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DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL: A escassez de creches e pré-escolas e a violação do

direito à educação.

RIGHT TO EDUCATION CHILDREN: A shortage of kindergartens and preschools and


violation of the right to education.

Ivan Dias da Motta1


http://lattes.cnpq.br/1508111127815799
Luiz Fellipe Preto2
http://lattes.cnpq.br/7534667569687014

RESUMO: As crianças de 0 a 5 anos de idade há tempos vêm tendo cerceado o seu direito à
educação. Aludido direito social, na realidade, é igualmente direito da personalidade e
compõe, indubitavelmente, o princípio magno da dignidade da pessoa humana. Neste ínterim,
é dever do Estado promover a garantia do acesso à educação infantil, até mesmo em
decorrência do insculpido em nossa Carta Magna junto ao Artigo 205, bem como junto ao
próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, além da Lei de Diretrizes Escolares e
Declarações Universais. Há, no entanto, notória precariedade na prestação e efetivação desta
garantia constitucional. Desta forma, o tema está delimitado pela demonstração do papel das
políticas públicas como forma de garantir a todos o direito social, fundamental e da
personalidade à educação, como forma de formação humana, transformação da sociedade e
manutenção da democracia, analisando-o sob o enfoque não recair a favor do ente público a
possibilidade de escolha na consecução e efetivação de direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil; Dignidade da pessoa humana; Crianças.

ABSTRACT: Children 0-5 years of age have long having curtailed their right to education.
Alluded to the social right, it is actually also the right personality and composed undoubtedly
the magnum principle of the dignity of the human person. Meanwhile, it is the duty of the
State to promote secure access to early childhood education, even as a result of insculpido in
our Constitution with the Article 205, as well as with the actual Statute of Children and
Adolescents, and the Law School and Guidelines Universal Declarations. There are, however,
notoriously unreliable delivery and effectiveness of this constitutional guarantee. Thus, the
theme is bounded by the demonstration of the role of public policies in order to guarantee
everyone the right social and personality fundamental to education as a form of human,
societal transformation and maintenance of democracy, analyzing it under focus does not lie
in favor of the public entity a choice in achieving and enforcing fundamental rights.

1
Pós-doutor em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor permanente
do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, advogado e consultor
em Direito Educacional. Endereço eletrônico: <ivanmotta@cesumar.br>
2
Formado em Direito pela Universidade Norte do Paraná, especialista em Direito Tributário, Direito Civil,
Direito Processual Civil e Direito Público, Mestrando em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de
Maringá – CESUMAR, advogado com escritório profissional situado em Londrina/PR e professor universitário
da Universidade Norte do Paraná.
KEYWORDS: Early childhood education; dignity of the human person; Children.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 insere o direito à educação como direito


fundamental, incluindo-o no rol dos direitos sociais3. O direito à educação também encontra
previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art.4º) e na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação nacional, Lei nº 9.393/1996 (art. 2º).
O direito ao saber possui também uma dimensão universal estando consolidado na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), Declaração Universal dos Direitos
Humanos das Nações Unidas (1948), Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (1848), Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU
(1966), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração Mundial sobre
Educação Para Todos (1990), entre outros.
Ainda, nos termos dos artigos 205 e 227 da Constituição Federal de 1988, a educação
é dever do Estado, como gestor e fomentador da educação, que deve realizar as políticas
públicas necessárias para que efetivamente haja educação para todos. É também um dever da
família, que é instrumento mestre, sem a qual o processo educativo é relegado a um segundo
plano, não havendo perspectivas de uma verdadeira transformação no homem e, igualmente,
deve ter a colaboração da sociedade que sofrerá todas as consequências da ausência de um
sistema educacional perfeito e acabado.
Nesta toada, o Estado tem o dever de garantir o acesso à educação a todos. Isto em
razão do direito social à educação constituir um avanço para minimizar distorções da
sociedade, visando à melhoria de condições de vida e a minoração das desigualdades sociais.
Desta forma, o Estado tem o dever de implementar políticas públicas para a garantia
do acesso de todos à educação. Para tanto, há previsão de dotação orçamentária (art. 212 e
213 da Constituição Federal de 1988) afastando qualquer argumento de que o acesso à
educação é norma de cunho programático, dependente da vontade do gestor.
Como direito público subjetivo o particular tem a faculdade de exigir o cumprimento
da obrigação pelos poderes públicos e as autoridades públicas devem ser responsabilizadas.
Pois bem, ultrapassadas estas premissas iniciais, cumpre salientar que as crianças de
0 a 5 anos de idade há tempos vêm tendo cerceado o seu direito à educação, mesmo a

3
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
educação infantil sendo obrigação estatal. Aludido direito social, na realidade, é igualmente
direito da personalidade e compõe, indubitavelmente, o princípio magno da dignidade da
pessoa humana. Tem-se, portanto, diante do defeituoso fornecimento da educação infantil a
violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Neste ínterim, é dever do Estado promover a garantia do acesso à educação infantil,
até mesmo em decorrência do insculpido em nossa Carta Magna junto ao Artigo 205, bem
como junto ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, além da Lei de Diretrizes
Escolares e Declarações Universais.
Há, no entanto, notória precariedade na prestação e efetivação desta garantia
constitucional. Desta forma, o tema está delimitado pela demonstração do papel das políticas
públicas como forma de garantir a todos o direito social, fundamental e da personalidade à
educação, como forma de formação humana, transformação da sociedade e manutenção da
democracia, analisando-o sob o enfoque não recair a favor do ente público a possibilidade de
escolha na consecução e efetivação de direitos fundamentais.

2 ESBOÇO HISTÓRICO DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL

É inegável que o direito à educação faz parte das condições para a existência digna
da pessoa humana, muito embora o conceito de dignidade seja extremamente amplo e, ainda,
nos dias de hoje, de difícil conceituação e delimitação, se é que se pode limitar a dignidade
humana.
É justamente em razão da importância do direito à educação que nosso ordenamento
jurídico prevê, junto a inúmeras legislações, o dever do Estado e a necessidade de garantia do
acesso à educação a toda coletividade, fazendo-o junto à Constituição Federal, Código Civil,
Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor e também junto à
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além da previsão, igualmente, em diversas
declarações universais.
Neste ínterim, pode-se afirmar que a disposição do direito à educação junto ao texto
constitucional e que, tal disposição, em conjunto com as demais, é reveladora da tendência
das constituições em favor de um Estado Social, que tem como valor final a justiça social em
uma democracia pluralista exigida pela sociedade de massas.
Desde a Constituição do Império, datada de 1824, já havia disposição no sentido de
garantir o direito à educação, em seu artigo 179, XXXII, ao dispor que: “A instrução primária
é gratuita a todos os cidadãos”. Muito embora fosse singela aludida disposição constitucional,
depreende-se a preocupação com a educação e a verificação de sua importância desde os
primórdios.
Já a Constituição de 1934 deu passos significativos ao elencar um capítulo próprio
para os temas relativos à educação, estabelecendo ser direito de todos, evidenciando, ainda,
que deveria ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, consoante o artigo 149 de
referido diploma legal. Este mesmo regramento constitucional estabeleceu que a educação
deveria possibilitar “eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação” e que deveria ser
desenvolvida “num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana”.
Junto a Constituição de 1946 houve a inauguração de um curto período de Estado de
Direito, a qual, junto ao artigo 168 estabelece a obrigatoriedade do ensino primário oficial e
gratuito para todos e o ulterior também terá assegurada a gratuidade para aqueles que
comprovadamente não tiverem recursos suficientes.
Nem mesmo com o golpe militar houve a alteração substantiva no que concerne à
previsão constitucional relacionada à educação, pois, também junto ao artigo 168 do texto
constitucional de 1967, de forma expressa, residiu a menção de ser a educação um direito de
todos podendo ocorrer no lar e na escola e devendo ser inspirada, paradoxalmente, nos ideais
de liberdade e de solidariedade humana, porquanto o Estado era de exceção, com cerceamento
da liberdade. Além da garantia constitucional da educação universal, o ensino torna-se
obrigatório dos sete aos quatorze anos e ministrado nos diferentes graus pelo Poder Público.
De simples análise deste breve percurso histórico pelas constituições brasileiras pode
se perceber que o direito a educação jamais foi suprimido. Mesmo nos momentos ditatoriais
este direito manteve-se presente nos textos constitucionais, demonstrando que é essencial,
necessário e fundamental.

3 A OBRIGATORIEDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL JUNTO AO


TEXTO CONSTITUCIONAL DE 1988.

A expressão educação possui sua origem no latim, educatio, educationis, e sua


tradução lato senso significa o ato de criar. O ser humano nasce com uma série de habilidades
e de possibilidades, oportunidade em que é a educação o instrumento capaz de garantir e,
principalmente, transformar aludidas potencialidades em realidade. Nesse sentido a educação
se reveste de notória e evidente necessidade e, por isso, é considerada essencial para integral
desenvolvimento da personalidade humana e, consequentemente, fundamental para o
desenvolvimento da cidadania.
A educação é pressuposto integrante para a edificação do Estado Democrático de
Direito, o qual exige cidadãos capazes, críticos e prontos para desempenharem seus papéis
sociais e exercerem na plenitude a cidadania. É sabido que um dos principais objetivos da
educação é justamente o preparo para a cidadania e que a proteção dos direitos humanos
demanda um processo educacional sério, eficaz e capaz de despertar nas gerações presentes e
futuras a consciência de participação na sociedade, o que, infelizmente, não ocorre nos dias de
hoje diante da precariedade dos sistemas de ensino atuais e, também, da promoção de
políticas públicas por parte do ente estatal.
A educação detém a finalidade, como direito fundamental que é, de destinar-se em
um primeiro momento, ao substrato da sociedade, ou seja, às crianças, embora, até
recentemente estas e os adolescentes não tenham sido tratados como cidadãos e nem mesmo
como sujeitos de direitos.
Todavia, embora seja prioridade, a garantia do acesso à educação para as crianças,
como prioridade, não pode compactuar com a exclusão da universalização do ensino para as
demais faixas etárias, inclusive para os adultos, como ocorre nos dias de hoje, em que o
próprio sistema educacional é desigual. A formação intelectual, social e cidadã, função
primordial da educação, deve voltar-se, sem nenhuma forma de exclusão. Somente assim
poderemos iniciar a busca por um efetivo Estado Democrático de Direito.
Como já dito, o ordenamento jurídico brasileiro apresenta vários diplomas legais que
buscam garantir a dignidade da pessoa humana, incluindo, por decorrência e obviedade, a
criança. A função primordial de tais disposições legais é a de garantir uma vida digna a todos
que estão sob seu manto.
Neste ponto inclui-se a educação das crianças, a qual passa a fazer parte do mínimo
existencial4. No entendimento de Simone de Sá Portella:

“O mínimo existencial refere-se ao ensino fundamental. Assim se em


um determinado Município não houver vagas nas escolas de ensino
oficial, pode o munícipe ingressar com uma ação, obrigando o Poder
Público Federal, estadual ou municipal, pois a competência é
concorrente das três entidades, a efetuar a matrícula em uma escola
particular. [...] No que tange ao ensino médio, não constitui mínimo
existencial”.5

4
PORTELLA, Simone de Sá. Considerações sobre o conceito de mínimo existencial. Âmbito Jurídico, Rio
Grande. 2007. P. 41.
5
PORTELLA, Simone de Sá. Considerações sobre o conceito de mínimo existencial. Âmbito Jurídico, Rio
Grande. 2007. P. 42.
Também, o direito à educação infantil é um direito inalienável, pois a matrícula é
obrigatória e a disponibilidade de vagas é obrigação do Estado, o qual resta compelido a
garantir a todos quanto delas necessitarem. Para que possa existir referida garantia,
imprescindível é, portanto, a promoção de políticas públicas com vistas à necessidade de a
União Federal e os demais entes federados aplicarem, anualmente, receitas provenientes de
impostos na manutenção e no desenvolvimento do ensino, conforme preleciona o Artigo 212
do texto constitucional.
Desta feita, é de suma importância registrar que não somente ao Estado incumbe o
dever de garantia do direito à educação, mas, também, por ser um direito fundamental, o
ordenamento jurídico pátrio confere à família e à sociedade a responsabilidade de,
igualmente, de garantir e proteger o direito das crianças à educação.
É exatamente neste sentido, também, a Declaração dos Direitos da Criança, adotada
pela Assembléia das Nações Unidas, a qual dispôs, em seus princípios, que a criança terá
direito a receber educação, gratuita e compulsória, pelo menos no grau primário.
O direito à educação infantil é direito fundamental, inalienável, indisponível e
impostergável, sendo exatamente neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, o qual dispõe ser a educação infantil prerrogativa constitucional indisponível.
A sociedade brasileira, entendendo a importância do direito à educação e a
necessidade de garantia de seu acesso, deu mostras nas últimas décadas do empenho pela
universalização do acesso à educação nas escolas, especialmente no que tange à educação
infantil. Esta reivindicação garantiu que nossos legisladores pátrios trouxessem junto ao texto
constitucional a educação como um direito de todos, definindo a quem cabe a
responsabilidade por sua promoção e incentivo e estabelecesse seus fins junto ao Artigo 205.
A idéia da educação como direito subjetivo e dever do Estado e da família deve ser
analisada sob o enfoque da escola republicana, ou seja, “para todos”. No entanto, não basta a
simples oferta de vagas na rede pública de ensino, uma vez que ente público deverá garantir
também todos os meios necessários para a permanência do educando nas salas de aula. Resta
inegável, portanto, embora não haja menção expressa nos textos legais, que além do acesso e
da permanência é indispensável a efetividade. Sem este último quesito, o dispositivo
constitucional citado perde sua razão de existir, tornando-se inócuo.
Compete ao ente estatal, através das instituições de ensino, em colaboração com a
família e a sociedade de modo geral, buscar os meios para que a escola desempenhe seu papel
e garanta a aplicabilidade do artigo 205 da Constituição Federal. Desta feita, o Estado tem o
dever de garantir o acesso e a permanência das crianças na escola, pois o ensino fundamental,
até a oitava série ou o nono ano, será obrigatório e gratuito.

4 O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado um marco na


garantia e afirmação consolidada dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros. Em
razão de aludido dispositivo legal criou-se um conjunto de atenção à infância e à
adolescência, em especial, inerente à inserção escolar.
Nesta toada, o Artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente eleva a educação a
direito positivado e enumera seus princípios basilares ao dispor a necessidade de igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola, direito de respeito pelos educadores, direito
de contestar critérios avaliativos, direito de organização e participação em entidades
estudantis, e o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Depreende-se, portanto, que o foco central do processo educativo é a criança,
oportunidade em que o ensino deve garantir a sua plena realização, como pessoa, como
sujeito de direito. Portanto, depreende-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente
encontra-se em perfeita sintonia com o texto constitucional ao determinar, igualmente, o
acesso em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. Em razão disto
garante-se, em um primeiro momento, a educação de crianças a partir dos primeiros meses de
vida junto às creches e, em segundo lugar, confere condições aos pais para que possam
permanecer no mercado de trabalho, com a tranquilidade de ter onde deixar o filho.
As creches, nos últimos anos, vêm ganhando conotação de entidade capacitada a
garantia da educação infantil. Infelizmente, a obrigatoriedade de acesso às creches e pré-
escolas não foi acompanhada pelo pleno atendimento da demanda, fato este que prejudica, em
muito o desenvolvimento das crianças.
Ainda, o legislador pátrio editou dispositivos legais determinando a quem remanesce
a responsabilidade pelos cuidados e zelo com as crianças e adolescentes. Aos dirigentes de
instituições de ensino o Estatuto da Criança e do Adolescente outorgou uma única tarefa, que
é a de comunicar ao Conselho Tutelar acerca das infrações praticadas junto à escola por parte
dos educadores e alunos ou decorrentes do processo de aprendizagem.
Por fim, constata-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, também, que
o Poder Público deverá instigar a pesquisa e novas propostas relacionadas à educação em
geral, de forma que novas possibilidades alcancem o objetivo primordial que é o de manter as
crianças na escola e formá-las como efetivos cidadãos. O Estatuto da Criança e do
Adolescente corrobora a tese defendida até o presente momento, qual seja, a de que a
educação é um direito fundamental e existem, assim, normas cogentes pertinentes.

5 O DIREITO À EDUCAÇÃO E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO


NACIONAL

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional surge em um contexto não muito


favorável, qual seja, a crise econômica de 1990. Apostou-se, com isso, no receituário
neoliberal e, ao apostar-se neste ponto específico para resolver os graves problemas
econômicos, afetou-se, por consequência, as políticas sociais, repercutindo nas políticas
públicas de educação. Nesta toada, a educação acabou tendo que adequar-se às necessidades
de ajustes da economia propostos pela equipe econômica.
Assim, a legislação em comento estabelece em seu primeiro artigo que “a educação
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Também, o diploma legal em análise, ao traçar os princípios e fins da educação
nacional, evoca a Constituição Federal, especialmente seu artigo 205, ao estabelecer em seu
Título II, artigo 2º e seguintes, que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.
Nesta toada, a criança por meio da educação tem que estar preparada para exercitar
sua condição de cidadão que é, ou seja, de titular de direitos e deveres, tanto por uma
condição universal, uma vez que se encontra assegurada na Carta de Direitos da Organização
das Nações Unidas, quanto por uma condição particular, amparada no princípio constitucional
de que todos são iguais perante a lei.

6 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O CÓDIGO PENAL

O Código Penal igualmente é um importante meio de proteção e garantia do direito à


educação. Junto a seu artigo 246, estabelece que os pais ou responsáveis que deixarem de
prover a “instrução primária” dos filhos em idade escolar terão a pena de detenção pelo prazo
de 15 dias a um mês, ou multa. O tipo penal é o abandono intelectual.
Abandono nada mais é do que a falta de amparo. Pratica abandono intelectual os pais
que deixam, sem justa causa, de prover a educação dos filhos menores. O dispositivo do
Código Penal em análise busca proteger um bem jurídico determinado que o direito ao ensino
fundamental dos filhos menores e desta forma almeja-se assegurar-lhes a educação necessária
capaz de facilitar-lhes o convívio social.
A criança tem o direito fundamental à educação e seus responsáveis não podem
deixar de dar a devida atenção a ele. Aos que se esquivarem dessa garantia de forma dolosa
aplicar-se-á a pena prevista no artigo 246 do Código Penal.

7 DA CARÊNCIA DE CRECHES E PRÉ-ESCOLAS. CARÊNCIA DE POLÍTICAS


PÚBLICAS?

É notório em nosso País a carência de creches e pré-escolas, questão esta que,


indubitavelmente contribui para a idêntica notoriedade da precariedade da educação infantil.
É urgente a necessidade de concretização e consecução de políticas públicas no setor, pois,
atualmente, o Brasil está com 84,5% de crianças fora das creches6. Em razão da deficiência
apresentada pelo setor público, tem-se que é somente com um macro esforço, pela
mobilização junto aos municípios, à iniciativa privada e sociedade civil é que conseguirá
cumprir as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação elaborado em 2001. Neste
sentido, de acordo com pesquisa realizada por Oman Carneiro:

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD)


2006, o quadro da carência de creches é comum em todas as regiões:
Norte com 94,2%; Centro-Oeste, 90%; Nordeste, 88,3%; Sudeste ,
84,2% e Sul, com 83,9% de crianças não assistidas, índices estes que
comprovam o levantamento que considera apenas 30% dos municípios
brasileiros com algum investimento em infraestrutura para a criação
de espaços educacionais para a infância.7

6
Disponível em:
<http://www.omancarneiro.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=670:educacao-infantil-e-
a-carencia-de-creches&catid=47:noticias&Itemid=96>, acessado em 24.jan.13.
7
Disponível em:
<http://www.omancarneiro.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=670:educacao-infantil-e-
a-carencia-de-creches&catid=47:noticias&Itemid=96>, acessado em 24.jan.13.
A justificativa apresentada pela grande maioria dos municípios é a falta de recursos
para investimento na construção de creches e pré-escolas para atender a educação infantil.
Para conter o déficit, e atendendo à justificativa da insuficiência de recursos, alegada por
maior parte dos municípios, o Governo Federal em nota publicou que estará investindo R$
800 milhões na construção e equipagem das creches.
Mas, para atender a estimativa de 11 milhões de crianças com idade de 0 a 3 anos
que estão desprovidas deste direito constitucional, o País precisa construir, pelo menos, de 9 a
12 mil creches por ano.
Com vistas à estas informações, dúvidas não remanescem. Existe evidente
problemática inerente à promoção de políticas públicas pelo poder estatal e, não só isso, mas,
também, vícios na consecução das políticas públicas já existentes, como, por exemplo, o
Plano Nacional de Educação.
As idéias e tentativas são válidas de consecução de políticas públicas. Todavia, não
são eficazes e, na grande maioria das vezes acabam por esbarrar na burocracia e também na
própria corrupção.
Dúvidas, portanto, não existem com relação à deficiência enfrentada nos dias de hoje
inerente à educação infantil a qual não prospera em razão da ineficácia, tanto de elaboração
como de procedimento, das políticas públicas.

8 DA INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO PARA CONSECUÇÃO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS EM FACE DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Antes de adentrar ao foco principal do presente tópico, importante deixar registrada,


novamente, a fundamentalidade do direito à educação, como sendo o principal fundamento de
gerar ao país a ultrapassagem de uma situação de terceiro mundo para, finalmente, passar a
ser o país do presente e não mais o eterno país do futuro, como tem em mente nossos
legisladores pátrios.
Com vistas ao afirmado, pode-se, ainda, firmar o entendimento de que a própria
justificativa adotada, inerente à não consecução de políticas públicas no setor educacional
infantil, é de terceiro mundo. É periférica e superficial por não ser capaz de, sequer, buscar
compreender e conferir eficácia a nossos princípios magnos constitucionais.
Em nosso País, meninos de rua e jovens à deriva são o resultado da pobreza em que
vivem suas mães, da ausência dos pais, da violência dentro e fora de casa e do total abandono
do Estado a quem dele precisa. É, sim, urgente e necessário reforçar os espaços e tempos de
acolhimento de crianças e jovens pelos adultos, pais e, principalmente, pelo Estado para que
não tenha, quando adultos, que puni-los e privá-los da liberdade. Esta é a idéia.
Nesta toada, imprescindível colacionar o entendimento de Luiz Edson Fachin ao
dispor que: “em todo campo do saber (daí a pertinência quiçá especial com a instância
jurídica), há o desafio de conhecer para transformar, pois a educação que tão-só reproduz não
liberta”.8 É, neste sentido, igualmente pertinente invocar as palavras de Paulo Freire, para
quem: “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate.
A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.9
Pertinente, também, os dizeres de Marilena Chauí, para quem:

As leis, porque exprimem os privilégios dos poderosos ou a vontade


pessoal dos governantes, não são vistas como expressão de direitos
nem de vontades e decisões públicas coletivas. O poder Judiciário
aparece como misterioso, envolto num saber incompreensível e numa
autoridade quase mística. Por isso mesmo, aceita-se que a legalidade
seja, por um lado, incompreensível e, por outro, ineficiente (a
impunidade não reina livre e solta?) e que a única relação possível
com ela seja a da transgressão (o famoso “jeitinho”). 10

A democracia, no Brasil, ainda está por ser inventada e não há, nem nunca haverá
democracia, isonomia e justiça social sem o acesso pleno à educação como único caminho a
ser trilhado no sentido de ver concretizados os anseios do legislador constituinte. A carência
de políticas públicas ou sua ineficiência, contribuem para má formação dos cidadãos e a
consequente manutenção de nossa sociedade em um estado de alienação quase que completo.
Na situação atual, não há que se falar em civismo, em democracia, em justiça social ou sequer
em dignidade, pois, aludidos institutos podem ser considerados, hoje, irreais e um objetivo a
ser atingido.
Veja, portanto, a importância da educação. Neste ínterim, é inconcebível que se
admita, como justificativa para negativa de implementação e garantia deste direito
fundamental, a carência de recursos públicos.
A pergunta que se deve fazer neste momento é: o administrador público possui,
em todos os casos, carta branca para escolher as prioridades, ou seja, para decidir quais

8
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. RJ-SP: Renovar, 2000, p.3.
9
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 42.
10
CHAUI, Marilena. Contive à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2004, 13ª ed. 2ª tiragem.
valores serão contemplados e, consequentemente, quais serão postergados em face da
escassez dos recursos públicos? Tal pergunta deve ser respondida com cautela.
A regra é que, por atribuição constitucional, cabe ao Poder Executivo definir os
programas de governo que serão tratados com prioridade; boa parte deles, referendados pela
vontade manifestada nas urnas. Todavia, há um núcleo de direitos que não pode, em hipótese
alguma, ser preterido, pois constitui o objetivo e fundamento primeiro do Estado Democrático
de Direito.
O termo "em hipótese alguma" frisa que nem mesmo a vontade da maioria pode
tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da
maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas
este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos
direitos fundamentais.
Explica-se. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão,
pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito
às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja
a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a
Democracia.
Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do
governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que
depende unicamente da vontade política.
A não priorização de direitos essenciais implica o destrato da vida humana como um
fim em si mesmo, ofende, às claras, o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana, dentre os
quais os relacionados às liberdades civis e aos direitos prestacionais essenciais como a
educação e a saúde, não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das
escolhas do administrador.
A argumentação até aqui apresentada expõe a existência de duas questões que
precisam ser conciliadas. De um lado, tem-se o real problema da ausência de recursos
orçamentário; do outro, a necessidade de realização dos Direitos Fundamentais.
A tese não deixa de ser uma decorrência do reconhecimento da reserva do possível.
Por não haver recursos para tudo, é que se deve garantir, ao menos, o suficiente para que se
possa viver com dignidade. Esse mínimo existencial não pode ser postergado e deve ser a
prioridade do Poder Público.
Somente depois de atendido é que se abre a possibilidade para a efetivação de outros
gastos, não entendidos, num juízo de razoabilidade, como essenciais. Por esse motivo, pelo
menos a priori, a teoria da reserva do possível não pode ser oposta ao mínimo existencial.
Antes, mais uma consideração. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital,
ou seja, o mínimo para se viver. Não deixar alguém morrer de fome é, certamente, o primeiro
passo, mas não é, nem de longe, o suficiente para fazê-lo viver com dignidade.
O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições
socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um
mínimo de inserção na "vida" social.
Definido o conteúdo do mínimo existencial, não fica difícil perceber que dentre os
direitos considerados prioritários encontra-se o direito à educação.
O que distingue o homem dos demais seres vivos não é a sua condição de animal
social. Animal social a abelha é, a formiga é, inúmeros outros são. O traço diferencial do
homem é a sua condição de ser um animal político; a sua capacidade de relacionar-se com os
demais e, através da ação e do discurso, programar a vida em sociedade.
A distinção é importante, pois denota a existência de uma dupla dimensão da vida
humana. Há a vida natural, biológica, que faz do homem um animal como qualquer outro. Há,
também, uma espécie de segunda vida, a que é exercida na esfera pública, nas relações
intersubjetivas e políticas que o indivíduo realiza com os demais integrantes da sociedade.
A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço
característico, o relacionamento com os demais em um espaço público - onde todos são, in
abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o
discurso do que em virtude de atributos biológicos - é que torna a educação um valor ímpar.
Em outras palavras, no espaço público - onde se travam as relações comerciais,
profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania - a ausência de educação, de
conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das
forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias. Daí surge a
necessidade do insculpido junto aos Artigos 205 e 227 da Constituição Federal.
Observa-se, nesse ponto, que a priorização dos investimentos na educação infantil,
devido a sua essencialidade, não é resultado de opções políticas dos ocupantes momentâneos
do cargo chefe do Poder Executivo, mas sim uma imposição da própria Carta Federal.
Com efeito, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto - quando a
escassez é resultado de um processo de escolha das atividades que serão atendidas - ao
mínimo existencial, aos direitos que a própria Constituição Federal elege como prioritários,
como é o caso do direito à educação infantil.

9 DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA INERENTE À


OBRIGATORIEDADE DE VAGAS EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS PARA
EDUCAÇÃO INFANTIL.

Conforme já exaustivamente disposto, a acesso dos cidadãos ao saber contribui para


a expansão dos conhecimentos e cria subsídios individuais e coletivos para o
engrandecimento da consciência sobre a realidade social em que vivem e sobre as relações
existentes nos contextos dos quais são sujeitos históricos, econômicos e políticos. Ao firmar
esta conscientização, o sujeito se transforma e passa a viver de maneira mais efetiva e
presencial. Na esteira desse entendimento, são esclarecedoras as palavras de Octávio Ianni:

Poucos são os que dispõem de condições para se informarem e


posicionarem diante dos acontecimentos mundiais, tendo em conta
suas implicações locais, regionais, nacionais e continentais. Quando se
criam condições mais plenas para a elaboração da autoconsciência, no
sentido de consciência para si, então a cidadania se realiza
propriamente como soberania.11

Nesta toada, educação e escola, principalmente infantil, são essenciais para o


indivíduo e para a sociedade vez que promove e garante o avanço da humanidade. Todavia,
para que isto ocorra, indispensável é a promoção de políticas públicas voltadas para a
educação.
Infelizmente, a realidade brasileira é precária em propostas e ações concretas que
enaltecam compromisso com as efetivas necessidades dos indivíduos, oportunidade em que
aludido fato é refletido junto aos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de
Justiça conforme se demonstrará.
Nosso País herdou do período Imperial um contexto educacional extremamente
complicado, com vistas ao fato de que a alfabetização das crianças não era preocupação do
Poder Público. Neste sentido, tem-se o entendimento de Florestan Fernandes:

11
IANNI, Octávio. A sociedade global. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. P. 115.
É certo que a República falhou em suas tarefas educacionais. Mas
falhou por incapacidade criadora: por não ter produzido os modelos de
educação sistemática exigidos pela sociedade de classes e pela
civilização correspondente, fundada na economia capitalista, na
tecnologia científica e no regime democrático. Em outras palavras,
suas falhas provêm das limitações profundas, pois se omitiu diante da
necessidade de converter-se em Estado educador, em vez de manter-se
como Estado fundador de escolas e administrador ou supervisor do
sistema nacional de educação. Sempre tentou, não obstante, enfrentar
e resolver os problemas educacionais tidos como “graves”, fazendo-o
naturalmente segundo forma de intervenção ditada pela escassez
crônica de recursos materiais e humanos. Isso explica por que acabou
dando preeminência às soluções educacionais vindas do passado, tão
inconsistentes diante do novo estilo de vida e das opções republicanas,
e por que simplificou demais a sua contribuição construtiva,
orientando-se no sentido de multiplicar escolas invariavelmente
obsoletas, em sua estrutura e organização, e marcadamente rígidas, em
sua capacidade de atender às solicitações educacionais das
comunidades humanas brasileiras.12

Mais do que um problema localizado no setor educacional, o Manifesto dos


Pioneiros situa o problema educacional como eminentemente social, conforme analisou
Otaíza de Oliveira Romanelli, indicando a educação como possibilidade para alavancar o
desenvolvimento econômico brasileiro e conseqüentemente possibilitar também o
desenvolvimento da sociedade.

Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a


educação perde o “sentido aristológico”, para usar a expressão de
Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio determinado pela
condição econômica e social do indivíduo, para assumir um “caráter
biológico”, com que ela organiza a coletividade em geral,
reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o
permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem
econômica e social. A educação nova, alargada a sua finalidade para
além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a
verdadeira função social, preparando-se para formar “a hierarquia
democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos
os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de
educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de
ação durável com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e
integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”,
de acordo com certa concepção de mundo.13

12
FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus, 1966. P. 4.
13
AZEVEDO, Fernando de. et. al. Manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos educadores
(1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2010. P. 40.
Uma vez reconhecida a educação como direito de todos, o Manifesto dos Pioneiros
confere um progresso qualitativo junto à compreensão da educação como fundamental para o
desenvolvimento da cidadania. O papel desempenhado no contexto do Manifesto, que trouxe
em seu bojo as importantes reivindicações de uma educação pública, obrigatória, gratuita,
leiga e igual para ambos os sexos. Neste sentido, tem-se os dizeres de Fernando de Azevedo:

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua


educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos
meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de
estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus
graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em
condições de inferioridade econômica para obter o máximo de
desenvolvimento de acordo com suas aptidões vitais. Chega-se, por
esta forma, ao princípio da escola para todos, “escola comum ou
única”, que tomando a rigor, só não ficará na contingência de sofrer
quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão
intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações
sociais.14

Neste sentido, a educação é, assim, “um direito social fundante da cidadania e o


primeiro na ordem das citações”15 Sem educação, não há cidadania.
Sob este enfoque, a educação é considerada como direito de todos e dever do Estado
e da família, sendo indispensável para a evolução do ser humano.
Realizados aludidos esclarecimentos, importa salientar que há notória tendência do
Superior Tribunal de Justiça em assegurar as crianças o acesso à educação infantil,
oportunidade em que, a totalidade dos Mandados de Segurança que foram ajuizados e
chegaram a análise desta Corte Superior tiveram seu deferimento como medida imposta, no
tocante a garantir e a assegurar vagas junto à instituições de ensino mantenedoras da educação
infantil.
Neste sentido, tem-se o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça –
STJ, junto ao Recurso Especial 1345330/RS:

Hipótese em que o Tribunal a quo concluiu que "o direito à educação


infantil constitui direito fundamental social, que deve ser assegurado
pelo ente público municipal, garantindo-se o atendimento em creche
ou pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, com absoluta

14
FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus, 1966. P. 44.
15
CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A ,2002.
prioridade, nos termos do artigo 208, IV, da CF, e artigo 54, IV, do
ECA.

Ainda, a Corte Superior junto ao Recurso Especial 782196/SP, consignou que:


“Hipótese em que o Tribunal a quo concluiu que "o direito à educação infantil constitui
direito fundamental social, que deve ser assegurado pelo ente público municipal, garantindo-
se o atendimento em creche ou pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, com
absoluta prioridade, nos termos do artigo 208, IV, da CF, e artigo 54, IV, do ECA."
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça – STJ é uníssono em entender o direito à
educação infantil como fundamental, indispensável e obrigatório, razão pela qual concede,
aos que buscam sua tutela jurisdicional, o acesso e garantia de vagas em instituição que atuam
neste setor educacional.

10 CONCLUSÃO

A educação como direito social e como um dos componentes da consolidação da


cidadania de um povo pressupõe a criação e efetivação de estratégias pelo poder público para
que o mesmo seja garantido no âmbito da concretude.
Para que a educação possa contribuir para a efetivação da cidadania do povo
brasileiro é preciso entendê-la enquanto direito, ou seja, a garantia da educação deve ocorrer
integralmente e não apenas como possibilidade de acesso à escola, pois para que esta
contribua com o exercício da cidadania de forma geral, precisa ser organizada de forma a
possibilitar que seus alunos usufruam de todas as possibilidades de acesso, aquisição e
desenvolvimento de novos conhecimentos para o exercício de seus direitos e deveres. Para
isso ocorrer é preciso efetivar ações que garantam a previsão legal.

11 REFERÊNCIAS:

PORTELLA, Simone de Sá. Considerações sobre o conceito de mínimo existencial. Âmbito


Jurídico, Rio Grande. 2007.
IANNI, Octávio. A sociedade global. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus, 1966

CHAUI, Marilena. Contive à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2004, 13ª ed. 2ª tiragem
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999

AZEVEDO, Fernando de. et. al. Manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos
educadores (1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2010.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. RJ-SP: Renovar, 2000,

CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro:
DP&A ,2002

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