Você está na página 1de 3

O Impacto do Efeito Bolha nos Movimentos Sociais Online

No dia 16 de Março de 2020 um cidadão haitiano é filmado fazendo o que muitos brasileiros
não teriam coragem de fazer. Ele diz para o próprio presidente da República: “Bolsonaro, acabou!
Você está recebendo mensagem no celular. (…) Você não é presidente mais! Você não é presidente
mais! Você precisa desistir! Você está espalhando vírus e vai matar os brasileiros!”. O monólogo
foi um dia após a participação do presidente em um ato pró governo e contra o fechamento do
comércio em um momento delicado de escolha em relação a estratégia de se combater a pandemia
do Coronavírus no Brasil. O vídeo viralizou no Youtube, em canais de diversas temáticas: entre
elas, política, noticias em geral e comentaristas sobre atualidade exploraram o inusitado evento ao
máximo. No Twitter, a atitude do imigrante gerou duas hashtags: #AcabouBolsonaro e
#forabolsonaro.
Na data de 17 de Março, a hashtag #AcabouBolsonaro alcançou o primeiro lugar nos
trending topics da rede social. No período entre 17 e 18 de Março daquele ano o tópico em uma
análise feita pela Blog da Quaest 4 que analisou uma amostra de 52,480 postagens de 21,930 contas
entre os dias 08 de Março até o 18 de Março. O vídeo em si deixou de ser postado a partir do
terceiro dia seguido, contudo a hashtag se manteve viva por mais tempo, o que é incomum em uma
rede social que tem como característica a instantaneidade das coisas e efemeridade dos tópicos, isto
demonstra o efeito catártico de revolta social contra a gestão do presidente em relação a pandemia e
o papel da internet no “fazer política”.
Outro movimento que se tornou comum é a hashtag falsa para furar a bolha. Devido aos
poucos caracteres que o Twitter dispõe para os usuários e o efeito bolha causada por seus
algorítimos os usuários não apenas são incapazes de ver o que está além do seu grupo social como
também não tem suas mensagens passadas para um maior número de pessoas. A necessidade de
aprender a furar a bolha foi tópico de discussões entre grupos políticos de esquerda na própria rede,
e também foi percebida pelos seguidores do presidente Bolsonaro. Parte da esquerda e da direita
anti-bolsonarista usou a hashtag #Bolsonaro22 eu seus posts contendo críticas negativas ao
presidente, principalmente em sua condução frente a pandemia, isto foi observado a partir de Maio
de 2021 e se intensificou depois da CPI da Covid que se desenrola desde 27 de Abril de 2021.
Em uma reportagem da Folha de São Paulo datada de 06 de Agosto de 2019 (pré pandemia)
argumenta que o Twitter é a rede social mais difícil de se furar bolhas, e que a direita tem uma bolha
mais hermética que a esquerda. Tem de se levar em conta que tal estratégia não tinha sido tentada
naquele momento e é um trabalho difícil de se constatar empiricamente sem uso de software
apropriado. Parte do movimento social pró MST no Twitter rechaçou a atitude, pois mesmo que
engane os usuários, levando-os a ler posts contrários ao presidente por engano, o uso de hashtags
positivas faria os números a favor do presidente inflacionarem na rede social e alavancariam seu
desempenho em relação a popularidade, ou ao menos a percepção de popularidade, em Maio de
2021 a #Bolsonaro22 ficou em primeiro lugar por algumas horas, muito se especula que tenha sido
um movimento contrário ao Bolsonaro, mas contabilizado a seu favor, o que vale é estar em alta.
Outro argumento é que muitas pessoas não entenderiam a estratégia e teriam um reforço positivo ao
constatar que a parcela que aprova o presidente é maior do que realmente é.
Vemos aqui dois movimentos sociais distintos em disputa nas redes sociais, excluindo o
fator eleitoral de 2022, ao se falar em estratégias de combate a pandemia, os negacionistas se
mostram mais fechados em bolhas, os usuários do Twitter que alegam defender métodos científicos
para o combate da doença tem mais ciência do fator bolha e demonstra mais vontade em furá-la.
Levando-se em conta que o efeito bolha é um fator importante para qualquer movimento social
online, e que o online/offline estão muito misturados em uma miscelânea de interações; demonstrar
repúdio ou desabafar deixou de ser relevante para grande parte dos usuários de redes sociais. Esta
relevância se vai com a percepção de que não se é ouvido fora de sua bolha e que a bolha é
limitante para seu alcance. A internet acaba tendo um efeito oposto ao esperado anos atrás quando
ainda era insipiente. A sensação de aumento de alcance.
Este fenômeno traz as pessoas de volta as ruas, lugar que supostamente haveria menos
alcance que as redes sociais, contudo, o protesto de rua filmado, fotografado, registrado e postado
nas redes tem por si só um alcance diferenciado, pois é visto pelas janelas e helicópteros da
imprensa, sendo a imprensa um fator extra redes sociais, a combinação destes dois fatores poderiam
potencializar o alcance da palavra de protesto. A reação a isto é a negação com uso de noticias
falsas, narrativas diversas, novamente muito eficientes em bolhas impenetráveis. O uso do protesto
como forma de luta tem de driblar cada vez mais camadas, pois além do efeito bolha se faz presente
a paranoia, a desconfiança e o reforço de ideias negacionistas impulsionadas por bolsonaristas
humanos e robôs, servindo como blindagem a qualquer crítica ao conceito bolsonarista distorcido
de mundo.
REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Marilda C.; BIZON, Ana Cecília Cossi. THREADS OF A


HASHTAG: ENTEXTUALIZATION OF RESISTANCE IN THE FACE OF POLITICAL
AND SANITARY CHALLENGES IN BRAZIL. Scielo, Campinas. 29 p, setembro
2020. Dossiê. Disponível em: https://doi.org/10.1590/010318139041011120210107.
Acesso em: 1 ago. 2021.

GAJANIGO, Paulo Rodrigues; SOUZA, Rogério Ferreira de. MANIFESTAÇÕES


SOCIAIS E NOVAS MÍDIAS: a construção de uma cultura contra-hegemônica.
Salvador, v. 27, 2014. 16 p Tese - Universidade Federal Fluminense Et Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

MARIANI, Daniel. Bolha política da direita no Twitter é mais fechada que a da


esquerda. Folha de São Paulo, São Paulo, 06 Maio 2019. Disponível em:
https://temas.folha.uol.com.br/gps-ideologico/as-bolhas-na-rede-social/bolha-politica-
da-direita-no-twitter-e-mais-fechada-que-a-da-esquerda.shtml. Acesso em: 2 ago.
2021.

Você também pode gostar