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ESTÁCIO ROMUALDO

CURSO DE DIREITO

SARITA ALVES DE SOUZA CASTRO

A PROTEÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS E

SUA PERSPECTIVA PARA RECONHECIMENTO COMO SUJEITOS DE DIREITOS

NATAL-RN
2016
SARITA ALVES DE SOUZA CASTRO

A PROTEÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS E

SUA PERSPECTIVA PARA RECONHECIMENTO COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Trabalho de Curso, na modalidade Artigo


Científico, apresentado ao Curso Direito da
Estácio Romualdo, na disciplina Direito
Constitucional/ Hum./ Inter., como requisito
parcial para obtenção a obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Fernando de Alvarenga Barbosa

NATAL-RN
2016
SARITA ALVES DE SOUZA CASTRO

A PROTEÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS E

SUA PERSPECTIVA PARA RECONHECIMENTO COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Trabalho de Curso, na modalidade Artigo


Científico, apresentado ao Curso Direito da
Estácio Romualdo, na disciplina Direito
Constitucional/ Hum./ Inter., como requisito
parcial para obtenção a obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Apresentado e aprovado em: Natal (RN), ______de____________ de 2016.

COMISSÃO DE AVALIAÇÃO

____________________________________________
Coordenador Dr.
George Hilton Lemos Neves

____________________________________________
Prof. Dr.
Hilana Beserra da Silva Silveira

___________________________________________
Prof. Dr.
Lídio Sânzio Gurgel Martiniano
Dedico à Deus, por ter-me proporcionado fé,
força e esperança, suficientes para
conseguir vencer os desafios de uma
jornada acadêmica e, por me ter feito
compreender que os animais não humanos
são seres especiais, que nos ensinam o que
é amor, carinho, respeito e admiração para
com outro ser, independente de possuir
característica diferenciada.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pоr tеr mе proporcionado fé e, que por meio dos


registros Bíblicos, nos ensina que devemos respeitar e cuidar dos animais.

Aos meus pais qυе, em meu desenvolvimento ensinaram o respeito não


somente para com os humanos, mas também com os animais.

A esta respeitável instituição acadêmica e aos admiradores coordenadores


pela orientação, apoio е confiança.

Ao mеυ orientador, pela oportunidade na elaboração е revisão dа redação


deste trabalho.

Agradeço а todos оs professores pоr ter mе proporcionado о conhecimento


adequado, composto pela manifestação de caráter е de efetividade no processo de
educação acadêmica.

A meus filhos, Alisson e Samarah, pela paciência, compreensão e amor


incondicional que me transmitem, como também ao meu animal não humano, por ter
sido o meu melhor exemplo norteador deste trabalho.

A meu marido, pelo incentivo nos momentos difíceis, de desânimo е cansaço.

A Dra. Maria da Conceição S. D. Monteiro pela contribuição de seus


conhecimentos acadêmicos.

A todos qυе, de alguma forma, fizeram parte dа minha formação acadêmica,


em especial àqueles que estiveram em orações, intercedendo por mim, o mеυ muito
obrigado!
Eu sou a favor dos direitos dos animais tanto
quanto dos direitos dos seres humanos. Este
é um caminho de um ser humano íntegro.
(Abraham Lincoln)
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 8

2.A NATUREZA JURÍDICA ANTROPOCÊNTRICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS ................................................ 9

2.1 Teoria antropocêntrica x teoria não antropocêntrica ................................................................................. 10

2.2 O conceito antropocêntrico de animal no ordenamento jurídico brasileiro................................................ 14

3. AVANÇOS NOS ESTUDOS CIENTÍFICOS SOBRE OS ANIMAIS .........................................................................18

3.1 A igualdade de direitos independe de espécie ............................................................................................ 19

3.2 Do mínimo de igualdade animal ................................................................................................................. 21

4. OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS RECONHECIDOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL ........................23

4.1 O direito internacional do animal não humano .......................................................................................... 23

5. OS DIREITOS DOS ANIMAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. .............................................................25

6. CONCLUSÃO ................................................................................................................................................31

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................34
A PROTEÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS E

SUA PERSPECTIVA PARA RECONHECIMENTO COMO SUJEITOS DE DIREITOS

SARITA ALVES DE SOUZA CASTRO

RESUMO

O presente trabalho inicialmente pretende apresentar a natureza jurídica


antropocêntrica concedida aos animais não humanos, a qual contraria a proteção
jurídica estabelecida na Constituição Federal de 1988, que por toda a história da
humanidade os proporcionou sofrimentos imensuráveis. O texto busca trazer uma
abordagem sobre a influência negativa no conceito dos animais como “coisa” tanto
na vida dos animais, como a dos humanos, além de demonstrar o reconhecimento
dos animais como sujeito de direito no âmbito internacional, e principalmente,
analisar este reconhecimento a partir do instituto tutelado pela Carta Magna. Por
meio de métodos objetivos e pesquisas bibliográficas, o trabalho pretende contribuir
para a adequada e efetiva aplicação do instituto de proteção constitucional para os
animais, os proporcionando, uma vida com um mínimo dignidade, pois são dotados
de interesses equivalentes aos humanos, por serem sencientes, além de contribuir
para a evolução do ordenamento jurídico, de acordo com princípios constitucionais
preestabelecidos e, em harmonia com os parâmetros internacionais vigentes que,
consequentemente, irá refletir no melhor desenvolvimento de nossa sociedade.
Palavras-chave: Natureza jurídica antropocêntrica dos animais; proteção jurídica-
constitucional dos animais não humanos; animais como sujeito de direitos.

ABSTRACT

This work intends to initially present anthropocentric legal granted to non-human


animals, which is contrary to established legal protection in the Federal Constitution
of 1988, which throughout the history of mankind the provided immeasurable
suffering. The text seeks to bring an approach to the negative influence on the
concept of animals as "thing" in both the lives of animals, such as humans, as well as
demonstrating the recognition of animals as subjects of law at the international level,
and mainly analyze this recognition from the institute tutored by the Constitution.
Through goals and library research methods, the work aims to contribute to the
proper and effective implementation of the constitutional protection institute for
animals, providing a life with a minimum dignity, since they have equivalent to human
interests because they are sentient and contribute to the evolution of the law,
according to pre-established constitutional principles and in line with the prevailing
international standards, consequently, will reflect in better development of our
society.

Keywords: Legal nature anthropocentric animal; legal and constitutional protection of


non-human animals; animals as subject of rights.
8

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho inicialmente apresenta natureza jurídica antropocêntrica


concedida aos animais não humanos, onde a explicação da existência da vida era
marcada por uma interpretação racionalista, que usava Deus para argumentação,
como aquele que criou os animais somente para servidão e exploração para a
espécie humana, assim foi se consolidando nas tradições o antropocentrismo
animal, dos quais foram indevidamente conceituados como mera “coisa”,
consequentemente, possibilitando influências negativas no desenvolvimento não
somente da vida dos animais, como a do próprio humano.

Portanto, o texto apresenta que, os animais em nossa legislação pátria foram


indevidamente conceituados, pois ao longo da historia da humanidade se buscou
exaltar certas características da espécie humana, para se sobrepor em relação às
demais espécies, com isso, o Direito para certificar-se que, um ser humano é
possuidor de direitos, cria-se como requisito a personalidade jurídica, sendo uma
característica inerente a toda pessoa natural/física, porém tal característica se
concede também a uma pessoa jurídica, como uma associação ou sociedade.
Contudo, a legislação veio a reconhecer sujeitos de direito sem personalidade
jurídica, que são os denominados entes despersonificados, como um condomínio ou
massa falida, mas não aos animais não humanos, que são seres dos quais possuem
direitos constitucionalmente protegidos de não sofrerem crueldades.

Assim, foram estabelecendo critérios discriminatórios, do qual outrora também


fizeram parte da vida dos negros, das mulheres, dentre outros, das crianças, dos
quais eram considerados objetos sem personalidade, não reconhecendo seus
direitos, por possuírem características diferenciadas da maioria dominante e que
infelizmente, ainda permanece consolidado na vida dos animais, contrariando a
norma de proteção jurídica estabelecida na Constituição Federal de 1988.

No entanto, com o advento da na Constituição Federal de 1988, o status


jurídico do negro, das mulheres e das crianças foram consideravelmente alterados,
transformando o que era uma tradição arcaica, em uma mais justa e coerente com
seus valores inerentes. Diante deste contexto, necessário se faz refletir sobre a
9

possibilidade dos animais serem considerados como sujeito de direitos, pois são
constitucionalmente protegidos.

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, § 1º, inciso VII, ao impor a
coletividade, e em especial o Poder Público, o dever de proteger os animais,
demonstra o quanto ser evoluída e comprometida com os direitos dos animais. E,
este instituto para ser aplicado com eficiência, necessita de uma interpretação sob
uma visão não antropocêntrica.

Dessa forma, a discussão sobre o instituto da proteção jurídica dos animais é


de grande relevância jurídica, bem como apresentar as controvérsias da natureza
jurídica dos animais existentes que, poderão contribuir para uma adequada
qualidade da prestação jurisdicional em prol dos animais e que, consequentemente,
refletirá no melhor desenvolvimento da sociedade.

Com base nisso, e visando proporcionar um melhor entendimento da


percepção do tema, neste artigo se optou por realizar um estudo com pesquisa
bibliográfica, e apontamento jurisprudencial, sendo dividido em tópicos que vão
reforçar a evolução do instituto constitucional concedido aos animais, auxiliando na
sua adequada e efetiva aplicação, proporcionando assim, um ordenamento jurídico
evoluído de acordo com a suprema Carta Magna, como também em harmonia com
parâmetros internacionais vigentes.

2.A NATUREZA JURÍDICA ANTROPOCÊNTRICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

Inicialmente, este trabalho apresenta algumas posições teóricas sobre a


temática dos direitos dos animais não humanos, demonstrando um pouco da
natureza jurídica antropocêntrica concedida a estes e, em seguida aponta conceitos
não antropocêntricos que contribuem para a evolução da proteção jurídica dos
animais, em ato contínuo, para o reconhecimento como sujeito de direitos.

Deste modo, este capítulo tem por objetivo apresentar parte essencial na
origem do conceito antropocêntrico concedido aos animais, compreendendo as
relações do homem contra o animal não humano que, influenciou na sua exploração
10

e sofrimento, e cuja aderência pela legislação brasileira de tal conceito, vem sendo
antagônica com a não discriminação contida na Constituição Federal de 1988
almejada por todos.

2.1 Teoria antropocêntrica x teoria não antropocêntrica

Primeiramente, observa-se que a legislação pátria em um sentido amplo, foi


marcada por uma visão antropocêntrica, na qual preconiza que tudo deve ser feito
ou criado para atender as necessidades da espécie humana. E em meio a busca
destas necessidades, os animais foram idealizados como um mero objeto
desprovido de qualquer direito, somente pelo fato de serem dotados de certas
características diferenciadas da espécie humana, o que também já foi aplicado à
negros, mulheres, crianças, dentre outros, simplesmente, por serem dotados de
características consideradas por certos grupos como inferiores ou diferenciadas.

Neste contexto, “Aristoteles (384 – 322 a.C.) veio a desenvolver a ideia de


que o cosmo seria colocado à disposição do homem. [...] Essa doutrina teve enorme
influência na educação européia, [...] a formar a visão antropocêntrica.” (Danielle
Tetü Rodrigues, 2009 p. 40). Ou seja, a partir do momento que um ‘’mestre do
saber’’ relata que o mundo está à disposição somente de uma espécie, seus escritos
são aderidos pela civilização como verdade incontestável a ser praticada por todos.

Neste sentido, afirma Santana (2006, p.51):

Sem embargo, quase um século depois de Aristóteles, Crisipo vai afirmar que
os cavalos e os bois existem apenas para trabalhar para o homem, da
mesma forma que o porco existe para ser abatido e servido como alimento.
Panécio de Rodes e Posidônio de Apaméia (Estoicismo Intermediário),
Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio (Estoicismo do Último Período), porém, vão
introduzir estas idéias no mundo romano, e elas acabam por exercer uma
grande influência nas ciências, na ética e no direito romano, [...], essa
herança filosófica passa a ser da Igreja Católica, de modo que os seus
principais representantes, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, a partir
da teoria da grande cadeia da vida vão ressaltar que a capacidade de pensar
é um atributo espiritual exclusivo do homem, e portanto, é a diferença
fundamental entre ele e os demais seres animados. É que para os cristãos na
ordem natural o imperfeito deve sempre servir ao perfeito, do mesmo modo
que o irracional deve estar a serviço do racional.
11

Esta ideologia racionalista antropocêntrica em considerar que os animais


existem apenas para servir o homem, que o imperfeito deve servir o perfeito ou o
irracional deve servir ao racional, influenciou e foi aderida pelas ciências, mas
principalmente pelo Direito, incentivando de algum modo para a formação de novas
ideologias racionalistas atrozes a respeito dos animais não humanos, em especial os
conceitos do filósofo e matemático René Descartes, da qual observa Santana (2006,
p.52) ao relatar:

Descartes inaugura a filosofia moderna, levando ao extremo a tradição


aristotélico-tomista ao afirmar que a linguagem é a única prova de que os
homens possuem um espírito capaz de pensar, sentir e raciocinar, e desde
que os animais são incapazes de sentimento ou de pensamento, eles não
passam de simples autômatos. [...] Na verdade, o racionalismo mecanicista
de Descartes fora cunhado sob forte influência da nascente fisiologia, e
permitiu que a sociedade ignorasse o “aparente” sofrimento dos animais em
experiências feitas por residentes no famoso Convento de Port-Royal, onde
o próprio Descartes realizou várias vivissecções.

Portanto, Aristóteles incentivou a fundação da filosofia ocidental com a visão


de que o cosmo estava sob o domínio somente de uma espécie e Descartes veio
aperfeiçoar este entendimento discriminatório especificando a “linguagem” como
uma característica única da espécie humana de superioridade das demais.

Assim, ao comparar equivocadamente a “linguagem” como única prova


de espírito pensante, embora mesmo naquela época, podia-se observá-la também
nos animais, isto já bastaria para contestar a tese concedida. Sem embargo, esta
ideologia consolidou na sociedade um preconceito contra os animais, que ainda hoje
causa sofrimento a eles. Para Heron José de Santana ( 2006, p. 47), “a tradição
ocidental, via de regra, excluí os animais de qualquer consideração moral, e a prova
disto é que milhares deles são mortos diariamente, muitas vezes para simples
deleite dos homens.”

Mister é relatar o entendimento de Levai (entre 2001 e 2015, p.19) :

Tudo passou a ser subordinado à razão, diante da qual o mundo se tornou o


mundo dos homens; Deus, o Deus do homem[...]. Daí porque o
racionalismo, como doutrina filosófica, acabou incorporando em si todos os
aspectos da cultura, onde a estrutura última da realidade compreendia a
natureza com um “significado funcional”, e Deus como o grande arquiteto ou
relojoeiro que teria construído todas as coisas more geométrico. Esse
racionalismo – bem o disse Berd Bornheim – levou a um estreitamento do
homem e dos valores humanos essenciais. O direito, a moral, a arte, assim
como a ciência e a filosofia, passaram a ser explicadas a partir de um
princípio único, a razão.
12

Tendo em vista, que este racionalismo iluminista foi posto como o ideal para a
humanidade, a ser seguido pelos homens e posteriormente inserido ao Direito. “Em
síntese, Descartes influenciou a positivação do Direito pela crença de que um exato
conhecimento da física e da matemática pode fornecer fundamentos seguros para o
Direito.” (HUPFFER, 2011,p. 2). Logo, se consolida uma natureza jurídica
antropocêntrica dos animais não humanos, que proporcionou a sua exploração, bem
como o sofrimento destes.

Com o passar do tempo surgem novas concepções ideológicas que irão


contribuir para a evolução da proteção jurídica dos animais, destacando-se as
teorias do filósofo e jurista Jeremy Benthan, que em 1789, já questionava: “A
questão não é podem eles raciocinar? Ou então, podem eles falar ? Mas, podem
eles sofrer ?”. Assim, coloca-se em questão não a racionalidade, mas uma
característica que tanto homens como animais possuem, que é a capacidade de
sofrimento.

Segundo Singer (1993, p. 67), “Benthan chama a atenção para a capacidade


de sofrimento como a característica vital que confere, a um ser, o direito à igual
consideração.” Desta forma, a capacidade de sofrer deve ser considerada como um
referencial para saber se um ser possui ou não direitos, e não a racionalidade.

“Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para
nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração.” (SINGER, 1993, p. 67).
Assim, não se deve discriminar por qualquer motivo o sofrimento alheio, pois todos
são possuidores de iguais considerações de interesses.

Segundo Schopenhauer, Apud, Santana ( 2006, p.54), mesmo o último e


menor dos animais tem consciência do seu eu, do seu mundo e do não-eu, e para
provar isto bastaria que um cartesiano entrasse na jaula de um tigre para se dar
conta da diferença que o animal faz entre o ´eu` e o ´não-eu”.

Hume (2009, p.209), em Tratado sobre a Natureza Humana, vai além e


certifica-se que:

E nenhuma verdade me parece mais evidente que a de que os animais são


dotados de pensamento e razão, assim como os homens. Os argumentos
neste caso são tão óbvios que não escapam nem aos mais estúpidos e
ignorantes.
13

Ainda que, surgissem teorias filosóficas contrárias ao racionalismo cartesiano,


este estava revestido do dogma divino em sua teoria, o qual colocava o homem
como um semideus, onde todas as demais espécies existiam somente para
exploração do homem, com o pretexto de que Deus havia concedido a
racionalidade/pensamento/linguagem, ou seja, a “sabedoria”, como atributo
exclusivo somente para a espécie humana.

Na visão de Medeiros (2013, p. 35), a classificação do antropocentrismo, sob


o enfoque das correntes da ética do meio ambiente, a princípio, é entendido como
sendo o “antropocentrismo radical”, aquele cujas razões se apóiam “na
argumentação na falta ou na suposta ausência de racionalidade, de autonomia ou
mesmo de moralidade dos demais animais.” Cuja característica vem ser própria do
antropocentrismo cartesiano. Ainda, afirma que, “Esses critérios eram válidos até
bem pouco tempo para mulheres, negros, escravos, judeus, indígenas, americanos
e, logicamente, para as ´bestas”. No momento em que ocorre uma defesa em torno
do meio ambiente, o homem é levado a amenizar o conceito sobre os animais,
sendo obrigado a criar normas para a sua proteção, onde encontra-se o
antropocentrismo moderado, do qual “admite que somente os animais humanos
sejam moralmente relevantes, mas que fazem parte de um todo e que esse todo,
nessa medida, deve ser protegido”. Com isso, os animais devem ser protegidos,
haja vista, estar inserido no mesmo meio ambiente que o animal humano. Desta
forma procura proteger o animal em razão de sua função para um meio ambiente
equilibrado.

Entretanto, foram sendo desenvolvidas teorias no aspecto não


antropocêntricas na busca em reconhecer que os animais existem não somente para
uso e exploração do homem, mas, porque possuem valor em si, trazendo uma
perspectiva mais adequada sobre conceito jurídico de animal, possibilitando uma
evolução na sua proteção jurídica. Dentre algumas teorias as que, atualmente vem
ganhando destaque no meio jurídico são: o sensocentrismo e o biocentrismo.

Na qual o sensocentrismo vem considerar o valor do animal, levando em


consideração o seu estado de consciência subjetivo como forma de conhecer o seu
direito. Em regra, são os que fazem parte do grupo de vertebrados, ou seja, seriam
14

“seres sencientes dotados de sistema nervoso sofisticado o suficiente para


possibilitar a experiência dolorosa.” (MEDEIROS, 2013, p. 37),

Por teoria biocêntrica, entende se que independente de possuir um sistema


nervoso todos os seres vivos possuem valor em si. Medeiros (2013, p.37), esclarece
que, “o biocentrismo sustenta que todos os seres vivos são moralmente
consideráveis,merecedores de respeito e fins em si mesmos e, desse modo, têm-se
obrigações morais com eles.” De acordo com Bartlett (2007, p.31 e 32) sobre o
enfoque biocêntrico dos animais não humanos, faz a seguinte observação:

De um lado há aqueles a quem denomino de .teóricos do valor intrínseco..


Entre eles está, por exemplo, John Muir, Christopher Stone, Paul Taylor,
Lawrence Tribe, e Tom Regan.[...] Os proponentes do valor intrínseco, tanto
no âmbito do direito ambiental quanto do direito animal, compartilham da
crença de que a natureza, bem como as espécies animais existem para seus
próprios propósitos, possuem valor em si mesmas, não devendo ser
avaliadas em função dos interesses humanos. Um de seus primeiros
defensores foi Maimônides, para quem: .Não deve se crer na afirmação
segundo a qual todos os seres existem em função do homem. Pelo contrário,
todas as outras criaturas possuem seus próprios propósitos. Mais
recentemente, Paul Taylor articulou argumento similar, argumentando que:
.as comunidades selvagens de seres vivos são [...] merecedoras de nossa
preocupação e consideração moral, pois possuem valor que é inerente à sua
condição. Esta perspectiva, a que Taylor denomina de.olhar biocêntrico sobre
a natureza.

Destarte, as teorias não antropocêntricas demonstram que o animal possui


tanto valor em si, como o interesse em suas vidas, por exemplo, o interesse em não
sentir dor ou de não sofrer, seja por parte de um animal humano ou não, devendo
aos humanos os respeitar e os proteger, haja vista que ambos possuírem interesses
equivalentes.

2.2 O conceito antropocêntrico de animal no ordenamento jurídico brasileiro

“Se a Filosofia é uma invenção dos gregos, o Direito procede de Roma. Sob
este aspecto, o sistema jurídico ocidental está quase todo ele sedimentado em
bases antropocêntricas.” (LEVAI, 2006, p.171). É diante deste contexto jurídico
antropocêntrico que a sociedade foi sendo desenvolvida ao longo dos tempos e,
como vimos se incorporando ao Direito.
15

A partir da noção de espírito a Modernidade vai levar às últimas


conseqüências o processo de reificação dos animais, findando por negar-
lhes a própria animalidade[...] já que no paradigma cartesiano, pouco a
pouco, o animal deixa de ser um ente animado para se transformar numa
simples coisa (res), mero objeto, visível e disponível, isto é, ao alcance da
mão.”(SANTANA, 2006, p.53).

Portanto, em decorrência da formação desse processo antropocêntrico


jurídico o “direito civil clássico, pós-revolução francesa, [...], adotou a Teoria do
Direito que submete os animais não humanos ao regime de propriedade, na medida
em que os considera como “coisas”, sendo assim regidos, no âmbito do direito
privado, pelos Direitos Reais [...]. (FAUTH, 2015, p. 2).

Contudo, apesar do avanço contido na Carta Magna, que garante preceitos


fundamentais, para garantir um mínimo de vida digna ao homem e proteger os
animais como veremos neste trabalho, no capitulo Direitos dos animais na
Constituição Federal de 1988, e em meio há princípios que almeja combater todas
as formas ou atos discriminatórios, também contidos em nossa Carta Magna, o
Código Civil apesar de ter sido reestruturado em 2002, acabou por manter a
natureza jurídica antropocêntrica dos animais não humanos, considerando-os como
bens móveis, em seu artigo 82, pois afirma “são móveis os bens suscetíveis de
movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou
da destinação econômico-sociaL.” ou como mero objeto que pode ser apropriado,
como cita no art. 1.263, “Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe
adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.”

Deste modo, animal pela legislação citada, não é sujeito de direito, uma vez
que o considera como bem de uso ou apropriação, argumentando que não possuem
a característica para serem sujeitos de direitos, que é a personalidade jurídica,
contudo, certifica-se FIUZA (2014, p.150): ”Como regra, os sujeitos de direitos têm
como característica fundamental, a personalidade. Mas nem sempre é assim. Há
sujeitos de direito despedidos de personalidade.” (Grifo nosso).

Para Tartuce (2014, p.168), afirma que “os direitos de personalidade são
herança da Grande Revolução (Revolução Francesa). À medida que o ser humano
evolui vão se desdobrando as gerações de direitos.” Neste aspecto, é necessário
evoluir no reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, pois os homens já
evoluíram o suficiente para ter a consciência que os animais não são coisas e que
16

por meio de sua proteção constitucional é perfeitamente possível reconhecer seus


direitos, faltando apenas a sua aplicação pelos profissionais do direito sob uma
interpretação não antropocêntrica.

Certo é que se criou a figura da personalidade para reconhecer sujeitos de


direitos de acordo com a conveniência humana, já que a concede à entes não
humanos, como à pessoa jurídica, verbi gratia a sociedade, conforme aponta o art.
1.022 “A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente,
por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por
intermédio de qualquer administrador.” Inclusive, se concede direitos a entes
despersonificados, como um espólio ou um condomínio, mas os animais ficaram
excluídos de qualquer categoria. Portanto, a pessoa física ou jurídica ou “não
pessoa” são sujeitos de direitos, assim, independe ter que ser pessoa para ser
sujeito de direito.

Não são somente as pessoas naturais – expressão mais adequada do que


pessoas físicas – possuem direitos de personalidade.[...] Essa visão
baseia-se no fato de que, para a ciência do direito, a noção de pessoa e,
sobretudo, uma nção jurídica e não filosófica ou biológica. Ademais, o art.
52 do CC dispõe que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção dos direitos de personalidade[...]. (TARTUCE, 2014, p. 169).

Ainda segundo Tartuce (2014, p.169): “A pessoa jurídica possui bens


patrimoniais corpóreos e incorpóreos, além de bens extrapatrimoniais. E são
justamente esses bens extrapatrimoniais os direitos de personalidade da pessoa
jurídica.” Infelizmente, uma conclusão que se pode obter é o fato que, para conceder
direitos ou não, a realidade é que tudo se encontra relacionado sob a submissão do
aspecto econômico, pois ao pleitear responsabilização contra o causador do dano
ao bem extrapatrimonial, verifica-se dentre outros, a ocorrência da diminuição do
valor econômico deste. Observa Rodrigues (2009 p. 49 e 96):

Os homens em busca do lucro ofenderam o próprio semelhante, dizimaram


milhares de índios e escravizaram milhares de africanos, da mesma forma
que torturaram e mataram milhares de Animais a ponto de extinguir do
planeta algumas espécies.[...]“O sistema econômico sempre foi responsável
pela avaliação e valoração da natureza[...]. O centro do contrato e a
produção de trabalho em que os Animais são transformados em
mercadorias e escravos. Um animal não possui valor até o momento em
que possa reverter em lucro financeiro ao homem, e o dinheiro simboliza a
conversão da energia do trabalho e da vida dos Animais em algo passível
de ser manipulado e acumulado pelos seres humanos.
17

Desta maneira, observa-se que ser racional ou não, capaz ou incapaz,


independe para serem sujeitos de direitos, uma vez que a personalidade vem a ser
algo criado pelo direito, sob o aspecto econômico, antropocêntrico e discriminatório,
principalmente contra os animais, como anteriormente citado, assim também o
fizeram com seus semelhantes, como certifica-se Fiuza (2014, p.151):

De qualquer forma, num primeiro momento a personalidade é invenção do


Direito. Por isso dizemos que a personalidade é atributo ou valor jurídico. A
personalidade, em tese, não é natural. Tanto não é natural, que se atribui
personalidade a entes não humanos, a pessoas jurídicas, que podem ser
meros patrimônios, como as fundações. [...] antigamente havia seres
humanos aos quais o Direito não atribuía personalidade. Eram escravos,
considerados coisas perante o ordenamento jurídico.

Contudo, vem surgindo na doutrina jurídica, entendimentos mais adequados


sobre o ser sujeito de direito, como verifica Fiuza (2014, p.155), ao relatar que:

Não entendo, porém, tratar-se de situação sem sujeito. Se há um centro de


interesses, há sujeitos, titulares dos interesses. Se o titular não pode ser o
nascituro, o morto, os animais, as plantas, por não serem pessoas, será a
coletividade. [...] Nessa situação giram normas, contendo direitos (objetivos)
e deveres, ligados aos interesses. Essa é uma situação possível de se
defender,[...]. Apesar disso tudo, entendo ser a melhor tese a do sujeito de
direitos sem personalidade. (grifo nosso).

Reforçando o entendimento de que é possível a legislação brasileira


reconhecer sujeitos de direitos não somente à pessoa, mas também aos animais
não humanos, Fiuza (2014, p. 150) declara: “Toda pessoa é sujeito de direito, mas
nem todo sujeito de direito é pessoa. Sujeito de direito é todo ente ao qual se
conferem direitos e deveres, é um centro de imputação de direitos e deveres. Pode
ser pessoa, física ou jurídica, ou não.”

Compactuando o entendimento de Dias (2015, p. 1 e 2), que afirma ser


necessária uma mudança urgente no status jurídico de mera coisa concedido aos
animais não humanos. “Por razões de coerência e em respeito ao princípio da
proporcionalidade e mantendo-se a devida distância dos seres humanos na
hierarquia de valores, uma mudança da categoria no status jurídico dos animais no
Código Civil é necessária e urgente.”

Portanto, a legislação ao reconhecer o direito dos animais estará


proporcionando valores supremos para uma sociedade pluralista e sem
preconceitos, uma vez que, respectivos direitos os animais já os possuem, apenas
18

estão sendo ignorado, como há um tempo eram ignorados os direitos dos


considerados mais vulneráveis de nossa sociedade.

Rodrigues, 2009 p.107, relata a importância da intervenção do Direito para


impor normas que reconhecem os direitos dos animais, uma vez que os homens são
dotados de racionalidades capazes de construir grandes obras, mas não consegue
compreender o real valor da vida. Brilhantemente a autora declara:

Os seres vivos devem ter direitos legais assim como são os direitos
humanos. Na realidade, como observa o brilhante filósofo Michel Serres,
esse direito sempre existiu como uma idéia abstrata, da mesma forma da
idéia do contrato social que fundou a Democracia. Ou seja, mesmo aqueles
que não possuíam direitos legais, como as mulheres, as crianças, os povos
indígenas, os escravos, em verdade os tinham abstratamente, mas só
passaram a tê-los legalmente com a evolução do sistema jurídico. Assim
ocorrerá com os direitos dos Animais.

O cenário jurídico antropocêntrico estabelecido contra os animais contraria a


Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º, inciso IV, motivo pelo qual todos os
atos e normas, discriminatórias ou preconceituosas, que coloquem em sofrimento ou
exploração vidas alheias não devem ser aceitas no ordenamento jurídico.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,


idade e quaisquer outras formas de discriminação.

3. AVANÇOS NOS ESTUDOS CIENTÍFICOS SOBRE OS ANIMAIS

Como exposto anteriormente, por toda a história houve o predomínio


conceitual de que os animais não humanos eram seres desprovidos de sentir dor,
sofrimento ou outra característica semelhante, eram como máquinas que existem
somente em função de servir ao homem.

Entretanto, este capítulo leva a uma singela compreensão de que alguns


estudos científicos apontam que animais não são meros objetos que, o modo com
que os humanos os consideram, no contexto, como objetos que nada sentem isto
vêm possibilitar o desenvolvimento de comportamentos violentos nestes humanos,
que podem ser observados desde a infância. Desta forma entende-se que, os
19

animais humanos e os não humanos, interagem de algum modo entre si, pois vivem
em um mesmo ambiente, portanto, necessário se faz reconhecer um mínimo de
dignidade de vida a ambos.

3.1 A igualdade de direitos independe de espécie

Singer (1993, p. 68), afirma “que o limite de sensibilidade (para usarmos o


termo com o sentido apropriado, quando não rigorosamente exato, da capacidade
de sofrer ou sentir alegria ou felicidade) é o único limite defensável da preocupação
com interesses alheios.” Deste modo, independente das características físicas ou
intelectuais existentes entre os animais humanos ou não humanos, ambos são
passiveis de sensibilidade. Com isso, já bastaria em considerar que qualquer um,
seja humano ou não, tem o interesse em ter o direito ao não sofrimento.

Em meados de 1973, Konrad Lorenz e Nikolas Tinbergen fundaram a


Etologia, uma recente área do conhecimento cientifico. “Em 1973, junto com Karl
Von Frish, receberam o prêmio Nobel de Medicina por suas descobertas e
pressupostos para explicar o comportamento animal.” (VIEIRA, n.d., p.1). De um
modo genérico, a etologia estuda o comportamento animal, que a partir de sua
compreensão comparada com o comportamento humano.

O comportamento é o resultado de influências biológicas e ambientais. No


caso específico do ser humano, mais do que separar o que é biológico do
que é cultural, devemos concentrar nossos esforços para compreender de
que forma essas duas variáveis se integram e interagem entre si. (VIEIRA,
n.d, p.4).

Portanto, a ciência acima citada aponta que, os animais humanos ou não,


fazem parte de um mesmo sistema, estão inseridos no mesmo ambiente ecológico,
social ou cultural, quando ocorre a exploração/sofrimento de um animal
independente de espécie, cor ou gênero, as conseqüências disso de alguma forma
irá intervir na vida do outro.

Neste sentido, certifica Rodrigues (2009 p. 42): “A relação entre o Homem e a


Natureza é fundamental. A vida dos Animais associa-se à do homem, pois vivem em
equilíbrio dinâmico com o meio e a ele reagem na forma individual.”
20

Para Medeiros (2013, p. 154) “os animais não humanos são capazes de
aprender, de sentir, de se comunicar, de si transmitir cultura, de se relacionar, seja
com seres de sua própria espécie, seja com seres de espécies distintas[...]”. Dessa
maneira, o status de “coisa”, não condiz com a realidade dos animais, bastando uma
simples observação para o ser humano se certificar que os animais não apenas
conseguem interagir com os humanos, mas realizam atividades que ao homem seria
praticamente impossível de conseguir, como exemplo, os cães-guia, que consegue
ser com perfeição os olhos do seu “tutor”, haja vista ser animais treinados para
laborar, interagir e conviver com o humano, atendendo as ordens que lhe foram
ensinadas, sem qualquer oposição. Porém, apesar das qualidades inerentes a sua
espécie, estes como os demais animais não humanos, não possuem o mínimo
direito reconhecido para terem uma vida digna.

Como o comportamento do humano pode ser resultado do modo


comportamental dos animais, quando se passa a ensinar o conceito atual sobre os
animais a uma criança em desenvolvimento, levando-a acreditar que estes seres
sencientes são meros objetos, desprovidos qualquer valor moral, a consequência
disso, é levá-la a tratá-los como tal, ignorando o sofrimento alheio, desenvolvendo
na criança tradições que podem afetar o seu próprio comportamento, conforme
aponta alguns especialistas que, o mau comportamento aliado à crueldade praticada
contra animais, também podem ser indícios fortes de que a criança pode vir a sofrer
de psicopatia. Para a psicologia analítica, registra-se Denize Gimeniz Ramos, “cada
ser humano repete etapas de todos os seres vivos, [...]. Assim, o animal não é
´outro´, mas uma parte do homem. Não é ´inferior´, mas a base para o
desenvolvimento da psique.” (apud RODRIGUES, 2009, p.138).

Em um artigo, com cautela Chuecco, ( 2012, p.1), informa:

Segundo estudos do FBI, na sua grande maioria (cerca de 80%), os


psicopatas começam a carreira matando animais. Por isso, em
países como Estados Unidos e Inglaterra, os matadores de animais
já são tratados e julgados de forma diferenciada que avança para
muito além do crime de maus-tratos a animais. Nesses locais já se
entende que deter esses indivíduos ou monitorá-los, quando
começam a matar animais na infância, representa uma medida
preventiva, de proteção não somente aos animais, mas a toda a
sociedade.
21

Portanto, não somente uma parte da sociedade (aquela que luta pelo
combate à crueldade contra os animais) consegue ver características igualitárias aos
humanos, mas, outras áreas do conhecimento científico também reconhecem a
igualdade existente em certos aspectos dos humanos com os animais não humanos,
ou seja, mesmo sob uma visão antropocêntrica ao estudar os animais, sempre em
comparação ao humano, as teorias apresentadas já seriam suficientes em
reconhecer os animais não humanos como sujeitos de direitos e não como um mero
objeto existente no meio ambiente.

Tanto a vida do homem quanto do Animal possuem valor. A vida é


valiosa independentemente das aptidões e pertinências do ser vivo.
Não se trata somente evitar a morte dos Animais, mas dar
oportunidade para nascerem e permanecerem protegidos. A gratidão
e o sentimento de solidariedade para com os Animais devem ser
valores relevantes na vida do ser humano. ( Danielle Tetü Rodrigues,
2009, p. 58)

3.2 Do mínimo de igualdade animal

Relevante para complementar o contexto de igualdade entre o animal


humano e o animal não humano, é trazer interpretação de alguns conceitos
principiológicos que podem ir alem da espécie humana, quando se reconhece o
valor intrínseco do animal.

Medeiros (2013, p.122), ao interpretar Fensterseifer discorre: “Em face da


existência de um reconhecimento de um valor intrínseco para as demais formas de
vida, reconhece-se um dever moral e um dever jurídico dos animais humanos para
com os animais não humanos. E tais deveres se descrevem como deveres
fundamentais.” Ainda, ao citar Sarlet, afirma que, “[...] é possível atribuir dignidade
não só ao animal não humano. Assim como o animal humano, o animal não humano
é detentor dos atributos de dignidade à própria vida.”

Deste modo, se ao homem é possível reconhecer direitos fundamentais para


viverem com um mínimo de dignidade, por serem seres sencientes, que possuem
interesses em suas vidas, os animais dotados dos atributos da senciência
22

equivalentes ao homem, possuem os mesmos interesses, sendo um dever moral e


jurídico reconhecer direitos fundamentais referentes à dignidade animal.

Um relevante princípio que, também se encontra ligado ao animal é o da


igualdade, o qual objetiva a não discriminação, uma vez que o respectivo princípio
trata à todos de modo igualitário na medida de suas desigualdades, visando
combater possíveis atos ou normas prejudiciais à uma vida digna.

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que


toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma
constitucional deve ser considerada não recepcionada senão demonstrar
compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema,
proclama. (Alexandre de Moraes, 2014, p. 35).

Portanto, independente de cor, gênero e espécie, todos merecem igual


consideração, pois possuem valores em si mesmos. Segundo assevera Peter
Singer, 1993, p. 66, “para estender o princípio da igualdade além da nossa própria
espécie é simples, tão simples que não requer mais do que uma clara compreensão
da natureza do princípio da igual consideração de interesses.” Com isso, o simples
fato de uma pessoa ter alguma característica diferenciada de outra, não a tira o
direito de ter o interesse em não sofrer ou sentir dor ou medo e, sendo assim, o
mesmo direito deve ser reconhecido aos animais não humanos, haja vista que,
ambos possuírem os mesmos direitos, com o devido respeito as suas diferenças e,
“o Direito é competente a proteger a vida, a liberdade e a dignidade aos Animais. Só
é preciso não centralizar a visão no homem.” (RODRIGUES, 2009, p. 109).

Lamentavelmente, o homem enraizou uma tradição antropocêntrica


equivocada sobre os animais ao buscar seus próprios interesses, na maioria das
vezes sem se importar com os interesses da sua própria espécie, exaltando-se como
único ser dotado de raciocínio e de consciência. Neste sentido, são possuidores de
entendimentos suficientes, para compreender os direitos dos animais, sendo
incontestável a alegação que desconhecem os referidos direitos. A tradição em
regra, sempre foi o pretexto para esconder o ganho econômico em cima da
escravidão humana, hoje são os animais as vítimas desse sistema.

Obviamente, esse reconhecimento implicará mudanças profundas nas


culturas das civilizações do mundo. No Brasil, certamente repercutirá em
transformações nos sistemas estruturais do poderes Legislativos,
Executivos e Judiciario, na política e práticas econômicas; em reorientações
das atividades tecnológicas e sobre o estilo de vida social de cada
indivíduo, mas essencialmente, na libertação do homem da visão
23

materialista nele embutida e da manipulação dos Animais por ele imposta.


(RODRIGUES, 2009, p.107).

4. OS ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS RECONHECIDOS NO ÂMBITO


INTERNACIONAL

Atualmente o mundo encontra-se cada vez mais globalizado, onde o mercado


consumista tem diminuído as distâncias entre as civilizações, em busca de um
crescimento econômico, mas este crescimento está voltado a uma sociedade que
almeja um ambiente também saudável, com combate a violência e todas as formas
discriminatórias.

O reconhecimento do direito dos animais no contexto contemporâneo vem


ganhando adeptos pelo mundo. Onde a principal barreira pode ser considerada e o
próprio animal humano que, mantém resistência em não aceitar a realidade tão
simples e óbvia, onde tudo que existe no mundo, não foi criado somente em função
da espécie humana, mas em função manter um equilíbrio, para garantir uma vida
com um mínimo de dignidade a todos, tudo em conformidade com a art. 225 da
Constituição Federal.

Este capítulo apenas vem apresentar em síntese como tem ocorrido a


evolução dos direitos dos animais pela comunidade internacional e apresentar os
países que alteraram o status jurídico de coisas dos animais.

4.1 O direito internacional do animal não humano

Um marco primordial onde começou a se falar sobre a proteção dos animais


foi na conferência realizada em Estocolmo, na Suécia, da qual tratou da proteção
mundial do meio ambiente, onde a Organização das Nações Unidas (ONU) expôs 26
princípios na primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o meio Ambiente em
1972, argumenta João Carlos Adede y Castro apud Freitas (2013, p.71) que:
24

Estocolmo refere-se inúmeras vezes à necessidade de preservação dos


recursos ambientais, advogando um desenvolvimento sustentado, ou seja,
pela riqueza econômica e financeira com plena preservação ambiental. [...]
Assim, não resta dúvida, de que os animais são preocupação internacional.
O Brasil, como membro atuante destes organismos, não pode desconhecer
ou descumprir suas resoluções e princípios. A fauna, tanto a selvagem
quando a doméstica, deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

Por oportuno, em 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais,


proclamada em Assembléia da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), realizada em Bruxelas, proposta pela União
Internacional dos Direitos dos Animais, por meio do Dr. Georges Heuse, secretário
geral do Centro Internacional de Experimentação de Biologia Humana e cientista,
dentre algumas considerações descreve em seu preâmbulo:

Considerando que todo animal tem direitos; Considerando que o


desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a
levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; [...]
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao
respeito dos homens pelo seu semelhante.

Este documento reconhece claramente os direitos dos animais, que devem


ser respeitados pelos homens. No entanto, o documento apesar de não possuir
força jurídica, pode servir como princípio moral a ser seguido pelas nações, que
atualmente, pode ser encontrado refletindo em países, como por exemplo, a França
que realizou a alteração do status jurídico dos animais, deixando de os
considerarem como coisas, para se tornarem como seres sencientes, considerando
o seu valor intrínseco e o reconhecimento que os animais possuem interesse em
viverem dignamente. Assim a França deixou uma tradição arcaica, preconceituosa e
discriminatória, evoluindo para uma sociedade mais justa, igualitária, comprometida
com sua ordem interna como também a internacional, em razão do reconhecimento
concedido aos animais como sujeitos de direitos, como observa Dias (2015, p.1):

Os países pioneiros na alteração da natureza jurídica dos animais são a


Suíça (desde 2002), a Alemanha (desde 1990), a Áustria (desde 1988) e a
França (desde janeiro de 2015). Os três primeiros fazem constar em seu
Código Civil que os animais não são coisas ou objetos, e só se aplica o
regime jurídico de bens quando não houver leis específicas. O Código Civil
francês reconhece os animais como seres sensíveis, mas admite aplicação
do regime jurídico de bens se não houver lei específica dispondo em
contrário.

Portanto, neste breve apontamento é possível compreender a mudança no


conceito jurídico antropocêntrico dos animais. No mundo ocorre uma busca para
mudar as legislações em favor da causa ambiental e nesta os animais estão
25

incluídos. Independente de ser país desenvolvido ou subdesenvolvido, reconhecer


os animais como sujeitos de direitos é um dever que estar em harmonia com os
princípios dos direitos dos animais de âmbito internacional, como também
garantindo e efetivando os respectivos direitos já contidos na proteção jurídica
constitucional do nosso país. Edna Cardozo Dias, destaca algumas legislações,
relevantes no reconhecimento dos direitos dos animais, como a Declaração sobre
ética experimental (Geneva, 1981); a Declaração de Vancouver sobre a
sobrevivência do século XXI em 1979; o Apelo de Sevilha contra a violência em
1986; a Declaração por um contrato de solidariedade (Porto Novo em 1989);
a Nossa própria agenda, criado pela Comissão de Meio Ambiente da América Latina
e do Caribe, em 1990; o Nosso futuro comum, que foi redigido por um grupo de
especialistas em Direito Ambiental, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, em 1991; a Convenção da biodiversidade, realizada no Rio de
Janeiro, em 5 de junho de 1992, promulgada pelo Dec. N.º 2.519, de 16 de março de
1998; a Agenda 21 , que constituiu um programa de ação internacional, para
proteção do meio ambiente no século XXI. Dentre as recomendações enfatiza-se no
desenvolvimento de atividades para melhorar a conservação da diversidade
biológica e o uso sustentável dos recursos biológicos.

Por fim, à medida que se expande a proteção ambiental, consequentemente


evolui os direitos dos animais, por ser uma preocupação mundial essa temática,
desta forma, nosso ordenamento jurídico deve estar pautado nas noções do Direito
Constitucional em consonância com o Direito no âmbito Internacional, consoante
relata Moraes (2014, p.871):

A proteção do meio ambiente deve conciliar as noções do Direito


Constitucional e do Direito Internacional, permitindo uma evolução nas
tradicionais noções de soberania, direito de propriedade, interesse público e
privado, [...] O meio ambiente deve, portanto, ser considerado patrimônio
comum de toda a humanidade para garantir sua total proteção,
especialmente em relação às gerações futuras[...].

5. OS DIREITOS DOS ANIMAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Este, embora seja o último capítulo, seu contexto é primordial, porque a Carta
Magna possui um enorme avanço na proteção dos animais não humanos, e vem
26

corroborar para o reconhecimento de serem sujeitos de direitos que, possuem


valores intrínsecos e interesse em viverem sem sofrimentos, dos quais foram
privados ao longo da historia da nossa humanidade.

Para Fensterseifer defender a idéia do reconhecimento do valor intrínseco


dos animais não humanos facilitaria e viabilizaria o reconhecimento de sua
dignidade em face de uma noção de respeito. (apud MEDEIROS, 2013, p.122).

Neste contexto, imprescindível é destacar o que ordena a suprema


Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º, ao impor a coletividade, e em
especial o Poder Público, o dever proteger os animais, demonstra ser evoluída e
comprometida com os direitos dos animais, possibilitando um pouco de dignidade,
haja vista o que determina o inciso VII do citado artigo.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder


Público:[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que


coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade.

Dessarte, simplesmente é necessário adequar a sua aplicação numa visão


não antropocêntrica, visto que a Carta Magna não protege os animais como uma
coisa, mas protegem os seus interesses de viverem sem sofrimento, com o mínimo
respeito dos quais são merecedores. Para José R. Nunes Marques apud Rodrigues
(2009, p. 135, 2002):

Quando o nosso Constituinte de 88 estabeleceu que todos têm direito ao


meio ambiente ecologicamente equilibrado, ele estava, naquele momento,
não simplesmente fazendo uma retórica para agradar a gregos e troianos.
Ele talvez estivesse ali introduzindo novos conceitos, novas concepções,
uma nova forma de pensar o Direito e rompendo com o sistema tradicional
do público e do privado. Ou seja, é o grande desafio que todos nós temos.

Considerando, que a Constituição Federal garante ao homem direito


fundamental dos quais não conseguiria sobreviver. Nesta acepção, um ambiente
equilibrado é considerado fundamental não só ao homem, mas também ao animal,
pois ambos convivem e possuem função no ambiente.
27

A Constituição Federal de 1988 consagrou como obrigação do poder


público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. (MORAES, 2014 p.
870),

A relevante proteção jurídica concedida aos animais não humanos pela Carta
Magna promove uma perspectiva de serem reconhecidos como sujeitos de direito.
Em harmonia com o entendimento de José Robson da Silva, apud Rodrigues, 2009,
p.184:

Entretanto, o preceito constitucional pode ser compreendido numa outra


perspectiva. Neste olhar, a proibição de se produzir crueldades contra os
animais está a garantir um mínimo de tutelas cujo centro é a integridade
física dos animais. Este núcleo está para além de qualquer valor moral [...]
As garantias jurídicas destinadas à preservação da função ecológica da
flora e os direitos dos animais não são apenas uma manifestação de
piedade ou uma afirmação do refinamento “espiritual” humano. As
garantias têm como pressuposto que a integridade física do animal e
condição do equilíbrio ambiental e um valor em si.

Em virtude da proteção jurídica constitucional dos animais, nos termos do art.


2º, § 3º, do Decreto 24.645 de 1934, cumpre ao Ministério Público sua
representatividade, constatando que os animais são sujeitos de direitos, conforme
preconiza Leonardo Zagonel Serafini, em parecer jurídico que, o Decreto
supracitado, possui força de lei, uma vez que foi editado na vigência do Decreto
19.398 de 1930, cujos atos legislativos são objetos de leis em sentido formal, além
de ter sido promulgado antes da Constituição Federal de 1934, não sendo revogado
pelas constituições que sucederam. (disponível em: http://movimentosos
bicho.blogspot.com.br/2015/02/parecer-juridico-ementa-decreto. html. Acesso em 07
nov. 2016) Com isso, o Ministério Público possui legitimidade processual na
proteção dos animais e o Decreto corrobora com segurança jurídica do art. 225 da
Constituição Federal de 1988, pois regula junto a Lei 9.605 de 1998 (Lei de Crimes
Ambientais), referentes aos maus tratos aos animais.

José Robson da Silva apud Rodrigues ( 2009, p.184) esclarece que:

A Constituição Federal de 1988 e outras normas ambientais assimila o


paradigma biocêntrico no qual plantas e animais possuem direitos. Direitos
que se articulam não apenas em relação aos humanos, mas
fundamentalmente em consideração ao valor em si que estes seres
possuem. Plantas e animais possuem o direito constitucional de não serem
extintos e animais não podem sofrer crueldades. Este direito projeta-se
fundo numa tecnociência que se desenvolve às custas da manipulação da
28

genética das plantas e de animais infligindo, nestes últimos, sofrimentos


imensuráveis.

Portanto, ao garantir constitucionalmente, a proteção aos animais não


humanos, é possível ir além e reconhecer seus direitos fundamentais. Conforme
aponta Medeiros (2013, p.299):

Priorizando, a partir de um enfoque jurídico-constitucional brasileiro,


almejou-se caracterizar a existência da defesa de um direito fundamental à
vida alicerçado no princípio da dignidade sob a ótica da vida[...]. A partir
dessa perspectiva, foi possível determinar,[...] a realidade de um dever
fundamental de proteção dos animais não humanos sencientes na
Constituição Federal de 1988.

Isto posto, o meio ambiente torna-se um direito fundamental na condição de


vida do homem, como também dos animais, pois ambos fazem parte e necessitam
mutuamente desse meio, “o Direito Ambiental transforma o objeto, dando-lhe uma
nova versão, que guarda similitude com os que o compõem sem perder sua
individualidade.” (Elida Séguin, apud RODRIGUES, 2009, p.184)

Desta forma, a Constituição Federal/88 ao buscar uma proteção ambiental,


seus dispositivos não deslumbram somente uma simples proteção dos animais não
humanos, mas também auferir o mínimo de direitos a estes.

O homem não pode mais dispor dos animais, conforme lhe convêm pelo fato
de não serem mais somente uma "coisa”, pois os mesmos são protegidos
constitucionalmente, reconhecendo que possuem valores intrínsecos e interesse em
viverem sem crueldades, portanto, são merecedores do reconhecimento jurídico de
terem o direito a uma vida com o mínimo de dignidade.

Sarlet e Fensterseifer, apud, Armando (2014, p.176), certificam o


reconhecimento de valor intrínseco concedido aos animais na interpretação
apresentada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 153531/SC (festival
popular “Farra do Boi”):

O STF, malgrado não tenha avançado a ponto de se posicionar


sobre a atribuição de direitos aos animais ou outras formas de vida não
humanas, rompeu com uma ética ambiental de perspectiva antropocêntrica
e racionalista e reconheceu, neste caso, que a vida animal e não humana
constitui um fim em si mesmo, atribuindo-lhe dignidade própria e lhe
reconhecendo um valor intrínseco.
29

Também a jurisprudência tem posicionado numa visão não antropocêntrica


nos julgamentos correlacionados com os animais não humanos, como e o caso das
vaquejadas, dentre algumas se destacam (Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=vaquejada. Acesso em 15 fev.
2017):
TRF-2 - APELAÇÃO CIVEL : AC 200551100052303 RJ
Data de publicação: 07/10/2014
Ementa: ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DA FAUNA ( CRFB/88 , ART. 225 , § 1º , VII )-
DESCARACTERIZAÇÃO DA VAQUEJADA COMO MANIFESTAÇÃO
CULTURAL - INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS FEDERAIS N.ºS
10.220 /2001 E 10.519 /2002, DA LEI ESTADUAL N.º 3.021 /98, DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, E DA LEI MUNICIPAL N.º 2.004 /2006, DE
DUQUE DE CAXIAS - ANIMAIS - CRUELDADE - MAUS-TRATOS -
ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RESERVA DE PLENÁRIO.[...]
2. A referida “modalidade esportiva” é praticada sobretudo no Nordeste
brasileiro, na qual dois vaqueiros a cavalo devem derrubar um boi, dentro
dos limites de uma demarcação a cal, puxando-o pelo rabo, de forma que
antes e durante a “prática esportiva” o animal é submetido a intensos níveis
de maus-tratos e crueldade. Por tal motivo, os diplomas normativos
incorrem em vício insanável de inconstitucionalidade por afrontar a
Constituição Federal (art. 225, § 1º, VII), que incumbe ao Poder Público o
dever de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade. 3. Documento assinado por
127 (cento e vinte e sete) médicos veterinários descreve a crueldade a que
são submetidos os animais usados nas competições de vaquejada e as
lesões que a queda abrupta e violenta dos bovinos pode acarretar nos
mesmos.[...]
TJ-MA - Reexame Necessário : REEX 0429322013 MA 0000278-
38.2011.8.10.0106
Data de publicação: 24/10/2013
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
REALIZAÇÃO DE VAQUEJADAS. OCORRÊNCIA DE MAUS-TRATOS E
CRUELDADE A ANIMAIS. DETERMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO
FAZER. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.

Contudo, apesar da nossa legislação infraconstitucional, atualmente, não


reconhecer os animais como sujeito de direitos, existem leis esparsas em
conformidade com a Carta Magna buscando a proteção animal, com uma
perspectiva adequada para que possam ter seus direitos reconhecidos, além de
adequação de algumas universidades estarem se atualizando com o direito
estabelecido Constitucionalmente, a título de exemplo, a Universidade Federal de
Santa Catarina, que inaugurou a disciplina, Direitos dos Animais: teoria e prática
(Disponível em: http://noticias.ufsc.br/2013/08/disciplina-direitos-animais-tera-aula-
inaugural-nesta-quinta/ acesso em 07 out 2016), como também a USP -
Universidade de São Paulo – que ministra a Disciplina: Direitos dos Animais, pelo
30

GEDA - Grupo de Estudos de Ética e Direitos dos Animais (Disponível em:


WWW.direito.usp.br. Acesso em: 24 out 2016).

Diante deste contexto jurídico, convém transcrever as palavras de Rodrigues


(2009, p. 109), ao informar que: “A alteração da realidade da vida animal depende
muito da perspectiva dos conhecedores da lei, os quais influenciam sobremaneira a
regulamentação de vários setores das atividades humanas.” Desta forma, será
possível uma efetiva transformação das tradições arcaicas das quais sempre
sofreram os animais.

O inciso VII, do art. 225 da CF/88 é bem claro, direto e objetivo quando
ordena que os animais não devam ser submetidos à crueldade, bastando uma
singela compreensão que o artigo está direcionado especificamente aos animais não
humanos reconhecendo o direito que possuem em não sofrerem.

Mister é preconizar que a Constituição Federal de 88 trouxe uma inovação


frente a muitos países ao proteger os animais, demonstrando o quanto é evoluída e
comprometida com todas as espécies, almejando um futuro ecologicamente
equilibrado para as presentes e futuras gerações seja humana ou não.
31

6. CONCLUSÃO

A explicação da existência da vida foi marcada pela interpretação racionalista,


que usava Deus para argumentação, como aquele que criou os animais somente
para servidão e exploração para a espécie humana, assim foi se consolidando nas
tradições o antropocentrismo animal, dos quais apenas por possuírem
características diferenciadas, foram conceituados equivocadamente como “coisa”, e
mais tarde, com o surgimento da figura da personalidade jurídica, veio propiciar uma
argumentação discriminatória contra os animais, tendo em vista que tal característica
se concede a uma pessoa jurídica, aos denominados entes despersonificados, mas
não aos animais não humanos, que são seres dos quais possuem direitos
constitucionalmente protegidos de não sofrerem crueldades.

Desta forma, foram estabelecendo critérios discriminatórios contra os animais,


não reconhecendo seus direitos, por possuírem características diferenciadas, do
qual outrora também fizeram parte dentre outros, da vida dos negros, das mulheres,
das crianças, dos quais também eram considerados objetos sem personalidade.
Porém, para estes últimos citados, com o advento da Constituição Federal de 1988,
foi possível alterar consideravelmente, o status jurídico de coisa que estes possuíam
e que, por meio da proteção jurídico-constitucional dos animais, essa perspectiva em
alterar o seu status jurídico de coisa, também é perfeitamente possível.

É interessante destacar que os animais são seres sencientes, com


capacidade de sentirem sofrimento, dor, medo, pois são detentores natos de sistema
nervoso central, portanto, assim como o humano, os animais possuem interesse em
se manterem vivos, de viverem sem crueldades para que possam levar uma vida
digna sem sofrimento. Deve-se levar em consideração, que os animais e os
humanos convivem em um mesmo ambiente e sentem as mesmas reações, sendo
incontestável alegar que o modo de vida de um não influenciará na vida do outro,
destacando também que, somente poderá haver equilíbrio ambiental, quando ambos
convivem com um mínimo de dignidade, como visto, desse entendimento certificam-
se outras ciências modernas ao afirmar que, o comportamento de um ser humano
pode ser influenciado, pelo modo que, este vem considerar e tratar um animal.
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Manter o status jurídico dos animais como coisa, é um ato discriminatório,


ofendendo princípios constitucionais preestabelecidos, como da dignidade de vida e
da igualdade consideração de interesses, já que, ambos possuem interesses
equivalentes de viverem sem sofrer. Assim não somente a espécie humana são
sujeitos de direitos, mas animais de outras espécies também são detentores, apenas
bastando a sua aplicação pelos profissionais do direito.

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, § 1º, inciso VII, ao impor a
coletividade, e em especial o Poder Público, o dever de proteger os animais,
demonstra ser evoluída e comprometida com os direitos dos animais. E, este
instituto para ser aplicado com eficiência, necessita de uma interpretação sob uma
visão não antropocêntrica, para ser possível uma efetiva transformação das
tradições arcaicas, das quais sempre sofreram os animais, reconhecendo-os como
sujeitos de direitos, pois a proteção jurídico-constitucional dos animais reconhece
que os animais possuem valores intrínsecos dos quais merecem o devido
reconhecimento, tendo em vista que, nem aquele que supostamente, detém o
animal como sua propriedade, não pode contrariar o seu direito estabelecido
constitucionalmente, assim, todo ato humano ou qualquer norma ou conceitos
doutrinários deve se adequar a respectiva proteção jurídico-constitucional do animal.

O sistema capitalista antropocêntrico, escondido sob o manto de justiça,


destruiu vidas, extinguiu espécies, escravizou e ainda escraviza a sociedade, porque
à medida que se aceita conceitos discriminatórios, que traz sofrimento e exploração,
chegando ao ponto de eliminar espécies, apenas para favorecer alguns grupos da
sociedade, todos que compactuam desses conceitos, são também escravos desses
grupos, tendo em vista que, a responsabilidade de proteger os animais, os
resguardando de sofrerem crueldades, que se encontra estabelecido na Carta
Magna, é tanto do Poder Público como de toda a sociedade e, que deve ser aplicado
sob uma visão não antropocêntrica.

Por oportuno, a sociedade jurídica internacional vem transformando essa


visão antropocêntrica sobre os animais, os reconhecendo como sujeitos de direitos.
E, a sociedade brasileira jurídica também necessita com urgência, adequar a esta
transformação, uma vez que a os animais possuem o valor intrínseco protegido e
reconhecido constitucionalmente.
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Ressaltando ainda que, a sociedade científica pode fazer diversos trabalhos


comprovando a influência positiva dos animais na vida humana, sua igualdade entre
os homens, da qual vem fazendo e evoluindo seus conceitos sobre os animais,
como também há posicionamentos doutrinários jurídicos com argumentos plausíveis
a serem considerados a favor dos animais como sujeitos de direitos, mas nestes
aspectos temos uma evoluída Constituição Federal, que somente necessitada ser
efetivamente, respeitada e aplicada aos animais, como já citado, sob uma visão não
antropocêntrica, uma vez que independente, de ser irracional ou racional, branco ou
negro, homem ou mulher, mas principalmente, ser animal humano ou não humano,
todos possuem proteção constitucional pelo seu valor em si, como também por
terem o interesse em viverem dignamente, sendo necessário abstê-los de
sofrimentos.

Deste modo, conclui-se que constitucionalmente, o humano como o animal


são possuidores de direitos constitucionais estabelecidos, para que tenham uma
vida com um mínimo de dignidade. E cabe especialmente, aos profissionais do
direito a incumbência de serem as vozes daqueles mais vulneráveis que vivem na
nossa sociedade, em especial dos animais, que padecem por não conseguirem
expressar seus sentimentos com os sons das cordas vocais da espécie humana.
34

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