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Pode-se afirmar que o sistema inclui uma engloba o todo e não deixa nada fora de seu
espécie de motor que cria revoluções periódi- interior. De modo que não pode haver nada
cas, não somente no conjunto da sociedade, fora. A única exterioridade é a do inconscien-
mas em seus inumeráveis âmbitos individuais, te. É o sistema simbólico que deve mudar a
familiares, etc. O motor das revoluções é uma si mesmo, revolucionar-se, para adaptar-se e
peça indispensável ao sistema. A reprodução resistir ao embate com o real.
do sistema necessita das revoluções, “é por No terceiro capítulo com o tema signifi-
isso que as revoluções têm, paradoxalmente, cante mestre, o autor inicia salientando que a
um valor de uso para o sistema que revolu- cada crise crônica do sistema, e seguindo-se
cionam” (p. 56). Exemplifica-se que funciona a tradição revolucionária, chega o momento
como uma válvula de escape, com liberação fatal em que a reação começa. É o momento
da tensão e do peso da história, e como me- de restauração, do poder absoluto do signifi-
canismo de reintegração. Outra passagem cante mestre, e da reconstituição da estrutura
importante do autor: “em certo sentido, o significante do sistema simbólico da cultura.
sistema muda, mas muda sem mudar, e quan- E por trás dessa restauração e reconstituição,
to mais muda, menos muda. Mais se move, caímos novamente no poder absoluto que o
menos se move” (p. 57). significante exerce através da estrutura.
Ainda dentro do sistema do real e do Os sujeitos se identificam com os sig-
simbólico, temos sempre que ganhar, mas dis- nificantes, com o propósito de recuperar ao
pensando o real. Temos que perder o real para menos uma parte do todo o ser e o poder
ganhar dinheiro, prestígio e outras situações que o significante obtém dos que se identifi-
com valor simbólico. Portanto, o real deve ser cam com ele. Os sujeitos ligados à realidade,
dispensado para o simbólico perpetuar. As se veem atados a identidade simbólica do
próprias revoluções são simbólicas e cíclicas. homem que triunfa como mestre. O sujeito,
Fala-se que a história nada mais seria que por sua vez “não pode ceder a tentação do
a história da repetição. Como salienta Lacan: abandono de si”(p. 91). O sujeito só pode ser
“nada na história se ordena mais que a repe- mestre e dominar, ao dominar-se a si mesmo
tição”. Salienta-se que a linguagem é fun- e ser seu próprio mestre. Referente ao signifi-
damental para perpetuar a história, que “é o cante-mestre, este só o é a partir do momento
inconsciente e o inconsciente é a linguagem” em que o sujeito se identifica simbolicamente
(p. 65). A linguagem, portanto, como sistema com ele, assim lhe dá poder sobre os demais
simbólico da cultura, ao manter-se, permite significantes. E a partir do momento em que
que a história continue. O decorrer do escrito ocorre identificação simbolicamente, o sujei-
de Pavón-Cuéllar trava diálogo com outros to lhe dá poder, sendo o outro que usufrui do
autores, como Freud, Gramsci, Althusser, mesmo poder a ele investido.
Sartre, Zizek, Jameson, Hegel e Adorno. Na continuação, menciona-se que o
O universo lógico do sistema simbóli- discurso não atravessa de maneira idêntica
co penetra em tudo e domina tudo porque aos diferentes indivíduos, porque estes não
do mestre. É lutar com sua própria identifica- constitui um poder especial de repressão:
ção com o mestre, visto que essa identificação uma máquina para opressão de uma classe
e o que lhe dá a existência como mestre. por outra. E insistiria que o Estado proletá-
Ao quarto capítulo, o autor explana que rio deve se impor como uma máquina para
“a razão de nossa condição oprimida nos di- a substituição da burguesia pelo proletariado,
ferentes significantes ocorre na proporção de explicando que a burguesia, nesse caso, seria
nossa identificação com eles” (p. 154). Essa sempre uma oposição.
identificação comporta irremediavelmente O eterno problema é que a desindentifi-
uma opressão do sujeito pelo significante, do cação com um Estado passa a ser identificado
rosto pela máscara, do vivo pelo morto, do com outro Estado. Se existe a política go-
real pelo simbólico, entre outros. É necessário vernamental repressiva anunciada, é porque
que o sujeito se identifique assim com aquele também aconteceu a anunciação política li-
que permite ser algo e alcançar certo reco- bertadora subjacente, a qual não deixará de se
nhecimento no sistema simbólico. Esse reco- opor ao mesmo que o possibilita. Os eleitores
nhecimento do Outro, somente é conseguido não deixam de se opor aos elegidos, os movi-
através de uma identificação com o Outro, mentos sociais não deixam de se opor a seus
que é também a alienação no Outro e domi- ambiciosos lideres, a ação política das pessoas
nação pelo Outro. O Outro, portanto, com o das ruas não deixa de se opor ao poder polí-
qual se identifica o sujeito, pode apoderar-se tico vigente.
da existência do sujeito e absorver toda a sua Lacan tem razão ao admitir nossa irre-
ação. parável impotência. Para que fosse possível
A “unidade de classe” que Marx pregava repará-la, seria necessário emancipar-se do
não é uma unidade simbólica do significante, correspondente poder absoluto do signifi-
mas, como em Lacan, é a unidade vazia da cante, e como isso não é possível, então não
ausência real e original de um ser do sujei- é possível igualmente reparar a impotência
to, ausência revelada pela descoberta e vazio (p. 172). Chegamos assim ao postulado im-
simbólico de um proletário não identificado plícito lacaniano de que não existe possibili-
com nenhum significante mestre, ausência dade alguma de superação da impotência.
que multiplica e transcende a multiplicidade Tanto Marx quanto Lacan concordam
e complexidade inerentes ao simbólico e suas que toda a impotência é correlativa de certa
pluralidades de formas de luta. potência, todo poder que se ganha é indisso-
O autor se refere a Laclau (p. 160), que ciável de outro poder que se perde, a potên-
este sustenta que “o poder e a condição da cia de alguém ou algo se conquista sempre
emancipação”, e que a única maneira de ao custo da de algo mais ou de alguém mais.
emancipar uma constelação de forças sociais Tudo se paga no real, e estabelece-se um
e a criação de um novo poder em torno de vínculo essencial entre certo ganho e certa
um centro hegemônico. Por sua vez, refere-se perda. Do ponto de vista marxista, somos
a Lenin, que este aceitaria que “ todo estado” impotentes porque perdemos nosso poder ao
E, sabendo da verdade, não sabe o que fazer O autor salienta que conforme Adorno,
com o que sente, com o que percebe, não sabe “a indústria cultural pretende hipocritamente
como se rebelar ou se indignar, e acaba retro- acomodar-se entre os consumidores e admi-
cedendo e alienando-se. nistrar o que desejam”. O sistema simbólico
Posteriormente, o autor fala da vergonha da cultura, desse modo, faz-nos crer, como
que é digna porque indigna. A indignação consumidores, que somos os mestres do sis-
é indissociável da vergonha. A vergonha do tema e que ele é nosso escravo, obedece-nos
sujeito, como bem sinalizou Marx, é uma incondicionalmente e não é exigente e não
espécie de cólera, uma cólera contida, uma tem pretensões, e para separarmo-nos dele e
revolução. É uma indignação que supõe confirmar nossa liberdade, basta um ato. É ai
uma liberadora dignificação do sujeito como onde nos enganamos. O sistema simbólico da
sujeito. A injúria também expressa a culpa cultura, atrás da ilusão de que pretende nos
simbólica e produz uma vergonha que pode servir, somos nós que o servimos e fazemos
nos impulsionar contra o verdadeiro culpado, seu trabalho. Nos os trabalhadores, os serven-
contra o outro injuriado que nos envergonha tes, os escravos, e o sistema é nosso mestre.
e que pode nos envergonhar porque estamos Ao ser nosso mestre, o sistema tem logica-
alienados a ele, porque nos identificou como mente pretensões e exigências sobre nós, e o
um de seus significantes (p. 247). obedecemos no lugar de sermos obedecidos.
Por mais covardes que sejam os sujeitos, Se acreditarmos que nos obedece, cumprimos
e por mais impotentes que se considerem, alegremente o papel de consumidores, sendo
devem ter presente que o poder absoluto do que o sistema se manifesta em reciprocidade.
significante mestre não deixa de pertencer a Assim, seremos livres, em uma suposta igual-
eles e se também lhes pertence o significante dade, com a liberdade de comprar.
mestre, este é unicamente porque os sujeitos A fratura, o deslocamento entre o real
se identificaram com ele. O que expressa a e a realidade, faz com que a ideologia e a
voz interior do supereu é evidentemente o realidade sejam o mesmo, um princípio de
que foi articulado pelo Outro, pelo sistema desconhecimento. O desconhecimento do
simbólico da cultura, pela estrutura signifi- real é o que se consegue através da consciên-
cante da linguagem que impõe ao sujeito o cia do imaginário que somente impõe como
significante mestre com o qual ele deverá se realidade particionada na hegemonia de uma
identificar para se sentir livre e poderoso. ideologia composta por ideias que domi-
Comprometemo-nos com o significante, nam uma época e como ideias de uma classe
por mais degradante e subordinado que seja. dominante. Hoje, por exemplo, aquilo que
Porque o significante nos permite ser, na es- chamamos realidade só existe como tal no
trutura significante da sociedade, o sistema mercado ideológico hegemônico global.
necessita então, de nós, de nossa força de tra- Já no último capítulo, o sexto, na aproxi-
balho como policiais ou capatazes do sistema mação das considerações finais, o autor salien-
(p. 255). ta que a aparência não é autônoma a respeito