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A crise do fotojornalismo e o caso do falso fotógrafo de guerra Eduardo... https://revistazum.com.

br/noticias/edu-martins-fake-fotografo/

A essa altura, todo mundo com algum envolvimento com a


fotografia (e curiosos em geral) já ouviu a história de
Eduardo Martins, o fotógrafo que enganou todos passando-
se por um surfista bonitão que apoiava causas humanitárias
e documentava conflitos globais. No entanto, o caso do
fotógrafo fake expõe questões importantes que devem ser
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A crise do fotojornalismo e o caso do falso fotógrafo de guerra Eduardo... https://revistazum.com.br/noticias/edu-martins-fake-fotografo/
discutidas, principalmente por profissionais reais do meio
jornalístico.

Aparentemente, mais do que serem enganadas, as pessoas


queriam de fato acreditar na figura heróica do sobrevivente
de leucemia que descobre uma súbita consciência e quer
“ajudar as pessoas em zona de conflito.” O fato de ser
branco, loiro, de olhos azuis e surfista ajudou a conquistar
parte dos seus 127 mil seguidores no Instagram. E abriu
o caminho para ter o seu perfil publicado em veículos
renomados como Vice, BBC e algumas outras publicações
internacionais.

Estamos diante da fragilidade do modelo de negócios da


fotografia jornalística em tempos digitais, em que sites de
notícias e publicações acham normal não pagar pelo
conteúdo editorial que veiculam (ou não suspeitam da
oferta de material gratuito) de um fotógrafo ficcional como
Eduardo Martins, sem preencher um cadastro de
colaborador, pode passar totalmente despercebido. Se os
veículos tivessem oferecido pagamento pelo material, como
deveria ser o padrão, a mentira não iria tão longe. Uma
analogia básica: nenhum jogador de futebol aparece
jogando na seleção sem passar pela terceira divisão,
segunda etc. O mesmo vale para o fotojornalismo. Uma
trajetória sem rastro, sem um começo ou evolução, deveria
ser suspeita.

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Apesar de alguns veículos reconhecerem o erro, segue


embaraçoso para a credibilidade deles que tenham
publicado o conteúdo de um fotógrafo que sequer se deram
ao trabalho de verificar se existia. Seguir alguém fake no
Instagram é muito diferente de publicar um perfil em um
veículo de comunicação de grande alcance.

Outro ponto importante a ser levantado sobre o caso é o


desaparecimento da figura do editor de fotografia das
redações, algo que aumenta a chance de abusos e fraudes. A
grande maioria das publicações não tem pessoas com
memória alguma, nem do que foi publicado no próprio
veículo. A cultura visual dos editores mostra-se limitada. E
fotógrafos com imagens visualmente dissonantes como as
de Daniel C. Britt (Iraque e Síria) e Nir Alon (Congo) são
publicadas com o nome de “Eduardo Martins”, sem que
ninguém repare a diferença na linguagem e no estilo.
Querer acreditar no “Rodrigo Hilbert da fotografia de
conflito” ajudou.

As agências Getty Images, Zuma Press e NurPhoto também


merecem crítica. A NurPhoto por aceitar a colaboração de
um fotógrafo sem checagem rigorosa de quem era. E a
Getty e Zuma por redistribuirem esse conteúdo sem
questionar sua origem. Em uma pesquisa rápida, encontrei
várias fotos de Daniel C. Britt publicadas em nome de
Eduardo Martins. O artifício utilizado por Martins para
roubar as imagens foi simples: basta “flipar” a imagem
horizontalmente e o Google entende se tratar de uma nova
fotografia. Simplesmente reverti o “flip” horizontal para
encontrar o verdadeiro dono da foto.

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O fato de as imagens terem sido roubadas da internet


também cria uma dúvida adicional: como as agências
aceitaram imagens que não estavam em alta resolução, em
tamanhos reduzidos? Como o aceitaram como colaborador?
Isso diz muito sobre o negócio da fotografia e da voracidade
incessante do mercado. E, finalmente, se a NurPhotos
repassou ao “colaborador” o pagamento pela veiculação
destas imagens, com certeza há dados bancários e algum

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rastro de transação financeira.

Minha intenção aqui não é apontar culpados ou julgar


quem foi enganado. Mas refletir sobre como isso pode
acontecer. Cento e vinte e sete mil pessoas seguiam um
personagem no Instagram. Agências, curadores e
jornalistas profissionais também acreditaram sem
questionar (ou apurar melhor a linda história).

Saber que o usurpado Daniel Britt está fazendo bicos como


bartender para bancar seu próximo projeto, enquanto suas
fotografias eram usadas por três agências internacionais,
demonstra a fragilidade do sistema e como a internet e a
imagem digital permitem que cada vez mais abusos sejam
cometidos. Britt reagiu de maneira educada e profissional
ao ser contatado pela agência Sputnik: “Se a Getty gostou
das imagens do Eduardo Martins, vai gostar do meu
próximo projeto”. Respeito máximo.

Afinal, quem é Eduardo Martins? Possivelmente saberemos


em breve, pois há uma investigação internacional em curso
para prender o responsável por fraude e crime de falsidade
ideológica. Existem também algumas teorias circulando: a
primeira é de que a pessoa por trás do personagem Eduardo
Martins seria um mitômano, fascinado pela fantasia de ser
um fotógrafo de guerra bonitão. A segunda é de que se trata

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de um projeto de arte, criado para expor os defeitos do
sistema, a facilidade de manipular a mídia e testar até onde
as relações virtuais podem ir. Seria brilhante se fosse o
segundo caso. Mas pelo histórico de manipular as mulheres
com quem interagiu (várias revelaram ter sido namoradas
virtuais do surfista), e pelo abuso que isso representa, pode
ser a primeira opção. Até onde isso poderia ter ido?

O caso provoca reflexão e debate. Não há dúvida de que


convivemos com muitos outros fotógrafos fakes. E é cada
vez mais importante discutir os rumos da fotografia, a
criação de falsos heróis, o protagonismo dos fotógrafos de
guerra, o privilégio branco e o modelo de negócios que
permite que Eduardo Martins consiga ir tão longe sem ser
detectado.///

Ignacio Aronovich é fotógrafo com base em São Paulo.


Com Louise Chin é um dos criadores do coletivo Lost Art e,
desde 2000, produzem trabalhos fotográficos, audiovisuais
e exposições.

Em notas, BBC Brasil, NurPhoto, Getty Images e Vice


comentaram o caso.

BBC Brasil: “Em 7 de julho de 2017, a BBC Brasil publicou


um texto apresentando fotos e vídeos que seriam de autoria
de um brasileiro que se apresentava para seus mais de 100
mil seguidores no Instagram como Eduardo Martins,
fotógrafo da ONU. Após a publicação do conteúdo,
surgiram suspeitas não apenas sobre a autoria das imagens
enviadas como também sobre a verdadeira identidade de
Martins. A BBC Brasil começou a investigar o caso há um
mês e, pouco a pouco, os elementos de uma história
construída por dois anos começaram a ruir. Diante das
suspeitas e do risco de violação de direitos autorais, o
conteúdo original foi retirado do ar. Pedimos desculpas a
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nossos leitores pelo engano. O caso servirá para reforçar
nossos procedimentos de verificação.”

Getty Images: “A integridade editorial é de grande


importância para a Getty Images e nossos fotógrafos são
apaixonados em documentar o calendário global de notícias
de um ponto de vista objetivo e imparcial. A manipulação e
o uso de má fé da fotografia violam completamente a
integridade editorial e a Getty Images leva muito a sério os
usos não autorizados e manipulações de conteúdo, inclusive
aqueles que infringem os direitos autorais. Eduardo
Martins, a pessoa em questão, foi identificado como um
colaborador e fornecedor de conteúdo de um de nossos
parceiros que já foi notificado sobre esta infração.
Enquanto trabalhamos em conjunto com todos os nossos
departamentos internos para esclarecer urgentemente esta
questão, estamos retirando do ar todo o material
envolvido.”

NurPhoto: “Com referência a notícia publicada no dia 1 de


setembro de 2017 pela BBC Brasil, Brasil247.com e outros
jornais online a respeito de uma potencial violação de
direitos autorais cometido por uma pessoa chamada Sr.
Eduardo Martins, a agência NurPhoto vem esclarecer que
imediatamente removeu todo conteúdo, imagens e fotos
que foram fornecidas por Eduardo Martins e alertou todos
seus clientes e parceiros a fazer o mesmo. A NurPhoto
sempre trabalhou para demonstrar um forte
profissionalismo, comprometimento e total dedicação para
garantir que as leis de direito autoral sejam cumpridas. No
primeiro contato com a NurPhoto por meio de seu website
em 2015, Sr. Martins apresentou-se como fotógrafo
reinvindicando ser o autor de um portfólio completo de
fotografias e imagens profissionais. Além disso, tais
imagens estavam disponíveis em suas redes sociais e site
oficial. Após cuidadosa consideração de todos os fatos
reportados no noticiário e considerando que, no momento,
parece impossível contatar o Sr. Eduardo Martins e ao
vermos que seu site e perfis nas redes sociais estão fora do
ar, tememos que nossa agência tenha sido vítima de fraude
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feita por alguém que não é autor de suas fotos e cuja
conduta está causando sérios danos de reputação para
nossa companhia. Dito isso, no dia 2 de setembro de 2017, a
NurPhoto abriu um processo criminal junto à polícia
italiana contra o Eduardo Martins de modo a prevenir que o
mesmo continue com essa conduta.”

Vice publicou em seu site matéria intitulada O fotógrafo


que não existia comentando o ocorrido.

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