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http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201500000450015
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Extraído da dissertação - Adolescentes e a rede de produção de sentidos sobre o cuidado de si na gestação, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 2015, integrante da
pesquisa matricial - Saúde de adolescentes: discursos, práticas e reflexões críticas.
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Mestranda do Programa Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da UFMT. Bolsista CAPES. Cuiabá,
Mato Grosso, Brasil. E-mail: naybueno@hotmai.com
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Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Graduação Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem
da UFMT. Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: enmandu@terra.com.br
RESUMO: Buscou-se compreender a construção social de sentidos sobre a gravidez-maternidade entre adolescentes grávidas. Estudo
explicativo, realizado em 2014, com 12 adolescentes, por meio de entrevista individual e grupal, observação do contexto local, consulta
a documentos e preceitos da Análise de Discurso Crítica de Fairclough. Encontrou-se o sentido de compatibilidade entre a gravidez e
a adolescência e de contraposição ao discurso dominante de gravidez adolescente como um problema. O evento respondia ao que as
adolescentes projetavam para si, em um contexto restrito de oportunidades sociais. Valorizavam-no com base em um ideal social de
maternidade e de constituição familiar, prevendo reconhecimento social, comprovação da feminilidade e maior poder e autonomia.
Contudo, esses ganhos mostraram-se atravessados por dificuldades percebidas, tais como enfrentar o crivo familiar e a “dolorosa”
parturição. A compreensão contextualizada desses sentidos e de seu conteúdo social e ideológico é essencial ao desenvolvimento de
maior grau de autonomia-responsabilização das adolescentes.
DESCRITORES: Gravidez. Adolescente. Comunicação. Cuidado pré-natal.
ABSTRACT: This study aimed to comprehend the social construction of meanings about pregnancy-motherhood among pregnant
adolescents. An explicative study, conducted in 2014, with 12 adolescents, using individual and group interview, local context
observation, consultation of documents and precepts of Fairclough’s Critical Discourse Analysis . The meaning of compatibility between
pregnancy and adolescence was found, and the contraposition to the dominant discourse of adolescent pregnancy as a problem. The
event answered that to which teenagers projected for themselves, in a restricted context of social opportunities. They valued it as a
social ideal of maternity and family constitution, foreseeing social recognition, evidence of femininity and greater power and autonomy.
However, these gains showed themselves crossed by difficulties seen, such as confronting the family evaluation and the “painful”
parity. The comprehension contextualized of these meanings and of the social and ideological content is essential to the development
of a higher degree of autonomy-accountability of adolescents.
DESCRIPTORS: Pregnancy. Adolescent. Communication. Prenatal care.
RESUMEN: Se buscó comprehender la construcción social de sentidos sobre embarazo-maternidad entre adolescentes embarazadas.
Estudio explicativo, realizado en 2014, con 12 adolescentes, por medio de entrevista individual y grupal, observación del contexto local,
consulta al documentos y preceptos de Análisis de Discurso Crítica de Fairclough. Se encontró el sentido de compatibilidad entre el
embarazo y adolescencia y de contraposición al discurso dominante de embarazo como un problema. El evento respondía al que las
adolescentes proyectaban para si, en uno contexto restringido de oportunidades sociales. Lo valoran con base en un ideal social de
maternidad y de constitución familiar, prebendo reconocimiento social, comprobación de feminidad y mayor poder y autonomía. Sin
embargo, esas ganancias se muestran atravesados por dificultades percibidas, como enfrentar el juicio familiar y el “doloroso” parto.
La comprensión contextualizada de estos sentidos y su contenido social y ideológico es esencial al desenvolvimiento de mayor grado
de autonomía-responsabilidad de adolescentes.
DESCRIPTORES: Embarazo. Adolescente. Comunicación. Atención prenatal.
disse com o momento do parto; ter idade entre 15 A caracterização do contexto existencial das
e 18 anos, pressupondo-se certa homogeneidade adolescentes baseou-se na observação direta da
nesta fase da adolescência; estar em pré-natal no realidade local e das condições de vida familiares
mínimo há duas consultas, para captação de seus e na consulta de dados/informações sociodemo-
pontos de vista sobre ele; residir nos territórios gráficos das áreas eleitas. As características de cada
das unidades de SF selecionadas, tendo em vista adolescente foram traçadas com base em dados/
incluir adolescentes com um contexto de vida informações de seus prontuários de pré-natal e,
similar. Na definição do número total de partici- ainda, colhidos nas entrevistas individual e grupal.
pantes, levou-se em conta a suficiência dos dados O tratamento dos dados baseou-se em alguns
(critério de saturação), com base na classificação preceitos da Análise de Discurso Crítica.10 Dentre
temática do material. as dimensões de análise que o autor propõe, fez-se
Dado o número de participantes, foi suficien- um recorte na relação entre duas delas: prática dis-
te a inclusão de quatro unidades de SF da Região cursiva e prática social. O trabalho interpretativo
Sul. Estas atenderam aos critérios: ser urbana; ter foi orientado pelas questões: 1) Que temas, ideias
médico e enfermeiro realizando o pré-natal; ter, e práticas sobre a gravidez-maternidade encon-
no mínimo, cinco adolescentes cadastradas nessa travam-se presentes nos discursos? Que sentidos
ação*. Os dois últimos critérios foram considera- eles espelhavam em sua relação com o contexto
dos condições para explorar as consultas médica existencial das adolescentes? Que comunidades
e de enfermagem como fontes de construção de discursivas e vozes encontravam-se representa-
sentidos pelas adolescentes e ter a participação de, das em seus discursos? Que posições ideológicas
no mínimo, duas adolescentes por unidade de SF. e disputas materializavam-se em seus discursos?
As atividades empírico-analíticas ocorreram Na operacionalização analítica realizou-se: a
de abril a setembro de 2014. O estudo foi aprova- organização do corpus de análise; a leitura repetida
do por Comitê de Ética em Pesquisa, parecer n. deste; o destaque dos enunciados e de outros dados
624.671/2014, e obteve a autorização das partici- de interesse; a classificação dos achados, com base
pantes e de seus responsáveis, por meio, respecti- na inferência; e a articulação empírico-teórico. Esta
vamente, do Termo de Assentimento e Termo de última etapa foi orientada pela articulação das di-
Consentimento Livre e Esclarecido. Respeitou-se a mensões: 1) prática discursiva e 2) prática social; e as
Resolução 466/2012/CNS. Às participantes foram suas respectivas categorias: a) interdiscursividade
atribuídos nomes fictícios. (polifonia), sentidos sociais, contexto existencial; e
Na apreensão dos discursos das adolescen- b) ideologia e hegemonia. Os resultados apresenta-
tes sobre a gravidez-maternidade utilizou-se a dos a seguir foram organizados em dois conjuntos:
entrevista, nas modalidades individual e grupal. Contexto existencial e características individuais
Primeiramente, em cada unidade que integrou a das adolescentes; e Sentidos sociais da gravidez
pesquisa, foram feitos dois encontros grupais, de -maternidade entre adolescentes.
uma hora cada: 1) para a construção de relações de
confiança entre as participantes e o partilhamento RESULTADOS E DISCUSSÃO
das suas histórias de vida; e 2) para exploração
de suas ideias sobre o tema em pauta. Para tal, Contexto existencial e características indivi-
foram usadas quatro dinâmicas específicas. Essas duais das adolescentes
entrevistas incluíram duas a quatro adolescentes,
além da pesquisadora. O número reduzido favo- As adolescentes do estudo residiam em lo-
receu a manifestação de todas as adolescentes, o calidades periféricas da zona urbana de Cuiabá,
entrosamento entre elas e as trocas em torno dos Mato Grosso. Apesar de se ter observado certa
assuntos de interesse da pesquisa A entrevista diversidade de condições sociais nessas áreas, as
individual foi realizada após a análise do material mesmas possuem condições sociais reduzidas.
advindo das atividades grupais. Por meio dela se Todas as adolescentes do estudo dependiam
aprofundou, confirmou e esclareceu questões que dos serviços públicos de saúde e de educação,
emergiram na etapa grupal e na análise do material habitavam em moradias simples, dependiam
correspondente. financeiramente dos companheiros ou da família
*
Na ocasião, encontrado o máximo de dez adolescentes cadastradas no pré-natal das unidades de SF do município,
pressupondo que parte poderia não corresponder aos atributos definidos ou não desejar integrar a pesquisa.
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de origem e eram responsáveis por atividades de cas sociodemográficas e de saúde são sintetizadas
cuidado com a casa. Algumas de suas característi- a seguir (Quadro 1).
Adolescente Estado civil Idade Com quem residiam Escolaridade Histórico reprodutivo
Ana Solteira 17 Pai 2º grau completo 1ª Gestação
Cursava o 1º ano do
Bia Solteira 15 Companheiro 1ª Gestação
segundo grau
Cursava o 2º ano do 2ª Gestação
Carla Casada 17 Marido
segundo grau (1 óbito neonatal)
Parou no 1º ano do 2ª Gestação
Diana Solteira 18 Mãe, pai e filha
segundo grau (1 filha)
Parou no 1º ano do
Elen Solteira 15 Companheiro 1ª Gestação
segundo grau
Parou no 1º ano do
Fabi Solteira 16 Pai, mãe e irmã 1ª Gestação
segundo grau
2ª Gestação
Gabi Solteira 16 Mãe, padrasto, irmã Cursava 7ª e 8ª séries
(1 aborto)
Helena Solteira 15 Companheiro Parou na 6ª série 1ª Gestação
Cursava o 1º ano do 2ª Gestação
Ingrid Solteira 16 Companheiro
segundo grau (1 aborto)
Parou no 1º ano do
Julia Solteira 16 Companheiro 1ª Gestação
segundo grau
Parou no 2º ano do 3ª Gestação
Katia Solteira 18 Companheiro e filha
segundo grau (1 aborto e 1 filha)
Cursava o 3º ano do
Laura Casada 17 Marido e sogros 1ª Gestação
segundo grau
sorriso largo e olhos brilhantes: [...] maternidade, educação, debates e outros. Muitas mulheres e
filho, sexo [do bebê]; amamentação; amor que eu vou homens deixam de defender ideias tradicionais
ter por ele; eu não sei o que é – se é menino ou menina sobre a gestação-maternidade, postergam essa
– cuidar, dar carinho, amor, alegria, saúde, poder tocar; experiência e enquadram-se em um novo projeto
tô muito ansiosa pra saber o que é. político construído, que pressupõe a gravidez-ma-
Sentidos como esses se vinculam, particular- ternidade como um plano racional, tardio e opcio-
mente, às demarcações sociais do lugar da mulher, nal, mesmo dentro do casamento, privilegiando-se
na família e na sociedade, e à constituição do femi- outros projetos de vida.15
nino – como construções socioculturais, políticas Com essa nova biopolítica, a gravidez na
e históricas, mediadas pela prática comunicativa adolescência torna-se um problema social, à
e a partir de articulação, embates e lutas de poder medida que se opõe à racionalidade proposta.15
em torno das ideias. No País, o discurso biomédico hegemônico e
Nas sociedades ocidentais, antes do século argumentos científicos e políticos certificam-na
XVIII, nem a mulher, nem a maternidade e tam- como um problema de saúde pública, fundamen-
pouco os filhos eram socialmente valorizados. Dis- tados em possíveis consequências nefastas para
cursos políticos e religiosos da época reforçavam os adolescentes e os seus filhos, de ordem social,
essa insignificância.12-13 Isso se modificou no final econômica, psicoemocional e física.19
desse mesmo século, com a necessidade crescente Na direção oposta, as adolescentes deste
de mão de obra para as indústrias em expansão. estudo afirmaram o ideal da maternidade, con-
Para supri-la, o Estado investiu em condições de siderando-a um ganho, embora Diana, 18 anos,
sobrevivência e saúde das crianças e, nesse sentido, segunda gestação, também tenha manifestado a
proclamou o poder da mulher. Atribuiu-se a ela o necessidade de gestão da própria vida reproduti-
papel social de cuidado dos filhos, ao que se vincu- va: as coisas foram acontecendo... [a primeira gravi-
lou, ideologicamente, a ideia de amor materno e o dez]. Eu sonhava em trabalhar, dar um carro pro meu
discurso da felicidade e da igualdade da mulher.13 pai, essas coisas. Mas aí [o sonho] não aconteceu. Falta
Na modernidade este ideal se aprofundou de juízo! Se tivesse juízo na cabeça conseguia.
com o uso da tecnologia do biopoder, com a qual O não conseguir administrá-la é associado
se administrou a vida humana, principalmente por ao próprio comportamento sexual, considerado
meio da forte ação do Estado e da Medicina.14 A descuidado, com o mesmo sentido afirmado so-
mulher adquiriu maior poder sobre o espaço do- cialmente, a partir de uma perspectiva de risco.
méstico e a maternidade consolidou-se como uma Do ponto de vista ideológico, a visão de Diana
experiência afeita à essência da feminilidade.15 reafirma, assim, a naturalização ou a supressão
O campo médico construiu e reforçou a ideia social da questão.
de que as mulheres possuíam especificidades em Diana incialmente “planeja” obter sucesso
seus corpos determinantes da vocação inexorável profissional e acessar bens materiais decorrentes.
para a maternidade.16 Discursos técnico-científicos, Mas adolescentes com condições de vida adversas,
do senso comum e discursos morais, dentre outros, como ela, vivem em um cenário que reduz suas
passaram a reafirmar esse juízo e, assim, o projeto possibilidades de pensarem e concretizarem certos
idealizado torna-se naturalizado. projetos sociais, como o de sucesso profissional e
Nos anos 1960 a 1980, esse discurso passou econômico.
a ser confrontado pelo movimento feminista, no Na falta de condições que permitam às ado-
qual a ideologia da maternidade, como destino e lescentes definir ou ampliar seus projetos de vida,
necessidade para a felicidade da mulher, é signi- o desejo de tornar-se mãe ganha lugar principal no
ficada como decorrente da dominação de um sexo processo de subjetivação de várias delas.15 Mesmo
sobre o outro. No subsequente discurso de gênero, adolescentes que não tinham planejado a gravidez,
as abordagens culturais construídas em torno da acabaram por representá-la como um ideal. A
maternidade são evidenciadas e relacionadas aos gravidez-maternidade como uma alternativa ao
valores sociais desiguais, entre o sexo feminino e alcance de adolescentes, sobretudo em condições
o masculino, e à decorrente concentração de poder de vida desfavoráveis, é uma característica já evi-
e dominação.17-18 denciada em outros estudos.15,20
Na contemporaneidade, os sentidos veicu- Contribuiu para isso o fato de adolescentes
lados por esses discursos ganham espaço, por terem uma história de vida com problemas que
meio de diferentes fontes de comunicação – mídia, as impulsionaram para determinadas direções.
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Katia e Laura, por exemplo, enfrentaram violência tagonistas de suas histórias, em vez de repetirem o
sexual na infância. Helena, Ingrid, Julia, Katia e enredo da família de origem ou de a ela se subme-
Laura conviviam com adversidades familiares. terem. Contudo, nessa projeção, distanciaram-se
Gabi tinha estado em um centro socioeducativo e o do contexto concreto de reduzidas perspectivas
pai de seu filho estava encarcerado. Fabi e Helena de realizações econômico-financeiras que enfren-
abdicaram da escola antes mesmo da gravidez; tavam, tal qual seus companheiros.
e o segundo grau de escolaridade era o máximo Com a constituição de uma nova família,
projetado por quase todas. adolescentes como Carla e Ingrid viam a possibi-
A construção da subjetividade de adoles- lidade de obter maior autonomia e independência
centes vincula-se tanto aos projetos possíveis do núcleo de origem e de poder lançar-se a outras
como aos estereótipos, discursos e histórias de experiências e novos aprendizados. Carla, 17 anos,
vida compartilhados desde a infância, nos res- que mora com o companheiro desde os 15 anos,
pectivos grupos sociais.20 Assim, neste estudo, a fala: vamos dizer, foi tudo ‘no susto’. Porque, de re-
importância dada à maternidade reflete a forma pente, eu tava morando com ele; e, de repente, eu tava
de subjetivação concretizada em um contexto de casada. [...] Ai eu fui acostumando. [...] Mas, tipo, não
restritas oportunidades sociais, além de valores foi planejado. [...] Minha mãe até não queria que eu
tradicionais incorporados sobre o papel social saísse de casa [...]. Mas, mesmo assim, eu fui. Porque
da mulher. De igual modo, sugere resistência quando a gente fica com a mãe a gente fica na curiosidade
ao projeto racional planejado e tardio proposto pra saber como é a vida lá fora [...].
socialmente para a maternidade. No núcleo familiar, cada membro ocupa um
Privilegiar outros projetos de vida mostrou- lugar de acordo com a forma como essa instituição
se algo distante da realidade das adolescentes organiza-se e estabelece relações. Socialmente, a
desta investigação. De tal modo, buscavam possi- estrutura hierárquica familiar define maior poder
bilidades mais próximas, como ter sucesso em uma e autoridade aos pais perante os filhos, que ma-
nova vida familiar – diferenciando-se da família de nifestam comportamentos de submissão e/ou de
origem. Diz Laura, 17 anos, casada, que mora na não sujeição.21
casa dos sogros: ah, eu queria casar. [...] Eu sempre Um dos motivos que levou Ingrid, 16 anos,
tive vontade de ter minha família, meu marido, minha a casar e sair de casa foi a interpretada autoridade
casa, meu filho. [...]. Sabe, pra cuidar das minhas coi- e opressão da mãe, com maior poder na família.
sas. E, assim, ser diferente do meu pai e da minha mãe. Em seu discurso: ela [mãe] enchia meu saco e era tudo
Esse sentido vai ao encontro do ideal de eu que tinha que fazer; e eu não podia sair, não podia
constituição da família moderna, caracterizada fazer nada, não podia sair também pra se divertir. Né?
pela ternura e intimidade entre pais e filhos e Morar com a mãe significava, para ela, privação
estruturada no núcleo marido, esposa e filhos.12 de sua liberdade.
Desde o século XVIII, é a dois que se espera, em De outro modo, Katia, 18 anos, via na gra-
primeiro lugar, realizar a felicidade, fundada na videz a possibilidade de amenizar sofrimentos,
ideia de amor. Nessa nova constituição, inclusive, frente a vivências e sentimentos de solidão e
mulheres possuem maior valor social.13 E é esse desproteção materna. Casamento é a melhor coisa.
o modelo de família, dentre outros defendidos e Com a pessoa certa. [...] Eu pensei em ter filho, mas
materializados socialmente, expresso no discurso não casar. Eu tinha medo de repartir meu filho com o
das adolescentes. marido. [...] Eu sempre quis ter a mesma experiência
De outro modo, a formação familiar, por elas da minha mãe. Ver o porquê fez isso comigo [permitiu
projetada ou constituída, poderia estar relaciona- que fosse molestada pelo padrasto]. [...] Se ela teve o
da, também, à necessidade de proteção, cuidado, motivo dela. [...]. Se qualquer mãe faria isso, entendeu?
sobrevivência ou reprodução da própria vida.21 A gravidez na adolescência como ideação,
Tanto que, além do casamento ou vida a dois, o para suprir uma necessidade afetiva não desfru-
projeto de vida familiar idealizado por Gabi, Laura tada na infância, resolver conflitos ou preencher
e Diana compreendeu, ainda, terem determinados a solidão vivenciada/interpretada, é uma prática
bens materiais, como a própria casa e os próprios também encontrada entre adolescentes de outras
pertences. realidades do país.22-23
A constituição de um núcleo familiar pró- Socialmente, a família é articulada à proteção
prio e com certas condições mostrou-se um meio e segurança de seus membros. Mesmo quando os
visualizado por adolescentes de tornarem-se pro- laços não são positivos, a importância dada aos
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Construção social de sentidos sobre a gravidez-maternidade... - 1145 -
lo. Adolescentes que ainda viviam com a família gravidez, mais difícil mesmo, é quando tá chegando a
de origem tiveram medo de uma possível reação hora de ganhar [nascer o bebê]. [...] Porque as pessoas,
negativa, especialmente dos pais. Nesse sentido, invés de ajudar a gente, fala: ‘A dor é imensa, a dor é
reportaram-se à ideia de que a gravidez na adoles- num sei o quê’. Dá mais medo!
cência era algo indevido. Diana, 18 anos discursou: Muitas mulheres têm medo da parturição,
quando eu fiquei sabendo da minha gravidez, veio o relacionando-a a ocorrência inevitável da dor.
desespero. No início, porque eu estava muito nova e Essa é uma visão histórica e também assentada
pensei muito nos meus pais. O que eles iam achar? Se no modo como o parto normal tem sido realiza-
eles iam me botar pra fora de casa; se eles iam fazer eu do, especialmente nos atendimentos públicos de
casar. [...] Foi muito difícil contar; contei para minha saúde. Na construção desse sentido, os meios de
mãe e ela me ajudou muito. comunicação – filmes e novelas – têm exercido
Frente às esperadas críticas pela ocorrência considerável influência,28 mas a ideia também
da gravidez na adolescência, confrontando-as, encontra sustentação no relato de experiências de
Carla, 17 anos, segunda gestação, casada, repro- parto de mulheres que o vivenciam com sofrimen-
duziu ironicamente ideias socializadas a respeito to, pela forma como são conduzidos em serviços
de sua inconveniência e sobre a necessidade de de assistência.
adoção de comportamento preventivo: [...] As
criticas são muitas... Todo mundo fala: ‘ah, você en-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
gravidou agora, cedo, porque você não estudou? Porque
você não fez isso e aquilo?’ [...] Se a gente não quisesse Na contramão dos discursos hegemônicos,
engravidar, tem camisinha, tinha remédio, tinha tudo! para as adolescentes do estudo, a gravidez-ma-
Então, porque que a gente não fez? Então... É que, no ternidade responde ao que querem para as suas
caso, a gente queria engravidar! vidas, dentro de um contexto com oportunidades
Entre as adolescentes, a aceitação, ou não, sociais limitadas. Valorizam a experiência com
pela família e por aqueles com os quais conviviam base em um ideal de maternidade e de constituição
repercutiu na tradução e concretização da gravidez familiar, socialmente veiculado; também, preven-
como ganho ou perda. Estudos26-27 mostram que a do maior reconhecimento social, comprovação da
descoberta da gravidez da filha adolescente, pelas própria feminilidade e maior poder e autonomia.
famílias, resulta em diversos sentimentos. Esses Assim, para elas, a gestação-maternidade resulta
sentimentos vão variar a partir dos sentidos cons- em apreciados ganhos, apesar de também atribuí-
truídos pelas famílias sobre o fenômeno, segundo rem ao evento certas dificuldades, manifestas pelas
a visão incorporada acerca do papel da mulher solteiras como ter que revelar a gravidez à família
na sociedade, da adolescência e da constituição e ser “condenada” por conhecidos pela gravidez
familiar, conforme já apresentados. na adolescência; além de conferirem à parturição
No discurso de Diana, 16 anos, encontrou-se a vivência de sofrimento.
fragmentos que revelaram sentidos concorrentes A compreensão contextualizada dos
sobre consequências da gestação na adolescência, sentidos que a gravidez adquire, entre as ado-
tais como: um filho não interfere tanto na vida da lescentes e o seu conteúdo ideológico e poten-
gente, é uma benção [reproduzindo a fala da mãe]. cialmente reprodutor e mobilizador de ideias
Foi um choque pra eles, meio nova, assim, tá grávida que naturalizam o processo, é essencial para a
já [sugerindo ganho e perda]. Porque pai e mãe adoção de estratégias assistenciais consistentes
sempre quer ver o filho bem [sugerindo que a gravi- e críticas, nas quais se inclua o desenvolvimento
dez adolescente produz perda]. Esses discursos, de maior grau de autonomia-responsabilização
dentre outros, evidenciaram sentidos incorpora- das adolescentes.
dos de compatibilidade e de antagonismo entre Sugerimos que novos estudos sejam realiza-
gravidez e adolescência, que expressam visões dos para explorar significados em torno de deter-
sociais distintas e em confronto presentes em minadas práticas reprodutivas das adolescentes
nossa sociedade. identificadas, mas não exploradas neste estudo,
O segundo momento de difícil enfrenta- tais como aborto, contracepção e seu uso de forma
mento para as adolescentes relacionou-se ao inadequada. Recomendamos, ainda, que se anali-
parto. Todas interligaram a parturição à dor e ao sem, em estudos futuros, os sentidos e contextos
sofrimento. Disse Katia, 18 anos, terceira gestação, das famílias dessas jovens, que tanto influenciam
segundo filho: eu acho que o momento mais difícil da em seus modos de pensar e em suas vidas.
Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2015 Out-Dez; 24(4): 1139-47.
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