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EXCERTOS
SOBRE O EQUILÍBRIO EMOCIONAL
E INTELECTUAL DE CRISTO
AUGUSTO CURY
Em: O Mestre da Sensibilidade
Col. Análise da Inteligência de Cristo, v. 2
CAPÍTULO 9. A REAÇÃO DEPRESSIVA DE JESUS: O ÚLTIMO ESTÁGIO DA DOR HUMANA
A depressão dos pensadores
Muitos homens ilustres tiveram depressão ao longo da vida. Freud teve crises depres‐
sivas. Em uma de suas correspondências com seus amigos, disse que estava muito depri‐
mido e que a vida havia perdido o sentido. O turbilhão de idéias que transitavam por sua
mente, os pensamentos negativos sobre a existência, o peso das perdas e outros fatores
culminaram por deixá‐lo deprimido numa fase posterior. A cultura psicanalítica não o li‐
vrou de sua miséria interior.
Herbert Spencer, um grande pensador inglês do século XIX, comentou certa vez que
não valia a pena viver. Durant, historiador da filosofia, procurou defendê‐lo1. Comentou
que Spencer “enxergava tão longe que as coisas que se passavam debaixo do seu nariz não
tinham sentido para ele”. Essa defesa é muito incompleta. Não é pelo fato de ter sido um
grande pensador que Spencer perdeu o solo do prazer. Entre as causas interiores deve‐se
ressaltar que ele desenvolveu o mundo das idéias, mas desprezou, pouco a pouco, a arte
de contemplar o belo nos pequenos detalhes da vida.
De fato, não poucos pensadores viveram uma vida angustiante. Caminharam no mun‐
do das idéias, mas não aprenderam a navegar no mundo da emoção. Assim, perderam o
sentido da vida, o prazer de viver.
Esses homens foram frágeis? É difícil julgar os outros sem se colocar no lugar deles e
penetrar na colcha de retalhos da sua vida. Todos temos nossas fragilidades e passamos
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Durant, Will. História da filosofia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
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por avenidas difíceis de transitar. A vida humana possui perdas imprevisíveis e variáveis,
difíceis de administrar.
Alguns pensadores se tornaram grandes negativistas, tais como Voltaire, Schopenhau‐
er, Nietzsche. Imergiram no torvelinho das idéias, mas descuidaram dos pequenos eventos
que norteiam a vida. Não souberam irrigar suas emoções com os lírios dos campos sobre
os quais o carpinteiro de Nazaré tão bem discursou para seus discípulos.
Cristo discorreu sobre os mistérios da existência como nenhum filósofo jamais o fez. A
eternidade, a morte, a transcendência das dores, a transformação na natureza humana
estavam constantemente na pauta das suas idéias. Apesar de ter um discurso intelectual
complexo e de ser drasticamente crítico da maquiagem social, da falta de solidariedade e
do cárcere intelectual das pessoas, ele exalava singeleza e prazer. Grandes pensadores
perderam o sentido da vida ao desenvolver o mundo das idéias. Todavia, Cristo, apesar de
ir tão longe no discurso dos pensamentos, ainda achava tempo para contemplar os lírios
dos campos.
Temos de tomar cuidado com o paradoxo da cultura e da emoção: no território da
emoção há iletrados que são ricos e intelectuais miseráveis. Não poucos deles se isolaram
socialmente e deixaram de ser pessoas socialmente agradáveis. Não perceberam que um
sorriso é tão importante quanto uma brilhante idéia. Não compreenderam que a cultura
sem o prazer de viver é vazia e morta.
Também vivi um período de tristeza e negativismo em minha produção de conheci‐
mento filosófico e psicológico. Pelo fato de produzir uma nova teoria sobre o funciona‐
mento da mente e a construção da inteligência, bem como por investigar exaustivamente
a lógica dos pensamentos e os fenômenos que lêem em uma fração de segundo a memó‐
ria e constroem as cadeias das idéias, também perdi o solo emocional e imergi numa esfe‐
ra de negativismo e tristeza. Moro num lugar belo, rodeado de natureza. Mas, paulatina‐
mente, o canto dos pássaros e a forma requintada das flores não encantavam mais minha
emoção como antes.
Porém, felizmente, compreendi que o mundo das idéias não podia ser desconectado
da arte da contemplação do belo. É possível extrair prazer das coisas mais singelas. Estu‐
dar a personalidade de Cristo me ajudou muito nessa compreensão. Aprendi que a beleza
não está fora, mas nos olhos de quem a vê.
Recordemos a atitude intrigante de Jesus na grande festa judia. Ele levantou‐se e ex‐
clamou que era uma fonte de prazer para o ser humano. Não pensem que o ambiente
exterior era favorável. Não! Era tenso e ameaçador. Os soldados, a pedido do sinédrio,
estavam lá para prendê‐lo. Bastava que abrisse a boca para ser identificado. Nesse ambi‐
ente turbulento, ele bradou, com a maior naturalidade, que poderia resolver a angústia es‐
sencial que está no cerne da alma humana.
Os soldados, perplexos, voltaram de mãos vazias, pois disseram: “Nunca ninguém falou
como este homem” (João 7:46). É incrível pensar que Jesus falou do prazer onde só havia
espaço para o medo e a ansiedade.
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