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VOLUME 18 / 2020 / ABRIL / WWW.PAIXAOEDITORES.

COM / ISSN 2595-895X


E special C oronavírus

Marco Aurélio Bezerra de Mello e Rodolfo Pamplona Filho


conversam sobre Regras Emergenciais de Direito Privado. Medi-
das adotadas em tempos de pandemia, entre elas, as novas regras
de contratos de aluguel.

Bate-papo entre Gustavo Tepedino e Rodolfo Pamplona Filho


sobre o futuro do Direito Civil depois da pandemia da Covid-19
REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL

Ano 2 - Abril de 2020 - N° 18

Diretora
Ana Maria Coutinho Paixão

Coordenador Editorial e Científico


Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho

Coordenador Adjunto
Leandro Fernandez

Conselho Editorial
Aldemiro Dantas Joyceane Bezerra de Menezes
Anderson Schreiber Lorena Miranda
Antônio Cabral Márcia Cristina Xavier de Souza
Carlos Eduardo Pianovsky Marcos Catalan
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas Marcos Ehrhardt
Daniel Assumpção Neves Mônica Aguiar
Dierle Nunes Nelson Rosenvald
Fabíola Albuquerque Lôbo Pablo Malheiros da Cunha Frota
Fernanda Tartuce Paula Sarno Braga
Flávio Tartuce Pastora Leal
Fredie Didier Jr. Rodrigo Toscano de Brito
Giselda Hironaka Zeno Veloso
José Fernando Simão
REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Porto Alegre - RS - Brasil ISSN 2595-895X

Publicação mensal da Paixão Editores. Proibida a reprodução parcial ou total sem


autorização dos editores, ou citação expressa da fonte.

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores.

E-mail para remessa de artigos: revcivil@paixaoeditores.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista de Direito Civil e Processual


v. 1 (nov. 2018)-.– Porto Alegre: Paixão, 2020.
Mensal. Coordenação Rodolfo Pamplona Filho.
v. 18 (mar. 2020)

ISSN 2595-895X

1.Direito Civil – Periódico 2. Processo Civil – Periódico

CDU347(05)
CDU 347.9(05)

Ficha Catalográfica: Leandro Augusto dos Santos Lima - CRB 10/1273


Capa: Giselle Vargas
Diagramação: Pedro Paixão Rodrigues
Editor Responsável: Ana Maria Coutinho Paixão

Editada e distribuída em todo território nacional por:

Paixão Editores Ltda.


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SUMÁRIO

7 Palavra do Coordenador

Doutrina

9 O Código Civil Brasileiro e a Pandemia


Eugênio Kruschewsky

15 Alimentos, Irrepetibilidade e Enriquecimento Sem Causa:


uma Proposta de Convergência de Figuras Aparentemente
Excludentes
Eliza Cerutti & Marcos Catalan

45 Notas Sobre o Direito à Privacidade e o Direito ao


Esquecimento no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Marcos Ehrhardt Jr. & Gustavo Henrique G. Nobre

88 A Transação Tributária e a Possibilidade de se Conceder


Desconto Sobre o Montante Principal do Débito
Cleide Regina Furlani Pompermaier

Opinião

99 Empréstimos Consignados e o Covid-19


Paola Sofia Panazzolo
Jurisprudência

103 Alimentos

116 Concessão

117 Covid-19

119 Débito

127 Desconto

133 Empréstimos Consignados

142 Privacidade

144 Verba Alimentar

Prática Processual

149 Do Cumprimento de Sentença

Por Frederico Abrahão Oliveira


P alavra dos C oordenadores

Amigas e amigos leitores!


O décimo-oitavo volume da Revista de Direito Civil e Processual chega ao seu
qualificado público leitor oferecendo um patamar de excelência nos textos publica-
dos, o que muito nos honra.
Iniciamos com a seção Especial Coronavírus, onde trazemos duas “lives” muito
interessantes para o debate sobre as implicações no direito brasileiro com a pandemia.
O primeiro bate-papo é com Marco Aurélio Bezerra de Mello, e que falamos sobre
Regras Emergenciais de Direito Privado. O segundo é com Gustavo Tepedino, e
debatemos o Direito Civil Pós Pandemia. Não percam!!
A Seção doutrinária tem início com o magnífico artigo intitulado O Código
Civil Brasileiro e a Pandemia, de autoria da Professor e Procurador Eugênio Krus-
chewsky. Um tema muitíssimo atual.
Em seguida, nosso Conselheiro Editorial, Dr. Marcos Catalan, em parceria com
Eliza Cerutti, nos brindam com o artigo Alimentos, Irrepetibilidade e Enriqueci-
mento Sem Causa: uma Proposta de Convergência de Figuras Aparentemente
Excludentes. Assunto instigante.
Notas Sobre o Direito à Privacidade e o Direito ao Esquecimento no Or-
denamento Jurídico Brasileiro é a excelente contribuição doutrinária de nosso
Conselheiro Editorial, Dr. Marcos Ehrhardt Jr. em parceria com Gustavo Henrique
G. Nobre. Trata-se de uma importante reflexão para a devida compreensão da matéria
A quarta doutrina é de autoria da Procuradora Dra. Cleide Regina Furlani
Pompermaier, que versa sobre A Transação Tributária e a Possibilidade de se
Conceder Desconto Sobre o Montante Principal do Débito.
Por fim, abrimos uma seção Opinião, e trazemos um tema muito atual e instigante
que versa sobre Empréstimos Consignados e o Covid-19, de autoria da advogada
Paola Sofia Panazzolo.

- 7 -
8 Palavra dos Coordenadores REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Além disso, destacamos a parte de jurisprudência, organizada, inclusive, com


temas correlatos aos trabalhos doutrinários expostos, o que atende à finalidade de
aliar o conteúdo teórico com a parte prática, um desafio que pretendemos aprofundar
ainda mais nas próximas edições.
E na seção de Prática Processual, o Professor Frederico Abrahão de Oliveira
traz o assunto Do Cumprimento de Sentença.
Desejamos uma proveitosa leitura!

Rodolfo Pamplona Filho


Coordenador

Leandro Fernandez
Coordenador Adjunto
- 9 -
O Código Civil Brasileiro e a
Pandemia

Eugênio Kruschewsky
Advogado, Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia,
Procurador do Estado da Bahia, Professor de Direito da UFBA.
Gabino Kruschewsky Advogados Associados

Sumário: 1. O eco das experiências pregressas. 2. O que é a pandemia juridicamente?


Quais as soluções já disponíveis no Código Civil Brasileiro. 3. Os princípios orientadores. 4.
Exemplos. 5. Exortações.

1. O Eco das Experiências Pregressas.

Esta geração e algumas das anteriores, vivem um momento inédito, nunca


antes experimentado de isolamento social. Não há garantia de que voltemos
à normalidade a breve tempo. Não há garantia de que o nosso conceito de
normalidade não seja submetido à profunda mudança.
Apesar de ser fato inédito, aprendemos com a experiência do passado
e pode-se dizer que a prateleira do Código Civil Brasileiro possui produtos
para lidar com o enfrentamento da pandemia.1
Dois episódios históricos importantes recomendaram a reflexão sobre
a flexibilização do conteúdo do contrato, a relativização do princípio da
intangibilidade do teor dos contratos.

1
A História é grande companheira do Direito Civil, afinal, é lição antiga que a unidade do
direito civil é histórica, e não lógica, o que justifica tantas matérias diversas reunidas sob o
mesmo manto.

- 9 -
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Para o direito anglo-saxão, tem-se a coroação do rei Eduardo VII, su-


cessor da rainha Vitória, evento extremamente esperado pelos britânicos
que, em sua maioria, nunca tinham presenciado uma coroação, em razão do
reinado muito longevo da rainha, o que fez que fossem procurados lugares
como varandas, balcões suspensos, que pudessem melhor acompanhar a
cerimônia da coroação. Ocorre que esta cerimônia foi adiada em razão de
problemas de saúde do rei, ensejando dúvidas acerca da possibilidade de se
manter os contratos inalterados ou não, considerando a quebra das bases
dos contratos firmados.
Já para o direito continental europeu o exemplo muito conhecido é o
da lei Faillot que, por inspiração de decisão do Conselho de Estado Francês,
estabeleceu legislação provisória, de transição, que permitia flexibilizar o con-
teúdo dos contratos, a exemplo daquele de fornecimento de gás de empresa
francesa que, em razão da Primeira Grande Guerra, não estava conseguindo
manter o preço antes contratado.
Assim, o eco das experiências passadas preparou o presente momento e
já há respostas disponíveis no Código Civil Brasileiro, muito embora louve-se
a iniciativa do Congresso de criar também para os brasileiros uma norma de
transição, de incidência provisória, capaz de superar dissensos e perplexidades.

2. O que é a Pandemia, Juridicamente? Quais as


Soluções Apresentadas pelo CC?

A pandemia, do ponto de vista jurídico, pode ser classificada como o


fato necessário imprevisível ou, se previsível, de consequências ou extensão
inevitáveis.
Não se afigura relevante distinguir se seja caso fortuito ou uma força
maior, porque o regime jurídico previsto pelo Código Civil é o mesmo. Existem
pelo menos 06 teorias que tentam distinguir os dois institutos. Se se aceitar a
força maior como um evento externo, mais relacionado a um fato da natureza,
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CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

enquanto o caso fortuito mais relacionado com vontade de terceiro, tem-se


que a pandemia seria um exemplo de força maior.
O regime jurídico, de todo modo, está previsto no caput do art. 393, ao
dizer que o contratante não responderá pelos prejuízos gerados pelos casos
de força maior e caso fortuito, salvo não tenha expressamente assumido este
risco e, ao mesmo tempo, o artigo se encontra no capítulo I, das disposições
gerais do Título I, do Inadimplemento das Obrigações, de modo que o fato
necessário é causa de inadimplemento dos contratos.
Mas um inadimplemento tolerado por lei, porque involuntário, não
culposo.
E este inadimplemento pode ser integral, parcial, temporário ou perma-
nente, muito embora não se desconheça a opinião de alguns, que entendem2
que a força maior deveria ser um impeditivo permanente.
Talvez, a depender do tipo de inadimplemento, possa se ter, também,
um melhor tipo de solução.
E quais soluções já estão disponíveis no nosso CC? O contratante em
tempo de pandemia pode: (i) extinguir o contrato, o que, como se verá, não é
o mais desejável; (ii) suspender os efeitos do contrato caso a pandemia seja
de curta duração, ou (iii) revisar o conteúdo do contrato caso a pandemia
confirme as expectativas de ter uma longa duração.

2
Há quem sustente, com José Fernando Simão, forte em Pontes de Miranda, que a força
maior não se caracterizaria por um fato necessário transitório, mas permanente. Com efeito:
“Se é de prever-se que a impossibilidade pode passar, a extinção da dívida não se dá. Enquanto
tal mudança é de esperar-se, de jeito que se consiga a finalidade do negócio jurídico, nem
incorre em mora o devedor, nem a fortiori, se extingue a dívida. Mas, ainda aí, é de advertir-se
que a duração da impossibilidade passageira, ou de se supor passageira, pode ser tal que se
tenha de considerar ofendida a finalidade, dando ensejo a direito de resolução” PONTES DE
MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. T. XXV. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 289. De todo modo, no próprio ensinamento ressalva-se a possibilidade de um fato
provisório afetar decisivamente as bases do contrato, gerando o mesmo efeito.
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É veterana a lição da possibilidade de, em ocorrendo um evento super-


veniente à celebração do contrato, extraordinário, imprevisível, capaz de
mudar substancialmente o equilíbrio de forças existente na economia do
contrato, viabilizar a revisão do conteúdo do contrato, invocando a teoria da
imprevisão para os contratos civis e a teoria da onerosidade excessiva para
os contratos de consumo.
A distinção entre elas é que para os contratos civis o nosso código exige
a anuência daquele a quem a onerosidade aproveita (art. 479, CC; exceção
dos contratos gratuitos, previsto no art. 480, CC), enquanto tal exigência
não é feita para os contratos de consumo.
O objetivo da regra é permitir, o mais possível, que as circunstâncias exis-
tentes no momento da celebração sejam as mesmas existentes no momento
da execução, o que reverencia o princípio da justiça contratual.
Mas, se o prazo pandêmico for curto, talvez melhor do que revisar seja
suspender os efeitos do contrato até que se restabeleça o ambiente de adim-
plemento, sacando o instituto da exceção do contrato não cumprido para os
contratos sinalagmáticos, que consiste em causa de suspensão dos efeitos
do contrato e não de extinção.
O sinalagma consiste precisamente neste elo de correspondência entre
as prestações, de modo que uma exista em função e na medida da outra.
Por esta razão, caso uma das obrigações não seja cumprida, ainda que por
fato necessário, não se pode exigir do outro contratante que cumpra com a
sua prestação, suspendendo-se os efeitos do contrato.
Todo contrato bilateral, de seu turno, possui cláusula resolutiva tácita, razão
pela qual o inadimplemento gera necessariamente a resolução dos contratos.
Mas a extinção precisa ser, o mais possível, evitada, uma vez que à Economia
e ao Direito interessam observar o princípio da preservação dos contratos,
já que os contratos, instrumento por excelência do direito civil dinâmico, são
responsáveis pela circulação dos direitos e pela circulação das riquezas.
Ao corpo social interessa a manutenção dos contratos, para que esta crise
pandêmica não seja sucedida por uma crise econômica também de gravidade.
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CIVIL E PROCESSUAL
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3. Os Princípios Orientadores

Qualquer que seja a solução adotada, cumpre considerar que dentro da


excepcionalidade, vive-se um período extraordinário. Em razão disto, seja a
extinção, seja a revisão, seja a suspensão, necessitam ser optadas e realizadas
à luz dos princípios da boa-fé contratual, da solidariedade contratual, da pre-
servação dos contratos, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
Todos estão unidos na fragilidade da comum condição humana. Muito
possivelmente será necessário não só revisar contratos, mas reconsiderar o
pacto social e até mesmo a relação entre os povos.
Necessário valorizar o que realmente interessa e entender que o contrato
é, cada vez mais, um vínculo de colaboração, como ensinou Clóvis Couto e
Silva, e não um instrumento de polarização.

4. Exemplos

Alguns exemplos podem ser figurados:


De suspensão: (i) caso o shopping center não esteja podendo fornecer
a clientela para os seus lojistas, parece razoável que o lojista suspenda o
pagamento do aluguel, mas se a ele aproveita a guarda do seu estoque, que
é vendido pela internet, talvez a razoabilidade imponha que estes custos
sejam partilhados; (ii) se a obra é suspensa, suspensa também será a taxa
condominial; (iii) se a escola de língua estrangeira encontra-se fechada, o
lógico é suspender a prestação, ao menos que as aulas ou atividades conti-
nuem a ocorrer remotamente.
De resolução: há contratos todavia que não resistirão à força da extin-
ção, sobretudo aqueles que devem ostentar um termo, ou deva acontecer
em determinada data sob pena de esvaziamento. Assim, (i) o desfile para
apresentar a coleção de roupas novas de março e abril não acontecerá em
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2020, (ii) o show do cantor renomado marcado para ser realizado em Howan,
na China, não ocorrerá.
De outra banda, fere a dignidade da pessoa humana pensar que o sa-
lário do empregado possa ser suspenso sem que se garanta as condições de
subsistência.
A empresa que vende álcool gel e máscaras não pode fechar as portas
nem tampouco cobrar valor excessivo para o seu produto, uma vez que isto
feriria os princípios da função social da empresa e dos contratos, ao seu modo.
Age com má-fé a empresa que mesmo tendo caixa, mesmo não sendo
atingida pela pandemia, aproveita-se do momento para não pagar os servi-
ços que lhe foram prestados, como no caso de laboratórios e prestadores
de serviços de saúde.

6. Últimas Exortações

Seja para revisar, seja para suspender ou extinguir, não abram mão da
prerrogativa de serem os solucionadores das suas perplexidades e dúvidas,
sejam os prolatores de suas sentenças, mas, se isto não for possível, vale
lembrar que o Poder Judiciário não é a única solução, podendo-se optar pela
mediação ou arbitragem. Um terceiro escolhido pelas partes pode ajudá-las
a encontrar a solução ou mesmo arbitrá-la, tudo se fazendo para conservar
os contratos e readaptá-los ao momento atual, que haverá de ser vencido.

Bibliografia
PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. T. XXV. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012.
Alimentos, Irrepetibilidade
e Enriquecimento Sem Causa:
Uma Proposta de Convergência de
Figuras Aparentemente Excludentes 1

Eliza Cerutti
Especialista em Direito Processual pela Academia Brasileira de Direito
Processual Civil. Especialista em Direito de Família pela ESADE.
Advogada em Porto Alegre.

Marcos Catalan
Doutor summa cum laude em Direito pela Universidade de São
Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.
Professor nos cursos de Direito da Unisinos, da Unilasalle e em
cursos de Especialização pelo Brasil. Parecerista e consultor jurídico.

Sumário: 1. Recortando a realidade a ser explorada – 2. O matiz constitucional da verba


alimentar – 3. Uma prestação pecuniária que para o credor vale bem mais que uma soma
em dinheiro – 4. A vedação do enriquecimento sem causa no direito brasileiro – 5. Tentando
conciliar máximas aparentemente tão distintas.

1. Recortando a Realidade a ser Explorada

Em um mundo em que riscos invisíveis e globais ganham cada vez mais


concretude e os indivíduos buscam proteção no isolamento2, a família se
apresenta como um dos últimos refúgios seguros para a pessoa humana. Na
ausência do Estado, que diuturnamente insiste em abdicar das suas respon-
sabilidades, mormente no que tange à realização das garantias fundamentais

1
Este trabalho foi publicado originalmente na RTDC n. 42 e foi revisto para essa publicação.
2
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro.
Barcelona: Paidós, 1998. p. 25-195.

- 15 -
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consagradas no texto constitucional, os entes privados são compelidos a


repartir os custos e esforços necessários à manutenção da vida. Isso implica,
muitas vezes, na ampliação dos deveres atribuídos àqueles que integram
os mais distintos modelos de entidade familiar.3 Diante do alargamento de
responsabilidades individuais em um universo que deveria ser permeado
exclusivamente por afeto e solidariedade, o convívio é cada vez mais raro.
Os valores que deveriam informar as relações familiares fragmentam-se,
tornam-se fluidos, em prejuízo da estrutura da própria família.
Entre os fatores de liquefação da família, pode ser lembrada a excessiva
preocupação com a aquisição dos recursos necessários à manutenção de um
padrão mínimo de vida que conglobe o acesso à alimentação de qualidade,
vestuário, medicina profilática e curativa, segurança, educação em nível
escolar e além dela, segurança, cultura, etc. Como tais valores somente são
alcançados, no modelo econômico vigente, na seara reservada à iniciativa
privada, o tempo da razão impõe que escolhas sejam feitas entre opções ruins:
ou se trabalha muito e se perde em convívio e afeto ou se prioriza esses em
detrimento daquele.4 Os conflitos se agravam entre os menos favorecidos,
parcela bastante expressiva da sociedade brasileira. Dentre tais deveres, os
de sustento5 e de prestar alimentos aparecem com notável relevância social.
O foco da presente análise cinge-se apenas ao último deles. Tendo lastro nos
laços de parentalidade que unem ascendentes e descendentes ou mesmo

3
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil
brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 283. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil
aplicado: direito de família. São Paulo: RT, 2005, v. 5. p. 377. WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos
no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 32.
4
Pode-se mesmo perceber o surgimento de um paradoxo nessa argumentação, haja vista
que, em muitas hipóteses, o dever de prestar alimentos (cerne do presente estudo), nascendo
do rompimento do convívio familiar, surge dessa problemática.
5
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação pater-
no-filial. In: CANEZIN, Claudete Carvalho (Coord.). Arte jurídica. Curitiba: Juruá, 2005, v. 1.
p. 162-170. Lealdade, mútua assistência, afeto e sustento são deveres impostos enquanto a
entidade familiar estiver agregada.
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em liames existentes entre outros parentes6 são devidos quando, vivendo


normalmente em lugares distintos, um deles não tem condições de manter-se
sem o auxílio do outro. Saliente-se que podem ter origem, ainda, porque o
afeto que imantava o núcleo de conjugalidade se esfacela e cada um segue
um caminho que só poderá ser trilhado com o auxílio daquele que por algum
tempo esteve ao seu lado.
Estudar o tema é um desafio, especialmente quando se tem em mente
que o dever alimentar deriva muitas vezes, da desagregação familiar. Em
perspectiva sociológica é importante compreender também que dentre tan-
tas demandas versando sobre alimentos, o erro acaba sendo não apenas
admissível estatisticamente7, mas uma realidade bastante provável. Em inú-
meras situações o pagamento poderá ser imposto ou assumido por devedor
aparente; arbitrado sem a adequada ponderação do binômio dogmático que
baliza esse momento no desenrolar das relações jurídicas; ou mantido mesmo
após o desaparecimento das razões que justificam sua existência, persistindo
formalmente em desfavor do devedor.
Nesse viés, em algumas situações, mesmo diante da necessidade ma-
nifesta do credor, o pagamento é imputado a quem não deveria arcar com
ele. Isso pode ocorrer em razão da formulação de um juízo equivocado de
verossimilhança e mesmo por conta do defeito na declaração de vontade que
levou à configuração da parentalidade registral. Em outros tantos momentos, é
imposto ou mantido sem que haja necessidade, o que ocorre porque ela nunca
existiu ou porque desapareceu em razão das condições pessoais do credor.

6
O dever de alimentar se estende, em linha reta, aos limites fáticos possíveis no caso
concreto, e na colateral, até o segundo grau, obrigando os devedores, ao menos em nível
dogmático, em caráter sucessivo e complementar.
7
Com isso não se pretende dizer que seja aceitável a presença de quaisquer espécies de
erros ou injustiças – e os que escoram a presente reflexão versam desde questões que per-
passam pela inadequação do valor fixado até a imputação da obrigação alimentar a devedor
meramente aparente. Por isso, uma vez detectado, impõe-se a correção do desvio entre a
realidade e os comandos jurídicos que a desvirtuam.
18 Doutrina REVISTA DE DIREITO
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É possível pensar, ainda, que a causa que justifica o pagamento dos ali-
mentos desapareceu porque outra pessoa assumiu tal encargo na concretude
dos fatos, pois, inegável é que diante do adimplemento de uma obrigação8
sem causa pretérita ou atual justificando-a, haverá transmissão patrimonial
sem fundamento de ordem pessoal, sociológica e jurídica e, por consequên-
cia, quem paga nessas condições, estará sujeito à indevida redução do seu
patrimônio, problema que ganha contornos relevantes no Brasil, ressalte-se
uma vez mais, em razão da pobreza crônica que assola o país.
O presente estudo se propõe a estimular o debate. Almeja-se colaborar
com a construção de respostas que possam solucionar o problema apontado.
Ao contrário do que é sustentado por setor conservador do direito brasileiro9,
parte da premissa de que o direito de família, apesar de orientar-se por alguns
princípios e regras que somente irradiam efeitos em seu interior, não pode
ser analisado como se envolto em uma couraça impenetrável a influxos de
ordem sistêmica e às balizas hermenêuticas dos tempos atuais. Fica aqui o
convite para que cada olhar que tenha vindo até este momento arrisque-se
a transpor mais esse parágrafo.

8
A expressão é usada aqui em sentido amplo, haja vista que o débito alimentar não pode
ser concebido como obrigação em sentido estrito, sendo mais adequado classificá-lo como
hipótese de dever jurídico.
9
STJ. REsp 757411/MG. 4ª T. Min. Fernando Gonçalves. DJ 27/03/2006, p. 299. Com des-
taque para parte do voto do Min. Cesar Asfor Rocha ao salientar que “Penso que o Direito
de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios
que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente - a outras ramificações
do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares,
sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e
responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam
disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. Destarte, tudo quanto dis-
ser respeito às relações patrimoniais e aos efeitos patrimoniais das relações existentes entre
parentes e entre os cônjuges só podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto
no próprio Direito de Família.”
REVISTA DE DIREITO Doutrina 19
CIVIL E PROCESSUAL
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2. O Matiz Constitucional da Verba Alimentar

Tem-se afirmado de modo recorrente que por alimentos10 se compreende


o conjunto de recursos necessários à promoção da vida digna de quem deles
necessita11, universo esse preenchido pelo que é necessário à alimentação;
saúde; habitação; vestuário; lazer; etc, e no caso específico dos menores e
daqueles cuja maioridade fora recentemente alcançada12, ao acesso à educa-
ção. Nesse viés, a expressão alimentos implica nos valores, bens ou serviços
destinados à satisfação das necessidades existenciais de uma pessoa, sendo
devidos quando essa não possa prover o próprio sustento.
Os alimentos surgem da ausência de convivência familiar13, seja porque
nunca houve qualquer faísca de vida comum ou porque essa fora apagada

10
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 33.
“Quanto à causa jurídica, os alimentos podem derivar da lei, em virtude das relações de pa-
rentesco, norteado pelo princípio da solidariedade, quando então se denominam legítimos e
estão inseridos no direito de família; de testamento ou de contrato, denominados voluntários
e inseridos no campo do direito das sucessões e das obrigações, respectivamente; ou de
sentença condenatória por decorrência da prática de ato lícito, denominados ressarcitórios.”
11
ANGELUCI, Cleber Affonso. Alimentos gravídicos: avanço ou retrocesso? Revista CEJ,
Brasília, v. 13, n. 44, p. 65-71, jan./mar. 2009, p. 66-67. “Presentes as partes, resta a fixação
do quantum, que é aferido [enquanto regra] mediante análise concreta, tanto da necessidade
de quem postula, quanto da possibilidade do obri­gado, dentro do razoável, pois não se pode
permitir que esta obrigação se transforme em fonte de en­riquecimento ou mesmo empobre-
cimento dos envolvidos, uma vez que a manutenção da vida requer a ponderação de valores.”
12
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p.
11. Segundo o autor é importante frisar que o custeio da educação não se restringe aos filhos
menores, vez que também os que não se encontram, em razão da maioridade, sob a égide da
autoridade parental, tem direito aos alimentos enquanto estudantes, até a conclusão do curso
superior. Pensamos que tal premissa é válida, desde que, salvo melhor juízo, os credores não
possam manter-se por meio de esforços próprios, não haja abuso de direito ou amor ao ócio.
13
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 344. Segundo
o autor, “o descumprimento dos deveres jurídicos de sustento (aos filhos), assistência (em
relação aos cônjuges/companheiros) e amparo (aos idosos), faz nascer a pretensão e a cor-
relativa obrigação de alimentos, de caráter pessoal.”
20 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
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por uma das inesperadas tormentas do destino. No universo do direito de


família, serão devidos nas relações de parentesco, em razão da ruptura da
sociedade conjugal ou diante do surgimento de deveres de amparo ao idoso14,
sempre que uma das partes na relação jurídica vier a necessitar deles para
viver dignamente; e nos demais ramos do direito civil, por força da declara-
ção de vontade, seja ela unilateral ou bilateral; ou ainda, da necessidade de
reparar um dano.
Como se observa, a expressão alimentos não pode ser reduzida à noção
de mero sustento, ao passo que envolve habitação, saúde, lazer, educação,
profissionalização, dentre outros conteúdos que podem se materializar na
relação concreta, como prevê, aliás, de forma abrangente, o texto constitu-
cional.15 O dever de prestar alimentos, implica, portanto, no pagamento de
valores que permitam ao credor conduzir sua vida dignamente.16
Historicamente fundada na moral, a verba alimentar tem raízes na es-
quematização romana do officium pietatis que interligava parentes neces-
sitados e capacitados na satisfação de exigências mínimas de subsistência,
estando incluídos no seu contexto não só os filhos, mas outros parentes.17
Em um tempo não tão distante, tendo sido concebido como uma prestação
devida em razão de deveres de caridade, piedade ou consciência, a partir

14
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 344.
15
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: RT, 2005,
v. 5. p. 377.
16
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 2. ed. São Paulo: RT, 1993. p. 14. Consoante o autor
a ideia de vida digna deve ser construída no caso concreto “a partir de parâmetros mínimos
[de modo a] realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral
(cultivo e educação do espírito, do ser racional) [salientando-se, ainda, que] constituem os
alimentos uma modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários
à subsistência, à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo.”
17
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p.
252.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 21
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de perspectivas filosóficas de matiz religiosa18, hoje encontra seu principal


lastro nos princípios constitucionais da solidariedade social e dignidade da
pessoa humana.
Parece ser inquestionável19 a necessidade de leitura do tema a partir
dos comandos constitucionais, o que se justifica por distintas razões. Inicial-
mente, porque o art. 6º da Carta Magna20 permite delinear quais são muitas
das necessidades a serem providas pelo alimentante, mormente diante da
incidência direta e imediata dos direitos fundamentais de distintas gerações21
às relações particulares. Some-se a esse argumento o fato de que a aludida
prestação parece preencher axiologicamente – quando da realização do direito
– a ideia de dignidade da pessoa humana que permite atar a verba alimentar
aos direitos da personalidade. Enfim, porque pululam os efeitos derivados
do princípio da solidariedade familiar22, já que o nós e o outro, atualmente,

18
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 345. É evidente
que o salto não se deu entre os momentos relatados acima no texto. Consoante explica o
autor, “no século XX, com o advento do Estado social, organizou-se progressivamente o siste-
ma de seguridade social, entendendo-se ser de inarredável política pública, com os recursos
arrecadados dos que exercem atividade econômica, a garantia de assistência social, de saúde
e de previdência; [entretanto,] a rede pública de seguridade social não cobre a necessidade
de todos os que necessitam de meios para viver, especialmente as crianças e os adolescentes,
mantendo-se os familiares e parentes responsáveis por assegurar-lhe o mínimo existencial,
especialmente quando as entidades familiares se desconstituem ou não chegam a se constituir.”
19
A assertiva não ignora que o fenômeno da denominada constitucionalização do direito
privado seja, ainda hoje, após quase uma década de século XXI, refutado por respeitável
doutrina no Brasil.
20
Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados
[...]
21
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo:
Método, 2008. p. 394.
22
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio da solidariedade familiar. Revista Brasileira de Direito
das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 0, p. 144-159, out./nov. 2007, p. 154. “Outra di-
mensão normativa fundamental da aplicabilidade direta do princípio é a interpretação em
conformidade com a Constituição, das normas infraconstitucionais, ou seja, da interpretação
dessas normas que melhor realiza os fins do princípio. E não apenas naquelas hipóteses de
22 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

no mínimo, são tão importantes quanto o eu. Parece estar justificado, assim,
o matiz constitucional do direito ora explorado.
Daí porque os alimentos são considerados de ordem pública, inderro-
gáveis por convenção entre os particulares23 e protegidos de modo especial
pelo Estado24; a ponto do Brasil ser um dos poucos países a prever, no texto
constitucional, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos25 e a
criar um tipo penal para o crime de abandono material.26 Mais que isso. Tendo
como ponto de partida a perspectiva acima e o conteúdo que emana dos
princípios constitucionais que pautam a realização do direito aos alimentos,
parece claro o interesse, daquele mesmo Estado que se furta a cumprir seu
papel na consecução dos direitos fundamentais da pessoa humana, em dar efi-
cácia aos comandos que balizam a obrigação alimentar. Isso se dá não apenas

dúvidas ou ambiguidades, quando a presunção de constitucionalidade permite salvar a


norma [supostamente] inconstitucional. Os estudos das hermenêuticas filosófica e jurídica
contemporâneas parecem concluir para o entendimento de que qualquer norma jurídica
depende de interpretação, pois apenas a situação concreta de sua incidência imprime-lhe,
definitivamente, o sentido.”
23
Em que pese o comando consagrado no art. 1707 do Código Civil a matéria é controversa
e precisa ser melhor explorada. Infelizmente aqui não há espaço para que a discussão possa
ser adequadamente desenvolvida.
24
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 713.
25
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: RT, 2005,
v. 5. p. 377. CF. “Art. 5º [...] LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel.”
26
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 714. CP.
“Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor
de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60
(sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento
de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa,
de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4
(quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo
único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,
inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada.“
REVISTA DE DIREITO Doutrina 23
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

por lhe incumbir assumir posturas que se coadunem com os fundamentos do


Estado Democrático de Direito, mas também visando evitar a ampliação do
número de desprotegidos.27 Oportuno destacar enfim, a partir desse viés e
reconhecendo a importância da verba alimentar na consecução de seu prin-
cipal escopo – a possibilidade de realização da vida em sua plenitude – que
a doutrina, de modo praticamente uníssono, aponta como características
da verba alimentar: a indisponibilidade, a irrenunciabilidade, a incomunica-
bilidade, a impenhorabilidade, a incompensabilidade, e a irrepetibilidade28,
característica essa que por ser responsável por inúmeras controvérsias será
explorada de modo pormenorizado no desenrolar dessa pesquisa.

3. Uma Prestação Pecuniária que para o Credor


Vale Bem Mais que uma Soma em Dinheiro

A verba alimentar tem certamente duas faces, dois contextos extraí-


dos de um mesmo significante. Isso se revela em momentos distintos: na
perspectiva que tenha por foco a relação entre as partes e na análise que
se pauta pela aferição das necessidades que visa saciar. Por qualquer das
vias é possível concluir que alimentos são ao mesmo tempo patrimônio e

27
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, v. 4. p. 450.
28
GOMES, Orlando. Direito de família. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 408. DINIZ,
Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23 ed. São Paulo: Saraiva,
2008, v. 5. p. 566-577. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 347. Assevere-se que a partir da expressão boleana “alimentos e indébito” foram localizados
8 julgados no STJ, sendo que desses, apenas a metade versava sobre o assunto em foco e de
modo uníssono ressaltam ser vedada a repetição do que foi adimplido. São eles: REsp 662754/
MS. 3ª T. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ 18/06/2007, p. 256; REsp 209098/RJ.
3ª T. Min. Nancy Andrighi. DJ 21/02/2005, p. 169; AgRg no Ag 435297/RJ. 3ª T. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito. DJ 11/11/2002, p. 213; REsp 264789/MG. 3ª T. Min. Ari Pargendler.
DJ 02/06/2003, p. 295. Já a partir da expressão “alimentos e repetição” foram localizados 16
julgados, 11 versando sobre o assunto. Todos balizam-se pelo paradigma já delineado.
24 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

vida.29 A partir do primeiro prisma, embora perante o devedor, os alimentos


possam ser concebidos como prestação de cunho meramente patrimonial30,
já que visam à satisfação de necessidades basilares do credor, para esse,
certamente, não é apenas o valor nominal que a moeda carrega consigo.
Também revela sua faceta material, considerado como recurso necessário à
manutenção da subsistência do credor, enquanto ao mesmo tempo, permite
a visualização de seu prisma imaterial diante da importância que assume na
construção da personalidade de seu destinatário.31 Por outro lado, a prestação
de natureza alimentar visa à promoção da pessoa humana, pois, permite o
livre desenvolvimento das potencialidades do alimentando, que terá acesso
ou ao menos deverá ter, por meio dela, ao conteúdo que preenche a ideia de
mínimo existencial32 e apesar de estimada em termos pecuniários, nem por
isso pode ser classificada como direito patrimonial.

29
Contra o aspecto imaterial da verba alimentar, por exemplo: GAMA, Guilherme Calmon
Nogueira da. Direito civil: família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 485. O autor embasa seu pensa-
mento na premissa de que se os alimentos não forem vistos a partir de perspectiva exclusi-
vamente patrimonial não seriam juridicamente exigíveis. Tal reflexão ignora ou parece ignorar
que direitos de caráter extrapatrimonial também são objeto de tutela jurídica.
30
Impende destacar que consoante a situação concreta o dever que lhe é imposto por força
da relação de parentalidade ou de conjugalidade pode mesmo adentrar em seu patrimônio
mínimo; situação que deverá ser solucionada mediante recurso ao paradigma judicativo-deci-
sório como método e utilização da técnica da ponderação como instrumento de sopesamento
de direitos fundamentais em choque.
31
MADALENO, Rolf. Alimentos entre colaterais. Revista Brasileira de Direito de Família,
Porto Alegre, n. 28, p. 105-112, fev./mar. 2005, p. 110.
32
SARLET, Ingo. Mínimo existencial e direito privado: apontamentos sobre algumas dimen-
sões da eficácia dos direitos fundamentais sociais no âmbito das relações jurídico privadas.
In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da; PEZZELLA, Maria Cristina Cereser (Coord.). Mitos e
rupturas no direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008. p. 9-49. FACHIN,
Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 173-
311. ALVES, Jones Figueirêdo. Alimentos de pessoas desprovidas de vínculo parental ou de
parentes em condições de prestá-los: o discurso inicial do código civil em favor dos alimentos
de dignidade ou humanitários. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. (Coord.).
Questões controvertidas. São Paulo: Método, 2005, v. 3. p. 182-200.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 25
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

O dinheiro ou a prestação equivalente é mero instrumento e, portanto,


direito pessoal33 de caráter imaterial. Nesse viés, o aspecto material da verba
pecuniária, os bens e vantagens entregues em espécie e os contratos em favor
do credor devem ceder em homenagem às necessidades que são supridas
com sua fixação e adimplemento. Vale lembrar que o direito aos alimentos é
classificado como de ordem pública34, permitindo-se, até mesmo, diante da
mora, além da já destacada prisão civil do devedor35, a penhora do bem de
família36, sanções que se apresentam como exceções no direito tupiniquim.
Daí não haver dúvida quanto à valorização do aspecto imaterial dos alimen-
tos e sua estreita ligação com a repersonalização das relações familiares. Tal
tendência, longe de pretender restaurar o individualismo reinante em séculos
passados, tem por escopo a promoção de princípios que permitem vislumbrar
que em sociedade “só se constrói na solidariedade com o outro.”37
Esse viés de ordem existencial parece justificar a irrepetibilidade dos
alimentos que, uma vez prestados, não poderão ser postulados junto ao acci-
piens, apesar de indevidamente imputados ou assumidos por alguém. Sejam
provisórios, provisionais ou definitivos, impostos pela autoridade estatal ou
assumidos voluntariamente, se em algum momento constatar-se indevido
ou excessivo pagamento, não se permite ao solvens, postular a repetição

33
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil
brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 286.
34
MADALENO, Rolf. Obrigação, dever de assistência e alimentos transitórios. In: PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p. 566.
35
CPC. Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais,
o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez
ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o
juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
36
Lei 8009/90. Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...] III - pelo
credor de pensão alimentícia.
37
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de
Direito de Família, Porto Alegre, n. 24, p. 136-156, jun./jul. 2004. p. 156.
26 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

dos valores já adimplidos. Assim, mesmo que comprovada a ausência ou o


desaparecimento da causa que justifica a existência da relação creditícia, o
alimentante não tem o direito à repetição.38 Por consequência, o alimentado
não poderá ser compelido a devolvê-los. Isso se dá, não por se tratar de
prestação de dever moral39; mas sim, por conta do caráter existencial que se
atribui aos alimentos quando explorados a partir da perspectiva de quem os
recebe. O conflito é solucionado a partir da ponderação dos valores que se
chocam: e aqui, a pretensão que ampara o enriquecimento sem causa cede
espaço à tutela da vida.40 A tutela patrimonial cede espaço em homenagem
à proteção de valores imateriais. É inegável, a partir dos influxos axiológicos
presentes no texto constitucional que o “estatuto jurídico do ser”, compreen-
dido em “sua projeção sociológica”, explode em eficácia.41
A partir desses argumentos justifica-se a sobreposição do viés existencial
à perspectiva de ordem patrimonial. Daí que quem recebeu alimentos não
poderá ser compelido a repetir o equivalente econômico do recebido. E será
assim mesmo que a causa que os justifique desapareça ou se demonstre
que nunca tenha existido. Em poucas palavras: não será possível postular a
repetição de valores despendidos a título de alimentos sob o argumento de
pagamento indevido.
Mas como denunciado nas primeiras linhas desse opúsculo, pode ocorrer
que o dever alimentar seja imposto a quem não os deve42. O aludido dever

38
A matéria não é tão pacífica quanto a afirmação faz acreditar e por isso será abordada
no último item desse estudo.
39
CARVALHO. Dimas Messias. Direito de família. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.
424.
40
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo:
Método, 2008. p. 408-411.
41
FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 129.
42
Como pode ocorrer nas hipóteses em que o réu, após intimado para o cumprimento de
decisão proferida a partir de um juízo de cognição sumária, demonstra não ser parte na relação
jurídica de direito material.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 27
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

pode ainda ser mantido mesmo depois de cessadas as circunstâncias fáticas


hábeis a impor sua observância. Tal situação levará à flagrante injustiça que
precisa ser rechaçada. Alguns passos precisam ser dados antes de se promover
o ingresso nessa problemática.

4. A Vedação do Enriquecimento Sem Causa no


Direito Brasileiro

A figura em questão, desenvolvida a partir do conteúdo que preenche a


ideia de equidade, tem suas raízes no direito romano.43 Daí fora transplan-
tada para o Code Napoleón44 e na medida em que manteve sua essência
ao longo do tempo, acabou sendo disseminada por outros tantos diplomas
legislativos.45 Tal processo, apesar de alguns conflitos de ordem dogmática46
e filosófica47, se deu com aparente tranquilidade. Isso parece ter ocorrido por
conta da simplicidade existente no encaixe de seus pilares e do senso co-
mum que envolve o assunto: a existência de um princípio que o veda o

43
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 34. ed.
Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003,
v. 5. p. 439.
44
NEVES, José Ricardo de Castro. O enriquecimento sem causa: dimensão atual do prin-
cípio no direito civil. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.196.
45
GOMES, Orlando. Obrigações. 9 ed. Atual. Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. p. 251. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das
obrigações. 34. ed. Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São
Paulo: Saraiva, 2003, v. 5. p. 439.
46
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. O enriquecimento sem causa no novo código civil
brasileiro, Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 25, p. 24-33, abr./jun. 2004. p. 25-28.
47
ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 259,
p. 3-36, 1957. p. 10-12. Dentre outros podendo ser lembrados segundo o autor: a equidade, o
risco criado, a moral (posição, aliás, sustentada no texto), os princípios gerais, a necessidade
de segurança das fortunas, os costumes, e a justiça.
28 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

enriquecimento sem causa.48 Apesar da influência das codificações decimo-


nônicas na construção do código brasileiro revogado, o tema só foi expres-
samente previsto por ocasião do diploma vigente.49
Haverá enriquecimento sem causa quando alguém obtém vantagem pa-
trimonial à custa de outrem sem que exista uma causa que a legitime, ou seja,
sem que o aludido ganho tenha uma razão fática ou jurídica que o justifique.
Nesse viés, para a adequada caracterização da figura explorada, em princípio,
se faz necessária a presença dos seguintes requisitos: o enriquecimento de
alguém; o empobrecimento de outrem; um nexo de causalidade que ligue
ambas as hipóteses e a ausência de justa causa.50
Inicialmente há de destacar-se que o acréscimo patrimonial se mostra
como pressuposto da figura em questão. Esse deve ser visualizado não só
no aumento no patrimônio de alguém, mas também, na situação ligada ao
prejuízo evitado e mesmo nas vantagens de ordem não patrimonial auferidas,
desde que seja possível sua aferição pecuniária. O enriquecimento poderá
consistir, portanto, no deslocamento de bens ou riquezas de um patrimônio
para outro; no dano evitado; na diminuição de uma despesa; na transmissão

48
ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
259, p. 3-36, 1957. p. 3. Ao discorrer sobre o assunto, salienta o autor ser inquestionável que
a condenação de enriquecimento injustificado é princípio geral de direito, haja vista ter sido
recomendada, com maior ou menor extensão, por todos os sistemas, no tempo e no espaço.
49
A matéria é tratada nos arts. 884 a 886 nos seguintes termos:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir
o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o
enriquecimento tiver por objeto coisa determinada quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se
a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o
enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios
para se ressarcir do prejuízo sofrido.
50
GOMES, Orlando. Obrigações. 9 ed. Atual. Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. p. 250.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 29
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

possessória; no perdão de uma dívida; em serviços prestados; enfim, na


incorporação ao patrimônio do beneficiário de algum elemento de natureza
material ou imaterial51 que justifique a intervenção do direito ao tratar a
situação como merecedora de tutela.
É evidente que esse acréscimo deve ser de tal monta que possa justificar
a necessidade de atuação do direito. Assim, transplantes patrimoniais ínfimos
não são hábeis a disparar os efeitos do princípio em questão, assim como
um vento fraco muitas vezes não é capaz de permitir que o veleiro comece a
navegar. Saliente-se que o paradigma utilizado para a compreensão do que
seja vantagem razoável (ou não) deve ser buscado na intersubjetividade da
relação concreta. É imperioso deixar claro que o elemento subjetivo é total-
mente dispensável à caracterização do lucro despido de causa que o legitime.52
Desse modo, ainda que aquele que enriquece desconheça esse fato53, surgirá
o dever de transferir a vantagem indevidamente aferida ao titular legítimo
se presentes os demais pressupostos hábeis ao preenchimento da moldura
delineada pela figura aqui analisada.
O empobrecimento, por sua vez, consiste na diminuição do patrimônio
ou na frustração de vantagem legítima. Não é necessário, pois, que o patri-
mônio do empobrecido seja diminuído, razão pela qual tem sido afirmado, e
aparentemente com razão, que o empobrecimento é requisito que excepcio-
nalmente pode faltar, ou então, que se deve dar ao termo um sentido mais
amplo, fugindo de seu conceito usual.54 De fato, nem todos hão de ver dimi-
nuição patrimonial quando se deixa de receber algo ainda não incorporado

51
ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
259, p. 3-36, 1957. p. 18.
52
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos nos códigos civis francês e brasileiro,
Revista CEJ, Brasília, v. 9, n. 28, p. 05-14, jan./mar. 2005. p. 13.
53
Como pode ocorrer quando outro, que não aquela pessoa que deveria figurar no pólo
passivo da relação jurídica, é responsabilizado pelo pagamento de danos causados ou pelo
cumprimento de deveres jurídicos de outras ordens.
54
ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
259, p. 3-36, 1957. p. 21.
30 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

materialmente ao patrimônio.55 Ademais, é essencial a presença do nexo de


causalidade que se corporifica quando o enriquecimento e o empobrecimento
derivam de um mesmo fato. Enriquecimento e empobrecimento estão indis-
soluvelmente ligados56 como antecedente e consequente ou como faces de
uma mesma moeda. Tal correlação é, em regra, entre o enriquecimento e o
empobrecimento, embora haja necessidade mesmo de se considerá-la a partir
do viés que se põe entre o enriquecimento e o fato ligado à outra parte, pois,
como visto, nem sempre haverá empobrecimento de alguém.57
Enfim, a causa pode aqui ser compreendida como o elemento hábil a
explicar ou legitimar o enriquecimento. É mesmo sua contrapartida. O enri-
quecimento justifica-se no fato jurídico, que pode se manifestar – é interes-
sante destacar, sob múltiplas formas e nos mais diversos ramos do direito
civil: no direito das obrigações, dos contratos, das sucessões, no direito de
danos, e porque não, também no direito de família. Apesar das multifaceta-
das especificidades de cada hipótese que possa ser pensada, fato é que, em
perspectiva sistematizadora, se a vantagem auferida não estiver atrelada a
uma causa, carecerá de legitimidade.58 Quando falta a causa ou essa é injusta,
o enriquecimento deve ser reprovado pelo Direito.59
A par dessas noções é possível afirmar que toda aquisição patrimonial
precisa de uma causa que a justifique, ainda que essa consista em ato de

55
Como pode ocorrer quando o prêmio de uma loteria que deveria ser dividido entre vários
credores é pago apenas a um deles.
56
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 34. ed.
Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003,
v. 5. p. 441.
57
ALVIM, Agostinho. Do enriquecimento sem causa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
259, p. 3-36, 1957. p. 23.
58
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 34. ed.
Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003,
v. 5. p. 441.
59
GOMES, Orlando. Obrigações. 9 ed. Atual. Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. p. 251.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 31
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

apropriação60 ou de mera liberalidade.61 Não é essencial, portanto, a presença


de comutatividade ou reciprocidade no fato jurídico que está em sua origem,
até porque, o direito reconhece a existência de atos, negócios e mesmo de
atos-fatos jurídicos unilaterais. Ninguém pode enriquecer do nada e o Direi-
to, a par dessa informação, não admite “que alguém obtenha um proveito
econômico às custas de outrem, sem que esse proveito decorra de uma causa
juridicamente reconhecida.”62 Uma vez estando presentes os pressupostos
ao preenchimento de sua fattispecie, deles exsurge o direito subjetivo e ao
contrário do que ocorre na responsabilidade civil, na qual a reparação deve
ser integral, na figura sob análise a restituição baliza-se pelo acréscimo pa-
trimonial desprovido de causa e não por sua diminuição.63
Assim, quanto à estimativa do valor devido, em regra há correspondência
entre o que se ganhou e a diminuição suportada. Contudo, sendo diferentes os
valores, o limite é o menor valor, pois, não poderá o enriquecido ser obrigado
a devolver quantia maior que a recebida. De fato, pensar de modo distinto,
mormente diante do viés de objetividade que permeia o tema, afastando-o de
perspectivas voluntaristas, implicaria na legitimação de novo enriquecimento
sem causa digno de tutela.64

60
Como pode ocorrer na usucapião.
61
Os exemplos aqui lembrados são o contrato de doação e a remissão de dívidas
62
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, declaração unilateral
de vontade, responsabilidade civil. 11 ed. Atual. Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
v. 3. p. 237/238.
63
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos nos códigos civis francês e brasileiro,
Revista CEJ, Brasília, v. 9, n. 28, p. 05-14, jan./mar. 2005. p. 13.
64
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 34. ed.
Atual. Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003,
v. 5. p. 441.
32 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

5. Tentando Conciliar Máximas Aparentemente


Tão Distintas

De um lado a irrepetibilidade como característica da verba alimentar, de


outro, um princípio impedindo que transmissões patrimoniais desprovidas de
uma causa sejam recepcionadas pelo direito. Como ambos inquestionavelmen-
te informam o Direito vigente cabe indagar se o conflito é real ou aparente.
Em caráter exemplificativo, podem ser pensadas hipóteses nas quais
se impõe ao devedor arcar com o pagamento de alimentos por ele não devi-
dos65; outras em que assume tal responsabilidade em razão de defeitos na
esfera volitiva66 ou paga quantia maior que a devida.67 É possível imaginar
ainda, situações nas quais os alimentos são pagos mesmo quando cessada a
causa que os justifique.68 É evidente que os grupos de casos aqui pensados,
provavelmente não esgotam a vastidão da matéria, até porque, esse não é o
intuito da reflexão. Objetiva-se, ao contrário, sistematizar o assunto, afas-
tando-o da praxe tupiniquim de análise meramente casuística. Antes será
necessário demonstrar que os alimentos não são passíveis, uma vez pagos,
de repetição. Impõe-se, para o sucesso da missão, desconstruir argumentos
que não se coadunam com essa visão e reconstruir sobre os escombros que
serão deixados as premissas que embasam a tese.

65
Como pode ocorrer na intimação do devedor para que pague os alimentos liminarmente
fixados e que consegue demonstrar, finda a instrução probatória, que não era o pai do credor.
O problema se agrava no momento atual com a regulamentação dos alimentos gravídicos.
66
Como se depreende da hipótese em que, apesar da presunção de paternidade que deriva
do casamento e do registro de nascimento lavrado com base nela, comprova-se mais tarde
que o pai registral não é o biológico nem o socioafetivo.
67
Como quando o empregador que promove desconto em folha equivoca-se e transfere
valor maior que o que deve ser pago.
68
Como quando aquele que recebe alimentos encontra novo núcleo de conjugalidade e não
mais precisa da verba alimentar.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 33
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Dentre os autores que sustentam a necessidade de mitigação dos efeitos


da característica da irrepetibilidade, Carlos Roberto Gonçalves reconhece que
embora os alimentos destinem-se ao consumo daquele que deles necessita,
será possível postular a repetição dos valores pagos se houver dolo em sua
obtenção e na hipótese de erro no pagamento.69 Idêntica é a opinião de Ar-
naldo Marmitt.70 Fernanda Tartuce se insurge contra as situações em que há
dolo do devedor.71 No mesmo viés Silvio Venosa defende a mitigação da ideia
da irrepetibilidade da verba alimentar quando houver erro quanto à pessoa
de credor ou na hipótese de desconto equivocado, por excessivo, em folha
de pagamento.72 Belmiro Pedro Welter, por sua vez, focando sua argumen-
tação na demora do processo e na incorreção de decisões interlocutórias ou
sentenças com recursos pendentes, sustenta que a dogmatização da ideia
de irrepetibilidade chega a fomentar uma indústria. Segundo o autor, em
certos casos, após ampla prova e aferindo-se que ao devedor se impôs o
pagamento de valores indevidos, ainda sim “a propriedade lhe é confiscada
sob o manto da legalidade”.73 Rolf Madaleno, aliás, argumenta ainda que nos
pleitos exoneratórios, restando provado o desaparecimento da necessidade
do credor, esse deverá reembolsar o que recebeu.74
Fica claro que o paradigma utilizado nos argumentos destacados está
atado a duas premissas muito pontuais: a perspectiva voluntarista e as
mazelas do processo. Em linhas gerais, parte dos argumentos considera

69
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, v. 4. p. 471.
70
MARMITT, Arnaldo. Pensão alimentícia. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 21-22.
71
TARTUCE, Fernanda. Alimentos indevidos: exoneração e repetição. Revista Brasileira de
Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 9, p. 101-124, abr./mai. 2009. p. 116.
72
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.
356.
73
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 36-38.
74
MADALENO, Rolf. Alimentos e sua restituição judicial. Revista Jurídica, Porto Alegre, n.
211, p. 5-13, mai/2005, p. 7-12.
34 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

que se houver vício na esfera volitiva será possível pensar em repetição


do indébito. O lastro desses argumentos parece estar atado ao paradigma
voluntarista que informava o pagamento indevido, construído, vale lembrar,
para solucionar problemas de índole patrimonial. Os últimos têm em conta
alguns problemas que somente se manifestam na seara processual. Todos
eles ignoram, entretanto, que a baliza nesses casos é outra, cujo foco se
encontra no objeto tutelado e não na vontade declarada, e na natureza da-
quele perante o credor, que como visto, é manifestamente existencial. Essa
carga axiológica não pode ser ignorada, ainda que na praxis, os processos
não tramitem na celeridade necessária e neles não sejam proferidas decisões
que relevem as intersubjetividades e contingências atadas a cada hipótese
surgida no mundo dos fatos.75
Ratifique-se, no conflito de interesses que surge do pagamento indevido
de verba de natureza alimentar, deve ser considerado mais relevante o do
accipiens, diante da natureza existencial que o recheia, quando comparado
com o do solvens e do caráter patrimonial que a verba representa para ele.
Vale lembrar que analisados a partir da perspectiva prestacional, os direitos
fundamentais76, ao mesmo tempo em que se apresentam como parâmetros
hermenêuticos hábeis a balizar a mediação das regras e princípios infracons-
titucionais quando da realização do direito, se apresentam de forma a vedar a

75
TARTUCE, Fernanda. Alimentos indevidos: exoneração e repetição. Revista Brasileira de
Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 9, p. 101-124, abr./mai. 2009. p. 120-121. A
autora sugere que nas demandas exoneratórias (e isso poderia se estender a outras deman-
das (?)) o valor dos alimentos (ou parte dele) poderia ser consignado em juízo até decisão
final. De fato, se o pedido de exoneração for provido, não haverá problema algum, diante do
conteúdo declaratório que essa decisão parece carregar. Ocorre que há de se indagar quais as
conseqüências caso esse mesmo pedido de exoneração não for deferido e o dever alimentar
for mantido? Nesse caso poderão ser nefastas, já que o prejuízo será de ordem imaterial. As-
sim, impende refletir que se nos pleitos exoneratórios (e nos demais) houver prova verossímil
do direito material sustentado, nada impedirá decisões lastreadas em juízos antecipados. É
evidente que isso exigirá maior responsabilidade de todos que estão envolvidos no processo,
mas não é essa uma necessidade atual?
76
E os alimentos aparentemente preenchem essa noção diante dos objetivos que se propõe
a realizar.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 35
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

adoção de comportamentos que atentem impedir a realização de seus fins77.


Parece mesmo ser possível pensar que os riscos, diante do sopesamento dos
valores em jogo, são impostos ao devedor, que supostamente terá melhores
condições de suportá-los. Desse modo, embora sedutores, tais argumentos
não resistem a uma análise mais atenta. Autorizar a repetição, a compensação
ou mesmo demandas lastreadas no abuso de direito78 implicará na violação
reflexa de um direito fundamental. Como diria o poeta: a mão que afaga é a
mesma que apedreja. Isso não quer dizer necessariamente que esse último
não possa de algum modo ressarcir-se; tema que fecha, logo à frente, essas
reflexões.
Retomando os argumentos em favor da possibilidade de repetição do
indébito Rolf Madaleno se insurge contra o paradigma da irrepetibilidade.
Defende que tanto quando os filhos são maiores, como nas hipóteses em
que as partes provêm de uma relação de conjugalidade desfeita, é hialina
a possibilidade de ressarcimento dos alimentos indevidamente pagos. Fun-
damenta sua tese na possibilidade de acesso ao sustento pelo credor e nas
mazelas do processo.79 O problema é que uma vez mais não considera o
caráter existencial inerente os alimentos, perspectiva que independe da ca-
pacidade do credor e que sempre permeia a relação e que as premissas que
informam a matéria não estão ligadas à autoridade parental, mas aos laços
de ancestralidade80 e à solidariedade social.

77
SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na constituição de 1988, Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 30, p. 97-124, abr./jun. 1999. p. 117-118.
78
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo:
Método, 2008. p. 408-411. Os autores defendem essa última perspectiva.
79
MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 1998. p. 47-61. Justifica que em relação aos filhos maiores e capazes, porque já não
existe mais o poder familiar e as necessidades já não são mais presumidas nem absolutas, de
sorte que o crédito pensional passa a ser exceção.
80
COLTRO, Antônio Carlos Mathias. Alimentos e maioridade: a súmula STJ 358. Revista
Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 06, p. 102-108, out./nov. 2008.
p. 103-108.
36 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Outra tese digna de nota pauta-se na controvérsia quanto à forma, mo-


mento e consequências da exoneração. Discute-se se a mesma deve operar
automaticamente diante da maioridade ou de outra causa excludente, com
risco de acarretar prejuízos ao alimentado ou se deve ocorrer apenas ao final
de ação exoneratória, podendo acarretar, nesses casos, prejuízos ao devedor,
enquanto o credor, confiante na irrepetibilidade dos alimentos, poderia se
valer da demora do processo.81 Sustenta-se, por consequência, que se ao
fim da ação exoneratória restar patente que o alimentante possuía recursos
próprios ou condição de auferi-los impõe-se a restituição, pois, soa injusto
não restituir alimentos claramente indevidos nesse estágio da independência
do credor.82
A aludida tese, de viés notadamente patrimonialista, desconsidera algumas
perspectivas relevantes. Primeiro a de que se a situação permite vislumbrar
de plano a desnecessidade de alimentos, nada obsta, em sede de cognição
sumária, que a eficácia do dever alimentar seja, no mínimo, temporariamente
suspensa. Despreza ainda, diante da ponderação dos interesses em conflito,
que milita em favor do devedor, presunção de necessidade, que se justifica,
ressalte-se uma vez mais, no caráter existencial atribuído aos alimentos.
Enfim, despreza os comandos que exalam do “estatuto patrimonial do ser”.
Noutro viés, Sérgio Gischkow Pereira frisa que circunstâncias especiais
poderão levar a um resultado diverso da regra da irrepetibilidade, sob pena

81
O STJ consolidou a orientação de vedação à exoneração automática dos alimentos com
a maioridade do filho, com a edição da Súmula 358: “O cancelamento da pensão alimentícia
de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda
que nos próprios autos”.
82
MADALENO, Rolf. Alimentos e sua restituição judicial. Revista Jurídica, Porto Alegre, n.
211. p. 5-13, mai/2005. p. 11-12. Como discorre o autor, aos cônjuges ou conviventes impõe-se
dever social de buscar pessoalmente a própria subsistência com seu trabalho, provendo o
sustento corporativo dos filhos por eles gerados, conclusão que advém, também, da isonomia
conjugal.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 37
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de injustiça.83 Yussef Said Cahali entende, a seu turno, que eventuais exce-
ções devem ser pensadas ponderadamente, nada impedindo que os valores
pagos a mais sejam computados nas prestações vincendas, operando-se a
compensação dos créditos, desde que essa não comprometa a subsistência
do credor84, o que, reflexamente, autoriza a repetição de valores pagos a
título de alimentos.
Os argumentos são interessantes e a adesão aos mesmos é tentadora.
Porém, como o tema carece de sistematização, a mera alusão à injustiça do
caso concreto ou ao comprometimento da subsistência do credor são balizas
por demais variáveis, o que dificulta o transplante de tais noções para a reali-
dade dos fatos. Nunca é demais lembrar, que decorrentes do preenchimento
do conteúdo do que seja dignidade da pessoa humana, a despatrimonializa-
ção e a repersonalização das relações jurídicas, mormente das relações de
direito de família, são marcadas pela valorização de aspectos existenciais em
detrimento da elevada importância dada outrora ao viés patrimonial85 como
diretriz do processo de realização do direito.
Portanto, desconstruídos os argumentos tecidos pela doutrina em favor
da possibilidade teórica de repetir verba alimentar indevidamente paga, em
quaisquer casos, independentemente das intersubjetividades inerentes às

83
PEREIRA, Sérgio Gischkow. Ação de alimentos. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advoga-
do, 2007. p. 31-33. “O direito não pode trabalhar com teses definitivas e inquestionáveis. É
verdade que, em questão alimentar, as interpretações devem sempre ter em vista o prestígio
da verba alimentar, pois diz com a própria existência da pessoa e com a vida com dignidade;
mas, em algumas hipóteses, vetor mais elevado da justiça pode operar, como o de se evitar o
enriquecimento ilícito do credor de alimentos.”
84
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 2. ed. São Paulo: RT, 1993. p. 106. A perspectiva do
autor, ainda que elaborada em razão de argumentos de ordem mais filosófica, parece pautada
como as antes destacadas no paradigma voluntarista, como se extrai do exemplo utilizado:
“em casos como o da mulher que oculta dolosamente seu novo casamento, continuando a
receber alimentos do ex-esposo”; que apesar de previsto como hipótese de exoneração do
dever de prestar alimentos imposto ao ex-cônjuge, é regra de constitucionalidade, no mínimo,
duvidosa.
85
CARVALHO. Dimas Messias. Direito de família. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 9.
38 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

distintas situações que podem se apresentar como hipóteses de pagamento


indevido, parece mesmo prosperar a tese que veda tal pretensão. Ocorre que,
como antecipado, àquele que paga indevidamente, nem sempre se impõe o
prejuízo.
Desse modo, havendo imputação judicial86 ou assunção voluntária da
obrigação em desfavor de quem não seja parte na relação jurídica de pa-
rentalidade87 ou mesmo redistribuição do dever de sustento88, será possível
postular o reembolso do valor pago junto àquele que deveria responder pelos
alimentos. Nesse sentido, sem maiores explicações, Arnoldo Wald destaca
que se o pagamento foi realizado por quem não os devia, esse pode buscar
a restituição junto o verdadeiro devedor, nunca contra o alimentado.89 Com-
partilham da primeira parte desse entendimento, limitando-se a reproduzir
a assertiva anterior, Maria Helena Diniz90 e Pedro Belmiro Welter.91 Yussef
Said Cahali afirma que a tese é discutível. 92
Considerando que o enriquecimento sem causa se projeta no Direito sob
duas principais formas: princípio que atua como parâmetro hermenêutico e

86
O problema é bastante atual se analisada a questão dos alimentos gravídicos. Arnaldo
Rizzardo chama a atenção para o fato de que os alimentos devidos ao nascituro se justifi-
cam na proteção da personalidade desde a concepção do ser humano. Para concessão dos
alimentos gravídicos, os requisitos são a gravidez e indícios de quem seja o pai. RIZZARDO,
Arnaldo. Direito de família. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 760.
87
Como na hipótese de demanda dirigida a pai meramente aparente ou assumida por erro
do devedor, comprovados ulteriormente.
88
Como pode ocorrer quando o credor de alimentos constitui relação de conjugalidade e
o cônjuge ou o companheiro tem condições e passa a exercer o dever de sustento em sua
amplitude, sem que seja necessária a manutenção dos alimentos até então devidos.
89
WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: o novo direito de família. 14 ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 47.
90
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23 ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, v. 5. p. 573.
91
WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 47.
92
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 2. ed. São Paulo: RT, 1993. p. 117.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 39
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

fonte de obrigações93, parece razoável sustentar, acoplando ambas as vias,


que aquele que paga por outrem tem direito ao reembolso das quantias adim-
plidas. Há manifesta necessidade de combater o deslocamento patrimonial
injustificado. Disso não se duvida.
Ocorre que como sustentado acima, não há como compelir-se aquele que
recebe alimentos a repeti-los. Por outro lado, resta patente que o pagamento
de alimentos for efetuado por quem não seja parte na relação de direito
material, ainda que aquele que se beneficia desconheça esse fato e mesmo
a existência da própria relação, é inegável o indevido enriquecimento, pois,
deixou de ser compelido ou de assumir voluntariamente seu dever jurídico.
Em tais hipóteses, o enriquecimento deve ser enquadrado na modalidade:
resultado de despesas feitas por outrem94; sendo ululante o surgimento da
obrigação de ressarcir o valor pago95.
Tal situação estará configurada todas as vezes que se demonstrar que o
réu não é devedor ou que não é responsável pelo adimplemento por existir

93
KONDER, Carlos Nelson. Enriquecimento sem causa e pagamento indevido. In: TEPEDINO,
Gustavo (coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. p. 369.
94
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. O enriquecimento sem causa no novo código
civil brasileiro, Revista CEJ, Brasília, v. 8, n. 25, p. 24-33, abr./jun. 2004. p. 30. “No âmbito do
enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, está em causa o fato de alguém pagar uma
dívida alheia sem se enquadrar nas hipóteses em que se admite a transmissão do crédito, o
reembolso da despesa ou a restituição com base no enriquecimento por prestação. [...] Essa
fundamentação reside na existência de um incremento no patrimônio do enriquecido, que
não é conscientemente nem finalisticamente orientado pelo empobrecido, mas é suportado
economicamente pelo seu patrimônio. Esse sacrifício econômico determina a restituição do
enriquecimento. Assim, ao contrário do que se passa no enriquecimento por prestação, no
qual a frustração do fim visado com a prestação dá lugar à restituição, nessa categoria de
enriquecimento sem causa, determina a restituição o fato de o incremento patrimonial do
enriquecido ter origem em despesas suportadas pelo empobrecido, sendo por esse motivo
considerado tal enriquecimento “à custa de outrem”. Não se põe por isso um problema de
frustração do fim da prestação, inerente ao conceito de “ausência de causa jurídica”, mas
antes de sacrifício patrimonial, inerente ao conceito “à custa de outrem”.”
95
Se o reembolso será total ou parcial é um outro problema a ser enfrentado logo à frente.
40 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

alguém que deve ocupar essa posição jurídica. Enquanto exemplos, além
das já destacadas hipóteses de pagamento por quem não é parte na relação
jurídica de parentalidade, como é o caso da figura do pai aparente; e, da
redistribuição do dever de sustento, como no caso de ex-cônjuge que forma
novo núcleo de conjugalidade com quem tenha condições de assumir o dever
de sustento; vale ser lembrada ainda a situação dos devedores subsidiários.
Pensando em situações comuns nos núcleos de parentalidade, não são
apenas os pais que respondem pelos alimentos em prol da prole. Avós, bisa-
vós e mesmo irmãos, ainda que isso ocorra em caráter subsidiário, sucessivo
e complementar96, poderão ser compelidos ao pagamento de alimentos. E
isso ocorre em razão de explícita lógica: as necessidades existenciais do
alimentando. Pode se afirmar, assim, que tais parentes assumem a posi-
ção de garantidores existenciais, o que se dá sem que sejam responsáveis
diretos. Ora, parece razoável, portanto, sendo compelidos a complementar
parcial ou integralmente os alimentos devidos pelos pais, que os parentes
aqui denominados garantidores existenciais possam postular, daqueles, os
valores destinados ao alimentando, mormente quando quem tem o dever
de alimentar tenha melhor situação patrimonial ou patrimônio oculto. Nas
hipóteses pensadas, se como demonstrado acima97, o elemento subjetivo é
dispensado, bastando demonstrar que existe um devedor por força da re-
lação de direito material instituída ex lege e que outro fez o pagamento. No
que tange ao valor, esse deverá ser integral ou parcialmente reembolsado. O
paradigma aqui deve pautar-se pelas possibilidades do verdadeiro devedor e
nunca acima daquilo que foi efetivamente pago pelo falsus solvens. Há prazo

96
Consoante orientação extraída do Enunciado 342 da IV Jornada de Direito Civil do CJF:
“Observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar
alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não-solidário, quando
os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas
dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro dos
seus genitores.”
97
Vide item 04 desse estudo.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 41
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

para o exercício da pretensão aludida e esse sem dúvida deverá, em razão de


sua natureza prescricional, ser respeitado.
Por fim, também parece ser possível admitir que quando o pagamento é
realizado por meio de terceiro, havendo qualquer irregularidade a esse imputá-
vel, deverá reembolsar os valores indevidamente pagos. Como exemplo, se os
alimentos são retidos em folha de pagamento e há indevido desconto, quem o
promove deverá arcar com tais consequências, não podendo o devedor arcar
com o prejuízo, situação que se justifica, pelos argumentos já tecidos, mas
especialmente pela vulnerabilidade do devedor perante aquele que efetua,
de fato, a transferência patrimonial. Aqui o paradigma deve pautar-se no in-
tegral reembolso da quantia que fora indevidamente descontada do devedor.
Em apertada síntese é possível afirmar que haverá direito de postular
o reembolso quando devedor aparente (diverso do devedor na relação de
direito material) seja obrigado ao adimplemento98 ou haja erro do terceiro que
faz pagamento pelo e em prejuízo do devedor. Isso, desde que seja possível
postular a recomposição patrimonial junto à pessoa distinta do alimentando.
O enquadramento aqui não está atado à noção de pagamento indevido, mas
à hipótese de resultado de despesas feitas por outrem. Enfim, seja o credor
capaz ou incapaz, oriundo de relação de parentalidade ou conjugalidade,
não poderá ser compelido a repetir as verbas que recebera.

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98
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42 Doutrina REVISTA DE DIREITO
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Notas Sobre o Direito à Privacidade
E o Direito ao Esquecimento no
Ordenamento Jurídico Brasileiro 1

Marcos Ehrhardt Jr.


Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre
em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor
de Direito Civil da UFAL. Professor de Direito Civil e Direito do Con-
sumidor do Centro Universitário CESMAC. Pesquisador Visitante do
Instituto Max-Planck de Direito Privado Comparado e Internacional
(Hamburgo/Alemanha). Líder do Grupo de Pesquisa Direito Privado
e Contemporaneidade (UFAL). Membro do Grupo de Pesquisa Cons-
titucionalização das Relações Privadas (CONREP/UFPE). Editor da
Revista Fórum de Direito Civil (RFDC). Diretor Nordeste do Instituto
Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL). Membro do Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFAM) e do Instituto Brasileiro de Estudos
de Responsabilidade Civil (IBERC).

Gustavo Henrique G. Nobre


Mestrando em Direito Civil e Constitucional pela Universidade Federal de Alagoas. Membro da
Comissão de Sociedade de Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil-Seccional Alagoas. Advogado

Introdução

A privacidade – como um valor positivo e um direito – é uma conquista


das civilizações modernas, sendo possível situar no final do século XIX, um
dos períodos de mais intensa industrialização e urbanização humana, o
momento histórico mais significativo para o início do processo de expansão
de sua compreensão diante do impacto dos avanços tecnológicos experi-
mentados pela humanidade.
A invenção da fotografia, o surgimento das tecnologias de gravação de
áudio e vídeo, o processo de digitalização das tecnologias de comunicação
desde o fim dos anos 1980, entre tantos outros importantes avanços na
forma de interação dos sujeitos, formaram o grande ambiente de progresso
que culminou com a popularização comercial da internet. Em contrapartida,

- 45 -
46 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

passaram a representar, no campo da tutela dos direitos fundamentais dos


indivíduos, ameaças cada vez mais significativas à privacidade.
A compreensão do que se deveria entender por “direito à privacidade”
evoluiu de um conceito mais restrito, associado ao retiro e ao sossego, sob a
égide da expressão “direito de ser deixado em paz”, até abarcar novos institu-
tos jurídicos voltados para a proteção de interesses individuais na era digital,
por meio de mecanismos legais de controle e autodeterminação informativa,
entre os quais se destaca o ainda controverso “direito ao esquecimento”.
De acordo com o jurista americano Daniel J. Solove, a privacidade é,
hoje, um “conceito em desordem”2, sobretudo em razão da emergência da
sociedade de informação. A forma como as pessoas se relacionam com a
privacidade mudou, seja pelo uso das redes sociais e a exposição pessoal
por meio delas, seja pelo mercado de informações existente na Internet que
se utiliza de dados pessoais dos usuários para ganho econômico.
Isto posto, o presente artigo não busca apresentar-se como uma con-
tribuição de caráter definitivo para a ampla compreensão histórico-jurídica
da privacidade e seus contornos mais atuais.
Busca-se, tão só, apresentar um resumo do estado atual do debate
jurídico acerca da privacidade em sua expressão mais contemporânea, em
sua característica tridimensional e, em especial, naquilo que lida mais estri-
tamente com o controle de informações pessoais na era das mídias digitais:
o direito ao esquecimento.

1. A Privacidade como Valor e Direito Moderno e


o seu Lugar no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A privacidade, tal como concebida atualmente – em um sentido positivo


–, é um valor das sociedades modernas. Na Antiguidade, quando se prezava

2
SOLOVE, Daniel J. Understanding Privacy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2008, p. 1-2.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 47
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

a participação na vida pública acima de qualquer valor individual, “privado”


guardava o sentido negativo de “sofrer privação”, de ser “destituído”. Sig-
nificava, portanto, não estar envolvido nos assuntos de interesse geral da
comunidade.3
Depois de vários séculos em que o valor de um homem era essencialmen-
te medido pela sua participação, ou não, na vida pública, as constituições
político-jurídicas das sociedades modernas, com seu conceito de liberdade
focado nos direitos individuais, fizeram que a ideia de valor pessoal ou de
dignidade fosse migrando de uma atribuição da vida pública para algo que
floresce através do exercício da autonomia individual, concebendo-se assim
um conteúdo positivo para a ideia de se buscar um espaço privado para si
mesmo: privacidade.
A palavra “privacidade”, embora tenha origem no latim, acabou se tor-
nando um termo amplamente associado à cultura anglicana e à língua inglesa
– privacy­ –, em razão do notável uso desta palavra por escritores, filósofos
e juristas britânicos no início da era moderna4, tendo a Grã-Bretanha como
um dos primeiros centros culturais do Ocidente modernizado.
Associada à ideia de autonomia e liberdade, Richard Posner5 argumen-
ta que a conquista da privacidade é, pois, um valor moderno, socialmente
experimentado muito em razão do desenvolvimento econômico e cultural
que os povos ocidentais experimentaram desde o século XVII, que concedeu
aos indivíduos maior segurança física e autonomia para a construção de
suas próprias esferas individuais de interesse, desatreladas das vontades
de ordem coletiva.

3
BRENNAN, T. Cooley. The Praetorship in the Roman Republic. Nova York: Oxford University
Press, 2000, passim.
4
Sobre a etimologia da palavra privacidade, cf. DONEDA, Danilo. Da Privacidade à Proteção
de Dados Pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 107.
5
POSNER, Richard. The Right of Privacy. Georgian Law Review. Athens, Geórgia, v. 12, n. 3,
1978, p. 395-396.
48 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Embora as constituições do Ocidente de fins de século XVIII já reconhe-


cessem a importância das liberdades individuais e da separação entre espaço
público e privado, amparadas em valores iluministas e liberais difundidos
à época, somente em meados para o fim do século XIX é que surgiram as
primeiras obras jurídicas sobre a privacidade enquanto um direito, e não
apenas um valor social, sendo estas obras publicadas primariamente nos
Estados Unidos.
O clássico artigo “The Right to Privacy” dos juristas americanos Samuel
Warren e Louis Brandeis – originalmente publicado em 1890 – é, por certo,
o grande marco teórico fundamental para o desenvolvimento do direito à
privacidade, não só na doutrina e na jurisprudência dos Estados Unidos,
como também para todo o resto do mundo.6
A questão da privacidade para os americanos veio a se tornar um as-
sunto de considerável interesse jurídico apenas no final do século XIX, a
partir do momento em que pessoas passaram a se incomodar com a coleta
ou a divulgação de informações acerca de fatos pessoais indesejáveis sobre
elas, um fenômeno tipicamente atrelado à expansão urbana das sociedades
industriais e ao crescimento da imprensa, sobretudo dos tabloides de fofoca.
Este foi, ademais, o pano de fundo para o artigo escrito por Samuel Warren
em parceria com Louis Brandeis: a exposição abusiva da vida da sra. Warren,
esposa de Samuel, pela imprensa “marrom”.7
O artigo de Warren e Brandeis8, que amparava seus argumentos jurídicos
nessa invasão de privacidade sentida pelos cidadãos americanos aos fins

6
Neste sentido, a jurista Dorothy J. Glancy comenta que o artigo de Samuel Warren e Louis
Brandeis seria responsável pela própria “invenção” do direito à privacidade nos Estados Uni-
dos. GLANCY, Dorothy J. The Invention of the Right to Privacy. Arizona Law Review, Tucson,
Arizona, v. 21, n. 1, 1979, passim.
7
Para mais comentários e detalhes sobre o referido caso, cf. EHRHARDT JR., Marcos; PEI-
XOTO, Erick Lucena Campos. Breves Notas sobre a Ressignificação da Privacidade. Revista
Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte, v. 16, abr./jun. 2018, p. 38-41.
8
WARREN, Samuel; BRANDEIS, Louis. The Right to Privacy. Civilistica.com. Rio de Janeiro,
a. 2, n. 3, jul.-set./2013.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 49
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de século XIX com o crescimento do jornalismo sensacionalista, acabou por


tornar a expressão ‘right to be let alone’ mundialmente conhecida entre os
juristas que lidam com a questão do direito à privacidade.
Aliás, diga-se, Warren e Brandeis, apesar de terem adotado a referida
expressão, não delimitaram o conceito de privacidade como sendo um “direito
de ser deixado em paz”, apenas tomaram emprestado o termo originalmente
utilizado pelo magistrado americano Thomas Cooley9 em uma de suas obras
sobre proteção da pessoa pelas regras de responsabilidade civil extracontratual.
Bem, muitas décadas, a jurisprudência e a doutrina americanas sofreram
notável evolução na segunda metade do século XX, passando os juristas
americanos a relacionar o sentido contemporâneo de privacidade ao de con-
trole do indivíduo sobre suas informações pessoais. Alan Westin, importante
jurista americano para este progresso conceitual, definiu a privacidade como
“o direito de indivíduos, de grupos ou de instituições de determinar por si
mesmos quando, como e em que extensão as informações que dizem respeito
a eles são comunicadas a terceiros”.10
O conceito estabelecido por Alan Westin o coloca muito próximo dos
juristas europeus contemporâneos, como Stefano Rodotà, que concebem a
privacidade como uma forma de o indivíduo, por meio do controle de suas

9
Conforme citação do próprio texto de Warren e Brandeis (Op. cit., p. 2-3), no original:
“Recent inventions and business methods call attention to the next step which must be taken
for the protection of the person, and for securing to the individual what Judge Cooley calls the
right “to be let alone”. Instantaneous photographs and newspaper enterprise have invaded
the sacred precincts of private and domestic life; and numerous mechanical devices threaten
to make good the prediction that what is whispered in the closet shall be proclaimed from
the house-tops”.
10
No original: “the claim of individuals, groups, or institutions to determine for themselves
when, how, and to what extent information about them is communicated to others”. WESTIN,
Alan. Privacy and Freedom. Nova York: Ig Publishing, 2015, p. 5.
50 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

próprias informações, determinar “[...] as modalidades de construção da


esfera privada em sua totalidade”.11
Dito isto, apesar destes fortes pontos de contato, o direito à privaci-
dade nos EUA permanece extremamente atrelado ao valor fundamental da
liberdade, ao passo que a doutrina jurídica da Europa continental há bom
tempo passou a fundamentar o direito à privacidade não só na liberdade
individual, mas na tutela da dignidade da pessoa humana12, cujo fundamen-
to de validade transcende, ao menos na maior parte dos sistemas jurídicos
nacionais contemporâneos, o âmbito de proteção restrito da liberdade indi-
vidual, o que torna a defesa jurídica da privacidade revestida de muito mais
peso argumentativo nos países europeus quando esta é confrontada pelas
liberdades de expressão e de imprensa.13
Enquanto isso, no Brasil, o direito à privacidade encontra-se positivado
no Código Civil em seu artigo 2114, sobre o signo de “vida privada”, enquanto
que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º15, inciso X, trata da
inviolabilidade da “intimidade”, da “vida privada” e da “imagem” – além da
“honra” – como direitos fundamentais, direitos estes que compõem o escopo
jurídico da privacidade.

11
RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade de Vigilância: A Privacidade Hoje. Trad. Maria
Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 129.
12
EHRHARDT JR., Marcos; PEIXOTO, Erick Lucena Campos. Breves Notas sobre a Ressignifi-
cação da Privacidade. Revista Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte, v. 16, abr./jun. 2018,
p. 45-46.
13
Sobre a relação entre visão americana e visão europeia de privacidade, cf. WERRO, Franz.
The Right to Inform v. The Right to be Forgotten: A Transatlantic Clash. In: CIACCHI, Aurelia
Colombi et al (orgs.). Liability in the Third Millennium: Liber Amicorum Gert Bruggemeier.
Bade-Bade: Nomos Verlagsgesellschaft, 2009, p. 292.
14
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interes-
sado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta
norma. 
15
Art. 5º [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
REVISTA DE DIREITO Doutrina 51
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

A melhor forma de se compreender o direito à privacidade, pois, es-


pecialmente na sociedade contemporânea, é entendê-lo como um “termo
guarda-chuva”, de modo que dentro do âmbito maior do direito à privacidade
encontram-se outros direitos menores e mais específicos16, como o direito à
vida privada, o direito à intimidade, o direito à honra subjetiva, o direito à
imagem, tal como previstos na Constituição, assim como, também, o direito
à proteção dos dados pessoais.17
Atente-se que o formato “guarda-chuva” da significação atual da privaci-
dade não implica, portanto, que as novas “concepções” de direito à privacidade
surgem para substituir conceitos antigos. Os diversos conteúdos abarcados
no instituto jurídico da privacidade podem e devem coexistir normalmente,
dentro de uma compreensão mais ampla de privacidade.
Aliás, neste momento de profundas mudanças em relação à dinâmica
entre privacidade e novas tecnologias, Rodotà18 se refere a alguns novos di-
reitos surgidos ou renovados na atual era digital, entre os quais o direito ao
esquecimento, o qual será objeto de abordagem especial em tópico posterior
deste artigo.

16
Neste sentido, cf. EHRHARDT JR., Marcos; PEIXOTO, Erick Lucena Campos. Breves Notas
sobre a Ressignificação da Privacidade. Revista Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte, v.
16, abr./jun. 2018, p. 47.
17
Importante salientar que para alguns juristas europeus, o direito à proteção dos dados
pessoais é um direito autônomo em relação ao direito à privacidade. Esta interpretação de
juristas europeus é reflexo da Carta de Direitos Fundamentais da União, que trata em separado
da vida privada, em seu artigo 7º, e do direito à proteção de dados pessoais, no artigo 8º.
Nesse sentido: “Se tutela el cuerpo ‘físico’ afirmando que todos tienen derecho al respeto a
la integridad física y psíquica prohibiendo en consecuencia la eugenesia masiva, la clonación
reproductiva, los usos mercantiles del cuerpo. Se tutela el cuerpo ‘electrónico’ considerando la
protección de los datos personales como un autónomo derecho fundamental, diferente a la
tradicional idea de privacidad”. (Cf. RODOTÀ, Stefano. El Derecho a Tener Derechos. Madrid:
Editoria Trotta, 2014, p. 81).
18
RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade de Vigilância: A Privacidade Hoje. Trad. Maria
Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 134-135.  
52 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

A privacidade é, logo, entre os chamados direitos de personalidade,


aquele que está sujeito a sofrer maiores variações em sua amplitude con-
ceitual e em seu campo e grau de proteção, sobretudo diante dos novos e
cada vez mais rápidos avanços tecnológicos nos meios públicos e privados
de comunicação, o que torna a pessoa humana vulnerável a certas invasões
em sua esfera pessoal às quais não estaria sujeita em um passado bem pouco
remoto, principalmente agora, com a popularização da internet e a conse-
quente formação de um mercado informacional vasto e de difícil controle
pelo titular dos dados.
Portanto, o entendimento atual dos civilistas da tradição civil law, e
também de parte considerável dos juristas da tradição common law, é de
que, “além da garantia à inviolabilidade de seu domicílio, ao sigilo de sua
correspondência e ao segredo profissional”, ou de outros tipos de controle
relativos a questões mais estritas ao espaço de consentimento privado, “[...]
deve-se assegurar ao indivíduo a possibilidade de controlar aquilo que diz
respeito ao seu modo de ser no âmbito mais íntimo de vida privada [...],
excluindo do conhecimento de terceiros”19, podendo-se buscar a reparação
ou a contenção dos danos no caso de informações privadas virem a circular
socialmente sem a anuência da pessoa sobre as quais elas recaem, inclusive
se estes dados puderem ser classificados como “imprecisos”, “defasados” ou
“desnecessários” – o que leva ao ponto central do direito ao esquecimento,
a ser tratado no tópico a seguir.
Como Rodotà20 destaca, a noção de direito à privacidade passou do
eixo da “pessoa-informação-segredo” para o eixo da “pessoa-informação-cir-
culação-controle”, de forma que o titular do direito à privacidade “[...] pode
exigir formas de circulação controlada, e não somente interromper o fluxo
das informações que lhe digam respeito”.

19
EHRHARDT JR., Marcos. Direito Civil: LINDB e Parte Geral, Vol. 1. Salvador: Juspodivm,
2011, p. 246.  
20
RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade de Vigilância: A Privacidade Hoje. Trad. Maria
Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 93.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 53
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

No Brasil, no enunciado de número 404 da V Jornada de Direito Civil, o


Conselho da Justiça Federal referenda uma nova interpretação ao artigo 21 do
Código Civil, acerca da concepção contemporânea do direito à privacidade21,
sendo este considerado um direito “trifásico” ou tridimensional.
Daniel Bucar22, proponente do enunciado nº 404, entende que o direito
à privacidade compreende três modalidades de controle pessoal de dados:
o espacial, o contextual e o temporal, decorrendo, deste último, o “direito ao
esquecimento”. Evoluindo-se a partir de tal perspectiva, que para um leitor
mais desavisado pode sugerir a falsa impressão de rigidez em suas catego-
rias, é mais adequado vislumbrar o direito à privacidade de uma maneira
tridimensional, o que permite maior flexibilidade quanto à expansão de seu
alcance nos tempos complexos do século XXI.
Segundo tal compreensão, é possível dividir o direito à privacidade em
três grandes dimensões: espacial, informacional e decisional; cada uma dessas
mantém pontos de contato com as demais, criando situações híbridas em que
duas ou as três dimensões podem ser o objeto do controle de privacidade por
parte do indivíduo23. É exatamente o que ocorre com o denominado “direito
ao esquecimento”, que normalmente pode ser encontrado em um ponto de
interseção entre a dimensão informacional e a decisional da privacidade.

2. O Direito ao Esquecimento
Em definição bem sintética, o direito ao esquecimento pode ser conceituado
como “o direito de uma determinada pessoa não ser obrigada a recordar, ou ter

21
“A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual
e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para o trata-
mento de informações que versem especialmente sobre o estado de saúde, a condição sexual,
a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas”.
22
BUCAR, Daniel. Controle Temporal de Dados: o Direito ao Esquecimento. Civilistica.com.
Rio de Janeiro, a. 2, n. 3, jul.-set./2013, p. 7.
23
Para uma visão mais aprofundada das três dimensões da privacidade, cf: EHRHARDT JR.,
Marcos PEIXOTO; Erick Lucena Campos. Breves Notas sobre a Ressignificação da Privacidade.
Revista Brasileira de Direito Civil. Belo Horizonte, v. 16, abr./jun. 2018, p. 47 e ss.
54 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

recordado certos acontecimentos de sua vida”24, tratando-se, pois, de um


novo aspecto jurídico do direito à privacidade25.
Embora o debate sobre direito ao esquecimento tenha se intensificado
no Brasil apenas na presente década, sobretudo após as decisões do STJ nos
casos da Chacina da Candelária e Aída Curi26, Otávio Luiz Rodrigues Júnior27
argumenta que vários juristas brasileiros de renome discorreram sobre a
temática entre os anos 1990 e início dos anos 2000, alguns deles, como Luiz
Alberto David Araújo28 e René Ariel Dotti29, assentados na doutrina francesa
do droit à l’oubli – literalmente, direito ao esquecimento.
O corrente desejo ou, mesmo, a necessidade de se implementar instru-
mentos jurídicos para o controle de informações pessoais, sobretudo quando
estas se tornam obsoletas ou prejudiciais aos seus titulares com o decurso
do tempo ou perda de seu contexto, fez “ressurgir” no debate jurídico o
atualmente polêmico direito ao esquecimento.

24
CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Luís Holanda. Direito Civil: Da Memória ao Esquec-
imento. In: CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Vivianny (orgs.). Direito à Memória e Direito
ao Esquecimento. Maceió: Edufal, 2015, p. 22.
25
Neste sentido: SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2014,
p. 170.
26
Para comentários sobre estes dois julgados do STJ, o caso da chacina da Candelária, Resp
nº 1.334.097/RJ, e o caso Aída Curi, Resp nº 1.335.153/RJ, cfr: EHRHARDT JR., Marcos; ACIOLI,
Bruno de Lima. Uma Agenda para o Direito ao Esquecimento no Brasil. In: HIRONAKA, Giselda;
SANTOS, Romualdo Baptista dos (coord.). Direito Civil: Estudos - Coletânea do XV Encontro
dos Grupos de Pesquisa – IBDCivil. São Paulo: Blucher, 2018, p. 130-134.
27
RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Brasil debate Direito ao Esquecimento desde 1990.
Revista Consultor Jurídico, Coluna de Direito Comparado. São Paulo, 27 nov. 2013. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-brasil-debate-direito-esquec-
imento-1990>. Acesso em: 01 abr. 2018.
28
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional da Própria Imagem: Pessoa Física,
Pessoa Jurídica e Produto. São Paulo: Verbatim, 2013.
29
DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1980.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 55
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Bem, cumpre salientar que não são poucas as ressalvas e as críticas


apontadas para o uso de um direito ao “esquecimento”, ao menos em seu
caráter terminológico. De fato, o termo adotado padece de certa obscurida-
de, e pode levar aos menos desavisados ou aos mais céticos a ideia de que
o “esquecimento” contido em tal direito busca o “apagamento” da memória
coletiva ou a manipulação de fatos pretéritos. O direito ao “esquecimento”,
por óbvio, jamais poderia ter este condão dentro de um regime democrático
alicerçado pelo Estado de Direito.30
A expressão “direito ao esquecimento”, por outro lado, adentrou o voca-
bulário jurídico já há algum tempo, tanto na doutrina, como na jurisprudência
e na legislação comparada, de modo que seu uso acaba se fazendo necessário
por uma questão de tradição31, mesmo que se concorde que a terminologia
não seja das mais adequadas, pois o que está por trás do “direito ao esque-
cimento” é nada mais do que a defesa da privacidade32.

30
Como bem salienta Pablo Dominguez Martinez, o assim chamado “direito ao esquecimento”
“[...] não diz respeito aos aspectos macro do ‘esquecimento’. Não se trata de apagar os grandes
eventos, principalmente aqueles de extrema violência e com implicações diretas aos direitos
humanos”. MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao Esquecimento: A Proteção da Memória
Individual na Sociedade de Informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 70.
31
O mesmo argumento é sustentado por Ingo Sarlet e Arthur Ferreira Neto: “[...] não se
pode também perder de vista que, em determinados casos, a convenção de uma nomenclatura
específica encontra-se tão arraigada no senso comum, é reproduzida de forma tão reiterada
pela doutrina e é utilizada com tamanha freqüência pelos tribunais que a tentativa de sua
substituição por outros termos – mesmo que sabidamente mais adequados e precisos – poderá
ser inútil, excessiva e até arbitrária”. SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O
Direito ao “Esquecimento” na Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2019, p. 175.
32
Como sustenta Sérgio Branco: “Tratando-se a privacidade contemporânea como a pos-
sibilidade de controle sobre dados pessoais, em cujo debate se inserem fortemente conceitos
como consentimento para coleta e tratamento de dados e sua finalidade, parece-nos que a
definição é suficiente para abarcar o que se considera como direito ao esquecimento. Ou seja,
apesar da nomenclatura distinta, deveria estar circunscrito ao direito de privacidade, sendo
um aspecto dele. Afinal, se até mesmo dados que pouco ou nada revelam sobre seu titular são
objeto de proteção pelo direito de privacidade, com igual razão devem ser tutelados, sob o
mesmo direito, dados pretéritos que podem vir a causar dano ao titular caso sejam revelados
56 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

A proposta de se estabelecer ferramentas jurídicas para o controle tem-


poral sobre as próprias informações – o direito ao esquecimento – tem uma
ligação direta com o rápido crescimento econômico e a expansão tecnológica
experimentados pela humanidade nas últimas décadas, cuja maior invenção
recente é o acesso a uma massiva quantidade de informações disponível em
uma rede mundial de computadores interligados por um sistema global de
protocolos denominado de Internet.
Com a Internet, estabeleceu-se um novo paradigma de arquivamento de
informações. Atualmente, dados pessoais não apenas são coletados em grande
quantidade e com maior eficiência por meio da rede mundial de computadores,
como, também, as informações coletadas podem ser facilmente relacionadas
a uma pessoa conhecida ou indentificável33, trazendo grande risco de danos
à personalidade, sobretudo quando se lida com dados sensíveis.
O risco da “exposição ininterrupta” de dados sensíveis, sobretudo na
internet, leva à constatação da considerável perda da capacidade que as
pessoas naturais têm hoje de proteger a própria identidade e as escolhas
pessoais de vida de danos presentes ou futuros.
A forma como as informações são tratadas e armazenadas nos compu-
tadores geram o temor sobre um efeito de “eternidade” sobre os erros, os
rastros e lembranças passadas deixados pelos usuários na rede. Afinal, a
arquitetura da rede foi feita para não esquecer34.
Pretende-se, então, por força do direito ao esquecimento, que determina-
das informações sejam apagadas ou ocultadas quando atingirem a finalidade

tempos depois” (BRANCO, Sérgio. Memória e esquecimento na internet. Porto Alegre: Arqui-
pélago Editorial, 2017, p. 171).
33
Para mais comentários, ver: SZEKELY, Ivan. The Right to be Forgotten and the New Archival
Paradigm. In: GHEZZI, Alessia et al (orgs.). The Ethics of Memory in a Digital Age: Interrogating
the Right to be Forgotten. Basingstoke: Palgrave Macmillan Memory Studies, 2014, p. 32.
34
LINS, Thiago. Análise da aplicação do direito ao esquecimento no julgamento do REsp
nº 1.631.329-RJ. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCilvil, Belo Horizonte, v. 15, p. 177-197,
jan./mar. 2018, p. 178.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 57
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

para a qual foram coletadas ou, ainda, depois de transcorrido algum tempo
após estes dados serem originalmente coletados ou divulgados.35
Dito isso, os adeptos do direito ao esquecimento defendem a criação e a
utilização de mecanismos legais para que se possa contestar a permanência
de dados antigos na internet, assim como para restringir a transmigração de
informações do meio analógico para os arquivos digitais em rede, visto que
“[...] não caberia ao indivíduo ver novamente fatos, que já havia há muito
superados, trazidos à tona por uma mera atualização de arquivos para o
sistema digital, gerando um dano à sua personalidade”.36
Devido ao advento da Internet e seu novo paradigma de arquivamento
de dados, a ideia de direito ao esquecimento na era digital se sustenta, prin-
cipalmente, em ofertar a possibilidade jurídica de uma pessoa requerer às
páginas de Internet que retirem de seus arquivos ou sistemas determinadas
informações antigas ou descontextualizadas de caráter pessoal que se en-
contram publicamente acessíveis na rede.37

2.1. Origem, Formas e Conteúdo do Direito ao


Esquecimento

É preciso começar esse subtópico com o alerta de que o direito ao es-


quecimento tem sido equivocadamente, por muitas vezes, tratado na dou-
trina nacional e estrangeira como uma espécie de direito que, além de novo,
seria unitário em forma e em conteúdo. Dois professores da Universidade

35
RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade de Vigilância: A Privacidade Hoje. Trad. Maria
Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 134-135.
36
CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Luís Holanda. Direito Civil: Da Memória ao Esquec-
imento. In: CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Vivianny (orgs.). Direito à Memória e Direito
ao Esquecimento. Maceió: Edufal, 2015, p. 40.
37
CASTELLANO, Pére Simon. El Régimen Constitucional del Derecho al Olvido Digital. In:
PEÑA-LOPEZ, Ismael et al. (orgs.). La Neutralidad de la Red y outros Retos para el Futuro de
Internet. Barcelona: Hyugens Editorial, 2011, p. 395.
58 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de Toulouse, pois, Gregory Voss e Céline Castets-Renard, desenvolveram um


intenso trabalho de pesquisa pelo qual subdividem e classificam o direito ao
esquecimento em outras categorias jurídicas menores, afastando a ideia de
que há uma forma ou conteúdo único nesse direito.
Realizando um exercício de taxonomia a partir de variações no objeto
almejado e de diferenças na dimensão de proteção ou, mesmo, no campo de
aplicação, Voss e Castets-Renard38 afirmam que o direito ao esquecimento
é uma espécie de termo “guarda-chuva”, que pode se referir a mais de um
significado – ou direito:
a) right to rehabilitation (direito à reabilitação);
b) right to deletion/erasure (direito ao apagamento);
c) right to delisting/delinking/de-indexing (direito à desindexação).
d) right to obscurity (direito à obscuridade);
e) right to digital oblivion (direito ao esquecimento digital).
Tendo-se em vista, pois, a amplitude e a complexidade com que Voss e
Castets-Renard lidam com as várias categorias do direito ao esquecimento,
do seu significado amplo aos seus significados mais restritos, a classificação
sugerida pelos autores será utilizada ao longo deste trabalho, sendo tecidas
críticas e feitas contextualizações, quando necessário.

A) Direito à Reabilitação

O direito à reabilitação, de acordo com Voss e Castets-Renard39, é o


direito de uma pessoa que cumpriu sua pena perante a Justiça ou que foi
absolvida em processo penal ter seu passado criminal esquecido.

38
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 298-299.
39
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Céline. Proporsal for an International Tax-
onomy on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of
REVISTA DE DIREITO Doutrina 59
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Este direito é bem reconhecido no âmbito das legislações penais que de-
terminam o apagamento do nome do ex condenado dos cadastros criminais,
em uma relação típica entre indivíduo e o Estado persecutor.
Como comentado por José Barros e Holanda Galvão40, as ciências crimi-
nais, há algum considerável tempo, “[...] têm trabalhado com certa facilidade
com o trânsito entre a memória e o esquecimento”. É típico, pois, das ciências
criminais, por se encontrarem no campo do Direito Público e lidarem com o
“direito de punir” exercido pelo Estado contra o indivíduo, que formas jurídicas
de esquecimento – ou de perdão – sejam implementadas para que se possa
facilitar a reinserção da pessoa em sua comunidade.
Por sua vez, no campo das relações privadas, o histórico de aplicação
de um “direito à reabilitação” é mais recente e, também, mais controvertida,
justamente por recair sobre uma área do Direito que historicamente se baseia
na autonomia e na horizontalidade.
Dois casos icônicos, neste sentido, merecem alguns comentários: o caso
Melvin v. Reid, nos EUA, e o caso Lebach, na Alemanha.
Embora Voss e Castets-Renard sequer citem tais casos em seu traba-
lho, a associação entre estes famosos julgamentos e o conceito de direito à
reabilitação proposto pelos autores é quase imediata, de forma que é válido
lhes traçar algumas linhas.
O caso Melvin v. Reid, julgado pela Suprema Corte da Califórnia no início
dos anos 1930, enfrentou a questão da lembrança do passado criminal de
uma ex prostituta no filme Red Kimono, exibido nos cinemas no ano de 1929.
A prostituta Gabrielle Darley foi notícia nos principais jornais america-
nos no início dos anos 1910 ao responder pelo crime de matar seu alcovi-
teiro, sendo absolvida em júri desta acusação em 1915. Anos mais tarde, ela

norms. Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 300.


40
CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Luís Holanda. Direito Civil: Da Memória ao Esquec-
imento. In: CORREIA JR., José Barros; GALVÃO, Vivianny (orgs.). Direito à Memória e Direito
ao Esquecimento. Maceió: Edufal, 2015, p. 22.
60 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

abandonaria a prostituição e se casaria, passando a viver uma vida comum


e anônima como a senhora Melvin. Sua sorte mudou novamente quando, em
1929, a produtora hollywoodiana Wallace Reid Productions redescobriu um
relato jornalístico de seu passado e resolveu transformá-lo em filme, usando,
inclusive, o nome real de Gabrielle, lançando a película sob o título de Red
Kimono. O sucesso de público da obra cinematográfica reacendeu o inte-
resse sobre a antiga vida “vulgar” de Gabrielle Darley Melvin, causando-lhe,
por óbvio, constrangimentos com a lembrança de um passado esquecido e
vexatório para os padrões sociais da época.41
A Corte californiana decidiu em favor da senhora Melvin, reconhecendo
seu direito à busca pela felicidade42, contemplando a possibilidade de uma
pessoa mudar seu projeto de vida e estar protegida de ataques desnecessários
à sua personalidade e reputação sobre aspectos de seu passado, reputando
o dano estar consubstanciado, especialmente, no fato da produção de Reid
utilizar o nome verdadeiro de Gabrielle no filme, sem pensar nas consequências
adversas de sua escolha para a vida da pessoa retratada no longa.
Veja-se, o tribunal não reconheceu, literalmente, um right to be forgotten,
mas fundamentou o julgado em leitura do “direito à felicidade” como um exer-
cício de mudança existencial que pressupõe um direito de esquecimento dos
erros do passado, o esquecimento como ponto fulcral para um novo começo.
Neste ponto, bastante pertinente as ponderações de Raul Choeri, acerca de
eventuais mudanças na “imagem social” de um indivíduo:

Situação jurídica peculiar, ainda na confluência dos direitos à


identidade e de liberdade de manifestação de pensamento, é
aquela na qual fatos verdadeiros, ocorridos há algum tempo sobre
determinada pessoa, que tenha mudado de vida (seja no aspecto

41
FRIEDMAN, Lawrence. Guarding Life’s Dark Secrets: Legal and Social Controls over Rep-
utation, Property, and Privacy. Palo Alto: Stanford University Press, 2007, p. 216-217.
42
MANTELERO, Alessandro. The EU Proposal for a General Data Protection Regulation and
the Roots of the ‘Right to be Forgotten’. Computer Law and Security Review, Amsterdã, v. 29,
n. 3, 2013, p. 230.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 61
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

ideológico, moral, político, sexual) e conquistado nova imagem


social, são reinvocados na atualidade, ferindo sua identidade
pessoal. Trata-se do aspecto dinâmico da identidade, passível de
constante modificação e sempre em processo de reconstrução
psicossocial, o qual deve ser tutelado pelo Direito43.

Outro caso interessante aconteceu na Alemanha, sendo, também, reco-


nhecido pelos juristas como um precedente histórico do direito ao esqueci-
mento: o caso Lebach.
Em 1969, um crime de latrocínio chocou a opinião pública alemã. Dois
homens invadiram um depósito de armas na pequena cidade de Lebach,
assassinando quatro soldados que guardavam o local, deixando um quinto
soldado gravemente ferido. Os dois homicidas foram condenados à prisão
perpétua, enquanto que um terceiro, partícipe que teria auxiliado os outros
dois na preparação do crime, foi condenado a seis anos de reclusão.
O canal de televisão ZDF produziu um documentário sobre o caso, no
qual identificava por nome e por foto os dois autores do crime e o terceiro
partícipe, contando várias particularidades do caso, inclusive com detalhes
sobre a relação homossexual que existia entre os homens que participaram
do crime. O documentário iria ao ar poucos dias antes da soltura do partícipe.
O partícipe tentou junto às instâncias ordinárias, sem sucesso, conseguir
uma medida judicial liminar para impedir a veiculação deste documentário. A
questão eventualmente chegou ao Tribunal Constitucional Alemão, que julgou
procedente a reclamação constitucional do partícipe, entendendo haver, no
caso, uma violação ao seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
A Suprema Corte Alemã entendeu que o exercício da liberdade de in-
formação e de imprensa pelas instituições de radiodifusão está limitada a
uma ponderação frente à proteção dos direitos da personalidade, devendo o
julgador questionar o interesse concreto do público sobre estas informações

43
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O direito à identidade na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 264.
62 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

e como, se possível, estas podem ser transmitidas sem que acarretem em


dano aos direitos da personalidade.
Em que medida a divulgação de informações pela imprensa, pode, num
determinado contexto, ser capaz de exercer violência sobre a pessoa?44 Tal
reflexão nos é apresentada por Manuel da Costa Andrade, que ao debater a
“manifesta e desproporcionada desigualdade de armas entre a comunicação
social e a pessoa, assim conclui:

“Noutra perspectiva não pode desatender-se a manifesta e despro-


porcionada desigualdade de armas entre a comunicação social e
a pessoa eventualmente ferida na sua dignidade pessoal, sempre
colocada numa situação de desvantagem. Também este um dos
sintomas da complexidade que as transformações operadas ou
em curso, tanto ao nível do sistema social em geral, como no
sistema da comunicação social, em especial, não têm deixado de
agravar. Os meios de comunicação social, sobretudo os grandes
meios de comunicação de massas configuram hoje instâncias ou
sistemas autônomos, obedecendo a ‘políticas’ próprias e cujo
desempenho dificilmente comporta as ‘irritações’ do ambiente,
designadamente as da voz e dos impulsos do indivíduo. Nesta
linha e a este propósito, Gadamer fala mesmo de ‘violência’ sobre
a pessoa. A violência de uma opinião pública administrada pela
‘política’ da comunicação de assas e atualizada por uma torrente
de informação a que a pessoa não pode subtrair-se nem, minima-
mente, condicionar. A informação – explicita o autor – já não é
direta, mas mediatizada e não veiculada através da conversação
entre mim e o outro, mas através de um órgão seletivo: através da
imprensa, da rádio, da televisão. Certamente, todos estes órgãos
estão controlados nos estados democráticos através da opinião
pública. Mas sabemos também como a pressão objetiva de vias já
conhecidas limita a iniciativa e a possibilidade dos controles. Com
outras palavras: exerce-se violência. Na síntese de Weber: entre o

44
Cf. LINS, Thiago. Análise da aplicação do direito ao esquecimento no julgamento do REsp
nº 1.631.329-RJ. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCilvil, Belo Horizonte, v. 15, p. 177-197,
jan./mar. 2018, p. 178.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 63
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

indivíduo e a imprensa dificilmente pode falar-se de igualdade de


armas: aqui é o ordinary citizen que aparece invariavelmente como
mais fraco e que tudo tem de esperar da proteção dos tribunais.
A sua honra é por assim dizer sacrificada no altar da discussão
política, isto é, socializada”.45

Neste ponto, é preciso refletir, por exemplo, se a exposição dos nomes


verdadeiros e fotos dos acusados é de todo necessária, ou se implica em
intervenção muito grave à esfera de privacidade destas pessoas.46

B) Direito ao Apagamento
No exercício de taxonomia de Voss e Castets-Renard, o direito ao
apagamento aparece como mais uma das subclassificações do direito ao
esquecimento.
Na história recente, a questão do “direito ao apagamento” costuma apa-
recer conjuntamente com o conceito mais amplo de privacidade enquanto
um direito à autodeterminação informativa. Trata-se, pois, do direito de
uma pessoa retomar e exercer o controle sobre suas informações pessoais
que estão em mãos do governo ou de particulares – instituições públicas,
empresas, associações etc.
Ademais, este problema da perda do controle sobre dados pessoais não é um
fenômeno exatamente do século XXI, da assim chamada era digital. A preocupação
com o uso e o destino das informações sobre pessoas naturais existe desde a
formação do aparato jurídico e administrativo do Welfare State nas democracias
ocidentais, o qual, em razão de suas políticas sociais, ampliou maciçamente a
coleta e a abrangência dos cadastros dos usuários de serviços públicos.

45
ANDRADE, Manuel da Costa. Liberdade de Imprensa e inviolabilidade pessoal: uma
perspectiva jurídico-criminal. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 64-65.
46
SCHWABE, Jürgen. Cinquenta Anos Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
Alemão. Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung E.V., 2005, p. 487-492.
64 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

É sempre oportuno lembrar que o acesso e o controle de informações


pessoais por governos totalitários europeus, como na Alemanha Nazista e no
leste europeu soviético serviram amplamente para que o Estado pudesse exercer
formas tirânicas de controle da população, perseguir dissidentes políticos e, no
caso dos nazistas, identificando, prendendo e exterminando grupos étnicos.
Não por outro motivo, ante o passado de totalitarismo enfrentado em
todo o continente europeu – fascismo, nacional-socialismo, franquismo,
socialismo-soviético, etc – a Europa tem sido, desde meados da década de
1990, o continente que mais promoveu avanços nas legislações do direito à
privacidade sobre dados pessoais.47
A Diretiva Europeia de Proteção de Dados nº 95/46/CE, uma legislação
comunitária que trata sobre a transmissão de dados entre os países-mem-
bros da União Europeia e as formas como os cidadãos europeus podem se
proteger ou controlar este fluxo de informações, não só estabeleceu formas
de apagamento de informações de consumo após elas se tornarem obsole-
tas48 como, também, em uma interpretação ousada e original do Tribunal de
Justiça da União Europeia, serviu de fundamentação para a aplicabilidade
do direito à desindexação em território europeu.49
Atualmente, a diretiva referida no parágrafo anterior encontra-se revo-
gada, tendo sido substituída por um regramento de proteção de dados muito
mais amplo e atualizado: a General Data Protection Regulation (Regulamento
Geral sobre a Proteção de Dados), ou simplesmente GDPR. 50 Dentre vários

47
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 141.
48
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 302.
49
CARO, María Álvarez. Derecho al Olvido en Internet: El Nuevo Paradigma de la Privacidad
en la Era Digital. Madrid: Editorial Reus, 2015, p. 75.
50
EUROPA. Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de
abril de 2016. Relativo o à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento
REVISTA DE DIREITO Doutrina 65
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

pontos, uma das grandes novidades deste novo regulamento é que, além de
tratar das habituais hipóteses de direito ao apagamento, esta vem a tratar,
pela primeira vez na legislação européia, do direito ao apagamento – também
chamado de direito a ser esquecido – de forma expressa em seu artigo 17º.
Fora do continente europeu, nos Estados Unidos, Voss e Castets-Re-
nard51 destacam o Children’s Online Privacy Protection Act (Ato de Proteção
da Privacidade Online das Crianças)52, uma lei federal americana de 1998,
posteriormente atualizada pela Children’s Online Privacy Rule (Lei de Priva-
cidade Online das Crianças), que possibilita que os pais ou responsáveis de
crianças com idade inferior a treze anos possam requerer o apagamento de
informações pessoais recolhidas sobre seus filhos ou menores protegidos
aos sites e aplicativos de Internet.
Lei em sentido semelhante, a Erase Law53 (literalmente, lei de apagamento),
aplicável no estado americano da Califórnia, permite que as pessoas menores
de idade possam requisitar aos provedores de Internet o apagamento de seus
dados compartilhados na rede.
Enquanto isso, no Brasil, Voss e Castets-Renard54 reconhecem haver
um “direito ao apagamento” previsto no artigo 7º, inciso X do Marco Civil da

de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regu-
lamento Geral sobre a Proteção de Dados). Jornal Oficial da União Europeia, Bruxelas, n. 119,
04 mai. 2016. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/PDF/?uri=CEL-
EX:32016R0679&from=EN>. Acesso em: 16 nov. 2017.
51
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Op. cit., p. 311.
52
UNITED STATES OF AMERICA. Children’s Online Privacy Protection Act of 1998. Disponível
em: <https://www.ftc.gov/enforcement/rules/rulemaking-regulatory-reform-proceedings/
childrens-online-privacy-protection-rule>. Acesso em: 07 abr. 2017.
53
CALIFORNIA. Senate Bill nº 568, Chapter 336, 23 set. 2013. Disponível em: <http://leginfo.
legislature.ca.gov/faces/billNavClient.xhtml?bill_id=201320140SB568>. Acesso em: 07 abr.
2017.
54
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 317-318.
66 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Internet, que determina a exclusão de dados cadastrais de um usuário após


o termo de sua relação de consumo com o provedor:

Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania,


e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
[...]
X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a
determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término
da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda
obrigatória de registros previstas nesta Lei.

Apesar de ser relativamente comum que alguns juristas brasileiros limi-


tem o âmbito de aplicação do “direito ao esquecimento” no Brasil à disciplina
deste inciso X do artigo 7º do MCI, Ingo Sarlet55 bem explica que o direito
ao esquecimento no ordenamento brasileiro não se limita a este direito de
apagar informações tal como expressamente previsto na lei do Marco Civil.
Sérgio Branco56, por sua vez, afirma que o direito disciplinado no artigo
7º, inciso X do MCI não se trata de uma forma de direito ao esquecimento,
sendo, segundo ele, uma forma simples de controle de dados pessoais dentro
de uma relação de natureza contratual. Não há, neste dispositivo, necessa-
riamente, a cogitação sobre um dano potencial aos direitos da personalidade
do usuário – fato extracontratual –, de modo que a tutela ofertada implica
“[...] tão somente que este não tem mais interesse nos serviços oferecidos
pelo site e pede para seus dados serem excluídos de forma definitiva”.

55
SARLET, Ingo Wolfgang. Tema da moda, direito ao esquecimento é anterior à internet.
Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 22 mai. 2015. Disponível em: < http://www.conjur.com.
br/2015-mai-22/direitos-fundamentais-tema-moda-direito-esquecimento-anterior-internet>.
Acesso em: 13 nov. 2017
56
BRANCO, Sérgio. Memória e Esquecimento na Internet. Porto Alegre: Arquipélago Editorial,
2017, p. 179.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 67
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

De mesmo modo, Branco afirma que o apagamento de dados pessoais


determinados pelo artigo 43, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor57 ou
pelos institutos penais da reincidência e correlatos – estes últimos os quais
também poderiam ser associados à idéia de reabilitação – não se caracteri-
zariam como direito ao esquecimento.
Branco acaba restringindo o conceito jurídico de direito ao esquecimento
ao (completo) apagamento de informações de caráter pessoal que se mos-
tram incompletas ou obsoletas, sobretudo no âmbito da internet, existindo
ou não relação jurídica contratual anterior da qual decorra o dever de boa
fé no uso dos dados.
A partir dessas considerações, Branco chega a não considerar o direito
à desindexação, proposto pelo Tribunal da Justiça da União Europeia, como
sendo uma forma de direito ao esquecimento.
Segundo Branco58, “o pedido relativo ao exercício de direito ao esqueci-
mento deve ter como destinatário o meio de comunicação onde o dado se
encontra”, de modo que, não sendo os provedores de pesquisa os responsáveis
diretos pela publicação do dado na internet, responsabilizá-los pela desin-
dexação de determinada informação não se caracterizaria como exercício do
direito ao esquecimento. Nesse sentido, Branco expressa um entendimento
contrário àquele sustentado pela doutrina estrangeira majoritária e adotado
no presente artigo.
Dito isto, o direito à desindexação de resultados em sites de pesquisa
pode parecer, para alguns, um expediente estranho ao que se convencionou

57
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações
existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre
ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. [...] § 5° Consumada a prescrição relativa
à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de
Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso
ao crédito junto aos fornecedores.
58
BRANCO, Sérgio. Memória e Esquecimento na Internet. Porto Alegre: Arquipélago Editorial,
2017, p. 179.
68 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

chamar de direito ao esquecimento, mas sua origem tem uma razão de ser
explicável.
Esta razão, aliás, coloca o direito à desindexação como a forma mais atua-
líssima e de direito ao esquecimento na contemporaneidade, uma alternativa
ao gravame de se apagar dados da Internet de forma menos discriminada,
uma tentativa de solução mais branda, que implique em menor perda no
fluxo (livre) de informações na rede.

C) Direito à Desindexação

O direito à desindexação, mais uma das expressões contemporâneas


do direito ao esquecimento, diz respeito à possibilidade de um indivíduo
requisitar dos provedores de pesquisa na internet a retirada de hyperlinks
que levem os demais usuários a sites contendo informações irrelevantes ou
desatualizadas sobre sua pessoa59.
Pesquisa científica recente realizada por Robert Epstein e Ronald E.
Robertson e publicada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados
Unidos demonstra que as pessoas são extremamente influenciadas em suas
opiniões pelos textos contidos nos hyperlinks apresentados entre os primeiros
resultados das buscas pelos provedores de pesquisa. Tal efeito foi batizado
pelos pesquisados de Search Engine Manipulation Effect60 – em tradução
aproximada, “efeito de manipulação dos provedores de busca” – pelo possível
efeito altamente influenciador na formação da opinião do usuário de internet

59
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 325.
60
EPSTEIN, Robert; ROBERTSON, Ronald E. The Search Engine Manipulation Effect
(SEME) and Its Possible Impact on the Outcome of Elections. Proceedings of the National
Academy of Sciences, Washington D.C., v. 112, n. 33, ago. 2015. Disponível em: <http://www.
pnas.org/content/112/33/E4512.full.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2018.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 69
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

que a forma ou a ordem como estes resultados de pesquisa são apresentados


ao usuário podem causar.
Apesar de a pesquisa ter como foco de estudo a influência que as ma-
nipulações de informação podem ter no resultado de eleições políticas, as
conclusões deste estudo podem ser aproveitadas para o debate sobre o
direito à desindexação.
Segundo o estudo, pois, os indivíduos tendem a formar suas convicções
sobre alguém sob forte influência da maneira como os motores de busca ar-
ranjam as informações sobre esta pessoa nos resultados; os algoritmos destes
sites de pesquisa são alimentados por uma base de dados construída pelos
usuários, porém os próprios algoritmos acabam por influenciar substancial-
mente a forma como usuários individualmente se relacionam com estes dados.
A razão para o caso Google Spain, ademais, parte desta premissa de que a
forma como uma pessoa é identificada pelo arranjo dos resultados de um site
de busca pode causar prejuízos para sua vida privada ou reputação pessoal.
O que motivou o cidadão espanhol Mario Corteja Gonzalez a pedir seu
“direito ao esquecimento” foi o fato de que os internautas, ao inserirem o
nome de Mario Corteja Gonzalez nos motores de busca do Google (Google
Search), eram direcionados pelos hyperlinks para duas publicações na in-
ternet do jornal La Vanguardia, de 19 de janeiro e de 19 de março de 1998,
que continham anúncio com seu nome acerca de venda de imóveis em hasta
pública em decorrência de arresto que sofrera por dívida com a seguridade
social. De acordo com o advogado, ele estava tendo sua vida profissional
prejudicada pela exposição na Internet destes fatos antigos sobre sua vida.
Ao fim do caso Google Spain, o Tribunal de Justiça da União Europeia,
em maio de 2014, concedeu ampla permissão para que cidadãos europeus
em condições semelhantes a Gonzalez requisitassem, extrajudicialmente, às
empresas provedoras de motores de busca, tal como o Google, a remoção de
70 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

links para páginas que exponham seus dados pessoais, quando essas infor-
mações possam ser consideradas imprecisas, inadequadas ou irrelevantes. 61
Esta decisão é tida, em geral, como um grande marco para o debate
contemporâneo acerca do direito ao esquecimento, o qual outros juristas
preferem por vezes chamar, tão-somente, de “direito à desindexação” de dados.
A decisão europeia repercutiu no Direito brasileiro, embora não haja no
Brasil legislação expressa permitindo o “direito à desindexação”. Os tribunais
brasileiros vêm aplicando, o artigo 19 do Marco Civil da Internet62 para obri-
gar os obrigar provedores de pesquisa a retirarem de suas listas os dados
da parte autora63, emulando-se a notável decisão proferida no caso Google
Spain, e aplicando-se no país, por tais vias, o direito ao esquecimento nos
domínios online.
Em bem verdade, o Marco Civil da Internet é deficitário no que diz res-
peito às ferramentas de controle de dados pessoais por parte dos usuários,
razão pela qual é de considerável avanço a edição da Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018), a qual entrará
totalmente em vigor apenas em agosto de 2020, mas que pretende gerar
“micro revoluções” na relação jurídica entre o Direito e a Internet, trazendo

61
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 325-327.
62
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o pro-
vedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as
providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais
em contrário.
63
A Terceira Turma do STJ, no entanto, vem afastando a aplicação do artigo 19 do MCI para
fins de desindexação de informações pessoais dos resultados exibidos pelos provedores de
pesquisa na internet. Neste sentido, ver: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno
no Recurso Especial nº 1.593.873/SP, Relatora: Min. Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Terceira
Turma. Data de Julgamento: 10 nov. 2016. Disponível em: <http://www.internetlab.org.br/
wp-content/uploads/2017/02/STJ-REsp-1.593.873.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2017.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 71
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

mudanças substantivas em como atores públicos e privados lidam com o


fluxo e o tratamento de dados pessoais em rede.
Neste sentido, a Lei de Proteção de Dados Pessoais brasileira (LGPD) traz
em seu texto significativas influências das leis europeias de proteção de dados,
prevendo no corpo de seu artigo 1864 uma série de direitos relacionados à
possibilidade de controle informacional pelos usuários de internet, embora
não faça menção explícita ao “direito ao esquecimento” ou traga mecanismos
ou parâmetros para apagamento ou desindexação de dados disponível na
Internet, tal como o fez a GDPR europeia, razão pela qual imagina-se que
a LGPD deve vir a sofrer algumas modificações no futuro próximo para se
adequar a esta demanda.65

D) Outras propostas para o futuro: o direito


à obscuridade e o “direito ao esquecimento
digital”

Além daquelas três subcategorias de direito ao esquecimento facilmente


identificáveis e de aplicação e desenvolvimento bem conhecido na doutrina
e na jurisprudência estrangeira (direito à reabilitação, direito ao apagamen-
to e direito à desindexação), Voss e Castets-Renard afirmam existir mais
outros dois significados possíveis para o direito ao esquecimento: o ­direito

64
Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter, em relação aos seus dados:
I – confirmação da exigência de tratamento; II – acesso aos dados; III – correção de dados
incompletos, inexatos ou desatualizados; IV – anonimização, bloqueio ou eliminação de da-
dos desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei;
V – portabilidade, mediante requisição, de seus dados pessoais a outro fornecedor de serviço
ou produto; VI – eliminação, a qualquer momento, de dados pessoais com cujo tratamento o
titular tenha consentido; e VII – aplicação das normas de defesa do consumidor, quando for
o caso, na tutela da proteção de dados pessoais.
65
Para um leitura complementar que aborde de maneira bastante satisfatória a questão da
proteção de dados na legislação brasileira, recomenda-se: BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de
Dados Pessoais: A Função e os Limites do Consentimento. São Paulo: Forense, 2018.
72 Doutrina REVISTA DE DIREITO
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Nº 18  -  Abril 2020

à obscuridade e o “direito ao esquecimento digital”, estes dois plenamente


ausentes do debate jurídico brasileiro, posto serem muito mais propostas
para o futuro de se implantar (novos) mecanismos para se efetivar o “esque-
cimento” na Internet.
Portanto, ambos o direito à obscuridade e o “direito ao esquecimento
digital”, assim como batizados pelos referidos juristas, são categorias muito
recentes na doutrina, havendo pouquíssimos textos substanciais que desen-
volvam, com a solidez necessária, o conteúdo e o alcance destas duas formas
de “direito” ao esquecimento.
O “direito ao esquecimento digital” ao quais os juristas de Toulouse66
se reportam em seu artigo – right to digital oblivion, no texto original – diz
respeito à proposta de Viktor Mayer-Schönberger no último capítulo do livro
Delete67, em que o autor sugere que o problema da memória permanente na
internet pode ser amenizado consideravelmente se implantado um sistema
de datas de expiração aos principais dados compartilhados na rede.
A propositura feita por Mayer-Schönberger, no entanto, não se trata
exatamente de um direito, e muito menos de um direito subjetivo, mas uma
solução técnica possível para se prevenir os danos à privacidade na rede.
Em que pese o excelente trabalho de classificação proposto por Voss e
Castets-Renard, o uso da expressão right to digital oblivion, além de indicar
um “direito” inexistente, também é um termo potencialmente confuso quando
traduzido e adaptado para as línguas latinas. O “direito ao esquecimento
digital” de Mayer-Schönberger não deve ser confundido com o direito ao es-
quecimento aplicável à internet, o qual geralmente se identifica sob o termo
de direito à desindexação.

66
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 335-337.
67
MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age. Nova
Jersey: Princenton University Press, 2009.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 73
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Por sua vez, o direito à obscuridade é um direito subjetivo ainda “nas-


cente”, proposto por alguns especialistas americanos como uma alternativa
aos modelos de direito ao esquecimento aplicados na Europa continental
e em outros países de tradição civil law. Propõe-se, então, uma solução
pela qual as informações não seriam mais apagadas ou desindexadas da
rede, porém, por uma combinação outra de fatores técnicos, estes dados se
tornariam relativamente difíceis de serem encontrados por métodos mais
convencionais de pesquisa.68
Pois bem, a rejeição de parte considerável dos juristas americanos à
visão europeia de direito ao esquecimento leva-os, necessariamente, a pensar
sobre outras formas alternativas de se implementar o direito ao esquecimento
naquele país, embora a ideia de “direito à obscuridade” ainda permanece
imatura e bastante confusa na literatura jurídica americana, não havendo
ainda desenvolvimento específico sobre este tema que o justifique como
uma proposta realmente viável e consideravelmente diferente do direito à
desindexação aplicado em território europeu.
Não obstante, embora, repita-se, não haja maior desenvolvimento
doutrinário sobre como o direito à obscuridade possa ser diferenciado, de
forma objetiva, do direito à desindexação, imagina-se que, ao contrário da
desindexação, que implica na retirada de um link de internet dos resultados
apresentados pelo site de buscas, a obscuridade apresentaria uma solução
diferente: o dado que se deseja ser “esquecido” não seria removido dos
resultados, mas, por exemplo, movido para as últimas páginas da lista de
resultados da pesquisa.
A real extensão da ideia de “obscuridade” em contraponto ao “esquecimen-
to” é, contudo, sem jogo de palavras, pouca clara e não deve ser considerada,
ao menos por hora. O problema maior para qualquer uma dessas soluções

68
VOSS, W. Gregory; CASTETS-RENARD, Céline. Proporsal for an International Taxonomy
on the various forms of the “Right to be Forgotten”: A study on the convergence of norms.
Colorado Technology Law. Boulder, v. 14, n. 2, 2016, p. 334-336.
74 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

inventivas é exatamente o mesmo das soluções jurídicas correntes ou mais


tradicionais: a questão da efetividade.
Não raro, decisões jurídicas que almejam a retirada ou não-proliferação
de determinada informação ou conteúdo são socialmente ineficazes ou, ao
contrário, geram um efeito colateral de replicação ainda maior da informação
ou do conteúdo que se pretendia ocultar ou expurgar.69
Bem verdade, fora a questão mais estritamente dos efeitos sociais das
decisões que visam exercitar alguma forma de controle sobre informações,
não se pode deixar de comentar, de forma alguma, que o “direito ao esqueci-
mento”, quando empregado sem a devida compreensão sistemática, revela-se
não só inócuo, mas principalmente uma potencial ameaça grave aos direitos
à liberdade de expressão e de informação, de forma que, pelo seu caráter,
questões que lidem com o direito ao esquecimento somente poderão ser se-
guramente dirimidas mediante análise de caso concreto pelo Poder Judiciário,
o que inevitavelmente leva a uma discussão necessária sobre os seus limites.

2.2. O Ordenamento Jurídico Brasileiro e os Limites


ao Direito ao Esquecimento
Tal como sustentado por Daniel J. Solove70, o ideal contemporâneo de
direito à privacidade – e, consequentemente, daquilo que se convencionou
chamar de direito ao esquecimento – se choca com o direito à liberdade de

69
Tal fenômeno foi nomeado de “efeito Streisand” pelo jornalista Mike Masnick, em re-
ferência à Barbra Streisand, que venceu uma disputa judicial com um site de Internet que
publicou fotos de sua mansão em uma tomada aérea da praia de Malibu, mas não “venceu”
os usuários da Internet, que passaram a replicar ativamente pela rede as fotos alvo da polê-
mica. Para saber mais: MASNICK, Mike. Since when Is It Illegal to Just Mention a Trademark
Online?. Techdirt. Redwood City, 5 jan. 2005. Disponível em: <https://www.techdirt.com/
articles/20050105/0132239.shtml>. Acesso em: 18 mai. 2019.
70
SOLOVE, Daniel J. The Future of Reputation: Gossip, Rumor and Privacy on the Internet.
New Haven: Yale University Press, p. 126-127.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 75
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

expressão e de informação com maior frequência do que as antigas leis civis


e penais de proteção da pessoa contra a difamação poderiam suportar.
Afinal, juridicamente falando, mesmo o ato de difundir informações
verdadeiras sobre alguém pode lhe causar algum dano indenizável. Esta
constatação acaba conflitando com a liberdade de expressão e a liberdade
de informação com mais intensidade do que a tradicional concepção de
privacidade atrelada à sua dimensão espacial. Afinal, como bem anota
André Nery Costa “com as novas tecnologias, está cada vez mais difícil
conseguir segundas chances, escapar à scarlett letter do passado digital”71.
Um ponto em especial problemático sobre o direito ao esquecimento é
que ainda não existem parâmetros sólidos adotados na jurisprudência para a
aplicação deste direito no Brasil, tal como destacado por Otávio Luiz Rodrigues
Júnior em coluna escrita em 201372, mas que ainda permanece atual. Exceto
no julgamento sobre a constitucionalidade das biografias não autorizadas,
sobre o qual se irá tecer comentários mais adiante, a jurisprudência brasileira
não apresentou avanços muitos significativos nos últimos 6 (seis) anos no
apontamento de parâmetros.
E é neste quesito, principalmente, que reside a necessidade de limitação do
direito ao esquecimento, sobretudo por carregar, sem exageros, em situações
mais extremas, um certo risco de abalar nos tradicionais de soberania73, bem

71
COSTA, André Brandão Nery. Direito ao esquecimento na Internet: a scarlet letter digital,
cit., p. 186. In: SCHREIBER, Anderson (Org.). Direito e Mídia. São Paulo: Atlas, 2013, p. 187-188.
72
RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Direito Comparado: Não há tendências na proteção
do Direito ao Esquecimento. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 25 dez. 2013. Disponível
em: <<https://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-protecao-
-direito-esquecimento>. Acesso em: 25 nov. 2018.
73
Thiago Lins menciona que no Tribunal de Justiça de São Paulo, um magistrado já recusou
o pedido por remoção global de conteúdo por afirmar que ‘este juízo não detém jurisdição
para determinar que o vídeo indicado na inicial não seja divulgado em território estrangeiro,
tal como Colômbia e Alemanha sob pena de transportar o âmbito de sua competência e incidir
em violação da soberania dos demais países.’ (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2.059.415-
21.2016.8.26.0000) (Cf. LINS, Thiago. Análise da aplicação do direito ao esquecimento no
76 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

como as instituições democráticas. Por exemplo, políticos investigados por


corrupção podem se utilizar das ferramentas do “direito ao esquecimento”
para ter informações suas ocultadas ou apagadas de sites de notícia, redes
sociais e blogs, forma de controle informacional que já se faz juridicamente
amparado no Brasil, sobretudo em período eleitoral.
De outro modo, segundo o argumento liberal-democrático, a liberdade
de expressão é um pressuposto político e jurídico fundamental para uma
sociedade que se baseia na soberania popular. A liberdade de expressão em
uma democracia cumpre pelo menos dois grandes propósitos, explica Frederick
Schauer74: primeiro, possibilita que o eleitorado tenha acesso às informações
necessárias para exercer sua cidadania por meio do voto; segundo, permite
que as pessoas possam tecer criticas à atuação dos políticos, dos servidores
públicos e dos órgãos e instituições do governo, exercitando uma forma social
de controle do poder político.
Esta, é claro, trata-se de uma posição mais usualmente atrelada à visão
liberal americana de liberdade de expressão, todavia também serve como
fundamento para o Brasil, que vive atualmente o período mais longo de regime
democrático, ainda que com suas fragilidades. Os anos de repressão ditatorial
tornaram ainda mais significativos a proteção constitucional de direitos como
a liberdade de crença, de imprensa, de liberdade e de informação.
Por falar em modelo americano, mesmo que historicamente as cortes dos
Estados Unidos tenham sido por vezes “absolutistas” na compreensão do sen-
tido e do alcance da Primeira Emenda do texto fundamental norte-americano,
Solove75 afirma que a Suprema Corte Americana tem firmado recentemente
o entendimento de que o direito à liberdade de expressão e de informação
precisa ser ponderado caso a caso frente os outros direitos fundamentais

julgamento do REsp nº 1.631.329-RJ. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCilvil, Belo Hori-
zonte, v. 15, p. 177-197, jan./mar. 2018).
74
SCHAUER, Frederick. Free Speech: A Philosophical Enquiry. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 1982, p. 35-36.
75
SOLOVE, Daniel J. Op. cit., p. 128.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 77
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

envolvidos – sendo o direito à privacidade um deles. No entanto, alerta o


referido autor que se deve manter sobre estas liberdades comunicativas, no
mínimo, uma “posição preferencial” diante dos demais direitos em conflito.
Devido à recente influência que os juristas e os tribunais superiores
brasileiros vêm recebendo da doutrina e jurisprudência americana, muitos
constitucionalistas passaram a defender, igualmente, que o direito à liberdade
de expressão e de informação no Brasil goza de uma posição preferencial
quando ponderado frente a outros direitos.
Neste sentido, Luis Roberto Barroso76 argumenta que a restrição prévia,
judicial ou legislativa, de publicação ou divulgação de fato ou de opinião
deve ser, necessariamente, excepcional, posto que a Constituição Federal
não contempla, ao menos explicitamente, esta possibilidade de limitação a
priori das liberdades comunicativas.
A ideia de que certos direitos possuem uma posição preferencial frente
a outros direitos se desenvolveu a partir de decisão da Suprema Corte Ame-
ricana no caso United States v. Carolene Products, julgado em 1938, no qual
se debateu sobre os limites da regulação das atividades econômicas pelo
Estado. Segundo nota presente nesta decisão, formou-se o entendimento,
em linhas gerais, de que o Poder Judiciário deve atuar em rigoroso escrutínio
caso uma norma reguladora emanada através do processo legislativo venha
a afetar direitos preferenciais ou direitos individuais de minorias.77
Daniel Sarmento78 comenta que esse escrutínio judicial rigoroso consiste
na verificação se a norma que se propõe a restringir o direito de posição

76
BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade.
Revista de Direito Administrativo. Brasília, v. 235, jan./mar., 2004, p. 25.
77
LINZER, Peter. The Carolene Products Footnote and the Preferred Position of Individual
Rights: Louis Lusky and John Hart Ely vs. Harlan Fiske Stone. Constitutional Commentary,
Minneapolis, v. 12, n. 2, 1995, p. 278-281.
78
SARMENTO, Daniel. Liberdades Comunicativas e “Direito ao Esquecimento” na ordem
constitucional brasileira. Revista Brasileira de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 7, jan.-mar./2016,
p. 198.
78 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

preferencial “[...] promove um interesse público excepcionalmente impor-


tante (compelling interest)” e se essa norma “[...] é talhada de modo estreito
e preciso (narrowly tailored), para favorecer dito interesse”. Em resumo,
complementa o citado autor79, uma norma que implique em restrições às
liberdades comunicativas deve estar prevista em leis gerais e abstratas, deve
estar fundamentada em princípios constitucionais e sua aplicação deve res-
peitar o princípio de proporcionalidade.
Neste sentido, Ingo Sarlet e Arthur Ferreira Neto destacam que a apli-
cação do chamado direito ao esquecimento deve se sujeitar à posição pre-
ferencial que os direitos de liberdade de expressão e de informação gozam
na sistemática jurídico brasileiro, devendo os juízes, portanto, considerarem
ao menos a sua posição de preferência prima facie.80
Corrobora com esta posição preferencial dos direitos de liberdade de
expressão e de informação a decisão recente do Supremo Tribunal Federal em
análise de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF.81 No julgado, o
STF conferiu interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 20
e 21 do Código Civil82, sem redução de texto, para declarar a inexigibilidade

79
SARMENTO, Daniel. Liberdades Comunicativas e “Direito ao Esquecimento” na ordem
constitucional brasileira. Revista Brasileira de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 7, jan.-mar./2016,
p. 199.
80
SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O Direito ao “Esquecimento” na
Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 76-78.
81
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF.
Relatora: Min. Carmen Lúcia. Data de julgamento: 10 jun. 2015. Disponível em: <http://s.
conjur.com.br/dl/acordao-biografias-nao-autorizadas.pdf>. Acesso em: 07 out. 2017.
82
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção
da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a ex-
posição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento
e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeit-
abilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou
de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento
do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário
a esta norma.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 79
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de autorização prévia para a publicação de obras biográficas, seja da pessoa


biografada, seja de coadjuvantes ou de seus respectivos familiares, em se
tratando de pessoa morta.
O STF entendeu que a necessidade de autorização prévia para biografia
consistiria em censura prévia particular, assim como, também, a determinação
judicial do recolhimento de obras incorre em censura estatal. A Constituição
Federal, pois, veda expressamente a censura, não sendo possível que a dis-
ciplina de norma de lei infraconstitucional (no caso, o Código Civil) possa vir
a impedir o exercício de direito constitucionalmente garantido.
Esta decisão do STF vem, afinal, reafirmar a tese sustentada pelos cons-
titucionalistas de que o direito à liberdade de expressão e de informação
goza de posição preferencial no ordenamento jurídico brasileiro quando em
choque com outros direitos fundamentais.83
De tal modo, Canotilho, Machado e Gaio Júnior84 afirmam que este en-
tendimento firmado pelo STF terá por consequência que as pessoas públicas
muito dificilmente conseguirão impedir por via judicial a publicação ou divul-
gação de biografias não autorizadas que tenham uma base factual verdadeira.
Cumpre afirmar que a decisão do STF acerca das biografias não autoriza-
das não se coloca incompatível com o direito ao esquecimento, apenas vem
a afirmar a necessidade de que seja aplicado excepcionalmente nos casos
concretos. Assim, como argumentam Sarlet e Ferreira Neto:

[...] não pode ser qualquer manifestação que exponha aspectos


da vida privada que justifique a invocação e proteção do direito
ao “esquecimento”, de modo que, por ocasião do necessário

83
BARCELLOS, Ana Paula de. Intimidade e Pessoas Notórias. Liberdade de Expressão e de
Informação e Biografias. Conflito entre Direitos Fundamentais. Ponderação, Caso Concreto e
Acesso à Justiça. Tutelas Específicas e Indenizatórias. Revista Direito Público, Brasília, v. 11,
n. 55, 2004, p. 90.
84
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas Eduardo Machado; GAIO JÚNIOR,
Antônio Pereira. Biografia Não Autorizada versus Liberdade de Expressão. Curitiba: Juruá,
2017, p. 85.
80 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

balanceamento entre os direitos de personalidade e a liberdade


de expressão e informação, o ônus argumentativo para se fazer
prevalecer os direitos de personalidade deve ser particularmente
elevado.85

Deve-se registrar, ponto de vista diverso, apresentado por Anderson


Scheiber86 ao comentar a audiência pública no Supremo Tribunal Federal,
em 12.06.2017:

A Constituição brasileira não permite hierarquização prévia e


abstrata entre liberdade de informação e privacidade (da qual
o direito ao esquecimento seria um desdobramento). Figurando
ambos como direitos fundamentais, não haveria outra solução
tecnicamente viável que não a aplicação do método de pondera-
ção, com vistas à obtenção do menor sacrifício possível para cada
um dos interesses em colisão. Esta foi a posição defendida pelo
Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil, que, à luz da hipótese
concreta subjacente à audiência ou encenação de crimes reais
envolvendo pessoas ainda vivas, chegou a propor parâmetros para
a ponderação, como, por exemplo, o parâmetro da fama prévia,
que impõe distinguir entre vítimas que possuem outras projeções
sobre a esfera pública (retratação do suicídio de Getúlio Vargas ou
do assassinato de JFK, em que tende a preponderar a liberdade

85
SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O Direito ao “Esquecimento” na
Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 79.
86
Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/as-tres-correntes-do-direito-ao-esqueci-
mento-18062017>. Acesso em: 16 dez. 2017. Sobre o Direito ao esquecimento Scheiber sustenta
que “(...) não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou de reescrever a História (ainda
que se trate tão somente da sua própria história). O que o direito ao esquecimento assegura
é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o
modo e a finalidade com que são lembrados. E não raro o exercício do direito ao esquecimento
impõe ponderação com o exercício de outros direitos, como a liberdade de informação, sendo
certo que a ponderação nem sempre se resolverá em favor do direito ao esquecimento. O caso
concreto deve ser analisado em suas peculiaridades, sopesando-se a utilidade informativa
na continuada divulgação da notícia com os riscos trazidos pela recordação do fato à pessoa
envolvida (SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade, cit., p. 165-166).
REVISTA DE DIREITO Doutrina 81
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de informações) e pessoas que somente têm projeção pública


como vítima daquele delito (em que tende a preponderar o direito
da vítima de não ser reapresentada publicamente à sociedade
como vítima de crime pretérito). Independentemente da posição
que se adote sobre esse tema tão candente, a audiência pública
evidenciou duas grandes dificuldades que terão de ser enfrenta-
das pelo STF. Primeiro, o termo “direito ao esquecimento” não é
o melhor: sugere um controle dos fatos, um apagar da História
que, além de ser impossível e indesejável, não se coaduna com
o significado técnico por trás da expressão, consubstanciado na
tutela da identidade pessoal e do direito de toda pessoa humana
de ser corretamente retratada em suas projeções públicas.

De uma forma ou de outra, um entendimento “definitivo” sobre o lugar


do “direito ao esquecimento” na colisão com o direito à informação dentro do
ordenamento jurídico brasileiro só deverá ser consolidado após o Supremo
Tribunal Federal enfim julgar o mérito do Recurso Extraordinário nº 1.010.60687,
interposto por familiares de Aída Curi, os quais pretendem revisar a decisão
proferida pelo STJ que lhes denegou o direito ao esquecimento.

Conclusão

O direito à privacidade é um direito complexo e multifacetado. Sua origem


na tradição jurídica moderna confunde-se com a própria evolução histórica
dos povos ocidentais sob a égide do constitucionalismo e do Estado de Direi-
to. Os vetores constitucionais de liberdade e dignidade, que dão densidade
e individualizam a identidade humana, são o último fundamento normativo

87
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com
Agravo nº 833.248/RJ. Relator: Min. Dias Tofolli, Data do Julgamento: 9 dez. 2014. Disponível
em: <http://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2017/02/STF-RG-no-REx-com-
Ag-833248.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017.
82 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

que sustenta a privacidade como uma categoria essencial para a proteção


dos interesses existenciais dos indivíduos.
Inicialmente identificado como um “direito de ser deixado em paz”,
marcado especialmente – mas não exclusivamente – pela delimitação da
dimensão espacial como objeto jurídico protegido pelo direito positivo, o
direito à privacidade foi evoluindo para que a pessoa pudesse questionar
juridicamente o uso e o destino que é dado às suas informações pessoais.
Ascender-se à dimensão informacional da privacidade significa adentrar um
campo inevitável de tensões entre direitos de personalidade e os direitos
relativos às liberdades comunicativas, sobretudo o direito à liberdade de
expressão e de informação.
Nesta dimensão informacional e, mais notadamente, na interseção entre
as dimensões informacional e decisional, onde se encontra o assim chamado
direito ao “esquecimento”, repousa uma das mais polêmicas discussões do
Direito Privado atual. O contemporâneo direito ao esquecimento, reconhe-
cido pelas legislações comunitárias europeias e recepcionado pela doutrina
e jurisprudência de outros países, como o Brasil, conflita fortemente com o
direito à informação, sobremodo quando aplicado à internet, na qual o fluxo
rápido e quase desimpedido de dados é sua maior característica.
A expansão da memória digital “perfeita” da internet e das outras mídias
digitais, contudo, obriga a repensar o âmbito de alcance das normas jurídicas
protetoras da privacidade. Mudanças radicais impostas pela legislação pre-
cisam ser sempre muito bem avaliadas, a partir da análise do caso concreto
e da verificação da existência de exercício regular de um direito reconhecido
ou, de outro lado, da eventual ocorrência de abuso de direito que pode
ameaçar aquele que se sentiu prejudicado pela divulgação de uma informa-
ção ou ainda pela manutenção do acesso a dados ou notícias que, apesar de
verdadeiras, estão sendo utilizadas fora de seu contexto temporal, especial
ou informacional, com sérios prejuízos para o interessado.
E, nesse paradigma informacional contemporâneo, além da existência
física, que termina com a morte natural, vive-se um tempo em que todos
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apresentam uma persona virtual e grande parte das relações pessoais e


negociais ocorre num universo digital em que fronteiras e noções de sobe-
rania perdem sentido pela ubiquidade e imediatidade das comunicações. A
tecnologia permite que os pensamentos e ações da pessoa fiquem facilmente
acessíveis, mesmo após a abertura da sucessão. Sem previsão específica para
lidar com tal situação, ordenamentos tradicionais não apresentam respostas
para demandas desta natureza.
Para completar o quadro, o local de acesso à rede pouco importa se os
serviços oferecidos por provedores de aplicação estão disponíveis de qualquer
parte do globo terrestre e se baseiam em termos de uso de alcance mundial,
que por vezes ignoram as peculiaridades de sistemas normativos locais.
É grande o desafio de buscar mecanismos de maior proteção à priva-
cidade sem ignorar que a economia global em rede usa os dados pessoais
de seus usuários como um meio de sustento comercial da própria Internet.
Ou seja, institutos jurídicos que confrontem em essência com este modelo
podem acabar por carecer de efetividade ou resultarem em efeitos concretos
contraproducentes: o remédio não pode matar o paciente junto com a doença.
Justamente, neste contexto em que se há necessidade de encontrar um
ponto de moderação dos interesses, emerge a noção de “ética dos dados”,
expressão do exercício da autonomia privada que, respeitando os princípios
jurídicos aplicáveis às relações privadas assim como os direitos fundamentais
dos envolvidos, almeja colocar cada pessoa como protagonista da tutela da
proteção dos aspectos inerentes à sua privacidade, que em sua dimensão
informacional passa a ser tratada como um direito de autodeterminação
informativa.
Portanto, a sociedade vivencia mais um estágio na evolução tecnológica
moderna, a qual precisa ser acompanhada por uma compreensão de direito à
privacidade, assim como de direito ao esquecimento, que possam fazer frente
aos desafios contemporâneos que se apresentam e se apresentarão a cada
novo avanço tecnológico da sociedade informacional, fazendo da privacidade
um conceito jurídico em constante desarranjo e mudança.
84 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

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A Transação Tributária e a
Possibilidade de se Conceder
Desconto Sobre o Montante
Principal do Débito

Cleide Regina Furlani Pompermaier 


Procuradora do Município de Blumenau. Especialista em Direito
Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina. Espe-
cialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade
Verbo Educacional, do Rio Grande do Sul, membro fundador
do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo,
Financeiro e Tributário – IBDAFT, uma das autoras do projeto
e membro da Câmara de transação tributária do município de
Blumenau, palestrante em temas jurídicos tributários, autora de
obra jurídica sobre o ISS e demais artigos científicos publicados
em vários sites e revistas jurídicas especializadas. Foi membro
da Comissão de Juristas da Desburocratização do Senado Federal. Foi professora Universi-
tária da Universidade Regional de Blumenau – FURB e da Faculdade Franciscana – FAE na
disciplina de Direito Tributário e membro da Comissão de Tributação da OAB, seccional de
Santa Catarina.

Depois de muitos debates teóricos, a transação tributária é uma realidade


no Brasil, devendo nela sempre prevalecer o princípio consensualístico. Faz-se
cada vez mais necessário abandonar a imposição unilateral pela Administração
Tributária dotada de autoridade e formalismos em favor da valorização e da
introdução de módulos bilaterais fundados no consenso do contribuinte e
em observância ao princípio da “democracia fiscal”.
Os métodos adequados de solução de conflitos, dentre os quais se
encontra o instituto objeto de nosso estudo, são um verdadeiro exemplo de
interferência dos institutos e conceitos do direito privado nas dependências
do direito tributário, na medida em que a autonomia negocial, manifestação
típica e essencial do direito civil, faz o seu ingresso nas relações que se instau-
ram entre fisco e contribuinte para o fim de se chegar a um acordo, pondo fim
à lide tributária, cujo consenso do sujeito passivo é elemento determinante
para a formalização do negócio jurídico consensual.

- 88 -
REVISTA DE DIREITO Doutrina 89
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Nº 18  -  Abril 2020

Todos os modernos e atuais institutos de solução de conflitos são ma-


nifestações que envolvem a prática colaborativa entre fisco e contribuinte,
os quais despertam e objetivam o diálogo entre as partes, na intenção de
terminar a lide, através da colaboração dos interessados e reduzindo o risco
do erário de receber o que lhe é devido, acrescido da não menos importante
humanização do processo tributário. São medidas, enfim, que permitem o
diálogo entre administração tributária e contribuinte.
A transação tributária representa uma das soluções adotadas nos mo-
mentos de crise, mas apresenta dificuldade de ser operacionalizada. O certo
é que, se aplicada de modo correto, pode servir para superar o período de
dificuldade financeira e movimentar a economia. As reformas, aliás, são filhas
da crise. O instituto aqui tratado é uma exceção e, por ser uma exceção, as
regras devem ser muito bem definidas pela lei, que não deve dar margem a
interpretações dúbias. A lei deve privilegiar a celeridade e o bom andamento
da administração pública.
No estudo da ciência do direito público e, mais exatamente no direito
tributário, existe uma grande dificuldade em se admitir que no âmbito da
função impositiva da administração tributária se possa exercitar a autori-
dade de se dispor do crédito ou de se renunciar de uma parte dele, porque
todos os cidadãos contribuem para as despesas públicas, e, dessa forma,
não seria sensato e nem justo que os gestores abrissem mão do que recebem
para beneficiarem alguns em detrimento de outros, considerando a finali-
dade da arrecadação tributária, que é o financiamento do Estado como um
todo. Deve-se ter em mente, enfim, que quando o cidadão paga o tributo,
ele está participando na quitação das despesas públicas na medida de sua
capacidade contributiva.
O fato é que, muitas vezes, em nome do cumprimento do rígido princí-
pio da indisponibilidade, esquece-se que o dispêndio de cifra pública sem
qualidade também é medida maléfica para o Estado. Ou seja, não adianta
gastar os recursos públicos arrecadados sem qualquer finalidade com o único
objetivo de se fazer cumprir o princípio da indisponibilidade do interesse
90 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

público e do crédito tributário, em detrimento da sociedade. Nesse diapasão,


é certo afirmar que não se pode ficar recorrendo eternamente aos tribunais
e desembolsando o dinheiro dessa coletividade com os altos custos que o
processo judicial e administrativo impõe à administração pública, por exemplo.
Antonella Tropeano, citando Zanni e G. Rebecca1, diz que é legítima a
transação fiscal porque cria um balanceamento do princípio da indisponibili-
dade com a preservação de vagas de emprego, com a efetividade da pretensão
tributária e com a eficiência da administração pública. Veja-se:
Un orientamento dottrinale giustifica la legittimità della transazione
fiscale in quanto creerebbe un bilanciamento del principio di indisponibilità
con quello della salvaguardia dei posti del lavoro, dell’effettività della pretesa
tributaria e dell’efficienza della pubblica amministrazione. Tale bilanciamento
degli interessi coinvolti dev’essere tuttavia rigoroso, dal momento che sarà,
nel caso, giustificatore dell’eccezionale deroga al principio di indisponibilità.
Na transação tributária, os limites devem ser respeitados e é necessário
que sejam bem precisos. A transação não é para todos. Por isso a necessidade
de critérios objetivos e subjetivos, bem como análise para cada caso.
No que concerne ao princípio da indisponibilidade tributária, há confu-
são em torno de seu conceito. Lupi2, afirma que a indisponibilidade é uma
metáfora jurídica daquelas tanto eficazes como não conclusivas, tratando-se
de uma metáfora que deve a sua sorte a sua ambiguidade.

1
Strumenti deflativi del contencioso, disponibilità dell´obbligazione tributaria e discreziona-
lità dell´amministrazione finanziaria 16299 – 6308. Disponível no seguinte endereço eletrônico
<https://www.academia.edu/15149904/Strumenti_deflativi_del_contenzioso_disponibilit%-
C3%A0_dellobbligazione_tributaria_e_discrezionalit%C3%A0_dellamministrazione_finan-
ziaria?email_work_card=interaction_paper> Acesso em 08 de fevereiro de 2020
2
“Insolvenza, fallimento e dispozione del credito tributario”, editora Ancona, 2006, p. 457.
Indisponibilità e transazione fiscale. Disponível no seguinte endereço eletrônico <http://www.
treccani.it/magazine/diritto/approfondimenti/diritto_tributario/2_marini_transazione_fiscale.
html>Acesso em 06 de fevereiro de 2020.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 91
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Giuzeppe Marini3, ao falar sobre a transação tributária, diz que por se


tratar de uma esperada intervenção normativa, essa deve se efetivar com
a rigorosa observância da lei, porque, do contrário, estará violando o art.
23, da Constituição Italiana, que trata do princípio da legalidade. Enfatiza,
ademais, que deve derivar de uma suficiente motivação, fundamentando a
possibilidade de transigir porque, se não houver esse equilíbrio, o instituto
será privado de seu necessário suporte administrativo.
O fenômeno tributário representado pelos meios de solução adequada
de conflitos deve ser valorizado em conformidade com uma tendência sempre
mais acentuada no nosso ordenamento jurídico, lembrando que se trata de
institutos idôneos introduzidos pelo legislador ordinário e que em nada se
contrapõe aos ditames constitucionais.
Como então podemos falar em abdicação do crédito tributário se essa
possibilidade está prevista em lei formal? E como se pode afirmar que os
descontos não podem atingir o montante do tributo, se evidenciado nos
autos uma real dificuldade em cobrar o que é devido, seja pela existência de
vício no lançamento, seja pela existência de jurisprudência pacífica a favor
do contribuinte ou mesmo pela inexistência de capacidade contributiva do
devedor?
Em relação à particularidade de os descontos poderem atingir o mon-
tante do tributo e não apenas os valores respeitantes aos juros e a multa,
vale lembrar que se trata de um tema muito pouco explorado pela doutrina
tributária. O que se vê são estudos em torno da possibilidade de se excetuar o
princípio da indisponibilidade tributária, mas é difícil localizar manifestações
expressas quanto à probabilidade de se poder adentrar na redução tributária
referente ao montante principal da exação tributária.

3
“Insolvenza, fallimento e dispozione del credito tributario”, editora Ancona, 2006, p. 457.
Indisponibilità e transazione fiscale. Disponível no seguinte endereço eletrônico <http://www.
treccani.it/magazine/diritto/approfondimenti/diritto_tributario/2_marini_transazione_fiscale.
html>Acesso em 06 de fevereiro de 2020.
92 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

O tema exige debate e a doutrina deve, sim, se debruçar sobre o assunto.


Em nosso entendimento, a resposta está no próprio conceito de transação
tributária insculpido no art. 171, do Código Tributário Nacional, quando
permite que o ente tributante possa celebrar acordos mediante concessões
mútuas. Uma dessas concessões, desde que amparadas por lei formal, pode
ser a concordância da Administração Pública de conceder descontos sobre
o próprio tributo e não apenas sobre os encargos incidentes sobre o mesmo,
enquanto que, também fazendo uma concessão, o Devedor consinta em dar
um fim à lide, lembrando que não há nada no Sistema Tributário Nacional
que impeça tal procedimento, seja na Constituição Federal, bem como nas
Leis Infraconstitucionais.
Importante também ressaltar que, dentro das medidas que relativizam
o princípio da indisponibilidade, está a remissão (art. 156, inciso IV, do CTN),
que como a transação (art. 156, inciso III, do CTN), é uma causa de extinção
do crédito tributário. Ora, se a lei pode prever o perdão total do débito por
qual motivo não pode dispor sobre a extinção parcial do mesmo por meio da
transação, devendo ater-se apenas aos encargos incidentes sobre o tributo?
Sob esse prisma, faz-se mister lembrar que a maioria dos municípios
brasileiros, todos os anos, por meio de lei, autoriza descontos no IPTU em
caso de pagamento à vista, visando premiar o bom pagador. Ou seja, os re-
ferenciados atos legislativos, há muito, vêm autorizando descontos sobre o
montante principal do tributo municipal sem qualquer contestação, o que faz
cair por terra o argumento de que não se pode conceder reduções sobre o valor
principal do débito tributário quando da efetivação da transação tributária.
Ora, se a lei permite a premiação do bom pagador concedendo descontos
no montante do tributo, por qual motivo não poderia fazer o mesmo em re-
lação a débitos que são de difícil recuperação? Não se trata de uma benesse
ao mau pagador, como muitos criticam ao se falar em transação tributária,
mas de receber, ao menos em parte, o crédito que, pela via da cobrança usual,
estaria totalmente perdido. E diga-se mais: a simples manutenção do processo
com o único objetivo de preservar o princípio da indisponibilidade vem de
REVISTA DE DIREITO Doutrina 93
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

encontro ao princípio da eficiência e do interesse público, considerando que


se trata de uma medida inútil e altamente custosa à Administração Pública.
Dentro desse contexto, interessante frisar, igualmente, que na Itália, por
exemplo, por meio do Programa “Pace Fiscale4” trinta e dois milhões de euros
resultantes de débitos fiscais foram cancelados de ofício pela Administração
Tributária a mais de doze milhões de contribuintes. Trata-se de dívidas tribu-
tárias antigas e respeitantes aos anos de 2000 a 2010 e de pequena monta.
Ou seja, inferiores a mil euros.
A Lei Municipal nº 8.532/2017 de Blumenau, que dispõe sobre a transação
de créditos tributários e não tributários, trabalha com processos que tenham
sido objeto de execução fiscal ajuizada até 31.12.2014 ou de litígio judicial,
cujo valor histórico não ultrapasse o montante equivalente a 40 (quarenta)
salários mínimos vigentes no momento da transação, permitindo descontos
de 100% na multa e nos juros podendo chegar, ainda, dependendo do caso
concreto, e de forma excepcional, em até 70% (setenta por cento) do principal.
Sempre segundo se infere da legislação municipal acima citada, a aferição
dos requisitos subjetivos — depois do devedor ter comprovado os requisitos
objetivos — se dá por meio de uma tabela de pontuação, que vai de zero a
cinco, em que será considerado, em cada caso em particular, o histórico fiscal
do devedor, a economicidade da medida, a sua situação econômica, o tempo
de duração do processo em Juízo, a chance de êxito do município na causa
e, finalmente, a existência de precedentes jurisprudenciais contra a tese do
credor já pacificadas por súmula dos tribunais superiores, repercussão geral
ou recursos repetitivos.

4
Il Messaggero.It. Effetto mini-condono: cancellate cartelle per oltre 32 miliardi, azzerate
quelle sotto 1.000 euro.  Disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://www.ilmessag-
gero.it/pay/edicola/mini_condono_cartelle_cancellate_oggi_ultime_notizie-4541580.html>.
Acesso em 05 de fevereiro de 2020.
94 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Até o momento, em Blumenau5, no período compreendido entre 12 de


abril de 2018 (data que se iniciaram as audiências de transação tributária) e
24 de outubro de 2019, foram realizados 1.112 (um mil cento e doze) acordos,
encerrados 1.897 (um mil oitocentos e noventa e sete) processos de execução
fiscal e negociados R$ 2.745.531,68 (dois milhões setecentos e quarenta e
cinco mil quinhentos e trinta e um reais e sessenta e oito centavos).
Na transação tributária, portanto, considerando os aspectos constitu-
cionais e infraconstitucionais do sistema tributário brasileiro, nada há que
impeça que os descontos possam atingir o montante do tributo, desde que
haja lei formal dispondo sobre os critérios para a sua realização e desde
que os interesses envolvidos na situação possam justificar uma exceção ao
princípio da indisponibilidade.
Mas para se falar em dispor do tributo ou de se deixar de determinar a
sua extensão – por meio de lei formal – é necessário, igualmente, que se faça
um balanceamento entre os interesses envolvidos na situação e que possam
justificar uma exceção ao princípio da indisponibilidade. Esse balanceamento
deve ser rigoroso e não superficial, tendo-se o cuidado para que a disposição
do crédito tributário não seja relegada, em nenhuma hipótese, à discriciona-
riedade da administração tributária.
Entendemos que no Brasil, em particular, existe um motivo a mais para se
relativizar o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Sabemos que
todo o cidadão é obrigado a participar do custo das despesas públicas, por
meio da exigência do cumprimento da obrigação tributária. Em assim sendo,
tem ele também o direito de receber os serviços que devem obrigatoriamente
ser prestados pelo Estado. Ora, se esses serviços não lhe são ofertados com
qualidade ou simplesmente não lhes são disponibilizados, ocorre aí mais uma
exceção ao princípio da indisponibilidade tributária, justamente porque o

5
Dados obtidos por meio de declaração pública assinada pelas procuradoras Ângela dos
Santos Farias e Cleide Regina Furlani Pompermaier, Coordenadoras do Programa, membros da
Câmara de Transação de Blumenau e Autoras do Projeto de Lei que resultou na Lei Municipal
nº 8.532/2017.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 95
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

produto da arrecadação não está sendo utilizado para suprir as necessidades


básicas de uma população, que é uma das grandes metas da tributação ou
ao menos deveria ser.
E não se diga que o princípio da indisponibilidade se restringe somente
às imposições tributárias, sendo certo afirmar que o mesmo se aplica igual-
mente ao produto da arrecadação, como bem asseveram Luiz Mathias Rocha
Brandão e Melanie Claire Fonseca Mendoza, nos seguintes termos:
A indisponibilidade das imposições tributárias (obrigações tributárias)
e do produto da arrecadação (créditos tributários) tem relação direta com
dois fatores: a) o dever de obediência estrita ao princípio da legalidade; b)
os limites da discricionariedade atribuída aos atos administrativos inerentes
à tributação.6
Enfim, repita-se, sendo a transação tributária medida de exceção, essa
deve obedecer com rigor os ditames da lei e aos consequentes procedimentos
previstos exclusivamente pelo legislador e, principalmente, pelo requisito da
motivação dos atos e da conduta do agente administrativo.
Serena Busatto7, em artigo intitulado “Il principio di indisponibilità dell’ob-
bligazione tributaria” nos ensina, em suma, que somente a lei formal pode fixar
pressupostos voltados a instituir tributos ou implementar tipos tributários
de exceção ou de exclusão tributária, como é o caso da transação. Veja-se:

il principio di indisponibilità trova una prima giustificazione nella


gerarchia delle fonti legislative, per la quale gli atti emessi dalle
pubbliche amministrazioni non possono porsi in contrasto con la

6
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA A PRÁTICA DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: DA DIS-
CRICIONARIEDADE COMPARTILHADA E DA COOPERAÇÃO DO CONTRIBUINTE. CAMINHO
PARA A EFICIÊNCIA DA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA. Disponível no seguinte endereço eletrônico:
<file:///C:/Users/199605/Downloads/Estudo+importante+sobre+transa%C3%A7%C3%A3o+-
tribut%C3%A1ria.+Dia+31+de+janeiro+de+2020%20(3).pdf>. Acesso em 05 de fevereiro de
2020.
7
Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://dspace.unive.it/bitstream/hand-
le/10579/3113/806309-1164171.pdf?sequence=2>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
96 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

legge formale, con la naturale conseguenza che è inibito all’Am-


ministrazione Finanziaria di produrre norme volte alla fissazio-
ne di presupposti d’imposta, ed altresì di istituire fattispecie di
esenzione o di esclusione tributaria, dovendosi esclusivamente
limitare all’applicazione della legge ordinaria.

Muito importante dizer, ademais, que no direito civil a regra é a dispo-


nibilidade e a indisponibilidade é a exceção. No direito tributário, a regra é a
indisponibilidade e a disponibilidade é a exceção e, nesse diapasão, importante
enfatizar que a transação tributária não pode prescindir do perfil garantidor
da lei, sendo certo afirmar que o legislador é o único titular para dar certa
discricionariedade e relatividade ao princípio da indisponibilidade do tributo.
A administração tributária, enfim, no exercício de sua função pública não
é titular de modo exclusivo do interesse do tributo e de sua arrecadação. Pelo
contrário, o grande detentor desse poder é o cidadão, que entrega dinheiro ao
Estado. Tanto o gestor governamental, como a autoridade fiscal ou o procura-
dor fazendário, são apenas a representação do poder tributário, responsáveis
pela operacionalização da busca da receita pública, não havendo espaço de
se dispor do crédito tributário se inexistente a autorização legislativa.
Nesse sentido, muito salutar é a adoção da transação tributária como
forma de extinguir o crédito tributário, nos moldes já previstos no Código
Tributário Nacional, em seu art. 156, inciso II, desde que sejam observados
critérios rígidos para a sua realização, devendo ser apreciado caso a caso, e,
principalmente, que tais pressupostos sejam editados por lei formal. Normas
menores e editadas unilateralmente não podem sobrepor-se à lei, seja nas
questões de imposição tributária, seja nas questões de exoneração ou redução
tributária, dentre as quais se encontra a transação tributária.
REVISTA DE DIREITO Doutrina 97
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Referências Bibliográficas

TROPEANO. Antonella, citando ZANNI E G. REBECCA. Strumenti deflativi del contencioso,


disponibilità dell´obbligazione tributaria e discrezionalità dell´amministrazione
finanziaria 16299 – 6308. Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://www.
academia.edu/15149904/Strumenti_deflativi_del_contenzioso_disponibilit%C3%A0_
dellobbligazione_tributaria_e_discrezionalit%C3%A0_dellamministrazione_
finanziaria?email_work_card=interaction_paper> Acesso em 08 de fevereiro de 2020.

MARINI. Giuseppe, citando LUPI “Insolvenza, fallimento e dispozione del credito tributario”,
editora Ancona, 2006, p. 457.

Indisponibilità e transazione fiscale. Disponível no seguinte endereço eletrônico <http://www.


treccani.it/magazine/diritto/approfondimenti/diritto_tributario/2_marini_transazione_
fiscale.html>Acesso em 06 de fevereiro de 2020.

Art. 23, da Constituição Italiana.

Art. 171, do Código Tributário Nacional.

Art. 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional.

Art. 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional.

IL MESSAGGERO.It. Effetto mini-condono: cancellate cartelle per oltre 32 miliardi,


azzerate quelle sotto 1.000 euro.  Disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://
www.ilmessaggero.it/pay/edicola/mini_condono_cartelle_cancellate_oggi_ultime_
notizie-4541580.html>. Acesso em 05 de fevereiro de 2020.

A Lei Municipal nº 8.532/2017 de Blumenau. Disponível no seguinte endereço eletrônico:


<https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/blumenau/lei-ordinaria/2017/853/8532/lei-
ordinaria-n-8532-2017-dispoe-sobre-transacao-de-creditos-tributarios-e-nao-tributarios-
do-municipio-de-blumenau-objeto-de-execucao-fiscal-ajuizada-ate-31-122014-ou-de-litigio-
judicial-nas-hipoteses-que-especifica-e-da-outras-providencias> Acesso em 07 de fevereiro
de 2020.

BRANDÃO. Luiz Mathias Rocha e MENDOZA. Melanie Claire Fonseca DESAFIOS


CONTEMPORÂNEOS PARA A PRÁTICA DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: DA DISCRICIONARIEDADE
COMPARTILHADA E DA COOPERAÇÃO DO CONTRIBUINTE. CAMINHO PARA A EFICIÊNCIA DA
ATIVIDADE TRIBUTÁRIA. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <file:///C:/Users/199605/
98 Doutrina REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Downloads/sa%C3%A7%C3%A3o+tribut%C3%A1ria.+Dia+31+de+janeiro+de+2020%20(3).
pdf>. Acesso em 05 de fevereiro de 2020.

BUSATTO.Serena. Il principio di indisponibilità dell’obbligazione tributaria.


Disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://dspace.unive.it/bitstream/
handle/10579/3113/806309-1164171.pdf?sequence=2>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
Empréstimos Consignados e o
Covid-19

Paola Sofia Panazzolo


Advogada, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo
UniRitter - Laureate International Universities - 2016/2.

A Federação Brasileira de Bancos – Febraban informou que os maiores


bancos do Brasil: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander,
informaram a possibilidade de prorrogar as dívidas de seus clientes pessoa
física e micro e pequenas empresas por 60 dias. Cada banco irá definir quais
linhas de crédito poderão sofrer prorrogação. (https://cebds.org/o-que-os-
-bancos-estao-fazendo-em-meio-a-pandemia-coronavirus/#.XoMmQIhKjIU )
Ocorre que muitos correntistas que tem empréstimo consignados pe-
rante algumas instituições financeiras estão sendo compelidos a realizar
uma novação.
Novação é a transformação de uma dívida em outra, com extinção da
antiga. Desta forma surge uma nova dívida do devedor em relação ao credor,
com o desaparecimento da original.
Dá-se a novação:
Quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e
substituir a anterior;
Quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
Quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao
antigo, ficando o devedor quite com este.
São requisitos para que ocorra novação:

- 99 -
100 Opinião REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

- Existência de um vínculo jurídico anterior;


- Conversão da obrigação anterior em uma nova obrigação;

Sendo essa prática incompatível no momento em que a instabilidade


financeira Mundial se encontra, bem como com o nosso ordenamento jurídico
tendo em vista os potenciais impactos da recente pandemia de coronavírus,
os quais devem ser antecipados pelas partes contratantes e podem ser en-
quadrados como força maior diante da imprevisibilidade da pandemia e de
seus efeitos inesperados e incontroláveis em muitos contratos.
O recente surto do coronavírus e sua célere expansão, passando de
uma doença local à ameaça internacional, provocam impactos nas relações
comerciais ao redor do mundo e, no Brasil, a situação não é diferente. Nesse
cenário, muitas pessoas demonstram preocupação com os reflexos do surto
do coronavírus (e de seus efeitos) para a execução de obrigações contratuais.
Constata-se pela possibilidade da pandemia do coronavírus ser enqua-
drada como força maior, prevista em no Código Civil/2002.
Nessa linha, o artigo 393 do Código Civil prevê que:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de


caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver
por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se
no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis de evitar
ou impedir.

Os Bancos cometem atos abusivos, aproveitando o momento de fragilidade


financeira da sociedade, como: ofertam taxas de juros menores, em alguns
casos, e realizam o que chamamos “venda casada”, a qual é expressamente
proibida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (art. 39, I), constituindo
inclusive crime contra as relações de consumo (art. 5º, II, da Lei n.º 8.137/90).
REVISTA DE DIREITO Opinião 101
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Uma situação que não deveria ser comum, mas infelizmente é frequen-
temente utilizada. A venda casada em bancos ocorre quando, para contratar
um produto financeiro, um correntista é informado que tem de pagar também
por outro serviço, e nesse momento que o banco se aproveita do correntista
que perante o banco é hipossuficiente e se encontra num momento de vul-
nerabilidade diante a uma pandemia.
Aproveitando da triste situação mundial para aumentar o valor do em-
préstimo, dando assim a novação, o cliente sai com algum valor a mais,
contrata uma venda casa, muitas vezes sem saber, e o banco desconsidera
o que já foi pago do empréstimo anterior, que será considerado tão-somente
para pagamentos das taxas jurus e demais despesas do contrato anterior,
abarcando esse valor em um novo empréstimo que o início de pagamento se
dará incialmente em sessenta dias.
Em concordância com a boa-fé objetiva e a função social do contrato,
o grande volume de causas julgadas no STJ fez surgir, no âmbito interno do
Tribunal, a uniformização do seu entendimento quanto ao tema, culminando
na edição, em 2004, da súmula nº 286, assim ementada:

“A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não


impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades
dos contratos anteriores”.

Destaque-se, portanto, posto que a posição jurídica de vários setores da


sociedade em não aplicar o CDC aos contratos bancários, na época, a súmula
nº 286 nasceu como forma de resguardar o vulnerável frente às instituições
financeiras, pois muito embora a parte aceite as condições de novar sua
dívida, substituindo uma obrigação por outra, ela não possui conhecimento
jurídico satisfatório para compreender os inúmeros prejuízos que tal ato
pode lhe trazer.
Ante a uma Constituição cujo desígnio máximo é o princípio da dignidade
da pessoa humana, o STJ elegeu, assim, relativizar o instituto da novação no
102 Opinião REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

aspecto a proteger, mediante a intervenção do Judiciário na relação privada,


a justiça social, relativizando a força obrigatória dos contratos.
Entre os precedentes que ocasionaram a edição da súmula, o julgamento
do Resp 332.832/RS faz alusão expressa ao instituto da novação:

“NEGÓCIOS BANCÁRIO. REVISÃO. Na ação revisional de negócios


bancários, pode-se discutir a respeito de contratos anteriores, que
tenham sido objeto de novação. Recurso Especial não conhecido”
(STJ, Resp. 33.2832/RS; RECURSO ESPECIAL 2001/0086405-2.
Relator Ministro Asfor Rocha, Segunda Seção de Direito Privado.
Data do Julgamento: 28/05/2003, Data de Publicação e Fonte:
DJ 23/02/2003)[13] (grifou-se)
Afinal, em um negócio em que exista uma situação de inferiori-
dade ou uma desproporção de umas das partes, deveria ser nulo
o negócio jurídico pelo qual alguém, abusando da necessidade
ou a inexperiência do outro, lhe faça prometer ou procure para
si ou para um terceiro, em troca de uma prestação, vantagens
patrimoniais que superem de tal forma o valor da prestação que,
segundo as conjunturas, estejam em manifesta desproporção
com dita prestação” (A tradução é de Souza Diniz, Código Civil
Alemão, in BECKER).

Um alerta para todos correntistas de bancos nesse momento que a


população mundial vem enfrentando e para futuros contratos.
Ementário

Alimentos

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL –


ALIMENTOS PROVISÓRIOS – TRINÔMIO NECESSIDADE – POSSIBILI-
DADE – PROPORCIONALIDADE – NECESSIDADE DOS ALIMENTANDOS
– POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE – PARCIAL PROVIMENTO – 1. À luz
do artigo 1.703 do Código Civil, aos cônjuges separados incumbe a respon-
sabilidade compartilhada na manutenção dos filhos, devendo os alimentos
ser fixados na proporção de seus recursos. 2. O arbitramento da prestação
de alimentos deve restar pautado nas necessidades vitais da reclamante,
bem como nos recursos do alimentante. 3. A fixação da obrigação alimentícia
deve respeitar o trinômio possibilidade X necessidade X proporcionalidade,
garantindo, em seu arbitramento, condições mínimas de existência digna a
todos os envolvidos na relação alimentar. 4. Agravo de Instrumento conhecido
e parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri-
tórios - REC 07261.87-71.2019.8.07.0000 - Oitava Turma Cível - Eustáquio
de Castro - Julg. 15/04/2020 - Publ. PJe 27/04/2020)

- 103 -
104 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DE FAMÍLIA – AÇÃO DE ALIMEN-


TOS – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – CAPACIDADE ECONÔMICO-FINAN-
CEIRA DO ALIMENTANTE – DIMINUIÇÃO DEMONSTRADA – BINÔMIO
NECESSIDADE/POSSIBILIDADE – REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO NA
ORIGEM – POSSIBILIDADE – DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA -1.
Na fixação dos alimentos deve ser observado o binômio necessidade/pos-
sibilidade, que corresponde a uma justa medida entre as necessidades da
criança e as possibilidades do responsável, que deve provê-los sem sacrifício
da própria subsistência, nos termos do art. 1.694, §1º, do Código Civil. 2. Cabí-
vel a redução dos alimentos provisórios fixados, diante da demonstração, no
juízo de cognição sumária inerente ao agravo de instrumento, de que o valor
fixado originariamente extrapola as possibilidades do alimentante, o que não
obsta posterior modificação após a necessária incursão probatória. 3. Agravo
de instrumento conhecido e parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios - REC 07263.25-38.2019.8.07.0000 - Primeira
Turma Cível - Simone Lucindo - Julg. 01/04/2020 - Publ. PJe 24/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – EXECU-


ÇÃO DE ALIMENTOS – PEDIDO DE SUSPENSÃO DA CNH – MEDIDA
DESARRAZOADA – CASOS ESPECÍFICOS COM PREVISÃO NO CÓDIGO DE
TRÂNSITO PARA CNH – DIREITO DE IR E VIR – PRINCÍPIO DA DIGNIDA-
DE DA PESSOA HUMANA CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
– RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO – 1. O silogismo jurídico que o
caso requer não é tolher o direito de ir e vir e muito menos de afrontar prin-
cípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o que se busca
é dar ao processo condições de pacificar as relações jurídicas e, para isso, o
novo CPC possibilita ao Magistrado determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, nos termos do art. 139, IV, do CPC, obser-
vando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade da medida, a teor
do que dispõe do art. 8º, do CPC; atentando sobremaneira para o grau de
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 105
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

efetividade. 2. Nada foi demonstrado para justificar a adoção de medidas


extremas (suspensão da CNH), sendo certo que tais providências afrontam
a Constituição Federal por ferir o direito de locomoção, consagrado em seu
art. 5º, XV, bem como se mostram desarrazoadas por infringir diretamente
o princípio da dignidade da pessoa humana, ao se restringir a utilização de
documento de caráter pessoal. 3. Recurso CONHECIDO e DESPROVIDO.
Decisão hostilizada mantida. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios - REC 07112.30-65.2019.8.07.0000 - Quinta Turma Cível - Robson
Barbosa de Azevedo - Julg. 15/04/2020 - Publ. PJe 27/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – ALIMENTOS – FIXAÇÃO – TRINÔMIO NECESSIDADE-


-POSSIBILIDADE-PROPORCIONALIDADE – MINORAÇÃO – IMPOSSIBILI-
DADE – NÃO COMPROVAÇÃO – 1. É de sabença que o CC/02 em seu artigo
1.699, traz hipóteses específicas que ensejam a minoração de alimentos.
Todavia, para que isto ocorra, imprescindível a presença dos elementos que
o condicionam, não se descurando, é claro, do princípio da proporcionalida-
de inserto no artigo 1.694, § 1º, do CC/02, subsistindo, portanto, o binômio
necessidade-possibilidade. 2. Inexistindo comprovação pelo alimentante
de que possui um desequilíbrio econômico-financeiro a ponto de ensejar a
minoração da pensão alimentícia, bem como de provê-la, há de se manter o
percentual consignado na sentença a quo, porquanto se revela adequado à
satisfação do direito da menor. 3. Recurso desprovido (Tribunal de Justiça do
Estado do Acre - APL 0700801-70.2016.8.01.0013 - Feijó - Segunda Câmara
Cível - Roberto Barros - DJAC 29/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – ALIMENTOS – REVELIA – PRESUNÇÃO RELATIVA


– DIREITO INDISPONÍVEL – ART. 345, INCISO II, CPC – BINÔMIO NE-
CESSIDADE/POSSIBILIDADE – VIVER CONDIGNO À CONDIÇÃO SOCIAL
FAMILIAR – ASSISTÊNCIA MÚTUA DOS GENITORES EM PROL DOS FILHOS
– ALIMENTOS PROVISÓRIOS – MANUTENÇÃO – NÃO OBRIGATORIEDADE
– 1. A revelia produz presunção relativa da veracidade dos fatos alegados,
de modo que seus efeitos podem ser mitigados pelo julgador, a quem, como
106 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

destinatário das provas, cabe a análise dos fatos apresentados. E, em se


tratando de ação de alimentos, direito conhecidamente indisponível, deve
ser aplicado o disposto no art. 345, inciso II, do CPC. 2. Os alimentos devem
ser arbitrados em observância ao binômio necessidade do alimentando e
possibilidade do alimentante, nos termos do preceptivo estabelecido no
artigo 1.694, caput e parágrafo primeiro, do Código Civil. 3. Os alimentos
devem proporcionar um viver condigno com a condição social da família, sem
olvidar adequação às reais possibilidades financeiras do alimentante para tal
desiderato, em observância ao binômio necessidade-possibilidade, cabendo a
ambos os genitores, em assistência mútua, arcar com os custos que atendam
às necessidades dos filhos. 4. A fixação de alimentos provisórios em patamar
superior não obriga o magistrado a manter referido percentual ao julgar o
mérito da ação, mormente quando obtidas maiores informações acerca da
capacidade do alimentante durante a instrução processual. 5. Apelação
cível conhecida e não provida. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios - REC 07059.69-92.2019.8.07.0009 - Quinta Turma Cível - Ana
Cantarino - Julg. 01/04/2020 - Publ. PJe 16/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – ALIMENTOS – REVISIONAL DE ALIMENTOS – PEDI-


DO DE REDUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – Fixados os alimentos de acordo
com o binômio necessidade/possibilidade, incabível a pretendida redução.
(Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - REC 07204.62-
29.2018.8.07.0003 - Quarta Turma Cível - Fernando Habibe - Julg. 18/03/2020
- Publ. PJe 27/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – CIVIL – PROCESSO CIVIL – PRELIMINAR – CERCEA-


MENTO DE DEFESA – REJEITADA – REVISIONAL DE ALIMENTOS – BI-
NÔMIO – NECESSIDADE – POSSIBILIDADE – QUANTUM ARBITRADO
EM SENTENÇA – RAZOABILIDADE -1. De acordo com o disposto no artigo
355, inciso I, do Código de Processo Civil, o juiz julgará antecipadamente o
pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver
necessidade de produção de outras provas. 2. Indeferimento de produção
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 107
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de prova irrelevante não caracteriza cerceamento de defesa. 3. A fixação dos


alimentos deve ser orientada pelo caput e § 1º do artigo 1.694 do Código Civil,
que preconiza a comprovação da necessidade de quem a recebe, a situação
financeira de quem paga, a fim der que seja garantida a sua compatibilidade
com a condição social das partes. 4. Constatado que o valor arbitrado a título
de alimentos se mostra razoável e proporcional em relação às necessidades
do alimentando e à capacidade do alimentante, tem-se por inviabilizada a
pretensão recursal de modificação do quantum fixado. 5. Preliminar de cercea-
mento de defesa rejeitada. 6. Recurso conhecido e desprovido. (Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - REC 07003.76-67.2019.8.07.0014
- Terceira Turma Cível - Maria de Lourdes Abreu - Julg. 25/03/2020 - Publ.
PJe 13/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS


– PEDIDO DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA – Deferimento pelo
magistrado a quo. Ausência de interesse recursal. Mérito. Acordo homolo-
gado judicialmente. Manutenção do contexto financeiro e econômico das
partes. Lastro probatório insuficiente para demonstrar a impossibilidade
superveniente de arcar com a pensão alimentícia. Recurso conhecido em
parte e provido. (Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - APL 0700845-
19.2019.8.02.0058 - Arapiraca - Terceira Câmara Cível - Domingos de Araújo
Lima Neto - DJAL 02/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – REVISÃO DE ALIMENTOS – REDU-


ÇÃO DE ALIMENTOS – DESEMPREGO – OBSERVÂNCIA DO BINÔMIO
NECESSIDADE-POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA – 1. Os genitores
possuem o inarredável dever de contribuir para o sustento dos filhos, forne-
cendo-lhes assistência material e moral a fim de prover as necessidades com
alimentação, vestuário, educação e tudo o mais que se faça imprescindível
para a manutenção e sobrevivência da prole. 2. De acordo com o disposto no
§ 1º do art. 1.694 do Código Civil, a fixação de alimentos requer a verificação
do binômio necessidade-possibilidade, a fim de que o Alimentando recebe
108 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

o necessário para garantir a própria subsistência e o Alimentante não seja


obrigado a arcar com prestações superiores às suas forças contributivas.
3. O desemprego é condição transitória, sobretudo no caso de pessoa em
plena capacidade laborativa, como no caso do Apelante, o que permite que
concorra com o mínimo para dar dignidade e sobrevivência a sua prole. 4.
Desse modo, verifica-se que a redução da obrigação alimentícia estabelecida
pelo magistrado sentenciante constitui medida adequada a se atender ao
objetivo do encargo que consiste em suprir as necessidades do alimentando,
de acordo com as possibilidades do alimentante. 5. Apelação conhecida e
desprovida. Sentença mantida. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios - REC 07135.79-15.2018.8.07.0020 - Terceira Turma Cível - Roberto
Freitas - Julg. 18/03/2020 - Publ. PJe 01/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE


ALIMENTOS – PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR – ÔNUS
DA SUCUMBÊNCIA – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE – ART. 85, § 10 DO
CPC – SENTENÇA REFORMADA – 1. Conforme a causalidade, aquele que
deu ensejo à propositura da demanda deve arcar com os seus custos e, não
havendo julgamento de mérito, deve o juiz analisar quem restaria vencido
ao final, impondo-lhe a sucumbência processual. 1.1. [... ] o processo não
deve reverter em prejuízo de quem tinha razão para ajuizá-lo. [... ] (Acórdão
n.1056395, 00058924720168070004, Relator: LEILA ARLANCH 7ª Turma
Cível, Data de Julgamento: 25/10/2017, Publicado no DJE: 03/11/2017. Pág.
: Sem Página Cadastrada. ) 2. À vista do evento indicado nos autos, resta
incontroverso que o ajuizamento da ação de alimentos foi opção empreendi-
da pela representante dos menores que, se não fosse a subtração ilegal dos
infantes de sua residência habitual, não haveria razão para o ajuizamento
da ação em exame. 3. Apelação conhecida e provida. Sentença reformada.
(Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - REC 00093.40-
55.2017.8.07.0016 - Terceira Turma Cível - Roberto Freitas - Julg. 25/03/2020
- Publ. PJe 07/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 109
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE


ALIMENTOS – EX-CÔNJUGE – COMPROVAÇÃO DO BINÔMIO NECESSI-
DADE-POSSIBILIDADE – MANUTENÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
– ALIMENTANDA SEM CONDIÇÕES DE REINSERÇÃO NO MERCADO DE
TRABALHO – SITUAÇÃO FINANCEIRA DO ALIMENTANTE – INALTERAÇÃO
– LIMITAÇÃO TEMPORAL – NÃO CABIMENTO – SENTENÇA MANTIDA – 1.
A obrigação alimentar encontra fundamento nos princípios da preservação
da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, com o ideal de
se estabelecer valor que sirva à contribuição na manutenção do alimentando,
sem impor ônus que o alimentante não possa suportar, de modo a evitar a
frustração do pagamento. 2. Com o término do vínculo matrimonial, o pen-
sionamento alimentar entre ex-cônjuges depende da análise de cada caso
concreto, exigindo-se plena comprovação do binômio necessidade de quem
pleiteia os alimentos e possibilidade econômica de quem irá prestá-los. 3. Deve
ser mantida a prestação de alimentos se o alimentante continua em condições
de pagamento da verba e se está comprovada a necessidade de percepção por
parte da alimentanda, que não mudou sua situação financeira, permanecendo
sem condições de inserção no mercado de trabalho. 4. Consoante jurispru-
dência do colendo Superior Tribunal de Justiça, a prestação de alimentos
entre ex-cônjuges possui caráter excepcional e transitório, excetuando-se
tal regra somente quando um dos cônjuges não detenha mais condições de
reinserção no mercado de trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira.
5. Apelação cível conhecida e não provida. (Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios - REC 07054.24-31.2019.8.07.0006 - Primeira Turma
Cível - Simone Lucindo - Julg. 01/04/2020 - Publ. PJe 24/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – PEDIDO DE EXONERAÇÃO


DE ALIMENTOS EM RELAÇÃO A FILHA MAIOR E CAPAZ – Maioridade que
afasta a presunção de necessidade da alimentada. Ausência de comprovação
da necessidade de receber alimentos paterno. Destituição devida. Sentença
mantida. Recurso conhecido e não provido. (Tribunal de Justiça do Estado
de Alagoas - APL 0700185-12.2018.8.02.0203 - Anadia - Terceira Câmara
Cível - Domingos de Araújo Lima Neto - DJAL 02/04/2020)
110 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO – ALIMENTOS – CREDORA ADOLESCEN-


TE – ACORDO EXTRAJUDICIAL – QUITAÇÃO PARCIAL – EXTINÇÃO DA
EXECUÇÃO PELO PAGAMENTO INTEGRAL – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO
IRRENUNCIÁVEL – DESISTÊNCIA TÁCITA – PROSSEGUIMENTO – EXECUÇÃO
– PRAZO PRESCRICIONAL – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO
DO MÉRITO – 1. Por se tratar de obrigação alimentar, o pagamento parcial e
em montante inferior ao devido, a credora adolescente, realizado mediante
acordo extrajudicial, não tem o condão de chancelar o pedido de quitação
integral do débito e a respectiva extinção do processo, com julgamento de
mérito, pelo pagamento integral do débito. 2. Nos termos do artigo 1707 do
Código Civil, pode a alimentada não exercer, porém lhe é vedado renunciar
o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão,
compensação ou penhora, razão pela qual pode a credora, mesmo que tenha
desistido tacitamente de receber o montante integral, retornar, dentro do
prazo prescricional, a pretensão executiva ao saldo remanescente. 3. Recurso
conhecido e desprovido. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri-
tórios - REC 00182.20-17.2013.8.07.0003 - Terceira Turma Cível - Maria de
Lourdes Abreu - Julg. 03/04/2020 - Publ. PJe 22/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS – EX-CÔNJUGES – EX-


CEPCIONALIDADE – CARÁTER TEMPORÁRIO – AÇÃO DE EXONERAÇÃO
JULGADA PROCEDENTE – CAPACIDADE LABORATIVA E INSERÇÃO NO
MERCADO DE TRABALHO DA EX-CONSORTE – APELAÇÃO CÍVEL CO-
NHECIDA E IMPROVIDA – SENTENÇA MANTIDA – 1 - Sustenta a alimen-
tanda que persiste a possibilidade do recorrido de prover os alimentos, sem
comprometimento de seu próprio sustento, bem como a sua necessidade
de perceber a pensão alimentícia. 2 - Inexiste razão para a modificação do
decisum ora apelado, vez que prolatado em perfeita consonância com a
legislação vigente e com os padrões da jurisprudência pátria, atendendo
aos princípios basilares do direito. 3 - A atual orientação da jurisprudência
pátria, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que o dever
de prestar alimentos entre ex-cônjuges tem caráter excepcional, devendo
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 111
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

ser fixado com termo certo, salvo em hipóteses específicas em que um dos
cônjuges não possa por seus próprios meios suprir sua subsistência. 4 - Cabe
a alimentanda o ônus de provar seu estado de necessidade, bem como as
suas limitações ou incapacidades para prover o próprio sustento, que venha
a caracterizar a situação de excepcionalidade. 5 - No caso, o juízo monocrá-
tico julgou procedente o pedido autoral, exonerando o apelado da obrigação
alimentar em razão da reinserção da alimentanda no mercado de trabalho,
aliada a possibilidade da mesma de manter seu próprio sustento, bem como
o lapso temporal em que recebeu a pensão alimentícia discutida, suficiente
para se restabelecer. 6 - A parte ré não trouxe aos autos demonstração dos
fatos articulados em sua defesa, no que se refere à sua impossibilidade
de prover seu próprio sustento. 7 - Apelação cível conhecida e improvida.
Sentença mantida. (Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - APL 0091425-
25.2007.8.06.0001 - Quarta Câmara de Direito Privado - Raimundo Nonato
Silva Santos - Julg. 14/04/2020 - DJCE 20/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – ALIMENTOS – MENORES E EX-CÔNJUGE


– MAJORAÇÃO EM FAVOR DAS CRIANÇAS – PROPORCIONALIDADE – 1. A
fixação dos alimentos deve ser baseada no binômio necessidade/possibilidade
(CC 1.694 § 1º). 2. É dever dos pais o sustento dos filhos menores, sendo a
prestação alimentar inerente aos deveres advindos do poder familiar, devendo
ser observado o critério da proporcionalidade, notadamente no caso do genitor
que tem boas condições financeiras, que lhe permitem arcar com parcela maior
das despesas das menores. 3. Conheceu-se parcialmente do apelo das rés,
e, na parte conhecida, deu-se lhe parcial provimento. (Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios - REC 07092.11-94.2017.8.07.0020 - Quarta
Turma Cível - Sérgio Rocha - Julg. 18/03/2020 - Publ. PJe 02/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA E PROCESSO CIVIL – OFERTA DE ALIMENTOS


– GRATUIDADE DE JUSTIÇA – IMPUGNAÇÃO – PRESUNÇÃO DE VERACI-
DADE DA DECLARAÇÃO FIRMADA POR PESSOA NATURAL – AUSÊNCIA
DE PROVA DA SUFICIÊNCIA FINANCEIRA – REJEIÇÃO – ALIMENTOS
112 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

– FIXAÇÃO – BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE – QUANTUM


ADEQUADO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – NÃO CONFIGURADA -1. Embora a
presunção de veracidade da alegação de hipossuficiência deduzida exclusiva-
mente por pessoa natural não seja absoluta, admitindo prova em contrário,
a suficiência financeira deve ser provada por quem alega o fato. 2. O valor
arbitrado na origem, a título de alimentos devidos pelo genitor a seu filho
menor, atende ao binômio necessidade-possibilidade e, além disso, revela-se
adequado, se consideradas as peculiaridades do caso e as provas produzidas,
não merecendo, portanto, ser reduzido ou majorado. 3. Inviável a aplicação
da multa por litigância de má-fé, se ausente comportamento desleal da parte
ou indício de abuso do direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). 4. Apelações
principal e adesiva conhecidas e não providas. (Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios - REC 07022.29-69.2018.8.07.0007 - Sétima Turma
Cível - Fábio Eduardo Marques - Julg. 18/03/2020 - Publ. PJe 23/04/2020)

DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE ALIMENTOS – APELAÇÃO – PEDI-


DO DE REDUÇÃO DO VALOR DA VERBA ALIMENTAR – ARTIGOS 1694, §
1º E 1695 DO CÓDIGO CIVIL – BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE
– APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA – 1. O artigo 1.695 do Código
Civil consubstancia o princípio básico da obrigação alimentar, pelo qual os
alimentos devem ser fixados de acordo com as necessidades do alimentado e
a possibilidade do alimentante. Fixados os alimentos, estes não são imutáveis,
podendo a qualquer momento, de acordo com as condições econômicas do
alimentante e alimentado, serem modificados. 2. A regra basilar na fixação
de alimentos, do binômio necessidade/possibilidade previsto no Código Civil
(art. 1.694, § 1°), é a de que são devidos alimentos quando quem pretende não
tem bens suficientes, nem pode prover pelo seu trabalho a própria mantença,
e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los sem desfalque do necessário
ao seu sustento (art. 1.695). 3. É de se ressaltar que os alimentos abrangem
todas as necessidades físicas e psíquicas do alimentando, incluindo despesas
com educação, moradia, transporte, atendimento médico, vestuário, lazer,
entre outros, desde que devidamente comprovadas. 4. Na tabela acostada
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 113
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

na emenda à inicial, consta que as despesas dos dois menores, com 15 e 11


anos de idade, resultou em R$ 1.686,66 (mil, seiscentos e oitenta e seis reais
e sessenta e seis centavos). Também consta nos autos que o apelante está há
3 (três) anos sem prestar qualquer auxílio financeiro aos filhos, sendo que no
momento a genitora dos menores está desempregada. Lado outro, quanto ao
exame da capacidade de contribuição do genitor, bombeiro de aeródromo, au-
fere subsídio bruto de, aproximadamente, R$ 4.500,00 e as dívidas contraídas
pela parte não têm condão, por si só, de reduzir a verba alimentar, pois foi ato
voluntário do alimentante (). (Acórdão 1203434, 07076166820188070006,
Relator: JOSAPHA Francisco DOS Santos, 5ª Turma Cível, data de julgamento:
18/9/2019, publicado no PJe: 2/10/2019. Pág. : Sem Página Cadastrada. ). 5.
Apelação conhecida e não provida. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal
e dos Territórios - REC 07027.19-18.2019.8.07.0020 - Quinta Turma Cível -
Maria Ivatônia - Julg. 01/04/2020 - Publ. PJe 17/04/2020)

DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS – SEN-


TENÇA PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL – Apelação cível. I)
Pleito de concessão da justiça gratuita. Acolhido. Apelante que declarou, no
bojo da petição recursal, não dispor de condições financeiras de arcar com
os custos do processos, sem prejuízo do sustento próprio e da família. II)
preliminares contrarrecursais: Da deserção do recurso. Afastada. Concessão
da justiça gratuita. Dispensa do pagamento do preparo do recurso; e da
intempestividade. Afastada. Apelo interposto dentro da fluência do prazo
recursal. Observado o período de suspensão dos prazos processuais, na
forma da Lei. III) preliminar de nulidade da sentença por error in procedendo.
Acolhida. Cerceamento de defesa. Julgamento antecipado da lide. Instrução
probatória necessária. Error in procedendo. Cassação. De acordo com o en-
tendimento doutrinário e jurisprudencial, o julgamento antecipado da lide
pressupõe a comunicação prévia do juiz às partes, dando-lhes ciência sobre
sua intenção em abreviar o procedimento, sob pena de nulidade da senten-
ça proferida sem a observância dessa providência. Análise prejudicada das
demais teses suscitadas no bojo da peça apelatória. Recurso conhecido e
114 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

provido. Decisão unânime. (Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - APL


0700202-35.2017.8.02.0057 - Viçosa - Segunda Câmara Cível - Pedro Augusto
Mendonça de Araújo - DJAL 27/04/2020)

DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS – SEN-


TENÇA PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL – APELAÇÃO CÍVEL
– I) Pleito de concessão da justiça gratuita. Acolhido. Apelante que declarou,
no bojo da petição recursal, não dispor de condições financeiras de arcar
com os custos do processos, sem prejuízo do sustento próprio e da família.
II) preliminares contrarrecursais: Da deserção do recurso. Afastada. Con-
cessão da justiça gratuita. Dispensa do pagamento do preparo do recurso;
e da intempestividade. Afastada. Apelo interposto dentro da fluência do
prazo recursal. Observado o período de suspensão dos prazos processuais,
na forma da Lei. III) preliminar de nulidade da sentença por error in proce-
dendo. Acolhida. Cerceamento de defesa. Julgamento antecipado da lide.
Instrução probatória necessária. Error in procedendo. Cassação. De acordo
com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o julgamento antecipado
da lide pressupõe a comunicação prévia do juiz às partes, dando-lhes ciência
sobre sua intenção em abreviar o procedimento, sob pena de nulidade da
sentença proferida sem a observância dessa providência. Análise prejudicada
das demais teses suscitadas no bojo da peça apelatória. Recurso conhecido
e provido. Decisão unânime. (Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - APL
0700202-35.2017.8.02.0057 - Viçosa - Segunda Câmara Cível - Pedro Augusto
Mendonça de Araújo - DJAL 24/04/2020)

DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA C/C


ALIMENTOS – SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – Apelação
cível. Teses de mérito: I) que a retirada da guarda dos filhos dos seus geni-
tores apenas deve ser aplicada em casos extremos, conforme disposto nos
artigos 1.635 e 1.638 do Código Civil c/c art. 92 do Código Penal, o que não
é o caso dos autos; II) que houve uma melhoria na situação financeira dela
(requerente); III) a novel constituição de um núcleo familiar estável; e, IV) que
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 115
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

a menor possui o direito de conviver no seio de sua família natural, estando


atualmente privada do convívio diário com a sua mãe e sua irmã. Afastadas.
Quanto ao exercício de atividade profissional que assegure à apelante a
capacidade financeira necessária à manutenção da sua filha menor, não há
efetiva comprovação os autos, apenas a afirmação da autora de que trabalha
autonomamente em casa, fazendo e vendendo produtos de limpeza, e uma
declaração de que a mesma realiza duas faxinas por mês. Como se não bas-
tasse, verifica-se das provas coletadas nos autos e do próprio comportamento
da autora em juízo que a mesma não demonstra plenas condições de exercer
a guarda de sua filha menor, sendo pessoa com comportamento inadequado
em juízo, conforme visto nas três audiências realizadas e da mesma forma, em
seu lar, consoante provas acostadas aos autos. Com efeito, as informações
trazidas aos autos demonstram que o ambiente em que a autora reside é um
ambiente hostil para uma criança de 07 anos de idade, onde existe informação
de envolvimento de moradores e frequentadores com uso de entorpecentes,
além de um histórico de violência que não autoriza o juízo a permitir que
uma criança que vem recebendo todo o necessário ao seu crescimento e
desenvolvimento, na casa da avó, seja submetida a tal situação. Outrossim,
a própria menor, ouvida em audiência, afirmou que deseja morar na casa de
sua avó, que é bem cuidada, e que não gosta muito quando vai para a casa
da mãe, por que às vezes não tem comida, mas que na casa da vovó tem
comida todo dia. Informando, ainda, que a mãe um dia, deixou a declarante
sozinha, com a irmãzinha, que a mãe e o companheiro bebem e que a mãe
agride a declarante, que dorme no chão. Sentença que deve ser mantida por
seus próprios fundamentos, salvo quanto à ausência de condenação da parte
sucumbente nos ônus da sucumbência. Matéria de ordem pública. Fixação
de honorários advocatícios neste grau de jurisdição, de ofício. Majoração da
verba honorária na seara recursal, a teor do disposto no art. 85, §11, do novo
CPC. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime. (Tribunal de Justiça
do Estado de Alagoas - APL 0729263-12.2017.8.02.0001 - Maceió - Segunda
Câmara Cível - Pedro Augusto Mendonça de Araújo - DJAL 24/04/2020)
116 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Concessão

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI


ESTADUAL – CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS DE CRÉDITO PRESUMIDO –
INSTITUIÇÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS
– EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (ARTIGO
155, § 2º, XII, G, DA CRFB/88) – DESCUMPRIMENTO – RISCO DE DESE-
QUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO – GUERRA FISCAL – PROCEDÊNCIA
DO PEDIDO – 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio
horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a
concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no
artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complemen-
tar 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padecem
de inconstitucionalidade os dispositivos impugnados da Lei 10.259/2015 do
Estado do Maranhão, porquanto concessivos de benefícios fiscais de ICMS
sem atendimento à exigência constitucional (artigo 155, § 2º, XII, g). 3. Pedido
de declaração de inconstitucionalidade julgado PROCEDENTE, conferindo à
decisão efeitos ex nunc, a partir da data do deferimento da medida cautelar
ora confirmada (artigo 27 da Lei 9.868/99). (Supremo Tribunal Federal - ADI
5.467 - MA - Tribunal Pleno - Luiz Fux - DJE 06/04/2020)

TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – CVM – TAXA DE FISCALIZAÇÃO


DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS – INCIDÊNCIA – BENEFÍCIOS
FISCAIS – CONCESSÃO – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA
– IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7/STJ – 1. A respeito da taxa de fiscali-
zação do mercado de valores mobiliários, instituída pela Lei 7.940/89, a
Primeira Seção, quando do julgamento dos ERESP 993.452/SC, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves,
DJe 09/12/2015, entendeu pela legitimidade da exação enquanto perdura-
rem os efeitos do benefício fiscal. 2. No caso, a Corte de origem registrou
que os incentivos fiscais foram recebidos, em ato isolado, no ano de 1976.
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 117
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Assim, para se alcançar conclusão diversa, seria necessário novo exame do


acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em Re-
curso Especial, a teor do óbice previsto na Súmula 7 do Superior Tribunal de
Justiça. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (Superior Tribunal de
Justiça - AGINT/RESP 1.768.900 - RS - Primeira Turma - Sérgio Kukina - Julg.
20/04/2020 - DJE 24/04/2020)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL – ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N – 3/STJ – MANDADO DE
SEGURANÇA NA ORIGEM – CONCESSÃO DE LIMINAR – CARÁTER SA-
TISFATIVO – SÚMULAS N – 282 E 356 DO STF – AGRAVO INTERNO NÃO
PROVIDO – 1. A tese veiculada no apelo especial, atrelada aos arts. 1º, § 3º,
da Lei n. 8.437/97 e 1º da Lei n. 9.494/97, diz respeito à impossibilidade de
concessão de provimento de urgência no caso concreto, em face do caráter
satisfativo do pleito que impede a Fazenda Pública de constituir e cobrar o
crédito tributário. 2. Contrariamente ao alegado, o aresto combatido limitou-se
a examinar a presença de fumus boni iuris e periculim in mora. Ausência de
discussão acerca dos dispositivos mencionados, tampouco acerca do caráter
satisfativo ou não da tutela concedida. Súmulas n. 282 e 356 do STF. 3. Agravo
interno não provido. (Superior Tribunal de Justiça - AGINT/RESP 1.848.120
- PB - Segunda Turma - Mauro Campbell Marques - Julg. 22/04/2020 - DJE
27/04/2020)

Covid-19

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL,


ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – PEDIDO DE DEFERIMENTO
DO CONVÍVIO DA CRIANÇA COM A MÃE PARA O PERÍODO COVID-19,
NA RESIDÊNCIA DA AVÓ MATERNA – Descabimento. Visitação materna.
Cabível. Descabe o pedido de deferimento do convívio da criança com a
118 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

mãe, na residência da avó materna, para o período da pandemia covid-19,


uma vez que a guarda é mantida pelo genitor, mormente porque a agravante
teria informado que ficaria até a páscoa na cidade de poa, ainda que informe
suspensão de suas atividades no período da pandemia. Contudo, a fim de
preservar a necessária convivência entre mãe e a filha, deve ser regularizada
a visitação materna. Cabível a pretensão de visitação, não obstante o evento
covid 19, uma vez que a mãe certamente empreenderá todos cuidados que
a etiqueta médica recomenda para preservar a saúde da criança. Devida a
adequada convivência da mãe e filha, de forma pessoal e não somente vir-
tual para o período do covid-19, já que a mãe permanecerá neste período na
cidade de residência da criança. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento
parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - AI
0052285-62.2020.8.21.7000 - Porto Alegre - Sétima Câmara Cível - Carlos
Eduardo Zietlow Duro - Julg. 15/04/2020 - DJERS 20/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ECA – ATO INFRACIONAL EQUIPARADO


A TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO – EXECUÇÃO DE MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA – INTERNAÇÃO-SANÇÃO – 90 DIAS – POSTERIOR RE-
TORNO DO À ICPAE – AFASTADA POSTERIOR EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
– PROGRESSÃO PER SALTUM – DESCABIMENTO – COVID-19 – RECOMEN-
DAÇÃO Nº 62 DE 2020 DO CNJ – PONDERAÇÕES NO CASO -Tratando-se
de jovem infrator, com anteriores internações, algumas decorrentes de fatos
graves, empreendendo fuga do sistema, esta não pode servir como meio oblíquo
de obter inadmitida progressão per saltum, com a aplicação de internação-
-sanção pelo prazo de 90 dias a contar do seu retorno, e posterior extinção
da execução, impondo-se o provimento do recurso do Ministério Público.
Acolhimento quanto ao pedido alternativo, a fim de determinar o retorno do
agravado à ICPAE, após o término da referida internação-sanção, considerando
a necessidade de gradual retorno do jovem infrator ao convívio social, que
conta atualmente com 19 anos, revelando a intenção de recomeçar uma nova
vida, uma vez que se tornou recentemente pai com namorada, externando
vontade de superar as experiência do passado e tomar novo rumo, aplicada
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 119
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

na hipótese a medida menos gravosa, que abarca os jovens de até 21 anos


de idade, nos termos do art. 2º, parágrafo único, e 121, § 5º, do ECA, para
determinar seu o retorno à ICPAE, depois de cumprida a internação-sanção
citada. Precedentes do TJRS e STJ. Agravo de instrumento provido. (Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - AI 0051220-32.2020.8.21.7000
- Porto Alegre - Sétima Câmara Cível - Carlos Eduardo Zietlow Duro - Julg.
08/04/2020 - DJERS 14/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES


– COVID-19 – VISITAS NO MODO VIRTUAL – O convívio com o pai não
guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adoles-
centes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e
recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamen-
to social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar
contato do pai com o filho por meio de visita virual diária, pelo menos por
ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do
alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM
DECISÃO MONOCRÁTICA. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul - AI 0052459-71.2020.8.21.7000 - Porto Alegre - Sétima Câmara Cível -
Vera Lucia Deboni - Julg. 16/04/2020 - DJERS 20/04/2020)

Débito

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE


DÉBITO, DANOS MORAIS C/C TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA –
ENERGIA ELÉTRICA – PEDIDO DE INSTALAÇÃO DE UNIDADE CONSUMI-
DORA – Serviço não finalizado pela reclamada, que fez uma ligação direta
com a promessa de que retornaria no dia seguinte para proceder a ligação
regular, o que não ocorreu. Posterior fiscalização e constatação de irregu-
laridade. Cobrança de recuperação de energia consumida e não faturada, o
que deu origem ao processo judicial em questão. Sentença de primeiro grau
julgou procedente o pedido formulado para condenar a empresa reclamada
120 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

na obrigação de fazer a instalação de energia de forma regular na unidade


consumidora de titularidade da reclamante, bem como na obrigação de pagar
a título de danos morais a quantia de R$ 1.500,00 (-). Confirmou a liminar
de fl. 14 e julgou extinto sem resolução do mérito o pedido de declaração de
inexistência do débito em virtude da perda superveniente do objeto. Recurso
da parte autora (fls. 211/219), requerendo a reforma da sentença para que
seja majorado o valor arbitrado a título de danos morais. Contrarrazões (fls.
226/231), pela manutenção da sentença. Entendo que o valor arbitrado não
merece reparos. É assente que o quantum indenizatório devido a título de
danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo suportado sem
proporcionar enriquecimento sem causa da autora, levando-se em conta ainda
a capacidade econômica da ré. O entendimento esposado pelo Superior Tribu-
nal de Justiça, tem se posicionado no sentido de que esse quantum deve ser
arbitrado pelo juiz de maneira que a composição do dano seja proporcional à
ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade e, ainda,
com bastante moderação, guardando a devida proporcionalidade ao grau
de culpa, ao nível socioeconômico da autora e, mais, ao porte econômico da
empresa ré, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina
e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se da sua experiência e do
bom senso, atento à realidade da vida e às peculia-ridades do caso concreto.
Cumpre ainda ressaltar que, em sede de dano imaterial, impõe-se destacar
que a indenização não visa reparar os desgastes e aborrecimentos sofridos
pela vítima, haja vista serem valores inapreciáveis, o que não impede, todavia,
que se fixe um valor compensatório, com o intuito de suavizar o respectivo
dano, que por este motivo deve ser razoável, sob pena de se institucionalizar
o enriquecimento ilícito. Assim, entendo que não há motivos para a revisão
do quantum arbitrado a título de indenização pelos danos morais, uma vez
que foram observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
assim como atendeu sua natureza compensatória e dissuasória. Recurso
conhecido e improvido. Sentença mantida pelos próprios fundamentos, ser-
vindo esta Súmula de julgamento como acórdão, nos termos do art. 46, da
Lei n. 9.099/95. Sem custas, em razão da isenção estabelecida no art. 2, III,
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 121
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

da Lei Estadual n. 1.422/2001. Honorários em 10% (dez por cento) sobre o


valor de condenação, mas com a cobrança suspensa por cinco anos, ante o
deferimento de Assistência Judiciária Gratuita, conforme art. 98, § 3º, do CPC.
(Tribunal de Justiça do Estado do Acre - RIN 0605387-63.2019.8.01.0070 -
Primeira Turma Recursal - Maha Kouzi Manasfi e Manasfi - DJAC 27/04/2020)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS – INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO
DE CRÉDITO, SEM PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DA INSCRIÇÃO E SEM CIÊNCIA
DE EVENTUAL CESSÃO DE CRÉDITO – SENTENÇA QUE JULGOU PROCE-
DENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E, ASSIM, DECLAROU A INEXISTÊNCIA
DO CONTRATO E DA DÍVIDA EM QUESTÃO (“ENTENDA-SE, DECLARAÇÃO
DE INEFICÁCIA DA CESSÃO DE CRÉDITO EM RELAÇÃO À PARTE AUTO-
RA, POR FALTA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO, APENAS NO PERÍODO ENTRE
A CESSÃO E O TRÂNSITO EM JULGADO DESSE ATO”) E CONDENOU A
PARTE RÉ A PAGAR À PARTE AUTORA A QUANTIA DE R$ 8.000,00 (-)
POR DANOS MORAIS – Recurso da financeira reclamada (fls. 69/78), que
pede reforma da sentença; aplicação de Súmula 385 do STJ; ou diminuição do
valor da reparação. Contrarrazões (fls. 86/97), pela manutenção da sentença.
Sem razão a parte recorrente. A parte reclamante provou que teve seu nome
inscrito pela parte reclamada, ora recorrente, em cadastro restritivo de crédito.
A reclamada informa cessão de crédito, sem comprovar notificação prévia
da inscrição nem ciência da cessão. Precedente em anexo. Sobre a Súmula
385, recentemente o STJ acentuou que a orientação contida na presente
Súmula pode ser flexibilizada para permitir o reconhecimento de dano moral
decorrente da inscrição indevida em cadastro restritivo de crédito, mesmo
que as ações ajuizadas para questionar as inscrições anteriores ainda não
tenham transitado em julgado, desde que haja elementos suficientes para
demonstrar a verossimilhança das alegações do consumidor. Precedente
em anexo. Assim, não havendo outras provas suscetíveis de subsidiar uma
decisão de mérito diversa da que foi proferida pelo juízo a quo, hei por bem
manter a sentença pelos seus próprios fundamentos nos termos do art. 46
122 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

da Lei 9.099/95, com os acréscimos deste voto. Custas já pagas. Honorários


advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. (Tribunal
de Justiça do Estado do Acre - RIN 0602710-60.2019.8.01.0070 - Primeira
Turma Recursal - Maha Kouzi Manasfi e Manasfi - DJAC 29/04/2020)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE


FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – SENTENÇA
QUE JULGOU PROCEDENTE O PLEITO AUTORAL CONDENANDO O DEMAN-
DADO À RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMEN-
TE, ALÉM DE REPARAÇÃO MORAL NO IMPORTE DE R$5.000,00 (CINCO
MIL REAIS) – APELAÇÃO CÍVEL – RECURSO DA PARTE DEMANDADA
– Constatação de abusividade na pactuação de empréstimo consignado na
modalidade cartão de crédito. Onerosidade excessiva ao consumidor. Ofensa
à boa-fé contratual e dever de informação. Descontos indevidos. Diminuição
injusta e reiterada da renda do demandante. Conduta configuradora de dano
material. Má-fé que exsurge do proceder da instituição demandada. Dano
moral configurado. Reparação fixada. Pleito de exclusão ou redução do quan-
tum que não merece prosperar. Pedido de compensação de valores acolhido.
Recurso conhecido e parcialmente provido. Apelo adesivo. Parte autora.
Inconformismo com o montante fixado a título indenizatório. Pretensão de
majoração ao patamar de r$8.000,00 (oito mil rais). Quantum estabelecido
na origem que atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Compatibilidade com a finalidade compensatória e punitiva. Honorários
advocatícios mantidos. Apelo conhecido e não provido. Consectários legais
examinados ex officio: Reparação moral com juros de 1% ao mês a partir do
evento danoso nos termos da Súmula 54 do STJ, e correção monetária desde
o arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ, momento em que passa a
ser observada apenas a taxa selic. Reparação material com juros e correção
monetária sobre o quantum desde os indevidos descontos. Aplicação uni-
camente da taxa selic ante a coincidência dos termos. (Tribunal de Justiça
do Estado de Alagoas - APL 0722227-79.2018.8.02.0001 - Maceió - Terceira
Câmara Cível - Alcides Gusmão da Silva - DJAL 08/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 123
CIVIL E PROCESSUAL
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AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM PEDIDO LIMI-


NAR C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MATERIAL E MORAL – PRE-
LIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E INOVAÇÃO RECURSAL
– REJEITADAS – CONSTATAÇÃO DE ABUSIVIDADE NA PACTUAÇÃO DE
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO –
Onerosidade excessiva ao consumidor. Ofensa à boa fé contratual e dever de
informação. Descontos indevidos. Diminuição injusta e reiterada da renda do
demandante. Dano moral configurado. Reparação estabelecida em R$ 5.000,00
(cinco mil reais). Restituição devida em dobro. Má-fé que exsurge da conduta
da instituição demandada. Sentença totalmente reformada. Redistribuição dos
honorários advocatícios estabelecidos em sentença de primeiro grau. Juros
de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária desde o arbitramento,
observando-se apenas a taxa selic a partir de então, no que concerne à repara-
ção moral, e, sobre a reparação material, juros e correção monetária aplicável
sobre o quantum desde os indevidos descontos, com aplicação unicamente
da taxa selic. Recurso conhecido e parcialmente provido. (Tribunal de Justiça
do Estado de Alagoas - APL 0706753-68.2018.8.02.0001 - Maceió - Terceira
Câmara Cível - Alcides Gusmão da Silva - DJAL 08/04/2020)

CDC – CURSO SUPERIOR – DÉBITO – Adimplemento. Baixa não realizada,


ocasionando diversas dificuldades, inclusive, com relação à continuidade dos
estudos na instituição demandada. Sentença que condenou solidariamente
as reclamadas (empresa terceirizada de cobrança e a ies) em danos morais
no importe de R$-1.000,00. Inominado somente da instituição, pugnando
pelo afastamento da condenação. Contrarrazões via defensoria pública pela
manutenção do julgado. A sentença não merece modificação. Conforme bem
destacado na sentença, “(...) restou incontroverso a má prestação de serviços
da parte demandada pois mesmo sendo realizado pagamento da mensalidade
em 02.08.2018 (p. 07) o autor foi impedido de proceder com a rematrícula
pois no sistema da ré não constava o pagamento. (...)”. Situação não resolvida
sequer administrativamente, via procon, obrigando o consumidor a acionar
o judiciário. Ato indevido, nexo e dano. Valor fixado que está adequado e
124 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

proporcional à relação entre as partes e o fato, capaz de bem atender aos


critérios de sanção, reparação e pedagogia. Por fim, a respeito da alegação
recursal do pagamento das custas processuais pelo ora recorrido no processo
n. 0007831-55.2018.8.01.0070, deixo de conhecer por total inadequação
deste requerimento, que deve ser realizado naqueles autos. Sentença mantida
por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95,
com os acréscimos do voto. Custas pagas. Honorários em 20% do valor da
condenação, convertidos à defensoria pública, nos termos do artigo 55 da lje
c/c 85 do CPC, por conta da recorrente vencida. Recurso improvido. (Tribunal
de Justiça do Estado do Acre - RIN 0009360-12.2018.8.01.0070 - Primeira
Turma Recursal - José Augusto Cunha Fontes da Silva - DJAC 23/04/2020)

CDC – ENERGIA ELÉTRICA – RECUPERAÇÃO DE CONSUMO – SENTENÇA


QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A DEMANDA, DECLARANDO
A INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO DE P – 11 NO VALOR DE R$-905,74 E A
ANULAÇÃO DO PARCELAMENTO REALIZADO – DETERMINOU AINDA A
RESTITUIÇÃO SIMPLES DO VALOR DE R$-925,96 E A INEXIGIBILIDADE
DO SEGUNDO DÉBITO (P – 15) NO IMPORTE DE R$-521,10 COM SEU RES-
PECTIVO CANCELAMENTO – DANO MORAL REQUERIDO NA EXORDIAL,
MAS JULGADO IMPROCEDENTE, ASSIM COMO O PEDIDO CONTRA-
POSTO FORMULADO PELA RECLAMADA – RECURSO INOMINADO DA
CONCESSIONÁRIA PUGNANDO PELA IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA
– CONTRARRAZÕES PELA MANUTENÇÃO DO JULGADO COMBATIDO
– PROVIMENTO PARCIAL PARA DECLARAR VÁLIDA A PRIMEIRA RECU-
PERAÇÃO, COM O AFASTAMENTO DO QUE FORA ADIMPLIDO – MANU-
TENÇÃO DA SENTENÇA EM SEUS DEMAIS TERMOS – O Recurso merece
provimento parcial. A unidade consumidora está com problemas técnicos,
como apontam os autos. Assim, afastar totalmente a recuperação se mostra
indevido, pois deve a parte consumidora adimplir o que fora efetivamente
utilizado e não incluído nas faturas. Contudo, houve duas cobranças de
recuperações, sendo a primeira no importe de R$-905,74 (p. 11) referente
tão somente ao mês de 12/2018, e uma segunda (p. 15) referente aos meses
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 125
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

de janeiro e fevereiro de 2019 no valor de R$-521,00. Como se vê, informa a


concessionária nas referidas notificações que recupe - rou-se somente três
meses, com clara situação de falha na leitura do aparelho entre os meses de
03/2016 a 01/2017 (pp. 161/162). No mais, a leitura se mostrou dentro da
média, com exceção a 05/2019, que veio zerada. Assim, considerando que a
inspeção ocorreu em 02/2019 vamos às aferições dos meses questionados
(p. 161): 12/2018: 391kWh; 01/2019: 732kWh; 02/2019: 740kWh. Em análise
dos meses posteriores à recuperação, verifica-se consumos entre 590kWh
(06/2019) a 1031kWh (09/2019), se mostrando desarrazoado, portanto,
somente o mês de 12/2018. Portanto a recuperação ocorrida referente a
12/2018 (p. 11) se mostra devida, assim como o parcelamento da mesma,
devendo ser mantida, sendo afastado do julgado, portanto, a restituição
determinada. Manutenção da a sentença em seus demais termos. Recurso
parcialmente provido. Custas pagas. Sem condenação em honorários em ra-
zão do resultado do julgamento. É como voto. (Tribunal de Justiça do Estado
do Acre - RIN 0604807-33.2019.8.01.0070 - Primeira Turma Recursal - José
Augusto Cunha Fontes da Silva - DJAC 27/04/2020)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RE-


CURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA EM FASE DE CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA – PENSÃO ALIMENTÍCIA – DÉBITO NÃO ALIMENTAR –
CONSTRIÇÃO SEM EFEITO NA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR – FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA N – 211/STJ – DIVERGÊNCIA NÃO
COMPROVADA – DECISÃO MANTIDA – 1. Ausente o exame da matéria pelo
Tribunal de origem, mesmo diante da oposição de embargos declaratórios,
incide a Súmula n. 211/STJ. 2. Prevalece no STJ o entendimento de que “a
admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/2015), em Recurso
Especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022
do CPC/2015, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência
do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo
à supressão de grau facultada pelo dispositivo de Lei” (RESP 1.639.314/MG,
Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 10/4/2017). 3. O
126 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

conhecimento do Recurso Especial interposto com fundamento na alínea “c”


do permissivo constitucional exige a demonstração da similitude fática entre
os acórdãos confrontados, inexistente no caso. 4. Agravo interno a que se
nega provimento. (Superior Tribunal de Justiça - AGINT/ARESP 1.611.360 - SP -
Quarta Turma - Antonio Carlos Ferreira - Julg. 20/04/2020 - DJE 24/04/2020)

RECURSO INOMINADO – CONSUMIDOR – INSCRIÇÃO INDEVIDA – CON-


TRATAÇÃO REALIZADA – DÉBITO ORIGINADO DE CARTÃO DE CRÉDITO
– Ônus probatório do réu. Provas suficientes da regular contratação. Ausência
de responsabilidade da demandada/recorrente. Recurso conhecido e provido
para julgar improcedente o pedido. (Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas
- RINOM 0700087-66.2019.8.02.0017 - Limoeiro de Anadia - Segunda Turma
Recursal de Arapiraca - Lucas Lopes Dória Ferreira - DJAL 07/04/2020)

RECURSO INOMINADO – DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO


– CUSTAS JUDICIAIS – Condenação em razão da gratuidade indeferida em
processo judicial anterior. Processo extinto em razão do indeferimento da
petição inicial. Inaplicabilidade da isenção prevista na Lei Estadual 11.422/01.
Recurso conhecido e improvido. Condenação em honorário suspensa. (Tribunal
de Justiça do Estado do Acre - RIN 0603099-79.2018.8.01.0070 - Segunda
Turma Recursal - Robson Ribeiro Aleixo - DJAC 16/04/2020)

RECURSO INOMINADO – DIREITO DO CONSUMIDOR – COBRANÇA DE


DÉBITO LEGÍTIMA – Aviso prévio acerca da suspensão devidamente com-
prvovado. Culpa exclusiva do consumidor. Inversão do ônus da prova que
não isenta a parte autora de demonstrar minimamente o direito constituído.
Dano moral não configurado. Recurso conhecido e provido. Sem condena-
ção em honorários. (Tribunal de Justiça do Estado do Acre - RIN 0000370-
95.2019.8.01.0070 - Segunda Turma Recursal - Robson Ribeiro Aleixo - DJAC
16/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 127
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

RECURSO INOMINADO – DIREITO DO CONSUMIDOR – NEGATIVAÇÃO


CONSTATADA ANTES DA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
QUE DETERMINOU O CANCELAMENTO DO DÉBITO – Ausência de prova
da manutenção da negativação. Dano moral não configurado. Ausência
de prova mínima do direito vindicado. Recurso conhecido e provido. Sem
condenação em honorários. (Tribunal de Justiça do Estado do Acre - RIN
0006253-23.2019.8.01.0070 - Segunda Turma Recursal - Robson Ribeiro
Aleixo - DJAC 16/04/2020)

Desconto

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONSUMIDOR – PROCESSUAL CIVIL – EM-


PRÉSTIMOS COM DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E FOLHA DE PAGA-
MENTO DE SERVIDOR – LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO – TUTELA
PROVISÓRIA INDEFERIDA NA ORIGEM – COMPROMETIMENTO SALARIAL
– DEMONSTRAÇÃO – ART. 300 DO CPC – REQUISITOS PREENCHIDOS –
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO – 1. O art. 300 do CPC
autoriza a concessão de tutela de urgência se presentes os pressupostos que
elenca: A probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado
útil do processo. 2. A Lei Complementar n. 840/11, que dispõe sobre o regime
jurídico dos servidores públicos civis do Distrito Federal, das autarquias e
das fundações públicas distritais, estabelece, em seu art. 116, o limite per-
centual de 30% (trinta por cento) da remuneração ou subsídio do servidor
para os empréstimos consignados, o qual deve ser aplicado analogicamente
aos mútuos bancários com descontos em conta, sob pena de comprometer a
subsistência do correntista e configurar superendividamento. 3. Se demons-
trado, de plano, que a instituição financeira não observou o patamar de 30%
(trinta por cento), aplicável aos contratos de empréstimo consignado e aos
efetuados mediante desconto em conta-corrente, vislumbra-se a presença
dos requisitos que autorizam a concessão do pleito antecipatório se a autora
logrou êxito em demonstrar o seu comprometimento salarial. 4. A limitação
128 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

ora imposta à instituição bancária não exime a mutuante do pagamento da


dívida contraída, assim como não obsta a inscrição do nome do mutuante
em cadastros de proteção ao crédito, em caso de eventual inadimplemento
da obrigação. Isso porque, respeitada a limitação de 30% (trinta por cento)
dos rendimentos do agravante e quedando-se este inadimplente, afigura-se
regular e legal a conduta da instituição financeira em promover a inscrição
do nome do devedor nos referidos bancos de dados, na medida em que
configura exercício regular de seu direito de credora, nos termos do art. 188,
I, do Código Civil. 5. Por outro lado, não se afigura possível a determinação,
ao banco agravado, de restituição das quantias anteriormente pagas que
superaram o patamar de 30% dos rendimentos brutos da agravante, depois
de abatidos os descontos compulsórios, porquanto esses valores eram, a
princípio, devidos e já se encontram quitados. É dizer, a limitação dos des-
contos em 30% dos rendimentos não implica, por si só, a conclusão de que
as verbas já descontadas eram indevidas. 6. Agravo de instrumento conhe-
cido e provido. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - AGI
07282.28-11.2019.8.07.0000 - Segunda Turma Cível - Sandra Reves - Julg.
01/04/2020 - Publ. PJe 24/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNA-


DO – LIMITE MÁXIMO DE 30% (TRINTA POR CENTO) DE DESCONTO NA
FOLHA DE PAGAMENTO – Necessidade de resguardar o mínimo existencial
do contratante. Observância aos princípios da dignidade humana, razoa-
bilidade e proporcionalidade. Recurso conhecido e não provido. Unânime.
(Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - AI 0806452-98.2019.8.02.0000
- Maceió - Segunda Câmara Cível - Pedro Augusto Mendonça de Araújo - DJAL
27/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DO CONSUMIDOR – AÇÃO DE-


CLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS COM PEDIDO LIMINAR – DECISÃO DE PRIMEIRO
GRAU QUE DEFERIU O PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR, DETERMINANDO
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 129
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

A SUSPENSÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO, SOB PENA


DE MULTA DE R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS), POR CADA DESCONTO
INDEVIDO EFETUADO, LIMITADA AO IMPORTE DE R$ 36.000,00 (TRINTA
E SEIS MIL REAIS) – Cartão de crédito consignado. Descontos realizados
em seus vencimentos. Ausência de redução do saldo devedor. Existência de
elementos que apontam falha no dever de informação. Manutenção da or-
dem de suspensão dos descontos. Astreintes fixadas dentro dos parâmetros
utilizados por esta corte de justiça. Entendimento diverso desta 2ª Câmara
Cível quanto à periodicidade da multa, por entender que deveria ser diária.
Decisum, contudo, que deve ser mantido também nesse ponto, sob pena de
reformatio in pejus. Confirmação, no mérito, da tutela antecipada recursal.
Recurso conhecido e não provido. Unanimidade. (Tribunal de Justiça do
Estado de Alagoas - AI 0800032-43.2020.8.02.0000 - Maceió - Segunda
Câmara Cível - Otávio Leão Praxedes - DJAL 24/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCON-


TO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO
E DANOS MORAIS – DESCONTOS A TÍTULO DE CARTÃO DE CRÉDITO
EMPRÉSTIMO PESSOAL VIOLAÇÃO AO INCISO IV, DO ART. 51, DO CDC –
CONVERSÃO DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO EM EMPRÉSTIMO
CONSIGNADO – DANO MORAL DIVERGÊNCIA CONTRATUAL – INEXIS-
TENTE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO – É possível
a conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo
consignado quando a intenção do consumidor era de adquirir o empréstimo
consignado, e não o cartão. tratando-se de divergência contratual, não há
falar-se em dano moral. (Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do
Sul - AC 0820697-69.2018.8.12.0001 - Terceira Câmara Cível - Odemilson
Roberto Castro Fassa - DJMS 07/04/2020)
130 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO


EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS
MORAIS – Descontos a título de cartão de crédito contratação válida de-
monstrada pela instituição financeira valores depositados em conta corrente
de titularidade da autora saques posteriores. recurso conhecido e desprovido.
havendo prova da contratação nos autos, bem como da disponibilização dos
valores e saques posteriores, pela requerente, não há falar em declaração
de inexistência do contrato. (Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
do Sul - AC 0801284-49.2019.8.12.0029 - Terceira Câmara Cível - Odemilson
Roberto Castro Fassa - DJMS 01/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO


EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS
MORAIS – CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MAR-
GEM CONSIGNÁVEL CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – DESCONTOS
INDEVIDOS – REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO – DANO MORAL
CONFIGURADO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA – RECURSO CONHE-
CIDO E PROVIDO – Não comprovada a contratação do cartão de crédito que
deu ensejo aos descontos a título de reserva de margem consignável, resta
devida a repetição do indébito em dobro e configurado o dano moral. o valor
da indenização por danos morais deve ser fixado de acordo com os princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade. considera-se litigante de má-fé
aquele que altera a verdade dos fatos com intenção de induzir o julgador a
erro e obter vantagem indevida, o que não ocorreu na hipótese. (Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul - AC 0805020-48.2018.8.12.0017 -
Terceira Câmara Cível - Odemilson Roberto Castro Fassa - DJMS 06/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 131
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO


EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MO-
RAIS – DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO
VÁLIDA DEMONSTRADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – DEMONS-
TRAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DOS RECURSOS EM CONTA DE TITULA-
RIDADE DO CONSUMIDOR – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA
POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIRMADA – RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO – Demonstrada a contratação válida e que a autora desfrutou
do valor objeto do empréstimo, descontados em benefício previdenciário de
aposentado, a improcedência dos pedidos iniciais é medida que se impõe.
considera-se litigante de má-fé aquele que altera a verdade dos fatos com
intenção de induzir o julgador a erro e obter vantagem indevida. (Tribunal de
Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul - AC 0802081-11.2018.8.12.0045 -
Terceira Câmara Cível - Odemilson Roberto Castro Fassa - DJMS 08/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL DA PARTE AUTORA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE


DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS
MORAIS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR
– CONTRATO EXCLUÍDO ANTES DO DESCONTO DA PRIMEIRA PARCELA
SENTENÇA MANTIDA – APELO CONHECIDO E DESPROVIDO – Se o contrato
impugnado pela autora foi excluído antes do desconto da primeira parcela,
não há interesse de agir em pleitear a declaração de ilegalidade de descontos
ou restituição de valores que não existiram. (Tribunal de Justiça do Estado
do Mato Grosso do Sul - AC 0800817-76.2019.8.12.0027 - Primeira Câmara
Cível - Geraldo de Almeida Santiago - DJMS 03/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL DA PARTE AUTORA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULI-


DADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO
C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS CARTÃO DE CRÉDITO
COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL RMC CONTRATAÇÃO VÁLIDA
DEMONSTRADA MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECURSO CONHECIDO
132 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

E NÃO PROVIDO – Evidenciada a contratação de Cartão de Crédito com


Reserva de Margem Consignável. RMC, com a juntada do contrato assinado
pelo apelante, bem como, que a parte autora se beneficiou da referida con-
tratação, a manutenção da sentença que julgou improcedentes os pedidos
iniciais é medida que se impõe. (Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
do Sul - AC 0801597-56.2017.8.12.0004 - Primeira Câmara Cível - Geraldo de
Almeida Santiago - DJMS 03/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL DAS PARTES – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE


DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS
MORAIS CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO
SENTENÇA MANTIDA – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
PEDIDO REJEITADO – RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS – I -A
contratação viciada, oriunda de suposta fraude, possibilita a declaração de
inexistência de relação jurídica e a condenação no pagamento de indenização
dos danos materiais e morais ocasionados ao consumidor que suportou a
dedução de seu módico benefício previdenciário, por culpa exclusiva da ins-
tituição financeira e tem o direito de tê-los restituídos. II. Inexistindo critérios
objetivos para a quantificação do dano moral, até porque esta espécie de
dano, por atingir a esfera psíquica do indivíduo e estar intimamente ligada
à sua moral, não se pode criar parâmetros concretos para a análise de sua
extensão, devendo-se arbitrá-lo de acordo com a possibilidade econômica
do ofensor, as necessidades do ofendido, a potencialidade do dano e o grau
de culpa ou dolo envolvido no ato lesivo. III. Levando-se em consideração as
circunstâncias a emoldurar o caso em concreto, tem-se que o valor arbitrado
pelo juízo a quo mostra-se adequado e proporcional, ao que está sendo atri-
buído em casos semelhantes, ao considerar a quantidade de ações ajuizadas,
evitando-se o enriquecimento sem causa. (Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso do Sul - AC 0800186-86.2016.8.12.0044 - Primeira Câmara
Cível - Geraldo de Almeida Santiago - DJMS 03/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 133
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

APELAÇÃO CÍVEL DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO


EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO C/C – REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DA-
NOS MORAIS CONTRATAÇÃO EXISTENTE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS
PARTES COMPROVADA DISPONIBILIZAÇÃO DO PRODUTO DO MÚTUO
RECURSO NÃO PROVIDO -Demonstrado que houve o empréstimo e que
seu produto foi disponibilizado ao mutuário, não há como considerar válida
a justificativa de que não celebrou a relação contratual, tampouco de que
não se beneficiou do mútuo. (Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
do Sul - AC 0804038-95.2018.8.12.0029 - Segunda Câmara Cível - Julizar
Barbosa Trindade - DJMS 03/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C


RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DESCONTO EM
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM
RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RELAÇÃO JURÍDICA DEMONS-
TRADA CONTRATAÇÃO VÁLIDA – DISPONIBILIZAÇÃO DO PRODUTO DO
MÚTUO AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – RECURSO NÃO
PROVIDO – É válida a cobrança decorrente de contrato de cartão de crédito
com reserva de margem consignável, mediante descontos no benefício pre-
videnciário, quando demonstrados o empréstimo e a liberação da quantia
ao mutuário. (Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul - AC
0803177-63.2018.8.12.0012 - Segunda Câmara Cível - Julizar Barbosa Trin-
dade - DJMS 03/04/2020)

Empréstimos Consignados

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – AUTORA – DOMICÍLIO – COMPRO-


VAÇÃO – RÉ/APELANTE – ARGUIÇÃO – INCOMPETÊNCIA RELATIVA
– AFASTAMENTO – AUTORA – HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA – DE-
MONSTRAÇÃO – GRATUIDADE PROCESSUAL – MANUTENÇÃO – PETIÇÃO
INICIAL – REQUISITOS LEGAIS – PREENCHIMENTO – INÉPCIA – NÃO
134 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

RECONHECIMENTO – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS E COM DESCONTOS


EM CONTA CORRENTE EM QUE CREDITADO O SALÁRIO – PARCELAS –
VALORES – PATAMAR SUPERIOR A 30% – VEDAÇÃO – Inteligência do art.
2º, § 2º, da Lei nº 10.820/03. Lançamentos. Limitação. Imposição. Sentença.
Manutenção. Apelos dos réus não providos. (Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo - AC 1065458-45.2017.8.26.0100 - São Paulo - Vigésima Quarta
Câmara de Direito Privado - Tavares de Almeida - Julg. 12/03/2014 - DJESP
02/04/2020)

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS –


AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA LIMITAR OS DESCONTOS A 30%
DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS DA AUTORA – PRETENSÃO DE REFORMA
PARA MANUTENÇÃO DOS DESCONTOS COMO CONTRATADOS OU, SUB-
SIDIARIAMENTE, PARA QUE SEJA MAJORADO O LIMITE CONSIGNÁVEL
PARA 35% – A manutenção dos descontos na forma como vinha sendo efe-
tuada pelo banco réu fará com que o saldo remanescente seja insuficiente
para a sobrevivência da autora, o que representa violação à dignidade da
pessoa humana. Todavia, tratando-se de empréstimos consignados tomado
por funcionária pública estadual, incide na hipótese o disposto no Decreto
Estadual nº 61.750/2015, onde é autorizado o desconto de até 35% dos
rendimentos líquidos da autora. Sentença parcialmente reformada, nesse
tocante. Recurso parcialmente provido, nessa parte. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO
DE FAZER. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE
PARA LIMITAR OS DESCONTOS A 30% DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS DA
AUTORA. PRETENSÃO DE REFORMA PARA AFASTAMENTO OU, SUBSIDIARIA-
MENTE, REDUÇÃO DA MULTA DIÁRIA IMPOSTA. DESCABIMENTO. A imposição
de multa para a obrigação de fazer está autorizada pelo artigo 536, §1º, do
CPC/2015, constituindo-se em expediente necessário à eficiência da ordem
judicial, bem como o valor fixado em primeiro grau, qual seja, R$ 1.000,00
para cada eventual descumprimento da ordem judicial de limitação de des-
contos dos empréstimos consignados em questão sobre os vencimentos da
autora, não se mostrou exorbitante, considerando ser a instituição financeira
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 135
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

ré de grande porte, sendo somente devida a penalidade se houver vulneração


da ordem judicial. Recurso desprovido, nessa parte. (Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo - AC 1022104-45.2019.8.26.0602 - Sorocaba - Décima
Primeira Câmara de Direito Privado - Walter Fonseca - Julg. 31/03/2020 -
DJESP 22/04/2020)

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DE


EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS A 30% DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS DA
AUTORA – SENTENÇA LIMITOU OS DESCONTOS A 30% DOS VENCIMEN-
TOS LÍQUIDOS (10% PARA CADA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA) – REPETIÇÃO
DOS VALORES DESCONTADOS ACIMA DO PERCENTUAL DE 30% – Inad-
missibilidade. Na hipótese de descumprimento da decisão que determinou a
limitação dos descontos, impõe-se a fixação de astreintes, na forma do art.
537 do CPC, tal como ocorreu no caso em tela, sendo descabida a condenação
dos réus à repetição do indébito. Recurso negado. Astreintes. Pretensão à
aplicação da multa cominatória arbitrada em tutela de urgência, em razão do
descumprimento da liminar. Descabimento. Questão a ser apreciada na fase
de cumprimento da sentença. Recurso negado. Recurso negado. (Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo - AC 1000246-50.2019.8.26.0248 - Indaiatu-
ba - Décima Terceira Câmara de Direito Privado - Francisco Giaquinto - Julg.
01/03/2013 - DJESP 13/04/2020)

CIVIL E PROCESSUAL – BANCÁRIO – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS –


Ação de revisão de contrato bancário. Decisão que, em relação ao agravante,
suspendeu os descontos para pagamento das parcelas. Pretensão à parcial
reforma manifestada pelo corréu. Multa cominada para o descumprimento de
obrigação de fazer necessária ao respectivo escopo, sem prejuízo de eventual
revisão depois da cognição exauriente. RECURSO NÃO PROVIDO. (Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo - AI 2010102-52.2020.8.26.0000 - Gua-
ratinguetá - Décima Nona Câmara de Direito Privado - Mourão Neto - Julg.
28/04/2014 - DJESP 16/04/2020)
136 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

CONSUMIDOR E PROCESSUAL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS DE


PORTABILIDADE DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS CUMULADA COM
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS JULGADA IMPRO-
CEDENTE – PRETENSÃO À REFORMA INTEGRAL MANIFESTADA PELA
AUTORA – A estipulação de juros remuneratórios compostos pré-fixados não
se confunde com capitalização de juros em sentido estrito (anatocismo), não
ostentando nenhuma ilegalidade, conforme tese de direito assentada pelo C.
Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 973.827/SC, submetido
ao artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973. Incidência, ademais, das
Súmulas 539 e 541 do mencionado tribunal de sobreposição. Danos materiais
devidos em parte. Complementação do troco que é de rigor, tendo em vista o
que consta da proposta de portabilidade, que deve ser cumprida pela insti-
tuição financeira. Danos morais não configurados. Situação vivenciada pela
demandante que não gera danos morais indenizáveis, situando-se na esfera
do mero aborrecimento ínsito ao cotidiano. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - AC 1001977-57.2019.8.26.0450
- Piracaia - Décima Nona Câmara de Direito Privado - Mourão Neto - Julg.
28/04/2014 - DJESP 29/04/2020)

CONTRATO – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS DE EM-


PRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE VENCIMENTOS DE SERVIDOR
PÚBLICO ESTADUAL E DÉBITOS EM CONTA-CORRENTE, A MESMA NA
QUAL SÃO CREDITADOS OS VENCIMENTOS – SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA – Preceito ao réu a fim de limitar as consignações a 35%
dos vencimentos do autor. Recurso do réu. Limite das consignações e dé-
bitos que atende ao princípio da dignidade da pessoa humana, de garantir
a subsistência do devedor. Margem de 30% prevista na Lei n. 10.820/03,
a ser observada nas consignações em folha e nos débitos automáticos em
conta-corrente. Margem de 35% quando há débito pelo uso de cartão de
crédito. Manutenção do limite de 35%, entretanto, a fim de evitar reforma-
tio in pejus. Insuficiência da margem que permite ao réu a constituição em
mora e o desabono em cadastros de inadimplentes. Manutenção da parcial
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 137
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

procedência da pretensão. Sucumbência recíproca. Autor atendido em um


de dois pedidos. Caso concreto em que os demandantes decaíram reciproca-
mente. Tratamento previsto no art. 86, caput, do novo CPC, discrepante do
que dispunha o art. 21, caput, do CPC de 1973. Rateio proporcional limitado
às despesas processuais. Honorários que não são passíveis de compensação
(art. 85, § 14, do novo CPC). Arbitramento conforme o art. 85, § 2º, do novo
CPC. Recurso provido em parte. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
- AC 1113582-59.2017.8.26.0100 - São Paulo - Décima Segunda Câmara de
Direito Privado - Cerqueira Leite - Julg. 08/04/2020 - DJESP 29/04/2020)

CONTRATO BANCÁRIO – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS – AÇÃO RE-


VISIONAL – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PARA REDUÇÃO
DA TAXA DE JUROS E RECÁLCULO DO CONTRATO – INTIMAÇÃO PARA
CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DE R$ 1.000,00
POR CADA COBRANÇA REALIZADA EM DESACORDO COM A SENTEN-
ÇA – 1. Alegação de trava sistêmica que impede a implementação da parcela
reduzida. Não acolhimento. 2. Multa fixada para o caso de descumprimento.
Cabimento. Valor da multa (R$ 1.000,00 por cobrança), porém, que se mos-
tra exagerado e desproporcional à obrigação (redução das parcelas em R$
0,98 e R$ 1,99), comportando redução de ofício. Recurso não provido, com
determinação. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - AI 2276677-
92.2019.8.26.0000 - São Paulo - Décima Primeira Câmara de Direito Privado
- Gilberto dos Santos - Julg. 05/12/2012 - DJESP 07/04/2020)

CONTRATOS BANCÁRIOS – AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL – EMPRÉS-


TIMOS CONSIGNADOS E COM PREVISÃO DE DÉBITO DAS PARCELAS
DIRETAMENTE DA CONTA CORRENTE DO MUTUÁRIO – Requerimento de
concessão de tutela de urgência, para limitação dos descontos das parcelas
a trinta por cento dos vencimentos do autor. Indeferimento. Reforma. De
acordo com o incipiente conjunto probatório produzido, o autor vem supor-
tando descontos em razão de empréstimos tomados aos réus. O empréstimo
tomado ao Banco do Brasil foi celebrado em abril de 2018, e tem previsão de
138 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

vencimento da última parcela (no valor de R$935,08) em dezembro de 2022. E


o empréstimo tomado ao Banco Santander Brasil foi celebrado em março de
2019, com previsão de vencimento da última parcela (no valor de R$930,70)
em abril de 2027. O soldo líquido do autor (vencimentos brutos, com desconto
do imposto de renda e da contribuição previdenciária oficial) é de R$3.477,02.
A soma dos valores das parcelas desses dois empréstimos atinge o montante
de R$1.865,78?. O que corresponde a 53,66% do soldo líquido do autor. Logo,
há plausibilidade do direito invocado (onerosidade excessiva de descontos)
e risco de afronta ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa hu-
mana. Independentemente do julgamento final do processo, o panorama dos
autos autoriza o deferimento da tutela provisória de urgência. Empréstimos
tomados a duas instituições financeiras diversas. Priorização do recebimento
do crédito pela instituição com a qual o autor contratou em primeiro lugar.
O empréstimo tomado ao Banco do Brasil antecede o empréstimo tomado
ao Banco Santander Brasil, e, por isso, ele (Banco do Brasil) tem prioridade
no recebimento de seu crédito. Assim, o Banco Santander Brasil deverá se
abster de efetuar descontos superiores a 3,1% do soldo líquido do autor.
O Banco do Brasil poderá seguir efetuando regularmente os descontos das
parcelas do empréstimo nº 876192393, pois o valor corresponde a 26,9% do
soldo líquido do autor. Multa cominatória. Em caso de descumprimento, o
Banco Santander Brasil pagará multa de R$2.000,00 para cada desconto em
desacordo com o percentual estipulado. Agravo provido, por maioria de votos;
vencido o Terceiro Desembargador, que também o provia, mas em menor
extensão, pois deixava de impor multa cominatória. (Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo - AI 2285210-40.2019.8.26.0000 - Praia Grande - Dé-
cima Segunda Câmara de Direito Privado - Sandra Galhardo Esteves - Julg.
19/03/2020 - DJESP 14/04/2020)

DIREITO CIVIL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – CANCELAMENTO INDEVIDO DE


PLANO DE SAUDE – VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – 1) O
argumento da ré apelante aduzido em sua petição recursal de que não atuou
com irregularidade ao promover o cancelamento do plano de saúde do qual
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 139
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

a autora/apelada figurava como beneficiária quando do óbito do respecti-


vo titular esbarra na coisa julgada formada na demanda anterior(Proc. Nº
0005623-13.2014.8.19.0208) que, considerando indevido o cancelamento,
determinou o restabelecimento da cobertura. 2) A imutabilidade da coisa
julgada não se exaure em sua função negativa, a qual consiste em se evitar o
julgamento de demanda que não seja inédita, impedindo, assim, que a mesma
causa seja novamente enfrentada juridicamente em outro processo, sendo
também dotada de função positiva, a qual, embora não impeça o magistrado
de julgar o mérito da segunda demanda, o vincula àquilo que já foi decidido
em demanda anterior com decisão protegida pela coisa julgada material. 3)
De acordo com o fundamento adotado no julgamento da demanda anterior,
na qual a ora recorrida sagrou-se exitosa na obtenção do restabelecimento
do plano patrocinado pelo banco réu/apelante, o falecido marido da autora/
apelada matinha e custeava há muitos anos a contratação do seguro saúde
coletivo sob a interveniência de seu empregador, ora apelante, mesmo após
a sua aposentadoria por tempo de serviço e que, portanto, a situação dos
autos se sujeita ao disposto no artigo 30, § 3º da Lei 9.656/98, o qualprevê
a permanência dos dependentes do titular falecido no plano de saúde nas
mesmas condições do beneficiário, desde que assuma o pagamento integral.
4) Porém, muito embora reconhecido o direito da autora de optar por per-
manecer com a mesma cobertura assistencial contratada por seu falecido
cônjuge, uma vez feita a opção, nasce, em contrapartida, para abeneficiária
do aludido seguro saúde o ônus de arcar com as correlatas mensalidades,
ex vi do artigo 30, § 3º da Lei 9.656/98, o qual prevê a permanência dos
dependentes do titular falecido no plano de saúde nas mesmas condições
do beneficiário, desde que assuma o pagamento integral. 5) Nessa ordem,
em prestigio ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, a restituição
do montante correspondente ao total das mensalidades pagas pela autora
em razão da contratação de outro plano no período para suprir a falta da
cobertura assistencial fornecida pelo réu se proceda com a compensação dos
valores que aquela, na condição de beneficiária, teria pago no mesmo perio-
do pelo seu plano de saúde original, caso não tivesse ocorrido o indigitado
140 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

cancelamento, o que, à mingua de elementos nos autos capazes de orientar


tal aferição, deve se dar em sede de liquidação de sentença. 6) Recurso
ao qual se dá parcial provimento. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro - APL 0010037-49.2017.8.19.0208 - Rio de Janeiro - Quinta Câmara
Cível - Heleno Ribeiro Pereira Nunes - DORJ 01/04/2020)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXE-


CUÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – EXECUÇÃO AUTÔNOMA POR
SOCIEDADE DE ADVOGADOS – LEGITIMIDADE (LEI Nº 8.906/1994),
SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – ARTIGO 15, § 3º, LEI
Nº 8.906/1994 – NÃO VIOLAÇÃO – CESSÃO DE CRÉDITO À SOCIEDADE
EXEQUENTE – ADMISSIBILIDADE – MONTANTE PRINCIPAL EXECUTADO
– VALOR AINDA NÃO DEFINIDO – INVIABILIDADE DE EXECUÇÃO DOS
HONORÁRIOS SE AINDA NÃO DEFINIDO O VALOR DA CONDENAÇÃO
– APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PROVIDA – SENTENÇA ANULADA –
EXECUÇÃO DOS HONORÁRIOS QUE DEVE AGUARDAR A EFETIVA DETER-
MINAÇÃO DO VALOR DA EXECUÇÃO – 1. Embargos à Execução opostos,
em 09.06.2015, pela União Federal, em face de R&B Bichara Advogados,
em face da execução autônoma de honorários advocatícios nos autos do
processo nº 0039307- 75.1989.4.02.5101, pelo valor total de R$ 2.121.919,26
(dois milhões, cento e vinte e um mil, novecentos e dezenove reais e vinte e
seis centavos), atualizados até abril de 2015, correspondentes a 10% (dez
por cento) sobre o valor total executado, de R$ 23.341.111,83 (vinte e três
milhões, trezentos e quarenta e um mil, cento e onze reais e oitenta e três
centavos), também atualizados até abril de 2015. 2. Conforme já decidiu o Eg.
STJ no julgamento dos EA em AG nº 884.487/SP (STJ, Corte Especial, Relator:
Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 04.08.2017), ¿os honorários advocatícios
de sucumbência fixados por sentença ou acórdão prolatado na vigência do
Código de Processo Civil de 1973 e da Lei n. 4.215/1963. anterior, portanto, à
edição da Lei n. 8.906/1994. possuem caráter autônomo e integram o patri-
mônio do advogado, o que lhe assegura o direito de promover, em proveito
próprio, a execução¿. 3. Tampouco existe a alegada violação ao disposto no
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 141
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Artigo 15, § 3º, Lei nº 8.906/1994, dado que foram acostados aos autos as
procurações originalmente outorgadas pelos Autores da Ação de Conheci-
mento principal (processo nº 0039307-75.1989.4.02.5101 em favor de dois
advogados que, subsequentemente (28.04.1994), substabeleceram os poderes
assim outorgados em favor de um dos sócios da R&B Advogados. que, por
sua vez, subscreveu, em 23.07.2013, instrumento particular de cessão de
direitos de créditos de honorários advocatícios em favor da referida socie-
dade, ora Apelada, que lhe autoriza a executar os honorários advocatícios
em questão. 4. Assiste razão à União Federal quando alega que ¿não seria
viável a execução, considerando a necessidade de prévia execução do crédito
principal¿, porquanto os presentes honorários decorrem de condenação nos
autos da Ação de Conhecimento nº 0039307-75.1989.4.02.5101, sendo que
o valor total da execução. de cuja determinação depende a fixação do valor
dos honorários advocatícios (fixados no acórdão transitado em julgado em
10% sobre o valor total da condenação). foi objeto de discussão nos autos
do Agravo de Instrumento nº 0012238-63.2017.4.02.0000, e que ora se
encontra pendente de julgamento de embargos declaratórios, e sendo que
o índice de correção monetária aplicável foi objeto de discussão nos autos
do Agravo de Instrumento nº 0106798-02.2014.4.02.0000, sendo certo que
ainda não há notícia de trânsito em julgado também nesses autos. 5. Não
se pode autorizar a execução dos honorários advocatícios enquanto não for
efetivamente fixado, mediante título judicial transitado em julgado, o exato
valor da condenação, que depende de cálculos a serem efetuados nos autos
do Agravo de Instrumento nº 0012238-63.2017.4.02.0000, após o trânsito
em julgado desse recurso, e com a aplicação do índice de correção monetária
definido nos autos do Agravo de Instrumento nº 0106798-02.2014.4.02.0000.
6. Impõe-se reformar o decisum atacado, com vistas a evitar eventual paga-
mento de honorários a maior ou a menor. o que inevitavelmente ocorreria
se esta verba fosse executada antes do montante principal da execução.
7. Apelação da União Federal provida, anulada a sentença atacada, para
determinar que a execução dos honorários só pode se dar após o cálculo
do montante correto da condenação, após o trânsito em julgado dos dois
142 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
Nº 18  -  Abril 2020

Agravos de Instrumento interpostos, na forma da fundamentação. (Tribunal


Regional Federal da 2ª Região - AC 0060130-59.2015.4.02.5101 - Oitava Turma
Especializada - Marcelo Pereira da Silva - DEJF 03/04/2020)

Privacidade

DIREITOS DA PERSONALIDADE – RESPONSABILIDADE CIVIL – PUBLICA-


ÇÃO DE FOTOGRAFIA ÍNTIMA DA AUTORA PELO RÉU EM APLICATIVO
DE CELULAR – PALAVRAS OFENSIVAS E DIFAMATÓRIAS – OFENSA A
DIREITO DE PRIVACIDADE E À HONRA – PROTEÇÃO LEGAL E CONSTI-
TUCIONAL – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL EVIDENCIADO IN RE IPSA
– REPARAÇÃO DEVIDA – VALOR QUE NÃO COMPORTA MODIFICAÇÃO –
RECURSO NÃO PROVIDO -Direitos da personalidade. Responsabilidade civil.
Publicação de fotografia íntima da autora pelo réu em aplicativo de celular.
Ofensa a direito de privacidade. Palavras ofensivas e difamatórias. Ofensa à
honra e boa fama. Proteção legal e constitucional. Dano moral evidenciado,
já que caracterizado in re ipsa. Indenização que não comporta modificação
(R$ 10.000,00), porquanto fixada com proporcionalidade e razoabilidade, à
luz do entendimento jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Sentença mantida. Recurso não provido. (Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo - AC 1002435-67.2018.8.26.0302 - Santa Cruz do Rio Pardo - Dé-
cima Câmara de Direito Privado - J.B. Paula Lima - Julg. 18/02/2014 - rep.
DJESP 15/04/2020)

OBRIGAÇÃO DE FAZER – PRELIMINARES – NÃO CONHECIMENTO DO RE-


CURSO – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – DIREITO – NATUREZA
PESSOAL – DECADÊNCIA – ART. 1302 DO CC – REJEITADAS – VARANDA
– VISÃO – LOTE VIZINHO – VIZINHANÇA – INTIMIDADE – PRIVACIDADE
– USO ANORMAL DA PROPRIEDADE – CARACTERIZAÇÃO – 1. O recurso
questiona a matéria fática e demonstra adequadamente os motivos pelos
quais a sentença deve ser reformada. Assim, presente impugnação, ainda
que concisa, afasta-se a alegada afronta ao princípio da dialeticidade ante o
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 143
CIVIL E PROCESSUAL
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preenchimento dos requisitos contidos no art. 1.010, II e III do CPC/2015. 2. A


ação fundada em direito de natureza pessoal (demolição de edificação) não
justifica a citação do outro cônjuge para formação de litisconsórcio passivo
necessário, por não se confundir com discussão de direito real imobiliário. 3.
O prazo de ano e dia previsto no art. 1.302 do Código Civil só começa a fluir
depois do término da obra. 4. A casa de qualquer pessoa, em um Estado de
Direito, é seu castelo. Como os reis e as rainhas em seus castelos, todo mo-
rador é soberano em seu lar. Cada reino tem um único soberano. Nenhum lar
é, ao mesmo tempo, espaço para dois reinos. O limite de um reino é o muro
da casa ao lado, barreira que simboliza, além da posse ou da propriedade,
a acessão da intimidade do domicílio. 5. A Constituição Federal só permite
devassa à intimidade do lar em casos restritos. A casa é asilo inviolável do
indivíduo em todas as circunstâncias lícitas de sua vida: Domus sua cuique
est tutissimum refugium. 6. Há muitas formas de violação da intimidade do
lar. Não é só entrar e permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra
a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas
dependências que caracteriza esbulho a essa intimidade. 7. Quando um
morador edifica sacada com visão de todo o lote vizinho, extrapola o limite
de seu reino, impõe-se como dono dessa casa e desrespeita o direito de
vizinhança, pelo uso anormal da propriedade. 8. A intimidade é respeitável
porque é própria do ser humano, não pelo tipo de conteúdo ou pelo respectivo
grau. Não se mede a intimidade do outro pela imoderação da própria régua.
9. Cidade e civilidade são realidades indissociáveis. Tanto que as palavras
cidade e civilidade têm a mesma origem latina: Civilis/civitas. Isso quer dizer
que viver em uma cidade impõe aos cidadãos civilidade. 10. Somente quando
são rompidos os parâmetros de civilidade, que diferenciam uma rua de uma
alcateia, cabe ao Poder Judiciário, por natureza uma conquista e uma garantia
contínua do processo civilizacional, impedir que o homem seja o lobo do homem
(Lupus est homo homini lupus). 11. A expressão bons vizinhos, inserida no
preâmbulo da Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, com redação
final do poeta americano Archibald MacLeish, pressupõe a dimensão ideal
desse relacionamento: Bons vizinhos são pessoas que praticam a tolerância
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e vivem em paz uns com os outros; unem forças para manter a paz na rua,
no prédio, no bairro, na cidade, onde quer que estejam. 12. Preliminares re-
jeitadas. Recurso conhecido e não provido. (Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios - APC 07123.47-88.2019.8.07.0001 - Oitava Turma
Cível - Diaulas Costa Ribeiro - Julg. 01/04/2020 - Publ. PJe 16/04/2020)

Verba Alimentar

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSO-


LUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – VERBA ALIMENTAR PROVISÓRIA PARA
EX-COMPANHEIRA – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA NECESSIDADE – 1.
Na espécie, inexiste prova suficiente a indicar a existência de necessidade
por parte da agravante, requisito indispensável ao estabelecimento de uma
obrigação alimentar (art. 1.724 do Código Civil), e que não é presumida. 2.
O simples fato de ter mantido relação estável com o recorrido por 4 anos
não revela as necessidades da agravante, até porque não comprovou que
não exerce atividade remunerada e não demonstra eventual incapacidade
laboral. Reclamando tais aspectos dilação probatória, é inviável a fixação de
alimentos provisórios. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - AI 0022585-41.2020.8.21.7000
- Ijuí - Oitava Câmara Cível - Ricardo Moreira Lins Pastl - Julg. 23/04/2020
- DJERS 28/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO


INTERLOCUTÓRIA QUE NEGOU PEDIDO DE DESBLOQUEIO DA QUAN-
TIA PENHORADA EM CONTA BANCÁRIA – RECURSO DA EXECUTADA
– PENHORA EFETUADA SOBRE OS PROVENTOS DE APOSENTADORIA E
PENSÃO – VERBA DE SUBSISTÊNCIA (ART. 833, IV, CPC) – SALDO EM
CONTA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS (STJ, AGINT NOS EDCL NO
ARESP 1445026/SP) – VALOR DOS PROVENTOS INFERIOR A 50 SALÁRIOS
MÍNIMOS (STJ, AGINT NO RESP 1790619/SP) – QUANTUM EXEQUENDO
QUE ENGLOBA VERBA DE NATUREZA NÃO ALIMENTAR (REPARAÇÃO
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POR DANOS MATERIAIS E MORAIS) E ALIMENTAR (HONORÁRIOS AD-


VOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA) – IMPENHORABILIDADE RECONHECI-
DA NO TOCANTE À VERBA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR E AFASTADA
COM RELAÇÃO À VERBA ALIMENTAR DO ADVOGADO (ARTS. 22 E 23,
LEI 8.906/94 E ART. 85, § 14 E 843, IV, §2º, CPC) – PRECEDENTES DO
STJ E DESTA CORTE – LIMITAÇÃO DA CONSTRIÇÃO EM PERCENTUAL
DOS PROVENTOS LÍQUIDOS DA AGRAVANTE – INCIDÊNCIA MENSAL
ATÉ O ADIMPLEMENTO INTEGRAL DA VERBA HONORÁRIA – MEDIDA
CABÍVEL PARA NÃO INVIABILIZAR A SUBSISTÊNCIA DA AGRAVANTE – “1
-A legislação processual civil (CPC/2015, art. 833, IV, e § 2º) contempla, de
forma ampla, a prestação alimentícia, como apta a superar a impenhorabi-
lidade de salários, soldos, pensões e remunerações. A referência ao gênero
prestação alimentícia alcança os honorários advocatícios, assim como os
honorários de outros profissionais liberais e, também, a pensão alimentícia,
que são espécies daquele gênero. É de se permitir, portanto, que pelo menos
uma parte do salário possa ser atingida pela penhora para pagamento de
prestação alimentícia, incluindo-se os créditos de honorários advocatícios,
contratuais ou sucumbenciais, os quais têm inequívoca natureza alimentar
(CPC/2015, art. 85, § 14). 2. Há de se considerar que, para uma família de
baixa renda, qualquer percentual de constrição sobre os proventos do arrimo
pode vir a comprometer gravemente o sustento do núcleo essencial, ao passo
que o mesmo não necessariamente ocorre quanto à vida, pessoal ou familiar,
daquele que recebe elevada remuneração. Assim, a penhora de verbas de
natureza remuneratória deve ser determinada com zelo, em atenta e crite-
riosa análise de cada situação, sendo indispensável avaliar concretamente
o impacto da penhora sobre a renda do executado. [...]” (AgInt no RESP
1.732.927/DF, Rel. Min. Raul Araújo, j. 12.2.2019) RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO EM PARTE. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina - AI
4034103-58.2019.8.24.0000 - Florianópolis - Primeira Câmara de Direito
Comercial - Guilherme Nunes Born - DJSC 27/04/2020)
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. Serviços educacionais. Execução de título extra-


judicial, termo de Confissão de Dívida e respectivo Aditivo, com parcelamento
em doze vezes. Alegação da exequente de que o executado honrou apenas
três parcelas, quedando-se inadimplente quanto às demais. Executado que,
citado, não efetuou o pagamento nem se manifestou nos autos. Tentativas
de penhora on line e de localização de bens que se mostraram infrutíferas.
Pleito da exequente de penhora de 30% dos vencimentos do executado, com
desconto em folha de pagamento, que restou indeferido. Agravo da exequen-
te. 1. Vencimentos que se destinam ao sustento do executado e sua família.
Verba alimentar que é impenhorável.– 2. Alegação de ser a penhora “permitida
quando esgotados todos os meios ordinários de satisfação do crédito” que
não prospera. Relativização da impenhorabilidade, prevista no art. 833, IV,
do CPC, que só se admite quando o crédito for de pensão alimentícia; ou
quando os rendimentos do devedor sejam superiores a 50 salários mínimos,
estando a penhora restrita ao valor excedente, na forma do §2º do referido
dispositivo legal. 3. Executado que, de acordo com as informações obtidas
pela credora, percebe remuneração de pouco mais de 24 salários mínimos,
não se enquadrando na hipótese de mitigação. 4. Indeferimento da penhora
que se mantém. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro - AI 0080559-75.2019.8.19.0000 - Rio de Janeiro
- Vigésima Sexta Câmara Cível - Maria Celeste Pinto de Castro Jatahy - DORJ
13/04/2020)

ALIMENTOS – REVISÃO – PROVA AUSENTE, NO CASO, DE QUE SE TORNOU


EXCESSIVA A VERBA ALIMENTAR FIXADA ANTERIORMENTE POR SENTEN-
ÇA E PAGA PELO PAI AO FILHO MENOR – Devedor recolocado atualmente.
Despesas apresentadas incompatíveis com o salário indicado, mesmo assim
com valor por hora superior à do emprego anterior. Improcedência. Sentença
mantida. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
- AC 1001209-56.2019.8.26.0572 - São Joaquim da Barra - Primeira Câmara
de Direito Privado - Claudio Godoy - Julg. 17/03/2020 - DJESP 03/04/2020)
REVISTA DE DIREITO Jurisprudência 147
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APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DIVÓRCIO JUDICIAL LITIGIOSO – SENTENÇA


DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL E DA RECONVENÇÃO –
INCONFORMISMO DA PARTE AUTORA/RECONVINDA – VERBA ALIMENTAR
FIXADA EM 15% (QUINZE POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO EM FAVOR
DE DOIS FILHOS – SUSTENTADA A IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM O
VALOR ARBITRADO POR FALTA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS E A AUSÊN-
CIA DE NECESSIDADE DOS ALIMENTANDOS – PEDIDO DE EXONERAÇÃO
– Inacolhimento. Alimentante que, apesar de auferir aposentadoria em V alor
módico, possui o dever de contribuir para o sustento da prole. Exegese do
art. 229, da CF e, art. 1.566, IV, do CC. Alimentandos maiores de idade e que
possuem problemas de saúde. Filha portadora de síndrome de down e com
diagnóstico de ceratocone. Filho portador de epilepsia. Despesas extraor-
dinárias comprovadas. Recebimento de auxílio previdenciário insuficientes
para manter seus próprios sustentos. Ademais, verba fixada em valor baixo.
Preservação do dever de contribuir com a criação dos filhos. Manutenção
da sentença que se impõe. Partilha. Defendida a ausência de provas acerca
da participação na obtenção das dívidas. Pleito de exclusão. Tese rechaçada.
Regime de comunhão parcial de bens. Conjunto probatório que demonstra
que as dívidas foram contraídas na constância do matrimônio. Presunção de
comunicabilidade. Inteligência do arts. 1.658 e 1.663, § 1º, do CC. Autor que
não se desincumbiu do ônus da prova (art. 373, I, do CPC). Partilha devida.
Arbitramento de honorários recursais. Inteligência do art. 85, § 11, do CPC.
Recurso conhecido e desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina - AC 0301757-60.2017.8.24.0019 - Concórdia - Sétima Câmara de
Direito Civil - Haidée Denise Grin - DJSC 28/04/2020)

DECISÃO MONOCRÁTICA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO


DE SENTENÇA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – BLOQUEIO DE VALORES – VERBA
ALIMENTAR – PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO MANTEVE O
BLOQUEIO – INTEMPESTIVIDADE – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
– 1. O recurso de agravo de instrumento, em verdade, foi interposto contra a
primeira decisão que manteve a constrição, restando mantida na origem em
148 Jurisprudência REVISTA DE DIREITO
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pedido de reconsideração formulado pelo réu. 2. O pedido de reconsideração


não possui o condão de suspender o prazo recursal. 3. Matéria que encontra
solução unânime pelos integrantes da Câmara. AGRAVO DE INSTRUMENTO
NÃO CONHECIDO. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - AI
0044412-11.2020.8.21.7000 - Viamão - Quarta Câmara Cível - Antônio Vinícius
Amaro da Silveira - Julg. 20/03/2020 - DJERS 02/04/2020)

DIVÓRCIO – IRRESIGNAÇÃO DO DIVORCIANDO NO TOCANTE À VERBA


ALIMENTAR – PENSÃO DEVIDA A TRÊS FILHOS E QUE PERMANECE
INALTERADA, AUSENTE PROVAS DA IMPOSSIBILIDADE DO ALIMEN-
TANTE ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO – Pedido de gratuidade processual que
comporta acolhimento. Declaração de hipossuficiência. Presunção relativa
que enquanto não infirmada atende ao disposto na Lei Processual. Recur-
so parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - AC
1000773-98.2019.8.26.0604 - São Pedro - Quinta Câmara de Direito Privado
- A.C. Mathias Coltro - Julg. 11/03/2020 - DJESP 07/04/2020)
PRÁTICA PROCESSUAL

DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Por Frederico Abrahão Oliveira


Advogado Militante na Comarca de Porto Alegre; Pós graduado em Ciências
Processuais Cíveis e Criminais; Ex-Professor Universitário: Unisinos (1989-1991)
e Ulbra (1992-1997); Ex-Professor Escola Superior do Ministério Público - RS;

Cumprimento da Sentença que Reconheça a Exigibilidade


de Obrigação de Pagar Quantia Certa pela Fazenda Pública

Informações Gerais

Bem claro de que se trata aqui de execução de dívida da Fazenda


Pública. Se o crédito fosse da Fazenda Pública, o rito apropriado seria o da
Lei de Execuções Fiscais.
Sobre a questão das verbas honorárias advocatícias, em sede de
cumprimento e execução de sentença, é de todo conveniente atentar para o
fato de que não são devidos honorários no cumprimento de sentença contra
a Fazenda Pública, quando enseje expedição de precatório, desde que não
tenha sido impugnada – art. 82, § 7º, do NCPC.
Nos demais casos de execução e cumprimento, aplicam-se o art.
85 e § 1º do NCPC, determinantes de que a sentença condenará o vencido
a pagar honorários ao advogado do vencedor, sendo devidos honorários

- 149 -
150 Prática Processual REVISTA DE DIREITO
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advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório


ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos,
cumulativamente.

Prazo para Impugnação

O prazo de trinta dias concedido à Fazenda Pública para impug-


nar a execução, mediante embargos, não se aplica às autarquias, empresas
públicas e sociedades de economia mista, consoante decisões do STJ.

Autarquia – Empresa Pública – Sociedade de Economia Mista


Autarquia é pessoa jurídica de direito público, integrante da
administração pública indireta, criada por lei específica para desenvolver
atividade típica de Estado e sua relevância para o direito administrativo.
Empresa Pública é sociedade empresarial sobre a qual o Estado
mantém controle acionário. As empresas públicas compõem a administração
indireta.
Sociedade de Economia Mista é pessoa jurídica de direito
privado, constituída como sociedade anônima, com capital público e privado,
daí a denominação de “mista”. O capital público deve ser majoritário, assim
permanecendo o controle em mãos do poder público.
Procedimento e Legislação Pertinente
No pertinente aos processos executivos, duas são as alternativas
relativamente ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de
obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, consoante a legislação
que passamos a transcrever:
a) Execução fundada em título judicial – segue-se o processado
na forma dos arts. 534 e 535 do NCPC:
REVISTA DE DIREITO Prática Processual 151
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Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública


o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito contendo:

I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas


ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;

II – o índice de correção monetária adotado;

III – os juros aplicados e as respectivas taxas;

IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;

V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;

VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.

§ 1º Havendo pluralidade de exequentes, cada um deverá apresentar o seu


próprio demonstrativo, aplicando-se à hipótese, se for o caso, o disposto
nos §§ 1º e 2º do art. 113.

§ 2º A multa prevista no § 1º do art. 523 não se aplica à Fazenda Pública.

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante


judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de
30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo


correu à revelia;

II – ilegitimidade de parte;

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

IV – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

VI – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento,


novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes
ao trânsito em julgado da sentença.

§ 1º A alegação de impedimento ou suspeição observará o disposto nos


arts. 146 e 148.

§ 2º Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia


quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de
imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da
arguição.

§ 3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada:


152 Prática Processual REVISTA DE DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL
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I – expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, pre-


catório em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição
Federal;

II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente


público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno
valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da
requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima
da residência do exequente.

§ 4º Tratando-se de impugnação parcial, a parte não questionada pela


executada será, desde logo, objeto de cumprimento.

§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se


também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fun-
dado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do
ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com
a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado
ou difuso.

§ 6º No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal


poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.

7º A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido


proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado


da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do
trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

b) Execução fundada em título extrajudicial – procede-se na forma do art. 910:

Art. 910. Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública


será citada para opor embargos em 30 (trinta) dias.

§ 1º Não opostos embargos ou transitada em julgado a decisão que os re-


jeitar, expedir-se-á precatório ou requisição de pequeno valor em favor do
exequente, observando-se o disposto no art. 100 da Constituição Federal.

§ 2º Nos embargos, a Fazenda Pública poderá alegar qualquer matéria que


lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento.

§ 3º Aplica-se a este Capítulo, no que couber, o disposto nos arts. 534 e 535.
REVISTA DE DIREITO Prática Processual 153
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Havendo litisconsórcio facultativo, tenha presente o fato de


que poderá ocorrer a limitação do número de exequentes quando o excesso
comprometer a efetividade dos atos de cumprimento da sentença, consoante
o determinam o art. 113 e parágrafos do NCPC:

Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em con-
junto, ativa ou passivamente, quando:

I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente


à lide;

II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;

III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.

§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de


litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na exe-
cução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a
defesa ou o cumprimento da sentença.

§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou


resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.

Por tratar-se de execução em face da Fazenda Pública, neces-


sária se faz atenção à inaplicabilidade da multa a que se refere o § 1º do art.
523 do NCPC.
Uma vez intimada a Fazenda Pública através do representante
judicial, a impugnação virá aos autos no prazo de trinta dias, devendo res-
tringir-se às hipóteses elencadas nos incisos do art. 535 do NCPC:

Art. 535. (...):

I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo


correu à revelia;

II – ilegitimidade de parte;

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

IV – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;


154 Prática Processual REVISTA DE DIREITO
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V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

VI – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento,


novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes
ao trânsito em julgado da sentença.

(...).

Sendo a impugnação relativa apenas a certa parte do crédito


em execução, a quantia incontroversa será de pronto executada.
Inocorrendo impugnação ou sendo esta julgada improcedente,
exsurgem duas possibilidades:
a) expedição de precatório em favor do exequente, por inter-
médio do presidente do tribunal respectivo, atendendo ao disposto na CF;
b) determinado o pagamento da obrigação de pequeno valor,
no prazo de dois meses com termo inicial na entrega da requisição, o que
deve ser efetivado mediante depósito em alvará eletrônico através da agên-
cia bancária indicada pelo exequente ou mediante ordem de pagamento a
agência de banco oficial próxima de sua residência.

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