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LÍQUIDO

CEREBROSPINAL
(PRODUÇÃO E
CIRCULAÇÃO)

Neuroanatomia
• LÍQUIDO CEREBROSPINAL (LCR) ou LIQUOR

O líquido cerebrospinal (LCR), clinicamente mais conhecido como liquor, é o


fluido que circula no interior dos ventrículos e no espaço subaracnóideo - região
entre as meninges pia-máter e aracnoide-máter. O LCR é essencial para o bom
funcionamento do sistema nervoso central (SNC) e tem como funções impor-
tantes:

Proteção mecânica do sistema nervoso central: ao envolver o tecido nervoso,


o LCR distribui difusamente qualquer força aplicada sobre sistema o que ajuda
a diminuir o impacto gerado durante traumas, minimizando lesões teciduais.
Funciona, mais ou menos, como o líquido amniótico para o feto, que o protege
de receber diretamente impactos que podem causar lesão fetal.

Torna o encéfalo mais leve: da mesma forma que ficamos mais leves dentro de
uma piscina, o encéfalo recoberto pelo LCR passa a ter um peso expressiva-
mente menor. Isso também ajuda a diminuir o impacto durante traumas.

Promove a homeostase no sistema nervoso: por meio de trocas químicas com


o interstício, o LCR equilibra o microambiente neural ainda que existam altera-
ções químicas sistêmicas, como no plasma sanguíneo. Também realiza o trans-
porte de substâncias tóxicas geradas pelo metabolismo das células nervosas.

Comunica regiões do SNC: hormônios hipotalâmicos podem alcançar regiões


do sistema nervoso central por meio da circulação liquórica.

Com relação a sua constituição, o LCR possui mais cloretos e menos proteínas
do que o plasma sanguíneo.

O estudo do LCR, obtido por punções, nos permite investigar patologias que
atingem o sistema nervoso central. As mais comuns são as infecções, sobretu-
do as meningites, e a hemorragia subaracnóidea.
O LCR de um indivíduo saudável é límpido e incolor. Durante a coleta da amos-
tra deve ser observado se o aspecto macroscópico do LCR coletado apresenta
os aspectos habituais ou não.

No estudo microscópico do LCR, a existência de até 4 leucócitos por mm³ é


considerada normal. Em quadros infecciosos que acometem o sistema nervoso
central, como meningites, o exame microscópico do LCR do paciente apresenta
campos microscópicos repletos de leucócitos.

Circulam em média 150 ml de LCR no sistema nervoso diariamente. Sua pro-


dução é contínua, a partir da filtração ativa e seletiva do plasma pelo epitélio
ependimário. Há, também, drenagem do LCR para a circulação sistêmica, reali-
zada constantemente pelas granulações aracnóideas. Dessa forma, o balanço
entre produção e reabsorção de LCR garante sua renovação e também promo-
ve sua circulação no sistema, ao gerar diferença de pressão entre os seus locais
de produção e de absorção.

O LCR é produzido pelas células ependimárias localizadas na superfície dos


ventrículos e pelos plexos corióideos, enovelados vasculares aderidos a tecido
ependimário responsáveis por produzir cerca de 60% do LCR circulante. Os
plexos corióideos ficam localizados no teto do III e IV ventrículos e no corno in-
ferior e porção central dos ventrículos laterais.
Imagem de Henry Vandyke Carter - Henry Gray (1918), Public Domain,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=30144461.

Na figura acima, observe as granulações aracnóideas, projeções arredondadas do es-


paço subaracnóideo que drenam o LCR para os seios da dura-máter, principalmente
para o seio sagital superior.

• CIRCULAÇÃO DO LCR

O LCR, produzido pelas células ependimárias dos plexos corióideos, circula no


sistema ventricular e alcança o espaço subaracnóideo. A maior parte do LCR é
produzida no interior dos ventrículos laterais e flui em direção ao III ventrículo a
partir de dois pequenos orifícios que comunicam as cavidades: os forames in-
terventriculares (forames de Monro).

Do III ventrículo, o LCR atravessa o aqueduto do mesencéfalo ou cerebral


(aqueduto de Sylvius) no mesencéfalo e alcança o IV ventrículo. As aberturas
laterais e mediana do IV ventrículo (respectivamente, forames de Luschka e
Magendie) permitem que o LCR flua do sistema ventricular para o espaço su-
baracnóideo.
Observações:

Devido à sua continuidade com o sistema ventricular, o canal central da medula


também comporta LCR, mas em mínima quantidade, sem circulação importante
desse líquido.

Os epônimos citados são extremamente utilizados na neurologia e neurocirur-


gia, por isso é importante que você já tenha ouvido falar sobre eles.

A partir do espaço subaracnóideo, o LCR ascende em direção ao encéfalo. Isso


ocorre devido à baixa pressão nessa região, criada pela constante drenagem de
LCR pelas granulações aracnóideas no seio sagital superior. A diferença de
pressão criada pela drenagem liquórica para o seio sagital superior induz
trajeto ascendente da circulação do LCR no espaço subaracnóideo.

Um menor volume de LCR que alcança o espaço subaracnóideo segue para


baixo, em direção ao espaço subaracnóideo do canal vertebral. Essa circulação
também ocorre por diferença de pressão, devido à absorção do LCR por granu-
lações aracnóideas presentes nesta região.
• CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS

1) Aspecto do LCR

O aspecto usual de uma amostra fisiológica de LCR é o de um líquido translúci-


do e incolor, como a amostra abaixo.

Imagem de James Heilman, MD, 2009, via Wikimedia Commons.

Já uma amostra de LCR turvo e amarelado sugere, por exemplo, quadros infec-
ciosos como a meningite. O estudo microscópico da composição do LCR é es-
sencial para guiar as hipóteses diagnósticas. Em amostras com esse aspecto, é
provável serem encontrados mais de 4 leucócito s/mm³ à microscopia.

Já amostras de cor avermelhada podem indicar algum componente hemorrági-


co na patologia do paciente, como a hemorragia subaracnóidea. No estudo mi-
croscópico do LCR, provavelmente serão visualizadas hemácias em grande
quantidade.

Vale recordar que a punção de LCR é usualmente realizada na região lombar,


abaixo da vértebra L3. A essa altura não há mais medula, logo, diminui-se o
risco de lesão medular durante o procedimento.
2) Hidrocefalia

Essa condição está associada a processos patológicos que:

2.1. Aumentam a produção de LCR.

2.2. Criam barreira física para o fluxo de LCR.

2.3. Diminuem a filtração pelas granulações aracnóideas.

Com o aumento da quantidade de LCR no sistema há, consequentemente, au-


mento da pressão liquórica. Esse quadro é chamado de hidrocefalia, que pode
ser grave, em condições que cursam com aumento da pressão intracraniana.

Imagem de Internet Archive Book Images, 1919, acesso via Wikimedia Commons.

Criança apresentando aumento do perímetro encefálico, o que ocorre em situações de hidroce-


falia.

Em lactentes, o exame da fontanela anterior pode indicar hipertensão


intracraniana, importante complicação da hidrocefalia. Na próxima imagem, há
um exemplo de fontanela anterior normal, sem hipertensão intracraniana, em
que há uma discreta depressão na região da fontanela.

Se a fontanela se encontra dilatada e abaulada pode ser um sinal de hiperten-


são intracraniana. Esse achado, junto com demais alterações ao exame físico e
dos exames complementares guiarão as hipóteses diagnósticas.
Imagem de Johann Dréo, 2005 Acesso via Wikimedia Commons.

Observe as tomografias computadorizadas de crânio abaixo, que mostram em


corte transversal: hidrocefalia à esquerda, com aumento expressivo dos ventrí-
culos laterais (cavidades pares e simétricas) e III ventrículo (cavidade ímpar en-
tre os tálamos), e um encéfalo com sistema ventricular normal à direita.

Foto: MBq [Public domain], via Wikimedia Commons.

• BARREIRAS ENCEFÁLICAS

Já sabemos que o LCR é formado pela filtração do plasma do sangue. Contudo,


diversas substâncias do plasma não conseguem alcançar o tecido nervoso, pois
são filtradas por barreiras, que visam a garantir a proteção do sistema nervoso,
impedindo que substâncias ou microrganismos que poderiam alterar seu funci-
onamento acessem o SNC.

1) Barreira hematencefálica

Os capilares do sistema nervoso possuem junções oclusivas entre as células


endoteliais, que impedem a passagem de certas macromoléculas para o siste-
ma nervoso. Corroboram para essa função, a ausência de fenestrações nos ca-
pilares e a presença poucas vesículas pinocíticas nesses vasos, diferentemente
dos vasos sanguíneos do corpo, em geral. Essas características garantem sele-
tividade para o que chega, por meio do sangue, ao sistema nervoso central.

2) Barreira hematoliquórica

O epitélio ependimário dos plexos corióideos possui junções oclusivas, que


também funcionam impedindo passagem de certas moléculas para o interior do
sistema ventricular, durante a produção do líquido cerebrospinal.

A permeabilidade das barreiras é diferente dependendo da região do encéfalo,


da idade da pessoa, dentre outros fatores.

Uma situação que demonstra a importância dessas barreiras para manter a


homeostase do sistema nervoso é a de recém-nascidos que apresentam hiper-
bilirrubinemia indireta (alta quantidade de bilirrubina indireta na corrente san-
guínea). Além da icterícia, sinal típico dessa condição que pode ser observado
em pele, conjuntiva ocular e mucosas, o bebê pode cursar com manifestações
neurológicas, condição chamada de kernicterus. Isso ocorre pela deposição de
bilirrubina no encéfalo, o que não é esperado no adulto já que as barreiras en-
cefálicas bem desenvolvidas impedem a passagem de bilirrubina para o siste-
ma nervoso. O recém-nascido com kernicterus pode apresentar alterações de
tônus muscular, atraso do desenvolvimento, dificuldade de sucção (essencial
para garantir a amamentação) e na fala e paralisia cerebral. Os danos, em geral,
são irreversíveis.
• ORGÃOS CIRCUNVENTRICULARES

Os órgãos circunventriculares são regiões encefálicas que não possuem barrei-


ra hematencefálica, pois precisam do contato direto com a circulação sanguínea
ou para monitorar sinais químicos do sangue ou para secretar hormônios na
circulação sistêmica. Estão localizados em torno do III e IV ventrículos, circun-
dando-os e, por isso, foram denominados órgãos circunventriculares. São eles:

1) Órgão subfornicial

Detecta baixas concentrações de angiotensina II no sangue e, em resposta, in-


duz mecanismos autônomos de aumento da volemia, como a ativação do cen-
tro da sede, no hipotálamo, que induz a ingestão hídrica.

2) Órgão vascular da lâmina terminal

Detecta hiperosmolaridade sanguínea, gerando ativação do centro da sede e


liberação do hormônio antidiurético, a fim de que a osmolaridade fisiológica
seja alcançada.
3) Eminência mediana

Região de transporte de alguns hormônios do hipotálamo à neurohipófise.

4) Neurohipófise

Secreta hormônios hipotalâmicos para a circulação sistêmica.

5) Glândula pineal

Secreta melatonina para a circulação sistêmica.

6) Área postrema

Detecta substâncias no sangue e, por meio dessas informações, ativa meca-


nismos de regulação da atividade gastrintestinal. Também faz conexões com o
centro do vômito, no bulbo, ativando-o em situações nas quais este reflexo seja
necessário como, por exemplo, após o consumo excessivo de bebidas alcóoli-
cas, que pode ser tóxico ao organismo.

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