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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2013.0000276074

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0023392-


72.2007.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado
JOSÉ CLAUDIO BONTEMPO NETTO, é apelado/apelante MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM
PROVIMENTO AOS APELOS INTERPOSTOS. V.U.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


EDUARDO BRAGA (Presidente), WILLIAN CAMPOS E LUIS SOARES
DE MELLO.

São Paulo, 14 de maio de 2013

EDUARDO BRAGA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

**_VOTO N. 22.783

APELAÇÃO CRIMINAL COM REVISÃO N. 0023392-72.2007.8.26.0050


SÃO PAULO Fórum Central Criminal Barra Funda
4a Vara Criminal Proc. n. 050.07.023392-6
Juiz de Primeira Instância: Márcia Tessitore

APELANTES/APELADOS: JOSÉ CLÁUDIO BONTEMPO NETTO e


MINISTÉRIO PÚBLICO

LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO Lei n. 7.716/1989. CRIME


DE INDUZIMENTO, INCITAÇÃO OU PRÁTICA DE
DISCRIMINAÇÃO Artigo 20, “caput”, da Lei n.
7.716/1989. Crime imprescritível - art. 5º, XLII, da CF.
Autoria e materialidade comprovadas. Dolo de expressar e
incentivar o preconceito contra toda a raça negra.
Manutenção da condenação, bem como da pena aplicada e
do regime fixado. APELOS NÃO PROVIDOS.

Vistos.

Ao relatório da r. sentença de fls. 110/113, que ora se adota,


acrescenta-se que a ação foi JULGADA PROCEDENTE para o fim de
CONDENAR o réu JOSÉ CLÁUDIO BONTEMPO NETTO a 1 ano de
reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias-multa, no piso legal,
substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de
direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, na forma

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a ser determinada pelo Juízo das Execuções, por ofensa ao artigo 20,
“caput”, da Lei n. 7.716/1989.

Inconformado, apelou o MINISTÉRIO PÚBLICO (fls. 116). Nas


razões apresentadas a fls. 117/120, postula a exasperação da pena
aplicada e a fixação de regime semiaberto.

Também apelou o acusado (fls. 124). Em suas razões


recursais, pugna pela absolvição por ausência de provas ou pelo fato
não constituir infração penal (fls. 125/130).

Vieram as contrarrazões (fls. 133/145 e 153/159). Nesta


Instância, a douta PROCURADORIA DE JUSTIÇA opinou pelo não
provimento dos recursos (fls. 165/166).

É O RELATÓRIO.

Segundo a denúncia, no dia 17.1.2007, por volta das


17h20min, na Av. Alcântara Machado, n. 190, Brás, na cidade de São
Paulo, JOSÉ CLÁUDIO BONTEMPO NETTO praticou preconceito de raça
e cor.

De acordo com a tese acusatória, no dia e local acima


mencionados, o acusado adentrou velozmente com seu veículo no
estacionamento da empresa Felap, quase atropelando o empregado
Sérgio Gregório, pessoa da raça negra, o qual, então, dirigiu-se ao
acusado, pedindo civilizadamente que este tivesse maior cautela em
razão do pouco espaço e do perigo que sua manobra havia provocado.
Ocorre que, neste momento, o acusado passou a ofender Sérgio

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Gregório em razão de sua raça e cor, com expressões “podia ter


passado por cima, você é um macaco, você é preto, você é negro” (fls.
16), que configuram em hipótese o crime de injúria qualificada, de
ação penal de iniciativa privada. Uma vez dentro da empresa, dirigindo-
se aos demais funcionários, então, o acusado afirmou que “quase
atropelei um preto, pois um preto no escuro não é nada” (fls. 19),
“também matar preto e mesma coisa no escuro tudo é igual” (fls. 6), e
“Sérgio era negro, que podia ter passado por cima dele, pois ele era
um macaco” (fls. 16). O acusado, assim agindo, exteriorizou, por
palavras, pensamentos de cunho preconceituoso, menosprezando as
pessoas da raça negra, situando-as em condição sub-humana
(animalesca) e também as menosprezando, portanto, manifestando
entender serem inferiores os componentes da raça e cor de Sérgio
Gregório.

De proêmio, destaca-se tratar-se de crime


imprescritível, por força do disposto no art. 5º, XLII, da CF.

Pois bem. Com a devida vênia, a r. sentença não merece


reforma, como se verá.

De fato, a materialidade do crime restou provada nos autos


pelo boletim de ocorrência (fls. 3/4), bem como pela prova oral
produzida.

A autoria também ficou demonstrada pela prova oral


amealhada aos autos.

Em seu interrogatório judicial, o acusado negou a prática


criminosa. Admitiu, no entanto, que na data dos fatos ingressou com

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seu veículo no estacionamento em questão, em velocidade regular,


quando a vítima surgiu diante do seu carro, saindo da loja existente no
local. Afirmou ter dito para a vítima tomar cuidado para não ser
atropelada, eis que esta estava distraída manipulando papéis. Disse
que a vítima respondeu de forma grosseira que era ele quem deveria
tomar cuidado. Que estacionou o carro e foi conversar com o
funcionário de nome Sérgio, a quem indicou a vítima, a uma distância
de 20 metros, como “aquele funcionário preto”, apenas como forma de
identificação, sem qualquer conotação preconceituosa (fls.49/49
verso).

Tal versão, entrementes, restou isolada nos autos.

De fato, a vítima Sérgio Gregório declarou que no dia dos fatos


o acusado ingressou com seu veículo em alta velocidade no corredor
que dá acesso ao estacionamento e já desceu do veículo irritado e
falando palavrões, que foram ouvidos por ele e pelo porteiro da
empresa, João. Que após manobrar um veículo, ingressou na loja pela
porta dos fundos, notando que José Xavier estava chamando a atenção
do acusado, dizendo que isto era racismo. Disse que, posteriormente,
Sérgio e Xavier lhe contaram que o acusado havia dito que podia ter
passado por cima dele, pois é negro e que matar negro tanto faz,
porque são todos iguais (fls. 72).

A testemunha José Xavier Nogueira, ouvida sob o crivo do


contraditório, disse que trabalhava como vendedor na empresa Filape
na época dos fatos. Que se recordava de ter visto o acusado ingressar
bastante nervoso na loja e ter ouvido o mesmo dizer, com bastante
arrogância, que quase havia atropelado um preto e que para ele preto
no escuro não é nada (fls. 73).

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Marcelino Leôncio Ferreira de Santana testemunhou que


estava na parte externa da loja e que viu quando o acusado chegou
com um veículo e desceu bastante nervoso. Contou que o acusado
passou a xingar Sérgio Gregório de macaco, negro. Que quando entrou
na loja o acusado continuou nervoso e disse que quase havia
atropelado um preto, que preto no escuro não é nada (fls. 74).

A testemunha Sérgio Pauletto disse que trabalha como


assistente técnico na empresa Felape e que se recordava que o
acusado chegou bastante nervoso, dizendo que quase havia atropelado
um preto e que preto no escuro não é nada (fls. 75).

Como bem explanado na r. sentença (fls. 112):

“Embora não tenha ficado claro na prova produzida em juízo,


colhe-se dos depoimentos prestados na fase administrativa que
Sérgio, como manobrista do estacionamento, solicitou ao réu
que aguardasse para ali entrar, até que saísse outro carro.
Quando foi facultado seu ingresso, arrancou com velocidade,
pois havia ficado com raiva por ter esperado, quase
atropelando Sérgio, o qual lhe pediu mais cautela. Irritado, o
réu passou a ofendê-lo com as expressões já mencionadas (cf.
fl. 17).”
“Assim, diante da prova produzida, se conclui que não
objetivava apenas injuriar a vítima, por meio de simples ataque
verbal à sua honra subjetiva. Externou, sim, uma oposição
indistinta aos negros, precisamente demonstrada nas
expressões acima destacadas.”

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Efetivamente, verifica-se ter se consumado o crime de


racismo, tipificado no art. 20 da Lei Antidiscriminação. Houve dolo de
expressar e incentivar o preconceito contra todas as pessoas da raça
negra, já que a expressão usada (“preto no escuro não é nada”)
extrapola o âmbito da pessoa da vítima.

Em face de todo o expendido, a condenação era mesmo de


rigor, não havendo que se falar em absolvição.

A pena aplicada e o regime inicial de cumprimento também


não merecem reparo.

De fato, o acusado é primário e não ostenta antecedentes.


Agiu com dolo normal à espécie, não havendo elementos que
justifiquem a exacerbação da pena ou a modificação do regime inicial
de cumprimento.

Mantém-se, portanto, a r. sentença por seus próprios e


jurídicos fundamentos.

POSTO ISTO, NEGA-SE PROVIMENTO AOS APELOS


INTERPOSTOS.

EDUARDO BRAGA
Relator
(assinatura eletrônica art. 1o, § 2o, inciso III, da Lei n. 11.419/2006).

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