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19/3/2010 Vitruvius / Entrevista

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Roberto Burle Marx


a br/m a i/jun 2001
a no 2, vol. 6, p. 007

Introdução

Formação: Berlim

Formação: Brasil

Burle Ma rx tra ba lha ndo e m seu a teliê dura nte a e ntre vista em 1992.
Arte e natureza Foto Ana R osa de O liveira

Obras importantes Burle Marx e o jardim moderno brasileiro


Ana Rosa de Oliveira
Créditos
Sabe-se que os acontecimentos do jardim moderno não podem ser desvinculados das
descobertas visuais e formais que se manifestaram na pintura, arquitetura, música e
cinema a princípio deste século. Os traços essenciais da nova arte "radicam na
substituição do mimetismo pelo empenho construtivo enquanto critério geral da
produção artística e na instauração de uma idéia autônoma da forma controlada pela
sua legalidade específica, diferente e irredutível a qualquer critério externo". Trata-se
de um modo distinto de entender as relações entre arte e realidade que foi decisivo
para a arquitetura e também para o jardim a partir primeira metade do século XX.

Comparado com a arquitetura o jardim moderno está livre de ser visto como um estilo
que toma do cubismo o gosto pelos corpos puros e da tecnologia a idéia de
racionalidade associada à produção e à máquina. Nesse sentido, o estudo do
paisagismo como forma de atualização dos critérios de construção da forma que a
vanguarda inaugurou é um bom propósito para percorrer os caminhos da modernidade
autêntica.

Houve no entanto, aqueles que consideraram que "como os materiais naturais da


paisagem e as necessidade humanas básicas seguiam sendo os mesmos, falar de
modernidade no jardim constituía uma discussão estéril". Uma árvore era uma árvore e
sempre seria uma árvore, era portanto, impossível ter um desenho moderno da
paisagem.

As árvores de concreto de Rob Mallet Stevens para a Exposição de Artes Decorativas


de 1925 em Paris, constituem portanto, uma alusão irônica à possibilidade de
conceber formas novas a partir de materiais "eternos".

Nesse contexto a obra paisagística de Burle Marx evidencia uma tensão histórica. Ele
acreditava que era insuficiente seguir baseando a construção formal do jardim na
legalidade genérica que dava a tradição clássica ou a natureza.

Ele também acreditava que podia aportar algo novo. E, à maneira de um pintor de
naturezas mortas que quisesse pintar diferente, deve ter se perguntado muitas vezes:
de que modo pinto outra coisa que não seja natureza?

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A importância fundamental de Roberto Burle Marx reside nesse fato. De que ele, pela
sua dedicação continuada ao projeto, acabou contribuindo para a extensão da forma
moderna a âmbitos nos quais a presença da natureza poderia supor uma barreira
insuperável à ação de uma ordenação abstrata. Assim a legalidade da sua obra é
dada pela sua vontade de forma. Nesse sentido seu jardim não expressa sua época,
nem seu contexto mas os antecipa e transcende; pois ser abstrato quer dizer ser
universal.

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Roberto Burle Marx


a br/m a i/jun 2001
a no 2, vol. 6, p. 007

Introdução
Ja rdins fronta is do Ca ssino da Pa m pulha , Be lo Horizonte MG (1942-
43), foto Ana R osa 1996
Formação: Berlim

No intuito de apresentar algumas das chaves da poética de Burle Marx foi


Formação: Brasil
realizada essa entrevista. Ela realizou-se em 1992, quando eu iniciava as
pesquisas para a minha tese de doutorado em Barcelona. Posterior a uma
Arte e natureza exaustiva busca nos escritos de Burle Marx e da crítica especializada
muitas questões continuavam sem resposta. Isso me levou a buscar um
contato com Burle Marx, para que, a partir das suas próprias declarações
Obras importantes eu pudesse gerir as dúvidas surgidas. Roberto Burle Marx concedeu-me
essa entrevista em sua casa, no Sítio Santo Antônio da Bica, Rio de
Janeiro, dois anos e meio antes de falecer. O seu tempo era escasso e ao
Créditos
longo da entrevista não parou de pintar. Vestido com um jeans e uma
camisa branca, manchada de tintas, ia pintando e orientando o seu
ajudante sobre o modo de dispor a tela de serigrafia ou a cor e a
quantidade de tinta a ser utilizada. A entrevista transcorreu entre telas de
serigrafia, tintas, pincéis, plantas, um pouco do universo que o circundava.

Ana Rosa de Oliveira: Se estabelecêssemos uma evolução para o seu


jardim, seria possível dizer que inicialmente houve uma busca mais
ecológica, preocupada com a valorização da vegetação nativa e as
associações de plantas e, posteriormente uma preocupação estética?

Roberto Burle Marx: Inicialmente meus jardins tiveram um enfoque


ecológico. Mas esse enfoque é bastante relativo. Eu fiz, por exemplo, o
jardim do MEC com umas manchas bastante abstratas, pois nessa época
eu já conhecia Arp. De modo que não pode-se dizer que meus jardins,
mesmo nos seus inícios tivessem uma preocupação essencialmente
ecológica.

ARO: Estudando suas conferências e entrevistas publicadas encontrei


muita informação sobre sua formação botânica, porém o Sr. não fala muito
da sua formação artística. Quem ou que momentos são importantes nessa
formação? Os escritos importantes. Como a música influencia na sua
formação?

RBM: [Olhando para uma tela de serigrafia contra a luz, comenta:


"Engraçado, olhando daqui, como fica bonito esse carmim e este azul.
Nós muitas vezes vamos encontrar aquilo que buscamos, no momento.
Por exemplo, todos esses azuis, são uma lição de raffinement"]. Eu tive
uma mãe musicista, cantava muito bem, era ótima pianista e tinha uma
sensibilidade diabólica, diabolique ou divina. Ela gostava de plantas.
Quando eu comecei a trazer plantas do mato que eu gostava ela nunca
disse: "Ai Roberto, isso é mato". Ela dizia: "Roberto que coisa bonita, eu
nunca tinha visto, isso é uma espécie de manifestação divina". E no
fundo... eu não sou religioso, mas existem forças que eu não consigo
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explicar. Por exemplo, porque gostamos de uma determinada cor, de um
determinado momento que para outros não tem a menor importância. Há
alguma coisa misteriosa. Depois eu comecei a me preocupar com as
plantas e a descoberta das plantas, sobretudo no Brasil é uma coisa
fabulosa...

As influências vêm ao longo da vida. Todos tivemos uma certa convenção.


Eu sou da época em que se ouvia Wagner o qual teve influência na minha
vida, um Schuman, um Schubert, pois minha mãe os cantava muito bem,
desde que eu me entendo eu os ouvia. Existem certos músicos que embora
eu considere de certo valor não os sinto fortemente. Uns gostam de
jardim, outros de seixo rolado... Hoje está de moda fazer jardins sem
vegetação, no entanto quem conhece a vegetação, sua fenologia...
(Olhando para a tela pintada: Deixe-me ver. Está ótimo. Agora dê um tom
dum azul esverdeado, esse azul mesmo).

ARO: E a sua viagem a Berlim?

RBM: Eu estive na Europa de 1928 a 1929. Vivi um ano e meio em Berlim.


Tudo o que eu vi na época em que estive em Berlim, as obras de Wagner,
a suite Pelleas et Melisande, as sinfonias de Beethoven, os músicos, um
Hindemit, um Schoenberg, um Alban Berg, foram artistas que tiveram uma
importância muito grande na minha formação.

ARO: Eu gostaria de saber se além da música, da valiosa descoberta das


plantas brasileiras no Jardim Botânico de Dahlem, nesse período que o Sr.
viveu em Berlim, houve uma descoberta similar, referente às novas
tendências da pintura que se concretizavam na Europa?

RBM: Em Berlim eu freqüentava as exposições, principalmente as dos


expressionistas alemães. Mas o que eu quero dizer é o seguinte... em arte,
o problema não se circunscreve apenas ao conhecimento da pintura. É
tudo o que aconteceu naquela época. Por exemplo, eu ia ao Jardim
Botânico, eu ia às óperas, havia 3 óperas funcionando em Berlim. Os
diferentes cenários, eu vi os feitos pelos maiores cenaristas da época.
Esse convívio com a música, com as plantas, tudo isso faz um tecido
cultural. Eu quero dizer com isso que a cultura é uma coisa só.

Eu detesto essa idéia de que o paisagista só deva conhecer plantas. Ele


tem que saber o que é um Piero de la Francesca, mas também
compreender o que é um Miró, um Michelangelo, um Picasso, um Braque,
um Léger, um Karl Hoffer, um Renoir, um Delaunay. Digamos que isto sim, o
que eu acho muito importante na vida é não se circunscrever a uma coisa
só. Mas eu também gosto de poesia, de música, como de uma sinfonia de
Bella Bartok. Eu quero dizer que a vida é a gente saber observar, absorver
e, possivelmente uma coisa que talvez tenha me ajudado muito é que eu
nunca perdi a curiosidade pelas coisas. Com a idade que eu tenho sempre
tem uma coisa nova, é uma cor, uma coisa que me induz a ver.

["Olha eu quero um azul, aquele azul que estou falando, esverdeado, é


quase no tom desta tela", mostrando a tela de serigrafia]

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a no 2, vol. 6, p. 007

Introdução
Ja rdim Fazenda Va rge m Gra nde - Are ia s-SP, 1979, foto Ana R osa 2000

Formação: Berlim

Ana Rosa de Oliveira: E na sua volta ao Brasil?


Formação: Brasil
Roberto Burle Marx: Quando eu voltei ao Brasil começaram as excursões.
Fui amigo dos grandes botânicos que o Brasil teve. Depois que voltei,
Arte e natureza
conheci o Ducke, botânico que viveu 50 anos na Amazônia. Era
proveniente da Dalmácia, mas não aceitava de modo nenhum que
Obras importantes dissessem que ele não era brasileiro.

Classificou mais de 500 leguminosas. Podemos dizer que conhecia botânica


Créditos maravilhosamente. Foi até curioso, pois um dia eu lhe disse: professor
Ducke, eu queria os seus livros. Ao qual ele respondeu: "Não lhe dou meus
livros porque você não conhece botânica, não sabe de botânica". Ele era
muito rigoroso. Não, não era rigor, ele dizia o que pensava e, de fato eu
não era botânico.

Mas é como eu sempre digo, se eu por exemplo tivesse um fac-símile de


uma sinfonia de Mozart nas minhas mãos eu teria um tesouro, eu teria tido
o prazer de tê-lo. Muitas vezes tive essa vontade, mas só o fato de ter
convivido com o Ducke, falando comigo sobre as plantas, foi muito válido.

Como você sabe até hoje eu não sou botânico, mas eu me interesso por
botânica aplicada. Para tanto é necessário o convívio. Eu nunca perco a
ocasião de estar com botânicos, ou de ouvir uma boa música, ler um
poema e mesmo falando dos que já desapareceram. Por exemplo, quando
eu penso num Dom Quixote, que coisa impressionante! Eu tinha um amigo
alemão que dizia; se conhecermos a Ilíada, a Eneida, o Dom Quixote, a
Divina Comédia e o Fausto de Goethe, teremos uma idéia geral da
literatura européia.

Necessitamos de uma cultura geral, mas eu penso que para obtê-la,


necessitaríamos uma vida, pois tem tanta coisa que necessitamos
conhecer... Todo dia eu sinto falta daquilo que não sei. Mas uma coisa que
me induz a ver é a minha curiosidade, quero ver sempre o que está em
torno da minha pessoa e é essa uma das razões que me faz viver.

ARO: Quais foram seus professores?

RBM: O grande professor que tive foi o Leo Putz. O mais esclarecido, com
maior cultura. O Portinari tinha uma habilidade manual muito grande. Depois
de trabalhar em Pernambuco, voltei ao Rio e tive aulas com Portinari. Tinha
outros como Celso Antônio, que de pintura pouco conhecia, mas pensava
que sabia. Eu me subordinava muito à disciplina. Disciplina ajuda muitas
vezes a chegar a um resultado. Se tivesse que começar hoje, faria de

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outro modo. Mas de muitos erros tiramos nossas conclusões. O problema é
daqueles que têm medo de errar.

Outro professor maravilhoso, foi o Mello Barreto. Ele ficou muito


entusiasmado quando eu procurei aplicar a idéia de associação que eu
tinha visto em Berlim.

Engler, distribuiu no jardim Botânico de Dahlem, as plantas do Cárpato, dos


Alpes, dos Apeninos agrupadas. Quando eu vi isto eu comecei a
compreender, que coisa impressionante, compreender, não sei, sentir. Com
o tempo o Menna Barreto, começou a me ajudar a aplicar essa idéia,
principalmente no trabalho que fizemos juntos para o Parque do Araxá. Ele
não só me ensinava a identificar as plantas como também a sua razão de
ser. Esse convívio foi muito importante. Poucos têm essa oportunidade, eu
sempre busquei esse convívio. Mello Barreto sempre dizia, "não é falta de
mérito não dominar um conhecimento, o que não sabemos deve ser dito. O
pior de tudo é fingir que sabemos".

ARO: E os arquitetos como Lúcio Costa?

RBM: Eu tive sorte porque Lúcio Costa morava na mesma rua que a minha
família. Eu o conheço desde os 9 anos. Se hoje tenho 82 e ele tem 90
anos... Isso lhe mostra o que o convívio com pessoas que conhecem...
Uma lição de arquitetura do Lúcio é uma lição de mestre.

Outra pessoa extraordinária foi o engenheiro, calculista e poeta, Joaquim


Cardozo, com o qual trabalhei três anos em Pernambuco. Possivelmente
uma das figuras mais importantes da minha época. Tinha um conhecimento
geral impressionante. Esse convívio com ele que tudo sabia sobre música,
poesia, que era capaz de falar de arte barroca durante três horas
seguidas, me deixava sem saber o que dizer. Morreu de um modo trágico,
de arteriosclerose aos 6o anos, um homem que vivia entre livros.

ARO: Que escritos foram importantes na sua formação?

RBM: Eu tive um amigo, marido de uma das filhas do compositor Alberto


Nepomuceno. Ele trouxe-me uma série de livros de Le Corbusier: Vers une
architecture, Une maison, un palais, L’Art décoratif dáujourd’hui. Eu
comecei a lê-los e isso foi abrindo a minha visão. Le Corbusier esteve aqui,
foi sempre uma figura extraordinária, de uma maneira nítida e clara de
pensamento. É só pegar um livro dele, por exemplo, Vers une architecture,
onde ele consegue falar sobre arte com uma clareza impressionante.
Posteriormente outros livros, com um Braque, um Picasso, olhando, vamos
lembrando o que vimos, tudo isso mais a música, as revistas, as
exposições são muito importantes.

Dizer que nós não nos influenciamos por uma gravura de Picasso, sim que
nos influenciamos, e eu não tenho medo de influências. Se começamos a
analisar uma obra de Picasso, podemos ver que ele teve influência de toda
a pintura, claro que ele foi um gênio que soube absorver e soube dar como
uma pintura dele. Aliás ele dizia algo muito bonito: "é preferível copiar a
obra dos outros que a si mesmo". Ele foi um gênio que teve uma
capacidade inventiva louca e uma habilidade que conseguia esconder em
parte. Quando eu vejo os desenhos para Ovídio e as suas gravuras, são
para mim um colosso, um colosso! Ele sabia desde a gravura sutil até um
Guernica, que tem uma violência danada. Ele soube tirar partido do claro e
escuro. Evidentemente, ele é um homem que teve um passado. Um
passado é um Goya, um Velázquez, um El Greco. Toda aquela pintura
espanhola com aquela força incrível. Quando eu vejo um Goya eu levo um
susto, porque ele sabia de tudo. Além de Ter uma imaginação fenomenal
tinha uma técnica e eu acho que sem técnica não se chega a nenhum
resultado. Da mesma foram ocorre com o jardim...

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a no 2, vol. 6, p. 007

Introdução
Ja rdim Fazenda Va rge m Gra nde - Are ia s-SP, 1979, foto Ana R osa 2000
Formação: Berlim

Formação: Brasil Ana Rosa de Oliveira: Na fase inicial da sua pintura observa-se uma
composição baseada na figura e nos objetos pousados.

Arte e natureza Roberto Burle Marx: Eu fiz academia, recebi a medalha de ouro, pode-se
dizer que tive uma formação acadêmica. Posteriormente, o convívio com
Leo Putz, que foi contratado por Lúcio Costa, que falava de um Gauguin e
Obras importantes
dos pintores alemães acabou me influenciando. Fui expulso da aula de
pintura porque comecei a falar de Gauguin e o professor (Brasse) pensou
Créditos que eu estivesse pervertendo os alunos.

ARO: Mas mesmo assim o Sr. valorizava os elementos regionais e isso não
era uma particularidade do academicismo.

RBM: Apesar de ter recebido uma formação acadêmica, nunca fui um


pintor acadêmico, mesmo naquela época, nunca procurei pintar para
agradar as figuras da sociedade. Eu teria sido um bom retratista porque
sabia pintar retratos, mas eu nunca me interessei por isso, eu estava
muito mais ligado aos problemas, às figuras do povo.

ARO: Considerando-se que já não se identifica o objeto representado, qual


seria a realidade da sua pintura. Como se dá a passagem do figurativo ao
abstrato?

RBM: Abstração é uma maneira de dizer. A gente vai até um certo ponto.
Por exemplo, se seu estou olhando uma cor é porque ela existe, de modo
que não é abstrata. São tantas coisas que nos induzem.

Acho que foi uma necessidade. Uma necessidade de transpor a realidade,


não é? É a tal coisa, o claxonar de um automóvel, o coaxar de um sapo, o
mugido de uma vaca, são sons que cabe ao músico ordenar. Eu penso que
as cores também têm que ser ordenadas. Eu muitas vezes não sabia
explicar e a idéia era sempre a de copiar o que víamos. Um dia, estava
observando um professor que tive, o Leo Putz, da escola expressionista
alemã. Ele gostava muito de mim, porque eu falava alemão, até me
chamava de meu filho, era parente de Thomas Man. Ele pintava e eu
observava, num determinado momento perguntei a ele: professor porque o
Sr. está pintando de vermelho um telhado que é marrom? Ele então me
respondeu: "meu filho, a natureza é só um pretexto... Digamos que a arte
seja uma transposição da natureza". Uma explicação como esta foi
suficiente para que eu começasse a mudar. Apesar de que hoje em dia eu
não ache ruim ter uma formação acadêmica, pois essa juventude não sabe
de nada. Pensam que são eles que estão descobrindo o mundo. Eu

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acredito que é muito importante conhecer o que foi feito antes de nós...

ARO: Naquela época porém, era importante romper com o Academicismo.

RBM: Era necessário romper com aquela idéia de copiar aquilo que
estávamos vendo. Embora saber copiar o que está diante de nós seja
também importante, pois é uma observação que se faz, referente a um
ritmo, uma cor, uma cor local, é muito importante.

ARO: Alguns críticos dizem que o Sr. pinta a trama do mundo vegetal, o
Sr. concorda?

RBM: A trama... eu procuro compreender o que é o mundo vegetal. É


necessário compreender que cada crítico tem uma forma de se expressar.
Eles podem achar que eu procuro compreender a trama do mundo vegetal,
como por exemplo, o porque dessa folha, a razão do spanish moss
(Tilandsia usneoides). O importante é saber que vamos nos influenciando
pelo que nos circunda.

ARO: Representar os vegetais, é esse sentido que a crítica quer dar, o Sr.
concorda que este seja seu objetivo?

RBM: Eu discordo. É tudo. Não concordo, seria uma limitação muito


grande. As emoções vêm de tudo que nos circunda. Eu estou com você,
estou vendo o cachorro, um empregado. Tudo isso vai se misturando na
nossa sensibilidade. Achar que é só da forma vegetal que nasce a minha
pintura é um absurdo.

ARO: O Sr. comenta que detesta fórmulas.

RBM: Eu as detesto sim, continuo a dizer, pois a fórmula é repetitiva, é


como um beco sem saída. Aceitar a fórmula é inviabilizar a capacidade de
pensar. Eu detesto ditaduras, que são imposições, fórmulas. Eu quero ter o
direito de descobrir o que serve para mim e o que não serve para os
demais. Eu me interesso por princípios.

ARO: Na pintura quais seriam os seus princípios?

RBM: Entram forma, cor, ritmo, princípios comuns a todas as artes. Ora é
a construção, que é básica para tudo. Quem não sabe construir não sabe
fazer arte.

ARO: Como se constrói uma pintura?

RBM: Baseado em saber que uma pintura deve ter uma dominante e uma
dominada ou em que uma pintura onde domine o escuro ou o claro são
diferentes. Não podem haver dois crescendos iguais. Um é o crescendo
mais importante. Isso se vê, por exemplo, ao analisar a estrutura de um
L'après-midi d'un faune de Debussy, com uma clareza, uma simplicidade,
aparentemente uma peça pequena, mas que é ao mesmo tempo um
monumento. Às vezes certos pintores ou certos músicos produzem,
produzem e não dizem nada.

ARO: Referindo-se a uma exposição que o Sr. realiza no MASP em 1974,


Geraldo Ferraz cita o termo Extravasaria, afirmando ser um dos nomes que
o Sr. atribui ao resultado que chega com a sua pintura. O Sr. poderia
comentá-lo?

RBM: Extravasaria é no sentido de não ficar dentro da fórmula, de sair e


procurar outros caminhos contra a rotina.

ARO: Existe, por parte dos críticos que analisam seu trabalho, uma
tendência em dizer que os seus jardins são pinturas. O Sr. inicialmente
afirma-o e posteriormente discorda. Por quê?

RBM: É uma grande besteira confundir meus jardins com pintura. Cada
modalidade artística tem uma maneira própria de ser expressada. Por
exemplo, a cor na pintura, é uma coisa muito mais definida que no jardim.
No jardim, a cor é definida pela hora do dia, pela luz. Um quadro no escuro

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é diferente de um quadro com iluminação permanente.

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Ja rdim da Ca sa Forte , 1935, R e cife PE, foto Ana R osa 1996

Introdução

Ana Rosa de Oliveira: O Sr. poderia mencionar alguns dos seus projetos
Formação: Berlim paisagísticos que considera importantes?

Roberto Burle Marx: Acho muito importantes os meus trabalhos


Formação: Brasil
associados à cidade. O paisagista está sempre subordinado ao urbanista.
Sem compreender as necessidades de uma cidade e, principalmente sem
Arte e natureza compreender as funções das áreas verdes, o paisagista não poderá realizar
jardins. No projeto do Parque do Ibirapuera, realizei muitas experiências
plásticas com pavimentos e vegetação. O Aterro do Flamengo foi uma
Obras importantes experiência com plantas resistentes à salinidade, ao vento. Acredito que
sem técnica não se chega a um bom resultado. Uma flor por exemplo, tem
Créditos uma simetria, obedece a certos princípios como a cristalização. O mesmo
ocorre com os jardins. O jardim é uma natureza organizada pelo homem e
para o homem. Disciplina muitas vezes ajuda a chegar a um resultado.

Na realidade, artista é aquele que consegue expressar-se com inteligência.


Por outro lado, para mim a arte é uma necessidade de encontrar um auto-
equilíbrio. Existe no entanto, um lado da arte que é tão imponderável
quanto a vida. Se pudéssemos explicar a razão de porque temos
necessidade de perpetuarmo-nos, de porque vivemos...

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