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https://radioamnesia.org/olinda/
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Nome como a Mãe Beth de Oxum eventualmente se refere ao Ilê Axé Oxum Karê, terreiro de candomblé instalado no
complexo do Centro Cultural Côco de Umbigada
partir de um imaginário "subconsciente" e de uma memória coletiva (HALBWACHS,
2013).
Partindo da perspectiva de Glissant, que classifica comunidades entre atávicas e
compósitas, quando se refere à forma com que essas comunidades se desenvolvem e
constroem as relações que garantem sua própria sobrevivência é interessante perceber
o hibridismo do comportamento do côco enquanto grupo humano, que ora se comporta
na perspectiva atávica de voltar-se às raízes, num movimento radical e contundente, e
ora se comporta de maneira mais rizomática, propondo atividades, projetos e ações
voltadas à troca com outros grupos exteriores.
Consciente de seu lugar em meio às tensões políticas e coloniais da sociedade
brasileira, sua batalha cultural se concentra, não na violência, mas em manter o
patrimônio cultural afro-diaspórico através de reuniões e projetos que fazem convergir
aspectos festivos, estéticos políticos e religiosos. Tal é o caso das sambadas de côco,
festa que resgata uma tradição familiar, com um tambor centenário feito de madeira da
macaíba, pertencente à família de Quinho Caetés (marido de Beth de Oxum e
cofundador do CdU), e representou a memória de seus antepassados. Nas sambadas,
o som desempenha um papel de vital importância em meio à convergência de fatores
lúdicos, estéticos e políticos em uma situação que se configura como festa. Sob este
aspecto, podemos entender as sambadas como sendo um caso particular daquilo que
Steve Goodman (2010) chamou de “tecnologias de mobilização afetiva”. Esta leitura
pode ser confirmada nas palavras da própria Beth de Oxum, quando descreve as
sambadas como um tipo de evento que opera de maneira a não separar militância e
diversão (SAVAZONI, 2018).
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http://contosdeifa.com/
Neste processo, ambos o côco e o Dub entram em processo de transculturação. No
vídeo a seguir, você pode perceber com maior evidência esse argumento incorporado
em forma de prática sonora.
Show da Banda Côco de Umbigada no 28º Festival de Inverno Garanhuns, palco
Mestre Dominguinhos, sexta feira dia 27/08/2018:
https://youtu.be/J6j7bit6c0U?t=1409
O Projeto Semussum
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http://www.estudiolivre.org/semussum
selecionado no edital “Interações Estéticas: Residências Artísticas em Pontos de Cultura”
com financiamento do Ministério da Cultura, que na época tinha um interesse específico
por projetos de cultura digital. Naquela época, havia uma forte idéia de interação entre
as práticas de software livre e a cultura popular da tradição oral. Foi um movimento que
ganhou bastante força nas políticas públicas de cultura do Brasil na primeira década do
século XXI e foi a base da formação de muitos artistas, produtores e desenvolvedores
de tecnologia.
O CdU foi o grupo convidado a participar do projeto Semussum na região
nordeste. A sessão de gravação do CdU em Olinda ocorreu em fevereiro de 2010.
Conseguimos reunir músicos lendários da tradição do Côco, como a mãe Lucia de Oya,
o mestre Zeca do Rolete e o mestre Pombo Roxo (falecido em 2015), além da base grupo
de CdU liderado por Mãe Beth de Oxum nos vocais e pandeiro, Oxaguiã no ganzá,
Quinho Caetés no congas e Daniel Albuquerque no zabumba.
Fig. 2: Mestres coquistas Zeca do Rolete, Mãe Lucia de Oya e Mestre Pombo Roxo.
A gravação foi feita ao vivo com todo o grupo. A estratégia na gravação era tentar
encontrar um equilíbrio entre o desempenho natural dos músicos e o melhor áudio
isolado de cada microfone. O resultado da gravação foi anexado ao relatório ao Ministério
da Cultura, mas permaneceu inédito para um público mais amplo. Aqui, estamos
compartilhando um trecho de 2,15 minutos com as faixas separadas da gravação original
como um convite para ouvir e conhecer a música do CdU.
● Trecho original:
https://soundcloud.com/cristianofigo/cocodeumbigada_donamaria
● Trecho original com os canais separados:
https://drive.google.com/file/d/1uawV5E0ekG-
l6B9_4c58fhwWrkc6p8uz/view?usp=sharing
A primeira etapa do estudo foi analisar o áudio gravado para extrair informações
de variação rítmica para criação de uma estrutura de remix aberto com canais separados
e organizados para re-criações. Uma das principais características do côco são suas
flutuações de andamento, uma vez que os músicos costumam tocar sem metrônomo.
Para lidar com isso, fizemos uma quantização manual nos loops que selecionamos para
manter grandes amostras em diálogo com as batidas seqüenciadas. No processo de
edição, ajustamos as flutuações do andamento de uma maneira que alterasse o mínimo
possível a estrutura rítmica. No remix, evitamos colocar os ritmos originais como
ornamentos de uma composição e assumimos a estrutura musical do material original
como pilares de um trabalho aberto, eletrônico, de dança e experimental. Enquanto
estudávamos o áudio original, prosseguimos com a criação de trechos sonoros
sequenciados, respondendo ao material gravado. Batidas, acordes e texturas criam uma
paleta eletrônica para encaixar nos ritmos ancestrais.
O estudo do material original passou pela análise rítmica das variações e dos
acentos dos toques. Entendemos que nesse caso a zabumba cumpre a função de
fornecer o pulso e equalizar as flutuações de tempo do grupo e por isso tomamos a
zabumba isolada como base para a segmentação e análise rítmica. No primeiro
momento usamos o software Sonic Visualiser5 para extração da estimativa de pulso em
bpm e segmentação da divisão dos tempos.
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https://www.sonicvisualiser.org/
Fig. 3: Resultado do plugin “Tempo and Beat Tracker: beats” mostrando a análise da
oscilação do bpm.
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https://vamp-plugins.org/plugin-doc/qm-vamp-plugins.html#qm-tempotracker
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https://github.com/c4dm/qm-vamp-plugins
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https://vamp-plugins.org/plugin-doc/qm-vamp-plugins.html#qm-barbeattracker
Fig. 4: Tela do sonic visualiser mostrando os segmentos de tempos.
A informação de cada segmento resultante das análises desse plugins pode ser
copiada e colada em uma camada de notas (notes layer) e ser exportada em formato
MIDI. Esse arquivo MIDI por sua vez pode ser sincronizado ao áudio original como
podemos ver na figura 5 onde o áudio original e o arquivo midi estão sincronizados
utilizando o software Reaper9. Essa técnica permite uma configuração da linha do tempo
de um sequenciador MIDI sem alterar nenhuma característica do áudio original.
Utilizando ainda as variações de bpm mapeadas pelos plugins transpostas para
mudanças de bpm no sequenciador é possível desenvolver arranjos que se encaixam no
material gravado como se tivessem sido gravados ao vivo.
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https://www.reaper.fm/
Uma técnica mais “invasiva” de edição do material seria o corte de cada toque e
reposicionamento de cada fatia de áudio em uma matriz de tempo com um bpm fixo.
Essa é uma técnica amplamente utilizada na criação de música eletrônica com tempo
fixo. Nesse estudo utilizamos o software Ardour10 para automaticamente recortar cada
toque do áudio da zabumba. Esse recorte foi feito com a função “Rhythm Ferret” que
detecta cada “onset” (ataque de nota) em uma região de áudio e fatia cada segmento em
um áudio individual como podemos ver na figura 6. Essa técnica funciona bem e mantém
as características do timbre original, entretanto pode distorcer completamente o
resultado musical e descaracterizar o sentido musical de notas fora do tempo.
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https://ardour.org/
encolher pequenos segmentos de áudio sem alteração no que vem antes nem no que
vem depois desse marcador. Com a ajuda de um script11 12 conseguimos exportar as
stretch markers para todos canais mantendo assim uma coerência rítmica.
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https://reapack.com/
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https://github.com/ReaTeam/ReaScripts/blob/master/Stretch%20Markers/spk77_Copy%20stretch%20markers%20f
rom%20selected%20item%20to%20other%20items%20in%20group.eel
enquadramento da riqueza musical de uma cultura na visão de outra cultura. A intenção
aqui é o estabelecimento de um espaço de troca musical através da análise mediada por
software, sob a base do respeito e admiração por uma cultura musical que sobreviveu e
sobrevive a séculos de opressão dentro de uma lógica dominante de racismo cultural.
Dessa maneira reforçamos que o tratamento desse áudio deve ser feito com base na
análise minuciosa seguindo um critério de ser não invasivo e sem alterar a característica
original dos ritmos e do aspecto tonal e tímbrico de cada instrumento.
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www.esmeril.ufba.br
Figura 8: tela do menu de cenas do Esmeril.
Futuros
Bibliografia