Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Universidade Federal de Pelotas - Faculdade de Direito – abreududa@hotmail.com
2
Universidade Federal de Pelotas - Faculdade de Educação – renataschlee@gmail.com
1. RESUMO
O estudo, realizado no município de Pelotas – RS, trata das relações interculturais
entre os médicos cubanos que vieram ao Brasil por meio do Programa Mais Médicos e a
sociedade brasileira. Abordam-se o processo de inclusão desses médicos na comunidade
em que foram inseridos, os empecilhos para a participação e execução de suas atividades
laborais e os impactos dessa interação cultural para a comunidade local. Para tanto, foram
utilizados como recurso pesquisa bibliográfica, entrevistas qualitativas e produção de
imagens.
Palavras-chave: cultura; representação; fotografia; imagens; decolonial.
2. INTRODUÇÃO
Sabe-se que o conhecimento acerca de outro povo está pautado mais na
consciência de ser nacional e possuir um vínculo com seu Estado do que no conhecimento
sobre os costumes estrangeiros e sobre o que é pertencer àquela nacionalidade. Assim,
representações são criadas sobre “o outro”, mas tratam-se apenas de suposições
superficiais acerca de uma cultura com a qual não se tem contato. (SAID, 1990)
Nesta senda, a fotografia foi ferramenta utilizada neste estudo para complementar o
conhecimento acadêmico, porque possibilita a criação de um conhecimento pessoal e
individualizado sobre o conteúdo de seu objeto. Isso ocorre, pois, a fotografia não aprofunda
o conhecimento que transmite, permitindo o mutualismo entre o que o fotógrafo pretende
comunicar e as perspectivas culturais e saberes individuais do observador. (BARTHES,
1984)
Uma vez que os dados acerca da implementação do Programa Mais Médicos são
positivos, como confirma o trecho infra, perquiriu-se o parecer dos médicos sobre a
experiência de trabalhar na saúde pública brasileira, no município de Pelotas-RS.
Com o resultado da expansão em 2015, o governo federal garante a
permanência de 18.240 médicos nas Unidades Básicas de Saúde de todo o
País, levando assistência para aproximadamente 63 milhões de pessoas.
São 4.058 municípios beneficiados, 72,8% de todas as cidades do Brasil,
além dos 34 distritos indígenas. (BRASIL, 2015)
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Primeiramente, considera-se que a medida de implementação do programa Mais
Médicos foi tratada, por muitos meios midiáticos como autoritária, drástica e infundada, mas
não deixe-se de mencionar que, muitas vezes, as críticas foram feitas de maneira
excessivamente parcial, usando, para representar a perspectiva abordada, além da escrita,
a tecnologia de edição de imagens e seus adereços, com fins de dar suporte artificial ao
ponto de vista referido. (CAMARGO, 2015, p. 94)
Neste prisma, estuda-se a criação de artifícios usados para a compreensão de uma
cultura estrangeira, denominados de representações. As representações são o conjunto de
conhecimentos, criado por uma coletividade, sobre determinada cultura com a qual não
convivem, para poder compreendê-la. (SAID, 1990, p.18)
Entretanto, não se pode perder de vista que representações são fortemente
influenciadas pelas relações de poder entre as nações, uma vez que todo conteúdo
acadêmico e cultural manifesta uma influência política intrínseca, seja ela aparente ou
obscuramente disfarçada por uma ideia de imparcialidade. Essa distribuição de consciência,
como denomina Said, em textos de diversos gêneros, é o que condiciona determinada visão
sobre uma sociedade. Dessa forma, não há conhecimento apolítico, dado que a sociedade
política se infiltra na sociedade civil-cultural e ambas estão correlacionadas. (SAID, 1990, p.
22)
Nesse ínterim, alguns brasileiros possuíam uma imagem representativa do povo
cubano, muitas vezes incorreta, pois que generalizadora (SAID, 1990, p. 50), como
evidencia o seguinte trecho da entrevista:
Tive um paciente que me falou quando chegou: “Ah, você é cubana
também?”
“Sí, sou cubana” – [respondi]
“Uma cubana branca? Loira? E tão nova!”
Aí olhou assim para mim e eu falei para ele: “Sim, branca, loira e
nova! E formada em medicina também.”
1 2
Isto posto, conclui-se que as sociedades delimitam o que é “meu” e refutam o que é
“do outro”, sem realmente conhecê-lo, criando suposições ficcionais sobre o desconhecido.
Aplicando isso ao caso concreto, percebe-se certo receio dos brasileiros ao lidar com
médicos de outra nacionalidade, porque a mente classifica tudo quanto conhece e refuta o
que está fora dessa delimitação, apesar de desconhecer esse universo. Essa circunstância
se intensifica no caso em tela, pois os médicos são profissionais que cuidam da saúde, um
bem tão caro aos indivíduos. Acerca disso, Edward Said faz apontamentos imprescindíveis:
As fronteiras geográficas acompanham as sociais, étnicas e
culturais de um modo previsível. Mas muitas vezes a maneira como alguém
se sente como não estrangeiro está baseada em uma ideia muito pouco
rigorosa do que há “lá fora”, além do seu próprio território. Todo tipo de
suposições, associações e ficções parece povoar o espaço que está fora do
nosso próprio (SAID, 1990, p. 64)
Voltando-nos a análise das imagens, o que torna as fotos reais para nós e faz com
que ela exista pessoalmente, isto é, o punctum, é a relação de afeto observada entre
médico e paciente, presente em ambas as fotos.
Na foto 1, é possível reconhecer os trajes médicos, o jaleco branco, estetoscópio e,
portanto, sabemos que se trata de um médico e seu paciente. Não obstante, é possível
identificar a relação de amizade entre eles, por meio dos sorrisos e abraço. Além do que, a
disposição da foto, com ambos no centro da imagem, ocupando porções semelhantes de
espaço e mesma altura, nos revelam inexistência de superioridade entre as duas figuras.
Já na foto 2, não distinguimos trajes ou ambiente médico, apenas os rostos de uma
mulher e um bebê, que poderiam ser familiares, da sorte que, só podemos adivinhar que se
trata de uma médica e sua paciente por conta do contexto que já nos foi previamente
informado.
Pode-se dizer que os médicos criaram uma relação de afeto com seus pacientes, e
que essa interação médico-paciente possivelmente advém dos costumes culturais cubanos,
como esclarece o médico cubano ao tratar das diferenças entre o povo cubano e brasileiro:
Porque não têm as mesmas culturas, então a população cubana
tem mais interação com o médico. Para a população cubana o médico da
família é como um amigo, como um familiar a mais, tá? Para a população
brasileira é diferente.
5. CONCLUSÕES
A sociedade cria representações para ilustrar uma matéria que não entende ou não
tem contato e vivência. Essas representações ajudam a entender o desconhecido, mas
também podem estigmatizar outras realidades, pois são conhecimentos superficiais, criados
sob a ótica de poderes hegemônicos. Isto é, o conhecimento, sobretudo, o conhecimento
acadêmico, é limitado por fatores culturais, materiais e ideológicos, de maneira que não
existe conhecimento pleno ou isento de juízos de valor.
Nessa perspectiva, entende-se que a população brasileira possuía certo receio
diante da atuação dos médicos cubanos em suas comunidades, pois o conhecimento
antropológico é repartido, costumeiramente, naquilo que é “meu”, o que está presente na
minha realidade, e o que é “do outro”, em outras palavras, o desconhecido, o estrangeiro e,
por isso, estranho, anormal. Sendo que, o conhecimento sobre a alteridade resulta,
predominantemente, da atividade imaginativa, mesmo que pautado sobre conhecimentos
acadêmicos, em razão da distribuição de consciência. (SAID, 1990, p. 73)
A atuação dos médicos cubanos nas UBS brasileiras foi uma experiência permeada
de descobertas, para os médicos cubanos, mas, principalmente, para os brasileiros que
faziam uso do serviço público de saúde, uma vez que aqueles vieram preparados para
enfrentar qualquer realidade.
Bom, eu, realmente, eu vim para cá preparado para trabalhar em
qualquer lugar e por causalidade estou trabalhando aqui em Pelotas que é
uma cidade, em posto que fica um pouco longe da cidade, mas é uma
cidade. [...] nos formaram para trabalhar em situações difíceis.
A minha mente sempre ficou aberta para o que for. Eu ia explorar o
novo mundo, né, a trabalhar com pessoas iguais, porque as pessoas
“somos” todas iguais, sejam brasileiros, cubanos, chineses, mas é outro
povo, outra cultura e no início foi um pouco difícil.