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CERÂMICANORIO
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Muitos ceramistas da nova geração que passaram por ateliês que
utilizam oleiros como diaristas acreditam firmemente que não é necessário
aprender a tornear, pois o trabalho do torno é sem importância, e pode-se
pagar relativamente pouco por ele ¾ uma deformação bem terceiro-
mundista, impensável entre os ceramistas europeus ou norte-americanos.
Esta percepção totalmente equivocada foi transmitida ao aprendiz por um
professor de cerâmica que, possivelmente, tornou-se, ao longo do tempo,
infiel ao seu próprio desejo de fazer cerâmica. Alguém que gostava ou
tinha vocação para trabalhar com cobrinhas, mas que não se aprofundou
na técnica; alguém que tinha jeito para fazer montagens com placas, mas
que não levou a sério este seu talento; alguém que queria utilizar moldes
para fazer formas inusitadas ou acelerar a produção, mas não o suficiente
para procurar orientação especializada; alguém que não encontrou os
meios para a elaboração da sua linguagem artística em nenhum dos
métodos de modelagem mencionados acima e tampouco dedicou-se
seriamente ao trabalho no torno, e para quem supostamente restou
apenas uma solução para a sua carreira dentro da cerâmica: chamar o
oleiro. Sendo incapaz de permitir a si mesmo o amadurecimento ¾ e isso
poderia ter acontecido de muitas maneiras diferentes, com ou sem o torno
¾ só resta a esse ceramista banalizar o ofício que, no entanto, escolheu
voluntariamente. Rompe, assim, o contrato ético que deve existir entre o
artista e si mesmo e entre o artista e o seu público. O seu trabalho é uma
agressão contra os ceramistas realmente dedicados e apaixonados pela
sua arte.
Nunca será suficiente repetir que o aprendizado do torno exige uma
dedicação muito grande. Em alguns ateliês, porém, o oleiro está diante do
aluno não para ensiná-lo, mas para se submeter aos seus caprichos: “hoje
vou querer cinco vasos de alturas diferentes, seguindo o modelo aqui desta
revista”. Anos de prática são necessários para que o ceramista se sinta
realmente à vontade em relação aos procedimentos técnicos que escolheu
para auxiliá-lo no desenvolvimento de sua linguagem artística. Para o
ceramista que aprecia o trabalho no torno, o tempo de formação, por mais
longo que seja, em nada se assemelha a um calvário. O aprendiz motivado
aceita com naturalidade o fato de que é preciso se exercitar muito e
continuamente. Não encara o seu esforço como a assimilação fria de uma
técnica, mas como uma oportunidade única e insubstituível de
experimentar de modo rico e intenso as nuances da forma. Uma grande
dedicação é cada vez mais necessária em todas as profissões, artísticas ou
não, e costuma ser recompensada pelo prazer e pelo reconhecimento
diante do trabalho consistente e inovador. O ceramista que optou
seriamente pelo torno desenvolve a própria percepção de modo a realizar
formas cada vez mais leves e definidas. A evolução da forma torna-se uma
dança para as suas mãos e os seus olhos, e um grande estímulo para a sua
imaginação criadora. Todo o processo nada tem de mecânico e exige muito
da sensibilidade de cada um. Não existe um único modo de trabalhar no
torno, tampouco um padrão universal de qualidade. A “imperfeição” no
trabalho do aprendiz ou do próprio ceramista tem o seu próprio valor.
O aprendiz que leva para a casa peças feitas pelo oleiro para mostrá-
las a seus familiares e amigos, ou tentar vendê-las em alguma loja ou
bazar, precisa ser alertado sobre o fato de que está exibindo publicamente
os piores obstáculos ao seu desenvolvimento artístico pessoal. Os
professores de cerâmica que se habituaram a revender para seus alunos
horas ou minutos do trabalho dos oleiros estão lhes oferecendo o máximo
da frivolidade em termos de consumo, porém uma experiência miserável
da arte da cerâmica.
Gilberto R. Paim
Agosto de 2002
Gilberto R. Paim tem 45 anos e é carioca. Vive e trabalha em Nova Friburgo, RJ, onde
divide ateliê de cerâmica com Elizabeth Fonseca. Participou de várias exposições coletivas como “A
Nova Presença da Cerâmica”, no Paço Imperial, “Cerâmica: Tradição Redefinida” e “5XCerâmica” na
Galeria do Centro Cultural Cândido Mendes, e “Mestres da Cerâmica”, no Espaço Cultural dos
Correios, no Rio de Janeiro; “Cerâmica Contemporânea” no Paço das Artes, “Artesãos do Brasil” na
Fundação Armando Álvares Penteado e “Cerâmica Brasileira, Construção de uma Linguagem” no
Centro Cultural Brasileiro-Britânico, em São Paulo; e na Galeria de Arte Aplicada Wilson and Gough,
em Londres. Realizou exposição individual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
acompanhada do livro-catálogo “A Cerâmica e o Horla”. Paim é também autor de “A Beleza sob
Suspeita, o ornamento em Ruskin, Lloyd Wright, Loos, Le Corbusier e outros”, ensaio crítico no qual
procurou situar as preocupações do movimento moderno de cerâmica no contexto mais amplo do
debate sobre o ornamento. O livro foi publicado por Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.
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