Você está na página 1de 11

1

NOVOS PERFIS FUNCIONAIS, QUALIFICAÇÃO E


COMPETÊNCIAS

Há várias formas de considerar as competências:


1. Competências podem ser consideradas como atribuições, i.e., como
funções, poderes ou prerrogativas de um cargo ou função ou ainda
como jurisdição de autoridade. Neste caso, não dependem de
características pessoais nem do desempenho específico de seus
detentores. Existem como um elemento externo à pessoa. Em gestão de
pessoas esta perspectiva é utilizada em sistemas tradicionais de
descrição de funções, designando as responsabilidades e conhecimentos
inerentes ao exercício de determinadas atividades.

2. Competências como características pessoais é a perspectiva mais


conhecida e difundida nos atuais sistemas de gestão de competências.
Foi a primeira que surgiu na psicologia organizacional, sendo
posteriormente aplicada à gestão de recursos humanos. É representada
por David McClelland (1973), fundador dessa corrente e também por
Boyatzis (1982), Spencer e Spencer (1993), entre outros. McClelland
rompe com as concepções tradicionais de medida em Psicologia e sua
aplicação à seleção de pessoas, ponderando que as medidas de
aptidões não predizem a performance profissional. Os testes eram
aplicados em condições experimentais, fora de contextos reais de
trabalho. Este desvio levou o autor a procurar outros fatores que
permitissem maior precisão nos prognósticos de bom desempenho. O
autor concluiu que o que distingue uma pessoa de elevado desempenho
de outra de performance média não é o seu perfil de capacidades, mas o
2

resultado concreto de seu desempenho. Nesse caso, dever-se-ia


identificar as características de pessoas de elevado desempenho e é a
essas características que ele designa por competências. Boyatzis
identificou um conjunto de fatores que diferenciam os gestores de
sucesso: qualidades pessoais, motivações, experiência e
características comportamentais. São traços da personalidade das
pessoas que dão consistência às competências. As várias perspectivas
do conceito são representadas na analogia do iceberg, apresentada por
Spencer e Spencer: a parte visível representa as habilidades e
conhecimentos, e a parte submersa, os motivos, valores, auto-conceito,
traços, mais difíceis de desenvolver e modificar. Daí surgiram duas
perspectivas diferentes do construto: competências como traços ou
características (inputs ou competencies) e competências como
resultado ou desempenho (outputs ou competences).

3. Competências como comportamentos ou ações. Nesta perspectiva o


que conta é o resultado da ação das pessoas. Desse modo é possível
diferenciar o conceito de competência de outros utilizados na
psicologia como capacidade e potencial. É possível que uma pessoa
tenha determinados traços ou características adequados para um bom
desempenho, mas na prática não apresentar esse resultado. Neste caso,
ela tem a capacidade e o potencial, mas não demonstra as
competências. As competências só fazem sentido na e pela ação. Desse
modo, elas podem ser medidas por meio de indicadores de forma
objetiva. A perspectiva dos traços ou características pessoais privilegia
os instrumentos de medida (testes psicológicos) em processos de
recrutamento e seleção, aproximando-se das análises ou avaliações de
3

potencial.Mas não garantem que os comportamentos venham de fato a


existir. É necessário deixar claro em que perspectiva se trabalha, para
evitar possíveis confusões nos projetos de intervenção organizacional.

4. Competências como qualificações enfatiza o conjunto de saberes ou de


domínios de execução técnica, por meio de sistema formal de ensino ou
de formação profissional. São atributos exteriores aos indivíduos, que
podem ser adquiridos ou desenvolvidos e são também independentes do
desempenho, isto é, a pessoa pode ter as qualificações necessárias para
determinada finalidade, sem que seu desempenho reflita os resultados
esperados. No âmbito do sistema formal de ensino, em que são
adquiridas tais competências, a avaliação é casuística, episódica e
relativamente descontextualizada da prática quotidiana.
A noção de competências, anteriormente associada à esfera da
educação, vem assumindo diferentes significados em várias outras áreas
de atividades, tais como a economia, o trabalho, e a formação
profissional. Na esfera do trabalho, vem substituindo a noção de
qualificação, e na área da educação, as noções de saberes e
conhecimentos, conforme afirmam ROPÉ & TANGUY (1997). Esse
fenômeno parece ser conseqüência do deslocamento da atividade de
formação, que atualmente é compartilhada por escolas e empresas.

Portanto, não há unanimidade quanto à definição de competência. O termo


não é claro nem inequívoco e é usado com diversos sentidos, em diferentes
contextos e com várias ênfases em seus componentes essenciais. Vejamos
algumas definições.
4

Segundo DUCCI (1996) competência é a capacidade para enfrentar e


resolver problemas com sucesso em situações de incerteza, novas ou
irregulares, na vida do trabalho. É essa imprevisibilidade que diferencia
"competência" do conceito tradicional de "qualificação;” é o fator crítico,
intangível e o mais difícil de definir, na caracterização de “competência”.

O uso da palavra no plural denota uma diversidade ou multiplicidade de


capacidades e conhecimentos adicionados ou combinados. Enquanto a
qualificação pode ser ligada à formação recebida e codificada em categorias
ocupacionais que, por sua vez, traduzem-se em uma escala de salários, as
competências podem ser adquiridas de várias formas, em instituições de
formação, empregos anteriores, estágios, e em outras atividades fora da
ocupação, constituindo uma prerrogativa do indivíduo, não estendível aos
demais membros de uma categoria profissional. Esta é uma distinção
importante entre os conceitos de competência e de qualificação.

Uma definição utilizada amplamente na França estabelece que “a


competência é um conjunto de saberes mobilizados em situação de
trabalho.” Seus componentes são os saberes ou conhecimentos específicos;
os saberes colocados em prática, o saber-fazer, as aptidões; a inteligência
pessoal e profissional, as capacidades; a vontade de colocar em prática e de
desenvolver as competências – saber ser. A competência envolve um sistema,
uma organização estruturada, uma combinação de elementos.

A competência pressupõe a capacidade de transferência, de aprendizagem e de


adaptação. Não é imitar, mas poder adaptar a conduta às situações novas e
imprevistas; “é poder improvisar onde os outros não fazem mais do que
5

repetir. A competência, sendo de natureza combinatória, é um misto de


múltiplos ingredientes e não se realiza simplesmente pela adição de saberes
parciais; ela é a síntese dos saberes e do saber-fazer”.

LE BOTERF não define propriamente o conceito, apóia-se na trípode “saber,


saber-fazer, saber-ser”, examinando cada um desses termos em todas as suas
nuanças. Observa primeiramente que ela não é um estado nem um
conhecimento que se tem, pois a experiência quotidiana nos mostra que
pessoas que possuem conhecimentos ou capacidades nem sempre sabem
mobilizá-los em situações de trabalho ou em momentos oportunos. A
competência se realiza na ação, isto é, não reside simplesmente em recursos
(conhecimentos e habilidades), mas na mobilização de tais recursos. Mas a
mobilização não significa apenas aplicação; implica em construção e
reconstrução desses saberes e habilidades. Desse modo, o exercício da
competência é necessário para sua manutenção. A competência, além disso, é
contingente, isto é, exerce-se num contexto particular; é mediada por
restrições e recursos, exigindo flexibilidade, pois varia em função da situação
em que intervém. Ser competente é saber transferir, saber combinar e integrar;
supõe capacidade de aprender e de se adaptar. Por essas razões, a
competência é um atributo do sujeito e não se confunde com os saberes. A
essência da competência é um saber agir, que se distingue do saber-fazer pela
finalidade que aí está envolvida. Além disso, para ser competente, o sujeito
precisa ser reconhecido como tal; não basta considerar-se competente. O autor
lembra que toda competência depende do julgamento de outros. A
competência não é apenas um construto operatório, mas também um
construto social. A pessoa competente é aquela que sabe agir, mobilizar
6

recursos, integrar saberes complexos, aprender e assumir responsabilidades,


agregando valor econômico para a organização e valor social para si própria.

ZARIFIAN salienta que os méritos do enfoque da competência residem na


ênfase dada ao indivíduo (e não na qualificação), manifestada e avaliada
quando de sua utilização em situação profissional.

A adoção do conceito de competência, em substituição ao de qualificação,


apresenta as seguintes características:
 Valorização da mobilidade e do acompanhamento individual da carreira
 Acarreta novas práticas de avaliação de desempenho e balanços de
competências.
 Implica em novos critérios de avaliação que valorizam as chamadas
competências de terceira dimensão. (Competências de terceira
dimensão se caracterizam por não serem habilidades manuais nem
conhecimentos técnicos, mas qualidades pessoais e relacionais).
 Enfatiza a formação contínua em relação estreita com as estratégias
organizacionais
 Multiplica a adoção de fórmulas de individualização dos salários, de
acordos de empresa (ligando a carreira ao desempenho e à formação) e
de experimentação de novas formas de mobilidade horizontal, com
vistas a permitir a manutenção do emprego
 Implica no desabono direto ou indireto dos antigos sistemas de
classificação, fundados na qualificação e oriundos de negociações
coletivas.
7

Para Zarifian existem algumas limitações desse conceito:


 A noção nada informa sobre as implicações de mudanças do
trabalho e de sua organização, podendo ser aplicada a qualquer
período histórico e a qualquer organização do trabalho. Desse
modo, facilita a ocultação das implicações do que está em jogo e
deixa caminho aberto a todas as composições possíveis.
 Não leva em conta as condições de uma produção moderna,
principalmente nas redes de trabalho, que contribuem para
preparar, cuidar, sustentar a atividade profissional, a dimensão
coletiva da incorporação dos efeitos dessa contribuição e a
avaliação de uma forma de organização por meio de seu
desempenho econômico.

Mas o autor reconhece o potencial do conceito principalmente por


possibilitar uma concepção de organização mais simples e clara do que a
burocracia das organizações tradicionais, fortemente hierarquizadas, divididas
funcionalmente e apresentando uma divisão rígida do trabalho.

Um ponto que precisa ser trabalhado em relação à noção de competências


diz respeito à sua institucionalização, isto é, à necessidade de regulação geral
das competências. Há três pontos de consenso em relação a isto: 1) a
necessidade de acordos em torno de sistemas para reconhecer competências ou
a competência profissional de um indivíduo que não esteja baseada somente
em diplomas educacionais; 2) a necessidade de serem os sistemas
educacionais geridos no sentido de desenvolver competências profissionais; 3)
a necessidade de se oferecerem aos indivíduos, inclusive aos desempregados,
8

oportunidades iguais de desenvolver suas competências ao longo de sua


carreira.

O fato de serem as competências desenvolvidas em contextos específicos


de produção, sendo geridas segundo os interesses da empresa, torna difícil
construir um sistema global e genérico, que possa ser aplicado externamente à
organização.

Outra dificuldade é a realização de medidas objetivas de competência,


principalmente se tiverem de ser reconhecidas fora do contexto em que foram
desenvolvidas.Por isto, os principais atores envolvidos precisam ter seus
projetos conciliados: as empresas, os trabalhadores, as instituições
educacionais, o governo e a sociedade.

Os diversos sistemas de competência profissional são uma tentativa de


realizar esta conciliação. Tais sistemas são integrados por três subsistemas: 1)
normalização de competências; 2) formação de competências; 3) avaliação e
certificação de competências. Os objetivos desses sistemas são garantir a
evidência das competências requisitadas pelos empregos, possibilitando a
definição e a sistematização de um perfil profissional. A partir disto, esse
perfil é confrontado com as ocupações, deduzindo-se os desempenhos
satisfatórios. Finalmente, o Estado e as organizações podem promover
processos de formação para orientar a aquisição das competências, avaliá-las e
certificá-las.
9

NÃO FALAR ESTA PARTE DISCUSSÃO


Limitações e potencialidades do conceito:
Para a organização:
 Favorece acordos particulares entre empregado-empregador
 Valoriza a empresa, o contrato individual de trabalho
 Valoriza o comprometimento e a integração com a organização
 Aumenta as possibilidades de adoção de mecanismos unilaterais de
definição dos enquadramentos profissionais e dos critérios de
mobilidade ocupacional
 Dificuldade de manutenção e desenvolvimento de profissionais
com perfis altamente qualificados.
 Possibilidade de adoção de sistemas mais inovadores de gestão.
 Possibilidade de integração das diversas práticas de gestão de
pessoas, favorecendo a rápida assimilação das mudanças
organizacionais e ambientais.

Para os indivíduos:
 Agregação de valor social e econômico ao indivíduo competente
 Exclusão social para os que não têm oportunidade de desenvolver
competências
 Possibilidade de que as competências sejam vistas como naturais e
imanentes à natureza do indivíduo e não criadas socialmente
 Possibilidade de que as organizações requeiram um conjunto cada
vez mais exigente de competências (superqualificação)
10

 Possibilidade de desmotivação dos indivíduos altamente


qualificados quando a organização não consegue oferecer trabalho
rico e desafiador
 Maior valorização do potencial humano e enriquecimento de
dimensões básicas do trabalho
 Possibilidade de atuação em atividades mais adequadas aos
projetos profissionais
 Incentivo à busca contínua por capacitação

Para o coletivo dos trabalhadores:


 Enfraquece a negociação coletiva.
 Enfraquece a mobilização da ação sindical
 Favorece a exclusão dos mais frágeis, dos mais velhos e dos menos
instruídos.
 Favorece a flexibilização dos direitos trabalhistas e sindicais
 Acirra a competição pela ênfase na individualização e nos
resultados

NOVOS PERFIS FUNCIONAIS, QUALIFICAÇÕES E


COMPETÊNCIAS
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1) Discuta as potencialidades e limitações do conceito de competência:


 Para as organizações
 Para os indivíduos
11

 Para o coletivo dos trabalhadores


2) Barbosa encontrou na sua pesquisa realizada entre grandes
organizações mineiras uma forte relação entre o perfil produtivo e a
localização geográfica. Em outras palavras, empresas de setores
maduros e tradicionais estão procurando tornar-se mais competitivas
e, para isto, estão adotando o modelo de gestão de competências. Este
mesmo padrão está ocorrendo em outros estados brasileiros?
3) A não vinculação do modelo de gestão de competências à
remuneração traz limitações aos resultados organizacionais?
4) A adoção do modelo apenas para os níveis gerenciais ou para os
profissionais de nível superior tem implicações para a organização?

Você também pode gostar