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AUTOMAÇÃO

Comando
Numérico
Computadorizado
parte - 2 Osmar Brune

No decorrer deste ar-


tigo, várias vezes serão
Na edição anterior, apresentamos um artigo com mencionados dados de
uma visão introdutória sobre Comandos Numéri- máquina, que nada mais
cos Computadorizados (CNCs) abordando a his- são do que parâmetros tipicamente
ajustados pelo fabricante da máqui-
tória desta tecnologia, conceitos básicos sobre o CNC e má- na no momento de sua “posta-em-
quinas-ferramenta, componentes e arquitetura desses sis- marcha”.
temas. Neste artigo, e em outros subseqüentes, detalhare- Como exemplos, pode-se citar
a velocidade máxima de desloca-
mos com maior profundidade alguns dos subsistemas e fun- mento de um eixo, sua aceleração
ções abordados introdutoriamente no artigo anterior, além e desaceleração, entre muitos ou-
de apresentarmos novas funcionalidades. tros.

REFERENCIAMENTO

A detecção da posi-
ção, conforme visto no
artigo anterior, é feita através da con-
tagem de pulsos provenientes de um
sensor de posição, por exemplo, um
codificador rotativo (ROD). Através
dessa contagem de pulsos pode-se
determinar o deslocamento realizado
por um eixo desde a energização da
máquina, mas não é possível conhe-
cer a posição absoluta deste eixo.
Pelo menos uma vez, depois de
energizar a máquina, é necessário
descobrir a posição absoluta do eixo
para depois, somando os desloca-
mentos, continuar atualizando a po-
sição absoluta. Esse processo, que
deve ser repetido a cada energização
da máquina, é denominado
referenciamento .

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A seguir, descreve-se uma possí- so de referenciamento, e conhecida a
vel solução para o referenciamento posição absoluta do eixo. Daí por di-
utilizando um ROD ou sistema similar ante, basta somar os deslocamentos
(sistema incremental, onde se deter- contados através dos pulsos A e B
minam os deslocamentos). No artigo para continuar atualizando a posição
anterior, mostrou-se que um ROD absoluta.
gera N pulsos por rotação para dois
sinais (A e B), com defasagem de 90o SISTEMA
entre si. Por exemplo, se um ROD gera INTERPOLADOR
5000 pulsos de A e B por rotação, e o
eixo se desloca 20 mm em cada rota- Conforme visto an-
ção do ROD, então cada pulso A e B teriormente, o sistema interpolador
do ROD corresponde a 4 micra. O que Figura 1 - Sinais gerados por um ROD. tem como função calcular,
não foi mencionado no artigo prece- ciclicamente, a posição desejada
dente é que normalmente existe um para cada eixo. Esse ciclo de cálcu-
MENTO BAIXA). O came deve ter lar-
terceiro sinal, denominado Z (zero), lo tipicamente é de poucos milési-
gura suficiente para que, neste espa-
que é um pulso estreito que acontece mos de segundo, quando não infe-
ço, o eixo consiga desacelerar desde
uma vez a cada rotação do ROD, rior a 1 ms. Menores ciclos de cál-
a velocidade alta até a baixa (a
como ilustra a figura 1. Portanto, no culo são necessários para obter
DESACELERAÇÃO é outro dado de
exemplo, a cada 20 mm de desloca- melhor precisão e velocidade. E nes-
máquina).
mento ocorre uma borda de subida no ses casos, obviamente, o CNC de-
Ao sair do came, seu sinal desce,
sinal Z, e a cada 4 micra sucede uma verá ter um microprocessador com
e a velocidade já está baixa. A partir
borda de subida nos sinais A e B. maior velocidade e capacidade arit-
deste momento, o CNC procura pela
Ao longo do eixo instala-se um mética.
primeira marca de zero que for detec-
“came” que aciona uma chave, a qual, Todos os movimentos dos ei-
tada. Ao encontrá-la, ele ainda per-
por sua vez, gera um sinal digital que x o s, s e j a m d u r a n t e o r e fe r e n -
corre uma distância adicional que
indica que o eixo está passando pela ciamento descrito na seção ante-
pode ser programada por dado de
região onde o came está instalado. A r i o r, s e j a m e m J O G o u J O G
máquina (DESLOCAMENTO DA RE-
figura 2 mostra um came instalado no incremental, ou em modo automá-
FERÊNCIA), e por fim se posiciona e
eixo, e também os pontos do eixo em tico (programas de usinagem), têm
pára no ponto PR. Concluindo, um
que ocorrem marcas de zero. Obser- no interpolador o sistema que gera
outro dado de máquina, denominado
va-se que, no exemplo, a cada 20 mm, as posições desejadas.
COORDENADA DE REFEREN-
sucede uma marca de zero (20 mm =
CIAMENTO, é atribuído à posição No referenciamento, JOG e JOG
1 rotação do ROD).
absoluta do eixo, ou seja, ao ponto incremental, os movimentos envolvem
Considerando-se que o sentido de
PR. E assim está terminado o proces- um único eixo e, desta maneira, a tare-
referenciamento seja da esquerda
para a direita, para que o
referenciamento tenha sucesso, em
primeiro lugar a chave acionada pelo
came deve ser posicionada à esquer-
da do mesmo, isto é, deve-se levar o
eixo para próximo de seu final de cur-
so à esquerda. Este movimento pode
ser feito em modo manual (JOG).
Em seguida, pode-se comandar o
processo de referenciamento. O eixo,
então, desloca-se para a direita com
uma velocidade relativamente alta
que, tipicamente, é parametrizada
como um dado de máquina (ver defi-
nição anterior de dados de máquina)
denominado VELOCIDADE DE
REFERENCIAMENTO ALTA.
Quando a chave atinge o came e
o sinal dele sobe, a velocidade é re-
duzida para uma outra velocidade
parametrizada por dado de máquina
(VELOCIDADE DE REFERENCIA- Figura 2 - Came e marcas de Zero ao longo do eixo.

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fa do interpolador é mais simples.
No modo automático, no entanto,
p o d e - s e t e r d i ve r s o s e i x o s s e
movimentando simultaneamente
com o objetivo de percorrer uma
trajetór ia que pode ser relativa-
mente complexa, o que torna os
cálculos do inter polador mais
complicados.
Em primeiro lugar, mostra-se
como o interpolador calcula a po-
sição desejada para um único eixo
se movendo. Esses cálculos se
baseiam em equações da Física
para movimentos com velocidade
constante ou com aceleração Figura 3 - Velocidade e posição na interpolação de um único eixo.
constante.
Na figura 3 ilustra-se a veloci- O caso da figura 4 (percurso mui- a) entre 0 e t0:
dade (linha vermelha) e posição to pequeno ou velocidade VR muito V = AD * t
(linha azul) durante um po- grande) acontece quando: P = AD * t2 / 2
sicionamento de um único eixo. b) entre t0 e t2:
Este movimento deve especificar VR > VM V = VM - AD * (t – t0)
normalmente a posição final de- onde VM = SQRT(AD * ABS(PF – P = P0 + VM * (t – t0) - AD * (t - t0)2
sejada (PF) par tindo da posição PI)) /2
inicial (PI), bem como a velocida- (SQRT = raiz quadrada, ABS =
de de regime (VR). A aceleração valor absoluto ou módulo) A situação da figura 3 ocorre
e desaceleração (AD), assumidas quando:
com o mesmo valor, são configu- Nessa situação, os valores repre- VR < VM
radas geralmente nos dados de sentados na figura podem ser calcu- onde VM = SQRT(AD * ABS(PF –
máquina, já discutidos anterior- lados como: PI))
mente, e valem para todos os (SQRT = raiz quadrada, ABS =
posicionamentos do eixo. VM = SQRT(AD * ABS(PF – PI)) valor absoluto ou módulo)
Observa-se que existem três in- t0 = t1 = VM / AD
tervalos de tempo distintos: t2 = 2 * t0 Acontecendo a situação da figura
aceleração constante AD (0 até t0) P0 = P1 = (PF + PI) / 2 3, os valores representados na figura
velocidade constante VR (t0 até t1) podem ser calculados como:
desaceleração constante AD (t1 Ademais, para o caso da figura t0 = VR / AD
até t2). 4, a velocidade (V) e posição (P) P0 = PI + VR2 / (2 * AD)
podem ser calculadas em qualquer P1 = PF – P0 + PI
Caso o percurso total (PF – PI) instante (t) pelas equações: t1 = t0 + (P1 – P0) / VR
seja muito pequeno, poderá ocor-
rer a situação em que a velocida-
de VR nem sequer é atingida, pois
a desaceleração inicia-se antes de
terminar a aceleração até VR, e
atinge-se uma velocidade máxima
VM ao invés de VR. Neste caso, o
intervalo de velocidade (t0 até t1)
constante não existe. Essa situa-
ção é ilustrada na figura 4.
Para calcular os valores da ve-
locidade (V) e da posição (P) em
qualquer instante (t), em primei-
ro lugar é necessário detectar se
a velocidade VR é ou não atingi-
da, ou seja, se ocorre a situação
exibida na figura 3 ou na figura Figura 4 - Interpolação de um único eixo com percurso muito pequeno.
4.

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t2 = t1 + t0 xidade adicional, pois a velocida-
de de regime de cada eixo varia
Além disso, para a situação da durante o percurso para que a ve-
figura 3, a velocidade (V) e posi- locidade da trajetória permaneça
ção (P) podem ser calculadas em constante. Isso pode ser imagina-
qualquer instante (t) pelas equa- do como se, na interpolação line-
ções: ar mostrada na figura 5, o ângulo
a) entre 0 e t0: α variasse continuamente. Nesses
V = AD * t casos, tipicamente, se deseja uma
P = AD * t2 / 2 velocidade de regime constante
b) entre t0 e t1: para a trajetória (VR), e as veloci-
V = VR dades de regime dos eixos X e Z
P = PO + VR * (t – t0) ( V R X e V R Z ) d eve m s e r
c) entre t1 e t2: recalculadas a todo instante, de
V = VR – AD * (t – t1) acordo com o ângulo α. O mesmo
Figura 5 - Interpolação linear de dois eixos.
P = P1 + VR * (t – t1) – AD * (t – sucede com as acelerações ADX
t1)2 / 2 e ADZ, que devem ser calculadas
a par tir de AD para cada valor do cilmente, com alguma trigo-
Portanto, com as equações apre- ângulo α. nometria, os valores das posições
sentadas anteriormente, é possível A figura 6 ilustra uma trajetória cir- e velocidades em X e Y em fun-
calcular a posição desejada em cada cular entre os eixos X e Z, com o ân- ção do tempo.
instante. gulo α variando entre αi e αf.
Quando ocorre uma inter- Nesse caso, para que a velocida- LAÇO DE POSIÇÃO
polação linear entre 2 ou mais ei- de de trajetória VR seja obtida, obe-
xos, basicamente valem as mes- decendo uma aceleração e De acordo com o
mas equações exibidas antes para desaceleração AD para a trajetória, o que foi discutido an-
cada eixo, tratando-se de forma ângulo α e sua velocidade angular w teriormente, o sistema interpolador
independente cada um deles. No se comportam de acordo com a figu- define onde cada eixo deveria estar
entanto, algumas adaptações são ra 7. em cada instante, ou sua posição
necessárias, conforme indica a fi- Observa-se que a velocidade an- desejada.
g u r a 5 ( d o i s e i x o s, X e Z , gular de regime (wR) pode ser calcu- Cabe ao laço de posição fazer
interpolando linearmente). lada como: com que esta posição desejada seja
O vetor velocidade da trajetória wR = VR / R perseguida. No artigo precedente, o
(VR) tem dois componentes, uma no onde R é o raio da trajetória circu- algoritmo adotado para o laço de po-
eixo X (VRX) e outra no eixo Z lar. sição é muito simples:
(VRZ):
VRX = VR * SENO(α) De maneira similar, a acelera- CV = GVT * KV * EA
VRZ = VR * COSSENO(α) ção tangencial (AD) pode ser
transformada em uma aceleração Onde:
Para que a trajetória seja mantida, angular, simplesmente dividindo- CV: tensão na saída do conversor
a relação entre a velocidade instantâ- a pelo raio da circunferência. A D/A (digital analógico), a qual estabe-
nea dos dois eixos (VX e VZ) deve ser aceleração angular é utilizada nos
mantida constante: intervalos 0 a t0 (aceleração) e t1
VX = VZ * TANGENTE(α) a t2 (desaceleração). Observa-se
que também pode ocorrer uma si-
Isso vale inclusive nas fases de tuação similar à que aconteceu na
aceleração e desaceleração e para figura 4, quando o percurso é
que isto ocorra define-se uma ace- muito pequeno ou a velocidade de
leração para a trajetória (AD), que regime muito grande.
é o menor valor entre o dado de má- A conclusão é que os valores
quina de aceleração do eixo X e o de w (velocidade angular instan-
dado de máquina aceleração do tânea) e α (posição angular ins-
eixo Z, para que a capacidade de tantânea) podem ser calculados
aceleração de nenhum dos dois ei- com equações análogas àquelas
xos seja ultrapassada. discutidas anteriormente, para o
Em interpolações mais comple- posicionamento de um eixo único,
xas, como uma circunferência des- nas figuras 3 e 4. E com as equa-
crita por 2 eixos, há uma comple- ções de α e w pode-se calcular fa- Figura 6 - Interpolação circular de dois eixos.

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lece para o servo-acionamento a ve-
locidade com que o eixo deve se des-
locar neste instante.
EA: erro de acompanhamento.
Trata-se da diferença entre a posi-
ção desejada (calculada pelo siste-
ma interpolador) e a posição onde
o eixo realmente se encontra (de-
terminada através da leitura do sis-
tema de posição). O erro de acom-
panhamento, neste algoritmo, sem-
pre existe, sendo definido como a
relação entre a velocidade e o gan-
ho KV. Isto é, quanto maior a veloci-
dade, maior será o erro de acompa-
nhamento. E quanto maior o ganho Figura 7 – Variação do ângulo µ e velocidade angular ω no tempo.
KV, menor será o erro de acompa-
nhamento.
KV: ganho proporcional do laço
de posição que, multiplicado pelo
erro de acompanhamento, resulta
na velocidade desejada (KV * EA =
velocidade desejada). O KV é um
dado de máquina que deve ser es-
tabelecido com um valor adequado,
o maior possível para diminuir o erro
de acompanhamento, mas sem exa-
gerar para evitar que ocorram osci-
lações que impeçam o posi-
cionamento do eixo.
GVT: trata-se de um fator que con-
verte a velocidade (KV * EA) em um
valor de tensão na saída do conversor
D/A que comanda a velocidade do
servo-acionamento. Esse valor é um
dado de máquina que deve ser confi-
gurado.

SUPERVISÕES
E ALARMES
Figura 8 - IHM de uma máquina CNC.
DURANTE
POSICIONAMENTOS
Outra super visão impor tante Ou, opcionalmente, aler tará o
Durante o posicionamento de ei- é a checagem da trajetória (ou operador da máquina.
xos, é importante supervisionar a po- supervisão de contorno) que
sição, trajetória e velocidade, para está sendo seguida pelo eixo, CONCLUSÕES
verificar se nenhuma anormalidade para verificar se não se distan-
está acontecendo. cia demais daquela que foi pro- Com este artigo, es-
Uma das supervisões normalmen- gramada, quando ocorre peramos que o leitor te-
te feitas é a verificação do erro de inter polação entre 2 ou mais ei- nha adquirido conhecimentos que
acompanhamento, que não deve ul- xos. Em cada instante, calcula- podem ser-lhe valiosos, por exem-
trapassar um valor máximo configu- se a distância entre a trajetória plo, no projeto de um sistema ca-
rado em dado de máquina. Se isso vier programada e a trajetória real. paz de executar posicionamentos e
a ocorrer, é possível, por exemplo, que Se essa distância ultrapassar interpolações simples entre eixos.
o eixo tenha sido travado por algum um valor máximo estabelecido Em outros subseqüen-
obstáculo. Neste caso, o sistema en- em dado de máquina, o sistema tes, novas funções e ca-
tra em alarme e bloqueia todos os ei- entrará em alar me e bloqueará racterísticas de CNCs
xos, por segurança. todos os eixos, por segurança. serão analisadas.

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