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1- O casamento de Markus e Renate pode produzir efeitos perante o ordenamento

jurídico brasileiro, automaticamente, com a fixação do domicílio deles no Brasil?

Como podemos observar o casal Markus Schmidt e Renate Knorr contraíram


casamento em Roma, sob a égide das leis locais. Naquela oportunidade o casal registrou o
casamento em Repartição Consular Brasileira. Posteriormente se mudou para o Brasil e
estabeleceu domicílio em São Paulo.

Conforme a lei brasileira, o fato de Markus e Renate terem fixado domicílio em São
Paulo, no Brasil, não produz efeitos automáticos perante o nosso ordenamento jurídico. A lei
6.015 de 31 de Dezembro de 1973 dispõe sobre os registros públicos e outras providências e
em seu artigo 32 determina que o casamento de brasileiros em país estrangeiro serão
considerados autênticos pelo assento transladado nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do
registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, quando o domicílio for conhecido, vejamos:

Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em


país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em
que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes
tomados, nos termos do regulamento consular.
§ 1º Os assentos de que trata este artigo serão, porém, transladados nos
cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito
Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito
no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados
a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores.

Ou seja, o casamento realizado por autoridade estrangeira, como no caso de Markus


e Renate, será considerado válido no Brasil, porém, para que produza seus efeitos é necessário
o registro em repartição do Consulado Brasileiro, situado no país em que foi realizado o
matrimônio. Então, estando ausentes os requisitos do artigo mencionado acima, o casamento
não produzirá os seus efeitos. Assim entendeu o Tribunal de Justiça de Goiás ao julgar a
apelação nº 0158665-92.2016.8.09.0175, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. CASAMENTO


REALIZADO NO EXTERIOR. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO BRASIL.
INDEFERIMENTO DA INICIAL. 1. Não tendo o apelante atendido aos
requisitos estabelecidos no artigo 32 da Lei dos Registros Públicos, a aludida
certidão de casamento não produz efeitos jurídicos no Brasil e, por
conseguinte, perante a lei brasileira, falta interesse de agir as partes, no
tocante ao pedido de decretação de divórcio. 2. Considerando a necessidade
do registro para eficácia do casamento em território nacional, não merece
reparos a sentença proferida, que indeferiu a petição inicial, tendo vista a
falta de documentos indispensáveis para propositura do divórcio.(...)
(grifou-se) (TJGO- APELAÇÃO Nº 0158665-92.2016.8.09.017, Relator:
José Carlos de Oliveira, Data de Julgamento: 17/06/2019, 3ª Câmara Cível,
Data de Publicação: DJ de 17/06/2019)
Tal entendimento também é previsto no Código Civil brasileiro, em seu art. 1.554
prevê que o casamento celebrado por aquele que não possuir competência exigida na lei,
como no caso do casamento celebrado no estrangeiro, subsistirá se tiver registrado o ato no
Registro Civil, in verbis:

Art. 1.554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a
competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de
casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.

Portanto, por ordem cronológica necessária, os efeitos do casamento realizado no


estrangeiro se dá pelo registro em uma repartição do Consulado brasileiro, posteriormente
deverá ser realizada uma transcrição dos documentos no Cartório de Registro Civil. Deve-se
ter atenção ao prazo de registro, que deve ser de 180 dias, contados do retorno de um ou de
ambos os cônjuges.

Outra questão válida a ser comentada é que o casamento estrangeiro terá validade e
produzirá seus efeitos não só pelo registro, mas é importante que este tenha sido realizado em
observância às formalidades legais no país em que foi celebrado, neste caso, deverá estar em
conformidade com a lei italiana. Além disso, é imprescindível que também esteja em
conformidade com a lei brasileira, de forma que o casamento legal não ofenda a ordem
pública pátria. Este é o entendimento da autora do livro Manual de direito das famílias, Maria
Berenice que diz:

“Sempre que o casamento ocorrer no estrangeiro, o seu registro no Brasil


está condicionado ao reconhecimento de que a lei do local da celebração não
fere a ordem pública nacional e aos bons costumes (LINDB 17)”1

Assim, o casamento de Markus e Renate não produzirá seus efeitos pela fixação de
domicílio no Brasil, mas sim pelo cumprimento de todo o procedimento de registro do
matrimônio.

Ressalta-se que o casamento celebrado é considerado válido, porém, não poderá


produzir seus efeitos pelo fato de que o casal cumpriu apenas uma parte dos requisitos
previstos em lei. Como dito anteriormente, a ordem necessária seria o registro do casamento
em uma repartição do Consulado brasileiro, o que foi feito pelo casal e, posteriormente, o
registro no 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal,
obedecendo o prazo de 180 dias contados do retorno de um ou de ambos os cônjuges.
Considerando que este último requisito não foi observado, o casamento em questão será
considerado válido, porém, não produzirá seus efeitos.

1
(DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias; 4ª ed. São Paulo; Editora Revista dos
Tribunais; 2016; página 1183)
2- Com a morte de Renate na Alemanha, como ocorrerá a sucessão dos bens deixados no
Brasil? Quem serão os herdeiros de Renate? Explique informando o quinhão (valor)
para cada herdeiro.

Em primeiro momento é necessário definir de qual forma ocorre a sucessão dos bens
em caso de falecimento de estrangeiro com bens móveis e imóveis no Brasil, bem como nos
casos em que há filhos e cônjuge brasileiro. O primeiro dispositivo que merece destaque é o
artigo 5º, inciso XXXI da Constituição Federal, que define a sucessão de bens de estrangeiros
situados no país. A regra estabelece que neste caso a sucessão será regulada pela lei brasileira
em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros.2

Assim, temos primeiramente que a lei brasileira regulará a sucessão dos bens situados
no Brasil por Renate. Tal resolução também é bem exposta pelo parágrafo 1º e 2º do artigo 10
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), in verbis:

Art. 10 - A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem
os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de
cujus.
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para
suceder. (grifou-se)

Então, pelo dispositivo supramencionado, se a sucessão por morte obedece à lei em


que for domiciliado o defunto, a sucessão de Renate será regulada pela lei brasileira. O fato de
Renate ter falecido no estrangeiro nada importa, tendo em vista que esta fixou seu domicílio
com animus domini em São Paulo, Brasil.

Ainda, nos termos do artigo 7º da LINDB, tem-se que:

Art. 7º, LINDB. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as


regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os
direitos de família.

Ademais, conforme prevê o artigo 23 do Código de Processo Civil brasileiro, a


sucessão deverá ser aberta no Brasil, porque compete ao Judiciário brasileiro o inventário e
partilha dos bens aqui situados:

Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de


qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

2
Art. 5º, inciso XXXI da CF - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei
pessoal do "de cujus"
II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de
testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil,
ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha
domicílio fora do território nacional;(grifou-se)

Não restando dúvidas acerca da aplicabilidade da lei brasileira na sucessão dos bens de
Renate, vale salientar que os herdeiros necessários da falecida serão: Markus, Paula e Andres.
Em relação aos filhos não cabem questionamentos quanto ao direito de participação na
sucessão em pauta, por força do art. 1.845 do Código Civil3 que determina quem são os
herdeiros necessários da de cujus.

Já em relação ao cônjuge sobrevivente, pelo artigo 1.829 do CC a sucessão legítima


defere-se aos filhos em concorrência com Markus, salvo se este for casado em regime da
separação total de bens4, que é o regime adotado pelo casal. Entretanto, já é entendimento
consolidado na jurisprudência e na doutrina que o fato de Markus e Renate terem adotado o
regime da separação convencional de bens, em nada impede de que o cônjuge sobrevivente
possa concorrer com os demais herdeiros na partilha dos bens, conforme o enunciado 270 do
Conselho da Justiça Federal.5 Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento ao julgar o RESP Nº 1382170/SP, vejamos:

CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO


NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO
CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE.
POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC. 1. O cônjuge, qualquer que seja o
regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do
Código Civil). 2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge
sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a
concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no
art. 1.641 do Código Civil Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. 3.
Recurso especial desprovido. (STJ - RESP Nº 1382170/SP 2013/0131197/7,
REL. MIN. MOURA RIBEIRO DATA DE JULGAMENTO: 22/04/2015,
T3-3ª TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO DJE: 26/05/2015)

Portanto, Markus é considerado herdeiro necessário e terá participação na sucessão


de bens de Renate, assim como os filhos do casal. Sobre isso, Maria Berenice Dias disciplina
que (2016):
"O casamento, igualmente, garante direitos sucessórios. O cônjuge
sobrevivente é herdeiro necessário (CC 1.829 III) e desfruta do direito real
de habitação (CC 1.831). Conforme o regime de bens, o viúvo tem o direito

3
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. - Código Civil
de 2002
4
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência
com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (grifou-se)
5
"O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os
descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens
ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido
possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os
bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes".
de concorrer com os herdeiros de classes anteriores (CC 1.829 I e II)"
(DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias; 4ª ed. São Paulo;
Editora Revista dos Tribunais; 2016; página 291).

Então, sendo Markus herdeiro necessário, terá direito a receber seu quinhão que será
determinado conforme o regime de bens adotado pelo casal, isto é, o regime de separação
convencional de bens. Desta feita, os valores serão divididos igualmente entre os herdeiros
sobreviventes.

Quanto aos bens a serem repartidos, temos: o lote localizado em Brotas e uma casa
situada no bairro Jardins, em São Paulo. Vale frisar que o apartamento em Higienópolis, que é
fruto de herança da mãe de Markus, avaliado em R$ 1.500.000,00, não entrará na divisão,
uma vez que foi adquirido por herança, o imóvel está apenas no nome de Markus e o bem não
se comunica. Dessa forma elucida o artigo 1.668 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:


I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os
sub-rogados em seu lugar;

Levando em consideração todos os argumentos apresentados anteriormente, a divisão


de bens será realizada da seguinte forma:

I.Caberá ao Markus Schmidt:

a. Lote de 10.000 m² em Brotas/SP, avaliado a R$ 300.000,00 (trezentos mil


reais):

A princípio, Markus contribuiu com R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (6,66%) para a
compra da propriedade.

Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Markus, pode-se dizer que o
herdeiro terá direito a mais 31,11% da propriedade, que equivale a R$ 93.333,33 (noventa e
três mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos).

b. Casa no bairro dos Jardins/SP, avaliada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de


reais):

A princípio, Markus contribuiu com R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) (50%) para
a compra da propriedade.

Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Markus, pode-se dizer que o
herdeiro terá direito a mais 16,66% da propriedade, que equivale a R$ 166.666,66 (cento e
sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e seis centavos).
II.Caberá à Paula:

a. Lote de 10.000 m² em Brotas/SP, equivalente a R$ 300.000,00 (trezentos mil


reais):
Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Paula, pode-se dizer que a
herdeira terá direito a 31,11% da propriedade, que equivale a R$ 93.333,33 (noventa e três mil
trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos).

b. Casa no bairro dos Jardins/SP, avaliada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de


reais):
Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Paula, pode-se dizer que a
herdeira terá direito a 16,66% da propriedade, que equivale a R$ 166.666,66 (cento e sessenta
e seis mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e seis centavos).

III.Caberá ao Andres:

a. Lote de 10.000 m² em Brotas/SP, equivalente a R$ 300.000,00 (trezentos mil


reais):
Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Andres, pode-se dizer que o
herdeiro terá direito a 31,11% da propriedade, que equivale a R$ 93.333,33 (noventa e três
mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos).

b. Casa no bairro dos Jardins/SP, avaliada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de


reais):

Ao que tange à parte de Renate que será destinada à Andres, pode-se dizer que o
herdeiro terá direito a 16,66% da propriedade, que equivale a R$ 166.666,66 (cento e sessenta
e seis mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e seis centavos).
ANEXO I - INFOGRÁFICO DA PARTILHA

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