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Cap.

2 – Defeitos nos materiais ____________________________________________ 55

2.2.3 – Movimentação das discordâncias


O conceito de discordância foi introduzido na primeira metade do século
XX para explicar a falha dos modelos de previsão da resistência mecânica
dos metais, vide tabela 2.2. A movimentação de uma discordância produz o
deslocamento (ou alongamento) do valor do módulo do vetor de Burges no
cristal, ou seja, produz um deslocamento igual a um plano atômico (vide figura
2.16).
O movimento desta discordância e a conseqüente deformação de um
plano atômico requerem um nível de tensão menor do que a tensão teórica
(conforme calculada pela equação 17) para cisalhar todo o cristal. Acima e
abaixo da linha da discordância, os átomos estão em posições estáveis, de
mínima energia. Porém, a aplicação de uma tensão de cisalhamento poderá
causar um ligeiro aumento na energia dos átomos, que não é suficiente para
causar o deslizamento de todos os átomos do cristal, mas que pode produzir
o deslocamento localizado dos átomos na linha da discordância, de um valor
pequeno.
A figura 2.23 ilustra as mudanças de energia que ocorrem ao redor da
discordância. Como a movimentação da discordância tende a diminuir a
energia do sistema que irá de deslocar até a superfície do cristal, caso não
exista nenhuma barreira no seu caminho, tal como ilustra a figura 2.24.

(a) (b)

Figura 2.23 – (a) representação de uma discordância em cunha e a região ao seu


redor; (b) representação dos níveis de energia dos átomos no entorno de uma
discordância em cunha como a mostrada a esquerda, Dieter (1988).

Figura 2.24 – Representação da movimentação de uma discordância em cunha


“positiva”, Shakelford (1996).
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É óbvio que quanto menor for a energia para movimentar os átomos na


linha da discordância (∆E, da figura 2.23), mais fácil será a movimentação
deste defeito. Para minimizar esta energia de transição é esperado que a
distância W da região interfacial (figura 2.23) seja a menor possível. Assim, a
largura da discordância é uma característica importante porque ela determina
a força necessária para mover uma discordância ao longo da rede cristalina.
Esta força é conhecida como força de Peierls-Nabarro, calculada pela
seguinte equação (Dieter, 1988):

2G − 2πbw
τP ≈ e (18)
1 −ν

ou

2πa
2G − (1−ν )b
τP ≈ e (19)
1 −ν
onde: G é o módulo de elasticidade (rigidez) em cisalhamento; ν é o
coeficiente de Poisson; w é a largura da discordância; a é a distância entre os
planos de escorregamento; b é a distância entre os átomos na direção de
escorregamento.

A tensão de deslizamento da discordância depende exponencialmente


da largura da discordância (w) e da distância entre os átomos (b). A equação
apresenta limitações práticas para a sua aplicação, porém é suficientemente
clara para demonstrar que é necessário um nível de tensão muito menor do
que a tensão de teórica de cisalhamento do reticulado cristalino perfeito
(equação 17).
Além disso, observando-se a equação pode-se perceber que quanto
maior for o valor da largura da discordância (w), menor será a tensão
necessária para a sua movimentação. Discordâncias “largas” distribuem
melhor o nível de tensões causado pela presença do plano atômico extra
(discordâncias em cunha) ou deslocado (discordâncias em parafuso) e é por
isso que requerem menores valores de tensão para se deslocarem.
Na rede cristalina dos metais, a largura típica das discordâncias é da
ordem de 10 espaçamentos interatômicos e apresentam grande mobilidade.
Por outro lado, nos materiais cerâmicos (tipicamente iônicos), a energia
interfacial é alta (∆E, da figura 2.23) e a largura das discordâncias pequena.
Estas duas condições limitam em muito a movimentação das discordâncias
nestes materiais com claros reflexos nas suas propriedades mecânicas
macroscópicas. Nestes casos, o aumento de temperatura destes materiais
fornece energia para a transposição da energia interfacial (∆E), viabilizando a
movimentação de discordâncias e produzindo o respectivo efeito associado a
esta movimentação a um nível macroscópico.
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Desta forma pode-se concluir que a movimentação das discordâncias


na rede cristalina dos metais vai depender da associação de condições que
miniminizem a energia (ou tensão) necessária para o deslocamento destes
defeitos. Observando a equação de Peierls-Nabarro, pode-se notar que as
discordâncias se deslocam melhor nas direções e planos mais compactos
(menores valores de b). Já foi discutido, no item 1.3.3, que existem certas
direções e planos mais densos ou mesmo compactos (com a maior densidade
de átomos possível), conforme descrito na tabela 1.3, de acordo com o tipo de
rede cristalina considerada, dentre as 14 de Bravais (figura 1.21).
A tabela 2.3 apresenta a combinação das direções e planos mais
compactos para ocorrer o deslizamento das discordâncias. A conjunção de
uma direção e de um plano mais denso (ou compactos) mais favoráveis para
o deslizamento das discordâncias é chamado de sistema de deslizamento.
Para cada sistema de deslizamento está associada uma tensão para o
deslocamento de discordâncias neste sistema (tensão teoricamente fornecida
pela equação 19) conhecida como tensão crítica de cisalhamento, também
apresentada pela tabela 2.3.
Tabela 2.3 – Sistemas de deslizamento para a rede cristalina de vários metais à
temperatura ambiente, Dieter (1988).

Como se sabe, nem todos os sistemas cristalinos possuem planos


compactos. No caso do sistema cúbico de corpo centrado do ferro, existem
vários sistemas possíveis, onde já se observou movimentação de
discordâncias. A tabela 2.4 apresenta os 48 possíveis sistemas de
deslizamento da rede CCC do ferro.
A facilidade de uma discordância se movimentar depende do quão
denso é o sistema. Sistemas compactos apresentam uma facilidade de
movimentação das discordâncias muito superior a um sistema não compacto.
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Da mesma forma, sistemas mais densos são caminhos mais prováveis de


deslizamento de discordâncias do que sistemas menos compactos.

Tabela 2.4 – Os 48 sistemas de deslizamento da rede cúbica de corpo centrado do


ferro, Meyers e Chawla (1999).

2.2.4 – Deformação plástica e discordâncias


A movimentação das discordâncias é o fenômeno principal responsável
pela ductilidade ou capacidade de deformação plástica dos metais. Apesar de
possuir uma estrutura que permita a mobilidade dos átomos (vide item 1.2), já
que cada átomo metálico está em equilíbrio indiferente2, a deformação
plástica da rede iria requerer um nível de tensão muito maior (vide equação
17) do que a necessária para mover uma discordância (vide equação 19).
Já foi visto que as discordâncias podem ser mover em sistemas de
deslizamento (listados pela tabela 2.3) e que várias discordâncias podem se
mover ao mesmo tempo (vide figura 2.19 e 2.19). Considerando que os
metais geralmente são constituídos de vários cristais ou grãos (vide item 2.3),
então é razoável supor que alguns destes irão estar na posição mais
adequada para que muitas de suas discordâncias, especialmente as
discordâncias em parafuso, entrem em movimento (segundo previsto pela
equação 22).
Uma única discordância produz uma deformação irreversível muito
pequena na rede cristalina de um metal, da ordem do módulo do seu vetor de
Burges (ou um plano atômico). Porém, a deformação final irreversível obtida
pela movimentação das discordâncias é muito maior, pois existem um número
muito grande destes defeitos em linha e sua movimentação ocorre em
conjunto, de maneira acumulada (vide figura 2.19 e 2.25). Assim sendo a
deformação plástica de um metal que apresente vários sistemas de

2
Cada átomo de metal dentro da rede cristalina metálica está em uma posição que pode ser trocada
com uma outra qualquer sem prejuízo energético do sistema (a não ser pela energia desprendida
pela movimentação deste átomo). Neste caso não existe uma posição definida na rede que o átomo
deveria ocupar, sendo todas as posições permissíveis e possíveis, ao contrário dos sólidos iônicos.
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deslizamento (metais de estrutura CFC), tem a sua deformação plástica


praticamente devida à movimentação das discordâncias.
A movimentação de uma discordância ao longo de um cristal metálico
de comprimento L e altura h produz um deslocamento localizado deste cristal
igual ao módulo do seu vetor de Burges (b), conforme ilustrado na figura 2.27.

Figura 2.27 – Deformação cisalhante associada com a passagem de uma


discordância em um cristal de largura L e altura h, Dieter (1988).

Considerando que esta discordância esta em uma posição intermediária


(dentro do cristal) igual à xi e que o valor de b é muito pequeno, pode-se
escrever que a deformação normal infinitesinal (δi) experimentada pelo cristal
vale:

xi b
δi = (23)
L

Considerando um número N de discordância se deslocando da mesma


forma, pode-se fazer um somatório da equação (23), expressando-se o total
de alongamento que houve na direção da movimentação destas
discordâncias:

N N
xi b b N
∆ = ∑ δi = ∑ = ∑ xi (24)
1 1 L L 1

A deformação cisalhante macroscópica (γ) vale:

∆ b N
γ = = ∑ xi
h hL 1
(25)
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Considerando a distância média que estas discordâncias deslizaram,


pode-se reescrever a equação anterior (25), como:

∑x i
(26)
x= 1

N
bNx
γ = (27)
hL

É conveniente expressar a deformação em termos da densidade de


discordâncias no metal (ρ):
v
γ = bρx (28)

onde a densidade de discordâncias (ρ) foi determinada como sendo o número


total de linhas de discordâncias atravessando o plano do cristal ou ρ=N/hL.

Os argumentos utilizados na obtenção da equação (28) são válidos


para as discordâncias em cunha e em parafuso, porém a movimentação
segundo direções paralelas geralmente não é razoável já que os sistemas de
deslizamento não estão, necessariamente, na direção da força cisalhante
externa, como esquematizado na figura 2.27. Assim um fator de correção (φ)
pode ser utilizado para acertar esta diferença, reescrevendo-se (28) como:
v
γ = φbρx (29)

Em todos os casos, as equações derivadas permitem o cálculo da


densidade de discordâncias em um metal. Este valor é expresso em cm-2 ou
mm-2 e significa o número total de linhas de discordância que interceptam uma
área unitária (em cm2 ou mm2).
Utilizando argumentos estatísticos também se pode afirmar que este é o
comprimento presente de linhas de discordâncias a cada unidade cúbica do
metal (cm de linhas de discordância por cm3 de metal). Esta densidade pode
variar entre 108 cm-2 a até 1012 cm-2, isto equivale a dizer que existem em
torno de mil a 10 milhões de quilômetros de linhas de discordâncias em
apenas 1cm3 de metal !
Considerando que a densidade das discordâncias não varie em função
da taxa de deformação, a equação (29) pode ser rearranjada de modo a
oferecer a equação de Orowan:

dγ dx
γ& = = bρ = bρv (30)
dt dt
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Onde v é a velocidade media das discordâncias. Reed-Hill (1994) cita


que o trabalho de dois pesquisadores, Johnston e Gilman, com cristais de LiF
permitiu observar que a velocidade das discordâncias em cunha é maior do
que a das discordâncias em parafuso da ordem de 50 vezes. Estes também
verificaram que o logaritmo da velocidade das discordâncias e o logaritmo da
tensão aplicada estão linearmente correlacionados: ln(v) α ln(τ) (ou v=A·τm),
para velocidades abaixo de 0,1cm/s. A velocidade encontrada em níveis de
tensões normais e temperaturas ambientes foi de ordem de 10-5 cm/s.
O gráfico da figura 2.28 ilustra a importância das discordâncias na
capacidade de deformação plástica e na resistência mecânica dos metais.
Neste gráfico estão mostrados os valores de resistência mecânica de vários
tipos de ligas de ferro. Os arames finos e os Whiskers3 são praticamente
compostos de ferro puro, mesmo assim a resistência mecânica destes é bem
superior a do aço mais resistente (Maraging). Isto ocorre, pois o número de
discordâncias presentes nestes casos é muito pequeno para produzir
deformação plástica apreciável e consequente redução da resistência
mecânica. Daí o nível de resistência mecânica se aproxima, em muito, do
nível de resistência teórica, calculável pela equação (17).

Figura 2.28 –
Variação nas
propriedades
mecânicas de
algumas ligas de
ferro, Dowling
(1993).

Adicionalmente, as discordâncias se deslocam pela ação de uma força


externa e esta força não está, necessariamente, na direção mais adequada
para o deslocamento da discordância no sistema mais adequado. Nestes
casos deve-se calcular a resultante da tensão externa, traduzindo-a na

3
“whisker” é uma palavra que, neste caso, significa um monocristal muito fino cujo diâmetro é da
ordem de apenas 1µm. No caso dos arames finos, o diâmetro pode ser tão pequeno quanto 25µm
(Morais, 1999).
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componente de cisalhamento no plano e direção de deslizamento mais denso


da discordância.
Observando a figura 2.25, tem-se que a força F deve ser decomposta
na componente de cisalhamento atuando na face definida pelo sistema de
deslizamento. Considerando que o ângulo entre a força F e a direção de
deslizamento vale λ então a componente da força de cisalhamento vale:
Fcis = F cosλ (20)

Figura 2.25 – À esquerda: esquema para o cálculo da tensão de cisalhamento


resolvida em um cristal metálico, Shackelford (1996). À direita: um monocristal de
nióbio comprimido (Viana e Paula, 2001).

Considerando que o ângulo entre a normal ao plano de deslizamento e a força


é φ, então a área de atuação da componente Fcis vale:

Acis = A/cosφ (21)

A tensão de cisalhamento resolvida neste sistema de deslizamento,


pela aplicação da força F será de:

P cos λ P
τR = = ⋅ cos φ ⋅ cos λ = σ ⋅ cos φ ⋅ cos λ (22)
A / cos φ A

Pode-se notar que o valor do produto entre os cossenos de φ e λ


determina a intensidade da resultante da tensão σ aplicada sobre o cristal que
servirá para a movimentação das discordâncias. Esta função, conhecida como
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fator de Schmid (m=cosλ cosφ), possui um máximo quando φ = λ = 45º, ou τR


= ½·σ.
Este resultado já é conhecido mesmo antes do advento da teoria das
discordâncias, já que linhas de deslocamento, onde várias discordâncias
alcançam a superfície do metal (vide figura 2.19), são sempre observadas a
45º da direção da aplicação dos esforços de tração, conforme ilustrado na
figura 2.25.
A ocorrência de deslizamento a 45º dos esforços de tração, depende da
coincidência de sistemas de deslizamento nesta direção. Entretanto materiais
policristalinos (vide item 2.3) vão apresentar, estatisticamente, sistemas de
deslizamento em todas as direções, devido às diferentes orientações dos
grãos que o constituem. Àqueles que estiverem a 45º deverão apresentar
movimentação de discordâncias.
Isto é particularmente verdadeiro para metais do sistema cúbico de
faces centradas (CFC), que possui 12 sistemas de deslizamento bem
distribuídos no espaço (vide tabela 2.3). O sistema hexagonal compacto
apresenta menos sistemas de deslizamento, portanto podem ser esperadas
maiores dificuldades para o deslizamento de discordâncias neste sistema,
mesmo a forças resolvidas (τR) elevadas.

2.3 – Defeitos planares ou superficiais


Sólidos cristalinos metálicos geralmente não são constituídos de um
único cristal, devido às condições termodinâmicas encontradas na fabricação
dos metais que não oferecem tempo e taxas de resfriamento para a criação
de um único cristal, tal com mostrado na figura 2.43. Assim, os metais são
constituídos de inúmeros cristais, conhecidos pelo nome de grãos que possui
uma interface com os demais que constitui um defeito planar ou superficial.

Figura 2.43 –
Seqüência de
solidificação de um
material metálico (da
esquerda para a
direita e de cima
para baixo)
mostrando como
cristais formandos na
fase líquida tornam-
se grãos na fase
sólida, Callister
(1997).
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Existem três tipos principais de defeitos superficiais na estrutura


cristalina dos metais: as falhas de empilhamento, as maclas e os contornos de
grão, listadas em grau crescente de desordenação.
As falhas de empilhamento são nada menos do que regiões cristalinas
relativamente perfeitas delimitadas por discordâncias parciais de Shockley, tal
como mostrado na figura 2.44.

Figura 2.44 – Falhas de empilhamento formadas pela dissociação de discordâncias,


à direita uma falha de empilhamento segundo vista pela MET de alta resolução no
silício.

As maclas são regiões de um mesmo cristal, mas que possuem


orientação cristalina diferente do restante do cristal. Neste caso, a orientação
cristalina segue regras de simetria bem determinadas e a interface é plana ou
bem próxima disto conforme ilustrado pela figura 2.45. Existem dois tipos de
maclas: àquelas formadas por deformação e àquelas formadas por
recozimento.

Figura 2.45 – À esquerda: esquema ilustrando a disposição dos átomos em torno da


linha de uma macla. À direita: microestrutura de um latão (70%Cu e 30%Zn) cujos
grãos apresentam inúmeras maclas formadas pelo recozimento, Downling (1993).
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Os contornos de grão são as regiões interfaciais que delimitam os


diferentes cristais dos quais são compostos os sólidos metálicos. Cada cristal
pode ter uma orientação qualquer ou apresentar uma orientação preferencial
de seus planos cristalinos (textura cristalina). A variação da orientação de
cristais vizinhos pode ser pequena, formando um contorno de grão de baixo
ângulo, ou grande, formando um contorno de grão de alto ângulo. A geometria
destes contornos depende de uma série de fatores de fabricação do metal e
possuem grande influência sobre as propriedades mecânicas do metal. A
figura 2.46 apresenta exemplos de contornos de grão.

Figura 2.46 – Contornos de grão, em cima: contornos de baixo ângulo; em baixo:


contornos de alto ângulo; à esquerda: esquemas das posições atômicas e dos
planos; à direita: imagens de MET de alta resolução (Meyers e Chawla, 1999 e
Kestenbach e Botta filho, 1994).

Sólidos cristalinos geralmente são constituídos de um grande número


de grãos separados por contornos de grão. Cada cristal irá apresentar uma
orientação no espaço que é diferente do cristal vizinho, conforme
Materiais de Construção Mecânica I 66

representado na figura 2.50, e esta diferença pode ser maior ou menor de


acordo com as condições de formação deste cristal e com a estatística.
Assim os contornos de grão podem ser de dois tipos: de baixo ângulo (θ
baixo), quando a diferença de orientação dos grãos é pequena, e de alto
ângulo (θ alto), quando a diferença de orientação é grande, conforme já
mostrado na figura 2.46. Quando o contorno de grão é de baixo ângulo, este
pode ser descrito por uma configuração simples de discordâncias em cunha
ao longo de sua linha, formando uma parede (vide figura 2.46).

Figura 2.50 – Diferentes


orientações de cristais
constituindo um sólido
cristalino, Meyers e Chawla
(1999).

2.4 – Defeitos volumétricos


Vazios e inclusões são os principais defeitos volumétricos nos metais e
estão diretamente correlacionados com o processo de produção destes
materiais.
As inclusões podem estar presentes devido a reações de formação
entre os elementos que compõem a liga metálica ou podem ser incorporados
acidentalmente, especialmente pela queda de pedaços dos refratários que
revestem os vasos que manipulam o metal líquido ou pela incorporação de
escórias e fluxos protetivos utilizados ao longo do processo de fabricação.
Nestes casos, as inclusões presentes não possuem relação com a liga
metálica e podem ser consideradas como corpos estranhos.
Não existe um processo de fabricação, em escala industrial, que não
esteja sujeita a este tipo de problema em maior ou menor grau. Podem ser
empregadas práticas que reduzem a incorporação destes defeitos, tais como:
utilização de panelas novas e limpas, adição de fluxos em quantidades
acertadas, agitação do banho metálico com a vazão de gás e o tempo certo
de borbulhamento na panela de metal líquido. Paralelamente, podem ser
utilizadas técnicas que reduzam a solidificação destas impurezas junto com o
metal, tais como: máquinas de lingotamento de veio vertical, uso de
massalotes na fundição ou de “cabeças quentes” no lingotamento. A figura
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2.54 ilustra a utilização de um massalote para a minimização de inclusões não


metálicas em uma peça fundida.
No caso de inclusões formadas pela reação de elementos dentro do
metal, deve-se garantir que a composição química e as condições
termodinâmicas para esta formação não ocorrerão. Geralmente estão sendo
empregadas operações de metalurgia secundária (forno panela,
desgasseificação, etc.) para melhor controlar a composição química dos
metais (especialmente o aço) para se garantir um número mínimo destes
defeitos na estrutura final do metal. A figura 2.55 ilustra três tipos de inclusões
encontradas em aços produzidos industrialmente.

Figura 2.54 – Utilização de um massalote para a redução da incorporação de


inclusões não metálicas em uma peça fundida (figura própria dos autor).

Os vazios internos podem ser originados da solidificação dos metais ou


do processo de sinterização de metais (metalurgia do pó) similarmente aos
materiais cerâmicos. Cuidados devem ser tomados durante a solidificação dos
metais para que as placas obtidas por lingotamento contínuo não apresentem
uma grande quantidade de microporosidades devido ao tipo de processo de
solidificação (a ser visto no capítulo 3).
A figura 2.56 ilustra o mecanismo de produção de vazios no
lingotamento de dois aços que apresentam distintos intervalos de temperatura
de solidificação (alto e baixo carbono). Neste caso o acerto do processo
dependerá do gradiente de temperaturas e da velocidade de solidificação. Já
a figura 2.57 ilustra as microestruturas de uma liga sinterizada NC100.24, com
os seus respectivos vazios que permanecem após o processamento via
metalurgia do pó.
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(a) (b)

Figura 2.55 – Metalografias ilustrando


três tipos de inclusões formadas no
interior da estrutura de aços produzidos
em escala industrial: (a) inclusões
alongadas de MnS (tipo II); (b) inclusões
de TiN em um aço microligado e (c)
inclusão de aluminato de cálcio em um
aço para conformação mecânica (figura
dos autor).

(c)

(a)

(b)

Figura 2.56 – Dois mecanismos de solidificação que podem ocorrer no lingotamento


de metais: (a) metais com intervalo de solidificação pequeno e (b) intervalo de
solidificação grande, ocasionando inúmeras microporosidades (figura dos autor).
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Figura 2.57 – Microestrutura de uma liga NC100.24 compactada com 690MPa e


sinterizada a 1120º C por 30minutos (densidade 7,03), Höganäs (1997).

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