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BRASIL
Evelyne Medeiros1
Taciane Couto Gonçalves2
Wanessa Maria Costa Cavalcante Brandão3
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve reflexão teórica acerca da trajetória do Serviço Social
no Brasil e de sua relação com a Educação Popular, buscando identificar seus reflexos e conexões com a
dimensão ético-política da profissão, com o caráter educativo do trabalho da/o assistente social, bem como com
os desafios postos hoje para o Projeto Ético-Político profissional. O contexto atual demanda não apenas uma
nova qualidade nessa perspectiva político-pedagógica, que assume importância diante da necessidade do trabalho
de base e da educação política cada vez mais permanente, como também um verdadeiro reencontro entre a
profissão e o legado teórico-prático da Educação Popular.
Palavras-chave: Serviço Social. Educação Popular. Dimensão Ético-Política.
INTRODUÇÃO
1
subjetiva da classe trabalhadora, principalmente pela utilização da mecanismos de
comunicação na promoção ou construção de informações. Estas podendo contribuir (ou não)
para a garantia de direitos e formação de consciência crítica, levando em consideração as
questões objetivas e os determinantes sócio-históricos, os vínculos institucionais e, portanto, a
relativa autonomia da profissão. É, portanto, nesses termos que o Serviço Social constituiu
uma relação com a Educação Popular (EP), entre encontros e desencontros, durante sua
história no Brasil.
Trataremos, portanto, neste artigo das (des)conexões existentes na trajetória do Serviço
Social entre a dimensão ético-política da profissão, o caráter educativo do trabalho a/o
assistente social e a EP. Para tal, faremos uma breve retomada sobre os aspectos que
conformam os fundamentos da profissão no país com ênfase no legado teórico-prático da EP.
Ao final, teceremos algumas considerações acerca dos impasses e dilemas atuais postos nessa
relação, certas de que, mesmo não existindo consenso sobre este tema no seio da profissão,
podendo ser considerado ainda como uma “questão em aberto”, a certeza é que o trato da EP
no Serviço Social brasileiro retoma o centro do debate quando o assunto é “o que fazer?”.
2
esteve “invisibilizada” dos debates por longos anos da trajetória profissional, o que não quer
dizer que nesse período esta dimensão não estivesse ativa e operante. Isto considerando que
“até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na
‘linguagem’, está contida uma determinada concepção de mundo” (GRAMSCI, 2006, p.93).
Reconhecendo que a emergência da profissão justifica-se nas funções de cunho educativo,
moralizador e disciplinador e que toda ação humana é teleológica e, por isso, imbuída de
valores e princípios, podemos dizer que, com o uso da linguagem, a/o profissional articula e
sintetiza saberes e “constrói um ‘fazer’ que é socialmente produzido e culturalmente
compartilhado”, reproduzindo “códigos de orientação e um conjunto de valores e normas”
(GUERRA, 2012, p.3).
Nesse sentido, percebemos o quanto a renovação profissional teve impactos profundos e
largos no Serviço Social, pois revelou a superficialidade e a manipulação ideológica por trás
da autoproclamação “neutra” e “apolítica” do Serviço Social Tradicional; evidenciou a
contradição ineliminável a qual estão condicionadas as respostas profissionais trazendo,
contraditoriamente, para o plano da possibilidade (e da necessidade) a vinculação aos
interesses e projetos das classes subalternas. É preciso entender, contudo, que essa caminhada
foi (e, em certa medida, ainda é) um processo marcado por avanços como também por
equívocos, do politicismo ao economicismo, do pragmatismo ao academicismo, do fatalismo
ao messianismo, já tratados por Iamamoto (2000).
A dimensão ético-política implica, portanto, em tomadas de decisão e no exercício
reflexivo do sujeito frente às situações e problematizações que a realidade social lhe impõe,
logo, é uma dimensão presente em toda intervenção social inclusive as de caráter profissional.
Seria, entretanto, no mínimo ingênuo considerar que tal movimento dependeria da vontade e
do esforço individual de cada assistente social comprometida/o com a intervenção e formação
crítica e de qualidade. Na verdade, é exatamente a conexão desses sujeitos com um projeto
societário, de classe, diante de uma determinada correlação de forças sociais, que permite,
mesmo em meio ao trabalho alienado, incidir sobre as contradições presentes na sociedade
capitalista de maneira mais crítica e transformadora. Basta observarmos os contextos
históricos em que a profissão conseguiu dar passos mais largos no combate ao
conservadorismo. Daí a centralidade da política e, portanto, da dimensão ético-política da
profissão. Elemento constitutivo desta dimensão, o caráter educativo também contribui para
revelarmos um pouco mais os aspectos constitutivos do trabalho profissional, afinal, as
3
escolhas ético-políticas exigem um mínimo trato reflexivo para que sejam responsáveis e
consequentes, além de que, implicam também num processo de convencimento, de disputas
de ideias que colocam os sujeitos comprometidos com a mudança (ou manutenção) da ordem
a socializar suas reflexões e posicionamentos, estabelecendo um tipo de relação pedagógica.
A ativa participação de todo e qualquer indivíduo na vida em sociedade pode reafirmar
ou confrontar os valores morais adquiridos no decorrer de sua socialização, situação a que
estão passíveis todos os tipos de intervenção social, inclusive, as de caráter profissional. No
caso particular do Serviço Social, diante da renovação crítica e da permanente necessidade de
se posicionar e responsabilizar-se por suas escolhas, a profissão tem demonstrado grande
preocupação em manter atualizado seu arcabouço teórico, instrumental e ético sob uma
perspectiva crítico-dialética, bebendo do legado marxista. Entretanto, por mais consolidada
que seja sua formação profissional, não é só ao conhecimento acadêmico que a/o profissional
recorre ao desenvolver seu trabalho. Além de não ser uma transposição automática, não é
unívoca e outras referências, nem sempre críticas, são acionadas (condensadas, negadas ou
sobrepostas) somando-se “as visões de mundo incorporadas socialmente pela educação moral
primária e por outras instâncias educativas, tais como os meios de comunicação, as religiões,
os partidos políticos, os movimentos sociais etc.” (BARROCO, 2010, p.69).
Considerando ser a reflexão ética a capacidade humana de reflexão da moral, supõe para
isto a suspensão da cotidianidade como recurso que permita ao sujeito refletir sobre questões
que vão para além de si mesmo, que lhe permita ultrapassar o conformismo e confrontar os
conflitos morais como problemas que nem sempre se restringem a problemas subjetivos
(BARROCO, 2010). Ao ser capaz de elevar a consciência do ser social do âmbito individual
para o coletivo, a reflexão ético-política pode interferir na realidade concreta servindo como
instrumento crítico que possibilita às pessoas responderem aos conflitos sociais pautadas por
valores éticos universais. Na mesma medida, se não se tratar de uma reflexão crítica sobre o
cotidiano e sobre a moral, pode igualmente contribuir para conservar relações dominadoras. 5
A reflexão ético-política perde seu sentido quando não se compromete com valores, mas pode
tornar-se uma referência para a práxis revolucionária ao contribuir com a crítica à moral,
apreendendo os limites e possibilidades de cada época. É por isso que, em termos
5
“Quando a ética não exerce essa função crítica pode contribuir, de modo peculiar, para a reprodução de
componentes alienantes; pode colocar-se como espaço de prescrições morais; favorecer a ideologia dominante;
obscurecendo os nexos e as contradições da realidade; fortalecer o dogmatismo e a dominação; remeter os
valores para uma origem transcendente à história; fundamentar projetos conservadores; operar de modo a não
superar a imediaticidade dos fatos; ultrapassá-los mas não apreender a totalidade, contribuindo para que os
homens não se auto-reconheçam como sujeitos éticos” (BARROCO, 2010, p.56).
4
gramscianos, a política é a forma elementar de assegurar a relação entre a filosofia “superior”
e o senso comum. Trata-se de tornar crítica uma atividade já existente. Senso comum, religião
e filosofia estão em conexão, porém, não podem se confundir, tendo em vista que “a filosofia
é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, nesse sentido, coincide com o ‘bom
senso’” (GRAMSCI, 2006, p.96).
Numa relação pedagógica, quem educa precisa refletir não só sobre o “como fazer”,
mas, os conteúdos e objetivos. Em se tratando de uma intervenção profissional é preciso ser
competente ao mobilizar os recursos e metodologias adequadas na operacionalização da ação
tendo compreensão da realidade a sua volta, ou seja, sendo capaz de analisar as relações em
que se desenvolve tal ação, ou seja, a correlação de forças sociais. Neste processo, a dimensão
ético-política revela-se uma categoria verdadeiramente mediadora entre a técnica, a prática, e
a teoria, garantindo uma coesão entre ambas, além de sempre se fazer lembrar que, ao se
compartilhar conteúdos, compartilha-se também valores.
Ao considerar o sentido de educar como o processo de produzir no indivíduo singular a
humanidade constituída socialmente, entendemos que o/a agente educador/a é aquele/a que se
posiciona diante da cultura e elege os elementos capazes de contribuir para a humanização do
indivíduo (SAVIANI, 1996) – informa, socializa, planeja, sistematiza, denuncia, dentre outras
ações que a própria cultura profissional identifica como pertinentes ao fazer do conjunto
das/os assistentes sociais. Então, não há equívocos em reconhecer no Serviço Social um
caráter educativo presente na própria condição de ser trabalhador/a do sujeito profissional e
de, no desenvolvimento do seu trabalho, em meio à subsunção do trabalho ao capital, educar e
ser educado. Se numa perspectiva de manutenção ou superação da ordem, dependerá
decisivamente da política e das circunstâncias socioeconômicas.
Se não há o reconhecimento da existência e importância desse papel educativo que é
inerente à prática profissional, não há como problematizá-lo, trazendo-o para o primeiro
plano, consequentemente, não se reflete sobre seu potencial, seu conteúdo e sua forma, muito
menos atenta-se para uma necessária sistematização de tal papel ou função. Diante disso, esta
sistematização do caráter educativo da profissão compreenderia o momento de racionalização,
o momento em que o/a profissional pensa sobre o meio onde está inserido, captando os
problemas e contradições da realidade; reflete sobre sua prática dotando-a de
intencionalidade, mesmo diante da tendência de reprodução da dinâmica capitalista;
5
estabelece os objetivos a serem buscados, adequando os meios disponíveis para alcançá-los e;
incorpora o processo permanente de “ação-reflexão-ação” (SAVIANI, 1975; TONET, 2016).
Por tudo isso, reafirmamos que o ato de educar é uma competência profissional, mesmo
que inconscientemente ou despretensiosamente, configurando-se como uma requisição antiga
e inerente à intervenção profissional como também um dos elementos cruciais para que a
intervenção não se limite à reprodução burocrática e operacional. Nessa esteira, destacamos a
potencialidade histórica de incorporação de uma perspectiva político-pedagógica, forjada no
seio dos movimentos populares e, portanto, atrelada umbilicalmente aos interesses das classes
subalternas, ao universo cultural da profissão: a Educação Popular. 6
6
É importante ressaltar que a Educação Popular é permeada por compreensões diversificadas. “Designa-se, com
ela uma compreensão da educação instituída, pública ou não, como uma prática social construída historicamente.
Esta prática social e histórica se faz mediada por sujeitos políticos e recursos, que articulam em torno de si a
direção para as práticas educativas (fins e meios) e articulam-se de forma orgânica com a perspectiva de
determinados direcionamentos (projetos) econômico, político, e cultural da sociedade no seu conjunto. A esfera
da educação – qualificação humana –, deste modo, é entendida como um espaço de disputa de hegemonia, assim
como as esferas da política e da economia […]” (PALUDO, 2001, p.65). Para Abreu (2010, p. 155), a Educação
Popular pode ser definida como uma “tendência pedagógica identificada com a luta de classes, portanto,
utilizada como instrumento de organização popular”. Em Freire (1993), a Educação Popular assume uma função
teórico-prática de busca pela superação da condição de oprimido através da práxis social: uma educação não
para as classes populares (oprimidas), mas com estas. Articulando essa concepção de Educação Popular com o
Serviço Social, Silva e Silva (2011, p. 228) concebe a Educação Popular como um dos eixos estratégicos para
operacionalizar o Projeto Profissional de Ruptura com o conservadorismo. Para a autora, o objetivo da Educação
Popular é “viabilizar um processo reflexivo acerca do cotidiano dos setores populares, de modo a contribuir para
a construção de um saber popular que venha a possibilitar uma forma de resistência ao processo hegemônico das
classes dominantes”.
6
gestadas no período pós-guerra e a influência norte-americana sobre a cultura, política,
economia, educação e, em especial, sobre o mundo do trabalho nos diversos países
dependentes, o que motivou uma série de contestações de grupos vinculados às classes
subalternas em toda a América Latina. Mecanismos de urbanização e industrialização foram
necessários para a construção de consenso em torno do projeto de desenvolvimento
dominante de capitalismo dependente, que contraditoriamente gestou políticas públicas e
instâncias constitutivas do Estado. Neste contexto, surgem as grandes instituições sociais,
como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da
Indústria (SESI), em parceria com o empresariado. O Estado passa a imputar a estes a
responsabilidade de formação da força de trabalho, especialmente a juvenil. E é no seio dessas
instituições que o Serviço Social passa a ser demandado para atuar especialmente em ações
educativas na perspectiva de “reajuste dos inadaptados” numa lógica moralizadora da classe
trabalhadora, na busca por adequações aos padrões econômico-sociais vigentes naquela fase
de desenvolvimento do país (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988)7.
Sobre a perspectiva educativa hegemônica no exercício profissional da primeira metade
do século XX, Iamamoto e Carvalho (1988, p.292) apresentam o seguinte:
7
Popular de sociedade (ou num Campo Democrático e Popular), composto por diversos
movimentos sociais e sujeitos coletivos de forças políticas distintas da esquerda na
perspectiva emancipatória, presando pelo diálogo e vínculo com o povo (PALUDO, 2001).
Em torno desse projeto e campo político têm se conjugado pautas históricas das classes
subalternas, tais como: o acesso à terra, à educação, à saúde, democratização dos meios de
comunicação, combate às opressões de raça e gênero, solidariedade entre os povos, defesa da
soberania nacional e alimentar, dentre outras bandeiras capazes de organizar o povo na sua
diversidade e acumular força social para a revolução brasileira. Desse modo, ganham um
grande potencial estratégico as reivindicações democráticas em torno de direitos negados
historicamente como desdobramento de uma formação social que impediu a implementação
de reformas sociais do ponto de vista burguês (reforma agrária, urbana, política, educacional,
sanitária etc). Ao contrário, o que tem sido presente, especialmente no período mais recente,
são as contrarreformas, aprofundando o caráter dependente do capitalismo brasileiro.
Contraditoriamente, no mesmo contexto em que a perspectiva pedagógica de Freire
começava a difundir-se na profissão, também se registrava um processo de “reatualização
conservadora” das bases tradicionais do Serviço Social. A utilização das categorias “diálogo”,
“consciência” e “transformação social”, sistematizadas na proposta freiriana, se articulam
com proposições existencialistas e subjetivistas de práticas interventivas. O “diálogo, pessoa e
transformação social” da chamada “nova proposta”, sistematizada por Almeida (1978),
resgatou “a herança psicossocial, a tendência à centralização nas dinâmicas individuais e o
viés psicologizante”. (NETTO, 2011, p. 245). 8
A modernização conservadora que pôs no imaginário do país a possibilidade de um
desenvolvimento nacional para todos, de fato, foi benéfica para setores da burguesia
brasileira associada, especialmente no período da ditadura militar consolidada pelo Golpe de
Estado em 1964, atendendo às necessidades de acumulação do capital nacional/internacional.
Por outro lado, é notável, no período destacado, o surgimento de experiências contra-
hegemônicas, como as Ligas Camponesas (LCB), o Movimento de Cultura Popular (MCP), o
Centro Popular de Cultura (CPC), o Programa Nacional de Alfabetização (PNA), o
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É importante ressaltar que pesquisas mais recentes têm demonstrado a heterogeneidade desse processo nos
diferentes territórios, a exemplo do Nordeste, revelando que o Serviço Social em alguns estados, como em
Pernambuco, berço de experiências como as Ligas Camponesas, da Educação Popular e de seus maiores ícones,
não tenha emergido meramente do conservadorismo de cunho assistencial, ajustador e disciplinador. É possível
identificar alguns outros elementos, ainda que de forma preambular, voltados para a perspectiva da participação
e organização comunitária, conformando a profissão. Sobre isto, indicamos o trabalho de conclusão de curso de
Zaira Ary intitulado “Uma experiência de educação popular: Centro de Cultura D. Olegarinha” de 1963.
Disponível em: <https://mehsspe.wixsite.com/projeto>. Acesso em: 26.06.2019.
8
Movimento de Educação de Base (MEB) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que se
forjaram em meio a uma onda repressiva nos países latinos. Foi dentro dessa nova e
conflituosa dinâmica social que o Serviço Social, em meio ao pluralismo, tomou fôlego com
seu Projeto de Ruptura Profissional com o conservadorismo e a adoção da perspectiva
emancipatória que possibilitou uma maior proximidade com as experiências de EP, não como
mecanismo de reprodução da ideologia dominante, mas como um instrumento de contestação,
educação política e trabalho de base.
Essa relação entre o Serviço Social e EP deu-se também por intermédio do Movimento
Estudantil que protagonizou experiências de resistência no período ditatorial, tendo como
referência a União Nacional dos Estudantes (UNE), que fomentou ações, sobretudo, através
dos Centros de Cultura Popular, onde atuavam junto às organizações populares utilizando o
método de Paulo Freire. Essa organização pautava junto ao Movimento Estudantil de Serviço
Social (MESS), dentre outros, a necessidade do enfrentamento e rompimento com o regime
ditatorial. Vale salientar que nesses espaços houve esforços de assistentes sociais e outros
profissionais, estudantes e educadores/as populares nas experiências de EP. O Serviço Social
no Movimento de Cultura Popular (MCP), por exemplo, exercia a administração dos Centros
de Cultura Popular no exercício de mobilizar lideranças para assumir a direção dos referidos
centros.
No âmbito latino-americano, o Movimento de Reconceituação do Serviço Social toma
evidência, com a influência de um conjunto de contestações sociais as ditaduras que
ganharam relevo no continente. Novas formulações práticas e teóricas, tensionadas pela
intensificação da “dependência político-econômica em relação ao imperialismo norte-
americano” (SILVA E SILVA, 2011, p. 99), forjaram novas bases políticas para a profissão. O
Serviço Social estabelece um envolvimento orgânico nas contestações populares, em especial
nos espaços acadêmicos, nos Congressos e Seminários, Nacionais e Internacionais, da
categoria. Novamente, é inegável a presença da EP como elemento constitutivo desse
processo, tal como nos sinaliza Machado (2013, p.124):
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A Intenção de Ruptura com o conservadorismo toma maior contorno no final dos anos
1970 a partir das experiências da Pontifícia Católica de Minas Gerais, com destaque ao
denominado Método BH, desenvolvido por intermédio da mudança no currículo da Escola de
Serviço Social mineira e através de experiências de pesquisa e extensão universitária que
também tiveram como principal referência a EP, bem como a literatura mais precisamente
marxista. Porém, segundo Netto (2011), ocorreram alguns equívocos na forma com que se deu
tal interlocução, a exemplo da incorporação enviesada e fragmentada do materialismo
histórico-dialético e do pensamento freiriano, reforçando uma prática psicologizante, por um
lado, e, por outro, uma concepção restrita, estruturalista, das instituições e do próprio Estado,
obscurecendo a análise sobre as contradições que são inelimináveis ao exercício do Serviço
Social. Netto (2011), inclusive, critica não só o ecletismo envolto nesse processo, mas
também a visão dicotômica do conceito de classe oprimida. Por outro lado, destaca a
importância central dessa interlocução para o combate ao conservadorismo na profissão e,
consequentemente, para a maturação de um projeto ético-político orientado pelos interesses
dos/as trabalhadores/as.
Como reconhece Silva e Silva (2011), essa perspectiva, contudo, não pode ser
compreendida como um processo que teve início, meio e fim, mas, como uma necessidade
profissional, gerida pelas demandas das classes populares, que deve significar uma busca
permanente da categoria profissional de resistência contra o conservadorismo, reconhecendo
que a profissão é tensionada constantemente pelas demandas institucionais, pela lógica
capitalista e pelas classes antagônicas. É, portanto, na crítica ao conservadorismo que se
conforma outro projeto profissional, reconhecendo a condição dos profissionais como parte da
classe trabalhadora; exercendo sua dimensão ético-política baseada em princípios condizentes
com referencial teórico adotado; tendo na teoria social crítica a leitura da realidade complexa,
multifacetada, dialética, histórica, social, cultural e econômica; percebendo nessa dinâmica os
desafios postos nos espaços sócio-ocupacionais e no exercício profissional.
De lá para cá, revisões curriculares e experiências de entidades representativas da
categoria, como a Associação Nacional de Assistentes Sociais (ANAS), criada em 1983, o
então Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e a Associação Nacional de Ensino de
Serviço Social (ABESS), têm composto a trajetória da profissão. Além disso, as políticas
sociais definitivamente passam a ser reconhecidas como espaços privilegiados de atuação do
Serviço Social (YAZBEK, 2014) e, nesses espaços institucionais, a profissão se consolida e
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reformula sua atuação profissional frente as mobilizações populares, materializando o Projeto
ético-político profissional (PEP). Este, para Silva e Silva (2011), possui, no que diz respeito
ao aporte metodológico e técnico-operativo, alguns eixos estratégicos predominantes, tais
como a EP, a investigação-ação, a assessoria aos setores populares e a redefinição da prática
no âmbito da assistência.
Com a ascensão neoliberal, notadamente marcada pelo descenso das lutas populares,
ocorreu uma série de reorganizações dos espaços ocupacionais e, de modo amplo, diversas
transformações societárias que implicaram no Serviço Social. A profissão passa a atuar na
gestão das políticas sociais, garantindo participação nos fóruns, conselhos e outros espaços
deliberativos, nos quais se depararam com o intenso desmonte das políticas públicas, do
mercado de trabalho e de toda máquina pública, adensando as contradições e os desafios de
implementação e defesa do PEP.
Com o avanço do agronegócio, da financeirização do capital, da reestruturação
produtiva em meio ao período de conformação da frente neodesenvolvimentista, durante os
anos 2000, a profissão passou a enfrentar outros dilemas, internos e externos. Dentre esses,
aqueles que dizem respeito à formação profissional com o avanço do pêndulo entre ampliação
no acesso e precarização das políticas sociais. Tratou-se, portanto, de um momento
extremamente contraditório, marcado por avanços no âmbito de algumas políticas, porém
limitados pela ausência de reformas sociais historicamente demandadas pelos setores
democráticos e populares da sociedade brasileira. Isto refletiu, inclusive, no processo de
fragmentação desses setores, descolando programas e projetos sociais da educação política, e
na relativa perda de referências renovadas no âmbito da EP e de sua relação com o Serviço
Social.
Esse quadro tornou-se mais agravante e desafiador para os setores populares e
democráticos diante da necessidade mais ainda emergencial da EP diante do esgotamento do
ciclo neodesenvolvimentista e da ascensão das forças conservadoras e reacionárias que
encamparam o Golpe de 2016. Estas têm se empenhado num verdadeiro macarthismo na
tentativa de aniquilar e abafar os referenciais e símbolos populares e revolucionários,
disputando violentamente a narrativa democrática, tais como as ideias de Paulo Freire e o
legado da EP. No Serviço Social, esse projeto tem se expressado, por exemplo, através de uma
verdadeira evocação do passado por parte de alguns grupos que reivindicam o chamado
“Serviço Social Libertário”. Em outras palavras, trata-se de uma crítica conservadora (ou
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mesmo reacionária) ao PEP, particularmente, à sua dimensão e direção ético-política, o que
muito se assemelha ao que Netto (1980) já nos apresentou no artigo intitulado A crítica
conservadora a Reconceptualização em um passado não tão remoto. Todo esse movimento
vai de encontro com o legado da renovação crítica, criminalizando inclusive as experiências
marcadas pela EP, na pretensão de anular sua incontestável marca, não sem equívocos,
impasses e limites, na constituição do Serviço Social como profissão no Brasil.
12
conselhos de direitos. Estes não têm priorizado a articulação com os movimentos sociais,
reforçando uma cultura mais burocratizada e institucionalizada. O avanço mais recente de
formas precarizadas tanto no âmbito da formação quanto do exercício profissional, em meio à
ascensão de forças sociais reacionárias, tem incidido sobre a correlação de forças sociais
numa nova empreitada de conter a ruptura com o conservadorismo, negando e atacando a
direção ético-política do Serviço Social, mais precisamente aquela vinculada aos interesses da
classe trabalhadora e, consequentemente, ao próprio legado da EP.
As tensões do contexto atual têm implicado à categoria profissional uma maior
necessidade de aproximação das lutas sociais, demandando formas de educação política que
repõem na ordem do dia a necessidade e atualidade da EP. Mesmo que essa perspectiva
pedagógica convirja com o PEP, não significa que seja hegemônica, uma vez que a relação do
Serviço Social com uma “pedagogia emancipatória” tem sido constantemente disputada por
uma pedagogia subalternizante que impera na sociedade. Isto, especialmente diante da
ascensão de perfis pedagógicos conservadores sob novos vieses. Nesse sentido, é importante
observar as diversas perspectivas educativas e perfis pedagógicos que permeiam atualmente a
profissão. Abreu (2010) nos oferece uma contribuição central, apontando a (co)existência de
três principais perspectivas pedagógicas na trajetória da profissão: “pedagogia da ajuda”,
“pedagogia da participação” e “pedagogia emancipatória”.
Desse modo, ousamos afirmar que a EP retoma seu lugar na esteira dos temas que
devem ser priorizados pelo Serviço Social brasileiro atualmente. Isto diante da necessidade de
fortalecer o PEP e estabelecer um vínculo mais orgânico tanto com os profissionais de base
como com os próprios usuários, viabilizando práticas cotidianas de formação, mobilização e
organização da cultura no sentido do enfrentamento ao projeto conservador e reacionário que
intenta a todo custo rebaixar as condições de vida e trabalho do povo, inclusive das/os
próprias/os assistentes sociais. Há uma necessidade cada vez mais urgente em estabelecer
alianças com os setores organizados das classes subalternas. Legitimar e fortalecer as lutas e
organizações populares é imprescindível para criar uma correlação de forças mais favorável
ao atendimento das demandas da classe trabalhadora. Contudo, é preciso entender que a
dinâmica comunitária e a configuração das lutas sociais hoje não são tal como anos atrás,
quando mais se elaborou e se experimentou a EP de uma forma mais sistematizada.
Diante disto, outro desafio se apresenta, não apenas para o Serviço Social: a necessidade
de repensar a EP frente a uma realidade um tanto diferente do contexto de sua emergência e
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maturação devido ao adensamento da questão social, de suas renovadas formas de expressão e
enfrentamento, particularmente nos territórios periféricos. Realidade, esta, por exemplo,
marcada pela presença operante de formas urbanas cada vez mais predatórias, violentas e
desumanas que vão desde as redes de sociabilidade criminal à formas religiosas cada vez mais
alienantes.
Esse cenário demanda, portanto, o reconhecimento dos profissionais enquanto
trabalhadoras/es e sujeitos diretamente implicados nesse contexto, passo fundamental para o
fortalecimento de um projeto profissional coadunado com a perspectiva emancipadora
presente na EP. Esta, porém, deve ser desenvolvida com competência teórico-metodológica
que possibilite uma leitura da realidade que vá para além da mera vontade ou de perfis pré-
estabelecidos, permitindo a visibilidade das conexões do singular ao coletivo. Sobre isso, vale
destacar que no último período tem se ampliado as funções e os espaços em que a profissão
tem se inserido junto às instituições educacionais bem como nas equipes multidisciplinares
dos Centros de Referências da Assistência Social (CRAs), dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPSs), dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica
(NASF-AB), entre outros. Junto a essa inserção profissional, os Programas de Educação
Permanente aumentam o acesso de profissionais à condição de bolsistas do MEC e MS com
inserção nos Programas de Residências Multiprofissionais. Portanto, os desafios da relação
entre EP e Serviço Social atravessam também formas institucionalizadas e não
institucionalizadas.
Nesses espaços as/os profissionais têm sido demandados a desempenharem um trabalho
pedagógico, interdisciplinar e intersetorial, atentando para a chamada metodologias ativas e
educação permanente que, com todas as contradições dessas propostas, carregam consigo o
potencial e a referência no âmbito da EP bem como em experiências do seu desdobramento, a
exemplo do “sociodrama, psicodrama, teatro do oprimido, teatro-fórum, círculos de cultura, a
oficina e outras técnicas de grupo, que são oriundas de saberes multidisciplinares” (PULGA,
2014, p.29). Isto, entretanto, não anula o predomínio ainda presente de uma prática e
perspectiva conservadoras das equipes que são constantemente influenciadas pelas
transformações do ponto de vista objetivo e subjetivo que marcam hoje o nosso tempo
histórico.
Por fim, o certo é que uma sociedade que sobrevive da perpetuação e do
aprofundamento das relações entre opressor e oprimido, constitui constantemente a profissão
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e o projeto profissional como verdadeiros “territórios em disputa”, sendo a EP ainda um
importante instrumento de munição das classes subalternizadas nesse caminho estreito da luta
de classes.
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15
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