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A inclusão de meios eletrónicos no Procedimento Administrativo

Começo por traçar em linhas gerais o procedimento administrativo. Nas palavras de DIOGO
FREITAS DO AMARAL, a atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões. 1 De facto,
a tomada de decisão é antecedida por diversos atos preparatórios, estudos e averiguações. Por sua vez,
MARCELO CAETANO refere que “a atividade da Administração Pública é, em larga medida, uma
atividade processual”, ou seja, perante determinado assunto a atividade administrativa é pautada por
uma série de fases, todas elas interligadas e organizadas entre si. A Administração é obrigada a seguir
determinados caminhos e há formalidades que têm de ser cumpridas, bem como os prazos
estabelecidos.

Seguindo os ensinamentos do Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, “o procedimento


administrativo é a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação
e exteriorização da prática de um ato da Administração ou à sua execução.” É a lei que determina
quais são os atos a praticar, os respetivos prazos e as formalidades a observar. O procedimento
administrativo pode ser traduzido numa sequência de atos e formalidades, uma vez que tanto
encontramos atos jurídicos como encontramos formalidades.

O procedimento administrativo assume um caráter documental e está delineado com base no


princípio da desburocratização e eficiência. Este princípio está consagrado na Constituição Da
República Portuguesa no art. 267º/1, relativo à estrutura da Administração de modo a aproximar a
população dos serviços administrativos. De acordo com DIOGO FREITAS DO AMARAL, este
princípio implica que a Administração Pública se organize de modo a possibilitar uma utilização
racional dos meios ao seu dispor, simplificando o mais possível tanto as suas operações como o seu
relacionamento com os particulares.2

Neste seguimento, o procedimento administrativo sofreu uma evolução na medida em que pode
assumir a forma escrita ou eletrónica. Consequentemente, os estudos e as opiniões da administração
devem ser emitidos por escrito ou através de meios eletrónicos. Nota que a cada procedimento
corresponde um processo administrativo, ou seja, um conjunto de documentos que traduzem os atos e
formalidades que integram o procedimento administrativo que poderá ser realizado, de acordo com o
art. 64° nº2 e nº4 CPA, em suporte de papel ou suporte eletrónico.

1
Ver pág. 265, Curso de Direito Administrativo, Volume II.
2
In Diogo Freitas do Amaral, Curso de direito administrativo, pp. 276.
É certo que na atualidade o progresso tecnológico contribuiu e continua a contribuir para
aproximar a administração pública e os particulares, ou seja, aqueles que se relacionam com ela.3 Da
mesma maneira, o progresso tecnológico permitiu uma melhoria na celeridade, eficiência e
simplificação dos procedimentos administrativos. Com este progresso houve uma mudança no
quotidiano dos funcionários e dos serviços públicos. Há uma forte relação entre a tecnologia e a
modernização administrativa.

No entanto, a modernização não se limita a substituir procedimentos humanos por


comportamentos automatizados ou sequer a passar de um procedimento redigido ao passar da caneta,
por um procedimento digitalizado. A automatização implica, não só uma profunda reestruturação
substantiva, como também uma adaptação dos procedimentos administrativos a essa nova realidade.4

De facto, a reforma da lei processual administrativa limitou-se a reagir à realidade em que


vivemos, bombardeada pela generalização do uso da tecnologia, sendo também utilizada pela
Administração. No entanto, segundo ANA FRANÇA JARDIM 5 , mesmo antes do novo código, a
administração pública já recorria aos meios eletrónicos para instaurar os procedimentos
administrativos. Com o Novo Código de Procedimento Administrativo persiste a ideia de que a
automatização eletrónica é um mero instrumento de comunicação entre a administração pública e os
particulares. Por sua vez, o art. 14°/3 CPA remete a automatização eletrónica aos princípios gerais da
atividade administrativa, ou seja, independentemente do modo de atuação da administração, esta está
sempre vinculada à lei e aos princípios que regem a sua atuação.

Por um lado, esta automatização eletrónica diminui as garantias dos particulares que não
disponham de conhecimentos ou recursos que permitam um contacto com a administração pública
através dos meios eletrónicos. Mas estes particulares não podem sofrer discriminações nem restrições
pela não utilização de meios eletrónicos. O art.14º/5 CPA, é um garante da igualdade no acesso aos
serviços da Administração. Pelo contrário, com a plena implementação da automatização eletrónica
estar-se-ia a cimentar o afastamento de inúmeros particulares do contacto com a administração e a
fomentar a desigualdade no acesso aos serviços da administração.

Por outro lado, a verdade é que a utilização dos meios eletrónicos não é obrigatória, no entanto,
a sua utilização permite mais vantagens aos seus utilizadores, uma vez que conta com mais rapidez e

3
PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013, 486-489.
4
O recurso à tecnologia desencadeia profundas modificações no procedimento, uma vez que implica novas formas de
mobilização de recursos e até de dispensa de trabalhadores públicos. Ver MIGUEL PRATA ROQUE, O Procedimento
Administrativo Eletrónico, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, pp. 485.
5
Ver Procedimento Administrativo Eletrónico, ICJP, Lisboa, 2011, cit. 7.
transparência. O legislador tem apostado na utilização de meios eletrónicos por parte da
Administração, uma vez que um dos seus principais objetivos é promover a eficiência e a transparência
administrativas e a proximidade com os particulares. Ora, a utilização dos meios eletrónicos permite
esta proximidade. Considerando os ensinamentos de DIOGO FREITAS DO AMARAL, os serviços
administrativos devem disponibilizar meios eletrónicos de relacionamento com a Administração
Pública e divulgá-los de forma adequada, de modo a que os interessados os possam utilizar no exercício
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer seja na formulação de pretensões, obter e
prestar informações, realizar consultas, apresentar alegações, efetuar pagamentos e impugnar atos
administrativos.6

Por sua vez, os arts. 14°/2 e 61°/1, a) realçam o princípio da acessibilidade compreensível que
obriga a administração a garantir uma boa acessibilidade aos particulares, mesmo no âmbito da
utilização de meios eletrónicos nomeadamente através da garantia que esta modernização não implique
a duplicação de burocracia. Aliás, caso os meios eletrónicos dificultem a atividade administrativa
pondo em causa a garantir dos particulares é preferível recorrer aos meios clássicos.

Com a alteração do código, os particulares podem remeter os seus pedidos à administração


através dos meios eletrónicos em qualquer dia, não dependendo do facto de ser dia útil ou não.7

Ora, uma vez que o novo código permite que os particulares contactem a administração mesmo
em dias não úteis não faz muito sentido a continuidade da suspensão da contagem de prazos nesses
mesmos dias. Digo que não faz muito sentido visto que os meios eletrónicos são pautados pela
instantaneidade e permitem o contacto com o órgão competente 24h sobre 24h. No entanto, o Código
continua a propugnar pela contagem de prazo apenas nos dias úteis. 8 Seguindo o pensamento de
MIGUEL PRATA ROQUE, sempre que o particular consentisse na utilização de meios eletrónicos ou
caso a administração disponibilizasse um sistema eletrónico, de livre acesso e contínuo, os prazos
deveriam ser contados continuamente, sem interrupções nos dias não úteis.9 No entanto, o legislador
não seguiu este caminho.

Nesta ordem de ideias, deixa também de fazer sentido que os particulares gozem de dilações
do prazo10, uma vez que mesmo estando fora do território nacional, os particulares podem contactar

6
Neste sentido, ver os arts. 14°/1 e 4; 61° a 63° do CPA.
7
Neste sentido ver artigo. 104°/2 CPA.
8
Segundo o art. 87º/1, alínea c.
9
Ver MIGUEL PRATA ROQUE, O Procedimento Administrativo Eletrónico, in Comentários ao novo Código do
Procedimento Administrativo, pág. 506.
10
Assenta na penalização que a distância física acarreta para o particular.
com a administração pública através dos meios eletrónicos. De facto, o legislador caminhou neste
sentido ao excecionar a aplicação de prazos dilatórios sempre que os particulares comuniquem com a
Administração através de meios eletrónicos, quer seja quando pratiquem atos ou cumpram
formalidades.

Importa salientar que o legislador passou a contemplar o recurso aos meios eletrónicos em
qualquer situação, não restringindo a sua utilização a situações de urgência. Sabemos que a sua
utilização não é obrigatória, no entanto o art.61º/1 CPA, realça a sua preferencial utilização na
instrução dos procedimentos. Apesar deste artigo, o CPA contém, como já enunciei, a regra da não
obrigatoriedade da utilização dos meios eletrónicos, por parte dos particulares11.

Assim, podemos considerar que a administração pública procura, cada vez mais, adequar-se à
realidade que a rodeia, nomeadamente através do facto de possibilitar que os particulares possam
utilizar os meios eletrónicos para comunicar com a mesma. Ainda assim, a automatização
administrativa é um longo caminho que envolve alterações de fundo e que necessitam de algum tempo
para ser implementadas. Além do mais, a sua automatização por completo, implicaria, como já referi
o afastamento de muitos particulares da administração. O procedimento administrativo é uma mais
valia que deve ser aproveitada, sim, mas tendo sempre em consideração os particulares que necessitam
da tutela das suas garantias, nomeadamente no acesso aos serviços administrativos.

Portanto, a inclusão de meios eletrónicos no procedimento administrativo representa um fator


de modernidade da administração que facilita, em larga medida o contacto entre os particulares e este
órgão. No entanto, a sua total inclusão demorará alguns anos.

Bibliografia

MIGUEL PRATA ROQUE, O Procedimento Administrativo Eletrónico, in Comentários ao novo Código do


Procedimento Administrativo, 2015 reimpressão, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.

PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013.

ANA FRANÇA JARDIM, Procedimento Administrativo Eletrónico, ICJP, Lisboa, 2011, cit. 7.

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina, Coimbra,
2016.

11
Presente no art. 14º/5.

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