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HISTÓRIAS ACUMULADAS NO TEMPO: A VIVÊNCIA E A RELIGIOSIDADE DAS

MULHERES NEGRAS EM UM DEFEITO DE COR E BARÁ NA TRILHA DO VENTO

Matheus Menezes Marçal1

Resumo: O trabalho "Histórias acumuladas no tempo" tem como objetivo refletir como as
escritoras Ana Maria Gonçalves e Miriam Alves refletem sobre as experiência de vida de mulheres
negras e suas relações com as religiões de matriz africana a partir de personagens dos romances Um
defeito de cor (GONÇALVES, 2012) e Bará na trilha do vento (ALVES, 2015). Entende-se, neste
trabalho, que as mulheres negras possuem uma maneira única de compreender a vida e seus
significados (COLLINS, 2012) e que, nos textos literários analisados, as personagens mulheres
negras colocam em discussões temáticas centrais dessa experiência social única. Nas narrativas são
importantes, também, as formas como as personagens mulheres negras lidam com as religiões de
matriz africana que foram produzidas no Brasil (THEODORO, 2008; CARNEIRO e CURY, 2008)
e serviram para fortalecer as formas de resistências das populações negras. Resistências essas
necessárias diante das formas como os conhecimentos colonizadores, junto a exploração material de
africanos e seus descendentes negros, exerceram um papel de eliminação das culturas que passaram
pela diáspora consequente do processo de escravização (FANON, 2008; GROSFOGUEL, 2013). As
narrativas e suas personagens apontarão, por fim, para a urgência de uma compreensão de seus
enredos para além dos modelos teóricos tradicionais da teoria da literatura (como a valorização da
figura da griot dentro do romance de Miriam Alves) para que aconteça uma verdadeira
compreensão da profundidade das poéticas sobre mulheres negras, tendo em vista os estereótipos
comuns da literatura canônica e o epistemicídio em vigor no Ocidente.

Palavras-chave: Literatura, mulheres negras, religiosidade.

Introdução
O trabalho que se desenvolve nas próximas páginas é uma tentativa de refletir sobre como as
culturas de matriz-africana, com vistas a sua religiosidade, são apresentadas nos romances Bará na
trilha do vento (2015) e Um defeito de cor (2012). A partir do romance de Ana Maria Gonçalves,
pode-se perceber que as mulheres negras utilizaram a espiritualidade para manter uma identidade
africana/negro-brasileira que estava sendo constantemente atacada no período da escravidão. Já o
romance de Miriam Alves permite concluir que essa identidade continuou a ser cultivada pelas
famílias negras no período pós-abolição, tendo as mulheres como principais condutoras desses
saberes, transmissoras desses saberes personificadas nas figuras de Dona Cina e de Bará.
Acredita-se, porém, que, diante da ordem social colonial racializada e patriarcal, há uma
necessidade de que contextualize-se a importância de se valorizar e legitimar os conhecimentos

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Mestrando em Teoria da Literatura (PUCRS/CAPES) e licenciando em História (UFRGS) de Porto Alegre (Brasil).

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produzidos por mulheres negras. A partir da experiência ou da herança da escravização e dos
contatos cotidianos com a violência contra mulheres negras, criaram-se saberes que consistem no
que conhecemos hoje como saberes produzidos por mulheres negras, tendo diversos nomes, como
feminismo negro, mulherismo, mulheridades etc. Destaca-se, nesse trabalho, a apresentação que
Luiza Bairros faz das cinco questões fundamentais para o feminismo negro, a partir do pensamento
de Patricia Hill Collins:
a afro-americana Patricia Hill Collins desvenda uma longa tradição feminista entre
mulheres negras com base no pensamento daquelas que desafiaram ideias hegemônicas da
elite masculina branca expressando uma consciência sobre a intersecção de raça e classe na
estruturação de gênero. Tal tradição constituiu se em torno de cinco temas fundamentais
que caracterizariam o ponto de vista feminista negro: 1) o legado de uma historia de luta, 2)
a natureza interligada de raça gênero e classe, 3) o combate aos estereotipos ou imagens de
controle, 4) a atuação como mães professoras e lideres comunitárias, 5) e a politica sexual
(Collins 1991). (BAIRROS, 2014, p. 186)

Contextualizando para o contexto brasileiro, a produção de uma tradição de resistência às


violências de gênero e raciais protagonizadas por mulheres negras está também ligada com a forma
como essa mulheres assumem posições de liderança nas religiões de matriz africana, mulheres
como Mãe Stella de Yemonjá, Mãe Aninha de Xangô e Mãe Menininha do Gantóis de Oxum.
Mulheres negras como as citadas eram as yalorixás das suas casas de candomblé e, além de
administrarem os rituais e as festas, organizavam comunidades negras em torno de seus terreiros e
produziam nele formas de resistir às violências institucionais e de fortalecer a identidade negro-
brasileira.
Como partes da identidade cultural negra-brasileira, as religiões de matriz-africana são umas
das princípais fontes da unidade e da identidade cultural das culturas negras, são elas que veinculam
as memórias, as histórias, os hábitos e as simbologias que constroem garantem aos participantes
dessa religião a consciente de estarem integrados a uma outra forma de organização do mundo que
não é aquela estabelecida pelo sistema social hegemônico. Helena Theodoro, em seu textos As
religiões de matriz africana, escreve que:

(...) a religião afro-brasileira é linha de frente e dinamizadora de um ethos, indicadora de


comportamentos, hábitos, enfim, de uma maneira de ser. Estabelecendo e proporcionando
uma ética própria, vem imprimindo formas de relações sociais, estipulando meios próprios
de organização e hierarquias, estimulando a vida comunal e estabelecendo padrões estéticos
próprios e formas específicas de comunicação ou acesso ao riquíssimo sistema simbólico –
pleno de conhecimento e sabedoria – que vai caracterizar a pedagogia negra iniciática.
(THEODORO, 2008, p. 83)

Como caracterizado pela autora, o ethos das religições de matríz africana envolve uma série
de hábitos sociais que constituem uma forma particular de propagar conhecimentos, que envolve

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todo um conjunto de conhecimentos e jogos simbólicos que são compartilhados entre os
participantes desses jogos.
No texto O candomblé, de Sueli Carneiro e Cristiane Cury, as autoras apontam uma série de
características que são adicionadas a vida dos sujeitos que se iniciam na religião:
O camdomblé propõe aos indivíduos iniciados:

 inscreve-o numa ordem metafísica, propondo-lhe um ser mitológico indivisível;


 articula esse ser ontológico, essa singularidade, a um universal (ou seja, aquilo que
pertence a todo universo) expresso por um panteão; promove, assim, sua eleição espiritual;
 restitui sua dimensão natural, pois é estreita a correspondência entre os elementos da
mitologia e os da natureza; ao inseri-lo nessa mitologia, inscreve-o ao mesmo tempo no
reino da natureza, recuperando assim a unidade entre esta e o homem;
 a mitologia, ao referir-se a todas as ações humanas significativas, explica e
compreende suas contradições sociais e individuais, propondo caminhos alternativos para
sua ação sobre o real;
 em oposição ao projeto individualista da sociedade global, oferece uma opção
comunitária. (CARNEIRO, CURY, 2008, p. 101)

Esses apontamentos exemplificam como as pessoas que compartilham as culturas de matriz


africana, em especial o candomblé, passam a compartilhar de uma cultura que se contrapõe à
cultura hegemônica ocidental e que garante a eles uma nova forma de se relacionar com o mundo.
Quando pensa-se nessa outra forma de se relacionar com o mundo, é essencial, nesse trabalho, que
se pense na forma como essas religiões de matriz africana serviam para pessoas escravizadas como
uma forma de se manterem enquanto humanas, enquanto verdadeiros seres sociais e políticos, frente
ao sistema escravocrata que transformava suas vidas em mercadorias e deslegitimava toda a sua
cultura (FANON, 2008; GROSFOGUEL, 2013).

Nos romances em estudo, como demonstro a seguir, as experiências das mulheres negras,
nos contextos brasileiros representados, relacionam-se com as formas como a tradição e a
religiosidade é expressa e simbolizada como uma forma de resistir e de aprofundar as relações
estabelecidas pela população negra-brasileira.

Vivências de mulheres negras nos romances


Começo minha análise pelo romance Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. A livro
narra a história da personagem Kehinde, a narradora, uma mulher da etnia jeje que é sequestrada e

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transformada escrava no Brasil, assumindo o protagonismo de sua própria vida nas terras coloniais,
participando da formação de terreiros, da Revolta dos Malês e voltando para África após enfrentar
as dificuldades que a sociedade colonial oferecia às mulheres negras escravizadas. A personagem-
narradora é uma versão ficcional da Luísa Mahín, a mãe do poeta Luís Gama.
Devido à grandiosidade da obra, que descreve diversas formas de expressão da resistência e
dos saberes de mulheres, como, por exemplo, o uso de métodos abortivos e demais conhecimentos
medicinais trazidos de África, destaco nesse trabalho passagens que demonstram as relação, no
romance, entre as personagens e as práticas religiosas de matriz africana. Cito, primeiramente, um
dos encontros da personagem Kehinde com a Yalorixá Mãezinha, em que a representante dos orixás
apresenta uma narrativa sobre a vida dos orixás:
Com palavras muito bem escolhidas e voz tranquila, a Mãezinha parecia receber inspiração
especial ao falar de uma força que nós, mulheres, temos à disposição e devemos aprender a
usar. Ela contou que, quando o mundo foi criado, Olodumaré, o Deus Supremo, mandou
três divindades à terra: Ogum, o senhor do ferro, Obarixá, o senhor da criação dos homens,
e Oduá, a única mulher e a única que não tinha poderes. Por causa disso, Oduá foi se
queixar a Olodumaré e recebeu dele o poder do pássaro contido em uma cabaça, o que fez
dela uma Ìyá Won, a nossa mãe suprema, a mãe de todas as coisas e para toda a eternidade,
e que dá continuidade a tudo que existe ou venha a existir. Olodumaré disse a Oduá que, a
partir de então, o homem nunca mais poderia fazer nada sem a colaboração da mulher. Com
o poder dos pássaros, as mulheres recebem de graça e de nascimento o axé, que é a energia
que os homens têm que cultivas. Não me lembro direito da explicação para este poder estar
desde sempre com as mulheres, mas acho que está relacionado ao ninho, representado pela
cabaça, ou ao ovo, gerado pelo pássaro. Só sei que, por meio dele, as mulheres passaram a
ser as que geram, as que fertilizam, as donas da barriga, que é por onde circula toda a
energia e a vida do corpo, através do sangue. É por isso que as mulheres têm as regras,
porque o grande poder feminino segue o rastro do sangue. (GONÇAVES, 2012, p. 578)

Nesse trecho, Kehinde toma conhecimento da simbologia em torno do poder das mulheres
no culto aos orixás, pois a partir da figura de Oduá, a personagem Kehinde toma conhecimento do
porquê das mulheres carregarem o poder de gerar a vida e o porquê, também, de elas deverem ser
respeitadas pelos homens. Há, em contraponto a ética judaico-cristã, uma nítida construção da
figura da mulher como a portadora da força vital (axé) e que é/foi capaz de adquirir essa força
através de suas atitudes. A narrativa, dessa forma, demonstra a força das mulheres negras em
dialogar e transmitir conhecimentos que permitem ressignificar as suas vivências e compreender a
identidade cultural a que estão ligada.
Outra passagem do romance que representa a forma como se estabelece um laço de
solidaridade entre mulheres negras e a forma como esse laço é construído ocorre quando a
protagonista Kahindre quebra uma representação da orixá Oxum que havia ganho e encontra muito
ouro dentro da estátua, alguns anos depois, ela encontra a Agontimé, fundadora da Casa das Minas

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no Maranhão e que havia dado a Kehinde a estátua de Oxum em que ela encontrou o ouro que a
auxiliou a mudar de vida. Cito:
Agradeci muito pela Oxum, contando o quanto tinha sido importante, e ela disse que, na
verdade, não tinha planejado me dar toda aquela fortuna, que conseguira com muito
trabalho e que seria usada na construção da Casa das Minas. Não disse isso para que eu me
sentisse culpada, o que salientou logo em seguida, mas para que eu visse que o destino
também pode nos reservar boas surpresas. Ela tinha mais ouro guardado dentro de outras
estátuas e queria me dar um pouco, mas não se lembrava de que a maior parte estava dentro
da Oxum. Quando percebeu, já tinha chegado no Maranhão e achou que estava certo
daquele jeito [...] (GONÇALVES, 2012, p. 596)

Através dos sentidos em torno de Oxum, percebo que não é ao acaso que, dentro da
composição narrativa, tenha sido uma estátua dessa orixá que estava carregando o ouro, tendo em
vista que na cosmovisão do candomblé ela é a orixá responsável pelo ouro e pelas riquezas,
transmitindo esse domínio também em sua personalidade. Ao dialogar com Agontimé, Kehinde tem
como resposta que aquele ouro que recebeu não era destinado a ela, mas que a sábia planejava
ajudá-la e que, ao ver que deixou a maior quantia com a Kehinde, pensou “estava certo daquele
jeito”, adicionando ao diálogo entre elas o mistério sobre o qual Muniz Sodré escreveu em seu livro
A verdade seduzida (1988), pois ambas não buscam encontrar os porquês daquele acontecido, pois
compreendem que as ações tomadas pelos orixás não precisam ser longamente justificadas.
Há no romance Um defeito de cor, como espero ter demonstrado brevemente, a
representação dos conhecimentos de mulheres negras conectados às formas culturais de matriz
africana, momentos de representação que afirmam como as relações entre resistência (a descoberta
do ouro, o reecontro com a simbologia do ser mulher perante aos orixás) e a identidade cultural.
Já no romance Bará na trilha do vento, de Miriam Alves, o leitor conhece, através de uma
narrador onisciente, a história de Bará e sua família, conhecendo as doçuras e sutilizas do cotidiano
de uma família negra que busca a sobrevivência e que tenta compreender os acontecimentos
espirituais que envolvem a vivência da menina Bará (Bárbara). Os pais de Bará adquirem o sustento
de sua família através do armazém que eles possuem no centr da Vila Esperança, onde moram, e a
experiência de Gertrudes, a mãe de Bará, com as mulheres que atende já demonstra a forma como
ela, enquanto mulher negra, se relaciona com as outras mulheres que compartilham suas dores com
ela, cito:
As mulheres, com desculpa de comprar gêneros, transformaram Gertrudes em confidente e
conselheira, compartilhavam dores, amores e clamores que abarrotavam as prateleiras de
suas vivências. Uma feira de troca de sentimentos, aliviando as angústias, os fardos da vida
corriqueira. Relatos povoados de filhos que sumiram na lida da vida sem rastro ou notícias;
maridos falecidos que as deixaram à míngua; maridos embriagados, torrando em
aguardente o suado pão de cada dia. Relacionamentos desfeitos e refeitos; abortos
provocados de quem não queria mais filhos; filhos não concebidos para aquelas que os

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queria. Filhas engravidadas, noivados, casamentos, traições, desejos. Enfim, um universo
de emoções. Doenças e curas, sonhos reconstruídos, lágrimas e risos, decepções e
expectativas, compartilhados entre frutas e legumes na Quitanda da Vila. D. Trude conhecia
algumas das muitas trajetórias dos que vieram, em ocasiões e pretextos diferentes, morar na
Vila Esperança. Comercializava víveres e participava ativamente, chorando junto,
amparando, curando. Para aquela feira de sentimentos expostos, ela agia aconselhando,
interferindo, receitando chás, ensinando simpatias, ajudando a solucionar as situações
específicas de cada um. Envolvia-se tanto que, às vezes, preocupada, dormia sem
descansar, agitava-se, sono povoado com as histórias e todas aquelas mulheres, com vidas
parecidas com a dela. (ALVES, 2015, p. 56)

Trabalhando como vendedora e atendente, D. Trude toma conhecimento dos sabores e


dissabores que afetam a vida das mulheres negras com quem se relaciona. Ela toma conhecimento
dos problemas sociais que afetam (como os filhos desaparecidos e os maridos alcóolatras) essas
mulheres e constrói, com elas, conhecimentos a cerca das formas de lidar com esses problemas que
enfrentam. No romance, Gertrudes é a personagem que representa a figura das “líderes
comunitárias” sobre as quais Patrícia Hill Collins (2012) e Luíza Bairros escrevem sobre, mulheres
negras que com seus conhecimentos se tornam orientadoras de outras mulheres mulheres e que são
capazes de reunir conhecimentos práticos e importantes para suas vidas enquanto mulheres negras
sem necessitar do conhecimento grafocêntrico e academicista hegemônico.
Outra personagem que conserva em sua construção esse conhecimento epitemológico é a
personagem Patrocina, avó de Bará, que visita a protagonista em seu aniversário para comemorá-lo
com a família e para repassar à neta, uma das mulheres escolhidas dentro da família, a tarefa de
conservar a espiritualidade ancestral que carregam e de iniciar uma nova ciranda de esculturas de
mulheres negras que representam as matriarcas da família. Um dos momentos me que a avó da
protagonista apresenta essas esculturas à Gertrudes e Danaide, uma amiga da família:
Ali no cotidiano da cozinha estavam sendo desvelados mistérios profundos. Gertrudes,
Danaide e Patrocina compartilhavam do alimento mais rico: a sabedoria, a riqueza dos
povos, cultuada e transmitido nas atitudes mais simples e também na complexa estética que
os artefatos, naquelas figuras femininas, simbolizavam. Saborearam não só o café, bebida
quente, que por si só, desde seu fabrico até a ingestão, abarcava a argúcia ritual dos povos
longínquos em extrair da natureza o prazer e o estímulo em viver. Invenções relegadas à
banalidade do dia a dia de uma xícara fumegante, ingerida às pressas, antes, depois ou
durante os compromissos inadiáveis. Elas realimentaram-se do viver, redescobriam
significados, vivenciaram saberes impalpáveis. Saciaram-se. Experimentaram o efeito
marola, a partir do impacto causado pela visão das estatuetas. Expandiram-se em suas
naturezas, identificadas com os elementos emblemáticas, transformaram-se em donas do
baú, mesmo sem possuírem ou tocarem neles. (ALVES, 2015, p. 125)

Através da comparação entre o café, que representa a potência de entrair da naturea o prazer
e o estímulo para a vida, e a riqueza ancestral que carregavam as esculturas apresentadas por
Patrocína, as personagens mulheres negras do romance passam a compartilhar de uma história

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cultural2 que adiciona uma potência nova aos seus cotidianos e ao território que compartilham (a
cozinha), potência essa que passa a vigorar a partir da presença de D. Cina, a figura ancestral e a
griout da família.

Referências

ALVES, Miriam. Bará na trilha do vento. Salvador: Editora Ogum's Toques Negros, 2015

BAIRROS, L. Nossos feminismos revisitados. In: ESPINOSA, Y.; GÓMEZ, D.; OCHOA, K.
Tejiendo de otro modo. Popayan: Editorial Universidad del Cauca, 2014, p. 181 – 210.

CARNEIRO, S. CURY, C. O candomblé. In: NASCIMENTO, E. Guerreiras da Natureza mulher


negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro, 2008, p. 97 – 116.

COLLINS, Patricia Hill. Rasgos distintivos del pensamiento feminista negro. In: JABARDO,
Mercedes (org.) Feminismos negros: Una antología. Madri: Traficantes de Sueños, 2012. pp. 99-
134.

FANON, F. Peles negras máscaras brancas. Salvador: Editora UFBA, 2008, 193 p.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2012.

GROSFOGUEL, R. Racismo/sexismo epistémico,universidades occidentalizadas u los cuatro


genocidios/epistemicidio del largo siglo XVI. Tabula Rasa. nº 19, 2013, p. 31 – 58.

THEODORO, H. Mulher negra, cultura e identidade. In: NASCIMENTO, E. Guerreiras da


Natureza mulher negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro, 2008, p. 85 – 96.

Stories accumulated in the time: the experience and the religiosity of the black women in “Um
defeito de cor” and “Bará na trilha do vento”
Abstract: The papper "Stories accumulated in time" has as objective to reflect how the writers Ana
Maria Gonçalves and Miriam Alves reflect about the life experience of black women and their
relations with the religions of African matrix from personages of the novels Um defeito de cor
(GONÇALVES, 2012) and Bará na trilha do vento (ALVES, 2015). It is understood in this work
that black women have a unique way of understanding life and its meanings (COLLINS, 2012) and
that, in the literary texts analyzed, the black women characters put into the central thematic
discussions of this unique social experience. In the narratives are also important the ways in which
the black women characters deal with the religions of African matrix that were produced in Brazil

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“Na diáspora, a prática religiosa foi para o negro escravizado uma das formas de resistência à sua descaracterização
como ser humano e ao seu despojamento de tudo quanto lhe era caro. Por meio dela foi possível recuperar e preservar
sua humanidade, sistematicamente negada pela escravidão.” (CARNEIRO, CURY, 2008, p. 121)

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(THEODORO, 2008, CARNEIRO and CURY, 2008) and served to strengthen the forms of
resistance of the black population. These resistances are necessary in the face of the ways in which
colonizing knowledge, together with the material exploitation of Africans and their black
descendants, have played a role in eliminating the cultures that have passed through the diaspora as
a consequence of the enslavement process (FANON, 2008, GROSFOGUEL, 2013). The narratives
and their characters point, finally, to the urgency of understanding their entanglements beyond the
traditional theoretical models of literature theory so that a true understanding of the depth of black
women poetics.

Keywords: literature, black women, religiosity

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