Você está na página 1de 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

HISTÓRIA

FELIPE PETRI CORREA DA SILVA

BRASIL IMPÉRIO
Continuidades e Rupturas da América Portuguesa

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


2021
Introdução

No período que segue após a independência o Brasil sofre diversas mudanças sociais,
contudo vamos analisar diversos fatores que mantiveram o tecido social português no pós 1822. as
estruturas sociais, a exemplo: escravidão, senhorio, modos de produção e logística de exploração da
terra, as relações internacionais, a burocracia e a elite serão, pragmaticamente falando,
essencialmente as mesmas no período 1822 à 1889. Didaticamente, dividimos o Império em três
partes, são elas: o primeiro império (1822 – 1831) se trata na verdade da crise da independência e
da ingovernabilidade de Pedro I, a regência (1831 – 1840) lembrada por grandes revoltas,
movimentos separatistas e instabilidade da elite no governo e mesmo a instabilidade do Brasil como
nação, por fim o Segundo reinado (1840 – 1889) governo de Pedro II, decadência do modelo
escravista (principalmente depois de 1870) surgimento da elite nacional através das primeiras
universidades brasileiras, a geração de Machado de Assis ao final do período, estabilização das
fronteiras internas e externas. Uma grande necessidade e anseio por modernização da política e do
modelo de Estado.
Apesar de ser um período com relativa estabilidade, as revoltas sociais tanto da elite, quanto
da população em geral se mantêm. O fim do período é marcado pela degradação de uma das
maiores instituições portuguesas utilizadas como modelo econômico triangular em suas colonias, a
escravidão. Em um mundo avesso a essa ideia, depois dos Atos de 1833 na Inglaterra; a proibição
do tráfico negreiro e por fim a abolição da escravidão nas colonias inglesas, assim como a sua
industrialização, empurram o ocidente para um novo modelo econômico no qual escravidão não é
mais viável economicamente, politicamente e intolerável na questão ética. Essas mudanças e
permanências do período colonial no Império caracterizam suas contradições e instabilidades.
Desenvolvimento

As imagens de Pedro Américo: “Independência ou morte” (1888) e o quadro anônimo de


1840 tem semelhanças entre si, em ambos a população está alheia ao movimento de independência.
As figuras centrais são o próprio imperador Pedro I e o exército se emancipando da coroa
portuguesa em um movimento de ressonância com a revolução portuguesa de 1840. Não há aqui um
caráter de revolta do luso-americano em relação à metrópole, e sim uma crise política dentro da
nobreza. Um movimento natural de emancipação de um adulto independente dos pais, como
explicitado pelo autor. No quadro de 1888 a figura do brasileiro espantado e impotente em meio ao
grito de independência demonstra a passividade da população brasileira, apenas o exército pessoal
do Imperador está ciente da situação. O grito do Ipiranga é, portanto, uma relação pessoal de
lealdade entre a guarda pessoal de Pedro I contra a coroa lusitana, em meio ao desmonte do Reino
Unido do Brasil, Portugal e Algarves.
Não ha portanto o conceito de revolução como ruptura abrupta e violenta, muito menos uma
volta as origens, conceito usado na mecânica planetária e na revolução americana (a princípio). Na
figura anônima de 1840 Pedro I é mostrado como líder carismático e de muita bravura, uma
personificação da força luso-americana. Quanto a Estátua Equestre de D Pedro I, localizada na
Praça Tiradentes no Rio de Janeiro, alguns desses elementos também podem ser vistos. A primeira
vista Pedro I está acima do povo no topo da estatua, com a diferença de ter em mãos a constituição
e não uma espada, tal diferença é bem importante, ressaltando o caráter de Brasil como império
independente e, além disso, como Estado soberano de direito, pautado na ordem e na Justiça, não se
faz a leitura de um golpe de Estado por parte do imperador, muito menos uma falsa ideia de
extensão do poder da coroa portuguesa através dele. Um detalhe bastante relevante é a figura
indígena abaixo, demonstrando mais uma vez que a população brasileira está presente, entretanto
passiva em relação a sua própria pátria. Esta imagem me remete ao mito das três raças simbolizando
o povo brasileiro. Por fim a imagem de René Moreaux intitulada: “Proclamação da Independência”
(1844) possui as maiores discrepâncias em comparação as outras. Mais uma vez Pedro I aparece
como herói, desta vez acenando para o povo que celebra junto à ele, a população faz parte do
processo revolucionário, aqui digo revolucionário de fato, no sentido de que houve um rompimento
com a metrópole. Está implícito na alegria e no orgulho da população sua valentia e sua vitória pela
independência como processo ativo e laborioso, D Pedro não é um estrangeiro cercado por seu
exército, mas um luso-brasileiro em prol da nação, para mim a imagem mais ufanista até então.
Alguns elementos estéticos, como a projeção das crianças à frente em direção ao espectador me
remetem a famosa imagem da revolução francesa: “A Liberté Guidant Le People” de Eugene
Delacroix (1830), Aqui o Imperador guia seu povo à vitória assim como a Liberdade na Imagem de
Delacroix.

O constitucionalismo coibiu a fragmentação do território através da relativa autonomia do


poder dos presidentes das províncias a partir de 1823. o legislativo e o executivo teriam eleições e
resoluções próprias do ponto do vista administrativo. O conselho geral da província prevê uma
unidade federativa e uníssona, de tal forma o Imperador mantém sua liderança sobre as forças
armadas e a guarnição do território, entretanto os presidentes provincianos e as câmaras do senado
tem nesse momento uma função de caráter legislativo e executivo, resguardando as especificidades
de suas regiões.

A constituição garantiria o Conselho administrativo um conselho executivo chamado de


“Conselho Geral da Província”. Nomeados pelo próprio Pedro I os presidentes opinariam e
proporiam projetos provincianos de forma orgânica em relação a constituição. Este mecanismo foi
garantido pelo artigo 89 (Assembleia Geral) De tal forma o Império do Brasil era ao mesmo tempo
uma autarquia e uma aristocracia ao modelo moderno de Estado. As revoltas separatistas foram
muitas, ex: pernambuco. Tais revoltas não são inéditas, mas cicatrizes do passado nativista dessas
regiões. Mas o poder era descentralizado o bastante para não alimentar tais reações e o exército ,
robusto o suficiente para inibi-las, contudo o período que se segue de 1822 a 1833 é de bastante
caos político. O poder legislativo foi muito associado ao poder central, sendo a maior influencia
(junto ao judiciário) para a manutenção do território, sua preservação.

Ao manter os privilégios dos aristocratas luso-brasileiros do periodo pré-imperial, a


constituição de 1824 teve enorme relevância na administração da ordem (contra separatistas) e das
hierarquias sociais. Um documento, não exclusivamente, emancipatório em relação a outras nações,
mas de manutenção da elite portuguesa no Brasil do seculo XIX.

O poder Judiciário tem uma função mais explicita nesse sentido, os Juízes de paz dão ao
império um caráter descentralizante, novamente algo contraditório, uma vez que emulam os antigos
juízes de comarcas ao modo português. O liberalismo, presente na primeira constituição, traz o
Brasil ao novo século e o apresenta ao mundo como um pais moderno do ponto de vista politico e
sofisticado filosoficamente, se mostra como um documento fruto de seu tempo, pós Revoluções
burguesas da Europa e Estados Unidos da América.

Apesar do enorme esforço de varias províncias, a exemplo: Goias, Pernambuco, São paulo,
Rio Grande do Sul; apenas a Cisplatina teve sucesso em se emancipar. O poder centralizante dado
ao Imperador e sua corte, ao mesmo tempo diluído entre os presidentes provincianos, as câmaras do
senado e da casa legislativa, junto aos Juízes de paz (capazes de intervir nas eleições locais) deram
ao novo pais uma coesão territorial firme, uma politica relativamente estável, ao menos ao ponto de
não se partir, e um senso de institucionalidade, algo muito importante para uma sociedade moderna
dos anos 1800.
O poder legislativo, também chamado de Soberano Congresso, tem a função de garantir a
constituição de 1824, adaptando o sistema jurídico-penal para o novo governo vigente. Foi uma
grande representação da centralização nas mãos do imperador e de sua corte, o que por sua vez
aproximou o Estado ao antigo regime, já desgastado à época. Como podemos ver no enxerto
abaixo:
“(...)a Constituição que outorgou ao Poder Moderador algumas atribuições, ainda utilizadas pelo
Tribunal do Conselho de Justiça. Este pedido tinha como ponto central a aceleração da demanda. Se
o Parlamento fosse legislar sobre o assunto, possivelmente o requerente corria o risco de ficar
detido ao passo que, se houvesse uma indicação ao Poder Moderador (que tinha a prerrogativa de
conceder “graça”), o pedido de vista requerido por Bernardino de Moura poderia ser concedido.”
(PEREIRA)
No Brasil império, a partir da nova constituição foi instaurado um sistema de petições. Uma
parcela da população buscava auxilio ao parlamento através dessas petições, formas diretas de
recorrer aos seus direitos e sanar seus problemas. Via de regra, tais petições eram enviadas a casa do
legislativo, a fim de ter seus direitos reconhecidos. Quanto à isto, podemos chamar de representação
ativa, havia ainda, os poderes executivo e o moderador. O regimento de Pedro I, ainda enfraquecido
pela crise causada em função do processo de Independência, não poderia de outra forma manter o
Estado brasileiro tão semelhante ao antigo regime europeu (um poder centralizado) aí se encontra a
razão do sistema de petição como alívio, como maneira de descentralizar o poder, e demonstrar
descentralização e participação política ativa da população politicamente relevante (cidadãos, que
obviamente eram uma parcela pequena da população) aproximando, ao menos na teoria, de um
Estado liberal moderno. Algo apenas na fachada, nunca entranhado no sistema de fato.
O Estado brasileiro tem, como vimos, uma estrutura centralizadora e arcaica, com um verniz
liberal através do sistema de petições, a “eleição do cacete” se torna um marco historiográfico para
demonstrar de maneira didática o poder centralizado com um rosto moderno e liberal. A crise
constante durante o primeiro reinado, que dá a esse período uma lógica de gestão de crise
incontrolável, ou de governo de transição, ou ainda um governo provisório, ao lugar de um Estado
estabelecido até faz sentido (afinal um processo emancipatório tende a ser traumático de alguma
forma). Desta forma o reinado de 1822 a 1833 tem como principal característica um poder
judiciário baseado nos Juízes de paz, que por sua vez também tem papel político nas câmaras e nas
comarcas, um poder legislativo arcaico, incapaz de se alinhar as vontades do governo central e
conciliar-se com o poder moderador. O sistema peticional, que apesar de tudo, foi bastante
sofisticado, dados os exemplos da Bahia e de Pernambuco. As petições haviam de trazer o cidadão
das províncias para perto da administração central, muito aquém do que poderia, mas ainda assim
mantinha tal ilusão. E além disso o poder moderador, ainda em formação, um imperador em crise
com a coroa portuguesa, mas não completamente desvinculado dela, e um relevante poder
transversal sobre o novo Império.
O conceito de liberdade tem sua historicidade, logo muda através do tempo. Podemos
observar muito mais semelhanças que diferenças entre a liberdade do século XIX em relação a
contemporânea. A liberdade no Brasil é uma questão de classe e uma questão de cor. A abolição da
escravidão não libertou os povos pretos. Pois, liberdade não é a opção de ir e vir, ou a ausência de
um trabalho compulsório. Mas o acesso a um bem estar social, um reconhecimento como humano.
A população preta, na segunda metade do século XIX, se viu sendo liberta por meio de leis
antiescravistas, entretanto, o processo de inserção na sociedade nunca foi concretizado. Os ex
escravos, sem nenhum recurso material, sem a possibilidade de voltar à África, muito nascidos no
Brasil, sem ter para onde voltar, e principalmente, carregando um enorme fardo de preconceito
racial, foram empurrados para as margens da sociedade e amontoados em casebres.
Não se vê liberdade do ponto de vista racial no Brasil, uma vez que o próprio racismo é uma
prisão, segundo a professora Ana Flávia Magalhães Pinto, em sua palestra, a população negra é 5
vezes mais atingida pelo coronavírus. Atualmente, a cada 3 pessoas negras que dão entrada em um
hospital, 1 morre, em relação aos brancos a cada 4,5 pessoas, 1 morre. Ao ser negada a cidadania
aos ex escravos ao final do século, lhe são negados os direitos; neste período, ao ser outorgado o
fim da escravidão, 6 em cada 10 escravos já estavam livres, dado que o processo de emancipação
foi devido a fatores econômicos, muito mais do que éticos, de tal forma que, liberdade em si não
importava, a cidadania é a verdadeira libertação. A inserção na sociedade, a participação política, o
reconhecimento da cultura e da arte como legítimas (o “não apagamento”) são fundamentais. Um
exemplo disso é o branqueamento imposto a Machado de Assis, sendo negada a etnia preta devido a
sua representatividade na literatura.
A violência psicológica, e também sistêmica; causando um genocídio real por meio da força
nas periferias e favelas e, não menos importante, simbólico do negro brasileiro, em parte, através do
seu apagamento na historia do Brasil endossada pelo racismo estrutural, este que nunca libertou as
etnias africanas aqui no país. No século XIX, não muito diferente de agora, a liberdade é
relacionada ao nascimento, ao nome; também as posses, contudo, enfatizo aqui o fator
preponderante da cor. A liberdade negada pela cor diz muito sobre o seu significado.
A relação entre a classe senhorial e o Estado, é a típica relação burguesa muito característica
do Estado moderno, sendo o Estado uma representação dos interesses da burguesia local. Apesar de
proibido, o tráfico atlântico se mantinha a todo vapor, até mais forte e lucrativo no fim dos 1800 no
Brasil. A população escrava em território luso-americano chegou em seu auge nesse período, fato
que trouxe problemas para a manutenção do sistema escravista.

A classe senhorial em Vassouras perdeu o controle sobre seus escravos em um processo de


inchaço do sistema escravista. Exatamente por ter um caráter nacional, ainda que não presente em
todo o território, a classe dominante teve que lidar com um número crescente de pessoas
escravizadas em um momento delicado politica e economicamente. Vassouras No RJ é um exemplo
disso, a maior parte dos escravos estavam sob domínio de pequenos produtores (por volta de 26%),
por outro lado, os mega proprietários tinham uma fatia relativamente pequena da força de trabalho
escrava (cerca de 20%). o que é contra intuitiva, afinal se esperaria mais mão de obra compulsória
concentrada nas mãos de poucos, contudo, o processo escravocrata na segunda metade do século
XIX não se deu dessa forma.

A enorme quantidade de escravos jovens, ainda oriundos da África (a lei do ventre livre e o
enorme capital envolvido no tráfico atlântico encorajavam a compra de escravos) em posse de
produtores pequenos e médio que possuem pouca capacidade de controle sobre sua mão de obra, faz
com que as tensões entre senhor e escravo sejam ainda mais forçadas ao limite; fugas e insurreições
se tornam comuns. Por sua vez a estabilidade na produção se torna prejudicada em razão disso.
Uma solução foi o uso da alforria como barganha, forma de incentivar o bom comportamento, o
escravizado poderia ter a oportunidade de comprar sua liberdade, ganhar sua liberdade por meio de
seu próprio dono (forma de incentivar o bom comportamento nos outros) esta última bastante
comum, ou ainda se casar com alguém livre etc.

Com o crescente número de alforriados, a não diminuição dos fugidos e amotinados, a lei do
ventre livre somada a proibição do tráfico atlântico, ou pelo menos o aumento da fiscalização dos
mares, o que dificultava essa prática, diminuiu a quantidade de escravos disponíveis e elevou muito
o seu preço. O sistema escravocrata, no fim do século XIX, estava ruindo. Ciente da situação
economicamente inviável mesmo a médio prazo, a elite senhorial nacional enfatiza a necessidade de
um projeto de abolição e substituição de mão de obra. Vassouras é apenas um exemplo do colapso
do sistema escravocrata e da mudança de perspectiva da elite brasileira em relação ao trabalho.
Fosse na extração de minérios na província das Minas Gerais, no plantio de café ou na mão de obra
domestica no Vale do Paraíba, a escravidão se tornou insustentável economicamente e ponto de
fragilidade política no Brasil ao final dos anos 1880.

Em relação a fronteiras temos que pensar em conceito de cidadania e pertencimento, mais do


que sobre território, embora a interiorização do período colonial faça parte desta análise. A
expansão interna das fronteiras, importante ressaltar que no século XIX a interiorização do território
brasileiro já estava bastante avançada, o que a autora Miki chama de Fronteira Atlântica, não é o
limite entre o litoral povoado e o centro vazio demograficamente, as fronteiras marítimas estão
neste momento muito mais delimitadas em contraste com o interior de fato, contudo o escopo é
outro. Segundo a pesquisadora, as relações entre as missões e a exploração da terra delimitam as
fronteiras internas, assim como o movimento abolicionista as modifica. As fronteiras não são
apenas as delimitações territoriais, mas estão ligadas a cidadania e a exclusão do “selvagem”
indígena e o ex escravo, ou escravo quilombola, fugitivo. O processo de extermínio dos povos
indígenas, ou escravos alforriados é o processo de definição territorial do império, ou transformar os
povos autóctones em portugueses, no processo civilizatório um século depois das guerras justas.

A cidadania e as fronteiras são conceitos interligados, sendo a cidadania uma característica


intrínseca do português, devido ao enorme território do império e a regionalização do poder, algo
paradoxal para um Estado absolutista, o braço da lei não alcança todo o interior, parte inexplorado,
a fronteira atlântica esta nesta região dúbia, entre o brasil e o interior do continente e entre a
cidadania e a não cidadania (atribuída aos povos indígenas) os projetos das elites regionais foi por
muito tempo manter a estrutura portuguesa pré império, incluindo o poder judiciário através dos
Juízes de paz. O império brasileiro está em um período de modernização das estruturas
institucionais, contudo conserva suas raízes coloniais. A repartição do poder entre os lideres
regionais e a informalidade da questão fiscal, tornando o território de difícil acesso ou de longa
distancia algo impraticável de se administrar, se constrói um Estado com cidadania ambígua e
subjetiva. De fato ligada a cor e a origem étnica, entretanto perdida em meio a ex escravos, a
pardos, indígenas pacíficos, mas, não aportuguesados. Tal situação deforma a Fronteira atlântica o
tempo todo.
Existe claramente três territórios nacionais, as fazendas: movidas pelo trabalho escravo, as
terras indígenas ainda inexploradas, ou ainda parcialmente dominadas, porem com índios “hostis”
como exemplo dos Botocudos e o Brasil português, movido pela constituição bastante
centralizadora e autoritária aos moldes do Estado moderno aristocrático. Não há a possibilidade de
uma convivência entre a pluralidade de cidadanias ou de culturas, aportuguesar os índios e os
negros alforriados é o motor do conceito de fronteira e de território. Ainda que se faça necessário o
extermínio dos povos difíceis de se lidar. A fronteira atlântica é a fronteira da cor, a fronteira do
selvagem e do civilizado e o limite territorial ambíguo e difícil de demarcar. O poder é
descentralizado, capilarizado entre senhores de escravos, cafeicultores etc, entretanto centralizante
nas mão do poder imperial e a cidadania uma relação de poder e estruturante da desigualdade já
estabelecida por séculos de colonização, escravidão e extermínio.

Partindo do princípio de que o pacto federativo tem como objetivo manter certa autonomia
entre as províncias, apesar da união do império. Esta autonomia foi pequena em maior parte de sua
existência, seja no período oitocentista, seja na República atual. Em meio ao processo de
independência, determinadas províncias tinham mais vínculos com Portugal que entre si, algo que
traz à mente quase a impossibilidade de uma união estável. Durante a regência, as províncias se
rebelam diante da crise iniciada no primeiro império, dando ignição à revoltas separatistas, São
Paulo começa a se destacar economicamente, a região sul e as províncias da Bahia e de Pernambuco
se tornam instáveis. Se esperaria uma grande mudança na constituição de 1824, porem com exceção
de revisões feitas na lei em 1840, como podemos ver no trecho abaixo, pouca coisa realmente
mudou.
“Em 1861 uma comissão mista de deputados e senadores reuniu-se para examinar diversos artigos
do ato adicional e propor um projeto de lei de interpretação. Como se sabe esse trabalho não foi
adiante e não houve nenhuma nova interpretação do ato adicional, além da promulgada em 1840.
No entanto vale analisar a ata da primeira reunião da comissão, uma vez que ela indica que em
1861 ainda havia controvérsias sobre as atribuições dos governos provinciais, uma vez que estes
exerciam sua autonomia em itens fundamentais como empregos, tributos, força policial,
magistratura, etc.” (DOLHINIKOFF)
As inúmeras tentativas de tirar a autonomia dos estados diante de tantos governos
autoritários no período republicano, como destacado na página virtual do governo, ligado ao fato do
Brasil ter se tornado um Império pós independência, reforça a ideia de um pais centralizador, de
governos culturalmente propensos ao modo de pensar do antigo regime. Ainda assim a autonomia é
restaurada, é reintegrada. A importância do pacto federativo do século XIX é conseguir manter de
certa forma, ainda que de maneira dispersa no tempo, uma relativa autonomia estatal, um certo
espirito nativista nos senhores regionais e na população politicamente participativa. O
municipalismo é também fruto deste pacto.
Diferente da América espanhola, o Brasil se mantêm unificado, em parte porque as
províncias tinham determinado autodesenvolvimento e administração própria. Além disso, é curioso
refletir, que esta autonomia provinciana é um continuísmo das capitanias da América portuguesa.
Desta forma o império Brasileiro não só manteve sua coesão territorial, como ainda se expandiu, a
estabilidade política parece nunca ser realmente uma conquista, algo concreto, entretanto, se
houveram constituições rasgadas e outorgadas diversas vezes, seja no período dos anos 1800, seja
durante o século XX, a unificação territorial, a unidade política do Estado brasileiro é fruto do pacto
federativo. De tal forma que o pais, apesar de ser culturalmente e socialmente centralizado, o
caráter federativo das constituições de 1946 e 1988 (ambas promulgadas em períodos de liberdade
politica) dão liberdade aos estados brasileiros, de maneira a diminuir o atrito entre eles e promover
a continuidade do Império e posteriormente da República do Brasil como pais unificado sob uma
única bandeira.
A elite intelectual de 1870 tinha muitas criticas a forma de governo aristocrática, pautada na elite
em torno do império, e a instituição da escravidão. Movidos pelos ideais da revolução americana,
até mesmo da francesa, o movimento romantista de um Brasil rico, moderno politicamente e
socialmente livre, o que implica na abolição vinha amadurecendo há algum tempo. Em seu conto:
“Pai Contra a Mãe”, Machado de Assis explicita a vida de um caçador de recompensas, cujo
trabalho implica em recuperar escravos fugidos, o homem, aos poucos, percebe que o numero de
escravos dados como perdidos diminui com o tempo, ele se vê em uma sociedade em mudança
brusca em relação a escravidão embora não compreenda isso.
Nas chamadas republicas estudantis (dormitórios compartilhados por estudantes) ao qual o
nome não é coincidência, a elite intelectual do final do século XIX estava avida pela restrição das
politicas de escravidão, alguns movimentos já haviam ocorrido, como a lei do ventre livre, que
torna liberto qualquer filho de escravas, a lei do sexagenário, liberta qualquer escravos acima dos 60
anos, leis muito pouco efetivas, mas que levavam para um caminho sem volta, com o trafico
proibido a lei do ventre livre tornaria a escravidão algo insustentável em médio prazo. Embora essas
decisões já tivessem sido tomadas quando a escravidão já era insustentável no longo prazo. A
geração de Machado de Assis, estava ligada ao pensamento europeu e se expressava através dos
jornais, dos livros, poemas, romances, panfletos, alguns eram burgueses e usaram sua influencia
para combater uma instituição que a vista deles era antiquada e desumana.
O combate a escravidão era o combate a monarquia, difícil falar em um desejo separatista,
ou emancipatório, o conceito de país está muito estabelecido a época, tampouco falar em
federalismo por si. A critica é direta ao modelo monárquico, o republicanismo pós primavera dos
povos na Europa e o modelo americano tão elogiado por Tocqueville um século antes estava no top
of mind da elite saquarema também. Uma coisa não pode ser separada da outra, a monarquia tinha
na escravidão, seja na colheita do café, ou na mineração, a sua coluna vertebral econômica,
principalmente enquanto o trafico atlântico negreiro ao sul da linha de equador não foi combatido
verdadeiramente, por sua vez, a escravatura mantinha o caráter monárquico e antiquado que os
barões do café, e a corte ao redor do imperador usaram para camuflar sua falsa estabilidade política
em uma situação de extrema mudança no ocidente a qual eles não sabiam lidar.
A triste ironia é que depois de morto, Machado de Assis, negro, brasileiro, um dos maiores
escritores do mundo, tendo combatido a escravidão em sua geração e o racismo em muitas outras
gerações subsequentes, tenha sido retratado como branco nos livros escolares e representações
visuais. A recente busca pela sua negritude no meio acadêmico é tardia, entretanto de extrema
importância.
Referência Bibliográfica

ALONSO, Angela. Ideas em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Imperio.


São Paulo:Paz e Terra, 2002. Cap.4.BERBEL, Marcia. A Nação como artefato: Deputados
do Brasil nas Cortes portuguesas 1821-1822. São Paulo: Hucitec. 1999.
BERNARDES, Denis. O Patriotismo Constitucional: Pernambuco,1820-22. São Paulo, Edusp,
2002. Pp315-354.
COSTA, Wilma Peres. A espada de Damocles: O exército, a guerra do Paraguai e a
crise do Imperio. São Paulo: Hucitec, 1996. Cap. 6. P221-264
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da Metropole. In: MOTA, Carlo
Guilherme.
1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986. p160-184.
DOLHINIKOFF, Miriam. Elites regionais e a construção do Estado nacional. In: JANCSO,
Istvan. Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003. P431-467
GUIMARAES, Lucia Maria Pachoal. Ação, reação e transação: a pena de aluguel e a historiografia.
In: CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no Império: Novos Horizontes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007

Você também pode gostar