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Bolsodivos: a onda conservadora nos comentários de postagens da Jovem Pan


News no perfil do Tik Tok

Conference Paper · September 2023

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Petronilio Ferreira
Universidade Federal Fluminense
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Bolsodivos: a onda conservadora nos comentários de postagens da
Jovem Pan News no perfil do Tik Tok

Petronilio Ferreira1

Resumo: Buscamos compreender como engajamento de fãs políticos de Jair Bolsonaro


(JB) na página do Tik Tok da Jovem Pan News (JPNews) permite a promoção de temas
extremistas no ambiente digital. Acreditamos que o levantamento de pautas nos
comentários pelo fandom político ajuda a propagar ideologias e temas importantes para
o político. Com base nos estudos sobre etnografia da comunicação, produziremos uma
observação de inspiração etnográfica no perfil acima citado. Por fim, chegamos a
conclusão de que o jornalismo da JPNews alimenta os comentários reacionários de um
fandom antipetista que pode afetar diretamente a democracia brasileira num curto prazo
de tempo.
Palavras-chave: Webjornalismo, Jovem Pan News, Bolsonaro, fandom político, Tik
Tok.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo mostra como o engajamento de fãs atua na promoção de temas
extremistas nos comentários de postagens do Tik Tok. Partimos do pressuposto de que a
participação desse fandom político permite o não apagamento e o agendamento de
alguns temas relevantes para o político. Nesse sentido, os comentários das mídias
sociais são os ambientes perfeitos para a geração de debates e ideias.
Júnior (2016) explica que os fandom político é definido como pessoas engajadas
no consumo de informação sobre a política, atuando na criação de interpretações
particulares por meio da produção de conteúdo na internet. Com lógicas próprias, eles
produzem enquadramentos baseados na cobertura midiática realizada pela imprensa

1
Doutorando PPGCOM da Universidade Federal Fluminense (UFF). M.e Jornalista. e Esp. em Ciências
Políticas. E-mail: petronilio.fcf@gmail.com.
tradicional ou não. “Os fãs criam sentido e identidades a partir dos objetos da
comunicação política, adaptando as formas simbólicas para seus contextos de
sociabilidade” (Junior, 2016, p. 119). Assim, tentam alterar o entendimento e a
compreensão da notícia pela participação ativa nas mídias sociais.
No Tik Tok esses comentários atuam de maneira mais ativa, interferindo na
forma e no consumo da plataforma. Nascido em 2016, pela empresa Byte Dance,
rapidamente conquistou o público mais jovem. Como destaca Chu et al. (2022) o
aplicativo fomenta que os usuários produzam, compartilhem, editem vídeos sobre o dia
a dia, danças, estilos de vida e momentos engraçados, usando os mais distintos e
variados recursos disponíveis.

TikTok is different from other social media platforms in its content, algorithm,
and audience. First, unlike other social media sites, such as Instagram or Twitter,
there are no image or text sharing options on TikTok. Only short video content
can be shared (Brandastic 2021). Second, TikTok primarily uses its algorithm to
identify consumers who are more likely to engage with the video. Based on
consumers’ past behaviors, TikTok selects videos to place on the For You page
for each user. This high level of personalized content leads consumers to spend
more time on a specific TikTok video, increasing the chance that the video will
become viral (Wallaroo Media 2020). Third, TikTok’s consumer base is
relatively young compared to other social media platforms, with a majority
(60%) of consumers between the ages of 16 and 24 (Brandastic 2021). (Chu et
al., 2022, p.2).
De acordo com o Digital News Report 2023, o Tik Tok tem se tornado um
ambiente de compartilhamento de notícias no Brasil. Ao todo, 14% dos entrevistados
afirmam usar o aplicativo para consumir informação pelas redes. Corroborando com
esses dados, o relatório Digital 2023 revelou que os brasileiros passam mais de 5h por
dia usando a internet em dispositivos mobile. Nas mídias sociais grande parte dos
respondentes afirmou jornalistas ou companhias de notícias, 27.3%. Aliado a isso, a
aplicação chinesa figura como a 4º mídia social favorita nas pesquisas, perdendo para os
apps da Meta.
Diante desse cenário, cabe compreender qual o papel dos comentários desses fãs
para democracias post-broadcast. Temos a hipótese de que a gestação de temas nos
comentários de postagens de notícias em canais de extrema direita impede o
esquecimento da pauta de políticos extremistas, famosos pelo grande fandom no
ambiente digital. Nesse sentido, a arena dos comentários se tornam um palco principal
para um confronto diário de ideias
2. Democracia Post-Broadcast

Nas últimas décadas a internet vem impactando no consumo e produção de


notícias. O ambiente transitório em uma sociedade cansada provoca mudanças e
adaptações na narrativa jornalística. Nesse cenário, as redes sociais se tornaram um
importante espaço para o compartilhamento de informações e consumo. Novas relações
e ambientes revelam que o Brasil pode estar numa era de Democracia Post-broadcast.
Prior (2007) explica que há uma fragmentação da disponibilidade de informação
ao público nesses tipos de democracias. Com acesso distinto, é o consumidor que pode
escolher onde, como e quando quer assistir/ler/consumir um produto. Diferentemente
das democracias de broadcasting, onde o consumo de notícias dependia do fluxo
televisivo das grandes emissoras de televisão, esse tipo de movimento é baseado na
amplificação da Web 2.0 e da facilidade de acesso a dispositivos móveis.
É válido ressaltar que o Brasil é um país continental com distintos panoramas
que mudam de região para região. O acesso a internet não é igualitário, mas tem
crescido nos últimos anos, alavancado pela pandemia de Covid-19. A televisão, tida
como símbolo nacional, tornou-se um projeto de estado para unificação de uma nação
soberana. Nas mãos de poucas famílias, o controle da informação subjugou-se aos
interesses dos novos coronéis (Lima, 2006; Dos Santos, 2006). Tay e Turner (2008)
complementam que essas produções tiveram um importante papel em Estados
Nacionais para a formação de um ideal democrático. Chegando aos rincões mais
longínquos de países, as emissoras aturam para educar, criando uma opinião política,
rotinas e comemorações nacionais e a formação de ideário público e nacionalizado.

The major ratings successes of the twenty-first century have been


multi-platformed, multi-media events, such as Big Brother, with its websites,
chat-rooms, live video-streaming and key narrative moments — the evictions,
for instance — turned into public events by being performed before a live
paying audience. What we are calling (perhaps a little hyperbolically) the ‘end
of the broadcast era’ for the developed television systems of Australia, the
United Kingdom or the United States has seen increasing industrial and
technological convergence as telecommunications, information technology and
the electronic media coalesce under the same corporate umbrellas, as
technologies themselves interact more directly than ever before. (Tay e Tuner,
2008, p. 73).
Para Wilson (2011) as novas tecnologias tem afetado diretamente as relações
entre político-eleitor-sociedade. As mídias sociais favoreceram uma divisão natural
entre a audiência e a cidadania nas democracias liberais. Há aqueles que estão
inclinados a buscar conteúdo político e aqueles que não querem consumir esse tipo de
publicação. Com isso, as coberturas jornalísticas sobre o dia a dia da política e os
políticos se subjugam ao império da transitoriedade das redes.
Assumindo que há uma necessidade de atenção, não podemos afirmar que toda a
sociedade está interessada no dia a dia das tomadas de decisões políticas. Há quem
tenha muito interesse em consumir conteúdos políticos, pessoas engajadas que podem
replicar, comentar, curtir e compartilhar informações, expandindo a notícia numa rede
sem fim de amigos e conexões.

The segment of the public who still consume news are not simply a remnant still
engaged with normative forms of democratic citizenship, but rather a part of the
audience who actively seek political content, in the same way that others tend to
seek entertainment content. This niche group tends to consume far beyond what
might be regarded as the amount requisite to fulfilling the obligations of
liberal-democratic citizenship. (Wilson, 2011, p. 447).
As mídias sociais proporcionaram aos viciados em notícia uma infinidade de
opções para consumir informações sobre política. Com a possibilidade de participação,
veem nos comentários a chance de interferir nas regras do jogo. Esses espaços de
interação permitem um engajamento sobre temas importantes aos candidatos dos
eleitores, mantendo-os em vista e ampliando a bolha sobre o personagem idolatrado.
Um papel que somente os fandom políticos podem atuar para impedir o esquecimento
do ídolo.

3. FADOM POLÍTICO

A principal característica desse grupo é que não há uma natureza comercial na


relação com o ídolo. “Essas histórias são fruto de amor; elas operam numa economia de
doação e são oferecidas gratuitamente a outros fãs que compartilham da mesma paixão
pelos personagens” (Jenkins, 2009). Produções cheias de emoção promovem resultados
originais, livres e extremamente diversos sobre o ídolo pelo qual o fã é idólatra.
Para Jenkins (2014) há uma relação desenvolvida de especialização no conteúdo
abordado. Como consequência, isso pode gerar um aumento de interesses tanto das
redes quanto da mídia social. “Quando eles interagem com a mídia pelas redes sociais,
começam a agir mais como guildas de artes e ofícios de Sennett (2008), ao perseguirem
interesses mútuos de forma ativa” (Jenkins, 2014). Ao produzir dados, promovem o
fortalecimento de empresas e ídolos. Para o autor não há uma relação negativa entre
esses papéis, já que ambos tiram proveito dos produtos resultantes.

Jenkins (1992) aponta cinco aspectos principais da cultura fã: (1) modo
particular de recepção de conteúdos; (2) cultura participativa e coletiva; (3)
função de comunidade interpretativa; (4) tradições particulares de produção
cultural; e (5) status de comunidade social alternativa. Assim, o autor enfatiza a
permanente renegociação de sentido dos textos. Os fãs realizam releituras e se
apropriam do conteúdo de modo a integrá-los em suas experiências sociais e
contextos cotidiano (Júnior, 2016, p.124).
Nesse artigo centralizamos nossa análise ao fandom político de Jair Messias
Bolsonaro. Rodriguez (2022) detalha que a história desses grupos como esses podem ser
traçados desde séculos. Theodore Roosevelt, Abraham Lincoln, Winston Churchill,
John F. Kennedy fazem parte da lista de figuras políticas com apoiadores fiéis.
Ajudados pela expansão da mídia, esses ídolos conquistaram legiões de seguidores que
os acompanhavam a todo o lugar aos quais passavam. Entretanto, somente nas últimas
duas décadas que os cientistas sociais e políticos começaram a se debruçar sobre o
fenômeno.
Junior (2016) explica que o estudo de fã perpassou o campo de atuação do pop,
gerando debates em comunidades destinadas a noticiários, geopolítica e a política. A
aproximação ao ambiente fandom foi facilitada pelo surgimento de novo ambiente
digital de proliferação de formatos, hibridização e com livre atuação da imprensa
Amarela. Esse fenômeno é classificado por muitos pesquisadores como a popularização
da política e a tentativa de aproximação dos atores com eleitores.
Para Júnior (2016) há três estratégias usadas pelo ídolo: a primeira é a
divulgação da vida íntima; o segundo é o entretenimento político, com uso de
linguagens e formatos próprios da rede social; e o terceiro é a reprodução de estilos de
vida que se igualam aos de cidadãos comuns, impedindo o distanciamento.
Dean (2017) complementa que a principal característica do fandom politizado é
a direção do afeto. “À medida que os fandoms se politizam, no entanto, os
investimentos afetivos dos fãs tornam-se mais orientados para o exterior, no sentido de
serem constituídos por um desejo de mudar a sociedade em geral” (Dean, 2017, p. 413).
Os produtores de conteúdos e comentários querem mudar o mundo à sua maneira, para
isso constroem mundos paralelos à realidade existente sobre o líder. O fandom político é
embasado por um ideal particular de mudança social, sem a moral da construção de uma
sociedade comum e próspera.

As a result, and perhaps in contrast to the literature on celebrity politics, the


politicality of a fandom depends not on whether the fan object is a professional
politician. Rather it depends on the nature of commitments and practices that
sustain the fan object–fan community relation. Thus, a hitherto apolitical fan
community can become politicised if and when that fan community seeks to
challenge and intervene into wider social relations. (Dean, 2017, p. 415).
Nesse ambiente, o jornalismo político serve ao fandom como um alimento de
sobrevivência do amor. As notícias fornecem ao público uma novidade sobre o ídolo
permitindo que o engajamento nunca cesse, mantendo-se constante nos debates da
opinião pública. “O modelo de engajamento sugere que ter alguma coisa para fazer
também dá aos fãs algo sobre o que falar e os incentiva a propagar conteúdo para outros
membros potenciais de público” (Jenkins et al., 2014). Os comentários de perfis
noticiosos se tornam o local favorável para a geração desse engajamento de tema.
Dalmonte e Souza (2019) acreditam que o fandom político não é um mero
consumidor de conteúdo político. Eles tendem a instaurar formas de patrulha no intuito
de proteger o político. Ao compartilhar um conhecimento sobre o tema, reafirmam
posições e punem destoantes. A radicalização acontece por uma disputa
retórico-discursiva do fandom, atitudes que não estão relacionadas a características
pessoais do fã.
4. ANÁLISE
Buscamos investigar as técnicas de engajamento de comentários fandom de Jair
Messias Bolsonaro nas postagens da página do Jovem Pan News no Tik Tok,
@jovempannews. Realizaremos durante entre os dias 14 a 18 de agosto de 2023 uma
observação com inspiração etnográfica a fim de compreender como acontece a interação
entre o fandom político nesse espaço de comunicação disponível para os seguidores e
telespectadores da página. Acreditamos que esse espaço é o melhor ambiente para
compreender a relação entre a notícia, jornalismo transitório e fandom extremista.
Polivanov (2013) explica que a etnografia é um conjunto de técnicas e
procedimentos que busca entender a cultura de grupos ou indivíduos com base em
descrições densas. Júnior (2016) complementa que os primeiros estudos são
caracterizados por uma inserção física do pesquisador por longos períodos de tempo,
numa tentativa assertiva para compreender as rotinas e atividades de comunidades.
Milller et. al (2019) pontuam que para a Antropologia um dos princípios da
etnografia é o tempo. Durante o período de pesquisa, o antropólogo entra em contato
com o campo, as realidades e as rotinas de certa comunidade. “Em vez de observar à
distância com prancheta, os antropólogos envolvem-se: ajudam a cuidar de crianças,
servem bebidas, [...] fazem genuínas amizades” (Miller et. al, 2019, p. 32). Nesse
sentido, devemos pensar a etnografia como um objeto a ser atingido e que deve ser
construído durante o processo de coleta da informação e dos dados. Demorado, cada
pesquisador pode conduzir de maneira particular cada método.

As conexões que o etnógrafo seguiria são derivadas apenas pela permanência no


campo ao longo de um período prolongado de tempo, e ao descobrir o que havia
acontecido ali, um etnógrafo se propõe a estudar algo com a expectativa de que
outros aspectos imprevistos do cenário irão se tornar relevantes e, assim, os
instrumentos de pesquisa adequados não podem ser projetados de antemão.
(Hine, 2020, p. 8).
Hine (2020) acredita que é impossível especificar e antecipar as abordagens e o
local de pesquisa. Isso deve ser resolvido a partir de conjugação de motivações
pragmáticas e teóricas. Devemos estar conscientes de todo o processo de produção,
numa técnica manual, cuidadosa e realista do desenvolvimento da pesquisa. Questões
presentes na etnografia realizada na/para a internet.
O pesquisador/antropólogo busca compreender o que significa o espaço digital
para as pessoas e sociedade. Nesse sentido, ao participar desse processo o etnógrafo se
aproxima do objeto de pesquisa com mais propriedade, compreendo as infinitas
possibilidades de significação desse espaço. “A Internet pode ser muito grande para a
conhecermos, mas o etnógrafo pode desenvolver uma sensação de como é viver com
essa vastidão, descobrindo como se produz o sentido do inefável” (Hine, 2020, p.10).
Queremos compreender os diversos e múltiplos significados desse espaço para os
usuários.
Devido ao curto período de coleta, não podemos realizar uma etnografia no
espaço virtual. Optamos uma observação de cunho etnográfico nos comentários como
uma melhor forma de identificar as interações que ocorrem entre o jornalismo, a notícia
e o leitor - consumidor - seguidor - fandom bolsonarista. Destaco que realizo essa
leitura por um olhar de um jornalista.
Nesse sentido, cabe explicar um pouco sobre a escolha do perfil
@jovempannews no Tik Tok. Durante o governo de Jair Bolsonaro, a empresa de mídia
tornou-se o principal veículo de notícias para bolsonaristas em todo o país2. Assumindo
a vanguarda no número de entrevistas concedidas pelo presidente durante o mandato3,
compartilhou desinformação4 e se tornou reduto de comentaristas apoiadores do
ex-presidente. Durante os atos golpistas de 8 de janeiro, foi a única emissora de
televisão a cobrir os eventos destrutivos com proximidade assustadora dos terroristas.
Flertando com o extremismo, o canal de notícias promove um estilo de jornalismo
similar ao realizado pela Fox News nos EUA, desde os anos 90 (Peack, 2019).
Diante do exposto, este artigo nasce do interesse pessoal pelo extremismo
político brasileiro. Durante minha graduação na Universidade Federal do Maranhão,
embarquei nos estudos incipientes sobre o tema no Brasil. Naquela época, Kalil (2018)
já classificava os apoiadores de Jair Bolsonaro em 16 tipos, e identificava uma
segmentação no diálogo de JB com apoiadores nas redes sociais.
Destaco que o extremismo no brasil é antigo, com auge durante as eleições de
2018. Após a vitória de Jair Bolsonaro, chegava a Brasília uma onda de
conservadorismo e a maior divisão política que o país já enfrentou na história
democrática recente. Consequências diretas de um movimento de insatisfação política
após 13 anos do Partido dos Trabalhadores no poder.

“O que existe hoje é a confluência de grupos diversos, cuja união é sobretudo


pragmática e motivada pela percepção de um inimigo comum. Os setores mais
extremados incluem três vertentes principais, que são o libertarianismo, o
fundamentalismo religioso e a reciclagem do antigo anticomunismo” (Miguel,
2018, p. 19)
Rocha (2018) explica que as novas direitas organizaram antes da primeira vitória
de Dilma Rousseff, em meados da primeira era petista. “Um pioneiro desse movimento
foi o jornalista e escritor, Olavo de Carvalho, que [...] resolveu apostar na divulgação de
idéias” (Rocha, 2018, p. 48). Essa divulgação acontecia em um primeiro momento pelas
redes sociais, sendo abraçado posteriormente pela grande mídia brasileira.

2
Ver matéria:
https://www.terra.com.br/diversao/tv/tv-jovem-pan-sera-o-sonhado-canal-antiglobo-de-bolsonari
stas,ab3de67832c9ca382eb0513dc552a6799qd8kw3y.html
3
Ver matéria:
https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-deu-135-entrevistas-exclusivas-desde-a-poss
e-jovem-pan-e-a-mais-atendida/
4
Ver matéria:
https://www.terra.com.br/noticias/mpf-pede-cassacao-das-licencas-da-jovem-pan-e-multa-de-r-1
34-milhoes,5a9b94fc5f43edc6a6f6051effe8ad64mo1418u9.html
Após a vitória de Dilma, iniciou-se um processo de aclamação de protestos
pró-impeachment fomentados em aplicativos, como Facebook. Esses movimentos
ganharam proeminência com a Operação Lava Jato, devido prisões de aliados e grandes
políticos. Pinheiro-Machado e Scalco (2018) destacam que a estrutura polarizada nas
redes sociais cresceu durante a necessidade de interações sobre a produção de conteúdos
anticorrupção após as diversas inclusões da Operação Lava Jato.
A semente permaneceu durante todo o governo bolsonarista. Havia uma
necessidade de manutenção dessa polarização para sustentar a máquina de apoio no
ambiente digital. Com o surgimento e popularização do aplicativo Tik Tok no Brasil
essas pessoas migraram para o novo espaço. Era necessário dominar e “colonizar”5 na
tentativa de conquistar mais público para a causa da extrema direita no Brasil.
Esse é um movimento que acompanhou tendências mundiais. Weinmann e Masri
(2021) alertam que o Tik Tok é um plataforma com ambiente propício para
compartilhamento de discursos de ódio. O público jovem e uma estrutura mais
transitória de consumo, aliado a um algorítimo personalista permitem que o usuário
construa uma rede de ódio, mobilizando-se na radicalização do discurso. Características
que são facilmente observadas nos comentários das postagens do perfil da TV Jovem
Pan News.
Criado em 27 de outubro de 2021, o canal possui uma programação jornalística
diária e 24h. O projeto foi iniciado em abril de 2021, com o objetivo de ampliar o
conteúdo multiplataforma da rádio homônima. Durante o pouco período em que está no
ar, a emissora coleciona escândalos e acusações de desinformação, antissemitismo e
jornalismo com forte alinhamento político a direita. O perfil no Tiktok6 detém 1.4
milhões de seguidores e 13.4 milhões de likes7. A maior parte das postagens tem trechos
da programação de entre 1 e 10 minutos.
Durante o período de análise, podemos identificar uma relação de simbiose entre
os apoiadores e as publicações sobre política da JPNews. Como apontado por Júnior
(2016), o canal fechado promove uma constante de alimentação do fandom com
matérias relativas a JB e a realização de comparativos entre o atual governo e o governo

5
Destaco que esse não é o termo certo. Como falado na aula de Comunicação Midiática, a
palavra remete a incursões europeias na América, Ásia e Oceania, os males de destruição
causados por essas ações e a diminuição de culturas. Entretanto, uso essa palavra como
sinônimo de ocupação de um espaço ainda novo para a sociedade.
6
https://www.tiktok.com/@jovempannews?lang=en
7
Dados coletados no dia 19 de ago. 2023.
passado. Aliado a isso, o exemplo abaixo (Foto 2) revela a prática do compartilhamento
de desinformação, permitindo a construção de um imaginário que é reforçado pelos
comentários positivos ao ex-presidente.

Foto 1: Postagem comparativa entre Governo Lula 3 e JB

Fonte: @jovempannews, 2023.

Percebe-se que a maioria desses comparativos são desinformantes. Wardle e


Derakhshan (2018) analisam que a maior parte do discurso que engloba “Fake News”
pode ser dividido entre duas noções: misinformation e desinformação. A primeira é uma
informação falsa que a pessoa acredita ser verdade. Já a segunda é uma informação falsa
que é disseminada com consentimento. Há um terceiro conceito que deve ser abordado.
“A third category could be termed mal-information; information that is based on reality,
but used to inflict harm on a person, organization or country” (Wardle e Derakhshan,
2018, p. 44). As classificações desse tipo de produção são informações com conexões
falsas, contexto falso, conteúdo imposto, manipulação, conteúdo fabricado, discurso de
ódio, assédio, vazamentos e conteúdos errôneos.
No exemplo acima percebe-se o compartilhamento de uma informação com
contexto falso. Como apontado pelo Anuário de Segurança Pública de 2023, houve uma
redução no número de homicídios durante o governo Bolsonaro, mas que não está
diretamente ligado ao crescimento do armamento populacional. Especialistas afirmam
que o que influenciou a queda foi o envelhecimento da população, profissionalização do
tráfico e o combate efetivo das polícias militares estaduais8. Para o relatório Armas de
Fogo e Homicídios no Brasil, o aumento da população armada está diretamente
relacionado ao aumento do número de mortes em decorrência de latrocínio9.

“A maior difusão de armas está associada ao aumento de


latrocínios. A cada 1% de crescimento nas armas, a taxa de
latrocínio aumenta 1,2%, num efeito cuja magnitude percentual
é ainda maior do que a observada para o caso dos homicídios”
(FSPB, 2022, p. 21)
Essas postagens embalam uma constante de perfis que comentam em todos os
posts da emissora. Em uma média, eles garantem a empresa cerca de 150 comentários
por postagens. Como abordado anteriormente, essa atitude favorece o crescimento de
uma bolha entre os usuários. A cada comentário, a IA aprende os gostos pessoais e
políticos dos perfis, passando a entregar conteúdos similares em um feed único e
pessoal. Aliado a isso, as hashtags permitem que o conteúdo seja acessado por
seguidores favoráveis ao ex-presidente. No caso do exemplo acima podemos ver:
#governo e #bolsonaro
Cabe compreender qual o rosto do fandom político presente nesse espaço de
comentários. A maior parte é formada por perfis aparentemente de pessoas entre as
idades de 30 a 60. Nas reduções de imagens é possível ver selfies em plano fechado
alternando em ângulo normal, plongée ou contra-plongée. Em especial, há uma grande
quantidade de pessoas que usam imagens da bandeira do Brasil nesse espaço de
identificação. A maioria aparece em plano detalhe do símbolo em movimento, com
brilhos e muitas vezes amarelado.

8
Ver a publicação: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56075863
9
Roubo seguido de morte
Foto 2: A Face bolsonarista nos comentários

Fonte: @jovempannews, 2023.

Destaco que outros perfis ainda usam montagens com o logo da campanha de
Jair Messias Bolsonaro em 2022, ou máscaras com a bandeira do Brasil. Entretanto,
essa é uma pequena quantidade de pessoas. Vale lembrar que a pesquisa está sendo
realizada durante o primeiro semestre de 2023, após a explosão de escândalos
envolvendo o ex-presidente em desvio de dinheiro público, posse de patrimônio público
e tentativa de invasão às urnas eleitorais. Essas polêmicas estão afetando diretamente a
popularidade do peelista, minando a base de apoio.
Entretanto, muitos ainda continuam fiéis a Jair Messias Bolsonaro. O perfil
@suelyfarias49710 chamou minha atenção devido ao logo de campanha à reeleição do
ex-presidente. Ao clicar no hiperlink podemos perceber uma série de publicações
críticas ao petismo, ao atual presidente (Lula da Silva) e montagens com uso de
símbolos nacionais, como as cores verde e amarelo. Em especial, há uma postagem com
a gravação de uma televisão sintonizada no canal da Jovem Pan News fazendo uma
crítica direta à ex-presidente Dilma Rousseff.

10
https://www.tiktok.com/@mariasuelyfarias4?lang=en
Foto 3: Comentários na postagem do Piotto sobre o depoimento do Hacker Delgatti.

Fonte: @jovempannews, 2023.

Foto 4: Construção de uma narrativa alarmista


Fonte: @jovempannews, 2023.

Foto 5: Comentário Desinformação COVID-19

Fonte: @jovempannews, 2023.

Voltando aos comentários na página da JPNews podemos ver cinco tipos de


interação: cunho religioso, antipetistas, construção de narrativa alarmista em relação ao
país e compartilhamento de desinformação. Aliado a isso, podemos ver a produção de
deslegitimação de todas as acusações contrárias ao ex-presidente. Atuando como
advogados, justificam e minimizam atitudes condenáveis, constroem teorias da
conspiração envolvendo o PT. Por fim, usam da religião para pedir orações à família dos
acusados de desviar presentes do Estado.

5. CONCLUSÃO
Precursor de um movimento, o Tik Tok é uma aplicação que vem crescendo no
Brasil e no mundo. Com tamanho crescimento, o jornalismo tende a se adaptar à nova
realidade, produzindo produtos com características específicas as modificações
impostas pelas constantes mudanças das mídias digitais. Afetando diretamente a
democracia, construímos uma nova forma de política e comunicação, baseadas nas
relações transitórias e personalistas das plataformas.
Com análise, podemos perceber que a atuação do fandom político de JB é
importante na promoção de uma agenda favorável. Alimentado pelo jornalismo 24h da
JPNews, eles constroem um mundo personalizado montando ideais e clamando reunião,
a partir de discursos de ódio contra o petismo, programas sociais e as minorias.
Comentar é uma forma de legitimar esses ideais reacionários, partilhando com os iguais
os mesmos sentimentos.
Dados revelam que a maior parte das pessoas que usam o aplicativo TIk Tok são
jovens entre os 13 e 30 anos. Como levantamento, podemos perceber que essas pessoas
estão expostas ao discurso reacionário da extrema direita no Brasil. Nesse sentido, cabe
a plataforma criar mecanismos para impedir que esses grupos de espalhem gerando
impactos diretos em democracias ao redor do mundo.

REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-news-report/2023>. Acesso em
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Chu, Shu-Chan; Deng, Tao; Mundel, Juan. The impact of personalization on viral behavior
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<https://doi.org/10.1080/13527266.2022.2098364>. Acesso em 26 jul 2023.

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