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As revoltas de julho

Durante boa parte da República Velha – 1889-1930 –, também conhecida como


Primeira República, o Brasil foi controlado pela política do café-com-leite, que
assegurava o revezamento, no governo federal, de representantes dos estados de São
Paulo e Minas Gerais. Nas eleições presidenciais de 1922, porém, essa hegemonia foi
contestada por grupos oligárquicos de outros estados. A insatisfação atingiu também
as Forças Armadas, particularmente os jovens oficiais, chamados genericamente de
tenentes, que se tornaram os atores principais de vários levantes ocorridos durante a
década de 1920, como as revoltas de 5 de Julho de 1922 e a de 5 de Julho de 1924, e
a Coluna Miguel Costa – Prestes. O conjunto desses movimentos ficou conhecido na
historiografia brasileira como movimento tenentista ou simplesmente tenentismo.

O primeiro 5 de Julho

Com a proximidade das eleições presidenciais de 1922, que escolheriam o sucessor de


Epitácio Pessoa, a longa hegemonia das oligarquias paulista e mineira começou a ser
questionada por outros grupos que, até então, vinham sendo mantidos afastados do
poder, como os que dominavam nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Bahia. No intuito de romper com o antigo predomínio, esses estados uniram-se na
Reação Republicana, que lançou Nilo Peçanha – RJ – como candidato de oposição à
presidência da República, para concorrer Artur Bernardes – MG –, candidato oficial. O
movimento contou com o apoio de vários militares, que se vinham mostrando
descontentes com Epitácio Pessoa desde o início de seu governo, quando o civil Pandiá
Calógeras fora escolhido para chefiar o Ministério da Guerra.

O quadro sucessório se complicou em outubro de 1921 com a publicação, pela


imprensa carioca, de cartas atribuídas a Bernardes, contendo comentários
desrespeitosos sobre os militares. Embora Bernardes negasse a autoria das chamadas
Cartas Falsas, o episódio acirrou os ânimos, especialmente entre as Forças Armadas.
As eleições se realizaram em março de 1922, e consagraram, como já era esperado, a
vitória de Bernardes. Os oposicionistas protestaram, mas o governo se manteve
intransigente, recusando-se a rever o resultado das urnas. Só que, dessa vez, a
história seria um pouco diferente, pois nem a Reação Republicana nem os militares
aceitaram pacificamente os resultados oficiais.

A gota d'água ocorreu logo no início de julho, quando o marechal Hermes da Fonseca,
após criticar duramente a intervenção do governo federal em Pernambuco, teve sua
prisão decretada. Na ocasião, o presidente Epitácio Pessoa determinou também o
fechamento do Clube Militar. Na madrugada do dia 5, a crise atingiu seu auge, com a
eclosão no Rio de Janeiro de uma série de levantes militares comandados por
tenentes. Além do forte de Copacabana, rebelaram-se guarnições da Vila Militar, o
forte do Vigia, a Escola Militar do Realengo e o 1º Batalhão de Engenharia. A eles se
juntaram também militares do Exército e da Marinha de Niterói, e a 1ª Circunscrição
Militar, sediada em Mato Grosso.

De todos esses levantes de 1922, o do forte de Copacabana é o mais conhecido. Seus


participantes foram os que apresentaram maior resistência à repressão legalista,
disparando canhões contra diversas dependências militares no Rio. Chegaram mesmo
a forçar o comando militar a evacuar o prédio do Ministério da Guerra. O governo, por
seu lado, não hesitou na reação, ordenando o bombardeio do forte. A resistência durou
até o início da tarde do dia 6, quando os rebeldes, firmes na decisão de não se render,
mas cientes da impossibilidade de continuar com o movimento, decidiram abandonar o

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forte. Nesse momento, ocorreu a cena que ficou registrada em fotos e foi simbolizada
no monumento que hoje se encontra na avenida Atlântica: um grupo de militares, que
contou com a adesão do civil Otávio Correia, saiu marchando ao encontro das tropas
legalistas, com as quais trocou tiros. Embora haja divergência entre a imprensa e os
sobreviventes quanto ao número de participantes da marcha, a historiografia
consagrou o episódio com o nome de 18 do Forte. Alguns morreram e dentre os que
sobreviveram com graves ferimentos estavam os tenentes Siqueira Campos e Eduardo
Gomes.

O movimento, que chegou a ser condenado por alguns líderes da Reação Republicana,
se mostrou sem base política e desarticulado. A população civil, embora curiosa, se
manteve à parte. No entanto, foi importante para a eclosão das revoltas que se
seguiram, e que cristalizaram o tenentismo.

Os paulistas também fazem o seu 5 de Julho

A derrota dos rebeldes de 1922 marcou o início de um longo período em que o país foi
governado debaixo de estado de sítio: o primeiro decreto foi ainda assinado por
Epitácio Pessoa, mas a medida estendeu-se por todo o governo Bernardes, que não
conseguiu amenizar o clima de tensão política. Durante os quatro anos de seu
mandato, foi freqüente a censura à imprensa, ao mesmo tempo que vários
oposicionistas – civis e militares – foram presos e desterrados para os campos de
internamento que existiam na Região Norte do país.

O julgamento dos envolvidos nos levantes de 1922, marcado para dezembro de 1923,
serviu apenas para acentuar as divergências entre o governo federal e os militares. A
tensão levou à eclosão de novo movimento, dessa vez em São Paulo, em 5 de julho de
1924, dois anos após o levante dos 18 do Forte. Articulada pelo general reformado
Isidoro Dias Lopes, pelo major Miguel Costa – comandante da Força Pública do estado
–, e pelo tenente Joaquim Távora, a revolta contou ainda com a participação dos
tenentes Eduardo Gomes, Juarez Távora, João Cabanas e Newton Estillac Leal.

As ações tiveram início na madrugada do dia 5. Rapidamente os revoltosos ocuparam


vários pontos estratégicos da cidade, inclusive quartéis da Força Pública. Já no dia 8,
com a fuga do presidente do estado, Carlos de Campos, foi tomado o palácio do
governo, e no dia seguinte foi instalado um governo provisório sob a chefia de Isidoro.
A represália das tropas legalistas, contudo, não tardou: um forte bombardeio atingiu a
cidade, provocando o caos generalizado nos serviços e levando a população ao pânico;
em diversos bairros, em especial os operários, foram freqüentes os saques a armazéns
e depósitos. Mas os rebeldes mantiveram o controle da capital paulista ainda por mais
alguns dias.

A partir do dia 16, houve algumas tentativas de armistício, que esbarraram sempre na
negativa do presidente Bernardes em aceitar as exigências do general Isidoro: a
entrega do poder a um governo provisório e a convocação de uma constituinte. Os
revoltosos acabaram condicionando sua rendição apenas à concessão de uma anistia
ampla, que beneficiasse a todos os envolvidos nos episódios de 1922 e 1924. Nova
negativa de Artur Bernardes, acompanhada da intensificação dos ataques das forças
legalistas, levou os rebeldes a optar pelo abandono da cidade como forma de dar
continuidade a luta.

Foi o que fizeram na madrugada do dia 28, quando rumaram para o interior. Àquela
altura, embora os revoltosos não soubessem disso, o levante de São Paulo já havia

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recebido apoio em diversas partes do país, que se traduziu em rebeliões militares no
Amazonas, Sergipe e Mato Grosso. A mais significativa, no entanto, só ocorreu em
outubro de 1924, quando tropas sediadas no Rio Grande do Sul – como as de Santo
Ângelo, São Luís, São Borja e Uruguaiana –, associadas a políticos da oposição no
estado, pegaram em armas. Os revoltosos gaúchos contaram com a colaboração de
líderes tenentistas como João Alberto Lins de Barros e Juarez Távora, decididos a
transformar o Rio Grande em mais uma frente de combate ao governo federal.

Obedecendo às orientações do general Isidoro, que em outubro já tinha alcançado com


os paulistas o interior do Paraná, os revoltosos gaúchos, sob o comando do capitão
Luís Carlos Prestes, partiram em direção ao norte, rumo a Foz do Iguaçu – PR. Lá
deveriam se unir gaúchos e paulistas. O encontro das duas frentes ocorreu em abril de
1925, e com ele teve início a epopéia da Coluna Miguel Costa – Prestes, ou
simplesmente Coluna Prestes.

Composta por quatro destacamentos – comandados por Cordeiro de Farias, João


Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra –, a Coluna iniciou sua marcha de quase dois
anos pelo território brasileiro, que a levaria a percorrer aproximadamente 25 mil
quilômetros. No início de 1927, entre fevereiro e março, tendo em vista as precárias
condições da tropa, a liderança do movimento optou pelo exílio. Parte teve como
destino o Paraguai, outros tantos a Bolívia, e outros mais a Argentina. A saga por eles
vivida fez com que o grupo exilado em Guaíba, na Bolívia, inaugurasse um monumento
em homenagem aos companheiros mortos durante a campanha.

[...]

Fonte
MOREIRA, Regina da Luz. As revoltas de julho. In:______ Fatos e Imagens [on-line].
Rio de Janeiro: CPDOC, 2004. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/RevoltasJulho.asp>. Acesso
em: 25 nov. 2004.

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