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INTRODUÇÃO
O ataque às humanidades chegou para valer ao Brasil. No momento em que
escrevo, associações acadêmicas de vários estados emitem notas de repúdio a
declarações feitas por ninguém menos do que o atual presidente da Repúbli-
ca, Jair Bolsonaro. Uma semana após anunciar cortes dramáticos no fomento
à pesquisa científica brasileira, Bolsonaro fez declarações ainda mais graves
contra os campos humanísticos, que a seu ver nem merecem financiamento
público.1 Os motivos: as humanidades não ensinam nada útil, não têm apli-
cação prática e não prometem emprego para os formandos. Esse é o mesmo
discurso que tem fechado departamentos de ciências humanas pelo mundo
1 As declarações foram feitas pela conta do presidente no Twitter, em 26 de abril de 2019. Cito: “O
Ministro da Educação [Abraham Weintraub] estuda descentralizar investimento em faculdades
de filosofia e sociologia (humanas) ... O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao
contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina.” Em uma das muitas notas de repúdio, a
Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) escreveu: “O ministro e o presidente
ignoram a natureza dos conhecimentos da área de humanidades e exibem uma visão tacanha de
formação ao supor que enfermeiros, médicos veterinários, engenheiros e médicos não tenham de
aprender sobre seu próprio contexto social nem sobre ética, por exemplo, para tomar decisões
adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação.” Visto em 1 de maio de 2019 em
http://www.anpof.org/portal/index.php/pt-BR/artigos-em-destaque/2075-nota-de-repudio-
a-declaracoes-do-ministro-da-educacao-e-do-presidente-da-republica-sobre-as-faculdades-de-
humanidades-nomeadamente-filosofia-e-sociologia
2 Uma excelente discussão desses argumentos é The Value of the Humanities, de Helen Small
(Oxford University Press, Oxford, 2016).
3 Uma boa introdução ao assunto é a coletânea A Sense of the World: Essays on Fiction, Narrative,
and Knowledge, ed. John Gibson, Wolfgang Huemer e Luca Pocci (Routledge, 2009).
4 A REF define “impacto” como “um efeito, mudança ou benefício para a economia, a sociedade,
as políticas ou os serviços públicos, a saúde, o meio ambiente ou a qualidade de vida, para além
da academia”. REF 2019/21 Guidance on Submissions, janeiro de 2019, p. 90. Ver: https://www.ref.
ac.uk/media/1092/ref-2019_01-guidance-on-submissions.pdf.
5 Judith Butler, “Ordinary, Incredulous,” in The Humanities and Public Life, ed. Brooks and Jewett
(Fordham University Press, Nova York, 2014, p. 15-37).
6 Simon During, “Stop Defending the Humanities”, Public Books, 1 de março de 2014. Ver: https://
www.publicbooks.org/stop-defending-the-humanities/
7 Nussbaum defende esse argumento em diferentes obras. A mais relevante, neste caso, é
Cultivating Humanity: A Classical Defense of Reform in Liberal Education (Harvard University Press,
Cambridge, 1997).
8 Stanley Fish, “Will the Humanities Save Us?” The New York Times, 6 de janeiro de 2008.
9 David Comer Kidd e Emanuele Castano, “Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind”, na
Science, volume 342, p. 377-80, 18 de outubro de 2013.
10 Tentativas de replicar os resultados encontrados por Kidd e Castano não surtiram resultado.
Um exemplo é Maria Eugenia Panero, Deena Skolnick Weisberg et al., “Does Reading a Single
Passage of Literary Fiction Really Improve Theory of Mind? An Attempt at Replication”, Journal of
Personality and Social Psychology, 2016.
11 Suzanne Keen, Empathy and the Novel (Oxford University Press, Oxford, 2010).
12 Peter Brooks, “Introduction” to The Humanities and Public Life, 14; Michael Sandel, Justice: What’s
the Right Thing to Do? (Farrar, Straus and Giroux, Nova York, 2009).
13 James Turner, Philology: The Forgotten Origins of the Modern Humanities (Princeton: Princeton
University Press, 2014).
em http://www.culture.gouv.fr/Actualites/Infographie-L-apport-de-la-culture-a-l-economie-en-
France-les-chiffres
15 Para uma excelente discussão desse contexto, ver o ensaio de Alan Taylor, “The Virtue
of an Educated Voter”, em The American Scholar, 6 de setembro de 2016. Ver em https://
theamericanscholar.org/the-virtue-of-an-educated-voter/#.XMloNaR7l2A