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Capa

Introdução
As coleções e museus etnográficos são fruto de um período histórico marcado pelo colonialismo e pela
consequente relação de hierarquia estabelecida entre os grupos que produziram os objetos e os
pesquisadores que os coletaram e institucionalizaram.
Entretanto, os museus e instituições da memória e do patrimônio vem se abrindo para a escuta e a troca a
respeito dos bens musealizados, possibilitando o retorno físico e simbólico destes acervos aos grupos de
origem. Os povos indígenas, nesse contexto, vêm se inserindo de modo crescente nos processos referentes à
musealização dos acervos etnográficos, através de atividades como formação de coleções, elaboração de
exposições, coleta de dados e produção de conteúdo e conservação, dentre outras, em um movimento que
tem como cerne a autonarrativa e que objetiva a afirmação cultural e política destes povos.
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Neste sentido, aqui, lhes apresento o artigo “Do reconhecimento ao protagonismo: preservação e
gestão compartilhada de coleções indígenas em documentos patrimoniais e legislações referentes”,
dos autores Marcus Granato e Mara Lúcia de Vasconcelos, que (passar slide) visa identificar os
documentos patrimoniais e legislações, no âmbito nacional e internacional, que fazem referência ao
patrimônio cultural indígena, trazendo em seu título ou conteúdo os termos tradicionais, etnológico,
etnográfico e/ou indígena. E a partir disso, observar as transformações ocorridas no âmbito da valorização
dessas coleções, desde seu reconhecimento como patrimônio a ser preservado até o momento atual, que se
caracteriza através da gestão compartilhada das instituições com os povos referidos.
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Dentre os documentos, foram selecionados 16 documentos de tipologias tais como cartas patrimoniais,
declarações, recomendações, políticas e legislações - de instituições que possuem a atribuição formal para tal
como estas que estão expostas, ou então, através da atuação, consenso e acordos elaborados por profissionais
do patrimônio cultural que em encontros e congressos definem diretrizes e métodos para a preservação destas
coleções.

Não foi encontrada nenhuma menção ao patrimônio tradicional, etnológico, etnográfico e/ou indígena
em documentos de antes dos anos 70.

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Cartas, declarações e outras recomendações


Primeiramente, cabe destacar a (breath) “Convenção Relativa às Medidas a Serem Adotadas para Proibir
e Impedir a Importação, Exportação e Transferência de Propriedades Ilícitas dos Bens Culturais” (breath)
que inova ao incluir os bens etnológicos na definição de bens culturais, apontando para a necessidade da
implementação de instituições técnico-científicas voltadas à preservação.

Posteriormente, a (breath) Recomendação Sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, da Unesco,


em 89 se configura como o primeiro documento patrimonial a tratar exclusivamente dos que bens culturais
tradicionais e populares, partindo do entendimento de que os povos têm direitos sobre sua cultura, e
apontando a necessidade de garantir acesso aos instrumentos propícios.

O Iphan, em 97, durante o Seminário Patrimônio Imaterial - Estratégias e Formas de Proteção”, elaborou a
Carta de Fortaleza, que traz em seu conteúdo a “Moção de apoio às expressões culturais dos povos
ameríndios” como parte do patrimônio nacional.

Já a Carta de Cartagena de Índias, de 99, elaborada pela Comunidade Andina, aponta princípios para a
proteção, recuperação de bens culturais do patrimônio arqueológico, histórico, etnológico, paleontológico e
artístico da Comunidade Andina, especialmente no que se refere à repatriação destes bens, instituindo
condutas para os processos de restituição.

De grande importância museológica, a Carta de Burra, foi elaborada inicialmente em 79, no âmbito da 5°
Assembleia Geral do Icomos, e revisada em 81, 88, 99 e 2013, sendo esse último o ano da versão que é
adotada oficialmente. O documento traz o tema da preservação e manutenção de lugares de significância
cultural como sítios naturais, históricos e indígenas. Indicando que deve ser respeitado estruturas pré-
existentes, fazendo-se valer de materiais e técnicas tradicionais para tanto.

A “Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas” estatui o direito dos povos
indígenas de acessar de modo privativo seus sítios culturais, religiosos e seus objetos cerimoniais e o direito
à repatriação dos remanescentes humanos.

Recomendação referente à Proteção e Promoção dos Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na
Sociedade ressalta a importância do diálogo entre museus e povos indígenas para a gestão das coleções e ao
retorno/ restituição dos bens culturais indígenas.

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Vs.
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Declaração de importância e valor dos museus coloniais - 2002


Em contraposição aos movimentos de valorização, restituição e autonomia dos povos para preservar seus
próprios bens culturais e significar seu próprio léxico simbólico, grandes museus da Europa e dos Estados
Unidos assinaram em 2002 a “Declaração de importância e valor dos museus coloniais” que os assinala
como museus a serviço de todos os povos e não de uma nação específica. Defendendo que os objetos
adquiridos em épocas anteriores refletiam valores e sensibilidades da época e que não podem ser
ressignificados. Entretanto o argumento da universalidade, enquanto valor, está intimamente ligado à
perspectiva colonial, desonerando estas instituições do dever ético de repatriação de objetos e assegurando
um certo direito de manter-se estático quanto ao arcabouço simbólico por detrás da representação de seus
acervos.

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Legislações e outros instrumentos normativos


Agora vou apresentar alguns textos normativos elaborados no âmbito nacional e internacional, sendo
instrumentos legais vigentes, lembrando que muitos deles se embasam nas diretrizes dos documentos já
citados.

• A Política Nacional de Museus, aponta o “respeito ao patrimônio cultural das comunidades indígenas
e afro-descendentes (sic), de acordo com as suas especificidades e diversidades”, elucidando a
importância da gestão compartilhada.
• A Política de Patrimônio Cultural Material do Iphan, de 2018, dedica um capítulo específico ao
patrimônio cultural material dos povos indígenas, relembrando o direito dos povos indígenas de
“praticar e revitalizar as suas tradições e costumes” através dos diversos aparelhos culturais. Mas
também, indica que a preservação do patrimônio cultural material indígena deve estar em
consonância com as práticas culturais materiais próprias de cada etnia, e que estas devem ser
consultadas sempre que alguma medida ou ação os afete diretamente.
• Também em 2018, a UNESCO, publicou a Policy on Engaging with Indigenous Peoples, elaborada
a partir de consultas e reuniões com representantes de povos indígenas, e recebeu contribuições de
grupos de diversos países e do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas,
indicando a importância da consulta aos povos indígenas na elaboração de políticas que os englobem
e contemplem as suas necessidades, sugerido que os povos indígenas tenham acesso ao patrimônio
tangível – objetos e sítios – para que seja viabilizada a manutenção das características intangíveis
destes bens culturais. O documento ainda estatuí o direito à repatriação dos remanescentes humanos
e o dever dos Estados em propiciar o acesso e/ou restituição desses bens e também de objetos
cerimoniais.
 No âmbito nacional, ainda não possuímos legislação específica sobre o patrimônio cultural indígena.
Entretanto, a Constituição de 88 reflete uma participação ampliada de diferentes segmentos da
cultura popular, que conquistaram espaços decisivos de defesa de direitos coletivos.
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 Atualmente, temos cinco acervos nos quais constam coleções indígenas inscritos no Livro do
Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do Iphan, elas estão localizadas nos estados do
Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Outras legislações
Cabe aqui, por fim, fazermos menção a duas legislações pioneiras no que diz respeito à proteção ao
patrimônio cultural dos povos indígenas.

 A Nova Zelândia foi pioneira no que se refere a promulgação de leis que versam sobre a restituição
de objetos, através do Protected Objects Act, de 1975 que regulamenta a exportação e importação de
objetos protegidos do povo Maori, prevendo a devolução em caso de objetos exportados ou
importados ilegalmente.
 E a Native American Graves Protection and Repatriation Act dos EUA, de 1990, que é outra
legislação fundamental à discussão sobre bens culturais indígenas. Ela Resguarda o direito de
retorno de remanescentes humanos, objetos funerários, objetos sagrados e bens culturais em geral
aos grupos nativos, descendentes e afiliados.

Conclusão
Através do aparato passado a limpo nesta apresentação, percebe-se que no campo teórico há
uma crescente valorização dos bens culturais indígenas e um crescente reconhecimento da
importância da intervenção dos Estados em incitar e prover instrumentos que gerem a
autonomia dos povos na gestão de seus próprios acervos museais. Entretanto, embora tais
documentos sejam reconhecidos como fundamentais, nem sempre os preceitos elaborados são de
fato seguidos, assim a museografia nem sempre acompanha a Museologia, por isso, os museólogos
devem estar sempre atentos a estes textos, visando encurtar as distâncias entre o que sabemos que
deve ser feito e o que fazemos de fato. No que se refere aos acervos etnográficos indígenas, para
alguns autores a mudança dos museus etnográficos, na prática, somente se dará através da gestão
compartilhada.

Fim

No âmbito das Ciências Humanas e Sociais, contemporaneamente, os estudos que se baseiam em uma
perspectiva decolonial vêm questionando e ressignificando epistemologias elaboradas a partir da ótica
da dominação ocidental. (Vasconcelos e Granato, p. 2)

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