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Transtornos Alimentares na Adolescência: Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa

1. Introdução

Podemos ver que, nos dias de hoje, existe uma supervalorização do ter em detrimento do
ser. É como se a aparência falasse mais do que a essência. O valor das coisas que se tem passou
a ser maior do que o que realmente importa. O exterior ficou mais em evidência do que o
interior. O culto a beleza saiu das entrelinhas e ganhou peso, força e as pessoas falam sobre isso
abertamente. As academias e os consultórios de cirurgiões plásticos estão abarrotados de gente
em busca pela perfeição e pelo corpo ideal, que se tornou um deus para aqueles que procuram
a felicidade naquilo que é estético e aparente.
O mundo de hoje está desproporcionalmente superficial, desde os relacionamentos a nossa
própria alimentação, decorrente talvez, do alto grau de consumo, ou até mesmo do próprio
avanço tecnológico que nos proporciona ter tudo o que queremos à distância de um clique.
Segundo Assumpção (2004), quando essas questões unem-se a uma visão de homem (de si
mesmo) e de mundo (das pessoas a minha volta), onde a aparência tem uma importância cada
vez maior, acabam-se por acentuar os transtornos alimentares.

2. A relação do indivíduo com o alimento

A alimentação é a nossa primeira aprendizagem social e desde o começo de nossas vidas


está ligada às emoções. A amamentação, seja ela no seio da mãe ou na mamadeira, é cheia de
significados, simbolismos, trocas de olhares e contemplação. A relação com a comida tem
muito a dizer sobre a pessoa em si, pois o ato de alimentar-se vai além de simplesmente ingerir
o alimento. Nunes (2010) afirma que o indivíduo se constrói não apenas fisiologicamente, mas
também emocionalmente, a partir da relação que estabelece com a comida.
Quando se fala sobre o comportamento alimentar, observa-se as diferentes abordagens de
alguns autores, sendo de grande importância citá-las neste presente trabalho.
Philippi e Alvarenga (2004) consideram que fazem parte do comportamento alimentar as
atitudes do indivíduo com relação aos alimentos, bem como o sentar-se à mesa, ingerindo pouco
líquido durante a refeição e mastigando bem. Além disso, valorizam como o indivíduo se
comporta socialmente quando o alimento está presente, ou seja, parando de comer quando
saciado, independentemente da situação.
Garcia (1999) fala que o comportamento alimentar inclui o que é comido, quando, quanto,
onde e com quem, assim como a seleção e preparação dos alimentos, o valor que é atribuído na
escolha dos alimentos e as combinações entre eles.
Para Philippi (1999), o comportamento alimentar é toda a forma de convívio com o
alimento e tem início desde o momento de decisão pelos ingredientes até os utensílios utilizados
no preparo, assim como os horários, as preferências e até as aversões. O fim se dá com a
ingestão do alimento.
Alvarenga (2004) afirma que o comportamento alimentar deve ser compreendido num
todo, indo além da seleção do que comer e envolvendo questões fundamentais como prazer,
lembrança e a relação que a comida traz junto a algo ou alguém.

3. Transtornos alimentares na adolescência

Cordás (2004) explica:

Os transtornos alimentares constituem um conjunto de doenças que afetam, principalmente,


adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, provocando marcantes prejuízos biológicos,
psicológicos e sociais e, consequentemente, propiciando o aumento das taxas de morbidade e
mortalidade nesta população (p. 4).

Durante a adolescência não há apenas maturação física, mas cognitiva, comportamental e


psicossocial. É nessa fase, onde o adolescente sente a necessidade de se auto afirmar, que
começam as comparações sobre o corpo, o peso, a altura, o cabelo, etc. O adolescente, que está
descobrindo sua identidade, se espelha no outro, buscando nele o que gostaria de ver em si
mesmo. Nesta fase, as preferências alimentares mudam, e os adolescentes acabam optando por
refeições irregulares, lanches, alimentação fora de casa e padrões de dieta alternativos, fazendo
deles um grupo de risco nutricional (Cintra & Fisberg, 2004).
Por ser a adolescência uma fase de insatisfação com o corpo, a forma com a qual o
adolescente lida com essa insatisfação pode ser um fator decisivo na determinação de um
comportamento alimentar normal ou de um transtorno alimentar, como afirmam Dunker &
Philippi (2004).
Estes mesmos autores (Dunker & Philippi, 2004) consideram que, normalmente, é no
período da adolescência que a restrição alimentar tem início, como resposta a não aceitarem as
mudanças corporais – principalmente o peso. Essa restrição, associada a fatores psicológicos e
ao grande apelo sociocultural do culto à magreza, pode predispor a um transtorno alimentar, do
qual a dieta é o fator inicial mais frequente.
Mas como é viver com um transtorno alimentar? Por que viver com um transtorno
alimentar? Nunes (2010) vai dizer em sua pesquisa com adolescentes entre 17 anos e 20 anos,
que é difícil encontrar pontos em comum nas falas das adolescentes, mas afirma que em todos
os casos o transtorno alimentar é visto pelos portadores como a solução e não como o problema.
Nunes (2010) destaca:

O fato de deixarem de comer, ou de comer e vomitar, ou de lançarem mão de algum outro método
compensatório lhes proporcionará o que estão em busca, especialmente antes de terem consciência do
problema. As principais descrições de nossas entrevistas apontam o transtorno alimentar e/ou aspectos
ligados diretamente a eles como algo ruim, que faz mal, difícil, obsessivo, horrível, complicado, chato,
um pesadelo (p.54).

3.1 Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa é um transtorno alimentar que tem por característica a perda de peso
intensa e de forma intencional. A dieta é muito rígida, onde no início é eliminado o carboidrato
e os alimentos “engordantes”, podendo chegar a prática de jejum. A atividade física de forma
demasiada também é um marco nesse transtorno, onde o objetivo é queimar calorias e perder
peso numa busca desenfreada pela magreza.
Ferreira (1993), afirma que Anorexia significa redução ou perda do apetite, por um lado; e
falta de apetite, por outro, porém, não é o termo mais adequado, uma vez que não há perda real
do apetite, pelo menos no início da doença. Desta forma, o termo
alemão pubertaetsmagersucht é mais adequado, pois significa "busca da magreza por
adolescentes” (Cordás, 2004).
Cordás (2004) explica que geralmente o quadro se inicia após a presença de um fator
estressante, por exemplo, algum comentário sobre o peso, o rompimento de relacionamento, ou
perda de ente querido. O quadro vai evoluindo e complicações clínicas podem surgir, tais como:
anemia, alterações endócrinas, infertilidade, osteoporose, problemas cardíacos, hipotermia,
pele seca, perda de cabelo, entre outras.
Sobre a classificação da Anorexia Nervosa, Appolinário & Claudino (2000) destacam:

A anorexia nervosa é classificada em dois tipos: restritivo e purgativo. No tipo restritivo, a pessoa não
apresenta comportamento de comer compulsivamente ou de purgação regularmente, apresentando
apenas comportamentos restritivos, associados à dieta. Já no tipo purgativo, ocorrem regularmente
episódios de comer compulsivamente ou de purgação como vômitos auto-induzidos, além de uso
inapropriado de laxantes e diuréticos (p. 30).

3.2 Bulimia Nervosa

O principal sintoma é o episódio de compulsão alimentar, decorrente de uma dieta para


emagrecer, normalmente acontece às escondidas, onde a pessoa ingere alimentos de forma
exagerada se comparada ao que uma pessoa comeria em condições normais. Desencadeiam-se
uma série de sentimentos negativos como frustração, vergonha, tristeza, ansiedade, sensação de
falta de controle do seu comportamento e desejos de punição (Appolinário & Claudino, 2000).
Appolinário & Claudino (2000) explicam que:

O vômito auto-induzido ocorre em cerca de 90% dos casos, sendo portanto o principal método
compensatório utilizado. O efeito imediato provocado pelo vômito é o alívio do desconforto físico
secundário à hiperalimentação e principalmente a redução do medo de ganhar peso. A sua frequência é
variável, podendo ser de um até 10 ou mais episódios por dia, nos casos mais graves. No começo, a
paciente necessita de manobras para induzir o vômito, como a introdução do dedo ou algum objeto na
garganta. Algumas bulímicas mais graves, com vários episódios de vômitos por dia, podem apresentar
até ulcerações no dorso da mão pela uso da mesma para induzir a emese, o que se chama de sinal de
Russell. Com a evolução do transtorno, a paciente aprende a vomitar sem necessitar mais de estimulação
mecânica.

Abreu & Cangelli (2004), reforçam que pacientes com Bulimia Nervosa apresentam baixa
autoestima, ansiedade, pensamento do tipo "tudo ou nada", perfeccionismo, incapacidade de
encontrar formas de prazer e satisfação na vida, exigência elevada e incapacidade de "ser feliz".
Além dos aspectos de personalidade mencionados, as pessoas que apresentam o diagnóstico de
Bulimia Nervosa também costumam apresentar transtorno de personalidade borderline,
indicando padrões de impulsividade e instabilidade emocional que se refletem nos
relacionamentos e na imagem de si mesmo. Também é possível notar as dificuldades para lidar
com o abandono, podendo acarretar em comportamento suicida ou de automutilação,
instabilidade do humor, descontrole emocional e explosões de raiva, tristeza, ciúmes intenso,
teimosia e insatisfação pessoal (Rosa & Santos, 2011).

4. Considerações finais

Podemos dizer que os Transtornos Alimentares configuram uma “epidemia de culto ao


corpo”, conforme cita Cordás (2004), que vem se multiplicando em uma sociedade cada vez
mais preocupada com a estética corporal e valorização da imagem do corpo. Os Transtornos
Alimentares vêm aumentando perigosamente, de forma que se faz necessário combater essa
epidemia com ações de valorização da vida, do bem-estar físico e mental. Fica evidente a total
importância de uma equipe multidisciplinar no tratamento dos Transtornos, com psiquiatra,
psicólogo e nutricionista, a fim de alcançar todas as esferas que envolvem o paciente e a doença.

5. Referências

Abreu, N., & Cangelli, R. C., Filho. (2004). Anorexia nervosa e bulimia nervosa: abordagem
cognitivo-construtivista de psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clínica, 31, 177-183.

Alvarenga, Marle. (2004). A mudança na alimentação e no corpo ao longo do tempo. In


Philippi, Sonia T. & Alvarenga, Marle. Transtornos alimentares: uma visão nutricional.
Barueri: Manole.

Appolinário, J. C. & Claudino, A. M. (2000). Transtornos alimentares. Revista Brasileira de


Psiquiatria [online]. 22, supl. 2, pp. 28-31.

Assumpção Junior, F. B. (2004). Prefácio. Em S. Busse (Org), Anorexia, bulimia e


obesidade (pp. 11-14). Barueri: Manole

Cintra, I. P. & Fisberg, M. (2004). Mudanças na alimentação de crianças e adolescentes e suas


implicações para a prevalência de transtornos alimentares. In T. Philippi & Marle
Alvarenga (Orgs.), Transtornos alimentares: uma visão nutricional. Barueri: Manole.

Cordás, T. A. (2004). Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Revista de


Psiquiatria Clínica, 31(4), 154-157.

Dunker, Karin L. L. & Philippi, Sonia T. (2004). Sintomas de anorexia em adolescentes de São
Paulo e propostas de prevenção. In Philippi, Sonia T. & Alvarenga, Marle. Transtornos
alimentares: uma visão nutricional. Barueri: Manole.

Ferreira, A. B. de H. (1993). Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira.

Garcia, R. W. D. A. (1999). A comida, a dieta, o gosto: mudanças na cultura alimentar. São


Paulo, Tese (doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

Philippi, Sonia T. (1999). Pirâmide alimentar adaptada: guia para a escolha dos alimentos.
Revista de Nutrição, Campinas, v.12, n. 1.

Philippi, Sonia T. & Avarenga, Marle. (2004). Transtornos Alimentares: uma visão nutricional.
Baruiri: Manole.

Rosa, B. P., & Santos, M. A. (2011). Comorbidade entre bulimia e transtorno de


personalidade borderline: implicações para o tratamento. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, 14(2), 268-282.

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