de


1970 aumentou sua combatividade. Streeck [2013, p. 26 pp.] interpreta a época de ouro para
as economias capitalistas nas décadas de 1950 até 1973 como um compromisso (o
compromisso do paradigma keynesiano com o pleno emprego e com o Estado de bem-estar
social) em que a classe dominante precisava aceitar depois dos horrores da Segunda Guerra
Mundial e da competição com o socialismo burocrático real nas décadas de Guerra Fria. Ele
interpreta as transformações da década de 1970 e depois como uma revolta do capital [2013,
p.26] contra a economia mista keynesiana, revertendo intervenções e regulamentações do
governo e parcialmente o Estado de bem-estar social em direção ao capitalismo global mais
agressivo com competição acirrada nos moldes neoliberais de hoje.
O aumento da combatividade e da consciência da classe dos trabalhadores antes da crise de
1973/1974 pode ser visto empiricamente pelos dias em greve e pelo número dos participantes
nas greves no fim da década de 1960 e no inicio da década de 1970, na Alemanha, na França e
na Itália. Muitas destas greves foram espontâneas, organizadas pelos próprios trabalhadores,
em grande parte contra as lideranças dos sindicatos ou –relutantemente – depois aceitadas
pelas lideranças dos sindicatos. Um exemplo é a greve geral na França depois da revolta dos
estudantes em maio de 1968, onde se estima que dez milhões de trabalhadores fossem em
greve somente em maio (uma estimativa, mas, com certeza, foi a maior greve na França, e no
gráfico seguinte para 1968 não aparecem dados oficiais para França) e os trabalhadores
negavam um acordo dos sindicatos com os empresários (acorde de Grenelles realizado no
ministério dos assuntos sociais) e continuavam na greve, embora o acordo previsse aumentos
salariais entre 10% e 25% para o salário mínimo.
431

Gráfico 70 Dias de greve (em mil) nos países centrais 1960 até 2008

Fonte: Histat
O gráfico mostra a ascensão das greves antes da crise de 1973/1974 e uma queda lenta nos
anos depois, consequência da segmentação da classe trabalhadora pelo novo paradigma da
produção enxuta e flexível entre força de trabalho central e contingente e pela etnia, pelo
gênero, pela função, pela religião etc, pelo aumento do desemprego, pelo deslocamento da
indústria para países de salários mais baixos em consequência da globalização, pela divisão da
classe trabalhadora em ganhadores e perdedores (‘working poor’) e pelo combate de governos
conservadores ao poder dos sindicatos. Em Alemanha e também em outros países centrais
houve na década de 1960 até a crise uma forte imigração de trabalhadores estrangeiros dos
países do Sul da Europa (Itália, Espanha, Portugal, Jugoslávia e Turquia). A crise reverteu esta
tendência de imigração de trabalhadores estrangeiros depois da crise começavam as primeiras
reações xenofóbicas no ambiente político e social em muitos países centrais. Um dos últimos
combates foi a greve dos mineiros no Reino Unido em 1984/1985 de quase um ano, reprimida
pela primeira ministra Thatcher contra o líder do sindicato dos mineiros Scargill. O gráfico a
seguir mostra o grau de sindicalização em alguns países centrais. Em muitos dos países
escolhidos (menos expressivo na Suécia) o grau da sindicalização começou a cair desde a
década de 1980, especialmente no setor privado com o resultado que em muitos países
centrais a força sindical concentrou se no setor público.
432

Gráfico 71 Taxa de densidade sindical em alguns países centrais (%) 1960 – 2012

Fonte: OECD
Na metade dos anos 1970 começou na maioria dos países centrais a queda da força dos
sindicatos (com exceção dos países nórdicos da Europa), consequência do aumento do
desemprego, da mudança de paradigma de produção, da desindustrialização, de segmentação
da força de trabalho e da ofensiva conjunta do empresariado e dos governos conservadores
contra o poder compensatório dos sindicatos. Em muitos países centrais a maior parte da força
de trabalho sindicalizada encontra-se hoje no serviço público.
A situação de pleno emprego na década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970 e o
aumento da combatividade dos trabalhadores conseguiu aumentos salariais expressivos,
parcialmente compensados pela inflação em ascensão como os gráficos seguintes mostram.
433

Gráfico 72 Taxas de crescimento dos salários nominais (%) em alguns países centrais, 1960 –
1985

Fonte: BLS

Gráfico 73 Taxas da inflação IPC (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985

Fonte: BLS
434

Mas a inflação não tirou totalmente os ganhos salariais nominais, até 1974 os aumentos reais
dos salários ficavam expressivos na Alemanha (e em geral na Europa) e no Japão, como o
gráfico seguinte mostra.

Gráfico 74 Taxa dos aumentos salariais reais (%) em alguns países centrais, 1960 – 1985

Fonte: BLS
Mas os aumentos salarias reais ficavam em alguns anos na Alemanha (e na Europa em geral) e
Japão muito acima dos aumentos da produtividade de trabalho, o que foi também um fator
para o aumento da taxa de inflação antes do choque de petróleo. Este fato levou a uma
redistribuição da renda em favor do fator trabalho e para uma queda da taxa de lucro para o
fator capital. Muitos economistas interpretam esta crise de lucros como uma explicação da
crise começando em 1973/1974 em conjunto com o choque adverso da oferta dos preços de
petróleo em 1973 e 1979. A tabela a seguir mostra o aumento da produtividade de trabalho
nos anos 1960 até 1997 bem como o aumento da produtividade total dos fatores (PTF),
representando o resíduo de Solow, uma estimativa para a taxa de crescimento do progresso
tecnológico. A tabela mostra a queda expressiva da produtividade de trabalho e da
produtividade total dos fatores depois da crise de 1973/1974 em todos os países e na OECD.

Tabela 94 Crescimento da produtividade (PTF) e do trabalho 1960 – 1997 em alguns países da


OECD

Crescimento da produtividade total dos Crescimento da produtividade de


fatores (%) trabalho
1960-73 1973-79 1979-97 1960-73 1973-79 1979-97
435

OECD 2,9 0,6 0,9 4,6 1,7 1,7


União Europeia 3,4 1,2 1,1 5,4 2,5 1,8
Estados Unidos 1,9 0,1 0,7 2,6 0,3 2,2
Japão 4,9 0,7 0,9 8,4 2,8 2,3
Alemanha 2,6 1,8 1,2 4,5 3,1 2,2
França 3,7 1,6 1,3 5,3 2,9 2,2
Itália 4,4 2,0 1,1 6,4 2,8 2,0
Reino Unido 2,6 0,5 1,1 4,1 1,6 2,0
Fonte: OECD.

A crise da taxa de lucro


Em todas as correntes do pensamento econômico o motivo de lucro é o fator decisivo para o
comportamento das empresas numa economia capitalista. Para a decisão de investir as
expectativas dos lucros do investimento planejado é o fator central que determina a decisão
de investir e a decisão de escolher entre diferentes projetos de investimento, formalizado
dentro da matemática financeira na determinação da taxa interna de retorno85 de um projeto
de investimento, descontando os lucros futuros esperados com a taxa de juros de mercado.
Decisões de investimento e com isto muitas decisões no ambiente econômico dependem em
primeiro lugar das expectativas sobre o futuro. Sobre o futuro existe certa incerteza, ou risco,
por esta razão as decisões sobre investimentos são sujeitas a incerteza ou ao risco. Keynes
[1997 – 2003. Edição eletrônica, p. 96 e 103] descreveu este dilema:
O fato notável é a extrema precariedade da base do conhecimento em que nossas estimativas
de rendimento futuro devem ser feitas. Nosso conhecimento dos fatores que irão reger o
rendimento de um investimento em alguns anos [futuros] é geralmente muito leve e muitas
vezes insignificante. Se falarmos francamente, devemos admitir que nossa base de
conhecimento para estimar o rendimento dez anos no futuro para uma ferrovia, uma mina de
cobre, uma fábrica de têxteis, o sucesso (‘goodwill’) de um medicamento patenteado, um navio
para cruzar o Atlântico, um prédio na Cidade de Londres equivale a pouco e às vezes a nada;
ou, mesmo para cinco anos no futuro. Na verdade, aqueles que tentam seriamente fazer essa
estimativa são muitas vezes muito em minoria e seu comportamento não governa o mercado.
(...). Provavelmente a maioria de nossas decisões para fazer algo positivo, cujas consequências
completas serão esticadas em muitos dias por vir, só pode ser tomada como resultado de
espíritos animais [animal spirits] - de um impulso espontâneo à ação, em vez de inatividade, e
não como o resultado de uma média ponderada de benefícios quantitativos multiplicados por
probabilidades quantitativas. A empresa apenas pretende que ela seja principalmente movida
pelas declarações de seu próprio futuro, por mais franco e sincero elas sejam (...). Assim, se os
espíritos animais estão esmaecidos e o otimismo espontâneo vacila, deixando-nos depender de
nada além de uma expectativa matemática, a empresa desaparecerá e morrerá; - embora os
receios de perda possam ter uma base não mais razoável do que esperanças de lucro antes.

O grau da incerteza ou do risco sobe numa crise econômica, bem como a volatilidade de
variáveis econômicas. Numa crise caiam por esta razão não somente as expectativas sobre os
lucros futuros, mas também normalmente os lucros atuais, porque a demanda para os
produtos das empresas e as receitas caiam, enquanto a produção e os custos somente podem
ser ajustados a queda da demanda com defasagens e custos como os juros sobre as dívidas
436

nem podem ser ajustadas. Por esta razão empresas altamente endividadas (alavancadas) são
especialmente vulneráveis nas crises. O endividamento elevado de uma empresa, que pode
aumentar a taxa de lucro em tempos de expansão, pode levar a empresa à falência em tempos
da crise, quando o fluxo de caixa não consegue cobrir juros e amortização e uma rolagem da
dívida e novos empréstimos tornam-se inviáveis.
A maioria dos analistas da crise da década de 1970 aponta uma crise de lucros86 (aperto de
lucros – ‘profit squeeze’) como fator importante na explicação da crise, como, por exemplo,
Streeck [2016, posição 366 p.] “Tenho argumentado que o capitalismo da OCDE tem estado
em uma trajetória de crise desde a década de 1970, o ponto de mudança histórica quando o
contrato social de pós-guerra foi abandonado pelo capital em resposta a um aperto de lucro
global”. As causas deste aperto do lucro são vistos em superinvestimento e superprodução na
era do ouro, criando capacidades excessivas em alguns ramos da produção, a competição
internacional em ascensão com a entrada dos países emergentes como competidores para
produtos industriais, as pressões salariais de uma classe trabalhadora mais combativa nos fins
da década de 1960 e no início da década de 1970, entre outras causas.
Em uma primeira tentativa de analisar empiricamente o aperto dos lucros o próximo gráfico
mostra para os Estados Unidos os lucros corporativos.

Gráfico 75 Índices lucros reais, Compensação real dos empregados, Lucros setor
financeiro/lucros totais (%), Estados Unidos 1960 - 2012

Fonte: Bureau of Economic Analysis, Cálculos próprios


437

A alta volatilidade dos lucros pode ser vista no gráfico, bem como a queda em cada recessão, a
mais profunda na crise financeira global de 2008/2009. Na crise da década de 1970 a queda
começou já em 1967, com uma recuperação em 1973 e uma nova queda em 1974/1975. Na
Alemanha e na França a queda antes da crise de 1973/1974 foi ainda mais expressiva. Uma
queda mais profunda e prolongada começou com a crise 1980/1982 em 1979 que se
prolongou até 1993. As compensações dos empregados mostram uma volatilidade bem
menor, mas com recuos também nas recessões. A participação nos lucros do setor financeiro
aumentou tendencialmente (com recuos) no período entre 1960 e 2002, quando houve uma
queda em consequência do estouro da bolha das ações das empresas da internet em
2000/2001 e uma queda ainda mais profunda na crise financeira de 2008/2009, mas com
rápida recuperação depois (alguns economistas chamam este processo da ascensão de poder
do setor financeiro de financeirização).
Uma avaliação das tendências e ciclos das taxas de lucros (usando uma relação lucros/capital
próprio) fica mais difícil por causa de diferentes formas de medir o capital próprio, mas
economistas como Brenner [2009] e Kliman [s.a.] apontam para uma queda da taxa de lucro
depois da crise 1973/1974, onde Kliman [s.a. p.3] ainda levanta a hipótese, que a tendência da
queda taxa de lucros não se reverteu depois da crises da década de 1970 e do início da década
de 1980, porque menos capital foi destruído do que na Grande Depressão.
A tabela a seguir [Brenner, 2009, p. 10] mostra que a queda da taxa de lucro começa a cair na
década de 1970 e fica deprimida nas décadas seguintes, embora houvesse queda do
crescimento das compensações reais depois da década de 1970. Este fato pode ser explicado
pela competição global mais acirrada no processo da globalização depois da década de 1970, o
enfraquecimento do fator trabalho e seus sindicatos com a ascensão de políticas neoliberais e
outros fatores.

Tabela 95 Taxas de lucro e crescimento das compensações (dos empregados) Estados Unidos,
Alemanha, Japão

Setor privado empresarial

Alemanha
EUA Taxa de EUA Alemanha Japão Taxa de Japão
Taxa de lucro
lucro das Crescimento Crescimento lucro das Crescimento
das
corporações das das corporações das
corporações
não compensações compensações não compensações
não
financeiras reais por hora reais por hora financeiras reais por hora
financeiras

1949-1959 0,133 0,031


1960-1969 0,146 0,020 0,177 0,028 0,190 0,069
1970-1979 0,105 0,010 0,132 -0,005 0,126 0,015
1980-1990 0,098 0,001 0,128 0,009 0,119 0,015
1991-2000 0,108 0,010 0,094 0,012 0,085 0,008
438

2001-2007 0,100 0,011 0,095 -0,004 0,086 -0,001


Setor Manufatura

EUA Alemanha Japão


Crescimento Crescimento Crescimento
EUA Taxa de da Alemanha da Japão Taxa e da
lucro compensãço Taxa de lucro compensãço lucro compensãço
real por real por real por
pessoa pessoa pessoa

1949-1959 0,250 0,041


1960-1969 0,245 0,019 0,189 0,022 0,364 0,106
1970-1979 0,134 0,013 0,124 -0,001 0,297 0,085
1980-1990 0,118 0,007 0,104 0,014 0,198 0,027
1991-2000 0,164 0,014 0,052 0,027 0,103 0,026
2001-2007 0,141 0,013 0,122 0,004 0,083 0,036
Fonte: Brenner (2009, p. 10)

Na crise de 1973/1974 nos Estados Unidos, bem como em outros países centrais, a crise foi
precedida por uma crise de lucro (‘profit squeeze’), que já teve início no fim da década de 1960
causada por aumentos salariais acima de taxas de crescimento da produtividade em queda e
da crescente concorrência internacional. Os dados de Brenner apontam para uma prolongada
queda das taxas de lucros nos países centrais nas décadas depois da crise, mas, obviamente
estas estatísticas no nível macro não mostram as taxas diferenciadas de lucros para diferentes
ramos de produção, nem as taxas de lucros muito mais elevadas para algumas empresas
‘global players’. Parece que as empresas intensivas em conhecimento mostram margens mais
altas de lucro e de maior volatilidade (entre 19,8 para indústria farmacêutica e dispositivos
médicos e 7,8 % para hardware neste ramo) do que bens e serviços de consumo intensivo de
mão de obra (entre 9,3% e 3,5%) e bens de capital intensivo em capital (como, por exemplo,
construção, automóveis e maquinas entre 6,6% e 4,8%) e bens e serviços da infraestrutura
também intensivos em capital (com a indústria de telecomunicação com 13,4% e a indústria de
extração no piso deste setor com 5,8%) [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, Playing to win: The
new global competition for corporate profits, 2015, p. 7].
É importante anotar que os 10% das empresas cotadas em bolsa no mundo concentram 80%
dos lucros [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, Playing to win: The new global competition for
corporate profits, 2015, p. 22].
A crise também foi seguida de uma queda prolongada da participação dos salários na renda
nacional em muitos países centrais, consequência da perda de poder dos trabalhadores e seus
sindicatos, das políticas neoliberais e das mudanças estruturais nos mercados de trabalho,
descrito mais extenso no capítulo sobre as transformações depois da crise. A tabela a seguir
mostra esta queda para os Estados Unidos.
439

Tabela 96 Participação dos lucros, salários e renda dos proprietários Estados Unidos

1980 1990 2010


Compensação dos empregados 67,0 66,4 60,9
Renda dos propietários 7,9 7,7 13,3
Lucros corporativos depois impostos 5,6 5,4 11,6
Imposto de renda sobre lucros corporativos 3,6 2,9 2,9
Outras taxas, transferências e juros 15,9 17,6 11,3
Fonte: MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, Playing to win: The new global competition for corporate
profits, 2015, p. 31

Os choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979

O gatilho para o choque dos preços de petróleo foi o ataque militar de Síria e Egito contra
Israel em seis de outubro de 1973 (guerra de Yom Kippur), embora com vista à perda de valor
de compra do US$ já havia antes demandas para um aumento dos preços de petróleo pelos
países exportadores de petróleo, e os países árabes da OPEP (Organização dos países
exportadores de petróleo) anunciavam depois do início da guerra uma redução da produção. O
governo dos Estados Unidos entregava armas como ajuda a Israel ainda em outubro. A crise
dos preços de petróleo começou dez dias depois do ataque a Israel, quando os países árabes
da OPEP proclamavam embargo de petróleo aos Estados Unidos e outros países centrais como
reação a ajuda militar destes países para Israel. Um dia depois eles aumentavam os preços de
petróleo em 70%, em dezembro eles amuniciavam outro aumento dos preços, dobrando o
preço de petróleo em relação ao início de 1973 [Judt, 2005, p. 455]. Como o petróleo foi um
insumo importante para os países centrais, especialmente na Europa, o choque adverso de
oferta aumentou ainda as pressões recessivas e inflacionárias.

No gráfico a seguir pode se ver também que a inflação do IPC dos Estados Unidos já estava
acelerando antes do choque dos preços de petróleo por causa dos gastos com a guerra em
Vietnam e dos programas da Grande Sociedade para combater a pobreza do governo Johnson.
Mas a taxa de inflação foi elevada pelos choques de preços de petróleo a níveis de dois dígitos,
levando para tentativas de diminuir a inflação através de um choque heterodoxo
(congelamento dos preços) do governo Nixon já em 1971 e 1973 antes do choque dos preços
de petróleo e em 1979 através uma política extremamente restritiva do presidente do banco
central norte-americano Volcker, que na década de 1980 conseguiu diminuir a taxa de inflação
a níveis mais baixos, mas a custos de uma recessão profunda de mergulho duplo em 1980 e
1981.
440

Gráfico 76: Preços de petróleo (barrel) em US$ correntes, em US$ de 2013 (eixo esquerdo) e a
taxa de inflação nos Estados Unidos (Índice de preços ao consumidor PIB – eixo direito) 1960 –
2015.
Fonte: BP Statistical Review, FRED

Embora a guerra de Yom Kippur foi o gatilho para a crise energética de 1973/1974, é
necessário anotar que os preços de petróleo – precificados em US$ - já foram defasados por
muito mais tempo. A quebra final do sistema de Bretton Woods e com isto as desvalorizações
do dólar americano bem como a perda do valor interno do dólar com a inflação levavam os
países exportadores de petróleo para uma situação em que eles eram pagos para uma
commodity valiosa em dólares que perdiam em valor. Já foi discutido antes na OPEP de
precificar o petróleo não em dólares de papel, mas em ouro. O aumento dos preços de
petróleo em dólares correntes é visível no gráfico, bem como o aumento bem maior em
dólares de 2013. Visível também a ascensão súbita da taxa de inflação nos Estados Unidos com
os choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979 (revolução islâmica no Irã), mas é
necessário reconhecer que a taxa de inflação nos Estados já foi em ascensão antes destes
choques.
O gráfico seguinte mostra o aperto muito forte da politica monetária norte americano, seguida
pelos outros países centrais, depois de 1979 para a taxa básica (Federal Funds Rate), e a taxa
de juros dos bancos para seus melhores clientes (Prime Rate).
441

Gráfico 77 Taxa básica nos Estados Unidos (Federal Funds rate, efetiva) e taxa de juros dos
bancos para seus melhores clientes (prime Rate) 1959 – 2011

Fonte: FRED
A redução da produção de petróleo pelos países da OPEP (e entre eles dos países árabes) pode
ser visto nos seguintes gráficos.

Gráfico 78 Produção de petróleo mundial, OPEP, não OPEP (sem União Soviética antiga), União
Soviética antiga 1960 – 2013
442

Fonte: BP Statistical Review

O gráfico a seguir mostra a queda temporária da produção dos países da OPEP em 1973 e
depois de 1979 de forma mais prolongada depois da queda do Xá de Irá e da revolução no Irã e
da guerra seguinte entre Iraque e Irã.

Gráfico 79 Produção de petróleo do Irã, Iraque, Kuwait, Saudi Arábia, 1960 – 2013
Fonte: BP Statistical Review

No gráfico pode se ver que os países árabes reduziam a produção de forma diferenciada e
temporária em 1973, embora a redução da produção e o embargo levassem a sérios
problemas para os consumidores de petróleo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, mas
também estimulou os países centrais para políticas de poupar energia e substituir o petróleo
por energias renováveis. Visível também a forte redução de produção de petróleo em 1980 no
Irão e no Iraque que foi consequência da guerra entre estes países entre 1980 e 1988, a queda
da produção de Saudi Arábia começando em 1982 quando os preços já estavam em queda e a
OPEP estava se parcialmente desintegrando e produtores como México, Nigéria e Venezuela
estavam aumentando sua produção. Os preços chegavam a seu piso em 1986, consequência
da queda da demanda, do aumento da produção de países produtores no mar de norte
(Noruega e Reino Unido) e outros países no mundo, entre eles o Brasil. Novamente na crise
financeira global de 2008/2009 e começando em 2014 houve quedas expressivas do preço de
petróleo e ainda em 2017 os preços de petróleo são em um nível muito baixo.
443

A crise energética na década de 1970 foi uma causa importante na eclosão da crise acelerando
uma taxa de inflação já em ascensão e – como choque adverso da oferta nos países centrais-
embora atingisse os países centrais de forma diferenciada, dependendo do grau da
dependência do país da importação de petróleo (muito forte no Japão, Alemanha e França,
enquanto os Estados Unidos estavam produzindo também petróleo, embora a produção
nacional estivesse declinando e somente cobriu certa parte da demanda (até o novo processo
de ‘fracking’ foi desenvolvido na década de 2010)), e o Reino Unido e a Noruega estavam
começando produzindo petróleo no mar do Norte. A crise energética levou também a
mudanças culturais e politicas reforçando as preocupações com o meio ambiente e da
limitação das energias não renováveis e de outros recursos naturais, um problema já descrito
na publicação do Clube de Roma sobre os limites do crescimento em 1972. A crise reforçou
também a criação de movimentos ecológicos e partidos verdes no ambiente político.

A crise energética levou também – pelo menos para mais ou menos uma década – para uma
redistribuição da renda global para países exportadores de petróleo.

A terceira revolução industrial e seus impactos

Com força desde a década de 1980, mas com os primeiros sinais já antes, uma terceira
revolução industrial mudou as estruturas industriais e a organização produtiva nas empresas.
Mas estas novas tecnologias de informação, comunicação, robótica e inteligência artificial,
bem como novos materiais, e a biotecnologia não mudavam somente o ambiente industrial,
mas também os serviços e a vida das pessoas no mundo. Mas os primeiros sinais destas novas
tecnologias, da crescente competição global bem como das mudanças no comportamento dos
consumidores já tivessem seus impactos na crise da década de 1970 nos países centrais.
Desindustrialização e mudanças para uma participação maior do setor dos serviços no Produto
Interno Bruto (PIB) e no emprego foram problemas que influenciavam também no
desenvolvimento da crise da década de 1970. Na Alemanha os problemas estruturais no ramo
da mineração de carvão (pela ascensão do petróleo para a produção de energia), da indústria
de ferro e aço (pelas supercapacidades globais e a competição global mais acirrada), e da
indústria de construção naval (pela competição acirrada em primeiro lugar com países na
Ásia), levavam já antes da crise para problemas econômicos, sociais e regionais. A crise ainda
levou o setor de construção civil, como foco na construção de infraestrutura, para sérios
problemas por causa da crise fiscal do Estado seguindo a crise de 1973/1974. Com as crises
energéticas e as preocupações ecológicas novas tecnologias de energia renovável entravam no
cenário.
444

Embora o computador pessoal já surgisse na década de 1970, a era digital, da internet e das
novas tecnologias de comunicação somente começou na década de 1980, mas ela influenciou
profundamente nas transformações como impacto da crise da década de 1970 e precisa ser
considerada no capítulo sobre as transformações.

Resumo sobre a crise profunda da década de 1970 e do início da década de 1980

A crise da economia real somente foi percebida como profunda, porque a queda da taxa de
crescimento do PIB e o aumento do desemprego foram comparados às taxas de crescimento e
as taxas de desemprego da era de ouro nas décadas anteriores. A queda da atividade
econômica e o aumento do desemprego foram acompanhados de uma aceleração da taxa de
inflação (estagflação), um fenômeno ainda desconhecido e inexplicável no paradigma
keynesiano. A quebra do sistema monetário internacional de Bretton Woods, a crise
energética na década de 1970, o início da terceira revolução industrial e as mudanças
estruturais no setor industrial, levavam a quedas da produção nas indústrias pesadas nos
países centrais e deslocando produção para países emergentes.

As mudanças estruturais na organização de produção do modelo fordista taylorista para uma


produção enxuta e flexível (as vezes chamado Toyotismo, orientado nos métodos de produção
na empresa automobilística japonesa Toyota), todas estas mudanças exigiam novas agendas
políticas, novas estratégias macroeconômicas e novas paradigmas de pensamento econômico
para não cair na decadência. É importante enfatizar que diferentemente da crise global de
2008/2009 e da Grande Depressão, crises financeiras não se destacam na crise de 1973/1974,
com exceção das crises cambiais começando em 1968 que levavam em 1973 finalmente para o
fim do sistema monetário internacional de Bretton Woods. Nachtwey [2017, p. 43 pp.]
descreve o período pós Bretton Woods como um período da estagnação secular, um período
prolongado do capitalismo global nos países centrais (não em economias emergentes como
China e outros) com taxas de crescimento do PIB muito baixas, se referindo a economistas
como Summers e Krugman avaliando a recuperação da economia global depois da crise
financeira global de 2008/2009. Ele adverte também que o conceito já foi usado por
economistas como Hansen, Steindl e Kalecki e economistas neomarxistas no período pós-
Grande Depressão levantando expectativas de que o capitalismo global pode entrar em um
período de prolongada estagnação. Já Marx com sua hipótese da tendência do declínio secular
da taxa de lucro advertiu no século XIX sobre uma possível estagnação das forças dinâmicas do
capitalismo.
445

O esgotamento dos modos de produzir, regular, pensar e consumir da era de ouro levava a
transformações profundas do capitalismo global que são tema do capitulo a seguir, mas aqui
se torna necessário um resumo das causas desta crise da década de 1970 e do início da década
de 1980, sem avaliar a importância relativa das causas.
• O esgotamento do modelo fordista taylorista da produção em massa e do
consumo em massa;
• O esgotamento do modelo keynesiano da regulação macroeconômica e os
custos crescentes do Estado de bem-estar social;
• A crescente volatilidade e incerteza nos mercados pela quebra do sistema
monetário internacional de Bretton Woods e o aumento expressivo dos
movimentos internacionais de capital (parcialmente especulativo);
• As crises energéticas da década de 1970
• Aperto de lucro pelas capacidades excessivas em alguns ramos da produção
industrial, da combatividade dos trabalhadores e seus sindicatos, a competição
global mais acirrada pela ascensão dos países emergentes, a regulamentação
pelo Estado, levou a uma “vingança” do capital para se livrar dos grilhões das
regulamentações e das estruturas corporativistas;
• O fim do período da reconstrução depois da guerra, o fim dos ganhos da
produtividade dos países da Europa e Japão pelo processo de ‘Catch-up’ com
os Estado Unidos, também o esgotamento dos ganhos na produtividade pelo
deslocamento da força de trabalho na agricultura para a indústria;
• A mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços,
especialmente a ascensão do setor financeiro;
• Mudanças culturais como individualização e consumismo, valores materiais
perdendo para valores pós-materiais de reconhecimento e entretenimento, a
ascensão das mídias na influência dos pensamentos e valores das pessoas.

iv. Transformações nos países centrais como reflexo da crise

Com o olhar para a era de ouro a crise da década de 1970 levou a quedas duradouras do
crescimento do produto e da produtividade e um aumento do desemprego, embora a
aceleração da inflação já estivesse diminuindo no início da década de 1980 nos países centrais
e desde a metade desta década ficou em níveis baixos, depois da crise financeira global de
2008/2009 levando a preocupações com níveis de inflação muito baixos ou mesmo da
deflação. Todos estes fatos caracterizam a crise da década de 1970 como uma crise profunda
do capitalismo global, embora seus impactos nunca alcançassem a profundidade da Grande
446

Depressão. Mas as transformações profundas econômicas e sociais, políticas e ideológicas


seguindo a crise também justificam denominar a crise como profunda. Importante neste
ambiente de transformações é que eles aconteciam não imediatamente depois da crise da
década de 1970, mas levavam tempo, se estendendo nas décadas de 1980 e 1990 e
aconteciam de forma diferenciada em diferentes países. Na década de 1970 houve ainda
tentativas de seguir politicas keynesianas para reaquecer a economia e combater o
desemprego (uma tentativa keynesiana aconteceu ainda no início da década de 1980 no
governo de Mitterand na França, mas precisava ser abandonada depois de poucos anos com as
pressões dos mercados financeiros internacionais iniciando uma crise cambial e fiscal). Mas
desde a década de 1980 a globalização produtiva e financeira ganhou ainda mais força e as
tentativas keynesianas fracassavam dando mais espaço para tentativas monetaristas e
neoliberais para domar a inflação e introduzir políticas de austeridade, sem se preocupar
muito com a ascensão do desemprego estrutural.

As narrativas a seguir sobre as transformações do capitalismo global precisam ser vistas na


perspectiva de um período mais extenso até a crise financeira global de 2008/2009 e
parcialmente também influenciando o período depois. As transformações no Brasil são
descritas no capítulo que segue a descrição da crise da dívida externa do Brasil.

1) Transformações econômicas como impactos da crise

A parte sobre as transformações econômicas como impacto da crise da década de 1970


concentra-se numa discussão sobre a globalização forçada desde a década de 1970, as
mudanças nos regimes de regulação e das políticas macroeconômicas do Keynesianismo para
o paradigma neoliberal, e das mudanças na organização da produção dentro das empresas do
modelo fordista-taylorista para o paradigma de produção flexível e enxuta com suas profundas
transformações no mundo de trabalho, e o crescente poder e importância do setor financeiro
na economia, descrito algumas vezes como financeirização da economia.

A globalização é vista como consequência das políticas governamentais nos países centrais
para integrar os mercados nacionais em um mercado global através de redução de tarifas e
outras barreiras do comércio internacional, através da desregulamentação dos mercados
financeiros nacionais e a redução das barreiras para a livre movimentação internacional de
capital. As mudanças nos regimes de regulação e das políticas macroeconômicas são discutidas
aqui somente marginalmente, porque uma discussão mais profunda encontra-se na parte
sobre as transformações ideológicas (do Keynesianismo para o Neoliberalismo). As mudanças
na organização da produção nas empresas são discutidas em primeiro lugar com vista nas suas
447

consequências sobre o mundo de trabalho e também com vista na importância do objetivo do


‘shareholder value’ para as estratégias empresariais. As mudanças no mundo de trabalho são
também consequência da terceira revolução industrial nos ramos de informação e
comunicação, bem como em outros ramos da produção de alta tecnologia. A crescente
importância do setor financeiro na economia é vista para os países centrais como
consequência da desregulamentação dos mercados financeiros e do capitalismo voltado para o
setor de serviços e para a especulação visando enfrentar com isto (bem como pelo
‘outsourcing’ de funções da produção industrial) a diminuição da taxa de lucro nos ramos
industriais.

Globalização

A quebra do sistema internacional monetário de Bretton Woods entre 1971 e 1973, causada
por movimentos internacionais expressivos de capital e pelas políticas macroeconômicas dos
Estados Unidos foi o gatilho para uma transformação das instituições nacionais e
internacionais pelas políticas governamentais nos países centrais.

No sentido econômico a globalização é a integração dos mercados nacionais em um mercado


global, liberalização dos movimentos de bens e serviços, do capital internacional, da
tecnologia, das informações, das pessoas (no turismo, mas com fortes restrições para
trabalhadores e refugiados) através da redução de barreiras entre os países. O gráfico a seguir
mostra algumas tendências da globalização produtiva, comercial e financeira nas décadas
depois da crise da década de 1970, com ênfase no crescimento expressivo do comércio
internacional e dos investimentos diretos.
448

Gráfico 80 Taxa de crescimento do PIB global (%), Comércio internacional de bens (% do PIB
global), Estoque de investimento direto (Ingresso em % do PIB) 1960 - 2016

Fonte: Banco Mundial, UNCTAD

O gráfico mostra o forte aumento do comércio internacional (em relação ao PIB global),
começando na década de 1970 e com recuos depois das crises 1973/1974, 1980/1982,
2000/2001 e 2008/2009. O estoque de investimentos diretos começa sua ascensão expressiva
na década de 1990 com um recuo expressivo na crise financeira global de 2008/2009. As duas
variáveis mostram a globalização comercial ganhando força depois da crise de 1973/1974, e a
globalização produtiva com o investimento direto ganhando força na década de 1990.

A tabela a seguir mostra algumas variáveis focando a globalização produtiva (Investimentos


diretos e investimentos de portfólio em ações) e a globalização financeira (Volume de negócios
em instrumentos cambiais – a visto e derivativos). Obviamente todas as variáveis mostram um
crescimento muito maior do que o crescimento do PIB global (a preços correntes para fazer a
compração mais fácil).

Tabela 97 Volume diário em negócios com instrumentos cambiais (Bilhões US$ correntes),
Ingresso anual de Investimento estrangeiro direto (Bilhões de US$ correntes), Ingresso de
investimento estrangeiro de portfólio (Bilhões de US$ correntes), PIB global em preços
correntes (Bilhões de US$)

Volume de negócios em Ingresso anual de


Ingresso anual de PIB global a
instrumentos cambiais (média investimento estrangeiro de
investimento estrangeiro preços correntes
diária em bilhões US$) portfólio ações (bilhões de
direto (bilhões de US$) (bilhões US$)
correntes US$)
1970 10,17 1,36 2.957
449

1980 51,46 15,51 11.166


1986 206 84,56 34,73 15.014
1989 718 189,10 74,33 20.080
1992 1.076 153,25 46,38 25.390
1995 1.633 319,90 120,57 30.841
1998 2.099 679,31 321,68 31.315
2001 1.705 796,24 412,10 33.336
2004 2.608 1.008,98 519,09 43.771
2007 4.281 3.095,93 838,55 57.793
2010 5.045 1.863,43 810,35 65.906
2013 6.686 2.126,01 811,04 76.925
2016 6.514 1.756,72 175,04 75.642
Fontes: BIS (instrumentos cambiais), Banco Mundial
O PIB nominal global aumenta desde 1970 por um fator 26 (para 2016, desde 1986 por um
fator 5). O aumento expressivo do PIB nominal na década de 1970 (fator 3,8) é consequência
da alta inflação, não do crescimento do PIB real. O volume de negócios em instrumentos
cambiais desde 1986 aumenta por um fator 32 (o PIB nominal neste período por um fator 5). O
ingresso anual de investimento estrangeiro direto desde 1970 aumentou por um fator 176 (o
PIB nominal fator 26). O ingresso anual de investimento estrangeiro de portfólio ações desde
1970 aumentou por um fator 129 (o PIB nominal fator 26).

Obviamente o crescimento da globalização comercial, produtiva e financeira está ligado


também à ascensão das corporações multinacionais, que possuem e controlem ativos em
outros países. McKinsey [2015, p. ii} informa, que “As empresas multinacionais representam
40% do crescimento da produtividade, 75% da pesquisa e desenvolvimento do setor privado, e
mais de 80% do comércio”, explicando [p.4] “as multinacionais geram 80% do comércio global,
e as cadeias de suprimentos transfronteiras representam 60 por cento [deste comércio],
criando um campo de batalha competitivo para fornecedores de bens intermediários e
serviços”. Eles acrescentam [p. vi] “Em todas as corporações globais o lucro antes dos juros e
impostos mais que triplicou em termos reais dentre 1980 e 2013; O lucro líquido após juros e
impostos aumentou cinco vezes. Empresas de economias avançadas ganham mais de dois
terços dos lucros globais, e as empresas ocidentais são as mais lucrativas do mundo. As
empresas multinacionais se beneficiaram do aumento do consumo e do investimento
industrial, e da disponibilidade mão-de-obra de baixos custos e cadeias de fornecimento mais
globalizadas”.

As mudanças econômicas tinham também impactos profundas na estrura social e ocupacional


como o exemplo de Alemanha nas próximas tabelas mostra.

Tabela 98: Estrutura da população economicamente ativa Alemanha 1974 e 2018


450

1974 2018
mil % mil %
Agricultura 1.932 7,4 617 1,4
Indústria 12.406 47,3 10.875 24,3
Serviços 11.893 45,3 33.349 74,4
População ocupada 26.231 100,0 44.841 100,0
Autônomos 2.582 9,8 4.215 9,4
Familiares ajudando 1.536 5,9
Assalariados 22.113 84,3 40.626 90,6
Desempregados 582 2,2 1.468 3,2
População economicamente ativa 26.813 100,0 46.309 100
População 62.991 83.019
Fonte: Statistisches Jahrbuch BRD

A tabela mostra o caminho da Alemanha para uma sociedade de serviços, com queda
expressiva da importância do setor industrial e do setor de agricultura. É importante anotar
que o conceito dos desempregados é visto por diferentes perspectivas, os dados aqui do
anuário estatístico de Alemanha são menores do que os da Agência de trabalho e são
comparáveis as estimativas no conceito da ILO.

Na próxima tabela encontram-se dados sobre a ocupação em ramos de produção na Alemanha


de 1970 até 2019 com a anotação que coma reunião da Alemanha houve mudanças
metodológicas.

Tabela 99: Ocupação nos ramos da produção (%) Alemanha 1970, 1991 e 2019

Alemanha Ocidental Alemanha


1970 1991 1991 2019
Agricultura 8,5 3,3 3,0 1,3
Indústria em sentido amplo 48,9 39,2 35,6 24,1
Água, energia e mineração 2,1 1,6 2,3 1,3
Indústria de transformação 38,1 31,0 25,9 17,2
Construção civil 8,7 6,6 7,4 5,6
Comércio e Transporte 17,9 19,0 22,8 22,6
Serviços 11,0 19,2 12,2 20,2
Informação e comunicação 2,5 3,0
Serviços financeiros e de seguros 3,1 2,4
Serviços imobiliários e de habitação 0,7 1,1
Serviços corporativos 6,0 13,7
Estado 11,2 14,8 20,8 25,0
Famílias e organizações privadas 2,4 4,5 5,5 6,7
Fonte: Statistisches Bundesamt
451

Entre 1970 e 2019 houve uma forte retração relativa da ocupação nos setores da indústria e da
agricultura e aumentos diferenciados nos ramos do setor de serviços. Em relação ao valor
adicionado a queda do setor industrial não é tão grande como na ocupação.

Transformações no paradigma de regulação macroeconômica

Regulação macroeconômica é aqui compreendida como o conjunto de políticas econômicas do


governo e do banco central para influenciar a atividade econômica e as relações econômicas
de um país com o resto do mundo. Neste capítulo restringe se para políticas de estabilização
da conjuntura econômica, embora o conceito original da regulação econômico de Aglietta
[2000, p. 11] está incluíndo mais: “Um modo de regulação é um conjunto de medidas que
limitam o dano induzido pelas turbulências, que a acumulação de capital cria, de modo que
eles são compatíveis com a coesão social no seio das nações”.

Uma análise das causas dos ciclos conjunturais e das crises mais profundas do capitalismo
global na perspectiva de diferentes correntes de pensamento econômico é feita em um
capítulo posterior, aqui a mudança do paradigma de regulação macroeconômica nos moldes
keynesianos para o paradigma de regulação neoliberal é resumida, uma análise mais profunda
encontra-se num capítulo posterior.

A discussão sobre o papel do governo (e do banco central) na economia centra-se em duas


perguntas [Clement, Tergau e Kiy, 2006, p.395]: O governo deve intervir na economia ou não
para estabilizar o ciclo conjuntural? O governo deve se orientar em regras obrigatórias nas
suas políticas econômicas ou pode usar livremente medidas discricionárias para estabizar as
conjunturas.

As respostas são influenciadas pelas mudanças na hegemonia de certas correntes de


pensamento econômico. No pensamento econômico clássico e neoclássico houve a hipótese
da estabilidade do setor privado de uma economia por causa de flexibilidade dos preços e da
lei de Say. A Grande Depressão da década de 1930 levantou dúvidas sobre a estabilidade de
setor privado (por causa da incerteza, de ciclos de otimismo e pessimismo e da volatilidade do
investimento e da instabilidade do setor financeiro) e indicava intervenções contra cíclicas do
governo e do banco central. A crise da década de 1970 levantou dúvidas sobre a eficácia das
políticas governamentais em combater a estagflação com os argumentos de que governos não
têm informações melhores do que o setor privado e suas políticas, se eficazes, somente
tivessem efeitos com defasagens prolongadas. Argumenta-se também que as intervenções do
governo impedem a livre iniciativa e a dinâmica dos mercados livres para criar crescimento e
inovação. As receitas neoliberais: mais mercado e menos governo foram também contestadas
452

na crise da economia de informação em 2000/2001 e ainda de forma mais forte na crise


financeira global de 2008/2009.

O paradigma keynesiano de regulação macroeconômica na era do ouro pós-guerra apoiava se


em políticas fiscais e monetárias ativas do governo e do banco central em tempos de crise com
a possibilidade de usar políticas de renda em moldes corporativistas para combater a inflação
e políticas de comércio externo e de câmbio para garantir o equilíbrio externo. Os objetivos
das políticas macroeconômicas são crescimento elevado, desemprego baixo, taxa de inflação
baixa, e equilíbrio externo. O Estado de bem-estar social garante para os perdedores e
desfavorecidos da economia capitalista uma existência digna ou pelo menos sustentável. O
objetivo central de uma política keynesiana foi evitar o desemprego elevado da Grande
Depressão e seus impactos desastrosos políticos, econômicos e sociais. Este objetivo de
combate ao desemprego foi explicitamente formulado na legislação de muitos países: [Tichy
1999, p. 3], por exemplo, no Reino Unido desde o ‘White Paper’ de 1944, nos Estados Unidos
no ‘Employment Act’ de 1946 e na Alemanha no ‘Gesetz zur Förderung der Stabilität und des
Wachstums der Wirtschaft’ de 1967. A discussão sobre o modelo de regulação
macroeconômica keynesiana é retomada no capítulo sobre as tentativas teóricas para explicar
as crises do capitalismo global e das medidas de defesa contra elas.

Com a eleição do governo conservador de Thatcher no Reino Unido em 1979 (e seu governo
como primeira ministra entre 1979 e 1990) e a eleição do governo do partido republicano de
Reagan no ano seguinte (e sua presidência de 1981 até 1989) o paradigma neoliberal começou
a tornar se hegemônico nos países centrais, embora já com o golpe militar de Pinochet em
Chile em 1973 e na sua ditadura militar até 1990 as receitas neoliberais dos ‘Chicago Boys’ de
Friedman foram aplicadas. Embora as medidas neoliberais de regulação macroeconômica
fossem introduzidas de forma diferenciada na década de 1980 nos países centrais, a mudança
do foco das políticas econômicas em combater o desemprego para o combate da inflação pode
ser visto em muitos países centrais nesta década. Políticas monetárias para controlar a inflação
substituam políticas fiscais para estabilizar produção e emprego, políticas de austeridade
tentavam equilibrar as contas públicas, com foco nos cortes de benefícios de Estado de bem-
estar social (embora estes cortes enfrentassem forte resistência da população), políticas de
diminuir os impostos para corporações e as camadas abastadas tentavam estimular
investimento, crescimento e inovação, mas acabavam com uma redistribuição da renda de
baixo para cima.

É importante enfatizar que o enfraquecimento da eficácia das políticas fiscais foi também
consequência da globalização, que diminui o multiplicador fiscal porque parte do estimulo
453

para a demanda agregada num país está se esvaziando para outros países em uma economia
aberta, e porque a política fiscal torna se menos eficaz num regime de câmbio flexível e
movimentação internacional de capital menos controlada. Em países com grande parte da
economia em propriedade pública políticas de privatização tentavam diminuir o papel do
Estado na economia para, supostamente, acabar com a ineficiência e corrupção da gerencia
pública e estimular a iniciativa privada, também para aliviar a pressão sobre as contas públicas.

Embora a receita neoliberal nos países centrais conseguisse estimular a inovação, o


crescimento ficava baixo, o desemprego ficava em níveis elevadas, desigualdade, pobreza e
empregos precários aumentavam, e crises financeiras na década de 1990 no Japão e nos países
emergentes aumentavam e na década de 2000 chegavam à economia dos Estados Unidos. Não
deve se esquecer neste ambiente as políticas dos governos Thatcher e Reagan para
enfraquecer os sindicatos trabalhistas, já enfraquecidos pela crise e o desemprego elevado da
década de 1970, da desindustrialização e das transformações organizacionais nas empresas,
segmentando ainda mais a força de trabalho. Uma discussão sobre o paradigma neoliberal e
seus impactos sobre economia e sociedade já foi feita parcialmente num capítulo anterior
sobre o papel do Estado na economia e seja retomada nos capítulos posteriores sobre as
transformações políticas e ideológicas com impactos das crises, bem como no capítulo sobre
as tentativas teóricas para explicar as crises e formular agendas para amenizar os impactos
delas.

Transformações na organização nas empresas – do paradigma fordista-taylorista para o


paradigma de produção flexível enxuta

A crescente globalização na década de 1980 e depois com a competição internacional maior e


as agendas neoliberais levavam a mudanças estruturais nos países centrais. As novas
tecnologias de informação e comunicação, o deslocamento parcial da produção industrial para
países emergentes, a crise da produção em massa e do consumo em massa, e a mudança do
paradigma fordista-taylorista introduziam também transformações profundas para o ambiente
empresarial e as sociedades. As mudanças estruturais foram diferentes nos países centrais,
desindustrialização e decadência de indústrias como aço, carvão (mineração), construção naval
e indústria têxtil, levando a problemas regionais e de desemprego estrutural.

As primeiras décadas pós-guerra foram caracterizadas nos países centrais pela predominância
de grandes empresas na produção industrial, embora existisse também uma quantidade muito
maior de pequenas e médias empresas. No exemplo da indústria automobilística pode se
melhor explicar as características centrais da produção fordista-taylorista nestas primeiras
454

décadas pós-guerra. O consumo de massa e a produção de massa foram as condições básicas


para a produção fordistas-taylorista com forte hierarquização de poder entre uma elite
gerencial (´manager’) e a força de trabalho, a primeira planejando, organizando e controlando
o processo de produção, a segunda alienada em processos rígidos e monótonos de trabalho,
determinadas e controladas por uma ampla burocracia hierarquizada.

Para muitos, menos a força menos qualificada e com salários menores - em primeiro lugar
trabalhadores estrangeiros e mulheres, esta forma de organização garantiu um emprego
seguro com salários razoáveis e uma rede de segurança pelos benefícios do Estado de bem-
estar social em caso de doença, do desemprego e da velhice. A gerência enfrentou os
problemas de burocratização dos processos de trabalho com a criação de uma ampla camada
de gerencia média. A elite gerencial foi menos dependente dos proprietários (dos acionistas
em caso da sociedade por ações), uma divisão entre propriedade da empresa e de seu
gerenciamento tornou-se geral, já descrito na década de 1940 como revolução gerencial. A
gerência nos tempos da globalização e da competição internacional precisava enfrentar com a
nova centralidade do objetivo central do ‘shareholder value’, focando em lucros de curto
prazo, novamente a intromissão dos acionistas e das empresas de ‘private equity’. Uma
empresa com lucros insatisfatórios enfrentava o perigo de aquisição ou fusão, a elite gerencial
o perigo de ser substituída, embora com compensação farta.

A organização de produção nos moldes tayloristas – fordistas enfrentou problemas na década


de 1970 e soluções nas décadas seguintes pelas nas inovações das tecnologias de informação e
comunicação, na tecnologia robótica e da inteligência artificial. A globalização abriu brechas
para deslocar (‘outsourcing’) processos produtivos para países com salários mais baixos e leis
trabalhistas mais frouxas. As empresas agora se concentravam em suas competências centrais
e deslocavam processos produtivos para empresas subcontratadas, trabalhando em estruturas
organizacionais de redes. O empoderamento da força central de trabalho através do trabalho
semi-autonomo em equipes dava mais flexibilidade para os processos de produção, cortando
as burocracias médias gerenciais e flexibilizando processos e produtos, satisfazendo
consumidores cada vez mais interessados em produtos personalizados. Embora esta mudança
para estruturas organizacionais com mais flexibilidade criou empregos mais interessantes e
autodeterminados para a força central de trabalho, mas sujeitos a volatilidade de mercados
em centros de lucro, e criando também uma força de trabalho periférica em condições
precárias. Esta descentralização, desburocratização e flexibilização dos processos de trabalho,
embora nunca alcançando todas as empresas na indústria e nos serviços, foi a transformação
mais importante nas décadas de 1980 e diante, embora somente parcialmente consequência
455

da crise econômica da década de 1970 nos países centrais, fomentado também pelas
inovações tecnológicas e ideológicas.

No capítulo a seguir as transformações no mundo de trabalho depois da crise da década de


1970 são analisadas com uma perspectiva mais empírica.

Transformações do mundo de trabalho

As mudanças no mundo de trabalho são consequências das transformações econômicas,


políticas e ideológicas em consequência da crise da década de 1970, bem como das tendências
já em andamento na era do ouro: Globalização, inovações tecnológicas, mudanças na
distribuição de poder, de renda e de riqueza, mudanças culturais e sociais, entre outros. Na era
do ouro houve uma forte migração de trabalhadores estrangeiros para os países centrais, na
Alemanha em 1973 chegando para perto a 10% dos empregados, em primeiro lugar da
Turquia, Jugoslávia, Itália e outros países mediterrâneos. Na crise muito deles foram
demitidos, parte deles voltando com suas famílias voluntariamente ou involuntariamente para
seus países. Com isto a crise de emprego na Europa de Norte foi exportada parcialmente para
os países mediterrâneos [Judt, 2005, p. 457]. A integração dos trabalhadores estrangeiros, que
não voltavam para seus países, foi problemática por causa de diferentes raízes culturais, e da
ascensão de movimentos e partidos xenófobos da direita com a crise. Este populismo de
direita aumentou ainda mais com a crescente migração para Europa desde a década de 2000
por causa das guerras no Médio Oriente, no Afeganistão e na África.

Boltanski e Chiapello [2007, p. 217] interpretam as mudanças no mundo de trabalho depois da


crise da década de 1970 como uma nova agenda das elites para “garantir a colaboração dos
assalariados na realização dos lucros capitalistas”. Na era do ouro sob a pressão dos
movimentos trabalhistas esta colaboração foi garantida na visão de Boltanski e Chiapello
[2007] “através da integração coletiva e política dos trabalhadores na ordem social e por uma
forma de espírito de capitalismo que uniu o progresso econômico e tecnológico ao objetivo da
justiça social”, que outros autores chamam de capitalismo organizado nos moldes do
paradigma keynesiano-fordista. Eles apontam para outra forma de forçar a colaboração depois
da crise, ela “agora poderia ser alcançada desenvolvendo um projeto de autorrealização,
ligando o culto do desempenho individual e o elogio da flexibilidade [mobility no original] às
concepções do vínculo social em rede. No entanto, para muitas pessoas, especialmente os
recém-chegados no mercado de trabalho, em comparação aos seus antecessores, isso foi
acompanhado por uma marcada deterioração da situação econômica, estabilidade do trabalho
e posição social”. Boltanski e Chiapello [2007, p. 217 p.] afirmam que o conceito central das
456

novas estratégias empresariais seja a flexibilidade, num lado a flexibilidade interna na


organização do trabalho dentro da empresa [auto-responsabilidade e controle, o trabalho em
múltiplas tarefas, e a orientação para o lucro da empresa e dos desejos dos consumidores,
comportamento orientado para as volatilidades dos mercados], noutro lado a flexibilidade
externa, o trabalho de empresas em rede, a subcontratação, o deslocamento (‘outsourcing’)
da produção, e a flexibilidade em relação ao emprego, trabalho temporário, trabalho casual,
trabalho por conta própria, trabalho em tempo parcial, horário variável, etc. Considera-se que
muitas destas formas ‘flexíveis’ de trabalho – embora não todas – é trabalho em condições
precárias e de salários baixos.

A crise da produção e do consumo em massa levava as empresas para novas estratégias


empresariais da produção mais flexível e enxuta, chamado por Boltanski e Chiapello [2007] de
novo espírito do capitalismo, concentrando se nas competências centrais com ‘outsourcing’ de
outras atividades, criando menores forças de trabalho centrais com a força periférica em
contratos temporários e precários. Embora as estruturas menos hierarquizadas e mais
horizontais aumentavam a autonomia e o poder para uma parte dos trabalhadores
qualificados em relação às estruturas fordistas-tayloristas, mas muitos trabalhadores ficavam
na armadilha de empregos mal remunerados, temporários e precários [muitas vezes empregos
de estrangeiros e mulheres]. Obviamente estas são somente tendências gerais, os empregos
nos moldes tayloristas – fordistas ainda existem na indústria e também nos serviços.

Nos países centrais, mas também nas economias emergentes como o Brasil (onde as
transformações são descritas nos capítulos a seguir sobre a crise da dívida externa da década
de 1980), o mundo de trabalho desde a crise de 1973/1974 estava em transformações
profundas, embora as mudanças mais profundas somente fossem sentidas plenamente nas
décadas seguintes. Na discussão sobre as causas das transformações no mundo de trabalho
encontram-se perspectivas diferentes, apontando para:

• As tendências de globalização produtiva e financeira que aumentou as possibilidades


de empresas transnacionais em deslocar produção e emprego;
• As novas tecnologias de informação e comunicação facilitavam para as empresas a
criação de redes flexíveis de produção com ‘outsourcing’ e subcontratação;
• As novas tecnologias de informação e comunicação facilitam também as novas formas
de organização e controle da produção dentro da empresa com uma força de trabalho
mais flexível, e polarizando os empregos em empregos centrais para os mais
qualificados e de conhecimento e para empregos perfericos de pouca qualificação,
inseguros e de salários baixos;
457

• A desregulamentação dos mercados nacionais de trabalho pelas agendas neoliberais


dos governos facilita a flexibilização da produção e das relações de trabalho para as
empresas;
• As estratégias empresariais de flexibilização, desburocratização e de concentração nas
competências centrais levavam para a divisão da força de trabalho em uma parte
central (de mais conhecimento, de salários melhores, e de mais segurança no
emprego) e uma parte contingente que absorve a volatilidade de mercados (com
empregos precários de salários baixos, inseguros e temporários);
• A mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade focada em serviços e o
enfraquecimento da força dos sindicatos trabalhistas facilita esta divisão da força de
trabalho e aumenta a insegurança nos mercados de trabalho;
• A ideologia neoliberal enfatiza os valores da dinâmica a da eficiência de mercados
livres e facilita a criação do sentimento de que fracassos e sucessos econômicos e no
emprego são consequências dos esforços individuais na vida (uma meritocracia
suposta) e não consequências da sorte e da volatilidade de mercados, bem como
consequência das políticas macroeconômicas;
• A agenda neoliberal enfatizando uma menor intervenção dos governos na economia
cria camadas ainda maiores de ganhadores (embora também sujeitas à volatilidade de
mercados) com empregos mais seguros, salários melhores e tarefas mais
interessantes, incluindo também uma camada média, que já se senta ameaçada pela
insegurança, e uma camada em crescimento de perdedores, sujeitos a empregos
precários ou ao desemprego.

Estas alterações de paradigmas, conceitos e estratégias levavam a uma profunda mudança do


mundo de trabalho e a um aumento expressivo do desemprego estrutural e dos empregos
precários. Importante é enfatizar que esta precarização de contratos e condições de trabalho
está acompanhada de uma redução da proteção do trabalhador pela justiça e pela rede de
segurança do Estado de bem-estar social. Goos [2013] chama a tendência de polarização de
emprego (‘job polarization’) em que as mudanças da tecnologia e da organização de trabalho
num lado levavam a uma demanda crescente para o trabalho qualificado e também para o
trabalho menos qualificado, noutro lado para uma queda expressiva do trabalho médio
qualificado. Goos [2013, p. 15] mostra que [nos Estados Unidos] o trabalho qualificado de
colarinho branco aumentou de 27,9% [no emprego total] em 1980 para 39,4% em 2010, o
trabalho qualificado de colarinho azul diminui um pouco de 12,9% para 12,6%. O trabalho de
qualificação média diminui para os colarinhos azuis de 19,2% para 12,6 %, para os colarinhos
458

brancos de 25,9% para 23,1%. O trabalho de qualificação baixa [de serviços, não há dados para
colarinhos azuis] aumentou de 12,9% para 15,7% [e na agricultura diminui de 0,9% para 0,7%].
Para países europeus Goos [2013, p. 39] mostra também uma polarização nos empregos,
houve em todos os países escolhidos [16] entre 1993 e 2010 uma queda expressiva dos
empregos com salários médios de -5 até – 15 pontos percentuais, um aumento expressivo dos
empregos com salários altos de 5 até 15 pontos percentuais e um aumento ou estagnação dos
empregos com salários baixos entre – 2 pontos percentuais (2 casos) e 7 pontos percentuais.

Uma pesquisa da OCDE [Berger e Frey, 2016, p. 29] mostra mudanças de emprego em 10
setores em 12 países da OCDE (Dinamarca, Japão, Coréia, Chile, México, Estados Unidos,
Espanha, França, Reino Unido, Itália, Países Baixos e Suécia) entre 1990 e 2010. Com um
aumento total em 52,2 milhões de empregos houve uma queda expressiva no setor de
manufatura de 17,4 milhões de empregos (acompanhado de uma queda no setor de
agricultura de 6,7 milhões de empregos), embora houve os aumentos mais expressivos nos
setores de serviços públicos (governo) de 24,3 milhões seguido pelo setor de finanças, seguros,
imobiliária e serviços para empresas de 20,8 milhões e do setor de comércio, restaurantes e
hotéis de 14,7 milhões. Na Alemanha houve no setor de indústria (um pouco mais amplo do
que o setor de manufatura) uma queda de 1991 até 2010 de 2,3 milhões de empregos saindo
de uma base de 11 milhões em 1991 [Dados de AMECO]. Os dados para os BRIC (sem Rússia)
para o setor da manufatura, seguindo a mesma base de dados que a pesquisa da OCDE usou
[GGDC 10 Sector Database, http://www.rug.nl/ggdc/productivity/10-sector/], mostram um
aumento do emprego na manufatura, embora os dados citados acima mostram uma forte
tendência de desindustrialização nos 12 escolhidos países da OCDE. É importante anotar que,
embora da tendência ascendente do emprego no setor da manufatura no Brasil no período,
desde da década de 1990 houve uma queda relativa do setor de manufatura no emprego total.

Tabela 100 Emprego no setor de Manufatura nos Países BRIC (sem Rússia) (milhões de
empregos) 1970--2010

1970 1980 1990 2000 2010


Brasil 4,5 6,3 10,5 9,5 12,2
China 26,8 58,5 96,4 104,6 145,9
Índia 3,1* 4,7 9,6 11,8 13,5
Fonte: Overview of the GGDC 10 Sector Database, http://www.rug.nl/ggdc/productivity/10-
sector/
* 1971

Uma tendência amplamente discutida no âmbito das mudanças no mundo de trabalho é a


precarização das condições de trabalho. Embora seja importante enfatizar que as
459

transformações políticas, econômicas, ideológicas e culturais seguindo a crise da década de


1970 não foram somente negativas para grande parte da população nos países centrais, mas
também levavam parcialmente para uma parte dos trabalhadores para ganhos de liberdade
nas relações de trabalho, no consumo e no lazer, com também para mais tolerância com
pessoas de outras culturas, etnias, religiões e estilos de vida, embora sempre ameaçadas pela
ascensão de movimentos e partidos de extrema direita. Por exemplo, as horas anuais de
trabalho dependente diminuíam na Alemanha de 2.084 horas em 1960 (na França 2.191 horas,
nos Estados Unidos 1.948 horas) para 1.363 horas em 2016 (1.472 horas na França e 1.783
horas nos Estados Unidos) [OECD.stat]. Mas a agenda neoliberal também levou a uma maior
desigualdade de renda, de riqueza e de poder nas décadas depois da crise de 1973/1974, um
fato a ser explorado num capítulo posterior.

Desemprego elevado e prolongado e precarização das condições de trabalho são os fatos mais
sombrios das décadas no fim do século XX e no novo século nos países centrais. Também no
Brasil desemprego, precarização das relações de trabalho e informalidade são problemas
sérias que grande parte da população enfrenta, embora houvesse melhorias significativas sob
os governos de Lula de Silva e no primeiro governo Rousseff, mas com a crise econômica e
política começando no fim de 2014 o cenário tornou-se novamente mais sombrio. Mas este e
o assunto dos capítulos seguintes onde o foco é o Brasil.

Desemprego significa não somente uma perda de produção e um padrão de vida mais baixo
para um país, mas também sofrimento humano para os desempregados e suas famílias e
perda de renda, de autoconfiança e doenças psíquicas e físicas. Desemprego, especialmente
desemprego em longo prazo, é também a porta de entrada para a pobreza e a exclusão social.
Precarização das relações de trabalho sinaliza uma situação precária em relação ao
salário/renda e/ou em relação à forma de contratação (temporária, contingente, informal ou
sem cobertura das leis trabalhistas e da previdência social). Significa também insegurança
econômica e social para o trabalhador e a possibilidade de cair na pobreza e na exclusão social.

A tabela a seguir mostra as taxas médias harmonizadas de desemprego [OECD.stat] para


Alemanha e para os Estados Unidos para décadas e para Alemanha também a taxa de
desemprego para qualificação baixa. A tabela mostra que depois da década de 1960 o nível de
desemprego aumentou expressivamente, embora esta tendência seja menor nos Estados
Unidos. A tabela mostra também que trabalhadores de qualificação baixa são mais ameaçadas
pelo desemprego [sem dados para os Estados Unidos).

Tabela 101 Taxas de desemprego harmonizadas - OECD (%)


460

Década 1960 Década 1970 Década 1980 Década 1990 Década 2000 Década 2010
Alemanha 0,8 2,3 6,1 7,2 9,0 5,0
Qualificação baixa *12,8 15,9 **12,9
Estados Unidos 4,6 6,3 7,1 5,8 5,5 7,2
Fonte: OECD.stat, cálculos próprios
*1992-1999 (sem 1998), **2010-2014

O problema de precarização das relações de trabalho, aqui exemplificada no caso de


Alemanha, compreende sempre diferentes formas de insegurança para o trabalhador.
Precarização em relação aos salários, salários relativamente baixos no trabalho em tempo
integral (‘Niedriglöhne’). Precarização das relações de trabalho em relação ao tempo de
trabalho e a forma de contratação, compreendem as formas atípicas de contratos de trabalho,
atípicas, porque diferem da forma supostamente normal de emprego, emprego em tempo
integral, por tempo indeterminado e - muitas vezes - com a expectativa de ser um trabalho
vitalício. Formas atípicas de trabalho em relação ao tempo de trabalho é trabalho em tempo
parcial, trabalho por tempo determinado, empregos de tempo insignificante (‘geringfügige
Beschäftigungsverhältnisse com renda mensal de 630,00 DM e menos’ até 1999), etc. Formas
atípicas de trabalho em relação à contratação é trabalho de aluguel, trabalho por conta
própria atípico (‘Scheinselbständigkeit’) e possivelmente formas de subcontratação,
terceirização, teletrabalho e trabalho em casa. É necessário afirmar, que um emprego atípico
não precisa ser precário, mas parte desses empregos atípicos mostra precariedade.

Precarização em relação aos salários compreende salários relativamente baixos para o


trabalho em tempo integral. Este conceito implica na definição dos trabalhadores como
‘working poor’ (pobres enquanto trabalhando em tempo integral), implica uma pobreza
relativa por causa de salários relativamente baixos em relação aos salários "normais". Na
definição da OCDE [OECD.stat] salários baixos (embora ainda não na faixa dos ‘working poor’
são salários de trabalhadores em tempo integral igual ou menores a dois terços dos salários
medianos em tempo integral, para a Alemanha em 1994 14,6% dos trabalhadores recebiam
salários baixos subindo para 18,4% em 2014 (o problema para mulheres é mais sério com 26%
em 2014) [OECD.stat]. Desde 2015 existe um salário mínimo na Alemanha, mas em 2016 este
salário mínimo foi apenas 48% do salário mediano.

A precarização das relações de trabalho em relação ao tempo de trabalho e em relação a


forma de contratação é discutido sob o conceito dos empregos atípicos. Empregos atípicos são
empregos que não coincidem com o conceito do emprego típico, orientado para a
461

continuidade do trabalho, para o trabalho em tempo integral e coberta pela legislação


trabalhista. As variantes mais importantes do emprego atípico são:

• Trabalho em tempo parcial,


• Trabalho em tempo insignificante (‘630,00 DM empregos’),
• Trabalho de aluguel,
• Trabalho por tempo determinado,
• Trabalho atípico por conta própria,
• Trabalho em casa e teletrabalho.

Empregos atípicos não são automaticamente empregos precários, são precários somente
quando não garantem a segurança contra os riscos sociais como doença, idade, desemprego e
pobreza. A tabela a seguir mostra algumas tendências do aumento dos empregos atípicos na
Alemanha.

Tabela 102: Empregos normais e atípicos Alemanha 1991 - 2018

Empregos Empregos Empregos


a partir dos atípicos
(mil) 'normais' atípicos
por tempo em tempo em tempo temporário
determinado parcial insignificante de aluguel
1991 31.083 26.832 4.251 1.782 2.555 652 n.d.
2000 29.862 23.850 6.012 2.265 3.944 1.749 n.d.
2010 31.076 23.131 7.945 2.858 4.942 2.517 743
2018 33.724 26.214 7.509 2.460 4.644 2.047 925
Fonte: Statistisches Jahrbuch, statistisches Bundesamt

A tendência geral é o aumento dos empregos, dos empregos ‘normais’ e atípicos desde 2000,
onde todos os empregos atípicos tem certo recuo em 2018 em relação a 2010 com exceção do
emprego temporário de aluguel onde houve aumento de 2010 para 2018.

Em uma perspectiva mais extensa: o trabalho em tempo parcial aumentou de 12,5% em 1982
para 18,3% em 1994 recuando para 13,8% em 2018, grande parte do trabalho em tempo
parcial é trabalho feminino. Enquanto a taxa de trabalho em tempo parcial para as mulheres
aumentou de cerca de 10 % em 1970 para 38% em 1996, a taxa para homens aumentou no
mesmo período de cerca de 1% para 4%. A estimativa do trabalho atípico por conta própria
(1996/IAB) é de 431.000 trabalhadores e para os trabalhadores em casa e de teletrabalho não
são acessíveis estimativas. Geralmente os empregos atípicos estão aumentando, mas existem
limites para este tipo de emprego, porque os custos de transação são também relevantes. O
problema dos empregos atípicos é que a precariedade prevalece para muitos deles.

O problema do mercado informal de trabalho (sem impostos, previdência e condições legais


de trabalho) é menos visível nos países industrializados ricos do que nos países em
462

desenvolvimento, mas supostamente os empregos no mercado informal de trabalho estão


crescendo também nestes países. Mas o problema da informalidade no mercado de trabalho
precisa ser retomado na discussão sobre o Brasil.

A ascensão do poder do setor financeiro nos países centrais

O crescente poder do setor financeiro – algumas vezes também chamado de financeirização da


economia – mostra-se na crescente participação do setor no PIB e no emprego, bem como a
crescente participação do setor nos lucros, como um gráfico em um capítulo anterior mostrou,
bem como no crescimento do estoque de ativos financeiros e das transações financeiras, com
foco nas transações financeiras transfronteiras. Para os países centrais a explicação para esta
tendência de ascensão do poder de setor financeiro baseia-se em diferentes hipóteses:

• Historicamente a hipótese de Braudel que na história desde o século XV os países


líderes econômicos (Países Baixos, Reino Unido, Estados Unidos) mudam suas
atividades centrais da economia real para a economia financeira;
• A hipótese de que depois da crise da década de 1970 os projetos de investimentos
lucrativos na economia real dos países centrais tornam-se mais escassos87 e por esta
razão investidores tentam fazer lucros rápidos e menos onerosos (em sentido de
fixação local em ativos reais dos investimentos) nos mercados financeiros, com foco
nos mercados de derivativos com a força da alavancagem;
• A política monetária frouxa nos países centrais desde a década de 2000, especialmente
depois da crise financeira global de 2008/2009, levou a uma enchente de dinheiro
flutuando pelo mundo procurando projetos de investimentos lucrativos;
• A crescente desigualdade de renda e riqueza nos países centrais, com os ricos com
uma propensão marginal de consumir menor, levou a um aumento da riqueza
financeira na riqueza total, porque a riqueza financeira é -normalmente – mais liquida
do que a riqueza fixada em ativos reais, embora possivelmente mais arriscada;
• A crença do lucro mais fácil e mais rápido na área financeira estimulou investimento e
especulação nos mercados financeiros e atraiu novas camadas da população para esta
esfera (e para os investimentos especulativos no mercado imobiliário);
• Desregulamentação dos mercados financeiros, inovação financeiro, acesso mais fácil a
créditos, novas tecnologias de informação e comunicação, a propaganda nas mídias de
sucessos em enriquecer rápido, informações melhores e mais rápidos na internet
sobre a precificação e o risco dos instrumentos financeiros levou cada vez mais
pessoas entrar nestes mercados;
463

• A globalização financeira e as novas tecnologias de informação e comunicação abriam


cada vez mais possibilidades de investimento financeiro diversificado no mundo,
levando a fluxos transfronteiras de capitais cada vez maiores;
• A mudança cultural para uma cultura de cobiça de ‘enriquecer é glorioso’ levou cada
vez mais pessoas procurando lucros fáceis e rápidos nos mercados financeiros, embora
mais crises financeiras e bolhas especulativas devessem normalmente baixar a euforia
especulativa, mas a crença, que esta vez é diferente [Reinhard e Rogoff, 2009], levou
sempre ao esquecimento de que os mercados financeiros negociando apostas para o
futuro são cheios de incerteza e risco.

A globalização financeira é a crescente integração dos mercados financeiros nacionais em um


mercado financeiro global. Os processos mais importantes para a globalização financeira são a
desregulamentação dos mercados financeiros nacionais (por exemplo, o ‘big bang’ - a
desregulamentação dos mercados financeiros do Reino Unido pelo governo Thatcher em 1986)
e a liberalização da conta capital (a liberalização dos fluxos internacionais de capitais). Com a
abertura dos mercados financeiros, os emprestadores, os tomadores de empréstimos e os
investidores têm opções globais com respeito à alocação de fundos e da poupança, bem como
com respeito ao acesso a fundos financeiros estrangeiros. Na teoria econômica, a globalização
financeira leva a uma melhor alocação do capital no nível global e com isto possivelmente a
um crescimento maior. Para os mercados emergentes é especialmente importante a
possibilidade de acesso à poupança externa para financiar o desenvolvimento da economia
interna. Mas os fluxos de capital estrangeiro são também muito voláteis, como a experiência
da década de 1990 (e do novo século) tem mostrado especialmente no segmento de
investimentos de carteira. A globalização financeira pode ser uma causa das crises financeiras
internacionais e de seu contágio para outros países. Os volumes dos fluxos financeiros globais
e o PIB global (nominal) estão apresentados no gráfico seguinte, com os ativos financeiros
crescendo mais rápido do que o PIB nominal.
464

Gráfico 81 Ativos Financeiros Globais e PIB Global (Trilhões US$)


Fonte: McKinsey Global Institute

Na discussão, especialmente sobre as causas fundamentais da última crise financeira global,


nascendo nos Estados Unidos em 2007 e tornando-se global em 2008, esta crescente
discrepância entre o crescimento da economia real global em termos nominais e o
crescimento dos ativos financeiros no âmbito global é uma explicação importante. Obviamente
O PIB nominal global é uma variável de fluxo, enquanto os ativos financeiros globais são uma
variável de estoque e referem-se ao financiamento dos ativos totais de uma economia. Mas
uma crescente discrepância entre o desenvolvimento das variáveis pode mostrar que a
economia está entrando em um cenário da instabilidade financeira, descrito por MINSKY
[2008, p. 230 pp] como financiamento especulativo e financiamento PONZI. O gráfico acima
mostra [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, 2008] que os níveis do produto global cresceram de
1980 até 2007 de 10 trilhões de US$ para 55 trilhões de US$ (uma taxa de crescimento de
450% no período e anualizada de 6,5%), enquanto os ativos financeiros globais (sem
derivativos) cresceram no mesmo período de 12 trilhões de US$ para 196 trilhões de US$ (uma
taxa de crescimento de 1.533% no período e anualizada de 10,9%). Em 2008 (em consequência
da crise financeira global) houve uma queda de 11% no valor dos ativos financeiros globais
(MC KIINSEY GLOBAL INSTITUTE 2009). A crescente discrepância entre o desenvolvimento da
parte financeira da economia global e do desenvolvimento nominal da economia real,
consequência da crescente desigualdade social no nível global, fazia um reajuste dos valores
financeiros através uma crise financeira mais provável (uma desvalorização do capital).
465

A mesma fonte [MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE, 2008] mostra também a crescente globalização
financeira através do crescimento dos fluxos de capital trans-fronteiras, que cresciam de 1990
até 2007 de 1,1 trilhões de US$ (5,2 % do PIB mundial) para 11,2 trilhões de US$ (20,5% do PIB
mundial), uma taxa de crescimento no período de 918% (anualizada de 14,6%). O gráfico a
seguir mostra o desenvolvimento dos fluxos de capitais transfronteiras. Em 2008 houve uma
queda de 82% nos fluxos de capitais transfronteiras globais (MC KINSEY GLOBAL INSTITUTE,
2009).

Gráfico 82 Fluxos de capitais trans-fronteiras (IED: Investimentos estrangeiros diretos) 1990-


2007 (Trilhões US$)

Fonte: Mc Kinsey Global Institute

É importante acrescentar que os dados sobre os estoques de ativos financeiros no nível global
e os fluxos de capital trans-fronteiras não incluem os derivativos, que tinham também um
aumento explosivo neste período, especialmente no segmento dos credit default swaps (SINN:
2009). Mas esta narrativa encontra-se em um capitulo posterior.

2) Transformações politicas como impactos da crise

O tempo depois da Segunda Guerra Mundial até a década de 1990 foi caracterizado pelos
impactos da guerra fria, “a época em que uma rivalidade global entre os Estados Unidos e a
União Soviética dominava os assuntos internacionais” [Leffler e Westad, Volume I, 2010,
posição 257, pp], a rivalidade entre um sistema de capitalismo global, liderado pelos Estados
Unidos num lado, e um sistema de socialismo burocrático noutro lado, liderado pela União
466

Soviética pelo menos até a década de 1960, quando começou a cisão ideológica entre a União
Soviética e a República Popular da China. O início da guerra fria é datado por muitos históricos
no fim da década de 1940, quando a aliança dos tempos da guerra entre os Estados Unidos (e
o Reino Unido e outros aliados) e a União Soviética desabou. Esta luta entre os dois sistemas
influenciou a história global nas áreas da política, dos conflitos socais e militares, da economia
e da ideologia até chegou na década de 1990 no ‘fim da história’ na formulação de Fukuyama
[2006, posição 78 pp.] argumentando que “a democracia liberal pode constituir o "ponto final
da evolução ideológica da humanidade" e a "forma final do governo humano"” e o capitalismo
como único sistema econômico viável. A história das décadas depois da queda da União
Soviética levou a sérias dúvidas sobre este otimismo de Fukuyama, também por ele mesmo,
especialmente sobre a viabilidade de um capitalismo global fora dos trilhos depois da crise
financeira global. Embora na Guerra Fria nos países da Europa não houve guerras quentes, as
guerras, revoluções e conflitos dos processos de descolonização deslocavam se para a
periferia: Coreia, Argélia, Cuba, Vietnã, as colônias africanas de Portugal, Nicarágua, Irã são
somente alguns exemplos destes conflitos.

Embora muitos fatores da crise da década de 1970 influenciavam os países centrais


capitalistas, os países de segundo e os países do terceiro mundo de alguma forma, é
importante diferenciar entre os países exportadores de petróleo e importadores de petróleo,
bem como entre países devedores com dívida externa elevada (como o Brasil e outros países
da América Latina) e países credores (enfrentando problemas de defaults dos devedores).
Jarmusch [2007, p. 341] levanta a pergunta: “Por que esta crise, não sacrificou os países
capitalistas, como previsto, mas apenas os sistemas do socialismo real tornavam se vítimas
depois de 1989?” Sua explicação é que os países socialistas não enfrentavam os desafios da
terceira revolução industrial de forma certa levando a problemas econômicos graves, mas com
certeza as estruturas políticas autoritárias e as tentativas de Gorbatchov de resolver os
problemas econômicos e políticos de uma vez teve sua importância neste cenário, como o
diferente caminho de China mostra.

No período da Guerra Fria eventos geopolíticos importantes como a Guerra de Vietnã, a


integração econômica e política de Europa, a queda de regimes autoritários em Portugal,
Grécia e Espanha na década de 1970, a política de détente do governo Brandt de Alemanha na
década de 1970 (com os países de leste europeu), a Conferência de Helsinque sobre a
Segurança e Cooperação na Europa e outros foram eventos que somente marginalmente
foram reflexo da crise, mas que também tevem impactos sobre as transformações. A Guerra
na Vietnã e os programas da Grande Sociedade de Johnson foram eventos importantes na
467

queda do sistema monetário internacional de Bretton Woods. As crises politicas e militares no


Oriente Médio, bem como a revolução islâmica no Irã em 1979, também influenciavam
fortemente sobre a crise energética da década de 1970, bem como sobre as transformações
seguintes.

Como os impactos da crise da década de 1970 para o Brasil são discutidos num capítulo
posterior sobre a crise da dívida externa da década de 1980, o foco na discussão das
transformações políticas nos países centrais está nas mudanças das ideologias econômicas
prevalecentes – do Keynesianismo para o Neoliberalismo -, já discutidas em muitos lugares
anteriores e a serem também discutidas em lugares posteriores. Esta mudança foi
personalizada em primeiro lugar pelos governos de Thatcher no Reino Unido desde 1979 e do
governo de Reagan nos Estados Unidos desde 1981. As receitas do neoliberalismo incluem
privatização, desregulamentação, livre comércio internacional, e livres fluxos internacionais de
capital. As tentativas de redimensionar o papel do Estado na economia, especialmente cortar
leis trabalhistas, disciplinar e enfraquecer os sindicatos trabalhistas e cortar os benefícios do
Estado de bem-estar social teve sucessos diferenciados: nos países anglófonos os sucessos
foram maiores, nos países nórdicos da Europa e no continente europeu os sucessos foram
menores e a resistência mais forte.

Embora os governos de Reagan e Thatcher conseguissem mudar o discurso público em favor


de um pensamento neoliberal hegemônico, as transformações politicas seguidas da crise da
década de 1970 não foram tão profundas como as transformações politicas seguidas da
Grande Depressão da década de 1930. Em uma pesquisa ampla [20 países e 800 eleições] de
Funke, Schularick, e Trebesch [2015] sobre política e crise de 1870 até 2014 a recessão de
1974/1975 é qualificada como recessão normal, não como uma recessão seguindo uma crise
financeira, que normalmente é visto como uma crise mais severa e prolongada. Como já na
descrição acima sobre a crise da década de 1970 foi enfatizado que não houve crise financeira
séria nesta década [com exceção da quebra anterior do sistema de Bretton Woods por crises
cambiais profundas] a avaliação pública da profundeza da crise foi em primeiro lugar
consequência das décadas de crescimento acelerado nas décadas anteriores. Embora seja
importante anotar que a crise do Sistema monetário internacional de Bretton Woods de 1971
até 1973 foi uma crise cambial profunda, mas que não se converteu em uma crise financeira
generalizada. Mas a crise da dívida externa da década de 1980 na América Latina e em alguns
países do leste europeu foi uma profunda crise financeira e real para os países atingidos e
houve também impactos políticos importantes (especialmente para o Brasil onde ele foi o
início do fim da ditadura militar).
468

Funke, Schularick, e Trebesch [2015, p. 2] advertem que “com a catástrofe da década de 1930
em mente, o medo da radicalização política na sequência dos desastres econômicos e
financeiros é grande no discurso público.” Analisando as mudanças nas eleições dos países de
G7 [Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido] na década de 1970
e depois começando com os países anglófonos, seguidos pelos países da Europa continental e
finalmente Japão, é possível fazer as seguintes afirmações88:

• Nos Estados Unidos em 1974 o presidente Nixon (partido republicano) renunciou ao


cargo por causa do escândalo de Watergate, seguido pelo vice-presidente Ford
(partido republicano), que também ganhou a eleição de 1974. Mas os problemas
econômicos da crise não foram importantes para a renúncia de Nixon. Em 1978 o
presidente Carter (partido democrata) assumiu depois ganhando a eleição de 1977.
Embora presidente de um partido de centro esquerda ele já introduziu algumas leis de
desregulamentação de mercados. Na eleição de 1980 ele perdeu a eleição contra o
candidato do partido republicano de direita Reagan que assumiu em 1981. Embora o
programa de Reagan já fosse orientado nas receitas neoliberais e os problemas
econômicos de desemprego e inflação em ascensão foram também problemas
importantes para explicar do fracasso de Carter de se reeleger, mais importante foram
os fracassos na política externa de Carter (Crise de reféns no Irã depois da revolução
no Irã de 1979, a ocupação soviética de Afeganistão em 1979). O governo Reagan na
sua presidência até 1989 começou implementando medidas centrais da agenda
neoliberal depois de 1981.
• No Reino Unido o governo de partido trabalhista durou de 1964 até 1979 (governos
Wilson (1964 – 1970 e 1974 – 1976), e Callaghan 1976 -1979) com uma interrupção
com o governo de Heath do partido conservador entre 1970 e 1974, mas o
compromisso pós-guerra com o Estado de bem-estar social, bem como com as
nacionalizações, ficou quase igual nos governos conservadores (Churchill 1951 – 1955,
Eden 1955 - 1957, Macmillan 1957 – 1963, Douglas-Home 1963 – 1964, Heath 1970 –
1974). Somente com o governo de Thatcher do partido conservador de 1979 – 1990
(seguido com o governo Major também do partido conservador de 1990 – 1997) a
agenda neoliberal ganhou força com privatizações, desregulamentação, tentativas de
cortes no Estado de bem-estar social, e politicas combatendo a força dos sindicatos
trabalhistas. A ideologia neoliberal tornou-se hegemônica no Reino Unido com o
governo Thatcher. Mesmo os governos seguintes do partido trabalhista de Blair (1997
469

– 2007) e Brown (2007 – 2010) tocavam pouco na herança neoliberal dos governos
Thatcher e Major, tentando programar um neoliberalismo com face mais humana.
• Canada, como outros países centrais, experimentou crescimento rápido com expansão
do Estado de bem-estar social antes da crise (taxa média de crescimento do PIB de
1961-1973 de 5,2% a.a., taxa média de inflação de 3,3 % a.a., taxa média de
desemprego 5,1%). A crise da década de 1970 e depois mudou o cenário com uma
taxa média de crescimento do PIB entre 1974 e 1983 de 2,7 % (e uma recessão em
1982 com – 3,2%), taxa média de inflação de 9,4% e uma taxa média de desemprego
de 8,2%). O partido liberal (centro) foi no governo praticamente todo tempo de 1963
até 1984 (com um curto intervalo em 1979/1980 de um governo conservador –
direita), de 1984 até 1993 o governo conservador foi no poder. Na década de 1980
começou a introdução de alguns pontos na agenda neoliberal, mudando o foco para a
política monetária, para abertura da economia, empoderando elites empresariais e
enfraquecendo os trabalhadores e suas organizações.
• Na Alemanha o maior período da era de ouro do pós-guerra foi governado por uma
coalização centro-direita, somente em 1966 a esquerda conseguiu parte de poder
numa coalização centro-esquerda sob o chanceler Kiesinger (Partido Democrata
Cristão CDU – centro), depois de uma curta e leve recessão em 1966. Em 1969 a
esquerda ganhou as eleições e fiz sob o chanceler Brandt (SPD Partido
Socialdemocrata – esquerda) em uma coalização com os liberais (FDP Partido Liberal
democrata – economicamente à direita). O governo Brandt tentou – depois da revolta
dos estudantes em 1968 – governar sob a mantra “Ousar mais democracia (‘Mehr
Demokratie wagen’) ” empoderando o povo e tentando implementar medidas mais
sociais. Mas o maior sucesso de Brandt foi sua política externa, onde ele conseguiu
implementar políticas de détente e de paz com os países no leste europeu que foram
vítimas da agressão de Hitler na Segunda Guerra Mundial, bem como com o governo
de Alemanha oriental. Quando Brandt assumiu o governo em 1969 o cenário
econômico da Alemanha ocidental não poderia ser melhor: [Scherf, 1986, p. 5] A taxa
de crescimento do PIB em 1969 de 7,5% a.a., a taxa de inflação de 2% a.a., a taxa de
desemprego em 0,8%, um superávit expressivo na conta corrente, um superávit nas
finanças públicas [1,2% do PIB] e uma taxa de investimento bruto de 26,1%. No fim do
governo Brandt em 1974 a situação econômica de Alemanha já piorou [CPDS,
Germany]: uma taxa de crescimento do PIB de 1% a.a. (em 1975 de -0,9%), uma taxa
de inflação de 7% a.a., taxa de investimento bruto de 22,1% do PIB (19, 7% {Scherf,
1986, p. 8] e um déficit público de -1,6% do PIB (em 1975 de – 5,6%), embora a queda
470

do governo Brandt não fosse consequência da crise econômica, mas de uma crise
política, Brandt renunciou como chanceler em 1974 depois de um dos seus assessores
mais próximos foi exposto como agente da Stasi, o serviço secreto da Alemanha
Oriental. Assumiu Schmidt, também do partido socialdemocrata, (em coalização com
os liberais) mais focado na política econômica e tentando com programas conjunturais
estimular a economia e reverter a crise econômica. Mas com o novo choque dos
preços de petróleo em 1979/1980 faltavam alternativas, programas e apoio político e
em outubro de 1982 houve a mudança para uma coalização centro-direita com os
liberais sob o chanceler Kohl (do partido cristão-democrata). A crise econômica, com
uma taxa de crescimento de -1,1% a.a., uma taxa de inflação de 5,3% a.a., uma taxa de
desemprego de 7,6% e um déficit fiscal de – 3,4% [Scherf, 1986, p. 7 p.]., foi uma causa
importante da mudança política com tentativas de implementar a agenda neoliberal.
O governo de Kohl durou até 1998, lembrado e primeiro lugar pela reunião de
Alemanha em 1990, a mudança na política econômica em direção da agenda
neoliberal foi muito cautelosa, no governo seguinte de Schröder (partido
sociademocrata em coalição com o partido verde) desde 1998 até 2005 houve
mudanças muito mais profundas em direção da agenda neoliberal.
• Na França as décadas de 1950, 1960, e 1970 foram caracterizadas pelos governos da
direita ou coalizações de centro-direita sobre os presidentes de Gaulle (1958 – 1969),
Pompidou (1969 – 1974), d’Estaing (1974 – 1981) (todos de centro-direita). Os anos
entre 1947 e 1973 foram, como em outros países centrais, anos de crescimento rápido
da renda, de emprego, e do Estado de bem-estar social, lembrados como os trinta
anos gloriosos. A crise da década de 1970 levou a um período de instabilidade, embora
os problemas econômicos fossem menos graves do que em outros países centrais. Os
governos mugavam entre esquerda e direita (coabitação de um presidente de um
partido com governos de partidos da oposição) sob o presidente Mitterrand (partido
socialista) de 1981 até 1995. Numa primeira tentativa de Mitterand e do governo da
esquerda de 1981 até 1983 de reaquecer a economia com uma política fiscal
expansionista, políticas de nacionalização de certas empresas e medidas favorecendo
os trabalhadores, restrições externas (a conta corrente piorando, o franco se
desvalorizando e as reservas internacionais diminuindo) forçavam o fim das políticas
expansionistas. Agendas neoliberais na França nas décadas seguintes sempre foram
realizadas em pequenas doses, de forma pragmática e sob forte resistência dos
trabalhadores e seus sindicatos. A pesquisa de Amable, Guillaud, e Palombarini [2011]
471

mostra os problemas e as transformações (reformas estruturais) na França depois da


crise da década de 1970.
• Na Itália a década de 1970 não foi somente um período de crise econômica, mas
também de crise política com greves, ocupações de fabricas, terrorismo da esquerda e
da direita, chamado de anos de chumbo (como no Brasil), mas na política oficial
também como nas décadas anteriores e posteriores até 1992 controlado pelo partido
cristão democrata – às vezes - em coalização com o partido socialista (de orientação
ideológica socialdemocrata) e outros partidos, embora o partido comunista fosse
como oposição o partido comunista mais forte da Europa ocidental. A queda da União
Soviética em 1991 e a investigação de corrupção mãos limpas (“Mani Pulite” ou
“scandalo di Tangentopoli’) transformaram profundamente o sistema político na Itália.
Os quatro partidos no poder em 1992, a Democracia Cristã (DC), o Partido Socialista
Italiano (PSI), o Partido Socialdemocrata Italiano e o Partido Liberal Italiano,
desapareciam de alguma forma nos anos depois da operação mãos limpos, e o Partido
comunista, embora não envolvido na corrupção, reformulou-se como Partido
Democrático de Esquerda (posteriormente Democratas de Esquerda, DS) seguindo
uma ideologia mais socialdemocrata, embora a ideologia comunista sobrevivesse em
partidos menores: como Partido da Refundação Comunista (PRC) e o Partido dos
Comunistas Italianos (PdCI). A crise política criou novos partidos políticos de direita
como Força Itália de Berlusconi e a Liga Norte da direita ou extreme direita bem como
o Movimento 5 Estrelas surgido com a finalidade de deslocar os partidos tradicionais
para colocar cidadãos comuns no poder e estabelecer uma democracia direta através
do uso da Internet, que conseguiu nas eleições 2013 26% dos votos para a câmera de
deputados e 24% para o senado, o partido neofascista Movimento Social Italiano
mudou o nome para a Aliança Nacional. Como na França houve dificuldades de
implementar transformações preconizadas na agenda neoliberal por causa da ampla
resistência dos eleitores contra estas mudanças. A pesquisa de Amable, Guillaud, e
Palombarini [2011] mostra os problemas e as transformações (reformas estruturais) na
Itália depois da crise da década de 1970.
• No Japão a crise da década de 1970 teve consequências económicas profundas,
especialmente na aceleração da inflação, mas politicamente as consequências foram
menores, o poder político ficou nas mãos do partido liberal democrata (LDP), e
somente com a profunda crise financeira e real com início em 1990 o poder de LDP
enfraqueceu parcialmente. Mas a crise japonesa da década de 1990 é tema de um
capítulo posterior.
472

As transformações políticas mais importantes como impactos da crise da década de 1970


podem ser vistos na implementação de políticas na agenda neoliberal, com foco nos países
anglófonos, nos países da Europa continental as transformações enfrentavam resistência mais
forte. Mas não houve mudanças politi8cas estrurais tão dramáticas como na Grande
Depressão da década de 1930. Depois da crise financeira global de 2008/2009 a resistência
aumentou criando e ampliando a força de movimentos e partidos da extrema direita e (de
forma muito menor) esquerda, mas este é tema de um capítulo posterior.

Mudanças na desigualdade de renda e de poder

As transformações seguindo a agenda neoliberal são responsabilizadas para a crescente


desigualdade de renda, riqueza e poder e com isto também para uma tendência de uma maior
polarização social e política nos países centrais. O livro de Piketty, Capital in the 21st century
[2014] focaliza a crescente desigualdade no âmbito global. Este tema é também assunto de
capítulos posteriores, mas a maioria dos analistas vê na crise da década de 1970 o ponto
crítico (‘Critical juncture’) para as transformações sociais, políticas e econômicas e as
mudanças institucionais nas décadas posteriores. Por esta razão vale a pena mencionar a
tendência para uma maior desigualdade sem analisar aqui suas causas: Neoliberalismo,
globalização, progresso tecnológico, financeiricação etc. Nas seguintes tabelas se encontram
dados para a desigualdade de renda e da desigualdade social para escolhidos países centrais.

Tabela 103 Coeficiente de Gini da distribuição de renda da população total – países escolhidos
dos 34 países da OECD

Classifica
Na Na Na Na ção entre
metade metade Fim dos metade metade Fim dos 34 países
da da anos da da anos da OECD
década década 2000 década década 2000 Fim dos
de 1970 de 1980 de 1970 de 1980 anos
2000
Antes dos impostos e transferências Depois dos impostos e transferências
Alemanha n.d. 0,439 0,504 n.d. 0,251 0,295 21
Estados Unidos 0,406 0,436 0,486 0,316 0,337 0,378 4
França (1) n.d. 0,473 0,483 n.d. 0,300 0,293 24
Japão n.d. 0,345 0,462 n.d. 0,304 0,329 11
Reino Unido 0,338 0,419 0,506 0,268 0,309 0,342 7
Suécia 0,389 0,404 0,426 0,212 0,198 0,259 30
Fonte: OECD, (1) Metade da década de 1990, n.d. não disponível

Em todos os países escolhidos a desigualdade aumentou (antes e depois dos impostos e


transferências) depois da crise de 1973/1974, com exceção da França onde a desigualdade
473

depois de impostos e transferências diminuiu um pouco (embora os dados de referência


referem-se à metade da década de 1990). Os países anglófonos lideram lista de desigualdade
para a renda depois dos impostos e transferências seguida de Japão, seguida por Alemanha e
França e no fim a Suécia. Os dados antes dos impostos e transferências não são tão diferentes
entre os países escolhidos e a tabela mostra também que impostos e transferências nos países
anglófonos e Japão tem a menor eficácia em redistribuir a renda, em França, Alemanha e
Suécia as políticas de redistribuição são mais eficazes.
Os dados para as rendas dos 1% e 10% mais ricos da World Income Database corroboram
parcialmente estes resultados, a base de dados usa as rendas antes impostos e transferências,
como a tabela a seguir mostra.

Tabela 104 Participação dos 1% mais ricos na Renda em países centrais escolhidos 1950 até
2008

1950 1971 1980 2001 2008


Alemanha 11,6 11,3 10,4 11,1 13,9
Estados Unidos 11,4 7,8 8,2 15,4 17,9
França 9,0 8,5 7,6 8,4 8,5
Japão 7,7 8,4 7,2 8,6 9,7
Reino Unido 10,9 7,0 6,7 n.d. n.d.
Suécia 7,6 5,8 4,1 6,0 7,1
Participação dos 10% mais ricos na Renda em países centrais escolhidos 1950 até 2008
Alemanha 34,4 31,8 31,7 35,9 39,5
Estados Unidos 33,9 31,8 32,9 42,2 46,0
França 32,0 33,4 30,7 33,1 32,6
Japão 31,7 32,9 31,3 38,7 40,9
Reino Unido 30,6 29,3 31,0 n.d. n.d.
Suécia 30,3 28,4 22,7 26,8 28,1
Fonte: World Top Incomes Database https://wid.world/
Na maioria dos países escolhidos há uma queda da concentração da renda entre 1950 e 1971
(para este período não há dados da OECD) e depois de 1971 começa uma concentração de
renda, para os 1% bem como os 10% mais ricos, uma exceção é novamente França onde não
aparece em todo o período um aumento da concentração de renda.
Uma mudança das taxas marginais de impostos para renda e heranças dos mais ricos muda
também a distribuição de renda. Com a ascensão de governos mais conservadores no Reino
Unido (1979) e nos Estados Unidos (1981) começam as quedas nas taxas marginais de
impostos para o topo como a tabela a seguir mostra nos Estados Unidos, mas a tendência e a
mesma para os outros países escolhidos (com certa defasagem). Os países anglófonos
mostram a queda mais expressiva dos impostos. A taxa marginal de topo para impostos sobre
474

heranças mostra a mesma tendência. Neste sentido pode se falar de uma vingança de capital
depois da virada neoliberal.

Tabela 105 Topo da taxa marginal de imposto de renda para países escolhidos 1913 – 2013

Estados Unidos Reino Unido Alemanha França


1913 7,0% 8,3% 3,0% 0,0%
1920 73,0% 60,0% 40,0% 50,0%
1929 24,0% 57,5% 40,0% 33,3%
1945 94,0% 97,5% 60,0% 60,0%
1964 77,0% 88,8% 53,0% 63,0%
1982 50,0% 75,0% 56,0% 69,6%
1988 28,0% 40,0% 56,0% 56,8%
1993 39,6% 40,0% 53,0% 59,2%
2003 35,0% 40,0% 48,5% 56,1%
2013 39,6% 45,0% 45,0% 53,0%
Fonte: http://piketty.pse.ens.fr/files/capital21c/en/

As tabelas a seguir mostram as tendências sociais de forma mais geral no novo século para
países escolhidos, mostrando diferenças expressivas entre os países centrais, e, obviamente,
também para o Brasil. Mas não é possível descrever todo o cenário atual de forma pessimista,
há importantes mudanças sociais no reconhecimento e na participação de gênero e de grupos
minoritárias em muitos países. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da UNDP um
valor maior mostra um nível de desenvolvimento humano maior (incluindo, renda, saúde e
educação). No nível de igualdade de gênero um índice menor mostra o maior nível de
igualdade, como no coeficiente de Gini.

Tabela 106 IDH, condições de vida em países selecionados no novo século

Taxa da
IDH Rank IDH
População Rank Taxa
ajustado ajustado
Gini Carcerária da Popula-
IDH IDH Rank pela pela
País Renda por ção Carce-
2011 2011 desigualda desigualda
2011 100.000 rária 2010
-de de
2010 ou ou antes
2011 2011
antes
Alemanha 0,905 9 0,842 9 0,283 83 162
Brasil 0,718 84 0,519 97 0,539 260 49
Estados Unidos 0,910 4 0,771 23 0,408 780 1
França 0,884 20 0,804 20 n.d. 102 146
Japão 0,901 12 n.d. n.d. n.d. 55 193
Reino Unido (1) 0,863 28 0,791 32 n.d. 154 92
Suécia 0,904 10 0,851 15 0,250 70 175
Fonte: UNDP, http://www.prisonstudies.org
(1) England & Wales
475

Tabela 107: Igualdade de gêneros e condições semelhantes no novo século

Rank Taxa de Partici- Partici- Partici-


Índice
Índice morta- pação no Fertilida- pação na pação na
Igualdade
País Igualdade lidade parlamen- de ado- Forca de Forca de
de gênero
de gênero materna to lescentes trabalho trabalho
2011
2011 2008 2011 Mulher Homem
Alemanha 0,085 7 7 31,7% 7,9 53,1% 66,8%
Brasil 0,449 80 58 9,6% 75,6 60,1% 80,9%
Estados Unidos 0,299 47 24 16,8% 41,2 58,4% 71,9%
França 0,106 10 8 20,0% 7,2 50,5% 62,2%
Japão 0,123 14 6 13,6% 5,0 47,9% 71,8%
Reino Unido (1) 0,209 34 12 21,0% 29,6 55,3% 69,5%
Suécia 0,049 1 5 45,0% 6,0 60,6% 69,2%
Fonte: UNDP
Como o Estado de bem-estar social é uma forma de implementar e garantir uma maior
igualdade social, o ataque da agenda neoliberal aos benefícios do Estado de bem-estar social é
também uma explicação para o aumento da desigualdade social nos tempos neoliberais. Nesta
perspectiva pessimista da agenda neoliberal não deve se esquecer, que o foco da ideologia
neoliberal na liberdade individual, na livre escolha das opções da vida, na auto-
responsabilidade do indivíduo teve também aspectos positivos. A maior tolerância com
projetos alternativos e vida, com outras culturas, outras etnias, outras escolhas sexuais, bem
como o empoderamento de mulheres, pessoas de cor etc. são também consequências da
revolução cultural de 1968 e de suas raízes libertárias e anarquistas, que facilitou também o
avanço da ideologia neoliberal. Obviamente estas tendências sociais não foram incontestadas,
guerras culturais na academia e nas mídias foram a consequência, bem como a ascensão de
movimentos e partidos de extrema direita com programas xenófobos e anti-imigração. Mas
em estas guerras culturais as tendências para uma crescente desigualdade social foram muitas
vezes esquecidas ou perdendo força nos discursos políticos. O ataque da agenda neoliberal aos
benefícios do Estado de bem-estar social é por esta razão assunto do próximo capítulo.

Transformações do Estado de bem-estar social e das políticas públicas sociais

A transformação mais importante como impacto da crise da década de 1970 pode ser visto nos
ataques da agenda neoliberal contra os benefícios do Estado de bem-estar social. Nas décadas
depois da Segunda Mundial uma ampliação dos benefícios do Estado de bem-estar social foi
vista como uma necessidade ética com a população, não esquecendo a competição dos
sistemas na Guerra Fria. Obviamente uma ampliação do Estado de bem-estar social teve a
consequência da maior intervenção do Estado na economia, de maiores impostos e do
crescimento da burocracia estatal. Mas numa economia capitalista nos países centrais em
plena expansão estes custos pareciam justos. Quando na crise da década de 1970 a situação
476

mudou, os custos fiscais cresciam enquanto as receitas do Estado diminuam e a luta pela
distribuição da renda nacional entre as classes e camadas sociais aumentou, o Estado de bem-
estar social entrou na mira das elites políticos e empresariais.

O Estado de bem-estar social pode ser descrito como o conjunto das instituições, leis e normas
que orientam as políticas públicas sociais de um país. Historicamente a igreja foi a instituição
mais importante para cuidar dos pobres. Com a industrialização e urbanização das sociedades
no século XIX (e com a crescente secularização das sociedades) o conflito econômico, político,
e social entre trabalho e capital tornaram se o ponto crítico da questão social. As primeiras leis
da previdência social na era de Bismarck na Alemanha na década de 1880 teciam uma rede de
segurança precária contra os riscos da vida do trabalhador (acidentes, doenças,
envelhecimento) e foram também medidas dos conservadores para evitar o crescimento do
movimento trabalhista (os sindicatos trabalhistas e os partidos trabalhistas, na Alemanha o
partido social democrata neste tempo). A luta pela expansão dos direitos políticos e sociais da
população e da solidariedade com os desfavorecidos foi um dos objetivos sociais dos
movimentos trabalhistas, embora a introdução das políticas públicas sociais fosse, as vezes,
feito por governos conservadores (por exemplo, Bismarck) ou planejado por liberais, como o
plano Beveridge (1942) no Reino Unido, mas as ideias de plano Beveridge foram parcialmente
realizadas pelo governo trabalhista depois da II Guerra Mundialno Reino Unido. Na Europa as
duas guerras mundiais davam impulsos importantes para a extensão do Estado de bem-estar
social, bem como o conflito ideológico entre o socialismo burocrático no leste de Europa e o
capitalismo na Europa ocidental (a guerra fria até a década de 1990).

Somente com a crise do capitalismo global na segunda metade da década de 1970 e diante,
com a ascensão do neoliberalismo na década de 1980, com os governos de Thatcher (início em
1979) no Reino Unido e Reagan (início em 1981) nos Estados Unidos, com a queda do
socialismo burocrático na União Soviética em 1991, começou um período de tentativas
politicas nas economias centrais para restringir o Estado de bem-estar social e diminuir seus
benefícios com o objetivo de diminuir os custos fiscais das políticas públicas sociais em tempos
da crise, do desemprego elevado, da crescente desigualdade social e do aumento da pobreza.

O Estado de bem-estar social cria, na visão dos neoliberais, uma cultura de dependência e
aproveitadores do sistema que impedem os esforços próprios dos desfavorecidos e cria
problemas fiscais para o Estado financiando estes gastos sociais. Como a crise prolongada
depois de 1973 levou as sociedades nos países centrais (menos nos países nórdicos da Europa
com um Estado de bem estar-social forte) para um aumento das desigualdades e a divisão das
477

sociedades em ganhadores (a parte da classe média em ascensão) e perdedores


(desempregados, excluídos, e a classe média em declínio social, os trabalhadores em
empregos temporários e de remuneração baixa (‘working poor’)), os ganhadores favorecem os
apertos sociais por receberem cortes de impostos e, as vezes, avaliavam os clientes do Estado
de bem estar social como aproveitadores desmerecidos dos benefícios. Com isto se criou uma
base política para forçar o aperto social, embora os gastos sociais em relação ao PIB diminuem
pouco ou nada na maioria dos países centrais, mas em relação aos crescentes problemas
sociais um aperto social aconteceu. Este aperto social também se tornou politicamente mais
fácil com o enfraquecimento dos sindicatos em muitos países centrais e com movimentos
sociais que mais se concentram se em políticas de reconhecimento das identidades (de
gênero, de etnia, da identidade sexual, etc.) e em problemas do meio ambiente do que em
problemas da desigualdade de renda, riqueza e do poder. Para os defensores ferrenhos de
mercados livres, como Hayek, intervenções do Estado na economia é o caminho para a
servidão e para o totalitarismo (embora ele também aceita certas redes restritas de segurança
do Estado para os pobres), sendo as falhas do governo mais perigosas do que as falhas dos
mercados. Por esta razão, o mantra desta posição é: mais mercado e menos governo; o
governo é o problema, não a solução.

Obviamente economistas keynesianos, desenvolvimentistas e marxistas combatem esta


interpretação do Estado de bem-estar social pelos neoliberais, embora a socialdemocracia
também introduzisse (como no governo Schröder de 1998 até 2005 em Alemanha) ou
prolongasse políticas neoliberais de aperto social (como nos governos Blair e Brown do Labour
Party no Reino Unido). Os Keynesianos apontam para os exemplos históricos da instabilidade
do capitalismo global, crises, pobreza, desigualdade, desemprego e, como consequência,
especialmente na Grande Depressão da década de 1930, o nascimento de regimes políticos
totalitários ou o crescimento de movimentos nacionalistas e xenófobos de direita. Os
exemplos mais importantes são a Grande Depressão da década de 1930 e a crise financeira
global de 2008/2009 com consequências que perduram até hoje. Nesta última crise cresciam
na Europa movimentos políticos da extrema direita (por exemplo, a Frente Nacional na
França), acolhendo perdedores da crise com uma ideologia de xenofobia, nacionalista e
populista.

Os objetivos do Estado de bem-estar social são tecer uma rede de segurança contra os riscos
de vida (doença, invalidez, envelhecimento, desemprego, pobreza etc.), garantir certa justiça
social, fortalecer a coesão social, e evitar ou amenizar conflitos sociais. Uma sociedade
democrática precisa de solidariedade com os mais fracos da sociedade e precisa dos benefícios
478

de um Estado de bem-estar social. Obviamente com isto cria se mais burocracia, criam-se
ineficiências, criam se aproveitadores (‘rent-seeking’), mas esquecendo nesta argumentação os
benefícios que as elites aproveitam. Mas isto não são argumentos contra as políticas públicas
sociais, mas um lembrete para criar políticas públicas sociais coerentes e eficientes e evitar
mais burocracia.

No financiamento da previdência social e dos programas sociais seguem-se diferentes


caminhos, o financiamento através de contribuições dos trabalhadores e dos patrões (Por
exemplo: Previdência social, seguro saúde e seguro desemprego na Alemanha, Previdência
social no Brasil com transferências adicionais do Estado), o financiamento pleno pelo Estado,
algumas vezes com uma pequena participação do cliente, (Por exemplo, National Health
Service no Reino Unido, Medicare e Medicaid nos Estados Unidos, SUS no Brasil, Bolsa Família
etc.), subsídios pelo Estado (Por exemplo, no Brasil: Minha casa, minha vida, PRONAF etc.).

Políticas públicas sociais são intervenções do Estado na economia e na sociedade civil para
diminuir a desigualdade de renda e riqueza numa economia de mercado (economia
capitalista), combater a pobreza, e diminuir os conflitos sociais. As políticas públicas sociais do
Estado têm o objetivo de garantir uma rede de segurança social para os desfavorecidos de
uma economia capitalista, para os desempregados, os idosos, os inválidos e doentes, em geral
para os pobres e excluídos do sistema capitalista de produção. As políticas públicas sociais
incluem também ações afirmativas para abrir oportunidades para grupos sociais
historicamente discriminadas. As políticas públicas sociais do Estado refletem se em gastos
sociais do Estado, transferências de renda ou em espécie. Os gastos sociais são financiados
através de impostos, contribuições dos trabalhadores e patrões para a previdência social e
endividamento do Estado (pela emissão de títulos de dívida). Existem diferentes misturas de
financiamentos através de impostos e/ou de contribuições em diferentes países e para
diferentes políticas públicas sociais. Enquanto o Keynesianismo em sua fase hegemônica
depois da II Guerra Mundial enfatizava a importância do Estado de bem estar social (a
totalidade das políticas sociais do Estado) para garantir a estabilidade social em tempos da
Guerra Fria, a ascensão do neoliberalismo na década de 1980 e a queda do socialismo
burocrático no leste europeu começando em 1989 levavam nas economias centrais para um
aumento do desemprego, da desigualdade da renda e da riqueza e a tentativa de desmontar
parcialmente o Estado de bem estar social. Estas tendências levavam críticos a falar de uma
“vingança do capital” (Streeck, W. 2013), “o capital está de volta” (Piketty, 2014) e o investidor
Warren Buffett, entre os mais ricos do mundo, falava “Existe uma luta de classes, tudo bem,
mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo a guerra, e nós estamos ganhando. ” (NYT
479

2006). Parece que depois do livro de Piketty (2013), “Capital in the 21st century” a discussão
sobre a crescente desigualdade de renda e de riqueza está novamente voltando para o centro
da discussão econômica e política.

Uma discussão sobre o Brasil encontra-se num capítulo posterior.

3) Transformações ideológicas e culturais

Um dos aspectos marcantes da vida social moderna (e pós-moderna) é a sua maior diferenciação -
os milhares de tarefas diversas, papéis e caminhos de desenvolvimento que as pessoas realizam. Em
termos ideológicos, somos confrontados com a individuação: a capacidade das pessoas de escolher
entre conjuntos de ideias agora é legitimada publicamente por culturas e organizações políticas
simpatizantes da escolha pessoal. (...). Ao incentivar a variedade e a originalidade, o liberalismo é
mais adequado do que outras ideologias para manter um grande grau de diferenças estruturais e
centrífugas. (...). As imagens são fundamentais para todas as principais famílias ideológicas - a
pomba da paz é um símbolo liberal [e socialista] internacionalista; o movimento socialista privatizou
a cor vermelha, politicamente falando; (...). As ideologias refletem o fato de que a conduta sócio-
política não é inteiramente ou meramente racional ou calculadora, mas de forma altamente,
centralmente e, muitas vezes, saudavelmente emocional (...). Os grupos sociais operam com base
em rituais, preconceitos, histórias e histórias compartilhadas - elementos que as ideologias
incorporam. (...). As ideologias competem sobre o controle da linguagem política, bem como sobre
os planos de políticas públicas; de fato, sua competição em relação aos planos de políticas públicas
é conduzida principalmente por meio de sua concorrência pelo controle da linguagem política. (...).
As ideologias são dispositivos simbólicos que ordenam o espaço social. (...). As ideologias, com
certeza, precisam atrair o interesse de grandes grupos políticos; (...). A maior parte das ideologias
modernas adotou uma aparência institucional, sob a forma de um movimento ou partido político.
Freeden, 2003, Ideology: A Very Short Introduction, posição 1858 pp.

A citação acima mostra as diferentes perspectivas das ideologias e das transformações


ideológicas e mostra também de certa forma porque o liberalismo novo ganhou espaço em um
ambiente da crise da década de 1970 e nas décadas seguintes. Importante para entender as
mudanças ideológicas e culturais como impacto da crise da década de 1970 é apontar para os
fundamentos gerados nas décadas anteriores em um ambiente de crescimento econômico
rápido e da ampliação do Estado de bem-estar social e de outros serviços públicos na
competição de sistemas políticas de capitalismo organizado e do socialismo burocrático na
Guerra Fria. Os conflitos internos nos países centrais do capitalismo global e também nos
países do segundo mundo na década de 1960, que é tema do capítulo seguinte, foram mais
inflamados por problemas políticos do que econômicos, por exemplo, pela guerra de Vietnã e
os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, bem como das revoluções no terceiro
mundo. Num mundo de consumismo e prosperidade, mas governada de forma rígida e
burocrática, nasci o sentimento de que alguma coisa faltava: viver a vida individual de forma
diferente. Priestland [2012, p. 162 pp.] capta estes sentimentos:

A sociedade do consumidor e a prosperidade proporcionaram às jovens maiores liberdades


para escolher seu próprio modo de vida, rompendo com as disciplinas militares, trabalhadoras
e burocráticas. E, ao mesmo tempo, muitas pessoas a mais iriam para a universidade e
480

ganhavam maior autoconfiança. Essa própria liberdade tornou mais provável que valorizassem
uma política de auto-expressão, autonomia, autenticidade e democracia - essa é uma
democracia de participação, em vez de uma que envolve apenas uma votação em cada quatro
anos. (...). Mills e Marcuse eram apenas dois dos intelectuais da "Nova Esquerda" que serviram
como porta-vozes desta nova geração de Boêmios Românticos, herdeiros dos Rousseaus,
Byrons e Shelleys dos séculos anteriores, e também defensores de uma criatividade artesanal
mais humilde.
Mas este é tema do próximo capítulo, mas é importante enfatizar que o capitalismo global
conseguiu absorver estes sentimentos melhor do que o socialismo burocrático implementando
transformações no mundo de trabalho, enfatizando o consumismo com crédito farto, forçando
a inovação nas novas tecnologias de informação e comunicação, e levando a individualização
na lógica dos mercados como ideologia prevalecente nos discursos públicos. Obviamente a
queda do socialismo burocrático no fim da década de 1980 e na década de 1990 não foi
somente consequência do exemplo do mundo capitalista de liberdade individual, do
consumismo e da inovação, mas também da perda da credibilidade da ideologia marxista-
leninista, da perda da legitimação do Estado burocrático autoritário no bloco comunista, da
falta de processos democráticos, e dos problemas criados pela corrida armamentista, e
também da estratégia malsucedida de Gorbatchov de reformar o socialismo burocrático. No
centro das mudanças ideológicas nos países centrais é a mudança da agenda econômica dos
governos do paradigma keynesiano para o paradigma neoliberal para fortalecer a dinâmica de
mercados livres para incentivar crescimento e inovação. Em vez das intervenções de governos
para a estabilidade macroeconômica, políticas de privatização, desregulamentação, abertura
econômica real e monetária (globalização) e do fortalecimento do empreendedorismo e do
pensamento na lógica dos mercados.

A aceitação da lógica dos mercados em muitos ambientes, onde ainda o Estado ou normas
culturais prevaleciam, foi facilitada pelas mudanças culturais para criação de uma cultura
individualista e hedonista do consumismo, facilitada pelo acesso fácil ao crédito, que também
escondeu temporariamente os fatos duros de que a maioria da população teve aumentos
salariais reais ínfimos. A revolta estudantil de 1968 com sua ênfase na liberdade individual e no
hedonismo, na aceitação da diversidade de estilos de vida, na sua contestação de estruturas
rígidas da vida nos moldes burocráticos do Keynesianismo-Fordista do Estado de bem-estar
social e militar (em primeiro lugar a guerra de Vietnã e a corrida armamentista), abriu nas
décadas posteriores espaços para uma vida com mais liberdade individual e tolerância, mas
também ajudou indiretamente na ascensão da ideologia neoliberal da lógica individualista dos
mercados. Mas também não deve se esquecer que a revitalização da ideologia liberal através
de um grupo de intelectuais (a sociedade de Monte Pelerin) desde a década de 1940 foi
amplamente financiada por partes das elites econômicas, políticas e acadêmicas,
481

especialmente depois da crise da década de 1970. Priestland [2013, p.180] aponta para o
papel importante da ajuda das elites para o sucesso da ideologia neoliberal:

No entanto, se o neoliberalismo tivesse algum efeito no mundo real, ele precisava do poder
político, e os negócios americanos - grandes e pequenos - eram fundamentais para sua
crescente influência. Através das crises econômicas do final da década de 1960 e início da
década de 1970, ressentidas com os impostos e regulamentos do governo, e com medo dos
ativistas de consumo [apontando para críticos de consumo como Nader nos Estados Unidos], os
empresários estavam determinados a se organizar para conter o poder do trabalhador e do
sábio.
Outra componente importante na ascensão da ideologia da logica individualista de mercados
livres foi a crescente financeirização da economia que não somente favoreceu a ganancia e a
procura do rendimento mais alto pelos bancos e as elites, mas também a procura pelo lucro
rápido e fácil nos mercados financeiros pelo cidadão normal. Com isto o cidadão normal da
classe média tornou-se também um adepto da procura pelo lucro especulativo fácil e rápido
nos mercados financeiros, facilitando o desenvolvimento das bolhas especulativas e do
endividamento especulativo, que foi também uma das causas da crise financeira global de
2008/2009, mas este é tema de um capítulo posterior.

Os choques dos preços de petróleo em 1973/1974 e 1979/1980 levavam a uma redistribuição


da renda global favorecendo países exportadores de petróleo (embora o México como
exportador de petróleo fosse um dos primeiros países entrando em um default sobre sua
dívida em 1982) e desfavorecendo os países importadores de petróleo. A preocupação com a
garantia do pleno emprego nos países centrais foi deslocada pela preocupação com a inflação
em ascensão favorecendo estratégias monetaristas e neoliberais. A culpa para a estagnação
nos países centrais foi identificada pelos economistas monetaristas e neoliberais no modelo de
capitalismo organizado e corporativista nos moldes keynesianos, que supostamente freava a
dinâmica de mercados livres e da inovação pela regulação e burocratização da economia, pelos
impostos elevados para os supostos criadores (ricos) de riqueza, usados para financiar um
Estado de bem estar social que supostamente criasse desincentivos de trabalhar para a classe
trabalhadora e levasse os trabalhadores a preferir de descansar na rede de segurança de um
Estado de bem estar social superdimensionado, pelos salários supostamente exageradamente
altos que sindicatos supostamente poderosos conseguiam negociar o que apertava os lucros e
com isto o investimento e a inovação. A receita destes ideólogos da dinâmica de mercados
livres foi: diminuir as intervenções do Estado na economia, desregulamentar e desburocratizar
os mercados, diminuir os impostos (em primeiro lugar para os ricos, supostamente mais
produtivos), privatizar as empresas estatais, fortalecer o livre comércio internacional e a livre
movimentação internacional de capital e com isto a globalização. Obviamente esta nova
482

ideologia supostamente progressista teve certa atração para grande parte do eleitorado, em
primeiro lugar nos países anglófonos, como a eleição de Thatcher e Reagan mostrava, embora
também enfrentasse protestos dos perdedores das mudanças. O clima político mudou para um
clima mais conservador e também nos partidos socialdemocratas que no fim da década de
1990 subiam ao poder na Europa e, como, por exemplo, Blair [Reino Unido] e Schröder
[Alemanha], seguiam as receitas neoliberais.

Transformações culturais – os impactos da década de 1960

E ainda - os anos sessenta também foram uma década intensamente significativa. O terceiro
mundo estava em tumulto, da Bolívia ao Sudeste Asiático. O "Segundo" mundo do comunismo
soviético era estável apenas em aparência, e mesmo assim não por muito tempo, como
veremos. E o principal poder do Ocidente, abalado por assassinatos e motins raciais, estava
embarcando em uma guerra em grande escala no Vietnã. As despesas da defesa americana
aumentaram constantemente em meados dos anos sessenta, atingindo o pico em 1968. A
guerra do Vietnã não era uma questão divisória na Europa - encontrou desfavorecer em todo o
espectro político - mas serviu de catalisador para a mobilização em todo o continente: mesmo
na Grã-Bretanha, onde as maiores manifestações da década foram organizadas explicitamente
para se opuser à política dos EUA. (...). Está dizendo alguma coisa sobre as circunstâncias
peculiares dos anos sessenta, e o fundamento sociais dos ativistas públicos mais proeminentes,
que muitas das disputas e as demandas do tempo foram construídas em torno de uma agenda
política e não uma econômica. Como 1848, os anos sessenta eram uma Revolução dos
intelectuais. (...), [embora] um ciclo de disputas trabalhistas em toda a Europa ocidental no
início [fim] dos anos sessenta indicavam para problemas à frente. Judt, Postwar, p.
407
O fenômeno de 1968, não causou, em qualquer sentido estreito, "transformações sociais e
culturais de grande escala", mas "1968" tornou-se uma taquigrafia para eles. Como as
mudanças foram: uma nova linguagem quase libertária de subjetividade - prenunciando a
"década de mim" - e uma nova política de estilos de vida individuais. Jan Werner
Müller, The Cold War and the intellectual history of the late twentieth century, p.189
Transformações culturais são mais difíceis de descrever e estendem se para períodos mais
prolongados, mas o período da década de 1960 com foco na revolta estudantil em muitas
partes do mundo de 1968 é descrito por muitos analistas da história como momento crítico
para as mudanças culturais nas décadas seguintes, não somente no mundo de capitalismo
global, mas também no segundo mundo de socialismo real, como, por exemplo, a primavera
de Praga de 1968 do socialismo com face humana, ou a revolução cultural na China desde
1966 mostram. As avaliações dos resultados desta década agitada são diferenciadas, mas vale
a pena fazer um curto resumo das causas destas revoltas, motins e tumultos, que já se mostra
nas citações acima.

Müller [2010, p. 1 p.] foca na percepção da ingovernabilidade, da alienação dos cidadãos, da


quebra da ordem civil, e na mudança para valores pós-materiais:

Os estudantes, os filhos e as filhas das classes médias, que estiveram à direita durante a maior
parte do século XX (e altamente ativo na promoção do fascismo nas décadas de 1920 e 1930),
de repente encontraram-se na esquerda. (...). A geração de 68 parecia desprezar o
483

parlamentarismo e exigia democracia direta, autonomia pessoal e autenticidade - valores que


pareciam diretamente contrariar os objetivos fundamentais da década de 1950 e do início da
década de 1960, como a estabilidade política através do corporativismo, alta produtividade e
paz social, e realização pessoal através do consumo. (...). Os legados duradouros da Nova
Esquerda foram [politicamente] o feminismo e o ambientalismo. (...).
A ascensão das contraculturas na década de 1960 nos países centrais do capitalismo foi visto
num lado no fato de que os cidadãos foram beneficiados pela ampliação dos benefícios
materiais e a relativa estabilidade na era de ouro, o que criou novas demandas sociais e
culturais. Noutro lado os acontecimentos na política nacional e internacional criavam também
fontes de protestos e expectativas novas. Nos Estados Unidos os movimentos pelos direitos
civis, a guerra de Vietnã e a percepção de que as elites (‘establishment’) governavam distantes
dos interesses da população através de uma burocracia tecnocrática, na Europa os déficits na
educação universitária e do poder dos professores foram gatilhos para as revoltas. Embora a
Nova Esquerda usasse ferramentas marxistas da analise política e econômica, os partidos
comunistas e os países do socialismo real foram vistos como maquinas burocráticas
enferrujadas, impotentes para gerir transformações.

Priestland [2012, p. 206 p.] capta este clima cultural e suas divisões ideológicas:

Com a ascensão das "pessoas dos anos sessenta" - e a reação contra eles por conservadores
que apreciavam a disciplina social e os valores tradicionais - as divisões sobre a questão da
hierarquia social e da autoridade tornaram-se muito mais importantes. Os eleitores agora se
dividiram em quatro grandes grupos: a "Nova esquerda", tanto cética do mercado quanto
"libertária", na medida em que procuravam dissolver as hierarquias culturais e sociais (em vez
de econômicas); a ‘Velha esquerda’ anti-libertária, anti-mercado (mais comum entre os
remanescentes da classe trabalhadora industrial); o comerciante libertário, pró-mercado; e o
comerciante duro anti-libertário (mais comum entre os pequenos empresários e empregados
de colarinho branco no setor corporativo). E agora mais interessado no "libertarianismo" do
que na igualdade econômica, o criativo poderia seguir uma causa comum com o comerciante
suave. A antiga aliança socialista entre sábio e trabalhador, forjada no século XIX, estava
murchando, assim como a classe trabalhadora industrial estava em declínio. Uma elite
globalizada e educada estava se afastando do resto da sociedade. (...). Enquanto isso, as
qualidades comerciais suaves - tolerância, ligação em rede e conectividade, e a capacidade de
"vender" si mesmo combinada com a criatividade boêmia - tornaram-se cada vez mais na moda
entre todas as castas.
Embora a maioria dos analistas históricos da década de 1960 apontam para transformações
culturais profundas e duradouras dos movimentos estudantis nesta década, Wehler [2008,
Band 5, p. 310 pp.] mostra para Alemanha uma avaliação mais restritiva:

O movimento de protesto da década de 1968 foi superestimado como um fenômeno lendário.


Como ex-ativistas que fizeram sua carreira no mundo da mídia e reivindicaram o monopólio da
interpretação devido à experiência de seus participantes, tivessem surpreendentemente
sucesso em moldar a memória pública da ruptura em seus primeiros anos de vida. Desta forma,
em superestimação grandiosa, ‘68’ pode se tornar o 'mito da criação', que não somente
envolveu absolutamente tudo desejado novo pela esquerda na política e na cultura, mas
também conseguiu estilizar o 'movimento' em uma força motriz todo-importante. Além de
algumas exceções, essa explicação heroica é quase completamente errada. (...). Os anos 68
também mudaram o estilo de vida em algumas classes sociais ao longo do tempo, ao
484

questionar as normas estabelecidas e propagar novos comportamentos. Portanto não é


absurdo, apesar de admitir o ímpeto anticapitalista dos 68s, que eles podem ser entendidos
como "vanguarda involuntária” da sociedade capitalista de consumo, que eles levavam para
frente pelo seu hedonismo grosseiro e individualismo, sua inovação na publicidade e
extroversão, assim que seu fracasso político é ao mesmo tempo um sucesso da "revolução do
estilo de vida" que eles também incorporaram. Fosse este o efeito mais duradouro do 68,
certamente dos objetivos políticos originais permanecesse apenas uma única demanda: um
caminho livre para o desejo da individualização juntamente com um estilo de vida
despreocupado e do prazer do consumo.
Mas independentemente como fica a avaliação dos movimentos da década de 1960, as
décadas de 1980 e diante viviam sobre um clima cultural e ideológico diferente. Embora
Inglehart e Baker [2000., p. 22] em sua pesquisa sobre modernização, mudança cultural e a
persistência de valores tradicionais, não apontam para a crise da década de 1970 como
momento crítico, eles veem a mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade pós-
industrial como força motriz para as transformações culturais. Como sociedades pós-
industriais focam em serviços, as pessoas passam suas horas produtivas lidando com outras
pessoas e símbolos, educação e ambientes de trabalho inovativas exigem cada vez mais
autonomia, comunicação, e julgamento individual. Uma sociedade mais prospera também
facilita uma mudança dos valores materiais para valores pós-materiais como o bem-estar
individual subjetivo e a qualidade de vida. Em sua pesquisa empírica no nível global, embora
somente se referindo aos anos entre 1981 e 1998, eles [2000, p. 49] chegam a conclusão de
que:

A ascensão da sociedade pós-industrial traz uma mudança para valores de confiança,


tolerância, bem-estar e valores pós-materiais. O colapso econômico tende a impulsionar as
sociedades na direção oposta. (...). É improvável que a influência dos sistemas de valores
tradicionais desapareça, uma vez que os sistemas de crença exibem uma durabilidade e
resiliência notáveis.

v. A crise da dívida externa brasileira na década de 1980

A crise da dívida externa brasileira na década de 1980 foi a crise econômica mais seria do Brasil
seguindo o milagre brasileiro de crescimento acelerado nas décadas anteriores, pelo menos
visto pela perda do PIB per capita, embora a crise começando em fim 2014 ficasse perto deste
desastre. A Grande Depressão no Brasil também foi uma crise séria, mas a saída desta crise foi
mais rápida em primeiro lugar porque o default sobre a dívida externa facilitou politicas
econômicas mais expansionistas, como Ocampo [2013] afirma, comparando a crise da dívida
externa na América Latina com a Grande Depressão:

Essas duas crises são, no entanto, diferentes de várias maneiras. O da década de 1930 foi global
em escopo: seu epicentro foi os Estados Unidos e ela afetou fortemente a Europa. Em
contraste, a década de 1980 foi uma crise do mundo em desenvolvimento, maior em América
Latina e África. Além disso, a crise dos anos 1930 carecia de instituições para gerenciá-lo. Com
485

efeito, as instituições existentes, nomeadamente o padrão-ouro, colapsaram, e o sistema


financeiro internacional entrou em desordem total, e não sera reconstruído até a década de
1960. Em contraste, a crise dos anos 80 foi administrada sob uma arquitetura financeira
internacional elaborada (embora incompleta). Como vou argumentar aqui isso não era
necessariamente melhor, como foi inicialmente usado para apoiar um cartel de credores e
forçou a América Latina a adotar políticas macroeconômicas fortemente contracionistas. (...).
As medidas que foram adotadas foram, portanto, muito eficazes para evitar uma crise bancária
nos EUA, mas totalmente inadequada para lidar com a dívida latino-americana na crise. Além
do mais, devido à natureza assimétrica das negociações, os países latino-americanos acabaram
“nacionalizando” grandes parcelas da dívida externa privada.
Em contraste com isso, durante a década de 1930, a inadimplência da dívida externa provou ser
uma solução para a maioria dos países envolvidos, assim como em todas as crises anteriores da
dívida externa desde o início do século XIX. (...). Em comparação, durante a década de 1930, a
recessão inicial foi ainda mais forte, mas foi seguida de uma recuperação forte. A renovação do
crescimento foi baseada em uma mistura variável (de acordo com o país) de substituição de
importações de e fabricação de bens e expansão da demanda doméstica com base com
políticas macroeconômicas expansionistas que se tornaram possíveis por pelo default sobre a
dívida.
A crise da década de 1970 nos países centrais começando com o primeiro choque dos preços
de petróleo em 1973 chegava de forma mais séria no Brasil com o segundo choque dos preços
de petróleo em 1979 depois da revolução no Irã. No Brasil a década de 1980 foi chamada de
década perdida com toda razão. Observadores na década de 2010 comparam a crise da divida
externa na América Latina na década de 1980 com a crise da divida soberana na área do euro
na década de 2010. Os países em crise nos dois episódios tinham uma coisa em comum, uma
pesada divida em moeda estrangeira e com isto serviços pesados da divida (juros e
amortizações), embora na crise da dívida na área do euro a dívida foi em euro, a moeda
comum, mas o euro foi controlado pelo ECB (banco central europeu), não pelos bancos
centrais nacionais dos países em crise. O crescimento forte através do endividamento
acelerado em um ambiente de credito fácil e barato, mudou subitamente quando a percepção
dos credores muda e a liquidez nos mercados financeiros está secando, uma ruptura súbita do
financiamento externo. Na crise de 2010 credores públicos (UE, FMI, etc.) entravam na brecha,
mas forcando politicas duras de austeridade para os países devedores. Na crise da década de
1980 os países devedores programavam politicas de austeridade para criar superávits
comerciais para financiar importações e serviços da divida. Houve defaults temporários e
renegociações das dividas. Nas duas crises foram evitadas crises bancarias mais sérias nos
países centrais, na crise na década de 1980 as dividas foram com bancos dos Estados Unidos e
da Europa, na crise da década de 2010 foram os bônus dos países em crise na carteira dos
bancos de outros países, como França, Alemanha, Grã Bretanha, etc. A resolução das crises foi
diferente nos dois casos, mas a população dos países em crise sofreu muito mais do que os
bancos envolvidos. No processo do endividamento insustentável existem sempre dois lados
486

responsáveis, credores que negligenciam riscos e devedores que se endividam de forma


irresponsável.

O processo de endividamento dos países de América Latina é descrito por Ocampo [2013, p. 10
pp.]

O novo boom de financiamento externo para a América Latina foi parte de um movimento para
reconstruir o mercado internacional de capitais que se formou na década de 1960 (o “mercado
eurodólar”). A marca deste processo foi a competição entre um número crescente de bancos
anteriormente nacionais que começaram a fornecer financiamento em empréstimos
sindicalizados em geral a taxas de juros variáveis atreladas a taxa de interbancária de Londres
(Libor) de três ou seis meses (...). A reciclagem de petrodólares nesse mercado nos anos
seguintes deu-lhe um forte impulso que se refletiu no abundante financiamento recebido pela
região na segunda metade da década de 1970.
Depois do primeiro choque dos preços de petróleo em 1973 os depósitos de petrodólares nos
bancos dos países centrais aumentavam significativamente. Os bancos aumentavam seus
empréstimos a juros baixos, mas variáveis, para países do Sul sem prestar muita atenção nos
riscos envolvidos (dos países devedores e dos projetos financiados). Os países poderiam rolar
suas dívidas, e muitas vezes financiar também os juros, sem problemas. Nos tempos de juros
baixos os bancos concediam os créditos para os países do Sul sem se preocupar muito com o
risco. Com isto os países devedores tornavam se dependentes dos empréstimos novos e
quando com as políticas monetárias restritivas depois de 1979 as taxas de juros aumentavam
expressivamente e a liquidez nos mercados financeiros secou, rolagem e refinanciamento dos
juros tornaram-se impossível. É importante anotar que, diferentemente das crises das dívidas
na Grande Depressão da década de 1930 com as dívidas em primeiro lugar na forma de títulos
da dívida, na crise da década de 1980 as dívidas foram em primeiro lugar empréstimos dos
bancos comerciais e credores oficiais. O mercado de títulos da dívida facilita a renegociação da
dívida, porque o risco é distribuído mais amplamente entre diferentes credores, mas como
fator adverso os detentores dos títulos podem ser juntados mais dificilmente para uma
renegociação. No caso de créditos bancários uma renegociação pode tornar se mais difícil,
porque o risco e concentrado em certos bancos e um default levaria os bancos a insolvência. A
tabela a seguir mostra a situação de endividamento de países de América Latina e Ásia em
1982.

Tabela 108 Dívida total, razões dívida total/exportações juros e amortizações/exportações


1982 para países escolhidos de América Latina e Ásia

Juros e
Dívida Total (bilhões Dívida
amortizações/Exportações
US$) Total/Exportações (%)
(%)
América Latina
Argentina 43,6 447,3 50,0
487

Brasil 93,0 396,1 81,3


Chile 17,3 335,9 71,3
Colômbia 10,3 204,3 29,5
México 86,0 311,5 56,8
Peru 10,7 255,9 48,7
Venezuela 32,2 159,8 29,5
Ásia Leste e Leste Sul
Coreia do Sul 37,3 131,6 22,4
Filipinas 24,6 297,8 42,6
Indonésia 24,7 116,3 18,1
Malásia 13,4 93,4 10,7
Tailândia 12,2 130,0 20,6
Fonte: Cohn, 2013, p. 350

A tabela mostra que os países de América Latina estavam em uma situação muito mais
vulnerável do que os países da Ásia (com exceção das Filipinas) em relação à dívida externa em
1982 com elevadas razões dívida total/exportações juros e amortizações/exportações.

Foram fatores externos e internos que levavam os países atingidos para a crise da década de
1980. Os fatores externos mais importantes são: A mudança para uma politica monetária
expressivamente restritiva nos países centrais aumentando de forma extrema as taxas de juros
e secando a liquidez internacional; a recessão nos países centrais diminuindo a demanda pelas
commodities e seus preços, com exceção do petróleo, onde houve um aumento expressivo
dos preços. Fatores internos são: o endividamento expressivo na década de 1970 a juros
variáveis; fragilidades macroeconômicas; esgotamento do modelo de crescimento pela
substituição das importações. O gráfico a seguir mostra a aceleração da inflção na década de
1970, que levou ao gatilho da crise: uma politica monetária expressivamente retritiva nos
países centrais.
488

Gráfico 83 Taxa da inflação nos países centrais 1960 – 2013 e da taxa de inflação dos preços de
petróleo
Fonte: BLS, BP

O gatilho para a crise

O gatilho para a crise da década de 1980 na América Latina foi a politica monetária fortemente
restritiva nos Estados Unidos no ano 1979 (o choque Volcker) para combater a inflação
acelerada, impacto - em grande parte - dos choques dos preços de petróleo em 1973 e 1979
(revolução islâmica no Irã). Um fator decisivo que disparou a crise da dívida externa na
América Latina foi o aumento expressivo da taxa básica nos países centrais para combater a
inflação elevada dando inicio a um período de falta de liquidez internacional em conjunto com
o aumento expressivo do preço de petróleo aumentando para os países importadores a conta
das importações e levando a crises de balanço de pagamentos. O aumento das taxas de juros
tornou o serviço da dívida mais elevado para os países atingidos, a dívida contratada muitas
vezes a taxas de juros variáveis, e a política monetária expressivamente restritiva nos países
centrais secou a liquidez internacional. Como consequência a percepção do risco soberano dos
páises latino americanos pelos bancos internacionais mudou negativamente e fez impossível
rolar a dívida em vencimento. Em tempos da liquidez internacional abundante não somente a
rolagem da dívida em vencimento foi fácil, mas também o financiamento dos juros através de
empréstimos novos possível, o que acelerou o crescimento da dívida externa.
489

Um segundo efeito da política monetária expressivamente restritiva nos países centrais foi a
recessão profunda nos Estados Unidos e em outros países centrais entre 1979 e 1981. Com
isto a demanda por muitas commodities exportadas pelos países em desenvolvimento caiu e
os preços destas commodities entrarem em queda livre, com exceção dos preços de petróleo.
Isto levou a uma crise do balanço de pagamentos com o valor das exportações (e também em
menor grau do volume) em queda e o valor das importações em ascensão (para os países
importadores de petróleo). A falta de liquidez internacional e a recusa do FMI de conceder
empréstimos nesta situação levaram a moratória da dívida externa, por exemplo, em México
1982, e a mudanças expressivas da política econômica para aumentar exportações e diminuir
importações para resolver os problemas da restrição externa. O gráfico a seguir mostra a
politica monetária restritiva nos Estados Unidos [aumento da taxa básica] para combater a
inflação [taxa de inflação IPC], e a queda dos preços de commodities [da agricultura e dos
metais básicos] a contramão no aumento dos preços de petróleo [preço por barril em US$].

Gráfico 84 Taxa de inflação IPC Estados Unidos [% a.a.], Taxa básica Estados Unidos [% a.a.],
preço de petróleo [US$ por barril], Índice dos preços de commodities de metais básicos, e da
agricultura 1960 – 1996

Fonte: FRED, World Bank Data

Os fatores exógenos e endógenos para a crise são: os choques dos preços de petróleo de 1973
e 1979 forçando o Brasil para o financiamento através de mais empréstimos (reciclagem de
petrodólares), a inflação em ascensão nos países centrais desde o fim da década de 1960 e a
490

política monetária fortemente restritiva nos países centrais no fim da década de 1970
aumentando o custo das dívidas, consequência do endividamento exagerado de alguns países
em tempos de juros baixos e – como contrapartida – a concessão exagerada de crédito pelos
bancos nos países centrais. A crise da dívida externa na década de 1980 não foi somente uma
crise dos países de América Latina, outros países em desenvolvimento e no leste europeu, mas
também uma crise dos grandes bancos nos países centrais com empréstimos arriscados na
carteira que foram muito maiores do que o capital destes bancos.

O desenvolvimento internacional da crise da dívida externa

A crise da dívida externa dos países Latino-Americanos começou em agosto 1982 com o
default do México sobre sua dívida externa de US$ 78 bilhões, US$ 32 bilhões com bancos
comerciais (Cohn, 2013, p. 347). Cohn (2013, p. 347) também afirma que sinais anteriores de
uma possível crise foram ignorados, quando entre 1976 e 1980 houve renegociações da dívida
externa com Argentina, Peru, Serra Leone, Sudão, Togo e Zaire e a dívida externa dos países no
Sul aumentava seis vezes entre 1972 e 1981. Depois do default de México a crise da dívida
espalhou-se rapidamente para outros países e o Banco Mundial afirmou em 1983 que nos
últimos dois anos quase tantos países em desenvolvimento tinham de renegociar sua dívida
externa como nos vinte cinco anos anteriores, quando os bancos comerciais tentavam de
diminuir sua exposição nos países em desenvolvimento por causa do default de México (Cohn,
2013, p. 347). As causas da crise da dívida externa da década de 1980 são: em primeiro lugar
as mudanças inesperadas na economia global (choque de preços de petróleo, mudanças na
política monetária nos países centrais e como consequência a falta de liquidez no nível
internacional e uma recessão profunda entre 1979 e 1982, a queda dos preços de
commodities, com exceção do petróleo, para os países exportadores do Sul.), mas também
certa irresponsabilidade de emprestar dos credores e certa irresponsabilidade no
comportamento dos tomadores de empréstimos.

Alguns países do bloco soviético também estavam com sérios problemas da dívida externa na
década de 1980. Países do leste europeu endividavam se nos mercados financeiros
internacionais na década de 1970 para financiar investimentos industriais e o consumo para
diminuir a agitação de sua população. Os países do leste europeu experimentavam uma crise
da dívida externa em 1981 quando Polônia precisava renegociar sua dívida externa com
credores oficiais e privados porque suas exportações não foram suficientes para pagar os
serviços da dívida (Cohn, 2013 p. 366). Cohn (2013, p. 367) também mostra que entre 1981 e
1990 Polônia teve cinco renegociações com credores oficias e sete com os bancos comerciais
491

de sua dívida externa de US$ 22,1 bilhões em 1980. Os bancos comerciais reduziam a dívida de
Polônia em 45 % e aceitavam também uma redução substantiva da dívida privada de Bulgária.

A perspectiva brasileira da crise da dívida externa: fatores externos e internos

Uma tabela a seguir insere a década perdida para o Brasil em um período mais amplo e mostra
que a década de 1980 foi um período crítico para a economia brasileira, com as taxas médias
de crescimento em queda expressiva na da década perdida e depois. As décadas anteriores
foram décadas de crescimento médio elevado.

Tabela 109 Perspectivas macroeconômicas do Brasil nas décadas de 1960 até 2013
1960- 1970- 1980- 1990- 2000- 2010-
1969 1979 1989 1999 2009 2013
Deflator implícito PIB var. anual - % 43,2 32,8 228,7 329,5 8,2 6,9
PIB – var. real anual - % 6,1 8,7 2,9 1,6 3,3 3,4
Taxa crescimento população % 2,8 2,4 2,1 1,6 1,2 0,9
Taxa de investimento (% PIB) 16,1 21,4 22,2 18,2 16,9 18,8
Dívida pública bruta/PIB % 19,8 27,0 45,4 35,2 69,5 65,9
Dívida externa bruta/PIB % n.d 20,5 39,1 28,8 25,9 12,9
Exportações US$ bilhões 1,6 8,3 25,5 42,7 111,2 235,7
Importações US$ Bilhões 1,4 9,7 16,9 39,1 85,6 217,7
Saldo Balança Comerc. US$ bilhões 0,2 -1,5 8,6 3,7 25,6 18,0
% Import. Petróleo nas Import. 17,3 24,1 41,7 16,9 16,8 17,7
Reservas internacionais US$ Bilhões 0,4 5,8 8,0 35,9 96,1 343,1
Fonte: IPEADATA, BCB, World Bank, IMF
A tabela mostra a queda expressive do crescimento na década perdida e nas décadas
posteriores, justificando a caracterização da década de 1980 como um período crítico no
desenvolvimento brasileiro. A problemática dos choques dos preços de petróleo se reflete no
aumento da participação do petróleo nas importações brasileiras (diminuindo nas décadas
seguintes pelo aumento da produção nacional de petróleo) e no aumento da dívida externa. O
último fato se explica – em contramão da falta internacional de liquidez como consequência da
politica restritiva monetária nos EUA no fim de 1979 – pela criação de um emprestador
internacional de última instância (em primeiro lugar para evitar uma crise bancária nos países
centrais), como Devlin e French-Davis [1995, p. 129] explicam:

Depois do default de México em 1982 (...) uma forma de “emprestador internacional de última
instância” foi organizada rapidamente para estabilizar o sistema financeiro em meio da crise.
Este emprestador internacional de última instância foi consequência de medidas informais do
G7 (liderado pelos Estados Unidos), os maiores bancos credores, e organizações internacionais,
especialmente o FMI.
Os bancos concediam empréstimos involuntários para os países devedores para evitar um
default explicito e o FMI também entrando com parcos fundos, mas com condições de
492

programas duras de austeridade nos países devedores. Ocampo [2013, p. 18 p.] descreve este
processo da seguinte forma:

À medida que a perspectiva de falências bancárias de bancos superexpostos se aproximava em


todo o mundo e, em particular, nos EUA (a dívida da América Latina era equivalente a 180% do
capital dos nove maiores bancos dos EUA), os governos dos EUA e de outros países
industrializados faziam pressão sobre o FMI e bancos multilaterais de desenvolvimento para
correr para o resgate e começavam liberando quantidades maiores de empréstimos do que no
passado. Os fundos que eles fizeram disponíveis eram, no entanto, modestos em comparação
com a reviravolta em grande escala em transferências de recursos e também foram
acompanhados por um sistema “estrutural” de condicionalidades sem precedentes (que
assumiram a forma, na maioria dos casos, de reformas de mercado e ajustes fiscais
draconianos).
A crise e os ajustes fiscais tiveram impactos profundos sobre os países da América Latina e sua
população, aumentando desemprego, pobreza e conflitos sociais nos anos 1981 até 1984. A
tabela a seguir mostra os dados anuais para 1970 até 1989 a taxa do crescimento do PIB (e do
PIBpc), a taxa de desemprego, a taxa da pobreza, e da taxa de inflação.

Tabela 110 Brasil 1970 – 1989: a taxa do crescimento do PIB (e do PIBpc), a taxa de
desemprego, a taxa da pobreza, e da taxa de inflação (IGP-DI)

Taxa Taxa Taxa do


Taxa da Taxa de
Crescimento Crescimento desemprego
pobreza (%) inflação (%)
PIB (%) PIBpc (%) (%)
1970 10,4 7,5 19,3
1971 11,3 8,4 19,5
1972 11,9 9,1 15,7
1973 14,0 11,1 15,5
1974 8,2 5,5 34,5
1975 5,2 2,6 29,4
1976 10,3 7,6 42,1 46,3
1977 4,9 2,5 39,1 38,8
1978 5,0 2,5 42,7 40,8
1979 6,8 4,3 38,7 77,2
1980 9,2 6,8 110,2
1981 -4,3 -6,3 7,9 40,8 95,2
1982 0,8 -1,3 6,3 41,0 99,7
1983 -2,9 -5,0 6,7 48,7 211,0
1984 5,4 3,3 7,1 48,3 223,8
1985 7,9 5,7 5,3 42,0 235,1
1986 7,5 5,4 3,6 26,4 65,0
1987 3,5 1,6 3,7 38,7 415,8
1988 -0,1 -1,9 3,8 43,6 1037,6
1989 3,2 1,4 3,4 41,4 1782,9
Fonte: Ipeadata
493

Com a maxidesvalorização em 1983 a inflação subiu de um nível em vez de !00% a.a. para um
nível de 200% a.a. curtamente diminuído pelo Plano Cruzado em 1986 para explodir depois
mais rapidamente, também consequência pelo recurso dos governos de financiar déficits
fiscais através de emissão de moeda. Desemprego e pobreza também aumentavam
expressivamente com a recessão profunda de 1981/1983. O setor externo da economia
brasileiro sentiu primeiro o impacto da crise como a tabela a seguir relata.

Tabela 111 O lado externo da economia brasileira 1970 - 1989

Taxa de
Reservas
Desvalori- inflação Conta
internacio- Export. US$ Import. US$ Saldo BC
zação IPCA % (até Corrente US$
nais US$ bilhões Bilhões US$ bilhões
cambial (%) 1979 IGP- bilhões
bilhões
DI)
1970 12,7 19,3 1,2 2,7 2,5 0,2 -0,8
1971 15,1 19,5 1,7 2,9 3,2 -0,3 -1,6
1972 12,2 15,7 4,2 4,0 4,2 -0,2 -1,7
1973 3,2 15,5 6,4 6,2 6,2 0,0 -2,1
1974 10,5 34,5 5,3 8,0 12,6 -4,7 -7,5
1975 20,0 29,4 4,0 8,7 12,2 -3,5 -7,0
1976 31,3 46,3 6,5 10,1 12,4 -2,3 -6,4
1977 32,5 38,8 7,3 12,1 12,0 0,1 -4,8
1978 27,8 40,8 11,9 12,7 13,7 -1,0 -7,0
1979 49,1 77,2 9,7 15,2 18,1 -2,8 -10,7
1980 95,6 99,3 6,9 20,1 23,0 -2,8 -12,7
1981 76,7 95,6 7,5 23,3 22,1 1,2 -11,7
1982 92,8 104,8 4,0 20,2 19,4 0,8 -16,3
1983 221,4 164,0 4,6 21,9 15,4 6,5 -6,8
1984 220,3 215,3 12,0 27,0 13,9 13,1 0,1
1985 235,5 242,2 11,6 25,6 13,2 12,5 -0,2
1986 120,2 79,7 6,8 22,3 14,0 8,3 -5,3
1987 187,4 363,4 7,5 26,2 15,1 11,2 -1,4
1988 568,7 980,2 9,1 33,8 14,6 19,2 4,2
1989 980,1 1.972,9 9,7 34,4 18,3 16,1 1,0
Fonte: Ipeadata
As importações em valor aumentam expressivamente depois dos choques dos preços de
petróleo de 1973 e 1979, as exportações aumentam significativamente em 1984 depois da
maxidesvalorização em 1983, que também impulsionou a inflação interna, como pode ser visto
na tabela anterior. As politicas de austeridade reversam o saldo negativo da balança comercial
desde 1981, a desvalorização em 1983 conseguiu um superávit ainda mais expressivo,
necessário para tornar o saldo em conta corrente em 1984 pela primeira vez positivo. Os
choques dos preços de petróleo de 1973 e 1979 tornam as necessidades de financiamento
externo, representado pelo saldo da conta corrente, cada vez mais alto, a falta de liquidez
494

internacional depois de 1979 leva a diminuição das reservas internacionais do Brasil. O lado
financeiro da crise externa pode ser visto na tabela a seguir.

Tabela 112: Brasil 1970 – 1989 Conta corrente e Conta capital e financeira em US$ bilhoes
Conta Capital
Conta Investimento Investimento Outros Dívida
e Financeira
Corrente Direto em carteira Investimentos externa bruta
(CCF)
1970 -0,8 1,3 0,4 0,0 0,9 6,2
1971 -1,6 2,2 0,4 0,0 1,7 8,3
1972 -1,7 3,8 0,4 0,1 3,2 11,5
1973 -2,1 4,1 1,1 0,3 2,7 14,9
1974 -7,5 6,5 1,2 0,1 5,2 20,0
1975 -7,0 6,4 1,1 0,1 5,2 25,1
1976 -6,4 8,5 1,2 0,4 6,9 32,1
1977 -4,8 6,2 1,7 0,7 3,7 38,0
1978 -7,0 11,9 2,1 0,9 8,9 52,2
1979 -10,7 7,6 2,2 0,6 4,7 55,8
1980 -12,7 9,6 1,5 0,4 7,6 64,3
1981 -11,7 12,7 2,3 0,0 10,4 74,0
1982 -16,3 12,1 2,7 0,0 9,3 85,5
1983 -6,8 7,4 1,1 -0,3 6,6 93,7
1984 0,1 6,5 1,5 0,2 5,3 102,1
1985 -0,2 0,2 1,3 0,2 -0,9 105,2
1986 -5,3 1,4 0,2 0,2 1,7 111,2
1987 -1,4 3,3 1,0 0,2 2,7 121,2
1988 4,2 -2,1 2,6 0,2 -4,2 113,5
1989 1,0 0,6 0,6 0,2 0,4 115,5
Fonte: Ipeadata
Nos anos de 1979, 1980, e 1982 os financiamentos não cobram os déficits na conta corrente e
as reservas internacionais diminuem. Em 1981 e 1982 nos outros investimentos encontram-se
grandes empréstimos para a autoridade monetária (BCB), entre eles empréstimos do FMI, para
fechar as contas externas.

A situação macroeconômica e financeira do Brasil na crise da dívida externa da década de


1980, para o desenvolvimento depois da moratória de México em agosto de 1982, e o pedido
de ajuda pelo Brasil ao FMI em novembro deste ano foi resumida por Abreu (2008, p. 397 pp.):

Quando o general Joâo Figueiredo assumiu a presidência do Brasil por um período de seis anos
em março de 1979, as nuvens econômicas escureceram no início do segundo choque do
petróleo da década. Em contraste com o período após o choque do petróleo 1973-1974, as
taxas de juros nominais dos EUA aumentaram para picos acima de 15%. O Brasil estava em uma
posição especialmente vulnerável porque optou por contar com empréstimos estrangeiros
pesados para se ajustar ao primeiro choque de petróleo. Durante um breve período de
transição, as políticas de contração foram propostas pelo Ministro Henriques Simonsen,
Ministro das Finanças (1974-1979) e agora Ministro do Planejamento até agosto. Ele foi
sucedido como Ministro do Planejamento por Antônio Delfim Neto, Ministro das Finanças
1967-1974, que permaneceu no comando da política econômica até 1985. Desde meados de
1979 até meados de 1980, Delfim adotou políticas de fuite en avant com as quais ele tentou
495

repetir o sucesso que teve em 1967-1968. Essas políticas tentaram evitar contrariar a inflação
através da recessão ao quebrar as expectativas inflacionárias através do anúncio de uma meta
para a taxa de inflação. Esperava-se também que um alto nível sustentado de atividade
econômica ajudasse a reduzir os custos unitários de produção. Eles resultaram no que
Simonsen classificou como um "fracasso retumbante". O PIB aumentou 9,1 por cento em 1980,
mas a inflação aproximadamente dobrou para cerca de 100 por cento ao ano. Restrições de
balanço de pagamentos se apertavam. (...).
Até meados de 1984, a política econômica foi definida principalmente com o objetivo da
restrição externa. As reservas caíram US $ 3,3 bilhões em 1979 e mais US $ 3,5 bilhões em
1980. O déficit em conta corrente atingiu US $ 12,8 bilhões em 1980, apesar de um aumento
acentuado nas exportações. Depois de setembro de 1980, ficou claro que o capital estrangeiro
não estava convencido com a política de tentar estabelecer metas ex ante para a
desvalorização cambial e a inflação doméstica após setembro de 1979.
Os próximos anos seriam marcados por um compromisso oficial claro com as políticas
convencionais visando a demanda para controlar a inflação. Houve declarações recorrentes de
fé nas políticas ortodoxas apesar do fracasso consistente. As políticas adotadas incluíram: altas
taxas de juros, controle seletivo de crédito, cortes nas despesas governamentais e aperto
salarial através da interferência com as regras de indexação (para corrigir a inflação) de salários
além de certo limiar.
A adoção de políticas de contração e do aperto salarial levou a uma queda no nível de atividade
nos anos 1981-1983, especialmente acentuada em 1983, quando a produção industrial caiu em
mais de 10%. As políticas de contração foram mais bem-sucedidas na reversão do desequilíbrio
comercial que acompanhou o choque do petróleo. (...). Um déficit comercial de quase US $ 3
bilhões em 1979 e 1980 foi modestamente revertido em 1981 e 1982. As exportações
aumentaram rapidamente, depois de cair em 1982, mas a contração das importações
desempenhou um papel importante no ajuste do balanço de pagamentos em resposta à
desvalorização cambial e controles de importação.
Entre 1983 e 1985, o Brasil assinou pelo menos sete cartas de intenção, uma vez que as
condições alteradas tiveram impacto nas condicionalidades acordadas.
O ano de 1980 pode ser visto como um momento crítico no desenvolvimento brasileiro, como
Abreu (2008, p.395) afirma um período de crescimento do PIB extreordinário com taxas de
crescimento do PIB per capita médio de 3,7 ao ano por cinquenta anos (1930-1980) acabou,
com o crescimento mais forte no período de 1967 – 1973, depois de uma curta recuperação
forte da recessão de 1981-1983 com taxa média de crescimento do PIB de 7% em 1984/1985 o
crescimento do PIB ficava medíocre para mais de duas décadas.

Na próxima parte encontra-se uma avaliaçãodo processo de endividamento externo do Brasil e


da renegociação da dívida externa brasileira depois da década perdida. .

A dívida externa brasileira e sua renegociação seguindo a crise

A perspectiva da história em longo prazo da dívida externa brasileira é descrita em uma


publicação do Tesouro Nacional (2009, p. 49): “De fato, o longo período de estabilidade e
gradativo endividamento externo, vivido principalmente a partir da década de 1840, foi
interrompido temporariamente no início da República. Seguidas crises de balanço de
pagamentos a partir da década de 1890 foram determinantes nesse período da história da
dívida externa brasileira, marcado por uma sucessão de empréstimos de consolidação
496

(‘funding loans’), em 1898, 1914 e 1931. Embora as portas para a retomada do endividamento
externo no médio prazo tenham sido abertas após os dois primeiros empréstimos de
consolidação, o último significou apenas o início de uma longa sequência de negociações até o
acordo permanente da dívida externa de 1943. O Brasil ficaria, a partir daí, ausente dos
mercados financeiros privados por um longo período, ou seja, até o início do segundo ciclo do
endividamento, em meados da década de 1960.”

A história mais recente da dívida externa brasileira é descrita na mesma fonte [2009, p.69] da
seguinte forma: “Assim como as políticas de administração da dívida interna responderam aos
eventos macroeconômicos domésticos, os eventos sobre a dívida externa foram reflexo dos
fatos ocorridos na economia internacional, a qual experimentou várias fases distintas dos anos
1960 até hoje. De 1964 até o primeiro choque do petróleo, em 1973, e mesmo após este, a
economia internacional vivia uma fase de liquidez abundante, o que propiciou a continuação
do endividamento externo. Entretanto, em 1979, com o segundo choque do petróleo, as taxas
de juros internacionais elevaram-se abruptamente, gerando escassez de recursos externos, o
que acabou por acarretar a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento, no início
dos anos 1980. A partir desse momento, várias foram as tentativas de solucionar a questão do
endividamento externo desses países, passando pela tentativa frustrada do Plano Baker, pelo
bem-sucedido Plano Brady, chegando à situação recente de emissão regular de títulos
soberanos no mercado internacional de capitais e à construção da curva externa em reais.”

O tesouro nacional resume sua história da dívida externa brasileira de seguinte forma (2009,
p.69 p.); “Dessa forma, é possível subdividir a história da dívida externa brasileira nesses anos
em quatro fases: 1) de 1964 até o final da década seguinte, período de forte acumulação da
dívida, tendo em vista o crescimento do país, até culminar com os choques do petróleo; 2) os
anos 1980, com a sucessão de tentativas buscando corrigir os desequilíbrios construídos com
base na política anterior, até chegar ao Plano Brady, no início dos anos 1990; 3) a fase
seguinte, com a volta das emissões soberanas, em 1995, e a relativa tranquilidade na
administração do passivo externo, a despeito das crises internacionais enfrentadas a partir da
segunda metade da década de 1990; e 4) a nova política de emissões qualitativas a partir de
2006”.

Na medida em que o aumento nos preços do petróleo não reduziu a liquidez internacionalem
1973 e diante – tendo em vista que a transferência dos recursos para os países exportadores
de petróleo acarretou depósitos nos bancos europeus e norte-americanos–, estes continuaram
com abundância de recursos para emprestar aos países em desenvolvimento (processo
conhecido como “reciclagem dos petrodólares”). Dessa forma, o período entre 1974 e 1980
497

experimentou uma acumulação ainda maior da dívida externa, que iria desembocar na crise da
dívida no início da década seguinte. Vale mencionar que nesse mesmo período (1974 a 1980) o
país presenciou um aumento da participação da dívida pública no total da dívida externa, cujo
percentual passou de cerca de 50% para quase 70%”.

Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 7) definem uma renegociação/reestruturação da dívida


soberana da seguinte forma: “uma reestruturação da dívida soberana pode ser definida como
troca de títulos de dívida soberana em circulação, como empréstimos ou títulos, para novos
instrumentos de dívida ou dinheiro através de um processo legal. Dívida soberana, aqui,
refere-se a uma dívida emitida ou garantida pelo governo de um Estado soberano.” Eles
reconhecem duas formas de reestruturação da dívida, reescalonamento da dívida (‘Debt
rescheduling’), onde os vencimentos dos pagamentos são adiados, possivelmente também
envolvendo taxas mais baixas de juros, e uma redução da dívida, implicando uma redução do
valor da face dos títulos originais. O reescalonamento da dívida implica também um alívio da
dívida, porque desloca pagamentos contratuais para o futuro (diminuindo o valor presente da
dívida). Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 7) afirmam que uma redução da dívida é menos
comum, desde 1950 [até 2010] 57 reestrurações implicavam uma diminuição do valor de face,
emquanto 129 foram reescalonamentos puros. Mas os dois tipos implicam um ‘haircut’, uma
diminuição do valor presente para o credor. Outra categoria é recompras da dívida (26 casos),
onde a dívida pendente é recomprada com moeda, muitas vezes com um desconto. Das,
Papaioannou e Trebesch (2012, p. 7) analisam somente casos de reestruturação de dívida aflita
(‘distressed’), onde há termos mais desfavoráveis do que os termos da dívida (título ou
empréstimo) original. Eles [2012, p.8] advertam também que os conceitos de default e
reestruturação são diferentes, embora intimamente ligados: um default é a falha de um
governo de pagar amortização e/ou juros no tempo devido (contratual), uma parada completa
de todos os pagamentos com os credores é chamada moratória. De forma geral um default é
seguido por uma reestruturação da dívida, mas existe a possibilidade de que governos perdem
pagamentos temporariamente eventualmente reembolsados sem reestruturação da dívida.

Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 9 p.) calculam o haircut H para um país i que sai do
default em período t e enfrenta uma taxa de juros rti como o valor presente da nova dívida a)
dividido pelo valor de face da velha dívida, ou, b) dividido pelo valor presente da velha dívida,
onde eles preferem a segunda definição do haircut. Eles advertem também que a escolha da
taxa de desconto r é decisva para o calculo do haircut, mas de certa forma arbitrária. Existem
diferentes propostas para a determinação da taxa de desconto r [ver Das, Papaioannou e
Trebesch (2012) p. 10].
498

Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 14) mostram também diferentes formas de


renegociação das dívidas soberanas dependendo de diferentes credores, como o quadro
seguinte mostra.

Quadro 5 Reestruturação da dívida soberan por tipo de credor

Multilaterais
Bancos Detentores de Bilaterais Credores
Credor (FMI, Banco
comerciais bônus (Governos) comerciais
Mundial)
Tratamento
Clube de preferencial;
Reestruturação Londrês Ofertas de Reestruturação
Clube de Paris Ad hoc
por (Comitees de trocas somente para
credores) os países mais
pobres
Fonte: Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 14)

As reestruturações de dívidas externas na crise da dívida da década de 1980 – em grande parte


– renegociadas pelo Plano Brady, one os elementos centrais do plano foram [Das,
Papaioannou e Trebesch (2012, p. 18) ]:

• Troca de empréstimos bancários por títulos da dívida soberana (Bônus Brady);


• Oferta de um cardápio de opções ente diferentes instrumentos para os credores;
• Capitalização de pagamentos de juros em atraso, parcialemente perdoados.

No total 17 acordos foram implementados país por país, começando com México em setembro
de 1989 e terminando com Costa de Marfim e Vietnã em 1997, terminando um período longo
de renegociações das dívidas [Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 18) ].

Os valores da dívida brasileira reestruturada com credores privados e os ‘haircuts’ do mercado


encontram-se na próxima tabela:

Tabela 113 Dívida brasileira reestruturada com credores privados 1980 - 1994
Dívida reestrurada Haircut de Redução de
Data Taxa de desconto Plano Brady
US$ milhões mercado valor de face
02 / 1983 4.452 9,3% -9,8% 0,0%
01 / 1984 4.846 14,1% 3,5% 0,0%
09 / 1986 6.671 12,8% 19,2% 0,0%
11 / 1988 62.100 14,2% 22,8% 0,0%
11 / 1992 9.167 13,3% 27,0% 0,0%
04 / 1994 43.257 11,8% 38,9% 9,1% Plano Brady
Fonte: https://sites.google.com/site/christophtrebesch/data
Das, Papaioannou e Trebesch (2012, p. 99 p.) apontam ainda para reestruturações de dívidas
brasileiras com o Clube de Paris nas décadas de 1980 e 1990, a última em 1992 com um valor
de 10,4 bilhões de US$.
499

Em uma publicação do Tesouro Nacional (2009, p. 73 pp.) a história da moratória de Brasil em


1987 e o processo de renegociação da dívida externa são contados na perspectiva do Brasil:

Após intensos debates entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda, em 30 de fevereiro de


1987 o governo brasileiro promoveu, enfim, a moratória da dívida externa, ao suspender os
pagamentos de juros sobre a dívida de médio e longo prazos, argumentando que a questão do
endividamento externo não era exclusivamente econômica, mas tinha também um
componente político. Essa medida não solucionou os problemas de balanço de pagamentos do
país, mas, ao contrário, contribuiu para o enfraquecimento da equipe econômica, que em abril
do mesmo ano foi substituída, assumindo como ministro da Fazenda Bresser Pereira, no lugar
de Dilson Funaro.
A nova equipe buscou uma solução negociada para a crise. Em setembro de 1988, foi assinado
acordo pondo fim à moratória, o qual previa a entrada de dinheiro novo (US$ 5,2 bilhões), o
reescalonamento de algumas obrigações de médio e longo prazos, a manutenção das linhas de
crédito de curto prazo e a troca de US$ 1,05 bilhão de dívida antiga por títulos (Brazil
Investment Bond Exchange Agreement). Apesar disso, por incapacidade de pagamento, ao final
de 1988 e em julho de 1989 o país deixou de honrar compromissos externos (sendo uma
moratória de fato, porém não declarada).
Nesse contexto internacional, Fernando Collor assumia, em 15 de março de 1990, a Presidência
da República, advogando uma política liberalizante, o que tornava fundamental a retomada das
linhas de crédito ao país. Assim, em outubro daquele ano, o Brasil iniciava novas negociações
com a comunidade financeira internacional visando à regularização da situação creditícia do
país.
Em 8 de abril de 1991, firmou-se acordo de princípios referente à regularização dos juros
devidos e não remetidos. Parcela desses recursos foi remetida em dinheiro, e outra parcela
(US$ 7 bilhões) foi trocada por um novo título, emitido pelo governo brasileiro (Interest Due
and Unpaid – IDU Bonds) em 20 de novembro de 1992. (...).
As negociações prosseguiram e, em 9 de julho de 1992 foi firmado novo acordo de princípios,
que ficou conhecido como o Plano Brasileiro de Financiamento de 1992, tendo sido aprovado
pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 98, de 29 de dezembro de 1992. (...). Em
novembro do mesmo ano, foram firmados diversos contratos com os credores.
A emissão dos Bradies brasileiros (Discount Bonds, Par Bonds, Front-Loaded Interest Reduction
Bonds, Capitalization Bond, Debt Conversion Bonds, New Money Bonds e Eligible Interest
Bonds) ocorreu em 15 de abril de 1994, após finalizada a conciliação dos valores e a distribuição
dos títulos entre os credores. (...).
A existência de títulos brasileiros livremente negociados no mercado internacional, situação
propiciada pelo Plano Brady, criou as bases para o novo modelo de endividamento assumido
pelo país e que vigora até hoje. (...).
Dessa forma – e tendo o cenário doméstico como pano de fundo –, com o advento do Plano
Real em 1994 e sua “âncora” via taxa de câmbio, era essencial que houvesse influxo de capitais
para o Brasil. Inicia-se então uma nova fase de endividamento externo do país baseada na
captação de recursos externos por meio da emissão de títulos no mercado internacional. Nesse
novo contexto, é possível ao país escolher a melhor combinação de prazos e custos possíveis e
ainda qual o mercado em que deseja fazer a captação.
O texto deixa claro que a mudança da politica brasileira adotando propostas da agenda
neoliberal do Consenso de Washington começando no governo Collor [“advogando uma
política liberalizante, o que tornava fundamental a retomada das linhas de crédito ao país”] foi
também parcialmente consequência da crise da dívida externa da década de 1980 e das
500

pressões do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial que foram os advogados mais
fortes das medidas do Consenso de Washington e sua agenda neoliberal.

vi. Transformações no Brasil como impacto da crise da divida externa

Obviamente a transformação mais importante na década de 1980 no Brasil foi o retorno a um


regime democrático depois de mais de vinte anos de ditadura militar, embora a crise da dívida
externa fosse somente um dos fatores que explicam esta transformação politica. Pressões da
sociedade civil brasileira, mudanças politicas no ambiente internacional, como a ascensão de
Carter a presidência dos Estados Unidos em 1977 com uma agenda internacional de direitos
humanos, as greves trabalhistas amplas no fim da década de 1970 e as tentativas de uma
corrente da linha menos dura nas lideranças militares depois da ascensão de Geisel para a
presidência brasileira de voltar lentamente e de forma controlada para estruturas
democráticas foram somente alguns fatores que levavam para esta transformação profunda
da sociedade brasileira.

Uma segunda transformação importante nas décadas 1980 e diante foi a introdução parcial da
proposta da agenda neoliberal, focando nas medidas para alcançar uma estabilização
macreoeconômica (em primeiro lugar no combate da inflação e na estabilização das contas
públicas), na abertura da economia, na privatização de parte das empresas estatais, e na
desregulamentação dos mercados, com isto parcialmente abandonando as politicas do
desenvolvimentismo pelo Estado e as politicas de industrialização pela substituição das
importações.

Transformações politicas

As transformações politicas, econômicas, e ideológicas depois da crise da dívida externa da


década de 1980 somente podem ser entendidas depois um curto resumo sobre o golpe militar
de 1964 e o período de mais de 20 anos de ditadura militar.

Gaspari em seus cinco livros sobre a ditadura militar em Brasil (2014 e 2016) caracteriza cinco
diferentes períodos (2016, posição 281 pp.):

(...) do amanhecer do regime (A ditadura envergonhada), da sua radicalização (A ditadura


escancarada), do início da abertura política (A ditadura derrotada) e do seu declínio (A ditadura
encurralada). Este volume, o último, trata do seu final [sob o título: A ditadura acabada]. Nele,
vão contadas duas histórias. Uma, a dos últimos catorze meses do governo de Ernesto Geisel,
do dia seguinte à demissão do ministro do Exército, general Sylvio Frota, em outubro de 1977, a
março de 1979, quando a Presidência foi entregue a Figueiredo. Na outra, tratarei do governo
de Figueiredo com suas três explosões: a da bancarrota econômica, que começou em 1979; a
501

do Riocentro, de 1981; e a da rua, com a campanha das Diretas Já, iniciada dois anos depois.
Finalmente, com seu grande final, a construção da candidatura de Tancredo Neves e sua
eleição para a Presidência da República.
O primeiro período de 1964 até 1968 (com o presidente Castello Branco e o início da
presidência de Costa e Silva), o segundo período vem de 1968 até 1974 (sob os presidentes
Costa e Silva e Médici, os anos de chumbo depois do Ato Institucional 5, mas também do
milagre econômico),o terceiro e quarto período vem de 1975 até 1977 (sob a presidência de
Geisel com as primeiras tentativas da abertura política) e o quinto período de 1978 até 1985
(sob a presidência de Geisel até 1979 a da presidência de Figueiredo, levando ao retorno à
democracia em 1985).

Abreu (2014) faz a periodização dos anos da ditatura militar até 1984 com perspectiva
econômica da seguinte forma:

Estabilização e reforma, 1964-1967


A retomada do crescimento e as distorções do “milagre”, 1967-1974
Crise e esperança, 1974-1980
Ajuste externo e desequilíbrio interno, 1980-1984
Obviamente na perspectiva dos impactos transformadores da crise da dívida externa da
década de 1980 o foco deve ser nesta crise, mas, para entender melhor a transformação fica
também importante resumir os tempos anteriores e o ambiente internacional.

O golpe militar de março de 1964 tinha a intenção de tirar o presidente Goulart do poder, visto
pela direita e pelo governo norte-americano como esquerdista que tentava levar o país para
experimentos esquerdistas em direção ao socialismo. Em 1964 a situação econômica e política
do país estava tensa, Bethell [2014, p. 144] descreve a direção das reformas básicas que o
governo Goulart tentava introduzir enfrentando forte resistência das elites brasileiras:

Esta agenda de reforma básica pode incluir os seguintes elementos: uma melhoria significativa
nas condições de vida e trabalho dos trabalhadores urbanos, não sindicalizados e
sindicalizados; reforma política, incluindo a extensão do sufrágio aos soldados e marinheiros e,
o mais importante, aos analfabetos (predominantemente rurais) e à legalização do Partido
Comunista Brasileiro (PCB); a extensão da legislação trabalhista e do bem-estar social existente
aos trabalhadores rurais; e, finalmente, e mais controversa, a reforma agrária: a redistribuição
de terras improdutivas com compensação em títulos do governo em vez de dinheiro (o que
exigiria uma emenda constitucional).
A situação econômica também estava piorando como Gasperi afirma [2014 volume 1. Posição
867 pp.]:

Os investimentos estrangeiros haviam caído à metade. A inflação fora de 50% em 1962 para
75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a
maior do século. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma
contração na renda per capita dos brasileiros. As greves duplicaram, de 154 em 1962, para 302
em 1963.18 O governo gastava demais e arrecadava de menos, acumulando um déficit de 504
bilhões de cruzeiros, o equivalente a mais de um terço do total das despesas.
502

Embora o papel do governo norte-americano seja controverso, Bethell [2014, p. 152] reflete
da seguinte forma sobre este assunto:

No contexto da Guerra Fria, da Revolução Cubana e do seu possível impacto no resto do


Hemisfério Ocidental, a administração Kennedy, que chegou ao poder em janeiro de 1961,
estava preocupada com a evolução política no Brasil desde o início: primeiro, a política externa
independente e o apoio aberto a Cuba do presidente Quadros (ao mesmo tempo em que
Kennedy foi eleito), a renúncia de Quadros que trouxe ao poder Goulart, um homem
considerado profundamente antiamericano e, ao contrário de Quadros, um homem da
esquerda.
Ao mesmo tempo, a CIA começou a se concentrar na necessidade de desestabilizar um regime
que considerava fundamentalmente hostil aos interesses dos EUA. Através da IBAD deu algum
apoio financeiro à oposição, principalmente políticos da UDN, nas eleições no Congresso de
outubro de 1962 - US $ 5 milhões (disse Gordon), US $ 20 milhões (disse o antigo espião da CIA,
Philip Agee). A maioria dos empréstimos da Alliance for Progress/AID foram concedidos a
estados com governadores anti-Goulart.
[p. 158] A CIA deve ser autorizada a participar de operações secretas. A força-tarefa da
Operação Brother Sam deve ser enviada e deve incluir armas e munições, embora não tropas.
The Cambridge History of the Cold War [2010, Volume 3, p. 451] também afirma está posição
geral dos Estados Unidos depois da revolução cubana:

Os Estados Unidos pressionaram ativamente para a criação de redes de contra insurgências


nacionais e latino-americanas, especialmente após a revolução cubana de 1959. Isso contribuiu
para o estabelecimento de regimes repressivos em todo o continente, incluindo o Brasil em
1964, o Chile e o Uruguai em 1973, a Argentina em 1976 e El Salvador no final da década de
1970. Na década de 1960, a US Army School of the Americas trabalhou com as forças de
segurança latino-americanas para "defender contra a subversão comunista". Seus manuais, em
uso até 1991, sancionaram espancamentos, tortura e execuções. As violações dos direitos
humanos na Argentina e no Chile chegaram a um pico durante as eras dos presidentes Richard
M. Nixon e Gerald R. Ford, mas o secretário de Estado Henry Kissinger se recusou a dar
prioridade.
Skidmore [2000, p. 215] resume o golpe militar da seguinte forma:

Como se dava tão frequentemente na história brasileira (1889, 1930, 1937, 1945), o confronto
político civil foi abreviado por um golpe de Estado militar, organizado por muitos dos mesmos
oficiais que haviam forçado a deposição de Getúlio em 1954 e se oposto á posse de Jango em
1961. A intenção era acabar com a presidência de Jango e, com ela, a era de Getúlio Vargas.
Bethell e Castro [2014, p. 165] resumem o golpe militar:

O golpe militar (...) de 31 de março de 1964 que derrubou o governo legalmente constituído do
presidente João Goulart fez uso de uma boa dose de retórica democrática: um dos principais
objetivos do que os instigadores do golpe chamavam de "Revolução "de 1964”, além de acabar
com o "caos, corrupção e comunismo" da administração Goulart e restabelecer a disciplina e o
respeito pela hierarquia nas Forças Armadas, foi a eliminação da ameaça, como eles viram, de
que a administração Goulart colocava no Brasil democrática. O golpe foi, neste sentido, um
contragolpe para a democracia. No entanto, após o golpe, por meio de uma série de chamados
Atos Institucionais (...), atos complementares, uma nova Constituição, uma Constituição
revisada, alterações constitucionais (...), o regime militar estabelecido em abril de 1964, sem
destruí-los completamente, estava radicalmente remodelando e minando severamente as
instituições democráticas, embora limitadas e imperfeitas, estabelecidas no Brasil no final da
Segunda Guerra Mundial.
503

Eles depois apontam para o Ato institucional 5 de 1969, que definitivamente estabeleceu a
ditadura e acabou com os direitos constitucionais, começavam torturas e repressões, que
tornavam se cada vez mais frequentes nos anos de chumbo de 1969 até 1974.

Como a ditadura militar tentou gerar certa legitimação popular pelo sucesso econômico do
milagre brasileiro de 1967 até 1973, e do crescimento elevado no período até 1981, a crise de
1981-1983 trazia um fim para esta forma de legitimação, embora também a crescente força
dos movimentos populares, das organizações da sociedade civil, e dos políticos
oposiocionistas, impulsionava o retorna para a democracia. Embora o milagre econômico
brasileiro conseguisse levantar a renda média em todas as camadas, a desigualdade de renda e
riqueza aumentou. A repressão dos sindicatos trabalhistas, o arrocho salarial, e a inflação
crescente depois dos choques dos preços de petróleo favoreciam as elites.

Crises como a crise da dívida externa da década de 1980 exigem novos pensamentos, novas
estratégias, e novas ideologias para superar a crise. Mas, obviamente não somente a crise da
década de 1980 foi responsável pelas transformações politicas e econômicas, outros fatores,
como o novo sindicalismo com suas greves no fim da década de 1970 e a pressão da sociedade
civil levavam os militares de volta a suas casernas. Não é possível fazer aqui uma narrativa de
todos os passos que levavam as transformações politicas no Brasil em direção para o retorno à
democracia e para instituições politicas novas, como, por exemplo, a nova constituição de
1988.

O momento crítico da mudança politica aconteceu em 15 de março de 1985, Bethell e Nicolau


[2014, p. 231] resumem este passo:

15 de março de 1985 testemunhou uma transição pacífica para o governo civil no Brasil
(embora ainda não seja uma democracia de pleno direito) após vinte e um anos de governo
militar. Uma transicão negociada foi efetuada, o resultado das negociações entre a elite política
e o alto comando militar para facilitar a transferência de poder - sem ruptura - da última das
cinco sucessivas presidentes militares desde 1964 a um presidente civil moderado e
conservador aceitável para os militares. No entanto, Tancredo Neves, o político eleito, embora
indiretamente eleito, o presidente em 1985 nunca assumiu o cargo devido a uma doença grave
na véspera de sua inauguração (da qual ele nunca se recuperou). Foi o vice-presidente eleito,
José Sarney, que se tornou o primeiro presidente civil do Brasil em mais de duas décadas.
Pontos importantes nesta transformação politica foram a crise da década de 1980, retirando a
legitimação econômica do regime militar, a fraqueza do partido do governo militar ARENA/PDS
de ganhar eleições contra a oposição da MDB/PMDB, as greves amplas no estado de São Paulo
no fim da década de 1970, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e as
pressões de organizações da sociedade civil para uma mudança democrática, com seu apogeu
nos movimentos de massa diretas já em 1983-1984 (para uma eleição direta do presidente em
504

1985, embora falhasse para alcançar este objetivo), mostrou a força dos movimentos
populares.

No ano 1985 o congresso aprovou uma emenda Constitucional garantindo o direito de votar
para os analfabetos, eleições para municípios e estados foram programados para novembro de
1985, e, entre outras disposições, o Partido Comunista Brasileira (PCB), fundado em 1922, e o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fundado em 1962, foram legalizados. Uma nova
Constituição foi aprovada e promulgada em 1988. Em 1989 no segundo turno por eleições
diretas o presidente Collor foi eleito e assumiu o poder em 1990, mas este já uma história a ser
narrada num capítulo posterior.

Transformações econômicas e ideológicas

As transformações econômicas e ideológicas depois da crise da década de 1980 são aqui


consideradas em conjunto, porque as transformações nas politicas econômicas, estabilidade
macroeconômica, abertura, privatização, e desregumentação, foram acompanhadas e
legitimadas pela ascensão da agenda da ideologia neoliberal no mundo do capitalismo global,
e especificamente na América Latina pelo consenso de Washington do fim da década de 1980.
Uma crise como a da década de 1980 desafia a confiança dos jogadores sociais nas regras
estabelecidas e nas instituições presentes. Para superar a crise são necessários novos
conceitos, novas ideologias e novas estratégias. Uma crise – como a da década de 1970 nos
países centrais e a da dívida externa na década de 1980 nos países da América Latina (e parte
do mundo do socialismo burocrático) - pode levar a novas soluções como a agenda neoliberal,
porque a falha de enfrentar uma crise profunda pode levar a um processo de decadência
(como no mundo do socialismo burocrático). Mas, nem sempre as novas estratégias e
ideologias mostram sucessos e muitas vezes eles criam novos problemas, consequências não
intencionais das ações humanas.

A transformação econômica e ideológica mais importante seguindo a crise da dívida externa


da década de 1980 foi a mudança de uma estratégia de desenvolvimento pelo Estado através
da industrialização pela substituição das importações por uma estratégia da abertura maior da
economia brasileira e da retirada parcial e prolongada do Estado no gerenciamento da
economia. As politicas de abertura, estabilização da economia (com foco na inflação e nos
problemas fiscais), privatização, e desregulamentação seguia as receitas da agenda neoliberal
do Consenso de Washington. Como as estratégias da agenda neoliberal já foram amplamente
discutidas anteriormente, aqui são somente discutidas as medidas de implementar
parcialmente estas receitas na economia brasileira.
505

Abreu [2008, p. 397] caracteriza as transformações econômicas no governo Sarney da seguinte


forma: “A maioria dos esforços do governo civil de José Sarney (1985-1990) centraram-se nas
tentativas fracassadas de retornar à estabilidade de preços, mas também houve movimentos
iniciais no final da década de 1980 visando o desmantelamento da proteção [externa da
economia brasileira, visando uma abertura maior] e da redução das ineficiências relacionado
ao tamanho excessivo do Estado.” Por esta razão o período do governo Sarney não se
encontra no quadro a seguir onde são resumidas as tentativas de transformação da economia
brasileira em direção da agenda neoliberal nos governos de Collor/Franco e nos governos de
Cardoso, desconsiderando ajustes monetários e fiscais discricionários menores. Uma análise
um pouco mais profunda destes programas se encontra nos capítulos a seguir. É necessário
acrescentar que os programas sociais introduzidos nos governos Cardoso, ampliados de forma
expressiva nos governos de Lula e Rousseff, podem ser vistos como medidas para diminuir a
desigualdade profunda de renda e riqueza no Brasil e amenizar os efeitos sociais adversos dos
programas neoliberais. O aumento dos assentamentos para trabalhadores rurais no governo
Cardoso, como impacto das lutas do movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (MST) e
inspiradas pelas ideias de uma reforma agrária mais ampla, também não se encaixa na agenda
neoliberal. Somente privatização e abertura da economia neste sentido podem ser vistas como
projetos neoliberais, porque a estabilização macroeconômica, com foco no combate da
inflação e nos controles fiscais será um objetivo de governos de todas as colorações
ideológicas.

Quadro 6: Tentativas de transformação da economia brasileira em direção da agenda


neoliberal

Governos Collor/Franco Governos Cardoso


1990 - 1994 1995 - 2002
1990/1991 Planos Collor de 1995 Programa de Estímulo à
combate a inflação Reestruturação e ao Fortalecimento
1994 Fundo Social de Emergência do Sistema Financeiro Nacional
(FSE) e criação de CPMF para PROER
Políticas de estabilização controle fiscal 1998 Reforma (parcial) da
1994 Plano Real sob minístro da Previdência
Fazenda Cardoso 1999 Metas de inflação
2000 Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) – controle fiscal dos gastos
Privatizações principalmente nos Privatizações principalmente no
setores de siderurgia, petroquímica setor de serviços públicos de
Privatização
e de fertilizantes energia e telecomunicações, bancos
estatais (dos Estados)
Mudanças no comércio exterior, Liberação parcial do comércio
Abertura liberalização da politica das exterior e da conta capital
importações 1999 Regime de câmbio flexivel
Fim dos monopólios estatais nos
setores de petróleo e
Desregulamentação
telecomunicações
Desregulamentação parcial e
506

regulação nova de preços nos


setores privatizados
Fonte: Autor

The Oxford Handbook of Political Ideologies [2013, posição 496 pp.] resume as mudanças
ideologicas depois da crise da dívida externa na América Latina da seguinte forma:

A década de 1990 foi marcada pelo surgimento de um novo tipo de figura populista, que seguiu
uma abordagem econômica neoliberal. Presidentes como Fernando Collor de Mello no Brasil
(1990-92), Alberto Fujimori no Peru (1990-2000) e Carlos Menem na Argentina (1989-99)
empregaram uma ideologia populista e programaram reformas a favor do mercado livre, com o
objetivo de controlar a inflação e gerar crescimento (Weyland, 1996). Em contraste, o
populismo contemporâneo na América Latina critica o neoliberalismo e favorece um maior
envolvimento do Estado na economia. É por isso que presidentes populistas como Evo Morales
na Bolívia (desde 2006) e Hugo Chávez na Venezuela (1998-2013) afirmam serem líderes
"socialistas". No entanto, como revela esta breve revisão das diferentes manifestações do
populismo latino-americano, estas últimas podem ter abordagens econômicas muito diferentes
e, conseqüentemente, não faz sentido definir o populismo com base em um conjunto
específico de políticas econômicas e / ou sociais.
Neste contexto o conceito do populismo precisa ser visto como um conceito controverso na
discussão politica e ideológica, porque sempre é usado com o sabor negativo de descrever
promessas econômicas e sociais que não podem ser compridas na opinião dos expertos. Mas,
em sua interpretação literal, populismo somente quer ser entendido como defender os
interesses da massa de população. Se em uma sociedade pluralista, onde diferentes interesses
se encontram, um interesse popular unificado pode ser identificado é pelo menos discutível.
No ultimo capitulo deste trabalho o conceito de populismo é interpretado com um discurso
politico que enfatiza a polarização entre população (os 99% no discurso do movimento occupy
Wall Street) e as elites (establishment). Neste capítulo tenta-se também delinear as
perspectivas de movimentos “populistas” depois da crise financeira global de 2008/2009, com
foco nos movimentos anticapitalistas.

Estabilização econômica: combate a inflação e ajuste fiscal e monetário

O Brasil enfrentou sérios problemas macroeconômicos nas décadas de 1980 e 1990, o


problema da crise da década externa já foi contado anteriormente, mas, embora depois da
recessão profunda de 1981/1983 a economia real estava se recuperando fortemente nos anos
de 1984 e depois, problemas de desajuste monetário e fiscal levavam a uma inflação em
ascensão que nos primeiros meses do ano 1990 tornou-se uma hiperinflação. Até a inflação foi
domada com o Plano Real em 1994 houve varios tentativas de planos para combater a
inflação, todas malsucedidas em primeiro lugar porque em muitas tentativas não foi possível
apagar a memória inflacionária com congelamentos temporários de preços, que podem ser
sustentados somente por um período curto, e problemas dos controles fiscais deixavam a
507

inflação recrudescer com força. A tabela a seguir mostra os problemas macroeconômicos do


Brasil na década de 1980 e nos primeiros anos da edcada de 1990.

Tabela 114: Desequilibrios macroeconômicos no Brasil 1980 - 1996


Necessidades
Taxa de Taxa de Taxa de Transações de Dívida pública
crescimento crescimento inflação IPCA correntes em financiamento bruta em % do
PIB % Indústria % % % do PIB operacional PIB
em % do PIB
1980 9,2 9,3 99,3 -5,4 -0,6 39,7
1981 -4,3 -8,8 95,6 -4,5 -0,8 34,6
1982 0,8 0,0 104,8 -6,0 -2,0 32,8
1983 -2,9 -5,9 164,0 -3,6 -1,7 51,5
1984 5,4 6,3 215,3 0,1 -1,4 55,8
1985 7,8 8,3 242,2 -0,1 -4,0 52,6
1986 7,5 11,7 79,7 -2,1 -5,1 49,4
1987 3,5 1,0 363,4 -0,5 -3,7 50,3
1988 -0,1 -2,6 980,2 1,4 -13,1 46,9
1989 3,2 2,9 1.972,9 0,3 -9,8 40,2
1990 -4,3 -8,2 1.621,0 -0,8 -6,2 40,6
1991 1,0 0,3 472,7 -0,4 -7,9 38,1
1992 -0,5 -4,0 1.119,1 1,6 -8,2 37,1
1993 4,7 8,1 2.477,1 -0,2 2,1 32,6
1994 5,3 8,1 916,5 -0,3 -2,1 30,0
1995 4,4 4,7 22,4 -2,4 -6,2 28,0
1996 2,2 1,1 9,6 -2,8 -2,3 30,7
Fontes: Ipeadata, IBGE Sec. XX (Necessidades de Financiamento), IMF (Dívida pública)
A tabela mostra os problemas sérios da inflação até o sucesso do Plano Real em 1994, bem
como os desequilíbrios fiscais nestes anos.

No quadro a seguir encontram-se os planos de combate à inflação e nos gráficos a seguir a


evolução da inflação mensal. Os gráficos a seguir mostram que os planos antes do Plano Real
somente temporariamente conseguiam domar a inflação, a maioria deles incluiu uma nova
unidade monetária, desindexação e um congelamento temporário dos preços. Somente o
Plano Real, onde não houve um congelamento dos preços, conseguiu domar a inflação para
um período prolongado.

Quadro 7: Planos de combate à inflação Brasil década de 1980 e 1990

Plano Início Unidade monetária


Cruzeiro Cr$
Plano Cruzado 1986:2 Cruzado Cz$
Plano Bresser 1987:6 Cruzado Cz$
Plano Verão 1989:1 Cruzado Novo NCz$
Plano Collor 1 1990:3 Cruzeiro Cr$
Plano Collor 2 1991:1 Cruzeiro Cr$
1993:8 Cruzeiro Real CR$
508

Plano Real 1994:7 Real R$


Fonte: Giambiagi, Fabio; Além, Ana Cláudia, Finanças públicas, Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 135

Gráfico 85 Taxa de inflação IPCA (% a.m.) e desvalorização (+) cambial Brasil 1980 – 2017

Fonte: BCB

Gráfico 86: Taxa de Inflação IPCA (% a.a.) Taxa de juros SELIC – mercado (% a.a.), Meta de
inflação (% a.a.) Brasil 1995 – 2017
509

Fonte: BCB

Sobre o Plano Collor I de combate a inflação Bacha [2017, posição 9491 pp.] aponta para a
medida controvertida deste plano de congelar grande parte de ativos financeiros do setor
privado, que provavelmente aprofundou ainda mais a recessão de 1990/1992:

A parte mais controvertida do programa de estabilização que afinal se anunciou foi exatamente
a tentativa de impedir a fuga de títulos públicos, com a retenção pelo governo de parte
substancial dos ativos financeiros de empresas e pessoas físicas. Retidos por 18 meses, os
ativos foram compulsoriamente convertidos em depósitos no Banco Central, com correção pela
inflação, remuneração de 6% ao ano e previsão de devolução em 12 prestações mensais a
partir do décimo nono mês. De início, cerca de 80% dos ativos financeiros chegaram a ser
retidos. Ao mesmo tempo em que cerceou o espaço para recomposição de carteiras de
investimento, a retenção de ativos imposta pelo governo teve efeitos contracionistas
importantes sobre a demanda agregada. De um lado, representou súbita e brutal contração de
liquidez. De outro, ainda que colateralmente, gerou efeito-riqueza negativo de grandes
proporções na medida em que boa parte dos agentes afetados pela retenção atribuiu
probabilidade razoavelmente alta à não recuperação integral dos ativos retidos. Na verdade,
num primeiro momento, parcela substancial desses agentes parece ter atribuído probabilidade
bastante elevada à perda definitiva e completa dos recursos retidos.
Embora o período dos governos Franco e Cardoso é assunto do próximo capítulo sobre as
crises financeiras internacionais da década de 1990 e do inicio da década de 2000, e
importante afirmar que o sucesso no combate da inflação teve também importantes
mudanças na área fiscal, nas politicas cambiais e nas politicas monetárias. A primeira fase do
Plano Real e da nova moeda, o real, introduzida em 1/7/1994, foi caracterizada pelo ancora
fiscal - tentativa de equilibrar o orçamento público, pelo ancora cambial - fixação da taxa
nominal de câmbio para garantir a credibilidade da moeda nacional (valorização do real na
primeira fase, depois da crise mexicana em março de 1995 começando um processo de
desvalorização previsível e lenta com estabelecimento de minibandas – regime de câmbio
administrado), política monetária restritiva com taxas de juros altos para atrair capital
estrangeiro e controlar o consumo, desindexação. Não houve congelamento dos preços. A
estabilização macroeconômica, embora problemática na parte fiscal também com as entradas
das privatizações, a desregulamentação parcial dos movimentos internacionais de capitais e o
final do processo de reestruturação da dívida externa pelo Plano Brady, facilitou a nova
entrada de Brasil nos mercados financeiros internacionais. A crise cambial de 1998/1998 levou
a ajustes fiscais, a mudança para o regime de câmbio flutuante, e para introdução de metas de
inflação para a politica monetária, porque com um regime de câmbio flutuante a taxa de
câmbio não pode ser mais usada como ancora para controlar a inflação.

Desde 1999 a política macroeconômica foi orientada pelo tripé de metas de inflação, câmbio
flutuante e gestão fiscal responsável (com objetivo de garantir um superávit primário
expressivo).
510

Privatização

Para compreender melhor o processo de privatizações no Brasil, uma peça central da agenda
neoliberal, é importante fazer um curto resumo da história das empresas estatais no Brasil,
seguindo a pesquisa de Musacchio e Lazzarini [2014, p 1].

No Brasil, a propriedade estatal de grandes empresas começou principalmente após a Primeira


Guerra Mundial, quando o governo acabou resgatando [‘bailing out’] uma grande parte das
empresas ferroviárias do país. Então, na década de 1940, o presidente Getúlio Vargas criou
muitas empresas estatais em setores que foram considerados fundamentais para o
desenvolvimento econômico, como mineração, aço, produtos químicos e eletricidade. No
entanto, o auge do capitalismo de Estado no Brasil ocorreu no início da década de 1970,
durante a ditadura militar (1964-1985). Em 1976-1977, o setor público representou 43% da
formação bruta total de capital no país, com cerca de 25% desses investimentos provenientes
de grandes empresas estatais (...).

Musacchio e Lazzarini [2014, p 2] mostram problemas que empresas estatais podem enfrentar:
em crises as empresas podem ser usadas para segurar empregos e controlar os preços ao
consumidor, para não falar da corrupção e da possibilidade de levar compadres políticos para
a gerencia destas empresas, o que cria problemas para a lucratividade e o endividamento das
empresas. Eles apontam para o secundo choque dos preços de petróleo em 1979 e a crise da
dívida externa de 1982, levando a crises fiscais do Estado, como fatores determinantes para os
processos da privatização na década de 1990. A mudança do ambiente ideológico na década
de 1980 e depois com a ascensão do neoliberalismo no capitalismo global naõ é considerado
como fator importante pelos autores desta pesquisa [Musacchio e Lazzarini [2014]], mas
obviamente este também foi um fator importante na mudança do rumo da politica econômica
do Brasil nestas décadas.

Musacchio e Lazzarini [2014, p. 9 p.] apontam também para o papel importante do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES, criado em 1952 como BNDE] para o
processo da industrialização através de substituição de importações e para a estatização nas
décadas de 1960 e 1970:

Sob o governo militar (1964-1985), o BNDES mudou seu foco de empréstimos para projetos
públicos para financiar empresas privadas. Antes de 1964, quase 100 por cento dos
empréstimos destinavam-se a financiar projetos públicos, diretamente por uma agência
governamental ou indiretamente por uma SOE [empresa estatal]. Mas, em 1970, o setor
privado recebeu quase 70% dos empréstimos e, no final da década de 1970, projetos públicos
receberam menos de 20% dos empréstimos (Najberg, 1989 18). Em 1965, como parte do
empurrão para apoiar a indústria de máquinas e equipamentos domésticos, o governo militar
criou a Finame, a primeira subsidiária do BNDE. Para o governo brasileiro e os tecnocratas do
BNDE, o desenvolvimento de uma indústria de máquinas domésticas foi visto como uma
condição sine qua non para o desenvolvimento industrial que não dependia de importações
estrangeiras. Assim, a Finame teve o único objetivo de fornecer financiamento a médio e longo
prazo para a compra de equipamentos no Brasil (BNDES, 1987). A maioria dos empréstimos foi
511

para empresas privadas que tentavam substituir as importações. Além disso, o Finame foi
projetado para apoiar o desenvolvimento do dinâmico setor de máquinas domésticas, que, de
acordo com Leff (1968, 2), apresentaram uma taxa de crescimento média de 27% ao ano nas
duas décadas anteriores.
Em suma, antes da década de 1970, o BNDE e as SOEs [empresas estatais] recém-criadas eram
um veículo para promover melhorias na infra-estrutura (ferroviárias e utilidades) e apoiar as
indústrias nascentes. Em um mercado com racionamento de crédito severo e com altos custos
de pesquisa e desenvolvimento, o governo brasileiro, através do BNDE, financiou em longo
prazo e às vezes atuou como um empreendedor próprio para financiar o desenvolvimento de
novas indústrias, como o aço, eletricidade e produtos químicos.
O resultado deste período de rápido crescimento nas empresas de propriedade estatal, no
entanto, não foi um domínio esmagador das empresas públicas na economia brasileira. O
governo brasileiro, em vez disso, desenvolveu um grande aparelho em setores fundamentais
para a industrialização do Brasil e ainda deixou o setor privado como o jogador dominante em
outros setores onde a ação estatal não era percebida como necessária. O Estado dominava
mineração, metalurgia e aço, utilidades públicas e petróleo. (...). De acordo com a visão da
política industrial, essas indústrias-chave em que o Estado operava também eram indústrias
com grandes ‘spillovers’ e ligações diretas. Em suma, nesta etapa inicial, o Estado brasileiro se
concentrou em coordenar setores para desenvolver infraestrutura básica e fornecer insumos
básicos para a industrialização do país.
O processo da privatização de empresas estatais, no setor produtivo e financeiro, da década de
1990 teve seus impulsos num lado pelos problemas criados pelo segundo choque dos preços
de petróleo e da crise da dívida externa da década de 1980, e, noutro lado, pelo Consenso de
Washington no fim da década de 1980 e da ascensão da ideologia neoliberal no capitalismo
global. A inspiração neoliberal levou muitos governos no mundo nas décadas de 1980 e 1990
abraçar os processos de privatização e da abertura das economias nacionais. Abreu [2014,
posição 9846 pp.] resumiu o processo de privatizações da seguinte forma:

As privatizações ocorridas até 1989 envolveram primordialmente empresas falimentares de


menor importância, cuja sobrevivência havia sido assegurada pela estatização. No início do
governo Collor, as empresas controladas pelo governo formavam um leque extremamente
diversificado, cuja privatização envolvia desafios muito diferenciados, seja quanto a aspectos
concorrenciais nos mercados relevantes, seja quanto às dificuldades políticas a enfrentar nos
processos de venda. As empresas que operavam em setores mais expostos à concorrência
seriam, em princípio, de privatização menos complexa: fertilizantes, petroquímica, mineração,
siderurgia. A privatização de empresas públicas que exploravam monopólios na provisão
serviços públicos e que haviam capturado seus órgãos reguladores (telecomunicações e
eletricidade) constituíam problemas muito mais complexos, pois requereriam esforço prévio de
criação de marco regulatório, com credibilidade e independência adequadas. (...).
Instituições financeiras do governo tivessem presença importante no sistema bancário e
houvesse um monopólio legal afetando desde a prospecção até o refino de petróleo, a
administração Collor optou por não incluir o Banco do Brasil e a Petrobras no programa de
privatização, dada as óbvias dificuldades políticas envolvidas. A privatização concentrou-se,
assim, em empresas da indústria de transformação mais expostas à concorrência. As vendas de
ativos somaram US $ 3,5 bilhões durante o governo Collor (15 empresas) e US $ 5,1 bilhões no
governo Itamar Franco (18 empresas), especialmente de empresas siderúrgicas (US $ 5,6
bilhões), petroquímicas (US $ 1,9 bilhão) e produtoras de fertilizantes (US $ 0,4 bilhão).
Marcos - nesta primeira etapa do processo de privatização - foram os casos da Companhia
Siderúrgica Nacional – cuja usina em Volta Redonda havia sido o primeiro grande investimento
industrial do Estado brasileiro, ainda durante a Segunda Guerra Mundial – e da Usiminas, tendo
512

em vista as violentas manifestações contrárias à sua venda. As críticas se concentraram na


possibilidade de que as compras de ativos fossem saldadas com “moedas de privatização”,
expressão com a qual se designavam títulos emitidos pelo próprio governo federal negociados
com deságio substancial em relação ao seu valor nominal e aceitos pelo valor de face nos
leilões de privatização.
No entanto, quando, afinal, as operações de privatização tiveram início, a liberação dos ativos
congelados já havia começado e outros tipos de “moedas de privatização” passaram a ser
aceitos. As receitas em dinheiro obtidas com a privatização até o final de 1994 foram muito
modestas: algo da ordem de US $ 1,6 bilhão, advindo basicamente de operações feitas no
governo Itamar Franco.
O processo de privatização exigiu também mudanças importantes na legislação
infraconstitucional. A reformulação da legislação sobre concessões de serviços públicos (Leis
8.987 e 9.074, de 1995) foi fundamental para viabilizar a privatização nos setores de petróleo,
energia elétrica e telecomunicações. Entre 1995 e 2002, as receitas de privatização em todos os
níveis de governo somaram o equivalente a US $ 78,6 bilhões (cerca de 95 % em moeda
corrente nacional), além de redução de dívida de US $ 14,8 bilhões. Cerca de 70% desse total
foram obtidos em 1997-1998 e 53% corresponderam a aquisições por empresas estrangeiras
(em contraste com 5% em 1990-1994). Da receita total, 80% corresponderam à venda de
empresas relacionadas à infraestrutura, 14% ao setor industrial e 6% a participações
societárias. Na infraestrutura, as privatizações das empresas de telecomunicações
corresponderam a cerca de 38 % das receitas totais e as de empresas elétricas a cerca de 28 %
(sendo 74% a distribuidoras estaduais).
A privatização da Companhia Vale do Rio Doce, estatal criada em 1942, ainda no primeiro
período Vargas, foi emblemática. A operação de venda do controle da empresa enfrentou
grande resistência e foi dificultada por muitas ações judiciais. O governo manteve poder de
veto em decisões estratégicas, por meio de uma golden share, e participação indireta no bloco
controlador, através do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ). No
esforço de reestruturação do sistema bancário que se fez necessário ao fim do regime de alta
inflação, vários bancos pertencentes a governos estaduais foram transferidos ao setor
[privado].
Na privatização das telecomunicações foi difícil criar um ambiente competitivo na provisão de
serviços de telefonia fixa, apesar da preocupação em criar empresas “espelho” que pudessem
contestar em alguma medida o poder de mercado das empresas já estabelecidas. Mas tais
problemas foram minorados em grande medida pela rápida difusão da telefonia celular.
Avaliados com base na disponibilidade de aparelhos telefônicos, os resultados da privatização
das telecomunicações foram espetaculares. Em 1994, havia 8,4 telefones fixos por 100
habitantes. Em 2002, 26,3. Paralelamente, o número de telefones celulares por 100 habitantes
aumentou de 0,4, em 1994, para 21,9, em 2002. A privatização de empresas de energia elétrica
teve de levar em conta as especificidades do sistema hidrelétrico. E exigiu equacionamento
prévio do alto grau de inadimplência que vinha marcando a compra, por distribuidoras
estaduais, de energia gerada por empresas estatais federais. Razões pelas quais a privatização
avançou com mais facilidade na distribuição do que na geração de energia. Após a criação da
Aneel, em 1997, foram criados, no ano seguinte, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
e o Mercado Atacadista de Energia (MAE) (Lei 9.648, de 1998).
No setor petróleo, a posição dominante da Petrobras permaneceu praticamente intocada, a
despeito da flexibilização que permitiu investimentos privados em atividades antes restritas às
empresas controladas pelo governo. Além de modestas privatizações adicionais na
petroquímica, cerca de US $ 4,8 bilhões foram apurados, em 2000-2001, com a venda por
oferta pública de ações da Petrobras. (...).
A ANP promoveu leilões de 157 blocos exploratórios entre 1999 e 2002, dos quais 88 foram
arrematados por um valor total próximo a R $ 1,5 bilhão. Tais leilões permitiram a entrada de
empresas privadas na exploração e produção de petróleo. Houve também entrada de empresas
privadas na distribuição de gás natural, apesar da manutenção do controle de terminais e
gasodutos pela Petrobras. Parte da infraestrutura de transportes também foi privatizada. A
513

partir de 1994, foram licitadas, nos três níveis de governo, concessões para a exploração de
quase 10.000 km de rodovias. Entre 1996 e 1999, além da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da
Estrada de Ferro Carajás, pertencentes à Companhia Vale do Rio Doce, cerca de 26.000 km da
malha ferroviária foram transferidos a operadores privados. Até meados de 1997, o governo
manteve-se nitidamente dividido quanto à utilização que deveria ser dada aos recursos que
vinham sendo gerados pelo programa de privatização. Parte da equipe econômica defendia que
os recursos deveriam ser destinados ao financiamento de investimentos através do BNDES.
Outra parte, arguia que, tendo em conta a evolução do quadro fiscal, os recursos deveriam ser
integralmente canalizados para resgate da dívida pública.

Desregulamentação

Um pensamento central na agenda neoliberal é a necessidade de livrar os mercados de bens e


serviços, bem como os mercados financeiros, e especialmente o mercado de trabalho das
regulamentações e intervenções dos governos. A abertura das economias pode ser vista
também como um processo de desregulamentação, porque facilita a livre movimentação de
bens, serviços e capitais entre os países levando ao processo da globalização comercial,
produtiva e financeira. Mas a abertura da economia brasileira é discutida nos capítulos a
seguir. A agenda neoliberal é muito mais calada sobre a livre movimentação de trabalhadores
entre os países.

Os argumentos a favor da desregulamentação dos mercados apostam na dinâmica de


mercados livres para criar crescimento econômico, inovações, espirito empreendedor e mais
liberdade. Nos países centrais e no Brasil o sucesso em elevar o crescimento econômico foi
inexistente ou marginal, houve certos sucessos em fortalecer o espirito empreendedor e as
inovações. Mas também houve um aumento significativo de crises financeiras, marginalização
da parte de força de trabalho, crescimento da desigualdade de renda, riqueza e poder, e
crescimento da pobreza e exclusão social. Embora haja também outros fatores que
influenciam este lado negativo, os projetos da agenda neoliberal são vistos como um fator
importante.

Os argumentos a favor de regulamentação e intervenção do Estado apontam para o fato de


que mercados livres somente podem funcionar em um ambiente onde existem regras fixadas
do jogo, confiança nestas regras, e o enforcamento das regras. Uma regulamentação pelo
Estado também consegue – com limites – proteger trabalhadores e consumidores contra o
poder das empresas e das elites. Regras e intervenções do Estado podem também limitar os
danos ambientais que produção capitalista e o consumo criam. Regulamentações e politicas
sociais e de redistribuição de renda podem também diminuir as desigualdades de renda,
riqueza e poder entre elites e os 99%, garantindo uma rede de segurança para os mais fracos
514

da sociedade e com isto garantindo uma maior liberdade de viver para eles e mais estabilidade
politica e social. Os processos de privatização criam também no caso de telecomunicação e de
outras utilidades públicas a necessidade de criar órgãos regulamentadores para atividades
monopolistas. Estes exemplos não negam que existem regulamentações burocráticas que são
contraprodutivas e protegem privilégios.

As crises financeiras da década de 1990 e depois são também - em grande parte –


consequência da desregulamentação financeira, mas este é um tema de capítulos posteriores.
Também a mudança para um regime de câmbio flutuante em 1999 pode ser vista como uma
desregulamentação, mas também será discutida em capítulos posteriores.

Aqui somente é discutida a regulamentação de preços de certos bens e serviços no Brasil bem
como a regulamentação do mercado de trabalho. O Banco Central do Brasil [2016, p. 5] define
preços administrados da seguinte forma:

No Brasil, o termo “preços administrados por contrato e monitorados” – doravante


simplesmente preços administrados – refere-se aos preços que são menos sensíveis às
condições de oferta e de demanda porque são estabelecidos por contrato ou por órgão público.
Como esses contratos preveem, muitas vezes, reajustes de acordo com a inflação passada,
pode-se afirmar que essa indexação parcial à inflação ocorrida torna esses preços efetivamente
“dependentes do passado” e pouco sensíveis ao ciclo econômico.
Os bens e serviços cujos preços são administrados incluem, entre outros, impostos e taxas,
serviços de utilidade pública cujas tarifas são reguladas ou autorizadas pelo poder público
(como energia elétrica, planos de saúde e pedágio) e derivados do petróleo. É importante
salientar que nem todos os preços administrados são captados por índices de preços. Os preços
de cartório, por exemplo, não são mais captados pelo IPCA do IBGE.
Os preços dos produtos derivados de petróleo foram desregulamentados em 2002, mas ainda
estão incluídos no grupo de preços administrados porque são estabelecidos pela Petrobrás, que
possui um “quase monopólio” sobre a produção doméstica e a distribuição no atacado.
Com as privatizações houve a necessidade de reestruturar a regulamentação dos preços em
muitos setores.

Möller [2010, p. 66 p.] descreve as intervenções dos governos nos mercados de trabalho da
seguinte forma, resumindo os resultados no próximo quadro: “A intervenção do Estado no
mercado de trabalho procura proteger trabalhadores vulneráveis, eliminar injustiças e
estabelecer uma rede de segurança para os desfavorecidos, definir as regras de jogo no
mercado de trabalho e melhorar o desempenho do mercado de trabalho”.

Quadro 8: O Estado no mercado de trabalho1 (Infraestrutura legal, regulamentação e cultura


nacional)
515

Tipo de regulamentação Exemplos


Normas mínimas de trabalho (consenso internacional):
1. Proibição de trabalho forçado, escravo e infantil;
2. Respeito à liberdade de se associar e negociar coletivamente; direito de
Direitos do trabalhador
participar de ações de classe (greves);
3. Garantia de proteção à saúde dos trabalhadores;
4. Proibição de discriminações (cor, sexo, religião etc.).
Idade mínima para o trabalho (Proibição de emprego de menores de 15 anos;
idade mínima de 18 anos para o trabalho que possa prejudicar a saúde, a
segurança ou a moral).
Proteção de grupos vulneráveis Igualdade de salários para trabalho igual e igualdade de oportunidades de
emprego.
Disposições especiais para a mulher (A trabalhadora deve ter direito à licença
maternidade e não deve ser obrigada a fazer serão).
O trabalhador deve receber salário-hora mínimo. O trabalhador deve ter
direito a benefícios médicos ou de habitação, a um mínimo de feriados por ano
Salário mínimo
e a pagamento específico das horas adicionais e ao número máximo de horas
de trabalho.
Condições mínimas de saúde e segurança no trabalho. Máximo de horas de
Condições de trabalho
trabalho. Descanso semanal e férias.
Seguro aposentadoria. Seguro saúde. Seguro contra acidentes. Seguro
Seguridade social desemprego. Impedimento da demissão arbitrária e indenização por despedida
injusta.
Fomento de trabalho (Agenciamento de trabalho, orientação profissional e
O Estado como mediador no
qualificação). Justiça de trabalho. Obras públicas. Oferta de emprego
mercado de trabalho
temporário.
Serviço público (serviço para o cidadão/cliente: qualidade, flexibilidade e
O Estado como empregador
justiça).
Fonte: Möller [2010, p. 67] baseia-se numa tabela do Banco Mundial [Banco Mundial, Relatório sobre o
desenvolvimento mundial, 1995, O trabalhador e o processo de integração mundial, Washington, D.C.,1995 p. 81] e
do livro Pastore, José: O desemprego tem cura? São Paulo: Makron Books, 1998, p. 83 pp.

Os Direitos trabalhistas no Brasil na década de 1990 são resumidos no próximo quadro:

Quadro 9: Direitos trabalhistas no Brasil


Salário mínimo, décimo terceiro salário, salário família, direito a um fundo de garantia FGTS
(desde 1966: 8% do salário mensal).
Duração máxima da semana de trabalho (48 horas até 1988 e 44 horas a partir desta data);
Condições de
duração máxima da jornada de trabalho (oito horas para turnos normais e seis horas para
trabalho e férias
turnos ininterruptos); máximo de duas horas extra por dia.
30 dias de férias remuneradas por ano de serviço, abono de férias correspondentes a 1/3 do
salário regular (desde 1988).
Proteção da mulher grávida contra demissão, licença maternidade de quatro meses para a
Proteção de grupos
mãe (desde 1988) e licença paternidade de 5 dias (desde 1988); normas especiais para a
vulneráveis
segurança no trabalho
Proteção no caso Um mês de aviso prévio no caso de demissão, multa de 40% do fundo de garantia no caso de
de demissão e demissão sem justa causa.
desemprego Seguro desemprego (desde 1986).
Fonte: Möller ]2010, p. 74] baseado em Camargo, J.M. (Org.), Flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil, Rio de
Janeiro: FGV, 1996, Crise e trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado? Org.: Carlos Eduardo Barbosa de
Oliveira, Jorge Eduardo Levi Mattoso, São Paulo: Scritta, 1996.

Com um olhar na virada do século Möller [2010, p. 185] caracterizaça o mercado de trabalho
brasileiro da seguinte forma:
516

Desde a crise da dívida externa, no começo da década de 1980, o mercado de trabalho no Brasil
experimentou mudanças expressivas, períodos de desemprego aberto elevado em tempos de
recessão de 1981/83 e de 1990/1992(...). Na década de 1990, a abertura da economia brasileira
desejava incentivar uma inserção maior na economia global, com ganhos de produtividade. Foi
uma mudança da estratégia de desenvolvimento da substituição das importações para uma
estratégia orientada para as exportações. A maior concorrência internacional levou a uma
reestruturação do setor industrial para ganhar mais competitividade com mudanças no
mercado de trabalho brasileiro. A reestruturação do [mercado de] trabalho levou a perdas de
emprego no setor formal industrial e mudanças no setor de serviços e do emprego público. A
taxa de desemprego aberto começa a subir em tendência, o emprego informal ganha mais
espaço no emprego total e a precarização das relações de trabalho provavelmente aumenta.
Parece que as influências negativas da globalização e da reestruturação produtiva deixam seus
traços no mercado de trabalho brasileiro, enquanto as mudanças positivas prometidas para a
força de trabalho brasileira ainda ficam na fila de espera.
O setor formal de trabalho no Brasil (com carteira de trabalho assinada) está institucionalizado
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criado no primeiro de maio de 1943 no governo
Vargas no Estado Novo. Desde sua criação houve muitas tentativas de flexibilizar estas regras,
mas somente em 2017 no governo Temer houve uma reforma trabalhista com certa
flexilibilização do CLT. É importante anotar que flexibilização no mercado de trabalho pode
sempre ser visto como uma perda de direitos (e de salário) para os trabalhadores no setor
formal da economia, noutro lado pode facilitar a entrada de desempregados e trabalhadores
no semento informal para o segmento formal do mercado de trabalho. O setor informal de
trabalho no Brasil, incluindo trabalhadores por conta própria e trabalhadores sem carteira de
trabalho assinada, é muito amplo. Sempre mais de cinquenta por cento da força de trabalho se
encontravam no setor informal de trabalho, somente depois de 2010 a percentagem cai um
pouco abaixo da marca dos cinquenta por cento [dados da IPEDATA até 2014, ainda não
refletindo o aumento da informalidade na profunda crise que começou em 2014]. Aos
empregos no setor informal falta a proteção das leis trabalhistas, muitas vezes eles são
precários e de salários baixos, embora não enfrentam impostos de renda e outros encargos (os
encargos sociais no Brasil no setor formal são elevados, os empregadores no setor informal
enfrentam por esta razão custos trabalhistas muito menores). Não incluídas no setor informal
são atividades ilegais, como, por exemplo, tráfico de drogas, prostituição ou roubo, elas são
incluídas na economia subterrânea.

A determinação dos salários nominais para o segmento formal do mercado de trabalho no


Brasil está desde a década de 1960 nas mãos do governo através da politica salarial, para o
salário mínimo, instituído em 1940, já desde desta data. Möller [2010, p. 194 p.] descreve as
fases das politicas salariais do governo (pela indexação dos salários nos tempos da inflação
elevada) até a negociação livre entre entidades sindicais dos trabalhadores e patronais no
Plano Real em 1994:
517

Somente na década de 1990 a livre negociação dos salários entre trabalhadores e seus sindicatos, de um
lado, e das empresas e suas entidades patronais, de outro lado, foi reinstalada. As principais etapas das
regras salariais encontram-se em Urani90 :
• a "distributivista", que previa reajustes maiores que a inflação passada para os salários mais
baixos e um pouco inferiores para os mais altos, e vigorou entre 1979 e 1983;
• a "regressiva", que manteve reajustes diferenciados, mas todos menores ou iguais à inflação
passada, de 1983 a 1985;
• o "gatilho" salarial, instaurado pelo Plano Cruzado em 1986;
• a URP, implementada pelo Plano Bresser, que previa reajustes mensais em função da média da
inflação dos últimos três meses;
• o abandono da política salarial no início do governo Collor;
• a adoção de reajustes quadrimestrais em 1992; e
• a restauração da livre negociação pelo Plano real.

Pode se dizer com o Plano Real houve certa desregulamentação na determinação dos salários
nominais no Brasil.

Abertura comercial

A integração dos mercados nacionais no mercado global é outro objetivo central da agenda
neoliberal, que acabou acelerando o processo de globalização produtiva e financeira no
âmbito global. Abreu [2014, posição 9768 pp.] resume os processos de abertura comercial
depois da crise da dívida externa para o Brasil:

A liberalização comercial brasileira ocorreu de forma unilateral entre o final dos 1980 e meados
dos 1990, sendo marcada por três episódios principais. A essência do primeiro episódio de
liberalização comercial, em 1988-89, foi eliminar redundâncias: a tarifa média nominal de
57,5% (não ponderada) foi reduzida para 32,1%. No segundo episódio, de longe o mais
importante, em 1990-93, decidiu-se inicialmente reduzir as barreiras não tarifárias, com a
eliminação de proibições de importações (a famosa lista do Anexo C da Cacex), das licenças de
importação usadas de forma mais ou menos permanente desde o final da década de 1940, bem
como dos chamados regimes especiais de importação, que regulavam a distribuição de
cobertura cambial com base em critérios discricionários. Em 1991, foi definido um cronograma
de redução tarifária que, em princípio, se estenderia até 1994 e resultou na queda da tarifa
média de 32,2% em 1990 para 14,2% no início de 1994. (...). Finalmente, em 1994, foram feitos
ajustes tarifários, parcialmente explicados pela intenção de impor disciplinas mais rígidas aos
preços internos, durante o período inicial de implementação do Plano Real de estabilização,
com redução da tarifa média nominal para 11,2%. Esta liberalização comercial unilateral foi
implementada antes do final da Rodada Uruguai do GATT, em 1994. (...). Não obstante a
retórica de abertura comercial que marcou o esforço de estabilização que deu lugar ao Plano
Real, houve reversão da liberalização comercial no início do período FHC. A tarifa efetiva média
da economia aumentou de 13,6%, em 1994, para 17,1%, em 1995, e 18,7%, em 1999. Como já
mencionado acima, a apreensão com a deterioração das contas externas que se seguiu à crise
mexicana, foi usada como pretexto para a restauração de barreiras comerciais que haviam sido
reduzidas em 1994. A combinação de tarifas muito altas sobre importações de automóveis, de
um lado, com tarifas de importação de autopeças especialmente baixas, de outro, deu lugar a
um “regime automotivo”, montado em comum acordo com a Argentina, com tarifas de
importação efetivas de mais de 200% em 1996.
518

Mas, como as crises financeiras internacionais das décadas de 1990 e 2000 e suas
consequências para transformações econômicas são discutidas em capítulos posteriores não é
necessário aprofundar este problema aqui.

Abertura financeira

As poilticas de abertura da economia também abriram, com restrições, os mercados


financeiros do Brasil. No Brasil a globalização financeira tornou-se mais importante ao longo da
década de 1990 com o aumento dos fluxos de capitais estrangeiros para os mercados
financeiros brasileiros, como consequência de diversas medidas implementadas pelo Banco
Central do Brasil. Dois aspectos merecem destaque para o aumento dos fluxos de capitais
estrangeiros para o Brasil na década de 1990: a reestruturação da dívida externa e a
estabilização da economia através do Plano Real.

A reestruturação da dívida externa, estabelecida através do Plano Brady, foi concluída em


1994. Neste mesmo ano, a estabilização macroeconômica, com o advento do Plano Real, foi
também importante para o aumento das entradas de capital estrangeiro para o Brasil. A
desregulamentação parcial dos fluxos da conta capital e financeira, bem como a subsequente
desregulamentação parcial do câmbio, trouxe influências importantes para o fluxo de capitais
estrangeiros tanto no segmento de investimentos diretos, quanto para o mercado de ações
brasileiro e para o fluxo de capitais no segmento da renda fixa.

Desregulamentações no mercado de câmbio e na conta capital são partes importantes do


processo da liberalização financeira. Dentro deste conceito, Franco e Pinho Neto (2003, p. 45)
advertem sobre os controles de cambiais e da conta capital no Brasil.

“Ainda é pesada, complexa e provavelmente ociosa em boa medida a herança deixada pela era
dos controles cambiais como se vê, por exemplo, através do número de páginas que o Annual
Report on Exchange Arrangements and Exchange Restrictions do FMI, o catálogo das restrições
e controles cambiais existentes nos mais diversos países do mundo, dedica ao Brasil: quatorze
páginas (!), o maior capítulo do livro, juntamente com a Venezuela, na frente da Índia (13
páginas), China (10 páginas) e outros países com sólida tradição histórica de controles
burocráticos.”
Mas estes mesmos autores advertem também que muitos destes controles possíveis foram
válidos apenas de maneira formal e burocrática, somente no papel, sem alcançar aplicações
significativas no novo século.

Houve também um processo de desregulamentação no âmbito do mercado cambial brasileiro


observado deste o fim da década de 1980 que foi implementado pelo Banco Central do Brasil e
pelo Conselho Monetário Nacional. Diversos comentários sobre este processo podem ser
encontrados em Siscu (2007).
519

Enquanto alguns autores apontam para uma maior liberalização do mercado de câmbio e da
conta capital, outros alertam com vista às crises financeiras pós Plano Real, uma política
sensata menos liberalizante. Dentro deste contexto, os aspectos relevantes são os sinais
empíricos da liberalização financeira no Brasil.

Empiricamente, a desregulamentação se mostra nos fluxos de capitais estrangeiros em


diferentes segmentos da conta capital e financeira no Brasil ao longo da década de 1990, bem
como no novo século. Os fluxos, de forma geral, apresentaram elevação de seus níveis,
enquanto também aumentava sua volatilidade. O gráfico seguinte mostra que os fluxos
privados de capital no segmento dos investimentos estrangeiros diretos (IED) e nos
investimentos de carteira em ações, bem como os fluxos de investimentos em títulos de renda
fixa, de curto e longo prazo, aumentaram expressivamente neste mesmo período.

O gráfico mostra também que a volatilidade dos fluxos foi expressiva neste período. A partir
destas observações, pode-se destacar que, neste período, o Brasil se inseriu mais
intensamente nos mercados financeiros globais.

Gráfico 87 Fluxos financeiros internacionais em diferentes segmentos Brasil 1960 – 2012

Fonte: Banco central do Brasil

Um fato importante associado ao crescente ingresso de capitais internacionais no mercado


financeiro nacional é a integração crescente dos bancos internacionais no sistema financeiro
nacional desde a década de 1990, bem como a diminuição da importância dos bancos públicos.
520

A tabela a seguir mostra também o aumento da participação dos bancos estrangeiros no Brasil
nos ativos bancários.

Tabela 115 Participação das instituições do segmento bancário nos ativos deste segmento

Instituição do segmento bancário Dez. 1996 Dez. 2006


Em R$ bilhões Em % Em R$ bilhões Em %
Bancos Públicos (+ Caixas Estaduais) 106,76 21,92% 88,17 4,50%
Banco do Brasil 60,98 12,52% 283,66 14,46%
Caixa Econômica Federal 80,22 16,47% 209,53 10,68%
Bancos Privados Nacionais 186,44 38,28% 924,05 47,12%
Bancos com Controle Estrangeiro 51,19 10,51% 425,58 21,70%
Cooperativas de Crédito 1,46 0,30% 30,15 1,54%
Total 487,05 100,00% 1.961,10 100,00%
Fonte: Banco Central do Brasil.

Outro fato que mostra a crescente integração dos mercados financeiros nacionais ao mercado
global são as tendências comuns dos índices dos preços das ações, para os níveis de
crescimento, bem como para as taxas de retorno. Uma análise dos coeficientes de correlação
entre os índices corrobora esta hipótese. A tabela a seguir mostra estes resultados.

Tabela 116 Coeficientes de Correlação entre os retornos [ln(Pt/Pt-1)] dos índices das ações
1995-2008
BOVESPA DAX DOW FTSE UK HANG IPC KOSPI MERVAL NIKKEI
JONES SENG
BOVESPA 1,0000 0,6440 0,6984 0,6488 0,6606 0,7186 0,4513 0,5569 0,5877
DAX 0,6440 1,0000 0,7835 0,8068 0,5636 0,5682 0,4423 0,3976 0,5444
DOW JONES 0,6984 0,7835 1,0000 0,8007 0,6600 0,6340 0,5184 0,4282 0,5426
FTSE UK 0,6488 0,8068 0,8007 1,0000 0,6394 0,5812 0,5315 0,3927 0,5647
HANG SENG 0,6606 0,5636 0,6600 0,6394 1,0000 0,6492 0,5480 0,4978 0,5273
IPC 0,7186 0,5682 0,6340 0,5812 0,6492 1,0000 0,4548 0,6653 0,4763
KOSPI 0,4513 0,4423 0,5184 0,5315 0,5480 0,4548 1,0000 0,3933 0,5743
MERVAL 0,5569 0,3976 0,4282 0,3927 0,4978 0,6653 0,3933 1,0000 0,3796
NIKKEI 0,5877 0,5444 0,5426 0,5647 0,5273 0,4763 0,5743 0,3796 1,0000
Fonte: yahoo.com Finance, cálculos próprios

Para os retornos, todos os índices mostram correlação estatisticamente significativa no nível


de significância de  = 0,01. Estes fatos corroboram a hipótese que a globalização financeira na
década de 1990 e no novo século leva a um aumento da interdependência dos mercados de
capitais, representados aqui pelos mercados secundários de ações. Este fato mostra também a
dificuldade em uma época de globalização financeira diversificar internacionalmente uma
carteira de ações. Os resultados empíricos corroboram a hipótese de que a globalização
financeira se tornou mais expressiva na década de 1990 e no novo século.

Transformações no mundo de trabalho brasileiro


521

O mundo de trabalho na Brasil como em outros países mudou profundamente nas últimas
décadas. O ramo da agricultura e da indústria perdeu espaço, o ambiente institucional mudou
em direção de maior flexibilidade e insegurança das relações trabalhistas, a digitalização
destruí ocupações e criou novas possibilidades especialmente no setor dos serviços, a crise
prolongada desde 2014 aumentou os problemas do desemprego, da informalidade e da
incerteza.

Nas quase três décadas desde 1990 a população brasileira cresceu e também envelheceu com
as faixas mais jovens na população relativamente diminuindo, a população em idade ativa (>
14 anos) aumentou de 66,7% da população em 1990 para 81,6% em 2019 (a porcentagem dos
aposentados e pensionistas aumentou no mesmo período de 8,3% para quase 15%). O
desemprego/desocupação aumentou expressivamente, embora houve mudanças
metodológicas que prejudicam a comparação. O problema da informalidade é relacionado
com os problemas do trabalho precário, do subemprego e do desemprego. Economia
subterrânea ou economia informal são conceitos para descrever atividades por conta própria
(pequenos negócios) e de emprego informal que não são formalizados juridicamente. Trabalho
informal sinaliza muitas vezes – mas nem sempre - uma situação precária em relação ao
salário/renda e/ou em relação a forma de contratação (temporária, contingente, informal sem
cobertura das leis trabalhistas e da previdência social). Precarização das relações de trabalho
significa insegurança econômica e social para o trabalhador, bem como a possibilidade de cair
na pobreza e exclusão social. Pelo empregador ou trabalhador por conta própria este pode ser
uma estratégia de fugir dos impostos e de outros custos da formalização do negócio bem que
fugir das leis trabalhistas (e dos custos e deveres de uma relação formal de trabalho). Alguns
negócios são somente competitivos fugindo dos impostos, dos custos da legalização do
negócio e da legislação trabalhista. O grau da informalidade, que inclui empregadores e
trabalhadores por conta própria (pequenos negócios sem formalização) e trabalhadores sem
carteira de trabalho assinada foi na década de 1990 acima de 50% da população ocupada
diminuindo lentamente depois de 2000 para a faixa acima de 40%, mas aumentando em cada
crise. No próximo capítulo sobre os impactos da inovação tecnológica e das transformações
institucionais sobre os mercados de trabalho a perspectiva da economia informal sobre o
mundo de trabalho também faz parte.

Capital e trabalho organizam se em sindicatos para defender os interesses patronais e


trabalhistas no ambiente político, econômico e social. A organização pode ser por setor
(agricultura, indústria, serviços), por ramo de produção (por exemplo, indústria automotiva ou
bancos) ou por profissão (no lado trabalhista por exemplo, funcionários públicos, médicos,
522

etc.). Como organizações da sociedade civil eles tentam justificar e legitimar as demandas
materiais e culturais de seus membros na discussão pública entre sociedade civil, governo,
burocracia. No confronto entre capital e trabalho eles tentam realizar suas demandas em
contratos coletivos sobre salários e condições de trabalho. Se nas negociações não se chega a
um acordo greves e lock-outs podem ser ações de conflito para afirmar seus interesses. Por
esta razão vale a pena um olhar para a organização sindical no Brasil.

No lado patronal existem sindicatos como Confederação Nacional da Indústria (CNI desde
1938), Confederação Nacional de Agricultura (CNA desde 1964), já organizados anteriormente
sob nomes diferentes, bem como sindicatos de certos ramos da produção como, por exemplo,
Confederação Nacional do Comércio (CNC desde 1945), Federação Brasileira de Bancos
(FEBRABAN desde 1967) e muitos outros.

O movimento sindical do lado de trabalho está fragmentado no Brasil, em 2018 existiam


11.578 sindicatos (entre eles 2.952 rurais), 424 federações e 36 confederações {DIEESE, 2018,
p. 297 pp.]. As maiores confederações são a CUT (Central Única dos Trabalhadores 3.878.261
sindicalizados 30,4%), UGT (União Geral dos Trabalhadores 1.440.121 11,3%), FS (Força
Sindical 1.285.348 10,1%), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil 1.286.313
10,1%), CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros 1.039.902 8,2%), NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores 950.240 7,4%) e confederações ainda menores {DIEESE, 2018, p. 354 pp.]. A
taxa de sindicalização cai de um máximo de 22,5% em 1992 para 11,2% em 2019 {IBGE PNAD
Contínuo]. Em 2019 a maior taxa de sindicalização encontra se na agricultura (19,4%), seguida
pela Administração pública, defesa e seguridade social, educação, saúde humana e serviços
sociais (18,4%), indústria geral (13,5%), da Informação, comunicação e atividades financeiras,
imobiliárias, profissionais e administrativas (12,0%), dos Transporte, armazenagem e correio
(11,9%) e dos outros ramos de produção {IBGE PNAD Contínuo]. A maior taxa de sindicalização
em 2019 por nível de instrução encontra-se no segmento de nível superior completo (17,3%)
{IBGE PNAD Contínuo].

Nos tempos da inflação alta antes do Plano Real em 1994 a maioria dos conflitos trabalhistas
foi sobre a questão salarial parcialmente sobre a reposição das perdas inflacionárias,
parcialmente sobre redistribuição de renda. Com a realização de certas politicas na agenda
neoliberal como enxugamento do setor público, privatização, cortes nos benefícios do Estado
de bem estar social (com foco na previdência social), etc. estes pontos entravam também nos
conflitos trabalhistas. As mudanças implementadas pela agenda neoliberal são discutidas no
próximo capítulo. Neste capítulo os conflitos trabalhistas desde a década de 1990 são
523

resumidos. Fatores que influenciam as lutas trabalhistas são o poder relativo de capital e
trabalho e sua influencia sobre sociedade civil, Estado e as mídias, mas também a situação
conjuntural e as transformações tecnológicas, institucionais e ideológicas. Os dados acima
mostram uma queda da taxa de sindicalização desde a década de 1990, a fragmentação
sindical e junto com elevação do desemprego e da informalidade apontam para um
enfraquecimento do lado trabalhista, especialmente no ambiente politico de governos mais
conservadores depois de 2016.

No fim da década de 1970 começa o novo sindicalismo no Brasil, independente, e combativo,


com Lula com um de seus líderes mais importantes, que foi uma das fontes do processo da
redemocratização do país. Pontos importantes na transformação política foram a crise da
década de 1980, retirando a legitimação econômica do regime militar, a fraqueza do partido
do governo militar ARENA/PDS de ganhar eleições contra a oposição da MDB/PMDB, as greves
amplas no estado de São Paulo no fim da década de 1970, a fundação do Partido dos
Trabalhadores (PT) em 1980 e da CUT em 1983 e as pressões de organizações da sociedade
civil para uma mudança democrática, com seu apogeu nos movimentos de massa diretas já em
1983-1984 (para uma eleição direta do presidente em 1985, embora falhasse para alcançar
este objetivo), mostrou a força dos movimentos populares.

Para o Brasil no meio rural o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) desde a
década de 1980 e outros movimentos defendem uma reforma agrária profunda e promoviam
mudanças do capitalismo, e, por exemplo, no meio urbano o MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto) luta por profundas transformações anticapitalistas desde 1997.

Para resumir as lutas trabalhistas desde a década de 1990 seja importante apontar que o
ambiente das lutas foi agora diferente, num lado positivo que a redemocratização do país não
mais criminalizou atividades trabalhistas como greves e outras formas da resistência
organizada. Noutro lado a abertura da economia brasileira (globalização), a privatização de
empresas estatais, as politicas de austeridade no setor público, as mudanças no mundo de
trabalho pelas inovações tecnológicas e organizacionais, e as mudanças institucionais nas
relações de trabalho e na providencia social, que são assunto dos próximos capítulos, levou a
certo enfraquecimento dos sindicatos trabalhistas. Crises conjunturais, desemprego,
informalidade, flexibilização e terceirização também foram fatores que enfraqueciam o lado
trabalhista.

Ferraz [2018, p. 173 pp.] descreve o cenário das lutas trabalhistas desde a década de 1980:
524

173-4 /A Lei nº 7.783 de 1989, conhecida como a lei de greve do setor privado, define como
greve legítima “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação
pessoal de serviços a empregador” (BRASIL, 1989) apenas depois de “frustrada a negociação” e
o “recurso arbitral”, e exige a notificação com antecedência mínima de 48 horas ao
empregador. Apesar de poder ser interpretada pelo art. 9 da Constituição como um direito dos
trabalhadores – “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre
a oportunidade de exercê-lo” (BRASIL, 1988) –, a lei delega aos sindicatos a prerrogativa de
conduzi-la. (...).

Na comparação internacional, o Brasil é um dos países com uma das leis de greve mais
permissivas, admitindo greves políticas, greves no setor público e greves de solidariedade,
proibidas em diversos países da Europa (Warneck, 2007).

Mas apesar da maior “permissividade”, o Brasil é um país onde o número de greves em relação
à população é pequeno se comparado a outras nações, (...).

Na década de 1980 ocorreram quatro greves gerais coordenadas pela Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) – em 1983, 1986, 1987 e
1989 –, além de algumas importantes greves nacionais de categoria. Entre estas, a greve dos
petroleiros em 1983; a greve nacional dos bancários de 1985; e a greve dos trabalhadores da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no final de 1988, quando o exército ocupou a fábrica e
três operários foram mortos.

A greve da CSN teve grande importância simbólica e, juntamente com a greve geral de março
de 1989 em reação ao Plano Verão, contribuiu para a regulamentação da greve. O Poder
Executivo enviou uma medida provisória ao Congresso regulando a matéria em maio daquele
mesmo ano que, aprovada no mês seguinte, originou a Lei nº 7.783/1989. A lei restringe a
greve em setores essenciais e estipula diversas condições para sua realização, além de
determinar os modos de solução do conflito e conferir à Justiça do Trabalho o poder de julgá-la
legal ou ilegal. O novo ordenamento jurídico foi um claro desestímulo à atividade grevista,
impondo altos custos aos sindicatos, principalmente no caso das greves julgadas ilegais. O caso
emblemático foi o da greve dos petroleiros de 1995, quando uma multa pela atividade grevista
“ilegal” quase levou ao fechamento dos sindicatos da categoria (Miagusko, 2001). (...).

O ano de 1992 marca o início do programa de privatizações, lançado no ano anterior, com a
venda da Usiminas. O processo de privatização motivou inúmeras greves por empresa desde
1989, quando começa a ser desenhado principalmente no setor siderúrgico e metalúrgico, que
inauguram o processo. Mas as derrotas dos movimentos grevistas e a percepção de que seria
impossível barrar as privatizações inibiram as greves ao longo do processo.

Ainda em 1994, ocorreria nova greve nacional dos bancários e a primeira mobilização nacional
contra o Plano Real, que abarcava também outras reivindicações.

Em junho de 1996, o governo FHC enfrentou sua primeira greve geral, a primeira grande
paralisação após o fim truculento da greve dos petroleiros, em maio de 1995. Organizada pelas
três maiores centrais da época, CUT, CGT e Força Sindical, seu mote principal foi a luta contra o
desemprego, que se tornaria a principal bandeira do movimento sindical na segunda metade
dos anos 1990.

Depois dessa greve geral, o governo se depararia com outra mobilização nacional apenas em
1999. A greve ficaria conhecida como a Marcha dos 100 mil sobre Brasília, pela retomada do
crescimento, empregos e salário, além do pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito contra a privatização da Telebras. Entre as reivindicações dessa paralisação, aparece
também a redução da jornada de trabalho, o que viria a ser um dos principais pontos de
unificação da pauta sindical, junto com o aumento do salário mínimo na década seguinte.

A situação se altera nos anos 2000, quando as greves no setor público passam a ser mais
numerosas, liderando a recuperação do ímpeto grevista a partir da crise de 2008. Nessa fase, o
525

funcionalismo ligado ao setor da educação foi quem mais contribuiu para o aumento da
militância grevista.

Ferraz [2018, p. 195 pp.] mostra também a crescente fragmentação do sindicalismo brasileiro
(e a maior competição entre as centrais sindicalistas) e seus impactos negativos sobre as lutas
trabalhistas:

Essa competição tem duas formas diretas: a competição pela criação de novos sindicatos onde estes
não existem ou na mesma base territorial. O exemplo mais claro é a criação de sindicatos de
trabalhadores siderúrgicos e metalúrgicos num mesmo município, fragmentando uma base
anteriormente comum. Ou a criação de sindicatos de trabalhadores municipais representando
professores municipais, onde já havia sindicato de professores do setor público, ou ainda o caso da
sobreposição entre o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) e
a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior
e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) no ensino superior. (...).

Os aspectos organizacionais ou institucionais, internos ao movimento sindical, explorados nesta


análise indicam que a forte fragmentação e descentralização na base da estrutura sindical e a
concorrência na cúpula têm clara relação com o número de greves. Como mostra a literatura sobre
o estado de bem-estar social e a social-democracia, uma estratégia de contenção de greves em
troca de políticas públicas favoráveis aos trabalhadores requer concentração e centralização do
movimento sindical. (...).

Após 2002, quando as greves chegaram ao seu nível mínimo, o país viveu um breve período de “paz
social”, sob um governo de centro-esquerda, mas claramente liderado por um partido trabalhista,
com estreitos laços com os sindicatos. Esse período de paz acaba no meio do segundo mandato de
Luís Inácio Lula da Silva, com uma nova “escalada” de greves a partir de 2008, em meio à crise
econômica mundial.

Como o Anuário dos trabalhadores: 2018 [DIEESE, p. 377 pp.] mostra que de 2008 até 2017 a
distribuição das greves entre setor privado e público (incluindo empresas públicas) variavam,
mas de forma não extrema (para o setor privado entre 54,5% em 2008 e 47,6% em 2017, o
mínimo em 2010 com 39,6%), mas é necessário apontar que as greves no setor público
(especialmente na educação universitária) são muito mais demoradas do que no setor privado,
porque – diferentemente de outros países – os salários são pagos nos meses das greves.

Geralmente pode ser ver na década de 2010 uma diminuição da atividade grevista, uma
diminuição da taxa de sindicalização e um ambiente institucional menos favorável para o lado
trabalhista depois da queda do governo de Rousseff e da flexibilização das leis trabalhistas no
governo Temer. Já as privatizações na década de 1990, as mudanças nas leis da previdência
social mostravam seus efeitos também no novo século. Embora existia forte resistência do
lado trabalhista contra privatizações, politicas de austeridade e mudanças nas instituições das
leis trabalhistas e da previdência social, mas os sucessos forma marginais. Nos próximos
capítulos sobre as transformações da economia brasileira (inovações tecnológicas e
organizacionais, flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias, privatização das empresas
526

estatais, globalização comercial, produtiva e financeira) e seus impactos no mundo de trabalho


entram também as ações de resistência do lado trabalhista.
527

d. Crises internacionais na década de 1990 e no início do novo século

As crises financeiras na década de 1990 e no início do século XXI tiveram impactos expressivos
sobre a economia brasileira, de forma mais rápida para o lado financeiro da economia, de
forma defasada e nem sempre profunda sobre o lado real da economia brasileira. A maioria
destas crises foi de âmbito global, mas atingindo diferentes países do mundo de forma
diferenciada. Nas crises da década de 1990 nos mercados emergentes houve menor
repercussão nos países centrais, mas a crise financeira global de 2008/2009 com origem nos
Estados Unidos teve sua repercussão mais profunda nos países centrais.

A crise japonesa foi a primeira crise séria na década de 1990, quando uma bolha nos mercados
acionário e imobiliário no Japão estourou em 1990 levando a economia japonesa depois de
décadas de crescimento expressivo para uma estagnação prolongada que se estendeu até o
novo século. Em 1992/1993 a crise do Sistema Monetário Europeu (SME) com origem nos
desalinhamentos e inflexibilidades do regime de câmbio do SME e da especulação cambial
induzida forçou a saída do Reino Unido e da Itália do SME e a desvalorização das moedas de
Espanha e Portugal. A crise japonesa, bem como a crise do Sistema Monetário Europeu (SME),
teve poucos impactos sobre a economia brasileira. Mas as crises de Japão e do SME já
mostravam sinais o que estava vindo em crises futuras na década de 1990 e no novo século
que levavam países emergentes ao abismo e depois na crise financeira global em 2008/2009,
os Estados Unidos e o mundo. Estas crises, crises cambiais, crises bancárias, crises da dívida
soberana e bolhas especulativas tinham impactos expressivos sobre o Brasil e parcialmente
surgiram aqui como em 1998/1999 e 2002/2003.

Enquanto a análise empírica seguinte das crises apoia-se também nas teorias econômicas
sobre os tipos, as causas, os impactos e as políticas para amenizar os impactos reais e
monetários das crises, o objetivo central dos capítulos seguintes é analisar empiricamente os
impactos destas crises sobre o Brasil. Obviamente cada crise é diferente, existe uma relação
dialética entre fatores causais e contingentes em cada crise, existe também a pergunta aberta
porque os agentes econômicos não aprendem as lições das crises anteriores. Reinhart e Rogoff
[2009, p. 1] respondem a esta pergunta com quatro palavras: “Esta vez é diferente”,
fundamentando a resposta da forma seguinte:

[...]. Enraizada na firme convicção de que as crises financeiras são coisas que acontecem com outras
pessoas em outros países, em outros momentos, as crises não acontecem conosco, aqui e agora. Estamos
fazendo as coisas melhor, nós somos mais inteligentes, aprendemos com os erros do passado. As velhas
regras de avaliação não se aplicam mais. Infelizmente, uma economia altamente alavancada pode
inconscientemente estar sentada com as costas na beira de um abismo financeiro por muitos anos antes
que o acaso e as circunstâncias provocam uma crise de confiança que empurram a economia para o
abismo. [Reinhart e Rogoff, 2009, p 1.]
528

Obviamente as crises financeiras são diferentes, mas existe a possibilidade de classificar


diferentes aspectos das crises. Frenkel, Karman e Scholtens [2004, p. V] classificam as crises
financeiras em três tipos: crises cambiais, crises bancárias e crises da dívida soberana.
Claessens e Kose [2013, p.15] acrescentam o tipo de paradas súbitas [‘Sudden stops’] de fluxos
internacionais de capitais e de crédito. O estouro de uma bolha especulativa no mercado
acionário, imobiliário ou de commodities, bem como uma bolha de crédito, que muitas vezes
precedem uma crise financeira, pode ser visto também como uma parada súbita no
financiamento para a continuação da bolha, porque as bolhas podem se sustentar somente
com o aumento permanente da demanda por o ativo em questão.

Enquanto uma análise teórica de crises na perspectiva de diferentes correntes de pensamento


econômico é feita num lugar posterior deste trabalho, alguns pontos de partida podem ser os
seguintes argumentos. Políticas neoliberais de desregulamentação dos mercados financeiros e
da abertura de mercados nacionais (globalização) tinham impactos positivos sobre o
crescimento econômico e a inovação em muitas partes do mundo (especialmente no leste
asiático, menos nos países centrais), mas também aumentavam a desigualdade de renda,
riqueza e poder e estimulavam a procura de lucro em curto prazo nos mercados financeiros,
de commodities e imobiliários criando bolhas especulativas. Em The Handbook of the Political
Economy of Financial Crises [2013] encontram-se em várias partes referências a era neoliberal
e ao estágio neoliberal do capitalismo, explicando a conexão entre a mudança ideológica
neoliberal e crises financeiras da seguinte forma [2013, p. 2]

Sob o sistema neoliberal, as crises financeiras ressurgiram com maior frequência e severidade.
(...).
As elites financeiras pressionaram para eliminar os regulamentos, e o resultado foi o que
poderia ser descrito como o sistema neoliberal de regulamentação financeira. (...).
(...) os caminhos macroeconômicos e das finanças da profissão econômica fizeram uma séria e
errada volta quando abandonaram os conhecimentos desses economistas [Karl Marx, John
Maynard Keynes, e Hyman Minsky] e adotaram as ideias neoclássicas de Milton Friedman,
Robert Lucas, Eugene Fama e Thomas Sargent. Essas ideias, de mercados eficientes, valor para
o acionista [‘shareholder value’] e uma macroeconomia de pleno emprego inerentemente
estável contribuíram para o abandono da regulamentação financeira, da política
macroeconômica anticíclica, e da ampla orientação pública em direção a finanças e
investimentos socialmente produtivos que tinham sido contemplados, por exemplo, por Keynes
e Minsky.
A globalização financeira, a inovação financeira e a expansão do crédito estimulavam em curto
prazo crescimento e inovação da economia real, mas também o aumento expressivo dos fluxos
de capital no nível global criando problemas cambiais e bancários quando os fluxos cessam ou
se revertam. Desequilíbrios globais entre países com superávits expressivos na conta corrente
(países ‘Poupadores’ como a China, o Japão, a Alemanha e os países da OPEP do Meio Oriente)
529

que financiavam países com déficits expressivos na conta corrente (países “Gastadores”,
especificamente os Estados Unidos) facilitavam também o financiamento e o desenvolvimento
de uma bolha especulativa no mercado imobiliário dos Estados Unidos na década de 2000 com
juros baixos.

Crises financeiras abalavam na década de 1990 e no século XXI antes da crise financeira global
em primeiro lugar mercados emergentes, como a crise de México em 1994/1995, a crise no
leste asiático em 1997/1998 (Tailândia, Indonésia, Malásia, Coréia do Sul, e Filipinas), a crise de
Rússia em 1998 e as crises do Brasil em 1998/1999 e 2002/20003 e a crise de Argentina e
Turquia de 2001/2002, entre outras. Muitos destes países tinham regimes relativamente
rígidos de câmbio (conselhos monetários –Argentina -, taxas de câmbio fixas ou administradas)
antes das crises. Politicas macroeconomias insustentáveis com regimes de taxas de câmbio
fixas, entradas de capital expressivas que voltavam para o país da origem nos primeiros sinais
de uma crise, criavam um ambiente onde a defesa da taxa de câmbio fixo esvaziou as reservas
internacionais, desencadeando ataques especulativos e crises cambiais. Estas crises estavam
causando recessões severas, aumento da pobreza e, parcialmente, crises políticas e sociais, em
partes por causa das políticas de austeridade do FMI em troca de créditos fornecidos pelo FMI.
Na Indonésia em 1998 e na Argentina em 2002 houve quedas percentuais do PIB de dois
dígitos, enquanto o Brasil saiu relativamente bem da crise em 1998/1999 com crescimento
menor, mas positivo, do PIB em 1999, mas em 2002 houve novas turbulências cambiais no
Brasil nos períodos pré- e pós-eleitoral, gerando uma crise de confiança dos investidores
financeiros internacionais e nacionais com fugas de capitais e uma expressiva depreciação da
taxa de câmbio seguido de um surto inflacionário. Todas estas crises não tinham impactos
globais prolongadas e foram resolvidas por pacotes de ajuda (créditos) pelos órgãos
internacionais (FMI, Banco Mundial etc.) e dos países centrais sob a premissa de que houvesse
mudanças estruturais nos países atingidos em direção das receitas das políticas neoliberais.
Nas elites e nos povos destes países esta experiência deixou uma lembrança amarga da
ideologia neoliberal e das políticas dos órgãos internacionais e dos países centrais e levou os
países para uma estratégia de acumular mais reservas em um ambiente da economia global
favorável na década de 2000, de introduzir sistemas cambiais mais flexíveis, para evitar os
problemas das crises relacionadas à globalização econômica e financeira.

Mas também nos países centrais houve estes ciclos de desregulamentação e euforia seguida
por pânico, como na crise das instituições da poupança (Saving & Loan crisis) nos Estados
Unidos no fim da década de 1980 e na crise japonesa com o estouro da bolha especulativa no
mercado acionário e imobiliário começando em 1990, e crises bancárias na Escandinávia no
530

início da década de 1990, criadas também pela especulação financeira e imobiliária. Nos países
centrais estas crises financeiras foram seguidas por recessões ou estagnação da economia.
Depois do estouro das bolhas especulativas nos mercados de ações e imobiliárias, houve uma
crise prolongada no Japão começando em 1990. A estagnação da atividade econômica, bem
como problemas no setor bancário, permaneceu na economia japonesa por mais de uma
década, apesar de políticas monetárias e fiscais expressivamente expansionistas. O NIKKEI, o
índice do mercado de ações japonesas se mostrou inferior a 10.000 pontos ainda em 2011,
muito menor do que os 38.000 pontos registrados em 1990, mas subindo lentamente depois
de 2013 como consequência da política monetária muito expansiva do Banco de Japão. Em
1992/1993 a crise do Sistema Monetário Europeu (SME), criada por desalinhamentos e
inflexibilidades do sistema de câmbio fixo SME e a especulação cambial induzida, forçou a
saída do Reino Unido e da Itália do SME e a desvalorização das moedas de Espanha e Portugal.

A estagnação da economia dos Estados Unidos depois do estouro da bolha especulativa no


mercado de ações das novas tecnologias em 2000/01 (negociadas em primeiro lugar na bolsa
de valores NASDAQ) somente foi evitada por uma política monetária expansiva prolongada da
Federal Reserve com uma taxa básica de juros de um por cento até 2004. Mas a política
expansionista monetária prolongada teve como consequência uma bolha especulativa no
mercado imobiliário norte-americano e uma expansão expressiva do crédito hipotecário,
especialmente no segmento subprime (créditos de alto risco). Com o começo da queda
expressiva dos preços de ativos imobiliários em 2006 espalhou-se uma crise financeira nos
Estados Unidos em 2007/2008 (crise subprime), com falências de bancos e ações de salvação
de bancos e instituições financeiras pelo governo dos Estados Unidos e da Federal Reserve.
Esta crise teve impactos globais, embora Brasil conseguisse sair relativamente rápido desta
crise.

As crises nos mercados emergentes foram em primeiro lugar resolvidas com mais créditos e
sistemas de câmbio mais flexíveis, mas seguidas por políticas de austeridade que os órgãos
internacionais forçavam como condicionalidade dos empréstimos. Nestes países as empresas,
os contribuintes de impostos e os trabalhadores estavam pagando os custos das crises. Nos
países centrais muitas crises foram resolvidas não através de políticas de austeridade (como
nos países emergentes nas crises anteriores), mas através de políticas monetárias e fiscais
expansionistas prolongadas aumentando a dívida pública e os riscos assumidos pelo setor
público, embora já na crise da área do euro começando em 2010 políticas de austeridade fiscal
ganhavam espaço na discussão controversa entre as elites. Embora no primeiro momento os
resgates fossem financiados pelo Estado [‘bail-out’], em último lugar os custos da crise são
531

pagos pelos contribuintes dos impostos e pelos trabalhadores com desemprego e corte de
benefícios sociais. As instituições financeiras, parcialmente responsáveis pela crise, foram
envolvidas no pagamento dos custos da crise de forma menor [‘bail-in’], com exceção da crise
da Suécia na década de 1990 e da crise de Chipre na década de 2010. Esta situação do
desequilíbrio social da distribuição dos custos da crise está especialmente obvio nos países do
sul da Europa, onde políticas de austeridade levavam a um aumento do desemprego, da
pobreza e da desesperança, mas também levando a resistência contra as politicas de
austeridade.

O quadro seguinte mostra as crises na década de 1990 e do novo século que tinham impactos
significantes sobre a economia brasileira, embora os impactos da crise na área do euro para o
Brasil foram menores, bem como a crise japonesa e a crise do sistema monetário europeu
(SME).

Quadro 10 Crises financeiras e cambiais pós-Plano Real


Ano Origem Causas Efeitos
Queda expressiva dos preços das
ações e das imóveis, crise bancária,
Bolha especulativa no mercado acionário e
estagnação prolongada da economia
1990 Japão imobiliário financiada por expansão expressiva do
também com politicas fiscais e
crédito. estourando em 1990
montárias expressivamente
expansionistas.
Outros países do SME também
Sistema de câmbio fixo entre os participantes do entravam em crises cambiais, saindo
sistema monetário europeu (SME), a do SME ou desvalorizando sua
sobrevalorização da libra foi percebida pelos moeda. As bandas do SME tornavam-
Reino
1992 especuladores e depois de ataques especulativos se mais amplas. Os efeitos da crise
Unido
intensos contra a libra, o Reino Unido saiu do SME sobre a economia real nos países
e com a libra desvalorizada a economia teve atingidos foram amenos com exceção
impulsos expansionistas fortes. de alguns países escandinavos ainda
sob os efeitos de uma crise bancária.
Câmbio sobrevalorizado, sistema de câmbio fixo, Desvalorização e depreciação, crise
déficit na conta corrente, bolha de crédito, crise bancária e recessão profunda;
política, crise de confiança, ruptura súbita dos contágio da crise para América Latina
1994 México
influxos de capital, ataques especulativos contra a (efeito tequila). Pacote de ajuda
moeda nacional, colapso do sistema de câmbio pelas instituições internacionais e
fixo. países centrais.
Sudeste Bolha de crédito e de investimentos (na Tailândia Introdução de regime de câmbio
asiático com foco no mercado imobiliário) pela entrada de flutuante, depreciação expressiva,
(Tailândia, capitais de curto prazo, sistema de câmbio fixo, contágio para o mundo, crise
1997 Malásia, regulamentação frágil dos bancos, crise de bancária e profunda recessão e na
Indonésia, confiança, saída de capital e ataques especulativos Indonésia crise política. Pacote de
Coréia do contra as moedas nacionais, colapso do regime de ajuda pelas instituições
Sul) câmbio fixo. internacionais e países centrais.
Depreciação expressiva, default
Políticas econômicas internas não sustentáveis, sobre parte da dívida pública interna
Rússia
queda nos preços de commodities (especialmente e externa, crise bancária e recessão
1998 (agosto
petróleo e gás), moeda sobrevalorizada, crise de profunda. Contágio para o Brasil.
1998)
confiança, saída de capital, ataques especulativos. Pacote de ajuda pelas instituições
internacionais e países centrais.
532

Sistema de câmbio administrado com câmbio


Desvalorização em janeiro 1999,
sobrevalorizado, déficit na conta corrente e déficit
saída para um sistema de câmbio
fiscal elevado, dívida pública crescente, contágio
flexível, depreciação expressiva,
1998/1999 Brasil da crise russa para o Brasil, crise de confiança,
contágio para Argentina. Pacote de
saída de capital e ataques especulativos contra a
ajuda pelas instituições
moeda nacional (real), colapso do regime de
internacionais.
câmbio administrado em janeiro de 1999.
Sistema cambial fixo com conselho monetário,
recessão prolongada da economia (também em Desvalorização e saída para um
consequência da depreciação do real em 1999), sistema de câmbio flexível,
Argentina
elevada dolarização da dívida, crise fiscal, fuga depreciação expressiva, default sobre
2001 (Dezembro
para o US$, crescimento do risco país e a dívida externa, crise bancária
de 2001)
impossibilidade de rolar a dívida, tentativa de profunda, recessão profunda e crise
evitar saques de depósitos bancários. Pacote de política e social.
ajuda pelas instituições internacionais.
Depreciação do real, falta de crédito
no mercado financeiro internacional,
Brasil (no Crise de confiança no período pré- e pós-eleitoral,
queda do crescimento e aumento da
período incerteza sobre o pagamento futuro da dívida
2002/2003 inflação. Um pacote de ajuda do FMI
pré- e pós- externa, fuga de capital, depreciação, dívida
e uma política monetária e fiscal
eleitoral) pública e risco país em ascensão.
restritiva do novo governo levavam a
uma saída da crise.
Crise de confiança e de liquidez no
Bolha no mercado imobiliário e no mercado de
nível global, crises bancárias em
crédito (especialmente hipotecas), queda nos
muitos países, recessão em nível
preços imobiliários começando em 2006, default
mundial, queda dos preços de ativos
crescente dos devedores de hipotecas, como
financeiros e de commodities no
consequência queda expressiva dos preços da
nível global, falta de crédito no Brasil,
dívida lastreada por hipotecas (CDO) vendida para
Estados depreciação expressiva do real.
instituições financeiras em todo mundo, falência
Unidos Maciças intervenções dos governos,
2008/2009 (por exemplo, Lehman Brothers) e quase falências
(crise dos bancos centrais e do FMI: injeção
de instituições financeiras (por exemplo, a
subprime) de trilhões de dólares de liquidez no
seguradora mais importante dos Estados Unidos
sistema financeiro e pacotes
AIG foi praticamente nacionalizada pelo Governo
enormes de medidas fiscais para
dos EUA, como também os GSE Fannie Mae e
evitar uma nova Grande Depressão.
Freddie Mac). Crise sistêmica financeira e
Problemas de dívida pública em
econômica no nível global. Recessão em muitos
expressiva ascensão em muitos
países.
países.
533

A rolagem de títulos vencendo


tornou-se impossível com o risco país
em expressiva ascensão nos países
em crise. Os países em crise
Na primavera de 2010 iniciou-se a crise da dívida precisavam de fundos financeiros
soberana na área do euro nos países Portugal, para não entrar em default. Bancos
Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, por causa da credores tornavam se frágeis com
desconfiança dos investidores internacionais carteiras expressivas de títulos de
sobre um possível default destes países sobre a dívida dos países em crise. O Fundo
dívida pública (Dívida pública/PIB 2010: Portugal: de emergência da área do euro
93%, Irlanda: 96%, Itália 119%, Grécia 143%, concedeu créditos de emergência
Espanha 60%). Como consequência o risco país para Grécia, Irlanda, Portugal e
Crise da destes países subiu expressivamente. Bancos dos Espanha. O ECB [European Central
dívida países europeus com pouco capital tornavam se Bank] começou a prometer comprar
soberana frágeis, porque estavam fortemente investidos em títulos da dívida soberana dos países
na área do títulos de dívida dos países em crise, tornando se atingidos (e depois também
euro uma crise bancária, levando a programas de ajuda introduzindo programas para a
2010/2011
(Portugal, para os países em crise, em primeiro lugar para compra destes títulos, assumindo
Irlanda, salvar os bancos credores nos países como riscos do setor privado, mas
Itália, Alemanha, França e outros. Causas da crise: resolvendo parcialmente os
Grécia, Entrade forte de capital estrangeiro antes da crise, problemas dos bancos dos países
Espanha) com ruptura súbita na crise. Programas fiscais centrais). Na primavera de 2012
expansionistas na crise financeira global de houve um default sobre parte da
2008/09 e salvação de bancos (Irlanda e Espanha dívida pública de Grécia com prejuízo
em primeiro lugar), bolhas nos mercados efetivo de cerca 80% para os
imobiliários e de crédito (Irlanda e Espanha), detentores privados. Política do ECB
resgate dos sistemas financeiros com dinheiro de injetar liquidez no setor bancário
público, dívida pública aumentando e comprar títulos da dívida soberana
expressivamente em um ambiente de um credit dos países atingidos pela crise. Os
crunch. pacotes de ajuda sob politicas de
forte austeridade foram em primeiro
lugar focados em salvar bancos em
países não diretamente atingidos
pela crise, como Alemanha e França.
Fonte: elaborado pelo autor

i. A crise no Japão na década de 1990

A crise japonesa da década de 1990 teve poucos impactos sobre o Brasil, mas o estouro de
uma bolha especulativa no mercado imobiliário (e também no mercado acionário) e suas
consequências para as instituições financeiras e a economia real pode ser visto como um sinal
para os acontecimentos na crise financeira global de 2008/2009, embora a crise japonesa não
tivesse os impactos globais da crise de 2008/2009. Blanchard [p. 433 p.] descreve o
desempenho especular da economia japonesa depois da segunda Guerra Mundial: “De 1950 a
1973 a taxa média de crescimento foi de 7,4% ao ano. Assim como em outros países da OCDE,
a taxa média de crescimento caiu após 1973. Mas de 1973 a 1991, ela ainda era de
respeitáveis 4% ao ano (...)”.

No início da década de 1990 o sucesso econômico de Japão acabou, consequência do estouro


de uma bolha especulativa nos mercados de ações e imobiliários. Segue um período de
estagnação econômica, crises bancárias, tentativas das empresas e dos bancos de diminuir as
dívidas (de-alavancagem – ‘deleveraging’), e tendências deflacionárias, que KOO [2009] e o
534

Banco Central Europeu [ECB, 2012] chamam de recessões dos balancetes (‘balance sheet
recessions’), onde empresas e famílias altamente alavancadas tentam repagar dívidas para
evitar uma falência por insolvência. Politicas monetárias e fiscais expansionistas foram usadas
para combater as tendências deflacionárias. Na visão de KOO estas políticas foram
parcialmente sucedidas, mas não conseguiam levar a economia para uma expansão mais forte
e – noutro lado - aumentavam muito o endividamento público. Enquanto houve diferenças
entre a crise japonesa e a crise financeira global dos anos 2008/2009, as causas foram
semelhantes, o estouro de bolhas especulativas, embora na crise de 2008/2009 não houve
uma bolha no mercado acionário. O estouro da bolha mostrou nas duas crises a fragilidade das
instituições financeiras.

A tabela a seguir mostra alguns fatos importantes da crise financeira e econômica japonesa,
mostrando o aumento expressivo do índice de ações japonesas NIKKEI e dos preços
imobiliários na década de 1980 e o estouro das bolhas na década de 1990 e seus impactos
sobre crescimento, desemprego, inflação e a razão dívida pública/PIB.

Tabela 117 Variáveis macroeconômicas Japão 1980-2012, NIKKEI, Preços imobiliários


Comerciais e Residenciais
Média 1980-1990 Média 1991 -2002 Média 2003 – 2012
Taxa crescimento do PIB 4,5 1,0 0,9
Variação % -77,8% -12,7%
Taxa da Inflação 2,6 0,6 -0,1
Variação % -78,3% -122,2%
Taxa de Desemprego 2,5 3,6 4,5
Variação % 47,4% 25,3%
Déficit Fiscal/PIB -1,8 -4,5 -6,8
Variação % 146,8% 50,9%
Dívida pública bruta/PIB 64,6 108,5 199,1
Variação % 68,1% 83,6%
jan/80 dez/89 dez/02 dez/12
NIKKEI 225 6.656,60 38.130,00 8.674,80 9.814,40
Variação % 472,8% -77,2% 13,1%
Preços imobiliários comerciais 83,9 502,9 80,1 70,1
Variação % 499,4% -84,1% -12,5%
Preços imobiliários residenciais 62,2 218,8 89,8 76,3
Variação % 251,8% -59,0% -15,0%
Fonte: IMF WEO 4/2013, Statistics Bureau of Japan, cálculos próprios
Nos dados da tabela pode se ver a evolução da bolha no mercado de ações e no mercado
imobiliário até 1990 e a queda expressiva dos preços depois e seus impactos prolongados nas
variáveis macroeconômicas mais importantes, estagnação econômica e tendências
deflacionárias.
535

Reinhart e Rogoff [2008 (1), p. 11] refletem sobre as semelhanças das crises financeiras
incluindo a crise no Japão da década de 1990: “Embora cada crise financeira, sem dúvida, é
diferente, eles também compartilham semelhanças surpreendentes, na ascensão dos preços
dos ativos, na acumulação de dívida, em padrões de crescimento e, em déficits em conta
corrente. A maioria das crises históricas é precedida de liberalização financeira.” Embora não
houve uma acumulação de déficits na conta corrente no Japão precedendo a crise, bem no
contrário, mas houve uma liberalização financeira começando na década de 1980 e a ascensão
expressiva dos preços das ações e dos preços nos mercados imobiliários financiados por uma
expansão do crédito.

A crise de Japão na década de 1990 e depois mostra que o estouro de uma bolha especulativa
nos mercados de ações e imobiliários pode ter impactos macroeconômicos adversos e
prolongados, estagnação econômica, crises bancárias, e uma explosão da dívida pública pelos
custos da salvação do setor financeiro e das medidas fiscais expansionistas do governo para
compensar a queda da demanda agregada do setor privado e evitar uma nova Grande
Depressão. Kashyap [2002, p. 2] estima em 2002 que a responsabilidade do contribuinte atual
de impostos para prejuízos ocorridos [no setor financeiro], mas ainda não reconhecidos, é
provável que seja, pelo menos, 24% do PIB. Koo [2015, posição 800 pp.] adverte que em uma
recessão dos balancetes quando as empresas, que normalmente tomam empréstimos para
expandir os negócios, param de fazer isto e invés disto diminuem suas dívidas, a economia
perde duas fontes de demanda. Primero eles param de investir seus fluxos de caixa, em
segundo lugar eles param de tomar emprestadas as poupanças das famílias. A queda da
demanda agregada, no sentido keynesiano, leva a uma recessão profunda. Seguindo Koo
somente uma política fiscal expansionista pode evitar uma recessão profunda. Mas o Japão
enfrenta em 2015 uma dívida pública em por cento do PIB de 246% [IMF Datamapper]. A crise
japonesa não teve impactos sérios no mundo, e, obviamente também não para o Brasil.

Mccauley [2013, p. 579 pp.] faz uma análise da crise japonesa que mostra todos os
ingredientes da hipótese de Minsky da instabilidade do sistema financeiro numa economia
capitalista:

Os japoneses gozavam da sua bolha de todas as formas possíveis. Famílias tomavam


empréstimos para comprar casas com preços elevados, assumindo fama de assumir hipotecas
para múltiplas gerações e acumulando ativos financeiros. Empresas industriais e comerciais
tomavam empréstimos para investir no país e no exterior, para comprar as ações uns dos
outros e para transformar seus tesouros em centros de lucro através do chamado ‘zaitech’. As
empresas imobiliárias alavancaram suas participações no país e adquiriram o Rockefeller Center
e outras propriedades no exterior. Embora uma desregulamentação financeira desequilibrada,
a política monetária e a fraqueza de supervisão merecem toda a ênfase (Hoshi e Kashyap, 2000;
Okina et al., 2001; Ueda, 2000), dois fatores estruturais esquecidos, mas de longa data,
536

ajudaram a agravar os desequilíbrios financeiros japoneses. Primeiro, a estrutura financeira do


Japão fez um reforço mútuo especialmente forte entre o aumento dos preços dos ativos e a
extensão liberal do crédito bancário. Em segundo lugar, altos níveis de homogeneidade social e
confiança na sociedade japonesa interagiram com uma rara falta de dependência de
investidores estrangeiros para produzir um ciclo ‘boom-and-bust’ com um caráter
excepcionalmente local. Esta característica se estendeu tanto ao boom quanto ao período de
declínio no início e no meio da década de 1990.
Os bancos detiveram 100 a 140% do capital próprio em ações cotadas dos clientes (...). Em
meados da década de 1980, tais participações representavam mais de 100% do patrimônio
próprio do banco de uma cidade, e mais, no caso dos bancos de crédito de longo prazo e dos
bancos de confiança. Embora os ganhos não realizados em participações cruzadas em ações
não tenham sido divulgados aos acionistas, eles eram conhecidos no mercado e as agências
internacionais de rating.
À medida que os preços das ações subiam, os bancos ficaram mais ricos e emprestaram mais.
Apesar de fornecer seguro contra perdas em empresas particulares, esta estrutura financeira
criou uma ligação direta entre os preços das ações e o capital contabilizado ‘mark to market’
das principais instituições de crédito do Japão.
Recorrendo, o leitor pode se perguntar se a conexão entre os preços dos ativos e a
disponibilidade de crédito não é onipresente nos sistemas financeiros modernos. A história
usual é que empresas ou famílias possuem ativos como terrenos que podem ser usados como
colateral para empréstimos bancários. À medida que o preço da terra aumenta, o mutuário
goza de acesso a mais crédito ou ao mesmo crédito em melhores condições. No Japão, a
história usual se desenrolou. Os grandes bancos que perderam seus principais mutuários
corporativos, devido ao declínio do investimento relativo aos fluxos de caixa e ao
desenvolvimento do mercado de títulos, voltaram-se para empréstimos a pequenas empresas
contra o colateral da terra (Ueda, 2000a). Como resultado, tornou-se mais fácil de contrair
empréstimos com o colateral da terra presumindo novos aumentos de preços. Além deste
mecanismo familiar, os preços mais elevados da terra e o crédito fácil aumentaram os preços
das ações e, desse modo, diretamente alimentaram o capital do banco. Os bancos podem
assumir mais riscos e expandir seus balanços sem a necessidade de ganhar e manter o fluxo de
caixa. Assim, os preços dos ativos mais altos não só tornaram o devedor mais solvente, armou
os bancos para assumir mais riscos e ampliar o crédito. As participações cruzadas que atendiam
uma função de seguro no nível micro e transversal levaram ao longo do tempo a um motor
desenfreado de instabilidade macroeconômica.

ii. A crise do sistema monetário europeu (SME) em 1992/1993

O sistema monetário europeu [SME em inglês EMS], criado em março de 1979, foi um sistema
monetário de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, entre oito membros da Comunidade
Econômica Europeia (Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca
e Irlanda), lembrando o sistema de Bretton Woods, que quebrou no período 1971/1973.
Entravam Espanha (1989), Reino Unido (1990) e Portugal (1992). A SME criou uma nova
unidade monetária (ECU), cujo valor dependia de uma cesta de moedas europeias.
Estabeleceu-se uma banda entre as moedas dos participantes do SME (2,25%, mas 15% depois
da crise em 1992). Saindo da banda, os bancos centrais dos países em questão deveriam fazer
intervenções no mercado cambial.

Guttmann e Plihon [2013, p. 360 p.] mostram a história do SME antes da crise da 1992/1993:
537

A nova reforma, conhecida como Sistema Monetário Europeu (SME) e lançada em março de
1979, teve três características importantes. Estabeleceu uma grade de taxas de câmbio fixas
com bandas de flutuação apertadas (o chamado Mecanismo de Taxa de Câmbio), colocou uma
unidade de referência monetária no centro dessa rede (a Unidade Monetária Europeia [ECU]) e
capacitou um mecanismo intra-SME para gerenciar a sistema (Fundo de Cooperação Monetária
Europeia EMCF). O ECU, uma cesta de moedas de membros inicialmente criada com o
lançamento da serpente [monetária europeia] em 1972 como âncora de valor, deu à Deutsche
Mark um peso tão grande que a Alemanha acabou exercendo forte disciplina anti-inflacionária
nos outros membros do SME. Os ECUs, que foram emitidos pela EMCF e utilizados nas suas
intervenções de estabilização de câmbio, também serviram como reservas e para pagamentos
oficiais entre membros do SME. Se as taxas de câmbio prevalecentes se revelassem
insustentáveis e tiveram que ser alteradas, os ajustes necessários teriam que ser simétricos,
combinando assim desvalorizações e valorizações. Entre 1979 e 1983, houve vários ajustes, já
que os membros tiveram que encontrar níveis realistas e sustentáveis de taxas de câmbio entre
um choque assimétrico induzido pela desinflação liderada pelos EUA e pela recessão global.
Após a espetacular inversão da política do governo socialista Mitterrand em meio a uma crise
do franco francês em março de 1983, encerrando a penúltima tentativa de desacoplamento da
posição anti-inflacionista alemã, o SME tornou-se substancialmente mais estável até o ponto
em que não viu ajustes das taxas de câmbio após 1987. Nesse momento, os membros do EMS
poderiam manter suas respectivas moedas bastante estáveis dentro da grade ERM através de
mudanças apropriadas nas políticas de interesse nacional, ao mesmo tempo em que
convergem seus critérios de desempenho macroeconômico (principalmente nominal). Esse
sucesso do SME estabeleceu a base institucional para o salto para uma única moeda. Os dois
vetores que dirigem em direção a uma moeda única - a dinâmica de integração de uma união
aduaneira e a experiência bem-sucedida de cooperação monetária em torno do SME -
fundiram-se quando a CE [Comunidade Europeia] deu o salto para um mercado comum com o
Ato Único Europeu de 1987 (SEA). Este passo crucial na dinâmica da integração envolve
tipicamente, entre outras etapas de liberalização, a abolição dos controles relativos aos
movimentos internacionais do capital. Conforme observado por Robert Mundell (1960), existe
um "triângulo impossível" entre movimentos internacionais de capital gratuitos, taxas de
câmbio fixas e política monetária autônoma, que não podem coexistir ao mesmo tempo. Uma
dessas condições teria que cessar. Uma vez que a UE [União Europeu] acabou de introduzir a
liberalização dos movimentos de capitais depois de estabelecer taxas de câmbio fixas no SME,
era a autonomia nacional da política monetária que tinha que dar.
A crise do SME em 1992/1993, como muitas crises cambiais seguintes contra regimes de
câmbio fixo, teve início em setembro de 1992 com ataques especulativos, desta vez contra
diferentes moedas do SME, entre eles a Coroa sueca, a Lira [Itália], a Libra e o franco francês,
enfraqueceu o SMS, levou a desvalorizações e saídas do SME, para evitar estas crises cambiais
uma moeda única, o euro, foi criada em 1999/2002. No início de 1999 11 dos 15 países da
União Europeia [exceção de Grã-Bretanha, Dinamarca, Suécia e Grécia (Entrada em 2001)]
aderiram a moeda única europeia, o euro, que existe como moeda papel desde 2002.

O início da crise do SME em Escandinávia é descrito por Sevilla [1995, p.25]:


8 de setembro: Turbulência nos mercados escandinavos com taxas de juros de 14%, a Finlândia
abandonou seu ‘peg’ com o ECU de um ano, precipitando um declínio de 12 1/2 por cento no
Markka finlandês naquele dia. Os especuladores se voltaram para a moeda da Suécia vizinha e
o Riksbank elevou a taxa de empréstimo marginal em oito pontos [percentuais] para 24% e
depois 75% no dia seguinte. A incerteza nos mercados escandinavos alimentou a especulação
no SME.
538

A ‘European Parliament Fact Sheets, 5.1.0’ descreve de forma resumida a seguinte crise do
SME em 1992/1993:

O SME foi seriamente interrompido pela revolta violenta nos mercados cambiais europeus em
setembro e outubro de 1992, na sequência das dificuldades na ratificação do Tratado de
Maastricht na Dinamarca e na França. A libra esterlina e a lira tiveram que abandonar o
mecanismo cambial em setembro de 1992 e em novembro desse ano a peseta [Espanha] e o
escudo [Portugal] foram desvalorizados em 6% em comparação com as outras moedas. Em
janeiro de 1993, a libra irlandesa foi desvalorizada em 10%; em maio, a peseta e o escudo
foram ainda mais desvalorizados. Em face de uma nova onda de especulação, as margens de
flutuação aumentaram para 15% (1 de agosto de 1993).
Krugman [1999 (1), p. 432] chama a crise do SME o um exemplo clássico de um ataque
especulativo, organizado [1999 (1), p. 431] por George Soros, gerente de um fundo de hedge
global, num ataque contra a libra inglesa em setembro de 1992, vendendo à descoberta a
moeda inglesa [descoberta neste contexto quer dizer vendendo libras financiado po créditos
em llbras, esperando um lucro depois de uma possível desvalorização da libra]. Estima-se que
o fundo de hedge ganhou entre um e dois bilhões de US$ forçando em 16 de setembro de
1992 o Reino Unido para fora do SME, e a Itália seguindo no próximo dia. Krugman [1999 (1),
p. 432] adverte que um ataque especulativo bem-sucedido depende do sucesso em conseguir
o colapso do regime de câmbio fixo e a desvalorização seguinte da moeda atacada. Importante
para isto é obviamente a vulnerabilidade da moeda objetivo do ataque, fundamentos
macroeconômicos fracos, políticas macroeconômicas equivocadas ou outros fatores como as
políticas fiscais expansionistas na Alemanha depois da reunião em 1990, acompanhada depois
de uma política monetária restritiva do ‘Bundesbank’ elevando fortemente o nível das taxas de
juros e forçando outros países no SME de seguir a política restritiva, embora estes países se
encontrassem em outra situação conjuntural do que o ‘boom’ pós-reunião na Alemanha. A
resposta dos países atacadas poderia ser desvalorizar e/ou sair do SME.

Embora crises cambiais nos anos seguintes seguissem o mesmo esquema, no sudeste asiático,
na Rússia, no Brasil, e na Argentina e em outros casos, Krugman [1999 (1), p. 432 pp.] aponta
para quatro aspectos específicos da crise do SME:

Primeiro foi o papel de um grande ator - George Soros - no desencadeamento da crise. Soros
adivinhou no início do jogo a possibilidade de uma desvalorização esterlina e estabeleceu de
forma discreta uma posição curta sob a forma de linhas de crédito [em libra] de curto prazo,
totalizando aproximadamente US $ 15 bilhões. Ele estava assim em posição de lucrar com um
colapso do regime cambial e, na verdade, tentou através de suas próprias vendas [de libras]
precipitar esse colapso. Ainda não está claro o quanto foi importante o papel de suas ações
realmente (...).
Em segundo lugar, a crise demonstrou a quase irrelevância das reservas internacionais em um
mundo de alta mobilidade de capital. Os bancos centrais da Grã-Bretanha e a Itália tinham
reservas substanciais e também tinham direito, de acordo com as regras do SME, a linhas de
crédito da Alemanha. Assim, eles puderam se envolver na intervenção direta em grande escala
539

no câmbio - a Grã-Bretanha parece ter comprado cerca de US $ 50 bilhões em libras esterlinas


ao longo de alguns dias. (...).
Em terceiro lugar, as retrospectivas sobre as crises do SME apresentam um fato surpreendente:
as crises pareciam mostrar que os mercados financeiros não conseguiem antecipar as crises.
(...).
Finalmente, um fato notável sobre a crise do SME é que os países que "falharam" e foram
expulsas de suas taxas de câmbio fixas (‘pegs’) melhoraram em quase todas as medidas em o
período seguinte ao dos que conseguiram defender suas moedas. O Reino Unido, em particular,
experimentou uma rápida queda na sua taxa de desemprego sem qualquer aumento
correspondente da inflação.
A crise do SME e as crises seguintes foram também a base para formular novos modelos sobre
crises cambiais e monetárias, que são explicados em um capítulo posterior sobre as tentativas
das diferentes correntes do pensamento econômico em explicar as crises profundas do
capitalismo global. A crise do SME não teve impactos maiores fora do SME, obviamente
também não sobre o Brasil.

iii. A crise mexicana 1994/1995

Damill, Frenkel e Rapetti [2013, p. 296] apontam que todas as crises financeiras na América
Latina na década de 1990 e no início da década de 2000 (se referindo a crise mexicana de
1994/1995, a crise brasileira de 1998/1999 e a crise de Argentina em 2001/2002) foram
precedidas por ‘booms’ de influxos de capital. Krugman [1999 (1), p. 434] descreve a crise
mexicana de 1994/1995 como semelhante em alguns aspectos da crise do SME em 1992/1993,
especificamente as consequências para os países atingidos foram graves. No tempo da crise
muitos economistas pensavam que o peso mexicano e argentino foi sobrevalorizado. Em 20 de
dezembro de 1994 o governo mexicano anunciou a desvalorização do peso, surpreendendo os
agentes econômicos nos mercados financeiros e desencadeando a crise do peso mexicano
[Board of Governors of the Federal Reserve System, p. 199], que espalhou se em primeiro
lugar para os países de América Latina (efeito tequila).

Em 1989 um programa do espirito neoliberal foi iniciado pelo presidente Salinas Gortari, que
seguindo Edwards e Savastano [2001, p. 217] tinha quatro componentes básicos: “(1) A
abertura da economia à competição internacional; (2) um extensivo processo de privatização e
desregulamentação; (3) Um programa de estabilização centrado em uma taxa de câmbio
predeterminada e com base em políticas fiscal e monetária restritivas; e (4) um amplo acordo
social e econômico entre o governo, o setor privado e os sindicatos trabalhistas – conhecidos
como o Pacto – destinado a orientar as mudanças nos preços, na taxa de câmbio e nos salários
ao longo de horizontes vagamente especificados.” Em 1994 o México aderiu ao Acordo de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
540

Blanchard [1999, p. 370] aponta que “Depois de obter uma bem-sucedida redução da taxa de
inflação de 159% em 1987 para cerca de 20% em 1991, o governo mexicano decidiu manter
uma taxa de câmbio do peso quase constante em relação ao dólar. Essa decisão demonstrou
ser uma das causas da crise do peso de dezembro de 1994. Embora a taxa nominal de câmbio
em relação ao dólar permanecesse mais ou menos constante a partir de 1990, a inflação
mexicana continuou a ser substancialmente mais alta do que a americana. Isso é mostrado
pela tabela [a seguir], que fornece as taxas de câmbio reais e nominais entre o México e os
EUA no período 1990-1994”.

Tabela 118 Taxas de câmbio reais e nominais entre o México e os EUA, 1990-1994

1990 1991 1992 1993 1994


Pesos por dólar E 2,81 3,01 3,09 3,11 3,37
Nível de preços dos EUA P* 100 100,2 100,8 102,3 103,6
Nível de preços do México P 100 120,5 136,7 148,8 158,9
Taxa real de câmbio =EP*/P 100 89 81 76 78
Balança comercial mexicana/PIB (%) -1,8% -3,8% -6,4% -5,4% -7,2%
Fonte: BLANCHARD [1999, p. 370]
O déficit crescente na balança comercial e na conta corrente precisava ser financiado pela
entrada de capital estrangeiro ou pelas reservas internacionais do país. Seguindo Edwards e
Savastano [2001, p. 222] em 1994 houve uma mudança crucial na política monetária de
México em 1994: os títulos da dívida denominados em peso (Cetes) foram substituídos no
vencimento por Tesobonos, títulos de curto prazo vinculados ao dólar. Em 1994 diante de um
sistema bancário pouco regulamentado, um déficit na conta corrente em vez de 7% do PIB e o
preço de petróleo em baixo, um crescimento da dívida pública atrelada ao dólar, de uma
revolta armada no estado de Chiapas e do assassinato de um candidato à presidência do país
levavam a um aumento do risco país de México.

Blanchard [1999] aponta que “Em dezembro, o medo de uma desvalorização provocou
grandes saídas de capital. O México tentou manter a paridade mexicana mediante a elevação
das taxas de juros. Mas era tarde demais. O peso teve de ser desvalorizado em 50% em
dezembro de 1994. Um ano depois, em dezembro de 1995, a cotação da moeda mexicana
situava-se em 7,75 pesos por dólar, em comparação com 3,45 pesos em novembro de 1994. O
motivo de uma depreciação tão grande é que os investidores estrangeiros decidiram sair do
México [todos] ao mesmo tempo. Os que permaneceram exigiram taxas de juros bastante
altas. As taxas nominais de juros de curto prazo, de janeiro a dezembro de 1995, foram em
média 50%; apesar da inflação crescente, elas implicaram também altas taxas reais de juros”.

O FMI, outras instituições e os EUA evitavam a falência de México e uma crise mundial com
créditos de cerca 40 bilhões US$, mas a economia mexicana entrou em uma recessão profunda
541

em 1995, bancos foram adquiridos por bancos estrangeiros e para muitos anos o salário real
dos trabalhadores estava em queda e o desemprego em ascensão. A tabela a seguir mostra as
perspectivas macroeconômicas de México antes, durante e depois da crise.

Tabela 119 Perspectivas macroeconômicas de México 1980 – 2012

Média Média Média


1980 – 1995 1996 1997- 2009 2010 –
1994 2008 2012
Taxa de crescimento do PIB real (%) 2,92 -6,22 5,46 3,26 -5,99 4,39
Taxa de inflação (%) 51,47 35,06 34,35 8,33 5,30 3,89
Taxa de desemprego (%) 3,50 6,23 5,45 3,29 5,46 5,13
Déficit fiscal em % do PIB (- = déficit) -0,84 -4,17 -5,29 -2,91 -4,69 -3,82
Conta Corrente em % do PIB -2,17 -0,47 -0,65 -1,73 -0,65 -0,60
Média Média Média
1990- 1994 1995 1996- 2009 2010 –
1993 2008 2012
Taxa de câmbio peso/US$ média do
3,01 3,38 6,42 9,89 13,51 12,74
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 18.185 6.441 17.046 53.792 99.889 143.402
Crédito doméstico ao setor privado (%
24,53 38,66 29,21 19,32 23,17 25,39
do PIB)
Fonte: IMF, World Bank,
A crise teve reflexos expressivos, embora diferenciados, nos países da América Latina (efeito
tequila). Krugman [1999 (1), p. 435] afirma que Argentina sentia se primeiramente protegido
do contágio da crise mexicana e ataques especulativas, porque tinha desde 1991 um regime
cambial especifico (abandonado na crise de 2001), um conselho monetário (‘currency board’),
[no caso de Argentina: uma taxa de câmbio fixo (um peso = um US$), onde cada peso é
coberta pelas reservas internacionais do país e o banco central não pode expandir a
quantidade de moeda através de operações de mercado aberto se não houvesse entrada de
capital estrangeiro na mesma quantidade]. Mas o peso argentino foi não obstante objetivo de
ataques especulativos, porque os especuladores suspeitavam que Argentina pudesse
abandonar o conselho monetário e desvalorizar o peso. Uribe [1996, p. 5 pp.] reporta que os
efeitos da crise mexicana foram sentidos no sistema financeiro, retirada de depósitos
bancários, queda de empréstimos bancários, aumento da taxa de juros (‘prime rate’ antes:
média de 10% para empréstimos em peso, 8% para empréstimos em US$, depois (março de
1995): 33% para empréstimos em peso, 22% para empréstimos em US$), derrubando o
mercado de ações de Argentina. Houve um declínio significativo das reservas internacionais.
Uribe [1996, p. 6] reporta também uma queda expressiva da produção industrial no segundo e
terceiro trimestre de 1995 (-4,6% e – 9,5%). O governo argentino pediu acesso a créditos de
instituições financeiras internacionais e credores estrangeiros privados.
542

A crise mexicana teve impactos importantes também na economia brasileira e nas políticas
econômicas do Brasil, com foco na política cambial e monetária e na política tarifária do
comércio internacional. Desde março de 1995 a taxa Selic subiu, até chegar em abril de 1995
em 85%, descendo lentamente nos próximos meses [BCB]. O índice de mercado de ações, o
índice BOVESPA, caiu desde setembro de 1994 (54.840 pontos) até chegar em março 1995 em
29.789 pontos, subindo depois. A produção industrial (índice dessazonalizado do IBGE) caiu de
93,67 em janeiro de 1995 para 81,59 em maio do mesmo ano, subindo depois.

No fim do ano 1994 as transações correntes e o saldo da balança comercial tornavam se


negativos, recuperando se depois das medidas tarifárias contadas no próximo parágrafo.
Portugal e Galvão [1996, p. 95 pp.] contam a história da política cambial no Plano Real até
1996, o Plano Real previa uma âncora cambial para garantir a credibilidade da moeda nacional:

Desde o início do Plano Real a política cambial já passou por três fases distintas. Na primeira,
que vai de julho a outubro de 1994, a política cambial permitiu que houvesse uma valorização
nominal do real em relação ao dólar. Nesse período, a âncora cambial brasileira foi ainda mais
firme do que a de Argentina, pois, em função do superávit comercial mantido no início do Plano
Real e da forte entrada de capital estrangeiro de curto prazo [por causa da diferença expressiva
de juros internos e externos], a taxa de câmbio nominal valorizou-se seguidamente, chegando a
ser cotada a 0,827 R$/US$. (...).
Em outubro, iniciou-se uma segunda fase da política cambial brasileira que perduraria até
março de 1995, quando o governo passou a dar prioridade à sustentação da taxa de câmbio
nominal como forma de impedir o aprofundamento do processo de sobrevalorização da taxa de
câmbio real. A principal medida nesse sentido foi o estabelecimento informal pelo Banco
Central de um sistema de bandas para a taxa de câmbio nominal, visando mantê-la entre os
limites de 0,85 R$/US$ e 0,83 [?] R$/US$. (...).
A terceira fase da política cambial brasileira, que se iniciou em março de 1995, teve suas
origens na crise mexicana de dezembro de 1994. Com a redução do fluxo de capitais de curto
prazo para a América Latina, gerada pela crise mexicana, e os déficits na balança comercial, que
entre novembro de 1994 e março de 1995 já acumulavam US$ 3,71 bilhões, o governo
brasileiro viu-se forçado a alterar novamente a política cambial. (...). Foi estabelecida, então
formalmente, uma banda de variação, entre 0,88 R$/US$ e 0,93 R$/US$, para a taxa de câmbio
nominal. Na prática, contudo, iniciou-se um processo de desvalorização lento, mas continuado,
da taxa de câmbio nominal, balizado pelo estabelecimento de minibandas informais, que eram
corrigidas periodicamente pelo Banco Central, sem cronograma predeterminado. (...). Assim,
em junho de 1995 as bandas formais passaram a ser reajustadas para 0,91 R$/US$, e, em
janeiro de 1996, para 0,97 R$/US$ e 1,06 R$/US$.
Os efeitos da crise mexicana sobre as regras do comércio internacional no Brasil são resumidos
em Abreu [2014, posição 10315 pp.]:

Não obstante a retórica de abertura comercial que marcou o esforço de estabilização que deu
lugar ao Plano Real, houve reversão da liberalização comercial no início do período FHC. A tarifa
efetiva média da economia aumentou de 13,6%, em 1994, para 17,1%, em 1995, e 18,7%, em
1999. Como já mencionado acima, a apreensão com a deterioração das contas externas que se
seguiu à crise mexicana, foi usada como pretexto para a restauração de barreiras comerciais
que haviam sido reduzidas em 1994. A combinação de tarifas muito altas sobre importações de
automóveis, de um lado, com tarifas de importação de autopeças especialmente baixas, de
543

outro, deu lugar a um “regime automotivo”, montado em comum acordo com a Argentina, com
tarifas de importação efetivas de mais de 200% em 1996.

iv. A crise no leste asiático 1997/1998

A crise asiática de 1997-1998 centrou a atenção para os perigos dos países em


desenvolvimento dentro de um mundo dominado pelas finanças fluidas. Isso trouxe para casa o
fato de que a liberalização financeira pode resultar em crises mesmo em "economias
milagrosas". A crise marcou um grande revés para o "milagre asiático oriental": mais de uma
década após essa crise, as economias afetadas não conseguiram realmente recuperar o seu
dinamismo pré-crise. E as economias asiáticas mais bem-sucedidas no período subsequente
(como a China e, em menor medida, a Índia) têm sido muito mais cautelosas com a ampla
liberalização financeira. C. P. Chandrasekhar e Jayati Ghosh91
Krugman [1999 (2), p. 116] descreve a crise asiática em 1997, que se espalhou para boa parte
da Ásia, da seguinte forma: “em 1997, a desvalorização da moeda tailandesa, o baht,
desencadeou uma avalanche financeira, que enterrou boa parte da Ásia. A questão capital é
por que aconteceu esse fenômeno. Por que a queda do baht foi tão profunda? A resposta
sucinta é “pânico”. (...). No entanto, muito mais importantes para a economia são os pânicos
que, independentemente das suas causas, validam-se a si mesmos – pois o próprio pânico
justifica o pânico”.

Radelet e Sachs [2001, p. 121] caracterizam a crise asiática da seguinte forma: “A crise
financeira do Leste Asiático é notável de vários modos. Ela deu um golpe na maior parte das
economias em rápido crescimento do mundo e tornou necessárias as maiores assistências
financeiras da história. Ela foi a crise financeira mais acentuada que feriu o mundo capitalista
desde a crise da dívida de 1982. Ela foi também a crise menos antecipada dos últimos anos. ”
Eles caracterizam também a crise como uma “crise de sucesso, causada por uma expansão de
empréstimos internacionais, seguida de uma súbita saída de fundos. ” [p.123]

Eles também identificam cinco tipos de crises financeiras [p. 124 pp]

1. Crise induzida pela política macroeconômica, uma crise de balanço de pagamentos


ocorre, quando a política monetária (expansão de crédito) não é compatível com o
regime de câmbio fixo ou administrado (ataques especulativos, perda de reservas,
abandono do regime de câmbio fixo, depreciação de moeda).
2. Pânico financeiro, onde os credores de curto prazo cortam suas linhas de crédito para
devedores solventes e não abrem a possibilidade de rolar a dívida em vencimento. Um
credit crunch é uma forma do pânico financeiro, bem como de certa forma também
uma corrida bancária.
544

3. Colapso da bolha, onde um aumento expressivo – não sustentado pelos fundamentos


econômicos – dos preços de ativos financeiros, imobiliários ou de commodities leva
em algum momento não previsível ao estouro da bolha e a queda dos preços e a
destruição de riqueza financeira.
4. Crise de risco moral, onde bancos usam a proteção estatal de depósitos e a garantia de
um bail-out pelo setor público em caso de problemas financeiros para expandir o
crédito para devedores arriscados ou mesmo devedores fraudulentos.
5. Socorro desordenado, onde problemas de coordenação entre credores levam a uma
corrida dos credores para a liquidação forcada do devedor ilíquido ou insolvente.

Eichengreen, [2000, p. 242 pp.] mostra que

A crise asiática foi tão chocante por ter ocorrido sob o pano de fundo de condições econômicas
e financeiras favoráveis. Suas políticas monetárias e fiscais eram em geral bem equilibradas. Os
tigres asiáticos não ostentavam nem os enormes déficits fiscais, nem a inflação persistente
característica de outros países em desenvolvimento propensos a crises. (...).
A crise tailandesa era previsível e foi amplamente prevista. Irrompeu no verão de 1997, quando
o banco central tailandês havia exaurido suas reservas internacionais (...). O que não se previu
foi a violência com que a crise se espalharia pelos países vizinhos. (...) três importantes lições da
crise asiática são claras. Primeira: países com sistemas bancários fracos são particularmente
propensos a crises cambiais. (...). Segunda: a crise asiática fornece ainda outra lembrança da
velocidade e extensão do contágio. ... Terceira: a crise asiática mais uma vez ilustra as pressões
em favor de maior flexibilidade cambial.
A tabela a seguir mostra as perspectivas macroeconômicas dos países mais atingidos pela
crise, mostrando que – diferente de muitas outras crises – os países tinham uma política fiscal
sensata (o déficit fiscal em relação ao PIB foi pequeno e a dívida pública em relação ao PIB foi
muito menor do que 50%) e uma inflação baixa. a queda expressiva da participação das
importações no PIB na crise levou a uma relação conta corrente ao PIB positiva muito elevada
em 1998.

Tabela 120 Perspectivas macroeconômicas de Coréia do Sul, Indonésia, Malásia e Tailândia,


1980 – 2012

Média Média
Média
1980 – 1997 1998 2009 2010 –
1999-2008
1996 2012
Taxa de crescimento do PIB real (%)
Coréia do Sul 8,37 5,77 -5,71 5,46 0,32 3,99
Indonésia 6,45 4,70 -13,13 4,65 4,63 6,31
Malásia 7,38 7,32 -7,36 5,50 -1,51 5,95
Tailândia 7,80 -1,37 -10,51 4,74 -2,33 4,77
Taxa de inflação (%)
Coréia do Sul 7,57 4,44 7,51 2,92 2,76 3,05
Indonésia 9,23 6,19 58,02 10,06 4,81 4,92
Malásia 3,69 2,66 5,29 2,41 0,60 2,19
545

Tailândia 5,52 5,60 8,00 2,56 -0,85 3,37


Taxa de desemprego (%)
Coréia do Sul 3,22 2,62 6,95 3,92 3,65 3,48
Indonésia 3,19 4,68 5,46 8,80 7,87 6,63
Malásia 5,24 2,45 3,23 3,43 3,68 3,12
Tailândia n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d.
Déficit fiscal em % do PIB (- = déficit)
Coréia do Sul 2,46 2,56 1,21 1,98 0,02 1,80
Indonésia 0,31 -1,25 -2,29 -0,89 -1,76 -1,07
Malásia 0,69 3,98 -0,68 -3,95 -6,16 -4,19
Tailândia 2,92 -1,68 -6,29 -1,20 -3,18 -1,08
Conta Corrente em % do PIB
Coréia do Sul -0,45 -1,54 11,93 2,41 3,93 2,99
Indonésia -2,67 -1,76 4,19 2,76 1,97 -0,61
Malásia -4,12 -5,93 13,20 12,75 15,53 9,50
Tailândia -5,09 -2,06 12,78 3,49 8,30 1,86
Média
Média Média
1997 1998 2009 2010 –
1990- 1996 1999-2008
2012
Taxa de câmbio moeda nacional/Milhões US$ média do período
Coréia do Sul 771,9 951,3 1.401,4 1.120,9 1.276,9 1.130,3
Indonésia 2.094,5 2.909,4 10.013,6 9.106,9 10.389,9 9.082,5
Malásia 2,60 2,81 3,92 3,70 3,52 3,12
Tailândia 25,32 31,36 41,36 39,30 34,29 31,09
Reservas Internacionais Milhões US$
Coréia do Sul 22.720,0 20.465,1 52.099,6 166.318,3 270.437,1 307.428,4
Indonésia 12.942,2 17.486,8 23.605,8 37.530,6 66.118,9 105.061,6
Malásia 21.073,1 21.470,2 26.235,7 58.138,8 96.704,1 125.961,2
Tailândia 26.448,2 26.897,4 29.537,1 54.896,4 138.419,1 173.415,5
Crédito doméstico ao setor privado (% do PIB)
Coréia do Sul 54,0 62,5 68,6 88,7 107,0 100,4
Indonésia 50,1 60,8 53,2 23,4 27,6 30,4
Malásia 104,78 158,39 158,51 117,45 111,61 111,44
Tailândia 113,87 165,72 155,90 106,43 116,42 132,13
Fonte: IMF, World Bank,

Na interpretação dos dados é importante considerar que os dados da primeira coluna são
dados médios, por exemplo, de janeiro de 1997 para agosto de 1997 as reservas internacionais
de Tailândia caiavam de cerca 40 bilhões de US$ para 26 bilhões, o que reflete melhor os
problemas que o país enfrentou em 1997 que os dados anuais apresentados. Todos os países
relatados enfrentavam sérias crises cambiais. Todos os países tinham um déficit na conta
corrente nos anos anteriores da crise, maior na Malásia e Tailândia. Malásia e Tailândia
experimentavam uma expansão forte do crédito ao setor privado. A Malásia enfrentou a crise
com controles de capital. Todos os países relatados começavam depois da crise acumular
reservas para enfrentar melhor preparado uma nova crise.
546

Chandrasekhar e Ghosh [2013, p. 311 pp..] resumem a crise asiática de 1997/1998 e seus
impactos na retrospectiva, avaliando negativamente as intervenções do IMF [as politicas de
austeridade como condicionalidade de créditos do IMF] na crise:

Agora é bastante óbvio que as crises monetárias e financeiras têm efeitos devastadores sobre a
economia real. Mesmo quando as crises são essencialmente de origem financeira e em seu
desdobramento, seus efeitos, infelizmente, não permanecem confinados ao domínio das
finanças. A crise de liquidez resultante e a onda de falências resultam em deflação severa, com
consequências para o emprego e o padrão de vida. A adoção pós-crise das estratégias de
estabilização convencionais do Fundo Monetário Internacional (FMI) tende a piorar a situação.
Posteriormente, os governos tornam-se tão sensíveis à possibilidade de crises futuras que
continuem a adotar políticas macroeconômicas muito restritivas e restringir a despesa pública
mesmo em setores sociais cruciais. Finalmente, a deflação e a desvalorização do preço dos
ativos abrem caminho para entradas de capital estrangeiras que financiam uma transferência
de propriedade de ativos de investidores nacionais para investidores estrangeiros, permitindo
assim uma conquista pelo capital internacional de ativos e recursos nacionais importantes.
De certa forma, todas as economias que estiveram profundamente envolvidas na crise asiática
(Tailândia, Coreia do Sul, Indonésia, Malásia e Filipinas) se recuperaram, pelo menos em termos
de eventual retomada do crescimento do produto. Mas a recuperação não significou um
retorno ao status de "milagre". Em vez disso, acompanhou a aquisição significativa, a preços
desinflados, de ativos produtivos nessas economias por empresas estrangeiras. Isso envolveu
uma reestruturação substancial do setor financeiro. Isso alterou a natureza do engajamento
com o sistema mundial dessas economias. E envolveu um revés para as conquistas na frente do
desenvolvimento humano.
(...). O ajuste inicial da crise variou significativamente em todos os países, com uma aceleração
da liberalização em alguns (Coreia do Sul e Tailândia) e maior intervenção em outros (Malásia).
A resposta imediata tendeu a ser significativamente afetada pela extensão da intervenção do
FMI. De fato, o FMI foi fortemente criticado (Chandrasekhar e Ghosh, 1999; Stiglitz, 2004) por
seu papel, porque respondeu de forma que pode ter intensificado a crise. Em situações de
deflação de ativos e colapso associado à atividade econômica nos países atingidos por crises,
impôs uma maior pressão deflacionista ao exigir uma política monetária apertada e altas taxas
de juros (para reduzir as saídas de capital) e reduções nas despesas públicas (para gerar mais
superávits fiscais ou redução de déficits fiscais). Como resultado, a Tailândia, a Indonésia e a
Coreia do Sul sofreram reduções excepcionalmente acentuadas na atividade econômica e a
recuperação subsequente foi essencialmente facilitada por uma combinação de aumentos de
exportação induzidos pela desvalorização e alguma expansão fiscal, (...).
Durante a década subsequente, todas essas economias se recuperaram, embora de maneiras
diferentes e em diferentes graus determinados pela natureza da resposta política em países
individuais. Mas a recuperação não significou um retorno ao status de "milagre". Isso ocorre
porque a crise não levou a mudanças reais na estratégia de crescimento liderada pelas
exportações ou a uma maior regulamentação financeira que teria reduzido a fragilidade
financeira e possibilitado um crescimento mais inclusivo (Ghosh e Chandrasekhar, 2009a).

v. A crise na Rússia 1998

Em seu livro sobre a globalização Stiglitz [2002, p. 184 pp.] adverte que a crise da Rússia em
1998 foi parcialmente consequência da crise asiática em 1997, que deixou investidores mais
atentos com seus investimentos em países emergentes, e parcialmente consequência do
processo da transição de uma economia centralmente planejada para uma economia de
547

mercado depois da queda da União Soviética em 1991. Este processo de transição foi feito
com uma estratégia de choque neoliberal o que levou a muitos problemas econômicos e
sociais. Este clima de incerteza – por lado da população russa, bem como dos investidores
internacionais que haviam emprestado a Rússia, – acompanhada da dificuldade do governo
russo de arrecadar impostos e da queda da receita das exportações russas por causa da queda
expressiva dos preços de petróleo levou o país ao default.
Stiglitz conta a história:
Entre maio e junho de 1998 ficou claro que a Rússia precisaria de ajuda externa para manter
sua taxa de câmbio. A credibilidade da moeda havia acabado. Na crença de que uma
desvalorização era inevitável, as taxas de juros internas subiam rapidamente, e cada vez mais
dinheiro saía do país à medida que as pessoas convertiam seus rublos em dólares. Por causa do
medo que a população russa tinha de guardar rublos e da falta de confiança na capacidade do
governo de quitar sua dívida, em junho de 1998 o governo teve que pagar quase 60 por cento
de juros sobre seus empréstimos em rublos (GKOs). (...). O mercado imaginava haver uma
grande probabilidade de inadimplência, e o mercado estava certo.
E Stiglitz também conta as consequências;
(...). Os especuladores podiam ver a quantidade de reservas restante, e, conforme ela diminuía,
apostar cada vez mais em uma desvalorização foi se tornando a única alternativa. Esses
especuladores não arriscaram quase nada no colapso do rublo. Como era esperado, o FMI
socorreu a Rússia em julho de 1998 com um empréstimo de 4,8 bilhões de dólares. ....O pacote
total de socorro era de 22,6 bilhões de dólares. (...). Esperava-se que o dinheiro do Fundo
Monetário Internacional destinado a socorrer países com problemas fosse utilizado para apoiar
a taxa de câmbio. (...). Nossos cálculos mostravam que a taxa de câmbio da Rússia estava
supervalorizada, portanto, prover dinheiro para mantê-la seria somente má política econômica.
(...). Três semanas após a concessão do empréstimo, a Rússia anunciou uma suspensão
unilateral dos pagamentos e uma desvalorização do rublo. A moeda russa despencou. (...). A
recessão no Brasil agravou-se e o país acabou enfrentando também uma crise de sua moeda.
(...). O Federal Reserve Bank de Nova York planejou o socorro a um dos maiores fundos hedge,
o Long Term Capital Management, pois temia que a falência desse fundo pudesse precipitar
uma crise financeira global. (.. ). Nossas próprias previsões provaram estar corretas apenas em
parte: achávamos que o dinheiro poderia vir a sustentar o nível da taxa de câmbio por três
meses; isso só foi possível por três semanas. Sentimos que seriam necessários dias ou até
mesmo semanas para que os oligarcas retirassem o dinheiro do país; foram necessárias apenas
algumas horas para isso. (...). Quando o FMI foi confrontado com os fatos – os bilhões de
dólares em contas de bancos na Suíça e em Chipre apenas alguns dias depois o dinheiro entrar
no país -, alegou que esses não eram os seus dólares.
Pinto e Ulatow [2010, p. 2] descrevem o default de Rússia em 1998, levando a uma crise
cambial, bancária e o contágio da crise para o Brasil, entre outros países:
O colapso da Rússia em 1998 é mais um exemplo de globalização financeira que está sendo
associada a uma crise em um mercado emergente em vez de uma melhor alocação de recursos
e crescimento mais rápido. Em 17 de agosto de 1998, o governo russo desvalorizou o rublo e
anunciou uma reestruturação forçada de suas obrigações de dívida em rublo devido ao final de
1999, cujo valor nominal era de US $ 45 bilhões na taxa de câmbio anterior à crise. Também
declarou uma moratória de 90 dias sobre os acordos de dívida externa privada, posições curtas
sobre as emissões de divisas e margens de operações de recompra (repo) para ajudar seus
bancos comerciais, que estavam fortemente expostos à dívida pública. Mas os grandes bancos
privados de Moscou acabaram desmoronando de qualquer maneira, com os depositantes dada
a alternativa de transferir seus depósitos para a caixa de poupança pública Sberbank.
548

(...). O contagio da Rússia de 1998 levou a um aumento substancial de spreads em títulos


soberanos em mercados emergentes e títulos de longo prazo de empresas em países
industrializados, bem como um grande aumento na volatilidade desses spreads.

Quando os preços de petróleo novamente começavam a subir rapidamente em 1999/2000 a


economia russa se recuperou também rapidamente. A crise russa teve contágio expressivo
para a economia do Brasil, provavelmente por causa de mudanças nas expectativas dos
agentes econômicos sobre os problemas dos mercados emergentes, porque as relações reais e
monetárias diretas entre Rússia e Brasil não são tão fortes para explicar este contágio. A tabela
a seguir mostra as perspectivas macroeconômicas da Rússia, a maioria dos dados do FMI
somente começa em 1993, por causa da transição da economia russa começando em 1992. Os
dados não refletem os custos catastróficos da estratégia de choque da transição para o povo
russo.

Tabela 121 Perspectivas macroeconômicas de Rússia 1993 – 2012


Média Média Média
1993 – 1998 1999 2000 – 2009 2010 –
1997 2008 2012
Taxa de crescimento do PIB real (%) -5,55 -5,35 6,35 6,96 -7,80 4,07
Taxa de inflação (%) 288,45 27,68 85,74 14,23 11,65 6,79
Taxa de desemprego (%) 8,30 11,89 13,00 7,96 8,40 6,70
Déficit fiscal em % do PIB n.d. -7,95 -3,84 4,64 -6,31 -0,49
Conta Corrente em % do PIB 1,84 0,08 12,57 9,84 4,05 4,60
Média Média Média
1993 – 1998 1999 2000 – 2009 2010 –
1997 2008 2012
Taxa de câmbio rublo/US$ média do
3,73 9,71 24,62 28,23 31,74 30,20
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 13.786 12.043 12.325 189.789 439.342 487.736
Crédito doméstico ao setor privado (%
10,47 15,63 13,09 26,11 46,15 45,87
do PIB)
Fonte: IMF, World Bank,
A expressiva acumulação das reservas internacionais depois da experiência da crise em 1998,
parcialmente devido a ascensão dos preços de petróleo desde 1999/2000, reflete as mudanças
estratégicas nos países emergentes e em transição.
É importante acrescentar que a crise russa com um default parcial sobre a dívida pública levou
ao colapso do fundo de hedge norte-americano Long-Term Capital Management (LTCM), que
precisava ser socorrido por um consórcio de instituições financeiras importantes sob a
supervisão da Federal Reserve. Neste caso um socorro pelo dinheiro do contribuinte dos
impostos ainda foi evitado, mas na crise financeira global de 2008/2009 o governo norte-
americano e com isto o contribuinte de impostos e a Federal Reserve precisavam organizar e
financiar a salvação de instituições financeiras em perigo.
Pinto e Ulatow [2010, p. 3 p.] resumem a crise do LTCM da seguinte forma:
549

Uma revisão dos eventos sugere que o colapso possível de LTCM foi precipitado em parte pela
crise russa. Dungey et al. (2006, p. 3) observam que os spreads de títulos, especialmente nos
mercados emergentes, aumentavam expressivamente após a desvalorização e inadimplência
da Rússia, já que os riscos de crédito globais foram repensados; LTCM tinha feito grandes
apostas na expectativa de queda dos spreads. Jorion’s (2000) post-mortem indica que LTCM
teve um golpe substancial logo após a crise da Rússia em 17 de agosto de 1998. Ele relata que
os spreads de crédito aumentaram acentuadamente após a “bomba” russa enquanto os
mercados de ações mergulhavam. “LTCM perdeu US $ 550 milhões em 21 de agosto sozinho” e
52 por cento do seu valor em 31 de dezembro de 1997 foi apagado até o final de agosto de
1998. Se o LTCM tivesse sido autorizado a falhar, os riscos para os EUA e o sistema financeiro
global foram julgados como catastróficos por causa de suas transações no balanço ($ 125
bilhões) e fora do balanço (US $ 1,25 trilhão em vários derivativos). O ‘deleveraging’
[diminuição da dívida] forçado para atender às chamadas de margem resultaria em uma queda
espiral para baixo - emprestando uma linguagem da recente recessão. Para evitar uma crise
sistêmica, a ‘Federal Reserve’ de Nova York organizou um resgate estimulando 14 bancos a
investir $ 3,6 bilhões para uma participação de 90% na LTCM. E o Conselho da Reserva Federal
afrouxou a política monetária agressiva, reduzindo as taxas de juros três vezes em rápida
sucessão.

A nervosidade dos investidores internacionais em 1998 levou diretamente a crise financeira do


Brasil de 1998/1999 que é tema do próximo capítulo.

vi. As crises brasileiras de 1998/1999 e de 2002/2003

A OCDE [2001, p. 63 p.] fez uma descrição resumida da crise brasileira começando com o
contágio da crise russa em 1998 para o Brasil com seu ápice na mudança para um regime
cambial flexível em 15 de janeiro de 1999:
“A confiança deteriorou-se com a eclosão da crise russa em agosto de 1998. Ao final daquele
ano, o Brasil foi pressionado mais uma vez aumentar as taxas de juros, com vistas a manter os
ingressos líquidos de capital, de forma que as taxas de juros reais superaram 40% a.a. Em
outubro, o governo anunciou ambicioso plano de estabilização fiscal. (...). Em 6 de janeiro de
1999, o estado de Minas Gerais declarou moratória unilateral da sua dívida mobiliária externa.
Esse evento precipitou a necessidade de atuação política. Uma vez que a situação fiscal provou
ser resistente a ajustes, o mercado previu que o governo abandonaria a banda de flutuação
cambial. Em 13 de janeiro, o presidente do Banco Central renunciou e a política cambial foi
imediatamente alterada. A banda de flutuação para a taxa de câmbio foi ampliada, mas, após
dois dias consecutivos de saídas líquidas de capital (em torno de US$ 3 bilhões), o banco central
decidiu abandoná-la. Em três dias, o real perdeu 22% do seu valor. De maneira geral, os
mercados foram bastante receptivos à alteração do regime de câmbio. A crise cambial liberou a
autoridade monetária da armadilha em que se encontrava e também acelerou o ajuste fiscal. ”

Miranda [2001] em seu trabalho sobre crises cambiais e ataques especulativos no Brasil
mostra as mudanças das reservas e da taxa de câmbio também para o período do Plano Real.
A tabela a seguir mostra os eventos mais importantes entre 1994 e 1999 na política cambial do
Brasil.

Tabela 122 Crises cambiais e ataques especulativos no Plano real


550

Meses em que Variação das Variação da


ocorreram ataques reservas taxa de
Observação
especulativos ou internacionais câmbio no
crises cambiais no mês (%) mês (%)
1994: Dezembro -7,5 0,1 Crise cambial do México
1995: Março -11,2 5,2 Bandas de câmbio (Plano Real)
1997: Outubro -13,3 0,6 Crise cambial da Ásia
1998: Setembro -32,0 0,6 Crise cambial da Rússia
1999: Janeiro -18,9 65,0 Fim do Regime de câmbio administrado
Fonte: Miranda, adaptações do autor

Mellagi e Ishikawa [p. 98 pp.] mostram as fases diferentes da política cambial brasileira no
Plano Real entre 1994 e 1999. Na primeira fase do Plano Real de julho de 1994 até março de
1995 houve um regime de câmbio flutuante sem intervenção do Banco Central (exceto com o
compromisso de intervenção quando o preço de dólar sobe acima do ancora cambial de um
R$/US$). Com a crise mexicana finalmente em junho de 1995 foi introduzido o regime de
bandas largas cambiais com uma intrabanda, que se deslocava gradualmente conforme a
orientação da política cambial, praticamente um sistema de câmbio administrado com
desvalorizações periódicas previsíveis. Nessa sistemática, a autoridade monetária
comprometeu-se a intervir sempre que a taxa cambial atingisse os limites da banda. As crises
cambiais e econômicas no sudeste asiático (1997), na Rússia (1998) levaram a ajustamentos da
banda e aumentos da taxa básica SELIC.

Nos gráficos a seguir os efeitos no mercado de câmbio brasileiro (taxa de câmbio R$/US$) e
sobre o Risco Brasil (EMBI + Risco Brasil), bem como no Índice BOVESPA e na taxa SELIC de
mercado desde outubro de 1994 até janeiro de 2002. A taxa de juros SELIC é uma variável da
política monetária do Banco Central do Brasil (taxa básica), a taxa de câmbio é uma variável da
política cambial do Brasil no regime de câmbio administrado, até 15 de janeiro de 1999,
quando teve uma mudança para o regime de câmbio flutuante e a variável deixou de ser um
instrumento da política cambial e foi determinado pelo mercado cambial. O Risco Brasil
(medido em pontos básicos que refletem 0,01 ponto percentual) é uma medida da diferença
entre os rendimentos de títulos soberanos brasileiros (da dívida externa) e os rendimentos de
títulos do tesouro norte-americano. O Risco Brasil é determinado no mercado secundário de
títulos soberanos brasileiros (da dívida externa brasileira) e no mercado secundário dos títulos
soberanos dos EUA, o índice BOVESPA é determinado no mercado acionário brasileiro. Existe
também a possibilidade de medir o risco soberano através da cotação de Credit Default Swaps
(CDS) para os títulos da dívida externa brasileira.
551

Gráfico 88 Risco Brasil e taxa de câmbio R$/US$ 10/1994 até 02/2002

Fonte: IPEADATA

Gráfico 89 Índice BOVESPA e taxa de juros SELIC de mercado de 10/1994 até 02/2002

Fonte: IPEADATA

Nos tempos de regime de câmbio administrado até 15 de janeiro de 1999 a taxa de câmbio
R$/US$ não mostra reflexos das crises de México, do leste asiático e da Rússia, nem do
552

contágio para o Brasil até janeiro de 1999, porque o regime de câmbio administrado previa
uma política cambial previsível de micro desvalorizações do real, até está política tornou-se
inviável em janeiro de 1999. Depois da mudança para o regime para o câmbio flutuante houve
uma depreciação muito forte da moeda brasileira chegando em 3 de março de 1999 em 2,16
R$/US$ e recuando lentamente depois [este processo é conhecido como ‘overshooting’ da
taxa de câmbio numa crise, a taxa antes da crise em 12/01/1999 de 1,21 R$/US$, uma
desvalorização depois para 1,32 R$/US$ (ampliando também a banda), que os agentes nos
mercados não aceitavam até em 15 de janeiro de 1999 houve a mudança do regime cambial]
Em setembro de 1999 começou novamente uma depreciação da moeda brasileira que se
acelerou em 2002 com previsão da eleição para o presidente. O Risco Brasil refletindo
confiança e expectativas dos investidores internacionais mostra aumentos expressivos em
cada crise (embora menos expressiva na crise asiática) chegando na crise pré-eleitoral em 27
de setembro de 2002 em 2.436 pontos básicos.

Num regime de câmbio administrado a política monetária está em primeiro lugar focada em
garantir o valor externo da moeda, a taxa de juros SELIC aumenta expressivamente em cada
crise para atrair capital estrangeiro e estancar a perda de reservas internacionais, bem como
fazer ataques especulativos mais caros. Mas uma alta taxa básica traz tendências recessivas e
não pode sustentado por muito tempo. O índice BOVESPA cai em cada crise por causa da
reversão das expectativas, da alta taxa de juros SELIC (com isto o investimento em títulos da
renda fixa torna se mais atrativo) e da diminuição da entrada de capital estrangeiro no
segmento de investimentos de portfólio ou mesmo da reversão para saídas de capital.

Krugman [1999 (2), p. 190 pp.] descreve os dias críticos na mudança de regime cambial em
janeiro de 1999:

• 13 de janeiro: O presidente do Banco Central do Brasil renúncia e o governo desvaloriza o real –


mas apenas em 8 por cento, repetindo o mesmo erro cometido pelo México e pela Rússia (ou seja,
a desvalorização sinalizava que o compromisso com a taxa de câmbio fora rompido, mas não era
suficiente para satisfazer os mercados.)
• 15 de janeiro O Banco Central deixa de intervir nos mercados e permite a flutuação do real. A
reação do mercado é surpreendentemente favorável: a moeda cai apenas 10 por cento, muito
menos do que esperavam os próceres – e o mercado acionário brasileiro registra uma alta incrível
de 33 por cento, aparentemente acreditando que o fim da âncora cambial possibilitaria a redução
das taxas de juros e o início da recuperação econômica. Será que um país do Terceiro Mundo
finalmente teria conseguido uma desvalorização bem-sucedida?
• 16-17 de janeiro: Autoridades brasileiras se reúnem em Washington com o FMI e o Departamento
do Tesouro dos Estados Unidos, que, apesar das boas notícias da Sexta-feira, insistem no aumento e
não na redução das taxas de juros, para a estabilização monetária.
• 18 de janeiro: Logo de manhã, o governo anuncia o aumento das taxas de juros; o resultado
imediato é o desanimo e o real despenca. A moeda continua caindo a cada dia. No Domingo, a
Folha de São Paulo, um dos jornais mais influentes do país, propõe a “centralização das operações
553

com moeda estrangeira”, ou seja, a adoção de controles de capital temporários. Em 28 de janeiro, o


real está sendo negociado a 2,10 por dólar, em comparação com 1,22, antes da desvalorização
inicial.
Embora a crise cambial explodisse em janeiro de 1999, as crises asiática e russa já foram sinais
para outros países emergentes que o cenário internacional e a percepção de investidores
internacionais estavam mudando. Para o Brasil problemas macroeconômicos já levantavam
preocupações desde 1995. Embora a inflação parecesse domada com o sucesso do Plano Real,
as taxas de inflação estavam ainda maiores do que nos países centrais, levando com a lenta
desvalorização da taxa de câmbio para uma sobrevalorização do real, piorando o saldo da
balança comercial e da conta corrente. As contas públicas também estavam com problemas
neste período. Desde a crise asiática as reservas estavam se esgotando com a defesa do real
com 62,5 bilhões de US$ em setembro de 1997, chegando em dezembro de 1997 em 52,1
bilhões de US$, até chegar em maio de 1998 em 73.7 bilhões de US$, recuperando se pela
entrada de capitais de curto prazo (atraídas pela taxa alta de juros, a taxa SELIC chegou de um
nível em vez de 20% a.a. para um nível de 46% a.a. em novembro de 1997, mas depois
recuando para um nível em vez de 20% a.a. desde a primavera de 1998, mas com os efeitos da
crise russa e brasileira chegando novamente ao nível em vez de 40% a.a.). A defesa do real
com a crise russa e brasileira levou a uma queda expressiva das reservas internacionais para
34,6 bilhões de US$ em fevereiro de 1999. O governo brasileiro conseguiu um pacote
financeiro de ajuda de 41.5 bilhões de US$ do FMI e de outras instituições internacionais em
dezembro de 1999. O gráfico a seguir mostra as tendências para este período até 2001 para as
variáveis externas e do déficit fiscal (acumuladas para os últimos 12 meses, o que implica certa
defasagem das mudanças) e a melhora do saldo da balança comercial e das contas públicas
depois de janeiro de 1999, embora as transações correntes não se recuperassem.
554

Gráfico 90 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Saldo da balança comercial (em
milhões US$), Déficit fiscal em % do PIB, Transações correntes em % do PIB

Fonte: IPEADATA, BCB

O gráfico a seguir mostra o desenvolvimento de segmentos da conta capital e financeira do


Brasil para o mesmo período. Os investimentos estrangeiros (líquidos) no país mostravam
queda desde a crise asiática, tornando-se negativos para um curto período no ápice da crise
brasileira, mas voltando a crescer lentamente no fim de 1999. Os investimentos estrangeiros
em carteira (líquidos) e os outros investimentos estrangeiros (líquidos) mostravam queda
expressiva na crise asiática, mas se recuperando fortemente depois (em caso dos
investimentos de carteira atraídos pelas altas taxas de juros no Brasil, mas com uma queda
expressiva nos últimos meses do ano 1998 e no início do ano 1999).
555

Gráfico 91 Brasil Dezembro de 1995 até dezembro de 2001: Investimento estrangeiro direto
(acumulados os últimos 12 meses), Investimento estrangeiro de carteira (acumulados os
últimos 12 meses), e outros investimentos estrangeiros (acumulados os últimos 12 meses)

Fonte: BCB

As transformações mais importantes na política econômica brasileira foram a mudança de


regime cambial (para o regime de câmbio flutuante), as tentativas de equilibrar as contas
públicas e a introdução de metas de inflação para a política monetária do Banco Central do
Brasil (criando também “um comitê de política monetária (Copom), com procedimentos para a
tomada de decisão e sua comunicação ao mercado, assim como a divulgação das atas das
reuniões e a elaboração de um relatório trimestral de inflação” Bacha [2017, posições 2332
pp.]). A política econômica do Brasil está caracterizada desde 1999 pelo ‘tripé’, uma
combinação dos objetivos de um superávit primário expressivo (mais do que 2% do PIB,
diminuindo na crise financeira global, mas o superávit primário nunca conseguiu eliminar o
déficit nominal), do regime de câmbio flutuante (com intervenções discricionárias do Banco
Central), e das metas de inflação para orientar a política monetária do Banco Central.

A crise brasileira de 2002/2003

A crise de Argentina em 2001 com o default de Argentina sobre a dívida externa em dezembro
de 2001 (tema do próximo capítulo) tinha seus reflexos, embora menores, sobre o Brasil com o
risco país e a taxa de câmbio em ascensão, e o mercado de ações em queda, embora na hora
do default em dezembro2001/janeiro 2002 as turbulências para o Brasil já se acalmavam. No
556

ano 2001 um fator doméstico dos problemas econômico brasileiras foi a crise energética neste
ano, consequências das secas e da insuficiência dos investimentos em geração de energia
elétrica. A crise de Argentina nos últimos anos do século XX e seus reflexos sobre o Brasil, a
recessão de Argentina piorando com a desvalorização/depreciação do real desde janeiro de
1999, é descrito por Bacha [2017, posições 10007 pp.]:

A crise argentina de 1998/ 2001 impactou fortemente o Brasil por duas vias. Primeiro,
diretamente, pois em 1998 a Argentina respondia por 13% das exportações brasileiras,
percentual que, em 2002, se reduziu para apenas 4%. Segundo, indiretamente, porque na
época o mercado não fazia muitas diferenciações entre nações emergentes, ainda mais com a
proximidade geográfica com os vizinhos, e os problemas argentinos contaminavam a avaliação
do Mercosul, afetando negativamente o financiamento ao país.
A tabela a seguir mostra as perspectivas macroeconômicas do Brasil de 1980 até 2012, uma
análise empírica de dados mensais para o Brasil, refletindo os impactos das crises
internacionais na década de 1990 e 2000 para o Brasil encontra-se em um capítulo posterior.

Tabela 123 Perspectivas macroeconômicas de Brasil 1980 – 2012

Média Média
1980 – 1998 1999 2000 – 2002 2003
1997 2001
Taxa de crescimento do PIB real (%) 2,56 0,04 0,25 2,81 2,66 1,15
Taxa de inflação (%) 656,69 3,20 4,86 6,94 8,45 14,71
Taxa de desemprego (%) 5,30 7,60 7,60 9,18 11,67 12,30
Déficit fiscal em % do PIB -5,55 -7,39 -5,29 -2,99 -4,45 -5,23
Conta Corrente em % do PIB -2,16 -3,94 -4,32 -3,97 -1,51 0,76
Média
2004-
2009 2010 – Média 2000 – 2008
2008
2012
Taxa de crescimento do PIB real (%) 4,82 -0,33 3,71 3,72
Taxa de inflação (%) 5,39 4,89 5,69 7,11
Taxa de desemprego (%) 9,69 8,08 6,07 10,09
Déficit fiscal em % do PIB -2,76 -3,09 -2,65 -3,27
Conta Corrente em % do PIB 0,60 -1,50 -2,19 -0,63
Média
1995 – 1998 1999 2000 2001 2002
1997
Taxa de câmbio R$/US$ média do 1,04 1,16 1,81 1,83 2,35 2,92
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 51.693 43.902 36.342 33.015 35.866 37.832
Crédito doméstico ao setor privado (% 39,11 30,23 30,46 31,66 30,38 30,65
do PIB)
Média 2003 – 2008 2009 Média 2010 – 2012
Taxa de câmbio R$/US$ média do
2,40 2,00 1,80
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 102.665 238.539 336.717
Crédito doméstico ao setor privado (%
38,38 53,13 58,28
do PIB)
Fonte: IMF, World Bank,
As turbulências no mercado de câmbio e nos mercados de títulos da dívida externa soberana
brasileira começavam a partir de fim de abril de 2002 (risco país e taxa de câmbio R$/US$ em
557

ascensão e o índice BOVESPA em queda). As turbulências refletiam uma crise de confiança dos
mercados financeiros com o processo eleitoral no Brasil sobre uma possível política econômica
do futuro presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva em 2003, reforçado pelo default de Argentina
sobre sua dívida soberana no fim do ano 2001. Abreu [2014, posições 10594 pp.] reflete sobre
esta crise de confiança em 2002 e sobre suas raízes econômicas e políticas:

À medida que o espaço para ilusões sobre o provável desfecho da eleição presidencial se
estreitou, o temor de que pudesse haver um calote da dívida pública deflagrou um devastador
processo de desestabilização, quando detentores de ativos financeiros, em massa, tentaram se
proteger contra perdas patrimoniais. A taxa de câmbio saltou de R $ 2,4/ US $ no começo de
março para 3,4 no final de julho, quando o risco Brasil, medido pelo EMBI, superou a marca de
2.400 pontos-base. (...).
No final de junho, Lula foi convencido a publicar uma carta aberta à Nação – “Carta ao Povo
Brasileiro” –, na qual tentava acalmar os mercados financeiros, ressaltando seu compromisso
com princípios básicos de uma política macroeconômica coerente. Mas os mercados
mostraram-se céticos, para dizer o mínimo. Como a turbulência continuava a ganhar força, o
governo tentou negociar mais um pacote de ajuda externa, no quadro de um novo acordo com
o FMI, que pudesse ajudar a manter a situação sob controle.
Em agosto foi fechado um acordo entre o Brasil e o FMI sobre um pacote de ajuda de 30 US$
bilhões [Abreu, 2014]:

O novo acordo com o FMI, envolvendo o maior empréstimo até então concedido pela
instituição – US $ 30 bilhões, num período de 15 meses –, foi anunciado no início de agosto. A
maior parte do desembolso estava prevista para 2003, primeiro ano do mandato presidencial
que estava prestes a ter início. US $ 24 bilhões estariam à disposição do novo governo. Após
certa hesitação inevitável, todos os candidatos presidenciais relevantes, Lula inclusive, tiveram
encontros separados com FHC e se comprometeram a cumprir os pontos essenciais do acordo.
Foi um rito de passagem da maior importância. E que abriu a Lula espaço de manobra para
abandonar o discurso mais radical e se mover decisivamente para o centro. Mas os mercados
não se convenceram. Mostraram algum alívio, mas continuaram tomados pelo ceticismo.
O Banco Central do Brasil em seu relatório anual de 2002 [p. 123 pp.] avalia o caminho que
levou a economia brasileira em 2002/03 para uma séria crise cambial:

Os choques ocorridos na economia mundial, especialmente após os atentados de 11 de


setembro de 2001, mostraram a importância da adoção do regime de taxas de câmbio
flutuantes como resposta a essas situações de instabilidade financeira. A magnitude da crise
internacional e os efeitos inflacionários de uma frequente depreciação da moeda brasileira
exigiram que o Banco Central atuasse de modo a aliviar parte da pressão sobre a taxa de
câmbio por meio da emissão de títulos indexados à taxa de câmbio, bem como de intervenções
no mercado à vista. A estabilização que se observou a partir de novembro de 2001, com o
descolamento do risco Brasil da crise argentina, manteve-se, de certa maneira, até meados de
abril de 2002. (...)
A taxa de câmbio mostrou-se relativamente estável no primeiro quadrimestre de 2002, em
patamar próximo a R$2,35/US$. A partir de final de abril, registrou-se nova situação de
instabilidade financeira, alimentada pelas incertezas inerentes ao processo eleitoral brasileiro,
pelo aprofundamento da crise argentina e seus reflexos no Brasil, pelo rebaixamento da
classificação do país por agências de risco internacionais, assim como pela crise no mercado
acionário norte-americano a partir da descoberta de uma série de fraudes contábeis em
grandes empresas. Nesse contexto, a taxa de câmbio ultrapassou o patamar de R$3/US$ no
final de julho. O spread de taxas em pontos-base, medido pelo C-Bond, que se situava entre 600
e 800 no final de abril, atingiu níveis entre 1900 e 2100, do final de julho a meados de agosto.
558

Em 23.10.2003, na semana que antecedeu ao segundo turno das eleições presidenciais, a PTAX-
venda atingiu R$3,9552/US$, a cotação máxima do Plano Real. Concluído o processo eleitoral,
a moeda norte-americana iniciou trajetória de baixa, encerrando o ano em R$3,5333. A
apreciação do real no período pós-eleitoral refletiu a percepção positiva da comunidade
financeira quanto ao compromisso do novo governo com a austeridade fiscal e a estabilidade
de preços.
O próximo gráfico mostra a profundeza da crise cambial de 2002/2003, uma crise de confiança
que se refletiu na explosão do risco país espelhando a venda de títulos da dívida externa
soberana brasileira nos mercados secundários, e na ascensão expressiva da taxa de câmbio
refletindo a fuga de capitais do país.

Gráfico 92 Brasil 2002 até 2004: Risco país e taxa de câmbio R$/US$

Fonte: IPEADATA, BCB

Na interpretação dos dados é necessário considerar, que os impactos das crises de 1998/1999
e 2002/2003 sobre o lado real da economia foram menos expressivos do que os impactos das
crises em outros países, como, por exemplo, na Indonésia em 1998 e na Argentina em 2002,
onde o PIB estava caindo a taxas de dois dígitos. No Brasil em 1998 a economia estagnou e o
crescimento foi baixo em 1999, 2002 e 2003, mas não houve recessão. A taxa de desemprego
fica elevada em 1998/1999 e em 2002/2003, mas para o último período este é parcialmente
reflexo da mudança da metodologia do cálculo da taxa de desemprego pelo IBGE em 2002.
Especialmente em 2002/2003 houve um aumento expressivo da taxa de inflação como
consequência da forte depreciação do real. Nestes anos a taxa de inflação estourou a meta da
inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.
559

As mudanças nas políticas econômicas brasileiras já foram descritas na narrativa sobre a crise
de 1998/1999, o ‘tripé’ de um superávit primário expressivo, as metas da inflação e o câmbio
flutuante. Na primeira presidência de “Lula” esta ortodoxia macroeconômica foi mantida,
porém, no mesmo período houve ampliações expressivas de programas sociais existentes e a
criação de novos programas sociais, ajudadas pelo ambiente global de prosperidade até a crise
financeira global de 2008/2009. Nesta última crise houve certo afrouxamento dos objetivos
fiscais para superar mais rápido a crise.

vii. A crise na Argentina 2001/2002

A crise na Argentina de 2001/02 é um exemplo de um país que aplicou na economia na década


de 1990 as receitas neoliberais previstas pelo “Consenso de Washington” depois de um longo
período de inflação elevada e hiperinflação e da instabilidade política na década de 1980. O
FMI [2003, p. 3] em um curto resumo da crise menciona também alguns erros do FMI:

Em 2001-02, a Argentina experimentou uma das piores crises econômicas de sua história. A
produção caiu em cerca de 20 por cento ao longo de 3 anos, a inflação voltou, o governo fiz um
default sobre sua dívida, o sistema bancário estava em grande parte paralisado, e o peso
argentino, que costumava ser vinculado ao dólar norte-americano, atingiu níveis de Arg$ 3.90
por dólar norte-americano (em junho de 2002). Nos primeiros meses de 2003, surgiram sinais
de recuperação, mas permaneceu um longo caminho de volta ao crescimento sustentado e a
estabilidade. (...).
Os eventos da crise, que levavam a grandes sofrimentos para o povo da Argentina, são ainda
mais preocupantes à luz do desempenho forte passado do país. Menos de cinco anos antes, a
Argentina foi amplamente aclamada como modelo de reforma econômica bem-sucedida: a
inflação, que atingiu níveis hiperinflacionários na década de 1980, estava em baixos dígitos, o
crescimento do produto era impressionante e a economia tinha superado com sucesso a
Tequila crise de meados da década de 1990. Então, no final da década de 1990, o país entrou
em uma depressão da qual não conseguiu se livrar. Certamente, houve reconhecimento
generalizado das vulnerabilidades subjacentes da economia - que, em retrospectiva,
desempenharam um papel crucial nos eventos subsequentes -, além de importantes fraquezas
na implementação de políticas e, mais tarde, erros para lidar com a crise. Mas a Argentina foi
amplamente considerada um reformador modelo e estava envolvida em uma sucessão de
programas apoiados pelo FMI (alguns dos quais eram preventivos) durante grande parte da
década de 1990, quando muitas das vulnerabilidades estavam aumentando.
Com a mudança do regime cambial no Brasil em janeiro 1999 e a depreciação expressiva do
real em relação ao dólar, mas também em relação ao peso argentino, que ficava atrelado ao
dólar na relação um a um em uma camisa de força de um “conselho monetário”, estabelecido
em 1990 para recuperar a confiança dos mercados financeiros internacionais em um ambiente
da memória dos tempos de hiperinflação e instabilidade macroeconômica. A situação
econômica da Argentina ficava mais difícil com a perda de competitividade em relação a
muitos países parceiros comerciais de Argentina, consequências da apreciação real do peso
argentino com uma taxa fixa do câmbio nominal, uma inflação residual na Argentina e a
desvalorização/depreciação do real em janeiro de 1999. Como em México, no leste asiático e
560

no Brasil uma das causas da crise foi a rigidez do regime cambial, outra causa os problemas da
estabilidade fiscal. Eichengreen [2003, p. 100 pp.] conta a história da crise:

A Argentina e a Turquia eram amplamente consideradas como dois modelos de consenso de


Washington. Depois de prolongados períodos de turbulência monetária e econômica, ambas
conseguiram controlar a inflação no contexto de estabilizações ancoradas na taxa de câmbio.
(...) A estabilização da Argentina estava cimentada na adoção de um conselho da moeda
baseado no dólar americano, enquanto a Turquia optou por um sistema de minidesvalorizações
contra uma cesta de moedas composta pelo dólar americano e pelo marco alemão. (...) A crise
da Ásia e a moratória da Rússia marcaram o início da deterioração: embora nem a Argentina
nem a Turquia fossem completamente eliminadas do mercado internacional de títulos da
dívida, os spreads das emissões deram um salto. A desvalorização da moeda do Brasil no fim de
199892 foi mais um golpe na competitividade da Argentina ( ...).
Na Argentina, a falta de crescimento, com uma taxa que foi caindo até zero em 1998, junto com
a crescente oposição política às medidas de austeridade fiscal, alimentou dúvidas quanto à
sustentabilidade da dívida e da taxa de câmbio e levou depositantes a deixar o sistema bancário
e o país em montantes crescentes. O FMI respondeu com apoio financeiro (...). As reservas
internacionais da Argentina caíram quase 40% nos primeiros sete meses de 2001 e quase 25%
apenas em julho. As autoridades não mais conseguiam levantar fundos no mercado de crédito
doméstico. Para afastar o risco consequente de rolagem, o governo converteu seus títulos que
venciam e da dívida de curto prazo em instrumentos de longo prazo concedendo taxas de juros
generosas. ... A taxa de juros caiu durante um curto período em resposta a ampliação do apoio
do FMI, mas rapidamente subiu de novo. (...). Nesse ponto a situação se tornou desesperadora.
Em novembro o governo anunciou um plano para reestruturar a dívida (...), mas quaisquer
benefícios de uma carga fiscal mais leve foram anulados pelo efeito adverso sobre a confiança.
Em dezembro, o governo impôs restrições à liberdade dos indivíduos de retirarem dinheiro de
suas contas de depósitos e levar dinheiro fora do país, com o objetivo de conter a perda de
reservas e depósitos. Essa decisão exacerbou os ânimos do público, que partiu para as
manifestações de rua. Na semana anterior ao Natal, [o presidente] de la Rua declarou estado
de sítio, houve escalada dos protestos, o ministério renunciou, e logo depois renunciou o
presidente. O novo presidente, Adolfo Rodriguez Saa, como virtualmente seu primeiro ato,
suspendeu o pagamento da dívida externa (e renunciou logo depois disso). Em duas semanas a
conversibilidade do peso argentino foi abandonada em favor de uma taxa de câmbio dual,
adotada temporariamente como transição para um câmbio que flutuasse mais livremente. Os
balanços dos bancos sofreram um golpe pesado com a repentina desvalorização do peso. Com
as finanças e a política argentina em estado de confusão, a previsão unânime dos economistas
foi de uma recessão prolongada.
Na realidade houve uma recessão de dois dígitos em 2002, mas a economia de Argentina
recuperou se depois de forma inesperada. Blanchard [2003, p. 458] mostra as vantagens do
conselho monetário para estabilizar a economia, mas também sua rigidez em caso de uma
recessão:

Por algum tempo, o conselho monetário pareceu funcionar bem. A inflação, que havia
ultrapassado 2.300 por cento em 1990, caiu para 4 por cento em 1994! Isso era claramente
resultado das limitações rigorosas que o conselho monetário impôs ao crescimento da moeda.
Mais impressionante ainda, essa acentuada queda da inflação foi acompanhada de um forte
crescimento do produto, em média de 5 por cento ao ano, de 1991 a 1999. A partir de 1999,
entretanto, o crescimento tornou-se negativo e a Argentina entrou em uma longa e profunda
recessão. A recessão foi consequência do conselho monetário? Sim e não.
Com a ancoração do peso argentino ao dólar na relação um a um e o dólar se apreciando no
nível mundial na segunda metade da década de 1990, o peso argentino tornou-se
561

sobrevalorizado, consequência: queda da demanda por bens de Argentina, uma queda do


crescimento e um aumento do déficit comercial. Numa situação recessiva uma depreciação da
moeda nacional e uma queda da taxa de juros ajudassem para sair da recessão, mas sob um
conselho monetário não existe esta opção. A recessão piora o desequilíbrio fiscal e incentiva
pela expectativa do abandono do conselho monetário a fuga de capitais e os saques dos
depósitos bancários. Um fato ainda mais problemático foi o endividamento privado e público
elevado em moeda estrangeira, em caso de Argentina em dólares. O abandono do conselho
monetário e a introdução de um regime cambial flutuante levavam para uma depreciação
expressiva da moeda nacional que aumentou em moeda nacional o peso da dívida em moeda
estrangeira e os serviços da dívida (amortização e juros), quebrando bancos, empresas, e
finalmente levava ao default sobre a dívida externa.

A tabela a seguir mostra as perspectivas econômicas da Argentina em 1980 até 2012.

Tabela 124 Perspectivas macroeconômicas da Argentina 1980 – 2012


Média Média Média Média
1980 – 1991 – 1999 – 2002 2003 – 2009
1990 1998 2001 2008
Taxa de crescimento do PIB real (%) -0,91 5,94 -2,86 -10,90 8,49 0,85
Taxa de inflação (%) 724,59 28,03 -1,06 25,87 9,30 6,27
Taxa de desemprego (%) 5,74 13,48 17,47 22,45 11,50 8,68
Déficit fiscal em % do PIB n.d. -2,39 -4,59 -15,87 -2,14 -3,61
Conta Corrente em % do PIB -1,53 -3,02 -2,92 9,00 3,09 2,47
Média Média Média
Média
1990 – 1999- 2002 2009 2010 –
2003-2008
1998 2001 2012
Taxa de câmbio peso/US$ média do
0,94 1,00 3,06 3,00 3,71 4,18
período
Reservas Internacionais Milhões US$ 15.513 22.019 10.492 31.076 48.007 46.131
Crédito doméstico ao setor privado (%
18,71 23,21 15,33 12,35 13,53 15,59
do PIB)
Fonte: IMF, World Bank,
A tabela mostra que a Argentina já foi três anos em estagnação/recessão desde 1999, com
queda expressiva do PIB de 10,9% em 2002 e um aumento de desemprego para 22,45%. A
tabela mostra também a queda das reservas internacionais em 2002 e a depreciação
expressiva da taxa de câmbio de 1 peso argentino/US$ para 3 Pesos Argentinos/US$ em 2002,
quebrando bancos e empresas e levando ao default sobre a dívida externa. Todas as crises nos
mercados emergentes mostram o problema de regimes de câmbio rígidos, levando a crises de
balanço de pagamentos, crises cambiais, e a possíveis defaults sobre dívidas soberanas e
privadas. A crise de Argentina e o default sobre a dívida soberana e a reestruturação final da
dívida em 2005 (com 93% dos detentores dos títulos aceitando a reestruturação), implicando
um ‘haircut’ de mercado de 78,8% com uma redução do valor de face dos títulos de 29,4%
[Data from "Sovereign Defaults: The Price of Haircuts" (with Juan Cruces), American Economic
562

Journal: Macroeconomics, 2014], teve uma mudança de percepção do risco dos títulos de
dívida soberana dos países emergentes pelos investidores internacionais com impacto na crise
pré-eleitoral em 2002 no Brasil, além do cenário político brasileiro, referido no capítulo
anterior.

viii. Transformações como impactos das crises

A descrição das transformações políticas, econômicas e ideológicas que seguiam as crises


acima descritas para todos os países envolvidos seja ampla demais para este trabalho.
Somente é possível registrar algumas tendências importantes que estas crises traziam nos
países envolvidos, entre os investidores internacionais, na comunidade acadêmica e nos
órgãos nacionais e internacionais. Estas tendências de mudança são refletidas de forma mais
profunda depois da narrativa sobre a crise financeira global de 2008/2009, mas começavam a
surgir já depois das crises da década de 1990 e na Argentina em 2001/2002.

Em primeiro lugar cresceu a percepção da instabilidade do capitalismo global com vista a estas
crises, embora a discussão sobre as causas e os remédios estava controversa. De fato, cresceu
o número das crises financeiras com profundas consequências reais para a população dos
países atingidos neste período, como também pode ser acompanhado quantitativamente na
pesquisa de Reinhart e Rogoff [2009]. No ambiente acadêmico foram desenvolvidas três
gerações de modelos de crises cambiais ou monetárias, que refletem tentativas para
compreender melhor as crises neste período. Eles são discutidos na parte sobre as tentativas
de diferentes correntes de pensamento econômico de explicar as crises.

Em segundo lugar cresceu a percepção da vulnerabilidade de regimes de câmbio fixo em um


ambiente de globalização e desregulamentação financeira para ataques especulativos contra a
moeda nacional. Em muitos países emergentes isto levou a transformações dos regimes rígidos
para regimes de câmbio flutuantes e discussões sobre a necessidade de voltar para regimes de
controle dos fluxos internacionais de capitais. Mas, é importante anotar que a criação do euro
em 1999/2002 levou para parte da Europa para um sistema monetário internacional ainda
mais rígido, uma moeda única, que levou a certos desequilíbrios entre os países da área do
euro e a crise da dívida soberana na área do euro em 2010. Essa discussão foi reforçada pela
constatação de que muitas das crises envolviam um período de desenfreado influxo de capital
estrangeiro (em grande parte influxo especulativo) seguido por um período de ruptura e
reversão súbita destes fluxos levando a crises cambiais, bancárias e reais. A rapidez e o
crescente volume dos fluxos de capital internacional faziam necessários, na vista de muitos
analistas, o controle e uma regulamentação destes fluxos pelo FMI bem como maiores
563

reservas internacionais nos países emergentes. Na década de 2000 muitos países emergentes
aumentavam expressivamente os estoques de suas reservas internacionais como proteção
contra crises cambiais, com isto havia fluxos de capitais dos países emergentes para o centro
do capitalismo global, os Estados Unidos, ajudando em fomentar a bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos.

Os programas do FMI e de outros órgãos internacionais nas crises, orientados por receitas de
austeridade que prejudicavam mais as camadas mais fracas das sociedades, foram seriamente
criticadas como políticas neoliberais em interesse dos países centrais. Nesta discussão
surgiram também movimentos antiglobalização dando fortes impulsos anticapitalistas a
discussão pública. A crítica da ideologia neoliberal tornou-se mais forte depois da crise
financeira global, mas já na década de 2000 levaram ao poder na América Latina muitos
governos com tendências contra o Consenso (neoliberal) de Washington.

Em terceiro lugar os defaults sobre a dívida soberana em Rússia 1998 e na Argentina


2001/2002 levavam a discussões sobre a sustentabilidade das dívidas públicas e a maior
monitoração pelos analistas econômicos, os órgãos internacionais e das mídias.

O clima de instabilidade de insegurança do capitalismo global nos moldes neoliberais, da


crescente desigualdade e da tendência de distribuir os custos das crises para as camadas mais
vulneráveis da população, deixando as elites globais quase ilesos, aumentavam as críticas ao
capitalismo neoliberal global, críticas na esquerda política, mas também na direita política.
Estas tendências de críticas ao capitalismo global desenfreado aumentavam depois da crise
financeira global quando os Estados Unidos, o poder hegemônico do capitalismo global foi na
origem da crise, que seriamente atingiu a maioria dos países do mundo, mas esta é uma
narrativa do próximo capítulo e do último capítulo do trabalho.
564

e. A crise financeira global de 2008/2009 e a Grande Recessão seguinte

Em 2008, o castelo de cartas desmoronou. Aprendemos que as hipotecas tinham sido vendidas a
pessoas que não podiam pagar por elas ou não as entender. Os bancos tinham feito grandes
apostas e distribuídos grandes bônus com o dinheiro de outras pessoas. Reguladores tinham olhado
para o outro lado, ou não tinham autoridade para evitar o mau comportamento. Foi errado. Foi
irresponsável. E mergulhou nossa economia em uma crise que colocou milhões fora do trabalho,
selou-nos com mais dívida, e deixaram os trabalhadores americanos inocentes para arcar com os
custos da crise. Barack Obama 93
Nesta nova variante do velho conflito entre Wall Street e o resto do país, os bancos apontaram uma
arma para a cabeça do povo americano: “Se você não nos der mais dinheiro, você vai sofrer.” Não
houve alternativas eles disseram. Se você impõe restrições – se você nós impede de pagar
dividendos e bônus, ou se você responsabiliza nossos executivos, nunca seremos capazes de
levantar capital no futuro. Talvez eles estivessem certos, (...). Veteranos de outras crises sabiam
sobre o que estava por vir: perdas tinham sido criadas, e as batalhas seriam travadas sobre quem
pagaria por eles. Joseph Stiglitz, Freefall, p. 50
Deixe-os comer de crédito. (…). Os políticos têm reconhecido o problema da desigualdade
crescente. (...). Os políticos procuravam outras formas de melhorar a vida de seus eleitores. Desde
os 1980s, a resposta mais sedutora foi o crédito mais fácil. (...) O crédito fácil tem grandes
benefícios, imediatos e amplamente distribuídos, enquanto os custos encontram-se no futuro.
Rhaguram G. Rajan94
i. Introdução

A crise foi um fracasso sistemico, e as ideias que a sustentaram, não os tomadores de decisões
individuais ou banqueiros, incompetentes e gananciosos, embora alguns deles, indubitavelmente,
fossem. Houve um mal-entendido geral sobre como a economia mundial funcionava. (…) Um dos
argumentos deste livro é que a economia encorajou modos de pensar que tornaram as crises mais
prováveis. Economistas trouxeram o problema para si mesmos fingindo que podem prever.
Mervyn King, The end of alchemy, p. 6
A crise financeira global começou nos Estados Unidos em 2007 com a quebra do mercado
imobiliário e hipotecário levando a falência de bancos agindo no mercado hipotecário95 e
aumentando a incerteza sobre o valor, o risco e a liquidez dos títulos lastreados por hipotecas
(Mortgage-Backed Assets MBA, Collateralized Debt Obligations CDO). Em setembro de 2008 a
crise financeira mostrou nos Estados Unidos sua face mais dramática: Uma corrida aos fundos
monetários e a seca nos mercados monetários, a falta de liquidez no mercado interbancário
por causa da desconfiança dos bancos sobre a solvência e liquidez de suas contrapartidas
elevando expressivamente a taxa de juros de curto prazo, a intervenção do governo e quase
nacionalização96 dos gigantes no mercado hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac, a falência do
banco de investimento Lehman Brothers97 e a salvação da maior seguradora dos Estados
Unidos AIG pelo governo norte-americano, envolvendo cerca 180 bilhões de US$ dos
contribuintes de impostos. Estes foram os ápices da crise financeira global dos anos 2008/2009
que levavam o Federal Reserve e o tesouro norte-americano a intervenções antes nunca vistas,
para salvar o sistema financeiro nacional e evitar uma nova Grande Depressão. Coggan [s.a.,
posição 3031 pp.] reflete sobre estas mudanças das politicas:
565

A intervenção maciça do governo e do banco central que se seguiram mudou completamente o


tom do debate político. Uma administração republicana de mercados livres nos EUA, com um
secretário do Tesouro da Goldman Sachs, tomou participações nos bancos - um passo que teria
sido condenado como "socialismo" se tivesse sido tomada pelos democratas. As taxas de juros
de curto prazo diminuíram quase para zero - no caso do Banco da Inglaterra para níveis sem
precedentes em sua história de mais de 300 anos. Os déficits orçamentários foram autorizados
a subir para níveis não vistos fora das principais guerras e, para ajudar o processo de
recuperação, os bancos centrais decidiram comprar dívidas governamentais com o dinheiro
recém-criado como forma de pressionar para baixo o rendimento dos títulos. Muitas dessas
etapas teriam sido vistas como heresia por banqueiros centrais das gerações passadas. A escola
de "dinheiro sadio" (‘sound money’) e "orçamentos equilibrados" foram derrotados.
A primeira crise profunda do século XXI do capitalismo global com seu centro no sistema
financeiro dos Estados Unidos mostrou as linhas de falha de um capitalismo desregulado nos
moldes do pensamento neoliberal e, aqui diferente da Grande Depressão, tive suas raízes
numa crise profunda do sistema financeiro dos Estados Unidos e em outros países centrais. A
crise mostrou também que banqueiros centrais e governos aprendiam as lições da Grande
Depressão: Medidas monetárias e fiscais expressivamente expansionistas e prolongadas,
parcialmente inovativas, evitavam o pior: salvavam os sistemas financeiros e a economia real
de uma nova Grande Depressão, mas à custos pesados para o setor público e – em último
lugar – para os contribuintes de impostos.

As causas da Grande Recessão, como o Bank of international Settlements (BIS) chamou a crise
financeira global de 2008/2009 [BIS 81st Annual Report 2011, p. 10] ainda estão em discussão
controversa entre economistas e políticos, concentrando-se nas falhas dos mercados ou
focando as falhas do governo e dos bancos centrais na evolução da crise.

As falhas dos governos e dos bancos centrais, não só nos Estados Unidos, foram as políticas
monetárias excessivamente expansionistas desde a quebra do mercado de ações das novas
tecnologias em 2000/2001, resultando em uma expansão expressiva do crédito criando uma
bolha no mercado imobiliário, falhas na regulação do sistema financeiro especialmente no
controle de novos instrumentos financeiros nos mercados de títulos da dívida e derivativos
(MBAs, CDOs e CDS – Credit Default Swaps) [The Financial Crisis Inquiry Commission, 2011, p.
XVI].

As falhas do mercado foram a alavancagem excessiva das instituições financeiras assumindo


riscos excessivos para aumentar a rentabilidade do capital próprio, procurando lucros de curto
prazo num ambiente de dinheiro fácil e crédito barato e taxas de juros baixas. Falhas de
mercado foram também as estruturas de compensação para os gerentes e operadores
focando em lucros de curto prazo e criando assim incentivos para aumentar alavancagem e o
risco e usando Special Investment Vehicles e Conduits (fora dos balanços) para evitar as
regulamentações sobre o capital próprio necessário. Os novos instrumentos financeiros (CDO,
566

CDS) criavam riscos desconhecidos, e a crença falsa de ser protegido contra os riscos nos
mercados de derivativos levava a criação de empréstimos hipotecários sem avaliação de risco
do devedor (devedores de alto risco – subprime). Com a securitização das hipotecas em CDOs
os créditos saiavam da contabilidade do banco e os compradores sentiam se protegidos pela
compra de CDSs. A falha das agências de rating de avaliar adequadamente o risco de hipotecas
securitizadas também foram consequências de incentivos errados e de conflitos de interesse.
O problema de risco moral, criado pelos governos e bancos centrais garantindo o bail out das
instituições financeiras “grandes demais para falir”, em caso de iliquidez, mas também em
caso de insolvência, incentivou ainda mais a procura de lucro fácil, mas arriscado, pelas
instituições financeiras. Este problema do risco moral pode ser visto como um problema geral
do sistema financeiro [Roubini, 2010] e como uma forma de privatizar lucros e socializar as
perdas do setor privado e transferir dívidas e riscos do setor privado para o setor público. A
hipótese de Minsky [2008, p. 230] da instabilidade inerente do sistema financeiro em uma
economia capitalista criada pela expansão excessiva de crédito no boom e a retração do
crédito na crise a seguir pode ser visto como uma generalização dos problemas de falhas do
mercado.

A crise espalhou-se pelo mundo através da interdependência dos sistemas financeiros


nacionais, através bolhas especulativas em mercados imobiliários em outros países (Reino
Unido, Espanha, Irlanda), através das expectativas, através da queda da demanda global, das
exportações e através da retração de crédito por falta de confiança. A queda da atividade
econômica e do emprego e a instabilidade do sistema financeiro forçaram governos e bancos
centrais em muitas partes do mundo a seguir as políticas intervencionistas dos Estados Unidos.

A tabela a seguir mostra as perspectivas da crise global para os Estados Unidos, a China, o
Japão e a Alemanha e o Brasil, refletindo de forma geral as quedas na produção, nas
exportações e importações de bens e, como consequência das políticas macroeconômicas
expansionistas, o aumento das dívidas públicas em relação ao PIB. A tabela mostra também
nas estatísticas sobre a conta corrente em relação ao PIB os desequilíbrios globais entre países
com superávits persistentes na conta corrente (China, Japão e Alemanha), que acumulavam
reservas internacionais, e os Estados Unidos com déficits persistentes na conta corrente, que
somente conseguiu financiar estes déficits a taxas de juros baixos com a venda expressiva dos
títulos do tesouro norte-americano para os países superavitários aumentando as reservas
internacionais destes países, criando também nos Estados Unidos a possibilidade de uma
expansão maciça do crédito. Com exceção de China, que tinha em 2009 um crescimento
positivo do PIB de 9,2%, mas enfrentou também forte queda das exportações, todos os países
567

na tabela mostram uma queda expressiva da atividade econômica em 2009 e uma queda
expressiva das exportações e importações.

Tabela 125 Perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e
Brasil 1980-2012

1980- 1990- 2000-


2008 2009 2010 2011 2012
1989 1999 2007
Estados Unidos
Taxa anual de crescimento do PIB (%) 3,0 3,2 4,3 -0,3 -3,1 2,4 1,8 2,2
Taxa anual crescimento das importações (%) 5,6 9,2 13,0 -3,8 -15,6 14,9 5,2 2,1
Taxa anual crescimento das exportações (%) 5,4 7,6 9,9 6,3 -12,0 14,3 7,2 4,2
Transações Correntes/PIB (%) -1,7 -1,6 -4,9 -4,7 -2,7 -3,0 -3,1 -3,0
Dívida Pública bruta/PIB (%) 53,0 68,2 62,1 75,5 89,1 98,2 102,5 106,5
China
Taxa anual de crescimento do PIB (%) 9,7 10,0 13,2 9,6 9,2 10,4 9,3 7,8
Taxa anual crescimento das importações (%) 9,5 12,9 22,8 3,4 2,5 22,3 9,8 5,0
Taxa anual crescimento das exportações (%) 8,4 15,7 23,8 8,2 -10,7 28,4 9,4 5,7
Transações Correntes/PIB (%) -0,3 1,7 4,6 9,3 4,9 4,0 2,8 2,6
Dívida Pública bruta/PIB (%) 3,7 7,7 18,0 17,0 17,7 33,5 25,5 22,8
Japão
Taxa anual de crescimento do PIB (%) 4,4 1,5 1,4 -1,0 -5,5 4,7 -0,6 2,0
Taxa anual crescimento das importações (%) 3,4 6,6 9,1 0,1 -16,0 15,3 5,8 2,8
Taxa anual crescimento das exportações (%) 5,1 3,4 4,8 -1,3 -27,6 25,4 -2,1 -4,0
Transações Correntes/PIB (%) 2,0 2,3 3,3 3,3 2,9 3,7 2,0 1,0
Dívida Pública bruta/PIB (%) 64,3 91,1 170,4 191,8 210,2 216,0 230,3 237,9
Alemanha
Taxa anual de crescimento do PIB (%) 1,9 2,1 2,4 0,8 -5,1 4,0 3,1 0,9
Taxa anual crescimento das importações (%) 3,8 5,8 7,2 3,7 -8,6 12,4 8,2 1,5
Taxa anual crescimento das exportações (%) 4,9 5,0 7,0 2,3 -15,7 15,4 8,7 3,4
Transações Correntes/PIB (%) 2,0 -0,6 3,2 6,2 6,0 6,2 6,2 7,0
Dívida Pública bruta/PIB (%) n.d. 52,3 64,0 66,8 74,5 82,5 80,5 82,0
Brasil
Taxa anual de crescimento do PIB (%) 2,9 1,6 3,1 5,2 -0,3 7,5 2,7 0,9
Taxa anual crescimento das importações (%) -2,9 10,6 14,1 17,6 -17,5 38,2 8,9 -2,3
Taxa anual crescimento das exportações (%) 8,7 5,0 8,8 -2,5 -10,8 9,5 2,9 -0,3
Transações Correntes/PIB (%) -3,0 -1,7 -0,5 -1,7 -1,5 -2,2 -2,1 -2,3
Dívida Pública bruta/PIB (%) n.d. n.d. n.d. 63,5 66,9 65,2 64,9 68,5
Fontes: International Monetary Fund (IMF) WEO Abril 2013, n.d. não disponível

A crise financeira global levou governos e bancos centrais no mundo para medidas monetárias
e fiscais expansionistas nunca vistas antes para salvar o mundo de uma nova Grande
Depressão como na década de 1930. ‘Quantitative’ e ‘Qualitative Easing’ (QE) por parte dos
bancos centrais [comprando títulos soberanos e alguns títulos do setor privado e diminuindo
as exigências sobre a qualidade dos títulos a serem comprados, expandindo a quantidade de
568

moeda], a recapitalização e nacionalização de instituições do sistema financeiro pelo Estado


(Fanny Mae, Freddy Mac, AIG e os grandes bancos nos Estados Unidos, o banco Northern Rock
no Reino Unido, os bancos mais importantes na Irlanda e Islândia, o banco Hypo ReaL na
Alemanha, o banco Fortis na Bélgica etc.) e politicas de expansão fiscal para amenizar a queda
da produção e o aumento do desemprego [Sachverständigenrat zur Begutachtung der
Gesamtwirtschaftlichen Entwicklung, 2011]. Tooze [2018, p.11] mostra também a importância
e o caráter inovativo dos swap lines com que o Federal Reserve forneceu dólares para muitos
países do mundo (também para o Brasil). Muitos bancos europeus estavam investidos em
títulos americanos lastreados por hipotecas (parcialmente através de special investment
vehicles e conduits) e a situação de muitos grandes bancos europeus em relação de
alavancagem, liquidez, solvência e risco estava igualmente precária como as instituições
financeiras americanas. Visando as instituições financeiras nos dois lados do Atlântico Tooze
[2018, p. 88 p.] fala de uma sociedade do clã dos banqueiros internacionais, que sentiam se
como mestres do universo, que não podem falhar, totalmente empenhada em maximizar a
taxa de retorno.

Mas as políticas expansionistas fiscais e monetárias, que ajudavam os países voltar para a
estabilidade financeira e o crescimento em 2010, tinham um preço. Os balanços de muitos dos
bancos centrais das economias centrais estão cheios de ativos financeiros de risco, comprados
para salvar o sistema financeiro. A expansão monetária prolongada pode no futuro levar a
aceleração da inflação nas economias centrais e pode ser visto também como uma forma de
guerra cambial [como o ministro da fazenda do Brasil Mantega [Globo.com, 2012] caracterizou
a política QE 98) para depreciar a própria moeda nos países centrais, ganhando vantagem em
competitividade prejudicando a indústria brasileira (embora o US$ estava se valorizando na
crise em relação a outras moedas dos países centrais pelo papel dos EUA como porto seguro
para capitais internacionais). No canal monetário da transmissão da crise o ambiente de juros
baixos nos países centrais levou também a entrada de capital nos países com juros mais
elevados, como o Brasil, apreciando a moeda nacional ainda mais depois da queda inicial do
real na crise. Mas o maior problema parece ser o crescimento expressivo da dívida pública e do
déficit fiscal em muitas economias centrais, criado pelas medidas keynesianas expansionistas
para salvar o mundo de uma nova depressão e através da transferência de dívida e risco do
setor privado para o setor público (por meio de medidas de emergência de bancos centrais e
do governo central). O problema mais importante após a crise foi a desalavancagem
(deleveraging) do setor privado e público. O Relatório Anual 81 do Bank for International
569

Settlements (BIS) de 2011 [p.10, tradução do autor] mostra os problemas para muitos países
no futuro:

“Crises relacionadas com expansões de dívida soberana pioraram o que já eram insustentáveis
trajetórias de política fiscal e a dívida do sector privado e público continua a ser demasiado
elevado. O resultado é que, hoje, os políticos e as famílias não têm praticamente nenhum
espaço de manobra. Todas as crises financeiras, especialmente aqueles gerados por bolha
imobiliária alimentada pela expansão do crédito, levam a problemas econômicos prolongados.
Precisamos nos proteger contra as políticas que retardam o ajuste inevitável. Quanto mais cedo
as economias centrais abandonam o crescimento pela alavancagem do setor privado e público,
quanto mais cedo eles vão conseguir diminuir a dívida desestabilizadora acumulada durante a
última década e voltar ao crescimento sustentável. O tempo para a consolidação da dívida
pública e privada é agora. “
Mas, por exemplo, a diretora do FMI, Lagarde (2012), advertiu que a consolidação fiscal
precisa ser feita de forma sensata, para não prejudicar o crescimento e a estabilidade política e
social e evitar uma espiral deflacionária. Uma politica de austeridade na crise seguinte da
dívida soberana na área do euro aprofundou os problemas econômicos especialmente na
Grécia.

Também é importante lembrar que o aumento das dívidas soberanas em muitos países e as
crises das dívidas do setor público foi consequência em primeiro lugar das crises do setor
financeiro privado e das crises bancárias, com exceção possível de Grécia, onde também a
dívida pública cresceu antes da crise, embora o golpe final para a dívida pública grega foi
também a crise financeira global.

ii. A evolução e os eventos críticos da crise 2008/09

O capítulo faz uma narrativa curta dos eventos e desequilíbrios que precedem a crise nos
Estados Unidos (e – parcialmente - em outros países), com o ápice da crise em setembro de
2008, quando começou também o contágio da crise para outros países do mundo, embora já
houvesse crises de bancos em alguns países da Europa antes desta data. Na evolução da crise
nos Estados Unidos o foco está nos anos exuberantes da década de 1990 [Stiglitz, 2004], com a
bolha de mercado das ações das novas tecnologias (negociadas em primeiro lugar no mercado
de ações NASDAQ), sua quebra em 2000, seguida de uma política monetária expansionista
prolongada da Federal Reserve. Com esta politica monetária se iniciou uma bolha no mercado
imobiliário dos Estados Unidos, que foi uma das causas da crise financeira global de
2008/2009. Sobre as bolhas especulativas precedendo crises, sobre crises bancárias e sua
relação com a desregulamentação na agenda neoliberal, sobre os desequilíbrios globais e o
contágio da crise para outros países relatam capítulos posteriores.

Na década de 1990 depois da recessão curta e leve de 1990/1991 houve nos Estados Unidos
uma expansão econômica expressiva com uma taxa média de crescimento do PIB de 3,9%,
570

parcialmente impulsionada pelas novas tecnologias de informática, da internet, das


telecomunicações e de outras novas tecnologias. As expectativas de lucros futuros com estas
novas tecnologias levavam a uma bolha no mercado de ações NASDAQ, que em retrospecto foi
denominada bolha dot.com. O gráfico a seguir mostra os índices mais importantes do mercado
de ações dos Estados Unidos, o Dow Jones Industrial, o Standard & Poor’s 500 e o NASDAQ
entre 1980 e 2013.

Gráfico 93 Índices (1980:1 = 100) dos índices de mercado de ações norte-americano Standard
& Poor’s 500, Dow Jones Industrial e NASDAQ 1980:1 até 2013:5

Fonte FRED, IPEADATA, cálculos próprios.

Stiglitz [2004, p. 3 pp.] resume - antes da crise financeira global - os exuberantes anos da
década de 1990 nos Estado Unidos e seu fim da seguinte forma:

O que aconteceu nos exuberantes anos 90 foi que um conjunto de cheques e contrapesos de
longa data - um equilíbrio entre ‘Wall Street’ e ‘Main Street’ 99(...), entre indústria velha e nova
tecnologia, governo e o mercado – foi quebrado, de algumas maneiras essenciais, pela nova
ascensão das finanças. (...).
Nos exuberantes anos noventa, o crescimento subiu para níveis não vistos em uma geração.
Artigos de jornais e especialistas proclamaram que havia uma Nova Economia, que as recessões
eram uma coisa do passado e que a globalização iria trazer prosperidade ao mundo inteiro.
Mas, no final da década, o que parecia ser o alvorecer de uma nova era começou a parecer
cada vez mais como uma dessas breves explosões de atividade econômica, ou hiperatividade,
inevitavelmente seguida por uma quebra que marcou o capitalismo por duzentos anos. Exceto
desta vez, a bolha - o ‘boom’ na economia e no mercado de ações - foi maior, e também as suas
consequências (...).
O ‘NASDAQ Composite Index’, que contém principalmente ações de tecnologia, subiu de 500
em abril de 1991 para 1.000 em julho de 1995, superando 2.000 em julho de 1998 e,
571

finalmente, atingiu o pico em 5.132 em março de 2000. O boom do mercado de ações reforçou
a confiança dos consumidores, que também atingiu novos níveis altos, e proporcionou um forte
impulso para o investimento, especialmente nos setores de telecomunicações e da alta
tecnologia em expansão. (...).
Os próximos anos confirmaram suspeitas de que os números eram irreais, já que o mercado de
ações estabeleceu novos recordes de declínios. Nos próximos dois anos, US $ 8,5 trilhões foram
apagados do valor das empresas registradas na bolsa de valores da América - um montante que
excede a renda anual de todos os países do mundo. (...).
A Enron foi a maior falência corporativa [em 2001] - até a WorldCom ter chegado em julho de
2002. (..).
Stiglitz [2004, p. 9 pp.] resume as causas da quebra da bolha da década de 1990, que preveem
algumas causas da crise financeira global de 2008/2009:

A primeira [causa] foi o ‘boom’ em si: era uma bolha clássica, os preços dos ativos não
relacionados aos valores subjacentes, de um tipo familiar ao capitalismo ao longo dos séculos.
(...).
Uma contabilidade viciada forneceu informações ruins, e parte da exuberância irracional foi
baseada nessa má informação. (...). O sistema de remuneração para os CEO proporcionou
incentivos para tirar proveito das limitações em nossos sistemas contábeis. (...).
Em vários setores, a América tinha um sistema regulatório antiquado, que não acompanhava as
mudanças na tecnologia que estavam transformando a economia, mas estávamos presos
demais no mantra da desregulamentação, destruindo partes da regulamentação. (...).
Incentivos distorcidos combinados com a exuberância irracional induziram os novos gigantes
financeiros de América fornecer as finanças que subscreveram a bolha; eles fizeram bilhões de
IPOs (ofertas públicas iniciais) e o impulso enganador de suas ações favorecidas, mesmo que
seus ganhos tivessem que vir a expensas de alguém - na maioria dos casos, acionistas
ordinários. (...).
Mas para adicionar espuma ao frenesi, os impostos sobre os ganhos de capital (impostos sobre
os aumentos no valor de ativos como ações entre venda e compra) foram reduzidos. Aqueles
que ganharam seu dinheiro especulando e ganhando no mercado de ações eram os heróis do
dia, e deveriam ser tributados de forma mais leve do que aqueles que ganhavam seu pão com o
suor de sua testa. Com a especulação tão especialmente abençoada, mais dinheiro se espalhou,
e a bolha ficou mais inchada.
A queda no mercado de ações (‘dotcom e telecom bust’) começou em fevereiro de 2000 (com
uma curta recuperação entre junho e agosto deste ano) levando a uma desaceleração da
economia norte-americana. Em seguida houve uma curta e leve recessão da economia norte
americana. O presidente da Federal Reserve [Greenspan] reagiu afrouxando a politica
monetária e depois dos ataques terroristas em setembro de 2001 cortou ainda mais a taxa
básica (Federal Funds Rate) e injetou moeda na economia norte-americana para evitar uma
falta de crédito e uma recessão pior. Estas medidas foram interpretadas pelos atores nos
mercados financeiros como “Greenspan put”, medidas expansionistas da FED, a serem usadas
em caso de sinais de qualquer fraqueza dos mercados de ações, para evitar a falta de liquidez
nos mercados financeiros, as mesmas medidas expansionistas que o Federal Reserve (FED)
usou no ‘crash’ do mercado de ações em 1987 e na crise de Rússia em 1998 na quase falência
do fundo de ‘hedge’ ‘Long Term Capital Management’ [The Financial Crisis Inquiry
572

Commission, p. 60 p.]. A crise dotcom (em 2000) e a crise seguinte no mercado imobiliário e no
mercado de crédito começando em 2007 mostravam que a politica monetária do Federal
Reserve foi assimétrica, usando medidas expansionistas para evitar uma crise de liquidez no
caso de um estouro de uma bolha especulativa, mas evitando uma politica restritiva quando
uma bolha especulativa estava se desenvolvendo. O Gráfico a seguir mostra o
desenvolvimento da taxa básica e da base monetária, mostrando as politicas expansionistas
em tempos de crise, especialmente na crise financeira global de 2008/09.

Gráfico 94 Base Monetária (eixo esquerdo) e Federal Funds Rate (efetiva) (eixo direito) nos
Estados Unidos 1980 – 2013:5

Fonte: FRED (Federal Reserve Bank of St. Louis Economic Data)

Até a crise financeira global o ‘Greenspan put’ em tempos de crise pode ser visto em primeiro
lugar na Federal Funds Rate, depois da quebra do banco de investimento Lehman Brothers em
15 de setembro de 2008 começa a expansão expressiva da base monetária que mostra uma
mudança drástica da politica monetária da FED na direção expansionista (Quantitative Easing).

No desenvolvimento da bolha especulativa no mercado imobiliário monetário norte-


americano os fatores mais importantes foram:

• A politica expansionista da FED desde a quebra do mercado de ações de novas


tecnologias em 2000, fornecendo um ambiente econômico com crédito farto e barato
(o acesso a crédito barato e farto foi também uma das causas das bolhas imobiliárias
em outros países como Reino Unido, Espanha e Irlanda etc.);
573

• O desequilíbrio global entre países poupadores (com superávits expressivos na conta


corrente, como China, Japão, Alemanha, Rússia e os países exportadores de petróleo
no oriente médio) e países consumidores (com déficits expressivos na conta corrente,
como especialmente os Estados Unidos, mas também muitos países no sul de Europa).
Na tabela a seguir encontram-se dados sobre a média da razão conta corrente em %
do PIB de 2000 até 2012, das reservas internacionais em 2012 e das mudanças das
reservas 2012/00 para países escolhidos. A tendência de China e outros países de
financiar os déficits na conta corrente dos Estados Unidos com compra de títulos
soberanos dos Estados Unidos (e títulos de dívida dos GSE Fannie Mae e Freddy Mac) e
de fluxos de capital de carteira (renda variável e renda fixa) para os Estados Unidos
para deixar as moedas nacionais depreciadas ganhando competitividade (aumentando
com isto expressivamente as reservas internacionais, em primeiro lugar China). Este
influxo de capital para os Estados Unidos forneceu outra base para a expansão
expressiva do crédito nos Estados Unidos e da bolha no mercado imobiliário e deixou
as taxas de juros nos Estados Unidos em níveis baixos.
• A securitização dos créditos hipotecários (e outros créditos) pelos bancos que
concedem estes créditos. O modelo antigo dos bancos de conceder o crédito

hipotecário foi ficar com o crédito no balanço até o vencimento (modelo ‘originate-

to-hold’’) foi substituído pelo modelo de conceder o crédito e vender o crédito para

criar títulos lastreados por estes créditos (em primeiro lugar pelos bancos de
investimento, que vendiam grande parte destes títulos para clientes: ‘Collateral Debt
Obligartions’ CDO, ‘Mortgage Backed assets’ MBA, securitização) – o modelo originate
100
to distribute . Com isto os bancos que concedem crédito hipotecário (e outros
créditos que podem ser securitizados) conseguiam recursos financeiros para conceder
novos créditos e foram menos preocupados com o risco de default dos devedores
(créditos subprime), porque os créditos saiam dos balanços dos bancos com a
securitização.

• O ambiente de juros baixos no nível internacional e de liquidez abundante incentivou


instituições financeiras de financiar investimentos em CDO e MBA em ‘Special
Investment Vehicle’s (SIV) ou ‘conduits’ com pouco capital próprio (evitando as
regulamentações para o setor financeiro) com títulos de mercado monetário
(‘comercial papers’) aproveitando o spread de juros entre longo e curto prazo, mas
assumindo o risco dos problemas da rolagem dos títulos em curto prazo em tempos da
crise. No caso da ‘Industriekreditbank’ (IKB) e alguns ‘Landesbanken’ na Alemanha,
574

descritos posteriormente, surgiram os problemas descritos de rolar a dívida de curto


prazo que financiava os investimentos em CDOs de longo prazo. Esta entrada de
capital por parte de bancos europeus forneceu também recursos para a expansão de
crédito nos Estados Unidos a taxas baixas de juros. Mas em tempos da crise faltava
para os bancos europeus liquidez em dólares para refinanciar a dívida de curto prazo
que não pode ser rolada nos mercados financeiros privados em tempo da crise. Os
swap lines da Federal Reserve em dólares em tempos da crise para bancos americanos
e não americanos conseguiu resolver o problema em curto prazo.
• O surgimento de inovações financeiros no mercado de derivativos, especialmente os
Credit Default Swaps (CDS), que pareciam dar cobertura contra o risco de default dos
títulos lastreados por hipotecas para os compradores, mas criando novos problemas
na crise como a risco da contrapartida em caso de Lehman Brothers ou de
transferência do risco e dos custos para o Estado no caso de AIG. ‘Credit Default
Swaps’ são uns instrumentos financeiros para proteger o investor· contra um default
de um título financeiro ou de um crédito. Os créditos securitizados em MBA e CDO’s
pareciam distribuir os riscos de crédito de forma mais ampla, que ainda poderiam ser
segurados por CDS. Mas na crise a desconfiança dos investidores secou os mercados
para estes títulos e os mercados monetários e contagiou também títulos que não
foram lastreados por créditos ‘subprime’. Como os CDSs somente podem garantir
pagamento em caso de default quando os lançadores destes derivativos são líquidos e
solventes, uma falência do lançador (como os Lehman Brothers) deixa o CDS sem
valor. Os CDS emitidos pela AIG levavam em setembro de 2008 a empresa à quase
falência que somente foi evitada com fortes intervenções do governo e do banco
central.
• A desregulamentação dos mercados financeiros na década de 1990 e depois levou a
um crescimento da importância do setor bancário sombra (instituições financeiras não
cobertas pelo controle do banco central, como, por exemplo, bancos de investimento,
fundos do mercado monetário, SIVs e conduits etc.) e do crescimento dos mercados de
derivativos, pouco regulados, facilitando especulação e alavancagem financeira. Um
ambiente de taxas baixas de juros levou também ao aumento da alavancagem
financeira e para a procura de maior rendimento com investimento em títulos mais
arriscados. A falta de regulamentação (e a possibildade de securitizar os créditos)
levou também a um afrouxamento das regras para conceder créditos e da avaliação
dos riscos. As agencias de ‘rating’ dos títulos lastreados por hipotecas e outros créditos
575

foram capturadas pelos emitentes destes títulos pelas taxas de remuneração para sua
avaliação de risco, bem como suas atividades de consultaria.
• A tentativa dos governos dos Estados Unidos de estimular a compra de uma casa
própria também para pessoas de renda baixa (ou sem nenhuma renda) e de risco
elevado através de políticas públicas foi também um fator para aquecer o mercado
imobiliário dos Estados Unidos. As entidades públicas como Freddie Mac e Fannie Mae
agindo no mercado secundário de hipotecas foram politicamente forçadas para
estender os portfolios de créditos com riscos mais elevados. Freddie Mac e Fannie
Mae de propriedade privada (até 2008, depois em ‘conservatorship’), mas com
garantias implícitas do governo contra uma possível falência ou um default sobre a
dívida aplicavam com isto mais em créditos com risco elevado.

No inicio de 2007 houve os Primeiros sinais de uma crise nos Estados Unidos nos mercados
imobiliários, mercados de crédito e mercados de títulos de dívida lastreados por hipotecas
(MBA, CDO), os preços das residências começavam a estagnar e cair, levando a inadimplências
entre os devedores das hipotecas e criando incertezas sobre os títulos lastreados por
hipotecas. Em julho de 2007 dois fundos de banco de investimento Bear Stearns investidos em
títulos lastrados por hipotecas falhavam. Bancos em Europa como a BNP Paribas (França) e a
Industriekreditbank IKB (Alemanha) entravam em dificuldades porque estavam investidos em
títulos lastreados por hipotecas financiados por créditos de curto prazo (ou pela emissão de
títulos de curto prazo). A BNP Paribas fechou em agosto de 2007 dois fundos com exposição
nestes títulos. O Industriekreditbank é um banco médio fornecendo crédito a empresas
médias, parcialmente da propriedade do banco alemão estatal de desenvolvimento
Kreditanstalt für Wiederaufbau (38% em 2007), com ativos totais em 2007 de € 52 bilhões
[Fuchs, p. 50 p.]. O banco teve um conduit Rhineland Funding nos Estados Unidos investidos
em títulos de longo prazo lastreados por hipotecas de € 12 bilhões [The Economist] financiados
com pouco capital próprio e emissão de títulos de curto prazo e créditos de curto prazo.
Quando os mercados de crédito começavam a se preocupar em 2007 com o risco, o IKB não
conseguiu rolar os créditos de curto prazo. Goldman Sachs que ajudou a IKB levantar recursos
no mercado de ‘comercial papers’ desistiu e a Deutsche Bank cortava as linhas de crédito da
IKB [The Financial Crisis Inquiry Commission, p. 247]. A consequência foi um ‘bail out’ pela
Kreditanstalt für Wiederaufbau e outros bancos injetando quase € 12 bilhões em liquidez e
assumindo € 1 bilhão dos prejuízos dos € 3,5 bilhões estimados na carteira da IKB [The
Economist]. Este problema dos investimentos em títulos de longo prazo de bancos em ‘Special
Investment Vehicles’ e ‘conduits’ financiados com pouco capital próprio e créditos ou títulos de
576

curto prazo (alta alavancagem financeira e descasamento de prazos) aconteceu na crise


também em outros bancos na Alemanha (Landesbanken, Hypo Real, Dresdner Bank,
Commerzbank etc., todos resgatados pelos contribuintes de impostos) e no mundo (Fortis,
etc.). Em setembro de 2007 houve uma corrida ao banco ‘Northern Rock’, engajado no
mercado de crédito hipotecário no Reino Unido (a primeira corrida a um banco do Reino Unido
em 150 anos), recebendo ajuda de liquidez do ‘Bank of England’, e nacionalizado em fevereiro
de 2008, parcialmente privatizado novamente em 2012.

Em agosto de 2007 o banco norte-americano ‘Countrywide’ entrou em problemas de liquidez,


porque dependia para o financiamento de curto prazo dos ‘commercial papers’, usando títulos
lastreados em hipotecas como colateral, e neste momento o mercado monetário estava
secando e o valor dos títulos lastreados em hipotecas se deteriorando [The Financial Crisis
Inquiry Commission, p. 249 p.]. Em janeiro de 2008 o banco foi comprado pela ‘Bank of
America’. No final de 2007 e no inicio de 2008 outros grandes bancos norte-americanos e
fundos de mercado monetário encontravam problemas. Em março de 2008 o banco de
investimento ‘Bear Stearn’s colapsou com problemas de liquidez, com a ajuda da FED o banco
foi adquirido por ‘JP Morgan’ no fim do mês. Em julho de 2008 O banco ‘IndyMac Bancorp’
entrou em falência, uma das maiores falhas entre os bancos americanos. Depois da quebra de
‘Lehman Brothers’ em 15 de setembro de 2008 o Banco ‘Washington Mutual’ foi à falência, os
negócios bancários foram vendidos para o banco ‘JP Morgan’. No fim de mês setembro de
2008 o banco ‘Wachovia’ em apuros foi comprado pela ‘Citicorp’. A concentração no setor
bancário tornou se ainda maior na e depois da crise aumentando o problema dos bancos
sistemicamente relevantes.

A crise financeira global tinha seu ápice neste mês de setembro de 2008. A história destes
eventos e o contágio da crise para a economia global já foi muitas vezes contada e pode ser
contada aqui de forma resumida. No 7 de setembro de 2007 os GSE (‘Government-Sponsored
Enterprises) Fannie Mae e Freddie Mac sofriam intervenção do Estado norte-americano
(conservatorship’), empresas de capital aberto desde 1968, possuindo e garantindo a dívida de
US$ 5,3 Trilhões em hipotecas, altamente alavancadas com somente 2% do capital próprio
[The Financial Crisis Inquiry Commission, p. 309 p.]. Críticos conservadores apontam os GSE
bem com a politica habitacional governamental como fatores importantes para a eclosão da
crise, focando as falhas do governo. The FinanciaL Crisis Inquiry Commission [p. XXVI p.] está
chegando a uma avaliação diferente. As duas entidades contribuíam para a crise, mas não
foram as causas primárias da crise. A comissão também conclui [p. XXVII p.] que a politica
habitacional dos governos desde décadas, representado em primeiro lugar pela Community
577

Reinvestment Act (CRA) de 1977, não foi significativamente responsável pela concessão de
hipotecas de alto risco (subprime), muitos credores destas hipotecas não eram sujeitos a CRA.

O evento que significativamente aprofundou a crise e tornou ela global foi a falência de banco
de investimento ‘Lehman Brothers’ em 15 setembro de 2008, então não foi o fator principal na
eclosão da crise. Esta discussão sobre estes fatores relacionados a falhas dos mercados e
falhas do governo são discutidos em um capitulo posterior. Em 16 de setembro de 2008,
possivelmente em consequência no pânico nos mercados financeiros depois da falência de
‘Lehman Brother’s a maior seguradora dos Estados Unidos AIG foi salva (‘bail out’) pelo
governo norte-americano e da FED, comprometendo inicialmente US$ 180 bilhões do
contribuinte de impostos. A AIG foi lançadora importante de CDS (‘Credit Default Swaps’) no
mercado de derivativos e com a quebra do mercado dos títulos lastreados por hipotecas
faltava liquidez pagar os compradores dos CDS ou aumentar e satisfazer as chamadas de
margem.

Depois da queda de ‘Lehman Brothers’ os mercados financeiros entravam em pânico, uma


crise sistêmica espalhou-se pelo mundo. A liquidez nos mercados monetários interbancários
desapareceu e as taxas de juros subiram expressivamente, créditos tornavam-se escassos, os
mercados de ações despencaram e muitos países do mundo entravam em recessão profunda.
As intervenções da FED e do tesouro norte-americano tinham um tamanho antes nunca visto
para salvar o sistema financeiro nacional e evitar uma nova Grande Depressão. Muitos países
no mundo seguiam as politicas expansionistas monetárias e fiscais dos Estados Unidos e das
politicas de salvamento de instituições financeiras. A crise tornou-se global, crises bancárias
levando a maciços pacotes de ajuda para o setor financeiro e parcialmente a nacionalização
(ou quase) dos bancos na Islândia, Irlanda, e na Alemanha (Hypo Real e outros), levando a uma
recessão profunda da economia global. Obviamente estas politicas aumentavam o risco moral
(“Too big to fail”) e resgatavam instituições que seguiam politicas empresariais fracassadas,
criando incentivos errados, mas provavelmente não houve alternativa. Mas a transferência de
riscos e dívida do setor privado para o setor público sem envolvimento maior dos acionistas e
gerentes destas instituições é um fato muito discutível destas intervenções, bem como a
impunidade dos responsáveis.

iii. O contágio da crise para outros países

Contágio é a repercussão de choques em mercados específicos ou países específicos para


outros mercados e países. O contágio de uma crise pode acontecer quando os elementos de
um sistema são fortemente inter-relacionados e interdependentes – como, por exemplo, o
578

sistema financeiro de um país ou o sistema financeiro internacional -. Exemplos de contágio de


crises financeiras são as crises bancárias sistêmicas na Grande Depressão nos Estados Unidos
em 1931 e 1933, o contágio da crise bancária de Áustria em 1931 para Alemanha (com uma
crise bancária, cambial, e de dívida), o Reino Unido (neste caso causando a saída de padrão
ouro) e os Estados Unidos, e a crise asiática em 1997 se espalhando de Tailândia para outros
países asiáticos e no mundo, e a crise de Rússia em 1998 com contágio forte para o Brasil (e
também para os Estados Unidos com a quase falência do fundo de hedge ‘Long Term Capital
Management’). O sistema financeiro de um país está fortemente inter-relacionado e
interdependente, porque as instituições financeiras são inter-relacionadas pelas concessões
mutuas de crédito, pela confiança ou desconfiança na estabilidade das contrapartidas nos
negócios financeiros, e pelas informações e expectativas que impulsionam estes negócios. Por
esta razão uma crise ou falência de uma instituição financeira importante pode rapidamente
se tornar uma crise sistêmica. As tendências da globalização comercial, produtiva e financeira
aumentam a inter-relação entre as economias nacionais e a interdependência entre os países.
Uma crise financeira e real pode se rapidamente espalhar através de contágio para países
parceiros comerciais e financeiros. Mas o contágio pode também atingir países pouco
relacionados através do contágio das expectativas que influenciam decisões de consumo,
investimento real e investimento financeiro.

Turbulências financeiras podem se espalhar por diferentes canais de contágio. Möller e Vital
[2016, p. 135] caracterizam os canais de transmissão de crises: o canal real, onde uma queda
da demanda global influencia negativamente em primeiro lugar através de uma queda das
exportações a atividade econômica, o canal monetário, onde uma queda dos influxos de
capital nos segmentos de investimento direto, de investimento de portfólio, e de crédito, bem
como uma queda expressiva dos preços de ativos financeiros, pode influenciar negativamente
a atividade real e financeira, o canal de expectativas, onde informações da crise influenciam
negativamente as expectativas dos agentes econômicas em outros países. Pode se ainda
acrescentar um canal político, onde os governos tentam diminuir os efeitos negativos da crise
através de medidas de protecionismo comercial, desvalorização cambial, controles de capital e
outras intervenções. Uma crise de setor privado pode contagiar também o setor público, como
na crise financeira global de 2008/2009, onde a salvação dos sistemas financeiros nacionais, a
transferência de dívidas e riscos, e prolongadas políticas fiscais e monetárias expansionistas
pelos governos e bancos centrais tornavam uma crise financeira do setor privado uma crise
fiscal e de dívida do Estado. Na Europa este processo criou a crise da dívida soberana na área
do euro, ampliada pela camisa de força da moeda única, o euro.
579

Existem métodos econométricos para testar o contágio para crises especificas, por exemplo,
descritos em Bae, Karoly e Stulz [s.a.], mas, aqui tenta se pesquisar o contágio de forma mais
simples com a estatística descritiva. O canal real da transmissão da crise norte-americana para
a economia global mostra-se no próximo gráfico, como exemplo, na queda das exportações
em muitos países. No quarto trimestre de 2007 a economia dos Estados Unidos entra em
recessão (-3,1% em relação ao trimestre anterior – [FRED] com ajuste sazonal), segue uma
curta recuperação no trimestre seguinte, até a economia norte-americana entra numa
recessão até o segundo trimestre de 2009 quando começa a recuperação, com a queda mais
profunda no terceiro trimestre de 2008 com –10,1%. A União Europeia entra em 2008 na
recessão, como também o Japão, o Brasil entra em uma recessão curta no primeiro trimestre
de 2009, a China experimenta em 2008 e 2009 somente uma queda na taxa de crescimento
ainda muito elevada. A queda expressiva das exportações começa em Alemanha no segundo
trimestre de 2008, no Brasil, China e Japão no terceiro trimestre de 2008, mas em todos estes
países a recuperação das exportações começa já em 2009, como o gráfico a seguir mostra.

Gráfico 95 Taxa de crescimento do PIB dos Estados Unidos e das taxas de crescimento das
exportações de Alemanha, Brasil, China e Japão 2006:01 – 2011:03 (dados com ajuste sazonal,
% sobre o trimestre anterior)
Fontes: FRED, OECD, cálculos próprios

Para os países exportadores de bens primários (e de açúcar) como o Brasil a queda dos preços
de commodities explica boa parte da queda dos valores das exportações. O gráfico a seguir
mostra os preços de alguns dos bens mais importantes na pauta das exportações do Brasil. A
580

queda foi expressiva nos preços de minérios de ferro, petróleo e soja, menos expressivo para o
açúcar, uma recuperação começa na metade de 2009, alcança quase o nível anterior da crise
para cair novamente profundamente no fim do ano 2013, explicando parcialmente a crise
econômica profunda no Brasil começando no fim de 2014, embora as causas domésticas são
mais importantes na explicação desta crise, que é abordada em um capítulo posterior.

Gráfico 96 Índices (2000:01 = 100) de preços das commodities minério de ferro, petróleo,
açúcar, soja 2000:01 – 2016:02

Fonte: World Bank, cálculos próprios

O canal financeiro da transmissão da crise mostra-se nos fluxos internacionais de capital,


especificamente analisadas para o Brasil num capítulo posterior. Mas na área financeira o
contágio das expectativas exibe ainda uma importância maior, que pode ser vista no gráfico a
seguir onde os índices dos preços das ações para Estados Unidos, Brasil, China e a área do euro
(19 países) mostram uma correlação forte nos tempos da crise.
581

Gráfico 97 Índices (2010 = 100) dos preços de ações Estados Unidos, Brasil, China, área do euro
(19 países) 2001 até 2017
Fonte: OECD

No tempo da crise (2007 – 2009) as correlações são altas para os índices entre os Estados
Unidos e a área de euro 0,98 (para todo o período entre 2001 e 2017 0,77), para o Brasil são
menos expressivas 0,48 (para o período todo 0,65), para a China 0,75 (para o período todo
0,57).

A crise da liquidez e sua transmissão podem ser vistas no gráfico a seguir que mostra o ‘TED
spread’ na crise financeira de 2008/2009, uma medida de percepção do risco de crédito no
sistema financeiro internacional. Na crise de liquidez a da confiança as taxas de juros de curto
prazo aumentavam expressivamente e espalhavam se para muitos países do mundo, mas
depois seguida pela queda causada pelas politicas monetárias expansionistas.
582

Gráfico 98 TED spread (%) entre 2007:01:01 até 2008:31:12

Fonte: FRED- FED St. Louis

A crise propagou se para o setor real das economias, em primeiro lugar pela queda das
exportações para os Estados Unidos em recessão, no setor financeiro das economias, em
primeiro lugar pela queda dos preços dos ativos financeiros e commodities, mas também dos
investimentos de bancos europeus em títulos lastreados em hipotecas dos Estados Unidos, e
nas expectativas dos agentes econômicas pelo perigo de enfrentar uma nova Grande
Depressão. Diferentemente da Grande Depressão houve poucas transmissões negativas no
canal político: O protecionismo comercial foi evitado e controles de capital e corridas de
desvalorizações competitivas como na Grande Depressão foram evitados com poucas
exceções. No contrário houve tentativas de coordenar no nível internacional as políticas
monetárias e fiscais expansionistas para evitar uma recessão ainda mais profunda e
prolongada, mas a recuperação e as intervenções dos governos e bancos centrais são tema de
um capítulo posterior.

Embora a crise da dívida soberana na área do euro será comentada mais tarde, vale a pena já
neste lugar curtamente resumir as crises nos países de Islândia, Irlanda, Espanha, e do Reino
Unido, porque eles mostram traços específicos e trazem informações valiosas para
compreender características da crise e do contágio. As consequências da crise financeira de
2008/2009 sobre estes e outros países europeus são contadas em um capítulo posterior sobre
a crise da dívida soberana na área do euro, embora Islândia e o Reino Unido não sejam parte
583

da área do euro. O foco deste capítulo é no contágio da crise financeira para bancos nestes
países. O primeiro caso de contágio para o Reino Unido foi a crise, a corrida bancária e a
quebra do banco ‘Northern Rock’, antigamente uma cooperativa de crédito convertido em
banco depois da era de desregulamentação financeira nos tempos de Thatcher, em primeiro
lugar agindo no mercado hipotecário. Eichengreen [2015, p. 179] conta que o banco expandiu
a uma taxa anual de 20% para a maior parte de duas décadas, permitindo também a
acumulação de vulnerabilidades. O banco dependia em primeiro lugar de empréstimos de
outras instituições financeiras, o banco afrouxou suas condições para conceder hipotecas,
oferecia taxas de juros altas para atrair depósitos na ‘internet banking’, e através da
securitização e venda de suas hipotecas consegui fundos para expandir o negócio. Seguindo o
fechamento de dois fundos de investimento do banco francês BNP Paribas em 9 de agosto de
2007 [Eichengreen, 2015, p. 179 p.], os mercados monetários secavam e para o Northern Rock
e dois canais de financiamento secavam também: a venda de títulos lastreados em hipotecas
(MBA) e a tomada de empréstimos em outros bancos. Neste tempo o Reino Unido teve um
seguro de depósitos pleno somente até £ 2.000, parcial até £ 35.000, e acima nada. Em sexta-
feira 14 de setembro de 2007 houve uma corrida bancária na Northern Rock, retirando mais de
£ 1 bilhão, 5% dos depósitos do Northern Rock. Em 2008 Northern Rock foi nacionalizado, em
2012 partes foram reprivatizadas.

Na Islândia e na Irlanda houve na década de 2000 – depois de uma onda de


desregulamentação nos anos anteriores - um ‘boom’ bancário e financeiro extraordinário,
acompanhado de uma bolha especulativa no mercado imobiliário. Como a bolha especulativa
no mercado imobiliário de Irlanda é considerada em um capítulo posterior, o foco está aqui na
Islândia, uma pequena ilha de cerca 300.000 habitantes no oceano atlântico de norte, mais
conhecido pela pesca, os vulcões e os gêiseres do que pelas finanças. Os acontecimentos são
típicos para uma crise financeira, desregulamentação financeira, fortes influxos de capital
(‘carry-trade’), expansão expressiva do setor bancário com alta alavancagem, ‘boom’
econômico fomentando uma bolha no mercado imobiliário financiados por créditos em moeda
estrangeira. As altas taxas de juros atraindo depósitos estrangeiros com os ativos bancários
chegando para dez vezes do PIB. Em setembro de 2008 começou a queda, a moeda de Islândia,
a krona, desvalorizou fortemente, os bancos precisavam ser resgatados pelo governo [com os
ativos bancários quase em dez vezes do PIB da Islândia], levando a uma crise econômica e
fiscal profunda. Eichengreen [2015, p. 215 pp.] descreve o processo de desregulamentação
que antecede a crise a interpreta a eclosão da crise como um contágio da crise nos Estados
Unidos para a Islândia, quando investidores e credores tornavam se mais críticos sobre os
584

bancos de Islândia. Vale uma citação de Eichengreen [2015] mais prolongada para ver a
eclosão de uma crise bancária, tornado se uma crise profunda econômica e fiscal:

Os investidores estavam conscientes de que os três grandes bancos islandeses haviam iniciado
uma extraordinária onda de aquisições compulsivas. Mas a consciência do que aconteceu na
Islândia tornou-se generalizada apenas quando as coisas foram terrivelmente erradas. (...). Em
um discurso em Londres em 2005, Ólafur Ragnar Grímsson, o presidente de longa data do país,
atribuiu a audácia dos financistas e empresários da Islândia ao fato de que os islandeses eram
descendentes dos Vikings. (...). "Os islandeses são tomadores de risco", continuou Grímsson,
em sua celebração.
Em 2008, os ativos dos bancos eram quase dez vezes o tamanho do PIB. Isso tudo garantiu que,
mais cedo ou mais tarde, o pior viria a passar. Um pouco de reflexão sugere que esta história
seja muito fácil. (...). Mas, recentemente, em 2003, os ativos dos bancos como parte do PIB
foram apenas marginalmente superiores aos dos Estados Unidos. De 2004 até meados de 2008,
os balanços dos três grandes bancos islandeses aumentaram por um fator acumulado de oito.
O que levou o boom não eram peculiaridades do caráter nacional, mas decisões tangíveis de
política, as mais importantes das quais estavam privatizando e desregulando os bancos. (...). A
década de 1990 viu a ascensão de uma nova geração de políticos libertários que, reagindo
contra o acolhedor sistema estatal da pequena ilha, defendeu um programa de liberalização
radical. (...). Se houvesse uma peculiaridade do caráter nacional islandês, foi com que rapidez a
ideologia política dominante poderia mudar entre os extremos do estatismo e o libertarianismo
e de volta - assim como se mudou depois da crise. (...).
A solução era tirar o governo dos negócios. O ponto central de programa foi a privatização de
três bancos estaduais: Landsbanki; Íslandsbanki, mais tarde renomeado Glitnir; e Búnaðarbanki,
que posteriormente foi comprado por um pequeno banco, Kaupthing, e doravante conhecido
por esse nome. Infelizmente, a privatização e a liberalização por si só não garantiram um papel
reduzido para o Estado, muito menos que a Islândia se transformaria milagrosamente em um
centro financeiro de classe mundial. Em um país de menos de 300 mil habitantes, as conexões
incestuosas entre elites políticas e gerentes de negócios que informaram a reação contra a
economia estatal não foram eliminadas; pelo contrário, eles tinham, se alguma coisa, ainda
mais espaço para operar. (...).
Liberados para emprestar em mercados monetários estrangeiros, os três grandes bancos
islandeses o fizeram (...). Eles usaram financiamento estrangeiro para financiar uma onda de
aquisições, principalmente nos países nórdicos e no Reino Unido. Isto por si só não fez o caso
islandês excepcional; os bancos de outros países europeus, inclusive a Alemanha, também
dependeram do financiamento nos mercados monetários e, de forma similar, embarcaram em
uma compulsão de aquisições. Em vez disso, o que fez com que o caso islandês fosse uma
exceção e excepcionalmente arriscado fosse um par de características adicionais. Primeiro, os
balanços dos bancos foram inflados pela busca agressiva de depósitos ‘offshore’ e pelo rápido
crescimento das contas IceSave e Kaupthing Edge em particular. Coloque esses depósitos
‘offshore’ junto com o financiamento nos mercados monetários, e o resultado foi um enorme
sistema bancário no topo de uma pequena economia insular. Era o sonho dos políticos e dos
banqueiros da Islândia como um centro financeiro internacional ou um pesadelo tornado
realidade. Em segundo lugar, mais de 70% dos passivos dos três grandes bancos, Kaupthing,
Landsbanki e Glitnir, eram denominados em moeda estrangeira. Os bancos alegaram que
estavam administrando com prudência os riscos de empréstimos em dólares, libras e euros
mediante empréstimos a empresas e domicílios nessas mesmas moedas. Naturalmente,
negligenciavam a possibilidade de que a taxa de câmbio do país possa enfraquecer, caso em
que as empresas islandesas e as famílias com rendimentos na Krona não poderiam reembolsar
seus empréstimos em moeda estrangeira. Deve ter sido claro que nenhum balanço de
empréstimos poderia crescer tão prodigiosamente sem comprometer a qualidade. (...).
Muitos de seus empréstimos eram para donos e compadres, que os usavam para comprar
ações adicionais em seus próprios bancos e financiar outras aquisições. À medida que se faziam
perguntas - o que era uma pequena ilha varrida pelo vento ao largo da costa noroeste da
585

Europa fazendo com um sistema bancário oito vezes o PIB e os balanços crescidos a um ritmo
tão extraordinário, possivelmente devido à desaceleração econômica global as ações estavam
sob pressão. Os proprietários dos bancos responderam, como Clarence Hatry, Bernard Marcus
e Albert Oustric antes deles, comprando suas próprias ações para ganhar tempo e evitar provas
de insolvência. A partir de meados de 2007, a Kaupthing adquiriu suas próprias ações sempre
que os preços baixaram e isso poderia ser feito sem ser detectado. (...).
Em abril de 2008, atrasado mais uma vez no jogo, Fitch colocou os grandes bancos da Islândia
na observação negativa. Assim, o que se seguiu não foi totalmente inesperado. Na quinta-feira,
25 de setembro de 2008, no contexto da turbulência nos Estados Unidos e na Europa, o Glitnir,
o menor dos três grandes bancos informou o Banco Central da Islândia que não seria capaz de
cumprir os pagamentos de empréstimos vencidos em 15 de outubro. (...).
Seu balanço havia sido danificado pela queda dos preços dos ativos, e o banco agora perdeu o
acesso ao mercado monetário. Um grande banco estadual alemão, o Bayerische Landesbank,
recusou-se a rolar mais de 150 milhões de euros em empréstimos, e a Glitnir não tinha mais o
dinheiro [para pagar]. (...). Para evitar o colapso, o governo anunciou a intenção de injetar,
através do banco central, cerca de 600 milhões de euros de novo capital social, efetivamente
nacionalizando a instituição. Havia apenas um problema. 600 milhões de euros foi uma quantia
enorme para uma pequena economia. Não era claro, em outras palavras, onde as autoridades
encontrariam o dinheiro. Uma proporção análoga do PIB dos EUA foi os US $ 700 bilhões,
equivalente a todo o TARP [programa dos EUA para salvar as instituições financeiras dos EUA].
Na Islândia, isso agora foi atribuído a um único banco, e não ao maior. (...).
Na terça-feira, 30 de setembro, a Fitch rebaixou os três grandes bancos islandeses, citando sua
dependência de financiamento nos mercados monetários, sua expansão rápida para mercados
estrangeiros e a possibilidade de um pouso difícil para a economia islandesa. (...), os
depositantes apressaram-se a retirar seus fundos, não só de Glitnir, mas de Kaupthing e
Landsbanki também. (...). Em 6 de outubro, no dia anterior à falência da Landsbanki, o
Parlamento da Islândia, o Althing, adotou uma medida que garante todas as contas de depósito
de residentes. Mas esta medida não disse nada sobre os outros credores dos bancos, sejam eles
investidores institucionais detentores de títulos dos bancos ou famílias holandesas e britânicas
com contas IceSave e Kaupthing Edge. (...). Os recursos para garantir a garantia não estavam lá.
(...). Os US $ 5 bilhões das contas IceSave das famílias britânicas eram quase 50% do PIB
islandês. (...).
Já o site da operação UK IceSave estava sobrecarregado pelo tráfego. Foi encerrado junto com
o Landsbanki em 7 de outubro, abandonando os depositantes. Isso levou a um dos capítulos
mais desonrosos da crise, uma vez que as autoridades britânicas invocaram a Lei britânica do
Antiterrorismo, Crime e Segurança para confiscar os ativos do Reino Unido na Landsbanki,
aparentemente para proteger esses clientes. A Lei Antiterrorismo foi [criada] depois do 11 de
setembro [de 2001] para ajudar o aparelho de segurança da Grã-Bretanha a perseguir os
estrangeiros com a intenção de atos violentos. Compensar os detentores de contas bancárias
na Internet, presumivelmente não era o que os membros do Parlamento tinham em mente.
Seja como for, o ato foi usado agora por Gordon Brown [primeiro ministro britânico na época]
para consolar seu público. Colocar a Islândia em uma lista com o Al-Qaeda, o Talibã, o Sudão, a
Coréia do Norte e o Irã causaram um congelamento das transações bancárias entre a Islândia e
outros países. O mercado de ações estava fechado. O mercado de câmbio foi fechado, deixando
o Banco Central da Islândia de fornecer divisas apenas para fins essenciais. (...). Milhares de
islandeses publicaram autoretratos na web. Cada um segurou um letreiro feito à mão que dizia:
"Eu não sou um terrorista, Sr. Brown".
A Irlanda foi denominada nas mídias como tigre céltico pelo desenvolvimento rápido nas
décadas antes da crise de 2008/2009. Na introdução do euro países da Europa do Sul e a
Irlanda teve acesso a capital barato da Europa do Norte, e o setor financeiro e bancário
expandiu rapidamente, em Irlanda os ativos bancários chegam em 2007/2008 em quatro vezes
do PIB, em Chipre em oito vezes [Eichengreen, 2015, p. 71]. Eichengreen [2015, p. 89] conta
586

que “A Irlanda e a Espanha não compareceram a ninguém quando se tratava de excessos no


mercado imobiliário. Os preços dos imóveis imobiliários nos Estados Unidos aumentaram 125
por cento entre 1997 e 2006, mas esta foi uma peça de criança em comparação com a
Espanha, onde aumentaram 175 por cento e a Irlanda, onde aumentaram em 260 por cento.”
Mas diferentemente dos Estados Unidos não houve securitização significativa de hipotecas na
Irlanda e na Espanha. Mas o boom nos mercados imobiliários criou capacidade imobiliária
exagerada e balanços bancários fragilizados. Na crise a bolha de nos mercados imobiliário e de
crédito estourou, as crises bancárias, a salvação de bancos e a garantia de dívidas levou
também na Irlanda e na Espanha a uma crise econômica e fiscal, embora estes países tivéssem
antes da crise uma situação fiscal extremamente saudável.

iv. As causas da crise – falhas do mercado e do governo

As causas da crise financeira global são ainda discutidas da forma controversa entre
economistas, políticos e a sociedade civil. A realização política de muitos pontos essenciais da
agenda neoliberal em muitos países parece ser uma fonte dos problemas atuais, pregando
mais mercado e menos Estado na condução da política econômica para usar a dinâmica de
mercados livres para inovação e crescimento: privatização das empresas estatais,
desregulamentação dos mercados, cortes no Estado de bem estar-social, integração global
(globalização) dos mercados de bens, serviços e capitais através do livre comércio e da
liberalização dos mercados financeiros nacionais e dos fluxos internacionais de capital. Depois
da queda do sistema de Bretton Woods em 1973 e da grave crise do capitalismo global na
metade da década de 1970 – parcialmente consequência do aumento expressivo dos preços
de petróleo em 1973/74 e em 1979 -, políticos como Reagan nos Estados Unidos, Thatcher no
Reino Unido e Kohl na Alemanha realizavam de forma diferenciada e parcial as ideias
neoliberais na década de 1980.

No centro desta estratégia foi a queda dos impostos para pessoas físicas e empresas, com foco
nas camadas mais abastadas, privatização das empresas estatais, desregulamentação dos
mercados, com foco nos mercados de trabalho e nos mercados financeiros, com a
consequência de diminuir o poder dos sindicatos trabalhistas, e cortes dos benefícios do
Estado de bem-estar social. Em muitos países estas medidas aumentavam a desigualdade
social, favorecendo as classes sociais mais abastadas, e através da ideologia individualista
afrouxando a coesão social. Uma análise mais profunda encontra-se no capítulo sobre o
neoliberalismo.
587

A importância das ideias neoliberais para a crise financeira global dos anos 2008/2009, bem
como para as crises nos mercados emergentes na década de 1990 e no início do novo século,
encontra-se especialmente na globalização e desregulamentação financeira desde a metade
da década de 1970, que levou a uma interdependência crescente dos mercados financeiros
com fluxos de capitais internacionais crescentes, para o crescente poder do setor financeiro
nas economias nacionais (‘financialization’), para a procura do lucro mais fácil em
investimentos financeiros em detrimento dos investimentos reais, acompanhadas por bolhas
especulativas, e para a instabilidade nos mercados financeiros (especialmente nos mercados
cambiais). Especialmente nos países anglo-saxônicos estas tendências foram acompanhadas
pela crescente desigualdade de renda e riqueza, a valorização do lucro de curto prazo (focando
o ‘shareholder value’) através de esquemas de pagamento e bônus para gerentes e operadores
com ações e ‘stock options’, incentivando a especulação nos mercados financeiros, imobiliários
e de commodities.

Falhas ou relutâncias dos governos em regulamentar os mercados de derivativos aumentavam


ainda mais os espaços para a especulação. Procurava-se também evitar quedas dos preços nos
mercados financeiros e imobiliários e seus impactos recessivos através da expansão expressiva
do crédito e de uma política monetária expansiva levando a crescente alavancagem financeira
das instituições financeiras e outras empresas. A expansão do crédito forneceu os recursos
financeiros para criação de bolhas especulativas nos mercados. O ‘Greenspan put’ [uma
política monetária expansionista em caso de quedas expressivas no mercado de ações e uma
relutância de agir de forma restritiva em caso de uma bolha especulativa em evolução] levou
os agentes econômicos para expectativas extremamente otimistas sobre preços crescentes
nos mercados financeiros, imobiliários e de commodities no futuro e a uma subavaliação dos
riscos.

Com a crise financeira global dos anos 2008/2009 o discurso neoliberal parece estar perdendo
um pouco de força e os problemas de mercados livres desregulados se tornam óbvios para os
economistas, políticos e a sociedade. Políticas keynesianas de intervenção do Estado na
economia, através de políticas fiscais e monetárias expansionistas prolongadas, pareciam a
única saída para evitar uma crise como a Grande Depressão dos anos 1930. Mas a
transferência dos riscos do setor privado para o setor público, bem como a transferência de
dívida do setor privado para o setor público, a concentração crescente no setor financeiro
depois da crise, e a política monetária extremamente expansionista para um tempo
prolongado pode levar a problemas futuros. A crise da dívida soberana nos países na área de
euro como Espanha, Grécia, Irlanda, Itália, e Portugal é – pelo menos parcialmente –
588

consequência da crise financeira de 2008/2009. A dívida privada e pública elevada em muitos


países pode levar a processos dolorosos na de-alavancagem financeira (políticas de
austeridade prolongadas). A base monetária expressivamente inchada em muitos países –
consequência da política monetária muito expansionista, como mostra o exemplo dos Estados
Unidos no próximo gráfico, pode levar a problemas inflacionários ou a criação de novas bolhas
no futuro. Uma avaliação mais teorética das crises e suas causas encontra num capítulo
posterior sobre as posições de diferentes correntes de pensamento econômico sobre as crises.

Gráfico 99 Expansão do dinheiro, M1, M0 (base monetária), reservas bancárias e do crédito


bancário

Fonte: Report of the President 2012

Gráfico 100 Taxas de crescimento no período de 2000-2011 do dinheiro, M1, M0 (base


monetária), reservas bancárias e do crédito bancário

Fonte: Report of the President 2012, cálculos próprios.

As causas mais específicas da crise são diferenciadas entre os problemas das falhas dos
governos e os problemas das falhas dos mercados. As correntes de pensamento mais
589

conservador apontam para as intervenções do governo na economia, (desorientando


expectativas e ações dos agentes econômicos nos mercados) como as causas mais importantes
para a crise. As correntes mais críticas com a ideologia neoliberal apontam para mercados
desregulados sujeitos a ondas de otimismo e pessimismo do setor privado, desestabilizando a
economia.

É difícil decidir se algumas falhas entram na primeira ou na segunda categoria, porque, por
exemplo, a desregulamentação do sistema financeiro [uma ação do governo que libera os
mercados da intervenção do governo] pode criar falhas de mercados como endividamento
excessivo (obviamente o outro lado da moeda seja a concessão excessiva de crédito), falhas na
governança empresarial e no gerenciamento do risco, falhas de transparência. Mas a
regulamentação excessiva pode também criar falhas de mercado quando as instituições
tentam evitar as regras criando um sistema bancário sombra e desenvolvendo inovações
financeiras com riscos pouco transparentes. Importante também é reconhecer, que a comissão
de inquérito sobre a crise financeira [The Financial Crisis Inquiry Commission] concentra sua
análise das causas nas falhas de mercado e da desregulamentação, mas existe uma contra
argumentação minoritária no mesmo relatório da comissão, que critica estes argumentos,
apontando como causa mais importante a política habitacional dos governos e a política dos
GSE [‘government-sponsored enterprises’ como Fannie Mae e Freddie Mac] na criação da
bolha no mercado imobiliário, o que a maioria da comissão acha menos importante ou
inexistente como causa da crise.

É importante reconhecer, que bolhas nos mercados financeiros (especialmente de ações), nos
mercados de crédito, nos mercados imobiliários e nos mercados de commodities
provavelmente não são um cisne negro na definição de Taleb [2008], um evento imprevisível e
raro, mas eventos que se repetem na história do capitalismo global desde séculos como
Kindleberger e Aliber [2011] mostram em seu livro. Porque as expectativas dos agentes
econômicos mudavam de um momento de euforia para o pânico como no 15 de setembro de
2008 na quebra de ‘Lehman Brothers’ e porque os agentes não aprendem com as experiências
de crises anteriores, que não faltavam na década de 1990 e no início do novo século? Reinhart
and Rogoff [2009] argumentam, que a pergunta, porque os agentes não aprendem com as
experiências das crises financeiras anteriores (neste caso se referindo as crises da dívida
soberana), pode ser respondida por quatro palavras: Esta vez é diferente, ou mais extenso na
seguinte citação:

[...]. Enraizada na firme convicção de que as crises financeiras são coisas que acontecem com
outras pessoas em outros países, em outros momentos, as crises não acontecem com nós, aqui
e agora. Estamos fazendo as coisas melhor, nós somos mais inteligentes, aprendemos com os
590

erros do passado. As velhas regras de avaliação não se aplicam mais. Infelizmente, uma
economia altamente alavancada pode inconscientemente estar sentada com as costas na beira
de um abismo financeiro por muitos anos antes que o acaso e as circunstâncias provocam uma
crise de confiança que empurram a economia para o abismo. [Reinhart e Rogoff, 2009, p 1.]
Possivelmente a natureza humana é bipolar, mudando entre fases de euforia e pânico, e a
aprendizagem pelos eventos passados é difícil. E como Santayana está dizendo “Aqueles que
não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo” [The Financial Crisis Inquiry
Commission, p. 444].

Falhas do governo na evolução da crise 2008/09

A falha mais importante na explicação da crise é a criação de uma bolha especulativa no


mercado imobiliário e de credito através de políticas monetárias expansionistas prolongadas
depois da quebra do mercado das ações das novas tecnologias em 2000/2001 (Greenspan put)
fornecendo crédito fácil e barato para uma nova bolha especulativa no mercado imobiliário
dos Estados Unidos (e também no Reino Unido, Irlanda e Espanha). A expansão do crédito
estimulava a alavancagem financeira (por causa da facilidade de crédito e dos juros baixos) e
levava a uma confiança muito otimista dos investidores financeiros sobre os preços
imobiliários, que estimulava investimentos arriscados. Um ambiente de juros baixos leva
também indivíduos, instituições financeiras e empresas procurar investimentos financeiros
com rendimentos mais altos, muitas vezes de alto risco.

Politicas focadas em criar casas próprias para camadas de população mais pobres pode levar
instituições financeiras a decisões equivocadas, mas a comissão de inquérito sobre a crise nega
a importância deste assunto. A intervenção dos GSE nos mercados hipotecários pode levar a
distorções nestes mercados, enquanto a comissão também acha este assunto não muito
relevante para a eclosão da crise.

A regulamentação forte do sistema bancário leva a estratégias de fugir da regulamentação,


criando e expandindo o sistema bancário sombra, bancos de investimento, fundos de mercado
monetário, Special Investment Vehicles e conduits, fundos de hedge e sistemas Ponzi de
fraudes.

A política de abertura dos mercados nacionais (globalização) traz a entrada da força de


trabalho de China, Índia, Rússia etc. para os mercados de trabalho globalizados, restringindo
no mesmo momento os salários dos trabalhadores menos qualificados nos países ricos e a
inflação. Isto é um fator que aumenta a desigualdade de renda e riqueza e com isto tendência
para a especulação das camadas mais abastadas em um ambiente de juros baixos.
591

Desequilíbrios globais entre países gastadores (por exemplo, Estados Unidos, Grécia, Espanha,
etc.) com déficits insustentáveis na conta corrente levam ao crescente endividamento externo
destes países, enquanto países poupadores (China, Japão, Alemanha, países exportadores de
petróleo etc.) com superávits na conta corrente acumulam reservas internacionais fornecendo
recursos financeiros para os países que desenvolvem bolhas especulativas nos mercados
imobiliários.

Falhas de mercado na evolução da crise de 2008/2009

O poder crescente das instituições financeiras (Participação no PIB e nos lucros) captura órgãos
reguladores e o governo para influenciar o processo legislativo nos interesses destas
instituições, evitando regulamentação e controle.

A inovação financeira cria um sistema financeiro sombra (bancos de investimento, fundos


monetários, fundos de hedge, fundos de pensão, empresas industriais entrando nos negócios
financeiras, etc.) pouco controlado e regulamentado, que usa alavancagem extrema para
aumentar os lucros sobre o patrimônio, o que torna estas instituições frágeis numa crise.

Políticas de desregulamentação dos mercados financeiros criavam riscos desconhecidos na


securitização de hipotecas e outros créditos (‘Mortgage-Backed Assets’ MBA, ‘Collateralized
Debt Obligations’ CDO) e nos mercados de derivativos (especialmente de ‘Credit Default
Swaps’ CDS). Inovações financeiras como a securitização de hipotecas (CDO, MBA) levavam a
negligencia da avaliação dos riscos do devedor pelo banco, porque os créditos rapidamente
saiavam do balanço. A criação e os mercados para esses títulos e os mercados de derivativos
de balcão são pouco transparentes e envolvem riscos desconhecidos.

Num ambiente de crédito fácil e barato o sistema bancário também usa alavancagem extrema
através de ‘Special Investment Vehicles’ (SIV) e dos negócios no mercado de derivativos de
balcão. Os grandes bancos, grande demais para falir, podem assumir riscos expressivos,
porque no caso da crise são salvados por programas do governo e do banco central, lucros são
privatizados, prejuízos cobre o Estado e o contribuinte de impostos (criando risco moral).

As estruturas de compensação e de prêmios para os gerentes estimulam investimento


financeiro em ativos de risco elevado em um ambiente de juros baixos e de crédito farto.
Incentivos estimulando o lucro em curto prazo levam ao comportamento antiético e a
empréstimos predatórios (mas é necessário reconhecer que no outro lado do empréstimo
predatório pode ser um endividamento irresponsável).

As agências de avaliação de risco são sujeitas a conflitos de interesse, no mesmo momento


fazendo consultoria aos clientes, cujos títulos eles precisam avaliar.
592

A instabilidade inerente do sistema financeiro, consequência da informação imperfeita e


assimétrica nos mercados financeiros e o comportamento pró-cíclico da concessão do crédito
são resumidos na hipótese da instabilidade do sistema financeiro de Minsky.
Políticas neoliberais desde a década de 1980 com cortes de impostos focadas nas camadas
abastadas e nas empresas levavam a crescente desigualdade social em muitos países com a
consequência que os menos abastados somente podem garantir seu padrão de vida com
créditos, o que levou ao endividamento insustentável dos consumidores em muitos países.
Políticas de desregulamentação dos mercados de trabalho e da corte de benefícios do Estado
de bem-estar social levam a empregos inseguros e temporários e a um aumento da
desigualdade de renda e riqueza, bem como ao desemprego e a exclusão social da parte de
força de trabalho.

A globalização financeira implica o aumento do perigo de contágio de uma crise para outros
países. É importante lembrar que todos estes argumentos são na discussão controversa entre
economistas, políticos e da sociedade civil.

v. Inovações financeiras, sistema bancário sombra, e alavancagem

Inovações, a realização econômica de invenções e novas ideias, são sempre sujeitas ao risco de
se tornem fracassos. Inovações financeiras compartilham este risco econômico, mas elas ainda
podem criar mais riscos para estabilidade do sistema financeiro, e criar incentivos para
especulação e a fraude financeira. Kindleberger e Aliber [2011, p. 17] anotam que: “Inovações
em finanças, como em processos produtivos, podem impactar em choques para o sistema e
levar ao investimento excessivo”. Por exemplo, a securitização de hipotecas (e de outros
créditos), criada para espalhar riscos de forma mais ampla e de livrar capital para novos
empréstimos, criou novos riscos pouco compreendidos e mal avaliados pelas agências de risco,
expandiu o setor bancário sombra através da expansão de SIVs e ‘conduits’ fora dos balanços
dos bancos e dos olhos dos reguladores, e aumentou significativamente o problema de
contágio entre instituições financeiras e entre países. O exemplo dos ‘crédit default swaps’
(CDS), criados para proteger investidores financeiros contra o default de títulos, tornavam se
um instrumento de especulação e foram usados para criar CDOs sintéticos. Os mercados de
balcão destes CDS são pouco transparentes, criando também o risco de iliquidez e insolvência
para os lançadores destes CDS na crise, por exemplo, na AIG, que não criou reservas para o
caso da crise. Neste capítulo securitização, finanças estruturadas (‘structured finance’), e
derivativos como ‘credit default swaps’ (CDS) e sua relação com alavancagem financeira e
especulação são discutidos.
593

O sistema bancário sombra compreende instituições financeiras fora do alcance das


instituições reguladoras e dos programas de ajuda de liquidez do banco central, como bancos
de investimento, fundos de mercado monetário, SIVs e ‘Conduits’, fundos de ‘hedge’ etc.
Desde a década de 1980 o sistema bancário sombra cresceu até alcançando antes da crise o
nível do sistema bancário comercial no financiamento da economia. Os fundos de mercado
monetário, os SIVs e ‘Conduits’ e os bancos de investimento foram os primeiros de
experimentar a crise no mercado imobiliário e hipotecário.

Os bancos agindo no mercado hipotecário concedem hipotecas para seus clientes e podem
ficar com estas hipotecas na sua contabilidade até o vencimento das hipotecas, um modelo
chamado criar e segurar (‘originate and hold’). Já na Grande Depressão em 1938 a Fannie Mae
(desde 1968, privatizada, mas com garantias implícitas do governo, nacionalizada em 2008) foi
criada para expandir o mercado secundário de hipotecas, onde bancos podem vender
hipotecas, que são securitizadas – em tranches – como títulos lastreados em hipotecas
(‘mortgage backed assets MBA’) a investidores institucionais como fundos de pensão,
seguradoras, fundos de hedge etc. Este modelo chama se criar e distribuir (‘originate and
distribute’) forneceu aos bancos novos fluxos de caixa para conceder novas hipotecas. Como as
hipotecas estavam saindo da contabilidade dos bancos, os bancos não enfrentavam mais o
risco de default das hipotecas, o que criou incentivos para os bancos de conceder créditos
afrouxando as condições. Os títulos lastreados em hipotecas foram combinados em
‘Collaterized Debt Obligations’ (CDO) incluindo também outros créditos securitizados e
divididos em tranches de diferentes riscos, o tranche com o risco menor chamado sênior. Estes
títulos estruturados, parcialmente também lastreados por ‘Credit Default Swaps’ CDS (neste
caso os CDOs chamam-se CDOs sintéticos), foram criados por bancos de investimento como
Lehman Brothers e Goldman Sachs etc., bem como grandes bancos como Citicorp e outros. Os
títulos foram avaliados pelos agencias de avaliação de risco (os três maiores Standard & Poor’s
(S&P), Moody’s e Fitch) e vendidos a investidores institucionais. Os bancos de investimento e
os bancos também ficavam com parte dos títulos criados, que podem ser usados como
colateral para tomar empréstimos nos mercados monetários. As taxas para a securitização
foram uma fonte importante de receitas para os bancos de investimento e os grandes bancos.
Os títulos foram negociados nos mercados secundários de balcão, os preços sujeitos a
incerteza em tempos da crise.

Por décadas Fannie Mae e Freddie Mac compravam hipotecas de risco menor (‘prime’)
protegidas por normas estritas [The Financial Crisis Inquiry Commission, 2011, p. 89]. Hipotecas
e créditos que não satisfaziam as condições de Fannie Mae e Freddie Mac com riscos mais
594

altos atraiavam bancos de investimento e bancos de ‘Wall Street’ para o negócio da


securitização. Hipotecas com maior risco (subprime e Alt-A) e maior rendimento tornavam-se a
parte maior do mercado [The Financial Crisis Inquiry Commission, 2011, p. 102]. The Financial
Crisis Inquiry Commission [2011, p. 102] descreve esta mudança no mercado hipotecário e de
securitização:

Em 2004 bancos comerciais, bancos de poupança (‘thrifts’) e bancos de investimento


alcançaram Fannie Mae e Freddie Mac [GSEs] na securitização de hipotecas. Em 2005 eles
assumiram a liderança. (...). Enquanto isso, Wall Street concentrou-se nos empréstimos de
maior rendimento que as GSEs não podiam comprar e securitizar - empréstimos grandes
demais, chamados empréstimos jumbo e empréstimos de alto risco (‘subprime’ ‘Alt – A’) que
não se encontravam nos padrões dos GSEs. Os empréstimos de alto risco logo se tornaram a
maior parte do mercado - empréstimos ‘subprime’ para devedores com avaliação fraca de
crédito e empréstimos ‘Alt-A’ com características mais arriscadas do que os empréstimos
preferenciais com devedores de avaliação forte de crédito.
Um afrouxamento dos padrões para a concessão de hipotecas e para a securitização
aconteceu na toda linha que vem das corretoras de hipotecas, somente interessadas em seus
honorários e não na documentação sobre renda e mérito para o crédito do devedor, para os
bancos que criavam as hipotecas, baixando os níveis de pagamento inicial e menos
interessados na avaliação do risco dos devedores por causa da securitização posterior das
hipotecas, para os bancos e bancos de investimento estruturando MBAs e CDOs. Na
construção dos MBAs e CDOs entravam também, parcialmente, hipotecas ‘subprime’ nas
tranches sênior, por que os bancos podem se proteger contra o risco de default dos títulos que
ficavam na sua contabilidade como CDSs. Os investidores finais, bancos, investidores
institucionais, empresas, outras organizações e pessoas físicas, nos Estados Unidos e em
outros países, confiavam na avaliação de risco pelas agências de avaliação risco na compra
destes títulos. Os bancos que criavam SIVs e ‘conduits’ para o investimento em estes títulos de
rendimentos mais altos ainda assumiam riscos adicionais usando alavancagem alta e
enfrentando o risco de descasamento de prazos financiando os títulos de longa maturação
com ‘commercial papers’ de curto prazo nos mercados monetários. A alavancagem alta (acima
de 10) consegue elevar a taxa de lucro em tempos prosperos, mas enfrenta prejuízos elevados
em tempos de crise. O descasamento de prazo pode levar a iliquidez e insolvência em tempos
da crise.

A tabela a seguir mostra a expansão do crédito - total e em seus segmentos (instrumentos) –


entre 1995 e 2008, com estagnação ou queda depois da crise, com expansão de mais de três
vezes no segmento de hipotecas.

Tabela 126 Mercado de crédito - sentido amplo – dos Estados Unidos 1995 -2011 (bilhões de
US$)
595

1995 2000 2005 2007 2008 2009 2011


Total 18.604 27.208 42.143 50.923 53.311 53.213 54.511
Títulos do mercado aberto 700 1.614 1.644 1.789 1.599 1.137 969
Títulos do Tesouro nacional 3.609 3.358 4.678 5.099 6.338 7.782 10.428
Títulos dos GSE e Agências 2.406 4.347 6.165 7.398 8.167 8.107 7.577
Títulos dos municípios 1.268 1.481 3.044 3.448 3.543 3.698 3.743
Títulos corporações e estrangeiros 3.079 4.932 8.820 11.543 11.119 11.577 11.861
Títulos das instituições depositárias 961 1.521 1.558 2.060 2.750 2.022 2.087
Outros créditos 888 1.446 1.822 2.511 2.610 2.098 1.810
Hipotecas 4.525 6.769 12.092 14.546 14.635 14.354 13.402
Crédito ao consumidor 1.168 1.741 2.321 2.529 2.549 2.439 2.632
Não incluídos no total
Ações corporativas 8.481 17.575 20.636 25.581 15.641 20.123 22.825
Ações dos fundos mútuos 1.853 4.433 6.049 7.829 5.435 6.962 8.001
Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System, Washington D.C, Flow of Funds Accounts
A tabela a seguir mostra a expansão da securitização nos anos antes da crise, os CDOs
ganhando mais espaço e os CDOs sintéticos (lastreados por CDS) fazendo uma pequena, mas
expressiva parte dos CDO.

Tabela 127 Títulos lastreados em hipotecas, Agências e não Agências, CDO e CDO sintético
2002- 2012, (bilhões de US$)
Títulos
Títulos Não
lastreados por Títulos Agências CDO CDO sintético
Agências
hipotecas
2002 5,22 1,14 4,08 0,34 0,03
2003 5,72 1,23 4,49 0,40 0,03
2004 6,10 1,70 4,40 0,52 0,04
2005 7,00 2,34 4,66 0,69 0,06
2006 8,17 3,08 5,09 1,06 0,10
2007 9,20 3,39 5,80 1,34 0,09
2008 9,22 2,94 6,28 1,36 0,08
2009 9,18 2,55 6,64 1,25 0,07
2010 9,07 2,23 6,84 1,10 0,05
2011 8,86 1,96 6,90 0,95 0,03
2012 8,64 1,75 6,89 0,85 0,02
Fonte: SIFMA
Para a explicação da crise o afrouxamento dos padrões de concessão de hipotecas, e a
securitização com alavancagem elevada em toda linha que vai da concessão das hipotecas até
o investidor final em títulos lastreados em hipotecas são as causas mais importantes para
eclosão e para o contágio a crise. O contágio da crise de um mercado de crédito menor – o
hipotecário – para a economia toda dos Estados Unidos foi um evento surpreendente, bem
como o contágio da crise para o mundo através da venda destes títulos para o mundo todo.

Alavancagem financeira existe quando o investimento real ou financeiro é financiado em


grande parte por dívida com isto aumentando a taxa de alavancagem, a razão entre a dívida
596

total dividida pelo capital próprio. Existem outras taxas de alavancagem, por exemplo,
dividindo os ativos totais pelo capital próprio. O aumento da alavancagem consegue aumentar
a taxa e lucro em tempos de lucro, mas em tempos de crise os prejuízos podem também ser
alavancados levando a iliquidez e/ou insolvência. O inverso da taxa de alavancagem é a razão
capital próprio/ativos totais. Os acordos de Basileia preveem para os bancos uma medida de
exposição ao risco através de uma razão capital próprio/exposição total onde as posições (a)
no balanço; (b) exposições em derivativos; (c) exposições de transação de títulos e valores
mobiliários (SFT); e (d) itens fora dos balanços são ponderados com seu risco [BIS].
Obviamente este é uma medida inversa a razão definida acima, mas também chamada de
‘leverage ratio’. Na discussão a seguir refere-se a alavancagem como razão dívida/capital
próprio onde os ativos/dívidas não são ponderados relativos a seus riscos e o capital próprio
está no denominador. Em uma crise de empresas de capital aberto o preço de suas ações pode
cair, iniciando uma queda no valor do capital próprio, também na crise, no vencimento de
partes da dívida, podem aumentar os problemas de rolar esta dívida. Obviamente este
problema é maior quanto mais a empresa depende de financiamento de curto prazo. SIVs e
‘conduits’ financiavam investimentos em títulos lastreados em hipotecas (de longo prazo) com
financiamentos de curto prazo nos mercados monetários, aproveitando o spread entre taxas
de juros de longo e de curto prazo, mas aumentando seriamente as vulnerabilidades na crise,
quando os títulos usados como colateral para o financiamento perdem valor ou um mercado
para estes títulos não existe mais. Os bancos de investimento e os grandes bancos nos Estados
Unidos estavam na eclosão da crise com altas taxas de alavancagem, como o ‘The Handbook of
the Political Economy of Financial Crises’ mostra [2013, p.40]:

Embora os bancos de investimento sejam considerados empresas de alto risco, em 2007 houve
muito pouca diferença entre seus índices de alavancagem e os dos grandes bancos. Para os
cinco grandes bancos de investimento, o índice médio de alavancagem foi de 36,3, e para os
dez maiores bancos taxa de alavancagem foi de 33,7.
É importante anotar que riscos fora do balanço (por exemplo, em SIVs e conduits) ainda não
entravam nestas taxas altas de alavancagem. O crescimento do setor bancário sombra nos
anos antes da crise é um fato que também entra na narrativa sobre as causas da crise, bem o
crescimento do mercado de derivativos negociados no mercado de balcão. O risco sistêmico
foi subestimado como Bernanke informou a comissão “As perdas previstas no segmento
‘subprime’ não foram grandes o suficiente em si mesmas para explicar a magnitude da crise.
(...). Em vez disso, as vulnerabilidades do sistema, juntamente com lacunas nas medidas de
resposta do governo à crise, foram as principais explicações por que a crise foi tão grave e teve
efeitos tão devastadores sobre a economia em geral.” [The Financial Crisis Inquiry Commission,
2011, p. 27].
597

O sistema bancário sombra considera as instituições do sistema financeiro que diferentemente


do sistema bancário tradicional, fortemente regulado pelo governo, são pouco regulados pelo
governo: bancos de investimento, fundos do mercado monetário, o mercado de ‘commercial
papers’ – títulos de dívida de curto prazo emitido por corporações, mas também por SIVs e
conduits com o colateral de MBAs e CDOs, fundos de ‘hedge’, etc. Estima se que o
financiamento através do sistema bancário sombra chegou a igualar o sistema bancário
tradicional curtamente antes da crise, embora as estimativas sobre o tamanho do sistema
bancário sombra variam. Embora o sistema bancário sombra criasse novas possibilidades de
financiamento, de inovação financeira, de investimento financeiro, e de especulação, o
crescimento foi sem supervisão e criou riscos sistêmicos [Claessens, Kose, Laeven, Valencia,
2014, posição 4121 p.].

Outro fator importante foi o derivativo de ‘credit default swap’ (CDS) concedendo uma
proteção contra o risco de default para um investidor em títulos lastreados por hipotecas,
outros títulos de dívida, e empréstimos (também importante para a crise seguinte na área do
euro para investidores em títulos soberanos), mas também um instrumento de especulação
para investidores apostando em um default sem possuindo estes títulos (‘naked CDS’). The
Financial Crisis Inquiry Commission [2011, p. 50] descreve este derivativo negociado no
mercado de balcão (‘over the counter’ OTC) de pouca transparência:

Um derivativo OTC chave na crise financeira foi o credit default swap (CDS), que ofereceu ao
vendedor um potencial relativamente pequeno de lucro com um risco pequeno de um prejuízo
potencialmente grande [em caso de default]. O comprador de um CDS transferiu para o
vendedor o risco de default de uma dívida subjacente. O título de dívida poderia ser qualquer
obrigação de um empréstimo ou de um bônus. O comprador do CDS fez pagamentos periódicos
ao vendedor durante a vida do swap [calculado em pontos básicos sobre o valor de face]. Em
troca, o vendedor ofereceu proteção contra um default ou "eventos de crédito" especificados,
como um default parcial. Se um evento de crédito como um default ocorreu, o vendedor do
CDS paga normalmente ao comprador o valor de face da dívida.
O valor do CDS depende da credibilidade do devedor, em tempos da crise o valor do CDS pode
aumentar rapidamente, fazendo necessário aumento no colateral pelo lançador (vendedor) do
CDS. O risco do comprador de um CDS é o risco de contrapartida, quando o lançador do CDS
entra em falência (como no caso de Lehman Brothers) ou em problemas de liquidez em
aumentar o colateral (como em caso da AIG, que precisava ser salvado pelo governo). A
proteção contra o risco de default pode se tornar ilusório para o comprador do CDS, quando o
lançador do CDS vai à falência.

O valor de mercado bruto [representando o risco de contrapartida] global de CDS chegou


antes da crise em 62 trilhões de US$ [SIFMA, BIS], mas é necessário reconhecer que somente
598

uma parte minoritária estava se referindo a CDS para títulos lastreados em hipotecas como
CDOs.

O mercado de derivativos de balcão, especialmente de ‘Crédito Default Swaps’ CDS, sem


regulação e com pouca transparência criou riscos sistêmicos, como o caso da AIG mostra que
precisava ser resgatada pelo governo através da injeção de cerca 180 bilhões de US$, mas
também estimulou a especulação.

Definições, bem como impactos, da especulação são controversas, aqui segue se uma
definição de Baker [2014, p. 47 p.]:

A especulação é uma parte inevitável dos mercados financeiros. Embora não exista uma
definição de especulação perfeita e universalmente aceita, a maneira mais útil de caracterizá-la
é como uma negociação que se baseia em antecipar o comportamento de outros atores no
mercado em vez de negociar que se baseie nos fundamentos subjacentes do mercado. É
provável que a especulação seja desestabilizadora porque pode amplificar desvios de valores
fundamentais. É provável que este seja o caso, já que os especuladores não estão trazendo
novas informações ao mercado. Em vez disso, eles estão atuando com base nas informações
fornecidas por outros participantes do mercado. Se esta informação está errada, por exemplo,
por ser excessivamente otimista, então, os especuladores provavelmente irão inflar o mercado
para além de onde ele seria conduzido apenas por comerciantes fundamentais. Este contraste
vale a pena observar, porque, em princípio, quanto mais comerciantes fundamentais existem
em um mercado, mais estável deve ser. Se esses comerciantes chegarem a uma avaliação
independente dos fundamentos do mercado, suas opiniões deveriam tender a convergir para o
valor da tendência, pois os erros em geral seriam compensados. A lógica é que os
especuladores aproveitam os movimentos no mercado e atuam com base na expectativa de
que esses movimentos continuarão a valer no futuro.
Friedman discorda da hipótese de uma especulação desestabizadora, mas também estratégias
individuais racionais de especulação podem ter impactos irracionais no nível macro como no
desenvolvimento de bolhas especulativas, o que é tema do próximo capítulo.

vi. Bolhas especulativas e crises bancárias

Bolhas especulativas nos mercados de ativos reais (como imóveis residenciais e comerciais ou
commodities) ou ativos financeiros (como, por exemplo, ações) são frequentes na história
econômica. As bolhas são caracterizadas por aumentos expressivos prolongados dos preços
dos ativos seguidos por uma quebra (‘crash’) dos mercados. “Algumas bolhas de preços de
ativos e quebras são bem conhecidas. Tais casos históricos incluem a Mania das Tulipas na
Holanda de 1634 a 1637, a Bolha francesa do Mississippi em 1719-20 e a Bolha do Mar do Sul
no Reino Unido em 1720” [Claessens, Kose, Laeven, Valencia, 2014, posição 676 pp.].
Kindleberger e Aliber [2005, p. 1] resumem as bolhas mais importantes desde a quebra do
sistema de Bretton Woods na década de 1970 e depois:

Os anos do início da década de 1970 não têm precedentes em termos de volatilidade nos
preços das commodities, moedas, imóveis e ações, e a frequência e a gravidade das crises
financeiras. Na segunda metade da década de 1980, o Japão experimentou uma enorme bolha
599

em seus imóveis e no seu mercado de ações. Durante o mesmo período, os preços dos imóveis
e das ações na Finlândia, Noruega e Suécia aumentaram ainda mais rapidamente do que no
Japão. No início dos anos 90, houve um aumento nos preços dos imóveis e preços das ações na
Tailândia, Malásia, Indonésia e na maioria dos países asiáticos próximos. Em 1993, os preços
das ações aumentaram em cerca de 100% em cada um desses países. Na segunda metade da
década de 1990, os Estados Unidos experimentaram uma bolha no mercado de ações; houve
uma mania em os preços das ações de empresas nas novas indústrias, como tecnologia de
informação e dot.coms. As bolhas sempre implodem; por definição, uma bolha envolve um
padrão de mudanças não sustentáveis de preços ou fluxos de caixa.
As bolhas nos mercados acionários são identificadas através da razão preço lucro P/L das
ações, dividindo o preço atual de uma ação (ou o valor atual de um índice de preços de ações
como Standard & Poor’s composite) pelo lucro atual (dividendos e/ou lucros líquidos da
empresa). Quando a razão se torna muito elevado o desvio dos preços de ações dos lucros
mostra sinais de uma bolha especulativa.

Baker [2014, p. 50] resume que “Nas seis décadas que se seguiram ao colapso do mercado de
ações em 1929, a razão dos preços agregados das ações e a tendência de ganhos das empresas
permaneceu sempre abaixo de 20. Essa razão preço lucro baixo permitiu um prêmio
substancial para ações em vez de quatro pontos percentuais em relação aos títulos do governo
livres de risco. (...). A média de longo prazo de P/L foi de 14,5”. O gráfico a seguir
[www.econ.yale.edu/~shiller/data/ie_data.xls] mostra que a razão P/L (para o índice Standard
& Poor’s composite) sai do nível de 20 na década de 1920, precedendo a quebra de outubro de
1929 e a Grande Depressão, e na década de 1990 com o ápice em dezembro de 1999 com um
valor de 44,2. No mercado de ações das novas tecnologias NASDAQ a tendência foi ainda mais
explosiva por que muitas das novas empresas mostravam nenhum lucro. No gráfico pode ser
ver também a influência das taxas de juros de longo prazo para o mercado de ações, altas
taxas de juros (como no início da década de 1980) tendem a deprimir os preços das ações, por
que muitos investidores financeiros se voltam mais para títulos de renda fixa. Em 2008/2009
uma crise tão profunda como a Grande Depressão foi evitada por causa das intervenções
coordenadas de governos e bancos centrais no mundo, embora houvesse uma longa recessão,
a Grande Recessão nas palavras do BIS.
600

Gráfico 101 Razão preço – lucro do mercado acionário (S&P) e taxa de juros de longo prazo dos
Estados Unidos 1881 – 2017 [Shiller: Irrational Exuberance" Princeton University Press, 2000,
2005, 2015, updated]

Fonte: Shiller Data e gráfico www.econ.yale.edu/~shiller/data/ie_data.xls, adaptado pelo autor

A quebra do mercado das ações nos Estados Unidos em 2001 impactou em uma curta e leve
recessão, curta e leve por causa da política monetária expansionista prolongada da ‘Federal
Reserve’ com taxas de juros muito baixas, mas a expansão monetária, credito fácil e barato e
influxos maciças de capital de países superavitárias (discutidos no capítulo sobre desequilíbrios
globais) forneciam o financiamento para o desenvolvimento de uma bolha especulativa no
mercado imobiliário dos Estados Unidos.

O gráfico a seguir [http://www.econ.yale.edu/~shiller/data/Fig3-1.xls] mostra a evolução dos


preços reais imobiliários nos Estados Unidos (e fatores que influenciam o mercado imobiliário)
desde 1890 mostrando o aumento expressivo destes preços desde a metade da década de
1990. Como cada bolha a bolha nos mercados imobiliários dos Estados Unidos esta bolha
também foi fomentada pela expansão de crédito. Eichengreen [2015, p 76. Pp.] comenta isto
da seguinte forma:

O resultado foi um enorme aumento do fluxo de crédito nos mercados financeiros dos EUA e,
em particular, no mercado imobiliário. A dívida hipotecária e não hipotecária aumentou
durante três décadas. A partir de 2000- 01, no entanto, a dívida não hipotecária como parcela
do PIB se estabilizou, enquanto o crescimento da dívida hipotecária aumentou de forma
explosiva. No pico em 2006, a dívida hipotecária privada era mais da metade da dívida privada
não hipotecária. Algo peculiar acontecia evidentemente nos mercados financeiros e
601

hipotecários. Associado a este tsunami de finanças foi um período acelerado nos preços das
casas, diferente de tudo visto desde a [bolha na] Flórida na década de 1920. Os preços da
habitação em todo o país, ajustados pela inflação, tinham sido essencialmente sem tendência
desde a década de 1950 até a década de 1990. A partir de 1999, eles dispararam, aumentando
em dois terços em termos reais em apenas sete anos. Como na década de 1920, o aumento foi
mais forte em certos bolsos frenéticos, Flórida e desta vez no Arizona e na Califórnia.

Gráfico 102 Preços das casas (real), Custos de construção (real), População, Índice de taxas de
juros Estados Unidos 1890 – 2017 [in Robert J. Shiller, Irrational Exuberance, 3rd. Edition,
Princeton University Press, 2015, as updated by author}
Fonte: Shiller data in http://www.econ.yale.edu/~shiller/data/Fig3-1.xls, adaptado pelo autor

Não houve somente uma bolha no mercado imobiliário dos Estados Unidos, no Reino Unido,
na Espanha e na Irlanda também houve este fenômeno. O gráfico a seguir mostra a evolução
dos preços residenciais nos mercados imobiliários dos Estados Unidos, do Reino Unido e da
Espanha, onde é importante reconhecer que estes dados são no nível nacional, os preços em
certas áreas como, por exemplo, Califórnia e Florida, aumentavam ainda mais
expressivamente.
602

Gráfico 103 Evolução (Índices 1995:1 =100) dos preços residenciais nos mercados imobiliários
dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha 1995 – 2012

Fonte: BIS, cálculos próprios.

O gráfico a seguir mostra a evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados
Unidos, para o Reino Unido e a Espanha 1995 -2011, que mostra aumentos expressivos do
crédito nos anos antes da crise de 2008/09, fornecendo recursos para as bolhas.

Gráfico 104 Evolução da razão Crédito ao setor privado/PIB (%) para os Estados Unidos, para o
Reino Unido e a Espanha 1995 -2011
603

Fonte: World Bank.

Os gráficos a seguir mostram o mercado de crédito hipotecário nos Estados Unidos, a evolução
da securitização, e dos Credit Default Swaps (CDS). Obviamente a concessão de crédito
hipotecário a condições atraentes (com taxas de juros atrativas nos primeiros anos, sem
amortização nos primeiros anos etc.) aqueceu ainda mais o mercado imobiliário criando a
ilusão que os preços de residências vão aumentar para sempre. A possibilidade de securitizar
estas hipotecas em títulos lastreados em hipotecas (CDO, MBA, etc.) forneceu para os bancos
agindo no mercado hipotecário os recursos financeiros para conceder novas hipotecas, muitas
vezes para pessoas de alto risco (hipotecas subprime). Os Credit Default Swaps (CDS)
contribuíram para a crise através de três efeitos [The Financial Crisis Inquiry Commission,
p.XXIV p.]: Em primeiro lugar instituições financeiras (como a AIG com US$ 79 bilhões)
lançavam CDS, dando com isto para os compradores destes títulos lastreados em hipotecas
segurança contra um default destes títulos, o que ajudou em criar e expandir este mercado
(como também as avaliações de risco muito favoráveis destes títulos pelas agências de rating,
Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch). Em segundo lugar os CDS abriram a possibilidade de criar
CDO’s sintéticos (Goldman Sachs criou e emitiu US$ 73 bilhões destes títulos de 1/07/2004 até
31/05/2007 [p.XXV]), títulos não lastreados em hipotecas reais, mas em CDS. Em último lugar
os CDS foram no centro quando a crise entrou em sua fase mais crítica em setembro de 2008,
a AIG não criou reservas de capital para o caso de default dos títulos lastreados em hipotecas,
que os CDS seguravam, e precisava ser resgatada pelo governo dos Estados Unidos em 16 de
setembro de 2008 (bail out), comprometendo US$ 180 bilhões101 dos contribuintes de
impostos, para evitar uma quebra do sistema financeiro.
604

Gráfico 105 Estados Unidos 1995-2012 Dívida do setor não financeiro, dívida de hipotecas
residencial e comercial e credores das hipotecas US$ Bilhões

Fonte; Economic Report of the President, 2013.

Coggan [s.a., posição 2543 pp.] resume os problemas de bolhas nos mercados imobiliárias em
geral e nos Estados Unidos em especifico:

As bolhas imobiliárias são comuns e particularmente difíceis de parar. Isso ocorre porque essas
bolhas têm muitos aproveitadores enquanto estão inflando. Os bancos estão ganhando
dinheiro com os empréstimos; os agentes imobiliários estão ganhando dinheiro com as
comissões sobre transações imobiliárias, assim como advogados e outros agentes (como
avaliadores). Os proprietários se sentem mais ricos porque sua casa vale mais. No exemplo
americano, os políticos defendem uma maior propriedade das casas: na direita, porque os
proprietários eram vistos como prováveis apoiantes do capitalismo; e à esquerda, porque as
minorias pobres e étnicas já haviam antes sido excluídas do mercado de hipotecas. (...). E os
padrões para empréstimos tinham que ser relaxados para o boom fosse mantido. (...). Os
empréstimos foram concedidos sem pagamento de entrada. Na verdade, alguns empréstimos
nem sequer exigiam que os mutuários cumprissem o pagamento dos juros adicionados
simplesmente ao capital devido. Esta foi a fase final do modelo de Minsky. (...). Quando uma
bolha estoura, o ciclo virtuoso torna-se vicioso. A queda dos preços significa que os
proprietários de ativos que tomavam emprestado uma grande proporção do preço se tornaram
vendedores forçados. Isso força os preços ainda mais para baixo. Enquanto isso, os bancos não
ficam mais dispostos a emprestar e, de fato, exigem o reembolso de seus empréstimos,
enfraquecendo ainda mais o saldo da oferta e demanda.
A bolha imobiliária nos Estados Unidos, as inovações financeiras da década de 2000, a
alavancagem expressiva de bancos e bancos de investimento assumindo riscos não previstos, a
política monetária expansionista, e os desequilíbrios globais financiando o ‘boom’, impactavam
em uma crise sistêmica bancária nos Estados Unidos e em outros países do mundo,
interdependente através da globalização financeira, que lembrou as crises bancárias na
605

Grande Depressão. Claessens, Kose, Laeven, e Valencia [2014, posição 2087 pp.] contam a
eclosão da crise bancária sistêmica nos Estados Unidos:

No decorrer de 2007, os mercados de hipotecas de alto risco dos EUA quebravam e os


mercados monetários globais estavam sob pressão. A crise das hipotecas subprime dos EUA
manifestou-se primeiro, através de problemas de liquidez no sistema bancário devido a um
forte declínio na demanda por títulos lastreados por ativos. Produtos estruturados, difíceis de
avaliar, e outros instrumentos criados durante um boom de inovação financeira tiveram que ser
severamente depreciados devido à recém-implementada contabilização do valor justo. Perdas
de crédito e depreciação de ativos pioraram com as ‘foreclosures’ aceleradas [tomando posse
de uma propriedade hipotecada na falha do inadimplente em manter os pagamentos da
hipoteca] que aumentaram no final de 2006 e pioravam em 2007 e 2008. Em 16 de agosto de
2007, ‘Countrywide Financial’ sofreu problemas de liquidez por causa do declínio do valor dos
títulos lastreados por hipotecas desencadeando uma corrida ao banco. O ‘Federal Reserve’
“interveio”, reduzindo a taxa de desconto em 0,5% e aceitando US $ 17,2 bilhões em acordos
de recompra de títulos lastreados em hipotecas para auxiliar na liquidez. Em 11 de janeiro de
2008, o ‘Bank of America’ comprou a ‘Countrywide’ por US $ 4 bilhões. ‘Bear Stearns’, o quinto
maior banco de investimento na época, exigiu um resgate de emergência do governo e foi
comprado pela ‘JP Morgan Chase’ com garantias federais sobre seus passivos em março de
2008. Os lucros nos bancos dos EUA diminuíram de US $ 35,2 para US $ 5,8 bilhões (-83,5%)
durante no quarto trimestre de 2007 em relação ao ano anterior, devido a provisões para
créditos de liquidação duvidosa. Em junho de 2008 as perdas de créditos ‘subprime’, outras
perdas de crédito e depreciações das instituições financeiras globais passaram de cerca US $
400 bilhões. O ‘FED’ introduziu ‘Term Securities Lending facility’ [uma linha de crédito
especifica] para trocar uma ampla gama de títulos lastreados por hipotecas para notas do
tesouro [nacional] por um período de um mês. Em 7 de setembro de 2008, os gigantes
hipotecários Fannie Mae e Freddie Mac foram colocados sob curadoria [conservatorship].

vii. Desregulamentação e desequilíbrios globais


I have directed Secretary Connally to suspend temporarily the convertibility of the dollar into
gold or other reserve assets, except in amounts and conditions determined to be in the interest
of monetary stability and in the best interests of the United States.
Richard M. Nixon, August 15, 1971

A globalização financeira desde a década de 1970 foi consequência da quebra do sistema


monetário internacional de Bretton Woods e da desregulamentação dos mercados financeiros
nacionais nas décadas seguintes, por exemplo, o ‘Big Bang’ no sistema financeiro do Reino
Unido em 1987. A quebra do sistema de Bretton Woods, descrito em um capítulo anterior, foi
consequência de ataques especulativos contra diferentes moedas de países centrais e um
aumento dos fluxos internacionais de capital especulativo de curto prazo (já antecipado pelo
crescimento expressivo do mercado de eurodólares), que levou a um sistema de taxas de
câmbio flutuantes e a substituição dos controles de movimentos internacionais de capital,
previstos pelo sistema de Bretton Woods, pela liberalização dos fluxos internacionais de
capital (liberalização do câmbio e dos fluxos de capitais especialmente entre as economias
centrais). Como a citação acima mostra que o governo de Nixon em 1971 livrou o dólar de seu
relacionamento com o ouro, previsto no contrato de Bretton Woods, em um ato unilateral
606

perseguindo somente os interesses dos Estados Unidos. Esta liberalização pode ser vista como
uma desregulamentação dos mercados financeiros internacionais, que levou nas décadas
seguintes a uma maior volatilidade nos mercados de câmbio e financeiros e a um aumento
expressivo no volume dos negócios nestes mercados.
Os aumentos do volume de transações financeiras internacionais podem ser vistos nos
seguintes números. Os fluxos de capitais internacionais aumentavam de 1,1 trilhões de US$
(5,2% do PIB mundial) em 1990 para 11,1 trilhões de US$ (20,5% do PIB mundial) em 2007
(McKinsey). O volume global diário (médio) de negócios no mercado de câmbio aumentou de
590 bilhões de US$ (cerca um terço em transações a vista e os outros dois terços em
derivativos) em 1989 para 4 trilhões de US$ em 2010 [BIS, Triennial Central Bank Survey of
foreign exchange and OTC derivatives markets], muito mais do que necessário para financiar o
comércio internacional. A maioria das transações financiou as movimentações internacionais
de capital, a proteção contra o risco cambial, a especulação, e a arbitragem.
Embora desde a década de 1980 houvesse em muitos países centrais uma desregulamentação
das instituições e mercados financeiros, como, por exemplo, a revogação da lei Glass-Steagall
(separação da atividade bancária comercial e da atividade dos bancos de investimento) em
1999 nos Estados Unidos, mas também o crescimento expressivo das instituições financeiras
do setor bancário sombra, com foco nos fundos do mercado monetário, bancos de
investimento e fundos de hedge, e o crescimento expressivo dos mercados de derivativos,
partes não regulamentadas ou somente levemente regulamentadas do sistema financeiro.
Embora a desregulamentação financeira e sua importância para a eclosão da crise de
2008/2009 faz parte de uma discussão controversa por economistas conservadores, ‘The
Financial Crisis Inquiry Commission’ [2011, p. xviii] avalia a desregulamentação como um fator
importante na eclosão da crise:
Mais de 30 anos de desregulamentação e dependência da regulação pelas próprias instituições
financeiras, defendidas pelo ex-presidente da ‘Federal Reserve’ Alan Greenspan e outros,
apoiados por sucessivas administrações e Congressos, e ativamente empurrado pela poderosa
indústria financeira em cada turno, tinha despojado salvaguardas essenciais, que poderiam ter
ajudado a evitar catástrofes. Esta abordagem abriu lacunas na supervisão de áreas críticas com
trilhões de dólares em risco, como o sistema bancário sombra e os mercados de derivativos de
balcão. Além do que, além do mais, o governo permitiu que as empresas financeiras
escolhessem seus reguladores preferidos o que se tornou uma corrida para o supervisor mais
fraco.
Sobre a importância do sistema bancário sombra, com corridas a fundos de mercado
monetário, alavancagem expressiva dos bancos de investimento que levou ‘Lehman Brothers’
a falência e ‘Bear Stearns’ e ‘Merill Lynch’ a serem salvados da falência por outros bancos, e a
importância dos mercados de CDS na eclosão da crise não há dúvidas. Em 20 de setembro de
2008 os dois restantes bancos de investimento ‘Goldman Sachs’ e ‘Morgan Stanley’ tornavam
607

se bancos comerciais para ter acesso a fontes de liquidez da ‘Federal Reserve’ e do tesouro,
mas com isto aceitando a supervisão e a regulamentação federal de bancos.
O crescente volume de transações financeiras internacionais levou também num lado para a
uma maior possibilidade de financiar déficits na conta corrente e déficits fiscais nos mercados
financeiros globais, noutro lado para os países com fortes superávits na conta corrente de
investir em ativos financeiros de outros países, em primeiro lugar nos títulos públicos dos
Estados Unidos (chamado por economistas americanos ‘saving glut’). A tabela a seguir mostra
os desequilíbrios globais pela média dos saldos da conta corrente (em relação ao PIB) de
alguns países poupadores e um país gastador, os Estados Unidos, bem como a acumulação de
reservas internacionais e seu crescimento.

Tabela 128 Conta Corrente em % do PIB (Média 2000/12), Reservas internacionais Bilhões US$
2012, Mudança Reservas 2012/2000

Mudança reservas
CC/PIB % Média Reservas 2012
2012/2000
2000/12 Bilhões US$
Bilhões US$
Alemanha 4,40 234,10 146,61
Arábia Saudita 16,79 656,46 635,62
China 4,59 3.331,12 3.159,36
Estados Unidos -4,30 139,13 10,73
Japão 3,05 1.227,15 865,51
Rússia 8,19 486,58 458,92
Fonte: IMF WEO 2013/4, World Bank, cálculos próprios.
Para Alemanha os dados para reservas referem-se a 2011
O gráfico a seguir mostra o desenvolvimento dos desequilíbrios globais desde 1990, Alemanha,
China, Japão e Arábia Saudita como países com superávits expressivos na conta corrente e os
Estados Unidos como país com um déficit expressivo na conta corrente. O Brasil mostra um
superávit na conta corrente especialmente no período de ‘boom’ das commodities de 2002 até
a crise financeira global. A conta corrente de Arábia Saudita depende fortemente do preço de
petróleo, mostrando uma queda expressiva em 2015.
608

Gráfico 106 Desequilíbrios globais: Conta corrente (em % do PIB) Alemanha, Brasil, China,
Estados Unidos, Japão, Saudi Arábia 1990 - 2017

Fonte; IMF data Mapper


Os desequilíbrios globais com os países superavitários investindo em títulos dos Estados
Unidos forneciam mais uma fonte financeira, acima da política monetária frouxa da Federal
Reserve, para a formação da bolha especulativa no mercado imobiliário dos Estados Unidos.
Com isto eles são uma fonte importante da crise financeira, como ‘The Handbook of the
Political Economy of Financial Crises’ [2014, p. 8] afirma:
"O problema não era com os desequilíbrios globais per se, mas a maneira insustentável como
eles estavam sendo reciclados e o que eles costumavam financiar". Em vez de contribuir para o
desenvolvimento genuíno nos países em desenvolvimento ou nos Estados Unidos, eles foram
usados para [criar e] sustentar a bolha imobiliária nos EUA e ajudavam a financiar os gastos do
governo dos EUA com baixas taxas de juros.

viii. Intervenções governamentais e recuperação

A recuperação da Grande Recessão foi em geral demorada, embora a queda não fosse tão
profunda como na Grande Depressão, consequência das maciças intervenções de governos e
bancos centrais e do papel da China (experimentando crescimento um pouco menor na
Grande Recessão, embora queda expressiva das exportações) como motor na expansão da
demanda global. Os países G7 experimentavam queda do PIB em 2009 entre -2,8% (Estados
Unidos) e -5,6% (Alemanha) e todos estavam experimentando uma recuperação da economia
em 2014 com aumentos do PIB 9acumulado) desde 2009 entre 6% (França) e 11,3%
609

(Alemanha), menos Itália que estava ainda com um PIB em – 2,2% abaixo do nível de 2009,
embora experimentasse em 2010 e 2011 uma curta expansão, terminada pela crise da dívida
soberana na área do euro [Dados de World Economic Outlook 10/2017]. A recuperação no
mercado de trabalho (taxa de desemprego) demorou mais tempo em todos os países do G7,
em 2014 somente em Alemanha e Japão a taxa de desemprego estava mais baixo que o nível
de 2008, na Canada, nos Estados Unidos e no Reino Unido ela estava ainda acima deste nível,
enquanto Itália (12,6% em 2014 contra 6,7% em 2008) e França (10,3% em 2014 contra 7,5%
em 2008) experimentavam aumentos expressivos da taxa de desemprego [Dados de World
Economic Outlook 10/2017]. Arias e Wen [2015] chegavam às seguintes avaliações sobre a
recuperação na economia global por continentes entre 2008 e 2014:
As regiões que apresentaram maiores declínios no PIB agregado no período de recessão foram
a Europa e o Oriente Médio, onde as quedas totais do PIB variaram de 10% a 20%. A América
Latina102 também foi muito afetada pela recessão, com o PIB caindo em quase 8%, seguido pela
Oceania, América do Norte e África. É interessante notar que a produção na Ásia não recuou
durante a recessão - o crescimento apenas diminuiu para uma média de 5%, apesar de uma
forte queda nas exportações.103
Mirando o desempenho durante a recessão, as regiões que cresceram mais desde 2009 foram a
Ásia e a África; em ambas as regiões, o PIB cresceu cerca de 50%. A região com crescimento
menor foi a Europa, com o PIB crescendo pouco abaixo de 10% em média, seguido pela
América do Norte, onde o crescimento médio foi acima de 20% desde 2009.
Ser atingido foi o primeiro golpe; um período oneroso de recuperação foi o segundo para
muitas áreas do mundo. O maior quebra-cabeça é que as regiões avançadas ou industrializadas
(por exemplo, os EUA e a Europa) tiveram o ritmo mais lento de recuperação. Uma explicação
plausível é que é mais difícil recuperar de uma crise financeira severa se uma crise da dívida
(como na Europa) segue. Outra explicação é que as políticas monetárias (como QE) foram
ineficazes ou muito menos efetivas do que as políticas fiscais para acabar com a Grande
Recessão104.
As consequências das políticas expansionistas fiscais foram um aumento expressivo da dívida
pública nos países de G7, chegando a níveis da dívida pública (em relação ao PIB nominal) em
2014 a 242% (Japão), 132% (Itália), 105% (Estados Unidos), 95% (França), 88% (Reino Unido),
85% (Canada) e 75% Alemanha. Os impactos das políticas monetárias expansionistas
prolongadas dos bancos centrais são ainda em uma discussão controversa entre os
economistas. Políticas monetárias e fiscais na Grande Recessão e depois são resumidas a
seguir e a crise da dívida soberana na área do euro em um capítulo posterior.
Intervenções dos governos e bancos centrais e sua coordenação

Na sua grande maioria economistas consideram as intervenções maçicas dos governos e


bancos centrais na crise financeira global de 2008/2009 como responsáveis para que uma nova
Grande Depressão fosse evitada. Este capítulo tenta resumir nos períodos da crise e pós-crise
as intervenções com politicas fiscais expansionistas dos governos, com politicas monetárias
expansionistas prolongadas dos bancos centrais, e com medidas para a salvação de instituições
financeiras, com ênfase em intervenções inovativas.
610

Blinder e Zandi [2010, p. 1] resumem em 2010 para os Estados Unidos as intervenções


fundamentais para terminar a crise:

A resposta do governo dos EUA à crise financeira e a recessão posterior incluíram algumas das
políticas fiscais e monetárias mais agressivas da história. A resposta foi multifacetada e
bipartidária, envolvendo o Federal Reserve, o Congresso, e duas administrações. No entanto,
quase todas essas iniciativas políticas continuam controversas até hoje, com críticas que as
chamam de equivocadas, ineficazes ou ambas. O debate sobre essas políticas é crucial porque,
com a economia ainda fraca, pode ser necessário mais apoio governamental, como se viu
recentemente na extensão dos benefícios de desemprego e na consideração do FED de uma
maior expansão monetária.
Enfrentando críticas da escola austríaca e libertária, Blinder e Zandi [2010, p. 7] defendem em
2010, com a economia americana ainda frágil e a crise europeia no horizonte, as intervenções
contra os fundamentalistas de mercado:

É compreensível que a economia ainda frágil e os enormes déficits orçamentais alimentaram a


crítica da resposta do governo. Ninguém pode saber com certeza o que o mundo parece hoje se
os decisores políticos não tiverem agido como eles fizeram (...). Também não é difícil encontrar
falhas em aspectos isolados da resposta política. Os resgates do setor bancário e da indústria
automobilística realmente eram necessários? Os benefícios extras para o desemprego
incentivam os desempregados a não procurarem trabalho? Os governos estaduais e locais não
devem se forçar a reduzir os orçamentos cheios de desperdícios? O crédito fiscal para
habitação era uma bonança grátis para os compradores que teriam comprado casas de
qualquer maneira? Os esforços de mitigação de execuções de hipotecas são os melhores que
poderiam ter sido feitos? As perguntas continuam.
Embora todas essas questões merecessem uma análise cuidadosa, é claro que o laissez faire
não era uma opção; os decisores políticos tiveram que agir. Não responder teria deixado a
economia e a situação fiscal do governo em condições muito mais graves. Concluímos que Ben
Bernanke provavelmente estava certo quando disse que "chegamos muito perto em outubro
[2008] para Depressião 2.0".
Importante para evitar uma Depressão 2.0 foram também os esforços de cooperação dos
governos nas politicas fiscais e monetárias em suas reuniões de G20 em 2008 e 2009, bem
como a cooperação entre os bancos centrais nas tentativas de contrariar os efeitos da crise de
liquidez internacional. Neste sentido os atores tinham apreendido as lições da Grande
Depressão, embora a forma como fossem distribuídos os custos e riscos da crise entre bancos,
empresas, governos, credores, devedores, poupadores e contribuintes de impostos, bem como
as reformas para o setor financeiro, são criticados por muitos analistas.

Uma parte importante para a coordenação das políticas dos países foi a ação do Federal
Reserve de providenciar liquidez em dólares para bancos europeus e não europeus através de
seus bancos centrais através de linhas de swap. Também o quantative easing do Federal
Reserve, visto normalmente como uma política americana, forneceu liquidez para bancos
internacionais europeus através de compra de títulos da dívida lastreados por hipotecas.
Tooze [2018, p. 203 pp.] descreve estas operações apontando que os bancos centrais
611

europeus e não europeus somente poderiam injetar liquidez em moeda nacional, não em
dólares:

Mas o que tais operações não poderiam fornecer era a liquidez em moedas estrangeiras. O
banco da Inglaterra forneceu Sterling, o BCE euros. Esta restrição monetária doméstica foi um
limite crucial para o poder das operações do banco central e, particularmente, em 2008,
porque o que os bancos europeus precisavam desesperadamente eram dólares. Foi nesta
brecha que o FED pisou com um programa de provisão de liquidez que correspondeu ao
alcance global do sistema bancário offshore de dólar. (...).
Cálculos por economistas no Bank of international settlements [BIS] são que os bancos
europeus necessitavam não era 5 bilhões de US$ ou mesmo 10 bilhões. Antes da crise eles
tinham financiado suas operações em dólares com cerca um trilhão US$ em compromissos com
fundos do mercado monetário dos Estados Unidos. Eles tinham ainda emprestado 432 bilhões
de US$ no mercado interbancário, 315 bilhões de US$ nos mercados de swap cambial e 386
bilhões de US$ em financiamentos de curto prazo a partir das autoridades monetárias que
estavam gerenciando pools de dólares. Chegando no total em cerca de 2 trilhões de US$. (...).
A partir do final de 2007, o FED começou a fornecer liquidez em dólar em abundância sem
precedentes, não só para o americano, mas para todo o sistema financeiro global, e acima de
tudo para a Europa. Em 2008 o fluxo de dólares cresceu a proporções que ele tornou qualquer
esforço para escrever uma história separada das crises americanas e europeias anacrônica e
profundamente enganosa. (...).
Quantitative easing (QE) é geralmente pensado como a quintessência política "americana", o
símbolo da aventuacidade do FED. Ganharia repreender Bernanke por políticos conservadores
na Europa. Mas depois do que já dissemos, ele virá como nenhuma surpresa que 52 por cento
dos títulos garantidos por hipotecas vendidos ao FED QE foram vendidos por bancos
estrangeiros, com os europeus longes na liderança. Deutsche Bank e Credit Suisse foram os dois
maiores vendedores, superando todos os seus rivais americanos por uma margem saudável.
Outro fator importante na recuperação global foi o esforço expressivo da China na sua política
fiscal para contrabalançar os efeitos adversos da crise financeira global. Tooze [2018, p. 243
pp.]:

Já em 5 de novembro, o Conselho de Estado convocou uma reunião de emergência para


concordar com um 4 trilhões de yuan (586 bilhões de US$) programa de gastos. Isto atingiu um
notável 12,5 por cento de 2008 PIB. (...). Este foi a resposta fiscal de grande escala na crise
global. (...). Os fundos deviam ser concentrados em dez setores, incluindo cuidados de saúde,
educação (particularmente nas regiões ocidentais relativamente privadas e politicamente
contestadas da China), habitação de baixa renda nas bordas das gigantescas cidades novas da
China, proteção, inovação tecnológica, superrodovias, eletrificação urbana, rede de distribuição
de carvão e ferrovias.
As politicas monetárias para combater a crise

As politicas monetárias expansionistas prolongadas na crise e depois são caracterizadas de


melhor forma pela expansão maçica da quantidade de moeda e de crédito e das mudanças nas
condições para o acesso ao crédito dos bancos centrais (‘quantitative and qualitative easing’)
refletindo se na queda prolongada das taxas básicas de juros, que, por sua vez, tevem seus
reflexos – em muitos países – em taxas baixas de juros sobre a dívida pública e privada, sobre
créditos em geral e sobre investimentos em poupança e renda fixa, favorecendo devededores
e prejudicando poupadores/credores. O gráfico a seguir mostra as taxas de juros de curtíssimo
612

prazo (‘overnight’) para países escolhidos, seguindo as políticas monetárias muito


expansionistas depois da eclosão da crise financeira (e as taxas básicas dos bancos centrais
rapidamente aproximando de zero ou ainda negativas como as taxas do Banco Central
Europeu (ECB) depois da crise da dívida soberana a área do euro), embora o Japão já
praticasse taxas muito baixas depois da crise japonesa na década de 1990. Na China a taxa
básica diminui também um pouco na crise, e também no Brasil, o Brasil é abordado em um
capitulo posterior.

Gráfico 107 Taxas de juro de curtíssimo prazo (‘call money’) Área do euro, Estados Unidos,
Japão e Reino Unido 2000 - 2017

Fonte: OECD

As quedas das taxas básicas foram consequências das políticas monetárias expansionistas por
um período prolongado dos bancos centrais, concedendo créditos ao setor financeiro,
comprando títulos públicos, mas também títulos privados, parcialmente de risco elevado,
seguidas de uma política de ‘quantitative easing’ (expandindo a quantidade de moeda) e
‘qualitative easing’ (rebaixando a qualidade dos títulos comprados pelos bancos centrais e os
critérios e os prazos para o refinanciamento dos bancos através de créditos). Os bancos
centrais em muitos países também agiam como emprestadores de última instância evitando
falências de bancos sistemicamente relevantes. Na visão de muitos economistas o ‘bail out’ de
bancos e de outras empresas (e na crise da dívida pública na área do euro de países) criavam
um risco moral, incentivos viesados para estratégias empresariais e politicas governamentais
613

fracassadas e uma distribuição injusta dos custos das crises para os contribuintes de impostos
e a população em geral, evitando uma cobrança maior das instituições financeiras e suas
acionistas, sua participação nos custos da crise (‘bail in’ ou ‘private sector involvement’ - PSI).
Houve um bail in ou PSI na crise da Grécia em 2012 e na crise de Chipre em 2013. Esta
distribuição injusta dos custos da crise foi justificada pela necessidade de evitar uma nova
Grande Depressão e evitar uma prolongada crise de liquidez e de crédito, embora o fato possa
ser interpretado também como uma prova do poder econômico, politico e ideológico do setor
financeiro. Nos balanços dos bancos centrais estas políticas refletiam se numa expansão
expressiva dos ativos e no lado dos passivos numa expansão da base monetária. O gráfico a
seguir mostra esta tendência, embora o Banco de Japão (BoJ) seguia esta política
expansionista já desde a crise japonesa da década de 1990.

Gráfico 108 Ativos dos bancos centrais em relação ao PIB (%) 2007 até 2013, Banco Central
Europeu (European Central Bank – ECB), Federal Reserve (FED), Bank of England (BoE), Bank of
Japan (Boj)

Fonte: Sachverständigenrat zur Begutachtung der gesamtwirtschaftlichen Entwicklung

Focando nos Estados Unidos, Rude [2014, p. 602 pp.] avalia positivamente as politicas
monetárias do FED no combate da crise, embora outros economistas fossem mais cautelosos
ou críticos:

O que aconteceu para mudar as coisas? O Estado dos EUA na forma da Reserva Federal
interveio para estabilizar o sistema financeiro. A autoridade monetária dos EUA reduziu sua
614

taxa de juros de empréstimos de emergência para zero. A partir de dezembro de 2007,


estabeleceu um sistema de facilidades de crédito destinadas a estabilizar o mercado
interbancário avançando seu crédito contra garantias cada vez piores. Em setembro de 2008,
usou esses programas de empréstimos de emergência para inundar o sistema financeiro dos
EUA com grandes quantidades de sua própria [moeda] a taxa de juros zero (...). Finalmente, e
igualmente importante, à medida que o sistema financeiro dos EUA se recuperou e ganhou
força em 2009, o Federal Reserve retirou seu apoio financeiro de emergência do sistema
financeiro dos EUA, optando por subscrevê-lo através da compra de títulos do Tesouro dos
EUA, das empresas patrocinadas pelo governo (GSE), e dos títulos lastreados por hipotecas
(MBS) dos GSE. Os mercados financeiros se estabilizaram, os investidores recuperaram sua
confiança, os preços das ações se recuperaram e, começando no início de 2009, os bancos dos
EUA, as companhias de seguros e as empresas de valores mobiliários tornaram-se rentáveis
novamente. Os lucros financeiros domésticos aumentaram para US $ 142 bilhões no primeiro
trimestre de 2009, passando para US $ 247 bilhões no quarto trimestre de 2009 e em US $ 359
bilhões no segundo trimestre de 2010 (BEA, 2010). Em algum momento em 2009, o capital
financeiro dos EUA começou a se reafirmar novamente e, ao fazê-lo, a economia dos EUA
parou de enfraquecer e os lucros das corporações não financeiras dos EUA se recuperaram e as
demissões diminuíram. Conforme medido pelo PIB, a economia dos EUA começou a crescer de
novo. No final do ano, uma recuperação fraca e "sem empregos" estava em andamento.
Esta parece uma narrativa demais positiva da recuperação americana e do papel da politica
monetária nesta recuperação, porque a politica monetária expansionista começou a ser
cautelosamente e levemente revertida somente em fins do ano 2015, o que mostra os
problemas que a economia americana ainda enfrentava muitos anos depois da crise.

Na área do euro houve em 2015 e 2016 novamente uma expansão expressiva dos ativos do
ECB. O contágio da crise para muitos países do mundo teve também em muitos outros países
intervenções dos bancos centrais e dos governos com políticas expansionistas para evitar uma
nova Grande Depressão. As políticas fiscais expansionistas são resumidas em um lugar
posterior, como também os impactos para o Brasil.

Politicas fiscais para combater a crise


Embora as politicas monetárias estivessem expansionistas na maioria dos países afetados pela
crise, as politicas fiscais mostram diferenças expressivas entre os países. Na crise financeira
global e na Grande Recessão seguinte instituições internacionais como o FMI e o Banco
Mundial mudavam suas posições fiscais conservadores para posições mais orientadas para
uma politica fiscal expansionista em tempos de crise nos moldes keynesianos. Muitos politicos
e economistas também mudavam de posições neoliberais não intervencionistas para posições
intervencionistas de politicas fiscais discricionárias expansionistas para amenizar os efeitos
negativos da crise sobre produção e emprego. Na crise da dívida soberana na área do euro as
posições sobre politicas fiscais discricionárias novamente mudavam em direção para politicas
de austeridade com os riscos soberanos aumentando expressivamente em países como
Espanha, Grécia, Irlanda, Itália, e Portugal e com a explosão da dívida pública (em relação ao
PIB) em alguns destes países. Mas as politicas de austeridade em primeiro lugar defendidas
615

pelo governo de Alemanha foram contestadas por países no sul da Europa, bem como por
muitos economistas e políticos. Mas este é um tema do capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro.
Os efeitos negativos conjunturais de uma crise sobre as contas públicas são óbvios: diminuição
das receitas como impostos e aumento dos gastos com transferências como o seguro
desemprego e outros gastos sociais. O conceito de déficit estrutural (déficit de pleno emprego)
foi criado para fazer um ajuste empírico cíclico do déficit nominal ou primário (sem pagamento
dos juros sobre a dívida pública), retirando os efeitos do ciclo econômico sobre o déficit
público. Obviamente uma politica fiscal expansionista na crise aumenta ainda mais o déficit
efetivo (nominal). A salvação de instituições financeiras através da injeção de capital ou
nacionalização com indenização dos acionistas pode ainda aumentar mais o defcit. A
transferência de dívidas privadas para a dívida pública através de compra de títulos arriscados,
bem com garantias para dívidas privadas e outras formas de transferência de risco do setor
privado para o setor público podem aumentar o déficit no futuro. Os déficits fiscais aumentam
a dívida pública.
Os dados sobre o déficit público estrutural (em % do PIB) na seguinte tabela mostram que a
politica fiscal foi muito mais expansionista nos Estados Unidos e no Reino Unido do que na
área do euro e terminou lá já em 2011/2012, quando a crise da dívida pública na área do euro
tornou se mais profunda. Consequência da política fiscal expansionista, bem como da recessão
em 2008/2009, foi um aumento expressivo da dívida pública como a tabela também mostra.

Tabela 129 Déficit estrutural (em % do PIB) e Dívida pública (em % do PIB) dos Estados Unidos,
do Reino Unido e da área do euro 2004 - 2015

Déficit estrutural (em % do PIB) Dívida pública (em % do PIB)


Estados Estados
Reino Unido Área do euro Reino Unido Área do euro
Unidos Unidos
2004 -2,8 -2,9 0,0 65,5 40,2 68,0
2005 -1,8 -3,0 0,2 64,9 41,5 68,7
2006 -1,2 -2,7 0,3 63,6 42,4 67,1
2007 -1,9 -3,2 0,3 64,0 43,5 64,9
2008 -3,8 -4,4 -0,8 72,8 51,7 68,5
2009 -5,8 -7,7 -2,3 86,0 65,7 78,3
2010 -7,5 -5,1 -2,5 94,7 76,6 84,0
2011 -5,8 -3,3 -1,0 99,0 81,8 86,6
2012 -4,0 -3,8 0,5 102,5 85,3 91,3
2013 -2,0 -2,9 1,2 104,8 86,2 93,4
2014 -1,5 -3,1 1,1 105,0 88,2 94,5
2015 -1,1 -2,6 1,1 105,8 89,3 93,2
Fonte: IMF Fiscal Monitor 10/2016
616

Sem dúvida, como a citação de Blinder e Zandi [2010] acima já mostrou, a politica fiscal
expansionista, acompanhada de uma politica monetária prolongada expansionista, ajudavam
para amenizar os efeitos negativos da crise sobre produção e emprego. A politica
expansionista monetária ainda ajudou para diminuir os efeitos da elevação das dívidas públicas
sobre o déficit fiscal, oferecendo um ambiente de juros baixos para rolagem da dívida pública
(e privada), bem como para um endividamento novo se necessário. Obviamente para os países
atingidos na crise da dívida soberana, Espanha, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal, a última
sentença não se verificava, porque os riscos soberanos destes países subiam tão
expressivamente depois de 2009 que não houve possibilidade de rolar dívida existente ou se
endividar de novo nos mercados privados de capital. Para estes países a União Europeia e o
IMF forneciam empréstimos de emergência, mas sob condições duras de austeridade. Na
Grécia houve também um default sobre parte da dívida pública em propriedade privada em
2012. Como a dívida pública destes países estava em grande parte na propriedade de
investidores privados (em primeiro lugar bancos) estes empréstimos de emergência faziam
possível a transferência de riscos para as instituições internacionais e o setor público da União
Europeia para salvar bancos privados investidos em títulos destes países. Uma critica sobre a
salvação de instituições financeiras e países, bem como as politicas de austeridade forçadas
nos países em crise encontra se nos próximos capítulos.

A salvação de instituições financeiras


Crises bancárias são crises de liquidez ou de solvência em bancos específicos surgindo de
empréstimos arriscados na carteira dos bancos que se tornam podres quando os devedores
vão à falência, de outros ativos como ações ou títulos de dívida perdendo valor na crise, de
dificuldades de rolar as dívidas dos próprios bancos em caso de uma crise do banco ou uma
crise financeira em geral, de uma corrida bancária, ou de outros eventos. Laeven e Valencia
(2012, p. 4) definem dois critérios para uma crise bancária sistémica: sinais significativos de
estresse financeiro no sistema bancário e intervenções significativas no sistema bancário
seguindo prejuízos significativos no sistema bancário. Eles (2012, p. 4) consideram como
primeiro ano de uma crise sistêmica o ano em que estes dois critérios são prevalentes e
consideram intervenções no sistema bancário significantes, quando pelo menos três das seis
condições seguintes são satisfeitas:
1) suporte de liquidez extensivo (5% dos depósitos e passivos para não residentes) 2) custos
brutos de recapitalização bancária (pelo menos 3% do PIB) 3) nacionalizações bancárias
significativas 4) garantias significativas 5) compras significativas de ativos (pelo menos 5% do
PIB) 6) congelamento de depósitos e/ou feriados bancários. (2012, p. 4)
617

Neste sentido em 2007 (Laeven e Valencia, 2012, p. 6) crises bancárias começaram nos Estados
Unidos e no Reino Unido, que se tornavam sistêmicas em 2008, nas outras partes da Europa a
maioria das crises bancárias começava em 2008 e tornava se sistêmica neste ano ou nos anos
depois.
Bancos e outras instituições financeiras foram seriamente atingidos pela crise financeira de
2008/2009, não somente nos Estados Unidos, mas também em outros países centrais,
especialmente na Europa. Embora os acontecimentos na Europa sejam parte de um capítulo a
seguir, é importante já mostrar aqui as interdependências do sistema financeiro global nas
falências, recapitalizaçoes, fusões, e salvações de instituições financeiras. Leven e Valência
[2012] chamam estes fracassos gerais das instituições financeiras (failures), implicando
falências, nacionalizações, recapitalizações, e outras intervenções do Estado para salvar elas.
O United States Government Accountability Office (2013, p.18 pp.) resume o impacto da crise
nas instituições financeiras americanas da seguinte forma:
O declínio dramático no mercado imobiliário dos EUA que começou em 2006 precipitou um
declínio no preço dos ativos relacionados a hipotecas, particularmente ativos hipotecários com
base em empréstimos ‘sub-prime’ em 2007. Algumas instituições financeiras se viram tão
expostas que foram ameaçadas de falha e algumas falhavam porque não conseguiram levantar
capital ou obter liquidez à medida que o valor de suas carteiras diminuiu. Outras instituições,
que vão desde empresas patrocinadas pelo governo, como Fannie Mae e Freddie Mac, para
grandes seguradoras, ficaram sujeitas a hipotecas "tóxicas" ou a ativos hipotecários que se
tornaram cada vez mais difíceis de avaliar, eram ilíquidos e potencialmente tinham pouco valor.

Especificando os fracassos Antoniadis (2015, p. 1 p.) resume:


A FDIC informou 492 falhas bancárias de 1 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2013. No
entanto, a grande maioria dessas falhas -462 falhas - ocorreu após o último trimestre de 2008.
Ou seja, durante um período em que as pressões de financiamento agregado haviam
diminuídas completamente no setor bancário. Além disso, durante toda a crise financeira, os
bancos comerciais tiveram acesso ao emprestador de última instancia na janela de desconto da
Federal Reserve (...). New Century Financial Corporation entrou em falência em abril de 2007, a
Countrywide Financial Corporation alertou sobre dificuldades financeiras em julho de 2007 e foi
adquirida pelo Bank of America em junho de 2008, a Bear Stearns liquidou dois fundos de
hedge MBS em julho de 2007 e foi adquirida pela JPMorgan Chase & Co em março de 2008 e
setembro de 2008 foi o epicentro da crise com Fannie Mae e Freddie Mac colocados controle
do governo, Lehman Brothers e Washington Mutual para falência, e a AIG foi resgatade pela
Federal Reserve de Nova York.

Para Europa Santos (2017 p 16) mostra os primeiros impactos da crise sobre instituições
financeiras, informações mais sucintas encontram-se no capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro:
A maior crise da área do euro, inicialmente desencadeada pela exposição que alguns bancos
europeus tinham no mercado de subprime dos EUA (...). Em 2007, dois pequenos bancos
alemães, Saschen e IKB, receberam assistência para compensar as perdas sofridas em carteiras
de títulos lastreados por hipotecas dos Estados Unidos. Além disso, ao longo de 2007, a Dexia, a
empresa de serviços financeiros belgo-frances, havia relatado uma queda nos lucros devido às
perdas sofridas por sua subsidiária nos EUA, Financial Security Assurance (FSA) e a Fortis, a
empresa de serviços financeiros belgo-holandeses, também teve que reportar lucros
618

decrescentes em função de baixas de 1,5 bilhão de dólares de exposição hipotecária subprime


que eles tinham em seus livros (...). Mas o início da fase aguda da crise nos EUA no outono de
2008 acelerou os eventos na Europa. No período de 48 horas (28 e 29 de setembro), Fortis e
Dexia, tiveram que receber injeções de capital de 11,2 e 6,8 bilhões de euros, respectivamente,
para se mantiver à tona. Antes disso, a Associação Bancária Alemã tentou e não conseguiu
montar uma linha de liquidez garantida pelo governo de 35 bilhões de euros para a Hypo Real
Estate (HRE), um grupo bancário especializado em imóveis comerciais que sofreu com a
aquisição do Depfa Bank, em Dublin, em 2007, banco alemão com grande exposição nos EUA.
Essas medidas não foram suficientes para evitar a eventual nacionalização da HRE. Mas severas
como essas crises, eles não tinham a natureza sistêmica do caso irlandês, que estava sendo
acontecendo simultaneamente. Na segunda-feira, 29 de setembro, as ações do Anglo Irish Bank
caíram 45%, a Irish Life and Permanent, o maior provedor de hipotecas na Irlanda, 34%, Allied
Irish Banks 16% e o Bank of Ireland 15%. O acesso à liquidez tornou-se difícil para essas
instituições e as colaterais tornavam-se escassos. Tudo isso forçou as ações das autoridades
irlandesas. No final de setembro de 2008, o parlamento irlandês aprovou o Credit Institutions
(Financial Support) Act, 2008, que foi aprovada, de forma notável, pela Comissão Européia (...).
Este projeto de lei é talvez um dos documentos mais extraordinários de toda a crise financeira
mundial. Sob o mesmo, o Estado irlandês extendeu uma garantia cobrindo todos os depósitos
de varejo e corporativos, depósitos interfinanceiros, dívida sênior não garantida, títulos
cobertos por ativos e, finalmente, e surpreendentemente a dívida subordinada vencida. Com
essa medida, a Irlanda, uma economia com um PIB em vez de 185 bilhões de euros, garantiu
cerca de 375 bilhões de euros de passivos.

The Handbook of the Political Economy of Financial Crises (2014, posição 8564 pp.) informa
sobre as formas da assistência de governos e bancos centrais na crise:
Nos episódios recentes, muitos países aplicaram a reestruturação de ativos caso a caso pelo
governo principalmente através de garantias contra uma grande deterioração dos valores dos
ativos; menos frequentes nas crises recentes foi o uso de "bad banks" (...). As garantias de
ativos exigem pouco financiamento inicial e não envolvem reconhecimento imediato de perda
ou recapitalização, ao contrário de comprar ativos com desconto. Dado o tamanho e a
complexidade dos ativos deteriorados - incluindo as muitas carteiras securitizadas e as
hipotecas a serem reestruturadas - as garantias eram muitas vezes a única opção, ou pelo
menos a preferida. Além disso, altos níveis de endividamento do governo em alguns países
podem ter impedido as transferências de ativos. Embora as garantias reduzam a incerteza para
as instituições financeiras (...), o governo assume custos contingentes mais altos. (...).
Nas crises asiática e nórdica, as empresas governamentais de gestão de ativos (AMCs) e os
‘bad banks’ estavam acostumados a remover os empréstimos inadimplentes - especialmente as
hipotecas - dos balanços dos bancos, que foram assumidos pelas autoridades, incorrendo assim
em desembolsos fiscais antecipados. Na crise de 2007-09, refletindo a limitada intervenção do
governo em instituições, a reestruturação de ativos foi largamente deixada para as próprias
instituições financeiras na maioria das grandes economias avançadas. (...). As falhas de bancos -
definidas amplamente ao incluir instituições que receberam assistência do governo - também
foram significativas durante a onda de crises de 2007-09. Esta proporção de falhas é
impressionante, uma vez que as falhas bancárias são eventos raros na maioria dos países, em
parte devido à tolerância regulatória e problemas muito grandes para falhar ou fechar. Em
relação ao total de ativos no sistema bancário, as falhas bancárias na Islândia foram, de longe,
as mais significativas, em cerca de 90% dos ativos bancários totais (...). Para os Estados Unidos,
para os quais os dados históricos sobre falhas bancárias desde a década de 1930 estão
disponíveis, as recentes falhas que incluíram assistência não têm precedentes, com bancos
detentando cerca de um quarto do mercado de depósitos que falhou ou recebeu alguma forma
de assistência governamental desde 2007 (...) Os Estados Unidos claramente não foram
aberrantes durante as crises de 2007-09, mesmo quando se usa a definição mais ampla de
falhas bancárias que inclui a assistência do governo. É claro que a lista de falhas dos Estados
Unidos exclui instituições financeiras tão grandes como Fannie Mae, Freddie Mac e AIG porque
619

não são bancos, embora atendam à definição de fracasso deste capítulo. Portanto, essa análise
poderia estar subestimando a magnitude do sofrimento financeiro nos Estados Unidos.

Informações sobre os custos da crise encontram se no próximo capítulo. É necessário apontar


também que as intervenções de salvar instituições financeiras, muitas vezes, tevem pouca
participação nos prejuizes pelos proprietários, acionistas e gerentes responsáveis (‘bail-in’). No
caso da Irlanda o governo estendeu as garantias para quase todos os credores sem
participação na forma de um ‘bail-in’.
Os custos da crise
Os custos da crise em produção perdida já foram escritos em capítulos anteriores, bem como
os custos de desemprego elevado em períodos prolongados. Obviamente os acionistas de
instituições financeiras fracassadas também sofriam, bem como investidores em instituições
sobreviventes e investidores financeiros em geral tevem prejuízos, mas mais importantes
foram os custos da salvação do sistema financeiro que os contribuintes de impostos
precisavam pagar nos anos seguintes. Eles precisavam pagar para políticas financeiras
fracassadas do setor privado e políticas equivocadas de regulação e supervisão pelo setor
público, o ‘fallout’ das receitas neoliberais das décadas anteriores. Obviamente está
transferência de prejuízos e riscos do setor privado para o setor público e para os contribuintes
de impostos criou raiva e revolta. A impunidade dos responsáveis para a crise aumentou ainda
mais esta raiva. Ainda mais as políticas de austeridade, em primeiro lugar na Europa depois de
2010, restringindo serviços públicos e cortando benefícios do Estado de bem estar social,
prejudicando os mais fracos do sistema económico, os que dependem de um Estado de bem
estar social, aumentou ainda mais a raiva e a revolta e criou dúvidas sobre a sustentabilidade
do sistema capitalista e da globalização. Mas este é um tema a ser discutido no ultimo capítulo
deste trabalho.
Os custos fiscais da crise financeira são estimados por Laeven e Valencia (2012, p. 21 pp.),
embora existam muitas outras estimativas diferentes. Os custos são em primeiro lugar custos
da nacionalização, recapitalização, e das compras de ativos financeiros nas instituições
financeiras, a transferência de riscos não entra neste cálculo. As estimativas para os países
centrais são menores do que em crises anteriores em países emergentes, porque não todos os
custos aparecem em medidas convencionais (recapitalização, e compras de ativos financeiros),
mas através de medidas alternativas como uma política monetária expansionista quantitativa
e qualitativa e garantias para credores de instituições financeiras (Laeven e Valencia, 2012, p.
21). Parte dos custos foi ou vai ser recuperada. Os custos refletem-se também numa elevação
expressiva da dívida pública em muitos países.
620

Em 2012 Laeven e Valencia (2012, p. 19) estimavam os custos fiscais de Islândia (com 44% do
PIB) e Irlanda (com 41% do PIB) entre os dez maiores na base de dados. Esta base de dados
também fornece uma estimativa dos custos fiscais brutos para países centrais escolhidos na
tabela a seguir, embora seja necessário realizar que em 2012 muitas das crises, especialmente
na área do euro, estavam ainda piorando, mas este faz parte do capítulo sobre a crise da dívida
soberana na área do euro.

Tabela 130 Crises bancáriassystemicas em paísese escolhidos 2007 - 2012

Custos
Custos Fiscais (em Empréstimos Aumento da
Bolha de
País Inicio Fim Fiscais (em % dos ativos em dívida
crédito3
% do PIB) do setor moratária1 pública2
financeiro)
Alemanha 2008 Em andamento 1,8 0,6 3,7 17,8 Não
Áustria 2008 Em andamento 4,9 1,5 2,8 14,8 Não
Bélgica 2008 Em andamento 6,0 1,5 3,1 18,7 Sim
Dinamarca 2008 Em andamento 3,1 1,0 4,5 24,9 Não
Espanha 2008 Em andamento 3,8 1,3 5,8 30,7 Sim
Estados
2007 Em andamento 4,5 2,1 5,0 23,6 Não4
Unidos
Grécia 2008 Em andamento 27,3 15,8 14,7 44,5 Sim
Irlanda 2008 Em andamento 40,7 4,6 12,9 72,8 Sim
Islândia 2008 Em andamento 44,2 5,0 61,2 72,2 Sim
Itália 2008 Em andamento 0,3 0,1 11,0 8,6 Não
Letônia 2008 Em andamento 5,6 5,2 15,9 28,1 Sim
Países
2008 Em andamento 12,7 3,4 3,2 26,8 Não
Baixos
Reino Unido 2007 Em andamento 8,8 2,5 4,0 24,4 Sim
Fonte: Systemic Banking Crises database, https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/31/Systemic-
Banking-Crises-A-New-Database-22345
1) Pico em % dos empréstimos totais
2) em % do PIB
3) Na definição em Dell'Ariccia et al. (2012)
4) Interessantemente os Estados Unidos não cai na categoria de bolha de crédito

Coggan [s.a., posição 3540 pp.] reflete sobre a revolta pública com distribuição injusta dos
custos e das impunidades:
O custo de resgatar os bancos e a aparente disposição do governo em recompensar o mau
comportamento do setor causou uma nova onda de revolta pública. Assim, quando o recém-
eleito governo Obama reagiu à crise da moda clássica keynesiana, revelando um plano de
estímulo próximo a US $ 800 bilhões, enfrentou uma onda de oposição pública.
Além da impopularidade do resgate bancário, havia um sentimento geral de que era
"antiamericano" usar dinheiro público para socorrer empresas, até mesmo as empresas
automobilísticas com centenas de milhares de funcionários, sob o argumento de que as
pessoas deveriam permanecer em seus próprios dois pés. Além disso, os membros do Tea Party
viram o resgate como mais um sinal de intrusão do governo na economia - uma tendência que
foi exemplificada pelo plano de saúde de Obama.
621

The Handbook of the Political Economy of Financial Crises [2014, p. 342 p.] reflete sobre os
custos de salvação do Sistema financeiro:
A crise de 2008 e as intervenções do governo no setor bancário e de seguros financiadas pelos
contribuintes que se seguiram expuseram a extensão em que as responsabilidades e os riscos
das finanças governamentais e do setor bancário se tornaram muito interligados. Os governos
entregaram várias formas de apoio direto aos banqueiros e garantias sobre ativos e transações
financeiras. De acordo com o FMI (2011c), dos US $ 1,72 trilhão em apoio governamental direto
aos bancos (injeções de capital e compras de ativos), apenas US $ 0,45 trilhão foram
recuperados, com US $ 1,27 trilhão ainda em aberto. Entre outubro de 2008 e dezembro de
2010, garantias do governo foram fornecidas a mais de 200 bancos sediados em 20 economias
da OCDE, emitindo cerca de € 1 trilhão em títulos de dívida - cerca de 5% do PIB dos países em
questão. Não há planos para eliminar gradualmente esses esquemas de apoio patrocinados
pelo governo.

ix. A crise da dívida soberana na área do euro

Porque tal facilidade era necessária torna-se clara apenas quando reunimos as atividades locais
e globais dos bancos europeus, para obter uma visão completa do seu crescimento
espetacularmente inflacionado. Os bancos da América eram muito grandes e muito
importantes para as finanças globais. Mas foi na Europa que o financiamento bancário tinha
crescido mais desproporcionalmente. Os bancos da Europa sempre foram grandes. Ao contrário
dos Estados Unidos, onde os mercados de capitais e de obrigações eram as principais fontes de
financiamento das empresas, as economias da Europa tinham confiado muito em empréstimos
bancários. Mas, difundindo-se em toda a UE e alimentando-se do circuito transatlântico, os
bancos europeus tinham crescido a uma dimensão gigantesca. 2007 os três maiores bancos do
mundo por ativos eram todos europeus-RBS, Deutsche Bank e BNP. Combinados, seus balanços
chegaram a 17 por cento do PIB global. O balanço de cada um deles chegou perto de
corresponder ao PIB do seu país de origem — Grã-Bretanha, Alemanha e França — as três
economias maiores da UE [em 2018 a Grã-Bretanha fiz ainda parte da UE]. (...). Em minúscula
Irlanda a situação era mais extrema. Os passivos dos seus bancos somavam 700 por cento do
PIB. A França e os Países Baixos rivalizavam entre si, com passivos em 400 por cento do PIB. Os
bancos da Alemanha e da Espanha tiveram passivos no valor de 300% do PIB. Por esta norma,
todos os membros da zona euro foram, pelo menos, três vezes mais "sobrecarregados" do que
os Estados Unidos. Além disso, os bancos europeus eram muito mais dependentes do
financiamento "wholesale" volátil baseado no mercado do que suas contrapartidas dos Estados
Unidos. Tooze, Crashed, p. 110
Muitos analistas advertem que o conceito de crise da dívida soberana para os eventos de 2010
e diante é de certa forma uma conceituação enviesada, como também Eichengreen [2015, p;
354] afirma:

A crise da Europa em primeiro lugar foi uma crise bancária. Seus bancos foram supra-
alavancados, subcapitalizados e excessivamente expostos ao mercado imobiliário. Seus
problemas vinham fermentando há anos. Mas agora, com alguma engenhosidade, os
formuladores de políticas conseguiram transformar a crise bancária em uma crise financeira,
uma crise de crescimento e uma crise política.
A crise da dívida soberana na área do euro é vista como consequência da crise financeira
global de 2008/2009 e da recessão mundial seguinte, embora a crise bancária em muitos
países da Europa foi também consequência da fragilidade própria no sistema bancário
europeu, na exposição de grandes bancos europeus em títulos tóxicos dos Estados Unidos, e
nas bolhas especulativas nos mercados imobiliários em países como Espanha, Irlanda e Reino
622

Unido. Os caminhos dos países para a crise foram diferentes: Irlanda e Espanha
experimentavam bolhas imobiliárias e as intervenções para salvar o sistema financeiro e as
políticas fiscais expansionistas na recessão para evitar uma depressão resultou em enormes
déficits fiscais e aumentou expressivamente a dívida pública, embora estes países tivessem
contas públicas saudáveis antes da crise. Os países do Sul da Europa foram se endividando
expressivamente no tempo do crédito fácil e barato depois da introdução do euro, no setor
público e/ou privado, mas também aqui a crise financeira global de 2008/2009 aprofundou os
problemas da dívida soberana e privada para estes países. Os créditos dos países com
superávit na conta corrente, como a Alemanha, financiaram os paises do Sul com déficits
crescentes na conta corrente aumentando ainda mais os desequilíbrios fundamentais de
competitividade. King [2016, p. 220 pp.] resume este problema para os países na área do euro
sob uma moeda unificada:

O problema básico de uma união monetária entre estados-nação diferentes é


surpreendentemente simples. Começando com diferenças nas taxas de inflação esperadas - o
resultado de uma longa história de diferenças na inflação real - uma taxa de juros única leva
inexoravelmente a divergências na competitividade. Alguns países entraram na União
Monetária Européia com uma taxa mais alta de inflação de salários e custos do que outros. A
taxa real de juros (a taxa de juros nominal comum menos a taxa esperada de inflação) foi,
portanto, menor nesses países do que em outros com inflação mais baixa. Essa taxa real mais
baixa estimulou a demanda e elevou ainda mais a inflação de salários e preços. Em vez de
serem capazes de usar taxas de juros diferentes para levar a inflação ao mesmo nível, alguns
países encontraram suas divergências exacerbadas pela taxa única [de juros do ECB]. (...) Desde
o início da união monetária até 2013, os preços nesta medida aumentaram 16 por cento na
Alemanha, 25 por cento em França, 33 por cento na Grécia, 34 por cento em Itália, 37 por
cento em Portugal, e 40 por cento em Espanha. Assim, embora o nascimento do euro tenha
levado a alguma convergência inicial das taxas de inflação esperadas, a consequência de uma
taxa única de juros foi gerando divergência subsequente dos resultados da inflação. A perda de
competitividade resultante entre os membros do sul (...) contra a Alemanha é grande, mesmo
permitindo alguma supervalorização do marco alemão quando este foi incluído no euro.
Aumentando os déficits comerciais de pleno emprego (o excesso de importações sobre as
exportações quando um país está operando a pleno emprego) em países onde a
competitividade estava sendo perdida e aumentando os superávits comerciais naqueles em
que a competitividade estava aumentando. Esses excedentes e déficits estão no centro do
problema hoje. Os déficits comerciais têm que ser financiados por empréstimos do exterior e os
superávits comerciais são investidos no exterior. Países como a Alemanha tornaram-se grandes
credores, com um superávit comercial em 2015 próximo a 8% do PIB, e os países da periferia
sul são devedores substanciais.
Depois da criação do euro as taxas de juros para os países do Sul da Europa para títulos da
dívida soberana (e também para créditos para o setor privado destes países) estavam baixando
para os países do Sul da Europa na expectativa de que as instituições da União Europeia
apoiavam estes países em caso de uma crise. Na primavera de 2010 os investidores acordavam
para perceber que o endividamento público (e parcialmente também privado) era
insustentável na Espanha, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal. A venda dos títulos da dívida
soberana destes países nos mercados secundários aumentou e os custos da rolagem da dívida
623

e da emissão de nova dívida, rolagem e endividamento novo tornavam se insustentáveis. Para


estes países os spreads sobre os rendimentos de títulos soberanos da Alemanha aumentavam
expressivamente (o risco país), enquanto as preocupações com a interação dos problemas da
dívida soberana e da vulnerabilidade do sector bancário da área do euro aumentavam. O
gráfico a seguir mostra a queda dos spreads com a introdução do euro e o aumento expressivo
dos spreads em 2010.

Gráfico 109 Spreads (em pontos percentuais) de títulos da dívida soberana (10 anos) dos
países em crise sobre os títulos soberanos da Alemanha

Fonte ECB, cálculos próprios (diferenças das taxas de juros)

King (2016, p. 223 pp.) resume a crise da dívida soberana focando as intervenções do ECB
(Banco Central Europeu).

A crise na área do euro começou na Grécia no final de 2009, quando um novo governo eleito
em outubro revelou que o governo anterior estava subnotificando o déficit orçamentário,
resultando em um aumento no déficit estimado de cerca de 7% do PIB para quase 13 por cento
(posteriormente revisado para 15 por cento). A confiança na precisão das estatísticas gregas,
nunca alta, foi ainda mais prejudicada. Parecia que a Grécia tinha sido admitida na zona do
euro por falsos pretextos. O problema tornou-se mais sério em 2010, quando a Grécia se viu
cada vez mais incapaz de contrair empréstimos nos mercados financeiros globais e recorreu a
seus parceiros na Europa para empréstimos emergenciais.
Em julho de 2011, a crise na área do euro piorou. Era cada vez mais difícil fingir que os
problemas de países como a Grécia eram apenas uma falta de liquidez temporária, em vez de
uma questão de solvência subjacente e perda de competitividade. Os rendimentos da dívida
soberana (isto é, títulos do governo) emitidos pela Grécia, Irlanda e Portugal atingiram
patamares recordes, tornando os novos empréstimos muito caros, e Portugal aderiu à Grécia
ao ter sua dívida rebaixada ao status de junk (significando que a dívida foi julgada por as
624

agências de classificação de risco como um investimento altamente especulativo e, portanto,


não adequada para uma gama de fundos, incluindo muitos fundos de pensão estrangeiros).
Logo a Itália foi atraída, até porque a dívida do governo, de € 1,7 trilhão, foi a terceira maior do
mundo, superando confortavelmente os recursos disponíveis por meio dos fundos de resgate
existentes na área do euro.
Os políticos da zona do euro acreditavam que estavam lutando uma batalha contra os
mercados. Um político muito importante da área do euro disse em uma reunião em que eu
compareceria que "mostraremos aos mercados que devemos prevalecer". A estratégia adotada
pelo novo Presidente do BCE, Mario Draghi, que substituiu Jean-Claude Trichet em 1º de
novembro de 2011, era evitar, na medida do possível, compras controversas de títulos
soberanos e, em vez disso, canalizar apoio diretamente ao sistema bancário, porque qualquer
ameaça imediata ao euro seria visível numa corrida a um grande banco da área do euro.
Em março de 2012, a Grécia fez um default [sobre parte de sua dívida pública] e precisou de
"reestruturar" sua dívida. A reestruturação transferiu grande parte da dívida dos credores
privados para os do setor público. Em 2015, cerca de 80% da dívida soberana grega era devida a
instituições do setor público em outras partes da UE ou ao Fundo Monetário Internacional. A
união monetária, longe de levar a uma maior integração política, estava provando o
desenvolvimento mais divisivo na Europa do pós-guerra.
(...) em 26 de julho (...) Mario Draghi disse: “O BCE faria o que fosse necessário para preservar o
euro. E acredite em mim, será o suficiente”.
Ficou claro que o BCE compraria, ou estaria considerando ativamente comprar, dívida soberana
espanhola e italiana. A rentabilidade das obrigações espanholas de 10 anos caiu de 7,6% para
menos de 7%. As ações dos bancos na área do euro subiram entre 5 e 10 por cento no dia. Foi o
início de uma mudança marcada no sentimento que resultaria em quedas significativas nos
rendimentos dos títulos soberanos nos próximos dois anos. No final de 2014, os rendimentos
de dez anos na Grécia caíram de 25% para pouco mais de 8%, os títulos portugueses de 11%
para menos de 3% e os da Espanha de mais de 6% para abaixo 2%. De fato, até o final de 2014,
a Espanha conseguiu empréstimos mais baratos do que o governo dos Estados Unidos. O
compromisso de Draghi obviamente tinha feito o truque.
Por isso, algumas semanas antes, o BCE anunciou um programa Outright Monetary
Transactions para permitir a compra de títulos do governo de países periféricos em troca de
pedidos de ajuda do novo Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM). Até 2015, nenhuma
compra foi feita. No geral, entretanto, a promessa de Draghi de "fazer o que for preciso" trouxe
uma sensação de calma aos mercados financeiros e o fim de uma longa série de fins de semana
de crise.
No início de 2015, o BCE havia decidido iniciar um programa de expansão monetária, seguindo
o exemplo do Federal Reserve e do Banco da Inglaterra, seis anos antes. Em janeiro daquele
ano, anunciou um programa de compras de títulos para expandir seu balanço de volta ao seu
pico anterior, dois anos antes. O objetivo era claro - diminuir o valor do euro. E seu efeito inicial
foi fazer exatamente isso. O euro caiu para seu nível mais baixo em relação ao dólar por mais
de uma década.
Obviamente a crise da dívida soberana na área do euro foi intimamente relacionada com uma
crise bancária, porque o sistema bancário europeu já mostrou suas fragilidades na crise
financeira global (créditos arriscados e alavancagem alta) e com as dúvidas sobre a
sustentabilidade das dívidas soberanas dos países mencionados estas fragilidades
aumentavam ainda mais. O investimento em títulos soberanos pelos bancos nacionais e
internacionais normalmente é visto como um investimento sem risco, mas com a salvação do
sistema financeiro e as políticas fiscais expansionistas na crise estes títulos [de alguns países]
tornavam se também suspeitos nos mercados secundários.
625

O OECD [OECD Journal, 2012] avaliou em 2011 que a exposição de bancos europeus nas
dívidas soberanas de Grécia, Irlanda e Portugal não serão preocupantes, embora a exposição
dos bancos domésticos seja preocupante. A exposição dos bancos na dívida soberana (muito
maior) de Espanha e Itália é preocupante, quanto mais a exposição dos bancos domésticos
nestes países:

Para a Europa, como um todo, as exposições dos balanços dos bancos à dívida soberana dos
países periféricos são realmente muito pequenas: apenas € 76 bilhões no total para a Grécia,
ou 8% do capital de nível 1 e muito menos para a Irlanda e Portugal. Estas participações
sugerem muito claramente que esta não é uma crise soberana para transbordar para os bancos
em toda a Europa através de participações diretas na dívida soberana da periferia. As
exposições fora do país “próprio” simplesmente não são grandes o suficiente.
Os bancos do próprio país têm exposições muito grandes. Grécia e Chipre, por exemplo, têm
uma exposição de € 53 bilhões (...) - um haircut de 50% para a Grécia exigiria uma injeção de €
26 bilhões para bancos gregos e cipriotas, o que não é uma grande quantia para a Europa, para
evitar [a quebra] daquele país. 38 mil milhões de euros devem cobrir a exposição de todos os
bancos na Europa a um corte de 50% na Grécia. Esta não é a razão pela qual os preços das
ações dos bancos e os spreads de CDS refletem os receios de insolvência que, por sua vez,
levam a perigosas crises de liquidez.
A falha em colocar o problema em quarentena de países maiores é outra questão. A exposição
dos bancos da UE à dívida soberana da Espanha e da Itália é bastante substancial, com 19% e
25%, respectivamente, do capital principal de nível 1 na Europa como um todo. Mais uma vez, a
exposição no próprio país é muito grande: para a Espanha, 152% do capital de nível 1 e para a
Itália, 161%. Os países com grandes bancos IB, ou seja, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Itália e
França, são os mais expostos à Espanha e Itália. Embora a inadimplência desses países seja
muito menos provável do que para a Grécia, a falha em conter a contaminação dos spreads
resulta em perdas de marcação a mercado [na contabilidade] e reduz o valor desses títulos
quando oferecidos como garantia para as exposições a derivativos de bancos da UE misturando
atividades tradicionais e IB.
Bancos nacionais e internacionais são investidos em títulos soberanos, porque parecem
oferecer riscos mínimos com rendimentos aceitáveis. Os títulos soberanos são tambem
negociados na política monetária do banco central de mercado aberto, representando alta
liquidez e um ativo de primeira linha como colateral para os bancos. Em caso de default o
resgate pela União Europeia estava esperado. Os programas de assistência da União Europeia
em 2010 para Grécia, Portugal e Irlanda davam um alívio por um tempo, mas acompanhadas
de medidas de austeridade fiscal, a crise levou alguns países a recessão ainda mais profunda e
novos problemas fiscais, e em outubro de 2011 o contágio chegou a terceira e quarta maior
economia da zona do euro: Itália e Espanha. A tabela a seguir mostra as perspectivas dos
países atingidos na crise financeira global e na crise seguinte na área do euro.

Tabela 131 Perspectivas macroeconômicas para os países no centro da crise da dívida


soberana na área do euro 2000-2012

2000-05 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Taxa de crescimento do PIB real (%)
626

União Europeia (27) 2,2 3,3 3,2 0,3 -4,3 2,1 1,6 -0,3
Área Euro (17) 1,9 3,2 3,0 0,4 -4,4 2,0 1,4 -0,6
Espanha 3,6 4,1 3,5 0,9 -3,7 -0,3 0,4 -1,4
Grécia 4,0 5,5 3,5 -0,2 -3,1 -4,9 -7,1 -6,4
Irlanda 5,7 5,4 5,4 -2,1 -5,5 -0,8 1,4 0,9
Itália 1,4 2,2 1,7 -1,2 -5,5 1,7 0,4 -2,4
Portugal 1,4 1,4 2,4 0,0 -2,9 1,9 -1,6 -3,2
Conta Corrente/PIB (%)
Espanha -4,5 -9,0 -10,0 -9,6 -4,8 -4,5 -3,7 -1,1
Grécia -6,9 -11,4 -14,6 -14,9 -11,2 -10,1 -9,9 -2,9
Irlanda -1,0 -3,5 -5,4 -5,7 -2,3 1,1 1,1 4,9
Itália -0,9 -1,5 -1,3 -2,9 -2,0 -3,5 -3,1 -0,5
Portugal -9,0 -10,7 -10,1 -12,6 -10,9 -10,6 -7,0 -1,5
Déficit fiscal/PIB (%)
Espanha -0,1 2,4 1,9 -4,5 -11,2 -9,7 -9,4 -10,3
Grécia -5,2 -6,0 -6,8 -9,9 -15,6 -10,7 -9,4 -6,4
Irlanda 1,5 2,9 0,1 -7,4 -13,9 -30,9 -13,4 -7,7
Itália -3,1 -3,4 -1,6 -2,7 -5,4 -4,3 -3,7 -3,0
Portugal -3,7 -3,8 -3,2 -3,7 -10,2 -9,8 -4,4 -4,9
Dívida pública bruta/PIB (%)
Espanha 50,9 39,7 36,3 40,2 53,9 61,3 69,1 84,1
Grécia 100,8 107,5 107,3 112,5 129,3 147,9 170,6 158,5
Irlanda 32,2 24,6 25,0 44,5 64,9 92,2 106,5 117,1
Itália 106,3 106,3 103,3 106,1 116,4 119,3 120,8 127,0
Portugal 55,0 63,7 68,3 71,6 83,1 93,2 108,0 123,0
Taxa efetiva de juros da dívida soberana (%) dezembro dos anos
Espanha 4,3 3,8 4,4 3,9 3,8 5,4 5,5 5,3
Grécia 4,3 4,0 4,5 5,1 5,5 12,0 21,1 13,3
Irlanda 4,3 3,8 4,5 4,6 4,9 8,5 8,7 4,7
Itália 5,6 4,0 4,5 4,5 4,0 4,6 6,8 4,5
Portugal 4,4 4,0 4,5 4,0 3,9 6,5 13,1 7,3
Fontes; EUROSTAT, OECD, IMF World Economic Outlook 4/2013

A tabela mostra que os países Espanha, Grécia, Irlanda, Itália, e Portugal entravam em
profundas recessões em 2009, na Grécia a recessão também estava piorando em 2010 até
2012. A tabela mostra também que os déficits em conta corrente (especialmente na Grécia e
Portugal) foram e são insustentáveis, especialmente quando acompanhado por déficits fiscais
expressivos como na Irlanda (causada pela ação do Estado na salvação do sistema financeiro
nacional (-31% em 2010) e também na Grécia), que levou a um crescimento acelerado do
coeficiente dívida pública/PIB, insustentável, especialmente para a Grécia, mesmo depois do
default.

O ‘European Central BanK’ (ECB) fez intervenções nos mercados secundários de títulos
soberanos da dívida, comprando os títulos para baixar os juros efetivos destes títulos nos
mercados secundários. No início de 2012, o default sobre a dívida soberana da Grécia em
propriedade privada levou a perdas de cerca 80% para os proprietários desses títulos no setor
privado, enquanto o hair-cut oficial do valor de face dos títulos foi de apenas 50% (Os valores
exatos da reestruturação da dívida soberana de Grécia em propriedade privada com valor de
261.410 US$ milhões um haircut de mercado de 76,9% e um redução do valor de face de
627

53,5% , https://sites.google.com/site/christophtrebesch/data). Um haircut como descrito


levou novamente a uma crise dos bancos com alta exposição em está dívida, especialmente
bancos gregos, que necessitavam novamente ajuda pelo Estado, piorando a crise fiscal. Isto
mostra a interdependência alta entre crise da dívida soberana e crise bancária. Em setembro
de 2012 o European Central BanK (ECB) introduziu as Outright Monetary Transactions
(European Central Bank, 2013, p. 5 pp.) (OMTs) para facilitar a compra de dívida soberana de
curto prazo (vencimento entre um e três anos) dos países da área do euro com problemas sem
limites especificados para trazer para baixo os rendimentos (custos para o devedor) da dívida
soberana e facilitar a rolagem da dívida em vencimento. Importante neste contexto é que o
ECB nem precisava realmente comprar dívida destes países no verão de 2012, o aviso de Mário
Draghi em 26 de Julho que o ECB vai fazer tudo necessário para salvar o euro, acalmou os
mercados e fazia recuar os spreads.

Obviamente, a crise da dívida soberana é também uma crise das instituições financeiras
europeias com investimentos expressivos nestes títulos soberanos. A crise bancária está inter-
relacionada com a crise da dívida soberana na área do euro e os programas de emergência da
União Europeia e do FMI estão concentrados nos países em crise, mas também na estabilidade
financeira do sistema bancário europeu. Quem aproveitou em primeiro lugar os programas de
ajuda foram os bancos, e muito menos a população dos países em crise. Obviamente salvando
os responsáveis para a crise financeira global e transferir custos, austeridade, recessão e
desemprego para a população criou raiva e revolta. Em 2015 o European Central Bank (ECB)
seguia novamente o Federal Reserve na política monetária muito expansionista (QE) para
baixar o valor externo do euro e dar mais alívio para os exportadores da área do euro e aliviar
os problemas fiscais baixando as taxas de juros para títulos soberanos (e privados)..

A crise na área do euro mostra os problemas da unidade monetária da área do euro, o euro. O
euro desde sua criação em 1999 tem sido um projeto político (como padrão de valor em 1999
e como moeda papel e moedas metálicas em 2002), unificando mais firmemente em 2018 17
países da União Europeia (que tem em 2018 27 Estados membros). Seu principal defeito é que
o euro é uma unidade monetária sem Estado, sem uma política fiscal unificada. O
desenvolvimento econômico na área do euro não levou as economias nacionais para a
convergência das condições econômicas e sociais nos países membros, mas para a divergência
especialmente para os países no sul da Europa no déficit fiscal, na dívida pública, nas
transações correntes e ainda mais importantes na competitividade. Estas diferenças de
competitividade e dos desequilíbrios nas contas externas na área do euro não podem mais ser
resolvidas pelos instrumentos de ajustes da taxa de câmbio (desvalorização) ou políticas
628

monetárias expansivas, porque a unidade monetária, o euro, e uma politica monetária única
existem para todos os países da área do euro. A política monetária também não pode ser
usada nos países com tendências recessivas porque somente existe uma política monetária
unificada pelo European Central Bank (ECB) para toda área do euro. Diferenças na
competitividade só podem ser resolvidas através de políticas deflacionárias nos países com
falta de competitividade, pela migração ou pelo expressivo crescimento da produtividade, ou
por políticas mais inflacionários nos países com superávit comercial expressivo como a
Alemanha. Estas soluções para os países com problemas de competitividade são estressantes e
lentas levando a instabilidade social e conflitos como o Reino Unido experimentou em 1925
com o retorno para a taxa cambial sobrevalorizada da libra em relação ao ouro, a mesma taxa
como antes da Primeira Guerra Mundial, que criou problemas sérias de competitividade para a
indústria britânica favorecendo os interesses do setor financeiro britânico (o city). As políticas
deflacionárias para baixar os salários levavam à greve geral em 1926 e instabilidade social.

Enquanto a crise da dívida soberana na área do euro ainda não mostra um contágio expressivo
para a economia mundial, os impactos são sentidos especialmente na União Europeia e
somente em menor grau em outros países do mundo. Os impactos da instabilidade global
foram sentidos também no Brasil, depois do crescimento expressivo em 2010 a economia
entrou novamente em um ciclo de crescimento baixo e o governo reduziu os impostos sobre o
consumo, o Banco Central do Brasil reduziu a taxa básica de juros SELIC, e houve tentativas de
depreciar o real. Mas provavelmente o crescimento baixo e a recessão profunda desde o fim
do ano 2014 no Brasil não é somente consequência da crise na área do euro, mas
provavelmente de problemas domesticos, especialmente o esgotamento do modelo do
crescimento através do consumo pela concessão de mais crédito, das politicas públicas sociais,
e dos problemas da competitividade do setor industrial brasileiro.

A crise na área do euro será descrita aqui de forma mais extensa para o caso de Grécia, onde
os impactos sociais e políticos foram os mais sérios. O foco está na política de austeridade que
prevaleceu na área do euro depois de um curto período de expansionismo fiscal. Austeridade
fiscal foi a estratégia da Alemanha, seguindo as regras do contrato de Maastricht, que a
Alemanha conseguiu impor para outros paises da área do euro para controlar déficits fiscais e
dívidas públicas crescentes depois de salvar as instituições financeiras nacionais e expandindo
as economias em recessão. A ECB com sua política monetária expansionista foi a única força
para expandir economias em estagnação ou recessão. Grécia foi o país onde a hipótese de um
endividamento público excessivo antes da crise financeira global teve algum fundamento,
embora também aqui a crise financeira global piorasse muito o desequilíbrio fiscal.
629

Uma posição diferente mostra Toussaint [2017 p. 20], embora a maioria doa analistas aceita
um endividamento público e privado grego excessivo antes da crise financeira global:

A crise grega que eclodiu em 2010 foi causada por banqueiros (estrangeiros e gregos) e não por
gastos públicos excessivos por parte de um Estado supostamente muito generoso em termos
sociais. A crise foi produzida quando os bancos privados estrangeiros desligaram o
fornecimento de crédito, primeiro no setor privado, depois no setor público. O chamado plano
de ajuda para a Grécia foi projetado para servir os interesses dos banqueiros privados e dos
países dominantes da zona do euro.
Blythe (2013, p. 71 p.) resumiu os programas de ajuda da troica, ECB, comissão europeia e IMF,
que foram acompanhadas de programas de austeridade:

Em maio de 2010, a Grécia recebeu um empréstimo de 110 bilhões de euros em troca de um


corte de 20% nos pagamentos do setor público, um corte de 10% na aposentadoria e aumentos
de impostos. Os credores, a chamada troika, o BCE, a Comissão Europeia e o FMI, previram que
o crescimento voltaria em 2012. Em vez disso, o desemprego na Grécia chegou a 21% no final
de 2011, e a economia continuou a se contrair. Em novembro de 2010, a Irlanda precisou de
um resgate e recebeu 675 bilhões de euros por um corte de 26% nos gastos públicos. Em março
de 2011, foi a vez de Portugal, que recebeu 78 bilhões de euros em troca de um pacote similar
de reformas.
Longe de ser estabilizada pelo pacote original de empréstimos e cortes, a Grécia continuou a se
deteriorar e exigiu um segundo resgate em julho de 2011. Outros 110 bilhões de euros em
dívidas, que se tornaram 130 bilhões em outubro de 2011, foram acrescentados ao balanço
grego. Foi imposto um corte salarial de 20%, juntamente com reduções gerais nos gastos
públicos e mais aumentos de impostos. Eventualmente, até mesmo os detentores de títulos do
setor privado tiveram que cortar o valor da dívida grega em cerca de 75%, além de baixas de
cerca de 100 bilhões de euros. Apesar dessas austeridades, a dívida grega é projetada (se tudo
continuar igual nos próximos oito anos, o que nunca acontecerá) para chegar a 120% do PIB até
2020.
A realidade foi outra: os programas de austeridade levavam a economia grega mais uma vez
para uma depressão profunda, com sofrimento para as partes mais vulneráveis da população
grega. King [2016, p. 226] está resumindo o tamanho da crise grega:

A Grécia tornou-se o primeiro grande país europeu a experimentar uma depressão na escala da
Grande Depressão dos anos 1930 nos Estados Unidos. Entre 1929 e 1933, a produção total nos
EUA caiu 27%. Na Grécia, a produção caiu entre 2007 e 2015 em um pouco mais do que isso, e
os gastos domésticos (consumo e investimento nos setores privado e público) diminuírem não
menos do que 35%.
A realidade da catástrofe econômica e social grega pode ser vista nas estatísticas deprimentes
da economia grega desde a crise financeira global

Tabela 132 Perspectivas econômicas da economia grega 1995 - 2017


Hiato do
Taxa de Taxa de Dívida Conta
Produto (% Taxa de Deficit fiscal
crescimento desemprego pública (% Corrtente (%
do PIB inflação (%) (% do PIB)
do PIB (%) (%) do PIB) do PIB)
potencial)
1995 2,1 -3,2 8,8 10,0 -9,7 99,0 -2,4
1996 2,9 -3,2 7,9 10,3 -8,2 101,3 -3,5
1997 4,5 -2,0 5,4 10,3 -6,1 99,5 -3,7
1998 3,9 -1,7 4,5 11,2 -6,3 97,4 -2,6
630

1999 3,1 -2,2 2,1 12,1 -5,8 98,9 -3,6


2000 3,9 -2,0 2,9 11,4 -4,1 104,9 -5,9
2001 4,1 -1,6 3,6 10,8 -5,5 107,1 -5,4
2002 3,9 -1,1 3,9 10,4 -6,0 104,9 -6,8
2003 5,8 1,5 3,5 9,8 -7,8 101,5 -8,5
2004 5,1 4,0 3,0 10,6 -8,8 102,9 -7,7
2005 0,6 2,7 3,5 10,0 -6,2 107,4 -8,9
2006 5,7 7,4 3,3 9,0 -6,0 103,6 -11,5
2007 3,3 10,7 3,0 8,4 -6,7 103,1 -15,2
2008 -0,3 11,1 4,2 7,8 -10,2 109,4 -15,1
2009 -4,3 8,0 1,4 9,6 -15,1 126,8 -12,4
2010 -5,5 4,3 4,7 12,7 -11,2 146,3 -11,4
2011 -9,1 -2,9 3,1 17,9 -10,3 172,1 -10,0
2012 -7,3 -7,7 1,0 24,4 -6,6 159,6 -3,8
2013 -3,2 -8,6 -0,9 27,5 -3,7 178,0 -2,0
2014 0,4 -6,6 -1,4 26,5 -4,1 180,9 -1,6
2015 -0,2 -5,5 -1,1 24,9 -3,1 179,4 0,1
2016 0,0 -4,9 0,0 23,6 1,0 181,6 -0,6
2017 1,8 -3,8 1,2 22,3 -1,7 180,2 -0,2
Fonte: IMF WEO

Embora os dados da tabela mostrem que o déficit fiscal e o déficit na conta corrente de Grécia
diminuem, a dívida pública fica insustentável, que mesmo o IMF propõe uma nova
reestruturação da dívida, um bail-in para os credores. A população mais pobre da Grécia sofre
agora já anos sob uma depressão assustadora. As políticas de austeridade falharam em criar
uma volta sustentável. Mas especialmente o governo da Alemanha persiste na sua política de
austeridade e na negação de uma nova reestruturação da dívida, provavelmente temendo um
efeito dominó em que outros países também pedem reestruturação da dívida. Também seja
necessária uma reflexão sobre o fato de que certos níveis da dívida soberana (e também
privada) sejam insustentáveis e necessitam algumas mudanças em direção a austeridade.
Embora não vale muito analisar o passado do endividamento grego ou procurar responsáveis
para o desastre, mas pode ser útil lembrar certos avisos de Blythe (2013, p. 115)

Na crise na área do euro, vemos os poupadores do norte da Europa justapostos a Europeus


perdulários do Sul, apesar do fato de que é manifestamente impossível houver um endividamento
excessivo sem emprestando em excesso. (...) Na zona do euro, os países superavitários não têm
problemas em manter um superávit comercial permanente, mas criticam os outros por incorrer
em déficits, como se você pudesse ter um sem o outro.

É também importante lembrar que certos eventos na crise da dívida soberana na área do euro
parecem espelhar os acontecimentos da crise da dívida externa na América Latina na década
de 1980 e tirar as decisões certas, como Reinhart e Trebesch (2015, p. 2) advertem:
631

A história financeira da Grécia também serve como uma precaução mais ampla para outros países
que são "viciados" em poupanças externas. Períodos com dependência externa e abertura
financeira eram frequentemente períodos de volatilidade e crises, como na América Latina do
século XIX, mas também em lugares como a China, Portugal ou Espanha, até que estes se voltaram
para dentro na segunda metade do século XX. Grande parte da América Latina, grandes mercados
emergentes, como a Indonésia, a Turquia e partes da Europa Oriental dependem fortemente da
poupança externa.

Os efeitos da crise na área do euro para o Brasil foram limitados.

x. Consequências da crise para a economia brasileira

Neste capítulo são discutidas as consequências da crise financeira global de 2008/2009 sobre o
Brasil, num capítulo posterior encontra se uma análise quantitativa dos impactos das crises
financeiras relevantes na década de 1990 e no novo século para o Brasil.

Na explicação do contágio ou da propagação de uma crise para outros países destacam se


quatro canais de transmissão da crise: o canal real, o canal monetário, o canal das expectativas
e o canal politico.

• Canal real de transmissão: desconfiança, a falta de crédito e falências levam a queda


da demanda global, impactando em queda das exportações e da produção em outros
países.
• Canal monetário da transmissão: A queda dos preços de ativos financeiros e a
impossibilidade de rolar dívidas de curto prazo levam especialmente instituições
financeiras e empresas altamente alavancadas para problemas financeiras ou
falências. Tentando diminuir as dívidas vendendo ativos financeiros pode levar a uma
queda ainda mais expressiva dos preços de ativos financeiros e a uma fuga para
liquidez e para segurança (em primeiro lugar para dinheiro e títulos do governo). As
falências e problemas tornam as instituições financeiras avessas à concessão de
crédito. A necessidade de desalavancagem leva as instituições a cortar créditos. Os
impactos são crises de liquidez e de crédito. A crise espalha-se para outros países
através da queda dos fluxos internacionais de capital e de crises de liquidez e de
crédito (credit crunch).
• Canal das expectativas: Insegurança e desconfiança espalham se rapidamente pelas
mídias pelo mundo, consequência da interdependência dos mercados financeiros e
reais depois do processo da globalização. O otimismo anterior torna-se pessimismo e
parcialmente pânico.
• Canal politico da transmissão: Enquanto existe certa coordenação das politicas
monetárias e fiscais no nível global, existe a tentação de melhorar a situação de um
país a custo dos outros: A politica monetária fortemente expansionista e prolongada
632

(Dos Estados Unidos, do Reino Unido, da União Europeia e do Japão) – o tsunami


monetário – leva a guerras cambiais e possivelmente a estratégias protecionistas no
comércio internacional.

Os impactos das crises sobre a economia brasileira


Uma crise internacional propaga-se de seu centro, na crise financeira global de 2008/2009 os
Estados Unidos, para a economia global através dos quatro canais de transmissão já referidos
anteriormente. Assim, a queda da demanda global influencia a economia real em primeiro
lugar através da queda das exportações, comprometendo ainda o comportamento das
importações que também é importante, porque a queda das importações, por exemplo, do
Brasil, pode transmitir a crise para outros parceiros comerciais do país.
A transmissão da crise pelo lado monetário da economia acontece através da queda da
entrada de capital estrangeiro na forma de investimentos estrangeiros diretos, investimentos
da carteira e de empréstimos, o que pode levar o país para uma crise de liquidez e de crédito e
depreciar a taxa de câmbio (o que pode ter um efeito positivo para a economia real, mas
também um problema adverso se o país está expressivamente endividado em moeda
estrangeira).
Existe também o contágio nas expectativas dos agentes econômicos, previsões pessimistas
sobre a atividade econômica global podem mudar os planos de investimentos e de consumo
dos empresários e consumidores nacionais.
O contágio ocorre ainda através do canal de transmissão das políticas. Crises podem levar
países para políticas monetárias (QE quantitative easing nos Estados Unidos, na área de euro,
no Japão, e na Grã-Bretanha) e fiscais expansionistas prolongadas que podem levar a
depreciação da taxa de câmbio destes países possivelmente ganhando competitividade no
comércio internacional. Como consequência certos países podem piorar a crise global através
de medidas políticas como protecionismo comercial através de barreiras tarifárias e não
tarifárias e através do controle de fluxos de capitais internacionais, embora melhorando a
própria posição com estas medidas.
No contágio da crise global de 2008/2009 entram diferentes canais de transmissão da crise
para os países emergentes. Cintra e Prates [2011, p. 26] mostram os canais de transmissão
mais importantes para a economia brasileira, especialmente para o mercado de câmbio e o
balanço de pagamentos:
i) a retração dos investimentos de portfólio num contexto de crescente aversão ao risco e
preferência pela liquidez; ii) a diminuição e, após a falência do LEHMAN BROTHERS, a virtual
interrupção dos créditos externos (empréstimos, bônus, commercial papers etc.), inclusive
daqueles direcionados ao comércio exterior; iii) a redução dos fluxos de investimento direto
externo diante da desaceleração nos países avançados; iv) a queda da demanda externa desses
633

países e dos preços das commodities; iv) o aumento das remessas de lucros pelas filiais das
empresas transnacionais e dos bancos estrangeiros; e v) a redução das transferências
unilaterais dos imigrantes.
Eles mencionam também a deterioração das expectativas como consequência da crise global e
da previsão da contração da demanda global para a atividade econômica no Brasil e as
exportações brasileiras, mas também outro aspecto é importante no ambiente brasileiro
(Novaes, 2010 p. 239): as perdas de companhias brasileiras (especialmente Aracruz, Sadia e
Votorantim) com derivativos cambiais (apostando em uma apreciação futura da taxa de
câmbio brasileira, embora houve realmente uma depreciação) que aumentavam a
desconfiança não somente na estabilidade do sistema financeiro global, mas também na
estabilidade de empresas e bancos brasileiros.
A maioria dos fatos relacionados neste capítulo baseia se em artigos de Moller e Vital na
década de 2010.
A tabela a seguir mostra os efeitos mais importantes da crise financeira global em 2008/2009
sobre a atividade econômica (o PIB e seus componentes) no Brasil.

Tabela 133 Índice PIB trimestral seus componentes com ajuste sazonal 2008 (3. Trimestre
=100)

Consumo Consumo
PIB Investimento Exportação Importação
Famílias Governo

2008 3 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00


2008 4 95,80 98,05 96,67 89,24 94,70 93,47
2009 1 93,92 99,02 100,78 76,10 84,16 75,83
2009 2 95,78 101,84 100,01 79,64 89,39 80,33
2009 3 98,22 104,19 101,18 86,90 88,56 84,29
2009 4 100,55 105,08 103,71 94,08 90,31 96,15
2010 1 102,66 107,27 103,70 97,91 95,54 106,29
2010 2 104,50 108,56 105,12 102,22 95,72 111,43
2010 3 104,90 110,36 105,28 105,13 99,33 118,81
2010 4 105,61 112,83 105,04 105,50 102,50 122,07
2011 1 106,91 113,60 106,03 106,60 99,36 120,39
2011 2 107,75 114,69 107,34 108,45 101,67 127,69
Fonte: IBGE; cálculos próprios.
Desde o terceiro trimestre de 2008 o PIB e seus componentes começam a cair, O PIB cai um
pouco mais de 6% chegando ao primeiro trimestre de 2009 em seu piso e se recupera até
chegar ao seu nível antes da crise no quarto trimestre de 2009, Investimentos, exportações e
importações demoravam ainda mais para se recuperar [IBGE, Contas Nacionais Trimestrais].
Em uma visão total a queda mais profunda é dos investimentos e a queda mais leve é do
consumo das famílias, como prevista pela teoria macroeconômica. A recuperação das
exportações é a mais lenta de todos os componentes do PIB.
634

O gráfico a seguir mostra mensalmente a produção industrial desde 2004 (=100) e o valor das
exportações e importações (todas variáveis acumuladas por 12 meses).

Gráfico 110 Produção Industrial (Índice Jan/2004 =100), Exportações e Importações de bens
(acumulados por 12 meses) US$ Milhões Brasil 2004-2012

Fonte: BACEN, IBGE

Quando a crise financeira de 2008/2009 torna-se global com a quebra do banco de


investimento Lehman Brothers, em 15 de Setembro de 2008, a produção industrial brasileira
caiu abruptamente, mas recuperou-se com relativa rapidez. As exportações e importações
brasileiras caíram também neste período, mas a recuperação demorou mais. A crise na área de
euro não se reflete nos dados, enquanto o PIB em 2012 teve um crescimento muito pequeno
(0,9 %), mas provavelmente este fato se explica também por outras causas do que da crise na
área do euro, com o esgotamento do modelo de crescimento pelo consumo e da expansão do
crédito, por exemplo. A crise brasileira começandono em 2014, provavelmente mais
influenciada por fatores domésticos e pela queda dos preços de commodities, é curtamente
resumida no fim deste capítulo.
O gráfico a seguir mostra os impactos da crise financeira global em períodos críticos sobre
exportações e o investimento estrangeiro em carteira e os empréstimos estrangeiros, bem
como a taxa de câmbio e o Ibovespa. Todas estas variáveis refletem o impacto da crise de
2008/2009, exportações e fluxos de capitais estrangeiros caindo, a taxa de câmbio se
depreciando, e o índice Ibovespa recuando.
635

Gráfico 111 Índices (julho 2008 = 100) Exportações, Na Conta Capital e Financeira:
Investimento estrangeiro em carteira ações, Investimento estrangeiro em renda fixa, Crédito
Comercial, Outro Crédito, e Taxa de câmbio R$/US$ e Índice BOVESPA

Fonte: BACEN

Os impactos das crises sobre exportações e importações brasileiras


A crise financeira global de 2008/09 tinha impactos importantes sobre a economia brasileira e
sobre as exportações brasileiras, bem como sobre as importações. Antes da crise a economia
brasileira o PIB estava crescendo de 2000 até 2008 a uma taxa média de 4,3% e as exportações
em relação ao PIB que estavam em 8,5% em 2000 cresciam para 12,6% em 2008 (Castilho,
2011 p. 98). A crise interrompeu este processo abruptamente. Houve forte queda das
exportações e importações no quarto trimestre de 2008, mas já no segundo trimestre de 2009
começou a recuperação do comercio exterior brasileiro. A queda dos preços das commodities,
depois de uma alta acentuada no primeiro trimestre de 2008, começou em julho de 2008 e
entre julho de 2008 e fevereiro de 2009 a queda das importações mundiais chegou a 40%
(Castilho, 2011 p. 99).

Chernavsky (2011, p 81) menciona que o impacto de uma retração das exportações sobre a
atividade econômica no Brasil depende:
• Da mudança da taxa de câmbio (apreciação ou depreciação);
• Da mudança de volumes e / ou preços das exportações;
• Do efeito multiplicador (sobre a renda doméstica);
• Da participação das exportações na demanda.
636

O final de julho de 2008 mostra a taxa de câmbio com o dólar de EUA apreciado em termos
nominais como em termos reais, com 1,5658 R$/US$, a depreciação começa em setembro de
2008 atingindo o valor mais alto no final de fevereiro de 2009 com 2,3776 R$/US$ [BCB, Séries
temporais, fim do mês], uma desvalorização de quase 52%. Em seguir o real começa-se a
apreciar (fim de dezembro de 2009 1,7404 R$/US$). A depreciação do real reduziu o efeito da
queda das exportações brasileiras em 2009 sobre a renda doméstica.
Como a queda das exportações e importações começou já no quarto trimestre de 2008, os
dados na tabela a seguir, que mostra os produtos mais importantes na pauta (com mais de 1%
de expressão nas exportações e de 1%) das exportações brasileiras entre 2009 e 2008,
subestima os efeitos da crise.
Tabela 134 Exportações brasileiras por grupos de produtos 2009/08 (com participação na
paute de mais de 1%), Valor milhões de US$ fob, variações 2009/08 em valor, volume e preço

2009 % 2008 % Variação % 2009/2008


Valor Volume Preço
TOTAL 152.995 100,0 197.942 100,0 -22,71 -2,88 *
Soja 17.251 11,3 17.986 9,1 -4,09 8,45 -11,57
Material de transporte 16.160 10,6 27.026 13,7 -40,21 -42,08 3,23
Petróleo 14.947 9,8 23.047 11,6 -35,15 9,75 -40,91
Minerais (de ferro etc..) 14.453 9,5 18.727 9,5 -22,82 -6,64 -17,33
Carne 11.471 7,5 14.283 7,2 -19,69 -2,24 -17,85
Produtos metalúrgicos 11.104 7,3 19.427 9,8 -42,84 -22,63 -26,12
Produtos químicos 10.877 7,1 12.225 6,2 -11,03 14,29 -22,15
Açúcar e álcool 9.716 6,4 7.873 4,0 23,41 14,31 7,96
Maquinas 6.256 4,1 9.671 4,9 -35,31 -42,95 13,38
Papel e celulose 5.001 3,3 5.834 3,0 -14,29 15,27 -25,64
Produtos elétricos e eletrônicos 4.964 3,2 6.500 3,3 -23,64 -28,72 7,12
Café 4.251 2,8 4.733 2,4 -10,17 3,72 -13,39
Fumo 3.046 2,0 2.752 1,4 10,68 -2,44 13,45
Sapatos e couro 2.764 1,8 4.064 2,1 -31,99 -3,29 -29,68
Produtos têxteis 1.895 1,2 2.422 1,2 -21,76 -12,76 -10,31
Metais, pedras preciosas 1.737 1,1 1.544 0,8 12,44 -2,82 15,7
Madeira 1.678 1,1 2.759 1,4 -39,17 -30,64 -12,3
Suco de laranja 1.619 1,1 1.997 1,0 -18,91 0,74 -19,51
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR.

Nas exportações (com uma queda total de -22,71% nos valores), os produtos básicos mostram
uma queda expressiva dos valores de -15,16% de 2009 em relação a 2008, mas de forma
diferenciada, os produtos manufaturados mais importantes mostram uma queda em valor
maior de -26,64%, mas também de forma diferenciada.
As importações tinham uma queda de -26,21% de 2009 em relação a 2008, mais forte nos
produtos básicos com -40,79% do que nos produtos industrializados com -22,95%.
637

Exportações e importações brasileiras mostravam uma queda expressiva em valores como


consequência da crise financeira global em 2008/2009, mas recuperando os níveis antes da
crise já em 2010 e crescendo expressivamente também em 2011, não mostrando sinais dos
efeitos da crise da dívida soberana na área de euro em 2010/11 [MDIC]. Nas exportações a
queda dos preços foi maior do que a queda dos volumes, nas importações houve também uma
queda expressiva dos volumes.
O efeito multiplicador das exportações, neste caso, um efeito negativo depende, como
Chernavsky (2011, p. 82) considera da intensidade de mão de obra na lista de exportação do
Brasil e o tamanho do multiplicador depende da importância dos salários na produção de bens
transacionáveis. Chernavsky considera que na produção de bens básicos (cerca de 50% das
exportações brasileiras) o trabalho é de importância inferior do que na média do PIB,
reduzindo o efeito negativo do multiplicador.

A participação das exportações no PIB ainda é relativamente pequena para o Brasil, enquanto
a participação estava aumentando na década de 2000 para quase 15% do PIB, diminuindo na
crise para 9,5% [Banco Central do Brasil (BCB), Indicadores Econômicos e Balanço de
Pagamentos]. Assim, a diminuição da demanda pelo produto brasileiro em uma crise não tem
um efeito tão grave como em países fortemente dependentes de exportações como a
Alemanha, Coréia do Sul ou China.

A influência direta de uma deterioração da situação económica na União Europeia sobre as


exportações brasileiras de bens depende da participação das exportações de bens no PIB e da
participação da exportação para a União Europeia (2011) (21,4%, com expressão menor dos
países com problemas: Itália 2,1%, Espanha 1,9%, Portugal 0,8%, na Grécia e na Irlanda 0,09%
0,09%) [Banco Central do Brasil]. Os outros parceiros do comércio internacional do Brasil são,
em 2010, 27,9% da Ásia (China 15,3%), União Europeia 21, 4%, ALADI 20,4% (Mercosul 11,2%);
Estados Unidos 9,6% e o Oriente Médio 5,2% [BCB]. Obviamente, o comércio com a União
Europeia é importante para o Brasil, crises econômicas e políticas poderiam deteriorar as
exportações do Brasil para a União Europeia. Mas sem contágio expressivo para os outros
parceiros importantes do comércio brasileiro o choque não será tão grave como a crise
financeira global de 2008/09. A participação nas importações da União Europeia atingiu seu
maior valor em 1999 e 2003, com 19, 5% das importações mundiais, em declínio na crise de
19,1% em 2008 para 18% em 2009 e 17,3% em 2010 (EUROSTAT, 2011, p. 14). Os parceiros
para as importações da União Europeia (comércio fora da UE) são: China 18,7%, Estados
Unidos 11,3%, Rússia 10,6%, Suíça 5,5%, Noruega 5,3%, o Japão 4,4% e com posição 10 Brasil
2,2%. O efeito indireto de uma crise pode chegar ao Brasil pelo efeito negativo das
638

importações da União Europeia provenientes da China e dos Estados Unidos, importantes


parceiros comerciais do Brasil.

Impactos sobre as transferências e rendas de investimento direto e de carteira

O efeito nas crises de uma redução das transferências da força de trabalho brasileira em países
estrangeiros também foi sensível, mas não extremo. Os dados sobre transferências na crise de
2008/09 apontam para uma diminuição sensível nos fluxos de -23,6% (-30,6% Declínio dos
Estados Unidos e de -40,8% do Japão, juntos respondendo por 86,1 % das entradas em 2000,
declinando para 59,3% em 2009 e para 45,3% em 2011), mas os influxos têm importância
menor no balanço de pagamentos do Brasil (transferências são cerca de 2% do valor das
exportações de bens), como mostra a tabela a seguir. Assim, a crise na zona do euro entre
2010 e 2014 teve poucos impactos significativos sobre as remessas, como sua importância na
zona de euro é menor, porque a maioria das entradas concentra-se nos Estados Unidos e
Japão.

Tabela 135 Fluxos de remessas, Transações unilaterais Brasil 2000-2011, Milhões US$

Influxo em % das
Ano Fluxo líquido Influxo remessas Saída remessas
Exportações
2000 932,1 1112,3 180,2 2,0%
2001 1009,0 1178,5 169,5 2,0%
2002 1572,6 1711,0 138,4 2,8%
2003 1882,1 2018,1 135,9 2,8%
2004 2292,0 2458,7 166,7 2,5%
2005 2217,4 2479,9 262,5 2,1%
2006 2580,6 2889,8 309,2 2,1%
2007 2294,7 2808,8 514,1 1,7%
2008 2284,5 2912,6 628,1 1,5%
2009 1555,2 2223,8 668,6 1,5%
2010 1220,2 2075,6 855,4 1,0%
2011 1157,8 1969,2 811,5 0,8%
Fonte: BCB Séries Temporais

A tabela a seguir mostra os fluxos de renda de investimentos diretos, investimentos de carteira


e outros investimentos.

Tabela 136 Renda de investimento estrangeiro direto, Investimento de carteira e outros


investimentos Brasil 2000-2011, Milhões US$

Juros líquidos Renda Renda líquidoa


Fluxo
Ano Influxo Saída entre investimento outros
líquido
companhias carteira líquido investimentos
639

2.000 -2.173 932 -3.105 -1.066 -8.545 -6.181


2.001 -3.438 264 -3.702 -1.201 -9.621 -5.579
2.002 -4.034 857 -4.891 -949 -8.384 -4.925
2.003 -4.076 760 -4.836 -1.022 -8.743 -4.820
2.004 -4.937 916 -5.853 -852 -10.415 -4.497
2.005 -9.142 641 -9.783 -1.161 -11.778 -4.101
2.006 -11.445 928 -12.373 -1.381 -11.028 -3.803
2.007 -16.745 1.152 -17.898 -744 -7.065 -5.185
2.008 -25.348 1.526 -26.874 -1.427 -8.039 -6.293
2.009 -17.765 1.186 -18.951 -1.977 -9.213 -5.332
2.010 -23.591 888 -24.479 -1.913 -9.964 -4.517
2.011 -27.379 1.804 -29.183 -2.252 -12.164 -6.091
Fonte: BCB Séries Temporais
Interessantemente as remessas líquidas da renda de investimentos diretos para fora do Brasil
diminuem expressivamente na crise de 2009/08 (- 30%), mas aumentavam também
significativamente de 2000 até 2008 (+ 36% na média em cada ano) e novamente depois da
crise, enquanto na crise as remessas líquidas de juros (+ 38,5%) e de investimentos de carteira
(+14,6%) aumentavam e as remessas líquidas de outros investimentos caiavam (- 15,3%).
Possivelmente as remessas líquidas de renda dos investimentos diretos – uma parte
considerável da conta corrente, entre 10 e 15% das exportações – estava caindo na crise por
causa da queda dos lucros das empresas multinacionais na crise.

Uma influência negativa significativa destas transferências sobre a conta corrente brasileira da
crise na área do euro não pode ser identificada entre 2010 e 2014.

Impactos de uma mudança das expectativas na crise

A hipótese das expectativas racionais e a hipótese dos mercados eficientes são geralmente
assumidas na teoria econômica e em modelos econométricos baseados em modelos de
equilíbrio geral dinâmico estocástico (DSGE dynamic stochastic general equilibrium). A teoria
das expectativas racionais é contestada, por exemplo, por Kirman (2010, p. 511), porque na
modelagem econômica e econométrica as expectativas são representadas como homogêneas
pela hipótese do agente representativo e os agentes são isolados e apenas ligados por meio do
mercado anônimo. Obviamente, em tempos normais, as expectativas dos agentes são
heterogêneas e os agentes estão interagindo, pequenas mudanças no nível micro, portanto,
poderiam levar a grandes mudanças no nível macro. Mas também a ocorrência de crises
financeiras, cambiais e econômicas no final do século XX e no início do século XXI contestou
empiricamente a validade das hipóteses dominantes (GOMES, 2011, p. 47). Reinhart e Rogoff
(2008) argumentam que a recente crise financeira é semelhante a uma longa cadeia de crises
em países desenvolvidos e em desenvolvimento, e que “os mercados financeiros,
640

particularmente os que dependem de alavancagem (...) podem ser muito frágeis e sujeitos a
crises de confiança”. E Kindleberger e Aliber (2011) mostram que a crise financeira
internacional não é um “cisne negro”, como Taleb (2008) assume, mas uma ocorrência
bastante normal nas economias capitalistas desde séculos. Por que as expectativas dos
agentes econômicos mudam totalmente em um momento da euforia para o pânico, como no
momento da falência do Lehman Brothers em setembro de 15? Por que a história de crises
graves no passado não acorda os agentes económicos de uma possível crise no futuro?
Reinhart e Rogoff (2008) argumentam que a última pergunta poderia ser respondida em
quatro palavras: Desta vez é diferente.

A segunda pergunta é por que existe em crises o contágio para outros países e as expectativas
estão mudando rapidamente em países não diretamente atingidos pela crise, como o Brasil?
Obviamente, a globalização leva à crescente interdependência dos mercados e países pelo
comércio internacional e dos fluxos de capital. Gomes (2011, p. 48) mostra que o clima de
otimismo econômico no primeiro semestre de 2008 foi seguido por um clima de pessimismo e
pânico após a falência do Lehman Brothers também no Brasil, apesar de que o sistema
financeiro brasileiro não estava envolvido em ativos tóxicos emitidos pelo sistema financeiro
dos Estados Unidos. Mas neste momento existiam também incertezas sobre a alavancagem do
sistema financeiro nacional e, especialmente, sobre o envolvimento especulativo das
empresas brasileiras (Aracruz, Sadia, Votorantim) no mercado de derivativos, o que levou a
grandes perdas para estas empresas. Mas em março de 2009, as expectativas dos mercados
brasileiros já foram melhorando.

Obviamente, a crise da dívida soberana na área do euro levou a uma reversão de otimismo no
mercado brasileiro no segundo semestre de 2011 e em 2012, a economia brasileira está quase
estagnando depois, mas os problemas que levavam a crise profunda da economia brasileira
em 2014 até 2016 são resumidos posteriormente e a crise na área do euro teve provavelmente
somente impactos marginais sobre esta crise domestica. Os mercados financeiros globais
mantiveram a calma após o default da Grécia em março de 2012, a situação pode piorar se a
crise se espalha para outros países da zona do euro, principalmente Espanha e Itália. A crise
política na área do euro pode piorar também porque os eleitores temem a consequências do
quantitative e qualitative easing do Banco Central Europeu e os custos dos pacotes de resgate
para os países com problemas e para o setor bancário na área do euro. Por outro lado, as
exportações brasileiras estão agora mais diversificadas geograficamente e o sistema financeiro
brasileiro parece muito mais estável do que os sistemas financeiros na área do euro e nos
Estados Unidos.
641

Impactos através dos canais de transmissão monetários

Os impactos nos canais monetários, apresentados na conta de capital, podem ser um declínio
no investimento direto, um declínio nos investimentos de carteira para o Brasil e um declínio
de créditos para as empresas exportadoras brasileiras e para outras empresas brasileiras.

Como a tabela a seguir mostra o investimento estrangeiro direto como um total sofreu uma
queda de -30,6% em 2009 com relação a 2008, mas um crescimento de 25,3% em relação à
média 2001-2007. Provavelmente, mudanças nos investimentos estrangeiros diretos refletem
outras causas do que a influência da crise de 2008/2009, por exemplo, a Alemanha e o Reino
Unido mostram taxas positivas expressivas de crescimento de investimento estrangeiro direto
para o Brasil em 2009, enquanto estes países foram seriamente atingidos pela crise. Os países
em problemas na crise na área do euro são parcialmente investidores diretos importantes no
Brasil como Espanha, Portugal e Itália (encontra-se no lugar 16 com IED médios 2001-07 de
355 milhões de US$ e uma queda de 2009/2008 de – 39,8%), enquanto Irlanda e Grécia são
pouco importantes nesta perspectiva. Provavelmente também as decisões de investimento
direto dependem também mais do ambiente no país recebedor, neste caso Brasil, do que da
situação no país investidor. Mas obviamente uma crise global profunda restringe também a
possibilidade de fazer investimentos diretos das empresas nos países em crise. Em relação aos
dados sobre os estoques 2010 dos investimentos estrangeiros diretos (IED) é importante
informar, que neste ano houve uma mudança na metodologia do cálculo destes estoques. Nos
censos dos IED anteriores os estoques foram calculados como soma dos fluxos líquidos dos
IED, enquanto hoje é usado o valor de mercado da empresa investida, se possível. Este valor
de mercado depende dos ingressos líquidos dos IED, da variação dos preços da empresa e da
variação cambial. Para os estoques de 2010 os valores totais da tabela são em US$ 265,8
bilhões maiores do que os fluxos acumulados dos IED, consequência, em primeiro lugar, da
mudança para a avaliação através do valor de mercado. Por esta razão os valores de estoques
não são diretamente compatíveis com os resultados dos censos dos IED anteriores.

Tabela 137 Fluxos Investimento estrangeiro direto para o Brasil 2001 – 2009, estoques IED
2010, Milhões de US$

Taxa de
Estoque IED Estoque
Influxo Taxa de crescimento
2010 IED 2010
País médio Influxo 2008 Influxo 2009 crescimento (%)
Investidor Investidor
2001-2007 (%) 2008/09 2009/média
imediato* final*
01/07
Países Baixos 4.179 4.639 6.515 40,4% 55,9% 163.293 14.868
Estados Unidos 4.097 7.047 4.902 -30,4% 19,7% 108.074 109.700
Ilhas Cayman 1.628 1.556 1.092 -29,8% -32,9% 11.115 2.423
Espanha 1.443 3.851 3.424 -11,1% 137,2% 71.974 85.421
642

França 1.213 2.880 2.141 -25,7% 76,4% 28.603 30.674


Alemanha 1.005 1.086 2.473 127,8% 146,1% 13.742 30.350
Luxemburgo 861 5.937 537 -91,0% -37,6% 30.114 13.198
Canadá 812 1.442 1.372 -4,9% 69,0% 13.672 14.443
Bermudas 710 1.038 380 -63,4% -46,4% 8.114 9.127
Japão 697 4.099 1.673 -59,2% 139,9% 28.078 29.004
Portugal 669 1.051 384 -63,5% -42,6% 6.267 7.799
Suíça 591 803 380 -52,6% -35,7% 10.203 13.104
Ilhas Virgens 446 1.048 403 -61,5% -9,5% 4.338 3.646
Reino Unido 436 693 1.032 48,8% 136,8% 16.019 41.635
México 435 220 167 -24,3% -61,6% 15.896 15.684
Outros países 2.612 7.067 4.805 -32,0% 84,0% 57.707 166.133
Total 21.833 44.457 31.679 -28,7% 45,1% 587.209 587.209
Fonte: BCB Séries Temporais, cálculos próprios
*O investidor imediato participa diretamente no capital da empresa investida, o investidor final ocupa o topo da
cadeia de controle e não necessariamente coincide com o investidor imediato
A tabela a seguir mostra os fluxos dos investimentos estrangeiros diretos, de carteira e de
outros investimentos. A diferença para os investimentos diretos explica-se pelo uso de
estatísticas diferentes do Banco Central do Brasil, que não possibilitam a comparação direta
entre os dados que referem se aos países e os fluxos no balanço de pagamentos105. Como a
tabela mostra em 2009 houve uma queda dos investimentos diretos em comparação de 2008,
mas a queda nos investimentos de carteira e nas outras variáveis já aconteceu em 2008 e foi
relativamente mais expressiva.

Tabela 138 Investimento estrangeiro direto e em carteira (ações e renda fixa) e outros
investimentos estrangeiros Brasil 2000 – 2012

Investimento estrangeiro em Outros investimentos estrangeiros


Investimento carteira Empréstimos LP e CP
estrangeiro Crédito
Títulos comercial Demais
direto Autoridade
Total Ações de renda Total LP e CP Total setores
monetária
fixa LP e CP
2000 32.779 8.651 3.076 5.575 -15.213 -6.409 -8.774 -10.434 1.660
2001 22.457 872 2.481 -1.609 9.353 4.233 5.714 6.639 -925
2002 16.590 -4.797 1.981 -6.778 2.150 1.741 1.031 11.363 -10.332
2003 10.144 5.129 2.973 2.156 -686 236 -1.549 4.645 -6.194
2004 18.146 -3.996 2.081 -6.076 -8.721 1.181 -10.421 -4.494 -5.927
2005 15.066 6.655 6.451 204 -22.486 3.585 -26.753 -23.402 -3.351
2006 18.822 9.076 7.716 1.360 24.104 12.789 9.851 -138 9.990
2007 34.585 48.104 26.217 21.887 31.683 17.371 13.694 -138 13.832
2008 45.058 -767 -7.565 6.798 8.143 4.462 5.172 - 5.172
2009 25.949 46.159 37.071 9.087 14.076 4.100 4.926 - 4.926
2010 48.506 67.795 37.671 30.124 41.543 -713 41.288 -4 41.291
2011 66.660 18.453 7.174 11.278 46.810 21.399 31.741 - 31.741
2012 65.272 16.534 5.600 10.934 19.529 14.313 8.573 - 8.573
Fonte: Banco Central do Brasil, séries temporais
643

A tabela a seguir mostra o comportamento de diferentes tipos de investimento estrangeiro em


períodos específicos, com foco no período crítico da crise financeira global de setembro de
2008 até abril de 2009 (comparando as médias dos fluxos).

Tabela 139 Médias mensais para Investimentos estrangeiros em períodos críticos

jan/00 – set/08 – mai/09- jun/11 –


ago/2008 abr/2009 mai/11 mai/13
Investimento estrangeiro direto 1858 3649 3709 5323
Investimento estrangeiro em carteira 845 -2783 5208 1545
Ações de companhias brasileiras 539 -1251 3139 752
Títulos de renda fixa 307 -1532 2068 792
Outros investimentos estrangeiros 432 -1458 3061 2452
Crédito comercial LP e CP 406 498 37 1769
Fonte: BCB, cálculos próprios
Os IED não mostram influências significativas da crise, mas os investimentos em carteira
mostram expressivas quedas no período crítico da crise de setembro de 2008 até abril de
2009, o crédito comercial também.

Uma análise estatística e econométrica mais profunda dos impactos das crises internacionais
na década de 1990 e 2000 encontram-se num capítulo a seguir.

Conclusões

A crise financeira global de 2008/09 foi uma das crises mais profundas do capitalismo global,
atingindo de forma mais profunda as economias industrializadas e centrais. Dos 34 países da
OCDE vinte nove países estavam em recessão em 2009 (com quedas entre 14% e 1%) e os
cinco países que não entravam em recessão (Coréia do Sul, Nova Zelândia, Israel, Polônia e
Austrália) mostravam quedas de taxas de crescimento do PIB expressivas, comparadas com as
taxas médias de 2000/2008 [OECD, OECD.Stat Extracts, cálculos próprios]. Os países BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) sentiam a crise, enquanto da forma diferenciada em
comparação com a média de 2000/2008: em China e Índia a queda foi pouco significativa, na
Rússia houve uma queda de – 7,8% (comparada 7,0% 2000/08), na África do Sul e menos no
Brasil houve uma queda intermediária [OECD, OECD.Stat Extracts, cálculos próprios]. Fora dos
Estados Unidos os impactos da crise foram sentidos em primeiro lugar pela queda expressiva
das exportações e da falta de liquidez nos mercados financeiros internacionais. No
desenvolvimento da crise houve referências a Grande Depressão da década de 1930, o BIS
chamou este período e os anos seguintes por esta razão a Grande Recessão. Diferentemente
da Grande Depressão, onde governos e bancos centrais ainda orientavam se nas receitas da
economia clássica de não intervenção na economia e o padrão ouro limitava também as
intervenções necessárias, nesta vez os bancos centrais dos países maduros entravam com
politicas monetárias expressivamente expansionistas por tempo prolongado. Não somente o
644

tamanho das medidas expansionistas (Quantitave Easing) foi novo, mas também a aceitação
de títulos de dívida com risco elevado nas operações de mercado aberto ou como colateral nos
créditos na janela de redesconto foi nova (Qualitative Easing). Os governos também entravam
com politicas fiscais expansionistas, parcialmente para recapitalizar ou nacionalizar instituições
financeiras, parcialmente para substituir a queda da demanda privada e evitar uma espiral
deflacionária. Em 2010 estas medidas já conseguiam evitar o pior e a maioria dos países da
OCDE estavam novamente crescendo, enquanto a recuperação mostrou se frágil e países
como Grécia, Islândia, Irlanda e Espanha ficavam em 2010 em recessão e em 2012 novamente
ainda mais alguns países da OCDE entravam em recessão.

Ainda em 2013 muitos países encontram-se em uma frágil situação econômica com dívidas
elevadas do setor privado e do setor público, com sistemas financeiros frágeis e com
desemprego elevado. O Brasil ainda sai da crise com poucos problemas e com um sistema
financeiro estável, mas em 2012 e nos anos seguintes (até a crise brasileira começou no fim de
2014) o crescimento estava fraco e as exportações estagnando, a inflação subindo e o real se
depreciando, provavelmente parcialmente consequência da conjuntura mundial ainda
fragilizada e da queda dos preços de commodities e parcialmente consequência de problemas
internas. Em 2014 começou uma crise profunda da economia brasileira, mas a maioria dos
analistas responsabiliza mais fatores domésticos, como esgotamento do modelo de
crescimento pelo consumo e pela expansão de crédito, falhas na politicas econômicas, e
problemas políticos como o impeachment da presidente Rousseff em 2016, do que fatores
externos e a crise na área do euro. Importante como fator externo foi a queda dos preços de
commodities, mas esta crise, embora não impacto direto da crise financeira global, é
curtamente resumida no próximoi capítulo.

A crise brasileira de 2014 até 2016

A crise da economia brasileira começando em 2014 (um ano em que a economia brasileira
ficava quase estagnada) surgiu em primeiro lugar por fatores domésticos de ordem econômica
e politica, embora a queda dos preços de commodities e uma economia global ainda
fragilizada influenciavam também. Na descrição da crise são em primeiro lugar apreciados os
fatos da economia real e da economia monetária, em segundo lugar os fatos políticos e as
influencias do combate a corrupção através da operação Lava Jato.

A crise brasileira de 2014/2016 (Se não há uma nova recaída) foi uma das crises mais sérias
que Brasil já experimentou. Com produção em queda, aumento do desemprego e da pobreza,
645

Brasil desfazia parcialmente os sucessos econômicos e sociais das décadas anteriores, como a
OECD (2018, p.6, tradução do autor) adverte:

O forte crescimento e o notável progresso social das duas últimas décadas fizeram do Brasil
uma das principais economias do mundo, apesar da profunda recessão da qual a economia
agora está emergindo. A estabilidade macroeconômica, as tendências demográficas favoráveis
e as condições externas permitiram uma expansão do consumo privado e público, no contexto
do emprego sólido e do crescimento salarial. Um mercado de trabalho dinâmico, aliado à
melhoria do acesso à educação e a amplos programas de transferência, permitiu que milhões
de brasileiros se mudassem para melhores empregos e alcançassem melhores padrões de vida.
Como 25 milhões de brasileiros escaparam da pobreza desde 2003, o crescimento se tornou
muito mais inclusivo. Estas são realizações notáveis. No entanto, o Brasil continua sendo um
dos países mais desiguais do mundo.
O gráfico a seguir (com o eixo vertcal foi interrompido mostrando de forma mais forte, mas
enviesada, a queda na crise) mostra uma queda profunda do PIB, uma queda ainda mais
profunda do investimento, uma queda do consumo das famílias, e estagnaço do consumo do
governo, tudo começando no fim de 2014. Um fator importante na queda do investimento é a
crise da empresa estatal Petrobrás, (responsavel para cerca 10% do investimento brasileiro e
2% do PIB), implicada nos processos de corrupção e forcada de diminuir expressivamente seus
investimentos. Embora PIB e consumo das famílias começam uma recuperação tímida em
2017, uma recuperação muito tímida do investimento – depois da queda profunda em 2014 –
começa em 2018. A queda profunda e a recuperação tímida do investimento provavelmente
foram influenciadas pela incerteza no ambiente politico.

Gráfico 112 PIB, Consumo das Famílias, Consumo do Governo, Investimento (FBCF) Brasil 2000
– 2019 3. Trimestre (Para visualizar melhor as crises o eixo horizontal foi interrompido em 80)
646

Fonte: BCB

A produção indústria acompanha os dados do PIB e seus componentes no lado da demanda na


crise desde 2014, enquanto a indústria geral e a indústria de bens do consumo mostram uma
queda, os bens de capital e osa bens de consumo duráveis mostram uma queda mais
profunda. O ambiente de incerteza politica deve ter influencido este cenário.

Gráfico 113 Produção industrial (Índice dessazonalizado), geral, bens de capital, bens do
consumo, bens do consumo duráveis, Janeiro 2002 – Outubro 2019, (eixo vertical
interrompido em 50)

Fonte: BCB

Safatle, Borges e Oliveira (2016, posição 1110 pp.) mostram os problemas das políticas
keynesianas expansionistas no segundo governo Rousseff:

Dilma tentou preservar a política de queda da taxa de juros de várias formas. Um ex-ministro
do governo do PT resumiu da seguinte forma o que considerou a “sequência de erros”
cometidos na época: “Não deu certo, seguro o preço da gasolina; não deu certo, corto o preço
da energia; não deu certo, reduzo os impostos com as desonerações; não deu certo, aumento o
gasto público”. A presidente passou dois anos testando alternativas para fazer a economia
crescer e a inflação cair, até ceder às evidências. Só em abril de 2013 os juros começaram a
subir. (...). Os estímulos ao crescimento pelo aumento do consumo — que fez a alegria de todos
no governo Lula — haviam se esgotado, e só a expansão dos investimentos, portanto da oferta,
seria capaz de revigorar a atividade econômica e sustentar o emprego. (...). De acordo com
dados do Banco Central, em 2001 o saldo de empréstimos do governo federal ao BNDES
equivalia a 0,32% do PIB. No fim de 2015, representava 8,68% do PIB. Incluindo os demais
bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil, no fim de 2015 o total de empréstimos do
Tesouro feitos com endividamento era de 567,4 bilhões de reais, ou 9,57% do PIB. Toda a
justificativa foi de que tais empréstimos eram para aumentar o investimento na economia. Não
647

foi o que aconteceu. Dados do IBGE mostram que a taxa de investimento como proporção do
PIB caiu.
As causas desta crise são, para a maioria dos analistas, em primeiro lugar domésticas, embora
a fraqueza da economia global depois da crise financeira de 2008/2009, e a queda dos preços
de commodities em seguir, tevem também impactos. Entre os fatores causadores domésticos,
que são abordados mais tarde neste capítulo encontram-se fatores econômicos como o
esgotamento do modelo de expansão através de estimulação do consumo e do investimento
através de expansão de crédito, da expansão fiscal (crescente desequilíbrio fiscal) e expansão
monetária (em 2012 a taxa básica chegou a seu nível até lá mais baixo de 7,25%), bem como
fatores políticos como os processos de combater a corrupção (operação Lava Jato etc.), o
impeachment da presidente Rousseff e a incerteza política a seguir. O gráfico a seguir mostra a
importância de certas commodities na pauta de exportações brasileiras e o próximo gráfico o
desenvolvimento dos preços das commodities mais importantes na pauta de exportações
brasileiras.

Gráfico 114 As Commodities mais importantes na pauta de xportações brasileiras2014

Fonte: http://www.mdic.gov.br/
648

Gráfico 115 Índice de preços internacionais de soja, minério de ferro, petróleo, carne de boi,
açúcar 2000 – 2017

Fonte: World Bank, cálculos próprios

Obviamente houve uma ascensão dos preços (parcialmente expressiva como no caso de
petróleo, minério de ferro e soja) antes da crise financeira global, uma queda profunda nesta
crise, depois uma recuperação parcial que acabou em uma queda lenta dos preços (profunda
para petróleo, minério de ferro e açúcar), causada pela queda da demanda global.

Em 2015 começa uma ascensão expressiva da taxa de desemprego (e da taxa de desocupação


pela pesquisa PNAD), uma ascensão expressiva da taxa de inflação IPCA, que começa cair com
o aperto da política monetária e dos efeitos da recessão. A inflação comçou sua queda na
metade do ano 2016 e o Banco Central diminui expressivamente a taxa básica desde fim de
2016. O gráfico a seguir mostra estas tendências. A OECD (2018, p. 18) resume estes fatos.

O Banco Central respondeu à queda da inflação por uma série de reduções na taxa Selic, de
14,25% em outubro de 2016 para 6,75% em fevereiro de 2018 (Figura 9). Isso está próximo do
nível sugerido por uma regra de Taylor, embora muito dependa da dinâmica fiscal (IFI, 2017d).
O mercado de trabalho ainda tem folga, com o desemprego permanecendo alto. A queda no
emprego também refletiu menores taxas de participação, particularmente entre os jovens. A
meta de inflação foi reduzida para 2019 e 2020, para 4,25% e 4%, respectivamente.
649

Gráfico 116, Taxa de desemprego e desocupação (%), Taxa de inflação (IPCA), taxa de câmbio
R$/US$, Brasil 2000 -2019

Fonte: BCB

A situação fiscal piorou na segunda administração do governo Rousseff como o gráfico a seguir
mostra. Especialmente em 2014 o déficit fiscal nominal e o primário estavam aumentando
rapidamente. A dívida bruta do governo geral (em relação ao PIB) estava também aumentando
rapidamente com o aumento do desequilíbrio fiscal desde 2014, como o gráfico a seguir
mostra. O problema da dívida do setor público no Brasil é especialmente problemático porque
os juros são elevados. O gráfico mostra estas tendências das variáveis fiscais, bem como uma
melhoria lenta desde2017, em consequências parcialmente da queda expressiva da taxa Selic
(e sua influencia sobre os juros nominais) dedesde o fim de 2016 e mais forte ainda em 2019.
650

Gráfico 117 Dívida bruta do governo geral, Déficit fiscal nominal e primário ejuros nominaisdo
setor público, tudo em % do PIB Brasil 2000 – 2019

Fonte: BCB

Safatle, Borges e Oliveira (2016, posição 3410 pp.) comentam os problemas fiscais da seguinte
forma:

Durante os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, as despesas da
União, principalmente com os programas sociais, cresceram de forma contínua, acima do ritmo
de expansão da economia, e isso foi possível, em um primeiro momento, por causa da forte
elevação da receita da União no período. Mesmo quando a arrecadação começou a fraquejar,
em 2011, provocada por uma série de fatores, entre eles o desaquecimento da economia,
Dilma manteve o aumento das despesas. Para isso, o governo sacrificou a meta do resultado
primário, que terminou em um déficit gigantesco. Ao mesmo tempo, apelou para a
contabilidade criativa, incluindo as chamadas pedaladas fiscais, para mascarar a real situação
das contas púbicas.
O gráfico a seguir mostra a perspectiva externa da crise, as transações correntes (em % do
PIB), o saldo da balança comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$) – uma parte
importante das transações correntes, e os investimentos estrangeiros líquidos em carteira
(acumulado em 12 meses, milhões de US$), que junto com os investimentos estrangeiros
diretos e os outros investimentos estrangeiros são uma fonte importante para financiar uma
possível conta corrente (transações correntes) negativa ou para acumular reservas
internacionais. O gráfico mostra os anos até 2008 do ambiente externo favorável para o Brasil
nos mercados de commodities (facilitando a acumulação de reservas internacionais também
pela entrada de investimentos estrangeiros em seus diferentes segmentos), a crise financeira
global, os anos antes da crise de 2014 com os investimentos estrangeiros financiando a conta
651

corrente negativa. Com a crise desde 2014 começa queda dos investimentos estrangeiros em
carteira (embora os investimentos estrangeiros diretos não seguem a queda, não visível no
gráfico), consequência parcialmente da queda da taxa SELIC começando no fim de 2016.
Embora na contramão da depreciação forte do Real em 2019, as exportações enfraquecem, o
saldo da balança comercial diminui e a conta corrente torna novamente negativo.
Possivelmente as politicas comerciais do governo Trump (embora com foco na China e na
União Europeia) criavam um ambiente de incerteza, bem como a situação econômica difícil de
Argentina.

Gráfico 118 Brasil 2000:12 – 2019:10 transações correntes (em % do PIB), o saldo da balança
comercial (acumulado em 12 meses, milhões de US$), investimentos estrangeiros líquidos em
carteira (acumulado em 12 meses, milhões de US$)

Fonte; BCB

xi. Transformações como impacto da crise financeira global de 2008/2009

A história do capitalismo moderno pode ser escrita como uma sucessão de crises em que o
capitalismo sobreviveu apenas ao preço de profundas transformações de suas instituições
econômicas e sociais, salvando-o da bancarrota de maneira imprevisível e muitas vezes não
intencional. (...) Assim como os movimentadores e agitadores do capitalismo não sabem como
proteger sua sociedade da decadência, e em qualquer caso não teriam os meios para fazê-lo,
seus inimigos, quando se trata da crise, têm que admitir que não tenham idéias de como
substituir o capitalismo neoliberal por outra coisa - veja o governo grego do SYRIZA [partido
grego da esquerda] e sua capitulação em 2015 quando o 'Eurogroup' começou a jogar duro e o
SYRIZA, para misturar metáforas, foi forçado a mostrar sua mão.
Wolfgang Streeck, How will capitalism end? Posições 138 e 608 p.
652

A década dos anos 1930 viu profundas transformações no cenário político, econômico e
ideológico: A ascensão da extrema direita em muitos paises da Europa e na Ásia, a queda do
padrão ouro, o abandono do livre comércio internacional, a ascensão do protecionismo, de
contratos comerciais bilaterais, e de ideias de desenvolvimento pela autarquia nacional. No
cenário ideológico a luta pela hegemonia entre as ideias fascistas e nazistas e as ideias
comunistas deixou as ideias liberais políticos e econômicos numa posição defensiva, embora
elas estivessem ainda mais enfraquecidas pela Grande Depressão. Regimes autoritários
estavam ganhando cada vez mais espaço no mundo quando a economia internacional liberal
se desintegrou na Grande Depressão.

Nos anos depois da crise financeira global de 2008/2009 e da Grande Recessão seguinte as
transformações foram menos expressivas, embora possa ser cedo demais para fazer esta
avaliação. A avaliação a seguir concentra-se em primeiro lugar nos países centrais, um país
como o Brasil sofria menos com a crise e as amplas demonstrações de 2013 e o impeachment
da presidente Rousseff em 2016 foram somente marginalmente relacionadas com a crise.
Governos, vistos pela população como responsáveis pela crise, foram na próxima eleição
substituídos pelo candidato da oposição, como nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França,
na Espanha e em outros países centrais, mas não na Alemanha e no Brasil. A desconfiança nos
políticos aumentou, a raiva contra banqueiros e financistas aumentou, responsáveis pela crise
na opinião pública e saindo da crise com poucos prejuízos e sem processos na justiça, e o
sentimento de que o capitalismo neoliberal fracassou aumentou, aumentavam as
desigualdades, deixando os mais fracos das sociedades sofrendo com as políticas de
austeridade para equilibrar as contas públicas em apuros depois da salvação do setor
financeiro. Nas demonstrações apareciam slogans como "onde é meu bail-out" ou "Occupy
Wall Street", embora não existiam agendas viáveis para quebrar o poder da ideologia
neoliberal, como a citação de Streeck no inicio deste capítulo enfatiza. Embora houvesse
muitos novos movimentos sociais que tomavam as ruas, algumas deles se formando como
novos partidos políticos (como, por exemplo, na esquerda Syriza na Grécia e Podemos na
Espanha, ou da direção ideológica menos clara o partido cinco estrelas na Itália), mas houve
também a nova direita e a velha direita ganhando espaço político com discursos contra
imigrantes, muçulmanos, a burocracia europeia, e o establishment político e econômico com
algum sucesso na França, Itália, Reino Unido, Alemanha e outros países. A direita chegou ao
governo na Hungria e na Polônia, e com participação no governo de Áustria. O cenário político
tornou-se muito mais volátil depois da crise com um toque mais agressivo e imprevisível nas
suas perspectivas futuras. A eleição de Trump para a presidência dos Estados Unidos com um
653

discurso populista é um exemplo destas tendências. Embora o conceito populista tenha um


sabor depreciativo, é bem lembrar que a defesa das interesses do homem (e da mulher)
comum contra os interesses poderosos das elites econômicas e políticas deve ser uma coisa
honrosa em uyma democracia. O último capítulo neste trabalho tenta ampliar a discussão
sobre estes assuntos, aquiu se encontra somente um discurso superficial.

Para caracterizar as transformações econômicas e ideológicas pode se dizer de forma curta de


que na maioria dos países uma curta primavera keynesiana foi seguida de uma volta para a
austeridade neoliberal. A crítica contra a hegemonia neoliberal ganhou esforços, mas ainda
não conseguiu formular e fortalecer uma teoria e agenda alternativa.

Eichengreen (2015, p. 315 pp.) descreve de forma resumida as transformações econômicas


mais importantes pós-crise e suas fragilidades nos Estados Unidos e na União Europeia:

Como o governo Roosevelt antes dele, a resposta do governo Obama à crise implicou muito
mais do que apenas o uso de ferramentas fiscais e monetárias. Incluía uma série
impressionante de iniciativas direcionadas a setores específicos, de habitação e veículos a
serviços financeiros. No entanto, poucos destes, no entanto, começaram a abordar, com
ambição ou realização, as iniciativas lançadas no âmbito do New Deal. (...)
Em particular, as tentativas do governo Obama de fornecer aos proprietários de imóveis
residenciais em dificuldades um alívio hipotecário foram uma pálida imitação do que foi
conseguido pela Corporação de Empréstimos dos Proprietários Residentes da década de 1930.
(...) Reforma de Dodd-Frank Wall Street e Proteção ao Consumidor Lei de 2010 não começou a
subir para a ambição da Lei Glass-Steagall de 1933 ou o Securities Exchange Act de 1934 (...). E,
apesar dos resgates, os bancos continuaram sendo um lobby poderoso. Os bancos comunitários
pressionaram contra a legislação para permitir que juízes de falência se intrometessem em suas
carteiras hipotecárias, assim como fizeram lobby contra o seguro de depósito na década de
1930. (...).
A reforma financeira desta vez foi mais limitada. A explicação mais importante, aludida acima,
foi o próprio sucesso dos formuladores de políticas na prevenção do pior. Com base nas lições
da década de 1930, eles evitaram uma calamidade econômica na escala da Grande Depressão
(...). O outro fator que impediu reformas mais fundamentais no estilo da década de 1930 foi o
tamanho e a complexidade do sistema financeiro. A complexidade dos megabancos, como o
Citigroup, o Bank of America e o Wells Fargo, fez com que fosse mais fácil falar sobre seu
desmembramento do que fazer isto, por mais que os proponentes do rompimento afirmassem
o contrário. Não só os grandes bancos ainda estavam em atividade, mas, como resultado dos
casamentos de espingardas presididos pelas autoridades, eles se tornaram ainda maiores (...).
Da mesma forma, a existência de uma ampla variedade de instrumentos derivativos complicou
os esforços para direcionar seus negócios para as câmaras de compensação e para as bolsas de
valores. Embora os títulos facilmente padronizados sobrevivam a tais exigências, outros podem
não sobreviver. Não estavam claros quais eram quais, ou se aqueles que sobreviveram seriam
principalmente os instrumentos usados pelos agricultores para cobrir riscos ou especuladores
para manipulá-los. E os títulos derivativos eram negociados não apenas nos Estados Unidos,
mas internacionalmente. No mundo dos controles dos fluxos de capital da década de 1930, era
possível que as autoridades nacionais procedessem unilateralmente (...).
As demais mudanças focaram no preenchimento das lacunas regulatórias reveladas pela crise.
Dodd-Frank criou um Escritório Federal de Seguros no Tesouro para monitorar a indústria de
seguros e, esperançosamente, impedir futuros AIGs. Ela criou um Escritório de Ratings de
Crédito na SEC para supervisionar as agências de classificação. Exigiu que o Federal Reserve
654

conduzisse testes anuais de estresse das empresas bancárias com US $ 50 bilhões ou mais do
total de ativos. Ampliou o perímetro regulatório exigindo os fundos de hedge para se inscrever
na SEC e revogar a isenção de que gozam os consultores de investimento com menos de quinze
clientes. Embora estes fossem passos úteis, estavam longe de ser revolucionários (...).
A experiência dos anos 1930 sugere que a reforma radical só é possível na esteira de uma crise
excepcional. Na ausência dessa crise, os negócios, como de costume, permanecem na ordem
do dia, e uma reforma radical que ameaça perturbar tais negócios está descartada. Uma crise
excepcional interrompe esse negócio por um tempo. O problema que começou em 2009, se
pode ser chamado de problema, foi que os formuladores de políticas conseguiram, apenas por
pouco, evitar uma crise no estilo da década de 1930. Ainda havia negócios como de costume
para conduzir. A reforma radical que interferiu com as práticas bancárias costumeiras poderia
ser criticada como comprometendo a recuperação, que está sendo levada a cabo lentamente
(...).
Uma segunda implicação foi a perda de solidariedade europeia e danos à União Europeia. Por
mais de cinquenta anos, a UE funcionou como um mecanismo de construção de confiança.
Forneceu um quadro através do qual os países europeus poderiam colaborar pacificamente e
em que a Alemanha poderia flexionar seus músculos econômicos sem intimidar seus vizinhos.
Foi uma forma de os cidadãos de diversos países, falando muitas línguas e com as suas próprias
tradições nacionais, cultivarem uma identidade europeia comum. Como dinheiro
compartilhado, o euro deveria ser a pedra angular desse processo. Como resultado de como a
crise do euro foi tratada a partir de 2009, não foi assim. Em vez de criar solidariedade, a gestão
da crise pela Comissão e pelo BCE abriu um abismo psíquico entre o norte e o sul da Europa. O
jornal alemão Bild escreveu como “os gregos orgulhosos, enganadores e perdulários”
empenhados em explorar o contribuinte alemão responsável deveriam ser expulsos da zona do
euro. A imprensa grega respondeu com uma foto montagem da Coluna da Vitória em Berlim
encimada por uma suástica gigante, e desenterrou a questão há muito tempo enterrada do
fracasso da Alemanha em pagar indenizações pós-Segunda Guerra Mundial. A resposta
tradicional para estas crises foram sempre mais Europa. (...). Se problemas da dívida
implicavam a necessidade para uma união fiscal, e se uma união fiscal criava a necessidade de
uma união politica, a resposta – outra vez – foi mover se em direção a uma união fiscal e
politica. Assim foi (...) em mais de cinquenta anos. Mas agora existe uma falta de confiança nas
instituições e indivíduos que determinam a agenda.

f. Analise empírica dos impactos das crises pós Plano Real sobre o Brasil.
Introdução
Na década de 1990 e durante os anos 2000, a economia global foi o palco de sérias crises
financeiras, primeiro nos mercados emergentes e em 2008/2009 na maior economia do
mundo – os Estados Unidos. Nos tempos da globalização os impactos destas crises são
rapidamente sentidos em todos os países, entre eles, o Brasil. O capítulo baseia se em um
artigo de Moller e Vital (2016) e tenta identificar empiricamente com métodos estatísticos e
econométricos os impactos das crises sobre variáveis escolhidas do lado financeiro e real da
economia brasileira. Todas as crises analisadas tiveram impactos expressivos, embora
diferenciados, sobre a economia brasileira. A crise brasileira de 1998/1999 e a crise financeira
global de 2008/2009 tiveram os impactos mais profundos sobre a economia brasileira. Em
todas as crises o lado financeiro da economia brasileira sentiu os impactos das crises mais
rapidamente e de forma mais expressiva, mas especialmente durante a crise financeira global
655

de 2008/2009 os impactos sobre o lado real da economia brasileira foram expressivos, embora
de curta duração. Mas em comparação com países como Indonésia em 1998, Argentina em
2002 e Grécia em 2012 a economia brasileira sofreu menos em todas as crises, consequência
possivelmente do grande mercado interno, da estabilidade do sistema financeiro e da
diversificação das exportações.

O capítulo tenta identificar empiricamente os impactos das crises internacionais desde a


estabilização macroeconômica da economia brasileira depois do Plano Real e da introdução da
nova moeda real (R$) em julho de 1994. Como os primeiros meses depois da introdução da
nova moeda mostram ainda um clima de incerteza sobre o sucesso do plano e ainda uma taxa
de inflação relativamente elevada, os resultados empíricos referem-se parcialmente ao
período de outubro de 1994 até o ano 2013, parcialmente a análise começa somente em
janeiro de 1995. O referencial teórico para a análise empírica fundamenta-se na teoria
macroeconomia e na teoria das finanças. Para o Brasil é importante diferenciar entre dois
períodos distintos destes dezenove anos: O período de regime de câmbio administrado,
começando depois da crise mexicana em 1995 e terminando com a introdução do regime de
câmbio flutuante em janeiro de 1999 depois de ataques especulativos contra o real com a
perda expressiva de reservas internacionais. Depois de janeiro de 1999 prevaleceu um regime
de câmbio flexível, o banco central fazendo intervenções discricionárias no mercado de câmbio
em períodos de depreciação ou apreciação expressiva da taxa de câmbio R$/US$ (flutuação
suja), mas sem a obrigação de fazer estas intervenções como no sistema de câmbio
administrado.

A diferença entre o período do regime de câmbio administrado e de câmbio flexível é


teoricamente importante, porque num sistema de câmbio flexível o banco central ganha mais
independência para sua politica monetária, porque não há mais necessidade legal de usar a
politica monetária para defender a taxa de câmbio fixada ou administrada como no regime de
câmbio fixo ou administrado. Mas a crise cambial no período antes e pouco depois da eleição
presidencial em 2002 mostrou que também em um regime de câmbio flexível crises cambiais
podem acontecer.

Este capítulo empírico tenta identificar impactos significativos sobre o lado real e financeiro da
economia brasileira no período de 1995 até 2012/2013 usando dados diários para algumas
variáveis financeiras, mas em geral dados mensais ou trimestrais para a maioria das análises.
Crises financeiras e econômicas impactam geralmente mais rápido sobre os mercados
financeiros, os mercados reais reagem normalmente com certa defasagem. Uma primeira
impressão dos impactos das diferentes crises desde 1980 sobre a economia brasileira pode ser
656

visto no gráfico a seguir que mostra a evolução do PIB real brasileiro e do hiato do PIB, dando
uma primeira impressão sobre os impactos das crises sobre produção e com isto também
sobre o emprego, enquanto o gráfico não mostra explicitamente o emprego ou desemprego.

Gráfico 119: Índice PIB trimestral dessazonalizado Brasil e hiato do PIB 1980-2012

Fonte: IBGE, cálculos próprios

Obviamente não é possível analisar todos os impactos econômicos e sociais das crises sobre a
economia brasileira. A análise de variáveis financeiras, com que o trabalho empírico começa
porque os impactos sobre estas variáveis são muitas vezes mais rápido e os impactos reais são
para algumas crises mínimas, incluí o risco país (o spread dos rendimentos efetivos dos títulos
da dívida externa soberana sobre os rendimentos de títulos parecidos do tesouro norte-
americano106), a taxa de câmbio comercial R$/US$, o índice Ibovespa, a taxa básica de juros
SELIC, as reservas internacionais do Brasil, segmentos da balança capital e financeira do Brasil
e outras variáveis. As análises de variáveis da economia real incluem variáveis sobre produção,
desemprego, inflação e a balança comercial entre outras.

Fundamentos teóricos
Os fundamentos teóricos da análise empírica refletem os conhecimentos básicos da
macroeconomia e das finanças internacionais, por exemplo, as três gerações de modelos de
crises cambiais [Krugman 2001, p. X pp.], que enfatizam o esgotamento de reservas
internacionais como impacto dos ataques especulativos numa crise do balanço de pagamentos
(Primeira geração), os custos crescentes para a economia nacional de defender uma paridade
657

original contra ataques especulativos (Segunda geração) e os modelos da terceira geração, que
enfatizam as mudanças das expectativas e o risco moral pelas garantias do governo, gerando
uma entrada de capital externo e uma expansão expressiva de crédito financiando
investimentos excessivamente arriscados levando a uma crise cambial e uma recessão
profunda na ruptura súbita dos fluxos de capital externo, quando os investidores percebem o
risco elevado dos investimentos, bem como as experiências das crises financeiras pós Plano
Real.

Os mercados financeiros são voláteis. Em uma crise a volatilidade das variáveis relacionadas
aos mercados financeiros aumenta normalmente, taxas de câmbio, indicadores do risco país,
índices do mercado de ações, fluxos de investimentos estrangeiros em carteira (ações ou
renda fixa) etc. Obviamente a volatilidade destas variáveis depende também do regime
cambial e da regulamentação dos fluxos de capitais. Num regime de câmbio administrado
(crawling peg), que prevaleceu no Brasil entre março de 1995 e janeiro de 1999 com certos
controles dos movimentos de capitais, a taxa de câmbio é muito menos volátil e segue um
caminho previsível. As crises financeiras refletem se neste regime num aumento da taxa básica
de juros (SELIC), para evitar saídas expressivas de capital do país e aumentar os custos para
ataques especulativos, e numa diminuição das reservas internacionais, quando o banco central
defende a taxa de câmbio com a venda de moeda estrangeira. Como as reservas internacionais
são finitas e os custos econômicos da elevação da taxa básica são altos (tendências recessivas),
em muitos casos uma tentativa prolongada de defender a taxa fixa de câmbio leva ao colapso
do regime de câmbio fixo ou administrado, como em 1992 na Grã-Bretanha, em 1994 no
México, em 1997 no leste asiático, em 1998 na Rússia, em janeiro de 1999 no Brasil e em
dezembro de 2001 na Argentina, entre outros exemplos no ambiente global. Para a análise
empírica os tempos da crise (ou melhor, de seus impactos sobre o Brasil) são definidos da
seguinte forma, obviamente incluindo certo viés arbitrário (através de dummies: ano e mês do
inicio e do fim dos impactos sobre o Brasil):

1994:12 1995:04 Crise mexicana


1997:08 1998:01 Crise no leste asiático
1998:08 1999:03 Crise na Rússia e no Brasil
2001:08 2002:02 Crise na Argentina
2002:06 2003:01 Crise no período antes e depois da eleição presidencial Brasil
2008:09 2009:04 Crise financeira global, oriunda nos Estados Unidos.

A crise de Rússia e a crise de Brasil são reunidas em um único período, porque houve um
contágio rápido da crise russa para o Brasil e a crise de Argentina que eclodiu definitivamente
em dezembro de 2001, já começa aqui em 2001:08, por que desde a desvalorização do real em
658

janeiro 1999 a crise na Argentina se aprofundou e em 2001 os agentes nos mercados


financeiros já antecipavam uma crise mais grave, embora as outras crises não fossem
antecipadas desta forma nas expectativas.

No gráfico a seguir as áreas sombreadas mostram a evolução das variáveis descritas nos
tempos das crises internacionais.

400
Taxa de câmbio R$/US$ (esquerda)
Taxa básica SELIC (% a.m.) (esquerda)
5 Reservas Internacionais (Bilhões US$) (direita) 350

300
4

250

3 200

150

2
100

50
1

0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Gráfico 120 Taxa de câmbio R$/US$, Taxa Selic mensal (% a.m.), Reservas internacionais
brasileiras (Bilhões US$) 1994:8 – 2013:5 (área sombreada: crises internacionais)

Fonte: BCB, Cálculos próprios

Até janeiro de 1999 a taxa de câmbio R$/US$ no regime de câmbio administrado mostra uma
tendência ascendente quase linear (somente depois de março de 1995), depois de janeiro de
1999 há uma desvalorização/depreciação expressiva e a taxa de câmbio torna-se altamente
volátil no regime de câmbio flexível. Em tempos da crise há neste período cada vez uma
depreciação expressiva da taxa e câmbio, reflexo de fuga de capitais e de ataques
especulativos. Embora a taxa de câmbio seja pouco volátil no regime de câmbio administrado,
a taxa básica SELIC mostra aumentos expressivos na crise do México, da Ásia, da Rússia e do
Brasil, enquanto as reservas internacionais mostram quedas expressivas nestas crises (pouco
visível no gráfico, porque a acumulação enorme de reservas internacionais depois de 2006
diminui a visibilidade das mudanças no período anterior. A acumulação expressiva das reservas
659

internacionais foi favorecida pelo ambiente global favorável para exportações brasileiras de
commodities).

Uma variável financeira importante em crises financeiras é o risco país, que tenta avaliar o
risco de crédito (mais especificamente a probabilidade de default de um país sobre sua dívida
soberana) para os investidores estrangeiros que investem no país [Banco Central do Brasil,
2012, p. 7]. Indicadores usados para avaliar o risco país do Brasil são o spread EMBI + Br [O
EMBI+ é o Emerging Markets Bond Index Plus107], o spread dos c-bonds brasileiros, o spread
dos global bonds brasileiros, ou o spread dos credit default swaps (CDS) dos títulos soberanos
brasileiros de dívida externa. Em todos os casos o spread é a diferença (medida em pontos
básicos, onde 100 pontos básicos são equivalentes a um ponto percentual) entre o rendimento
efetivo dos títulos soberanos brasileiros em relação a títulos de prazo equivalente do tesouro
dos Estados Unidos, que são considerados livres de risco [BCB, 2012, p.7.]. Em uma crise a
probabilidade de um default sobre os títulos soberanos está subindo, os investidores tentam
vender estes títulos nos mercados secundários com o impacto da queda dos preços. Com
queda dos preços, o rendimento efetivo dos títulos (para os investidores que compram estes
títulos a preços baixos) está crescendo, conduzindo a um aumento dos spreads sobre os
rendimentos dos títulos do tesouro norte-americano, supondo, para facilitar a argumentação,
que os preços e rendimentos dos títulos de tesouro norte-americano são constantes. Embora
spreads e rendimentos efetivos da dívida soberana brasileira estão subindo em tempos das
crises, o custo dos juros para o Brasil em moeda estrangeira não aumenta (e a maior parte da
dívida externa brasileira foi emitida em moeda estrangeira), somente a rolagem da dívida em
vencimento e a emissão de nova dívida externa torna-se mais cara, implicando a importância
da estrutura temporal da dívida existente.

Quando em uma crise a taxa efetiva de juros para os títulos soberanos está subindo para os
novos investidores que compram a preços baixos, este fato não implica que o peso dos juros
pagos em US$ (ou em outra moeda estrangeira) aumenta, mas o peso dos juros (e das
amortizações) em moeda nacional (R$) aumenta, quando a taxa de câmbio R$/US$ se
desvaloriza/deprecia. O problema é mais sério para o governo, quando a dívida soberana está
muito concentrada em títulos vencendo no futuro próximo, porque a rolagem destes títulos
pode ser feita somente a taxas muito elevadas de juros, possivelmente a custos proibitivos.
Neste caso a única opção é recorrer a empréstimos dos órgãos internacionais (FMI, Banco
Mundial etc.) e dos países centrais - como no caso da crise mexicana, da crise asiática e das
crises do Brasil em 1998 e em 2002 – ou renegociar a dívida com um default sobre a dívida
soberana (como no caso de Rússia em 1998, na Argentina em 2002, e na Grécia em 2012).
660

Obviamente em tempos da crise com expectativas da depreciação da moeda nacional não há


somente uma fuga de capital através da venda dos títulos da dívida soberana, mas também de
outros investimentos no país, em primeiro lugar no mercado de ações e no mercado de títulos
da renda fixa. Neste caso há uma queda dos preços de ações (no Brasil representado aqui pelo
Índice Bovespa) e uma saída de capital (especialmente nos investimentos estrangeiros da
carteira (IEC)). O gráfico a seguir mostra o risco país (medido pelo spread EMBI+BR em pontos
básicos) e o índice Bovespa em tempos de crises internacionais.

Este gráfico mostra em todas as crises um aumento expressivo do risco país Brasil e uma
queda do Ibovespa. Obviamente o tamanho do aumento depende também da situação das
reservas internacionais e da situação macroeconômica do Brasil nos tempos de crise.

80000 2200
Risco País (Spread EMBI+Br pontos básicos) (direita)
Índice BOVESPA (Pontos) (esquerda)
2000
70000 Investimentos estrangeiros da Carteira (esquerda)

1800
60000
1600
50000
1400

40000 1200

30000 1000

800
20000
600
10000
400

0
200

-10000 0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Gráfico 121 Risco país Brasil (spread EMBI+BR pontos básicos), Índice BOVESPA (pontos) e
Investimentos estrangeiros da carteira (IEC) 1994:8 – 2013:5 (áreas sombreadas: crises
internacionais)

Fonte: IPEADATA, cálculos próprios

A crise financeira global de 2008/2009 mostra um aumento relativamente inexpressivo do


risco país Brasil, porque o Brasil tinha nesse período reservas internacionais de cerca 200
bilhões de US$, uma situação muito melhor do que nas crises anteriores, onde o nível das
reservas oscilava entre 30 e 70 bilhões de US$. Também os bancos do Brasil não foram
envolvidos na compra de títulos dos Estados Unidos lastreados por hipotecas como os bancos
661

da Europa e o sistema financeiro apresentava-se muito mais estável do que antes com uma
capitalização muito maior do que nos bancos americanos ou europeus. No gráfico pode se
acompanhar também as quedas do Ibovespa nos tempos da crise, aqui a crise financeira global
de 2008/2009 teve impactos expressivos por causa de saída maciça de investimentos de
carteira neste período, provavelmente para cobrir perdas nos Estados Unidos e na Europa.

O quadro a seguir mostra, seguindo a teoria macroeconômica e das finanças internacionais, o


comportamento previsto pela teoria para as variáveis financeiras analisadas: em um regime de
câmbio fixo (ou administrado) o banco central perde numa crise a opção de uma politica
monetária expansionista orientada em objetivos de crescimento elevado e desemprego baixo
porque a politica monetária precisa defender a taxa de câmbio fixa com venda de moeda
estrangeira (restringindo a base monetária) e pelo aumento da taxa básica para evitar a
desvalorização da moeda nacional [Blanchard, 2011, p. 396 pp.].

Quadro 11 Efeitos prováveis das crises financeiras em diferentes regimes cambiais sobre
variáveis financeiras específicas

Sistema cambial fixo Sistema cambial


Variável
ou administrado flutuante
Risco país – spread EMBI+Br Aumento (+) Aumento (+)
Ibovespa Queda (-) Queda (-)
Reservas internacionais Queda (-) Indefinido (?)
Taxa de câmbio R$/US$ Nenhuma mudança* Aumento (+)
Taxa básica de juros SELIC Aumento (+) Indefinido (?)
Fluxos de investimentos estrangeiros de carteira Queda (-) Queda (-)
* Num regime de câmbio administrado a taxa de câmbio é ajustada de forma previsível.
Fonte: O autor

Obviamente o quadro suponha que em uma crise financeira a taxa de câmbio fixa (ou
administrada) pode ser defendida pelo banco central do país através do aumento da taxa
básica de juros (+) e da venda de moeda estrangeira de suas reservas internacionais (-),
empiricamente o esgotamento das reservas internacionais e a falta de créditos internacionais
podem levar a um colapso do regime de câmbio fixo com depreciação expressiva a seguir, ou a
uma desvalorização expressiva da taxa de câmbio sob o regime de câmbio administrado. A
última opção foi tentada pelo governo brasileiro na crise de janeiro de 1999 com
desvalorização e uma banda cambial maior, mas a desvalorização foi muito pequena e a
pressão no mercado cambial ficou elevada e o vazamento das reservas internacionais
continuou levando depois de dois dias para o colapso do regime de câmbio administrado e a
mudança para um sistema de câmbio flutuante. Num regime de câmbio flutuante o banco
central não é mais obrigado a intervir no mercado cambial através do aumento da taxa básica
e da venda de moeda estrangeira, mas ainda tem a opção de intervir para evitar os efeitos
662

adversos de uma depreciação excessiva da taxa de câmbio (flutuação suja). A consequência foi
uma depreciação expressiva em janeiro 1999 depois do colapso do regime cambial. Como
pode ser visto na argumentação anterior, também os efeitos indefinidos sobre reservas e a
taxa básica num sistema de câmbio flutuante somente mostram que o banco central pode,
mas não é obrigado de usar a taxa básica (+) e a venda de moeda estrangeira (reservas (-))
para diminuir os efeitos da crise.

Em 2002/2003 houve um aumento tardio da meta da taxa básica SELIC, começando somente
em outubro de 2002 de 18% a.a. para 21% a.a., 22% a.a. em novembro, e 25% a.a. no final de
2002 (BCB, Relatório 2002, p. 14), embora a taxa de câmbio já ultrapassasse o patamar de
3R$/US$ e o risco país chegasse a 2390 pontos básicos ao final de julho (BCB, Relatório 2002,
p. 13). O Banco Central do Brasil argumenta no relatório de 2002 (p. 13) “no período julho-
agosto, a cotação do dólar futuro manteve-se próxima ou abaixo do preço à vista, sinalizando a
expectativa do mercado quanto à transitoriedade da depreciação do real”. O Banco Central
tentou neste período de alta tensão no mercado cambial aumentos dos depósitos
compulsórios para diminuir a exposição dos bancos em moeda estrangeira, mas as medidas
não foram suficientes para evitar uma depreciação ainda mais expressiva. Para diminuir a
pressão inflacionária da depreciação do real aconteciam os aumentos tardios da meta da taxa
Selic.

Mas na crise financeira global em 2009 houve uma reversão da politica restritiva do Banco
Central, embora ainda em 2008 houvesse aumentos significativos fechando o ano em 13,75%
a.a. para a taxa SELIC, com a justificativa da dinâmica inflacionária neste ano (BCB, Relatório
2008, p. 44). A reversão na crise mostrou a meta da taxa básica caindo em 500 pontos básicos
em 2009 chegando em 8,75% a.a. no fim de ano (BCB, Relatório 2009, p. 12). A tentativa de
evitar uma recessão mais profunda com uma politica monetária mais expansionista em um
ambiente de depreciação da taxa de câmbio foi possível com a acumulação de reservas
internacionais de cerca de 200 bilhões US$, embora houvesse críticas sobre a mudança tardia
da politica monetária.

A tabela a seguir mostra que os resultados empíricos das correlações das taxas de crescimento
contínuo das variáveis discutidas no quadro acima, corroborando parcialmente os resultados
teóricos esperados. Os coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das
variáveis mostram os sinais esperados da análise teórica para o período de regime de câmbio
administrado (1994:10 – 1998:12) e para o período de regime de câmbio flutuante (1999:01 –
2013:05). Os coeficientes de correlação para a taxa de câmbio com as outras variáveis são
perto de zero e não significativos ao nível de significância de 0,05 (valor crítico de 0,276) no
663

regime de câmbio administrado. No regime de câmbio flutuante os coeficientes de correlação


para a taxa de câmbio são significativos (valor crítico de 0,15) e com o sinal esperado (positivo
para SELIC e risco país, negativo para IBOVESPA e as reservas internacionais).

Tabela 140 Coeficientes de correlação das taxas de crescimento contínuo das variáveis
financeiras no regime de câmbio administrado e de câmbio flutuante

Taxa Câmbio Spread


SELIC IBOVESPA RESERV.INT.
R$/US$ EMBI+Br
Taxa câmbio R$/US$ - câmbio
1,00 0,09 0,19 -0,04 -0,11
administrado
Taxa câmbio R$/US$ -câmbio
1,00 0,22 0,60 -0,45 -0,29
flutuante
Taxa básica SELIC (% a.a.) – câmbio
1,00 0,42 -0,42 -0,47
administrado
Taxa básica SELIC (% a.a.) – câmbio Flutuante 1,00 0,08 -0,06 -0,11
Risco País spread EMBI+Br – câmbio administrado 1,00 -0,87 -0,43
Risco País spread EMBI+Br – câmbio flutuante 1,00 -0,75 -0,16
IBOVESPA – câmbio administrado 1,00 0,41
IBOVESPA – câmbio flutuante 1,00 0,18
Fontes: BCB, IPEADATA, Cálculos próprios

Para a taxa básica SELIC os coeficientes no regime de câmbio administrado são com os sinais
esperados e significativos, enquanto no regime de câmbio flutuante eles são não significativos,
mas com os sinais esperados, porque a politica monetária pode se orientar em objetivos
internos em vez de objetivos externos como no regime de câmbio administrado.

Para o risco país e para o IBOVESPA os resultados corroboram as expectativas do quadro


acima. Os coeficientes de correlação mostram os sinais esperados e são significativos, mas no
regime de câmbio flutuante estas variáveis mostram valores pouco expressivos com as
reservas internacionais, porque neste regime o banco central pode, mas não precisa intervir
no mercado cambial através de venda de moeda estrangeira nas crises.

Para as variáveis reais analisadas (produção industrial em diferentes segmentos, exportações


brasileiras e taxa de desemprego) as expectativas dos impactos de crise são uma queda da
atividade econômica e industrial, queda das exportações – consequência da queda da
atividade econômica em outros países numa crise internacional – e um aumento da taxa de
desemprego. Esta expectativa baseia-se na análise dos canais de transmissão das crises
internacionais para a economia nacional, o canal real, o canal monetário e o canal das
expectativas. Numa crise internacional provavelmente há uma queda da demanda global e da
atividade econômica e uma queda das exportações e um aumento da taxa de desemprego. No
lado monetário pode haver uma queda da entrada de capitais estrangeiros e de crédito que
também poder implicar queda da atividade econômica e das exportações. Em uma economia
664

internacional globalizada uma crise também afeta negativamente as expectativas dos agentes
econômicos com consequências negativas sobre atividade econômica e exportações.

O gráfico a seguir mostra diferentes índices da taxa de inflação IPCA no período entre 1995 e
2013. Como foram escolhidos índices de 12 meses (que mostram a inflação acumulada em 12
meses, que são menos voláteis do que as taxas mensais, mas ainda trazem a memória da
inflação dos meses anteriores), o período até a crise 1998/1999 é tendencialmente
caracterizado pela estabilização e diminuição da taxa de inflação. No gráfico entram o índice
IPCA total, para bens comerciaveis, para preços monitorados e para o núcleo de inflação.

0,4
IPCAv12
IPCAComv12
IPCAMonv12
IPCANucv12
0,35

0,3

0,25

0,2

0,15

0,1

0,05

0
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Gráfico 122 Taxa de inflação (12 meses %) IPCA, IPCA comerciáveis, IPCA monitorados, IPCA
Núcleo 1995 -2013

Fonte: BCB

O gráfico mostra que até 1998 a taxa de inflação IPCA teve uma tendência geral de queda, por
esta razão nas análises seguintes para a taxa de inflação somente o período desde 1998 é
considerado. A taxa de inflação sobe expressivamente depois da crise 1998/1999 e depois da
crise 2002/2003, impacto em primeiro lugar da expressiva depreciação do câmbio, repassada
para os preços internos. Na crise de 2008/2009 a inflação antecipa a crise e já começa recuar
no auge da crise, impacto da expressiva ascensão dos preços de commodties antes da crise, no
665

Brasil sentido pela ascensão dos preços de alimentação, enquanto o disparo dos preços de
petróleo no ambiente global não foi repassado no Brasil, os preços de gasolina fazem parte
dos preços monitorados pelo governo.

Resultados empíricos da estatística e econometria descritiva

As variáveis financeiras analisadas neste capítulo são o risco país (medido pelo spread
EMBI+Br), o índice BOVESPA, a taxa de câmbio R$/US$, a taxa básica de juros SELIC (% a.a. ou
a.m.), as reservas internacionais do Brasil, e os fluxos de investimento estrangeiro direto, e de
carteira, incluindo segmentos de ações e da renda fixa. Algumas destas variáveis existem com
frequência diária, a maioria pelo menos com frequência mensal. Fonte dos dados é o Banco
Central do Brasil e a IPEADATA. O período é de outubro de 1994 até maio de 2013,
diferenciando-se seguindo regimes cambiais diferentes: câmbio administrado de 1994:10 até
1998:12 e de câmbio flutuante de 1999:01 até 2013:05.

As varáveis do lado real da economia que entram na análise são a produção industrial em
diferentes segmentos, as exportações e a taxa de desemprego. Pesquisas do ciclo conjuntural
(por exemplo, Tichy p. p. 81, Zarnowitz, p. 95 pp., Schumpeter, p. 83 pp.) mostram que
indústrias que produzem bens de investimento ou bens de consumo duráveis (por exemplo,
automóveis) são mais sensíveis (voláteis) no ciclo conjuntural e nas crises, a explicação é que
investimentos e compras de bens de consumo duráveis podem ser adiados, embora muitas
vezes a compra de bens de consumo não duráveis não. Por esta razão a análise trata também a
produção industrial de bens de capital e de bens de consumo duráveis, bem como a produção
de automóveis. Na análise das variáveis do lado real da economia é importante considerar que
o olhar do artigo sobre os impactos das crises financeiras não reflete os impactos dos choques
internos sobre essas variáveis, que podem ser consideráveis. Esta limitação da análise refere-
se também a algumas variáveis financeiras, por exemplo, o Ibovespa.

Tabela 141 Estatísticas descritivas de variáveis financeiras escolhidas no período de regimes de


câmbio administrado (1994:10 – 1998:12) e flutuante (1999:01 -2013:05)

Regime Câmbio administrado Regime Câmbio flutuante


Desvio Desvio
Variável Média Mínimo Máximo C.V. Média Mínimo Máximo C.V.
Padrão Padrão
Taxa de câmbio
1,03 0,84 1,20 0,10 0,10 2,19 1,50 3,81 0,50 0,23
R$/US$
Taxa básica SELIC (%
35,81 19,04 85,47 15,55 0,43 15,39 7,11 43,26 5,84 0,38
a.a.)
Risco país spread
767 371 1.450 299,45 0,39 519 146 2.039 405,21 0,78
EMBI+Br
Índice Bovespa
7.188 2.942 12.712 2.878 0,40 36.674 7.002 71.214 21.304 0,58
(pontos)
Reservas
53,5 31,9 74,7 10,7 0,20 141,7 28,3 378,7 121,4 0,86
internacionais
666

(Bilhões US$)
Fontes: BCB, Ipeadata. Cálculos próprios

A tabela acima mostra que no regime de câmbio administrado a taxa de câmbio flutua pouco
em relação ao regime de câmbio flutuante, o coeficiente de variação aumenta de 0,1 para 0,23
é o máximo da taxa de câmbio é alcançado no período pré-eleitoral de 2002 com uma taxa
média mensal de 3,81 R$/US$. Ela mostra também que a taxa básica SELIC e também as
reservas internacionais são usadas no regime de câmbio administrado para defender a taxa de
câmbio, amplitude, média e desvio padrão da taxa SELIC são maiores no regime de câmbio
administrado do que no regime de câmbio flutuante. Nas reservas parece ser o contrário, mas
somente porque no regime de câmbio flutuante a partir de 2006 o Brasil começou a acumular
expressivamente reservas internacionais (intervenções de compra no mercado cambial),
aproveitando a conjuntura global favorável dos preços e da demanda global para commodities
brasileiras antes da crise financeira global de 2008/2009 criando uma reserva de emergência
para tempos adversos, por esta razão o risco país na crise global de 2008/2009 não aumentava
tanto e a taxa de câmbio não se se depreciava tanto como na crise pré-eleitoral de 2002. O
Índice Bovespa mostrou uma maior volatilidade no tempo de regime cambial flutuante porque
antes da crise financeira global subiu expressivamente acima de 70.000 pontos, enquanto
houve uma queda de cerca 50% para 35.000 pontos no mês de novembro de 2008.

Para uma analise mais profunda dos impactos das crises internacionais depois do Plano Real
sobre o Brasil foram analisadas as variáveis financeiras descritas em um modelo econométrico
simples, relacionando o crescimento contínuo das variáveis (ln(yt/yt-1) com as variáveis dummy
que representam as crises, como pode ser visto na equação (1) a seguir. O modelo foi
especificado da seguinte forma:

𝑦𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1 𝑟𝑡 + 𝛽2 𝑠𝑡 +𝛽3 𝑢 + 𝛽4 𝑣𝑡 + 𝛽5 𝑤𝑡 + 𝛽6 𝑧𝑡 + 𝜀𝑡 (1)
t - Período (mês)
yt - Variável dependente (taxa de crescimento contínuo da variável financeira)
rt - Crise mexicana (dummy = 1 para 1994:12 1995:04, 0 para outros períodos )
st - Crise asiática (dummy = 1 para 1997:08 1998:01, 0 para outros períodos )
ut - Crise Rússia e Brasil (dummy = 1 para 1998:08 1999:03, 0 para outros períodos )
vt - Crise Argentina (dummy = 1 para 1994:12 1995:04, 0 para outros períodos )
wt - Crise pré-eleitoral Brasil (dummy = 1 2002:06 2003:01, 0 para outros períodos)
zt - Crise global (dummy = 1 2008:09 2009:04, 0 para outros períodos)
βi - Parâmetros
et - Erro estocástico

O modelo identifica de forma simples se há uma taxa média negativa de crescimento nas crises
relativamente ao período sem crise, provavelmente para a variável Ibovespa e para as reservas
internacionais, ou se há um crescimento médio positivo da variável, provavelmente nas
variáveis taxa de câmbio, taxa básica SELIC e do spread EMBI+Br nos períodos de crises,
667

mostrando também desvios significativos nos níveis de significância 0,1 (*), 0,05 (**) ou 0,01
(***) da taxa média de crescimento contínuo da variável em relação aos períodos sem crises,
representada pela constante (tabela a seguir).

Tabela 142 Taxa de crescimento contínuo de variáveis financeiras e crises internacionais


representadas por dummies

Taxa de
Spread Taxa Reservas
câmbio IBOVESPA
EMBI+Br SELIC Internacionais
R$/US$
-0,021
Constante -0,002 -0,021** 0,018*** 0,017***
***
Crise mexicana 1994:12 1995:04 0,017 0,107** 0,075* -0,087** -0,072***
Crise asiática 1997:08 1998:01 0,008 0,092* 0,133*** -0,064* -0,039
Crise Rússia e Brasil 1998:08 1999:03 0,063*** 0,107** 0,116*** -0,023 -0,109***
Crise Argentina 2001:08 2002:02 -0,001 0,005 0,025 -0,026 -0,016
Crise pré-eleitoral Brasil 2002:06 2003:01 0,043*** 0,064 0,060* -0,029 0,003
Crise global 2008:09 2009:04 0,041*** 0,081* 0,002 -0,044 -0,027
Obs: significativo ao nível de 0,1 *, 0,05 **, 0,01 ***
Fontes: BCB, IPEADATA, Cálculos próprios

Para a taxa de câmbio R$/US$ houve um aumento significativo da taxa contínua de


depreciação, como previsto pela teoria econômica, na crise de Rússia de do Brasil em
1998/1999, na crise do Brasil no período pré-eleitoral de 2002, e na crise financeira global de
2008/2009. Uma exceção foi a crise de Argentina, mas por um valor pequeno não significativo.
A crise mexicana e a crise asiática não puderam entrar na avaliação desta variável, porque
todo período destas crises foi dentro do regime de câmbio administrado (crawling peg) com
um aumento previsível da taxa de câmbio.

Para o risco país houve um aumento da taxa de crescimento do spread EMBI+Br em todas as
crises, significativamente na crise asiática e na crise de Rússia e Brasil em 1998/1999 (***) e na
crise financeira global (*). O modelo mostra o crescimento contínuo do spread na crise pré-
eleitoral de 2002 como não significativo, enquanto o EMBI+BR chegou para seu valor mais alto
de mais de 2.000 pontos básicos em outubro de 2002. Usando como variável do risco país uma
combinação dos spreads dos c-bonds e global bonds do Brasil no período da crise pré-eleitoral
um aumento significativo (**) aparece. Também uma pequena mudança no período da crise
pré-eleitoral (de maio 2002 até novembro 2002) faz a dummy desta crise significativo ao nível
0,01 e também da crise global (0,1). Certa fragilidade e arbitrariedade deste método simples
ficam obvias, um método mais refinado encontra se depois.

Para a taxa básica SELIC houve aumento médio da taxa de crescimento contínuo em todas as
crises, significativo na crise mexicana (*), nas crises do leste asiático e de Rússia e do Brasil
(***) e na crise pré-eleitoral em 2002 (*). Isto mostra que a taxa básica necessariamente
precisa ser usada em conjunto com a venda de moeda estrangeira (queda das reservas
668

internacionais) numa crise dentro de um regime de câmbio administrado, enquanto no regime


de câmbio flutuante a politica monetária torna-se mais independente do ambiente externo e
pode se concentrar nos problemas domésticos, como mostra a queda da taxa SELIC em 2009.

Para o Ibovespa houve quedas da taxa de crescimento em todas as crises, significativas


somente na crise mexicana (**) e na crise asiática (*), consequência de saída de capital do país
relativo ao investimento estrangeiro da carteira segmento ações e uma mudança das
expectativas dos investidores nacionais.

Para as reservas internacionais houve uma queda da taxa de crescimento em todas as crises,
com exceção da crise pré-eleitoral em 2002, onde esse crescimento foi positivo, pequeno, mas
não significativo. As mudanças foram significativas nas crises de México em 1994/1995 (***) e
especialmente na crise da Rússia e do Brasil em 1998/1999 (***).

A tabela a seguir mostra as estatísticas descritivas para as variáveis: investimento estrangeiro


direto, de carteira (ações e renda fixa) e outros investimentos estrangeiros (OIE) no período de
1995:01- 2013:05. Nesta conta OIE entram também os empréstimos da autoridade monetária
(em primeiro lugar créditos do FMI e suas amortizações). Como os empréstimos e
financiamentos da autoridade monetária e a amortização dos créditos refletem decisões de
politicas econômicas autônomas por parte do governo e do banco central, eles precisam ser
retirados da variável OIE e a nova variável é chamada IE Outros sem autoridade monetária.

Tabela 143 Estatísticas descritivas das variáveis: Investimento estrangeiro direto, de carteira
(ações e renda fixa) e outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária 1995:01 –
2013:05
Variável Média Mínimo Máximo Desvio Padrão C.V.
IED direto 2.418,62 -22,15 15.374,30 2.055,31 0,85
IE Carteira 1.358,21 -7.488,31 18.298,40 3.093,51 2,28
IEC Ações 734,76 -6.065,19 14.536,10 1.958,50 2,67
IEC Títulos Renda Fixa 615,16 -5.246,22 7.214,02 1.759,23 2,86
IE Outros sem Auto. Monet. 835,86 -10.553,00 13.199,00 3.000,90 3,59
Fontes: BCB, Cálculos próprios

Essa tabela mostra a alta volatilidade das variáveis: investimento estrangeiro em carteira
(ações e títulos da renda fixa) e IE Outros sem autoridade monetária, com a última variável
mostrando o CV maior (3,59), em relação aos investimentos estrangeiros diretos.

Os impactos das crises internacionais são referidos na tabela a seguir, fazendo uma análise
econométrica descritiva, como descrita acima na equação (1).

Tabela 144: Investimento estrangeiro direto, de carteira (ações e renda fixa) e outros IE
específicos e crises internacionais representadas por dummies

Investimento Investimento IEC Ações IEC Renda Fixa Outros IE sem


669

estrangeiro estrangeiro de Autoridade


direto carteira Monetária
Constante 2.494,5*** 1.913,4*** 997,1*** 911,2*** 1283,36***
Crise mexicana -2.318,0** -2.836,9* -1.601,5* -1.094,60 -308,367
Crise asiática -742,7 -1.824,40 -1002,7 -1.018,10 -951,793
Crise Rússia e Brasil 417,1 -3.422,6*** -1.583,6** -1.727,9*** -4783,02***
Crise Argentina -723,3 -2.079,3* -960,8 -1.084,1* -1750,22
Crise pré-eleitoral Brasil -1.321,5* -2.802,6*** -1.023,50 -1.747,7*** -2438,94**
Crise global 1.154,80 -4.507,9*** -2.247,7*** -2.443,5*** -2740,76***
Obs: Significativo ao nível de 0,1 *, 0,05 **, 0,01 ***
Fontes: BCB, IPEADATA, Cálculos próprios

Neste caso a constante mostra o valor médio da variável no período não crise (nenhuma
dummy igual a um), todas variáveis mostram valores positivos significativos para a constante
(***), quer dizer influxos de capital nos tempos sem crise. Para todas as variáveis as crises
mostram saídas de capital, com exceção dos IED na crise de Rússia e do Brasil em 1998/1999,
mas como já explicado os IED parecem seguir uma logica diferente. Os investimentos
estrangeiros em carteira mostram saídas de capital significativas (***) nas crises de Rússia e
Brasil 1998/99 e na crise pré-eleitoral de 2002 (menos as ações) e na crise global de
2008/2009. Os outros investimentos estrangeiros sem autoridade monetária mostram saídas
significativas (***) de capital nas crises de 1998/1999, na crise de 2002/2003 (**) e na crise
financeira global (***), mas em todas as crises investimentos de carteira e os IE outros
mostram saídas expressivas, importante de enfatizar.

A tabela a seguir mostra os resultados da regressão descritiva das taxas de crescimento


contínuo das variáveis do lado real da economia analisadas sobre as variáveis dummy
representando as crises.

Tabela 145: Taxa de crescimento contínuo de variáveis do lado real da economia brasileira e as
crises internacionais representadas por dummies

Crise Crise Crise


Crise Crise Crise
Rússia pré- financeira
Constante mexicana asiática Argentina
Brasil eleitoral global
1994/5 1997 2001/2
1998/9 2002 2008/9
Produção industrial 0,004** -0,035*** -0,008 -0,007 0,000 -0,005 -0,022***
Produção Transformação 0,003* 0,001 -0,007 -0,011 -0,002 -0,001 -0,020***
Produção Bens de Capital 0,006* 0,003 -0,008 -0,028* -0,020 -0,010 -0,049***
Produção Consumo Duráveis 0,0060 0,013 -0,054** -0,031 0,003 0,001 -0,029
Produção Automóveis 0,0120 -0,024 -0,077 -0,020 -0,042 -0,021 -0,032
Exportações Valor 0,012* -0,038 -0,019 -0,029 -0,023 0,024 -0,052*
Exportações Volume 0,0050 -0,049 -0,009 -0,007 -0,009 0,028 -0,005
Taxa de desemprego* -0,006** -0,004 0,039*** 0,034*** 0,003 0,007 0,020
Fontes: IPEADATA, IBGE
A taxa de desemprego (IBGE) foi corrigida para o período antes de 2002 para refletir a mudança da metodologia

Essa tabela mostra as quedas esperadas da variação contínua das variáveis da produção com
algumas exceções (especialmente na crise mexicana), mas na sua maioria não significativas,
com exceção da crise financeira global dos anos 2008/2009 onde eles são significativos,
670

embora não significativos para os bens de consumo duráveis e de automóveis. É importante


enfatizar na interpretação dos resultados que na crise financeira global de 2008/2009 houve
cortes nos impostos (IPI) sobre automóveis e produtos da linha branca, que podem ter
diminuído os efeitos recessivos sobre a indústria nestes ramos (e com isto fazendo os
coeficientes negativos não significativos). Também é importante enfatizar que os resultados
refletem somente os impactos das crises e não podem refletir os impactos internos dos ciclos
conjunturais. A taxa de desemprego mostra aumentos da variação contínua em todas as crises
(com exceção da crise de México) – como esperadas -, mas significativos somente na crise
asiática de 1997 e na crise da Rússia e do Brasil em 1998/98, mas estes efeitos podem refletir
também mudanças estruturais no mercado de trabalho brasileiro na década de 1990. As
exportações em valor e volume mostram taxas de crescimento contínuo negativas em todas as
crises (com exceção da crise 2002/2003), uma taxa significativa (*) somente para o valor das
exportações na crise financeira global. O fato de que as variáveis reais reagem com certa
defasagem na crise pode projetar um modelo diferente com as variáveis defasadas, este
modelo encontra-se depois no modelo mais refinado.

A taxa de inflação IPCA (sua taxa de crescimento continuo) em suas diferentes formas é
analisada na tabela a seguir, onde o fato de que a resposta da inflação a crise (somente para o
regime de câmbio flutuante onde há um possível repasse cambial para a taxa da inflação, -
uma depreciação encarece bens e serviços importados em moeda nacional, embora
normalmente tendências recessivas nas crises impactam em uma queda da taxa de inflação) é
defasada foi refletida através da defasagem das dummies das crises em três meses.

Tabela 146 Taxa de crescimento contínuo de variáveis da inflação IPCA da economia brasileira
e as crises internacionais representadas por dummies (defasadas em três meses) 1998:08 –
2013:06

Crise
Crise Rússia Brasil Crise Argentina Crise pré-eleitoral financeira
Constante
1998/9 2001/2 2002 global
2008/9
IPCA −0,0015 0,061** 0,012 0,102*** -−0,042
IPCA comeriaveis −0,004 0,143* 0,051 0,124* −0,076
IPCA monitorados 0,547*** 0,688** 0,124 1,422*** −0,164
IPCA núcleo 0,000 0,005 0,022 0,057*** −0,011
Fonte BCB, cálculos próprios

A tabela mostra que especialmente a crise de Rússia e Brasil em 1998/1998 e a crise pré-
elitoral 2002 mostram coeficientes com sinais positivos (ascensão da taxa de inflação)
significativos em diferentes níveis de significância, a crise de Argentina mostra também
coeficientes com sinais positivos, mas não significativos. Somente a crise financeira global
mostra coeficientes com sinais negativos, mas não significativos. A causa deste fato é que a
671

depreciação do câmbio foi menor e o disparo dos preços de commodities no âmbito global
antes da crise já foi fortemente revertido na crise. As tendências recessivas na economia real
também deixavam seus rastros na taxa de inflação.

Especificação de um modelo econométrico e estimação dos impactos das crises para


variáveis financeiras e reais selecionadas
O problema das estimações dos impactos das crises baseadas em variáveis dummy, como no
capítulo anterior, está na certa arbitrariedade com que o período do impacto da crise sobre o
Brasil representado pelo dummy é definido. Em segundo lugar a suposição implícita de que
todas as crises impactam de forma igual está também uma fraqueza do modelo no capítulo
anterior. Por esta razão é importante definir uma variável quantitativa, que reflete as pressões
especulativas sobre a economia brasileira em tempos de crise através de um índice
quantitativo. Sy (2004), Kräussel (2004) e Frenkel e Fendel (2004) usam como variáveis para
um índice de pressão no mercado de câmbio as mudanças das variáveis da taxa de câmbio, da
taxa de juros de curto prazo, das reservas internacionais e do índice do mercado de ações para
a construção do índice. O índice aumenta quando a pressão especulativa nos mercados
financeiros aumenta e cai quando a pressão diminui.

k
IPE t =  wi X i ,t (2) onde:
i =1
IPEt Índice de Pressão Especulativa no período t
wi peso da variável i
Xi,t Valor da variável xi incluída no IPE no período t.

Para o índice de pressão especulativa (IPE) no Brasil entram como variáveis possíveis com seus
sinais em parênteses: Spread EMBI+Br (+); Taxa de Câmbio R$/US$ (+ no sistema de câmbio
flutuante); Índice Bovespa (-); Reservas Internacionais (- no sistema de câmbio administrado);
Taxa básica de juros SELIC (+ no sistema de câmbio administrado).

A variável para medir o risco país, o spread dos rendimentos de títulos da dívida externa
brasileira sobre o rendimento dos títulos do tesouro norte-americano, seja o spread EMBI+Br,
ou de forma mais simples o EMBI+Br. Esta variável é determinada pelas expectativas dos
agentes nos mercados sobre um possível default sobre a dívida externa soberana brasileira. A
taxa de câmbio R$/US$ é uma variável da politica no sistema de câmbio administrado, que não
pode ser incluído no IPE, e uma variável do mercado no regime de câmbio flutuante, que
precisa ser incluída no IPE O índice Bovespa representa as expectativas dos agentes nos
mercados sobre a lucratividade futura das empresas brasileiras incluídas neste índice (com
672

sinal negativo, para uma queda na crise pode representar um aumento do IPE). As reservas
internacionais do Brasil entram somente no período de regime de câmbio administrado para o
IPE, porque somente aqui existe a necessidade para o banco central de usar as reservas
internacionais para defender a taxa de câmbio (também com um sinal negativo), enquanto no
regime de câmbio flutuante não há essa necessidade. A taxa básica de juros SELIC é
necessariamente usada para defender a taxa de câmbio somente no regime de câmbio
administrado, mas pode ser usada também no regime de câmbio flutuante.

Para refletir melhor a volatilidade das variáveis e abstraindo de seus níveis de medida muito
diferentes foram inicialmente calculadas as taxas de crescimento contínuo das variáveis taxa
de câmbio (somente entra no período do regime de câmbio flutuante), risco país, Ibovespa,
das reservas internacionais e da taxa básica de juros SELIC (as duas últimas entram somente no
período de câmbio administrado) ponderada pela volatilidade relativa de cada variável
(medida pelo coeficiente de variação) e depois calculada a soma (Ibovespa e Reservas
internacionais com sinal negativo, porque apresentam quedas nas crises) para chegar à
variação do IPE. Com um valor primeiro arbitrário de 0,4 e acrescentando as variações do IPE
consegue-se calcular um índice da pressão especulativa nos mercados financeiros do país,
conforme apresentado no gráfico a seguir, tendo aumentos expressivos nas crises
apresentadas pelas áreas sombreadas.

0,5
Índice de Pressão Especulativa (IPE)
Primeira Diferença LN(IPE)

0,4

0,3

0,2

0,1

-0,1
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Gráfico 123 Índice da pressão especulativa (IPE) nos mercados financeiros brasileiro 1994:10 –
2013:05 e sua Primeira Diferença de ln(IPE) (áreas sombreadas períodos de crise)
673

Fontes: BCB, IPEDATA, cálculos próprios

Este índice abre a possibilidade de ter uma variável quantitativa independente nos modelos
econométricos utilizados para descrever o impacto quantitativo das crises. Para evitar os
problemas de regressão espúria com variáveis não estacionárias foi feito um teste ADF para
todas as variáveis representadas nos modelos seguintes (O teste ADF testa a hipótese nula de
não estacionariedade das variáveis, uma rejeição da hipótese nula (p < 0,1) mostra a
estacionariedade da variável).

As variáveis em níveis estão todas não estacionárias (com exceção das variáveis dos fluxos de
capitais estrangeiros nos segmentos ações, renda fixa e outros que são estacionárias) as
diferenças dos logaritmos das variáveis são estacionárias. Nas variáveis não estacionárias é
necessário fazer um teste de cointegração de Johansen [Brooks, 2002, p. 403 pp.] com a
variável IPE para evitar o problema de regressões espúrias. As variáveis em níveis são
cointegradas com a variável IPE (defasagens = 4), por esta razão é possível fazer regressões
com o método de mínimos quadrados evitando os problemas de regressão espúria.

A tabela a seguir mostra os resultados para as regressões das variáveis (dessazonalizados) do


lado real da economia e a tabela depois dos fluxos de capital estrangeiro (as variáveis que
entram no cálculo do IPE obviamente não podem ser usadas como variáveis dependentes
nesta análise) sobre o índice de pressão especulativa e seus valores defasados (o IPE refletindo
quantitativamente as crises) excluindo defasagens não significativas pelo menos ao nível de
significância 0,1. Na regressão entra também a variável endógena defasada para captar
impactos do ciclo conjuntural interno sobre a variável. O modelo torna-se com isto dinâmico e
o teste Breusch-Godfrey [Brooks, 2002, p. 164 pp.] precisa ser usado para testar a presença de
autocorrelação (hipótese nula: sem autocorrelação). Para as equações que mostram
autocorrelação foram usados erros padrão robustos HAC.

Tabela 147 Resultados das regressões das variáveis do lado real da economia sobre o IPE e
seus valores defasados

Variável R
Constante IPE IPE(-2) endógena Quadrado Autocorrelação
defasada ajustado
Produção Industrial 8,75*** - -9,54** 0,95*** 0,98 0,88
Produção Transformação 15,85*** -16,83*** - 0,90*** 0,98 0,87
Produção Bens de Capital 21,129*** -38,52*** - 0,92*** 0,98 0,25
Produção Cons. Duráveis 36,90*** -59,72*** - 0,85*** 0,95 0,16
Produção Automóveis 100.623*** -184.176*** - 0,69*** 0,86 <0,01***
Exportações Valor 1.790*** -4195*** - 0,95*** 0,98 <0,01***
Exportações Volume 11,02*** -18,11** - 0,93*** 0,98 <0,01***
Taxa de desemprego -0,03 0,62 - 0,98 0,98 0,75
Fontes: IPEADATA, IBGE
674

Os resultados mostram resultados esperados para a produção e exportações, sinais negativos


(em tempos da crise aumenta o IPE e cai a produção e as exportações) e coeficientes
significativos. Em alguns casos o coeficiente da variável endógena defasada é muito perto de
um (1), parecendo implicar um caminho aleatório para a variável endógena, mas os testes dos
coeficientes nestes casos (hipótese nula: coeficiente igual a um) não mostram resultados
significativos. A taxa de desemprego mostra um sinal positivo com o IPE, como esperado, mas
o coeficiente não é significativo. A introdução de valores defasados do IPE no modelo não
melhoram o resultado.

A tabela a seguir mostra os resultados das regressões dos fluxos de capitais estrangeiros sobre
a taxa de crescimento contínuo de IPE e a variável endógena defasada Em vez do IPE (nível)
foram usadas taxas de crescimento contínuo do IPE (ln(IPE)), porque com isto podem ser
feitas regressões com variáveis estacionárias.

Tabela 148: Resultados das regressões dos investimentos estrangeiros sobre as taxas de
crescimento contínuo do IPE (com erros padrão robustos HAC)

Variável R
Auto
Constante ln(IPE)), ln(IPE(-1)) endógena Quadrado
correlação
defasada ajustado
IE Carteira 763,4*** -24.824,0*** - 0,40*** 0,28 <0,01***
IEC Ações 521,0*** -16.188,3*** - 0,24*** 0,19 <0,01***
IEC Renda Fixa 384,7*** -6.635,4*** -8.014,4*** 0,32*** 0,19 0,09*
OIE sem Autor. Monetária 496,3*** -6.965,2 0,37*** 0,15 0,05*
Fontes: IPEADATA, BCB, cálculos próprios

Os resultados mostram os sinais esperados negativos para os coeficientes de Δln(IPE),


(Nas crises há saída de capitais estrangeiros) e altamente significativos (com exceção dos OIE
sem autoridade monetária) sempre usando erros padrão robustos HAC. Os erros padrão
robustos são necessários porque em todos os casos existe autocorrelação significativa. Os R2
ajustados são pouco expressivos por causa da alta volatilidade dos fluxos de investimentos
estrangeiros. Suavizando os fluxos com um filtro Hodrick-Prescott (lambda igual 20) e
diminuindo com isto o ruído nas séries temporais torna os R2 ajustados muito mais
expressivos.

Conclusões

Os resultados empíricos mostram que as crises financeiras pós-Plano Real tiveram impactos
expressivos sobre o lado financeiro e real da economia brasileira, embora os impactos sobre o
lado real da economia brasileira foram menos expressivos, Indonésia (1998) na crise asiática e
Argentina em 2002 experimentavam quedas do PIB de dois dígitos. Uma razão para o melhor
desempenho dos indicadores reais da economia brasileira, comparativamente aos países
asiáticos e da Argentina pode ser a menor exposição do setor privado nacional ao risco
675

cambial, embora o governo brasileiro tivesse uma exposição maior ao risco cambial devido à
dívida externa publica e a parte da dívida interna indexada ao câmbio.

Na crise financeira global de 2008/2009 Alemanha e Japão experimentavam quedas do PIB


acima de 5%. Nas crises mais sérias que o Brasil enfrentou em 1998/1999, 2002/2003 e na
crise financeira global de 2008/2009 o Brasil experimentou recessões amenas ou somente uma
estagnação da economia, mas enfrentou problemas sérios no lado financeiro da economia.
Parece que uma economia com extensão quase continental e participação menor no comércio
internacional será menos lesada do que países menores com alta dependência do comércio
internacional. Mas a Rússia como país de extensão quase continental também experimentou
uma queda do PIB acima de 7% na crise financeira global de 2008/2009, porque a economia
russa depende nas suas exportações expressivamente dos preços e da demanda por petróleo e
gás, que estavam caindo expressivamente nesta crise.

Os resultados empíricos também mostram que todas as crises pós Plano Real tiveram um
impacto sobre a economia brasileira de forma diferenciada. Empiricamente destacam-se os
impactos da crise russa e brasileira em 1998/1999 quando o Brasil foi forçado de abandonar o
regime de câmbio administrado e os impactos na crise financeira global de 2008/2009, mas no
último caso os reflexos sobre a taxa de câmbio e o risco país ficavam limitados, porque o Brasil
já tinha reservas internacionais muito maiores do que nas crises anteriores e a relativa
independência da politica monetária abriu pela primeira vez a possibilidade de conter a crise
com uma politica monetária expansiva, embora tardia, e com medidas fiscais expansionistas
para diminuir os efeitos da crise sobre produção e emprego no Brasil.

É também importante enfatizar que o Brasil saiu especialmente no lado real da economia
menos lesado destas crises do que outros países, como, por exemplo, Indonésia em 1998 e
Argentina em 2002 com quedas do Produto Interno Bruto de dois dígitos e sérias crises
políticas e sociais, ou como Grécia em 2012 desde três anos em recessão profunda. O mercado
interno amplo é uma explicação, a estabilidade do sistema financeiro brasileiro é outra, e
possivelmente a explicação mais importante, uma exposição menor a exportação e uma pauta
diversificada de exportações em produtos e parceiros comerciais.
676

4. Tentativas teóricas de explicar as crises do capitalismo global

Crise é a mãe da história. Começando com Heródoto, o desejo de escrever a história foi
vinculado à necessidade de explicar as reversões aparentemente inexplicáveis da fortuna
sofrida por nações e impérios. Mark Lilla, The Shipwrecked Mind, p; 25
Na linguagem da economia mainstream, as crises aparecem como punição para os governos
que não respeitam as leis naturais que são os verdadeiros governantes da economia. Em
contraste, uma teoria da economia política digna de seu nome percebe as crises como
manifestações das "reações kaleckianas" dos proprietários de recursos produtivos à política
democrática, penetrando em seu domínio exclusivo, tentando impedi-las de explorar ao
máximo seu poder de mercado, violando suas expectativas de ser justamente recompensado
por sua astuta tomada de risco. Wofgang Streeck, How will capitalismo end?
Posição 1377 p.
As tentativas teóricas de explicar a volatilidade da atividade econômica, conjunturas e crises, já
acompanha a teoria econômica desde seus primeiros passos. Neste trabalho a ênfase está na
conceituação geral e resumida de diferentes correntes de pensamento económico na
explicação de conjunturas e crises, deixando modelos matemáticos na margem.
Diferentemente de muitos teóricos ‘mainstream’ e marxistas não é objetivo deste capítulo
formular uma teoria ‘certa’ ou 'verdadeira', mas aceitando a explicação eclética de que todas
as crises são diferentes, embora causadas por fatores estruturais semelhantes, que podem ser
classificados, e por contingências econômicas, políticas, ideológicas e outras. Importante na
análise de uma crise é distinguir entre sinal e ruido, entre fatores causais e eventos
contingentes. A complexidade e a interdependência da realidade econômica, política e social
fazem cada tentativa difícil de encaixar e simplificar uma crise em uma teoria única e
consistente. Por esta razão, por exemplo, existem tantas teorias diferentes para caracterizar a
Grande Depressão ou a crise financeira global de 2008/2009. Teóricos da corrente marxista
denotam a explicação das crises como a teoria das crises embora teóricos ‘mainstream‘ falam
da teoria de conjuntura. Neste trabalho uma depressão (ou crise) é uma recessão profunda e
prolongada, a parte recessiva do ciclo econômico que começa com uma expansão econômica
(‘boom’).

No quadro seguinte encontra-se uma tentativa de resumir os fatores para explicar o ciclo
conjuntural e as crises. A lista de fatores não é completa e alguns fatores entram em diferentes
categorias, por exemplo, políticas monetárias e fiscais pode ser um fator exogeno ou um fator
endógeno, o último é o caso quando as políticas são um reflexo de certa situação específica no
ciclo conjuntural. O quadro tenta em primeiro lugar facilitar a caracterização de diferentes
abordagens teóricas e os fatores mais importantes que os teóricos usam em sua modelagem.
Não é fácil diferenciar entre fatores exógenos e endógenos, porque numa crise um fator pode
ser exogéno, em outra crise o fator pode ser endógeno. Por exemplo, na crise da dívida
externa na década de 1980 para o Brasil os choques na taxa de juros pela politica monetária
677

restritiva da Federal Reserve, o choque de preços de petróleo de 1979/1980, e a falta de


liquidez e crédito nos mercados de capital internacional, podem ser vistos como fatores
exógenos que encontravam uma economia brasileira fragilizada com alto endividamento
externo. Para os Estados Unidos a politica monetária rígida que dencadeou a recessão em
1980 pode ser vista como um fator endógeno, enfrentando uma aceleração da inflação que foi
em primeiro lugar impacto de um choque exógeno do aumento dos preços de petróleo pela
revolução iraniana. Por esta razão no quadro a seguir fatores podem aparecer na categoria de
fatores exógenos bem como na categoria de fatores endógenos.

Quadro 12 Fatores que podem explicar o ciclo conjuntural e as crises

Clima, manchas solares, problemas ecológicos, desastres naturais,


Fatores naturais descobrimento de novos recursos ou esgotamento de recursos naturais,
demografia,
Guerras, revoltas, revoluções, guerras civis, tensão política no âmbito
Fatores internacional, transformação institucional e de regime, embargos e outras
Fatores políticos
exógenos sanções, medidas de protecionismo e de controle de fluxos de capitais,
nacionalizações e desapropriações, combate a corrupção
Fatores Invenções e inovações, falências de empresas e bancos importantes, default
econômicos soberano, monetização de dívida, embargos
Outros
Todas as decisões econômicas são sujeitas a incerteza e risco, o que limita a
Incerteza e risco racionalidade e pode induzir a investimentos reais e financeiros
equivocados ou problemáticos
São sujeitas a incerteza e são divergentes entre os agentes econômicos,
Expectativas
somente na euforia ou no pânico eles convergem
Fatores Bolhas, manias e Agentes econômicos em massa tentam reagir diferente do que quando
psicológicos pânicos agindo individualmente, ondas de euforia e pessimismo é a consequência
A complexidade do mundo, informação demais, e modelos teóricos
Racionalidade
divergentes levam a necessidade de tomar decisões heurísticas, que podem
limitada
ser não otimais
Outros
Fatores da Investimento e poupança, consumo, gastos, impostos e transferências do
economia real governo, comércio internacional, mercado imobiliário
Fatores da Moeda e crédito, mercados financeiros, alavancagem do setor privado e
economia público, câmbio e fluxos de capital internacional, mercado internacional de
financeira commodities
Políticas Ciclo politico, Políticas monetárias, fiscais, comerciais, cambiais, políticas de
Fatores econômicas estado de bem estar social, regulação e regulamentação
endógenos Inovação e Invenções e inovações podem iniciar um ciclo de novas invenções e
invenção inovações
Impactos da Contágio de mudanças reais e financeiras na economia global,
economia global desequilíbrios persistentes, volatilidade dos preços de commodities
Interdependência Das expectativas, decisões e ações econômicas levam aos efeitos sistêmicos
geral pouco previsíveis e ao efeito dominó
Outros
Fonte: do autor

O próximo capítulo resume o pensamento amplo da análise conjuntural, que conta com nomes
como Mitchell e Schumpeter e é uma área tão profundamente pesquisada empicamente e
teoricamente, que neste trabalho é possível somente um resumo superficial. A justificação
para isto está no fato que este trabalho tem seu foco nas crises profundas do século atual e
678

anterior, a Grande Depressão, a crise global na década de 1970 e a crise da dívida externa na
década de 1980, e a crise financeira global de 2008/2009, não nas outras recessões muito mais
numerosas neste período.

Parte da discussão sobre ciclos conjunturais se encontra já nos capítulos anteriores do


conceito das crises e no capítulo sobre a Grande Depressão na parte sobre a explicação da
crise pelas diferentes correntes de pensamento econômico. Aqui são somente resumidas - de
forma curta - as posições de diferentes escolas econômicas sobre as crises e os ciclos
conjunturais. A análise conjuntural supõe normalmente tendências deflacionárias em uma
recessão ou crise, a crise na década de 1970 mostrou que as tendências recessivas foram
acompanhadas de uma aceleração da taxa de inflação na maioria dos países (estagflação),
impacto do aumento expressivo dos preços de petróleo.

i. Análise Conjuntural

A análise conjuntural concentrou seus esforços em primeiro lugar na descrição estatística dos
ciclos através da análise de séries temporais tentando encontrar regularidades em diferentes
séries temporais econômicas, descobrir séries que antecipam o ciclo (leads) ou que mostram
certa defasagem (lags) para fazer previsões. Na tentativa de prever os pontos de viragem da
conjuntura as previsões muitas vezes falharam, porque embora denominados de ciclos, eles
não tinham a regularidade necessária. Na análise conjuntural empírica os pesquisadores
consideravam os seguintes ciclos de diferentes frequências como básicos para a análise
conjuntural, Schumpeter considerou a Grande Depressão em primeiro lugar consequência do
encontro das fases recessivas do ciclo de Kondratieff, de Juglar e de Kitchin. Mas a maioria dos
economistas não seguia este caminho de concentração em fatores endógenos e numa
abordagem muito mecânica.

Ciclos de Kondratieff, ondas longas de atividade e dos preços, entre 50 e 60 anos de duração,
na opinião de Schumpeter iniciados por ondas de inovações básicas como ferrovias, etc. A
existência de ciclos de Kondratieff é controversa, detectar estatisticamente estes ciclos é difícil
por causa de que séries temporais confiáveis são relativamente curtas.

Ciclos de Kuznets, ondas de 15 - 20 anos, associadas aos níveis de atividade de construção, mas
nos tempos recentes não mais evidentes (Zarnowitz 1992, p. 239).

Ciclos de Juglar, ondas de 7 - 11 anos, associadas aos investimentos de empresas em máquinas


e equipamentos (Zarnowitz 1992, p. 239).
679

Ciclos de Kitchin, ondas de 3 - 4 anos, associadas ao investimento em estoques. Schumpeter


relaciona todos estes ciclos às inovações empresariais.

Esta análise empírica dos ciclos conjunturais suponha em primeiro lugar causas endógenas
para a volatilidade da atividade econômica e certa regularidade dos cíclos. O modelo
acelerador multiplicador é uma tentativa de captar ciclos Juglar num modelo matemático.

Como o objetivo do trabalho não está numa análise conjuntural, mas o foca está nas crises
profundas do capitalismo global, os conceitos da análise conjuntural entram somente
marginalmente na descrição seguinte da explicação das crises por diferentes correntes do
pensamento económico.

É importante considerar que a maioria das correntes desenvolveu se nós tempos antes da crise
financeira global de 2008/2009, e com isto a perspectiva das transformações do capitalismo
global nas últimas décadas não entra nas explicações de algumas correntes.

Este trabalho considera impossível encontrar uma teoria que pode explicar todas as crises
profundas do capitalismo global no passado em somente um modelo consistente, porque as
transformações do capitalismo desde o início do século passado foram tão profundas, os
eventos globais contingentes como guerras e revoluções tão importantes, que não existe uma
teoria única que explica todas estas crises. Com vista para a última crise um trabalho de Jorda,
Schularick e Taylor (2016, p. 1 pp.) mostra as mudanças profundas que o capitalismo nos
países centrais experimentou nas décadas passadas, acrescentando uma ampla análise
empírica e uma nova base de dados desde 1870:

Observação é o primeiro passo do método científico. (...) A crise financeira global nos lembrou
de que os fatores financeiros desempenham um papel importante na formação do ciclo de
negócios, e há um acordo crescente de que são necessários modelos novos e mais realistas das
interações financeiras (...).
O desenvolvimento central da segunda metade do século XX é o aumento do crédito
doméstico, principalmente de hipotecas. O crédito comercial também aumentou, mas a um
ritmo mais lento. As taxas de propriedade residencial subiram em quase todas as economias
industrializadas e, com elas, os preços reais das casas. O crédito privado aumentou muito mais
rapidamente do que o rendimento. Embora as famílias sejam mais ricas, o crédito privado
cresceu mais rápido até do que a riqueza subjacente. As famílias são mais alavancadas do que
em qualquer outro momento da história. (...).
As economias avançadas tornaram-se mais financeirizadas nos últimos 150 anos, e
dramaticamente desde os anos 70. Nunca na história do mundo industrial a alavancagem foi
maior, seja medida pelo crédito privado para o setor não financeiro em relação à renda, como
fazemos em grande parte do papel, ou em relação à riqueza, como fazemos para uma
subamostra mais seleta de economias. . (...) Em um nível básico, nosso principal resultado - que
a maior alavancagem anda de mãos dadas com menos volatilidade, mas eventos mais graves - é
compatível com a idéia de que a expansão do crédito privado pode ser segura para pequenos
choques, mas perigosa para grandes choques. Em outras palavras, a alavancagem pode expor o
680

sistema a falhas maiores e de eventos raros, mas isso pode ajudar a suavizar pequenos
distúrbios rotineiros.
ii. Posições Keynesianas
No centro da explicação keynesiana das crises são: a volatilidade do investimento real,
incerteza e risco que acompanham a maioria das decisões econômicas, a instabilidade do
sistema financeiro (no centro da teoria de Minsky) baseada na volatilidade das expectativas
sobre as tendências econômicas e dos preços de ativos financeiros e imobiliários, e a
especulação. Posições keynesianas apontam para esta instabilidade inerente do setor privado
numa economia capitalista como explicação mais importante do ciclo econômico e das crises.
A queda do investimento (ou de outros componentes da demanda agregada) leva a economia
para uma recessão, onde as tendências deflacionárias podem piorar a recessão, quando os
serviços sobre a dívida do setor privado aumentam de forma insustentável em termos reais,
levando a falências (Teoria da deflação da dívida de Fisher).A rigidez dos preços e salários deixa
a economia em um equilíbrio temporário de subutilização das capacidades de produção e de
desemprego elevado, sem que a economia consegue por si mesma rapidamente voltar ao
pleno emprego dos recursos. Minsky aponta especialmente para a instabilidade do sistema
bancário quando na fase expansionista da conjuntura acontece uma expansão do crédito por
causa de expectativas otimistas e do aumento dos valores de colaterais, quando a situação
conjuntural e as expectativas pioram, a concessão de créditos acaba ou não há mais
possibilidade de rolar créditos existentes, consequência default, illiquidez, insolvência e
falências. Koo aponta para os perigos de uma 'balance - sheet - recession ', onde o alto
endividamento do setor privado (alavancagem alta) leva a uma recessão ainda mais profunda
e prolongada pela queda da demanda agregada, porque empresas e consumidores são em
primeiro lugar focados em repagar dívidas existentes (des - alavancagem), e não em novos
investimentos ou mais consumo. Economistas da corrente keynesiana proponham para evitar
uma depressão profunda, a expansão fiscal com endividamento do setor público para
compensar a falta de demanda agregada (e do endividamento) do setor privado acompanhada
de uma política monetária expansionista, embora eles não acreditem muito na eficácia da
política monetária numa depressão.

As ideias keynesianas são formalizadas no modelo IS - LM de Hansen e no modelo de Mundell-


Fleming para uma economia aberta, embora os efeitos importantes da incerteza, das
expectativas, e da instabilidade do sistema financeiro, não são suficientemente refletidos
nestes modelos.

iii. Posições clássicas, monetaristas e novas clássicas


681

As teorias clássicas e seus seguidores mais modernos (monetaristas, novos clássicos, teóricos
do ciclo real de negócios) acreditam na estabilidade do setor privado numa economia
capitalista, baseando se na hipótese de mercados eficientes (que pode ser vista como uma
formalização da lei de Say mais antiga), da hipótese das expectativas racionais, e em geral da
racionalidade dos agentes econômicos. Existe, por esta razão, certa dificuldade destas
correntes de explicar ciclos conjunturais e crises. As crises são em primeiro lugar explicadas
por choques externos (como choques da produtividade na teoria dos ciclos reais de negócios)
e/ou falhas nas políticas do Estado (em primeiro lugar do banco central em sua política
monetária e em sua função como emprestador de última instância). Na teoria austríaca,
relatada mais tarde, o foco está na expansão do crédito no 'boom', que somente é possivel
com uma política monetária expansionista prolongada (uma falha do banco central). Embora
todas estas posições acreditassem que intervenções do governo e banco central somente
adiam ou aprofundam uma crise posterior, porque a mão invisível do mercado é mais eficaz do
que a mão visível do governo, na avaliação da Grande Depressão Friedman e Schwartz [2009]
argumentam que uma política monetária mais expansionista da Federal Reserve e a
assumpção de seu papel como emprestador de última instância nas crises bancárias na Grande
Depressão poderia ter o efeito de fazer a crise mais curta e menos profunda.

iv. Posições da Escola Austríaca


A ideia básica da escola austríaca (von Mises, Hayek, Rothbard, etc.) está que os fatores
causadores de recessão e crise podem ser encontrados na expansão (‘boom’) anterior. A
expansão econômica é financiada pela expansão de crédito para consumo, investimento e
especulação. Crédito barato e fácil e as taxas de juros baixas levam a investimentos
equivocados, expansão da produção acima da demanda, endividamento insustentável e bolhas
especulativas. Quando a expansão do crédito cessa por causa de um choque negativo (falência
de uma empresa importante, crise política, queda no mercado das ações etc.), a bolha
especulativa estoura, alguns investimentos mostram-se falhos e a produção precisa ser
reduzida, o desemprego aumenta. A crise é vista como uma crise de superprodução (mais
especifico de superinvestimento como consequência da expansão do crédito e da taxa de juros
muito baixa) levando a uma crise da taxa de lucro: a crise neste sentido funciona como um
mecanismo de limpeza que destruí capital para possibilitar novamente a expansão e uma
recuperação da taxa de lucro.

Na visão de Schumpeter, que em seu livro ‘Konjunkturzyklen’ segue os pensamentos da


corrente empírica da análise conjuntural, a coincidência das fases recessivas dos principais
ciclos da atividade econômica (Kondratieff, Kuznets, Juglar e Kitchin) explica uma crise
682

profunda e prolongada. Todos estes ciclos de frequências diferentes são na visão de


Schumpeter impactos da atividade empreendedora de inovação. Quando as atividades
empreendedoras enfraquecem e os lucros temporários monopolistas de esvaziam, quando
competidores copiam as inovações, a economia entra numa fase de estagnação ou recessão.
Como na escola austríaca Schumpeter avalia recessão e crise como um mecanismo de limpeza,
que limpa os excessos e erros da expansão anterior e facilita uma nova expansão. A
intervenção do governo é vista como contraprodutiva, porque somente adia a eclosão de uma
crise posterior maior.

v. Posições neomarxistas
Na corrente de pensamento econômico marxista uma crise é uma consequência das
contradições internas do capitalismo, não de choques externos. Como na escola austríaca a
crise é vista como um mecanismo de limpeza que destruí capital, e com isto excessos e erros
da expansão anterior, para retornar à taxa de lucro a níveis aceitáveis para os donos de capital.
Fatores endógenos que explicam a crise são: a desproporcionalidade entre o setor de
produção de bens de investimento e bens de consumo, supondo uma expansão exagerada de
um setor em relação ao outro, o investimento excessivo e o subconsumo, que é consequência
da falta de poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Em análises mais recentes, avaliando a experiência da crise financeira global de 2008/2008,


entram também fatores como a crescente importância do setor financeiro (financialização), a
importância de diferentes formas de crises financeiras, e a crescente desigualdade de renda e
riqueza, bem como desequilíbrios globais. Por marxistas mais dogmáticos como Sandleben
(2016, p. 11 p.), este recurso a análises teóricas e empíricas da economia ‘mainstraem’, é visto
como um desvio revisionista dentro de uma análise 'verdadeiramente' marxista, que concentra
se nas contradições da economia real da superprodução, subconsumo e
desproporcionalidades:

Como nossa análise das teorias de crise de esquerda mostrará com mais detalhes, há, então,
grandes correspondências com padrões interpretativos burgueses: a apologia das relações
existentes de produção e circulação de mercadorias capitalistas, a suposta má conduta da
política governamental na regulação do mercado financeiro, o foco da análise da crise no
crédito, setor bancário e de mercado de capitais, a falta de análise da conexão interna entre a
crise do mercado financeiro e a crise da produção capitalista de commodities
[‘Warenproduktion’], a ênfase ocasional na questão da distribuição, o destaque especial da
crise imobiliária e da crise financeira associada, e, finalmente, a análise insuficiente da crise
geral de superprodução de 2008. Mesmo do ponto de vista metodológico a teoria da crise da
esquerda mal tem seu próprio perfil. Em grande parte, adotou o ecletismo das explicações
teóricas burguesas de crise.
O que Sandleben aqui chama ecletismo é o fato de que uma análise séria das crises precisa
aceitar que as crises são diferentes, e também uma análise empírica torna se necessária para
683

explicar as crises. Uma superteoria que explica todas as crises não existe, estruturas
capitalistas são se transformando, e uma análise das crises precisa ter bases teóricas e
empíricas, bem como a possibilidade de incluir contingências históricas.

vi. Outras explicações


Aqui são resumidas tentativas mais recentes de diferentes autores de categorizar
empiricamente as diferentes formas de crises financeiras e reais, analisar empiricamente seus
efeitos e interdependências, e mostrar estratégias para amenizar seus impactos. As análises
recentes focam mais crises financeiras do que as crises reais, que são vistas como impacto das
crises financeiras. Esta descrição resume um capítulo anterior sobre o ciclo conjuntural.

Obviamente as crises financeiras são diferentes, mas existe a possibilidade de classificar


diferentes aspectos das crises. Claessens e Kose [2013, p.3] advertem que as crises financeiras
são diferentes nas causas, nos impactos sobre o lado real e financeiro da economia e na
necessidade de intervenções do Estado, do Banco Central e das organizações internacionais.
Eles podem contagiar outros países. Eles podem surgir no setor privado ou no setor público da
economia. Muitas vezes bolhas nos mercados financeiros e de crédito, imobiliários e de
commodities precedem as crises. Variáveis financeiras, como preços de ativos financeiros e
fluxos de capital estrangeiro mostram quedas expressivas nas crises, enquanto o risco país e a
taxa de câmbio (desvalorização/depreciação) mostram aumentos expressivos (usando aqui,
por exemplo, a definição brasileira da taxa de câmbio, R$/US$). Variáveis reais mostram
quedas expressivas, como o PIB e a produção industrial, ou aumentos expressivos como a taxa
de desemprego. Mas tamanho e duração destas mudanças variam de crise para crise.
Normalmente uma crise é acompanhada de tendências deflacionárias.

As formas mais importantes de crises financeiras sao: crises bancárias, crises da dívida
soberana e da dívida do setor privado, bolhas especulativas, crises cambiais e do balanço de
pagamentos, e rupturas súbitas de fluxos internacionais da capital. Fatores importantes na
eclosão destas crises são fatores psicológicos como ondas de otimismo e pessimismo, e efeitos
de manias e pânicos, fatores de alavancagem e risco excessivo para aumentar a taxa de lucro,
fatores de regulamentação frouxa, e fragilidades como políticas econômicas insustentáveis,
desequilíbrios globais e desigualdades em ascensão, bem como falhas pessoais e de políticas.
Embora estas análises empíricas das crises não apontem para uma teoria unificada das crises,
elas abrem perspectivas para avaliar fraquezas e fragilidades, evitar ou amenizar crises futuras,
e contar narrativas de crises históricas para descrever efeitos e transformações singulares que
aconteciam.
684

Na parte teórica três modelos teóricos na explicação das crises financeiras nos países
emergentes na década de 1990 e no início do novo século mostram um esquema teórico para
estas crises cambiais, embora com menor importância na explicação da crise financeira global.
Rossi [2016, posição 528 pp.] resume estas três gerações de crises cambiais:

A primeira geração, que tem o artigo de Krugman (1979) como pioneiro, atribui à inconsistência das
políticas econômicas a explicação para as crises em regimes de câmbio fixo. Desse modo, as crises
ocorrem quando os especuladores testam os governos que sustentam “maus fundamentos” —
como déficits externos e reservas cambiais insuficientes — e terminam por antecipar uma
desvalorização inevitável. Nos modelos de primeira geração, a ênfase nas inconsistências de política
econômica tem como contraparte a defesa da liberdade de movimento de capitais. (...).
Em 1992, a crise do franco mostrou a inadaptação dos modelos de crise cambial de primeira
geração. O ataque especulativo contra o franco ocorreu a despeito de um saldo positivo em
transações correntes do país emissor da moeda, de uma inflação mais baixa do que na Alemanha e
uma taxa de câmbio em um nível relativamente depreciado em relação ao marco alemão (Plihon,
2001). Com isso, surge uma nova geração de modelos, inspirados fortemente em Obstfeld (1986) e
no conceito de crises cambiais autorrealizáveis: Crises may indeed be purely self-fulfilling events
rather than the inevitable result of unsustainable macroeconomic policies. Such crises are
apparently unnecessary and colapse an exchange rate that would otherwise have been viable. They
reflect not irrational private behavior, but an indeterminacy of equilibrium that may arise when
agents expect a speculative attack to cause a sharp change in government macroeconomic policies.
[Obstfeld, 1986: 72]
Já a terceira geração de modelos de crise cambial atende ao contexto histórico das crises dos países
emergentes nos anos 1990. Esses modelos fazem a síntese das duas gerações anteriores atribuindo
importância aos fundamentos e ao caráter imprevisível dos ataques especulativos (Plihon, 2001:
69). Para Krugman (1998), os fundamentos relevantes para o entendimento da crise asiática não
são aqueles levantados nos modelos tradicionais (inclusive o de sua autoria em 1979) como a
política monetária e fiscal, saldo em transações correntes, mas sim a saúde do sistema de
intermediação financeira. Para ele, o pânico especulativo que desencadeou a crise cambial na Ásia é
decorrente de um contexto de crise mais amplo, onde a crise bancária é protagonista.
A importância de crises financeiras entra cada vez mais nas análises macroeconômicas,
especialmente depois da crise financira global de 2008/2009. Novos atores financeiros e novos
instrumentos precisam ser refletidos nessas análises. Entre eles são atores no sistema
financeiro sombra (por exemplo, investidores institucionais como fundos de investimento para
grandes investidores (Blackrock, etc.), fundos soberanos, fundos de hedge, ou fundos de
pensão, fundos monetários, bancos de investimento, etc.), que são globalmemte interligados e
podem transferir bilhões de dólares em um mouseclick. Entre eles são também os bancos
sistemicamente importantes, que depois da crise global ainda aumentavam em tamanho,
bancos que apresentam um perigo sistêmico nas crises.
685

5. Epilogo: Outro mundo é possível? Perspectivas dos movimentos anticapitalistas


(...) não se formula a questão por que a vida tem de ser comparada a uma corrida, ou por que as
economias nacionais têm que competir uma com a outra em vez de sair juntas, em nome da saúde,
para um trote camarada. (...). Mas Deus certamente não fez o mercado - nem Deus, nem o Espírito
da História. E se nós, seres humanos, o fizemos, não podemos nós mesmos o desfazer, e refazê-lo
sob uma forma mais amigável? Por que o mundo tem que ser um anfiteatro de gladiadores do tipo
matar ou morrer, em vez de, vamos supor, uma colmeia ou um formigueiro ativamente
cooperativo? J. M. Coetzee, Diário de um ano ruim,
Entre o fim dos anos 1970 e início da década de 1990 a paísagem politica da Europa mudou
radicalmente. As revoluções de 1989 removiam o bloco socialista da Europa de Leste, e a União
Soviética se dissolveu [em 1991]. Através de uma reestruturação capitalista igualmente drástica
Europa Ocidental se transformou. Considerando que os partidos socialistas recapturavam governos
em toda a Europa durante a década de 1990, estes já não eram os mesmos partidos socialistas
como antes. Profundamente de-radicalizados, eles estavam se separando rapidamente das culturas
políticas e histórias sociais que os haviam sustentado durante um século anterior de luta. Os
partidos comunistas, de forma consistente as asas mais militantes dos movimentos de
trabalhadores, tinham desaparecidos quase completamente. Ninguém falou mais sobre como abolir
o capitalismo, de regular suas disfunções e excessos, ou mesmo de modificar os seus efeitos sociais
mais notoriamente destrutivos. Por uma década depois de 1989, o espaço para imaginar
alternativas diminuiu para quase nada. Mas a partir de outra perspectiva novas forças energizavam
a esquerda. Se os movimentos trabalhistas repousavam sobre as realizações orgulhosas e
duradouras construídas a partir dos resultados da Segunda Guerra Mundial, que agora começam a
serem desmanteladas, as gerações mais jovens cavalgavam nas excitações de 1968. A sinergia de
radicalismo estudantil, a exuberância da contracultura e a militância industrial sacudiram as culturas
políticas da Europa em bastante novas direções. Em parte, estas novas energias fluíam através dos
partidos existentes, mas, em parte, elas formavam o seu próprio espaço político. O feminismo foi
certamente o mais importante desses movimentos emergentes, forçando uma reavaliação de tudo
conteúdo político. Mas a ecologia radical também chegou, ligando ativismo de base, experiência
comunitária e mobilização extraparlamentar de formas inesperadas. Em 1980, um notável
movimento de paz transnacional estava se formando. A variedade de movimentos de estilos
alternativos de vida capturou muitas imaginações. Os primeiros sinais de uma nova e duradoura
presença política juntaram estes desenvolvimentos, os partidos verdes apareciam em cena. (...).
Muitas outras facetas da identidade juntavam-se os revigorantes debates políticos. Neste processo,
a centralidade da perspectiva de classe foi dissolvida, tanto como história social bem como
categoria política. Enquanto a perspectiva de classe permaneceu uma realidade inevitável da ação
social e política para a esquerda no século XXI, a centralização anterior da política em torno do
imaginário tradicional do macho trabalhador na indústria precisa ser sistematicamente repensada.
Geoff Eley: Forging Democracy - The History of the Left in Europe, 1850–2000, p. VII p.
Há guerra de classes, tudo bem, mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo a guerra, e nós
estamos ganhando. Warren Buffet
A crítica da religião termina com a doutrina de que o ser supremo para o homem seja o homem,
portanto com o imperativo categórico de derrubar todas as relações em que o homem está um ser
escravizado, abandonado e desprezado. Karl Marx, Zur Kritik der Hegelschen
Rechtsphilosophie. Einleitung, p. 385 (MEW Band 1)
A ideia de um “mundo melhor”, se é que surgiu, se encolheu diante da defesa de causas atuais
relacionadas a grupos e categorias. Ela permaneceu indiferente a outras privações e desvantagens e
ficou muito longe de oferecer uma solução universal e abrangente para os problemas humanas.
(...). Sobre as raízes e os aspectos econômicos da miséria humana – o crescimento gritante e
acelerado das desigualdades em termos de condições, oportunidades e perspectivas de vida, a
pobreza crescente, o declínio da proteção aos meios da subsistência humanos, as discrepâncias na
distribuição de riqueza e renda – a maioria das novas visões se manteve num silencio impertinente.
(...) A guerra por justiça social foi, portanto, reduzida a um excesso de batalhas por
reconhecimento. “Reconhecimento” pode ser aquilo que mais faça falta a um ou outro grupo dos
bem-sucedidos – a única coisa que parece estar faltando no inventário rapidamente preenchido dos
686

fatores de felicidade. Mas, para uma parcela ampla e em rápido crescimento da humanidade, trata-
se de uma ideia obscura que assim continuará sendo enquanto o dinheiro for evitado como tema de
conversa (...) Zygmunt Bauman, Identidade, p. 42 p.
Nem o sofrimento, nem a felicidade, nem crise econômica, política, espiritual, nem a repressão, tem
algum efeito causal necessário sobre o surgimento de novos movimentos sociais. Às vezes, crises
econômicas e repressão política podem produzir um movimento unido de reação entre as pessoas;
às vezes elas divide-los. Às vezes, eles geram revolução política, reação, ou a reforma; às vezes,
revolução religiosa, reação, ou a reforma. Principalmente eles não têm nenhum resultado diferente
de um surto de desespero diante da dureza de vida geral. O resultado é dependente não somente
da profundidade da crise, mas também das formas de organização das pessoas que estão sendo
afetados. Quem exatamente é afetado pela crise? Com quem é que eles estão em comunicação?
Com quem eles compartilham o compromisso normativo e um estoque de conhecimento sobre o
mundo? Que contatos e conhecimento social são susceptíveis (...) a culpar seus governantes pela
crise e conceber alternativas práticas? Que fontes de poder eles podem mobilizar, contra quem?
Estas são as perguntas decisivas sobre a resposta a crises e para outras mudanças sociais
dramáticas, sejam eles políticos, espirituais ou outros. Michael Mann, The sources of
social power, Volume I, p. 309 p.

Crises são períodos em que instituições, estruturas, ideologias e políticas devem ser
repensadas para voltar a prosperidade. Se esta possibilidade de transformação profunda não
fosse considerada, um processo de decadência pode se desencadear. Neste capítulo a crise
financeira global de 2008/2009 é analisada com a perspectiva das possibilidades de
transformações profundas do capitalismo global por movimentos sociais e políticos - em
primeiro lugar - mas também por projetos das elites. Obviamente - com pouco mais de uma
década desde a eclosão da crise financeira global - a narrativa pode ser somente uma
conjetura referindo-se aos eventos pós-crise e um curto resumo das experiências políticas e
ideológicas das outras duas crises profundas do capitalismo global no século XX.

Crises também são períodos em que conflitos sociais muitas vezes tornam-se mais intensos e
violentos. Somente guerras perdidas superam as crises em termos de transformações através
de violência, revoltas e revoluções. Diferentes correntes de pensamento político identificam
diferentes grupos sociais que se enfrentam em crises profundas. Elites e as massas populares
na visão populista, ricos e pobres, - ou mais específico na versão marxista - capitalistas e classe
trabahadora, credores e devedores, o 'establishment' e a multitude na versão de Hardt e
Negri, representando os ganhadores e perdedores da globalização capitalista, a étnia, religião
ou cultura maioritária no país e minorias de todas as formas, imigrantes, minorias de etnias,
religiões, raças, ideologias, subculturass diferentes na versão nacionalista e racista e outras.
Ideologias simplistas identificam o responsável pela crise, o outro, o inimigo, o diferente, para
levar os sofrimentos da crise contra os bodes expiatórios e aproveitar politicamente a crise.
Neste sentido movimentos sociais e partidos políticos que se fortalecem numa crise podem ser
os sujeitos que criticam e ataquem estruturas de poder, eles podem ser o sujeito
687

modernizador que transforma a sociedade, mas eles podem também ser os sujeitos que levam
sociedades para projetos conservadores ou reacionários. De qualquer jeito eles, se focados em
objetivos amplos e não somente em problemas singulares, podem se tornar agentes da
transformação social. Obviamente neste capítulo o foco está nos movimentos com uma
agenda anticapitalista e suas perspectivas. A última citação de Mann acima enfatiza que uma
crise per se não é necessariamente o gatilho para o nascimento de movimentos
transformadores, nem para uma mudança social profunda.

A hipótese pós-moderna do fim das grandes narrativas, formulada por Lyotard [Badiou e
Rancière, 2010, p. 17], mostra o ceticismo e relativismo de certos filósofos e cientistas
contemporâneos com sistemas filosóficos e políticos abrangentes e da ideia, por exemplo, do
materialismo histórico, de que existem leis na história. Especialmente as grandes narrativas
sobre a revolução, o papel do proletariado, e sobre o progresso da humanidade estavam
duvidadas com vista nas guerras e genocídios do século XX e com o fracasso do paradigma do
socialismo real na União Soviética na década de 1990. Com isto movimentos agindo contra o
sistema do capitalismo global perdiam sua justificativa de agir em sentido da história, da
esperança quase messiânica dos movimentos revolucionários do século XIX e XX. A grande
narrativa da revolução falhou, porque os projetos socialistas e nacionalistas tornavam se na
realidade projetos de Estados e sociedades totalitários com os oprimidos de ontem mudando o
papel para opressores de amanha. Esse fato implica também que o determinismo que o
materialismo histórico implantou no pensamento histórico parece ser, não somente por causa
do fracasso do projeto comunista, uma ilusão subestimando o papel da contingência na
história, leis na história parecem ser uma construção sem sentido empírico. A grande narrativa
do proletariado falhou, porque com as mudanças no mundo de trabalho, especialmente
depois da volta neoliberal da década de 1970 e nas décadas seguintes, mostrava que o
proletariado industrial estava se dividindo se cada vez mais nas linhas de remuneração,
qualificação, gênero, religião, etnia e raça, e eles estavam, para não se esquecer da ampla
classe média, seguindo projetos de vida diferentes. Mas pode se perguntar que a narrativa
neoliberal de sociedades sujeitos as leis de mercados livres da intervenção estatal seja
somente uma nova grande narrativa vazia como as narrativas anteriores.

O problema da sociedade contemporânea é mais um problema da exclusão do mundo


trabalho do que um problema da exploração do trabalho, embora o problema da desigualdade
da renda e dos ‘working poor’ está ainda um problema muito real atual. A exploração dos
trabalhadores existe neste mundo pós-moderno, mas pior do que ser explorado pode ser o
fato de ser excluído do mundo de trabalho. O internacionalismo proletário já foi enterrado
688

quando partidos socialistas e sindicatos trabalhistas, em sua grande maioria, aceitavam o


projeto do nacionalismo, patriotismo, e imperialismo entrando e lutando na grande carnificina
da Primeira Guerra Mundial. A grande narrativa do progresso falhou, porque no século XX a
humanidade sofreu as atrocidades de duas guerras mundiais, do holocausto e do gulag, para
mencionar somente os fracassos mais óbvios do caminho para o progresso da humanidade.
Embora o progresso científico não possa ser negado, os problemas que acompanham este
progresso como as armas destruidoras de massa e os problemas ambientais mostram o lado
sombrio deste progresso.

Estes fatos explicam de certa forma a dificuldade dos movimentos contra o capitalismo global
ou contra problemas especificas da destruição do meio ambiente e da desigualdade social
crescente de formular um projeto anticapitalista coerente, de organizar a multitude, e criar
uma agenda de ação atrativa. Os movimentos de grupos étnicos ou de projetos sexuais
alternativas são atores importantes na luta pelo reconhecimento social, mas sua inserção em
um projeto anticapitalista parece difícil.

O problema de identificar o sujeito revolucionário que pode realizar os objetivos de outro


mundo possível parece também obvio. Os filósofos e políticos do século XX tentavam
identificar o sujeito revolucionário: em primeiro lugar o proletariado (partidos socialistas e
comunistas, incluindo na periferia o campesinato), as massas no terceiro mundo (Fanon,
Guevara), os estudantes em conjunto com os destituídos da sociedade capitalista (Marcuse, na
terminologia contemporânea os ‘excluídos’ ou na terminologia depreciativa de Marx o
‘Lumpenproletariat’), os grupos étnicos e sexuais discriminados, o campesinato sem terra no
terceiro mundo, e os movimentos ambientais e contra a globalização – a multidão (Hardt e
Negri). O fundamentalismo islâmico enfatiza o projeto de um Estado Islâmico para resolver os
problemas contemporâneos. Ninguém conseguiu resolver o problema de unificar e organizar
estes movimentos tão diferentes em seus objetivos sob uma bandeira para a mudança para
outro mundo possível. Embora os problemas do capitalismo global contemporâneo, crises,
desemprego, exclusão, e crescente desigualdade na distribuição de renda, da riqueza e do
poder, são reconhecidos por diferentes movimentos sociais, depois do fracasso do projeto do
socialismo burocrático na década de 1990 não existe uma alternativa convincente para
substituir o paradigma do crescimento e da inovação do capitalismo global. No mundo
contemporâneo as lutas entre os 99% e a elite dominante global (os 1%, se uma elite global
neste sentido existe), como o movimento Occupy [Graeber, 2012] tentou definir os oponentes,
obviamente tentando unificar com isto ideologicamente uma massa difusa de indivíduos com
objetivos, ideias e ideologias muito diferentes. A maioria das lutas contemporâneas é de
689

natura defensiva para defender os direitos democráticos e sociais até hoje realizados em
muitos países.

Historicamente os movimentos sociais e partidos políticos, como os movimentos de


trabalhadores e camponeses, os movimentos sufragistas, feministas e ambientais entre outros,
conseguiam obter vitorias e reformas em suas lutas desde os primeiros dias do capitalismo.
Um curto olhar para trás dos movimentos anticapitalistas anteriores está importante para uma
avaliação melhor sobre as perspectiva dos movimentos anticapitalistas contemporâneas.

Embora o título do capítulo foca em movimentos sociais, que agem mais através de ações
extraparlamentares (demonstrações, etc.), não deve se esquecer das organizações da
sociedade civil como sindicatos, partidos, igrejas, etc. As vezes movimentos sociais tornam se
partidos (os verdes, os indignados na Espanha tornando se o partido Podemos, e outros
exemplos destas transformações) para - em estruturas mais firmes- agir nos espaços
econômicos e políticos da sociedade. Historicamente uma agenda anticapitalista foi em
primeiro lugar perseguida pela esquerda com o objetivo de realizar uma sociedade socialista,
embora sempre houvesse divergências na esquerda sobre o que significa uma sociedade
socialista e como chegar lá. Mas também não deve se esquecer de que partidos da extrema
direita como os nazistas misturavam objetivos anticapitalistas com uma agenda racista e
nacionalista. A ‘Historia de América Latina’ -volume 12 - (1997) caracteriza a agenda da
esquerda da seguinte forma: "Historicamente, a esquerda sempre assumiu que havia um
objetivo, um programa e uma força organizada capaz de colocar esse programa em prática, e
uma teoria que explicava a lógica do sistema. Talvez o programa tenha sido improvisado, o
objetivo fosse irreal e a força organizada não fosse nada disso, mas era assim que a esquerda
pensava na mudança, pelo menos como legitimava suas atividades. Tudo isso agora está em
questão." Não somente na América Latina, mas também nos países centrais, o projeto
socialista parece nas margens da discussão pública. Para analisar o cenário atual, pode ser útil
resumir algumas lembranças do passado.

i. Olhando para trás

As ideias dos socialistas estavam acabadas. Na década de 1960 eles tinham abandonado o objetivo
de abolir o capitalismo; na década de 1970 e 1980 eles proclamavam que eles eram os gerentes
ideais do mesmo capitalismo. Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, a ideia reformista
convencional dos socialistas nos programas de todos os partidos socialistas tinha evaporada, de que
séra necessário possuir um grande setor público para contrabalançar as tendências negativas do
setor privado. A privatização do setor público, antes impensável, mesmo entre a maioria dos
conservadores, foi agora aceitada por muitos socialistas. O mundo dos socialistas tinha mudado
irrevogavelmente. O mundo não se apoiou mais em uma sociedade de produção dos trabalhadores
industriais do sexo masculino. A entrada da mulher no mercado de trabalho tinha feminizada uma
classe trabalhadora já fragmentada Donald Sassoon, One Hundred Years of Socialism, p. 649.
690

O capitalismo, como o conhecemos, tem se beneficiado muito do surgimento de contra


movimentos desafiando a regra do lucro e do mercado. O socialismo e o sindicalismo, impedindo a
mercantilização, impediram o capitalismo de destruir suas fundações não capitalistas – confiança,
boa-fé, altruísmo, solidariedade dentro das famílias e comunidades, etc. Sob o keynesianismo e o
fordismo, a oposição mais ou menos leal ao capitalismo garantiu e ajudou de estabilizar a demanda
agregada, especialmente nas recessões. Wolfgang Streeck, How will capitalismo end?
Posição 1083 p.

Para um olhar para trás de forma resumida é importante se concentrar em alguns movimentos
e partidos centrais na luta pelos direitos políticos, econômicos e sociais nos séculos passados
com o objetivo explícito de reformar o capitalismo ou substituir este modo de produção
através de um projeto alternativo. Estes projetos podem de forma geral ser denominados de
projetos socialistas. Obviamente com isto são esquecidos muitos movimentos sociais que
também trabalhavam para melhorar a posição da classe trabalhadora, dos pobres, ou do
povão/populacho nas sociedades. Muitas lutas sociais também tevem uma camuflagem
religiosa, pensando nos cátaros, hussitas e taboritas, nos anabatistas na reformação, dos
levellers e diggers na revolução inglesa e assim por diante. Aqui concentra se nos movimentos
socialistas, nos sindicatos trabalhistas e nos partidos socialistas e comunistas para encurtar a
narrativa. Com isto esquecem se os movimentos de campesinos e com isto acontecimentos
importantes como a guerra alemã dos campesinos 1524-1526 e os motins camponeses em
Inglaterra e França anteriores. Esquecem se também as lutas do movimento anarquista com
foco no sul da Europa, mas também na América Latina e nos Estados Unidos. Esquecem se as
revoltas dos escravos na história humana.

Eley [2002] faz lembrar que os movimentos socialistas foram também a força mais importante
na luta pelos direitos democráticos e políticos da população. Tilly [2010] mostra as
experiências dos movimentos sociais em uma narrativa mais ampla. Sassoon [2014] conta a
história do movimento socialista nos últimos cem anos [desde 1889, com a fundação da
Segunda Internacional em Paris], o olhar para trás neste trabalho fundamenta se em primeiro
lugar em Sassoon, apoiando se também nos quatro livros de Mann sobre as fontes do poder
social [1986, 2012 (1) e (2) e 2013(2)].

Com a industrialização começando na Inglaterra no fim de século XVIII (‘A Revolução


Industrial’), seguida na Europa continental, nos Estados Unidos e no Japão em diferentes
décadas do século XIX, as miseráveis condições de trabalho e os salários pobres criavam
movimentos sociais da classe trabalhadora (por exemplo, os Ludditas e Chartistas na
Inglaterra) por empregos seguros, condições de trabalho e salários dignos, a formação de
sindicatos trabalhistas e no cenário politico na criação de partidos da classe trabalhadora. É
691

importante anotar que o país onde a Revolução Industrial começou, o Reino Unido, aonde o
emprego na indústria chegou a mais de 40 por cento do emprego total antes da Primeira
Guerra Mundial, a fundação de um partido socialista precisava esperar até o início do século
XX, mais tarde do que na maioria dos países da Europa. A industrialização e a ‘Longa
Depressão’ no fim do século XIX levavam a ascensão dos movimentos trabalhistas, na maioria
aderindo de alguma forma a ideologia marxista, embora no sul da Europa o anarquismo ficasse
sempre uma ideologia importante na classe trabalhadora. No Reino Unido e nos Estados
Unidos a ideologia marxista nunca criou raízes fortes. A narrativa seguinte foca nos
movimentos trabalhistas, embora houvesse outros movimentos sociais importantes antes da
Primeira Guerra Mundial, como o movimento abolicionista, o populismo nos Estados Unidos,
os movimentos para o sufrágio feminino e o feminismo, mas também movimentos
conservadores e reacionários como os movimentos nacionalistas, imperialistas e racistas. O
quadro a seguir mostra um esquema de Mann [2012 (1), p. 514] para a descrição de diferentes
estratégias dos movimentos socialistas (e anarquistas) para enfrentar o capitalismo.

Quadro 13 Alternativas de luta contra o capitalismo para trabalhadores e camponeses

Estratégia para enfrentar o capitalismo


Competitiva Reformista Revolucionária
Local e Economia Protecionismo Economismo Sindicalismo
tática da
luta Estado Mutualismo Socialdemocracia Marxismo
Fonte: Mann [2012 (1), p. 514]

Mann diferencia entre diferentes estratégias dos movimentos sociais e/ou partidos e entre
diferentes adversários das politicas de contenção, o poder econômico e o poder politico (o
Estado e o governo). O primeiro par das alternativas são estratégias mais moderadas, não
transformando o capitalismo, mas fornecendo oportunidades para os trabalhadores para
melhor competir dentro de capitalismo. Mann chama isto para o ambiente econômico de
protecionismo, como cooperativas, as fábricas modelo de Owen, o plano de terras dos
chartistas, e os fundos de seguros dos sindicatos, todas alternativas econômicas coletivistas,
mas trabalhando dentro de uma economia de mercado. Mas muitas vezes estas formas do
protecionismo necessitam da cobertura por direitos legais civis e políticos do Estado, por
exemplo, do reconhecimento legal dos sindicatos ou da legislação para facilitar o acesso ao
crédito e ao capital para as cooperativas, mutualismo, como defendido por Prodhoun. Esta
estratégia focada no Estado e suas instituições chama Mann de mutualismo.
692

Se o Estado resista da organização e das atividades dos trabalhadores, os trabalhadores


possivelmente mudassem suas estratégias para as alternativas reformistas ou revolucionarias.
A estratégia reformista tenta modificar o capitalismo com reformas dentro do sistema
capitalista. No ambiente econômico este pode ser a tentativa dos sindicatos de conseguir
melhores salários e/ou condições de trabalho e uma participação institucional nas decisões da
empresa. Partidos socialdemocratas são exemplos para o reformismo politico lutando por leis
trabalhistas e direitos sociais de um Estado de bem-estar social, embora a maioria dos partidos
socialdemocratas tivesse ainda uma programática revolucionária até as décadas de 1950 e
1960, mas acompanhada por uma politica reformista. A alternativa revolucionária se apoiou
em primeiro lugar nos movimentos anarquistas e comunistas (depois da fundação da terceira
Internacional em 1919). Trabalhadores buscando derrubar o capitalismo através de medidas
econômicas – insurreição industrial e greve de massas – são chamados sindicalistas (ou
anarcosindicalistas). Mann chama de Marxistas aqueles que procuram capturar o Estado e
derrubar as elites governantes, procurando estabelecer um socialismo de Estado (‘statist
socialism’) através de luta politica. Mann adverte que isto são tipos ideais, na realidade os
trabalhadores combinavam elementos de todas as estratégias, subsumidos sob o conceito de
socialismo. Quando os trabalhadores focavam alternativas politicas, a luta (por exemplo, dos
chartistas) foi uma luta também pelos direitos democráticos, quebrando o controle do Estado
pelas classes dominantes.

É importante acrescentar que a resistência dos trabalhadores ou de qualquer grupo social


pode também ser analisada pela perspectiva sobre as alternativas que ações sociais oferecem.
Hirschman [1970] em “Exit, Voice, and Loyalty” mostra as alternativas possíveis de ações
individuais e sociais como saída, voz e lealdade. Para o trabalhador em conflito com a empresa
saída quer dizer demissão evitando um conflito direto, voz quer dizer enfrentar gerencia e
empresa abertamente declarando suas objeções através de protesto ou de ações coletivas,
lealdade quer dizer calar a boca e submeter se a gerencia e empresa. Uma estratégia das elites
no ambiente político sempre foi facilitar a saída para críticos (emigração do país) ou a
repressão. No caso de Alemanha oriental a construção do muro de Berlin em 1961 fechou a
possibilidade de sair para críticos de sistema e criou com isto uma oposição secreta que
levantou sua voz em 1989 o que em novembro de 1989 levou a queda do muro e depois do
sistema político {embora o governo já tinha antes expatriados os críticos mais ferrenhos,
como, por exemplo Bierman).
693

ii. Ascensão e declínio dos movimentos trabalhistas

Como Olaf Palme tem dito já em 1975: “Nós, socialistas, vivem em certa medida, em simbiose com
o capitalismo. O movimento operário foi sua reação ao capitalismo”. Citado em Sassoon,
Donald, One hundred years of socialism p. 747
No mundo da produção, autoridade, hierarquia e disciplina prevalecem. Nós votamos em quem
gostamos, nós compramos o que queremos com nossos escassos recursos, mas no trabalho nos
fazemos o que nos é dito. Socialistas tentarem, tradicionalmente, intervir no mundo do trabalho e,
após mais de cem anos de luta, os produtores – pelo menos na Europa – trabalham um pouco
menos, e em circunstâncias muito mais salubres do que um século atrás, e talvez com maior
dignidade. Mas eles não aumentavam seu controle sobre suas condições de trabalho a um ritmo
remotamente comparável à expansão da democracia política, ao aumento da prosperidade
material, ou ao avanço na ciência e na tecnologia. O capitalismo provou muito mais difícil de ser
controlado do que qualquer outra coisa, porque o capitalismo é um sistema baseado no controle de
muitos por poucos – o inverso da definição convencional de democracia política. Tal controle, é
claro, também é difícil de instituir em todas as sociedades tecnologicamente complexas conhecidas,
incluindo as economias centralmente planejadas. (...). Que as hierarquias podem nunca ser
eliminadas não lhes faz menos antidemocráticas ou desagradáveis. Sassoon, Donald,
One hundred years of socialism p. 758
Como a citação acima de Olaf Palme mostra a ascensão dos movimentos trabalhistas, dos
sindicatos trabalhistas, dos partidos socialistas e, mais tarde, dos partidos comunistas foi uma
reação aos problemas de um capitalismo tornando se hegemônico e global: crises com
desemprego elevado, salários e condições de trabalho miseráveis e uma distribuição desigual
de renda, riqueza e poder. Mas com a prosperidade capitalista, com a organização da classe
trabalhadora, com alianças com outros grupos da sociedade civil, com as lutas por direitos
sociais e democráticos, conseguiu-se – pelo menos na Europa como a citação seguinte de
Sassoon acima enfatiza e na América de Norte- uma melhora das condições de vida dos
trabalhadores. Obviamente este sucesso dependia também do sucesso do capitalismo em criar
desenvolvimento econômico e social com inovação tecnológica e social, pelo menos nos países
centrais. Quando na década de 1970 e 1980 a maquina capitalista de criar riqueza e inovação
começava a mostrar problemas nos países centrais, a luta dos movimentos trabalhistas tornou
se mais uma luta pela defesa das condições da vida dos trabalhadores e dos benefícios do
Estado de bem estar social do que uma luta por melhoramentos. Novos problemas políticos e
sociais entravam na agenda politica, lutas pela identidade, pelo reconhecimento e por outros
assuntos foram promovidos no espaço politico pelos movimentos feministas, ecológicos e de
minorias, mas também novos movimentos sociais da direita contestavam politicas de
imigração, de aborto, e de reconhecimento de minorias.

Somente é possível neste contexto fazer uma curta revisão da ascensão e do declínio dos
movimentos e partidos trabalhistas, que foram as forças politicas mais importantes até as
décadas de 1970 e 1980 na contestação do capitalismo. O foco para movimentos e partidos
trabalhistas negligencia movimentos sociais importantes no cenário politico até estas décadas
694

de crise e da mudança para o paradigma neoliberal do capitalismo: Movimentos como os


abolicionistas, os sufragistas, os populistas nos Estados Unidos no fim do século XIX, os
movimentos nacionalistas e imperialistas e todos os outros movimentos da direita que
contestavam os movimentos trabalhistas no ambiente politico. Também não é possível
descrever o desenvolvimento histórico dos movimentos trabalhistas em diferentes países,
somente pode se dizer que a ideologia marxista criou raízes fortes nos movimentos
trabalhistas do continente europeu e na Rússia, embora nos países anglofones ela nunca
criasse raízes fortes.

Até a Primeira Guerra Mundial houve uma rápida ascensão dos movimentos e partidos
trabalhistas em relação à filiação, votação, e importância politica. Por exemplo, o partido
socialdemocrata na Alemanha (SPD) chegou a mais de um milhão de membros com uma
votação geral de mais de 30 por cento antes de 1914. Mas como Sassoon [2014, p. 27]
adverte: “Antes de 1914, em nenhum lugar em Europa um socialista tinha servido em qualquer
governo com o apoio do seu partido.” Com isto os partidos socialistas ficavam fora do poder e
seguiam uma politica anticapitalista, antimilitarista e anti-imperialista até a guerra mudou
tudo isto e a maioria dos partidos socialistas nos países beligerantes [com exceção de Rússia e
Servia] entrou nos governos e apoiava a guerra, destruindo com isto praticamente a II
Internacional [fundada em 1889].

O marxismo tornou se antes da guerra a ideologia hegemônica em muitos partidos socialistas


no continente europeu, embora nos países angofones sua importância ficasse nas margens.
Sassoon [2014, p 6.] afirma que as proposições centrais do marxismo foram: “(1) uma
declaração sobre o presente: “a ordem social é injusta”; (2) uma declaração sobre o futuro: “A
ordem social existente pode ser alterada “; (3) uma mensagem estratégica sobre a forma de
transição de (1) para (2): “O destino por si só não vai trazer essa transição, temos nós organizar
e agir“ [como grupo social unido da classe trabalhadora, nos sindicatos ingleses sob o mantra
“united we stand, divided we fall”]. Embora o objetivo final, o estado final, o socialismo não
foram definidos de forma elaborada, o objetivo final era substituir o capitalismo pelo
socialismo, caracterizado em linhas gerais pela nacionalização dos meios da produção,
distribuição e das finanças, pelo planejamento central da economia e pela reforma agrária.
Esta mudança fundamental anticapitalista seja institucionalizada pela captura de governo
[ditadura do proletariado] por meios revolucionários ou parlamentares (maioria dos votos).
Honneth [2017, p. 6] resume as fontes do socialismo da seguinte forma: “A ideia do socialismo
é um produto intelectual da industrialização capitalista; a ideia pela primeira vez vê a luz do
dia, quando se mostrava nas décadas depois da revolução francesa que a sua exigência de
695

liberdade, igualdade e fraternidade havia permanecida para grandes camadas da população


uma promessa vazia e ficava longe de sua realização social”.

Socialismo e comunismo enfatizam um Estado de trabalhadores em uma economia planejada


e meios de produção socializados, deixando pouco espaço para mercados livres,
empreendedores e a iniciativa privada. A ideologia da socialdemocracia aceita mercados livres
e tenta diminuir os defeitos do capitalismo através de leis e instituições que protegem a classe
trabalhadora e garantem um nível básico de vida para os excluídos através do Estado de bem-
estar social. Honneth [2017] também afirma que as ideologias socialistas e comunistas
focalizavam demais que somente com as mudanças nas estruturas econômicas seguindo uma
revolução socialista uma sociedade mais justa, igualitária e solidária poderia ser alcançada
perdendo de vista os sucessos das democracias liberais em garantir os direitos humanos das
pessoas (os direitos civis, políticos e sociais) e com isto perdendo de vista também que a luta
pelo socialismo deve ser sempre uma luta por estruturas econômicas e políticas que garantem
mais liberdade, solidariedade e igualdade, mas também uma luta por reconhecimento humano
e dignidade humana.

Embora a ideologia programática de muitos partidos socialistas ficava assim revolucionária até
uma década depois da Segunda Guerra Mundial, a prática da maioria dos partidos socialistas
ficava reformista. O sujeito da mudança anticapitalista foi a classe trabalhadora [o
proletariado], embora o trabalhador industrial manual, o centro da classe trabalhadora, nunca
chegou a representar a maioria da população em nenhum país.

Sassoon [2014, p. 7] enfatiza a importância da definição do sujeito de mudança para a


estratégia politica dos partidos socialistas da seguinte forma:

Ao definir a classe trabalhadora como uma classe política, atribuindo a ela políticas específicas
e rejeitando as categorias mais vagas (“pobres”) dos reformadores anteriores, os pioneiros do
socialismo, assim, praticamente “inventavam” a classe trabalhadora. Aqueles que definem,
criam. Política “democrática”, isto é, política moderna de massas, é um campo de batalha em
que o movimento mais importante é definir, qual é o problema. Para ser capaz de definir as
partes em conflito, nomeá-las e, assim, estabelecer onde as barricadas devem ser levantadas,
ou onde as trincheiras devem ser escavadas, dá uma poderosa e, às vezes, decisiva vantagem.
Isto é o que todos os grandes movimentos de mudança social tiveram que fazer.
Sassoon também argumenta que não se podem criar agentes de mudança do vazio, condições
econômicas, sociais e politicas precisam existir que facilitam a criação dos movimentos.

Dizer que a classe operária foi “inventada” não é afirmar que seus membros não existiam.
Praticamente todos os observadores da classe trabalhadora concordaram que “o proletariado”
estava longe de ser uma massa homogénea, mesmo dentro de uma única nação. O que existia
era uma vasta gama de diferentes ocupações classificadas por qualificações, divididas por
territórios, separadas por nacionalidades, muitas vezes segregadas sexualmente ou
racialmente, isoladas umas das outras por religião, tradições, e preconceitos, constantemente
696

reorganizadas pela evolução tecnológica. Para estes fragmentos foram construídas uma coesão
ideológica e uma unidade organizacional. Consciência de classe foi construída por ativistas
políticos, assim como o nacionalismo foi construído por nacionalistas, feminismo pelas
feministas, o racismo por racistas. Obviamente este processo não depende unicamente do
ativismo. Para os ativistas serem bem-sucedidos, eles devem construir em bases reais, e não no
vazio. [Sassoon, 2015, p.8]
É importante acrescentar que a criação e organização da classe trabalhadora foi também um
processo que envolveu emoções, otimismo e o espirito romântico de ser parte da onda que
pode mudar o mundo, bem como uma cultura trabalhista que criou um jeito único de viver do
berço até o túmulo. Criou se uma comunidade imaginada em sentido de Benedict Anderson,
desenvolvendo uma consciência própria da classe trabalhadora com o orgulho de ser criador
de todas as riquezas. Esta cultura trabalhista se fragmentou depois da Segunda Guerra
Mundial. É também importante anotar, que uma classe operária industrial unificada existiu
sempre mais no imaginário dos socialistas do que na realidade, sempre existiam linhas de
falha, linhas de divisão social e cultural, entre a massa trabalhadora nos países centrais,
diferenças entre trabalhadores urbanos e rurais, diferenças de gênero, da etnia e da
nacionalidade, da qualificação, da religião, da cultura e da ideologia política, diferenças
regionais, de ocupação, de idade, diferenças entre trabalhadores em indústrias gigantes e
negócios pequenos, entre trabalhadores em empresas privadas e públicas. Se o conceito da
classe trabalhadora e visto em sua visão mais expansiva como os assalariados que dependem
em primeiro lugar da venda de sua força de trabalho, uma linha de divisão forte são a
diferente ocupação e a diferente posição cultural e ideológica entre trabalhadores manuais e
funcionários nos escritórios, no comércio e nas repartições públicas. As elites sabem como
usar estas linhas de divisão para conseguir alcançar seus objetivos econômicos e políticos,
embora em tempos da crise econômica ou política um sentimento de objetivos
compartilhados dos 99% pode surgir fortalecido por ideologias combativas de sindicatos e
partidos.

Em muitos países centrais existiu até a Segunda Guerra Mundial uma forte cultura trabalhista,
diferente das culturas da classe média, das elites, e dos agricultores. Na teoria marxista na luta
de classes a classe trabalhadora enfrenta a classe capitalista (a burguesia), enquanto a classe
média e os camponeses estão diminuindo no processo de desenvolvimento capitalista. Na
realidade nos países centrais os camponeses perdiam importância, mas a classe média não
desapareceu do palco, ele ainda aumentou quando parte da classe trabalhadora pós Segunda
Guerra Mundial sente se como classe média com o acesso amplo ao padrão de consumo da
classe média. O conceito da classe média é um conceito controverso: enquanto Mann [2012
(1), p. 549] encaixa na classe média os proprietários de pequenas empresas familiais (a
697

pequena burguesia), os funcionários assalariados ascendendo nas hierarquias das grandes


empresas e da burocracia estatal, as profissões livres (advogados, médicos, etc.), e as
ocupações qualificadas do Estado (professores, níveis da alta burocracia, etc.), outros definem
a classe média com padrões de acesso aos bens duráveis de consumo, incluindo com isto
grande parte da classe trabalhadora na época do ouro do capitalismo.

Com a revolução bolchevista na Rússia em 1917 e a criação da terceira Internacional


[comunista] em 1919 houve uma cisão do movimento socialista em uma corrente socialista
reformista (socialdemocrata) e uma corrente revolucionária (comunista). A fragmentação do
movimento socialista, aprofundada pelas guerras fraticidas no período revolucionário pós-
guerra, dificultou no período entre as guerras na Europa a combate aos movimentos
autoritários da direita, fascistas e nacional-socialistas. Depois da Segunda Guerra Mundial a
Guerra Fria entre o bloco das democracias capitalistas, liderado pelos Estados Unidos, e o
bloco do socialismo real burocrático, liderado pela União Soviética, enfraqueceu muitos
movimentos socialistas, deixando somente partidos comunistas fortes na França, Itália e
Finlândia e partidos socialistas/socialdemocratas fortes em outros países da Europa ocidental,
especialmente na Escandinávia. Com a crise da década de 1970, com a ascensão do modelo
capitalista neoliberal, com a fragmentação da cultura trabalhista e finalmente com a queda do
muro de Berlim em 1989 e a queda da União Soviética em 1991, os partidos comunistas da
Europa ocidental dissolviam-se ou tornavam se forças politicas menores, e os partidos
socialdemocratas, enfraquecidos, quando chegavam novamente ao poder, como na década de
1990, foram partidos com perfil diferente do que antes da década de 1970.

Não é fácil resumir sucessos e fracassos dos partidos socialistas e comunistas e dos outros
movimentos trabalhistas para um período de mais de um século, Sassoon [2014] e Eley [2002]
mostram que a formação de uma classe trabalhadora pelos partidos socialistas com uma
ideologia coerente conseguiu levar os problemas dos direitos democráticos e sociais, da justiça
social, e da igualdade dos gêneros no foco da discussão politica em muitos países. A criação e
ampliação de um Estado de bem-estar social foi também consequência da força politica dos
movimentos trabalhistas, embora os primeiros passos e iniciativas fossem muitas vezes
planejados por políticos liberais, conservadores ou progressistas (por exemplo, Lloyd George,
Beveridge, Bismarck, Roosevelt). A regulação das economias capitalistas nos moldes do
Keynesianismo depois da Segunda Guerra Mundial nos países centrais foi somente
parcialmente consequência de politicas socialistas.

Mas os movimentos trabalhistas não conseguiam realizar sua estratégia anticapitalista nos
países centrais, as nacionalizações e o planejamento da economia depois da Segunda Guerra
698

Mundial no Reino Unido, na França e na Áustria nunca conseguiam mudar os rumos das
economias capitalistas destes países. Muitos dos sucessos também foram esvaziados nos
ataques neoliberais na década de 1980 e depois. Nas décadas de 1990 e depois os partidos
socialistas que chegavam ao poder nos países centrais tinham canceladas suas ambições
anticapitalistas e também aceitavam que a opção de uma politica de pleno emprego nos
moldes Keynesianos não estava mais atual. Alain Touraine, citado por Sassoon [2014, p. 559]
escreveu sarcástico sobre os socialistas nestes tempos da transformação neoliberal “O tipo de
ser humano elogiado em todos os lugares é agora o jovem empreendedor. Se você ouvir um
tributo inflado aos lucros, as empresas, a concorrência, você pode ter certeza que você está
ouvindo um ministro socialista”. A utopia socialista de uma sociedade mais justa parecia se
deslocar para as margens da vida politica.

Onde partidos comunistas conseguiam realizar um modelo anticapitalista depois da revolução


bolchevique de 1917 na União Sovietica e depois da Segunda Guerra Mundial no leste europeu
[e também em países do terceiro mundo], o socialismo real burocrático, os regimes tornavam-
se autoritários, burocratizados e parcialmente usando o terror contra sua própria população,
que esvaziavam as esperanças de um socialismo com face humana.

iii. A fragmentação social e cultural da classe trabalhadora

Claro que, se o termo “trabalhador” é usado no sentido clássico marxista (todos aqueles que trocam
sua força de trabalho por salários), então a “classe trabalhadora” incluiria a esmagadora maioria da
sociedade (...) quase todos se tornavam assalariados, houve menos lojistas e artesãos, e quase
nenhum camponês. Mas pensar que mineiros, servidores de limpeza nos hospitais, operadores de
computador, os altos funcionários civis, professores universitários, jogadores de futebol, seguranças
de discoteca e outros ‘assalariados’, todos têm somente uma posição de classe – e daí somente
uma identidade e interesses comuns – é bastante implausível. Sassoon, Donald, One
hundred years of socialism, p. 654
Tudo flui, e nada permanece, Heráclito (seguindo Platão Kratylos)
A ideia da classe trabalhadora como grupo social unido pela consciência comum foi construída
pelos socialistas e comunistas na luta politica e econômica, o grito de unificar os trabalhadores
de todos os países no ‘Manifesto’ de Marx e Engels sempre foi visto mais como um objetivo de
desejo do que de um fato real [Sassoon, 2014, p. 649]. Os trabalhadores nem estão
partilhando nas mesmas condições econômicos e sociais, nem compartilham as mesmas
identidades. Sassoon [Sassoon, 2014, p. 650] aponta que a questão da identidade é um
problema complexo, hoje em dia as pessoas facilmente mudam de uma identidade para outra.
Mas até depois da Segunda Guerra Mundial existia pelo menos um mundo de vida
(‘Lebenswelt’) e uma cultura compartilhada da classe trabalhadora, espaços compartilhados,
organizações e estilos compartilhados de vida, embora existissem também sempre linhas de
falha e divisão social por nação, religião, gênero, qualificação etc. Nas décadas de 1970 e 1980
699

sociólogos como Touraine e socialistas como Gorz apontavam que a classe trabalhadora foi
desaparecendo [Eley, 2002, p.403], partidos socialistas reconheciam que a diversidade social
estava aumentando pela transição pós-Fordista de produção flexível e especializada e nos
países centrais da crise de indústrias como mineração, construção naval, ferro e aço, os
trabalhadores nestas indústrias vistos como o centro da classe trabalhadora organizada. Nos
países centrais houve desindustrialização, ‘outsourcing’ da produção para países com salários
mais baixos e legislação trabalhista mais frouxa, embora de forma diferenciada (mais forte nos
Estados Unidos e no Reino Unido). Os partidos socialistas mudavam o discurso e orientavam se
mais para o centro, os sindicatos trabalhistas enfraqueciam em muitos países centrais. Criavam
se ganhadores e perdedores dos processos de globalização e da transição produtivista.

Culturalmente esta mudança foi acompanhada da mudança do paradigma classista e da luta


de classes para o paradigma da sociedade civil, do capital social e dos (novos) movimentos
sociais, focando mais objetivos e desejos da classe média. O mundo de trabalho mudou nos
países centrais, descrito em um capítulo anterior, o olhar focaliza mais as novos liberdades no
mundo consumista e no mundo virtual do Internet do que as novas realidades dos
trabalhadores na indústria e nos serviços. Um individualismo fortalecido esvaziou cada vez
mais os laços de solidariedade no lugar das comunidades e do trabalho, mas criando laços nos
novos movimentos sociais focados em objetivos ambientais e de reconhecimento de
identidades compartilhadas. Estas tendências foram também reforçadas por mudanças
demográficas e culturais: envelhecimento da população, deixando mais pessoas fora do
mundo de trabalho, aumento expressivo dos singles, ascensão das comunidades virtuais no
Internet. A imigração crescente nos países centrais, consequência das guerras e guerras civis
no médio Oriente e da pobreza nos países em desenvolvimento, criou também um palco para
a direita com discursos nacionalistas, xenófobos e racistas.

Mas, na realidade a classe trabalhadora no nível mundial não foi desaparecendo, mas, sim,
mudando de lugar. O Gráfico a seguir mostra um índice de trabalhadores na indústria (1991
=100) no mundo, na China e nos Estados Unidos, mostrando o deslocamento do trabalho
industrial.
700

Gráfico 124 Índice (1991 = 100) dos trabalhadores industriais no mundo, na China e nos
Estados Unidos

Fonte: ILO

O gráfico a seguir mostra a mudança diferenciada da participação do emprego industrial no


emprego total no mundo, na China, Japão e Coreia do Sul, bem como nos Estados Unidos, no
Reino Unido, e na Alemanha de 1970 até 2010. O Gráfico mostra uma forte queda da
participação do emprego industrial nos países centrais, um aumento expressivo na China, um
aumento até 1990 na Coreia do Sul e uma queda depois, bem como uma participação quase
estagnada nível mundial. Este gráfico parece corroborar que a classe trabalhadora industrial
não está desaparecendo, mas mudando de lugar.
701

Gráfico 125 Participação (%) dos trabalhadores industriais no emprego total no mundo, na
Alemanha, na China, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, no Japão, e no Reino Unido 1970 –
2010

Fonte: BLS, ILO

Sassoon [2014, p. 656 pp.] anota para os países centrais uma fragmentação crescente da classe
trabalhadora nos anos depois da década de 1970, uma mudança para o paradigma de
produção flexível, o desemprego em massa, a desindustrialização, a expansão da participação
da mulher no mercado de trabalho. Na opinião de Sassoon estas tendências não foram
adequadamente refletidas nas políticas de esquerda, cada vez mais dominada por ativistas da
classe média, focando mais os problemas da classe média e abandonando sua clientela
natural. Isto abriu espaço para movimentos e partidos populistas de direita focando nos
perdedores da globalização com programas nacionalistas de antiglobalização e anti-imigração.
Noutro lado os partidos socialistas e comunistas de esquerda [na Europa continental]
enfrentavam as mudanças com novas agendas de uma suposta sociedade pós-industrial e pós-
materialista, onde ecologia, paz, feminismo e identidades em geral tornavam se questões
centrais. Como consequência formavam se em muitos países partidos verdes concorrentes,
que pareciam representar melhor estes objetivos. Mas formavam se também movimentos
sociais novos da direita enfrentando as atividades da esquerda, como grupos religiosos
fundamentalistas, grupos contra o aborto, grupos defendendo a nação, a lei e ordem, grupos
anti-imigração, etc.
702

A queda do modelo do socialismo real burocrático no leste de Europa no fim da década de


1980 desvalorizou não somente a agenda politica dos partidos comunistas, muitos deles
tornavam se socialdemocratas com nomes novos, mas também a agenda dos partidos
socialdemocratas. O ceticismo dos discursos políticos não somente focava os traços totalitários
dos regimes comunistas, mas também as agendas dos partidos socialdemocratas de
planejamento econômico nos moldes keynesianos e das agendas da justiça social do Estado de
bem estar social. Uma alternativa convincente anticapitalista saiu totalmente do discurso
politico e somente com a crise financeira global de 2008/2009 foram novamente discutidas
agendas anticapitalistas com tendências socialistas nos países centrais.

Muitos sociólogos descrevem uma fragmentação crescente da sociedade nos países centrais
na época neoliberal desde a década de 1980, apontando também para uma divisão social
maior entre as elites (os 1 % na terminologia do Occupy) e a massa da população (os 99%),
bem como uma crescente parte da população em situação precária, o precariado. Payne
[2013, p. 6p.] adverte que os sociólogos que antes focavam em divisões sociais de classe, hoje
abordam divisões sociais mais fragmentadas orientadas em gênero, etnia, etc. Desigualdades
sociais são criadas por estas divisões sociais:

No passado, muitas vezes se dizia que os sociólogos só se interessavam por “classe social”,
excluindo todas as outras divisões. Desde a década de 1980, o gênero e a etnia tornaram-se mais
centrais para a pesquisa sociológica. Ainda mais recentemente, outras divisões, como a sexualidade
e a identidade nacional, tornaram-se proeminentes no repertório sociológico. (...) a forma como
uma pessoa sentia a identidade pessoal atraiu uma gama mais ampla de fatores sociais ou, como
alguns sociólogos argumentaram, um sentido das diferenças individuais (...). Este, por sua vez, é um
produto de novas formas de vida que substituem as mais antigas e tradicionais associadas às
antigas estruturas de classe. (…) Segue-se daí que as várias divisões sociais muitas vezes se
conectam e se sobrepõem, reforçando as desigualdades (...). Em qualquer situação, uma divisão
social particular pode assumir uma importância maior, mas as pessoas não existem em um mundo
social onde apenas a classe, ou apenas o gênero, ou apenas a etnia, é importante. Não é que haja
uma única categoria que seja distintiva.
Frankenberger e Frech [2017, p. 7 pp.] apontam também para uma mudança conceitual dos
sociólogos na analise das estruturas sociais:

Era comum até os anos 1970, falar de “classe” e “camada”, nos anos da década de 1980
estabeleceu-se na análise da estrutura social o conceito de “ambiente social” para descrever as
diferenças e desigualdades sociais. (...). Os meios sociais são entendidos como diferenciação
com base em orientações de valor, mentalidades, estilos de vida e situações sociais. Os meios
sociais são, portanto, de natureza diferente das classes e estratos sociais, que podem ser
definidos por circunstâncias e recursos socioeconômicos comuns. (...) O modelo de ambientes
sociais é um meio-termo entre a análise de classe ou camada, por um lado, e as abordagens de
estilo de vida, por outro. O mapa sociocultural comparativamente estável dos meios sociais
resume os grupos sociais com orientações de valores semelhantes, objetivos de vida, estilos de
vida e preferências estéticas cotidianas. A análise do meio ambiente leva em consideração todo
o ser humano e tenta capturar todas as características subjetivas e objetivas que constituem a
identidade sociocultural dos seres humanos.
703

A fragmentação da população também é pressuposta principal dos ambientes sociais dos


‘Sinus Milieus’ e da analise de estilos da vida, supondo que certas partes da população migram
para valores pós-materiais, como Frankenberger e Frech [2017, p. 32] mostram:

Além da abordagem de situação social [Soziallagenansatz], a pesquisa de ambiente social


[Milieuforschung] é uma das abordagens mais novas e importantes da análise da estrutura
social alemã. Foi desenvolvido pelo Instituto Sinus para Pesquisa de Mercado e Eleição na
década de 1980 e tem sido usado com muito sucesso desde então. Eles podem ser chamados
de abordagem “subjetivista” ou “culturalista” de análise de estrutura social: Enquanto a análise
da camada diferencia uma população por “condições objetivas de vida” similares ou “situações
sociais objetivas” e depois examina as mentalidades, atitudes, comportamentos e
oportunidades de vida com essas circunstâncias diferentes A abordagem do meio social
inicialmente agrupa as pessoas em “unidades de subculturas”, de acordo com as diferenças nas
suas orientações de valores e estilos de vida. Em uma segunda etapa, ele pergunta como esses
ambientes são distribuídos em diferentes camadas.
Standing [2011] foca no crescimento de um precariado nos anos neoliberais como fato politico
e social mais importante nos países centrais. Nos países emergentes, como o Brasil, um
problema similar é conhecido já por muito mais tempo, a existência da informalidade no
mercado de trabalho, a existência de uma economia sombra. Embora no Brasil nos governos
Lula e Rousseff mais de 11 milhões de Brasileiros [Pochman, 2015, posição 1173] saiavam da
camada de renda baixa, a crise profunda de 2014 – 2016 levaram muitos Brasileiros
novamente de volta para a informalidade ou o desemprego. Pode ser importante mergulhar
mais profundamente numa nova classe ou camada crescendo fortemente na era neoliberal, os
desempregados, trabalhadores informais, ‘working poor’, excluídos, vivendo vidas precías e
inseguras. Standing [2011, paginas VII, 4, 183 pp. E outras] chama o precariado uma nova
classe perigosa, com isto no mesmo momento refletindo as preocupações das elites e a
esperança para um novo ator social para uma mudança social:

O precariado não é vítima, vilão ou herói – são apenas muitos de nós. [183] (...) Precisamos acordar
com urgência para o precariado global. Há muita raiva por aí e muita ansiedade. (...) Eles estão
flutuando, sem rumo e potencialmente zangados, capazes de se desviar politicamente para a
extrema direita ou para a extrema esquerda e apoiar a demagogia populista que joga com seus
medos ou fobias. [vii] (…)
A era da globalização (1975-2008) foi um período em que a economia foi “desconectada” da
sociedade à medida que os financistas e os economistas neoliberais procuravam criar uma
economia de mercado global baseada na competitividade e no individualismo. O precariado cresceu
por causa das políticas e mudanças institucionais nesse período. [4] (…)
Debaixo desses quatro grupos [as elites, os profissionais qualificados por conta própria e no serviço
privado e público, os assalariados normais], há o crescente “precariado”, flanqueado por um
exército de desempregados e um grupo separado de desajustados socialmente doentes que vivem
fora da sociedade. (…)
É o precariado que queremos identificar aqui. Os sociólogos pensam convencionalmente em termos
das formas de estratificação de Max Weber – classe e status – onde a classe se refere às relações
sociais de produção e à posição de uma pessoa no processo de trabalho (Weber, [1922] 1968).
Dentro dos mercados de trabalho, além dos empregadores e trabalhadores autônomos [self
employed], a principal distinção tem sido entre trabalhadores pagos por produto e por tempo, o
704

primeiro cobrindo fornecedores de mão-de-obra por tempo e por peça, com imagens de esforço
monetário, sendo este último supostamente recompensado pela confiança e compensação por
serviço (...).
O precariado tem características de classe. Consiste em pessoas que têm relações de confiança
mínimas com o capital ou com o Estado, tornando-o bastante diferente do ‘saláriado’. E não tem
nenhuma das relações de contrato social do proletariado, em que os títulos de trabalho foram
fornecidos em troca de subordinação e lealdade contingente, o acordo não escrito que sustenta os
Estados de bem-estar social. Sem uma barganha de confiança ou segurança em troca de
subordinação, o precariado é distintivo em termos de classe. Ele também tem uma posição de
status peculiar, ao não mapear nitidamente as ocupações profissionais de alto status ou de status
médio. Uma maneira de colocar isso é que o precariado tem “status truncado”. E, como veremos,
sua estrutura de “renda social” não se enquadra perfeitamente nas velhas noções de classe ou
ocupação. (...)
O precariado experimenta os quatro A’s [anger, anomie, anxiety and alienation] – raiva, anomia,
ansiedade e alienação. A raiva origina-se da frustração diante dos caminhos aparentemente
bloqueados para o avanço de uma vida significativa e de um sentimento de privação relativa. (…) O
precariado vive com ansiedade – insegurança crónica associada não só à oscilação no limite,
sabendo que um erro ou uma falta de sorte pode fazer pender a balança entre a dignidade modesta
e ser uma dama, mas também com medo de perder o que possui, mesmo quando se sente
enganado por não ter mais. As pessoas são inseguras e estressadas, ao mesmo tempo
“subempregadas” e “em excesso de emprego” (...). A alienação surge do conhecimento de que o
que se está fazendo não é para o próprio propósito ou para o que se pode respeitar ou apreciar;
isso é feito simplesmente para os outros, a pedido deles. Isto tem sido considerado como uma
característica definidora do proletariado [7 p.]
Outra perspectiva de que as sociedades nos países centrais são se fragmentando com a
crescente desigualdade social e suas implicações politicas perigosas são problemas da
crescente pobreza, dos working poor, da exclusão social. Embora para Negri e Hardt eles como
multitude fazem parte dos movimentos que podem transformar o capitalismo global, parece
otimista demais ver estas ‘novas classes perigosas’ [Standing] como sujeito transformador.

Uma pergunta importante é porque a esquerda política não conseguiu aproveitar a crescente
desigualdade de renda, riqueza, e poder nos países centrais. Fukayama (2018) levanta algumas
explicações possíveis:

Como explicamos o fracasso da esquerda em capitalizar a crescente desigualdade global e o


surgimento da direita nacionalista em seu lugar? Este não é um fenômeno novo: os partidos da
esquerda estiveram perdendo para os nacionalistas desde mais de cem anos, precisamente entre
aquelas camadas pobres ou a classe trabalhadora que deveriam ter sido sua base mais sólida de
apoio. A classe trabalhadora europeia alinhou se não a bandeira do internacional socialista em
1914, mas com seus governos nacionais quando a primeira guerra mundial começou em 1914. Esta
falha foi um problema para os marxistas por anos; nas palavras de Ernest Gellner, eles disseram a si
mesmos que
assim como extremo xiita muçulmano pensa que Arcanjo Gabriel cometeu um erro entregando
a mensagem para Mohamed quando foi destinado a Ali, então marxistas basicamente gostam
de pensar que o espírito da história ou a consciência humana fez um erro terrível. A mensagem
de despertar foi destinada para as classes, mas por algum erro postal terrível foi entregue às
Nações.
Similarmente, no Oriente Médio contemporâneo, uma carta dirigida às classes foi entregada
preferivelmente às religiões (...). A ameaça percebida para o status de classe média pode então
explicar o surgimento do nacionalismo populista em muitas partes do mundo na segunda década do
século XXI contemporâneo (...). O problema com a esquerda contemporânea são as formas
705

particulares de identidade que ela tem cada vez mais escolhido para comemorar. Em vez de
construir solidariedade em torno de grandes coletividades, como a classe trabalhadora ou os
explorados economicamente, ela tem-se centrado em grupos cada vez menores sendo
marginalizados de maneiras especificas (..). Não há nada de errado com a política de identidade
como tal; é uma resposta natural e inevitável à injustiça. Torna-se problemático apenas quando a
identidade é interpretada ou declarada de determinadas formas específicas. Política de identidade
para alguns progressistas tornou-se um substituto barato para o pensamento sério sobre como
reverter a tendência de trinta anos na maioria das democracias liberais para uma maior
desigualdade socioeconômica. (...). A dinâmica da política de identidade é estimular mais do
mesmo, uma vez que os grupos identitários começam a se ver como ameaças. Ao contrário das
lutas sobre os recursos econômicos, as reivindicações de identidade são geralmente não
negociáveis: os direitos ao reconhecimento social baseado na raça, na etnia, ou no sexo são
baseados em características biológicas fixas e não podem ser negociados para outros bens ou
abreviados em nenhuma maneira. As sociedades precisam proteger os marginalizados e excluídos,
mas também precisam alcançar objetivos comuns por meio de deliberação e consenso. A mudança
nas agendas de esquerda e direita para a proteção de identidades de grupo cada vez mais estreitas
ameaça finalmente a possibilidade de comunicação e ação coletiva.
iv. A ascensão de novos movimentos sociais

Movimento social é uma forma da ação coletiva fora das instituições politicas representando
os interesses, expectativas e desejos de grupos da sociedade civil através de petições,
demonstrações, etc., e ações contenciosas incluindo violência e insurreição. Um movimento
social pode ser um reflexo para um evento contingente e singular (como um movimento
contra a construção de uma autoestrada perto de um subúrbio residencial) ou um movimento
organizado com agenda definida para conseguir objetivos materiais ou de reconhecimento
(como uma agenda a favor de combater o aquecimento global, ou, uma agenda para melhorar
os benefícios do Estado de bem estar social, ou, ou uma agenda contra mudanças na
previdência social previstos pelo governo). Alguns movimentos sociais entram na área politica
formando partidos, como nos séculos passados movimentos trabalhistas organizavam se em
partidos socialistas e comunistas, ou, mais recentemente, movimentos ecológicos organizavam
se como partidos verdes.

No foco deste trabalho são movimentos sociais com agenda anticapitalista. Mas é importante
reconhecer que existem movimentos com agendas anticapitalistas somente na margem, se
focando em problemas de ecologia, de gênero, de identidades diversas e, anti-imigração, etc.
Os alvos das ações coletivas e protestos podem ser governos, a burocracia estatal,
corporações, partidos ou outros grupos e organizações com poder. A agenda dos movimentos
sociais pode ser anticapitalista, na terminologia da luta de classes, pode ser reformista,
garantindo direitos de proteção social para grupos excluídos, a regulação da economia
capitalista e, o reconhecimento de identidades e direitos de grupos desfavorecidos e a
reivindicação de assuntos específicos.
706

Eley [2202, p. 470 pp.] resume os movimentos sociais novos (e revividos) da década 1970 e
depois da seguinte forma:

Economias pós-fordistas mantem uma abundância de conflitos em torno da desigualdade


social, emprego em tempo parcial, baixos salários, segurança e regulamentações na área de
saúde, e de benefícios. Mas outras questões também exigem a atenção do público, relativas à
autoestima e auto-expressã – estética e intelectual – satisfação, identidade e de pertença, e
qualidade de vida. Tais valores “pós-materialistas”, sobretudo, moviam as gerações jovens na
década de 1960 e depois, eles inspiravam protestos contra riscos e inseguranças da vida social,
como a ameaça de guerra nuclear e a catástrofe do ambiente, encorajaram desejos para a
conservação [do meio ambiente], energia limpa, igualdade de género, sexualidades plurais, o
multiculturalismo, a compreensão internacional, e expressão artística e estilística livre. Críticas
da alienação foram fundamentais, afirmando valores de autocontrole e empoderamento,
autonomia e individualismo, auto-realização e livre escolha.
Obviamente muitas destas críticas tinham elementos anticapitalistas somente na margem,
enfocando problemas alternativos tão diversos que a elaboração de uma estratégia
anticapitalista em um ambiente de uma economia neoliberal com consumo desenfreado e
livre escolha cultural parecia impossível. Os movimentos globais de antiglobalização, os fóruns
sociais globais, o movimento occupy Wall Street com o mantra “Nós somos os 99 por cento”
mostrou sinais de novos formas e movimentos com conteúdo anticapitalista. Também os
movimentos contra as politicas de austeridade prevendo cortes nas aposentadorias e nos
benefícios do Estado de bem estar social mostram elementos anticapitalistas. Os alvos dos
protestos podem ser governos, empresas, ou uma percebida cooperação entre elites
empresariais e políticas.

Mas a falta de uma alternativa, de um programa convincente e coerente para uma possível
economia pós-capitalista estava também obvia. Falta também uma estratégia como organizar
um movimento forte para enfrentar as elites neoliberais. O aumento da desigualdade social,
da renda e riqueza, da distribuição de poder avançou depois da crise financeira global
novamente para o centro da discussão, mas as elites conseguiam amansar esta discussão até
agora. As elites tornavam se mais globais, retirando se de suas bases nacionais, aproveitando
seus lucros crescentes, parcialmente com origens na corrupção e no crime. A esquerda
organizada ainda não conseguiu elaborar uma estratégia para enfrentar a liberdade neoliberal
consumista com seus benefícios para uma ampla parte da população, mas com sérias
consequências sociais negativas para os perdedores do jogo, os excluídos, o precariado, os
‘working poor’.

v. Movimentos trabalhistas e sociais no Brasil

Em outros lugares, no entanto, a questão social continuou sendo uma “questão policial”, segundo
uma frase famosa que alguém pronunciou no Brasil naquele período. HISTORIA DE AMÉRICA
LATINA, Volume, 12 para as primeiras décadas do movimento operário na América Latina
707

O Brasil entrou somente na era Vargas em uma fase de industrialização mais profunda do país,
a classe trabalhadora e suas organizações tiveram por esta razão nos tempos do Brasil rural
uma expressão menor, embora no Brasil urbano eles já mostrassem um papel importante, que
assustava as elites. Mas na colônia, no Império e na República Velha greves, revoltas e
revoluções do povo contra as elites já mostravam os problemas sociais e políticos do Brasil.
Gohn (2015, p. 15 p.), conta sobre estas revoltas do século XIX:

A maioria das lutas e movimentos no Brasil Colônia foi empreendida por negros escravos e pela
plebe, vulgo “ralé”. Eram os indivíduos pobres e livres. A categoria “povo” na época colonial era
dada aos comerciantes e artesãos. No topo da pirâmide social estavam os senhores de
engenho, os militares e funcionários graduados e o clero. Eles eram seguidos pelos lavradores,
grandes mercadores e artesões. Os pobres livres eram os penúltimos, pois os últimos eram os
cativos, os escravos. Eis uma lista das lutas mais famosas no Brasil Colônia e na fase do Império:
Zumbi dos Palmares (1630-1695), Inconfidência Mineira (1789), Conspiração dos Alfaiates
(Minas, 1798), Revolução Pernambucana (1817), Balaiada (Maranhão, 1830-1841), Revolta dos
Malés (Bahia, 1835), Cabanagem (Pará, 1835), Revolução Praieira (Pernambuco, 1847-1849),
Revolta de lbicaba (Estado de São Paulo, 1851), Revolta de Vassouras (Estado do Rio, 1858),
Quebra-Quilos (Pernambuco, 1873), Revolta Muckers (Rio Grande do Sul, 1874), Revolta do
Vintém (Rio de Janeiro, 1880), Canudos (Bahia, 1874-1897, massacrada pelas forças da
República).
Na primeira metade do século XX Gohn foca as revoltas seguintes:

Nas duas primeiras décadas do século ocorreram revoltas da população reivindicando serviços
urbanos, ou protestando contra políticas locais como a Revolta da Vacina (Rio de Janeiro,
1905), Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910), Revolta do Contestado (Paraná, 1912), ligas
contra o analfabetismo (1915), ligas nacionalistas pelo voto secreto e expansão da educação
(1917), revoltas contra o preço do pão, por feiras livres, contra a inspeção de bagagens nas
estações de trens, contra a colocação de trilhos para os bondes (que retiravam o emprego dos
carroceiros e quebravam os cascos das patas de seus cavalos), atos iniciaram no Rio de Janeiro
e se espalhou para vários pontos do país. Nos anos 20 surgem várias lutas e movimentos das
camadas médias da população urbana e revoltas de militares, bem como movimentos
messiânicos e de cangaceiros no sertão nordestino do país, como o liderado pelo padre Cícero
no Ceará (1926) e por Lampião na Bahia (1925-1938). Nas cidades destacaram-se a Revolução
dos Tenentes (1922), a Coluna Prestes (...). Vários movimentos sociais ocorreram no período de
1930-1937, entre os quais o Movimento dos Pioneiros da Educação (1931), a Marcha Contra a
Fome (1931), a Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932), a Revolta do Caldeirão no
Ceará (1935), a criação da Aliança Libertadora Nacional (1935), o Movimento Pau de Colher
(ocupação de terras na Bahia, em 1935), revoltas militares etc. Colher (ocupação de terras na
Bahia, em 1935), revoltas militares etc. O golpe do Estado Novo em 1937, impetrado pejo ex-
presidente Getúlio Vargas, amorteceu os conflitos sociais pelo controle via repressão.

Giannotti (s.a. p. 4 pp.), mais focado nas lutas da classe operária conta esta fase da história na
República Velha com uma perspectiva diferente. Até a década de 1920 a ideologia trabalhista
foi em primeiro lugar influenciada pelos pensamentos anarcosindicalistas, influenciados pelos
imigrantes da Europa. Na década de 1920 influências socialistas e comunistas ganhavam mais
espaço nos movimentos operários urbanos:

As primeiras sociedades operárias, no Brasil, eram associações de ajuda e assistência mútua.


Tinham vários nomes: Liga Operária, União Mútua, Sociedade Beneficiente Operária, Coletivo
Operário, e outros. Apareceram então os primeiros boletins e jornais: O Proletário, O
708

Anarquista, O Brado dos Pobres, O Lutador, Gazeta Operária, Revolução Social, O Progresso, O
Trabalho e dezenas de outros mais. (...). De 1900 a 1920 criam-se muitos sindicatos e várias
formas de organização operária. Eis as principais formas de organização da época: (...)
Sindicatos, (...) federações, (...) comitês, (...) congressos. (...). A luta pela jornada de 8 horas de
trabalho foi a grande bandeira do 1º Congresso. Operário Brasileiro em 1906 decidiu-se criar a
Central Operária Brasileira (COB) que passou a existir em 1907. Outros congressos foram
organizados em 1913 e 1920. (...) O período de 1903 a 1908 é um momento de grandes greves.
A resposta do Governo era uma só: repressão policial. (...) Em 1917: [influência da revolução
russa] Greve Geral em São Paulo, por aumento de salário, começando numa tecelagem, e se
estendendo por todo Estado. (...) De 1920 a 1926 o Brasil viveu em Estado de Sítio:
desarticulou-se todo o movimento operário. A partir de 1919 o Governo iniciou um esboço de
legislação social; eis as primeiras leis: 1919 — Lei sobre acidentes de trabalho; 1925 — Lei de
15 dias de férias; 1926 — Lei sobre o trabalho do menor. Essas leis existiram quase que
só no papel. – De 1920 a 1930 há luta política entre os militantes operários das várias
correntes que existiam no movimento: a anarquista, a comunista e a católica. − A partir
de 1922 os Primeiros de Maio serão organizados sempre separados em duas ou três
manifestações. Os católicos começam a fazer a sua manifestação. − Em 1922 fundou-se o
Partido Comunista do Brasil num congresso de 9 pessoas, 7 operários e 2 intelectuais. A
partir dessa data a tendência comunista-socialista se fortaleceu e passou a disputar com
os anarquistas a direção dos sindicatos. Até 1932 os anarquistas continuaram ativos, mas
perdendo cada vez mais força para os comunistas. (...) A Revolução de 1930 encontrou o
movimento operário esmagado por longos anos de repressão e dividido entre si. Isso
permitirá a implantação do sindicalismo oficial por Getúlio Vargas. (...) O período de 1945
a 1964 é a época de ouro da ideologia populista. A ideologia do populismo tem estas
ideias básicas: − “O Estado é acima das classes. − O Estado protege os fracos. − O Estado
cuida do povo todo.” (...) Esta fase do populismo de Vargas mostrou melhor seus
aspectos nacionalistas. Falava-se em Brasil como grande potência, independente de
compromissos com o imperialismo. Falava-se em Brasil como nação cada vez mais rica e
desenvolvida graças à colaboração entre a burguesia nacional e o proletariado. Esta época
marca uma nova ascenção do movimento operário sindical. É também nesta época que
os homens do poder numa linha populista, desencadeiam as grandes lutas anti-
imperialistas conhecidas como a campanha de “O Petróleo é nosso” com a criação da
Petrobrás e da Eletrobrás. Durante toda a década de 1950 as esquerdas, lideradas pelo
PCB, participam cada vez mais desse clima populista, onde não se distinguem as duas
classes antagônicas: burguesia e proletariado, e onde a direção política-ideológica está
nas mãos da burguesia nacional. (...) Os anos de 1953 até 1963 marcam uma retomada
das greves; e junto com estas greves a classe operária formará vários organismos
unificados para a luta operária. (...) de 1950 até 1964 os sindicatos retomaram uma
certa vitalidade. O golpe de 31 de março de 1964 disse um basta a tudo isto. Os
Governos Militares pós 64 dedicaram um esforço enorme para transformar a imagem e
a realidade do sindicato. O sindicato não pode mais ser órgão de politização, de
reivindicação, de luta de classe. O sindicato tem que ser um órgão assistencialista, tem
que promover a paz social. Essa é a vontade dos militares no poder. (...) em 13.12.68 os
militares decretam o Ato Institucional no.5 (AI-5). É uma nova fase da ditadura militar
cujas características são as seguintes: • Aumenta a perseguição aos trabalhadores nas
fábricas, nos bairros, nas fazendas. Assassinatos, torturas e prisões passam a ser rotina.
(...) No ano de 1977 inicia-se a luta pela “reposição salarial”.(...).
No fim da década de 1970 começa o novo sindicalismo no Brasil, independente, e combativo,
com Lula com um de seus líderes mais importantes. Em 1980 o PT foi criado como braço
político do movimento trabalhista, em 1983 a central sindicalista CUT foi criada.

Panizza (2015, p. 716 pp.) resume os erros da esquerda em América Latina da seguinte forma:

Em seu livro seminal Utopia Unarmed, publicado pela primeira vez em 1994, o intelectual e
político mexicano Jorge Castañeda pesquisou a condição da esquerda latino-americana na
709

última década do século XX. Escrito logo após o colapso do bloco socialista em um momento de
ascensão de governos conservadores e pró-negócios em toda a América Latina, ele escreveu
que, embora a esquerda permanecesse influente no movimento popular e no nível intelectual,
a esquerda política era, em suas próprias palavras, “em fuga e nas cordas” (Castañeda, 1994, p.
3). Ele argumentou que, embora as causas originais que deram origem à esquerda na região, a
pobreza, a injustiça, as disparidades sociais e a violência social esmagadora – fossem tão
atraentes quanto antes, com exceção de Cuba, a esquerda falhou em seus esforços para o
poder, fazer revolução e mudar o mundo ”(p. 4). Hoje, a esquerda, em suas diferentes
tonalidades ideológicas, está voltando na região. O triunfo eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva
na eleição presidencial de novembro de 2002 no Brasil foi o primeiro de um candidato de
esquerda desde a vitória eleitoral de Salvador Allende em 1970.
Os nomes de Bachelet, Chávez, Correa, Kirchner, Morales, Mujica, podem ser considerados
com representantes de diferentes correntes da esquerda em outros países da América Latina.
A situação é confusa e muito menos previsível depois do impeachment da presidente Rousseff
e da crise econômica profunda de 2014 – 2016. Nos anos de Lula e Rousseff aconteciam
transformações sociais importantes, mas o capitalismo no Brasil e suas elites ficavam fortes
como antes.

Mas os acontecimentos mais recentes são assunto do próximo capítulo.

vi. Perspectivas anticapitalistas no mundo contemporâneo

As idéias culturais vivem dentro da mente dos humanos. Eles se multiplicam e se espalham de uma
pessoa para outro, (...). Uma idéia cultural - como a crença no céu cristão acima das nuvens ou no
paraíso comunista aqui na terra - pode obrigar um humano a dedicar sua vida para espalhar essa
idéia, mesmo ao preço da morte. O humano morre, mas a idéia se espalha. De acordo com essa
abordagem, as culturas não são conspirações inventadas por algumas pessoas para tirar vantagem
de outras (como os marxistas tendem a pensar). Em vez disso, as culturas são parasitas mentais que
emergem acidentalmente e, posteriormente, tiram vantagem de todas as pessoas infectadas por
elas. Essa abordagem às vezes é chamada memética. Ele pressupõe que, assim como a evolução
orgânica se baseia na replicação de unidades de informação orgânica denominada "genes", a
evolução cultural se baseia na replicação de unidades de informação cultural denominada "memes"
Yuval Noah Harari, Sapiens, A brief history o humankind, posição 3722 pp.

Harari na citação acima mostra a importância da evolução cultural para a compreensão da


história humana. As transformações no mundo contemporâneo não são somente reflexo das
transformações econômicas e tecnológicas, mas também das transformações culturais. Um
mundo em transformação desde a ascensão da ideologia neoliberal com a globalização
avançando, com novas tecnologias de informação, comunicação e biotecnologia, com a queda
do socialismo burocrático na União Soviética e no leste europeu, com a ascensão da China
como ator geopolítico depois da introdução de elementos de uma economia de mercado num
modelo de capitalismo autoritário, levou também para profundas transformações sociais e
culturais. Neste ambiente da mudança cultural num mundo em processo da globalização e
desigualdade crescente nascem também novos atores políticos: movimentos sociais,
movimentos de fundamentalismo religioso, movimentos e partidos reanimando ideologias de
710

extrema direita. Neste capítulo tenta se apresentar um rascunho das perspectivas de


movimentos anticapitalistas neste mundo das transformações profundas.

O papel das transformações sociais e culturais para a ação politica

Man – a being in search of meaning Platão108

Esse período, de meados da década de 1960 ao início da década de 1990, também foi marcado por
condições sociais seriamente deterioradas na maior parte do mundo industrializado. O crime e a
desordem social começaram a aumentar, tornando quase inabitáveis as áreas do centro das cidades
mais ricas do mundo. O declínio do parentesco como instituição social, que já dura mais de
duzentos anos, acelerou acentuadamente na última metade do século XX. A fertilidade na maioria
dos países europeus e no Japão caiu para níveis tão baixos que essas sociedades se despovoarão no
próximo século, sem imigração substancial; casamentos e nascimentos diminuam; o divórcio
disparou; e a gravidez fora do casamento afetou uma em cada três crianças nascidas nos Estados
Unidos e mais da metade de todas as crianças na Escandinávia. Finalmente, a confiança nas
instituições entrou em um profundo declínio de quarenta anos. (...). A natureza do envolvimento
das pessoas também mudou. Embora não haja evidências de que as pessoas se associem menos,
seus laços mútuos tendem a serem menos permanentes, menos engajados, e com grupos menores
de pessoas. Essas mudanças foram dramáticas, ocorreram em uma ampla gama de países
semelhantes e todas apareceram aproximadamente no mesmo período da história. Como tal,
constituíram uma Grande Ruptura nos valores sociais que prevaleciam na sociedade da era
industrial de meados do século XX. Fukuyama, Francis. The Great Disruption, posição
106 pp.

Thymos é a parte da alma que anseia o reconhecimento da dignidade; a isothymia é a demanda a


ser respeitada em uma base igual com outras pessoas; enquanto a megalothymia é o desejo de ser
reconhecida como superior. (...). A demanda por reconhecimento de sua identidade é um conceito
mestre que unifica muito do que está acontecendo na política mundial hoje. (...). Muito do que
passa para a motivação econômica é, eu vou argumentar, na verdade enraizada na demanda de
reconhecimento e, portanto, não pode simplesmente ser satisfeita através de meios econômicos
(...). A ascensão da política da identidade nas democracias liberais modernas é uma das ameaças
principais que elas enfrentam, e a menos que nos poderemos voltar aos entendimentos mais
universais da dignidade humana, nós somos condenados a um conflito contínuo.
Fukuyama, Francis. Identity, posição 82 pp.

Como sistema, o socialismo está morto. Como movimento e força política organizada, está em suas
últimas pernas. Todos os objetivos que [o socialismo] uma vez proclamou estão desatualizados. As
forças sociais que o levaram estão desaparecendo. Perdeu sua dimensão profética, sua base
material, seu "sujeito histórico"; A história e as mudanças técnicas que estão levando à extinção, se
não do proletariado, pelo menos da classe trabalhadora, mostraram que sua filosofia de trabalho e
história é mal interpretada. (...). Isso significa, então, que a perspectiva socialista e a referência ao
socialismo perderam todo o sentido? Podemos esquecer que o capitalismo domina a economia
mundial sem precisar oferecer ao mundo uma ordem social ou modelo de sociedade? Podemos nos
esquecer de que nossas sociedades são sociedades capitalistas e que o socialismo não precisa se
definir em termos de outro sistema social existente em outro lugar: se define como oposição ao
capitalismo - isto é, como uma crítica radical das formas de sociedade em que o social é
improdutivo? Pode [o capitalismo] ser salvo continuando indefinidamente a monetizar,
profissionalizar e transformar em ocupações remuneradas, mesmo as atividades diárias mais
básicas? Gorz, André. Capitalism, Socialism, Ecology, preface

Fukuyama [1999] aponta na primeira citação a metade da década de 1960 até 1990 como um
período de transformaçõus sociais e culturais profundas, procurando as causas em primeiro
lugar nas mudanças pela globalização e pela tecnologia em direção para sociedades mais
711

individualistas e egocêntricas, perdendo com isto coesão e confiança. Ele não aponta para as
transformações profundas que a crise da década de 1970 deixou nos países centrais, com foco
na mudança para a ideologia neoliberal, transformando com o progresso tecnológico o mundo
de trabalho (desindustrialização nos países centrais, desemprego, empregos precárias e
temporárias, concorrência acirrada pelos empregos melhores, cortes na rede de segurança do
Estado de bem estar social), solidariedades e laços de confiança em queda, e a procura do bem
estar individual em detrimento do bem estar coletivo, a competição criando uma divisão mais
profunda entre ganhadores e perdedores da globalização e do progresso tecnológico.
Fracassos e exclusão social são vistos em primeiro lugar como falhas individuais, não como
consequência do capitalismo nos moldes neoliberais.

A segunda citação de Fukuyama [2018] mostra a importância do motivo do reconhecimento da


dignidade individual, a procura pela identidade (ou do sentido como na primeira citação de
Platão) em sociedades e tempos menos coesas, onde valores e estruturas tornam se mais
fluídos. A ênfase que autores marxistas ponham nos interesses e valores materiais subavaliam
a importância que as pessoas em um ambiente pós-moderno mais fluido põem na procura em
identidades que prometem o calor emocional de coletividades humanas, como a nação, a
religião, e outras identidades compartilhadas em um ambiente frio e calculista. A citação
Fukuyama aponta que a multidão de grupos de identidades diversas (e com isto criando a
divisião entre nós e eles), perseguindo seus valores, cria o perigo de esquecer os valores
universais de direitos humanos, que apontam para uma solidariedade universal.

A ultima citação de Gorz [2012] aponta também que a queda da União Soviética em 1991
desvalorizou o conceito e os objetivos do socialismo e, com isto, uma ênfase em objetivos e
valores coletivos sociais em detrimento de objetivos individuais. Obviamente a desvalorização
do conceito do socialismo na discussão pública é num lado consequência dos fracassos
democráticos e econômicos do socialismo real, noutro lado também consequência da
mudança neoliberal com seus valores individualistas e consumistas.

A pergunta aberta de Gorz e de muitos outros pensadores é como ressuscitar objetivos e


valores coletivos universais da solidariedade, que são parte do projeto socialista, e construir
um projeto anticapitalista coerente e democrático, que não cai nas armadilhas do
autoritarismo burocrático. Uma segunda pergunta aponta para os sujeitos transformadores
que precisam realizar este projeto em uma sociedade individualizada e diversa. Neste sentido
o próximo capitulo pode ser entendido, mostrando movimentos sociais contemporâneos, que
podem ser partes de uma aliança mais ampla. O capítulo tenta descrever alguns destes
712

movimentos e seus objetivos sem tentar formular um projeto coerente. Possivelmente um


projeto anticapitalista totalizante é nem desejável implicando tendências totalitárias, ficando
aberta somente a estratégia de mudanças passo a passo de Popper. Gorz [2012, p. 8] formula
algumas perguntas básicas nesta direção e adverte também na segunda parte de não
superestimar os novos movimentos sociais [2012, p. 72]:

Todas as perguntas-chave que uma concepção atualizada do socialismo deve posar pode
conseqüentemente ser formulada como segue: como pode o desenvolvimento da economia ter
uma orientação social e ecológica? Como esse desenvolvimento pode ser moldado e dirigido
sem, no processo, destruir a autonomia relativa da economia e sua capacidade de evoluir. A
resposta não pode ser simplesmente eliminar as forças económicas e sociais autonomizadas
(do estado, do capital, do dinheiro, do mercado, do sistema jurídico). Porque se essa eliminação
torna possível impor diretamente os objetivos políticos em cima do desenvolvimento, ela
também conduz apenas diretamente ao "o inoperante-fim das formas da sociedade
burocrática-administrativa”,

A inadequação de uma análise que se baseia principalmente na resistência cultural à


"colonização do mundo da vida [Lebenswelt]" contida nos "novos movimentos sociais" é, em
minha opinião, que esses movimentos não atacam conscientemente e concretamente a
dominação da racionalidade econômica incorporada no capitalismo. Estes movimentos são
certamente antitecnocráticos – isto é, dirigidos contra a hegemonia cultural do estrato principal
da classe dominante – mas eles atacam apenas os pressupostos culturais e as consequências
sociais das relações de dominação, não no seu núcleo econômico-material. Tão incapazes de
ajustar suas decisões econômicas as necessidades e os interesses da vida dos indivíduos.

Perspectivas dos movimentos sociais para uma transformação do capitalismo global

Ninguém esperava. Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio cultural e
desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu. Subitamente, ditaduras podiam ser derrubadas
pelas mãos desarmadas do povo, mesmo que essas mãos estivessem ensanguentadas pelo sacrifício
dos que tombaram. Os mágicos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de
desprezo universal. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram
denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina
a sociedade, o mercado e as instituições. Sem confiança nada funciona. Sem confiança o contrato
social se dissolve e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando
pela sobrevivência. (...). Não foram apenas a pobreza, a crise econômica ou a falta de democracia
que causaram essa rebelião multifacetada. Evidentemente, todas essas dolorosas manifestações de
uma sociedade injusta e de uma comunidade política não democrática estavam presentes nos
protestos. Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas
no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram medo em
indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. (...). Era a busca de dignidade
em meio ao sofrimento da humilhação – temas recorrentes na maioria dos movimentos.
Manuel Castells, Redes de indignação e esperança, posição 133 pp..
Será que uma renovação democrática – um restabelecimento do primado da política democrática
sobre a dinâmica inerente do desenvolvimento capitalista – deve ser esperada de um público que já
não estava acostumado a levar a sério a política, depois de décadas de reeducação no espírito do
que Merkel109 chama a “virada cultural da política democrática progressista” – como a luta pelo
casamento gay, a simbólica “gênerização” de tudo e a promoção de mulheres de classe alta para
posições nos conselhos de administração das grandes empresas como um objetivo de política de
sinal (...) dos partidos social-democratas e sindicatos, num momento em que o maior risco de
pobreza está associado à condição de mãe solteira? Que política séria disposta e capaz de se
preocupar com as massas democráticas, expropriadas politicamente por seus partidos
“responsáveis” do cartel? Sob o feitiço do consumismo pós-fordista e do ‘politainment110’ pós-
713

democrático, quantas pessoas ainda acreditam que pode haver bens coletivos pelos quais vale a
pena lutar? Em um mundo onde a habilidade culturalmente mais estimada parece ser enfrentar a
adversidade com bom humor, em oposição ao estabelecimento de interesses comuns com os
outros e organizando eles – onde a democracia foi esvaziada de conteúdo sério e a política
banalizada além do reconhecimento – a participação democrática, como Merkel nos lembra, é
muito facilmente confundida com a salvação de baleias e outras melhorias locais similares,
substituindo o conflito político pela expressão pública de convicções morais privadas: um laissez-
faire pluralista despolitizado sob o qual a participação política se transforma em algo como uma
forma moralmente correta de consumo avançado. Wolfgang Streeck, How will
capitalism end? Posição 3406
Movimentos sociais com estruturas organizacionais de rede são flexíveis, mas eles também
enfrentam o perigo da instabilidade e do esvaziamento, partidos com sua estrutura
hierárquica tem uma agenda mais fixada e são menos sujeitos a este risco. Muitos movimentos
sociais tem um sabor anticapitalista, pelo menos em suas intenções: A lógica dos mercados
(um elemento importante do capitalismo) é a competição e a racionalidade individualista, a
lógica dos movimentos sociais é a cooperação voluntária para a ação coletiva, seja do protesto,
seja de reivindicação com as elites ou do Estado. O mercado funciona através de incentivos
materiais e não levanta valores éticos. Movimentos sociais – muitas vezes – são inspirados por
valores éticos sem depender de incentivos materiais. Este fato também mostra uma
fragilidade dos movimentos sociais: eles tornam-se menos estável, dependendo mais da
estimulação comunicativa de seus participantes. Movimentos sociais que se tornam partidos
políticos tornam-se mais hierárquicos e com estruturas organizacionais fixadas. Eles perdem
com isto autenticidade e espontaneidade. Emoção é também um elemento importante para a
formação de movimentos sociais, o mercado não conhece emoções, embora euforia e pânico
sejam emoções que os agentes nos mercados conhecem muito bem.

Movimentos surgem por causas muito diferentes, uma crise política, econômica, ecológica, ou
social, uma guerra, opressão, falta de reconhecimento, afirmação de uma identidade,
corrupção e desonestidade de elites, etc. Mas existem também emoções mais nefastas que
impulsionam movimentos como o Ku-Klux-Klan ou movimentos antissemitas ou xenófobos.
Nem sempre tolerância e solidariedade são valores inscritos em movimentos sociais. Nem
sempre os objetivos dos movimentos sociais orientam se no bem público, às vezes interesses
parciais prevalecem. Em demonstrações, greves, e protestos a ocupação de espaços públicos é
um instrumento importante. Castells [2012, posição 288 pp.] resume as muitas causas que
fazem os movimentos sociais crescer:

Em cada contexto específico, os usuais cavaleiros do apocalipse da humanidade cavalgam


juntos sob uma variedade de formas ocultas: exploração econômica; pobreza desesperançada;
desigualdade injusta; comunidade política antidemocrática; Estados repressivos; Judiciário
injusto; racismo, xenofobia, negação cultural; censura, brutalidade policial, incitação à guerra;
fanatismo religioso (frequentemente contra crenças religiosas alheias ); descuido com o planeta
azul (nosso único lar); desrespeito à liberdade pessoal, violação da privacidade; gerontocracia;
714

intolerância, sexismo, homofobia e outras atrocidades da extensa galeria de quadros que


retratam os monstros que somos nós.

Della Porte [2015, p. 3 p.] também mostra as causas e as raízes sociais dos ativistas:
Começando com a Islândia em 2008, e depois com força no Egito, Tunísia, Espanha, Grécia e
Portugal, a indignação foi levantada pela corrupção da classe política, com os manifestantes
condenando propinas em um sentido concreto, bem como os privilégios concedidos aos lobbies
e conluio de interesses entre instituições públicas e poderes econômicos. (...) Em todas essas
mobilizações, uma nova classe – o precariado social, jovem, desempregado ou empregado
apenas em tempo parcial, sem proteção, e muitas vezes bem-educado – foi apontada como
ator principal.

Obviamente neste trabalho o interesse está em movimentos que relacionam se com a


economia e política do capitalismo global. E possível ver que os movimentos anticapitalistas
estão formando identidades de resistência, no sentido de Castells [Identidade 2018], criando
focos de resistência dentro da sociedade civil contra os problemas reais ou imaginadas do
capitalismo global. Com a formulação de projetos e agendas transformadores os movimentos
podem formar identidades de projetos criando sujeitos de mudança (atores sociais coletivos),
no sentido de Castells [Identidade 2018]. Realizadas as transformações eles criam as novas
identidades legitimadoras, no sentido de Castells [Identidade 2018], que tornam se ou podem
se tornar hegemônicas.

Os movimentos podem se tornar contagiosos, como, por exemplo, os protestos contra


instituições internacionais em Seattle 1999, a primavera árabe de 2011, o Occupy Wall Street
em 2011, mostram, o Internet e os novos aplicativos como Twitter e Facebook fornecem a
infraestrutura para isto. Embora a maioria dos movimentos sociais e focada em assuntos
parciais da sociedade, eles querem promover projetos dentro da sociedade, menos projetos
para uma sociedade diferente, o que foi e está ainda a agenda de movimentos socialistas. Mas
em muitos movimentos existem tendências para transformações gerais, como o mantra do
Fórum Social Mundial, outro mundo é possível, ou da Occupy querendo representar 99% da
sociedade. Aqui são considerados somente movimentos com objetivos transformadores, com
isto não diminuindo a importância de movimentos que orientam se mais para assuntos de
identidade, de reconhecimento de grupos específicos, etc., embora focando o problema de
desigualdades já implique objetivos transformadores.

A indignação das pessoas sobre a crise financeira com os custos da crise financiados pelos
contribuintes de impostos e das pessoas comuns que sofriam as políticas de austeridade,
enquanto os bancos foram resgatados e seus CEOs saírem ilesos com bônus gordos, criava
movimentos de direita bem como da esquerda.

Nos Estados Unidos Castells [2012, posição 2006 pp.] mostra que:

A primeira expressão da indignação popular foi a ascensão do Tea Party, mistura de populismo
com libertarismo que ofereceu o canal de mobilização para uma variedade de opositores
715

indignados com o governo em geral e com Obama em particular. No entanto, quando ficou
claro que o Tea Party era bancado pelas Indústrias Koch, entre outras corporações, e que fora
apropriado pelo Partido Republicano, como tropa de choque a ser sacrificada no estágio final
do processo eleitoral (...)

Seguiam movimentos progressistas como Occupy Wall Street com seu mantra unificador e
divisor dos 99% contra os 1%, e muitos outros movimentos contra as políticas de austeridade.
Importante para muitos destes movimentos são suas tentativas de conseguir um alcance
global através do Internet. Na década de 2010 movimentos como a primavera árabe, os
indignados, Occupy Wall Street, e outros movimentos contra as políticas de austeridade
tinham contágios imprevistos, mídias e Internet facilitavam isto. Este alcance global espelhava
de certa forma as tentativas da primeira até a terceira internacional da classe operária no
passado para organizar os interesses da classe operária em nível internacional.

O movimento Occupy Wall Street é o primeiro exemplo para ser discutido aqui por razões
óbvias, o movimento focou o centro financeiro de Nova York, que foi no centro da crise
financeira global de 2008/2009. O movimento espalhou se rapidamente pelos Estados Unidos
e por outros países centrais, ele usou extensivamente a Internet, e, embora não focando em
demandas específicas, mostrou o desprezo de partes da população pelos responsáveis para a
crise financeira e as elites em geral. A tese combativa que eles representavam os 99% da
população expressou a preocupação com a crescente desigualdade entre as elites e o cidadão
comum. Castells [2012, posição 2112 pp.] reflete sobre a importância do movimento Occupy:

A rápida propagação da chama do Occupy pela pradaria americana é cheia de significado.


Mostra a profundidade e a espontaneidade do protesto, enraizado na indignação sentida pela
maioria da população em todo o país, assim como na sociedade em geral. Também revela a
oportuna escolha da ocasião por muitos que vocalizaram suas preocupações e debateram
alternativas em meio a uma generalizada crise de confiança na economia e na organização
política. Não era uma revolta no campus ou a manifestação de uma contracultura cosmopolita.
Era entoada por tantas vozes e sotaques quanto os presentes numa sociedade altamente
diversificada e multicultural. (...). O Occupy Wall Street nasceu digital. O grito de indignação e o
apelo à ocupação vieram de vários blogs (Adbusters, Amped Status e Anonymous, entre outros)
e foram postados no Facebook e difundidos pelo Twitter.(...). Desde o início, o movimento
Occupy experimentou novas formas de organização, deliberação e tomada de decisão como
modo de aprender, fazendo, o que é a verdadeira democracia. Essa é uma característica
fundamental do movimento. (...). Para a maioria dos observadores, a dificuldade de avaliar o
movimento Occupy Wall Street veio da ausência de demandas precisas que pudessem ser
alcançadas ou negociadas. Havia uma demanda concreta no apelo inicial à manifestação: a
nomeação de uma comissão presidencial para decretar a independência do governo em relação
a Wall Street. De fato, ex-executivos de Wall Street têm ocupado postos-chave no Ministério de
todos os presidentes recentes, incluindo Obama. (...). Ao desafiar a inviolabilidade do poder
financeiro absoluto nas praias oceânicas do capital global, materializaram a resistência, dando
um rosto à fonte da opressão que asfixiava a vida das pessoas e estabelecendo seu domínio
sobre os dominadores. Formaram uma comunidade de convivência nos lugares em que antes
estavam apenas as sedes do poder e da cobiça. Criaram experiência a partir do desafio.
Automediaram sua conexão com o mundo, assim como entre eles mesmos. Opuseram-se à
ameaça da violência com uma positividade pacífica.
716

Os movimentos antiglobalização, também chamados movimentos pela justiça global, já


apareciam antes na década de 1990 e depois. Objetivos das criticas foram que a globalização
nos moldes neoliberais prejudica a população, esvazia a democracia nacional, e favorece
interesses das elites e das empresas transnacionais, e aumenta as desigualdades de renda,
riqueza e poder. No centro das criticas foram organizações internacionais, como FMI e OMC
(Organização Mundial de Comércio), e as reuniões da G8 ou G20, que representavam para os
movimentos as forças que programaram as estratégias neoliberais. De certa forma eles
lembravam as ideologias antiimperialistas do movimento trabalhista internacional de um
século atrás.

Nas demonstrações de Seattle 1999, Gênova 2001 e depois apareceu uma forte tendência anti
establishment, contra as elites. O fórum social mundial em Porto Alegre 2001 e também em
outras cidades depois foi intencionado como um palco de discussão sobre estratégias
transformadoras contra o fórum das elites em Davos. A Attac, fundada em 1998, não é um
movimento de massa, mas uma organização de intelectuais para propagar o imposto de Tobin
nos mercados cambiais, e, de forma mais ampla, de formular estratégias contra o poder do
setor financeiro, contra as políticas neoliberais e contra a mudança climática. Os movimentos
ecológicos também focavam assuntos globais, a mudança climática e a destruição do meio
ambiente pela produção capitalista.

Os movimentos contra as políticas de austeridade formavam se nós países da União Europeia


em primeiro lugar depois da crise da dívida soberana na área do euro, juntando se com
movimentos nacionais contra uma destruição do Estado de bem estar social, e com
movimentos contra a desigualdade social crescente. The Oxford Handbook of Social
Movements [2015, posição 1614 pp.] mostra os conflitos que fazem os movimentos crescer:

Como a classe trabalhadora no século XIX, que era uma manifestação do conflito sistêmico
dentro da modernidade industrial sobre o produto social e sua distribuição, os novos
movimentos sociais são uma manifestação dos novos conflitos sistêmicos dentro da
modernidade pós-industrial (ou tardia), autonomia, qualidade de vida e reconhecimento dos
estilos de vida das minorias (política de identidade). Nesta visão, a sociedade pós-industrial não
é mais definida pela luta entre duas classes dominantes, mas oscila em torno de novos conflitos
sobre direitos humanos, igualdade de gênero, autonomia individual, participação política e
proteção ambiental.

É importante anotar que a maioria dos movimentos representa lutas contra alguma
perspectiva do capitalismo global, mas uma utopia alternativa convincente, unificadora e
abrangente, comparados com os ideais e estratégias do socialismo ou comunismo, não existe.
Estratégias defensivas prevalecem depois da queda do socialismo real burocrático. Esta
fraqueza das forças progressistas abre espaço para movimentos populistas de direita que
717

mescla políticas anti establishment com políticas racistas, nacionalistas, aproveitando o clima
de desconfiança com as elites e os governantes. Existe também em muitos países centrais
certa desconfiança com os governos, partidos, e os políticos, especialmente depois da crise
global de 2008/2009 onde os governos salvavam instituições financeiras, a população arcando
com os custos da salvação em forma de politicas de austeridade. Castells [Ruptura 2018]
descreve esta desconfiança de grande parte da população com governos e políticos:

(...) crise de legitimidade política; a saber, o sentimento majoritário de que os atores do sistema
político não nos representam. (...).
A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus
interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma
classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio.
(...).
Mais de dois terços dos habitantes do planeta acham que os políticos não os representam, que
os partidos (todos) priorizam os próprios interesses, que os parlamentos não são
representativos e que os governos são corruptos, injustos, burocráticos e opressivos. Na
percepção quase unânime dos cidadãos, a pior profissão que existe é a de político.
A desconfiança com governos e políticos é aproveitada por partidos e movimentos de extrema
direita, mesclando a raiva contra os políticos que abandonavam as camadas mais vulneráveis
da população e seus interesses materiais com agendas nacionalistas e xenófobas,
apresentando como bodes expiatórios imigrantes e muçulmanos. Castells [Ruptura 2018]
apresenta este cenário europeu de uma extrema direita em ascensão:

(...) na Europa, na última década, produziu-se uma verdadeira reviravolta eleitoral em favor de
partidos nacionalistas, xenófobos e críticos em relação aos partidos tradicionais que
dominaram a política por meio século. Além do Brexit no Reino Unido e do colapso dos partidos
franceses ante o macronismo, que analiso neste livro, recordarei a porcentagem de votos de
partidos identitários e antiestablishment no período 2013-17: França, 21,3%; Dinamarca,
21,1%; Suécia, 12,9%; Áustria, 20,5%; Suíça, 29,4%; Grécia, 12%; Holanda, 13%. E partidos
xenófobos governam, sozinhos ou em coalizão, na Polônia e na Hungria, na Noruega e na
Finlândia.
Pode se acrescentar Itália onde em 2019 governam partidos nacionalistas e xenofobos de
direita em coalização com o movimento cinco estrelas. A esquerda está em retirada na maioria
destes países. Sem uma agenda coerente da esquerda que reflete a situação dos perdedores
da globalização do capitalismo contemporâneo, mas também reconhece os medos perante
imigração e multiculturalismo, sem uma utopia convincente que tenta controlar as falhas do
capitalismo neoliberal, a esquerda vai para o caminho do esquecimento.

Mas, é importante refletir, que movimentos que querem destruir as estruturas antigas e
construir um novo mundo e um novo homem (e mulher) na maioria das vezes tornavam se
totalitários tentando vencer com repressão e violência os que pensavam de forma diferente.
Parece que somente a alternativa de uma reforma passo a passo em sentido de Popper está
ainda aberta visando as experiências do fascismo e comunismo do século XX.
718

Para o Brasil no meio rural o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) desde a
década de 1980 e outros movimentos defende uma reforma agrária profunda e promoviam
mudanças do capitalismo, e, por exemplo, no meio urbano o MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto) luta por profundas transformações anticapitalistas desde 1997.

Os anos do governo do PT no Brasil desde 2003 foram anos de profundas transformações no


Estado de bem estar social brasileiro. Mas para transformações mais profundas do capitalismo
brasileiro os presidentes do PT também não tinham o consentimento do eleitor. Em países
democráticos transformações profundas precisam ser capazes de conseguir convencer uma
maioria da população. Os processos de corrupção desde o segundo mandato de Lula
mostravam a relação íntima entre as elites econômicas e políticos. A seguir tenta se captar
algumas tendências atuais para dos movimentos anticapitalistas no mundo e no Brasil.

Movimentos sociais amplos e fortes como o novo sindicalismo no fim da década de 1970, o
movimento de ‘diretas já’ no processo de redemocratização, as caras pintadas para o
impeachment de Collor e a corrupção das elites, o movimento para justiça global com seus
fóruns sociais globais, e as manifestações de rua começando em 2013, são exemplos para a
atividade política do povo brasileiro. Castells [2012, pos. 2926] aponta para as características
dos movimentos de 2013, como o Movimento Passe Livre (MPL):

Aconteceu também no Brasil. Sem que ninguém esperasse. Sem líderes. Sem partidos nem
sindicatos em sua organização. Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito de indignação
contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se
transformando no projeto de esperança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas
em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. (...). Porque, como todos
os outros movimentos do mundo, ao lado de reivindicações concretas, que logo se ampliaram
para educação, saúde, condições de vida, o fundamental foi –e é –a defesa da dignidade de
cada um. Ou seja, o direito humano fundamental de ser respeitado como ser humano e como
cidadão.

Mas, contrariando um pouco esta avaliação positiva é importante reconhecer que as


demonstrações de 2013 rapidamente foram capturadas pela classe média com objetivos anti
corrupção e depois anti PT.

Singer [2018, posição 1544 pp.] capta esta mudança dos objetivos das demonstrações de 2013
no Brasil:

Os acontecimentos inesperados de junho de 2013 dividem o período Dilma em dois. Até lá, a
presidente gozava de aprovação nas pesquisas, e o lulismo estava vitaminado pelo sucesso nas
eleições municipais de 2012. Depois das manifestações, a presidente cai de 57% de bom e
ótimo para 30%. (...). Junho foi o resultado estranho do encontro entre correntes sociais e
ideológicas que trafegavam em sentidos opostos: uma esquerda extrapetista em busca de
conectar-se com a “inquietação” da nova classe trabalhadora, (...) e uma classe média
tradicional cansada do “populismo” do PT. (...). Por volta do dia 20 começou-se a ouvir, em
meios progressistas, referências às manifestações que vinham ocorrendo havia cerca de duas
719

semanas como “as Jornadas de Junho”.13 Suspeitava-se que estivesse em curso um levante do
precariado. Aos poucos, ficou claro que a comparação era indevida. (...). Na face direita, junho
foi o início da mobilização da classe média, que acabaria por ter papel decisivo na queda de
Dilma (...). Apesar de a ebulição ter sido detonada por uma fração de esquerda de São Paulo,
articulada pelo Movimento Passe Livre (MPL), com o objetivo de revogar o aumento das
passagens de ônibus, metrô e trens, no meio do caminho as ruas foram ocupadas por gente
que nadava na direção oposta: críticos, mais ou menos conscientes, da suposta corrupção
estatista produzida pelos políticos lulistas.17 No lugar do autonomista MPL, surgiu o liberal
MBL (Movimento Brasil Livre). No lugar dos estudantes universitários e secundaristas, os
profissionais do Vem Pra Rua. No lugar de black blocs anarquistas, vestidos de preto, os
Anonymous com máscaras de Guy Fawkes e uma multidão trajando verde e amarelo (...). Do
dia 17 em diante, ninguém entendia o objetivo exato das manifestações. Havia quase um cartaz
por manifestante, com uma profusão divertida de dizeres e pautas: “Copa do Mundo eu abro
mão, quero dinheiro pra saúde e educação”; “Queremos hospitais padrão Fifa”; “O gigante
acordou”; “Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão”; “Não é mole, não. Tem dinheiro pra
estádio e cadê a educação”; “Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio”;
“Todos contra a corrupção”; “Fora Dilma! Fora Cabral! PT= Pilantragem e traição”;23 “Fora
Alckmin”; “Zé Dirceu, pode esperar, tua hora vai chegar”; foram algumas das infinitas frases
vistas nas cartolinas confeccionadas por cada protestante. (...). Sob a aparência de
continuidade, o conteúdo das manifestações ia deslizando para o “que se vayan todos”, lema
da classe média argentina na crise econômica de 2001. (...). Bandeiras nacionais passaram a ser
elemento constante, ao lado de cartazes por menos impostos. A par da exaltação verde e
amarela e da crítica à carga tributária, a direita buscou suscitar nas manifestações o combate à
corrupção, a arma favorita do partido de classe média contra o partido popular. (...) Em última
análise, a crítica da desigualdade constituiu o leitmotiv do enredo “anti-Fifa”. Na quarta-feira,
dia 19, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) juntou gente nas periferias sul e leste
de São Paulo para protestar “contra o aumento do custo de vida e contra o preço da Copa do
Mundo, que é paga pelos trabalhadores” (...). Em resumo, junho representou o cruzamento de
classes e ideologias diferentes e, em alguns casos, opostas. Há pouca proximidade, por
exemplo, entre as “madames vestidas a caráter e cheias de balangandãs, brandindo cartazes
sobre o ‘fim da corrupção’”62 e os “trabalhadores jovens e inseridos em precárias condições de
trabalho, além de sub-remunerados”63 que estiveram juntos nas ruas.
O capitalismo global contemporâneo nos países centrais convive com instituições
democráticas firmes, embora com aceitação dos governos, partidos e políticos pela população
em queda: consequência da impressão que a maioria dos governos, partidos e políticos são
estreitamente ligados aos interesses da classe dominante (os 1% na terminologia do
movimento occupy Wall Street) e da corrupção e evasão dos impostos das elites. Outro
assunto na desconfiança com os governos e as elites é a forma secreta, sem discussão no
parlamento, como contratos internacionais são negociados entre membros da burocracia
governamental ou da burocracia europeia e os parceiros comerciais. Exemplos são TTIP,
Transatlantic Trade and Investment Partnership, um acordo de livre comércio entre os Estados
Unidos e a União Europeia, e MAI, Multilateral Agreement on Investment, onde são negociadas
regras para investimentos internacionais. Houve fortes protestos contra estes contratos,
porque as negociações em segredo levantavam a suspeita de que eles fortalecem os interesses
das elites e das empresas transnacionais, negligenciando os interesses da maioria da
população. Os dois contratos não se realizavam por causa dos protestos para o MAI, e por
causa dos protestos e da política do novo governo Trump com o mantra, América em primeiro
720

lugar. Dos 99% da população muitos não se sentem representados no parlamento e nos
governos fugindo da votação nas eleições e se concentrando na sua vida particular. Os
perdedores do capitalismo global e os excluídos nestes países sentem se abandonados pelos
partidos estabelecidos do centro e da esquerda e se voltam para partidos demagogos e
populistas da direita. A queda do socialismo burocrático real no leste de Europa e a hegemonia
do discurso neoliberal desacreditavam alternativas anticapitalistas, também porque o
capitalismo oferece para a maioria da população nestes países consumo, entretenimento,
viagens e liberdade individual, embora uma minoria da população sofra com desemprego,
salários baixos e empregos inseguros ou exclusão social, a maioria desta parte da população
não vota mais nas eleições.

No resto do mundo a situação é diferente e parcialmente explosiva, embora também aqui


desde a década de 1980 instituições democráticas estão ganhando espaço: A primavera árabe
de 2011 mostrou que governos autoritários podem cair rapidamente quando um evento
contingente como o autoincendio de um trabalhador informal na Tunísia fez explodir a raiva
da população em muitos países árabes, embora o desfecho destas revoltas não fosse sempre
feliz. Mas também nos regimes democráticos, como no Brasil, políticos e governos podem se
tornar rapidamente desacreditados quando corrupção e enriquecimento indevido tornam se
endêmicos. E na América Latina a alternativa do socialismo do século XXI na Venezuela
fracassou economicamente e politicamente. As expectativas para a formulação de uma agenda
anticapitalista são sombrias também aqui na América Latina.

Kagarlitsky [1999, p. 53 pp.] explica os sucessos da direita na França nas eleições da seguinte
forma:

Em seus discursos, demandas justas são misturadas com mentiras nacionalistas e racistas no
sentido de que os imigrantes e pessoas de outras nacionalidades são a fonte de todo o mal.
Mas a menos que nos reconhecemos que, por exemplo, a hostilidade da nova direita com a
integração europeia corresponde plenamente aos humores e as necessidades de milhões de
pessoas, nos não vão entender as razões para a rápida ascensão de apoio para os políticos, tais
como Le Pen. As “esquerdistas” dizem que está tudo bem, os direitistas negam isso, e as
pessoas simples sabem perfeitamente quem, neste caso, está mentindo. Os “esquerdistas”
dizem que não há alternativa para que as pessoas apertassem os cintos e entram para uma
Europa Unida, enquanto o cidadão francês, britânico e até mesmo alemão comum muitas vezes
não tem vontade de ir para lá, muito menos com um cinto apertado. (...) À medida que a
esquerda se torna elitista, a direita torna-se populista. No centro do palco político, o lugar da
esquerda fraca é tomado pela direita forte. Essa é a lógica da luta política.
Como a esquerda estabelecida falhou de denunciar as falhas do capitalismo global, as crises, o
desemprego, a exclusão social, os empregos inseguros e de salários baixos, a crescente
desigualdade de renda, riqueza e de poder, ela perdeu parte de sua clientela antiga, parte da
classe trabalhadora. A classe dominante conseguiu com a ideologia neoliberal estabelecer um
721

discurso agressivo, dinâmico e modernizante e conseguiu denunciar alternativas socialistas


como conservador, hostil a inovação, sacrificando um futuro melhor com demandas de
prosperidade imediata e ‘privilégios’ dos Estados de bem-estar social [Kagarlitsky 1999, p. 67
p.]. Mas quando os políticos recorrem ao mantra de Thatcher ‘there is no alternative’, nasce
também a resistência da população através de movimentos como Occupy, os indignados, a
primavera árabe, as demonstrações de 2013 no Brasil, infelizmente, às vezes, quando a
esquerda falha, movimentos xenófobos de direita atraíam com seu discurso os raivosos, os
infelizes, e os perdedores da globalização capitalista.

Kagarlitsky adverte que com a perda de autoconfiança, de valores antigos, e tradições do


movimento trabalhista, o recuo dos partidos da esquerda para estratégias defensivas os faz
perder parte de sua clientela. Mas sem formular uma estratégia convincente a esquerda não
vai se reinventar. Noutro lado os movimentos sociais em todo mundo que querem representar
os 99% em suas lutas para uma vida melhor são uma esperança de formular transformações
necessárias para diminuir a crescente desigualdade social no mundo em um processo de
democracia direta sem recorrer para programas prontos e abrangentes. As tentativas de
transformar sociedades totalmente seguindo ideologias abrangentes acabavam, como a
história ensina, em estruturas autoritárias, dominação por um partido único, e opressão. A
única opção aberta são transformações parciais em um processo de tentativa e erro.

Standing [2011, p.24] aponta para problemas políticos semelhantes da crescente


fragmentação social:

Um dos temas era que os países deveriam aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho, o
que passou a significar uma agenda para transferir riscos e insegurança para os trabalhadores e
suas famílias. O resultado foi a criação de um “precariado” global, consistindo de muitos
milhões em todo o mundo sem uma âncora de estabilidade. Eles estão se tornando uma nova
classe perigosa. Eles são propensos a ouvir vozes feias e usar seus votos e dinheiro para dar a
essas vozes uma plataforma política de crescente influência. [1] (…) À medida que as
desigualdades aumentavam, e à medida que o mundo caminhava para um mercado de trabalho
aberto e flexível, a classe não desaparecia. Em vez disso, uma estrutura de classe global mais
fragmentada surgiu. [7] (,,,), Embora não possamos dar números tão precisos, podemos supor
que, atualmente, em muitos países, pelo menos um quarto da população adulta está no
precariado. Não se trata apenas de ter emprego inseguro, estar em empregos de duração
limitada e com mínima proteção trabalhista, embora tudo isso seja generalizado. É estar em um
status que não oferece senso de carreira, nenhum senso de identidade ocupacional segura e
poucos (ou nenhum) direitos aos benefícios do Estado de bem estar social que várias gerações
daqueles que se viram como pertencentes ao proletariado industrial ou ao setor salarial tinham
esperado como o seu devido. (...) ..
A maioria dos autores de “Does capitalism have a future?” [2013, p. 1 pp.] têm uma
expectativa mais otimista para estratégias anticapitalistas, mas sensatamente limitando suas
previsões [p.3]: “Eventos são demasiadamente contingentes e imprevisíveis, porque eles
dependem de múltiplas vontades humanas e circunstâncias em mudança”:
722

O nosso quinteto se reuniu para escrever este livro incomum porque algo grande aparece no
horizonte: a crise estrutural muito maior do que a atual Grande Recessão, o que pode, em
retrospecto, parecer apenas um prólogo de um período de problemas mais profundos e
transformações. (...) O nosso debate não é se o capitalismo é melhor ou pior do que qualquer
sociedade até aqui. A questão é: Será que o capitalismo tem futuro? A pergunta ecoa uma previsão
antiga. A expectativa do colapso do capitalismo era central para a ideologia oficial da União
Soviética, até ela própria desmoronou. (...). Este livro não é sobre cenários apocalípticos. (...)
Eventos são demasiadamente contingentes e imprevisíveis, porque eles dependem de múltiplas
vontades humanas e circunstâncias em mudança. (...). Os pensadores do século XX e líderes
políticos provavam estar errado em sua convicção ideológica que havia um único caminho para o
futuro, como defensores apaixonados do capitalismo, comunismo, fascismo argumentavam e
tentavam de impor. Nenhum de nós subscreve a visão utópica que o ser humano pode fazer
qualquer coisa possível. No entanto, é demonstrável que nossas sociedades podem ser construídas
em uma determinada variedade de maneiras. O resultado depende significativamente das visões
políticas e vontades que prevalecem na esteira das grandes crises que produzem momentos
fundadores da história.
Jones [s.a. p. xix] adverte que nós vivemos, mesmo depois da crise financeira global, em
tempos do triunfalismo do Establishment neoliberal, e para ter perspectivas de transformação
precisa bota fora este triunfalismo. Jones [s.a. p. xxiv] lembra que

É muito bom protestar contra a injustiça, é claro. Mas como o falecido político socialista Tony Benn
costuma dizer, a mudança social é uma combinação de duas coisas: “a chama ardente da raiva
contra a injustiça e a chama ardente de espero por um mundo melhor. Aqueles que – como eu –
querem que a velha ordem seja superada têm a responsabilidade de oferecer alternativas
coerentes. Sem essas alternativas, as pessoas podem se ressentir da ordem existente, mas
permanecerão ligadas a ela”

723

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7. Notas

1
Schumpeter, J. A., Capitalism, Socialism and democracy, em. Monopoly and competition (ed. Alex
Hunter), London: Penguin Books, 1971, p.42 p
2
MARX, Karl, "Das Kapital", Karl Marx - Friedrich Engels - Werke, Band 25, Bd. III, Dietz Verlag,
Berlin/DDR 1983 p. 251 p.
3
SCHUMPETER, Joseph, Kapitalismus, Sozialismus e Demokratie, Tübingen: Francke, 1993, p. 115 p.
4
HAYEK, Friedrich A., citado em NASH , Timothy G, CHAKRABORTY Debasish, American History,
Capitalism and the Crisis on Wall Street
https://www.northwood.edu/sharedmedia/PDF/AboutUs/WhitePapers/AmericanHistoryCapitalism.pdf
(acesso 6/3/2013)
5
KEYNES, John Maynard, The General Theory of Employment, Interest and Money, New York:
Prometheus, 1997, p. 372 pp
6
ZINN, Howard, A People's History of the United States, New York: Harper Collins, 2001, p. 637.
7
STREECK, Wolfgang, How will capitalismo end? Posição 141 p.
8
As traduçõs das citações são do autor deste trabalho
9
"Money" - Liza Minnelli, Joel Grey – YouTube www.youtube.com/watch?v=rkRIbUT6u7Q
10
INGHAM, Geoffrey, Capitalism, Cambridge (UK): Polity Press, 2008, e-book, posição 1664
11
SKIDELSKY, Robert, SKIDELSKY, Edward, How much is enough? Money and the good life, New York:
Other Press, 2012, p. 68 p.
12
Neoliberalismo, como vai ser discutido mais adiante, é uma ideologia econômica e política
reanimando ideias liberais do século XIX sob um ambiente histórico diferente depois da II Guerra
Mundial, que ganhou força na crise da regulação Keynesiana na década de 1970. Nomes como Hayek e
Friedman representam estas ideias para revigorar crescimento, inovação e investimento através da
dinâmica de mercados livres, desregulamentação, abertura comercial e financeira dos mercados
nacionais e da diminuição do papel das intervenções do Estado na economia. É importante anotar, que
na Alemanha o conceito Neoliberalismo é mais ligado as ideias ordoliberais de Eucken e outros que
representam a base para o modelo da economia social de mercado na Alemanha.
13
Obviamente esta definição somente previa, na parte sobre o conceito do capitalismo encontram-se
também definições alternativas.
14
A renascença é escolhida aqui como ponto de referência porque, como, por exemplo, BRAUDEL e
WALLERSTEIN enfatizam, no norte de Itália e no Flandres desenvolvem se nestes tempos estruturas
importantes para o desenvolvimento do capitalismo: Capitalismo comercial e financeiro, acumulação de
capital, procura do lucro através do uso de trabalho assalariado na produção têxtil. Mas a escolha de
renascença como ponto de partida é discutível.
15
Dunning P.J., citado em MARX, Karl, Das Kapital, Bd. 1, Karl Marx - Friedrich Engels - Werke, Band 23,
Berlin: Dietz-Verlag, 1961, p. 801. [Citação no original no apêndice 1]
16
FRIEDMAN, Milton, Capitalism and Freedom, Chicago: The University of Chicago Press, 1982, p. 133,
[Citação no original no apêndice 1]
17
Memorable Quotes for Wall Street (1987)". Internet Movie Database. Retrieved 2010-08-09, Gordon
Gekko é um personagem fictício, o antagonista principal do filme 1987 Wall Street, provavelmente se
baseando em Michael Robert Milken, “The junk bond king”. Milken foi indiciado por 98 acusações de
extorsão e fraude de títulos em 1989, como o resultado de uma investigação de insider trading. Milken
foi condenado a 10 anos de prisão e ele foi solto depois de menos de dois anos de prisão. [Citação no
original no apêndice 1]
18
BAUMAN, Zygmunt, Identidade, Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 47
19
ZIZEK, Slavoj, Vivendo no fim dos tempos, São Paulo: Boitempo, 2012 p. 14.
20
FERGUSON, Niall, A lógica do dinheiro – Riqueza e poder no mundo moderno 1700 – 2000, Rio de
Janeiro; Record 2007, p. 492.
21
HARVEY, David, Seventeen Contradictions and the End of Capitalism, London: Profile Books, 2014.
Edição do Kindle. Posição 56 pp
22
HANDY, Charles, Encontrando sentido na incerteza, em Repensando o futuro, São Paulo: Makron
Books, 1998 p. p. 13 p.
23
Os problemas da transformação da sociedade no caminho revolucionário são que as novas elites
representando “o povo” criam muitas vezes instituições autoritárias e repressivas para estabelecer sua
dominação e os grandes projetos da transformação e liberdade acabam em uma sociedade autoritária
746

com guilhotinas, esquadrões de fuzilamento, campos de concentração e Gulags. A consequência do


clima da desconfiança e da traição é que a revolução come suas próprias crianças (Os Girondistas,
Danton, Robbespierre, os processos de Moscou na década de 1930, a revolução cultural na China nos
anos depois 1966 etc.) e por fim terminam num Thermidor (julho de 1894 a queda de Robbespierre, a
queda do regime socialista na Rússia e no leste europeu em 1989-1991) onde são novamente
estabelecidas as regras de sociedades mais abertas e o capitalismo.
24
Embora o iluminismo é relacionado com escritores e cientistas do século XVIII como Voltaire, Diderot,
etc., pode ser ver os filósofos e cientistas aqui descritos como precursores do pensamento iluminista.
Eles foram importantes também para explicar o processo de descolonização na América Latina no inicio
do século XIX.
25
Possivelmente também outras cidades-estados no norte e centro de Itália como Genova, Milano,
Florença e Pisa.
26
Mann refere-se aqui a sua teoria das fontes de poder social: econômico, militar, politico e ideológico,
ver Mann [1986, 2012 (1) e (2), 2013 (2)].
27
A Inglaterra faz parte do Reino Unido, que também inclui o país das Gales (desde 1301), Escócia
(desde 1707), e Irlanda (desde 1801 até 1922, depois somente Irlanda de Norte faz parte do Reino
Unido). Grã-Bretanha é o Reino Unido excluindo Irlanda de Norte. A maioria das estatísticas refere-se a
Grã-Bretanha ou o Reino Unido.
28
Em Hobsbawm, 1997 p. 43
29
Embora a energia de moinhas de vento e a energia de moinhas de agua nos rios já existiram na idade
média e antes.
30
Ideias tambén importantes na descolonização dos países da América Latina no inicio do século XIX.
31
Desde 1882 Egito foi protetorado do Reino Unido, uma quase colônia.
32
No mesmo lugar Maddison mostra exemplos de transições suaves no Brasil, embora ele não reflete
sobre as revoltas e lutas sérias depois de cada transformação nas províncias no tempo colonial, imperial
e da republica, bem como na ditadura militar:“A evidência de transições suaves no Brasil é esmagadora.
A independência foi obtida sem esforço significativo. O príncipe herdeiro Português se tornou o
Imperador do Brasil em 1822. A escravidão foi abolida, sem uma guerra civil em 1888. O Império se
tornou uma república sem uma luta em 1889. A ditadura Vargas 1930-45 começou com pouco e
terminou sem violência. 1964 o golpe militar começou e terminou de forma paralela”.
33
Por exemplo, Baer [1996], Furtado [1987], Gremaud et al. [2002]; Lacerda et al. [2003] Maddison
[s.a.], Mendonça e Pires [2002]; Prado [2006],
34
Maddison [s.a. p.2] descreve cinco períodos: (1) o período colonial com Brasil seguindo o modelo de
exportador de produtos primários com escravidão (1500 – 1822); (2) o período de Império (1822 – 1889
com escravidão até 1888); (3) o período da republica velha (oligárquica) com trabalho assalariado (1889
– 1929), (4) o período de desenvolvimento acelerado depois do golpe de Vargas em 1930 até a crise da
dívida externa de 1981 (incluindo com isto toda era Vargas incluindo a ditadura do Estado Novo de
1937-1945, a redemocratização desde 1945 e o tempo da ditadura militar desde 1964). (5) o período
começando com o processo de redemocratização, da década perdida e do período da inflação muito
alta, e o período da estabilização depois 1994 Maddison denomina como período de crise, o que
provavelmente em retrospectiva pode ser melhor escrito como período de crescimento mais lento
interrompido por crises.
35
Neste sentido o Federal Reserve define o crédito total no Flow of Funds Accounts.
36
No modelo simples de Solow e sua versão ampliada no modelo de crescimento endógeno (apontando
para a importância do fator de capital humano), ver, por exemplo, Blanchard [2011, p. 193 pp.]
37
Uma citação abreviada de Karl Marx/Friedrich Engels - Werke, Band 8, "Der achtzehnte Brumaire des
Louis Bonaparte", S. 115
38
Weber aponta aqui para uma fontes ideológica (religiosa) do espirito capitalista dos comerciantes,
onde a pergunta se a ética protestante formou as mentalidades capitalistas dos comerciantes ou, como
seus críticos argumentam, a mentalidade capitalista dos comerciantes levou els para a religião calvinista.
39
O conceito de elite pode ser visto como descrevendo a ‘classe dominante’ numa sociedade, incluindo
os grandes capitalistas, gerentes, lideranças politicas e das mídias, elites culturais e o topo da burocracia
estatal. Uma discussão mais ampla sobre este conceito controverso é feita num capítulo posterior.
40
NASAR, Sylvia, A imaginação econômica: Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a
história, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 285 [original. SCHUMPETER Joseph, The theory of
economic development, Oxford: Oxford University Press 1961, p. 215]
747

41
“Braudel’s most crucial contribution to our understanding of capitalism as historical social system rests
on three closely related claims. The first is that the essential feature of historical capitalism over its
longue durée, that is, over its entire lifetime, has been its “flexibility” and “eclecticism” rather than the
concrete forms it assumed at different places and at-different times. The second claim is that, world
historically, the financial rather than the commercial or industrial arenas has been the real home of
capitalism. And the third is that the identification with states rather than markets is what has enabled
capitalism to triumph in the modern era.”
42
O mestre de filosofia doutor Pangloss de Cândido para quem tudo parece ser de melhor possível no
melhor dos mundos possíveis no sentido de filosofo alemão Leibnitz, Pangloss a figura que representa
está filosofia otimista no romance de Voltaire, Cândido ou o otimismo.
43
STEINER, André, Bundesrepublik und DDR in der Doppelkrise europäischer Industriegesellschaften
Zum sozialökonomischen Wandel in den 1970er-Jahren, Zeithistorische Forschungen/Studies in
Contemporary History 3 (2006), S. 342-362, Vandenhoeck & Ruprecht 2007, ISSN 1612–6033, p. 344
44
LILLA, Mark, The Shipwrecked Mind: On Political Reaction, New York: New York Review Books, 2016,
Edição do Kindle, p. 25
45
Citado em Ertman, Thomas, State Formation and State Building in Europe, em The Handbook of
Political Sociology - States, civil societies, and globalization, 2005, p. 375
46
Citado em BRANDS, H.W [2008, p. 236 p.]
47
www.democracy-building.info/definition-democracy.html
48
Crouch [2008, p.10]: “O conceito refere-se a uma comunidade, embora ainda eleições são realizadas
regularmente, eleições que até mesmo podem causar que os governos são votados para fora, nas quais,
no entanto, equipes concorrentes de especialistas profissionais de relações públicas controlam o debate
público tão forte durante as campanhas eleitorais que as eleições degeneram em puro espetáculo em
que é discutido apenas uma série de problemas que são previamente selecionados pelos especialistas. A
maioria dos cidadãos desempenha um papel passivo e silencioso, mesmo apático, eles só respondem
aos sinais que lhes são dadas [pelas especialistas e as mídias]. Na sombra desta encenação política são
feitas as políticas reais atrás de portas fechadas: pelos governos eleitos e as elites que representavam
principalmente os interesses da economia. (...). Crouch admite que esta descrição é um exagero, mas
pensa que as democracias do hoje aproximam se cada vez mais a este polo pós-democrático”.
49
Sloterdijk [2010, p. 1995, p. 31 e p. 45] aponta que o segredo do sucesso do cristianismo no Império
Romano foi que como ecclesia opressa o cristianismo pode produzir uma empatia com os perdedores,
enquanto como ecclesia triumphans pode produzir uma empatia com os vencedores. (...). O Império
Romana sovrevive através da igreja [também depois da queda do Império ocidental em 476 d.C. com o
papel da igreja católica como fornecedor de uma ideologia unificada na Europa ocidental] (...).
50
Para Smith [p. 143] os mestres da humanidade são os grandes proprietários no comércio exterior e na
manufatura nos tempos do inicio da etapa industrial do capitalismo, na sua interpretação mais eficiente
na exploração do que as classes dominantes no Feudalismo.
51
Citado em Kaltwasser [2009, p. 20]
52
SLOTERDIJK, Peter, Zorn und Zeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009, p. 335
53
Esta preocupação com a pobreza existe também em outras religões.
54
Posição 1937
55
Para o Brasil a maioria das fontes determina a decolagem do Estado de bem-estar social no Brasil e na
década de 1930 com o Estado Getulista.
56
FRIEDEN, Jeffrey. C., Capitalismo global, História econômica e social do século XX, Rio de Janeiro:
Zahar, 2008 p. 143
57
O conceito da classe dominante faz parte da terminologia marxista, hoje nas sociedades pluralistas e
democráticas fala se da elite de poder (Mills), das elites funcionais e de mérito na economia e na
politica, no militar, na cultura, nas mídias e na religião. O conceito da classe dominante parece sugerir
que existem elites que representam de forma unificada suas posições e estratégias, mas, pelo menos
nas sociedades democráticas existem diferentes frações das elites, que tentam realizar suas ideologias
através de consenso e persuasão e/ou através da repressão e da coerção. Como especialmente em
tempos das crises novas ideias, novas frações de elites (contra elites), bem como movimentos sociais do
povo querem realizar transformações na sociedade, é importante descrever na parte sobre as crises
mais profundas do capitalismo global as novas ideologias e seus representantes.
748

58
O nome União Soviética (USSR) somente foi assumido em 1922 como a união de múltiplas republicas
no antigo território czarista (sem Polônia (que antes da Primera Guerra Mundial foi dividido entre
Alemanha, Áustria e Rússia czarista), os países bálticos e Finlândia), entre 1917 (depois da revolução de
outubro - que na mudança para o calendário gregoriano na Rússia em 1918 aconteceu no novembro de
1917) e 1922 o nome da Rússia tornou-se República Socialista Federativa Soviética Russa. A capital
mudou em 1918 de Petrogrado (depois de 1924 Leningrado, desde 1991 São Petersburgo) para Moscou.
59
SLOTERDIJK, Peter, Zorn und Zeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009, p. p. 337 p.
60
Seguindo HEYWOOD (p. 25) o conceito da ideologia é compreendido aqui como uma visão política,
econômica e social do mundo, que desenvolve as características de uma sociedade ideal e as estratégias
para chegar lá. A visão marxista do conceito como uma “falsa consciência” do mundo não é usada aqui.
Provavelmente WALLERSTEIN [2007, p. 4 p.] expressa de forma mais resumida a mesma linha de
raciocínio: “Uma ideologia é mais do que um conjunto de ideias ou teorias. É mais do que um
compromisso moral ou uma visão de mundo. É uma estratégia coerente na área social a partir do qual
pode-se tirar conclusões políticas muito específicas. (...) As ideologias nasceram na esteira da Revolução
Francesa.”
61
KEYNES, JOHN MAYNARD, The general theory of employment, interest, and money, New York:
Prometheus Books, 1997, p. 158 p.
62
Este círculo levou à piada de que os ricos faziam a festa e os pobres pagam a conta, salvando o
sistema financeiro a custo dos contribuintes de impostos e transferindo dívidas e riscos do setor privado
para o setor público iniciando uma crise fiscal com aumentos de impostos e corte de politicas sociais.
63
ORWELL, George, Der Weg nach Wigan Pier, Zürich: Diogenes, 1982, p. 82 [Tradução HDM]
64
NASAR, Sylvia, A imaginação econômica: Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a
história, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 412
65
JUDT, Tony, Postwar,
66
Citado em MAZOWER, Mark, p. 17
67
Spinney [2017, p. 164 p.] mostra que a única coisa que nos podemos dizer em 2017 é que a gripe não
começou em Epanha, possivelmente nos Estados Unidos, na China ou na França. Seguindo Spinney
[2017, p. 166 pp.) uma estimativia de 21,6 milhões de pessoas que morreram da gripe de 1918/1920
parece mostrar uma subestimativa.
68
Ver também Tooze [2015, pagina 7 pp.] sobre as consequências politicas, militares e econômicas da
Primeira Guerra Mundial que deixou Churchill em 1945 [Tooze,2015 p. 7] denominar as décadas entre
1914 e 1945 como a segunda guerra dos trinta anos.
69
Uma avaliação mais global aponta para a revolução Taiping na China na metade do século XIX, um
conflito muito mais sangrento.
70
Na Alemanha a moeda foi desde 1871 a ‘Mark’ (Goldmark/Papiermark) até a estabilização depois da
hiperinflação de 1923 através de uma nova moeda (‘Rentenmark’, depois ‘Reichsmark’), a nova moeda
‘Rentenmark’ (novembro 1923) /’Reichsmark’ (agosto 1924) (a relação entre a nova moeda e a
‘Papiermark’ foi de 1,00E-10, como aparece na tabela a seguir). A taxa de câmbio da nova moeda
“Reichsmark’ com o dólar/ou a libra foi com isto a mesma como antes da guerrada ‘Mark’, somente a
moeda velha ‘Mark’ desvalorizou se na hiperinflação de 1923.
71
Este valor não se refere as duas eleições do ano 1932 na Alemanha Neste caso a NSDAP chegou a
37,4% dos votos na primeira eleição de 1932 e 33,1% na segunda, mas na eleição de março de 1933 a
NSDAP chegou a 43,9% dos votos, mas esta eleição não foi mais democrática com a KPD proibida e
muitos políticos da esquerda já nos campos de concentração. Os resultados são retirados de
http://www.wahlen-in-deutschland.de/wrtw.htm
72
KEYNES, JOHN MAYNARD, The general theory of employment, interest, and money, New York:
Prometheus Books, 1997, p. 158 p.
73
Para a Alemanha oFMI mostra dados um pouco diferentes da relação Dívida Pública PIB,
possivelmente porque somente se relacionasse ao governo central e provavelmente foi feita um cálculo
em US$.
74
Citado em Barro e Ursúa (2009, p. 3)
75
Esta data deve ser um erro parcial (embora em 1932 os partidos de esquerda ganhavam a eleição e
formavam um governo sob Herriot (radical), mas somente de curta duração, (enquanto em 1934 houve
demonstrações violentas dos movimentos fascistas como o ‘Croix-de-Feu’) foi somente em 1936 a
Frente Popular da esquerda ganhou as eleições formando um governo de esquerda sob Leon Blum
749

(socialista) sob o apoio indireto dos comunistas introduzindo medidas sociais em favor da classe
trabalhadora.
76
Mas este não foi uma especialidade de países latino-americanos no período de liberalismo econômico
antes da primeira guerra mundial, somente o Reino Unido e alguns países menores de Europa oriental,
seguiram as receitas do livre comércio internacional, enquanto outros países centrais tivem tarifas
elevadas com os Estados Unidos em frente do protecionismo tarifário (e para um período expressivo
também no período entre as guerras), ver sobre isto Chang [2002, p15 pp.]
77
Também cosequencia da guerra civil em 1932 contra o Estado de São Paulo.
78
Na história a revolução bolchevique é a revolução de outubro de 1917 seguindo o calendário juliano,
oficial na Rússia até 1918 quando foi introduzido o calendário gregoriano como já em muitos países da
Europa ocidental em 1582/1583, no calendário gregoriano a revolução bolchevique cai no mês de
novembro de 1917.
79
Em Varoufakis, 2017, p. 14
80
Sem definir explicitamente o conceito do ‘desequilíbrio fundamental’ do balanço de pagamentos.
81
Duas outras instituições supranacionais no nível global (sem o segundo mundo) foram o Banco
Mundial, que ajudou na reconstrução europeia e depois focou-se no financiamento de projetos de
desenvolvimento no mundo, e o GATT com o objetivo de facilitar o livre comércio internacional através
de tentativas negociadas entre os países de baixar as tarifas de importação e diminuir as barreiras não
tarifárias. No processo de integração econômica europeia, que começou já na década de 1950, foram
também criadas instituições supranacionais que 2017 na União Europeia (desde 1993) com 28 países
membros (com o Brexit o Reino Unido deve sair da União) para garantir a livre circulação de pessoas,
bens, serviços e capitais no mercado comum. A criação da moeda única em 1999/2002 em 2017 para 19
países da EU também criou o Banco Central Europeu e instituições supranacionais. Mas o objetivo
central da integração econômica e política depois da Segunda Guerra Mundial foi evitar novas guerras e
segurar a paz na Europa.
82
O dilema de Triffin é caracterizado pela necessidade no um sistema de câmbio fixo de aumentar a
quantidade de moeda de reserva internacional (US$) com um aumento do comércio internacional. Este
aumento da quantidade de dólares no resto do mundo dependia de um déficit permanente no balanço
de pagamentos dos Estados Unidos. O dilema de Triffin era que, se os déficits dos Estados continuavam
a confiança na estabilidade do dólar se esvaziava com e a consequência era instabilidade (e especulação
cambial contra o US$, o que na realidade aconteceu), se os Estados Unidos acabavam com o déficit
faltaram dólares para financiar o crescimento do comércio internacional.
83
Ver nota de rodapé em Gourinchas [2005, p.10]
84
As tentativas de estabilizar as taxas de câmbio entre os membros da Communidade Economica
Europeia antes da criação da moeda única de euro podem ser descritas da seguinte forma:
[Judt, 2005, p. 461] “Os seis Estados membros originais da Comunidade Econômica Européia (...)
concordavam em 1972 estabelecer a "serpente em um túnel" [snake in a tunnel]: um acordo para
manter as taxas de câmbio semi-fixados entre suas moedas, permitindo uma margem de 2,25% de
movimento de cada lado taxa. Inicialmente entravam também Grã-Bretanha, a Irlanda e os países
escandinavos, esse compromisso durou apenas dois anos: os governos britânico, irlandês e italiano -
incapazes ou não de resistir às pressões domésticas para desvalorizar além das bandas estabelecidas -
foram obrigados a retirar-se do acordo e a deixar suas moedas desvalorizar. Mesmo os franceses foram
forçados duas vezes fora da "serpente", em 1974 e novamente em 1976”.
Em março de 1979, oito membros da Comunidade Econômica Europeia (Alemanha, França, Itália, Países
Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca e Irlanda) formaram o Sistema Monetário Europeu (SME), com
taxas de câmbio fixas. Entram Espanha (1989), Reino Unido (1990) e Portugal (1992). A SME criou uma
nova unidade monetária (ECU), cujo valor depende de uma cesta de moedas europeias. Estabeleceu-se
uma banda entre as moedas dos participantes do SME (2,25% no início, mas 15% depois da crise em
1992). A taxa de câmbio saindo da banda, os bancos centrais dos países em questão deverão fazer
intervenções no mercado cambial. Uma descrição da crise de SME em 1992 é feita em um capítulo
posterior.
No começo de 1999 11 dos 15 países da União Europeia [exceção de Grã-Bretanha, Dinamarca, Suécia e
Grécia (Entrada em 2001)] aderiram a moeda única europeia, o Euro, que existe como moeda papel e
moeda metálica (dinheiro) desde 2002, Em 2017 os 19 países da área do euro foram: Alemanha, Áustria,
Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia,
Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal.
750

85
Na realidade existem muito mais métodos matemáticos para ajudar nas decisões sobre investimentos,
mas o método da taxa interna de retorno mostra os fatores básicos para estas decisões. Por exemplo,
para decisões sobre investimentos públicos uma análise de custos-benefícios pode ajudar.
86
Não é possível neste trabalho de abordar a hipótese marxista de uma tendência secular de taxa de
lucro, mas pelo menos depois da crise financeira global de 2008/2009 as políticas monetárias
expansionistas prolongadas dos bancos centrais nos países da OCDE com taxas de juros muito baixas
parecem mostrar que este nível de juros foi necessário para estimular investimentos e atividade
econômico num ambiente de expectativas de lucro esperados baixos.
87
A hipotese de Marx de uma tendência de declínio da taxa de lucros (no investimento real) reflete o
mesmo pensamento.
88
Dados politicos e economicos nesta parte referem-se a Armingeon, Klaus, Virginia Wenger, Fiona
Wiedemeier, Christian Isler, Laura Knöpfel, David Weisstanner and Sarah Engler. 2017, Comparative
Political Data Set 1960-2015, Supplement to the Comparative Political Data Set – Government
Composition 1960-2015, Bern: Institute of Political Science, University of Berne.
89
Em The Cambridge History of the Cold War: Volume 3, 2010
90
Urani, André, Ajuste macroeconômico e flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil: 1981-1995 em
Camargo, J.M. (Org.), Flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil, Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 99.
91
CHANDRASEKHAR, C. P., GHOSH, Jayati, The Asian financial crisis, financial restructuring, and the
problem of contagion, in: a in Wolfson, Martin H. (Editor), The Handbook of the Political Economy of
Financial Crises, New York: Oxford University Press, 2013, Edição do Kindle, posição 6370 pp.
92
foi em janeiro 1999 [HDM]
93
Barack Obama, prefácio do Economic Report of the President 2012 [UNITED STATES GOVERNMENT,
2012, p.2]
94
RAJAN, Raghuram G., Fault lines, Princeton: Princeton University Press, 2010, p. 21 e p.31
95
Até o final de 2007, a maioria dos credores subprime tinha falhada ou sido adquirida, incluindo New
Century Financial, Ameriquest e American Home Mortgage. Em janeiro de 2008, o Bank of America
anunciou que iria adquirir o credor Countrywide neste mercado. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 22]
96
Conservatorship em inglês.
97
O banco de investimento Bear Stearns já foi adquirido na primavera de 2008, os bancos de
investimento restantes (Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stanley com alavancagem financeira
expressiva) mudavam seu status para bank holding companies, para ter acesso a janela de redesconto
Federal Reserve. Os bancos IndyMac e Washingthon Mutual foram a falência no verão e no setembro de
2008, no outubro O banco Wachovia foi adquirido pela Wells Fargo, os grandes bancos Citicorp e Bank
of America lutavam para sobreviver, participando dos trilhões de dólares que os contribuintes tinham
cometidos através de mais de duas dezenas de programas extraordinários para estabilizar o sistema
financeiro e para sustentar as maiores instituições financeiras do país. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 23 pp.]
98
Embora já em 2015 começou uma forte depreciação do real em relação a moeda norte-americana e o
argumento foi esquecido.
99
Referindo se a Alta Finança e ao cidadão normal.
100
“When originators made loans to hold through maturity—an approach known as originate-to-hold—
they had a clear incentive to underwrite carefully and consider the risks. However, when they originated
mortgages to sell, for securitization or otherwise— known as originate-to-distribute—they no longer
risked losses if the loan defaulted. As long as they made accurate representations and warranties, the
only risk was to their reputations if a lot of their loans went bad—but during the boom, loans were not
going bad. In total, this originate-to-distribute pipeline carried more than half of all mortgages before
the crisis, and a much larger piece of subprime mortgages. [THE FINANCIAL CRISIS INQUIRY
COMMISSION, p. 89]
101
Em 27/5/2010 US$ 132 bilhões desta soma de 180 bilhões foram ainda em aberto [CONGRESSIONAL
OVERSIGHT PANEL p. 15]
102
O Brasil experimentou somente uma curta e leve recessão neste período, como vai ser analisado em
um capítulo posterior.
103
É necessário dizer que Japão experimentou uma queda expressiva do PIB, e que este resultado
positivo para Ásia foi em primero lugar consequencia do ainda forte crescimento da China na Grande
Recessão.
751

104
Especialmente os países da Europa usavam muito menos uma expansão fiscal para sair da crise,
enquanto a China e os Estados Unidos usavam fortemente instrumentos fiscais.
105
As estatísticas sobre os censos dos IED anteriores referem-se a http://www.bcb.gov.br/?INVED e
http://www.bcb.gov.br/?SERIEFIND enquanto os dados dos fluxos do balanço de pagamentos referem-
se a http://www.bcb.gov.br/?SERIEBALPAG
106
Usado aqui é o EMBI + Risco Brasil, possível é também usar uma variável que combina os spreads dos
c-bonds brasileiros (terminando em 2005) e os spreads dos global-bonds brasileiros (começando em
2002), mas todas estas medidas são altamente correlatas, o que faz a escolha da variável não muito
importante.
107
O EMBI+Br é um índice dos preços da dívida soberana brasileira, mostrando a evolução inversa dos
spreads, porque quando preço de um título da dívida cai, o rendimento efetivo deste título está
subindo.
108
A citação exata é apontada em nenhum lugar, mas circula em livros e no Internet..
109
Refere-se a um livro de Wolfgang Merkel, ‘Is capitalism compatible with democracy?’ não a
Chanceler de Alemanha Angela Merkel
110110
Uma palavra difícil de traduzir, referindo se a uma combinação de política com entretenimento.

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