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A ciência dos economistas: entre dissensos científicos e clivagens morais

Rodrigo Cantu

Rio de Janeiro
2009
INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO

RODRIGO CANTU DE SOUZA

A ciência dos economistas: entre dissensos científicos e clivagens morais

Dissertação apresentada ao Instituto


Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Sociologia

Rio de Janeiro
2009
AGRADECIMENTOS

São várias as pessoas a quem devo o apoio, a amizade e tutoria intelectual ao longo
desse período de formação que, embora não tão longo, não deixou de ser muito rico em
todos os sentidos. Em primeiro lugar, agradeço João e Lourdes, cujo apoio incondicional a
meus planos irregulares tornou possível esse mestrado. Além deles, o núcleo familiar
expandido sempre foi uma fonte de segurança e churrascos e, por isso, agradeço ainda aos
outros membros do clã. Aos bons e velhos camaradas de cwb (vocês sabem quem vocês
são!), especialmente Fieker, Forcato e minha co-autora mais freqüente, Gubi, e aos novos
camaradas no Rio (vocês também sabem quem vocês são!), meus sinceros agradecimentos
por terem feito desses últimos anos algo bastante prazeroso. Sou ainda grato pelo amparo,
pelo carinho e pela motivação de Lucía Elena, minha Partnerin. Agradeço aos funcionários
e professores do Iuperj por terem guiado competentemente o arremate de minha conversão
à Sociologia. Essa conversão também deve agradecimentos especiais a meu orientador e
aos professores que aceitaram meu convite para compor a banca de avaliação: Carlos
Antonio, Frédéric Vandenberghe e Roberto Grün. Finalmente, também sou grato à Faperj,
cujo apoio financeiro possibilitou essa dissertação.
RESUMO

Essa dissertação estuda sociologicamente a produção de Ciência Econômica no Brasil na


primeira década do século XXI. A pesquisa fez uso, em um primeiro momento, das
ferramentas teóricas de Pierre Bourdieu. Utilizamos a Análise de Correspondências
Múltiplas para interrogar dados levantados para uma amostra de pouco mais de 150
cientistas econômicos e examinar como eles se diferenciam segundo suas propriedades
sociais e científicas. Os resultados apontam duas clivagens principais no interior do mundo
desses cientistas. A primeira representa uma divisão entre duas formas diferentes de fazer
Ciência Econômica. A segunda diferencia esses economistas segundo diferentes graus de
consagração. Em seguida, aprofundamos esses resultados por meio do exame das
produções dos cientistas econômicos. Além de revelar a que temáticas e a que conteúdos
correspondem diferentes posições no espaço construído anteriormente, sugerimos uma
explicação dos dissensos científicos baseada nas diferentes convenções para validação de
teorias. Na última etapa da investigação, fundamentamos a argumentação nas teorias de
Luc Boltanski e de Laurent Thévenot, assim como nas teorias de Bruno Latour e Michel
Callon. O que procuramos mostrar, juntando essas duas correntes teóricas à configuração
da esfera de produção de conhecimento econômico no Brasil, foi que uma parte da relação
entre Estado e economia, pode ser compreendida no quadro da performatividade de
princípios superiores comuns pelo intermédio da teoria econômica. O intuito geral foi
seguir adiante alguns estudos já feitos sobre esse mesmo objeto e, ainda, explorar outras
possibilidades de investigação com base nesse ecleticismo teórico.

Palavras-chave: economistas brasileiros; Ciência econômica; campo dos economistas;


disputas científicas; performatividade da Economia; princípios superiores comuns.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................1

1 O CAMPO DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ECONÔMICO


NO BRASIL................................................................................................................11
1.1 A TEORIA DOS CAMPOS..................................................................................11
1.2 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DE PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL......................................................15
1.3 SOBRE OS DADOS.............................................................................................20
1.4 SOBRE O MÉTODO............................................................................................21
1.5 A ESTRUTURA DO CAMPO: CONSAGRAÇÃO E DIFERENTES
CIÊNCIAS ECONÔMICAS........................................................................................23
1.5.1 Os cursos de doutorado......................................................................................30
1.5.2 Os periódicos......................................................................................................31
1.5.3 Técnicas matemáticas.........................................................................................34
1.5.4 Áreas temáticas..................................................................................................38
1.5.5 Formação, Gerações, Gênero.............................................................................41
1.6 INSTÂNCIAS DE DISPUTA...............................................................................46

2 A CIÊNCIA ECONÔMICA: SEUS PRODUTORES E SUAS


DIFERENTES FORMAS.........................................................................................50
2.1 POLÍTICA ECONÔMICA E SUA CRÍTICA: A HETERODOXIA
CONSAGRADA.........................................................................................................50
2.2 UMA OUTRA HETERODOXIA: HISTÓRIAS E METODOLOGIAS.............58
2.3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA ORTODOXIA CONSAGRADA
E A AUTONOMIA DO CAMPO...............................................................................62
2.4 A ORTODOXIA NÃO CONSAGRADA: À DISTÂNCIA DOS
GRANDES CENTROS..............................................................................................69
2.5 O CAMPO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
ECONÔMICO NO BRASIL E A RAZÃO DA REPRODUÇÃO
DE SUAS LUTAS INTERNAS................................................................................72
3 O CONHECIMENTO ECONÔMICO, PRINCÍPIOS
SUPERIORES COMUNS E PERFORMATIVIDADE.......................................78
3.1 SOCIOLOGIA DA CRÍTICA E ANTROPOLOGIA
DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA.......................................................................80
3.2 ORTODOXIA, HETERODOXIA E DIFERENTES
MUNDOS COMUNS...............................................................................................87
3.2.1 Ciência Econômica Ortodoxa entre a Eficiência e o Mercado.......................88
3.2.2 Ciência Econômica Heterodoxa: a eficiência acima do mercado...................94
3.2.3 Por que a Ciência Econômica é desejada? Por que ela é criticada?................97
3.3 AS CIÊNCIAS ECONÔMICAS E A PERFORMATIVIDADE........................98
3.4 RELAÇÕES DE LEGITIMIDADE, RELAÇÕES DE FORÇA
E CRÍTICA ECONÔMICA.....................................................................................107

CONCLUSÃO.........................................................................................................111

REFERÊNCIAS......................................................................................................116

ANEXOS..................................................................................................................126
INTRODUÇÃO

No mundo todo, economistas começaram a ganhar visibilidade na cena pública a


partir dos anos 30. A recuperação da crise de 1929 foi alcançada com a ajuda da teoria e da
prática de alguns deles. Quase oitenta anos depois, eclode outra crise, julgada pelos
especialistas como a mais grave desde então. Novamente os economistas são chamados
para, no interior de órgãos do governo, agir contra seus desdobramentos e, na mídia, para
esclarecer o que aconteceu. Tradutores dessa máquina complexa que é a economia, os
economistas não deixam de ser um grupo poderoso, pois em suas mãos está a especialidade
sobre uma das principais esferas do mundo contemporânea. Por isso, sua competência não
é exigida apenas em momentos de crises, mas constantemente ao longo do século XX. Em
países anglo-saxões, os economistas são proeminentes conselheiros do executivo e do
legislativo. Na América Latina, eram eles que concebiam os planos de desenvolvimento
por substituição de importações e com forte coordenação estatal. O caso brasileiro pode
ser visto nesse quadro.
Como protagonistas dentro do aparato do Estado durante o processo de
desenvolvimento da indústria no país, os economistas se tornaram uma parte das classes
dirigentes. Mas uma característica interessante desse grupo é o modo pelo qual ele ascende
a essas classes: a posse de uma competência técnica específica (Loureiro, 1997a). Um
pouco adiante, quando o problema econômico não era mais a industrialização, mas uma
das conseqüências dela, ou seja, a alta inflação, os economistas foram personagens
constantes na vida pública, pois eram sempre eles que estavam a frente da formulação de
vários planos de estabilização. Além da formulação desses planos, os economistas
assumiam também o papel de difusores da pedagogia econômica necessária para a
convivência cotidiana com a alta constante de preços. Não é exagero dizer que eles foram
os principais intelectuais públicos dessa época (Neiburg, 2004).
Devido a sua proximidade com o poder, a competência do economista não escapa a
polêmicas. Num mundo político fundado na normatividade democrática, na qual a vontade
da maioria deve prevalecer, como não surgir o estranhamento frente a decisões tomadas
por um grupo restrito de especialistas? O conhecimento econômico pode, assim, ser visto
como um último recurso para despolitizar o político (Lebaron, 2001a). No Brasil, decisões
importantes sobre a economia têm gradualmente se fechado no interior de órgãos

1
burocráticos cujos postos são ocupados por especialistas (Govêa, 1994; Loureiro e
Abrucio, 1999). Embora esse fechamento possua graus variáveis em diferentes órgãos
(Cantu, 2009), vários dos altos cargos da burocracia econômica são ocupados por
indivíduos que possuem o conhecimento econômico e esse elemento, sem dúvida, sanciona
sua posição.
O conhecimento econômico é um importante recurso no campo governamental.
Mas esse não é o único espaço no qual é possível detectar sua presença. O mundo
empresarial brasileiro também conta com diversos economistas. Dentre os membros do
Conselho Federal de Economia (Cofecon), 40,9% dos respondentes de uma pesquisa
realizada em 1996 afirmaram que atuam em empresas privadas. Atividades como
planejamento e gestão financeira e empresarial são ramos nos quais são bastante presentes
os indivíduos que passaram por escolas de Economia e, assim, adquiriram esse recurso
técnico. A disseminação de empresas de consultoria também produziu mais um espaço
privado onde o conhecimento econômico é valorizado.
Outra instância na qual a competência econômica se faz presente é no jornalismo
econômico. Praticamente toda a imprensa escrita reserva uma seção dedicada à economia.
E isso é reproduzido também na imprensa audiovisual, nas quais as notícias sobre a
economia não deixam de ocupar um lugar de destaque. Se alimentando de conhecimento
econômico a sua maneira, o jornalismo econômico é uma área variada, possuindo
clivagens quanto aos conteúdos e ao público alvo: de um lado, uma mídia direcionada aos
interesses econômicos (informações financeiras e sobre setores específicos da economia);
de outro, uma menos especializada e direcionada a um público mais afastado desses
interesses (Kucinski, 1997; Duval, 2000). Divisões a parte, trata-se de um lugar de intenso
uso do mesmo recurso que leva economistas ao governo e às empresas: o conhecimento
econômico.
Todos esses fatores apontam para o seguinte fato: há uma competência específica,
representada na posse de conhecimento econômico, cuja importância é indiscutível para o
funcionamento das economias modernas. Sua presença no campo estatal, no campo
econômico e no campo midiático mostram a relevância indiscutível de tal competência.
Encerrado principalmente no interior do círculo de iniciados, a Ciência Econômica
parece algo difícil de ser entendido. Quase como um objeto sagrado que merece reverência
por se apresentar como algo místico e distante do senso comum, a Economia não pode

2
deixar de atrair a atenção da investigação sociológica. A presença quase ubíqua da Ciência
Econômica coloca à Sociologia a tarefa de responder o que é essa competência técnica dos
economistas. Dada sua importância na vida pública, sua inserção em meios
governamentais em cargos de decisão não eletivos, o que é esse recurso técnico que leva os
economistas a essas posições de proeminência? Como e onde é produzido esse recurso de
distribuição bastante desigual? Como estudar esse universo de conhecimento relativamente
impenetrável ao não especialista? Para responder essas perguntas, passamos brevemente
pelos principais esforços feitos no sentido de entender o conhecimento econômico e seus
sujeitos.
No interior da própria disciplina econômica, há uma corrente que, embora marginal,
aborda algumas das perguntas formuladas acima. Trata-se de uma série de economistas
cuja especialidade é a História do Pensamento Econômico e a Metodologia da Ciência
Econômica. Predominantemente anglo-saxã em seu início, essa corrente tem
testemunhado, na última década, uma crescente participação de economistas de diversas
partes do mundo, inclusive latino-americanos. É um grupo que, mesmo na ausência de uma
unidade metodológica, passou a se organizar principalmente em torno da History of
Economics Society e de publicações como a History of Political Economy. Ao trabalhar
com a história da Ciência Econômica e com sua metodologia, esses autores proporcionam
uma visão diferente daquela dos economistas convencionais, pois o desenvolvimento da
disciplina não é visto como dado e é, assim, problematizado histórica e
epistemologicamente. Vários trabalhos dessa corrente serão mencionados ao longo da
presente dissertação.
Alguns dos escritos desse grupo que valem menção são os seguintes. Weintraub
(1985) expõe os desenvolvimentos da teoria do equilíbrio geral ao longo do século XX e
aponta como essa teoria pode ser tratada como um núcleo da Ciência Econômica
neoclássica. Em Mirowski (1989), se encontra uma narrativa sobre como a Ciência
Econômica neoclássica deriva de metáforas da Física da metade do século XIX. Essa
observação é importante, pois a própria Física abandou o paradigma utilizado nessa época,
no fim desse mesmo século. Mirowski argumenta, então, como a história dos
desenvolvimentos da Economia ao longo do século XX foram marcadas pela tentativa de
solução dos problemas deixados pelas apropriações da Física. Embora extremamente
elucidativas quanto a aspectos centrais da Ciência Econômica, esses estudos possuem uma

3
limitação: eles se enquadram em uma perspectiva apenas internalista do conhecimento
portado pelos economistas. Seu objeto é sempre o exame da disciplina, desligada de fatores
exteriores. Não obstante, algumas iniciativas procuram evitar esse internalismo puro.
Backhouse (1994) e Hands (1994), por exemplo, mostram algumas possibilidades advindas
de uma sociologia do conhecimento científico em Economia. A. W. Coats (1993), por sua
vez, se concentra nos aspectos da consolidação da profissão dos economistas em países
anglo-saxões. A despeito da qualidade de suas contribuições, os primeiros se mantêm em
um nível sugestivo da abordagem sociológica e o segundo não consegue oferecer uma
abordagem sistemática da interação entre a Ciência Econômica e seus sujeitos.
Uma alternativa para complementar a abordagem dos historiadores e dos
metodólogos da Economia pode ser buscada na Sociologia Econômica. Divergindo da
Ciência Econômica em questões como a visão sobre o agente, sobre a ação econômica,
sobre os constrangimentos sobre essa ação, etc., a abordagem sociológica dos fenômenos
econômicos passou por uma renovação na década de 1980 (Smelser e Swedberg, 1994). A
variedade de abordagens resultante dessa renovação proporciona uma riqueza de
instrumentos bastante úteis para se estudar o conhecimento econômico. Swedberg (2004)
faz um apanhado dos desenvolvimentos recentes, onde é possível identificar diferenças
entre correntes nos Estados Unidos e na França. A Sociologia Econômica nos Estados
Unidos é bastante variada, como atesta o conteúdo do volume organizado por Smelser e
Swedberg mencionado acima. Uma importante contribuição produzida nesse país se
encontra nos estudos dos efeitos na economia de laços não econômicos entre pessoas e
entre instituições, como, por exemplo, em White (1981), em Granovetter (1985) e em Uzzi
(1996). Apesar dessa grande variedade, Swedberg (2004, p.12) reconhece que, na França,
as abordagens sociológicas da economia operam com uma ruptura maior com relação à
Ciência Econômica.
Há pelo menos três correntes que estudam sociologicamente objetos econômicos na
França. Essas correntes correspondem às três principais construções teóricas que co-
existem nesse país (Vandenberghe, 2006a). A primeira é a corrente bourdieusiana. No
início de sua carreira, Bourdieu (1977a, 2000a) procurou elaborar uma economia geral das
práticas, associada ao conceito de habitus, como uma alternativa ao economicismo
(Lebaron, 2003). O retorno desse autor, já no fim da vida, ao tema da economia (Bourdieu,
2000b), oferece uma visão um pouco distinta, ao utilizar seu conceito de campo aplicado à

4
economia. Nesse trabalho há uma ênfase no efeito de estrutura, do efeito da posição dos
agentes econômicos em um espaço de posições supra-situacional definido pela composição
de seus capitais, que não pode ser deduzido da mera interação no mercado. A segunda
corrente é aquela chamada de convencionalista. Sua hipótese é que qualquer acordo entre
indivíduos, mesmo contratualmente em uma interação no mercado, não é possível sem um
enquadramento comum, sem uma convenção constitutiva (Eymard-Duvernay et al., 1989;
Biggart e Beamish, 2003). Ligada à Sociologia de Luc Boltanski e Laurent Thévenot
(1991), essa corrente busca examinar como é possível a coordenação da ação de modo que
ela obedeça a um critério de justiça válido trans-situacionalmente. Essa questão é
respondida com o modelo de seis cidades, elaborado por esses dois últimos autores. A
terceira corrente francesa deriva da antropologia da ciência e da tecnologia e consiste na
teoria do ator em rede de Bruno Latour (2000) e Michel Callon (1986). Esse segundo autor
é responsável pela aplicação dessa teoria à relação entre Ciência Econômica e economia
(Callon, 1998a, 2007), mostrando o caráter performativo dessa ciência.
Essas três Sociologias fornecem instrumentos bastante convenientes para o estudo
dos economistas e do conhecimento econômico. Em Bourdieu, é possível buscar uma
teoria da incorporação da Ciência Econômica. É possível, primeiro, entender como, depois
de uma socialização relativamente longa, uma pessoa se torna um economista, ao
interiorizar a forma de utilização dos instrumentos e o modo de problematização do mundo
segundo a Ciência Econômica. Em segundo, pode-se investigar o grupo dos economistas
como um espaço diferencial, ou seja, como um campo no qual se distribuem diferentes
posições com base nas diferentes propriedades dos indivíduos desse grupo. Um estudo que
nos serve como exemplo da aplicação desse procedimento é encontrado em Lebaron (1997,
2000, 2001). Em Boltanski e Thévenot, junto a trabalho de outros autores semelhantes
como Francis Chateauraynaud (1991), é possível encontrar uma teoria do conflito que
permita um exame mais minucioso das disputas entre as diferentes correntes de
economistas. Além disso, o modelo das diferentes cidades é uma ferramenta interessante
para pensar mais a fundo a relação entre diferentes tipos de conhecimento econômico e a
relação dessas variedades com o mundo econômico. Nesse ponto, a introdução de Latour e
Callon possibilita a investigação de como pelo menos parte do sucesso da Ciência
Econômica se deve sua performação1. Ver a Economia como ciência performativa é uma
1 Ao longo do texto, utilizamos essa forma alternativa de substantivação do verbo performar para delimitar

5
maneira vantajosa de explorar a relação das idéias econômicas com o mundo.
Além de levantar as ferramentas teóricas necessárias, é preciso recorrer aos
trabalhos que já abriram caminho no estudo dos economistas no Brasil. Deve-se muito a
Loureiro (1992, 1997a, 2006) que demonstra a ascensão dos economistas como uma
categoria de grande poder na gestão econômica do Estado. Quanto à história das idéias
econômicas no país, surgidas principalmente em torno da discussão sobre o planejamento
econômico e o desenvolvimentismo, temos hoje referências bastante completas como a
investigação de Bielschowksy (1996), de Mantega (1984), o volume organizado por
Loureiro (1997b) e as entrevistas com os protagonistas deste período de consolidação do
campo dos economistas em Binderman et al. (1997) e Mantega e Rego (1999). Um fato
importante para a comunidade dos economistas, ocorrido nos últimos trinta anos, foi
atenciosamente documentado por Lima e Loureiro (1994) e Loureiro (2004), que
esclarecem o processo de internacionalização da Ciência Econômica no Brasil. Além
desses estudos, Neiburg (2004, 2007) explora a relação entre as concepções eruditas da
economia, ou seja, as visões dos economistas, e as concepções ordinárias dos não
especialistas sobre a inflação no começo dos anos 90, esboçando a hipótese que a ação dos
economistas foi parte do problema que eles procuravam resolver: a inflação.
De especial interesse são os estudos, mencionados no parágrafo anterior, de Maria
Rita Loureiro. Além de narrar, com todos os pormenores, a ascensão dos economistas
como uma nova classe dirigente no Brasil, essa autora utiliza o conceito de campo para
explorar a organização da comunidade dos cientistas econômicos no país. Sua investigação
(Loureiro, 1997a, cap.2) se concentra na estrutura do campo dos cientistas econômicos no
início da década de 1990 e suas conclusões apontam para duas divisões principais nesse
espaço. A primeira diz respeito a uma reconfiguração da antiga oposição entre monetaristas
e estruturalistas em uma divisão entre uma ortodoxia e uma heterodoxia que se opõem em
torno de novos contenciosos. A segunda se refere a uma oposição geográfica entre as duas
maiores cidades do país quanto a suas Ciências Econômicas: de um lado, o Rio de Janeiro;
de outro lado, São Paulo. Ao utilizar Bourdieu em seus estudos, Loureiro coloca ênfase no
trabalho de valorização da Ciência Econômica como um recurso reconhecido no interior do
governo. É um trabalho que, seguindo Bourdieu, mistura força e legitimidade
um sentido mais estrito com relação à substantivação convencional, performance. Essa última se refere
comumente também à qualidade da atuação, do desempenho, enquanto o termo utilizado por Callon se
refere antes à realização de uma ciência no mundo.

6
(Chateauraynaud, 2004, p.8). É uma relação de força entre os atores no campo
governamental para fazer reconhecer os recursos que eles possuem. Esse trabalho só é bem
sucedido se o reconhecimento for acompanhado do desconhecimento de seu arbitrário. Em
outras palavras, se a valorização de um recurso imposto se recobre com uma camada de
legitimidade, o que dissimula e reforça a própria força da assimetria na relação (Bourdieu,
1977b).
Nesse ponto já é possível delimitar mais claramente o objeto e a proposta dessa
dissertação. O objeto aqui será o conjunto de economistas no interior do espaço de
produção de Ciência Econômica no Brasil na primeira década do século XXI. A
competência reconhecida no mundo governamental, empresarial e jornalístico, entre
outros, é gerada dentro desse espaço. Para esclarecer o que é essa competência, cabe à
Sociologia olhar para a esfera onde ela é produzida. Trata-se uma competência adquirida
por aqueles que têm algum tipo de passagem pelo campo de produção de conhecimento
econômico. Desse modo, em primeiro lugar, o objetivo é utilizar o conceito de campo de
Pierre Bourdieu para investigar a organização do mundo dos cientistas econômicos no país.
Essa ferramente teórica apresentou um forte rendimento heurístico nos estudos de Maria
Rita Loureiro. Ao atualizar o que essa autora realizou para o início da década de 1990,
refinamos a investigação, utilizando os mesmos procedimentos que Lebaron (1997, 2000,
2001), nomeadamente a Análise de Correspondências Múltiplas 2. Fruto de uma exigência
do próprio objeto, pois o número de pesquisadores em Economia é certamente maior hoje
do que há vinte anos atrás, isso nos permitiu tratar uma grande quantidade de indivíduos na
pesquisa. Apesar das opções teóricas francófilas adotadas, não deixaremos de nos apoiar
em toda a literatura mencionada acima. Cabe ainda mencionar mais um aspecto quanto ao
recorte do objeto. Como afirma Steiner (2001), o conhecimento econômico assume várias
formas, das mais práticas e mundanas às mais sofisticadas e eruditas. Quando utilizamos a
denominação “campo de produção de conhecimento econômico”, estaremos nos referindo
à produção dessa segunda forma, da forma produzidas pelos economistas que também
acumulam a denominação de cientistas.
A menção acima a Sociologias construídas contra Bourdieu não foi fortuita. Como

2 Embora utilizando a mesma técnica de pesquisa, a presente dissertação difere ligeiramente dos trabalho
de Lebaron. Aqui só investigamos o campo científico da Economia, enquanto Lebaron tomou como
objeto o campo de todas atividades onde há a presença de economistas e onde o que está em jogo é a
própria definição da profissão.

7
nos estudos de Maria Rita Loureiro, identificamos divisões e oposições entre grupos de
economistas. Dessa divisão, resulta uma disputa entre diferentes formas de fazer Ciência
Econômica. Se continuamos com Bourdieu, essas disputas se desenvolvem como tentativas
de impor uma forma específica de fazer Ciência Econômica a todos os indivíduos
relevantes. E essa imposição de uma forma arbitrária precisa se passar como legítima. O
passo seguinte dessa dissertação foi a utilização especialmente de Boltanski, Thévenot e
Chateauraynaud para decompor a unidade da força/legitimidade nas oposições dentro do
campo. Adotamos a hipótese que uma relação de legitimidade nasce de um acordo
realizado de modo franco, sem dissimulação entre as partes, com base em alguma
convenção comumente aceita que possa regrar a disputa. A disputa se perpetua quando há
um desacordo quanto à convenção que poderia regrá-la. Nesse caso, desacordos podem
desencadear uma relação de força, na qual recursos são aplicados em uma luta aberta para
se impor seus critérios. A partir das oposições identificadas na etapa anterior da pesquisa,
examinamos as produções científicas dos diferentes grupos. O propósito foi investigar
como as oposições entre diferentes correntes de economistas no Brasil se reproduzem pois
não há um consenso quanto ao modo de solucionar controvérsias. Assim, um segundo
objetivo foi identificar quais são os diferentes critérios empregados, que impossibilitam um
consenso pleno no interior do espaço de produção de conhecimento econômico. Nessa
parte, o intuito foi introduzir aspectos teóricos ainda não utilizados para investigar os
economistas brasileiros, avançando um pouco a linha de estudos inaugurada por Loureiro.
Ao fazer isso, acreditamos que a Sociologia pragmática do conflito conseguiu destacar
novos aspectos desse objeto.
O propósito de se distanciar gradualmente da teoria bourdieusiana para revelar
novas faces do mundo dos economistas continuou numa última fase da pesquisa. Após
explorar como os cientistas econômicos se diferenciam e como funcionam as discordâncias
entre economistas, examinamos como essas diferentes formas de Ciência Econômica se
relacionam com o mundo econômico. À luz do modelo de cidades de Boltanski e
Thévenot, estudamos como as diferentes formas de fazer Ciência Econômica se
posicionam frente aos princípios normativos com pretensão universal apresentados por
esses dois autores. Foi possível destacar não só mais aspectos da lógica da disputa entre os
grupos de economistas, mas também da lógica da crítica leiga à Ciência Econômica.
Funcionando ainda como mundos comuns, nos quais os sujeitos e as coisas possuem um

8
ordenamento justo, as cidades de Boltanski e Thévenot são um instrumento interessante se
associado à perspectiva da performatividade da Ciência Econômica de Michel Callon.
Argumentamos, então, que as diferentes Ciências Econômicas procuram performar os
aspectos das cidades às quais elas se relacionam, transformando o mundo econômico
segundo seus princípios. É um modo alternativo para pensar a relação entre conhecimento
econômico, economia e política econômica. Admitimos, finalmente, que essa etapa da
pesquisa é menos conclusiva, quanto ao conteúdo empírico nela explorado, que sugestiva
de possibilidades para futuras investigações.
Não é possível, por fim, prescindir de um pequeno esboço do contexto que
tratamos. Os trabalhos de Loureiro (1992, 1997a) tratam dos economistas em um período
no qual o grande tema econômico era a alta inflação. A gravidade desse problema se
reduziu enormemente com o Plano Real, adotado em 1994. Se a média da inflação anual
entre 1986 e 1995 alcançava a magnitude de 1000%, essa mesma média para os dez anos
seguintes é de apenas 7,42%3. Apesar da estabilização do nível de preços, o desempenho da
economia não se modificou: tanto para os dez anos anteriores quanto para os dez
posteriores ao Plano Real, a média da taxa de crescimento do PIB permaneceu em torno de
2,4%. Esse resultado é abaixo do alcançado por países em posição semelhante como Índia,
Rússia, Chile e Africa do Sul no mesmo período. O começo da década dos 2000 também
foi marcado por uma troca de governo: de Fernando Henrique para Lula. Nesse quadro,
dado que o problema da inflação havia sido superado, a questão que se apresentou a muitos
dos economistas foi como voltar a promover o crescimento econômico. No governo
Fernando Henrique Cardoso, várias medidas foram tomadas no sentido de dar maior
abertura comercial ao país, de manter disciplina fiscal nos governos do nível sub-federal,
de promover a livre entrada de capitais no país. Na política monetária, uma das
reformulações mais marcantes foi a instituição do regime de metas de inflação. Essas
medidas demonstram a convicção desse governo quanto a eficiência de medidas pró-
mercado na promoção do crescimento. Essa reorganização de vários aspectos institucionais
foi um importante contencioso entre economistas que debatiam temas macroeconômicos
brasileiros.
Essa dissertação possui a seguinte organização. No primeiro capítulo, é feita uma
investigação da configuração do espaço de produção de conhecimento econômico. Essa
3 Os dados apresentados nesse parágrafo foram encontrados em www.ipeadata.gov.br e em www.imf.org.

9
investigação se inicia com um pequeno histórico do desenvolvimento desse espaço e segue
com o estudo da oposição de grupos de economistas segundo suas diferentes propriedades
sociais e científicas. O segundo capítulo traz um aprofundamento dos resultados dessa
etapa. Examinamos, apesar da impossibilidade de uma maior minúcia, os temas, os
argumentos e os procedimentos dos trabalhos dos diferentes grupos de cientistas
econômicos. No fim desse capítulo, iniciamos um distanciamento da referência teórica
bourdieusiana em direção a uma compreensão do dissenso entre os grupos. No terceiro
capítulo, debatemos a relação das diferentes formas de fazer Ciência Econômica com o
modelo de cidades de Boltanski e Thévenot. Apresentamos um aprofundamento da lógica
das discordâncias entre os cientistas, assim como apresentamos um pouco da lógica da
crítica não erudita à Ciência Econômica. Em seguida, sugerimos como o conteúdo
normativo embutido nas diferentes Ciências Econômicas se reflete em sua
performatividade. Finalmente concluímos com um balanço dos resultados. Ao longo da
presente dissertação, as diferentes referências teóricas são utilizadas de modo mais eclético
que sistemático, ou seja, não há uma intenção de formular uma síntese entre elas. O plano
foi dialogar com essas diferentes tradições em proveito do entendimento do objeto em
questão. Esperamos que, com isso, tenhamos revelado aspectos originais e contribuído para
o entendimento daquilo que os economistas fazem.

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1 O CAMPO DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

O objetivo do presente capítulo é explorar a estrutura segundo a qual se organiza o


mundo de produção de conhecimento econômico no Brasil. Examinamos o estado desse
universo, na década dos 2000, no qual se produz esse recurso que faz reconhecer a
competência de determinadas pessoas para atuar em assuntos econômicos nos mais
variados espaços. Como mostrará uma breve exposição sobre a história do surgimento e
consolidação da produção de conhecimento econômico e de sua relação com o governo, o
caso brasileiro é marcado por divisões entre diferentes correntes de pensamento
econômico. Essas divisões lograram se reproduzir até hoje? Ou esse recurso que autoriza a
atuação econômica em certos âmbitos é produzido de maneira homogênea em um espaço
homogêneo? O conhecimento econômico, assim como se espera de uma ciência, é algo
cujo avanço obedece a critérios consensuais? Essas perguntas, além de outros aspectos
relevantes para a compreensão do mundo dos cientistas econômicos no Brasil, são
exploradas nesse capítulo.
Em primeiro lugar, são expostos os fundamentos teóricos que guiaram o estudo da
produção de conhecimento econômico. Segundo, narramos parcimoniosamente um pouco
da história do surgimento do campo em questão. Terceiro, é apresentada a maneira pela
qual foi selecionada uma amostra de indivíduos para a análise. Quarto, o método utilizado
para o estudo da amostra de indivíduos é esclarecido. Em seguida, são apresentados os
resultados da análise. Finalmente, concluímos com breves consideração sobre as arenas de
disputas entre economistas.

1.1 A TEORIA DOS CAMPOS

O título do capítulo já traz uma sugestão da perspectiva aqui utilizada para a análise
do objeto em questão. O conhecido conceito de campo é uma formulação de Pierre
Bourdieu, utilizada extensivamente por ele no estudo dos campos religioso, universitário,
literário, jornalistico, jurídico, político, das empresas, etc. Uma das maneiras de explicar
esse conceito é observá-lo em sua ambição de ultrapassar perspectivas internalistas e
externalistas sobre produções culturais. De um lado, abordagens internalistas, seja em
literatura ou em história da ciência, costumam privilegiar o estudo do desenvolvimento das

11
produções, da produções literárias ou científicas, sem se importar com o mundo existente
fora delas. Abordagens externalistas fazem justamente o contrário ao enfatizar os fatores
históricos e sociais mais gerais de uma certa época que determinaram as produção em
questão. Bourdieu constrói o conceito de campo para, ao trabalhar no interstício entre essas
duas abordagens, dar conta de objetos como a literatura e a ciência com base na autonomia
relativa dos âmbitos nos quais elas são produzidas. Desse modo, as produções culturais não
são mais vistas apenas segundo as características intrínsecas das obras ou apenas segundo a
estrutura do mundo social, mas segundo a estrutura social de um mundo específico no qual
as obras são criadas. Esse mundo relativamente autônomo não obedece somente às mesmas
regras do mundo social global, ele possui regras próprias que precisam ser investigadas e,
ainda, é a partir de seu funcionamento e de suas regras internas que se pode compreender o
desenvolvimento interno das produções. Mencionando o exemplo do campo literário, sua
autonomia é evidenciada pela maneira que os autores se consagram. Não é através da
acumulação de recursos econômicos, um dos principais recursos que confere poder no
mundo social global. É através do reconhecimento artístico, da acumulação de um recurso
simbólico (Bourdieu, 1992). E a lógica do desenvolvimento das obras pode, em parte 4, ser
explicada pela disputa por esse recurso simbólico, que é escasso, entre autores em
concorrência.
Esse mundo relativamente autônomo é entendido enquanto um espaço dentro do
qual se distribuem posições. O conjunto dessas posições configura uma estrutura de
relações objetivas supra-situacionais, captada pelo investigador em um modelo, capaz de
explicar a lógica de fenômenos em situação. A estrutura de posições é determinada pela
distribuição de recursos relevantes dentro desse espaço. Evocando novamente o exemplo
do campo literário, é possível separar as posições dos autores consagrados, aqueles dotados
do recurso simbólico específico ao campo literário, das posições de autores não
consagrados (Figura 1.1). Entretanto, o recurso relevante para chegada a posições
chamadas dominantes não é algo dado. Donos de diferentes tipos de capitais, os autores

4 Outra parte do desenvolvimento das produções pode ser compreendida por meio da análise disposicional
dos autores, isto é, por meio do estudo de seus habitus. A formula apresentada em Bourdieu (1979, p.112)
esclarece o centro de sua teoria da prática: [(habitus) (capital)] + campo = prática. Aqui, mencionamos
apenas uma parte da teoria bourdieusiana, que corresponde à teoria dos campos, parte mais objetivista de
sua teoria. Estaremos abstraindo o conceito de habitus, o qual procura reintroduzir a subjetividade,
investigando como ela assume um determinado formato em certas condições materiais, simbólicas e
afetivas, produzindo as regularidades empíricas observáveis estatisticamente e formalizáveis (pela teoria
dos campo ou por uma economia geral das práticas) objetivamente (Bourdieu, 2000a).

12
disputam não só pela acumulação de recursos, mas também pela determinação do tipo de
recurso que é valorizado no interior do campo. Autores estabelecidos, donos de um
reconhecimento de produções que se tornam clássicas, são desafiados, por exemplo, por
autores de vanguarda. Esses últimos procuram subverter a ordem hierárquica do campo,
tentando diminuir o valor das produções clássicas e estabelecer seus próprios tipos de
produções como a medida do que deve ser valorizado. Os autores clássicos, por sua vez,
procuram impedir esses movimentos subversivos, reproduzindo a ordem existente no
campo na qual eles são dominantes (Figura 1.2). Essas oposições entre diferentes posições
(consagrados e não consagrados, vanguarda e clássicos), quando tomadas em conjunto,
compõem um espaço multidimensional de posições que permite deduzir a lógica de
diversas práticas dos agentes dentro desse modelo (Figura 1.3). Desse modo, é possível
compreender os acontecimento no interior de um campo com base na lógica de reprodução
e de subversão da ordem ou da estrutura desse universo: há práticas que podem ser
entendidas nas disputas entre novos entrantes e estabelecidos consagrados e há também
práticas que podem encontrar uma razão nos movimentos de disputa pela definição dos
recursos valorizados no campo.

Em meio à exposição do parágrafo anterior, se mostram três pressupostos


necessários para operacionalizar o conceito de campo para o objeto estudado. O primeiro
se refere à constituição do campo enquanto esfera autônoma de práticas. Isso significa que
é preciso identificar de que modo, até um certo grau, instâncias externas são proibidas de
legislar sobre as normas do campo. Adiante, discutiremos a história do caso da produção de
conhecimento econômico no Brasil e a constituição de uma autonomia relativa dessa

13
esfera. Adiantando um pouco do argumento sobre a autonomia relativa: por um lado, a
produção de conhecimento econômico nacional não é uma empreitada absolutamente
teórica, visando apenas questões internas à disciplina econômica; por outro lado, ela
tampouco existe somente em função de demandas do mundo empresarial e político. O
segundo pressuposto se refere ao modo como esse espaço relativamente autônomo se
configura. Há uma ordem nesse espaço, há uma estrutura hierárquica interna. Essa
estrutura é composta por diferentes posições ao longo de diferentes dimensões. Enquanto
um mundo multidimensional, as dimensões do campo medem a quantidade de diferentes
recursos distribuídos pelos indivíduos. Nesse capítulo, procuraremos expor essa estrutura
do campo de produção de conhecimento econômico no Brasil. O terceiro pressuposto
estipula a luta enquanto motor da dinâmica interna do campo. Os agente colocados no
campo se movem segundo um princípio agonístico, em uma disputa para conquistar a
autoridade em seu interior. Essa hipótese permite a compreensão das disputas dentro do
espaço dos economistas e esse capítulo traz alguns exemplos dessas lutas.
Por último, cabe esclarecer o que une uma série de indivíduos em um campo.
Embora a teoria bourdieusiana dos campos opere segundo um princípio agonístico da ação,
as disputas em campo necessitam de um consenso fundamental. Sem a crença no prêmio
do jogo, sem acreditar que vale a pena se engajar na competição, um agente não vê sentido
nas disputas internas ao campo e não vê razão para entrar nele. O termo bourdieusiano para
essa crença no jogo é “illusio”, essa imersão nos valores do campo que faz com que o
agente não discuta a preciosidade daquilo que está em jogo. Imbuídos dessa illusio, os
agente compartilham uma atitude dóxica frente ao mundo, no sentido em que possuem um
mundo em comum, dotado de pressupostos não discutíveis, dentro do qual é possível
existir o jogo de forças, as disputas de poder, os movimentos de reprodução e subversão do
campo. Para o caso estudado, isso significa que os indivíduos tomados para análise
precisam tem uma crença comum na existência e relevância de uma disciplina econômica,
de um conhecimento econômico. O cuidado para selecionar tal tipo de indivíduo é
mostrado na seção sobre a amostra selecionada para o estudo.

14
1.2 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
ECONÔMICO NO BRASIL

O surgimento de um corpo de produtores de conhecimento econômico, de modo


institucionalizado, em diferentes países é algo que data das primeiras décadas do século
XX. O fortalecimento desse conjunto de produtores e a profissionalização de suas
atividades se deu ao longo desse século. Porém, esse surgimento e esse processo de
consolidação não foram homogêneos ao redor do globo; cada caso possui suas
particularidades. Nos Estados Unidos, esse processo começa nas primeiras décadas do
século XX. No fim da década de 1930 e início da década seguinte, uma série de reformas
no ensino universitário tornou o treinamento em Ciências Econômicas mais distante de
uma formação generalista (Emmett, 1998). Paralelamente, a unificação metodológica e
padrões de reconhecimento autônomos desembocaram, no período após a Segunda Guerra
Mundial, naquilo que Morgan e Rutherford (1998) denominam a passagem do pluralismo
para a hegemonia da teoria neoclássica. Na Grã Bretanha, a emergência de um conjunto de
produtores de conhecimento econômico também aconteceu nas primeiras décadas do
século XX. Um evento marcante, assim como o foi nos Estados Unidos, é a Crise de 1929
e a ascensão da Economia keynesiana. Junto a essa nova maneira de pensar a economia em
seus agregados, a crescente produção de estatísticas oficiais promovia o ofício do
economista como algo valorizado em meios governamentais nesses dois países (Coats,
1993). Na França, esse processo aconteceu tardiamente, conforme apareceram as primeiras
associações e departamentos de Economia nos anos 50 e 60. A formação de quadros
dirigentes em escolas específicas, nas Grandes Écoles, não contribuiu para um nascimento
precoce de um corpo de economistas especializados (Lebaron, 2000). Um grupo de
especialistas em Economia na América Latina passa a ser algo identificável a partir da
década de 1930, quando vários de seus países se engajaram em um intenso projeto de
desenvolvimento coordenado pelo Estado (Montecinos, 1996). O caso brasileiro se
encaixa, em grande medida, nessa descrição. De fato, o amadurecimento do campo dos
economistas brasileiros acontece durante o “desenvolvimentismo”, como ficou conhecido
o período no qual as idéias sobre como operar o desenvolvimento do país predominaram
(Bielschowsky, 1996). O economista foi uma categoria que, no Brasil, ascendeu devido às
necessidades de um Estado em vias de se modernizar e em vias de modernizar a economia.

15
Embora compartilhando de um passado com o resto da América Latina, a
constituição do campo de produção de conhecimento econômico no Brasil possui suas
especificidades. Para compreender melhor o processo dessa constituição, é possível dividi-
lo em duas fases principais. A primeira vai dos anos 30 até a segunda metade dos anos 60.
Nesse período, os especialistas em economia eram criados principalmente no seio de
órgãos do Estado. A segunda fase se inicia com a fundação da pós-graduação em Ciências
Econômicas no país. Esse fato marcou uma série de mudanças e de deslocamentos no
interior do espaço dos produtores de Ciência Econômica.
A primeira fase é aquela das escolas práticas do saber econômico. Como, até os
anos 70, o ensino de Ciências Econômicas era bastante insípido e não reconhecido
socialmente, a vivência no interior de órgãos de gestão econômica se caracterizava como
um treinamento informal importante para seus quadros. Bastante inacessíveis a egressos de
faculdades menos prestigiadas (como era o caso das Ciências Econômicas), essas “escolas
práticas”, privadas ou governamentais, aperfeiçoavam a formação de indivíduos cuja
educação formal tinha sido em Direito ou em Engenharia ou, ainda, que ascenderam
através da carreira burocrática. Em uma primeira geração, puramente formada no Brasil e
sem bacharelado em Economia, temos, por exemplo, Eugênio Gudin (nascido em 1886).
Em uma segunda geração, pode-se mencionar Octávio Gouvêa de Bulhões (1906),
Roberto Campos (1917) e Celso Furtado (1920), os quais, embora possuíssem diplomação
em Direito ou Engenharia, complementaram seus estudos com cursos em Economia no
exterior.
Em seus primórdios, a circulação de idéias econômicas no Brasil aconteceu em um
período em que a academia brasileira em Economia ainda se mostrava num estágio
bastante fraca. Assim, as primeiras discussões nacionais aconteceram no âmbito dos órgãos
governamentais e, em certo grau, em partes do emergente setor privado dos anos 50 e 60.
Tratava-se de disputas sobre a política econômica, sobre o melhor caminho para o
desenvolvimento, em uma época na qual a indústria pesada começava a se instalar no
Brasil e o Estado assumia o papel central nesse processo de acumulação de capital. Era
uma disputa na qual somente podia fazer parte quem tinha os atributos de economista,
nomeadamente, ao menos, o mínimo conhecimento técnico da matéria. Em meio a essas
discussões, a principal oposição que se formou foi aquela entre um ponto de vista de
planejamento econômico neoliberal e outra desenvolvimentista; a primeira corrente

16
defendendo a idéia de um desenvolvimento a partir da estabilidade da economia (controle
de inflação e taxa de câmbio), onde o Estado teria um papel reduzido e, contrariamente, a
segunda acreditando na superação do subdesenvolvimento através da industrialização
levada a cabo com interferência e com planejamento estatal. Quanto à relação de força
entre estas duas perspectivas, o pensamento desenvolvimentista atingiu seu auge durante o
governo de Kubitschek e o próprio processo massivo de industrialização que então tomava
lugar deixava pouco espaço para discussões liberais. De todo modo, sob a perspectiva do
processo de constituição de um campo social relativamente autônomo, pode-se atestar,
durante essa época, uma marcante heteronomia do campo, pois o objeto de discussão era
coextensivo à política e à economia.
A relativa completude do projeto de desenvolvimento, nos primeiros anos da
década de 60, trouxe à tona a discussão de problemas como a inflação e as reformas de
base ainda necessárias, isto é, ao mesmo tempo em que a economia brasileira passa a uma
nova fase, na virada dos anos 60 para os 70, a produção de conhecimento econômico se
modifica. A discussão do desenvolvimentismo é deixada de lado em nome da discussão das
conseqüências desse desenvolvimento. Nesse ponto, passamos a tratar da segunda fase da
constituição de um campo de produção de conhecimento econômico. Nessa fase, grandes
transformações ocorrem em nosso objeto principalmente devido a dois fatores.
Primeiramente, são fundados os primeiros programas de pós-graduação em Economia.
Com isso, os anos 70 assistiram ao aumento crescente do volume de produtores de Ciência
Econômica. Além disso, associado a esse primeiro fator, é impossível ignorar os traços de
internacionalização que a produção científica em Economia adquiriu no Brasil durante este
processo de implantação dos centros de pós-graduação (Loureiro e Lima, 1994; Loureiro,
2004). Não só no Brasil, mas no mundo todo, se desenvolvia, sob a hegemonia dos Estados
Unidos, padrões de pesquisa e métodos homogêneos, assim como uma estrutura curricular
mais uniforme do ensino em Economia (Coats, 1996; Prado, 2001).
A fundação dos primeiros centros de pós-graduação se deu junto à intensa
cooperação com pesquisadores estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos (Ekerman,
1989; Loureiro e Lima, 1994) . De um lado, vários professores vieram de fora do país por
meio de convênios. As cooperações de mais destaque se deram entre a Universidade de
São Paulo (USP) e a Universidade de Vanderbilt, o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e a Universidade da Califórnia em Berkeley, a Universidade Federal do

17
Ceará (UFC) e a Universidade da Califórnia, mas muitos outros centros tiveram parcerias
desse tipo. Essa vinda de Professores era, em grande parte, financiada pela Agência Norte-
Americana para Desenvolvimento Internacional (Usaid) e pela Ford Foundation. De outro
lado, essas duas últimas instituições, junto ao incentivo de instituições brasileiras como
IPEA ou Universidades, também promoveram o envio de diversos pesquisadores
brasileiros para cursos de doutorado no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Em
pouco tempo, titulações em países estrangeiros se tornaram um importante capital para o
campo dos economistas no Brasil. Esse capital dá acesso a cargos em Universidades de
prestígio e altos cargos no governo. Isso pode ser atestado pela trajetória de diversos
economistas, especialmente a partir dos anos 80 (Loureiro, 1997a).
A conseqüência mais marcante da criação da pós-graduação em Economia e da
internacionalização da produção de conhecimento econômico foi o deslocamento gradual
dos ambientes de discussão: de comissões ou órgão governamentais de gestão econômica
para círculos acadêmicos. A autonomia que isso representou para o campo dos economistas
pode ser atestada pelo aumento da produção científica que não procurava simplesmente
atender às demandas econômicas e políticas, mas apenas ao desenvolvimento interno da
disciplina. Além disso, essa autonomia também é garantida pelo grande aumento no
número de consumidores de Ciência Econômica no Brasil, representados nos mestres e
doutores que vinham sendo formados. Esse processo se deu dos anos 80 aos 90, juntamente
com o surgimento de diversas esferas de consagração e legitimação internas da Ciência
Econômica no país como congressos, sociedades e associações de áreas especificas de
investigação, do estabelecimento de premiações e da multiplicação do número de revistas
especializadas. Apesar desse começo tardio, se comparado com os Estados Unidos, hoje
podemos ver um campo de produção de pesquisa econômica bastante desenvolvido no
país.
As evidências da existência relativamente autônoma desse campo são várias. Em
primeiro lugar, o número de cursos de pós-graduação é considerável e crescente. Se no
começo da década de 1990, contava-se 15 centros, em 2009, a Associação Nacional dos
Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec) conta com 20 centros, formando seu
conselho deliberativo, e mais 13 outros centros que também compartilham do processo de
seleção unificado para os cursos de mestrado em Economia. Portanto, a produção de
pesquisadores e de um público consumidor de pesquisa econômica tem se fortalecido,

18
formando um mercado de pesquisa econômica independente de outros públicos
(jornalistas, empresários, policy makers) que não o seu próprio. E os meios pelo qual essa
produção circula têm se consolidado cada vez mais. Enquanto os anos 50 contavam com
nem uma dezena de periódicos de destaque em Economia, o sítio da Anpec na Internet
mostra 21 periódicos na lista das publicações mais importantes no país, número que se
amplia consideravelmente se acrescidos de publicações menores e de proposta regional.
Em segundo lugar, pode-se observar o surgimento de instâncias de formação da
identidade de pesquisadores através da criação de associações de áreas específicas. Desde
os anos 50, o Conselho Federal de Economia (Cofecon) atua como uma associação de
economistas, sendo, contudo, uma ordem profissional. As últimas décadas têm
testemunhado a multiplicação de associações voltadas a áreas de pesquisa. A Sociedade de
Economia Política (SEP) e a Sociedade Brasileira de Econometria (SBE), por exemplo,
aparecerem da demanda por espaços específicos, dada a grande quantidade de produções,
como desmembramentos dos encontros da Associação Nacional dos Centros de Pós-
Graduação em Economia (Anpec). Além dessas duas, pode-se ainda citar a Associação
Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE, que congrega também
historiadores e outros cientistas sociais), a Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia
Rural (SOBER), a Sociedade Brasileira de Finanças (SBFIN) e, de fundação mais recente,
a Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
Em terceiro lugar, outro fator importante para a constituição de um campo
relativamente autônomo dos pesquisadores é o surgimento de instâncias de consagração,
representadas por um conjunto de premiações. As próprias associações temáticas oferecem
seus prêmios, como o Prêmio Edson Potsch Magalhães da Sober, concedido a teses. Há
também prêmios de instituições como o prêmio BNDES, concedido pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social a dissertações. A Anpec também tem o seu
Haralambos Simeonidis, prêmio concedido para as categorias artigos, livros e teses de
doutorado. Também em diversas categorias, o Cofecon oferece o Prêmio Brasil de
Economia. Enfim todos esses elementos citados colaboram para que se possa tomar um
campo relativamente autônomo dos pesquisadores em Economia no Brasil como algo
bastante palpável. Agora que já foi exposto um pouco da história da constituição de um
espaço de produção de conhecimento econômico no Brasil, ou seja, das condições para que
se possa observar o objeto de estudo como um campo, passamos à discussão de seu estado

19
na primeira década do século XXI.

1.3 SOBRE OS DADOS

Como a intenção é elaborar um quadro da estrutura do campo dos pesquisadores em


Economia nos primeiros anos do século XXI, a primeira questão foi a escolha de uma
amostra que representasse o funcionamento das atividades e das características desse
campo. Mirowski (1991) aponta três características marcantes na Ciência Econômica
depois da Segunda Guerra Mundial: a crescente matematização, a migração de cientistas
de outras áreas, principalmente engenheiros e matemáticos, e, por fim, o deslocamento do
meio de produção científica do livro para o artigo de periódico. Há algumas décadas que as
bibliografias obrigatórias em diversas áreas da Economia têm privilegiado cada vez mais
os artigos em detrimento dos livros. Portanto, recolhemos uma amostra de pesquisadores a
partir de publicações de artigos para basear a investigação empírica. O critério de seleção
dos periódicos a servirem como base foi encontrado em Azzoni (2000), ou seja, os
periódicos mais importantes segundo o número de citações recebidas durante os anos 90 5.
Esses periódicos são Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE), Revista Brasileira de
Economia (RBE), Revista de Economia Política (REP) e Estudos Econômicos (EE). O
período escolhido foi de 2004 a 2008. Para todos os artigos nesses periódicos, dentro do
período indicado, foram levantadas as seguintes informações: o autor, sua filiação e a
técnica matemática utilizada. Com a relação dos autores em mãos, foram levantados sobre
eles, ainda, os seguintes dados: a quantidade de artigos publicados nos respectivos
periódicos e sua totalidade; o local e a data de conclusão de graduação, mestrado e
doutorado; e demais observações relevantes como uma eventual participação no governo,
experiência no setor privado, eventuais prêmios recebidos, publicações em jornais e
especialidade. Após esse levantamento, foram excluídos os pesquisadores estrangeiros e
selecionados apenas os agentes em atividade no Brasil, que publicaram pelo menos 2
artigos nessas revistas. A amostra final é de 154 indivíduos.
A maior parte das informações sobre os autores foi coletada no currículo Lattes e,
eventualmente, em outras fontes disponíveis na Internet. Em casos não muito numerosos
(pesquisadores mais antigos e célebres, que não possuem currículo Lattes) utilizamos o
5 Um outro indicador é a alta qualificação que a CAPES atribui a essas revistas.

20
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós-1930, publicado pela FGV (2001). Quanto à
formulação das variáveis e atribuição certas modalidades, ainda são necessários alguns
esclarecimentos. Na variável “geração”, classificamos conjuntos de indivíduos que têm em
comum o período no qual terminaram seus estudos de graduação. Os dados da variável
“especialidade” foram levantados a partir das classificações temáticas do Journal of
Economic Literature que os pesquisadores declaram em suas publicações 6. Para a variável
“Publicação em Jornais” atribuímos as modalidades afirmativas de publicação àqueles que
já publicaram artigos em Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do
Brasil, Gazeta Mercantil, Valor Econômico e Exame.
Entre variáveis de propriedades sociais, trajetória e títulos acadêmicos, posição e
propriedades profissionais e, por último, notoriedade, compuseram a análise dezesseis
variáveis ativas, isto é, variáveis que contribuíram na formação dos eixos, somando
cinqüenta e oito modalidades. As variáveis e modalidades estão descritas com maior
detalhe no Apêndice. O sumário do modelo e as medidas de discriminação também podem
ser encontrados no Apêndice. A ACM foi realizada com o programa SPSS.
Há ainda algumas observações a serem feitas sobre a conseqüência da escolha dos
periódicos citados acima como base para a amostra. O conjunto de pesquisadores a serem
analisados pode parecer limitado e talvez enviesado, dado que consideramos apenas um
pequeno número de periódicos. Entretanto, acreditamos que a amostra selecionada foi
bastante representativa do funcionamento do campo e da diversidade dos economistas; pois
os temas abordados pelos artigos publicados são bastante variados, assim como as
titulações, as técnicas matemáticas utilizadas e idade dos pesquisadores. Além disso, o fato
de possuírem o maior número de citações coloca esses periódicos como meios altamente
ativos de divulgação de pesquisa. Por conseqüência, essa característica também lhes
confere prestígio; o que nos permite assumir que a intensidade de publicação nesses quatro
periódicos por um determinado autor é, por si mesma, uma espécie de indicador de
notoriedade dentro do campo.

1.4 SOBRE O MÉTODO

Para explorar as associações entre as variáveis estudadas, utilizamos a “Análise de


6 Para uma lista completa da classificação JEL, ver: http://www.aeaweb.org/journal/jel_class_system.html

21
Correspondências Múltiplas” (ACM). A ACM é uma abordagem formal-geométrica da
estatística multivariada, surgida nos anos sessenta na França em torno do matemático Jean-
Paul Benzécri. Ela se constitui a partir da generalização dos princípios da Análise de
Correspondências, que é um método aplicado no estudo de tabelas de contingência, a
tabelas indivíduos-variáveis. A partir dos anos setenta, estes métodos geométricos
conheceram um sucesso representativo na França em um grande número de disciplinas,
mas eles permanecem pouco reconhecidos no Brasil.
Na literatura estatística, a ACM vem sendo classificada entre os métodos de Análise
Geométrica de Dados, denominação cunhada por Patrick Suppes na segunda metade dos
anos noventa. A Análise Geométrica de Dados é composta principalmente por três técnicas:
a análise de correspondências, para tabelas cruzadas ou de contingência; para variáveis
numéricas, a análise de componentes principais; para as variáveis categorizadas, a análise
de correspondências múltiplas. Os princípios desse tipo de análise são 1) a modelagem
geométrica, onde os dados são representados como nuvens de pontos em espaços
euclidianos, em oposição à pesquisa de sumários quantitativos; 2) a abordagem formal
baseada na álgebra linear abstrata, ao invés do cálculo matricial; e 3) o procedimento
indutivo, no qual a descrição vem primeiro (ao contrário dos modelos estocásticos, que são
estabelecidos no começo) e a indução estatística é concebida como um prolongamento das
conclusões descritivas (Rouanet, 2005).
O método geométrico que é a ACM permite construir um espaço social, isto é,
definir uma distância entre indivíduos estatísticos a partir de variáveis retidas para esse
objetivo (denominadas variáveis ativas). Essa técnica de Análise Geométrica de Dados
utiliza tabelas que cruzam indivíduos e variáveis, nas quais as variáveis são categorizadas,
isto é, tem um número finito de categorias. Para cada variável, pode-se pensar em uma
representação espacial e, para um conjunto de n variáveis, pode-se estabelecer uma
representação de uma “nuvem” de pontos em n + 1 dimensões. O objetivo da ACM é
proporcionar uma visão tangível de realidades multidimensionais por meio da redução das
dimensões. Isso é feito através da representação das modalidades e indivíduos em eixos
onde as variâncias dos dados são maximizadas, chamados eixos de inércia ou eixos
fatoriais. Em outras palavras, uma vez que o espaço é definido pela escolha das variáveis
ativas, a análise geométrica dos dados consiste em reduzir o número de dimensões desse
espaço criando um novo sistema de eixos, esse novo sistema de eixos sendo aquele no qual

22
a variância da nuvem projetada sobre a primeira dimensão seja máxima (ou seja, na qual,
sobre esse eixo, a variância da nuvem seja a mais elevada possível) e assim por diante para
cada dimensão seguinte (Benzécri, 1992; Escofier e Pagès, 1992; Lebaron, 2006).
Os resultados básicos da ACM incluem os seguintes elementos: a representação
geométrica dos indivíduos e modalidades; o autovalor associado a cada eixo, que indica a
variância da nuvem de pontos no eixo; e, por fim, as contribuições de cada variável para a
formação de cada eixo. O procedimento de interpretação estatística começa com a
observação da variância dos eixos com o intuito de estabelecer quantos eixos serão
utilizados (pode-se utilizar como critério a diferença entre a variância de um eixo e do eixo
seguinte: quando a diferença entre os dois é insignificante, então a utilização de mais eixos
se torna inútil). Normalmente não são utilizados mais que três ou quatro eixos. Em
segundo lugar, estudam-se as contribuições relativas das variáveis para a formação dos
eixos através de seus índices de discriminação. Esses índices são porções da variância total
de um determinado eixo, sendo que a soma do índice de discriminação de todas as
variáveis em um eixo é igual ao autovalor do eixo. Assim, interpreta-se o eixo em um
sentido concreto, pois as variáveis que mais discriminam em um eixo são aquelas que
organizam as maiores oposições em uma determinada dimensão deste espaço social
analiticamente construído (Benzécri, 1992; Lebaron, 2006). Assim, quando falamos em
explorar a estrutura do campo dos pesquisadores em Economia, estaremos analisando o
significado dos eixos a partir das variáveis que mais tomam parte em sua formação, ou
seja, estaremos interpretando os eixos fatoriais como dimensões (onde existem oposições
entre determinadas categorias) segundo os quais o campo se organiza.

1.5 A ESTRUTURA DO CAMPO: CONSAGRAÇÃO E DIFERENTES CIÊNCIAS


ECONÔMICAS

Para determinar uma estrutura do campo dos pesquisadores em Economia no Brasil,


consideramos os dois primeiros eixos fatoriais da Análise de Correspondências Múltiplas.
O primeiro eixo possui um autovalor de 4,432, respondendo por 13% da variância dos
dados. O segundo eixo apresenta um autovalor de 2,953, dando conta de 8,7% da
variância.
Quanto ao primeiro eixo, sua interpretação será feita, em um primeiro momento,

23
observando-se as variáveis que possuem as maiores medidas de discriminação para essa
dimensão. Em primeiro lugar, temos a variável “Doutorado”, que representa a instituição
onde o indivíduo concluiu o doutorado, com uma medida de discriminação de 0,382. Em
seguida, aparecem uma série de variáveis sobre as práticas científicas dos indivíduos, como
a revista em que publica, representadas nas variáveis “RBE” e “REP”, com medidas de
discriminação respectivamente de 0,099 e 0,143. E, ainda, variáveis sobre as técnicas
matemáticas utilizadas, como “nenhuma técnica matemática” (0,141), “tabelas, gráficos e
figuras” (0,054), “técnicas econométricas” (0,131), e variáveis sobre as áreas de pesquisa
abordadas segundo a classificação JEL, como “A, B, N” e “C”. Se passamos, em um
segundo momento, das medidas de discriminação ao gráfico que apresenta o primeiro e o
segundo eixos fatoriais (Gráfico 1.1), é possível avançar na interpretação do primeiro eixo.
As modalidades dessas variáveis que mais contribuem para a formação dessa primeira
dimensão se distribuem da seguinte maneira no gráfico. Do lado direito, se encontra a
modalidade “fgv-rj/puc-rj” da variável doutorado e, ainda, as modalidades “técnica
econométrica”, “RBE” e “C”. Do lado esquerdo, se encontram as modalidades
“ufrj/unicamp”, “nenhuma técnica matemática”, “tabelas e gráficos estatísticos”, “REP” e
“A, B, N”. Dessa maneira, a interpretação mais adequada para esse eixo parece ser aquela
que o descreve como uma dimensão onde se opõem diferentes maneiras de fazer Ciência
Econômica. Há uma Ciência Econômica mais matematizada, associada à Revista Brasileira
de Economia, cujos artigos utilizam frequentemente técnicas econométricas e cujos autores
cursaram o doutorado na FGV-RJ ou na PUC-RJ, que se distingue de uma Ciência
Econômica menos matematizada, associada à Revista de Economia Política e cujos artigos
tem autores com doutoramento na UFRJ ou na Unicamp.
Colocada como variável suplementar7, a nuvem de pontos correspondente às
instituições pode ser observada no Gráfico 1.2. A distribuição das modalidades dessa
variável ao longo do primeiro eixo apresenta a seguinte configuração. Do lado esquerdo
do gráfico, se encontram principalmente a Unicamp, a UFRJ e a UFES. Do lado direito, há
um agrupamento de instituições, entre o qual é possível identificar as seguintes como as
mais à direita: FGV-RJ, PUC-RJ, Ibmec-RJ, Ibmec-SP, IPEA, USP-RP, Ibmec-MG, UFPE,

7 A variável sobre a instituição à qual o indivíduo é filiado foi colocada como variável suplementar, não
entrando nos cálculos que constroem os eixos, pois várias de suas modalidades possuem menos de 5% das
observações, o que distorce a análise, criando distâncias excessivas, no que Cibois (1997) caracteriza
como “efeito de distinção”.

24
UCB, UFC. É dessa oposição entre os departamentos de Economia de certas universidades
que se ocupa a maior parte da literatura sobre as discussões econômicas acontecidas depois
da década de 1970 (Loureiro, 1997a, 2004, 2006; Rego, 1997). Quanto a essa divisão,
Lima e Loureiro (1994) narram o processo de modernização da Ciência Econômica no
Brasil, a partir do fim dos anos 60, através da internacionalização, ou seja, da adoção dos
padrões de pesquisa vigentes nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados
Unidos. “Em outras palavras, é o processo de internalização, na produção brasileira, de
modelos neoclássicos e keynesianos, das teorias micro e macroeconômicas, bem como de
seu instrumental metodológico, em especial a formalização matemática rigorosa” (p.34).
Entretanto, isso não aconteceu sem resistência. Dentro de certos centros, os canais dessa
modernização não se mostraram eficazes, o que organizou as discussões e dividiu as
posturas teóricas em dois pólos: os monetaristas (FGV, PUC-RJ), com procedimentos e
perspectivas mais americanizadas, e os estruturalistas (Unicamp, UFRJ), que tinham uma
visão mais cepalina. Os autores afirmam também que, embora passadas três décadas, “as
oposições criadas naquele período ainda permanecem, mesmo que transformadas por
novos e mais complexos móveis de lutas” (p.39). Os monetaristas de antigamente, se
reproduziram na academia brasileira e, hoje, são frequentemente os adeptos da teoria
neoclássica, denominados de ortodoxos. A corrente cepalina, junto a correntes marxistas e
keynesianas, se reproduziram e são agora comumente denominados de heterodoxos. O
estado presente dessa antiga oposição entre economistas pôde ser detectado pelo modelo
aqui elaborado, o qual revela uma divisão entre duas diferentes formas de fazer Ciência
Econômica associadas a diferentes instituições. A reprodução dessa divisão é resultado de
diferentes formas de apropriação da teoria econômica, ou seja, de diferentes trajetórias
acadêmicas e de diferentes contextos políticos (Quadros 1.1 e 1.2). Menos com um
propósito descritivo que como recurso estenográfico, essas denominações serão utilizadas
para se referir aos dois grupos que se opõem ao longo do primeiro eixo: à direita, os
ortodoxos; à esquerda, os heterodoxos. Além disso, esses termos são, de fato, categorias
nativas, utilizadas pelos próprios agentes estudados. Isso foi identificado em entrevistas 8 e
também pode ser constatado em publicações de agentes que se encontram tanto em uma
quanto na outra posição (Lisboa, 1997, 1998; Possas, 1997; Bresser Pereira, 2006).

8 A lista de economistas entrevistados pode ser encontrada no Apêndice.

25
Gráfico 1.1 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais*

*modalidades das variáveis que contribuem com mais de 10% do autovalor de cada eixo

26
Quandro 1.1 – A produção de um economista heterodoxo

Fernando Cardim de Carvalho é professor da UFRJ e conta com uma série de


publicações na corrente pós-keynesiana em seu currículo. Cardim inicia sua trajetória
acadêmica no curso de Economia na USP em 1972. Em 1976, ele vai para Campinas
para fazer mestrado na Unicamp. De 1982 a 1986, Cardim cursa o doutorado nos
Estados Unidos sob a supervisão do proeminente pós-keynesiano Paul Davidson.
Apesar de possuir uma posição suficientemente clara no espaço dos economistas,
Cardim afirma que consegue dialogar tanto com a ortodoxia quanto com a heterodoxia
mais extrema. Quais foram os principais fatores disposicionais que determinaram essa
trajetória? O que foi preciso para produzir esse economista heterodoxo? A citação
abaixo apresenta alguns trechos de uma entrevista realizada com Cardim em junho de
2009. Aí estão elementos que permitem identificar a produção das disposições
científicas desse economista. Um aspecto interessante é o modo como Cardim narra as
disposições à heterodoxia em sua geração. Essas disposições eram geradas bastante
cedo, antes mesmo da faculdade, na oposição estudantil ao regime ditatorial militar.

“A primeira coisa, talvez, principalmente porque não é exclusivamente pessoal, é um pouco


mais característico da minha geração e especialmente da fração, digamos, que assumiu uma
postura mais heterodoxa e que tem mais ou menos minha faixa etária. O início, de certa forma,
disso tudo é o movimento estudantil dos anos 60. Eu era secundarista no final desse período,
em 68, 69. Foi uma coisa muito impactante, muito marcante, do ponto de vista formativo. Era
uma circunstância em que você tinha preto e branco, o bem e o mal. Embora houvesse algumas
divisões na esquerda, eram frações internas contra eles. Se você pegar praticamente qualquer
um, qualquer economista heterodoxo nessa faixa de, digamos, 55 anos a 60, você vai ver que a
origem das pessoas tem uma enorme probabilidade de ser a mesma: a vinda do movimento
estudantil. Isso é importante porque quando você chegava na faculdade, embora eu não
conhecesse nada de Economia, você já chegava com um determinado posicionamento. [...]
Então, a gente já entrava com a disposição de ser heterodoxo. Nem sabíamos o que era
Economia neoclássica ainda, mas a gente já era contra. Porque tudo que tivesse a ver com a
forma convencional de política econômica, a gente já era contra. [...] Nesse período, foi muito
mais importante talvez o contexto nas escolhas das pessoas do que propriamente o que a gente
aprendia”.

“A USP representava uma certa compensação, porque era uma escola muito convencional. E,
no final, visto de agora, eu acho que tive muita sorte fazendo USP porque eu pude conhecer –
hoje em dia, eu acho até que me marcou mais do que eu achava na época – Economia
neoclássica, ler, entender, transitar, etc. Um problema que sempre foi muito forte na
heterodoxia é o pessoal virar heterodoxo porque não conhece matemática. Essas coisas são
importantes, no mínimo para você dialogar com a profissão. [...] Eu tive sorte porque eu fiz
USP, o que me expôs a uma Economia mais convencional. Fui a Unicamp quando era o auge,
nos primeiros anos. Quando eu acabei o mestrado, eu tinha um razoável conhecimento de
Economia neoclássica e um razoável conhecimento, até mais intensivo, de Economia marxista,
um pouco de Kalecki, o próprio Keynes...”

27
Quadro 1.2 – A produção de um economista ortodoxo

Alexandre B. Cunha é professor do Ibmec no Rio de Janeiro e tem publicado


vários artigos na corrente neoclássica. Cunha cursou a graduação em Economia na
UERJ de 1986 a 1990. Seu mestrado foi realizado na FGV no Rio de Janeiro e seu
doutorado na Universidade de Minnesota nos Estados Unidos. Ao contrário da geração
de Fernando Cardim de Carvalho (Quadro 1.1), a geração de Cunha parece não ter
sofrido pressões tão intensas do contexto político. Cunha entra na faculdade no fim da
ditadura militar. Em uma entrevista realizada em outubro de 2009, ele afirma ter
mantido certo contato com os movimentos das diretas já e diz ter sido marxista
enquanto aluno secundarista. Apesar disso, Cunha se interessa pelos cursos de
orientação neoclássica nos primeiros anos da faculdade e sofre uma conversão à
Ciência Econômica ortodoxa.

“Quando comecei a aprender Economia que era uma coisa nova eu vi que aquilo lá, a teoria
econômica, é muito mais poderoso para você entender a realidade. [...] Deixei de ser marxista
rapidamente. Teve um professor, o J. (professor de orientação neoclássica), que lecionava os
cursos de introdução à Economia, os cursos dele foram muito bons e, realmente, apesar de ter 3
ou 4 cursos de orientação marxista no primeiro ano, os marxistas perderam um voto certo. [...]
sou muito grato ao J. Ele me salvou intelectualmente. Cresci muito intelectualmente graças aos
cursos do J. Que me colocaram numa trilha que hoje que entendo que é muito mais
estimulante, rica, que aumenta muito sua visão”.

Do mesmo modo, procederemos à interpretação do segundo eixo partindo das


variáveis com as maiores medidas de discriminação, as quais são “residência” (0,458),
“doutorado” (0,124), três variáveis sobre a prática científica, “publicação em países anglo-
saxões” (0,067), “língua” (na qual o indivíduo publicou nas revistas nacionais) (0,072),
“E” (classificação JEL para macroeconomia e economia monetária) (0,057), além de
variáveis sobre consagração e visibilidade midiática dos indivíduos, “premiações” (0,066),
“pesquisador do cnpq” (0,096) e “publicação em jornais” (0,134). No Gráfico 1.1, a
distribuição das modalidades dessas variáveis ao longo do eixo 2 se observa da seguinte
forma. Na parte superior, se encontram as modalidades “pub_jornal>6” (modalidade para
quem já publicou mais de 6 vezes em jornais), “premiado”, “cnpq 1”, “inglês” (indicando
que o indivíduo publicou em inglês mesmo em revistas nacionais), “pub_anglo-saxões”
(publicação em países anglo-saxões), “doc_US/UK” (doutorado em países anglo-saxões),
“E” (pesquisador que escreveu na área de macroeconomia e economia monetária), e, ainda,
as modalidades de residência para “SP capital” e “Rio”. Na parte inferior se encontram as
modalidades “pub_jornal=0”, “não premiado”, “cnpq 2”, “não inglês”, “não_pub_anglo-
saxões”, a modalidade “outros” para instituição de doutorado, “n_e” (modalidade que

28
aponta que a não atuação na área de macroeconomia e economia monetária) e, por fim, as
modalidades de residência “nordeste” e “sudeste” (exceto as cidades do Rio e de São
Paulo).

Gráfico 1.2 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais – Instituições

Com base nessa configuração, é possível interpretar esse eixo como uma dimensão
de grau de consagração dos pesquisadores, a qual está sempre associada a diferentes
locais de residência, às competências para dialogar com uma Ciência econômica
internacionalizada (doutorado em países anglo-saxões, uso de língua inglesa nos artigos

29
nacionais e publicação no exterior), a visibilidade na mídia (publicação em jornais), o
reconhecimento entre os pares por meio de premiações e atuação em áreas de maior
prestígio como a macroeconomia. Esse universo específico possui, de um lado, modos
internos de distribuição das posições de autoridade. São as premiações atribuídas pelos
pares, a classificação do cnpq por produtividade e a capacidade de circular
internacionalmente, ultrapassando barreiras de língua e de culturas científicas nacionais.
Entretanto, há também instâncias de consagração externas, o que demonstram que o mundo
dos economistas não é completamente autônomo. A heteronomia pode ser atestada no
prestígio conferido pela publicação em jornais, o que está associado à atuação na área de
maior destaque midiático, a Macroeconomia. Os cientistas econômicos se consagram
segundo seus próprios critérios; todavia, instâncias de prestígio externas ao mundo desses
cientistas também são reconhecidas. Além da visibilidade na mídia, outro fator, embora
não captado no modelo, é um forte concessor de autoridade. A passagem por algum cargo
importante no governo também serve como sanção da autoridade interna ao campo do
conhecimento econômico. Além disso, uma vez conquistados, esses recursos externos
podem ser facilmente transportados para o interior do mundo dos economistas para
reforçar a posição consagrada. Um último aspecto sobre essa dimensão de graus de
consagração dos economistas é a divisão geográfica a ela associada. Os centros econômico
e culturais do país, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, são justamente aqueles
ligados aos economistas de maior autoridade. Menos providas de recursos culturais e
econômicos, outras regiões geográficas do Brasil estão associadas a posições menos
consagradas ao longo dessa segunda dimensão.

1.5.1 Os cursos de doutorado

Ao interpretar os dois eixos dessa maneira, é possível observar como as outras


modalidades das variáveis se comportam ao longo dessas dimensões: se mais associadas à
ortodoxia ou à heterodoxia, se mais associadas à consagração ou não consagração. Esse
procedimento permite um melhor esclarecimento sobre os atributos que constituem tal ou
tal corrente e que constituem o prestígio nesse espaço. Em primeiro lugar, voltamos
brevemente a uma das variáveis que mais contribuem para a formação dos eixos. Vimos
que a principal oposição é entre, de um lado, o doutorado na FGV-RJ e na PUC-RJ e, de

30
outro lado, doutorado na UFRJ e na Unicamp. Explorando a distribuição do restante das
modalidades dessa variável ao longo do primeiro eixo, observa-se o seguinte. A categoria
correspondente a pesquisadores que cursaram doutorado em países anglo-saxões se
encontra do lado direito do Gráfico 1.1, ou seja, está mais associada ao pólo ortodoxo. A
modalidade de doutoramento em países da Europa continental e na USP se encontra do
lado esquerdo, se associando, desse modo, mais à heterodoxia. Ao longo do segundo eixo,
a oposição mais marcante é entre a modalidade de doutoramento em países anglo-saxões e
as modalidades “UnB” e “outros”. Cursar o doutorado em países anglo-saxões aparece,
assim, como um importante recursos para os economistas (Lima e Loureiro, 1994). A
modalidade “outros” abrange os seguintes centros: Iuperj, UFMG, UFRGS, UFV, FGV-SP,
UFSC, Esalq/USP, IMPA, UFC e UFPE. Junto com a UnB, esses centros são ou aqueles de
formação mais recente e não tão tradicionais como FGV-RJ, PUC-RJ, UFRJ, Unicamp e
USP, ou aqueles que não treinam especificamente em Economia (Iuperj, IMPA).

1.5.2 Os periódicos

A oposição entre ortodoxia e heterodoxia é ainda marcada por uma diferenciação de


estratégias de publicação e uma diferenciação no uso de determinadas técnicas
matemáticas. No Gráfico 1.1, há uma clara oposição entre a publicação
predominantemente, por um lado, na Revista de Economia Política (REP) e, por outro
lado, na Revista Brasileira de Economia (RBE). Para entender melhor a razão dessa
oposição, é necessário passar, mesmo que brevemente, pela história dessas revistas. Pela
FGV surgiu, em 1947, a RBE. Como primeiro periódico em Economia no Brasil, a RBE
representou um veículo para a circulação de idéias econômicas junto a um centro de caráter
eminentemente “cosmopolita”, pois, desde seus primórdios, os integrantes da FGV tiveram
bastante contato com pesquisadores estrangeiros e, além disso, um de seus focos era
justamente o intercâmbio internacional, seja através de professores visitantes ou do envio
de seus quadros para cursos no exterior (Braum, 2009). A FGV se colocou como principal
divulgador da Ciência Econômica praticada no exterior, principalmente nos EUA, e
pregava seus padrões de cientificidade, entre os mais importantes o uso de técnicas
quantitativas. No outro lado do espectro, encontra-se a REP. Revista que surge em 1981,
contando com o esforço de um conjunto de economistas, com destaque para o papel de

31
Bresser Pereira da Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo (EAESP), a
REP foi criada com o comprometimento de observar a economia junto a perspectivas
históricas e políticas.

Gráfico 1.3 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais – Revistas e técnicas matemáticas

O Gráfico 1.3 traz o posicionamento das modalidades de todas as revistas. Quanto


aos outros periódicos, Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE) se encontra no lado
direito do gráfico, junto à RBE, e Estudos Econômicos se localiza ao centro. A PPE
apareceu em 1971 como fruto do amadurecimento de um setor de pesquisa, o Inpes, no

32
seio do IPEA. Um elemento fundamental para a concepção do perfil de suas pesquisas e de
sua publicação foi a oferta de cursos de aperfeiçoamento e estímulo que os funcionários
recebiam para fazer doutorado no exterior. E, além disso, em seu princípio, o IPEA
desempenhava suas funções com um convênio junto a Universidade de Berkeley, o que
dotou o instituto de um caráter mais internacionalizado (D'araujo et al., 2005). Até pouco
tempo atrás, o perfil de pesquisas do IPEA se aproximava bastante de uma Ciência
Econômica ortodoxa. Esse perfil tem se alterado desde que Marcio Pochmann assumiu a
presidência do Instituto, como será discutido mais adiante. Desse modo, embora a PPE
costume publicar artigos mais longos, as publicações que nela aparecem são bastante
semelhantes, em termos metodológicos, às que aparecem na RBE.
A revista Estudos Econômicos (EE) é uma publicação da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas da USP, surgida em 1971. No modelo aqui elaborado, a EE, assim
como o centro que a publica, são modalidades que se encontram ao centro do primeiro
eixo, área na qual a gama de características atribuídas aos pesquisadores é mais igualmente
distribuída, ou seja, na qual as modalidades representadas são propriedade de indivíduos
com características bastante variadas. Esse pluralismo captado no modelo geométrico tem
o seguinte fundamento. Durante os anos 70, o Instituto de Pesquisas Econômicas (IPE,
atual FIPE) da USP, centro das pesquisas e base do programa de pós-graduação em
Economia nesta universidade, contemplou um predomínio de pesquisadores que acabavam
de chegar de doutorados no exterior. Entretanto, na década seguinte, se configurou um
cenário completamente diferente no IPE: esses pesquisadores com formação no
estrangeiro, “com o fim da ditadura e com a redução das verbas de pesquisa disponíveis,
passaram a se interessar por outras atividades, não-acadêmicas, tais como o exercício de
poder tecnocrático nos aparelhos de Estado e/ou, simplesmente, o enriquecimento pessoal
no mercado financeiro, na iniciativa privada etc.” (Prado, 2001, p.16). Isso resultou em
uma perda de expressividade da pesquisa de tipo internacionalizada dentro do
departamento de Economia da USP e no IPE. As décadas de 80 e 90 foram, finalmente, o
período que consolidou a formação de um centro bastante heterogêneo e plural na USP. Por
essa razão, é possível encontrar artigos de diversas correntes e com temas bastante variados
na EE: desde artigos que apresentam modelos de simulação a publicações sobre história
econômica do Brasil imperial.

33
1.5.3 Técnicas matemáticas

As modalidades da variável “técnica matemática” podem ser separadas em dois


grupos (Gráfico 1.3). Um primeiro grupo reunindo a utilização de gráficos, tabelas e
figuras e a ausência de qualquer técnica matemática. Um segundo grupo reunindo técnicas
econométricas, a formulação de modelos e a elaboração de modelos com simulação de
cenários a partir de seus parâmetros. Essa é a divisão que aparece no modelo, sendo o
primeiro grupo associado à heterodoxia e o segundo à ortodoxia. Isso não significa que não
há ortodoxos que escrevam artigos sem matemáticas ou que não há heterodoxos que
utilizam matemáticas sofisticadas. Tanto um quanto outro existem. Mas, de fato, trata-se de
um elemento tendencial, uma marca da divisão do campo do conhecimento econômico. As
formulações heterodoxas podem dispensá-las; enquanto para as formulações neoclássicas,
as técnicas matemáticas se constituem como traço marcante. Além da constatação das
relações que as diferentes Ciências Econômicas mantêm com as diferentes técnicas
matemáticas, esse ponto necessita de um aprofundamento. O que são essas técnicas
matemáticas mais sofisticadas, normalmente ligadas à teoria neoclássica? O que elas fazem
e qual é a razão dessa relação com a ortodoxia?
O processo que firmou a matemática como uma das principais formas de expressão
da teoria econômica possui dois pontos de inflexão (Mirowski, 1991). O primeiro se dá
entre as primeiras propostas de utilização da matemática e a ascensão da teoria neoclássica.
O segundo ponto de inflexão acontece entre os primeiros neoclássicos e a Ciência
Econômica que se constitui após a segunda guerra mundial. As primeiras formulações
matemáticas para o estudo da economia florescem entre meados do século XVIII e meados
do século XIX. Apesar de desenvolvidas por diversos autores, como Bernoulli, Isnard, von
Thünen e Cournot, durante um período suficientemente longo, as formulações matemáticas
não tiveram, nessa etapa, grande influência no discurso da disciplina. A base para a análise
matemática estava no fato de os preços serem expressos em números. Esse fato era
associado a apropriações da matemática utilizada na mecânica. Por um lado, a comunidade
de estudiosos da economia não julgava que a expressão numérica dos preços fosse
suficiente para justificar a formalização matemática; por outro lado, as analogias com a
mecânica apresentavam inconsistências no seu transporte para os fenômenos econômicos.
O primeiro ponto de inflexão é, então, o surgimento da teoria neoclássica. Os problemas

34
que se apresentaram à matematização dos primeiros neoclássicos foram de duas ordens:
uma interna, a outra externa. Internamente as teorias e formulações foram criticadas pelos
próprios físicos, que entendiam as limitações da metáfora para a análise dos fenômenos
econômicos (Mirowski, 1989). Externamente, a comunidade de economistas ainda era
bastante apática quanto à utilização do instrumental matemático. Da segunda metade do
século XIX até os anos 40 do século XX, o discurso matemático não é de forma alguma
marca primordial da profissão de economista. A grande virada se deu após a segunda
guerra mundial, quando a matematização da Ciência Econômica finalmente logrou se
estabelecer. O conturbado período entre guerras trouxe mais e mais engenheiros, cientistas
naturais e agora também os próprios matemáticos para o campo da Economia. O sucesso
da matemática na Economia se deve também à reformulação do programa neoclássico. Em
primeiro lugar, o espaço para abordagens empíricas passou a ser maior. Além disso, muitos
problemas da metáfora da física energética forma resolvidos e o uso da matemática
estocástica abriu novos horizontes.
Um primeiro tipo de utilização da matemática na Economia é a formulação de
modelos. Modelos parecem construções matemáticas bastante complexas. Entretanto, seus
aspectos gerais podem ser resumidos de modo relativamente simples. Modelos são
sistemas formais construídos com base em aspectos teóricos para demonstrar e para
explicar fenômenos. Junto a esses sistemas, há sempre uma narrativa que conecta sua
estrutura matemática com o mundo e que faz o modelo responder a certas questões postas
pelo investigador. Um modelo é um sistema não interpretado. Isso quer dizer que ele não
passa de um esqueleto lógico que precisa ganhar sentido através de referências reais
(Gibbard e Varian, 1978, p. 666). A seqüência de mudanças que ocorre na utilização de um
modelo possui, desse modo, a estrutura de uma narrativa. Em primeiro lugar, quando algo
muda, tem-se um princípio, ou fonte da mudança, um meio, ou a trajetória, e o fim ou o
produto final da mudança como, por exemplo, um novo equilíbrio. Em segundo lugar, os
elementos da interpretação são relacionados, isto é, o que está implícito em toda a
explicação do modelo é um jogo de conexões causais. E, além disso, quando se faz
perguntas e se elabora respostas sobre algum fato econômico, tende-se a ir a um nível
interpretativo discutido em termos das coisas que existem no mundo, com sentido
econômico e não meramente matemático (Morgan, 2002). Por exemplo, consideremos um
dos mais tradicionais aparatos da Economia, um diagrama de oferta e demanda. Ora, o

35
gráfico vai trabalhar para o economista na medida em que este o inquirir: o que
aconteceria, por exemplo, se a renda do consumidor aumentasse? A renda do consumidor é
um daqueles elementos que nem aparece no gráfico e está escondido nas condições ceteris
paribus. Mas sua alteração modifica o estado do sistema e faz com que a curva de
demanda se desloque para a direita, determinando assim, uma nova quantidade vendida a
um novo preço. Um modelo é um sistema formal que trabalha junto a uma narrativa. Ele
expõe uma série de relações e possibilita a investigação de mudanças de estado em seus
componentes. Assim, seu objetivo não apenas de responder “por que” as coisas acontecem,
mas também responder perguntas do tipo “o que aconteceria se...” ou “como tal evento
acontece”.
Com o avanço da computação, foi possível desenvolver ainda o seguinte
procedimento com relação à formulação de modelos. Alguns tipo de modelos permitem
que se chegue a uma solução analítica fechada, ou seja, a um ponto onde as variáveis
atingem um estado estacionário. Outros permitem apenas que se encontre trajetórias
assumidas pelo sistema, isto é, uma solução numérica dados certos parâmetros e dada uma
certa calibragem das variáveis. Certas vertentes da Ciência Econômica têm desenvolvido
recentemente simulações baseadas em seus modelos, independente da forma de solução:
caso haja solução fechada, pode-se observar os valores de equilíbrio; caso não houver
solução fechada, pode observar a trajetória das variáveis endógenas. Essa é uma segunda
variante de técnica matemática utilizada em Economia, derivada da formulação de
modelos. Simulações permitem observar como os modelos se comportam dinamicamente e
quais cenários futuros poderiam ser concebidos com base em seus parâmetros. Além disso,
é possível simular o efeito de determinadas mudanças nesses parâmetros. Esse
procedimento tem dois principais objetivos. O primeiro, ligado mais à corrente neoclássica,
corresponde à utilização de modelos onde é possível encontrar um ponto de equilíbrio.
Após encontrar esse ponto, a simulação procura avaliar o resultado de alterações nos
parâmetros. O segundo, ligado mais a correntes pós-keynesianas e evolucionárias, procura
teorizar sobre os processos que causam a dinâmica econômica capitalista. As trajetórias
obtidas pela simulação dos modelos são comparadas com o comportamento de economias
reais. A intenção é que as relações no interior do modelo consigam dar conta de uma
dinâmica semelhante à evolução de economias reais, revelando, assim, que aspectos de
teorias econômicas, traduzidos matematicamente, podem servir de explicações para os

36
acontecimentos observados.
Um terceiro tipo de utilização de técnicas matemáticas em Economia é encontrado
na econometria. No presente estudo, o termo técnicas econométricas foi utilizado de
maneira bastante abrangente. Na amostra de artigos que observamos, essas técnicas vão de
análise de regressão a métodos para análise de dados em painel ou métodos geométricos
como Análise de Componentes Principais, etc9. Em suma, no tratamento que damos à
econometria, assim como era feito por seus primeiros praticantes, esse ramo da Economia
é uma reunião da matemática com a estatística (Morgan, 1990). No século XIX, os
economistas acreditavam que essas duas técnicas produziam diferentes contribuições. A
matemática era destinada a aumentar o conhecimento dedutivo da Ciência Econômica,
dando clareza e rigor a seus postulados. As técnicas estatísticas teriam como papel revelar
regularidades empíricas, apoiando, assim, o lado indutivo da Ciência Econômica. Nas
primeiras décadas do século XX, surgiram diversas iniciativas com o intuito de unir as
duas áreas, obtendo benefícios mútuos. Essas iniciativas logo começaram a produzir
resultados e, do mesmo modo, um grande otimismo com relação a essa união. A
justificação para esse otimismo dos primeiros econometristas estava em suas promessas
com relação ao avanço do método científico em Economia. Os métodos estatísticos
aplicados à teoria econômica fornecem substitutos para o método experimental. A idéia de
um experimento científico controlado é reproduzir as condições exigidas pela teoria para
então manipular as variáveis relevantes com o intuito de medir algum parâmetro ou testar a
teoria. A teoria descreve os fenômenos selecionando elementos relevantes do mundo;
quando os dados não são coletados em circunstâncias controladas ou em experimentos
replicáveis, a relação entre os dados e a teoria não é clara. As complexas leis causais das
ciências sociais necessitam de métodos que neutralizem os efeitos das circunstâncias de
coleta dos dados. É isso que os métodos estocásticos da estatística permitem, como
alternativa ao método experimental.
As técnicas econométricas podem então ser entendidas como uma série de técnicas
estatísticas aplicadas à estimação de relações econômicas. Os fatores que determinam a
renda de uma pessoa, por exemplo. Com um determinado banco de dados, é possível
estimar qual é o impacto de variáveis como escolaridade, tempo de carreira, cor, sexo, etc.,

9 Para a composição da variável técnica matemática, admitimos outros tipo de técnicas não paramétricas
como Análise por Envoltória de Dados.

37
na composição da renda do indivíduo. Isso significa que, com essas técnicas, pode-se se
estimar qual é a magnitude da relação entre variáveis econômicas empiricamente. Como
mencionado, na impossibilidade de se montar um sistema fechado e controlado, na
impossibilidade do experimento em Economia, para se testar as teorias e para se obter a
magnitude de parâmetros da teoria, a econometria aparece como substituto. Desse modo,
essa técnica se transforma no principal instrumento para testar se relações estipuladas por
teorias podem ser observadas empiricamente e qual é o efeito de determinados parâmetros
nessas relações.
Longe de tentar uma lista exaustiva, é possível sugerir alguns fatores pelos quais
esses três tipos de técnicas matemáticas mantêm relações com a Economia neoclássica. Há
razões históricas, pois a matematização da Ciência Econômica passou pelas apropriação da
Física do século XIX na constituição da Economia neoclássica. A matemática da Física,
que então unificava os vários ramos da antiga filosofia natural sob o princípio de
conservação da energia, era o modelo para essa corrente. Essa apropriação não foi fortuita;
a Física se manteve dona do paradigma de cientificidade desde então e, por isso, se a
Economia quisesse ser considerada uma Ciência, ela deveria adotar os procedimentos da
Física (Mirowski, 1989). Dessas razões históricas, decorrem ainda razões lógicas. Quando
filosofias científicas como o falsificacionismo popperiano passaram, a partir da metade do
século XX, a se tornar dominantes, todo o modo de operar da Ciência Econômica
neoclássica parecia bastante adaptado a essas filosofias. A lógica da especificação de
teorias em modelos matemáticos se baseia na idéia de que as relações econômicas previstas
na teoria sejam testáveis empiricamente. As simulações e as técnicas econométricas,
substituindo um experimento controlado, podem dizer se as relações especificadas na
teoria se observam empiricamente e também podem dizer qual é a magnitude dessas
relações. Desse modo, para seguir o conceito dominante de ciência, as técnicas
matemáticas se mostram indispensáveis à corrente econômica ortodoxa.

1.5.4 Áreas temáticas

O Gráfico 1.4 apresenta a distribuição das categorias das variáveis sobre as áreas
temáticas dos artigos que os pesquisadores publicam. Como já mencionado, as temáticas

38
são classificadas segundo um padrão do Journal of Economic Literature 10. Se observarmos
a primeira dimensão, do lado esquerdo, se encontram as modalidades correspondentes às
áreas de Economia geral e ensino de Economia (A), de História do pensamento econômico
e metodologia (B), além da modalidade para a área de História econômica (N). Todas essas
áreas foram agrupadas na categoria “ABN”. Ainda do lado esquerdo, porém muito
próximas do centro do gráfico, estão as modalidades das áreas de Macroeconomia (E) e
Desenvolvimento econômico (O). Do lado direito se encontram as seguintes áreas:
Métodos quantitativos e matemáticos (C), Microeconomia (D), Economia financeira (G),
Economia demográfica e do trabalho (J) e Economia agrícola (Q). Ainda do lado direito,
mas mais próxima do centro, está a área de Economia internacional (F). Dessa maneira é
possível observar a que tipo de temáticas se associam a ortodoxia e a heterodoxia na
Ciência Econômica brasileira. Os heterodoxos trabalham mais com História econômica,
Metodologia e História do pensamento econômico. São normalmente trabalhos que
rejeitam a corrente neoclássica e suas abordagens bastante matematizadas. Os ortodoxos
são mais ativos nas áreas de Métodos quantitativos, Microeconomia, Economia financeira,
isto é, em áreas que são conexas e se confundem com a teoria neoclássica. A área de
Economia agrícola aparece junto nesse pólo, pois também é uma área bastante
matematizada, cujos autores frequentemente tem a engenharia agronômica como formação
original.

10 Na classificação do Journal of Economic Literature, a cada área corresponde uma letra:


A - General Economics and Teaching
B - History of Economic Thought, Methodology, and Heterodox Approaches
C - Mathematical and Quantitative Methods
D - Microeconomics
E - Macroeconomics and Monetary Economics
F - International Economics
G - Financial Economics
H - Public Economics
I - Health, Education, and Welfare
J - Labor and Demographic Economics
K - Law and Economics
L - Industrial Organization
M - Business Administration and Business Economics; Marketing; Accounting
N - Economic History
O - Economic Development, Technological Change, and Growth
P - Economic Systems
Q - Agricultural and Natural Resource Economics; Environmental and Ecological Economics
R - Urban, Rural, and Regional Economics
Y - Miscellaneous Categories
Z - Other Special Topics

39
Gráfico 1.4 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais – Áreas temáticas

Ao longo do segundo eixo, a principal oposição é entre as áreas de


Macroeconomia e Economia Financeira, na parte superior do gráfico, e as áreas de
Economia geral e ensino de Economia, de História do pensamento econômico e
metodologia, História econômica e Economia agrícola, na parte inferior. Macroeconomia e
Economia Financeira são áreas de grande prestígio. A primeira é aquela cuja discussão está
em todos os jornais, aquela que trada dos agregados econômicos: do PIB, do emprego, da
taxa de juros do Banco Central, etc. A segunda é a área que discute precificação de ativos
financeiros e é uma especialidade imprescindível para atuação em bolsas de valores. As

40
áreas de Economia geral e ensino de Economia, de História do pensamento econômico e
metodologia, além de História econômica, são disciplinas que tratam do modo como a
Ciência Econômica é feita, da discussão sobre os autores não contemporâneos e de
aspectos da economia do passado. Elas não conseguem se destacar, assim como área de
Economia Agrícola, a qual trata de questões do mundo rural, como preço de produtos
agrícolas, produtividade agrícola e suas relações com comercio exterior ou crescimento
econômico.

1.5.5 Formação, Gerações, Gênero

No Gráfico 2.5, se encontram as modalidades das variáveis “Formação”, “Geração”


e “Gênero”. Quanto à formação original dos indivíduos, é possível perceber como a
profissionalização do economista se mostra consolidada atualmente. Em contraste com a
situação há quatro décadas atrás, quando o mundo dos economistas era ainda amplamente
composto por indivíduos com as mais variadas formações acadêmicas, mais de 70% da
amostra do presente estudo é formada por pessoas com graduação em Economia. Por essa
razão, a modalidade correspondente à formação em Economia se encontra um pouco à
esquerda, mas bem próxima ao centro do gráfico. Isso indica que a formação em economia
não se relaciona com nenhum perfil especificamente. Embora bastante profissionalizado, o
campo dos economistas tem se mostrado acessível a pessoas com outras formações,
principalmente a engenheiros, matemáticos e estatísticos, os quais compões cerca de 17%
da amostra. A modalidade que corresponde a pesquisadores com formação em Engenharia
ou em Ciências exatas se encontra bastante à direta. Esse tipo de formação dota os
indivíduos com competências matemáticas bastante desenvolvidas, às quais, quando
transportadas para o terreno da Economia, se relacionam muito facilmente com a teoria
neoclássica. Por essa razão, pesquisadores cuja formação inicial se deu em Engenharia ou
Ciências exatas se associam mais à ortodoxia.
Quanto ao sexo dos cientistas econômicos, pode-se dizer que trata-se de um
universo predominantemente masculino. Na amostra de indivíduos recolhida para as
presentes análises, apenas 14,9% eram mulheres. As modalidades da variável gênero se
distribuem mais ao longo do segundo eixo. Essa evidência aponta para uma divisão
ortodoxia/heterodoxia indiferente ao sexo, pois essa variável quase não diferencia os

41
indivíduos na primeira dimensão. No entanto, na segunda dimensão, é possível observar
como a modalidade atribuída às mulheres se encontra na parte inferior do gráfico. Esse
resultado aponta para uma associação entre sexo feminino e posições menos consagradas
dentro do espaço dos economistas.

Gráfico 1.5 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais – Formação, gerações e gênero

A variável “Geração” se distribui ao longo dos dois eixos. Ao longo do eixo 2, é


possível observar a modalidade “>1995” na parte inferior do gráfico, em seguida as
modalidades “1985-1984” e “1975-1984” mais ao centro e, por fim, a modalidade “<1964”

42
na parte superior. Essa distribuição indica que a consagração no campo do conhecimento
econômico se dá também com a idade. Os pesquisadores mais jovens, como novos
entrantes, ainda não tiveram tempo de adquirir os recursos que levam à consagração nesse
espaço. Com o tempo, é possível que esses novos entrantes adquiram os atributos que
compõem o reconhecimento a autoridade no campo do conhecimento econômico.
Ao longo do eixo 1, as modalidades que correspondem a indivíduos mais jovens
(graduação terminada entre 1985-1994 ou terminada depois de 1994) se encontram à
direita. Do lado esquerdo do gráfico estão as modalidades atribuídas a indivíduos mais
velhos (graduação terminada entre 1975 e 1984 ou antes de 1975). Qual é o significado
dessa configuração? As gerações mais antigas estão associadas à heterodoxia e as mais
jovens à ortodoxia. Isso representaria uma falha de reprodução da heterodoxia? Essa
configuração levanta ainda outras questões. O Gráfico 1.6 mostra a porcentagem de
indivíduos de cada geração que utiliza cada técnica. Parece haver uma associação entre
determinadas técnicas e determinadas gerações. Conforme se avança a gerações mais
velhas, percebe-se a diminuição gradual do uso de técnicas econométricas e o aumento da
ausência de qualquer matemática. Tratar-se-ia de uma trajetória estabelecida para o campo
estudado: a superação da barreira de entrada por meio do uso de técnicas econométricas,
estudando-se casos empíricos, isto é, fazendo-se análise econômica, se apropriando da
teoria econômica para estudos de caso; posteriormente, a formulação de modelos, que
demonstram um maior grau de refinamento no pensamento teórico do indivíduo; e,
finalmente, um desligamento das disputas do campo, talvez por defasagem, abandonando-
se o rigor da formalização em nome da discussão (em prosa) de temas menos pontuais?
As evidências recolhidas nesse estudo não são conclusivas quanto à hipótese de
uma falha de reprodução da heterodoxia. Quando observamos o Gráfico 1.7, com os
indivíduos no plano do primeiro e do segundo eixos fatoriais, percebe-se que a maior parte
dos pesquisadores se aglutina no lado do pólo ortodoxo. Não obstante, isso se deve
provavelmente à amostra de revistas escolhidas. Embora a amostra consiga demonstrar a
existência de uma heterogeneidade de modos de fazer Ciência Econômica, associado a
diferentes periódicos, o que pode estar acontecendo é simplesmente um afastamento de
heterodoxos desses meios de publicação. Dentre as revistas selecionadas para o presente
estudo, as possibilidades de publicação para os heterodoxos se concentram principalmente
na revista Estudos Econômicos e na Revista de Economia Política. Apesar de serem

43
conhecidamente mais heterodoxas, essas duas revistas são bastante pluralistas, publicando
artigos de correntes bastante variadas. E, dada sua importância e visibilidade, elas são
bastante concorridas, o que faz com que um artigo submetido demore às vezes anos para
ser publicado, após sua aceitação11. Esse tipo de desvantagem pode estar levando certos
heterodoxos a procurarem outras revistas, como a Revista da Sociedade Brasileira de
Economia Política. Ao invés de se tratar de uma falha de reprodução, a hipótese sugestiva
que avançamos aqui é que pode se tratar, na realidade, de um deslocamento das estratégias
de publicação. Com a maior concorrência e a diminuição de espaço nas principais revistas,
os heterodoxos mais jovens estariam deslocando suas publicações para outros periódicos.
As revistas mais tradicionais se mostram, assim, mais acessível apenas para heterodoxos
mais velhos, com maior autoridade nesse campo e com mais maturidade e recursos
científicos para investir em suas produções.
A existência de uma suposta trajetória que se iniciaria com produções mais
matematizadas e com a utilização de técnicas econométricas, ao fim da qual se
abandonariam essas metodologias em nome de abordagens menos rigorosas, também é
questionável. A história do campo aponta para uma interpretação ligeiramente diferente: a
correspondência entre a divisão geracional e a divisão entre técnicas matemáticas reflete a
condicionalidade com que os economistas, que hoje pertencem a gerações mais velhas,
sempre endossaram a matematização da Ciência Econômica. Em primeiro lugar, as
gerações mais velhas seguem o padrão de produção de pesquisa com menos matematização
e “rigor científico” simplesmente porque esse era o padrão de sua geração 12. Como dito
anteriormente, os cursos de Ciências Econômicas só apareceram nos anos 40, a produção
em Ciência Econômica através da consolidação de círculos acadêmicos só ocorreu
posteriormente e a modernização da disciplina no Brasil, no sentido de uma
internacionalização, aconteceu ainda depois, no decorrer das últimas três décadas. Uma
parte dos pesquisadores da geração anterior à década de 70 tem formação em Direito ou
alguma Ciência Social, teve a carreira marcada por alguma das “escolas práticas do saber
econômico”, ou seja, estamos falando de uma geração que tem a grande propensão a não
aceitar como legítimo, ou no mínimo inquestionável, o modelo de Ciência que a Economia

11 Aspecto mencionado em entrevista com Francisco Cipolla, professor do departamento de Ciências


Econômicas da UFPR.
12 Uma interessante narrativa sobre a formação da noção de rigor científico em Economia, ligado à
axiomática matemática, pode ser encontrado em Weintraub (1998).

44
se propôs a adotar nas últimas décadas em todo o mundo.

Gráfico 1.6 – Técnicas matemáticas e gerações

45
1.6 INSTÂNCIAS DE DISPUTA

O fator que explica a dinâmica do campo é a disputa entre os agentes posicionados


ao longo das duas dimensões que estruturam esse espaço. Por essa razão, apresentamos
agora algumas arenas, onde se pode observar disputas entre economistas. A lógica dessas
lutas pode ser compreendida por meio das oposições reveladas no modelo, ou seja, pela
configuração dessa estrutura de relações supra-situacional.

Gráfico 1.7 – Plano dos 1º e 2º eixos fatoriais – Indivíduos

46
A primeira arena a ser mencionada é o campo governamental. Num trabalho
anterior (Cantu, 2009), foi mostrado como os economistas estão presentes no governo
Lula. No exame realizado, foi possível notar um esforço de manutenção de insulamento
burocrático no Banco Central e uma maior abertura no Ministério da Fazenda. O grau de
fechamento do órgão corresponde também à exclusão daqueles que não possuem
autoridade conferida por uma passagem pelo campo de produção do conhecimento
econômico. Agora que exploramos o interior do campo onde é produzida essa autoridade, é
possível refinar o argumento sobre o acesso de economistas a postos no governo. Há uma
diferença entre os tipos de capital técnico que dão acesso a esses postos. No Banco Central,
há uma maior proporção de indivíduos que cursaram doutorado em países anglo-saxões
(Alexandre A. Tombini, Mário M. C. Mesquita e Henrique Meirelles). No Ministério da
Fazenda, há indivíduos que cursaram doutorado em escolas anglo-saxãs heterodoxas
(Nelson Henrique Barbosa Filho, que estudou na New School for Social Research) ou em
escolas heterodoxas brasileiras (Bernard Appy, que cursou mestrado na Unicamp, e Guido
Mantega, que tem doutorado em Sociologia do Desenvolvimento pela USP).
Assim, as diferenças entre os órgãos de gestão econômica do governo
correspondem também às divisões internas ao campo de produção de conhecimento
econômico. Esse aspecto é, na realidade, bastante complicado, dependendo bastante do
presente governo e de suas alianças para governar. A sobreposição de divisões do campo
de produção de conhecimento econômico e dos quadros de órgãos de gestão econômica do
governo dependem, desse modo, de vários fatores. É possível especular que o perfil dos
quadros do Banco Central tem como objetivo uma aliança com setores financeiros da
sociedade brasileira. Embora escapando do spoil system, da divisão de cargos entre
partidos aliados, o suposto insulamento do BC revela o compromisso do governo com
preocupações do setor financeiro, como a estabilidade de preços. Esse compromisso é, em
parte, consolidado por quadros dotados de um tipo de capital técnico, um recurso
econômico ortodoxo, adequado aos fins dessa aliança.
O Ministério da Fazenda se mostrou um órgão menos fechado com relação à
exigência de capital técnico para seus postos. De todo modo, segundo Loureiro e Abrucio
(1999), trata-se de um órgão que também se distancia da distribuição de cargos entre
partidos aliados. O perfil mais heterodoxo dos quadros desse Ministério se deve à
conjuntura de governo. A distribuição de postos no governo Lula certamente foi generosa

47
com membros de escolas heterodoxas. Isso pode ser exemplificado pela presença de
professores da Unicamp em cargos como a presidência do BNDES (Luciano Coutinho) e
do IPEA (Marcio Pochmann). De todo modo, uma configuração bastante diferente foi
observada durantes os governo de Fernando Henrique Cardoso, no qual foi notório a
presença de uma série de ex-professores da PUC-RJ entre os quadros da burocracia
econômica (Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco). Esse experimento
revelado pela história recente da burocracia econômica do governo, mostra uma associação
conjuntural entre governo de esquerda e privilégio à heterodoxia.
O caso das mudanças no interior do IPEA é um exemplo bastante claro de como a
divisão do campo de produção do conhecimento econômico se traduz em disputas no
interior de órgãos do governo. Como o IPEA é um órgão de pesquisa, a tensão entre um
conhecimento econômico ortodoxo e outro heterodoxo é mais manifesta. Basta mencionar,
em primeiro lugar, o controverso afastamento de alguns de seus pesquisadores no fim de
2007 (Folha de São Paulo, 21.11.2007). Em segundo lugar, o concurso realizado no fim de
2008, não escapou de controvérsias ao refletir uma maior exigência de conhecimento
econômico heterodoxo. Em suma, os órgãos do governo são um cenário de disputa entre
diferentes formas de conceber o conhecimento da economia. Seus postos não apenas
permitem a ação na economia segundo as idéias defendidas por uma e outra corrente, mas
também se mostram enquanto um importante recurso de consagração. Os economistas no
governo adquirem bastante visibilidade e, quando de sua saída desse mundo, sua passagem
se firma enquanto uma sanção de prestígio entre seus pares.
Uma última arena a ser mencionada diz respeito, de modo mais próximo, à pesquisa
econômica. Trata-se das avaliações que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) faz dos centros de pós-graduação e dos pesquisadores 13. Essas
avaliações são importantes, pois dela depende o acesso a verbas para pesquisa. O que está
em jogo entre ortodoxos e heterodoxos nas comissões de avaliação da Capes é quais
critérios serão adotados na avaliação. Em termos de publicações, são discutidas questões
como se livros devem contar na pontuação de produtividade intelectual. Outro importante
contencioso é a hierarquização das revistas (Novaes, 2008). Trata-se de um assunto mais
caro a um grupo mais ligado à pesquisa pura, à fração mais autônoma do campo de

13 Esse contencioso foi mencionado em entrevistas com Fernando Cardim de Carvalho, com Pedro
Cavalcanti Ferreira e com Alexandre Cunha.

48
produção de conhecimento econômico, pois trata-se de uma arena que influencia
diretamente a capacidade de se levar adiante, com sucesso, a pesquisa econômica mais
distanciada da discussão política.

49
2 A CIÊNCIA ECONÔMICA: SEUS PRODUTORES E SUAS DIFERENTES
FORMAS

Esse capítulo aprofunda o estudo do campo de produção de conhecimento


econômico no Brasil, ao observar as produções de pesquisadores em diferentes pontos de
sua estrutura. O intuito é verificar se a interpretação do modelo elaborado se mantem,
quando se observa mais de perto o que os produtores de conhecimento econômico fazem.
Para isso, separamos o Gráfico 1.7, que mostra os indivíduos distribuídos no plano do
primeiro e do segundo eixos fatoriais, em seus quatro quadrantes. Cada um deles é, então
examinado a partir de artigos dos indivíduos neles posicionados. Primeiro, examinamos as
produções daquilo que o modelo revelou como heterodoxia consagrada. Segundo,
passamos ao estudo dos artigos da heterodoxia menos consagrada, com o objetivo de
encontrar os elementos que separam estes daqueles. Terceiro, investigamos as produções
da ortodoxia consagrada e, quarto, da ortodoxia menos consagrada. Concluímos que há
pequenos refinamentos necessário quando à interpretação do modelo feita no capítulo
anterior. Por fim, fazemos uma pequena alteração teórica que explica melhor a lógica da
dinâmica de disputas do campo estudado.

2.1 POLÍTICA ECONÔMICA E SUA CRÍTICA: A HETERODOXIA CONSAGRADA

O primeiro quadrante é aquele que corresponde a um perfil de economistas mais


consagrados e de linhas heterodoxas. Primeiramente, examinamos as produções dos
indivíduos posicionados nessa região do campo do conhecimento econômico. Como não
podemos comentar a totalidade dos escritos desses indivíduos, procuramos selecionar
artigos que exemplificam as características do conjunto de autores que se encontram
próximos nessa área do gráfico. Concluímos essa seção, afirmando que se trata de um
agrupamento de indivíduos engajados em discussões de política econômica brasileira. Há,
nesse grupo, alguns economistas que não possuem características comumente atribuídas à
heterodoxia; todavia, seu número é reduzido. Essa heterogeneidade, atestada
principalmente por redes inter-institucionais de indivíduos ligados em associações (AKB)
ou ligados por antigas colaborações conjuntas no governo (formuladores do Plano Real),
não é harmoniosa e resulta em embates em torno de questões de política econômica.

50
Agrupados nessa área do gráfico da ACM (Gráfico 2.1), se encontram nomes
conhecidos como Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da fazenda durante o governo
Sarney, e Luiz Gonzaga Belluzzo, secretário de política econômica do Ministério da
Fazendo também durante o governo Sarney. Junto a esses nomes estão uma série de outros
pós-keynesianos: Fernando Cardim de Carvalho da UFRJ e alguns de seus ex-orientandos
de doutorado: José Luis Oreiro (UnB), João Sicsú (UFRJ) e Helder Mendonça (UFF).
Outros pesquisadores que aparecem são Luiz Fernando de Paula (UERJ) e Gilberto Tadeu
Lima (USP). Todas essas pessoas mencionadas acima têm em comum o fato de estarem
ligadas à Associação Keynesiana Brasileira (AKB); aqueles de geração mais antigas como
patronos e os mais jovens como diretores ou conselheiros. Outro nome, embora desligado
dessa rede, também aparece nesse agrupamento: Edmar Bacha. Um dos formuladores do
Plano Real, Bacha tem escrito sobre política econômica brasileira, propondo receitas que
se alinham com proposta de um outro formulador do Plano Real ausente da amostra aqui
trabalhada, Persio Arida.
Como primeiro exemplo, mencionamos aqui o artigo “Uma contribuição ao debate
em torno da eficiência da política monetária e algumas implicações para o caso do Brasil”
de Fernando Cardim de Carvalho (2005). Nesse artigo, Carvalho discute, em primeiro
lugar, a oposição entre concepções ortodoxas e keynesianas sobre o efeito da política
monetária. A posição ortodoxa é a da neutralidade da moeda no longo prazo, isto é, a
perspectiva segundo a qual expansões monetárias não tem efeito sobre variáveis reais da
economia num longo período. Uma expansão monetária só funcionaria como maneira de
promover crescimento no curto prazo: os agentes logo descobrem que a maior quantidade
de moeda em suas mãos não se traduz na possibilidade de adquirir mais bens e serviços,
pois a capacidade produtiva da economia permanece a mesma, e, assim, o resultado é
apenas um reajuste para cima de todos os preços. A posição keynesiana, ao contrário,
defende que a moeda não é neutra e que a política monetária tem conseqüências para
variáveis reais da economia. A moeda não é só um meio de pagamento, ela é também um
ativo como qualquer outro. Sua especificidade está em sua liquidez, em sua capacidade de
liquidação dos compromissos futuros dos agentes. Essa característica faz com que a moeda
seja um ativo que dá segurança frente à incerteza e, por esse motivo, influencia a
preferência dos agentes em relação a outros ativos, como bens de capital. Dessa maneira, a
política monetária também influenciaria decisões de investimento, decisões que

51
determinam a demanda e a capacidade produtiva futura da economia. Em seguida,
Carvalho descreve especificidades institucionais brasileiras e ressalta a importância da
política monetária como um instrumento de política econômica.

Gráfico 2.1 – Primeiro quadrante (superior esquerdo)

O sistema de metas de inflação, adotado no Brasil em 1999, é baseado na idéia


ortodoxa da neutralidade da moeda. Segundo esse sistema de política monetária, a
autoridade monetária, ou seja, o Banco Central, não deve ter como objetivo o crescimento
econômico, pois tal atribuição estaria fora de seu escopo. Portanto, o Banco Central deve
apenas se encarregar da estabilidade de preços, tendo como instrumento a taxa de juros. A
isso corresponde também uma crescente independência do BC, na medida em que ele deve

52
ser formalmente desligado da manipulação pelo campo político. Carvalho se apóia em
várias idéias keynesianas ao rejeitar a teoria que fundamenta esse arranjo institucional da
política monetária brasileira. No artigo, esse autor propõe então que o Banco Central não
seja independente. Por um lado, ele não deve ser desligado da política quanto a seus fins,
ou seja, à estabilidade de preços, deve-se acrescentar também o crescimento econômico
como objetivo. Por outro lado, ele não deve ser desligado da política quanto a seus
instrumentos, pois a taxa de juros seria um elemento chave na determinação do
investimento.
Além da política monetária, a política de controle do fluxo de capitais aparece
enquanto importante contencioso nas produções dos indivíduos encontrados nesse primeiro
quadrante. No artigo “Controvérsias recentes sobre controles de capitais”, por Fernando
Cardim de Carvalho e João Sicsú (2004), os autores abordam as críticas à liberalização dos
fluxos de capital financeiro. Os defensores dessa liberalização mencionados no artigo são
autores anglo-saxões e, alguns deles, como Stanley Fischer, assumiram cargos no FMI nos
anos 90. A parte mais fundamental do argumento desses defensores é que a liberalização
teria como conseqüência uma melhor alocação dos capitais internacionalmente. Como a
produtividade desse capital seria menor em países desenvolvidos que em países em
desenvolvimento, eles se deslocariam para os últimos, em busca de maior rentabilidade,
promovendo seu crescimento econômico. Carvalho e Sicsú apresentam, em seguida, as
críticas à liberalização. Uma parte dos críticos enfatiza que os mercados financeiros não
operariam sem imperfeições, devido ao risco moral e à seleção adversa (Stiglitz e Weiss,
1981). Uma segunda crítica, mais radical, parte da corrente keynesiana, para a qual a
natureza do mercado financeiro depende, em grande parte, de fatores subjetivos, do animal
spirit dos agentes, dos estados de confiança, devido ao caráter incerto e inacessível do
futuro14. A alocação ótima dos recursos via liberalização de fluxos financeiros não faz
qualquer sentido segundo essa corrente. Carvalho e Sicsú argumentam, por fim, que não há
evidencia empírica que confirme os benefícios de medidas liberalizantes.
O mesmo tema é abordado em Bresser Pereira e Nakano (2003). A seguinte citação,
embora longa, expõem claramente como funciona o argumento a favor da eliminação de
barreiras para circulação de capitais e qual é, na visão dos autores, o problema com isso:

14 A noção de incerteza que não pode ser acessada por probabilidades é construída em Keynes (1921).

53
Desde a crise da dívida externa dos anos 80, os países endividados, particularmente os
latino-americanos, vêm aprendendo a seguinte mensagem básica dos países ricos:
“sabemos que vocês não contam com recursos internos suficientes para financiar seu
crescimento, mas não se preocupem: controlem o déficit orçamentário, abram e reformem
a economia e dêem acesso aos ativos internos, que nós financiaremos seu desenvolvimento
econômico”. Em outras palavras, cuidem das finanças do Estado e dêem início às reformas
orientadas para o mercado, que os fluxos de capital do mercado internacional cuidarão de
vocês, e vocês voltarão a experimentar crescimento econômico. Essa poupança externa —
acrescentou-se — virá mais sob a forma de investimentos diretos do que de empréstimos,
quanto melhor você se comportar. Esta visão, oriunda dos países desenvolvidos, das
organizações internacionais oficiais, das corporações multinacionais que investem no
exterior e do sistema financeiro internacional, parece razoável, tão razoável que, no início
dos anos 90, quando os fluxos financeiros internacionais foram retomados após a crise da
dívida externa, transformou-se numa crença sólida ou em uma opinião comumente aceita
tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento (Bresser Pereira;
Nakano, 2003, p.4).

Bresser e Nakano rejeitam a idéia de que é possível crescimento econômico baseado na


liberalização dos fluxos de capitais, medida que traria esses fluxos, essa poupança externa,
para países em desenvolvimento. Os autores afirmam que esses fluxos são direcionados
para o consumo e não para o investimento. Desse modo, a dívida externa se acumula sem
que haja possibilidade de pagamento no futuro. Num contexto de altas taxas de juros, os
pagamentos da dívida absorvem partes cada vez maiores das receitas com exportações, ao
ponto de não haver mais reservas de divisas para os pagamentos.
A receita da abertura completa para entrada e saída de capitais é criticada por Sicsú
(2006) em seu artigo intitulado “Rumos da liberalização financeira brasileira”. Nele, o
autor faz um balanço das medidas liberalizantes no setor financeiro brasileiro e avança a
conclusão de que essas medidas têm causado uma série de instabilidades, mas que, de todo
modo, estratégias retóricas tem sido aplicadas para afirmar que ainda não se chegou ao
grau desejado de liberalização e, por isso, os benefícios esperados das medidas ainda não
aconteceram:

O CMN e o BCB mantêm o país na rota da liberalização financeira, cada dia mais
acentuada. As novas medidas reafirmam e consolidam a estratégia liberalizante e, além
disso, indicam o próximo passo: o fim da cobertura cambial nas exportações. Há duas
crenças que sustentam a convicção nesta estratégia. A primeira, que os especuladores (e/ou
exportadores) são capazes de estabilizar a taxa de câmbio em momentos críticos, o que já
foi refutado pela experiência recente. A segunda, que se os benefícios advindos da
integração financeira ainda não chegaram é porque é preciso aprofundar a liberalização, o
que a experiência futura jamais poderá refutar — porque sempre será possível aprofundar a
liberalização e, então, este argumento poderá ser repetido eternamente. Estas idéias são

54
meras crenças subjetivas e vagas porque já foram refutadas pelas experiências passadas ou
porque jamais poderão ser refutadas por experiências futuras (Sicsú, 2006, p.379-380).

Nesse ponto, a questão do controle de capitais toca um assunto correlato: a política


de câmbio. Essa também aparece enquanto um contencioso para os economistas do
primeiro quadrante. O exemplo que apresentamos agora é um texto escrito em conjunto por
José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula e Gilberto Tadeu Lima, junto com outros dois
autores não presentes em nossa amostra: Frederico Jayme Jr. 15 e Fernando Ferrari Filho16
(2005). Nos textos apresentados acima, as idéias criticadas são idéias de economistas
estrangeiros. Esse texto é interessante, pois debate diretamente a idéia de autores nacionais:
a convertibilidade plena do Real, defendida por Pérsio Arida (2003) e por Edmar Bacha
(2003). Arida e Bacha defendem a idéia segundo a qual deve-se abolir interferências na
taxa de câmbio: “Ainda que nossa trajetória tenha sido muito distante da ideal, logramos
finalmente estabelecer o tripé saudável de políticas macroeconômicas: superávit fiscal
primário expressivo, taxa básica de juros voltada para a obtenção da meta inflacionária e
taxa de câmbio flutuante” (Arida, 2003, pp.151-152). O argumento é que as taxas de juros
vigentes são mais altas, pois elas contêm embutidas um prêmio de risco cambial. A
remuneração de títulos do governo brasileiro, por exemplo, precisam ter uma remuneração
mais alta num regime de administração do câmbio, pois o investidor estrangeiro não está
certo quanto a atuação do Banco Central: certas medidas dessa instituição voltadas para o
controle do câmbio diminuem a quantia de dólares no mercado brasileiro, o que pode
resultar numa falta dessa moeda para a remuneração do investidor estrangeiro. O controle
do câmbio é um risco para o mercado financeiro; todo risco, para ser assumido, necessita
uma remuneração. Daí a conclusão de que as taxas de juros no Brasil poderiam ser mais
baixas, caso o Real fosse plenamente convertível em dólares, caso o câmbio flutuasse
livremente. Com juros mais baixos, o investimento aumentaria, trazendo crescimento
econômico.
Ferrari et al. (2005) se opõem à idéia de convertibilidade plena. Suas reflexões
indicam que tal medida traria grandes instabilidades cambiais. Esse tipo de instabilidade
seria extremamente danoso para a indústria do país. Portanto, a receita seria inversa. Em
primeiro lugar, deveria haver a administração de uma taxa de câmbio adequada para

15 Professor do Departamento de Economia da UFMG.


16 Professor do Departamento de Economia da UFRGS, também ligado à Associação Keynesiana Brasileira.

55
superávits no saldo comercial, o que geraria reservas de moeda estrangeira suficientes para
demonstrar credibilidade aos investidores estrangeiros quanto à capacidade do governo
brasileiro de honrar seus compromissos em dólares. O interessante na exposição dessas
produções, é que elas expõem a taxa de câmbio enquanto um importante contencioso entre
essa série de economistas heterodoxos ligados à corrente pós-keynesiana e outros
economistas envolvidos na formulação do Plano Real. Em suma, o argumento dos pós-
keynesianos se alinha à crítica da neutralidade da moeda, como resumida brevemente em
Carvalho (2005), e estende as implicações dessa crítica à política cambial.
Outro tema bastante recorrente nas produções dos indivíduos mencionados
anteriormente é o resgate de idéias de coordenação da economia pelo Estado. Por se ligar
historicamente com as idéias econômicas keynesianas e cepalinas que fundamentavam a
ideologia desenvolvimentista das décadas de 1950 e 1960 (Bielschowsky, 1996), esse
resgate tem sido frequentemente denominado como “novo desenvolvimentismo”. Trata-se
de um conjunto de idéias que se opõe a receitas anglo-saxãs de desenvolvimento e que
coloca os pós-keynesiano, aqui como neo-desenvolvimentistas, em um front oposto ao
formuladores do Plano Real. Como exemplo, expomos brevemente concepções centrais do
artigo “Por que novo-desenvolvimentismo?” de Luiz Fernando de Paula, João Sicsú e
Renault Michel (2007) e do artigo “O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia
convencional” de Luiz Carlos Bresser Pereira (2006).
O artigo de Bresser define o novo desenvolvimentismo como um conjunto de
propostas alternativas ao discurso populista (esquerda burocrática) e ao discurso da
ortodoxia convencional (receitas vindas de países desenvolvidos). Seria uma corrente de
pensamento voltada a retomada das idéias econômicas dos anos 50 e 60; entretanto,
adaptados ao Brasil atual. O projeto de industrialização por substituição de importações
teria atingido seu objetivo. Por essa razão, o protecionismo é rejeitado em nome do
incentivo à exportação de manufaturas, por meio de subsídios e política cambial ativa.
Trata-se também de um projeto de desenvolvimento nacional, que procura uma receita para
fazer o Brasil voltar a crescer economicamente com estabilidade. Ao contrário da receita
ortodoxa que propõe um controle da inflação e das contas públicas, o novo
desenvolvimentismo propõe a manutenção de estabilidade macroeconômica, ou seja, de
uma estabilidade global da economia (saldos comerciais, crescimento, etc.) e não só do
nível de preços e das contas públicas. Os artigos de Bresser (2006) e Sicsú, Paula e Michel

56
(2007), são congruentes no debate quanto à política monetária: ela não deveria obedecer
apenas ao controle da inflação, mas deveria ter um papel ativo na promoção do
crescimento. Enquanto a ortodoxia defende o fortalecimento do mercado, o novo
desenvolvimentismo defenderia o fortalecimento tanto do mercado quanto do Estado. Por
fim, a receita ortodoxa apontaria a poupança externa como solução para o crescimento; o
novo desenvolvimentismo propõe a promoção da poupança interna e a inovação.
Os exemplos podem ser multiplicados, mas esses parecem ser os temas mais
importantes presentes nas produções desse conjunto de indivíduos que podemos denominar
de heterodoxos: política monetária, controle de capitais, política cambial e políticas de
desenvolvimento. Suas posições quanto a esses temas levam comumente a marca do
keynesianismo ou, ainda, a marca de um pensamento cepalino. Todavia, esses indivíduos
compartilham de algumas características que seriam atribuídas aos ortodoxos. Esse
conjunto de indivíduos não se exclui da discussão teórica matematizada, como pode ser
observado em Oreiro e Ono (2007), ou que dispense métodos econométricos na construção
de evidências para seus argumentos, o que pode ser visto em Bresser Pereira e Nakano
(2003). Esses pesquisadores aliam a discussão de questões de política econômica com a
pesquisa teórica, com a formulação de modelos e com a utilização de técnicas
econométricas.
Junto às pessoas, cujas produções foram apresentadas acima, é possível encontrar
nomes que podem ser interpretados como “outliers”, pois eles não apresentam as
características típicas da heterodoxia. Edmar Bacha aparece na amostra devido a suas
publicações recentes na Revista de Economia Política; daí sua posição 17. Bacha é um dos
formuladores do Plano Real e trabalha hoje no Instituto de estudos de política econômica
Casa das Garças. Embora ele tenha sido professor da PUC-RJ nos anos 80, um período no
qual essa instituição era conhecida como escola heterodoxa (Presser, 2001), seus trabalhos
atuais tem defendido reformas voltadas para o mercado. Como mencionado acima, ele tem
suas idéias criticadas pelo conjunto de heterodoxos. Como explicar sua posição junto a
seus críticos no modelo aqui elaborado? Tratar-se-ia realmente de um pólo cujas
características determinam uma heterodoxia?

17 Além de Bacha, Eduardo de Carvalho Andrade aparece entre os heterodoxos. Ele é professor do Ibmec-
SP, estudou com Robert Lucas em Chicago nos anos 90, atributos que não são tão compatíveis com a
heterodoxia. Sua posição se deve ao fato dele ter publicado artigos, dentre os periódicos tomados para o
estudo, na Revista de Economia Política, trabalhando questões de educação e crescimento econômico.

57
As conclusões que se pode tirar do exame da produção dos indivíduos localizados
nesse primeiro quadrante, dos temas abordados por eles, das correntes teóricas adotadas,
das redes verificáveis por co-autorias ou co-filiação em associações (pós-keynesianos/neo-
desenvolvimentistas) ou por um passado de colaboração conjunta no governo (Bacha e
Arida) são as seguintes. O modelo formulado identifica aqui não precisamente uma
heterodoxia homogênea, mas um conjunto de indivíduos reunidos principalmente por seu
engajamento em questões de política econômica brasileira. É por esse motivo que eles
aparecem associados à modalidade da área de macroeconomia no Gráfico 1.4. Seu
principal fórum é a Revista de Economia Política. Muitos deles possuem circulação
internacional e praticamente todos publicam em inglês e no exterior. Como mencionado
acima, é um conjunto de economistas que não dispensa instrumentos como modelos e
econometria. Essas características são válidas tanto para o pós-keynesianos/neo-
desenvolvimentistas como para outros economistas que tratam de questões de política
econômica baseados em correntes neo-liberais. O que foi possível identificar, no entanto,
foi que esse meio da discussão sobre questões de política econômica brasileira é
predominantemente pós-keynesiano ou neo-desenvolvimentista no fórum determinado pela
Revista de Economia Política. Cabe a investigações futuras observar como essa
predominância se comportaria quando tomadas em conta outras instância de discussão.

2.2 UMA OUTRA HETERODOXIA: HISTÓRIAS E METODOLOGIAS

Passamos ao estudo do quarto quadrante (inferior esquerdo), pois ele guarda


semelhanças com o grupo de indivíduos examinados acima: trata-se também de
economistas heterodoxos, mas menos consagrados (Gráfico 2.2). Novamente exploramos
um conjunto de artigos para exemplificar que tipo de Ciência Econômica é feita pelos
indivíduos localizados nesse quadrante. É um grupo relativamente homogêneo de
pesquisadores que trabalha os seguintes temas: história econômica, história do pensamento
econômico, metodologia da Ciência Econômica e interpretações marxistas da economia.
Embora esses pesquisadores sejam comumente ligados à Sociedade de Economia Política
(SEP) e à Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE),
percebe-se que, ao contrário do grupo de indivíduos do primeiro quadrante, as redes de co-
autoria não costumam se estender de modo inter-institucional. Concluímos com a

58
observação de que a não consagração desse grupo está relacionada à distância que suas
produções tem de questões que interessam ao campo político e ao campo econômico. A
escolha das áreas de atuação é, portanto, um fator que determina uma certa hierarquia
social no interior do pensamento econômico heterodoxo.
O primeiro exemplo é um artigo de Ana Maria Bianchi (USP) em conjunto com
uma orientanda de mestrado, Roberta Muramatsu (2005). No artigo “A volta de Ulisses:
anotações sobre a lógica de planos e compromissos” o objetivo das autoras é mostrar que
“o conteúdo psicológico minimalista característico da visão ortodoxa de ação racional
limita o valor explicativo dessa teoria” (p.25). É um texto que crítica um pressuposto
amplamente utilizado na Ciência Econômica, a ação racional do agente econômico.
Utilizando aspectos da filosofia de Kant, as autoras elaboram um modelo de ação capaz de
incorporar o comprometimento como uma das dimensões da ação. Assim, elas procuram
dar conta de preferências que não são determinadas em situação (escolha entre quantidade
de bem A e de bem B) e de preferências incomensuráveis. Tal texto se insere numa área de
debates comumente chamada de Metodologia da Economia entre os economistas. Outro
exemplo nessa linha é o artigo de Alain Herscovici (UFES), “Historicidade, Entropia e
Não-Linearidade: algumas aplicações possíveis na Ciência Econômica” (2005). Nesse
texto, o autor procura definir historicidade na Ciência Econômica. Ele faz uma revisão de
metodologias de indeterminação em ciências como Física e Química e elabora, então, uma
definição de historicidade em Economia com base na não ergodicidade dos sistemas.
Laura Valladão Mattos, em seu artigo “As razões do laissez-faire: uma análise do
ataque ao mercantilismo e da defesa da liberdade econômica na Riqueza das
Nações”(2007), a autora estuda os argumentos de Smith em favor da liberdade econômica.
Nesse texto, Mattos mostra os argumentos de Smith em termos de benefícios para a
produção anual de uma nação e para a promoção da liberdade e da justiça. É um estudo na
área de História do Pensamento Econômico, publicado na Revista de Economia Política.
Outro exemplo de estudo voltado à História do Pensamento Econômico pode ser
encontrado em “Nações e estilos de economia política” de Hugo da Gama Cerqueira,
Eduardo da Motta e Albuquerque e João Antonio de Paula. Todos são professores da
UFMG; os dois primeiros estão presentes na amostra de economistas utilizados e se
encontram no Gráfico 2.2. Nesse texto, os autores examinam variantes alemã, austríaca,
francesa e inglesa na disciplina de Economia Política até o século XIX.

59
Gráfico 2.2 – Quarto quadrante (inferior esquerdo)

O artigo “A Revolução de 1930: uma sugestão de interpretação baseada na nova


economia institucional” (2007), de Newton Bueno (UFV), exemplifica a atuação na área de
História Econômica. Nesse texto, o autor busca explicar os acontecimentos de 1930, a
deposição de Washington Luís e a ascensão de Getúlio Vargas, utilizando o instrumental da
Nova Economia Institucionalista. Ao investigar seu objeto, Bueno faz ressalvas quanto a
algumas versões desse novo institucionalismo, nomeadamente a de Douglas North e a de
Oliver Williamson, pois elas teriam uma ênfase excessiva nas negociações por diminuição
de custos de transação. Bueno parte, então, para a utilização da teoria de Olson, afirmando
que a lógica da ação coletiva se encaixa melhor na compreensão dos fenômenos de 1930.

60
Um segundo exemplo na área de História Econômica é o artigo “Dinamismo econômico e
batismos de ingênuos: a libertação do ventre da escrava em Casa Branca e Iguape,
província de São Paulo (1871-1885)” (2008), de José Flávio Motta (USP) e um ex-
orientando, Agnaldo Valentin. Nesse texto, os autores investigam questões demográficas
entre escravos nascidos livres no período, como afirma o título, 1871-1885. O pano de
fundo é a diferença de dinamismo econômico das localidades escolhidas para o estudo:
uma em declínio, a outra na fronteira da expansão cafeeira.
As abordagens marxistas podem ser exemplificadas no texto de José Ricardo Tauile
(UFRJ) e Luiz Augusto Faria (UFRGS), “A acumulação produtiva no capitalismo
contemporâneo” (2004). Nesse artigo, os autores abordam questões como trabalho,
concorrência e relação entre capital produtivo e capital financeiro no contexto do
capitalismo contemporâneo à luz de Marx. Outro exemplo é o artigo “Pós-grande indústria
e neoliberalismo” (2005), de Eleutério Prado (USP). O autor debate a fase contemporânea
do capitalismo, de mundialização e liberalização, também à luz de Marx, afirmando que se
trata de um novo desenvolvimento da contradição capital-trabalho.
Nesse quadrante aparecem ainda economistas cujas produções possuem
semelhanças com as produções dos indivíduos estudados no primeiro quadrante. Em geral
são economistas da Unicamp. Daniela Magalhães Prates (Unicamp), por exemplo,
publicou na revista Estudos Econômicos o artigo “Resenha crítica: a literatura
convencional sobre crises financeiras nos países 'emergentes': os modelos desenvolvidos
nos anos 90” (2005). Nesse artigo, a autora documenta três gerações de modelos ortodoxos
que procuram dar conta de crises financeiras em países em desenvolvimento. Os
desenvolvimentos desses modelos aconteceram ao longo da série de crises (México,
Rússia, Argentina, Brasil) no fim dos anos 90 e início dos 2000. Essas três gerações se
desenvolveram em resposta adaptativa, já que essas crises não conseguiam ser explicadas
pelos modelos. Outro exemplo é o artigo “Política industrial e desenvolvimento” (2006),
de Wilson Suzigan (Unicamp) e João Furtado (Unicamp). Os autores discutem a política
industrial em vigor na época em que o artigo foi escrito, além de discutir teorias de política
industrial e crescimento econômico.
A forma de fazer Ciência Econômica que encontramos aqui possui as seguintes
características. Com exceção das produções de autores da Unicamp, mencionadas no
parágrafo acima, trata-se de uma Ciência Econômica que mantém uma certa distância das

61
discussões de política econômica. Os aspectos tratados ou são de uma natureza bastante
específica, como o pressuposto de racionalidade na teoria econômica, ou de natureza
bastante ampla, como no caso de discussões marxistas sobre o caráter do capitalismo
contemporâneo. Assim, os autores não chegam a tratar as questões ligadas ao campo
político, tão caras aos economistas abordados na seção anterior. A forte presença, nesse
quadrante, de especialistas na área de História Econômica também os distancia da
discussão de temas presentes, das discussões sobre as conseqüências da implantação de tal
ou tal medida pelo governo no presente. As investigações nas áreas de história do
pensamento econômico e de metodologia da economia são outro fator que distancia os
pesquisadores desse quadrante daqueles tratados na seção anterior. Essas áreas estão
preocupadas em examinar as condições históricas de surgimento das idéias utilizadas pelos
economistas que discutem política econômica. Além disso, eles estão interessados nas
conseqüências epistemológicas e na utilidade heurística ligadas à adoção de determinados
pressupostos. Sua ênfase está não na política econômica em si, mas nos fundamentos do
pensamento que os economistas utilizam para discutir política econômica. As produções
examinadas aqui também revelam outro fator que distingue os economistas desse quarto
quadrante dos outros. Eles são os que se encontram mais distantes das técnicas
matemáticas sofisticadas. Nos artigos apresentados acima, nenhum deles utilizava mais que
tabelas, gráficos ou figuras para ilustrar alguma estatística ou algum argumento.

2.3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA ORTODOXIA CONSAGRADA E A AUTONOMIA


DO CAMPO

No segundo quadrante, se encontram os economistas ortodoxos de maior grau de


consagração. Para exemplificar as produções desse tipo de economista, apresentamos
exemplos de pesquisas em Economia financeira, em Macroeconomia, em Economia
internacional, em Economia do trabalho e Economia do desenvolvimento. Essas áreas, com
freqüência, se interpenetram nos artigos abordados. Os indivíduos também apresentam
frequentemente redes de co-autoria que vão além de suas instituições. Um aspecto em
comum a muitos dos indivíduos encontrados nessa região do gráfico (Gráfico 2.3) é a
filiação a Sociedade Brasileira de Econometria (SBE). Essa filiação revela a preferência
por esse tipo de técnica na confecção dos artigos. Mas a produção de conhecimento

62
econômico desses pesquisadores não se baseia somente nela: é constante a presença de
formulações de modelos e de simulações. Após mostrar alguns exemplos de produções
científicas, discutimos brevemente como essa ortodoxia se coloca em uma posição mais
“pura” da produção de conhecimento econômico. Essa “pureza” se refere, primeiro, ao
distanciamento com relação a temas de política econômica. De fato, a ortodoxia produz
avaliações que implicam em algum posicionamento sobre as conseqüências de
determinadas medidas tomadas pelo governo. Não obstante, como será mostrado em
seguida, essas implicações costumam ser bastante pontuais, fruto de uma ambição mais
científica que política. Segundo, essa pureza se refere ao refinamento da teoria econômica,
pois são abordagens menos próximas da interdisciplinaridade da heterodoxia não
consagrada, a qual dialoga de modo recorrente com disciplinas como a História, a
Filosofia, a Ciência Política e a Sociologia. Finalmente, a distância que o conhecimento
econômico ortodoxo mantêm dessas disciplinas contrasta com a semelhança de métodos
com relação às Ciências Naturais18.
O primeiro exemplo trata de questões de Economia financeira. Eurilton Araújo
(Ibmec-SP) e José Fajardo (Ibmec-RJ), junto a um pesquisador não incluído em nossa
amostra, Leonardo de Tavani (Ibmec-RJ), procuram testar a adequação de um modelo de
precificação de ativos financeiros (CAPM, Capital Asset Pricing Model), tomando o PIB
como proxy para uma carteira de mercado, em seu artigo “CAPM usando uma carteira

18 Se existe uma divisão entre Ciências Sociais e Ciências Naturais e quais seriam os fundamentos dessa
divisão são questões em torno das quais não há um consenso estabilizado. Por falta de espaço, não
podemos abordar essa discussão. Cabe apenas resumir as linhas gerais de como essa divisão é tratada no
presente estudo. A primeira separação sistemática entre essas duas famílias científicas pode ser
reconhecida na distinção diltheyniana entre dois tipo de conhecimento dos fenômenos: compreensão e
explicação, o primeiro destinado às Ciências Sociais, o segundo às Ciências Naturais. Todavia, a divisão
que sugerimos aqui é meramente prática e não epistemológica. Um dos grandes marcos na filosofia da
ciência é a proposta popperiana do falsificacionismo (Popper, 1994). Além da a ênfase de Popper com
relação à provisoriedade do conhecimento, uma conseqüência importante de sua filosofia é o
deslocamento de grandes sistemas de pensamento para proposições referentes à fenômenos mais
circunscritos. Grandes sistemas de pensamento não podem ser falseados; para que eles sejam científicos,
segundo Popper, é preciso que seus postulados possam ser formulados em hipóteses testáveis. As Ciências
Sociais, principalmente a Sociologia e a Antropologia, sempre adotaram de modo parcial essa proposta.
Grandes nomes da Sociologia como Parsons (1937) ou Bourdieu (1979) são exemplos de grandes
sistemas teóricos que pouco tem a ver com as perspectivas de Popper. As Ciências Naturais, por sua vez,
colocaram menos obstáculos à adoção do falsificacionismo. Essa escolha das Ciências Naturais pode ser
vista até mesmo em livros de divulgação para o grande público de físicos proeminentes (Hawking, 2001,
p.31). Em suma, destacamos que, para a presente discussão, essas duas famílias científicas não se
diferenciam pois uma ou outra realiza experimentos, utiliza técnicas estatísticas ou formula modelos
matemáticos, mas porque as Ciências Naturais estão bem mais próximas da filosofia popperiana, o que
possui implicações para os procedimentos de pesquisa, como será discutido adiante com base em Arida
(1996).

63
sintética do PIB brasileiro” (2006). Críticas ao CAPM apontam que o modelo
simplesmente não pode ser calculado, pois ele precisa de um parâmetro para o retorno de
uma carteira de mercado, o que não é um valor observável. Com o intuito de examinar se
os preços de ativos financeiros previstos pelo modelo possuem uma capacidade satisfatória
de previsão dos preços observados, é necessário trabalhar com uma variável que possa
servir de aproximação do retorno da carteira de mercado. Os autores escolhem o PIB como
uma aproximação desse retorno, pois ele “é o resultado de todos os fatores e atividades da
economia, incluindo capital humano, mercado financeiro, imóveis e qualquer outro
mercado significativo. Portanto, esta carteira agregada seria algo mais próximo à carteira
de mercado do ponto de vista conceitual” (Araújo et al., 2006, pp.466-467). Os resultados
mostram que a proxy escolhida não se adequou ao funcionamento do modelo, na medida
em que os resultados do modelo não conseguiram prever satisfatoriamente as flutuações de
preços de ativos financeiros.
O segundo exemplo traz a utilização de técnicas econométricas na avaliação da
implantação de uma determinada medida econômica. Em “Os efeitos do aumento da
licença-maternidade sobre o salário e o emprego da mulher no Brasil” (2006), Gustavo
Gonzaga (PUC-RJ), junto a dois co-autores não presentes em nossa amostra, Sandro
Sacchet de Carvalho (PUC-RJ) e Sergio Firpo (PUC-RJ), examina como o aumento do
tempo da licença-maternidade, determinada na Constituição de 1988, alterou o nível de
salários das mulheres e outras questões ligadas ao emprego desse gênero, como sua
duração e a probabilidade de pedido de demissão. O objetivo é abordar empiricamente uma
questão que se apresenta ambígua na teoria econômica e tirar as implicações para a
implantação de políticas públicas nessa área. Quanto ao que diz a teoria econômica, a
legislação sobre licença-maternidade pode ter efeitos negativos sobre o emprego de
mulheres em idade fértil porque representam custos para os empregadores; entretanto,
representa um benefício, na medida em que aumentaria a oferta de trabalho. Além disso,
poderia haver um efeito positivo sobre os salários das mulheres, pois a legislação
possibilitaria um maior acúmulo de capital humano ao permitir que a trabalhadora evite se
retirar da força de trabalho cada vez que engravida. Os autores utilizam o método de
diferenças-em-diferenças, uma técnica econométrica que estima o efeito de determinada
medida, com base no comportamento de uma população de tratamento e de uma população
de controle. O modelo estimado parece bastante com uma regressão múltipla, pois diversos

64
parâmetros de controle (como idade, nível educacional, ramo de atividade, etc.) são
estimados em conjunto com o parâmetro das diferenças-em-diferenças. Os resultados
mostraram que os efeitos da alteração constitucional foram bastante reduzidos, tanto sobre
os salários quanto sobre o emprego. Portanto, em termos de políticas nessa área, chega-se à
conclusão de que tal medida não causa distorções no mercado de trabalho e pode, assim,
ser mais explorada, pois uma licença maternidade alongada traz bastantes benefícios para a
mãe e para o bebê. Desde que esses benefícios sejam maiores que os custos fiscais, é uma
medida que produz resultados positivos. O terceiro exemplo que apresentamos, segue a
mesma linha do segundo. Em seu artigo “Liberalização comercial e estruturas de emprego
e salário” (2004), Jorge Saba Arbache (UnB) e Carlos Henrique Corseuil (IPEA) procuram
investigar como a abertura comercial do fim da década de 1980 impactou sobre a estrutura
de emprego e salário da indústria manufatureira no Brasil. A estratégia dos autores é
estimar um modelo econométrico, que aponte para aumento ou diminuição de salários o do
número de empregos na indústria. As conclusões são que a liberalização comercial não
resultou em alterações significativas das estruturas de salário e emprego; houve uma
extrema estabilidade dessas estruturas durante a abertura.
O quarto exemplo aborda o uso de modelos de equilíbrio geral computáveis na
investigação dos efeitos de determinadas políticas. No artigo “The impacts of trade blocks
and tax reforms on the brazilian economy” (2004), de Alexandre Cunha (Ibmec-RJ), em
co-autoria com Arilton Teixeira (Fucape) (não presente na amostra), são investigados os
possíveis efeitos advindos da adesão brasileira a certos blocos comerciais e de reformas
tarifárias. Os autores estudam os impactos na economia brasileira de reduções tarifárias do
Brasil, da Argentina ou da implementação da ALCA. Para fazer isso, eles utilizam um
modelo de equilíbrio geral. Num modelo de equilíbrio geral, modela-se matematicamente
uma economia, tendo como base algumas hipóteses que possibilitam a obtenção de um
estado de equilíbrio. O cálculo que estabelece qual é esse estado de equilíbrio é feito a
partir da calibração do modelo com dados reais sobre as economias modeladas. Em
seguida, por meio de computadores, esse equilíbrio é calculado. Como mencionado no
capítulo anterior, na seção sobre as técnicas matemáticas, esse é um modelo computável,
um modelo simulado. Quando a simulação encontra o equilíbrio do modelo, pode-se
simular qual seria o novo equilíbrio distorcido no caso da implantação de alguma política
governamental ou, simplesmente, no caso de alguma modificação nos parâmetros. Nesse

65
artigo, os autores examinam quais são os deslocamentos do equilíbrio quando a Argentina
reduz barreiras tarifárias e quando a ALCA é implementada e quais as conseqüências desse
novo equilíbrio para o bem estar no Brasil, medido pela oscilação do PIB. As conclusões
do artigo são que os maiores ganhos de bem estar ocorreriam menos no caso de reduções
tarifárias da Argentina ou pela implementação da ALCA, mas por reduções tarifárias por
parte do Brasil.

Gráfico 2.3 – Segundo quadrante (superior direito)

Sérgio Guimarães Ferreira (Ibmec-RJ e BNDES), em seu artigo “Social security


reforms under an open economy: the Brazilian case” (2004), estuda os efeitos de mudanças
no sistema previdenciário brasileiro. O autor examina diversas variantes de alterações no

66
sistema: a eliminação completa dos benefícios, a substituição da contribuição sobre folha
por um imposto sobre o consumo ou sobre a renda de capital, a eliminação parcial de
benefícios de aposentadorias, além dos efeitos macroeconômicos e de bem estar dessas
medidas. Sérgio Ferreira utiliza um modelo de equilíbrio geral para estudar os efeitos
dessas mudanças hipotéticas no sistema previdenciário. O procedimento é o mesmo do
artigo de Cunha e Teixeira (2004). Assim que o equilíbrio do modelo é computado, pode-se
passar à alteração dos parâmetros e para o estudo dos novos equilíbrios atingidos. O
modelo de Ferreira é formulado para uma economia aberta. Desse modo, as conclusões do
artigo revelam como diferentes taxações para financiamento da previdência alteram o
balanço de transações correntes.
No artigo “Efeitos de crescimento e bem-estar da lei de parceria público-privada no
Brasil” (2008), Pedro Cavalcanti Ferreira (FGV-RJ), em co-autoria com um pesquisador
ausente de nossa amostra, Ricardo de Castro Pereira (UFC), examinam quais seriam os
impactos de uma nova lei na economia. A lei sobre parcerias público-privadas (PPPs) de
2004 versa sobre contratos envolvendo pagamentos sistemáticos do setor público ao
parceiro privado em contrapartida à oferta de serviços que, originalmente são ofertados
pelo primeiro, devido, por exemplo, aos seus retornos sociais serem superiores aos retornos
privados. O método utilizado é, também, a formulação de um modelo de equilíbrio geral
computável. Os autores calibram o modelo, simulando uma economia sem a lei das PPPs, e
chegam a seu resultado estacionário. Em seguida, eles simulam a economia com a lei e
observam as alterações dos valores de equilíbrio do modelo. As conclusões das simulações
são que a lei das PPPs traz um crescimento econômico pouco expressivo. Entretanto, ela
pode trazer um aumento do bem estar, medido em termos de variação de consumo
necessário para se alcançar um certo nível de utilidade.
Esses exemplos mostram como as características desses economistas são bastante
distintas daquelas de seus pares heterodoxos. Em primeiro lugar, o meio de divulgação
mais recorrente é a Revista Brasileira de Economia. A utilização de técnicas matemáticas
parece ser mandatória. Praticamente não há indivíduos nessa região do gráfico que
publiquem sem recorrer a um modelo matemático ou mesmo a sua simulação. Associadas
às matemáticas, as técnicas estatísticas que compõem a econometria também aparecem
constantemente. Além disso, é possível notar como a ortodoxia se relaciona com a política
e a economia. Nos exemplos acima, se encontram abordagens de temas pontuais: o efeito

67
de uma nova lei, da abertura comercial ou da licença maternidade. Muito diferente disso
são as discussões encontradas nos meios heterodoxos. As propostas do novo
desenvolvimentismo cobrem toda a economia: do câmbio à política industrial, do
financiamento de investimentos à promoção de inovações, do desenvolvimento a um
projeto de nação mais solidária. Essas diferenças revelam aspectos profundos do modo de
produção do conhecimento ortodoxo. Portanto, qual é o fundamento dessa distância de
questões mais mundanas e da ambição de dizer tudo sobre elas?
A Ciência Econômica ortodoxa, ou neoclássica, praticada no Brasil resguarda e
promove a pureza científica. Essa pureza se define em relação às impurezas do pólo
heterodoxo, o qual se envolve em questões que dizem respeito à política e à economia e,
ainda, dialoga com outras disciplinas, normalmente Ciências Humanas. Contra as
interferências dessas instâncias exteriores, os neoclássicos produzem um tipo de
conhecimento que promove a autonomia da Ciência Econômica. Um fenômeno se torna
interessante para o estudo, se ele contribui para o desenvolvimento da teoria econômica ou
se ele é estudado com o rigor pormenorizado de critérios científicos específicos. Embora se
distanciando de outras disciplinas, a Economia ortodoxa recorre aos critérios de
cientificidade das Ciências Naturais na afirmação de sua autonomia. A tradução mais
disseminada entre economistas desses critérios é a de Friedman (1953). Nesse texto,
Friedman defende um método instrumentalista para a Economia, de uma maneira bastante
convergente com o falsificacionismo popperiano (McCloskey, 1983). A Ciência Econômica
deve proceder, segundo essa perspectiva, lentamente, ao testar modelos por meio de
simulações ou de técnicas econométricas. As hipóteses falseadas no teste do modelo deve
ser abandonada. Além disso, essa proximidade metodológica das Ciências naturais também
está associada à história da Economia neoclássica. Entre os fundadores dessa corrente, se
encontram engenheiros e matemáticos, os quais se apropriaram de desenvolvimentos da
Física para fundamentar seus estudos da economia (Mirowski, 1989). Por essas razões, o
importante na Economia neoclássica é o que um método científico pode dizer sobre os
fenômenos. Como que seguindo o aforismo do primeiro Wittgenstein, os economistas
neoclássicos preferem se calar sobre aquilo do que não se pode falar.

68
2.4 A ORTODOXIA NÃO CONSAGRADA: À DISTÂNCIA DOS GRANDES
CENTROS

O terceiro quadrante é aquele ocupado por economistas ortodoxos menos


consagrados (Gráfico 2.4). Esses economistas possuem propriedades bastante semelhantes
às do grupo do segundo quadrante. Suas publicações aparecem, em geral, nas mesmas
revistas: na Revista Brasileira de Economia e na Pesquisa e Planejamento Econômico. A
utilização de técnicas matemáticas é, do mesmo modo, sempre presente. As áreas de
pesquisa também são semelhantes; no entanto, nesse terceiro quadrante, é possível
encontrar um número maior de pesquisadores que escrevem sobre Economia agrícola.
Além disso, as redes de co-autoria tendem a não se estender para além da própria
instituição dos pesquisadores. Abaixo estão alguns exemplos de produções dos indivíduos
desse quadrante. Após os exemplos, é esboçado um resumo das características que
distinguem esses economistas.
O primeiro exemplo é o artigo “Um estudo sobre retorno em escolaridade no
Brasil” (2004), de Adolfo Sachsida (UCB), Paulo Roberto Amorim Loureiro (UCB) e
Mário Jorge Cardoso de Mendonça (IPEA). A preocupação dos autores é descobrir fatores
que perturbam a estimação do retorno em escolaridade. As hipóteses de distúrbios são a
ocorrência de salário de reserva no mercado de trabalho, existência de endogeneidade na
decisão por estudo e, por fim, a existência de um viés de habilidade. Com base nessas
hipóteses, os autores especificam sete modelos e utilizam técnicas econométricas para
estimá-los. Eles chegam à conclusão que exceto pelo viés de habilidade, há distorções na
estimação dos ganhos com escolaridade no Brasil19.
O segundo exemplo é o artigo de Emerson Marinho (UFC), Mauricio Benegas

19 A conclusão em termos de recomendação política do artigo é a seguinte: “para níveis baixos de


escolaridade, abaixo do breaking point [12 anos de escolaridade], o retorno é bem reduzido, o que não
ocorre para níveis acima desse ponto. Assim, se tomarmos por base a equação de determinação individual
dos anos de estudo, isso significa que por sua própria iniciativa, o agente tem uma baixa propensão em
investir em escolaridade se ele se encontra num nível corrente de escolaridade abaixo do breaking point,
pelo fato da sua expectativa de retorno ser muito baixa. Caso seu nível de escolaridade esteja acima deste,
o seu incentivo de investir em educação é bastante elevado devido ao alto retorno. [...] Uma conseqüência
direta do que acabou de ser posto, diz respeito ao fato de que no caso da participação do governo no setor
de educação, isso deve ser feito principalmente para níveis mais elementares de ensino. Uma pessoa de
baixa renda e com pouca escolaridade não estaria propensa a investir em educação, pois teria que suportar
um custo muito alto gerado pelo baixo retorno até que o investimento se tornasse atrativo. O mesmo
raciocínio vale para famílias de baixa renda, que pelo mesmo motivo não estariam dispostas a investir na
escolaridade dos filhos” (Sachsida et al., 2004, pp.262-263).

69
(UFC) e Flavio Barreto (UFC) com o título “Vantagem comparativa dinâmica e
crescimento numa economia com dois setores: agrícola e industrial” (2007). Nesse
trabalho, os autores formulam um modelo matemático com o intuito de observar os efeitos
de uma situação onde há mais ganhos de produtividade na agricultura com relação à
industria e qual as conseqüências disso para o crescimento econômico. A partir do modelo,
foi possível observar como se comportaria a economia em casos de integração tecnológica
entre esses dois setores.

Gráfico 2.4 – Terceiro quadrante (inferior direito)

O terceiro exemplo apresentado é o artigo “Eficiência das sociedades cooperativas e


de capital na indústria de laticínios” (2007) de Marcelo J Braga (UFV), em co-autoria com

70
um indivíduo não presente em nossa amostra, Marco Aurélio Marques Ferreira (UFV).
Nesse estudo, com uma amostra de 107 unidades (cooperativas de laticínios), os autores
utilizam o método de Análise por Envoltória de Dados (AED) para examinar a eficiência
relativa dessas unidades. A AED é um procedimento que define uma curva de eficiência ou
de máxima produtividade que cada unidade pode atingir, considerando a relação ótima
insumo/produto, e mede a eficiência de cada unidade relativa a essa fronteira. As
conclusões dos autores são que as cooperativas estudadas possuem mais eficiência com
relação à escala que com relação à produtividade. Dentre os fatores que mais influenciam
na eficiência é a qualificação profissional e o apoio especializado à gestão, representadas
por consultorias especializadas.
O quarto exemplo é um artigo escrito por Angelo Costa Gurgel (USP de Ribeirão
Preto): “Impactos da integração comercial sobre a agricultura familiar no Brasil” (2007).
Nesse artigo, Gurgel formula um modelo de equilíbrio geral computável que discrimina
domicílios urbanos de domicílios rurais e, dentre esses últimos, entre propriedades de
agricultura patronal e de agricultura familiar. O modelo é elaborado com o objetivo de
estudar os efeitos da liberalização multilateral, de acordos regionais e de acordos entre
blocos na agricultura familiar. Os resultados de suas simulações apontam que há uma
melhoria nas condições da agricultura familiar no caso de liberalização comercial.
Entretanto, essa melhoria acontece em conjunto com um aumento da concentração de
renda no mundo rural.
Como é possível observar com base nos exemplos, as produções desses
economistas é bastante semelhante a dos economistas do segundo quadrante. Entretanto, a
Análise de Correspondências mostrou uma divisão entre esses indivíduos ao longo do
segundo eixo. Quais aspectos diferenciam então a ortodoxia? Em primeiro lugar, é possível
perceber uma divisão rural/urbano. A ortodoxia do terceiro quadrante é a que corresponde a
instituições como a Universidade Federal de Viçosa e a USP em Ribeirão Preto. Além
disso, o grupo desse quadrante é o responsável pela maior parte da pesquisa em Economia
agrícola. Em segundo lugar, a essa divisão rural/urbano se superpõe uma divisão entre
grandes centros e “periferia”. Em oposição às instituições principalmente do Rio de
Janeiro, as quais ocupam o primeiro quadrante, há uma outra ortodoxia que se encontra
fora dos grandes centros, em instituições no interior ou principalmente no nordeste. Em
terceiro lugar, o grupo do terceiro quadrante possui menos publicações nas revistas

71
brasileiras prestigiadas e publica menos em revistas anglo-saxãs. Além disso, esse grupo
também possui menor número de ortodoxos com premiações e com uma alta classificação
do cnpq. A distribuição desigual dessas distinções científicas também é um fator que divide
a ortodoxia. Por todas essas razões é possível observar que há diferenças em seu interior.
Todavia, essas diferenças são de uma ordem social no seguinte sentido: a prática científica
da ortodoxia aparece como mais homogênea que a da heterodoxia; mas a residência em
grandes centros, aliadas à posse de competências científicas incorporadas (capacidade de
produzir artigos que sejam aceitos em periódicos internacionais e nacionais prestigiados) e
objetivadas (alta classificação do cnpq e premiações) permite diferenciar entre uma
ortodoxia mais e outra menos consagrada. Assim, esse exame mais fino do indivíduos
distribuídos no gráfico da Análise de Correspondências reforça a hipótese esboçada no
capítulo anterior.

2.5 O CAMPO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL E


A RAZÃO DA REPRODUÇÃO DE SUAS LUTAS INTERNAS

Nesse ponto, é possível realizar um balanço do modelo de estrutura do campo de


produção de conhecimento econômico no Brasil. Primeiro, são refinadas as interpretações
das duas dimensões geradas na Análise de Correspondências. Em seguida, procuramos
refinar também o referencial teórico que serviu de base para o estudo do objeto.
No geral, a interpretação do modelo elaborado com o objetivo de revelar a estrutura
do campo de produção de conhecimento econômico se manteve após um exame mais
profundo com base nas produções de indivíduos no interior desse campo. De fato, há uma
divisão entre diferentes formas conhecimento econômico e há também uma divisão quanto
ao grau de consagração. Contudo, o interior dessas oposições mostrou alguns aspectos que
complexificam e aprofundam o modelo. Quanto à divisão em diferentes graus de
consagração, foi possível notar a heteronomia desse campo. Esse resultado é semelhante ao
apontado por Lebaron (2000, 2001) para o caso francês. Por um lado, as produções da
ortodoxia fazem uma maior manutenção de sua autonomia. Entretanto, boa parte dos
indivíduos localizados no segundo quadrante, além de publicarem artigos em revistas
científicas, também publicam com certa regularidade em jornais especializados, como
Valor e Gazeta Mercantil, ou mesmo em jornais de grande circulação como O Globo, Folha

72
de São Paulo e O Estado de São Paulo. O recrutamento para publicação na imprensa não
científica funciona enquanto uma sanção externa da competência científica desses
pesquisadores. Por outro lado, o exame das produções da heterodoxia consagrada mostrou
quão imersa estão suas preocupações em questões do mundo político e do mundo
econômico. Vários dos pesquisadores desse grupo têm passagem por algum alto cargo no
governo, como no Ministério da Fazenda. Isso indica quanto o reconhecimento de sua
competência deve à sanção de instâncias externas à produção de conhecimento econômico
puro. Além disso, tando do lado ortodoxo quanto do heterodoxo, a internacionalização é
um aspecto que confere autoridade aos economistas: publicações no exterior ou mesmo
publicações no Brasil, porém voltadas a um público internacional por serem escritas em
inglês, são mais um fator que confere autoridade. Cabe ressaltar que, apesar das
especificidades da configuração do campo de produção de conhecimento econômico no
Brasil, não há sinais de provincianismo nesse universo, sendo que essa característica
aparece mais como negativa que como benéfica. Ortodoxia e heterodoxia possuem intenso
contato com desenvolvimentos internacionais da disciplina. O lado do campo que
corresponde a pesquisadores com menos grau de consagração possui, ainda, as seguintes
propriedades. No lado heterodoxo, o grau de consagração parece estar bastante associado à
distância que o pesquisador mantem da discussão sobre política econômica. A essa
diferença no tipo de produção dos economistas, há ainda características sócio-geográficas
que os distinguem dos mais consagrados; porém, essas características são mais visíveis
entre a ortodoxia, pois, entre eles, as produções dos mais e dos menos consagrados são
bastante semelhantes. Assim, a menor consagração se associa também a instituições não
localizadas nos grandes centros, isto é, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Quanto às diferentes formas de produção de conhecimento econômico, é possível
afirmar que as oposições entre ortodoxia e heterodoxia não se relacionam apenas com a
utilização de diferentes técnicas matemáticas, com diferentes estratégias de publicação,
com a atuação em áreas temáticas distintas e com a passagem por diferentes instituições no
doutorado. A heterodoxia se mostrou heterogênea: há maneiras bastante distintas de
produzir conhecimento econômico em seu interior. Discussões sobre epistemologia e
metodologia da Ciência Econômica pouco tem de semelhante ao estudo de relações entre
economia e demografia em localidades brasileiras no século XIX. Essas discussões
tampouco têm semelhanças com a formulação de planos de desenvolvimento para o país.

73
Além disso, diversas correntes convivem juntas nesse espaço detectado no modelo: pós-
keynesianos, “pós-cepalinos” e marxistas. A ortodoxia, por sua vez, exibiu uma unidade
por baixo das diversas produções observadas. Por mais que os temas tratados se estendam
de Economia financeira à Economia agrícola, um repertório de técnicas matemáticas e um
procedimento de pesquisa podem ser apontados como constantes. Na exposição dos
exemplos do segundo e do terceiro quadrantes, não é por acaso que, primeiro, se passava
pelo objeto e objetivos do trabalho; segundo, pela técnica utilizada pela investigação;
terceiro, pelos resultados e conclusões. Essa exposição seguiu o próprio procedimento dos
artigos. É impossível não reconhecer aqui o conhecido padrão Imrad (Introduction,
Methods, Results and Discussion), modelo de exposição de pesquisas obrigatório em
Ciências Biológicas e Naturais. Outro aspecto interessante é revelado no título de muitos
dos trabalhos da ortodoxia: “O efeito de...” ou “O impacto de...”. Um objetivo constante
nesse tipo de pesquisa é mostrar o que aconteceu depois de um determinado evento
(adoção de uma política econômica específica, por exemplo) e qual foi a magnitude da
alteração. Outro objetivo recorrente, quando não se trata da avaliação de um evento já
ocorrido, é a simulação de modelos que permitem avaliar as alterações que podem decorrer
a partir de um evento ainda não acontecido.
Esses diferentes procedimentos científicos se assemelham à divisão, proposta por
Arida (1996), entre correntes hard e soft na Economia. O título do artigo de Arida é “A
história do pensamento econômico como teoria e retórica”. Ele foi escrito originalmente
em 1983, simultaneamente ao trabalho de McCloskey (1983), que ficou celebre por
difundir estudos retóricos da Ciência Econômica. Os precedimentos da heterodoxia,
observados acima, correspondem, em parte, ao que Arida chama de modelo soft. Nesse
modelo, as produções científicas se guiam por dois princípios. O primeiro é o princípio da
reconciliação problemática, ou seja, a visão de que as diferentes matrizes teóricas não se
contrapõem frontalmente, que suas argumentações são irredutíveis uma a outra. Há uma
relatividade intrínseca à avaliação dessas matrizes que deve ser guardada. O segundo
princípio é o caráter intraduzível da matriz teórica em seu vigor original. Há uma perda em
toda exposição secundária de uma teoria. Esses dois princípios fazem com que, no modelo
de soft science, a teoria e a história não possam ser distinguidas no processo de prática
científica. Isso implica uma eterna volta aos textos originais, pois conhecimento seria
disperso historicamente. Ao contrário disso, no modelo hard, a produção científica se

74
baseia na idéia de que o conhecimento é concentrado em um ponto temporal: na fronteira
atual. Há uma fronteira científica, importada da Ciências Naturais, na qual estão os últimos
desenvolvimentos de um determinado campo de conhecimento e também na qual as
eventuais contribuições passadas já estariam incorporadas. As conseqüências desse modelo
para a prática científica em Economia consistem, em primeiro lugar, na discussão
primordialmente de textos bastante recentes nos trabalhos e, em segundo lugar, de uma
construção paulatina, por uma série de testes, na de edificação da teoria válida. O modelo
hard possui uma correspondência bastante grande com o que foi identificado na prática
científica da ortodoxia. Arida escreve, ainda, que, a cada modelo, está ligada uma forma de
resolução de controvérsias. No modelo hard, a solução de controvérsias de dá por
superação positiva, ou seja, por testes a partir dos quais emerge a verdade sobre a teoria. O
resultado desse teste é incorporado à fronteira e contribui, assim, para a edificação da
teoria válida. No modelo soft, as controvérsias se resolvem por superação negativa, isto é,
uma visão segundo a qual não há teste conclusivo para as teorias. Desse modo, o concerto
entre teorias só seria alcançado pela exegese adequada dos clássicos no futuro20.
A contribuição de Arida para a presente discussão está em identificar esses
diferentes modos de solução de controvérsias. De um lado, a ortodoxia possui uma visão
de ciência que admite o teste de teorias, se não para verificá-las, para não falseá-las. E ela
conta com instrumentos (modelos e técnicas econométricas) que permitem esses testes.
Assim, com pequenas contribuições a cada trabalho, é possível elevar o estado da teoria. A
idéia de superação positiva é, então, presente na ortodoxia, junto à noção de uma fronteira
científica, um ponto presente da teoria para o qual se deve contribuir. De outro lado, partes
da heterodoxia operam de modo muito semelhante ao da lógica da superação negativa.
Esse é frequentemente o caso na corrente pós-keynesianas, mas principalmente na corrente
marxista. O retorno aos clássicos é mandatório. A noção de fronteira não tem qualquer
sentido, pois as diferentes matrizes são intestáveis. Não há teste conclusivo.
Com base nisso, é possível teorizar sobre a natureza da disputa no campo de
produção de conhecimento econômico no Brasil. A hipótese que estivemos utilizando até
agora é que a disputa por autoridade é o motor da dinâmica desse campo. Parte importante
20 Aria prossegue afirmando que, por um lado, nenhuma controvérsia foi decidida por superação positiva, ou
seja, que nenhuma teoria foi abandonada por ter sido falseada. Por outro lado, a idéia de superação
negativa se mostra bastante degenerativa para o progresso da Ciência. Por essa razão, Arida parte para a
defesa do estudo da retórica da Ciência Econômica, entendido como o exame das condições de sucesso
para os argumentos teóricos nessa disciplina. Não seguiremos o mesmo caminha no presente trabalho.

75
da teoria de Bourdieu, a idéia que o mundo se move por relações de força é uma estratégia
heurística útil; no entanto, vamos agora relaxar essa hipótese para pensar sobre as
condições necessárias para que o mundo se comporte desse modo. Em primeiro lugar,
pode-se supor isso com base em uma visão específica sobre o ser humano. Fruto da
antropologia filosófica bourdieusiana, o mundo visto como constante emaranhado de
relações de força tem o seguinte fundamento: a única possibilidade de redenção do ser
humano vem do reconhecimento pelos outros, isto é, da consagração, da posse de recursos
e características valorizadas por outrem (Peters, 2008). Por isso, a disputa é um dado, pois
é necessário um embate entre forças para fazer reconhecer os recursos e as características
que se possui. É possível dispensar esse pressuposto e se apoiar numa outra maneira de
explicar a existência das relações de força em busca do monopólio da autoridade. Relações
de força existem onde não há uma regra que se aplique aos argumentos de duas partes em
um litígio, de modo que um acordo possa ser selado. Na falta dessa regra, as partes não se
relacionam mais como em um litígio, mas constituem um diferendo (Lyotard, 1983). Em
um diferendo, uma discordância não consegue mais ser acertada legitimamente, com o
consentimento de todos: ou se busca um juiz externo que acabe impondo os critérios de
uma das partes ou elas entram em um conflito aberto para a imposição de suas regras de
avaliação (Chateauraynaud, 1991).
Como foi mostrado acima, o caso de disputas pela autoridade entre ortodoxia e
heterodoxia em diferentes arenas (governo, instituições de pesquisa, Capes, etc.) se baseia
no fato de não haver um consenso sobre o modo de resolução de controvérsias entre
correntes teóricas. O fundamento das disputas no campo de produção do conhecimento
econômico no Brasil estão, desse modo, no fato de que as discordâncias entre correntes
constituem um diferendo. Não se trata de uma falta de consenso sobre o instrumento de
teste, ou seja, se uma avaliação econométrica ou a simulação de um modelo. Trata-se de
uma discordância com relação à possibilidade de um teste conclusivo. Desse modo, é
possível endogenizar a hipótese bourdieusiana de que um campo é um campo de lutas, sem
que seja necessária uma visão de ser humano calcada na noção de relações de forças
onipresentes. A luta no interior do campo, assim, não é um pressuposto: a disputa precisa
de mecanismos que a reproduza. A reprodução da disputa por autoridade no campo de
produção de conhecimento econômico no Brasil acontece porque as lutas em seu interior
não podem mais apaziguadas por uma regra comum. Há duas visões de Ciência Econômica

76
com visões diferentes sobre a resolução de controvérsias e isso impede um acordo legítimo
entre ortodoxia e heterodoxia sobre o que deve ser o conhecimento econômico.

77
3 O CONHECIMENTO ECONÔMICO, PRINCÍPIOS SUPERIORES COMUNS E
PERFORMATIVIDADE

Nos capítulos anteriores, mostramos como o conjunto de produtores de


conhecimento econômico no Brasil possui algumas divisões. Talvez a mais importante
delas seja a divisão entre ortodoxia e heterodoxia. No âmbito da sociologia de Bourdieu,
tal divisão se expressaria como uma disputa pela autoridade e pela capacidade de impor um
modo de produção de conhecimento. O fim da disputa aconteceria quando uma das partes
conseguisse impor sua forma de fazer Ciência Econômica, mas essa imposição – de uma
prática científica arbitrária – deve dissimular sua força, parecendo legítima. É essa mistura
de legitimidade e de força no interior de uma disputa que procuramos decompor no fim do
capítulo anterior. Admitimos a hipótese de que os economistas possuem patrimônios de
disposições científicas distintos e que, de fato, em sua interação, pode prevalecer a mera
força e o combate aberto, com a mobilização de recursos variados na imposição de um
modo de produzir conhecimento econômico ligado a certas disposições específicas. Mas,
ao distinguir esse tipo de relação, baseado na força, de relações de legitimidade, admitimos
também a hipótese que esses mesmos economistas, apesar de sua diferentes disposições
com relação ao conhecimento econômico, podem chegar a um acordo quanto ao critérios
que devem reger a produção científica de todos. Mostramos, entretanto, que esse não é o
caso e que as disputas entre ortodoxia e heterodoxia constituem um diferendo, uma
contenda na qual os participantes não chegam a um acordo com relação a esses critérios.
Esse capítulo aprofunda mais um pouco a distância tomada com relação ao quadro
teórico bourdieusiano e vai adiante na construção de um entendimento das relações dos
economistas entre si e entre eles e o mundo econômico. O campo da produção de
conhecimento econômico no Brasil é relativamente autônomo. Por isso, no capítulo
anterior, abordamos as disputas entre economistas quanto aos aspectos que dizem respeito
principalmente ao interior desse campo: o diferendo em torno de diferentes padrões de
pesquisa e de diferentes modos de validação de teorias. Cabe agora recolocar os
economistas no mundo e observar o que eles fazem e quais as conseqüências do que eles
fazem. Para responder essas perguntas, nos apropriamos de elementos das teorias de Luc
Boltanski e Laurent Thévenot sobre princípios de justiça nos quais as pessoas se apóiam
quando fazem uma crítica ou quando re-estabelecem um acordo. A sociologia desses dois

78
autores é, porém, mais interessante que isso. Dumont (1992) opõe as sociedades ocidentais
e a sociedade hindu tradicional com base em diferenças entre princípios de organização das
pessoas: enquanto as primeiras se baseariam em um princípio de organização
individualista, as segunda ordena as pessoas hierarquicamente. Na sociedade hindu
tradicional, cada um tem o seu lugar; nas sociedades ocidentais modernas, cada um é visto
como abstratamente igual, logo, o lagar das pessoas não é fixo. O trabalho de Boltanski e
Thévenot apresenta como, mesmo em sociedades modernas, existe uma pluralidade de
princípios que regem a disposição das coisas no mundo e que fazem cada coisa encontrar
seu lugar. O próprio individualismo identificado por Dumont pode ser enquadrado em um
deles. O que importa aqui é que, com esses princípios de justiça, que regem a boa
disposição das coisas no mundo, é possível tratar da relação do conhecimento econômico
com o mundo. Encontramos traços desses princípios superiores comuns no interior das
produções dos economistas. Esse procedimento permitiu, em primeiro lugar, refinar o
modo como eles entram em disputa. Em segundo lugar, também foi possível abordar como
as diferentes Ciências Econômicas se relacionam como o mundo, especialmente como a
economia e o Estado.
A justeza de uma determinada disposição das coisas depende do princípio aplicado
para observar a situação e de como estão arranjados os seres aí incluídos. O modo como
esses seres são organizados no mundo merecem uma teoria e, com esse intuito, nos
apropriamos de aspectos da antropologia da ciência e da tecnologia tal como formulada por
Bruno Latour e Michel Callon. Conhecida mais especificamente como teoria do ator em
rede ou sociologia da tradução, esse instrumental teórico observa como as interações entre
humanos se estabilizam e não precisam ser renegociadas a cada situação, não por meio do
compartilhamento de um patrimônio simbólico, mas devido à utilização de artefatos não
humanos duráveis, ou seja, de objetos e dispositivos técnicos. O papel do conhecimento,
para esses autores, é o de mais um elemento heterogêneo que compõe a estabilização do
mundo. Nesse sentido, o conhecimento é performativo, pois ele serve como instrumento de
re-ordenação do arranjo entre atores humanos e não humanos, com um determinado
propósito. Nosso objetivo foi ligar esse propósito aos princípios superiores comuns de
Boltanski e Thévenot e, então, examinar esses aspectos no interior das práticas dos
produtores de conhecimento econômico. A organização do argumento é a seguinte.
Primeiro, apresentamos um repertório mínimo das teorias utilizadas. Segundo, discutimos

79
a ligação entre princípios superiores comuns e teoria econômica. Terceiro, tratamos de
como as diferentes maneiras de fazer Ciência Econômica são performativas. Quarto,
debatemos a questão da força e da legitimidade nesse quadro de análise.

3.1 SOCIOLOGIA DA CRÍTICA E ANTROPOLOGIA DA CIÊNCIA E DA


TECNOLOGIA

A explicação bourdieusiana sobre a posição da Ciência Econômica no Brasil


passaria pela seguinte argumentação. Se esse tipo de conhecimento é pervasivo e poderoso,
a razão disso está na configuração das disputas por posições dominantes em campos
específicos (campo político ou econômico, por exemplo) ou no campo social global. No
caso brasileiro, desde as iniciativas de desenvolvimento industrial iniciadas na década de
1930, o conhecimento econômico passou a ser cada vez mais importante no seio dos órgão
do governo, destinados a coordenar esse desenvolvimento, e das empresas, que se
consolidavam nas esteira desse processo. A Ciência Econômica lentamente logrou se
colocar como um dos recursos mais valorizados para o acesso a postos importantes no
governo e nas empresas. Desse modo, pode-se pensar esse tipo de conhecimento como um
recurso possuído por certos agentes, os quais procuram fazer valer esse recurso como um
capital reconhecido e prestigiado. Uma vez reconhecido como um capital, o conhecimento
econômico passa a ser um recurso escasso aplicado nas disputas por posições dominantes
na sociedade. Dada a distribuição desigual desse recurso, ele serve como fator de
legitimação de pessoas em certas posições dominantes e como instrumento de exclusão
dessas posições daqueles que não o possuem. Nessa versão, que segue a teoria dos campos
em suas linhas mais simples, a proeminência da Ciência Econômica seria fruto da
estratégia desses agentes, os quais, em primeiro lugar, estabeleceram seu reconhecimento e
valoração, e, em segundo, aplicam esse recurso nas disputas sociais por posições
dominantes.
Em uma segunda versão, baseada em Bourdieu e Boltanski (1976), o lugar da
Ciência Econômica pode ser entendido a partir de sua posição no estrato dominante. O
estrato dominante seria aquele onde se encontram, de um lado, os detentores de recursos
políticos e econômicos e, de outro lado, detentores de poderes técnicos e científicos. Os
primeiros seriam a parte dominante da classe dominante e os segundos a parte dominada

80
dessa classe. Embora não homogêneo, os membros da classe dominante compartilham a
seguinte característica: são eles que possuem os recursos materiais, culturais e simbólicos.
A destituição relativa desses recursos é o que caracteriza as classes dominadas. Desse
modo, com o objetivo de manter o reconhecimento desses recursos, legitimando assim as
assimetrias com relação ao dominados, a classe dominante age segundo uma lógica de
divisão do trabalho de dominação. À parte dominada da classe dominante, ao técnicos, aos
cientistas e aos intelectuais, caberia a missão de desenvolver o conhecimento que legitima
a reprodução das assimetrias, caberia a eles a produção da ideologia dominante. A Ciência
Econômica estraria nessa divisão do trabalho de dominação, na medida em que ela se torna
indispensável a decisões de governos e empresas. Assim, esse conhecimento, recurso
possuídos por poucos, eliminaria os destituídos das discussões sobre essas decisões. As
decisões a serem tomadas na arena política, por exemplo, ficariam apenas a cargo dos
detentores dos recursos políticos e econômicos, legitimadas pelo conhecimento dos
técnicos econômicos.
Para a formação dessas duas perspectivas, contribuem dois aspectos. O primeiro diz
respeito à indiferença com relação a especificidades que o conhecimento pode assumir. Se
a Ciência Econômica adquire importância, é somente porque ela é um recurso simbólico.
Por meio de um trabalho para se fazer reconhecer, esse recurso se coloca enquanto um
instrumento a serviço dos agentes engajados nas disputas por poder. Na perspectiva do
instrumental bourdieusiano, a Ciência é um recurso; ela não é examinada em seu interior,
naquilo que ela faz especificamente. O segundo diz respeito ao princípio agonístico que
fundamenta a dinâmica social segundo Bourdieu. Segundo esse princípio, toda relação
social é uma relação de força. A legitimidade é apenas efeito do desconhecimento do
arbitrário que produz a assimetria. Assim, o conhecimento econômico tem sua importância
devido à imposição. Nas relações de forças para se estabelecer os recursos reconhecidos na
sociedade, a Ciência Econômica, no presente momento, sai como um dos recursos
vencedor.
Para explorar esses pontos cegos da teoria bourdieusiana quanto a campos de
produção de conhecimento, nos apropriaremos de aspectos da antropologia da ciência e da
tecnologia de Bruno Latour e de Michel Callon e da sociologia da justificação de Luc
Boltanski e Laurent Thévenot. O objetivo dessa apropriação é introduzir as produções
científicas em si, seus métodos, suas hipóteses e seus conteúdos, como argumentos em um

81
caso de disputa. Por mais que o objeto em questão apresente características de um
diferendo, a investigação dos elementos relevantes para o funcionamento não pode se
contentar com a disputa pela autoridade científica; é necessário observar o que se encontra
no interior da performance argumentativa dos trabalhos dos indivíduos estudados
(Chateauraynaud, 2004, 2008). Passamos agora à exposição de um pequeno repertório da
antropologia da ciência e da tecnologia e da sociologia da justificação que utilizaremos.
A sociologia de Boltanski e Thévenot é construída, em grande parte, contra a teoria
bourdieusiana. O principal aspecto rejeitado por esses autores é a pretensão que as
pesquisas bourdieusianas possuem à uma verdade superior aos relatos dos agentes
estudados (Boltanski, 1990, p.38). Fruto da visão de ciência que Bourdieu toma
emprestado de Bachelard (Vandenberghe, 1999), essa pretensão se fundamenta na
necessidade da ruptura epistemológica. Essa ruptura se caracterizaria por uma conquista do
objeto, o qual pertence originalmente ao senso comum, mas que só pode servir à
observação científica sob a condição de ser construído reflexivamente pelo investigador
em um nível distinto. Em sociologia, essa ruptura significa também uma renúncia à ilusão.
Ao se distanciar das práticas ordinárias da sociedade para tomá-las como objeto de
pesquisa, tudo que firma os conhecimentos comuns sobre o mundo e os interesses nele
distribuídos aparecem ao investigador como uma uma série de crenças, as quais precisam
ser suprimidas na intensão de se chegar à camada mais profunda de verdade do objeto.
Boltanski aponta ainda dois problemas com esse tipo de atitude. O primeiro é que ele
assume, como forma indissociável de sua prática científica, uma crítica da realidade. Dessa
maneira, a sociologia bourdieusiana, ou sociologia crítica, apenas produz de modo
sistemático e formalizado algo que os agentes ordinários também fazem (Boltanski, 1990,
p.47; Chateauraynaud, 1991, p. 399). Outro problema é que, ao exercer seu papel crítico, a
sociologia crítica não expõe qual é o princípio de justiça em nome do qual ela faz suas
denúncias. Assim, um traço marcante da sociologia de Boltanski e Thévenot é a simetria no
tratamento de seus objetos de estudo. Essa simetrização é acompanhada da adoção do
seguinte método: a formulação de modelos de competências dos atores, que são exercidas
quando eles fazem uma crítica, além de um esclarecimento dos os dispositivos que dão
apoio ao sucesso de seu ato.
Em Boltanski e Thévenot (1991), esses autores formulam um modelo de
competência dos atores em situação de crítica ou de retorno ao acordo. Como mencionado,

82
é um modelo para situações; as estruturas de relações objetivas supra-situacionais de
Bourdieu, as quais explicariam a lógica dos fenômenos localizados, são aqui abandonadas.
Do mesmo modo, é abandonada a idéia de interiorização das condições objetivas em um
habitus. Em seu lugar, para entender o que os atores fazem quando realizam uma crítica ou
selam um acordo, Boltanski e Thévenot fazem uso de estruturas ideais, de regimes
axiomáticos com base nos quais os atores podem se justificar. Como uma gramática da
justiça ou como um repertório de regras de construção de um mundo comum, essas
estruturas ideais são princípios de bem geral reconhecidos e estabilizados em uma
determinada sociedade em um determinado tempo. São elas que, por essas razões, deixam
plausíveis as críticas e os acordos e solidificam sua legitimidade. A intensão dos autores é
exatamente formular um modelo que admite o consenso legítimo, ou seja, um acordo
isento de uma violência simbólica oculta. Segundo esse modelo, valores são plurais, mas
não são indefinidamente relativos, como na avaliação do interesse de um campo pela
perspectiva de outro campo, da qual se pode tirar uma relatividade geral dos interesses.
Boltanski e Thévenot apresentam seis princípios superiores de justiça, cités ou cidades (do
conceito latino de civitas, lugar de co-habitação e co-participação) a partir dos quais se
pode lançar uma crítica ou se chegar a um acordo. Segundo cada cidade, há uma
distribuição de grandezas entre as pessoas, julgada como legítima. Na cidade inspirada, a
grandeza advém do estado de graça do santo ou do artista. Na cidade da fama ou da
opinião, a grandeza tem sua fonte no renome de uma pessoa, em sua estima social. Na
cidade doméstica a grandeza é função da posição hierárquica do indivíduo numa rede de
dependências pessoais.
Há ainda outras três cidades, a industrial, a mercantil e a cívica, as quais mais
importam para os propósitos do presente capítulo. Na cidade industrial a grandeza é
medida pela eficiência. O valor das pessoas e das coisas é medido segundo sua capacidade
de organizar, de planejar, de utilizar ferramentas, de operar de modo eficaz, enfim, de ser
produtivo. As relações estão em equilíbrio nessa cidade, quando as coisas estão
organizadas, mensuráveis, funcionais e padronizadas. A cidade industrial é o princípio de
um mundo comum justo onde os objetos técnicos e as ciências encontram seu lugar. Pois é
nesse mundo que eles podem aperfeiçoar a performance dos seres, com o intuito de
ampliar suas capacidades em atividades de produção que respondam a determinadas
necessidades. A cidade mercantil propõe um um mundo comum onde os estados de

83
grandeza são distribuídos de acordo com a riqueza. É a cidade com base na qual se valoriza
o mercado, a livre circulação de bens e serviços, a livre iniciativa, os interesses, os
negócios, o lucro, a concorrência, etc. Os autores exemplificam uma clássica defesa de tal
cidade no livro Riqueza das nações de Adam Smith, onde há a idéia que o bem comum
pode ser alcançado se cada um perseguir seus interesses privados em uma economia livre.
Nesse mundo, as qualidades são a capacidade de visualizar oportunidades (de ganhos de
arbitragem), além da capacidade de controle e de distanciamento emocional, pois as
relações se dão por meio de relações competitivas. Na cidade cívica, a grandeza é
estabelecida segundo o grau de engajamento com a vontade geral. Se cada cidade encerra a
idéia de um bem comum alcançado por certo meio, o meio da cidade cívica é a ação pela
coletividade. É o mundo dos representantes, das organizações políticas, do debate, das
assembléias, das mobilizações, no qual o bem comum é atingido pela busca do interesse
público. Cada uma das cidades parece corresponder à defesa de uma figura humana de
determinado tipo: a cidade industrial da figura do trabalhador ou do especialista; a cidade
mercantil da figura do empresário ou do cliente; a cidade cívica da figura do representante
ou do cidadão. Do mesmo modo, uma cidade é composta também de objetos específicos: a
ciência na cidade industrial, o mercado na cidade mercantil e a eleição na cidade cívica,
por exemplo. Assim, cada cidade corresponde a um mundo, com seus sujeitos, seus objetos
e uma prescrição normativa sobre a disposição desses elementos.
Compostas não só de uma ordem normativa, mas de pessoas e de objetos, as
cidades se encontram com o mundo principalmente em casos de avaliação do ajuste da
disposições dos elementos. As cidades são convenções destinadas a resolver situações
problemáticas. Situações não são apenas constituídas por pessoas, mas elementos não
humanos também. Uma situação exemplar pode ser a aquisição, por uma empresa, de um
novo computador. Esse computador é mais moderno e eficiente. No entanto, quem passa a
trabalhar com ele, é um gerente que não sabe aproveitar todos os recursos da nova
máquina. Um subordinado do gerente pode se queixar que é ele que merece trabalhar com
o novo computador, pois esse subordinado saberia operar melhor com a nova máquina. A
introdução de um novo objeto colocou em questão a ordem de grandeza dos elementos na
situação. A crítica, aqui, é feita com base na cidade industrial. Um modo de apaziguá-la, é
simplesmente reordenar a situação a partir da equivalência entre as grandezas de pessoas e
coisas, ou seja, passar o novo computador para o subordinado que sabe operar melhor o

84
equipamento. Porém, a situação pode se complexificar e o gerente pode questionar o
princípio evocado pelo subordinado em sua crítica. Ele pode argumentar que, como ele está
há mais tempo na empresa e possui um cargo hierarquicamente mais alto (defesas pela
cidade doméstica), ele realmente merece o computador. A solução da contenda passa pela
elaboração de uma prova. Nessa prova se testa a grandeza relativa dos elementos da
situação com o fim de observar se o estado das coisas representam uma distribuição justa
dessas grandezas ou se um novo estado das coisas deve ser constituído. Se o teste for
purificado de modo que ele seja um teste da cidade industrial, o argumento doméstico será
invalidado e a ordem pode ser re-estabelecida se o gerente ceder seu computador. O que
esse exemplo mostra é que, frequentemente, as situações são complexas, compostas por
humanos e não humanos. Por isso, a purificação da prova estabelecida para resolver o
conflito pode ser bastante difícil. Na falta desse acordo quanto à prova, pode-se re-
estabelecer o estado normal das coisas a partir de um compromisso entre os diferentes
princípios de justiça, um procedimento que mencionaremos mais adiante.
A noção de situação como um composto de humanos e não humanos é uma idéia
que Boltanski e Thévenot emprestam da antropologia da ciência e da tecnologia (ACT) de
Latour (2000) e Callon (1986). Esses dois últimos autores enfatizam o papel dos não
humanos na co-construção do mundo. A utilidade desse tipo de raciocínio está em sua
capacidade de explicar como situações podem deixar de serem problemáticas, como a
coordenação da ação pode acontecer, a partir da introdução de objetos nas relações entre
humanos. Se diversos atos humanos são possíveis por causa da eletricidade, é porque o ser
humano delegou a produção de energia a uma barragem em um rio. Essa energia elétrica é
o que permite, por exemplo, o funcionamento de uma máquina de lavar louças. A atividade
de lavar louças pode, dessa maneira, ser delegada a um artefato não humano, o que encerra
um conflito entre um casal que antes entraria em uma situação problemática com relação a
quem deve exercer essa tarefa. É nesse sentido que o mundo é uma co-construção de
humanos e de não humanos, pois a coordenação da ação localizada depende de uma série
de associações supra-situacionais entre esses dois tipo de atores. Uma outra forma de
introduzir a idéia central da ACT é pelo modo como eles pensam o mundo com base em
uma ontologia plana, na qual pessoas e objetos pertencem a uma mesma ordem. Em
comparação com perspectivas de influência hegeliana, não haveria nada particular no
interior do ser humano que seria exteriorizado, causaria um estranhamento e, finalmente,

85
seria re-apropriado. Como uma teoria da alienação sem alienação, o interior e exterior do
ser humano se definem mutuamente, mas em uma relação sem Entfremdung, pois nessa
realidade, enquanto co-construção de humanos e de não humanos, não há uma re-
apropriação, uma Aufhebung, somente mais exteriorização e redefinição (positiva) do
mundo (Vandenberghe, 2006b).
A aplicação da da ACT de Latour e Callon à economia tem se tornado bastante
popular nos estudos de sociologia econômica. É uma perspectiva que explora a
performatividade da Ciência Econômica (Callon, 1998a; Mitchell, 2005; Mackenzie e
Muniesa, 2007). Em um mundo de ontologia plana, o conhecimento é mais uma peça no
conjunto de elementos heterogêneos que o constituem. Por isso, o conhecimento só pode
ser performativo, ou seja, ele não é uma tentativa de descrição exterior do objeto, mas
participa de sua construção no seu interior. Um dos objetos mais freqüentes da Ciência
Econômica é o mercado; ora, esse objeto conta constantemente, segundo o programa da
performatividade, com a contribuição dessa ciência em sua formação. Os mercados não são
resultado natural da interação de compradores e de vendedores que, por meio da barganha,
estabelecem um preço em torno do qual é possível coordenar a ação sem auxílio de
qualquer instância superior a essa interação. Os mercados são antes uma tarefa que precisa
ser constantemente atualizada, são dispositivos que necessitam de reforma incessante. Isso
porque mercados são, de fato, uma reunião de elementos humanos e não humanos que
proporciona uma situação na qual é possível a coordenação da ação como prevista por
teorias econômicas do equilíbrio. Um exemplo bastante citado por essa corrente é Garcia
(1986), onde a autora descreve o investimento necessário (material e simbólico) para a
construção de um mercado de morangos numa região ao centro da França. Outro exemplo
interessante é Mackenzie e Millo (2003), onde os autores mostram o papel da teoria
financeira na construção de um mercado de títulos derivativos em Chicago no fim da
década de 1970. A função do conhecimento econômico é essencial não só na construção de
mercados, mas também em sua manutenção. Callon (1998b) argumenta que a própria
atividade econômica ordinária gera externalidades que perturbam o equilíbrio visado por
certas teorias econômicas. Essa perturbação é, na realidade, um desvio de precificação, o
qual incentiva os agentes a atitudes, cujos resultados são coletivamente sub-ótimos. Desse
modo, a tarefa da Ciência Econômica é a identificação desse “transbordamento” da
situação de mercado, que faz com que seus resultados não sejam como os previstos por

86
Adam Smith, mas sim resultados perversos ou simplesmente sub-ótimos. A tarefa do
conhecimento econômico é principalmente identificar meios para conter imperfeições de
mercado.
Desse pequeno resumo teórico, o que merece ser enfatizado é, em primeiro lugar,
que existem diferentes princípios de justiça aos quais as pessoas apelam em uma situação
problemática. Não há apenas uma forma de consolidar a justiça; não há uma só maneira de
constituir um mundo comum, onde cada um participa e tem seu lugar. A pluralidade desses
princípios se revela uma ferramenta interessante, pois é possível articular as diferentes
cidades com os diferentes tipos de conhecimento econômico identificados nos dois últimos
capítulos. Todavia, essa apropriação da sociologia da crítica é um pouco indevida, pois
desloca sua aplicação de situações para relações. Seguimos Chateauraynaud (1999) 21 ao
pensar desse modo, utilizando as cidades para mostrar como se configura a relação entre as
diferentes Ciências Econômicas e entre elas e o mundo. Além disso, uma segunda coisa a
ser enfatizada é o papel do conhecimento econômico na construção da economia. Com essa
perspectiva, é possível pensar o que a Ciência Econômica faz no mundo. Nas páginas
seguintes, procuramos explorar como as diferentes Ciências Econômicas se relacionam
como as diferentes cidades e quais as conseqüências disso dado seu caráter performativo.

3.2 ORTODOXIA, HETERODOXIA E DIFERENTES MUNDOS COMUNS

O conhecimento científico é um meio para a construção de um bem comum


(Fourez, 1995). Esse aspecto foi atentamente registrado por Boltanski e Thévenot (1991),
onde esses autores mostram que a ciência possui um estado de grandeza dentro de um
mundo comum específico: da cidade industrial. É a partir dessa cidade que se pode
defender o conhecimento do especialista, daquele que busca, com base em um
conhecimento específico e distanciado do senso comum, construir um mundo melhor por
meio de sua reorganização em um padrão mais eficiente. Isso significa que há formas de
organização da sociedade que não promovem esse bem comum, pois não produzem os
efeitos desejados ou, pelo menos, os produzem de modo imperfeito. O papel da ciência, da
21 “[L]es personnes ne passent pas seulement leur temps à s’ajuster dans des interactions ou des
situations (schème interactionniste, modèle de coordination des conduites ou de l’action située)
mais à produire, transformer, reconfigurer, et partant, thématiser, qualifier, interpréter des
relations, dont la première caractéristique est d’être durables et donc de mettre à mal les modèles
pragmatiques classiques fondés sur l’idée de situation” (Chateauraynaud, 1999, p.5).

87
técnica e do especialista é justamente formular e implantar as ferramentas necessárias para
a correção dessas imperfeições. Como em toda cidade no modelo de Boltanski e Thévenot,
o mundo como constituído pela cidade industrial pode ser criticado de várias maneiras por
outros princípios de justiça. A crítica à tecnocracia é uma dessas formas. Da perspectiva de
um princípio de justiça cívico, a busca incessante pelo resultado desejado afasta os núcleos
decisórios daqueles em prol dos quais esse núcleos supostamente deviam atuar. Sob essa
mesma perspectiva, as grandezas do mundo industrial podem levar a uma excessiva
burocratização, na medida em que os processos passam a depender de controles, de
padronizações, de medições; enfim, passam a depender de mecanismos que tornam rígidos
procedimentos de decisão que deveriam ser democráticos. Da perspectiva da cidade
mercantil, os compromissos intertemporais necessários aos planejamentos da cidade
industrial deixam o mundo desnecessariamente rígido. Não pode haver impedimentos para
que as pessoas busquem as oportunidades mais imediatas. Além disso, a especialização e a
ênfase nas competências produzidas no mundo escolar se torna um investimento
desnecessário, da perspectiva da cidade mercantil, pois há muitos exemplos de pessoas que
enriqueceram sem depender do recurso escolar.
O que abordaremos em seguida é como a Ciência Econômica articula em seu
interior princípios de justiça diferentes. Esses princípios são deligados um do outro; por
essa razão, a aliança entre eles não é algo espontâneo, mas resultado do trabalho das
diferentes Ciências Econômicas que revelamos nos capítulos anteriores. É porque esses
mundos comuns existem no interior das produções científicas que a Economia é desejada
e, ao mesmo tempo, criticada. Mostramos como a Ciência Econômica não expressa
somente a grandeza no mundo industrial, mas como, frequentemente, ela também articula
grandezas de outros mundos comuns. Além disso, mostramos como cada articulação
específica se abre a um determinado tipo de crítica.

3.2.1 Ciência Econômica Ortodoxa entre a Eficiência e o Mercado

Começamos pelas produções dos economistas que chamamos de ortodoxos. São os


economistas que geralmente praticam a Ciência Econômica neoclássica e que utilizam
métodos econométricos na avaliação de fenômenos empíricos. A prática científica de
estudar determinado objeto por meio de técnicas econométricas e discutir os resultados

88
com teorias existentes pode ser encarada como a incarnação dos atributos que fazem a
grandeza na cidade industrial. A econometria é verdadeiramente um objeto da cidade
industrial. Nos exemplos apresentados no capítulo anterior, essa maneira de produzir
conhecimento econômico é encontrada nos artigos de Gonzaga, Carvalho e Firpo (2006),
de Arbache e Corseuil (2004), de Sachsida, Loureiro e Mendonça (2004) e Braga e Ferreira
(2007). São artigos que procuram estabelecer qual é o efeito de determinada medida
governamental ou isolar o efeito de uma variável em outra variável dependente ou, ainda,
medir a eficiência de um ramo industrial. Nesses exemplos, assim como em uma série de
produções similares, os protagonistas são técnicas econométricas. Aqui essas técnicas
funcionam para medir e avaliar. Medir para trazer a tona regularidades confiáveis, para
fazer emergir a previsibilidade de determinado evento. Essa é uma exigência central na
perspectiva da cidade industrial, pois o planejamento exige que se conheça o
funcionamento das peças que compõem o objeto a ser controlado e manipulado. É a
condição para que ele produza resultados úteis e eficientes. No caso dos exemplos, as
peças são, na realidade, aspectos da economia: medidas no mercado de trabalho, políticas
de comércio internacional, políticas educacional e empresas cooperadas. O trabalho do
especialista é revelar como operam esses aspectos para que eles possam ser planejados,
possam ser manipulados de modo confiável para se atingir os resultados desejados.
Métodos de avaliação de aspectos econômicos que revelam como operar esses
aspectos de modo mais eficiente e confiável, as técnicas econométricas possuem um
caráter distinto de modelos teóricos que simulam uma economia com o intuito de fazer
uma avaliação semelhante. Simular uma economia em um modelo matemático exige uma
série de hipóteses sobre o funcionamento dos diversos de seus aspectos como, por
exemplo, o modo pelo qual os consumidores decidem o que e quanto comprar, o modo
pelo qual eles formam suas expectativas, o modo pelo qual as firmas decidem o nível de
produção, etc. É nessa especificação das hipóteses do modelo que se mostram as diferentes
correntes. Estudando a ortodoxia, a corrente que aparece mais claramente é a teoria
neoclássica. Seu formato mais elementar é a teoria da escolha do consumidor, apresentada
frequentemente no primeiro capítulo de manuais de microeconomia. Há muitos
desenvolvimentos da teoria neoclássica e muitas variantes e temas abordados. Por essa
razão, o objetivo aqui não é fechar uma definição de Economia neoclássica, mas somente
tentar apontar para uma descrição do que esse tipo de ciência faz e porque ela é

89
reconhecida e, por vezes, desejada. Como vimos no capítulo anterior, vários praticantes da
Ciência Econômica neoclássica hoje comumente formulam matematicamente uma série de
relações existentes em um sistema econômico com o intuito de revelar a solução analítica
fechada desse modelo. Essa solução analítica seria um estado estacionário do sistema.
Nesse estado, na falta de um choque exógeno, as variáveis reproduziriam a tendência
alcançada na solução. Trata-se da conhecida noção de equilíbrio. Esse conceito, embora
não seja adotado incondicionalmente na Economia neoclássica, assume uma importância
bastante grande para essa corrente.
Entre os trabalhos apresentados no capítulo anterior, Araújo, Fajardo e Tavani
(2006), Cunha e Teixeira (2004), Ferreira (2004), Ferreira e Pereira (2004) e Gurgel (2007)
são exemplos de estudos que utilizam modelos teóricos para avaliar o funcionamento de
aspectos da economia que precisam ser controlados e manipulados. Com exceção de
Araújo, Fajardo e Tavani (2006), esses trabalhos utilizam modelos de equilíbrio geral.
Nascido do pensamento de Léon Walras, esse modo de conceber teoricamente a economia
ganhou força nos anos cinqüenta, quando Arrow e Debreu (1954) resolveram alguns
problemas desse modelo, demonstrando as condições para que haja um equilíbrio em uma
economia de mercado. Os trabalhos apresentados como exemplo no capítulo anterior
utilizam tal formulação na investigação de políticas comerciais, de políticas
previdenciárias e de medidas que estabelecem parceria público-privadas no Brasil. Esses
trabalhos, assim como todos seus similares, ainda são objetos da cidade industrial, objetos
que incarnam sua grandeza. É a partir desses modelos que se simula o funcionamento de
uma economia. Assim, é possível saber os efeitos que determinada decisão pode ter. Tal
tipo de informação do especialista é fundamental para o funcionamento ótimo da
organização econômica.
Quando se olha para o interior dos modelos de equilíbrio geral, é possível notar que
eles não são uma incarnação pura dos valores da cidade industrial. É necessário, em
primeiro lugar, mencionar que esse modelo é comumente apontado como o núcleo da
teoria econômica neoclássica (Weintraub, 1985). Para identificar essa impureza no interior
do modelo, basta observar seu conceito central: o equilíbrio. O papel desse conceito na
teoria pode ser encontrado no relato de um dos defensores da teoria neoclássica no Brasil:
“o conceito de equilíbrio deriva de especificação do processo de interação dos indivíduos
em uma economia de mercado. A necessidade desta especificação decorre, precisamente,

90
da inexistência de coordenação ex-ante das decisões individuais em uma economia de
mercado” (Lisboa, 1997, p.12). O equilíbrio, definido nesses termos, se confunde com o
próprio núcleo da teoria: “A teoria neoclássica, como entendo, se desenvolve a partir da
revolução marginalista e se caracteriza por dois princípios básicos: 1) em uma sociedade de
mercado os agentes tomam decisões independentemente de qualquer coordenação a priori;
2) cada agente toma suas decisões tendo em vista o seu interesse, as suas expectativas
sobre o futuro e sobre o que espera que os demais agentes irão fazer” (Lisboa, 1998,
p.132). O equilíbrio, assim, é fruto de uma concepção específica de interação, da interação
econômica sem coordenação centralizada e sem coordenação prévia. O equilíbrio é o
resultado desse tipo de interação. É no interior dessa noção que se pode encontrar uma
teoria da ação da Ciência Econômica neoclássica e é em seu interior que está a resposta
dessa teoria para a questão da ordem social.
Conjunto de ações que, em princípio, é indeterminado, mas que passam a se
ordenar a partir do momento em que os agentes em mercado buscam seu interesse, o
equilíbrio é um estado no qual, se não houver qualquer choque exógeno, qualquer
incentivo para que os agentes alterem sua ação, o sistema tende a se manter, a reproduzir a
tendência exibida. Para que a interação de agentes em mercado buscando seus interesses
possa ser o fundamento da ordem, é necessário que esse tipo de ação seja reconhecida
como válida por todos os envolvidos, isto é, essa ação se inclua nas regras de construção de
um mundo visando o bem comum, que seja reconhecida como legítima. Trata-se do
reconhecimento e da legitimidade da ordem mercantil. Essa ordem, representada no
modelo de Boltanski e Thévenot (1991) pela cidade mercantil, veio se estabelecendo desde
o século XVIII. A Ciência Econômica sempre esteve presente nesse processo de
legitimação; é a Riqueza das Nações de Smith que Boltanski e Tévenot utilizam como
exemplo para mostrar a ascensão desse princípio de legitimidade. Assim, a Ciência
Econômica neoclássica, em sua utilização recorrente de modelos de equilíbrio geral, e a
vigência de um princípio de legitimidade mercantil são indissociáveis.
O modo de argumentar de Adam Smith, o exemplo clássico dos argumentos da
cidade mercantil, passa pela demonstração de como o interesse privado do padeiro, do
cervejeiro, etc., livre de qualquer amarra, ou seja, de qualquer imposição que não seja a
própria vontade do indivíduo, produz benefícios gerais. A construção do bem comum pelo
mercado também é uma idéia presente nos modelos de equilíbrio geral. No celebre trabalho

91
já mencionado, Arrow e Debreu (1954) mostram as condições para a existência do
equilíbrio geral e mostram também que, nesse ponto de equilíbrio, a economia está no
ponto ótimo de Pareto. Esse ponto significa aquele no qual a melhora das condições de um
agente, gera malefícios para os outros. Em outras palavras, é tradução matemática do
argumento de Adam Smith: o estado no qual a busca de cada um por seu interesse em um
mercado livre produz o bem comum. Se o modelo de equilíbrio geral pode ser encarado
como o núcleo da teoria econômica neoclássica, essa corrente pode ser vista como a
expressão de uma moral e não como a expressão da falta dela. Na falta daquilo que
Dumont (1992) denomina a ideologia hierárquica da Índia tradicional, a ideologia
individualista do ocidente contemporâneo faz surgir uma idéia de mundo comum a partir
dos indivíduos, onde todos co-participam. O resultado da ação desses indivíduos, que se
enxergam desse modo, é a emergência da economia enquanto esfera autônoma da
sociedade (Dumont, 2000). Desse modo, a teoria econômica neoclássica é a formalização
de um princípio de justiça que os agentes mesmos empregam no mundo.
A ortodoxia não deixa de ser, porém, um objeto da cidade industrial. Qual é o
significado desse caráter dúbio da prática científica da ortodoxia neoclássica? De um lado,
como um objeto da cidade industrial; de outro, como uma formalização do procedimento
que leva ao bem comum na cidade mercantil. Nesse ponto é preciso retornar brevemente a
Boltanski e Thévenot (1991, pp.337-356). Nesse trabalho, os autores mostram ainda como
é possível apaziguar a crítica e construir um acordo por meio de um compromisso entre
dois princípios de justiça. O compromisso não deixa de ser frágil, pois pode, a qualquer
momento, ser denunciado a partir de um ou outro princípio envolvido no próprio
compromisso. Todavia, há maneiras de cristalizá-lo. É possível utilizar objetos compostos
por elementos de diferentes mundos e dotá-los, então, de uma identidade singular,
reconhecida somente nos termos do compromisso. Pode-se também utilizar objetos
compósitos, os quais se deslocam entre um mundo e outro para fortalecer o compromisso.
O emprego de qualidades dúbias ou equívocas quanto a seu pertencimento a determinado
mundo também é uma maneira. Finalmente, a profanação dos objetos de maior grandeza
em um dos princípios serve como forma de abertura ao compromisso.
Seguindo a primeira maneira de cristalizar compromissos, modelos de equilíbrio
geral podem ser entendidos como um objeto composto por elementos de diferentes
mundos. O que está em jogo é, então, um trabalho de estabilização de uma identidade

92
singular, reconhecida somente nos termos do compromisso. Esse trabalho de estabilização
busca caracterizar o objeto, ao ponto da crítica advinda da cidade mercantil ou da cidade
industrial isoladas ser acusada de não se comportar de modo a manter a coesão entre os
seres em compromisso. A Ciência Econômica ortodoxa, por meio do modelo de equilíbrio
geral, é um tipo de conhecimento econômico que funciona como dispositivo de
estabilização de um compromisso entre a cidade mercantil e a cidade industrial. Nesse
sentido, a busca pelos procedimentos mais eficientes para a gestão e para o planejamento
da economia mostra que o mercado é o mecanismo mais eficiente. A estabilização dessa
conclusão (ou dessa premissa) é realizada pelo modelo de equilíbrio geral. Como pode ser
observados nos exemplos mencionados no capítulo anterior, o desenrolar do programa
ortodoxo segue por meio da identificação e do estudo dos efeitos de imperfeições e de
perturbações no equilíbrio que a economia atingiria segundo uma organização econômica
da cidade mercantil.
Por fim, cabe mencionar qual é o resultado desse compromisso para a crítica
ortodoxa à heterodoxia. O modo pelo qual a teoria neoclássica opera um compromisso
entre as cidades industrial e mercantil passa pela tentativa de estabilização do mercado
como um objeto singular. Essa singularidade se baseia num desligamento do mercado com
relação a essas duas cidades. No fim, o mercado deve apenas representar a aliança entre
seus princípios. Desse modo, a crítica da eficiência do mercado se tornaria, em si,
injustificável. Entretanto, essa estabilidade nunca chegou a um estado satisfatório. Por esse
motivo, esse compromisso é mais uma fragilidade que abre a teoria neoclássica para a
crítica; é um ponto a partir do qual é possível se proteger dela. A crítica em direção às
correntes heterodoxas consiste frequentemente, portanto, em denúncias de impureza
científica22. São denúncias que buscam mostrar como as práticas da heterodoxia
introduzem elementos não científicos no interior de suas produções. No capítulo anterior,
argumentamos que a ortodoxia adota convenções científicas que promovem a construção
de uma fronteira por superação positiva. A superação positiva consiste, como no
falsificacionismo popperiano, na exposição de hipóteses a um teste. A ortodoxia aponta que
as práticas heterodoxas subvertem esse procedimento e, ao contrário de testar suas
predições, impõe suas teses. Ao não formular seu pensamento em proposições testáveis, a
heterodoxia se coloca em uma posição que Popper classificaria de não científica. Logo, ao
22 Essas informações procedem de entrevistas com Pedro Cavalcanti Ferreira e com Alexandre Cunha.

93
invés de promover o progresso científico, a heterodoxia é acusada de propagar teses
políticas no interior da ciência.

3.2.2 Ciência Econômica Heterodoxa: a eficiência acima do mercado

A Ciência Econômica heterodoxa que identificamos em nosso modelo produz


estudos menos matematizados nas áreas de macroeconomia, história econômica, história
do pensamento econômico e metodologia. Outro traço marcante dessa forma de Ciência
Econômica é a presença constante da discussão sobre política econômica. Apesar de
distinta da ortodoxia, a heterodoxia também incarna os valores da cidade industrial.
Diversos de seus aspectos estão relacionados à demonstração dos mecanismos da
economia com o intuito de controlar e planejar seu funcionamento de maneira mais
eficiente. As conclusões, contudo, são bastante divergentes com relação às da ortodoxia. O
objeto central da cidade mercantil, o mercado, não é visto como o modo mais eficiente de
organização. A heterodoxia desaprova a percepção de que a ordem pode emergir da
interação entre indivíduos em mercado, cujas decisões são descentralizadas, e de que, se
esse procedimento for completo, o resultado será o bem comum (Ganem, 1996; Possas,
1997; Bresser Pereira, 2009). Isso porque, seguindo a gramática da cidade industrial, a
heterodoxia vê o bem comum emergindo de ações que exigem um certo grau de
centralização, de planejamento. Essas medidas estão sempre relacionadas à atuação do
especialista na identificação de falhas no fluxo espontâneo das coisas, que precisam ser
corrigidas e aperfeiçoadas. Se o mercado pode servir a certos propósitos dessa visão
industrial do mundo, ele não pode ser deixado por si só, mas precisa do controle do Estado
ou de outras instituições. Uma das principais fontes da troca de críticas entre heterodoxia e
ortodoxia é, então, a dissonância entre os princípios de justiça existentes em seus
interiores. Por essa razão, o exame da relação das correntes heterodoxas não pode
prescindir de sua relação com a crítica à ortodoxia.
Tanto a teoria neoclássica, quanto as Ciências Econômicas marxista, cepalina e pós-
keynesiana procuram dar conta de falhas no funcionamento de mercados. A diferença é
que, nessas três últimas correntes, as falhas de mercado, categorias residuais da teoria
neoclássicas, são absorvidas positivamente pelo sistema teórico. O sentido dessa diferença
pode ser encontrado no tipo de comprometimento de cada corrente com distintos mundos

94
morais. Descartando o compromisso entre cidade mercantil e cidade industrial, as correntes
heterodoxas não tomam como tarefa a defesa incondicional do mercado. Desse modo, seu
comprometimento é com uma descrição na qual o mercado é apenas mais um elemento
dentro do conjunto que pode fazer a economia funcionar de modo eficiente. Há varias
conseqüências dessa perspectiva, onde os fundamentos do mercado não são mantidos
incondicionalmente. Pode-se mencionar, em primeiro lugar, o postulado cepalino da
ineficiência do mercado no comércio internacional, o qual, ao invés de produzir o bom
funcionamento das economias em conjunto, cada uma aproveitando suas vantagens
comparativas, produz a deterioração dos termos de troca. A ênfase, em segundo lugar, da
economia marxista no caráter instável, propenso à crises e das contradições da economia
capitalista fundada no mercado. Ou, ainda, o modo como a teoria pós-keynesiana defende
noções não ergódigas do sistema econômico, o que impossibilita a construção de um
equilíbrio estável.
Há pelo menos duas variantes da crítica heterodoxa. A primeira parte da fragilidade
do compromisso entre diferentes cidades. Nos exemplos apresentados no capítulo anterior,
o embate com o compromisso industrial-mercantil da teoria neoclássica é manifesto nas
posições opostas dos seguintes exemplos. Do lado da teoria econômica que procura firmar
um compromisso entre valores industriais e mercantis, Arida (2003) e Bacha (2003); do
lado da teoria econômica que obedece a princípios da cidade industrial, Carvalho (2005),
Carvalho e Sicsú (2004), Bresser Pereira e Nakano (2003), Sicsú (2006), Oreiro, Paula,
Lima, Jayme Jr. e Ferrari Filho (2005) e, ainda, Oreiro e Ono (2007). Como mostrado no
capítulo anterior, esse conjunto de trabalhos trazem discussões entre a perspectiva
neoclássica e a perspectiva heterodoxa para a política monetária, para o controle de
capitais, para a política cambial e para políticas de desenvolvimento. Foi possível observar
que interlocutores neoclássicos da heterodoxia baseavam seus diagnósticos e suas receitas
nos impedimentos ao pleno funcionamento do mercado como empecilhos para o
crescimento. A crítica heterodoxa parte justamente de conclusões que enfatizam a
ineficiência dos mecanismos de mercado para a operação do crescimento econômico. O
que aparece em jogo aqui é a estabilização do compromisso entre diferentes cidades
expresso na teoria econômica neoclássica. A crítica heterodoxa se fundamenta
principalmente no seguinte aspecto: a ciência não pode se aliar incondicionalmente ao
conceito de mercado, pois ele envolve elementos conflitantes com os valores da cidade

95
industrial. A coordenação descentralizada, a espontaneidade, o oportunismo, a busca de
interesses puramente privados em vez de planejamento: tudo isso se choca com as regras
de construção do mundo industrial. E é a partir dessa cidade que são lançadas as críticas à
ortodoxia.
A segunda variante se encontra em trabalhos heterodoxos que procuram colocar à
prova o próprio caráter de ciência pura dos teóricos neoclássicos. Esse tipo de denúncia,
encontrada claramente em Bresser Pereira (2006), se fundamenta no trasporte de grandezas
estranhas para dentro de uma prova. Se a contenda entre ortodoxos e heterodoxos passa por
um teste de realidade de suas teorias (embora os critérios não sejam consensuais e
transformem a disputa em um diferendo), o resultado do teste só é válido se for produto de
uma prova pura. Isso significa que os atores não podem trazer desvantagens ou vantagens
de outras cidades para dentro do teste (Boltanski e Thévenot, 1991, pp.270-278). A
denúncia é que “a ortodoxia convencional é a forma pela qual os Estados Unidos, no plano
das políticas e instituições econômicas, expressam a sua hegemonia ideológica sobre o
resto do mundo e, principalmente, sobre os países em desenvolvimento dependentes, que
não dispõem de uma nação suficientemente forte para fazer frente a essa hegemonia”
(Bresser Pereira, 2006, p.17). Assim, o teste é inválido, pois não se trata de uma disputa
científica, mas de um artifício de um ator dotado de grandeza no mundo mercantil, os
Estados Unidos, que transporta essa grandeza para dentro de uma prova científica. Como
uma das variantes da crítica heterodoxa, a ortodoxia, “na verdade atende aos interesses dos
países ricos em neutralizar a capacidade competitiva daqueles” (Bresser Pereira, 2006,
p.12).
Em substituição ao conjunto de mercados de uma economia em equilíbrio, a
heterodoxia faz uso de outros instrumentos. A teoria econômica keynesiana se beneficia da
simulação de seus modelos, pois eles frequentemente não admitem uma solução analítica
fechada. Um exemplo disso apresentado no capítulo anterior foi Oreiro e Ono (2007).
Nesse modelo, não há equilíbrio, mas trajetórias das variáveis endógenas. O propósito é
tentar modelas uma economia abstrata cuja dinâmica reflita fatos estilizados das economias
capitalistas reais. A verosimilidade dos resultados serve como indicador de que as relações
especificadas no modelo pode ser utilizada como guia para aperfeiçoar o funcionamento de
economias reais. Em suma, não se chega a um estado estável onde demanda e oferta se
ajustam, pois esse não pode ser o resultado da ação espontânea da interação dos agentes

96
econômicos. Desse modo, tampouco pode emergir um estado ótimo para todos nesse
processo. A teoria econômica marxista observa quais são as mudanças nessa dinâmica e
como aparecem desajustes e crises com base no estudo das novas formas de contradição
entre capital e trabalho (Tauile e Faria, 2004; Prado, 2005). A herança cepalina das
correntes heterodoxas enfatizam o papel do Estado na promoção de certos setores das
economias periféricas, principalmente da industria, a qual, deixada por si, sempre estaria
em desvantagem com relação às industrias de países centrais (Suzigan e Furtado, 2006).
Uma idéia subjacente a essas visões, que incarnam a cidade industrial, é que a dinâmica da
economia é imperfeita e exige medidas anti-cíclicas, exige intervenção.

3.2.3 Por que a Ciência Econômica é desejada? Por que ela é criticada?

No capítulo anterior, argumentamos que a disputa entre as diferentes correntes pode


ser entendida como um diferendo: diferentes critérios competem para por fim às
divergências científicas, o que prolonga a discórdia indefinidamente. O argumento que
adicionamos até aqui é que, além de obedecer a diferentes convenções para resolução de
controvérsias científicas (superação positiva e negativa), há ainda outro fator que contribui
para o distanciamento entre ortodoxia e heterodoxa. As práticas científicas de um e outro
lado podem ser vistas como formalizações de princípios com pretensão universal para
organização de um mundo comum. Esses princípios, entendidos como as cidades de
Boltanski e Thévenot (1991), são plurais e servem de apoio à crítica, o que nos permitiu
identificar uma certa lógica das trocas de críticas. Apesar do uso de conceitos desses dois
autores, não obedecemos um método situacionalista presente em seu livro De la
justification. O motivo disso é que, dessa maneira, foi possível examinar as trocas de
críticas no quadro de uma relação durável e não de uma situação.
O modo pelo qual se estabelecem as relações entre diferentes tipos de
conhecimento econômico foi esclarecido acima. Cabe agora, esclarecer o funcionamento
da relação desses conhecimentos econômicos com o mundo. A relação que os
conhecimentos econômicas heterodoxos tecem com o mundo são de caráter industrial. A
Ciência Econômica é um recurso do especialista, desenvolvido para descrever os aspectos
relevantes da economia e promover o aperfeiçoamento da performance dessa esfera por
meio das intervenções necessárias. É possível encontrar aí a chave de sua desejabilidade.

97
Na medida em que regras da gramática industrial se encontram presentes, a Ciência
Econômica é um objeto de grandeza. O conhecimento do especialista econômico pode
construir relações de legitimidade com diversos atores no mundo, desde que essa relação
venha a ser construída nos termos de um mundo industrial. Mas, do mesmo modo, é aí que
se encontra a chave para suas críticas. A denúncia da tecnocracia e da rigidez burocrática
(necessária em um mundo de intervenção, planejamento e organização centralizada) é a
problematização do conhecimento do especialista nos termos do mundo cívico e do mundo
mercantil. Inserido em relações onde princípios cívicos ou mercantis vigoram (relações
entre Estado e organizações populares ou entre Estado e instituições financeiras) esse tipo
de conhecimento pode ser criticado.
A relação que os conhecimentos econômicas ortodoxos estabelecem com o mundo
são de caráter industrial e mercantil. De um lado, há o intuito de revelar modos de
funcionamento da economia que sejam mais eficientes, que proporcionem ferramentas à
organização para o crescimento. De outro lado, há certos aspectos teóricos que ligam a
ortodoxia diretamente ao fundamento moral do mercado como forma de regulação e
ordenação social. Frequentemente unindo esses dois princípios em um compromisso, a
Economia ortodoxa tenta estabilizar o mercado enquanto um objeto compósito, que habita
tanto o mundo mercantil quanto o industrial. Nesse sentido, as relações que esse tipo de
conhecimento econômico estabelece com diversos atores do mundo encontram
legitimidade sob os princípios dessas duas cidades. Assim como acontece com a
heterodoxia, a ortodoxia pode ser criticada principalmente a partir das cidades cívica (a
mercantilização de relações que seriam serviços públicos) e industrial (as falhas
econômicas do mercado).

3.3 AS CIÊNCIAS ECONÔMICAS E A PERFORMATIVIDADE

Os princípios de justiça contidos na ortodoxia e os princípios contidos na


heterodoxia produzem diferentes visões sobre o mercado. Tanto uma quanto outra corrente
admitem que, na realidade, há falhas nos mercados. Não obstante, a heterodoxia acredita
que essas falhas sejam inerentes ao mercado; enquanto a ortodoxia acredita que essas
falhas não são inerentes à idéia de mercado, mas inerentes a uma realidade transitória e
modificável e, por essa razão, podem ser corrigidas. De um lado, o que boa parte da

98
literatura ortodoxa faz é justamente identificar as falhas e formular propostas para corrigi-
las. De outro lado, as correntes heterodoxas procuram compreender a economia para
intervir no mercado, aperfeiçoando seu funcionamento e acelerando o crescimento
econômico. A relação que essas diferentes Ciências Econômicas possuem com o mundo
não é, então, apenas uma relação de ajuste moral e legitimidade ou de desajuste com
relação a valores e crítica. O conhecimento econômico vai ao mundo, serve como
fundamento para a re-organização de elementos do mundo econômico, isto é: é performado
(Callon, 1998a; Mitchell, 2005; Mackenzie e Muniesa, 2007).
A Ciência Econômica ortodoxa pensa instrumentos para a identificação das
imperfeições no mercado e elabora propostas para que o mercado produza o bem comum.
Nesse sentido, esse tipo de conhecimento econômico não performa somente uma teoria,
mas também, e talvez principalmente, um princípio moral. Aqui, a introdução da ACT na
sociologia da crítica de Boltanski e Thévenot pode proporcionar dois tipos de observações
interessantes. A primeira diz respeito à construção do mundo, enquanto um determinado
arranjo entre humanos e não humanos, e como essa construção pode ser alterada no médio
prazo com base em uma cidade específica. A segunda, conseqüência da primeira, é que,
desse modo, é possível entender um pouco da lógica da historicidade dos mundos comuns
encontrados em De la justification. Certos tipos de conhecimento econômico são uma das
bases da re-configuração do mundo de tal modo que seus objetos passam cada vez mais a
se identificar com os objetos da cidade mercantil. A construção de mercados é um exemplo
claro disso. A narrativa encontrada em Garcia (1986) mostra como, de uma atividade local,
realizada entre produtores e intermediários em relações bastante pessoalizadas, com
produtos de qualidades variadas, criou-se um mercado de morangos com propriedades
quase idênticas às descritas pelo equilíbrio econômico. A trajetória de tal trabalho, produz
uma economia com propriedades semelhantes às da teoria neoclássica. Uma prova
mercantil de realidade teria grandes chances de sucesso em demonstrar que as decisões
individuais descentralizadas, na busca de interesses privados, resultam no bem comum. A
força dos argumentos mercantis tem sua origem nessas performações e na conseqüente
coerência de suas assertivas sobre os traços imanentes da economia e sobre a forma como
os elementos da economia são agenciados23. Entretanto, é evidente que provas de realidade
mercantil não são sempre bem sucedidas. Qual é a conseqüência disso para o que o
23 Devemos essa idéia da questão argumentativa em disputas a Chateuraynaud (2004).

99
conhecimento ortodoxo faz?
Os efeitos, para o conhecimento econômico ortodoxo, da irrealidade do bem
comum prometido pela cidade mercantil pode ser estudo por meio de conceitos da
antropologia da ciência e da tecnologia (ACT). Os elementos que escapam, que
transbordam da atividade econômica de mercado, desviando a coordenação da ação para
pontos socialmente sub-ótimos, precisam ser visíveis e mensuráveis. Essas duas
características apresentam o algorítimo típico da tarefa que a ACT atribui à atividade dos
cientistas em sua busca para traduzir os interesses de outros atores (Latour, 1983, 1990
2000; Callon, 1986). A teoria econômica possui uma conceituação para os subprodutos da
atividade econômica, responsáveis pelo descumprimento das promessas do mercado: são
as chamadas externalidades. Callon (1998b) expõe de modo diligente como a Ciência
Econômica performa suas teorias e como essa performatividade passa, em primeiro lugar,
pelo exame daquilo que deu errado no mercado. Para isso, os economistas identificam as
externalidade e produzem dispositivos capazes de torná-las visíveis e mensuráveis. A partir
disso, é possível propor medidas que corrijam as imperfeições de mercado. Assim, o
conceito de externalidade é o repertório mínimo que a Ciência Econômica possui para
pensar as falhas das provas mercantis de realidade. Mas, além disso, sua principal
ferramenta é o modelo de equilíbrio geral: um dispositivo capaz de identificar quais seriam
as disfunções do mercado que produzem resultados sub-ótimos para a coletividade. Ele
torna visível, mensurável (na medida em que exprime perda de bem estar em termos de
dinheiro) os desvios causados por obstáculos a funcionamento mercantil pleno da
economia. Um último aspecto a enfatizar é que os trabalhos na tradição da
performatividade da Ciência Econômica costumam tratar essa ciência de modo
homogêneo. O que mostramos, aqui, é como uma forma específica dessa Ciência opera de
modo semelhante ao descrito por essa tradição. As conseqüências dessa sociologia
diferencial do conhecimento econômico para a discussão da relação entre performatividade
e regimes normativos plurais serão exploradas mais a frente.
Uma forma de introduzir a idéia da performação da teoria econômica ortodoxa é
por meio de alguns exemplos. Embora um tanto prosaicos, os dois exemplos a seguir
tocam as questões centrais envolvidas. Um problema constantemente posto à Ciência
Econômica ortodoxa é como precificar corretamente as coisas? Na interação sem
coordenação prévia, com decisões descentralizadas, a ordem ocorre ao mesmo tempo em

100
que emerge um artefato que sela o acordo: o preço. O preço é esse artefato que traduz o
consenso entre as partes quanto ao valor das mercadorias. Para que a ordem de mercado
produza o bem comum, isto é, que o seu resultado seja o ponto ótimo de Pareto, é
necessário que os preços forneçam a informação correta sobre o estado da distribuição das
utilidades e das desutilidades. Indústrias poluentes destroem o meio ambiente e esse é um
malefício coletivo. Para que o mercado criasse o bem comum nesse caso, seria preciso,
primeiro, que o custo de danos pudessem ser negociados livremente (Coase, 1960). Isso
significa que a industria poluente deveria compensar os agentes prejudicados por sua
atividade para que sua utilidade na produção não resultasse em desutilidade para os
demais. A solução ideal seria incorporar o custo dessa compensação no custo de seu
produto. Com isso, empresas que produzem danos a outrem seriam, ainda, penalizadas no
próprio mercado, pois perderiam competitividade com preços mais altos de seus produtos.
Na falta desse tipo de mecanismo, é preciso que se monte um mercado de créditos de
carbono para que industrias com projetos de redução de poluentes possam obter recursos
subsidiados. Desse modo, há uma certa transferência de utilidades que busca aproximar o
nível de utilidade de todos. Transferências de riscos por meio de títulos derivativos
fornecem outro exemplo semelhante. O comprador do título assume o risco (de quebra na
produção de um determinado agricultor, por exemplo) em troca da possibilidade de vender
o ativo objeto por um preço maior no futuro. Nesse caso, é fundamental possuir um meio
de estabelecer um preço justo pelo risco assumido. Esse foi um dos principais problemas
da teoria financeira no início da década de 1970 (Mackenzie e Millo, 2003). Deixando um
pouco de lado esses exemplos, passamos para o exame das produções dos agentes
estudados. As discussões sobre política econômica, apresentadas no capítulo anterior
proporcionam informações interessantes, pois, nessas discussões, está em jogo esse
procedimento de identificação, visualização e mensuração dos elementos que
atrapalhariam o funcionamento do mercado. Todavia, trata-se de concepções não
estabilizadas, ainda em jogo entre ortodoxia e heterodoxia. Portanto, elas debatem
possibilidades de performance mais imediatas.
A discussão em torno da política monetária, da política cambial e de controles
cambiais mostra como se configuram as oposições com base em uma visão mais ligada a
princípios de justiça industriais e em uma visão mais ligada a princípios mercantis. As
disputas se acentuam justamente porque se tratam de idéias performadas e de suas críticas.

101
No capítulo anterior, mostramos exemplos de trabalhos nos quais a questão da política
monetária colocava um conjunto de pós-keynesianos em conflito com as idéias que
fundamentam a independência do banco central e o regime de metas de inflação. Os
interlocutores dos pós-keynesianos eram, principalmente, autores estrangeiros. A
concepção do regime de metas de inflação deriva, em boa medida, de teorias neoclássicas.
Desse modo, esse regime pode ser entendido como fruto de um pensamento econômico
mercantil colocado no mundo. A independência e o regime de metas de inflação são formas
de organização e atuação do Banco Central, segundo as quais lhe é atribuído apenas um
objeto, a estabilidade de preços, e um instrumento, a taxa de juros. A lógica dessa
organização vem das teorias neoclássicas de espectativas racionais. As espectativas
racionais preconizam que, não só a política monetária é neutra (não afeta variáveis reais
como o PIB), como ela também mostra que uma política monetária cercada de
desconfianças é ineficaz no combate à inflação. Sendo assim, a função da autoridade
monetária é fazer a manutenção do nível de preços com credibilidade. As metas de inflação
são anunciadas publicamente e (em certos países) há punições caso as metas não forem
alcançadas pelo BC. Com isso, os agentes podem realizar suas atividades sem medo de
perturbações monetárias indesejadas. Ao invés de causar distúrbios no funcionamento
normal e livre da economia, o BC se concentraria no fator que ele realmente poderia
influenciar: o nível de preços. Qualquer tipo de intervenção visando a melhor
administração da economia, ou seja, visando seu crescimento, provocaria, na realidade, um
resultado pior que o esperado24.
A perspectiva keynesiana, por sua vez, adota a visão da não neutralidade da moeda.
A moeda é um ativo como qualquer outro, mas que conta com um alto grau de liquidez.
Dada essa propriedade, a moeda pode servir de proteção contra incertezas no futuro. Isso
significa que, em tempos incertos, empresas podem optar por moeda ao invés de outros
tipos de investimento, como em máquinas para expandir a produção. Ao afetar essa
decisões das empresas, a política monetária pode exercer efeito em variáveis reais. Mas
isso pressupõe que os estados futuros da economia são imersos em uma incerteza forte, que
não pode ser acessada por cálculos de probabilidade25. Esse tipo de visão é algo
24 Devido à lógicas tributárias de diferentes princípios de justiça, a retórica das críticas entre ortodoxia e
heterodoxia apresenta claramente aquilo que Hirschman (1992) chama de tese da perversidade.
25 A discussão entre neoclássicos e keynesianos depende de diferentes visões sobre os processos
econômicos. Uma das conseqüências do equilíbrio geral é a irrelevância do tempo nos processos
econômicos (Hahn, 2000). Essa perspectiva sobre o sistema econômico, que o considera um sistema

102
subentendido nos valores da cidade industrial. O importante papel do conhecimento do
especialista, da organização, da intervenção e do planejamento só fazem sentido se o
mundo for concebido como algo que exige tais coisas: um mundo cujos rumos são
indeterminados. Não há mecanismos espontâneos que produzam trajetórias estáveis e
benéficas. Essas trajetórias precisam ser conquistadas. Cabe ao especialista produzir o
conhecimento sobre o funcionamento dessa realidade, para possibilitar seu
aperfeiçoamento; e só dessa maneira pode se produzir o bem comum. De todo modo, os
pós-keynesianos criticam as instituições monetárias vigentes na primeira década do século
XXI no Brasil, instituições cuja formulação passou por teorias com um princípio de justiça
mercantil em seu interior. Entre suas propostas estão o controle de capitais (Ferrari et al.,
2005), o papel ativo da política monetária na promoção do crescimento econômico e o
controle do câmbio para estimular exportações (Bresser, 2006; Sicsú, Paula e Michel,
2007). Aqui, princípios do mundo mercantil são colocados em questão por um tipo de
teoria ligada às regras de um mundo industrial: a construção de instituições que procuram
performar os modelos de equilíbrio são criticadas, pois esse próprio modelo seria sub-
ótimo. O funcionamento eficaz da economia e o crescimento econômico é alcançado com
intervenção e com planejamento nessa esfera.
Mais exemplos seriam necessários para mostrar, de modo mais robusto, como
teorias econômicas se infiltram no mundo, como elas são performadas, e como as teorias
performadas envolvem algum tipo de idéia de bem comum, de regime normativo ideal. É
preciso admitir que o argumento esboçado acima é ainda meramente sugestivo. No entanto,
é possível discutir alguns fatos estilizados da literatura sobre a oposição mercado/Estado
no Brasil. A história do Brasil independente pode ser interpretada como um percurso ao
longo do qual coexistem, de maneira conflitante, uma matriz ibérica e uma matriz
americanista. Incongruentes entre si, essas matrizes alternariam sua preponderância na
determinação de certos períodos históricos (Werneck Viana, 1996). De um lado, a
preponderância do público, do estamental, do centralismo, encontrada durante o império, a
Era Vargas e, por que não, do governo Lula. De outro lado, a preponderância do privado,

ergódigo, exclui noções de incerteza forte, pois, uma vez que se sabe como se chega ao resultado de
equilíbrio, o sistema obedece a uma dinâmica estável. Os keynesianos adotam o princípio não
ergodicidade (Davidson, 1984). Segundo essa perspectiva o sistema não segue uma dinâmica estável, o
que implica incertezas quanto a sua trajetória. É com base nessa visão sobre o formato da dinâmica do
sistema econômico, entre outras coisas, que a heterodoxia postula a ineficiência dos mercados, pois a
incerteza impede a coordenação perfeita das ações em mercado.

103
do incentivo ao capitalismo, da descentralização, a qual marcou a primeira constituição
republicana, o início do regime ditatorial militar e o governo Fernando Henrique Cardoso.
Nesse contexto de oscilações, as interpretações sobre o caráter da civilização brasileira se
esgotam nos anos 30, com Freyre, Prado Jr. e Buarque de Holanda. A partir daí, as
interpretações do Brasil se tornam tributárias da Economia, ou seja, ao invés de refletir
sobre o que compõe a nação brasileira, as interpretações passam a ver a economia como a
chave explicativa para o país (Nunes, 2009). Essa virada coincide com a emergência dos
economistas no Brasil no seio do governo, em órgãos de planejamento econômico. Desse
modo, em meio ao público do iberismo e ao privado do americanismo, parece surgir um
terceiro termo: o corpo de especialistas econômicos. Ao mundo cívico e ao mundo
mercantil, se juntam também seres do mundo industrial.
Mesmo exigindo uma investigação mais profunda, é possível especular que
argumentos fundamentados no princípio mercantil e no princípio industrial podem ser
encontrados em publicistas brasileiros desde o século XIX 26. Dono de idéias
profundamente anti-ibéricas, Tavares Bastos afirmava em seus escritos que os problemas
brasileiros tinham sua origem na herança perversa da ex-metrópole, que nos deixou a falta
de liberdade individual (Moraes Filho, 1978). Todavia, num país de sociedade civil e
mercado infantes, baseada numa economia agrícola escravocrata, sem qualquer base para
uma economia liberal, esse autor não deixava de reservar um papel para o Estado na
condução de um processo em direção ao progresso. Em contraste a esse tipo de
pensamento, publicistas como Visconde do Uruguai colocavam ênfase no direito
administrativo, no papel do Conselho de Estado, na simetria da ação política através de
todo o território e na centralização. Lógica semelhante é subjacente em Pimenta Bueno, o
qual reforça o coro da concepção de sociedade civil como reino dos interesses, como
âmbito da vida incapaz de fazer emergir a civilização. Tanto de um quanto de outro lado,
um papel é reservado ao Estado. Seja em uma relação com a sociedade construída sobre
bases de um princípio industrial, na qual o papel do governo é conduzir, planejar,
coordenar. Seja em uma relação fundada em um princípio mercantil, na qual o Estado
deveria proporcionar as condições para que a sociedade civil se vertebrasse sozinha.
26 Seria interessante poder levar a sério essa proposta e comparar o modo de argumentação dos publicistas
clássicos do pensamento brasileiro com as cidades de Boltanski e Thévenot. Assim, o próprio
procedimento desses autores, que formulam sistematicamente as cidade com base em escritos de autores
clássicos da filosofia política européia, poderia ser replicado e os resultados comparados. Por enquanto,
esse permanece um projeto de pesquisa futuro.

104
A proclamação da república iniciou um período no qual se reforçou a relação do
Estado com a sociedade nos padrões ora mercantil, ora industrial. Ainda examinando os
publicistas clássicos, é notório o entusiasmo do liberal Rui Barbosa, em seu relatório do
Ministério da Fazenda, com o avanço das transações comerciais nos primeiros anos após a
abolição da escravatura (Barbosa, 1949). O fim do regime escravocrata, junto a uma série
de medidas econômicas do início da república representaram uma re-organização profunda
das bases econômicas do país, a partir da qual era possível debater ou argumentar a partir
de princípios mercantis de modo mais realista. Porém, o governo de Getúlio Vargas, por
sua vez, incorpora o princípio industrial em sua relação com o país. É nele que se instaura,
com todo peso, o planejamento, a organização e o fortalecimento de um corpo de
especialistas para a promoção da modernização e do crescimento econômico. Cabe agora
mencionar por que não ainda não havíamos falado de uma performação do conhecimento
econômico que identificamos como heterodoxo. Ele é herdeiro de toda uma tradição do
desenvolvimentismo, que começa no anos 30 e se estende até os anos 70, do início do
modelo de industrialização por substituição de importações, passando pelo Plano de metas,
pelo PAEG e pelo I e II PND. Ao longo desse período, Bielschowsky (1996) afirma que
não houve uma produção teórica representativa no Brasil, pois todos os esforços estavam
voltados para a análise econômica de problemas concretos colocados aos planos de
desenvolvimento. O desenvolvimentismo foi um ciclo de prevalência de idéias econômicas
claramente amparadas em princípios do mundo industrial. Os herdeiros da tradição
desenvolvimentista concorrem, na primeira década do século XXI, com as correntes
ortodoxas. Como foi possível observar no capítulo anterior, a discussão durante esse
período foi intensa, pois se travou num contexto que Diniz (2002) chama de desarticulação
da coalizão neoliberal vigente na década de 1990.
Essa brevíssima incursão pela história brasileira tem o propósito de sugerir como é
possível abordá-la por meio da prevalência de um ou outro princípio de superior comum na
estruturação das relações do Estado com a economia. Nesse ponto, pode-se voltar a duas
questões deixadas no início dessa seção: a historicidade das cidades e suas articulação com
a performatividade do conhecimento econômico. Aqui, pensamos a historicidade das
cidades não nos termos do surgimento de princípios que se encontram além da
contingência da situação que permitem acordos. Fazemos um uso não convencional dos
conceitos de Boltanski e Thévenot, seguindo Chateauraynaud (1999). Exploramos não

105
situações, mas interações duráveis entre dois entes, que podem assumir a forma de um
acordo selado com base em um princípio superior comum. Assim, a história econômica
brasileira pode ser observada sob a perspectiva da oscilação de princípios que regem a
relação entre Estado e economia. O Brasil é marcado por uma história de coordenação
estatal nos processos de modernização econômica. Mesmo em intervalos de tempo, nos
quais idéias liberais assumem bastante importância, a presença do Estado não deixa de ser
perceptível e considerável em diversos setores. Isso faz com que um fator determinante dos
ciclos econômicos brasileiros seja o modo de relação entre Estado e economia. Salvo no
caso de não intervenção – o que não é o caso brasileiro –, essa relação só pode se dar no
quadro de um princípio superior comum industrial. A ligação entre os dois supõe a
necessidade da organização, que não ocorre espontaneamente, do planejamento e do
aperfeiçoamento da economia por parte do Estado. Essa relação assume essa feição
claramente a partir de Getúlio Vargas. E é no seio dessa relação que surge um corpo de
especialistas em Economia. A existência de propostas liberais na década de 1940, presente
nos argumentos de Eugênio Gudin em sua controvérsia com Roberto Simonsen, não
alterou a dominância do desenvolvimentismo nesse período. A relação industrial entre
Estado e economia só foi abalada nos anos 90. Que eventos estiveram presentes nessa
mudança?
Uma parte considerável desse capítulo foi ocupada pela demostração de como o
conhecimento econômico ortodoxo é um dispositivo que tenta estabilizar um compromisso
entre a cidade industrial e a cidade mercantil. A articulação da coalizão neoliberal, vigente
durante o governo Fernando Henrique Cardoso, certamente dependeu de diversos fatores.
Mas em seu interior, não há como desconsiderar a presença de economistas (entre eles
Bacha e Arida), os quais utilizavam o conhecimento econômico ortodoxo e, dessa maneira,
contribuíam grandemente para formar um novo tipo de relação entre Estado e economia. O
conhecimento econômico que carrega consigo a idéia de bem comum da cidade mercantil
funcionou, na década de 1990, como um contra-programa que re-organizou aspectos da
economia herdados do período desenvolvimentista. Sessenta anos de um arranjo
performado por idéias desenvolvimentistas eram, então, colocados em questão. A Ciência
Econômica ortodoxa iniciava a performação de suas concepções, na fundação de
determinados formatos institucionais, como mencionado acima. Cabe ressaltar que não se
trata apenas da uma ação estratégica de um ator, a Ciência Econômica ortodoxa, para

106
traduzir os interesses dos outros atores envolvidos nesse contexto e, assim, ampliar suas
redes. É uma performação que possui como forte componente um compromisso entre
princípios superiores comuns. A crítica dos economistas heterodoxos às instituições
econômicas criadas nesse período não são feitas como um contra-agenciamento de um ator
tão estratégico quanto àquele que ele quer derrotar. A tentativa de abrir as caixas pretas da
Ciência Econômica ortodoxa tem seu fundamento em uma determinada representação
moral do mundo: a industrial. As cidades podem, desse modo, servir como conceitos para
compreender a lógica da performação da Ciência Econômica, a lógica do modo pelo qual
ela re-organiza os coletivos heterogêneos que formam a economia.

3.4 RELAÇÕES DE LEGITIMIDADE, RELAÇÕES DE FORÇA E CRÍTICA


ECONÔMICA

Até esse ponto, tratamos a Ciência Econômica como um objeto da cidade industrial,
o qual pode ser instrumentalizado no estabelecimento de uma relação acordada, ou
legítima, entre o Estado e a economia. Quando dois atores se engajam em uma relação não
episódica e mais durável, vários eventos podem levantar objeção à respeito da simetria e da
reciprocidade dos laços. Desde que essa relação seja estabelecida com base em uma
convenção comum, que permite a solução acordada dos conflitos, essa relação pode ser
vista como legítima. A interação entre Estado e atores da economia, na qual o primeiro
intervem constantemente na ação dos segundos, é legítima sob a condição de que a
eventual divergência de percepção sobre o estado das coisas possa ser regrada segundo um
princípio de eficiência. Se a coordenação estatal de diversos aspectos da economia é o
modo mais eficiente para ordená-la, se essa é a forma de organização que promove maior
crescimento econômico, então o eventual sobrepeso do Estado é visto como legítimo pelos
atores envolvidos. Quando a medida é dada pelo princípio superior comum industrial, não
há rivalidade entre o Estado e o setor privado, mas uma divisão de tarefas no
aperfeiçoamento da economia. Esse caso não é, entretanto, o único existente: provas de
legitimidade são só uma das variantes de provas possíveis. Há também provas de força
(Boltanski e Chiapello, 2009, p.65; Chateauraynaud, 1991, p.166). Desse modo, a ciência
econômica não é apenas um instrumento de criação de relações legítimas. Ela é também
um instrumento que pode ser utilizado em relações de força.

107
O Estado é um ator equívoco, no sentido em que ele pertence não só ao mundo
industrial, em seu papel de coordenação econômica, mas também ao mundo cívico. Essa
condição é o fundamento das denúncias da tecnocracia. Segundo o princípio superior
comum cívico, o Estado é o espaço da tomada de decisões com base na representatividade,
na vontade da maioria. São essas as propriedades que fazem sua grandeza nesse mundo.
Decisões delegadas a um exíguo número de pessoas, como é o caso dos especialistas da
burocracia econômica, são altamente criticáveis a partir da cidade cívica. Daí o espaço
aberto à existência da crítica à tecnocracia. Esse é o típico caso de um diferendo, de um
desacordo quanto aos princípios adequados para a ordenação das coisas (Boltanski e
Thévenot, 1991, pp.275-278). Na ausência de um mediador que re-estabeleça um princípio
adequado para dar fim ao desentendimento, esse tipo de situação pode se transformar em
uma luta aberta. O arranjo final do estado das coisas seria determinado não por um acordo
comum, mas pela medição das forças das partes.
Nessa variante, as relações se comportam de modo bastante verossímil com o que
preconiza a antropologia da ciência e da tecnologia (Callon e Latour, 1981; Callon, 1986;
Latour, 2000): a Ciência Econômica é um macro-ator, capaz de traduzir os interesses de
diversos outros atores, e de estabilizar as relações ao seu modo. Ao não especialista, suas
teorias são caixas pretas, são uma série de postulados sobre o comportamento da economia,
os quais não são colocados à prova a cada instante. O questionamento constante das teorias
cabe apenas aos economistas. Argumentamos anteriormente que a teoria econômica é
performada. E essa é parte de seu sucesso. De um lado, um conhecimento econômico
ortodoxo que procura colocar em prática as hipóteses que permitem um mercado perfeito;
de outro lado, um conhecimento heterodoxo que atua no apoio à medidas de intervenção
governamental na economia. Nessa relação íntima com o mundo econômico, as caixas
pretas da Ciência Econômica são muito raramente colocadas à prova pelo não especialista.
A crítica do comum aos especialistas econômicos costuma aparecer quando de uma grande
falha nos elementos performados27.
O funcionamento da política monetária serve como exemplo da atuação da Ciência
Econômica como ator capaz de traduzir os interesses alheios. Na formulação do regime de
metas de inflação, a variante ortodoxa colocou toda a relação da moeda com a economia
27 A crise subprime, que se tornou uma crise econômica mundial, é um exemplo de tal episódio. Exemplos
de algumas críticas podem ser encontradas em Frankfurter Allgemeine Zeitung (05.04.2009) e Financial
Times (21.07.2009).

108
em uma caixa preta e a alistou em seu proveito: a moeda seria neutra, logo a autoridade
monetária teria como papel garantir a estabilidade do nível de preços; dada a complexidade
dos mercados financeiros e monetários, o único instrumento eficaz de política monetária é
o controle das taxas de juros. Essa tradução do interesse dos atores na economia quanto à
política monetária é performada na forma de organização de uma instituição, o Banco
Central. Entre a política do Estado a respeito da moeda e os atores da economia, se
encontram os economistas ortodoxos, os atores que logram se colocar como intermediários
entre os desejos e os meios de realizá-los. Nesse regime, a importância da taxa de juros
comandada pelo Banco Central é enorme. Ela influencia não só a variação do nível de
preços, mas também a taxa de câmbio, o grau de endividamento público, o nível de
investimentos, etc. A crítica cívica raramente consegue tocar a estabilidade das caixas
pretas necessárias à manutenção desse arranjo. Esforços no sentido de aumentar a
representatividade das decisões acercas da meta inflacionária, por meio da ampliação do
Conselho Monetário Nacional28 (CDES, 2006; CNI, 2006), não foram, pelo menos até
agora, bem sucedidas. Isso permite concluir que, em relações de força no espaço da
economia, os objetos da cidade industrial, como a Ciência Econômica, podem ser
utilizados como instrumentos de combate bastante eficazes. A caixa preta manipulada,
nesse caso, pela Ciência Econômica ortodoxa não pode ser colocada em questão por
qualquer um. A gestão econômica do Estado se apresenta, desse modo, como uma esfera
onde o peso do princípio comum industrial é assimétrico. No desacordo quanto ao critério
para a coordenação da ação econômica governamental, se por princípios e objetos da
cidade cívica ou por princípios e objetos industriais, os últimos conseguem silenciar os
objetantes e, pela força, organizam o mundo ao seu modo.
A crítica ao formato do Conselho Monetário Nacional pode também se aliar à
Ciência Econômica heterodoxa. Um exemplo é a carta 156 do Instituto de estudos para o
desenvolvimento industrial (IEDI, 2006), a qual se apóia no trabalho de Oreiro e Passos
(2005). Há aqui uma aliança entre um objeto da cidade industrial, a Ciência Econômica
heterodoxa, e um objeto da cidade cívica, uma carta aberta trazendo uma reivindicação de
maior representatividade. Embora não seja possível abordar, no presente texto, o papel
dessa aliança específica na trajetória dessa disputa, esse evento aponta para as

28 Órgão colegiado, composto pelo presidente do Banco Central, pelo ministro da fazenda e pelo ministro do
planejamento, com o objetivo de definir a meta de inflação a ser perseguida pelo Banco Central.

109
conseqüências da divisão no interior de um dos principais objetos industriais que compõe
a relação entre Estado e economia. Como apresentado nos capítulos anteriores, a divisão
do espaço de produção do conhecimento econômico e a constituição do desenvolvimento
desse conhecimento como um diferendo permitem que uma crítica cívica tente atacar a
tecnocracia desde seu próprio interior. Isso representa uma linha de fuga importante, capaz
de balancear um pouco as forças entre atores da tecnocracia e atores com reivindicações
cívicas.

110
5 CONCLUSÃO

Essa dissertação tomou como objeto a esfera onde é produzida a Ciência


Econômica no Brasil na primeira década do século XXI. A investigação sociológica é
atraída por esse assunto, pois é por meio da passagem por essa esfera que os indivíduos
adquirem uma competência bastante valorizada em meios governamentais, empresariais e
midiáticos. Ao longo do trabalho, nos apoiamos em diversos conjuntos de estudos com
características bastante variadas, de investigações produzidas por historiadores e
metodólogos da Economia à diversas abordagens sociológicas do mundo econômico.
Entretanto, a pesquisa utilizou mais intensamente, em um primeiro momento, as
ferramentas teóricas de Pierre Bourdieu. Em um segundo momento, fundamentamos a
argumentação nas teorias de Luc Boltanski e de Laurnet Thévenot, assim como nas teorias
de Bruno Latour e Michel Callon. O intuito foi seguir adiante alguns estudos já feitos sobre
esse mesmo objeto e, ainda, explorar outras possibilidades de investigação com base nesse
ecleticismo teórico.
Os resultados ao quais chegamos foram os seguintes. No primeiro capítulo
procuramos levar adiante um tipo de pesquisa semelhante ao realizado por Loureiro
(1997a). O objetivo foi examinar como se configura sociologicamente a esfera de produção
de conhecimento econômico científico no Brasil. Em outras palavras, examinamos como
os cientistas econômicos se diferenciam segundo suas propriedades sociais e científicas.
Além das iniciativas de Maria Rita Loureiro, um modelo de pesquisa que inspirou essa
etapa de estudo foi os trabalhos de Frédéric Lebaron (1997, 2000, 2001). Utilizamos a
mesma técnica adotada por Lebaron, a Análise de Correspondências Múltiplas, para
interrogar dados levantados para uma amostra de pouco mais de 150 cientistas
econômicos. Os resultados apontam duas clivagens principais no interior do mundo desses
cientistas. A primeira representa uma divisão entre duas formas diferentes de fazer Ciência
Econômica. Foi possível associar essas diferentes formas ao que a literatura sobre o
assunto e os próprios cientistas investigados chamam de ortodoxia e heterodoxia. A
segunda diferencia esses economistas segundo diferentes graus de consagração.
A análise estatística das propriedades da amostra de economistas fornece um
modelo de suas diferenças. No entanto, esse modelo se mantem caso observarmos as
produções científicas desses indivíduos? Há uma coerência quanto às temáticas e quanto

111
aos conteúdos nessas divisões entre os cientistas? Essas questões guiaram uma primeira
parte do segundo capítulo. Examinamos as produções de indivíduos em cada quadrante do
modelo geométrico. No quadrante dos heterodoxos consagrados, as discussões giram em
torno de questões de política econômica. Critica-se ou se defende determinada política
adotada pelas autoridades econômicas do governo. São discussões nas quais a
matematização é bem vinda, porém, não mandatória. O principal fórum desses economistas
é a Revista de Economia Política. No quadrante dos heterodoxos menos consagrados, os
temas se afastam gradualmente do mundo político. Os indivíduos agrupados nessa região
do modelo escrevem sobre História do Pensamento Econômico, Metodologia da
Economia, História econômica e temas correlatos. As discussões são, do mesmo modo,
pouquíssimo matematizadas e costumam tocar em aspectos de outras disciplinas como
História, Sociologia e Filosofia. O quadrante que agrupa economistas ortodoxos mais
consagrados é marcado por temas variados. Questões de política econômica também são
tratadas, mas de modo mais modesto, frequentemente na avaliação de uma ou outra
política pontual. É um grupo que, ao se distanciar do debate com contornos políticos em
torno da política econômica, assume contornos que correspondem à autonomia científica
da disciplina. A cientificidade é função desse distanciamento e também é função da pesada
utilização de métodos matemáticos e estatísticos o que aproxima esse tipo de Ciência
Econômica das feições das Ciências Naturais. No quadrante dos ortodoxos menos
consagrados, o exame das produções dos indivíduos mostrou que elas são bastante
semelhantes às produções da ortodoxia consagrada. A diferença entre os dois grupos parece
de cunho sócio-geográfico, pois a consagração é uma função da proximidade dos grandes
centros dos país: Rio de Janeiro e São Paulo.
A pesquisa realizada no segundo capítulo traz ainda outra contribuição. Ao observar
as diferentes produções científicas dos economistas, foi possível se aprofundar no caráter
das diferentes formas de fazer Ciência Econômica. Ao observar padrões distintos de
cientificidade, nos saltou aos olhos como as disputas entre os economistas das diferentes
correntes passa por um forte componente argumentativo e que há diferentes convenções
para regrar a qualidade dessas argumentações e das produções científicas. A referência
teórica utilizada até esse ponto foi Bourdieu. A hipótese utilizada por esse autor é que, nas
disputas no interior de um campo científico, recursos extra-científicos, como prestígio,
ligações sociais e mesmo dinheiro, são utilizados para impor uma forma de fazer ciência. E

112
essa imposição se cobre de legitimidade, o que sanciona e reforça essa dominação de uma
forma arbitrária de ciência. Embora essa hipótese possa servir de base para estudos com
resultados bastante interessantes, não há muito o que dizer sobre o conteúdo da ciência
produzida. Relaxamos essa hipótese bourdieusiana para incluir o debate levantado por
Arida (1996), que identifica duas convenções que regem as boas práticas científicas em
Ciência Econômica. Nesse quadro, a disputa entre os economistas é vista não somente
como uma luta pela autoridade em um campo específico, mas também como um desacordo
quanto aos critérios científicos utilizado para avaliar os trabalhos. De um lado, a ortodoxia
se apega a critérios bastante semelhantes aos popperianos. O conceito central na dinâmica
científica dessa correntes é a superação positiva de uma fronteira científica. De outro lado,
a heterodoxia parece dispensar a falsificação de hipóteses como último critério para fazer
emergir a verdade. Essa convenção é marcada pelo conceito de superação negativa, na qual
o estado presente da teoria se confunde com sua história. Na falta de uma convenção
comum para coordenar o modo de fazer Ciência Econômica, a disputa entre economistas se
reproduz indefinidamente.
Na última etapa da pesquisa, apresentada no terceiro capítulo, deixamos para trás os
aspectos que dizem respeito ao interior da Ciência Econômica e abordamos a relação dessa
ciência com o mundo. Essa abordagem foi realizada de modo bastante particular, ao
utilizar a referência teórica de Boltanski e Thévenot (1991) e de vários escritos de Callon e
de Latour. Boltanski e Thévenot formulam um modelo de princípios superiores comuns,
sendo plurais e em número limitado, como ordens normativas a partir das quais é possível
se colocar em questão um desajuste na organização das coisas no mundo. Assim, uma
cidade, na acepção de Boltanski e Thévenot é um conjunto de seres, pessoas, objetos e
dispositivos, que encontram um lugar na ordem prescrita por um princípio superior
comum. Identificamos como esses princípios superiores estão presentes no interior dos
diferentes modos de fazer Ciência Econômica. No interior das práticas científicas da
heterodoxia se encontram premissas, métodos e técnicas que endossam uma visão da
cidade industrial. Essa configuração corresponde ao previsto por Boltanski e Thévenot,
pois esses autores consideram a ciência um objeto da cidade industrial. Entretanto, o
interior da Ciência Econômica ortodoxa é marcado não por um, mas por dois princípios
superiores comuns. A centralidade dos modelos de equilíbrio geral para a ortodoxia pode
ser entendida como uma tentativa de estabelecer um compromisso entre a cidade industrial

113
e a cidade mercantil. Trata-se de um dispositivo que procura estabilizar a equivalência
entre eficiência e mercado. Essas observações permitiram destacar um pouco mais da
lógica das disputas entre os economistas, principalmente de como a crítica heterodoxa à
ortodoxia se fundamenta no modo de crítica industrial à cidade mercantil.
Os princípios superiores comuns, encontrados no trabalho de Boltanski e Thévenot,
são formas de ver um ajuste legítimo na organização dos seres no mundo. Dessa maneira,
se diferentes princípios habitam o interior dos instrumentos dos economistas, há diferentes
medidas preconizadas pela ortodoxia e pela heterodoxia quanto à organização das coisas
no mundo econômico. Nesse ponto, introduzimos a idéia de performatividade da Ciência
Econômica, formulada principalmente por Michel Callon. O conhecimento econômico não
é apenas uma criação intelectual externa a seu objeto; ele faz parte de sua composição e, de
certo modo, contribui na construção e reconstrução do mundo econômico. O que
procuramos sugerir, juntando essas duas correntes teóricas – Boltanski e Thévenot; Latour
e Callon – à configuração da esfera de produção de conhecimento econômico no Brasil, foi
que, dada a crescente especialização dos órgãos governamentais encarregados de gestão
econômica, uma parte da relação entre Estado e economia (aspectos das configurações
institucionais do comércio exterior, do mercado financeiro e monetário, da política
monetária, da política fiscal, etc.), pode ser compreendida no quadro da performatividade
de princípios superiores comuns pelo intermédio da teoria econômica. Finalmente,
esclarecemos que, embora todo esse instrumental de Boltanski e Thévenot tenha sido
produzido para dar conta de relações de legitimidade, esse tipo de relação não esgota o
campo de possibilidades. Do mesmo modo que a Ciência Econômica pode estabelecer
relações de legitimidade, de acordo franco entre os atores envolvidos, ela pode servir como
instrumento de luta em relações de força.
Esse último capítulo possui a fragilidade de não ter muito conteúdo empírico para
apoiar uma argumentação um tanto forte acerca da relação entre economia e idéias
econômicas. Reconhecemos isso e indicamos essa limitação como guia para pesquisas
futuras. De todo modo, acreditamos que essa dissertação consegue trazer contribuições
interessantes para o estudo dos economistas e de sua Ciência no Brasil. Apresentamos um
modelo que capta as divisões relevantes na esfera de produção de conhecimento
econômica. Essa antropologia diferencial dos cientistas econômicos foi acompanhada da
constatação que essas divisões, longe de ensejar a harmonia, são uma razão de

114
discordâncias entre esses indivíduos. Finalmente estudamos as fontes dessas discordâncias,
tanto no interior do grupo de cientistas econômicos, quanto em sua relação com o mundo,
baseado no modelo de cidades de Boltanski e Thévenot.

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125
ANEXOS

VARIÁVEIS UTILIZADAS NA ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIA DOS


CAPÍTULOS 1 e 2

Tabela 7.4 – Sumário do modelo


Dimensão Alfa de Cronbach

1 0,798
2 0,681
3 0,610
4 0,603
Total
Média 0,694

Tabela 7.5 – Medidas de discriminação

Variável
Quantidade de publicação
Residência
Geração
Graduação
Doutorado
Passagem por instituição de ensino privada
Passagem por instituição de ensino pública
Passagem pelo setor privado
Passagem pelo setor estatal

126
Quadro 7.1 – Variáveis e modalidades

Variáveis
Propriedades sócio-institucionais e trajetória
Sexo (2)

Residência (7)

Filiação (22)
Geração
127
LISTA DE ECONOMISTAS ENTREVISTADOS

Fernando Cardim de Carvalho, UFRJ (10.06.2009)


Francisco Cipolla, UFPR (18.06.2009)
Gabriel Porcile, UFPR (22.06.2009)
Pedro Cavalcanti Ferreira, FGV (14.07.2009)
João Victor Issler, FGV (24.07.2009)
Fernando de Holanda Barbosa, FGV (28.07.2009)
Carmem Feijó, UFF (28.10.2009)
Alexandre Barros da Cunha, Ibmec (29.10.2009)

128

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