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S.

Luiz, 2 de Novembro de 1905

Partindo de Fortaleza, minha querida Miloca, seguimos lentamente ao norte, afim de encontrarmos
agua sufficiente para entrarmos no porto de Camucim. A viagem foi a mais incomoda que imaginar
se pôde: Ninguem conseguiu dormir á noite. Chegámos em frente á barra ás 11 horas da manhã e
só poderiamos nella penetrar ás 4 horas da tarde. Tivemos de bordejar um mar terrivel
denominado "mar de feijão" porque assemelha-se a um caldeirão de feijão em plena ebulição. Até
4 horas da tarde o pratico não tinha aparecido! Estavamos desolados! Esperámos, esperámos
ainda, quando as 6 horas da tarde, sahia do porto um navio que trazia o pratico! Já estava furioso!
Prompto a dar uma parte ao Ministro da Marinha. Estavamos, vendo que perdiamos a entrada,
porque a maré vasava a nós provavelmente não poderiamos entrar. Felizmente, ás 7 horas da
noite achavamo-nos fundeados em frente a Camucim, pequena cidade nova, parte importante do
Ceará, ponto de partida duma estrada de terra que vai a Ipú; passando por Granja e Sobral. Á hora
em que chegámos nada podiamos fazer. O tempo estava escasso, deveriamos partir no dia
h
immediato ás 6 . 30 am. Empregamos a noite para descansar. Estavamos extremados physica e
moralmente! No dia imediato madruguei e fui para a terra. Não imaginas, todo o povo estava
apinhado nas pontes contemplando o terrivel Republica. Desembarquei só porque o Pedroso ficou
dormindo. Passei os telegramas e dei uma volta na cidade. Cousa interessante eram 5½ da
manhã: todas as casas já estavam abertas e as familias sentadas nas calçadas tomando café! Que
h
madrugadores! Após uma rápida visita que fiz, tendo como "cicerone" o pratico partimos as 6 . 30
da manhã em direcção do porto da Amarração. A sahida foi a melhor possivel: o mar estava calmo
e sereno: ahi tudo correu as mil maravilhas. Seguimos em direcção ao novo porto que deveriamos
attingir 5 horas depois. O mar foi encapellando-se aos poucos, de modo que ás 11½. da manhã
quando bordejámos na entrada da barra o navio era fortemente sacudido. Só poderiamos entrar ás
5 h. da tarde!

O vento soprava com furor o mar estava encapellado. Prudentemente seguimos e conseguimos
h
transpor a barra, fundeando ás 6 ½. da tarde diante da Amarração. A villa é pequena, açoutada por
um vento constante. A correnteza do Parnahyba era tão forte que o escaler da Saúde não poude
vencel-a: os marinheiros extremaram-se. Tomaram mais dous marinheiros e depois de muitos
esforços conseguiram atracar. O medico muito envergonhado pediu-nos mtas desculpas e
convidou-nos para jantar na casa delle na cidade da Parnahyba, que dista 2 horas da barra, rio
acima. Agradeci mas não acceitei o offerecimento, porque, se o fizesse teria de esperar 12 dias
para poder sahir a barra!! Pouco depois chegou um rebocador, com holophote, illuminando o
"Republica", fundeou e deu um tiro de canhão (e com dois f). Este rebocador tinha vindo nos
buscar. Nelle vinham os altos funccionarios de Parnahyba à frente dos quaes o Capitão do Porto.
Conversaram connosco até tarde retirando-se depois. Deitámo-nos. O vento não amainou durante
toda a noite: tinhamos de partir impreterivelmente no dia immediato ás 6½ da manhã sob pena de
ficarmos presos 12 dias.! O commandante veiu expor-nos as condições em que nos achávamos e
pediu ordens. Resolvi partir: O vento redobrou de intensidade. Na entrada da barra levantavam-se
ondas alterosas, que encontravam a prôa do navio, a correnteza era intensivíssima entravamos em
plena preia-mar Sahimos.........................................O que ahi se passou descrever-te-ei após nossa
chegada. Como nota comica referir-te-ei que o immediato do navio exclamava: "Isto faz molestia
do coração"! O Republica é um forte navio, bem construido, o commandante é um homem
experimentado e prudente, livramo-nos bem da ultima difficuldade a vencer. Digo a ultima, porque
dahi para todo o resto da viagem não teremos mais de entrar em portos dessa natureza. Foi o
ultimo, felizmente! E, ainda mais, digo como o Pedroso, nesse portos só entrarei preso e á força.

Navegámos lentamente em direção ao Maranhão. Tinhamos de navegar todo o dia e toda a noite.
No caminho encontrámos o "Maranhão" do Lloyd que fez-nos sinais perguntando se precisavamos
de alguma cousa. Agradecemos e continuámos nossa derrota. A noite passamol-a pessimamente,
e ás 5 horas da manhã, quando o navio entrava a Bahia de S. Marcos, ainda estava eu recostado
a murada, vomitando como um louco! Maldito enjôo que não me poupa um instante. Um martyrio
de tantos e tantos dias!! E dizem que nos divertimos!
O Republica entrou lentamente e veiu ancorar a alguns metros da cidade. Esperámos pela visita
da Saúde que se fez esperar. Na praia, esguio como um dos numerosos cajueiros que povoam
essas plagas nortistas vimos e Ezequiel, que, de terra saudou-nos com chapéu. Um pouco mais e
recebíamos a visita do Secretario do Governador, Inspector da Alfandega, deputado José Euzebio
e outras pessoas graudas ás quaes acompanhava o Ezequiel, ao qual eu tinha passado, de
vespera um telegrama em que pedia-lhe que evitasse manifestações etc. o que elle conseguiu .-
Depois dos muitos cumprimentos tomámos os escaleres, descemos. Passámo-nos para uns
o
"landaus" e a comitiva seguiu em direcção e rua Grande n 149 C.

Na próxima carta dir-te-ei, com todas as minucias, aquillo que desejas; direi como achei a nossa
Miuça, quaes seus habitos, qual a vida que aqui leva, enfim, como sei que te proporcionarei um
grande prazer, procurarei tornar-te feliz procurando photographar a vida do "casal maranhense"-

Já não tenho o direito de chamar-te de ingrata: recebi uma carta já bastante longa e que
proporcionou-me indizivel satisfação. Adeus minha adorada, beija com effusão nossos filhos e
destribue punhados de carinhos a todos os nossos entes num estreito e prolongado abraço,
acceita a alma saudosa e nostalgica de teu

Oswaldo

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