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ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO

  Observação: A presente Nota Técnica substitui e revoga a Nota Técnica de nº 16, de


31 de julho de 2017.

NOTA TÉCNICA N° 01/2020

 Incidência do ITCMD na reserva, instituição e extinção de usufruto.

  1. Introdução

A presente nota técnica tem por objetivo analisar a incidência do imposto de


transmissão causa mortis e doação (ITCMD), nas hipóteses de reserva, instituição e
extinção de usufruto sob a égide de leis distintas.

O imposto sucessório (décima de heranças e legados) e o imposto de transmissão


inter vivos (sisa) é um dos mais antigos impostos brasileiros, tendo sua primeira
instituição ocorrido logo após a chegada da Família Real ao território brasileiro em
1.809.

Em 1.832 ocorreu a atribuição do imposto causa mortis à receita provincial, e do inter


vivos à receita geral, sendo, já em 1.891, após a proclamação da República, sua
competência exclusiva atribuída aos Estados, com a denominação genérica de
“Imposto de Transmissão de Propriedade”.

A Constituição de 1.934 manteve a competência dos Estados, mas dividiu novamente


o imposto em transmissões causa mortis e transmissões inter vivos, o que foi mantido
pelas Constituições de 1.937 e 1.946 até o advento da Emenda Constitucional de nº 5
de 1961, que, alterando a redação dos artigos 19 e 29 da Constituição de 1.946,
atribuiu a competência do imposto de transmissão de imóveis inter vivos aos
Municípios, mantendo o imposto sobre as demais transmissões causa mortis aos
Estados.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1.964, por meio de seus artigos 24 e


25, agrupou-se novamente o imposto sobre transmissões de bens imóveis (Impostos
sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos sobre Imóveis), transferindo sua
competência aos Estados, o que foi mantido até a Constituição Federal de 1.988.

Contudo, com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, o imposto sobre a


transmissão de imóveis foi novamente cindido, não mais tomando por base se a
transmissão ocorreu mortis causa ou inter vivos, mas se houve onerosidade, ficando a
transmissão onerosa na competência tributária dos Municípios e a transmissão não
onerosa na competência dos Estados.

As diversas mudanças de atribuição de competência tributária para instituição do


imposto sobre a transmissão de bens imóveis, com ou sem onerosidade, redundou,
obviamente, na edição de diversas leis ordinárias regrando sua instituição e cobrança.
Neste cenário, houve edição das Leis de nº 1.624, de 20.12.1.1956, Lei nº 1.631, de
20.12.1.956, Lei nº 3.933, de 20.12.1966, Lei nº 7.540, de 30.12.1.988 e, finalmente,
da Lei nº 13.136, de 25.11.2004, que regulamentaram o imposto sobre transmissão.

A matéria foi objeto da Resolução Normativa de nº 81, de 10 de setembro de 2020,


merecendo, no entanto, dada sua complexidade, maiores detalhamentos por meio da
presente Nota Técnica.

  2. Dos Direitos Reais

Os direitos reais podem ser definidos como aqueles taxativamente expressos na lei e
que conferem determinado poder sobre o bem. Interessante notar que os poderes
sobre a coisa são multifacetários e divisíveis, de modo que sobre um mesmo imóvel
pode recair mais de um direito real.

O Código Civil de 1916, em seu art. 674, elencava como direitos reais: I - a enfiteuse;
II - as servidões; III - o usufruto; IV - o uso; V - a habitação; VI - as rendas
expressamente constituídas sobre imóveis; VII - o penhor; VIII - a anticrese; e IX - a
hipoteca.

Já o novo Código Civil, no art. 1.225, enumera os seguintes direitos reais: I - a


propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a
habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a
hipoteca; X - a anticrese; XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;  XII -
a concessão de direito real de uso; e XIII - a laje.

Informa a doutrina ser a propriedade a “mãe” de todos os demais direitos reais, haja
vista serem estes sempre satelitários em função daquele. O artigo 1.228 do Código
Civil, ao disciplinar os poderes inerentes à propriedade acaba por indiretamente a
definir, quando diz que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha”.

A propriedade plena de seus poderes, portanto, confere o direito de usar, gozar, dispor
e reaver a coisa. Dessa forma, nada impede que sobre um mesmo bem sejam
instituídos diversos direitos reais, tais como usufruto, hipoteca da nua-propriedade,
superfície etc.

 3. Do Usufruto

A propriedade plena confere ao seu titular a faculdade de usar, gozar, dispor e reaver
a coisa (art. 1.228, do Código Civil). Contudo, como já mencionado, os poderes
inerentes à propriedade podem ser desdobrados, daí a existência do rol de direitos
reais no art. 1.225, do Código Civil.

O usufruto se caracteriza como um desmembramento dos poderes inerentes à


propriedade, cindindo-se na figura do usufrutuário os poderes de uso e o gozo, e na
pessoa do nu-proprietário os poderes de dispor e reaver. O usufruto é o direito real
que confere ao seu titular o direito de posse, uso, administração e percepção dos
frutos (art. 1.394, CC/02) de um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio
inteiro, ou parte deste, podendo ser temporário ou vitalício, jamais perpétuo.

A reserva de usufruto não se confunde com a instituição de usufruto. Na reserva de


usufruto, o proprietário transfere a terceiros a nua-propriedade, reservando para si os
poderes de usá-lo e gozá-lo. Na instituição de usufruto, o proprietário transfere a
terceiro o direito de usar e gozar da coisa, mantendo para si, ou transferindo para
outra pessoa diversa do usufrutuário, os poderes de dispor e reaver do bem, ou seja,
mantém para si ou aliena a terceiros a nua-propriedade.

4. Usufruto como fato gerador do imposto de transmissão

Como visto, o usufruto é direito real autônomo em relação à propriedade, podendo ser
livremente transmitido, daí que suas transmissões, com base no artigo 155, §1º, I, da
Constituição Federal, estão dentro do campo de competência tributária atribuída aos
Estados quando diz que a estes compete o imposto sobre transmissão causa mortis e
doação, de quaisquer bens ou direitos relativamente a bens imóveis e respectivos
direitos.

Com base no artigo 1.410 do Código Civil, o direito real de usufruto pode ser
temporário ou vitalício. Essa característica intrínseca do usufruto faz com seja diferido
no tempo o momento de sua instituição ou reserva e o momento da respectiva
extinção, podendo, no mais das vezes, decorrer longos anos entre o período que
medeia seu termo inicial e final, sujeitando-o, portanto, à égide das legislações em
vigor à época da ocorrência de cada fato gerador.

Nesse sentido, o fato gerador do imposto sobre transmissão do direito real de usufruto
alcança (i) o momento de sua instituição ou reserva, quando os poderes de dispor e
reaver são alienados a terceiro e os poderes de usar e gozar são mantidos na pessoa
do ex-proprietário ou alienados a terceiros, bem como (ii) o momento de sua extinção,
quando os poderes de uso e gozo são consolidados na pessoa do nu-proprietário,
podendo ou não ser coincidente com a pessoa que o instituiu.

Desse modo, tem-se bem claro que a competência tributária atribuída pelas diversas
Constituições alcança todas as transmissões de direitos reais de usufruto, seja sua
instituição ou reserva, seja sua extinção.

Assim, observado no mundo fenomênico dos fatos a hipótese abstratamente prevista


em lei, ocorre o fato gerador do tributo. Vale dizer, observada a instituição ou reserva
de usufruto, ocorre o fato gerador do imposto, assim como também ocorre seu fato
gerador quando observada sua respectiva extinção.

O artigo 144 do Código Tributário Nacional determina a aplicação da lei vigente na


data da ocorrência do fato gerador. Se o fato gerador “instituição” e o fato gerador
“extinção” ocorreram sob a égide da mesma lei, esta, evidentemente é a lei aplicável.
Se o fato gerador “extinção” ocorreu sob a égide de diploma legal diverso daquele que
vigia quando da instituição, aplica-se o novo diploma legal, haja vista que o fato
gerador “extinção” ocorreu sob a égide da nova lei.

A extinção do direito real de usufruto sempre foi tratada pela legislação tributária como
fato gerador autônomo de incidência do imposto de transmissão em relação à sua
instituição ou reserva, variando, tão somente, o tratamento dado pelas diversas
legislações quanto (i) a redução ou não da dimensão da base de cálculo tributada (v.g.
a Lei nº 13.136/04, art. 7º, §2º reduz em 50% o imposto devido quando da extinção do
usufruto), ou (ii) a isenção do imposto na hipótese de a propriedade plena se
consolidar na figura do próprio instituidor do usufruto (isenção prevista tanto na Lei nº
3.933/66, art. 4º, VI, como na Lei nº 7.540/88, art. 8º, I).

Não há, portanto, conflito intertemporal de normas, há, somente, aplicação da lei
tributária vigente na data da ocorrência do respectivo fato gerador.

5. Do tratamento dado à reserva, instituição e extinção de usufruto pelas leis que


se sucederam no tempo.

 5.1. Lei nº 1.624, de 20.12.1956 (causa mortis) e Lei nº 1.631, de 20.12.1956 (inter
vivos)

Período de vigência:

·         01.01.1957 até 31.12.1966.

Reserva:

·         Incide sobre 100% da base de cálculo (artigo 21 da Lei nº 1.631/56).

Instituição:

·         Incide com redução de 50% na base de cálculo.

Extinção:

·         Incide com redução de 50% na base de cálculo.

Transmissão da nua-propriedade:

·         Incide sobre 100% da base de cálculo

Alíquota:

·         Causa mortis: de 3% a 32% (art. 12, Lei n.


1624/56).                                                                          Inter vivos: Doação: de 5% a
11% (Lei n. 1631, art. 10, "a"). Usufruto: 6% (Lei n. 1631, art. 10, "c").

Nota: No período de 21.11.1961 até 31.12.1966, os Estados não tinham competência


tributária sobre transmissões inter vivos onerosas ou gratuitas de imóveis e direitos a
eles relativos.

5.2. Lei nº 3.933, de 20.12.1966

Período de vigência:

·         01.01.1967 até 28.02.1989.


Reserva: 

·         Não incide, pois há incidência na extinção do usufruto reservado sobre 100% da
base de cálculo.

Instituição:

·         Incide sobre 100% da base de cálculo.

Extinção:

·         Não incide quando o nu-proprietário for o instituidor (art. 4º, VI).

·         Incide sobre 100% da base de cálculo nos demais casos.

Transmissão da nua-propriedade:

·         Não incide (art. 4º, V), pois há incidência sobre 100% da base de cálculo na (i)
instituição (sendo que a respectiva extinção é isenta se o nu proprietário for o
instituidor) ou na (ii) extinção (a. na transmissão da nua-propriedade com reserva de
usufruto não há incidência, mas a extinção é tributada sobre 100% da base de cálculo
ou b. na extinção com consolidação da propriedade em nome de terceiro, há
tributação sobre 100% da base de cálculo, já que a transmissão da nua-propriedade
para esse terceiro não foi tributada).

Alíquota:

·         4% (art. 8º, III).

 5.3. Lei nº 7.540, de 30.12.1988

Período de vigência:

·         01.03.1989 até 28.02.2005.

Reserva: 

·         Não incide, pois há incidência sobre 100% da base de cálculo na extinção do
usufruto reservado.

Instituição:

·         Incide sobre 100% da base de cálculo.

Extinção:

·         Isenção na extinção quando nu-proprietário for o instituidor (art. 8º, I).

·         Incide sobre 100% da base de cálculo nos demais casos.

Transmissão da nua-propriedade:
·         Isenta (art. 8º, II), pois há incidência sobre 100% da base de cálculo na (i)
instituição (sendo que a respectiva extinção é isenta se o nu-proprietário for o
instituidor) ou na (ii) extinção (a. na transmissão da nua-propriedade com reserva de
usufruto não há incidência, mas a extinção é tributada sobre 100% da base de cálculo
ou b. na extinção com consolidação da propriedade em nome de terceiro, há
tributação sobre 100% da base de cálculo, já que a transmissão da nua-propriedade
para esse terceiro não foi tributada).

Alíquota:

·         De 2% a 4% (art. 7º).

5.4. Lei nº 13.136, de 25.11.2004

Período de vigência:

·         Vigente desde 01.03.2005

Reserva: 

·         Não incide, pois há incidência na transmissão da nua-propriedade sobre 50% da


base de cálculo e na respectiva extinção do usufruto reservado sobre 50% da base de
cálculo.

Instituição:

·         Incide sobre 50% da base de cálculo.

Extinção:

·         Incide sobre 50% da base de cálculo.

Transmissão da nua-propriedade:

·         Incide sobre 50% da base de cálculo.

Alíquota:

·         De 1% a 8% (art. 9º).

 6. Conclusão

Dado que tanto a instituição, reserva e extinção de usufruto são fatos geradores
autônomos do imposto sobre transmissões, incide a lei vigente à época da ocorrência
dos respectivos fatos geradores.

Se, por exemplo, houve instituição de usufruto vitalício na data de 01.01.1968,


ocorreu, neste momento, o fato gerador do imposto sobre a instituição, que incide
sobre 100% da base de cálculo, conforme artigo 7º, inciso V, da Lei nº 3.933/66. Se
houvesse a consolidação da propriedade em função da sucessão do usufrutuário em
01.01.2020, ocorreu, neste momento, novo fato gerador do imposto, agora sobre a
extinção de usufruto, que incide sobre 50% da base de cálculo, conforme artigo 7º,
§2º, da Lei nº 13.136/04.

Se, por outro exemplo, houvesse reserva de usufruto com transmissão da nua-
propriedade em 01.01.2018, haveria incidência do imposto sobre o fato gerador
“transmissão da nua-propriedade” sobre 50% da base de cálculo, haja vista que a Lei
nº 13.136/04 não elenca a reserva de usufruto como hipótese de incidência tributária.
Se tivesse ocorrido a extinção desse usufruto na data de 01.01.2020, haveria novo
fato gerador do imposto, incidindo sobre 50% da base de cálculo. A soma dos
percentuais da base de cálculo sobre os quais houve incidência alcançaria 100%.

No entanto, no mesmo exemplo acima, se tivesse ocorrido instituição de usufruto ao


invés de reserva, observaríamos dois fatos geradores (i) instituição de usufruto, com
incidência do imposto sobre 50% da base de cálculo e (ii) transmissão de nua-
propriedade, com incidência do imposto sobre 50% da base de cálculo. Se tivesse
ocorrido a extinção desse usufruto na data de 01.01.2020, haveria novo fato gerador
do imposto, incidindo sobre 50% da base de cálculo. A soma dos percentuais da base
de cálculo sobre os quais houve incidência tributária – instituição, transmissão da nua-
propriedade e extinção, alcançaria 150%, valendo lembrar que neste exemplo todos os
fatos geradores ocorreram sob a égide da mesma legislação.

Não é pertinente e nem jurídica a alegação de que, nos exemplos acima, a soma das
bases de cálculo das incidências tributárias perfaz percentual superior a 100%, haja
vista que:

(i) todas as leis que trataram da matéria definiram tanto a instituição como a extinção
do usufruto como fatos geradores, distintos e autônomos, do imposto, haja vista que
em uma ou outra hipótese há transmissão de direito real;

(ii) cada fato gerador tem necessariamente sua dimensão determinada por uma base
de cálculo, sendo que a mesma base de cálculo pode servir de dimensão para
incidências repetitivas, sem que isso contrarie qualquer princípio constitucional, desde
que respeitado o desenho constitucional do tributo. Tomemos como exemplo o ICMS,
que incide sobre 100% da base de cálculo nas sucessivas vendas da mesma
mercadoria, com evidente cumulatividade, corrigida, neste caso, pelo sistema de
créditos e débitos, ou o PIS e a COFINS que, além de incidirem ambos sobre a
mesma base de cálculo, oneram repetidamente a receita obtida pela venda da mesma
mercadoria até o consumidor final;

(iii) se a extinção do usufruto tivesse ocorrido sob a égide da mesma lei vigente à data
da instituição (Lei nº 3.933/66), a soma dos percentuais das bases de cálculo
alcançaria 200%, eis que a norma então vigente determinava a incidência do imposto
tanto na instituição como na extinção de usufruto sem redução na base de cálculo,
demonstrando que a soma dos percentuais da base de cálculo em patamar superior a
100% independe de a instituição e extinção ocorreram sob a égide de leis diferentes;

(iv) a instituição de usufruto com transmissão de nua-propriedade e posterior extinção


de usufruto ocorridas todas sob a égide da Lei nº 13.136/05, redundam numa soma de
percentual de base de cálculo de 150%, demonstrando, novamente, que a soma de
percentual não guarda ressonância com aplicação intertemporal de norma;

(v) a aplicação da lei vigente à data da ocorrência do fato gerador “extinção” (Lei nº
13.136/05) mostra-se mais benéfica ao contribuinte; eis que, se estivéssemos diante
de aplicação intertemporal de norma, deveríamos aplicar a lei vigente à data da
instituição do usufruto (Lei nº 3.933/66), que determinava a incidência do imposto no
momento da extinção do usufruto sobre 100% da base de cálculo;

(vi) o CTN, norma geral em matéria de direito tributário, determina a aplicação da lei
vigente à data da ocorrência do fato gerador, assim, se a Lei nº 13.136/05 prevê como
fato gerador do imposto de transmissão a extinção do direito real de usufruto, temos
que, ocorrido no mundo fenomênico dos fatos a hipótese abstratamente prevista em
lei, incide, imediata e inafastavelmente, a norma de incidência tributária, não podendo
o intérprete afastar sua aplicação em hipótese alguma, nem mesmo sob argumento de
equidade, conforme artigo 108, §2º do mesmo Código; e, finalmente

(vii) entender que a situação sujeitar-se-ia à aplicação intertemporal de norma,


acabaria por impedir a tributação do fato gerador “extinção de direito real de usufruto”,
ou, em outras palavras, negaria eficácia ao artigo 7º, §2º da Lei nº 13.136/05,
maculando a indisponibilidade do crédito tributário.

Portanto, com base no artigo 144 do Código Tributário Nacional, e, ainda,


considerando que, com base na competência tributária atribuída ao Estado pelas
Constituições Federais que se sucederam ao longo dos anos e nas legislações
tributárias que instituíram o imposto sobre transmissão de imóvel e de direitos reais a
ele relativos, é de se concluir pela incidência do imposto na realização de cada
transmissão de direito real, que ocorre tanto no momento da instituição quanto no
momento da extinção do direito real de usufruto, devendo ser aplicada a lei vigente na
data das respectivas ocorrências, sob risco de responsabilidade funcional, conforma
parágrafo único do artigo 142 do mesmo Diploma Legal.

 Getri, em Florianópolis, 21 de setembro de 2020.

 Paulo Vinicius Sampaio

Auditor Fiscal da Receita Estadual

 Fabiano Brito Queiroz de Oliveira

Gerente de Tributação
ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA
DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
GERÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO
 
REVOGADA E SUBSTITUÍDA PELA NOTA TÉCNICA 01/2020 – Ato Diat nº 033/2020,
art. 2º – Efeitos a partir de 29.09.20.
 

NOTA TÉCNICA N° 16/2017


  
Incidência do ITCMD na instituição e extinção de usufruto
 
1. Introdução
              Discute-se a incidência do imposto de transmissão no caso da instituição e
extinção de usufruto sob a égide de leis distintas.
              É o caso do antigo Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI,
instituído pela Lei 3.933, de 26 de dezembro de 1966 e do atual Imposto sobre
Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD,
instituído originalmente pela Lei 7.540/1988 e, mais recentemente, disciplinado pela
Lei 13.136/2004.
              O ITBI foi criado na vigência da Constituição Federal de 1967 e contemplava
tanto as transmissões de bens imóveis “inter vivos” como as decorrentes de “causa
mortis” e, nos casos de usufruto incidia integralmente por ocasião da sua instituição,
conforme previa o inciso III, do artigo 1º.
              Com a Constituição Federal de 1988, o imposto cindiu-se em dois, ficando a
transmissão onerosa na competência tributária dos Municípios e a transmissão não
onerosa na competência dos Estados. No que se refere ao usufruto, até a vigência da
Lei 7.540/1988, o ITCMD incidia integralmente na sua instituição. Com o advento da
Lei 13.136/2004, passou a incidir sobre a metade do valor venal do imóvel na
instituição desse direito real e a outra metade na sua extinção.
              A matéria foi tratada pela Comissão Permanente de Assuntos Tributários
(Copat) na resposta à Consulta 60/2008 e, mais recentemente, na resposta à Consulta
83/2012.
              Porém, apesar do posicionamento pacífico da Copat, tendo em vista a
permanência de posições divergentes entre os órgãos regionais, há necessidade de
manifestação definitiva da Diat sobre a matéria, inclusive porque a divergência suscita
incerteza junto aos oficiais dos cartórios de imóveis que se tornam solidariamente
responsáveis pelo recolhimento do imposto nos atos em que intervierem, conforme art.
134, VI, do Código Tributário Nacional.
             
 
2. Usufruto como fato gerador do imposto de transmissão
              O fato gerador do imposto de transmissão, tanto no caso do ITBI como do
ITCMD, abrange a transmissão de propriedade e de direitos reais sobre a propriedade.
              O direito de propriedade compreende os direitos de usar, gozar, dispor e
reaver a coisa de quem injustamente a detenha (Código Civil, art. 1.228). No caso de
instituição de usufruto, o direito de propriedade se reparte, de modo que passa ao
usufrutuário o direito “à posse, uso, administração e percepção dos frutos” (C.C., art.
1.394). O nu-proprietário detém a propriedade, mas despida de seus atributos (nua-
propriedade). No momento em que cessar o usufruto, a propriedade reveste-se
novamente de seus atributos, voltando a ser plena. No escólio de Marco Aurélio da
Silva Viana, temos que o usufruto:
Como direito real, assegura ao titular a utilização da coisa alheia diretamente, com
oponibilidade erga omnes. Necessariamente o usufrutuário terá a posse da coisa.
Como direito temporário, ele, embora possa ser vitalício, não se prolonga além da vida
do beneficiário. Extinto o usufruto, recompõe o domínio no seu titular”. É possível a
cessão do seu exercício, mas não a do direito, que é intransmissível. Com a morte do
usufrutuário cedente dá-se a extinção (VIANA, 2004, p. 616).
              Mais adiante, prossegue o mesmo autor (p. 671):
Quando as qualidades de usufrutuário e nu-proprietário são reunidas na mesma
pessoa, têm-se a consolidação e a conseqüente extinção do usufruto. O
vocábulo consolidação é empregado no sentido de confusão. Se o usufrutuário
adquire a propriedade, ou o nu-proprietário o usufruto, volta ela a ser plena (Idem, p.
671).
              A doação com reserva de usufruto e a subsequente consolidação da
propriedade, devida à morte do instituidor, devem ser consideradas de modo
integrado. O doador usufrutuário detém a posse e a administração do bem e o direito
de usar o bem e perceber os seus frutos. O donatário nu-proprietário detém apenas a
nua-propriedade, ou seja, a propriedade sem qualquer dos seus atributos. Com a
extinção do usufruto, esses atributos voltam a integrar a propriedade plena.
 
3. Tratamento tributário do usufruto
              Embora a instituição e a extinção do usufruto sejam considerados como fato
gerador do imposto de transmissão, tanto na Lei 3.933/1966, como nas Leis
7.540/1988 e 13.136/2004, o tratamento tributário difere de uma para outra lei.      
3.1. O usufruto na Lei 3.933/1966
              Entre outras hipóteses, o art. 1º, III, da Lei 3.933/1966, previa como fato
gerador do ITBI a “instituição de usufruto, convencional ou testamentário sobre bens
imóveis e sua extinção, por consolidação, na pessoa do nu-proprietário”. Nos termos
do art. 7º, V, a base de cálculo na instituição e na extinção do usufruto era o valor
venal do imóvel usufruído.
 
 
3.2. O usufruto na Lei 7.540/1988
              Conforme art. 2º, II, o ITCMD teria como fato gerador a transmissão
“causa mortis” ou a doação, a qualquer título, de direitos reais sobre bens imóveis. Já
o art. 8º, I, previa que nu-proprietário estaria isento do pagamento do imposto na
extinção do usufruto, quanto fosse o seu instituidor.
 
3.3. O usufruto na Lei 13.136/2004 
              O art. 2º, II, da Lei 13.136/2004 prevê a incidência do ITCMD sobre direitos
reais sobre bens móveis e imóveis – que é o caso do usufruto. O § 2º do art. 7º dispõe
que “na instituição e na extinção de direito real sobre bem móvel ou imóvel, bem como
na transmissão da nua propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para
50% do valor venal do bem”.
 
4. Distinção entre o ITBI e o ITCMD
              Qual a distinção entre ITBI e ITCMD? Além dos nomes distintos e de terem
sido instituídos por leis diferentes, os dois tributos apresentam as seguintes distinções:
(i) o ITBI era um imposto dos Estados; (ii) com a Constituição de 1988 o imposto foi
cindido em dois, cabendo aos Estados tributar a transmissão não onerosa, enquanto
os Municípios passaram a tributar as transferências onerosas; (iii) enquanto o antigo
ITBI incidia apenas sobre a transmissão de bens imóveis, o ITCMD passou a incidir
também sobre a transmissão de bens móveis. Mas isso basta para caracterizar
impostos completamente distintos ou há alguma superposição entre eles?
              Dispõe o art. 4º do CTN, “a natureza jurídica específica do tributo é
determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para
qualifica-la (i) a denominação e demais características formais adotadas pela lei; (ii) a
destinação legal do produto de sua arrecadação”. Ou seja, não interessa o nomen
juris do tributo, mas a materialidade da sua hipótese de incidência.
              Ora, a instituição de usufruto e sua extinção era fato gerador do ITBI, com é
fato gerador do ITCMD, tanto sob a égide da Lei 7.540/1988 como da Lei 13.136/2004.
Se o fato gerador é o mesmo, então, nesse aspecto, a natureza jurídica específica de
ambos os tributos é a mesma. Podemos dizer que há uma continuidade da imposição
tributária ao longo do tempo. Estamos diante de uma mesma exação que adotou
diferentes formas ao longo do tempo.
 
5. Tratamento do ITBI no direito intertemporal
              A aplicação do direito resulta da interação entre o fato e a norma contida no
texto legal. Se o fato é o mesmo – no caso a instituição e extinção do usufruto – não
se pode pretender tratar como se fossem fatos diferentes porque a lei é outra. “A
norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se
desprendem do texto (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do
caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do
ser)” (GRAU, 2002, p. 22).
              Então há uma historicidade na aplicação do direito. O fato ocorre em
determinado momento o que lhe dá certa especificidade. “O texto normativo
permanece mudo até que seja interrogado e seja trazido para o momento histórico
definido diante do qual revelará todo o seu sentido” (PONTES, 2000, p. 17).
              Mas, no caso em tela, trata-se da aplicação sobre o mesmo fato, em sua
concreção histórica, de diferentes textos normativos. O confronto entre diferentes
textos tratando da mesma situação fática pode caracterizar um corte sincrónico ou
diacrônico quando, nesse último caso se confrontam textos normativos de diferentes
momentos no tempo. O método comparativo, pois, supõe o prévio estabelecimento de
uma tipologia: “a comparação não é válida senão entre fatos do mesmo tipo, fatos de
análoga estrutura” (PILATI, 2000, p. 23).
              Então, temos que os mesmos fatos – instituição e extinção do usufruto – vem
recebendo diferentes tratamentos pela legislação vigente em diferentes momentos do
tempo. Contudo, em qualquer hipótese, a mudança de legislação não poderia resultar
em gravame maior que o exigível na vigência de uma ou outra lei. Assim, se a
instituição e a extinção do usufruto tivessem se dado na vigência da Lei 3.933/1966 ou
da Lei 7.540/88, o tributo seria exigido apenas por ocasião da consolidação da
propriedade e seria equivalente à aplicação da alíquota sobre a respectiva base de
cálculo (valor venal do bem doado).
              No caso de ter sido integralmente pago por ocasião da sua instituição,
descaberia a exigência do imposto por ocasião da extinção do usufruto, pois os
direitos da Fazenda Pública já teriam sido satisfeitos, conforme jurisprudência
consolidada do Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma, RE 83.855, DJU
1°/out/1976):
USUFRUTO DECORRENTE DE DOAÇÃO A TERCEIRO. COM A MORTE DA
DONATARIA, EXTINGUE-SE O USUFRUTO E CONSOLIDA-SE A PROPRIEDADE
NA PESSOA DO NU-PROPRIETARIO, NÃO SENDO DEVIDO O IMPOSTO DE
TRANSMISSAO CAUSA MORTIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
              O aresto colacionado continua aplicável nos termos do direito vigente. Com
efeito, a Constituição Federal de 1988, art. 155, I, dá competência aos Estados para
instituir imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou
direitos. No caso em tela, a legislação estadual considera como fatos distintos a
transmissão da propriedade e a instituição do usufruto que é um direito real sobre a
propriedade. Com a morte do usufrutuário, nos termos da lei civil, não se dá uma
“transmissão do usufruto”, mas a extinção do direito real, recompondo-se a
propriedade plena. Ora, o art. 110 do CTN veda alterar o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados para definir ou limitar
competências tributárias.
              A lei nova – Lei 13.136/2004 – exige metade do imposto na instituição
do usufruto e metade na sua extinção. Se o contribuinte já recolheu a integralidade da
exação, nos termos da lei antiga, o direito da Fazenda já foi satisfeito pelo sujeito
passivo, nada mais podendo ser-lhe exigido.
              Com efeito, na hipótese de tanto a instituição como a extinção
do usufruto ocorrer na vigência da Lei 13.136/2004, o imposto seria devido em ambas
as ocasiões, calculado sobre base de cálculo reduzida, conforme art. 7°, § 2° (“na
instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão
da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para cinquenta por
cento do valor venal do bem”).
              Porém, se o imposto – não interessa se o nomen juris for ITI, ITBI ou ITCMD
– tiver sido pago integralmente no momento da instituição do direito real, não poderia
ser-lhe exigido o recolhimento de mais 50%, por ocasião da extinção, pois
corresponderia a um gravame tributário maior do que seria suportado na hipótese de
tanto a transmissão da nua-propriedade como a sua recomposição ocorrerem na
vigência da mesma lei. Tal exigência contrariaria o princípio da isonomia, insculpido no
art. 150, II, da Constituição Federal, que proíbe instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Com efeito, a diferença de
tratamento tributário não decorreria da situação do próprio sujeito passivo, mas
apenas da circunstância de a instituição do usufruto (transmissão da nua-propriedade)
ter ocorrido na vigência de uma lei e a sua extinção (consolidação da propriedade
plena) ter ocorrido na vigência de outra lei.
 
6. Conclusão
              À evidência, não se poderia, devido a uma interpretação demasiado literal do
texto normativo, exigir do contribuinte 150% do imposto previsto. Em outros termos, se
o crédito tributário já estava integralmente satisfeito, nos termos da Lei 3.933/1966 ou
da Lei 7.540/1988, sobre o mesmo fato gerador – instituição de usufruto – nada mais
seria devido a título de ITBI ou de ITCMD.
              Conforme boa e velha regra de hermenêutica, casos semelhantes devem
receber o mesmo tratamento. Independentemente das diferenças entre o ITBI e o
ITCMD, as semelhanças nesse particular são patentes: ambas as leis consideram fato
gerador a instituição de usufruto e sua extinção. Em ambos os casos, se a obrigação
tributária correspondente houver sido integralmente satisfeita, nos termos da lei então
vigente, qualquer outro valor exigido com base na lei nova poderia caracterizar crime
de excesso de exação, previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal: exigir tributo que
sabe ou deveria saber indevido.
Bibliografia citada
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do
Direito. São Paulo: Malheiros, 2002.
PILATI, José Isaac. Teoria e Prática do Direito Comparado. Florianópolis: OAB/SC,
2000.
PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito
tributário. São Paulo: Dialética, 2000.
VIANA, Marco Aurélio da Silva. Comentário ao Novo Código Civil, volume XVI: dos
direitos reais, coordenado por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 616.
 
Getri, em Florianópolis, 31 de julho de 2017
 
           Velocino Pacheco Filho                                           Amery Moisés Nadir Júnior
           AFRE – mat. 184244-7                                                Gerente de Tributação
 

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