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Ramón Salaverría
Universidade de Navarra (Espanha)
Diante de um mundo cada vez mais complexo, paradoxalmente, aqueles que propõem
soluções mais simplistas são os melhor sucedidos. Por exemplo, diante do drama dos
fluxos migratórios, há quem defende a construção de muros. Diante dos tiroteios nas
escolas, propõem que os professores carregam armas. Dadas as evidências da crise
climática global, eles até negam que esse fenômeno exista.
Mas primeiro, deixem-me começar com uma análise da situação. Eu gostaria de definir
os problemas que relacionam a transformação nos últimos anos dos fluxos
comunicacionais com a crise da democracia, o assunto dessa palestra.
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Fluxos comunicacionais e crise da democracia — Ramón Salaverría
interessada da mídia. Mas isso é absolutamente falso. Muito mais falso do que
pensamos: as redes sociais são espaços de manipulação constante.
São dados eloquentes: muitas das informações que circulam nas redes sociais, e na
rede em geral, são falsas e, mesmo quando são reais, respondem a interesses
ocultos. O que foi chamado de ágora global, onde todos têm a palavra e podem ser
ouvidos, é, na realidade, um fórum com regras desiguais e sujeito a manipulações
inadvertidas.
Ao contrário do que alguns afirmam, as redes não são um espaço para deliberação
livre, capaz de substituir sistemas de representação democrática. De fato, esse é um
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truque que está sendo usado por todos os tipos de populistas para desacreditar
instituições democráticas e sociais consolidadas: o parlamento, a universidade, a
mídia. Os poderosos pretenden desacreditar e, finalmente, substuir esas instituições
por novas fontes de autoridade supostamente emanadas diretamente da cidadania. e
uma rede. grátis e sem condicionamento de qualquer tipo. De acordo com essa visão
propagada pelos poderosos, as instituições clássicas do contrapeso social seriam um
obstáculo à opinião real do povo, que supostamente estaria se expressando nas redes
sociais sem condicionamento de nenhum tipo. Para os populistas, as redes socias são
a comunicação sem filtros. O problema é que ela tem muita nicotina.
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Hoje, a mídia compartilha sua capacidade de influenciar a opinião pública com novos
atores que surgiram das redes, que alguns denominaram "influencers". De afiados
formadores de opinião política no Twitter a marcadores de tendências de moda no
Instagram, passando por todos os tipos de palhaços e coringas no YouTube, todas as
principais redes sociais têm novos usuários capazes de atrair massas de seguidores.
Embora esses novos influenciadores da Internet às vezes faturem quantias milionárias
por recomendar este ou aquele produto, vários estudos empíricos recentes questionam
sua capacidade real de condicionar a opinião pública. Eles podem ajudar a vender um
produto, mas não é tão claro que eles possam mudar a opinião pública de um país.
Embora a influência real desses novos atores seja relativa, a verdade é que eles
ocuparam parte da terra anteriormente reservada à mídia. Os novos "influencers"
competem com a mídia não apenas do ponto de vista do público, mas principalmente
pelo estreito relacionamento que alcançaram com o público. O novo mantra do
jornalismo é construir comunidade, precisamente aquilo que os novos atores da
Internet, com seu conhecimento nativo das regras da rede, conseguiram alcançar com
incrível naturalidade.
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pelo menos complementares. Qualquer usuário da rede sabe hoje como localizar
todos os dados instantaneamente. Basta apenas uma simples consulta ao celular. E
onde as pessoas procuram essas informações? Cada vez menos na mídia. Para as
pessoas já é pouco relevante a qualidade de uma fonte; só precissam procurar uma
resposta imediata, sem tomar conta del nível de credibilidade da fonte que estão
utilizando. Um fato: neste ano 2019, a maioria das pesquisas no Google não produz
cliques (Fishkin, 2019). As pessoas estão satisfeitas com os primeiros dados que
encontram em sua pesquisa.
Nesse contexto, não deveria nos surpreender que um dos fenômenos comunicativos
mais importantes dos últimos anos seja o surgimento de notícias falsas, as chamadas
fake news. Era previsível que o conteúdo enganoso fosse multiplicado, porque muitos
dos diques profissionais que impediam a propagação de embustes entraram em
colapso.
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Assim, vimos que existem várias razões que levam ao descrédito e à perda de
influência da mídia. Mencionamos fatores sociológicos e tecnológicos. Mas seríamos
muito vaidosos se pensássemos que todas as causas dos males que afligem o
jornalismo são alheias á profissão jornalística. A própria mídia é amplamente
responsável por seu declínio. Na deterioração do jornalismo, há muitas causas fora da
profissão, mas muitas outras estão dentro.
Inúmeros estudos no campo da empresa informativa destacaram nos últimos anos que
são as próprias empresas jornalísticas e, principalmente, seus gerentes, os primeiros
responsáveis por sua terrível espiral. Muitos gerentes de mídia devem ser
questionados por sua falta de estratégia e visão para enfrentar a transformação digital
da mídia. Sua gestão errática e de curto prazo resultou em uma degradação
incessante de suas organizações jornalísticas.
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E, felizmente, temos exemplos de que isso não é um mal que afeta igualmente todas
as mídias jornalísticas. Nos últimos anos, alguns meios de comunicação estão obtendo
resultados muito melhores que outros. Um jornal fundado em 1851 e, portanto, muito
longe do que entendemos como nativo digital, ultrapassou este ano o número de 3
milhões de assinantes na Internet. Refiro-me, é claro, ao The New York Times, um
meio que, sem renunciar à sua identidade jornalística, reforçando seu compromisso
inabalável com a qualidade, conseguiu se reinventar nos últimos anos. Hoje, a Old
Grey Lady é uma das mídias jornalísticas mais inovadoras e melhor adaptada às
regras da Internet.
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Todos nós, vocês e eu, temos uma responsabilidade. É uma responsabilidad que
afecta a todos os professores de comunicação e jornalismo do mundo. Nós, como
observadores atentos da mídia e formadores de futuros comunicadores, temos a
obrigação moral de buscar alternativas e propor soluções para os problemas que
afligem o jornalismo. Não podemos permanecer na posição de meros observadores.
Muitos pesquisadores apontam os problemas, sem propor soluções. Muitos
professores instilam em seus alunos um discurso simplesmente crítico sobre a mídia,
sem se preocupar em procurar fórmulas para resolver a situação que censuram. Como
Kapuscinsky disse, os cínicos não servem à profissão de jornalismo. Estou convencido
de que eles servem ainda menos para a universidade.
Não quero me comportar como um crítico dos críticos. Significaria pecar duplamente
da atitude que censurei. Então, nesta parte final da minha palestra, eu gostaria de ser
mais proativo: vou indicar algumas idéias que espero que sejam úteis para reverter, a
partir dos estudos sobre comunicação, alguns dos problemas que eu apontei. Assim
como precisamos de um jornalismo renovado que atualize os valores clássicos da
profissão por meio de um uso inovador de tecnologias, também precisamos renovar a
pesquisa acadêmica. Temos que propor modelos para responder a novos desafios
tecnológicos e profissionais.
Deixe-me listar sete áreas de pesquisa nas quais, na minha opinião, a Universidade
pode e deve contribuir para o fortalecimento do jornalismo. São áreas em que a mídia
hoje exige novas idéias e propostas. São estes sete:
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Listei sete áreas, mas certamente há mais. São áreas nas quais o jornalismo exige
novas idéias para recuperar o vigor perdido.
O jornalismo está em crise e, talvez por esse motivo, o mesmo acontece com a
democracia. Mas resisto-me a pensar que os problemas não têm solução. Pode me
chamar de ilusório, se quiser, mas acho que no século XXI há espaço para o
jornalismo independente, que não é ditado pelos interesses ideológicos de esquerda
ou direita. Um jornalismo capaz de suportar pressões econômicas. Um jornalismo que
aborda questões importantes para á cidadania e não apenas aquelas que geram
tráfego. Um jornalismo, enfim, de altura ética, a serviço da sociedade e assegurando
os interesses dos cidadãos. Estou convencido de que nós, como pesquisadores e
professores, temos muito a contribuir para essa transformação. É nossa
responsabilidade.
Muito obrigado.
Referencias
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https://www.theguardian.com/news/2018/mar/17/cambridge-analytica-facebook-
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https://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=58805
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