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organizador

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SABERES


CURRICULARES:
experiências, desafios e conquistas 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

P925 Práticas pedagógicas e saberes curriculares: experiências, desa-


1.ed. fios e conquistas [recurso eletrônico] / [org.] Cleber Bianchessi. –
1.ed. – Curitiba, PR: Bagai, 2020.
Recurso digital.

Formato: e-book
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN: 978-65-87204-81-9

1. Educação e tecnologias. 2. Ensino e aprendizagem. 3.


Práticas pedagógicas. 4. Saberes curriculares. I. Bianchessi, Cleber.
CDD 371.71
11-2020/33 CDU 37.07
Índice para catálogo sistemático:
1. Educação e tecnologia: Práticas pedagógicas
2. Ensino e aprendizagem: Saberes curriculares

https://doi.org/ 10.37008/978-65-87204-81-9.18.11.20
Cleber Bianchessi
(organizador)

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SABERES


CURRICULARES:
experiências, desafios e conquistas 
1.ª Edição - Copyright© 2020 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Bagai.

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respectivo(s) autor(es). As normas ortográficas, questões gramaticais, sistema de
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Dra. Sueli da Silva Aquino - FIPAR
Dr. Tiago Eurico de Lacerda – UTFPR
Dr. Tiago Tendai Chingore - UNILICUNGO - MOÇAMBIQUE
Dr. Willian Douglas Guilherme – UFT
Dr. Yoisell López Bestard- SEDUCRS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................7

A “PAIDEIA CRISTÔ DO MEDIEVO: EXPERIÊNCIA[S] CRISTÃ[S] DE


DEUS, IDEIAS E INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS................................11
Everaldo dos Santos Mendes

O ENSINO DA METODOLOGIA ATIVA NA APRENDIZAGEM


VISIVEL EM RELAÇÃO AO PROFESSOR-ALUNO NA SALA DE
AULA....................................................................................................28
Luís Fernando Ferreira de Araújo
Ana Cláudia Maciel de Moraes
Rose Mary Messias

CONTEXTO ATUAL DO ENSINO REMOTO EM TEMPOS DE


COVID-19: UM ESTUDO DE CASO COM ESTUDANTES DO
ENSINO TÉCNICO.............................................................................40
Maria Antunizia Gomes
Eduardo Paulo Almeida de Sant’Anna
Harine Matos Maciel

A IMPORTÂNCIA DO PRÉ-TESTE NA PRODUÇÃO DE JOGOS -


RELATO DE EXPERIÊNCIA..............................................................54
Rafael Cavalcante Timbó Medeiros
Gisele Simone Lopes
Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

DIMENSÕES SOCIAIS, AFETIVAS E DE APRENDIZAGEM:


REPENSANDO COMPORTAMENTOS EM UM REFEITÓRIO
INFANTIL............................................................................................65
Lucas Collito

COMPREENDENDO O PROCESSO DA AVALIAÇÃO DA


APRENDIZAGEM ESCOLAR............................................................ 76
Maria das Vitórias Silva do Nascimento

MOBILE LEARNING NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO..............85


Gabriel Pinheiro Compto
Higson do Nascimento Vaz
Renan Pinheiro de Oliveira
OS DISPOSITIVOS MÓVEIS COMO FERRAMENTA
EDUCACIONAL: UM ESTUDO JUNTO À UMA INSTITUIÇÃO DE
ENSINO PROFISSIONALIZANTE....................................................98
Reni Aparecido Norberto Pinto
Paulo César Cedran

OS MÚLTIPLOS SABERES EM INTERAÇÃO NA CONSTRUÇÃO


DO CURRÍCULO................................................................................ 113
Maria de Lourdes Teixeira Barros

POR UMA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: REFLEXÕES SOBRE


AS FERRAMENTAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO........................... 126
Wesley Pinto Hoffmann
Raquel Aparecida Loss
Betiza Gonçalves Scortegagna
Claudineia Aparecida Queli Geraldi

TECNOLOGIAS DIGITAIS, MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E PRÁXIS


EDUCATIVA NA CULTURA DIGITAL............................................ 135
Anderson dos Santos Carneiro
Úrsula Cunha Anecleto
Maria Jeane Souza de Jesus Silva

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E O USO DE TECNOLOGIAS DIGI-


TAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: UM OLHAR PARA A
UNIVERSIDADE DE MINERVA.......................................................148
Bruno Massinhan
Maria Alzira Leite

EVARISTO E O QUIMBALAUE – OLHOS DÁGUA E MÃOS DE


VENTO: POR UMA ESCREVIVÊNCIA DO CORPO ................. 163
Denise Bussoletti
Thalita Moreira

AS MISSÕES JESUÍTICAS E A HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA


INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA
NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ..............................179
Pollyana Cristina Alves Cardoso
Laíse Vieira Gonçalves
Antônio Fernandes Nascimento Junior

SOBRE O ORGANIZADOR ............................................................. 190


APRESENTAÇÃO

A obra PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SABERES CURRICULARES:


experiências, desafios e conquistas, em sua constituição e percurso,
possibilita analisar saberes docentes e discentes presentes no currículo
escolar e que permeiam o trabalho pedagógico. O interesse por esta obra
surge a partir das diferentes experiências desde a formação inicial até
o exercício do magistério pelos docentes e nos vários momentos que
constitui a aprendizagem do aluno em contextos diversos de ensino.
Assim, é possível perceber nos capítulos a seguir que as práticas
pedagógicas exigem e se constituem por diversos saberes em múltiplos
contextos. Podem ser observados nos relatos de experiências e descrição
das práticas pedagógicas nas diversas áreas do conhecimento como no
uso das tecnologias digitais presentes na educação, experiências na EaD,
discussões sobre a prática docente e o processo de formação inicial e
continuada dos professores no cotidiano do trabalho escolar. Também
é possível destacar as investigações que compreendem os processos
formativos discentes e docentes que se dão no cotidiano escolar por
meio de observações, pesquisa de campo, análises de documentos, entre
outros. Destacam-se narrativas das atividades desenvolvidas no espaço
da sala de aula ou fora dela que se apresentam como campo de diálogo
das dimensões teoria e prática revelando e expressando a constituição
dos saberes curriculares.
A obra inicia com uma reflexão da “paideia cristã”, com prioridade
em experiência[s] cristã[s] de Deus, ideias e instituições educacionais
do Medievo. Por meio da pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico
o autor reúne saberes de pensadores medievais e os conhecimentos
político-pedagógicos produzidos nos últimos dias da humanidade. O
texto apresenta que no Medievo, o cenário educacional formal até o
século XII — antes do surgimento da universidade [século XIII] — era
composto por quatro tipos de instituições educacionais: monacais, paro-
quiais [presbiterais], catedralícias [episcopais] e palatinas [palacianas].

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Cleber Bianchessi (org.)

O segundo capítulo apresenta uma nova figura de professor com


suas ferramentas de trabalho, os equipamentos mais sofisticados da área
de tecnologia auxiliar, no seu empenho em ensinar com dinamismo
e criatividade. Neste sentido, o objetivo da aula com a utilização da
metodologia ativa permite conquistar os alunos por meio da interati-
vidade no exercício de ensino e aprendizagem, bem como apresentar
um plano de trabalho que assegure mudanças na maneira de ensinar.
Um estudo de caso com estudantes do Ensino técnico é apresen-
tado no terceiro capítulo com objetivo de analisar o impacto do ensino
remoto que ganha destaque em período pandêmico da Covid-19.
Procurou-se demonstrar, no quarto capítulo, a importância da
validação de um instrumento didático que possibilite ao professor apli-
car estratégias para a estruturação do significado e do conhecimento a
partir de um bom planejamento para efetivar o objetivo educacional.
No quinto capítulo ocorre uma narrativa que contribui de forma
sucinta a reflexão do papel da escola e do professor e sua ação de ensi-
nar-educando, uma vez que sem os conhecimentos bases que auxiliem
no caminhar da interpretação de mundo não há verdadeira educação.
Discutir as possibilidades de se repensar a avaliação da apren-
dizagem escolar numa perspectiva progressista é a proposta do sexto
capítulo para que o aluno possa ser valorizado em todos os aspectos e
não apenas no cognitivo.
O sétimo capítulo apresenta uma visão tecnológica na esfera do
ensino médio integrado com intuito de despertar em alunos e professores
o desejo de imergir nessa nova perspectiva da tecnologia e pedagógica,
objetivando primordialmente a qualidade de ensino e a formação do
ser pensante, independente e crítico da sua realidade.
O oitavo capítulo destaca a implantação do ambiente de aprendiza-
gem Modular Object- Oriented Distance Learning (Moodle) em dispositivos
móveis para subsidiar os conteúdos educacionais desenvolvidos pelos
professores de um curso de técnico com vistas à melhoria do nível de
interesse e aprendizagem dos alunos, sob a ótica dos professores. Além
disso, apresenta a disponibilidade das tecnologias diante da infraes-

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Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

trutura da escola e analisa a visão docente sobre o uso dos dispositivos


móveis como material de ensino, num processo de integração dessas
tecnologias ao aprendizado.
Ao tratar da recontextualização das políticas educacionais,
incluindo especialmente a questão curricular no cotidiano escolar, o
nono capítulo destaca-se ao considerar que os profissionais que atuam
nas escolas não estão excluídos da política oficialmente proposta, pois
sua ação no nível local a torna sujeita à interpretação e recriação.
O objetivo do décimo capítulo é analisar possibilidades de inserção
tecnológica na promoção da autonomia, tendo em vista que reconhecer
e manejar diferentes dispositivos e sistemas tecnológicos se tornou um
requisito para inserção social.
O décimo primeiro capítulo tem por objetivo discutir a importância
da práxis e da mediação pedagógica como constructos para a produção
colaborativa de conhecimento por meio das tecnologias digitais no
espaço escolar, oportunizando a construção da inteligência coletiva.
Objetiva-se, no décimo segundo capítulo, discutir sobre o con-
ceito de prática pedagógica, e ainda, oportunizar uma reflexão sobre
as estratégias de ensino de uma determinada instituição educacional.
O que se pretende no décimo terceiro capítulo é apresentar parte
dos nossos esforços no sentido da busca por uma escrita do corpo. Uma
escrita alegórica que para fins deste capítulo (e os seus limites), se apre-
senta e reconhece na perspectiva de uma escrita que se mostra por meio
do encontro entre duas mulheres - Conceição Evaristo e Oquimbalauê.
Para finalizar a obra, o décimo quarto capítulo tem como obje-
tivo analisar as contribuições do ensino das missões jesuíticas para a
formação inicial de professores.
Desse modo, em diversas partes desta obra que se destaca pela
execução das práticas pedagógicas, mantém constante diálogo com a
versatilidade dos saberes curriculares e experienciais nas diferentes
formas de manifestação não se configurando desconectadas de um
todo ou de modo avulso. Estão presentes a descrição de experiências e
análise curricular da modalidade presencial e a distância, sobre suas
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Cleber Bianchessi (org.)

práticas educativas ao incorporar novos saberes e fazeres. Discute-se as


possibilidades teóricas e saberes curriculares provenientes da articula-
ção das categorias de análise “saber docente” e “conhecimento escolar”
por meio de saberes que englobam conhecimentos, competências,
habilidades ou aptidões e atitudes, ou seja, o saber, o saber fazer e o
saber-ser a partir de vários saberes, provenientes de diferentes fontes:
saberes pessoais e/ou profissionais, saberes disciplinares, saberes da
experiência e pedagógicos em especial os curriculares que correspon-
dem à seleção e organização dos saberes produzidos pelas ciências, que
se transformam nos programas escolares constituídos com a interação
dos sujeitos pela ação pedagógica.
Boa leitura.

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A “PAIDEIA CRISTÔ DO MEDIEVO:
EXPERIÊNCIA[S] CRISTÃ[S] DE DEUS, IDEIAS E
INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS

Everaldo dos Santos Mendes1

INTRODUÇÃO

No princípio era o Verbo [λόγος]


e o Verbo [λόγος] estava com Deus
e o Verbo [λόγος] era Deus.
No princípio ele estava com Deus.
[...]
E o Verbo [λόγος] se fez carne,
e habitou entre nós;
e nós vimos a sua glória,
glória que ele tem junto ao Pai
como Filho único,
cheio de graça e de verdade [Jo 1: 1-2, 14].
Tudo começa na palavra. Desde a criação das coisas
e dos seres. E nós nos distinguimos pelo uso que
dela fazemos. O homem é a sua linguagem. Pala-
vras aproximam ou separam. Por palavras, senso e
sensibilidade se medem, definem e estimulam. O
próprio pensamento é a palavra escondida [ROSA,
1999, p. 85].
Historicamente, o ser humano — quer que o afirme expressa-
mente, deixe de afirmá-lo, reprima esta verdade ou a deixe aflorar
à superfície — encontrar-se-á exposto a um “Mistério Sagrado”, que

1 
Pós-doutorando e Doutor em Teologia: Teologia Sistemático-pastoral pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio. Doutorando do Programa de Pós-
-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais — PUC
Minas. Reitor do Instituto Edith Theresa Hedwing Stein — ISTEIN. Docente da Faculdade
de Santa Cruz da Bahia—FSC. E-mail: ies.istein@gmail.com.

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Cleber Bianchessi (org.)

constitui o sentido último da existência humana. Do ponto de vista feno-


menológico-existencial, sinto — empaticamente — que este “Mistério”
é o mais primitivo-evidente, mas o mais oculto e ignorado: um “Mis-
tério” que se diz enquanto guarda silêncio; que “está aí” enquanto que
ausente reduz as fronteiras humanas. Todo este desvelamento [do ser]
porque — como horizonte inexprimível-inexpressado — este “Misté-
rio” abrange e sustenta o pequeno círculo da experiência cotidiana,
cognitiva e ativa, o conhecimento da realidade e o ato da liberdade.
No dizer de Karl Rahner, “[...] este mistério único pode plenamente
fazer-se entender pelo homem [ser humano], caso este se entenda a si
mesmo como alguém que está orientado e remetido ao mistério a que
chamamos Deus” [RAHNER, 2008, pp. 23-24].
No século XXI, época de continuidade do cortejo de remoção do
“cadáver de Deus” [LIMA VAZ, 1976, p. 74] — uma empresa que outrora
tomaram para si os grandes mestres da cultura pós-teísta: Karl Marx,
Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud [LIMA VAZ, 1976] e Ludwig Feuer-
bach [MENDES, 2020] —, a “paideia cristã” [JAEGER, 1994] indica-me que
os mestres do Medievo — “místicos de olhos abertos” [METZ, 2013] para
o saber — fundamentavam as suas rigorosas pesquisas e práticas peda-
gógicas na experiência cristã de Deus: “[...] a experiência da presença
do Sentido radical numa existência historicamente dada, a existência
de Jesus, e na palavra da Revelação que é totalmente condicionada por
essa existência histórica na medida em que dela procede e a ela se refere
[LIMA VAZ, 1976, p. 86].
Nas palavras de Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, S. J.:
A experiência cristã de Deus é, portanto, a expe-
riência da fé em Jesus Cristo como objetivo de
fé [credo in Dominum nostrum Iesum Christum] é,
rigorosamente, teo-logizar. É traduzir na nossa
linguagem e no nosso discurso a presença de Deus
em Jesus Cristo [...] [LIMA VAZ, 1976, p. 88].

No trecho acima, identifico que a experiência cristã de Deus se


desenvolve no terreno da linguagem — da lógica — da Encarnação, cujo
sentido pleno se manifesta na Ressurreição. Trata-se de uma experiência

12
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

essencial de fé — e não de uma experiência religiosa como experiência


de sagrado [LIMA VAZ, 1976].
Magistralmente, João Décio Passos reflete que a história do Oci-
dente cristão é um percurso escolar desde que se constituiu como fé e
cultura cristã: “paideia cristã”. No seu delineamento histórico, a formação
do cidadão cristão mereceu vários projetos educacionais e produziu
métodos e sistemas teóricos, culminando na instituição sólida que veio a
ser a instituição universitária [PASSOS, 2016]. Político-pedagogicamente,
o cristianismo desvelou-se — desde as suas origens — como um caminho
de vida plena nas sendas de um Mestre, cujos ensinamentos deviam
ser assimilados no seio da comunidade de modo teórico-prático: “[...]
‘Vai, e também tu, faze o mesmo’” [Lc 10, 37].
Nos primeiros séculos da Era Cristã, apesar de ter prevalecido o
elemento prático, dever-se-ia compreender a doutrina, sobretudo, por
estar catalogada em fontes escritas. De início, as do Antigo Testamento.
Por conseguinte, as do Novo Testamento. Na verdade, o cristianismo
formou-se sobre um duplo caldo cultural: judaísmo e helenismo, que
tinham na escrita o mecanismo central de conservação e transmissão
de seus significados [PASSOS, 2016].
Nas suas origens, as comunidades dos cristãos formavam uma
rede crescente, cuja unidade e fundamentos eram tecidos pela media-
ção escrita: esta mediação instituiu o cristianismo como conjunto de
significados religiosos, como organização de poder religioso e reprodu-
ção político-pedagógica. Fundamentalmente, as instituições escolares
medievais reproduziram os rudimentos da transmissão cristã, retirando
dos textos clássicos gregos e judaico-cristãos os elementos essenciais
para as práticas de letramento e alfabetização, bem como para os estu-
dos especializados. Paulatinamente, do encontro entre os dois sistemas
culturais, as escolas cristãs produziram pesquisas, práticas e inovações
pedagógicas. No mundo ocidental cristão, a instituição universitária foi
a última grande invenção escolar oriunda desse encontro e, posterior-
mente, não se pode negar — de modo honesto — toda a cultura científica
que se produziu em inúmeras sequências e sistemas [PASSOS, 2016].

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Cleber Bianchessi (org.)

Partindo do exposto, debrucei-me sobre uma reflexão — radical,


rigorosa e de conjunto [SAVIANI, 1980] — da “paideia cristã”, com prio-
ridade em experiência[s] cristã[s] de Deus, ideias e instituições educa-
cionais do Medievo. Na metodologia, optei por realizar uma pesquisa
qualitativa de caráter bibliográfico, que reuniu saberes de pensadores
medievais e os conhecimentos político-pedagógicos produzidos nos
últimos dias da humanidade. Para tanto, segui as orientações de Gra-
ciliano Ramos:
Deve-se escrever da mesma maneira como as
lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas
começam com uma primeira lavada, molham a
roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem
o pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas
vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada,
agora jogando a água com a mão. Batem o pano na
laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e
mais outra, torcem até não pingar do pano uma
só gota. Somente depois de feito tudo isso é que
elas dependuram a roupa lavada na corda ou no
varal, para secar. Pois quem se mete a escrever
devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita
para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra
foi feita para dizer [RAMOS, 2020, s/p.].

No Medievo, o cenário educacional formal até o século XII — antes


do surgimento da universidade [século XIII] — era composto por quatro
tipos de instituições educacionais: monacais, paroquiais [presbiterais],
catedralícias [episcopais] e palatinas [palacianas]. No século XIV, sur-
giram as escolas dos Irmãos da Vida Comum, impregnadas do espírito
da devotio moderna [ULLMANN, 2000].

AS ESCOLAS MONACAIS

[...]

Ai, palavras, ai, palavras


Íeis pela estrada afora,

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Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Erguendo asas muito incertas,


Entre verdade e galhofa,
Desejos do tempo inquieto,
Promessas que o mundo sopra [...] [MEIRELES,
1989, p. 183].

No século IV, origina-se no Oriente um tipo de escola cristã: a escola


monacal, voltada para a vida religiosa dos florescentes educandários dos
séculos posteriores. Na quarta centúria, os padres do deserto egípcio
acolhiam meninos e adolescentes para educá-los na ascese e na virtude,
sob a direção de um venerável ancião. Pedagogicamente, incutiam-lhes
uma formação mais espiritual do que intelectual [ULLMANN, 2000].
São Pacômio [292-342] e Santo Antônio de Tebas [251-356] — exí-
mios educadores — eram ferrenhos opositores do orgulho intelectual dos
gnósticos. Pacômio insistia em que seus discípulos soubessem de cor a
Sagrada Escritura, como fonte de alimento espiritual [ULLMANN, 2000].
São Basílio [330-379] — organizador do cenobitismo oriental
— admitia nos seus mosteiros meninos de tenra idade, devidamente
apresentados pelos pais. No cotidiano do mosteiro, um monge provecto
ensinava-os a ler e escrever, com vistas à leitura da Sagrada Escritura
[ULLMANN, 2000].
São Jerônimo [347-419] dedicou-se à formação ascética de rapazes,
excluindo inicialmente por inteiro as letras e artes profanas. Primeira-
mente, excluía por inteiro as letras e as artes profanas. No seu programa
de ensino, a Sagrada Escritura e o Santos Padres constituíam o único
objeto de estudos. Posteriormente, passou a ensinar gramática, poetas
latinos e historiadores romanos. No ano de 451, o Concílio de Calcedônia
proibiu — formalmente — os mosteiros de acolherem alunos leigos, por
perturbarem a paz e o recolhimento dos noviços [ULLMANN, 2000].
No Ocidente, a preocupação monástica não está centrada apenas
na ascese, mas também na cultura. Santo Agostinho [354-430] introduziu
a vida monacal na África [Tagaste], onde fundou um pequeno seminário
para a formação de sacerdotes. Na Gália [Marmoutier], os monges de
São Martinho fundaram um mosteiro, onde jovens frades dedicavam-se

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Cleber Bianchessi (org.)

à tarefa de copiar manuscritos. Na Europa insular, São Patrício [+465]


erigiu o Mosteiro de Armagh [Irlanda], o qual se converteu em centro
de cultura e difusão religiosa [ULLMANN, 2000].
São Bento [480-543] — pai dos monges do Ocidente — é o verda-
deiro fundador das escolas monásticas ocidentais, em sentido estrito.
No monacato beneditino, deparei-me com três focos de irradiação: a
Itália, a França e a Irlanda [ULLMANN, 2000].
[...] A primeira, por ser o berço da Ordem, com
o célebre mosteiro de Monte Cassino; a última,
chamada, por antonomásia, insula doctorum, “ilha
dos santos” ou “lâmpada do Norte”, porque ali mis-
sionaram e, ao mesmo tempo, se dedicaram ao
cultivo do latim e do grego, nos mosteiros de Clonar,
Bangor e Armagh [...] [ULLMANN, 2000, pp. 34-35].

Na França, tornou-se famosa a Abadia de Cluny — erigida no ano


de 910 —, que serviu de modelo à fundação de outras abadias beneditinas.
Havia em cada Mosteiro de São Bento uma biblioteca e um scriptorium
[sala de copistas], onde os monges reproduziam textos antigos. Harmo-
nizavam sua divisa — ora et labora — com trabalho manual, intelectual
e oração [ULLMANN, 2000].
Nos séculos XII e XIII, com o início da grande reforma da vida
monástica provocada pelos monges de Cluny e cistercienses, cobri-
ram-se de mosteiros a França, a Alemanha, a Itália, a Espanha e a
Hungria, tendo aos seus cuidados instituições escolares para a educa-
ção literária e religiosa dos formandos [rapazes]. No Mosteiro de São
Bento, distinguem-se duas seções escolares: a] schola interior claustri,
reservada aos monges e aos meninos candidatos à vida monacal [pueri
oblati]; b] schola exterior, dirigida a leigos — escolhidos dos arredores do
mosteiro — particularmente dentre os que mostravam remoto desejo
de abraçarem o sacerdócio [ULLMANN, 2000].
Na Idade Média, as instituições escolares monacais e os mosteiros
não viviam isolados. Para além da troca epistolar, mantinham intercâm-
bio de códices, os quais eram copiados, para fins de enriquecimento dos
tesouros das bibliotecas. Historicamente, muitas obras foram salvas,

16
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

que — sem o labor persistente dos monges — poderiam ter desaparecido


para sempre do acervo cultural do Ocidente. Na verdade, “[...] graças a
eles sobreviveram as humanidades clássicas” [ULLMANN, 2000, p. 37].
No monacato ocidental, insere-se nesses saberes a elaboração
acadêmico-intelectual que ocorria na escola monástica da Ordem Cis-
terciense: a instituição educacional que inicia o movimento místico do
século XII [MENDES, 2016].
Bernardo de Claraval [1090-1153],

[...] de origem rural, continuou sendo um feudal e,


acima de tudo, um militar; é mal talhado para com-
preender a intelligentsia urbana. Contra o infiel ou o
herético, vê somente um recurso: a força. Defensor
da cruzada armada, não acredita na cruzada intelec-
tual. Quando Pedro, o Venerável, lhe pede para ler
a tradução do Corão, a fim de replicar por escrito a
Maomé, ele não responde. Na solidão do claustro,
mergulha na meditação mística — que eleva ao
máximo —, seu modo de reentrar no mundo como
justiceiro. Apóstolo da vida reclusa, está pronto a
combater as inovações que lhe pareçam perigosas.
Durante os últimos anos de sua vida, praticamente
governou a Cristandade, ditando ordens ao papa,
aprovando a criação de Ordens Militares, sonhando
em fazer do Ocidente uma cavalaria ou a milícia
de Cristo: um grande inquisidor antes do tempo
[LE GOFF, 1995, p. 45].
Na busca da verdade, Bernardo de Claraval insiste que a primeira
atitude exigida do monge cisterciense é a humildade, pois a curiosidade
— de modo contrário — leva à vaidade e distancia o intelecto da verdade.
Nos Sermões dos Cânticos dos Cânticos, reflete sobre a vaidade que
pode nascer naqueles filósofos que esquecem da obediência ao conteúdo
da doutrina e da Sagrada Escritura:
É verdade que ouvimos alguma vez alguém que professa a religião
se vangloriar descaradamente de suas culpas passadas, como se houvesse
sustentado uma luta ou ter vencido seus opositores em alguma disputa
famosa ou coisas semelhantes, que a vaidade do mundo estima muito,
embora sejam muito nocivas, prejudiciais e perigosas para a salvação
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Cleber Bianchessi (org.)

da alma. Com esta linguagem demonstram ter o espírito do século, a


roupa humilde que vestem não provam a renovação do seu viver, sendo
apenas uma capa que cobre seus antigos desarranjos [BERNARDO DE
CLARAVAL, SC,16, 9].
Nos escritos de Bernardo de Claraval, não identifiquei uma pos-
tura contrária à ciência, mas um repúdio àqueles que a buscam como
fim último. Para o Doutor Melífluo, o conhecimento só é pleno quando a
pessoa humana, além do mesmo, possui a sabedoria: o sentimento que
faz a mente plena de desejo e disposição para executar ações sábias.
Na vida acadêmico-intelectual, essa sabedoria nasce do temor de Deus:
da união, por meio do amor, àquele que é fonte de todo conhecimento.
Por esta via, sem a sabedoria que vem do temor de Deus, os homens
podem ser eruditos, mas não sábios. Bernardo de Claraval sustenta,
então, o elemento essencial do monacato: o princípio da fé supera a
ciência [LECLERCQ, 2002].

AS ESCOLAS PAROQUIAIS [PRESBITERAIS]

No Ocidente, mais ou menos a partir do século VI, passaram a


existir em toda a Igreja paróquias rurais. Nas palavras de Walter Kasper,
o conceito de “paróquia” [parochia], que se instituiu para isso, originaria-
mente, significa: “[...] viver no estrangeiro, viver num lugar sem direito
de cidadania [...]” [KASPER, 2012, p. 350]. Na fé e cultura ocidental, a
paróquia tornou-se o espaço vital normal do cristão [KASPER, 2012].
Por determinação do II Concílio de Vaison [529], todos os párocos
rurais eram obrigados a receber meninos em suas casas canônicas,
para fins de educá-los — na perspectiva político-pedagógica cristã — e
ensinar-lhes a Sagrada Escritura e os Salmos, com o objetivo de serem
dignos sucessores no trabalho paroquial. Este é o lídimo atestado de
nascimento das escolas populares rurais [DANIÉLOU; MARROU, 1966].
No século VI, essa prática já estava em vigor na Itália. Nas escolas
paroquiais, a educação no campo estendeu-se — paulatinamente — aos
meninos sem vocação para o sacerdócio [formação de leigos]. Os nobres
enviavam seus filhos a essas instituições escolares, com fins de torná-

18
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

-los servidores úteis na administração paroquial temporal. Na prática


político-pedagógica, vi que não se distinguia a formação dos leigos da
formação dos seminaristas: escrever, ler, contar, conhecer a Sagrada
Escritura, decorar os Salmos, erudição doutrinal canônica e litúrgica.
Nas instituições educacionais dos presbíteros, o único livro digno de
ser lido era a Sagrada Escritura [ULLMANN, 2000].

AS ESCOLAS CATEDRALÍCIAS [EPISCOPAIS]

No século XII, com o renascimento urbano, as escolas monacais


do campo — típicas do agrarismo medieval — perdem a licença, a qual
passa às escolas catedralícias [episcopais], existentes desde o século VI.
Na Idade Média, as instituições educacionais catedralícias situadas junto
às sedes episcopais, destinavam-se à formação de padres [MENDES, 2016].
Por volta de 750, Santo Crodegango criou os espaços formais,
situados junto às cátedras dos bispos, destinados à formação de sacer-
dotes. Sob a dependência do bispo, essas instituições de ensino eram
dirigidas por um scholasticus [professor] — magister scholae, grammaticus
ou didascalus. Não obstante, abriam suas portas aos leigos, com a schola
exterior. Na verdade, a formação dos presbíteros nessas escolas era
muito precária [MENDES, 2016].
São Cesário [470-543] somente ordenava diácono o candidato que
tivesse lido quatro vezes o Antigo Testamento [MARROU, 1948].
No século XII, as instituições educacionais catedralícias — diri-
gidas por um scholasticus [magister scholae], sob a dependência do bispo
— atingiram o seu ponto culminante e constituíram a antessala de parto
da universidade. No acontecer — e tecer — da história da humanidade,
as instituições universitárias originaram-se nas escolas catedralícias, o
que não significa negar a contribuição das escolas monásticas — bene-
ditinas e cistercienses — na construção dos pilares da universidade
[ULLMANN, 2000].
Nos seus currículos, as instituições educacionais catedralícias
catalisam toda tradição escolar anterior e os novos desafios culturais

19
Cleber Bianchessi (org.)

do mundo urbano, organizando uma prática curricular que precede


àquela desenvolvida nas universidades [PASSOS, 2016].
Na história da cultura ocidental, os intelectuais do século XII
têm o sentimento vivo de construir o novo, de serem homens novos.
Modernos, eis o que eles são e sabem ser: modernos que não contestam
absolutamente os antigos. Pelo contrário, imita-os e nutrem-se deles –
apoiam-se em seus ombros [LE GOFF, 1995].

AS ESCOLAS PALATINAS [PALACIANAS]

No Medievo, as escolas palatinas [do palácio] — localizadas junto às


cortes — destinavam-se à formação dos filhos dos nobres. Existiam antes
de Carlos Magno. Não obstante, devem ao imperador sua restauração
e o vigor no ensino das artes liberais [ULLMANN, 2000]. Na verdade,
o imperador recebeu o honroso epíteto de restaurar das belas-letras
clássicas, marcando um verdadeiro renascimento — o renascimento
carolíngio [FRAILE; URDANOZ, 1986]. Na escola palatina, Carlos Magno
assistia às aulas, juntamente com seus filhos e filhas [ULLMANN, 2000].
Possivelmente, as escolas palatinas se deslocaram com o pessoal
áulico, por ocasião do período da economia agrária. Naquela época, a
França não possuía capital fixa: os monarcas eram verdadeiros nôma-
des, levando a corte a lugares que lhes dessem, por certo prazo, subsis-
tência conveniente. Carlos Magno foi um exemplo típico de soberano
itinerante [ULLMANN, 2000]. De todo modo, a vida urbana é o contexto
cultural dessas escolas: crescem as cidades, as catedrais e as escolas.
Neste cenário, o dinamismo da vida urbana solicita reflexão e estimula
a abstração numa sociedade que agrega as diferenças, superando os
monolitismos locais, utiliza a moeda no comércio, superando as trocas
de produtos. Na verdade, a cidade estimula também a diferenciação
social e a especialização, o que refletirá diretamente na vida intelectual
e no modo de produção e transmissão do saber [PASSOS, 2016].
As tarefas tornam-se mais especializadas na produ-
ção material, a quantidade de pessoas vivendo em
estreita proximidade requer uma maior organiza-
ção para a distribuição dos recursos e as normas

20
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

sociais que presidem à interação aumentam drasti-


camente [...]. Métodos novos e abstratos de trabalho
intelectual começaram a aparecer. Aumentaram
os estudos especializados, um currículo mais
altamente organizado começou a ser empregado
e surgiu um novo grupo seleto de estudantes e
professores. O estudo da lógica por si mesma foi
assumido como uma área ou disciplina intelectual
conhecido como dialética. Os que se especializaram
na disciplina do estudo passaram a ser chamados
de escolásticos [IRVIN; SUNQUIST, 2004, p. 527].
No que diz respeito à finalidade das instituições escolares palati-
nas — método do trivium e do quadrivium —, dividem-se as opiniões: uns
afirmam que elas admitiam, indiferentemente, às suas lições clérigos
e leigos [DE WULF, 1924]; outros sustentam que a escola dos palácios
é um mito, nascido de um contrassenso: os alunos [scholares] não são
estudantes, mas rapazes de linhagem nobre, os quais na corte fazem a
aprendizagem da arte da guerra e da administração [LOT, 1951].
Nas instituições escolares palacianas, o ensino era ministrado
em língua e cultura latina, o que estabeleceu nas camadas doutas do
mundo ocidental um vínculo de unidade cultural. No dizer de Reinholdo
Ullmann: “[...] Império e religião entendiam-se no mesmo idioma”
[ULLMANN, 2000, p. 46].

AS ESCOLAS DOS IRMÃOS DA VIDA COMUM

Na perspectiva canônica, os Irmãos da Vida Comum constituíam


uma associação mista de padres e leigos [homens e mulheres] — fun-
dada por Gerhardus Groote [1340-1384] —, que viviam em comunidade
— sem professarem votos religiosos — sob um rector, submetidos a
certos estatutos quase monacais [GARCÍA-VILLOSLADA, 1976]. “[...]
Procuravam viver como os primeiros cristãos. Não se lhes pode aplicar o
termo “religioso”, no sentido estrito do termo” [ULLMANN, 2000, p. 47].
Partindo da espiritualidade da devotio moderna — antiespeculativa
como a via moderna em filosofia —, suas práticas pedagógicas acentua-

21
Cleber Bianchessi (org.)

vam o lado afetivo, o recolhimento, o contemptus mundi e a humildade


interior [ULLMANN, 2000].
Por toda a parte, campeava a corrupção. Político-pedagogica-
mente, a preocupação dos Irmãos da Vida Comum centrava-se na for-
mação moral da juventude. Na reforma dos costumes, extraordinária
celebridade adquiriu a escola de Deventer [Holanda], que acolhia estudan-
tes pobres dos arredores, dava-lhes instrução religiosa e proporcionava
abrigo no seio de famílias de recursos, onde faziam as refeições. Por
essa ocasião, não se dava atenção à formação intelectual dos meninos
[ULLMANN, 2000].
Pelo estudo do quadrivium, a escola dos Irmãos da Vida Comum
de Deventer estende sua formação para além das fronteiras da Holanda,
alcançando a Alemanha e a França. Preocupado com a reforma da Igreja,
Gerhardus Groote estava convencido de que ela só poderia ser levada a
efeito dando sólida formação moral e intelectual à juventude. Deventer
torna-se um celeiro de poetas [ULLMANN, 2000].
Na organização da escola de Zwolle, Johannes Celle [+1417] —
discípulo de Gerhardus Groote — mantinha permanente contato com
seu mestre, para trocas de experiências pedagógicas [ULLMANN, 2000].
Se, no âmbito da educação, serviu de modelo, para
vários pedagogos, a escola de Zwolle, especialmente
no que tange à formação moral dos jovens, na
espiritualidade é inegável o influxo, até hoje, dos
Irmãos da Vida Comum, sobretudo pela Imitatio
Christi, que alimenta legiões de almas desejosas
de perfeição espiritual [ULLMANN, 2000, p. 49].

Não obstante, as práticas político-pedagógicas dos Irmãos da


Vida Comum não ficaram restritas às instituições escolares secundárias.
Coube-lhes lecionar na Universidade de Württemberg e na Universidade
de Tübingen [ULLMANN, 2000].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...]
Mas, no horizonte

22
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Do que é memória
Da eternidade,
Referve o embate
De antigas horas
De antigos fatos,
De homens antigos [MEIRELES, 1989, p. 279].
No mundo ocidental, até o século X a hegemonia das instituições
educacionais era monacal. Posteriormente, tornou-se episcopal. Não
obstante, desde o século IX, identifiquei uma cooperação entre as escolas
monacais e catedralícias, ocorrendo um intercâmbio de estudantes para
complementarem sua formação acadêmico-intelectual e contemplativa.
No século XII, as diferenças foram marcantes entre essas duas escolas:
a primeira marcada pelo exercício da contemplação e a segunda pelo
estudo das artes liberais. Jean Leclercq — em Humanismo e cultura
monástica [Umanesimo e cultura monástica, 1989] — reflete que a
formação do monge era feita em duas partes: a primeira constituída
pelo ensino de gramática, literatura, retórica e conteúdo filosófico da
antiguidade clássica [lógica, filosofia e dialética], compilados por autores
cristãos como Gregório Magno, Isidoro de Sevilha, entre outros; por
conseguinte, estudavam-se a Sagrada Escritura e as obras Patrísticas
[LECLERCQ, 1989].
No dizer de Jean Leclercq:

[...] o estudo dos autores pagãos era necessário para


os monges e ao mesmo tempo perigoso; necessário
como instrumento para aprender a língua cristã
de seu tempo, que era o latim; perigoso para a sua
fé e para os seus costumes.
[...] A sedução era sentida de maneira muito forte
no campo da moral. Nós não lemos com frequên-
cia Plauto, Ovídio, Terêncio nem entendemos o
que essa leitura poderia causar na imaginação dos
homens na qual essa leitura se fazia viva, especial-
mente nos adolescentes ou nos copistas. O estudo
tornava existencial o conflito entre literatura e vida
espiritual: era uma questão de pureza de cora-

23
Cleber Bianchessi (org.)

ção e de corpo. Não era uma atitude especulativa,


que pretendia ser objetiva com relação às coisas
terrenas.
[...] diante da literatura profana, seja durante os
estudos preparatórios, seja depois, o estudo põe em
jogo a vida monástica [LECLERCQ, 1989, p. 58-60].2
Na verdade, este excerto põe em evidência o conflito que a monás-
tica enfrentou por todo o Medievo. Político-pedagogicamente, o con-
teúdo da literatura humanística antiga era necessário na formação
religioso-cultural do monge. Por outro lado, seu conteúdo poderia pôr
em risco a sua própria existência [LECLERCQ, 2002].
No coro, os monges cantam a Palavra. Na instituição escolar, os
mestres refletem sobre a Palavra. Tanto no claustro como na escola,
procura-se a “inteligência da fé”, mas essa não é exatamente a mesma
nos dois ambientes; tampouco é obtida com o mesmo método:
[...] em ambos os casos, se trata de uma atividade
teologal. O procedimento intelectivo não pode ser
essencialmente diverso, tanto uma como a outra
utilizam a dialética. Mas o contexto psicológico é
diferente. O abuso da dialética gera uma forma de
curiosidade que os monges evitam: essa parece
contrária a humildade que é fundamento benedi-
tino da vida monástica. Os monges amam citar a
palavra de S. Paulo: Scientia inflat. A esta ciência

2 
[...] lo studio degli autori profani era necessario per i monaci e al tempo stesso peri-
culoso; necessario come strumento per imparare la língua cristiana del loro tempo, che
era Il latino; periculoso per la loro fede e per i loro costumi.
[.
..] La seduzione era sentita in modo più forte e immediato nel campo della morale.
Noi non leggiamo più con molta frequenza Plauto, Ovidio, Terenzio e facciamo fatica a
immaginare il turbamento che essi potevano provocare nell‘imagionazione di uomini nei
quali questa era viva, sopratutto negli adolescenti o anche nei copisti.
[.
..] il carattere concreto, reale, per così dire esistenziale che rivestiva il conflitto tra
litteratura e vita spirituale provocato dagli studi: era una questione di purezza del cuore
e del corpo. Non si trattava di un atteggiamento speculativo, che pretendeva di essere
oggettivo, nei confronti delle realtà profane. [...] anche di fronte alla litteratura profana,
sai durante gli studi preparatori sia in seguito, egli mette in gioco la sua vita monastica
[...] [LECLERCQ, 1989, p. 58-60].

24
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

vã, opunham a ― “simplicidade”, que não causa


enganos [LECLERCQ, 2002, p. 269].3
Na Idade Média, as instituições educacionais responderam a
diferentes contextos nos quais se inseriram, com currículos que repro-
duziam a fé e cultura cristã e forneciam uma educação básica para os
cidadãos. No seio da cultura ocidental, criaram um caldo basilar para
todo o edifício cultural posterior, conservando e reproduzindo o antigo
e incorporando — progressivamente — o novum, na medida em que a
Europa se abre para além de si mesma e reinventa suas instituições
socioculturais [PASSOS, 2016].
Por fim, resta-me dizer que a gradativa reconfiguração socio-
política medieval se dá sobre o ideal e a prática da emancipação, de
modo que a emancipação intelectual — gradativamente efetivada já
pelas escolas catedralícias — é expressão espiritual da emancipação
social [PARE, 1933].

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GARCÍA-VILLOSLADA, R. Matín Lutero ― El fraile hambriento de Dios. 2. ed.


Madrid: BAC, 1976.

3 
Così da una parte e dall‘altra, nel chiostro e nella scuola, si cerca ― “l‘intelligenza della
fede”; ma essa non è esattamente la stessa nei due ambienti, né è ottenuta con mezzi
del tutto simili.[...] in entrambi i casi, si tratta di un‘attività teologale. E il procedimento
dell‘intelligenza non può essere essenzialmente diverso; essa fa appello da una parte e
dll‘altra, alla dialettica. Ma il contesto psicologico è diverso. L‘abuso della dialettica enera
una forma di curiosità che i monaci rifiutano: essa appare loro contraria a quell‘umiltà di
cui S. Benedetto aveva fatto il fondamento della vita monastica. I monaci amano citare le
parole di S. Paolo: Scientia inflat. A questa scienza vana, opponevano la ―semplicità‖, a
proposito della quale, però non bisogna ingannarsi [LECLERCQ, 2002, p. 269].

25
Cleber Bianchessi (org.)

IRVIN, D. T.; SUNQUIST, W. S. História do movimento cristão mundial. São


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26
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

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ULLMANN, R. A. A universidade medieval. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

27
O ENSINO DA METODOLOGIA ATIVA NA
APRENDIZAGEM VISIVEL EM RELAÇÃO AO
PROFESSOR-ALUNO NA SALA DE AULA

Luís Fernando Ferreira de Araújo 4


Ana Cláudia Maciel de Moraes5
Rose Mary Messias6

INTRODUÇÃO

O tema deste capítulo surgiu a partir das reflexões e dúvidas como


uma metodologia ativa poderia ser usada como interação ensino-apren-
dizagem, atribuindo a ela um caráter mais linguístico. O propósito foi
o de apresentar uma nova figura de professor com suas ferramentas
de trabalho, os equipamentos mais sofisticados da área de tecnologia
auxiliar, no seu empenho em ensinar com dinamismo e criatividade.
Esse professor, com habilidades em manipular estas ferramentas é
denominado professor mediador pedagógico, por facilitar a transpo-
sição de uma mensagem consistente e atualizada. A metodologia ativa
procura estabelecer correlações com temas de maior interesse da
cultura estudantil, que envolva uma aproximação crítica da escola com
a realidade. Não seria uma metodologia tradicional linear, mas uma
metodologia que estabelece uma comunicação escolar diacrônica com
os conhecimentos e estabelecendo com os alunos diálogos, no sentido
habermasiana, “não só de um ato de vontade de um grupo de indiví-
duos que lutam por justiça e liberdade, mas como uma necessidade que
encontra seus fundamentos nos próprios processos de racionalização
societária”. (HABERMAS, 1987).

4 
Doutor e Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, Letras, professor do Centro
Universitário Senac-SP. E-mail lusfernandoaraujo40@gmail.com.
5 
Professora do Centro de Detenção Provisória 3 – Pinheiros-SP, Pedagogia. E-mail:
acmm5678@gmail.com.
6 
Professora do Centro de Detenção Provisória-Pinheiros-SP. Pedagogia e Letras. E-mail:
rosmes_17@yahoo.com.br.

28
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

A metodologia ativa pretende subsidiar elementos aos alunos


para falar, ouvir, entender, ler, refletir e viver o mundo, buscando a inte-
gração escola-sociedade. São transformações vindas da onipresença do
conhecimento e da informação. Ajudam os professores a envolverem os
alunos nas discussões de ideias, desafios, julgamentos e críticas. Com
isso, o professor tem a função de manter um diálogo constante com
base no conhecimento empírico da prática de ensino.
O papel da escola deveria ser a de gerenciar a organização
dos conhecimentos, melhorar o ensino, também pensar em mecanis-
mos eficazes para avaliar competências, assegurando a superação e o
desenvolvimento dos processos educativos junto aos educandos. Desta
forma, trazer a metodologia ativa para o contexto da sala de aula, onde
promovam discussões e contribuam para uma complementação na
função pedagógica comunicacional, ação que deve necessariamente ser
dirigida por processos comunicativos de busca do entendimento e não
através de meios autorregulados, como o mercado ou a administração
burocrática (HABERMAS, 1987).
O século XXI exige que a escola continue o comprometimento
com sua missão profética do devir, pois ela encontra-se em constante
processo de transformação frente à sociedade do conhecimento, não
só em relação às expectativas econômicas, mas também na evolução
holística do indivíduo. A escola deveria estar preocupada com a realidade
concreta, pelo menos é o ideal, criando paradigmas interdisciplinares
e transdisciplinares, unindo ensino, pesquisa, em um novo contexto
de ser escola.
Para Hattie (2017, p. 10), “o aspecto visível se refere, primeiro, a
tornar a aprendizagem do aluno visível aos professores, assegurando
a identificação clara dos atributos que fazem uma visível diferença na
aprendizagem dos alunos e levam todos na escola a reconhecer visi-
velmente o impacto que eles apresentam na aprendizagem(dos alunos,
dos professores e dos líderes escolares). O aspecto visível também se
refere a tornar o ensino visível aos alunos, de modo que eles apren-
dam a se tornar seus próprios professores, que é o atributo central da

29
Cleber Bianchessi (org.)

aprendizagem ou da autorregulação ao longo de toda a vida e do amor


pela aprendizagem que nós tanto queremos que os alunos valorizem.
O aspecto da aprendizagem se refere a como realizamos os processos
de conhecer e compreender e, então, fazer algo a respeito sobre a
aprendizagem dos alunos”.
A produção e divulgação do conhecimento geraram e exigiram
a necessidade de uma metodologia que priorize o diálogo constante
entre professor e sociedade, onde o papel do professor é de orientar
as atividades que permitam ao discente aprender e; também será o de
motivador e incentivador do desenvolvimento de seus alunos perante
o corpo social na sociedade. A escola é excelente campo de pesquisa
para experiências democrática e pluralista na sociedade em que atua,
transformando os objetivos e as metas em ações mais apropriadas para
a aprendizagem. Portanto, a escola tem que consolidar o projeto peda-
gógico e ao mesmo tempo interagir na autonomia dentro do processo
de socialização com satisfação; com isso, a autonomia torna-se um
vínculo para estimular o indivíduo na sociedade com novas parcerias,
com a família e com os meios de comunicação.
A pedagogia que emerge da consciência de que a escola é conce-
bida como uma forma de política cultural, de uma concepção crítica é
fundada na convicção de que, para a escola, é uma prioridade ética o
dar poder ao sujeito social, facilitando-lhe a atribuição de sentido crítico
ao domínio do conhecimento, “não se pode mais pensar educação de
modo fragmentário e egocentricamente” (BERTICELLI, 2006, p. 45), nesse
sentido, a metodologia ativa pode ser um dos modos de encaminhar à
formação profissional do indivíduo.
Vygotsky (2003, p. 16) em seus estudos deu ênfase no papel da
linguagem e do pensamento e também nas relações sociais que o indi-
víduo mantém com o mundo exterior, propôs que “a primeira forma
de ligação entre a fantasia e a realidade consiste no fato de toda a
elucubração se compor sempre de elementos tomados da realidade e
extraídos da experiência anterior do homem”.

30
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Criar é construir algo novo. Esse novo é a capacidade do indivíduo


de demonstrar para a realidade a sua experiência em poder fazer. A
criação surge em um estado de tensão, desejo, sentimento de alegria ou
de tristeza. É o intelecto ressurgindo, caminhando para desenvolver uma
ação. A reflexão sobre o ato de criar representa para o indivíduo uma
liberdade, um processo de compreensão que o leva para um aumento
da maturidade. O homem cria uma ideia e coloca no papel por meio
da escrita, do desenho ou em um objeto como produto de sua própria
criação. A imagem é uma representação mental de um objeto. Quando,
por exemplo, ouvimos a palavra paisagem mentalmente visualizamos um
prado, cercado de eucaliptos que nos fazem sentir o perfume de suas
folhas, pássaros voando e o som de sua revoada. Essa imagem mental
comporta também o afetivo e o imaginário. O afetivo que acompanha
o sentir prazeroso e tranquilo. A imagem é um elo entre o homem e o
que está no mundo material. Imaginário é a capacidade que temos para
fazer variações nas imagens que construímos do mundo que habitamos.
Diariamente, renovamos e realimentamos o nosso imaginário,
enriquecendo nossas vidas e os sentidos. A imaginação sobre uma
paisagem é relacionar com a imagem da paisagem percebida outras
variações de cores, sons, odores, que ainda não pertenciam à paisagem
do mundo material conhecido. Por meio da imaginação se abre para
nós um campo de possibilidades. O real, para o homem, é aquilo que
é vivido, uma atividade exercida no mundo que habita regularmente,
repetitiva ou não, cotidiana ou não, mas que ele sonha com uma pers-
pectiva de melhora, e para que isso aconteça, ele usa a imaginação para
ir além do mundo real. Por meio dela, ele constrói outras imagens, um
mundo totalmente simbólico para uma integração de seus anseios.
Para Vygotsky (2003, p. 85), a educação é aquela que deve esti-
mular a criação artística e despertar na criança e nos jovens o desejo
de criar. Para exercer a criatividade, a criação e o sentido artístico,
Vygotsky (2003, p. 37), em seu livro A Imaginação e a Arte na Infância,
pressupunha que o comportamento humano auxilia no entendimento
da condição sociocultural, determinada em processo de construção
que caracteriza a todos e a cada um de nós. Com isso, o professor deve
31
Cleber Bianchessi (org.)

utilizar a metodologia ativa em sala de aula a fim de fazer com que os


alunos tenham condições de criar, fantasiar, imaginar e recriar histórias
para o seu desenvolvimento pessoal e acadêmico.
Na concepção de Vygotsky (2003, p. 35) a escola deve ser um espaço
de criação e fomento do conhecimento e criação de novos saberes. Além
dessa consistente fundamentação, sobre o emergir de novos saberes de
Vygotsky, a vida, diferente das palavras cruzadas, compreende espaços
sem definição, existe a ausência de um quadro geral fechado, sendo
assim “o conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas,
entre arquipélagos de certeza” (MORIN, 2000, p. 86), como mostram as
novas descobertas das ciências empíricas.
Freire (2004, p. 54) em seus estudos propõe um método pelo qual
a palavra ajude o homem a tornar-se homem, onde “não há diálogo
verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar
crítico. Pensar que não aceitando a dicotomia mundo-homens, reco-
nhece entre eles uma inquebrantável solidariedade”.
Partindo desta perspectiva, Freire coloca-nos a questão da rela-
ção homem-mundo, dentro de uma sociedade integradora; mas antes
temos de entender quando se fala de “extensão educativa”, contrário
à educação libertadora. A extensão educativa parte do pressuposto de
uma educação mecanicista, como afirma o próprio Freire (2011, p. 26),
em seu livro Extensão ou Comunicação. Ela se dá “na medida em que,
no termo ‘extensão’, está implícita a ação de levar, de transferir, de
entregar, de depositar algo em alguém, ressalta, nele, uma conotação
indiscutivelmente mecanicista”. O conceito homem-mundo não deixa
de passar por este questionamento. Porque estamos nos referindo ao
homem-mundo que é homem-educador. Outra vertente presente é a do
professor-aluno e vice-versa, e, com esta dialética, vamos construindo
o pensar sobre a metodologia ativa. Neste trabalho Paulo Freire nos
dá ferramentas para compreender como funciona o mecanismo desta
dialética: aluno-professor, professor-aluno. Ele nos mostra que não
podemos ser apenas extensionista do saber, do conhecimento, ou seja,

32
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

transferidores de algo que, também, muitas vezes, foi-nos inculcado


nos bancos escolares.
É esta extensão que devemos evitar, pois, segundo Freire, é um
“equívoco” querer estender algo a alguém, sendo que este alguém não
é um mero espectador da ação do outro que almeja colocar, depositar
um conhecimento sem levar em conta o saber daquele outro. Em muitos
casos o aluno ouve e vive diariamente dentro de uma realidade dinâmica
e repleta de magia e crença. E, não se deve desconsiderar que, no
processo de aprendizado há uma transformação fazendo-se necessário
um tempo de passagem, de reformulação do pensar. Isto se constrói
aos poucos e, apresenta-se a espiral construtivista como uma metodo-
logia ativa de ensino-aprendizagem, passando pelo entendimento de
quem educa que precisa fazer com que o aluno, por si mesmo, consiga
entender que os fenômenos mágicos e de crenças fazem parte de uma
estrutura a priori cognitiva da própria razão. Conforme ele vai perce-
bendo e entendendo o processo natural das transformações por meio
de experiências e dados, dos quais ele participa e está envolvido, vai se
construindo a relação professor e aluno, pois ambos estão no processo
de aprendizagem.
O diálogo é fundamental para a verdadeira educação entre alu-
no-professor. A democratização na escola aproxima o sentido de edu-
cação, como chave da reprodução da sociedade de classes antagônicas
por meio do sistema de ensino. A sociedade está composta por todos
os seus elementos; o que importa é integrar em sua estrutura os novos
elementos, ou seja, novas gerações que se encontram à sua margem
para manter e conservar a sociedade, integrando os indivíduos no
social. Mais uma vez, para reafirmar o nosso estudo, citamos Paulo
Freire, que nos afiança:
O papel do educador não é o de encher o educando
de “conhecimento”, de ordem técnica ou não, mas
sim o de proporcionar, através da relação dialógica
educador-educando educando-educador, a orga-
nização de um pensamento correto em ambos
(FREIRE, 2011, p. 68).

33
Cleber Bianchessi (org.)

A metodologia ativa faz-se entre ambas as partes envolvidas no


processo de formação, quando há um crescimento das pessoas, abertura
para o diálogo franco onde existam portas abertas para quem educa
e para quem é educado. A educação seria uma instância exterior da
sociedade, isto é, de fora ela contribui para o ordenamento e equilíbrio
permanentes. A educação tem por finalidade a adaptação do indivíduo
na sociedade e também reforçar os laços sociais e promover a integração
de todos no corpo social.
A educação assume a autonomia, na medida em que configura
e mantém a conformação do corpo social, ou seja, em vez de receber
interferências da sociedade, ela interfere de forma absoluta nos destinos
de toda a relação social. No entanto, não pode também ser educadora
uma escola que se constitui num mundo fechado, que é controlada cui-
dadosamente pelos agentes orgânicos do sistema, onde há predetermi-
nação de papéis a serem cumpridos pelos alunos, que ali se matriculam
já com seus destinos marcados por “profecias autorrealizadoras” de
síndrome do fracasso.

METODOLOGIA ATIVA DENTRO DO PROCESSO DA


APRENDIZAGEM VISÍVEL PARA O PROFESSOR E O
ALUNO

Criar não é tarefa para qualquer um e cabe ao educador assumir


esse desafio. O ser humano gosta do conhecido, do fácil, daquilo que
já é. O desafio dói, causa desconforto e essa é a tarefa do educador:
provocar, incomodar. O que já aconteceu serve como base, ponto de
partida e dá segurança para exercer o poder que é garantido, que foi
conquistado de forma tão dura, porém prazerosa. Orientar esse poder
da forma adequado compete ao educador.
Para que haja educação de adultos, a superação de
desafios, a resolução de problemas e a construção
de novos conhecimentos a partir de experiências
prévias, são necessárias para impulsionar as apren-
dizagens (FREIRE, 1996, p. 20).

34
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Muitos dos alunos vêm de famílias com poucos recursos intelec-


tuais, financeiros e culturais. Esse aluno idealiza a figura do professor,
a vida acadêmica, a cultura, um mundo que ele desconhece e que pode
lhe oferecer mais, apontar novos caminhos. Deve - se utilizar essa ima-
gem esse poder que delegado ao professor e não o destruir com a falsa
proposta de aproximar - se do aluno. Aproximar-se dele é em primeiro
lugar enxergá-lo na sua real condição que não necessariamente coin-
cide com a proposta educacional da instituição em que se encontra. Só
assim haverá a possibilidade de uma adaptação para que tenha acesso
ao conhecimento que afinal ele veio buscar, sejam seus propósitos
conscientes e lícitos dentro dos conceitos da educação ou não.
O processo pedagógico estabelecido visa desenvolver compe-
tências relacionadas à prática profissional. Na análise de Perrenoud
(1997, p. 35):
Toda competência está, fundamentalmente, ligada
a uma prática social de certa complexidade. Não a
um gesto dado, mas sim a um conjunto de gestos,
posturas e palavras inscritos na prática que lhes
confere sentidos e continuidade.

Decorre disso a necessidade de identificar a posição exata em


que o aluno se encontra na sociedade e na sua vida pessoal para não
idealizar e trabalhar com um suposto ser que na verdade não existe,
o que fatalmente o conduzirá ao insucesso. A percepção da pessoa a
quem o professor atende é passo de partida no traçado do caminho
pedagógico mais adequado.
Conforme Meirieu (1998) é necessária à compreensão do “triân-
gulo pedagógico” para criar situações de aprendizagem sem deixar-se
atrair por nenhum dos três polos: educando-saber-educador. Para
isso é importante que o educador tenha consciência do seu papel e da
sua importância. O educador é também um cidadão inserido em seu
meio social com ideias, ideais e conhecimentos já estruturados. Esses
conhecimentos e experiências prévias podem e devem ser utilizados
para criar situações interessantes.

35
Cleber Bianchessi (org.)

Ainda Hattie (2017, p. 18), “os professores precisam ser diretivos,


influentes, atenciosos e ativa e apaixonadamente engajados no processo
de ensino e aprendizagem”.
Tanto o educador quanto o educando apresentam experiências de
vida, conhecimentos anteriores. Além disso, os sentimentos de ambos
podem ser persuadidos adequadamente para melhorar esse processo.

Meirieu (1998, p. 80-81) ressalta ainda:


Quem pode querer ignorar a relação pedagógica, este
encontro entre pessoas vivas e cheias de desejos,
este conjunto de fenômenos afetivos, de transfe-
rências e contratransferências, que estão sempre
presentes na sala de aula? Não se pode escolher, por
simples comodidade, a suspensão da afetividade:
primeiro, porque essa decisão, é claro, seria ela pró-
pria uma escolha afetiva, alimentada, na maioria
das vezes, pela preocupação consigo, pelo medo
do outro ou pelo desejo estranho de melhor exer-
cer seu poder camuflando a natureza do mesmo;
depois, porque uma atividade cognitiva, ainda que
perfeitamente teorizada, não pode ficar sem a ener-
gia do desejo que lhe dá vida e força; enfim, porque
seria estúpido negar o aspecto determinante, na
aprendizagem, dos fenômenos de identificação
e de sedução. Sabe-se, de fato, que a vontade de
seduzir anima qualquer educador, mesmo que ele
quase não o confesse, mesmo anuncie o contrário,
fingindo ignorar que a recusa de seduzir pode vir
reforçar a sedução...

Como lidar com esses conceitos, sedução, conhecimento, poder


e aprendizagem de forma adequada? Mantendo os objetivos e o foco no
processo de aprendizagem visível, lidando de forma ética com essas rela-
ções delicadas. Não fugindo ao compromisso. Para isso o poder é empres-
tado ao professor apenas como mais uma estratégia de ensino. Não se
pode deixar, no entanto, que a vaidade transforme esse instrumento.
Experimentam-se as angústias e dúvidas durante a própria for-
mação acadêmica. Passa-se pelos testes e vence-se, chega-se ao poder

36
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

que é imprescindível no desempenho do trabalho do professor. Mas


esse poder tem limites: o outro é o objetivo não o si mesmo. E isso exige
coragem, de renunciar às vaidades. Só assim realmente é possível ver o
sujeito que motiva tantos pensamentos, teorias de aprendizagem, tanto
interesse de todas as áreas relacionadas à educação.
Para Bergamann & Sams (2012, p. 11), “o conceito de sala de aula
invertida, é feito em sala de aula, agora é executado em casa, e o que
tradicionalmente é feito como trabalho de casa, agora é realizado em
sala de aula”.
Como a novidade assusta, e na maioria das vezes não é desejada
no primeiro momento, surgem as desconfianças e constantes questio-
namentos para com aqueles que podem realmente instigar, provocar:
o professor, educador, formador de opiniões, exemplo de conduta,
mentor, objeto de paixão, seja qual for a denominação. Todas podem ser
ferramentas em favor do outro, o aluno. O conhecimento não pertence
ao professor, nem a seu mestre ou àqueles que lhe permitiram chegar a
seu título. É algo maior que pertence à essência do ser humano, à alma,
não a qualquer academia. Aquele que pensa que detém o conhecimento
engana-se não sabe ainda controlar suas vaidades e ambições. Somos
apenas vetores do conhecimento responsáveis também por escolher
quando e de que forma ele será apresentado ao aluno, o sujeito, o ver-
dadeiro motivo de todas as teorias de aprendizagem.
O conhecimento e o domínio das estratégias é uma
ferramenta que o professor maneja de acordo com
sua criatividade, sua reflexão e sua experiência,
para alcançar os objetivos da aprendizagem (ABREU
e MASSETTO, 1990).

Com isso, a metodologia ativa em relação à aprendizagem visível


tem que despertar no aluno uma curiosidade e ao mesmo tempo favo-
recer uma motivação autônoma e possibilitá-lo uma consciência crítica
que atenda às suas necessidades como recurso didático e pedagógico
para a formação do aluno na sociedade.

37
Cleber Bianchessi (org.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da metodologia ativa, se criará oportunidades para os


alunos, pois eles refletirão a sua importância no cotidiano escolar, o que
auxiliou no processo ensino-aprendizagem, fazendo-se necessário para
que os recursos aplicados em sala de aula sejam significativos para o
ensino, oferecendo possibilidades de conhecer o processo de produção
de ensino e aprendizagem. Compreendendo esta nova forma de pen-
sar e produzir conhecimento proposto pela utilização deste recurso
pedagógico, podendo assim assegurar à educação a melhoria de sua
qualidade em sala de aula. Desta forma, trazer a metodologia ativa para
o contexto da sala de aula, poderá originar discussões, questionamentos
e contribuições para um melhor entendimento do processo criativo e
interativo dos alunos a favor da educação.
Neste sentido, o objetivo da aula com a utilização da metodologia
ativa será conquistar os alunos por meio da interatividade no exer-
cício de ensino e aprendizagem, bem como apresentar um plano de
trabalho que assegure mudanças na maneira de ensinar. Oferecemos
aos alunos um entretenimento, informação e educação, contribuindo
para a formação e aproximação com os conteúdos pedagógicos, sendo
só possível com a mediação do professor habilitado com suas ativida-
des didático-pedagógicas em sala de aula. O papel do professor nesta
proposta de ação educativa será de uma aproximação mais intensa
com os alunos em sala de aula. Esta aproximação ocorrerá por meio
de interações professor-aluno.
Espera–se que este artigo possa contribuir para que se amplie o
debate do papel da escola, ao fornecer ferramentas de ensino ao aluno,
para que ele possa fazer uma leitura crítica, e aceitar as novas formas
de ensino. Com esta pesquisa- ação possamos ter evidenciado como a
metodologia ativa pode abrir um mundo de possibilidades e propiciar
momentos de experiências para o aluno, mediadas por estruturas cul-
turais, proporcionando um crescimento significativo na prática do dia
a dia da sala de aula e fora dela.

38
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

REFERÊNCIAS
ABREU, M.C. & MASSETTO, M. T. O professor universitário em aula. São Paulo:
MG Editores, 1990.

BERGMANN, Jonathan & SAMS, Aaron. Sala de aula invertida: uma metodologia
ativa de aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

BERTICELLI, Ireno A. Epistemologia e educação: da complexidade, auto-or-


ganização e caos, Chapeco, Argos, 2006.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

_____________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

____________. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HABERMAS, Jurgem. Teoria de la acción comunicativa II – Crítica de la razón


funcionalista. Madri: Taurus, 1987.

HATTIE, John. Aprendizagem visível para professores: como maximizar o


impacto da aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2017.

MASSETO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universi-


tário. São Paulo: Summus, 2003.

MEIRIEU, Philippe. Aprender... sim, mas como? 7. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.

MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda Aparecida.


Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas-SP: Papirus, 2000.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília,


Cortez Editora, 2000.

PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto


Alegre: Artes Médicas Sul, 1997

VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

VYGOTSKY, Lev S. La imaginación y el arte en la infancia. 6. ed. Madrid:


Ediciones Akal, 2003.

39
CONTEXTO ATUAL DO ENSINO REMOTO EM
TEMPOS DE COVID-19: UM ESTUDO DE CASO
COM ESTUDANTES DO ENSINO TÉCNICO

Maria Antunizia Gomes7


Eduardo Paulo Almeida de Sant’Anna8
Harine Matos Maciel9

INTRODUÇÃO

A pandemia causada pela Covid-19 trouxe mudanças significativas


no dia a dia das empresas e pessoas. Essas mudanças foram direciona-
das aos mais diversos setores: comércio, serviços, indústria, hotelaria,
educação, dentre outros. Todos esses segmentos tiveram que se adequar
à nova realidade causada pela Covid-19. Essas adequações vêm sem
sendo trabalhadas de maneira cuidadosa com intuito de minimizar
impactos. A educação no contexto atual tem passando por um momento
de adaptação visando ofertar o ensino aos discentes e diminuir as dis-
tâncias causadas pelo isolamento social. Nesse momento a tecnologia
por meio do ensino remoto vem favorecendo e possibilitando com
que as instituições de ensino possam vivenciar o processo de ensino e
aprendizagem, embora esse momento venha sendo bastante desafiador
para todos os envolvidos. Diante disso, o estudo em questão tem como
objetivo analisar o impacto do ensino remoto emergia causado pela
Covid-19 no ensino técnico.
A pandemia da Covid-19 é um evento sem precedentes, com crise
de saúde pública, econômica e social em virtude da fácil disseminação,
ausência de tratamento à causa principal, alto nível de contágio, taxa
de mortalidade significativa, além da ausência de vacina. Medidas de

7 
Mestranda em Administração Universidade Potiguar (UNP). Professora do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. E-mail: antunizia.gomes@
ifce.edu.br
8 
Mestrando em Administração Universidade Potiguar (UNP). E-mail: epas727@gmail.com
9 
Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará -
UFC. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE.
E-mail: harine@ifce.edu.br

40
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

restrição em alta escala jamais experimentadas foram implementadas


pela necessidade de aliviar o sistema de saúde pública. A mudança de
comportamento, e principalmente o isolamento social foi a medida
mais forte adotada. Com as pessoas em casa, os escritórios, escolas e
campus esvaziaram-se.
Na área educacional, o isolamento social levou a mudanças brus-
cas e rápidas no cenário do ensino. Nunca havíamos experimentado a
alteração de ensino presencial para remoto através do uso de mídias e
tecnologias (ZIMMERMAN, 2020). Docentes se adaptaram, preencheram
rapidamente lacunas, reagiram e desenvolveram de imediato, mesmo que
de forma não sistemática, suas competências digitais. Depois da pande-
mia voltará a forte preferência pelo ensino presencial ou começaremos a
avançar para a educação remota? (WELLER, 2020). Mais ainda, o objetivo
durante a emergência é criar um ecossistema educacional robusto, ou
fornecer acesso temporário a instruções e suporte de maneira rápida e
fácil de configurar?
Os estudantes mudaram sua rotina bruscamente. Estágios e aulas
práticas foram suspensas, novas tecnologias foram incorporadas ao apren-
dizado rapidamente. (GOVINDARAJAN e SRIVASTAVA, 2020). Importa
recordar que a pandemia induziu em todos uma crença maior nas cone-
xões globais (LUTHRA, 2020), a pandemia nos oferece a oportunidade
de criar um forte programa de educação global virtual (WHALEN, 2020).
Pesquisas anteriores relatam desempenho melhor para alunos
online em relação aos alunos provenientes do ambiente tradicional de
sala de aula, assim abordagens de aprendizado, portanto, podem e devem
ser maximizadas tornando-se proveitosas. (Como podemos ver na meta
análise publicada por MEANS, TOYOMA, MURPHY e BAKI, 2013). Diante
disso, este estudo faz o seguinte questionamento: Qual o impacto do
ensino remoto na educação técnica profissional?

CONTEXTO ATUAL DE ENSINO

O Fórum econômico Mundial através de sua agenda para educa-


ção (março 2020), reconhece as qualidades e dificuldades da geração

41
Cleber Bianchessi (org.)

que está presente hoje nas salas de aula. Uma geração definida pela
tecnologia que se expressa e comunica de forma instantânea, mas não
autônomos assim em tecnologia quanto suponhamos. Reconhece o
relatório que a alta probabilidade que a parte mais velha da geração
esteja refletindo sobre sua educação como resultado de uma pandemia
verdadeiramente global, enfrentando cancelamento de exames, eventos
esportivos, e até graduações. Continua o relatório do WEF, a crise do
Covid-19 pode muito bem mudar o mundo e nossa perspectiva global;
pode igualmente nos ensinar um novo modelo de educação para melhor
preparar jovens alunos para o futuro. Estas lições devem incluir: educar
cidadãos em um mundo interconectado; redefinir o papel do educador;
ensinar habilidades necessárias para a vida no futuro e franquear livre
acesso à tecnologia para a educação (LUTHRA; MACKENZIE, 2020).
Jandrić (2020) registra estarmos diante de momento histórico
desafiador e de posições comuns em pesquisa e educação, exigindo
repensar o futuro para o futuro. Kerres e Waffner (2019), estudam de
forma prática mudanças nas instituições de ensino, confrontando o uso
de tecnologia digital em sala de aula. Com a crise gerada pela pandemia
do Covid-19 repensam os modelos de mudança digital, questionando
estratégias, políticas, projetos, incentivos e práticas digitais anteriores
repensando seriamente nossos modelos de mudança digital. Antes da
pandemia Covid-19, não constava da pauta educacional, salvo raras
exceções, pesquisas sobre a interação digital e liderança educacional,
além da reação das instituições e alunos (DAVISD, 2017).
Para Hodges (2020), a Alemanha em resposta a sua história recente,
é uma das poucas nações do mundo onde a liberdade de pesquisa e
ensino faz parte do código de normas da instituição (BUNDESMINIS-
TERIUM DER JUSTIZ UND FUR VERBRAUCHERSCHUTZ, 2020: Art.
5), permitindo aos professores livremente escolher usar a tecnologia
digital, adotou rapidamente o ensino remoto.
O aprendizado online eficaz envolve planejamento instrucional
cuidadoso, com base no uso de um modelo sistemático (BRANCH;
DOUSAY, 2015). As decisões de projeto têm um impacto direto na qua-

42
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

lidade final do produto e no cumprimento dos objetivos pedagógicos.


Esse processo cuidadoso no estágio do projeto instrucional manteve-se
ausente, na maioria dos casos em virtude da urgência e emergência
criada pela pandemia do Coronavírus.
Segundo a UNESCO, países agiram de formas distintas de acordo
com suas tradições, legislação e características. Na Áustria, a Força-Tarefa
de Crise do Governo Federal da Áustria deu diretrizes gerais e implan-
tou medidas práticas e detalhadas para as escolas seguirem, como por
exemplo, a distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI)
para escolas organizadas com o apoio das Forças Armadas Austríacas.
Na Suíça o Escritório Federal de Saúde Pública publicou diretrizes
específicas para reabrir as escolas que se aplicam em todo o país com
contribuições da Conferência dos Ministros da Educação. Na Noruega,
os regulamentos provisórios da Lei da Educação foram implantados
de forma centralizada e um guia detalhado de controle de infecção
publicado, que possui regulamentos e conselhos “obrigatórios”. Por
exemplo, as escolas devem seguir distâncias físicas mínimas permitidas
nas salas de aula, mas podem alterar o horário de funcionamento da
escola, o horário das aulas ou a série de alunos que devem frequentar
por dia para poder gerenciar adequadamente.
Documento de trabalho da UNESCO reconhece ainda que as
instituições, alunos, pais e professores enfrentam uma nova realidade
durante o Covid-19. Os pais podem estar ansiosos e incertos ao enviar
os filhos para a escola, o que provavelmente resultará em menor fre-
quência. Os professores provavelmente enfrentarão cargas de trabalho
mais altas, estando na linha de frente da prontidão e resposta durante
a reabertura. As lacunas de aprendizado podem ter aumentado para os
alunos do período de bloqueio, mais ainda para os estudantes em risco.
Pode haver orçamentos mais apertados, especialmente considerando
as medidas adicionais que as escolas deverão adotar. A infraestrutura
de suporte, como serviços de transporte, pode não ter disponibilidade
ou recursos para seguir as salvaguardas adicionais exigidas. Para Leal
(2020) o ensino remoto é uma estratégia que possibilitou por meio da
tecnologia e da adequação a necessidade do contexto atual causado
43
Cleber Bianchessi (org.)

por covid-19, continuidade e a finalização dos componentes curricu-


lares. Ainda para o autor diversos pontos devem ser analisados nesse
processo tais como os novos currículos, as questões físicas e mentais
e o tempo de estudo.

AVALIANDO O ENSINO REMOTO DE EMERGÊNCIA

Hodges (2020) propõe iniciar avaliação do ERT por eliminação,


ou seja, considerando o que não avaliar. Alerta ainda para evitar-se a
comparação de um curso presencial com um uma versão online, por
três razões; primeiro, cada meio fornece informações de maneira
peculiar, não necessariamente melhor ou pior que outro; segundo,
entendendo melhor as mídias entenderemos melhor a forma como as
pessoas aprendem e assim poderemos projetar melhor cada vez estudos
mais eficazes, e finalmente; terceiro, cada mídia apresenta variáveis
distintas que merecem ponderação em qualquer estudo comparativo
para que seja válido e significativo (SURRY, et al., 2020). Pesquisas que
estudam comparação de mídias analisam o meio como um todo único,
particularizando cada um, ponderada a necessidade dos alunos e as
teorias psicológicas de aprendizagem (LOCKEE, et al., 2020)
Outras abordagens de avaliação podem ser úteis nessa mudança
para a ERT. O sucesso das experiências de aprendizagem à distância
e online pode ser medido de várias maneiras, dependendo de como o
“sucesso” é definido da perspectiva de uma determinada parte inte-
ressada. Do ponto de vista da faculdade, os resultados da aprendiza-
gem dos alunos seriam de interesse primário. Os alunos alcançaram
o conhecimento, as habilidades e/ou atitudes pretendidas, que foram
o foco da experiência instrucional? Resultados atitudinais também
são possivelmente de interesse, para estudantes e professores. Para
os alunos, questões como interesse, motivação e engajamento estão
diretamente ligadas ao sucesso do aluno e, portanto, seriam possíveis
focos de avaliação. Para os professores, atitudes em relação à instrução
online e tudo o que isso implica podem afetar a percepção de sucesso.
Inúmeros outros fatores como programas, taxas de conclusão de cur-

44
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

sos, alcance de mercado, suporte a desenvolvimento profissional e


outros, são fatores que podem influenciar a adequada avaliação do ERT,
garantindo-lhes qualidade, confiabilidade e aprendizagem (MOORE et
al, 2020).

METODOLOGIA

A pesquisa trata-se de um estudo com abordagem quali-quanti


e pesquisa descritiva. Os envolvidos no universo de pesquisa foram os
estudantes de uma turma de ensino técnico, que passaram por uma
adequação na metodologia de ensino presencial para o ensino remoto
por causa de pandemia por covid-19. O contato com os estudantes foi
feito totalmente online por meio do google forms. O questionário foi
compartilhado com a turma através das mídias sociais solicitando a
participação voluntária dos estudantes. O questionário foi divido em
três conjuntos de questões: perfil dos entrevistados, acesso ao ambiente
virtual de sala de aula e desenvolvimento e condução das atividades.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Diante do estudo em questão foram apresentados os seguintes


dados. A total final da amostra teve 20 respondentes, sendo 70% dos
entrevistados são do gênero feminino e 30% são do gênero masculino.
A renda familiar de 80% estudantes é de até um salário mínimo e 20%
de até dois salários mínimos. Os demais dados do estudo são apresen-
tados abaixo. Os dados mostram que, 90% dos estudantes tem acesso as
aulas por celular e 10% por computador. A falta de condições de acesso
faz com que muitos estudantes tenham dificuldade no ensino diante
do contexto atual causado por pandemia. Para as atividades de ensino
remotas a instituição em questão estabeleceu que como ambiente de
sala virtual, google classrom que favorece o desenvolvimento das aulas
assíncronas. Muitos dos estudantes já conheciam o ambiente virtual
de ensino, visto que a ferramenta já estava sendo utilizada por alguns
docentes para apoio as atividades de ensino.

45
Cleber Bianchessi (org.)

Quadro 1 – Aulas Síncronas


Um pouco antes do horário agendado 20%
Pontualmente no h orário agendado 25%
Alguns minutos após o horário agendado 25%
Não tenho conseguido acompanhar as aulas síncronas 30%
Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

Os dados da pesquisa (Quadro 1) mostram que, 20% dos estudantes


acesso o ambiente de sala de aula virtual antes do horário, 25% pontual-
mente, 25% alguns minutos após o horário e 30% não tem conseguido
acompanhar as aulas síncronas. Embora esses 30% dos estudantes
não consigam acessar as aulas síncronas, os alunos podem ter acesso
as aulas posteriormente já que todas as aulas são gravadas com intuito
de não prejudicar aqueles estudantes que porventura não tenham
conseguido entrar em sala no horário agendado. Para as atividades de
ensino síncronas a instituição estabeleceu que todo o corpo docente e
discente deveria utilizar a plataforma google meet para auxiliar a nova
metodologia de ensino.
Quadro 2 – Aulas Assíncronas
Várias vezes ao dia 25%
Todos os dias 35%
Duas vezes por semana 20%
Uma vez por semana 20%
Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

Os dados do estudo mostram que 25% dos estudantes acessam a


sala de aula virtual várias vezes ao dia, 35% todos os dias, 20% duas vezes
por semana, 20% uma vez por semana (Quadro 2). As aulas assíncronas
favorecem o processo de ensino aprendizagem visto que os estudantes
da turma do estudo em questão em sua maioria além de estudantes são
profissionais e alguns continuam desenvolvendo suas atividades profis-
sionais no período de pandemia, dessa forma, com as aulas assíncronas

46
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

os estudantes podem acessar os materiais de aula de acordo com sua


disponibilidade de horário.
As aulas assíncronas possibilitam ao estudante um pouco mais
de flexibilidade e liberdade na sua rotina de estudos, porém é extrema-
mente importante que esse estudante tenha ciência do seu compromisso
com os prazos e com o desenvolvimento das atividades postadas na
plataforma, estando atentos aos prazos de entrega.
Gráfico 1 - Desenvolvimento das atividades (autoavaliação)

Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

A Covid-19 fez com que os estudantes mudassem totalmente


suas metodologias e rotinas de estudos. Todos o processo de ensino e
aprendizagem precisou passar por uma adequação, que teve que ser
aliada as tecnologias com intuito de aproximar alunos, professores e
instituições de ensino. (GOVINDARAJAN e SRIVASTAVA, 2020)
Relativo à autoavaliação sobre o desempenho nas atividades os
estudantes (Gráfico 1), 40% positivamente, 30% relativamente positivo,
25% nem positivo, nem negativamente, 5% relativamente negativo.
Alguns estudantes demonstram dificuldade em organizar os seus horá-
rios de estudos em se tratando de aulas assíncronas, e apresentam
dificuldades de conciliar as atividades de estudos com trabalho e con-
vivência familiar.

47
Cleber Bianchessi (org.)

Gráfico 2 – Uso das tecnologias

Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

O uso das tecnologias mais do que nunca se tornou necessário


usar as tecnologias, possibilitando assim, a adequação do ensino pre-
sencial ao ensino retomo. De acordo com Hodges, More, Lockee, (2020)
o ensino remoto envolve um processo de mudança temporário e neces-
sário diante da crise que estamos vivenciando causada pela covid-19. Os
resultados encontrados (Gráfico 2) apresentam dados relativos ao uso
da tecnologia em que, 25% dos estudantes avaliam o uso da tecnologia
positivamente, 25% relativamente positivo, 35% nem positivo e nem
negativo, 15% relativamente negativo.
Assim, a possível necessidade de ERT deve tornar-se parte de um
conjunto de habilidades de membros do corpo docente, bem como de
programação de desenvolvimento profissional para qualquer pessoal
envolvido na missão instrucional de faculdades, institutos e universida-
des (SAMSON, 2020), com atenção nas escolhas de longo prazo conside-
rando decisões de tecnologia de curto prazo; planejamento de contexto,
controle acadêmico, atenção e relacionamento com fornecedores e
atenção permanente a todas as desigualdades (CZERNIEWICZ, 2020).

48
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Gráfico 3 - Dificuldade de organização

Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

No questionamento sobre a organização dos estudantes (Gráfico


3) os dados mostram que 10% discordam totalmente, 15% discordam
parcialmente, 40% nem concordo e nem discordo, 15% concordo par-
cialmente, 20% concordo totalmente, sendo 35% dos estudantes que
expõe dificuldade de organização diante das aulas remotas. Com a flexi-
bilidade do ensino diante das aulas remotas os estudantes tornaram-se
mais responsáveis pela a organização seus estudos. Isso se dá porque as
instituições de ensino estão atualmente trabalhando com aulas síncronas
e assíncronas. Nas aulas assíncronas o estudante necessita organizar-se
e criar um ambiente de estudo que favoreça o seu aprendizado, para
tal, o planejamento tornou uma ferramenta importante.
Figura 1 – Nuvem de palavras - Dificuldades vivências

Fonte: Dados da pesquisa, (2020).

49
Cleber Bianchessi (org.)

Acima são apresentadas por meio da figura 1, as palavras que


mais se repetem no que diz respeito as dificuldades que são vivenciadas
pelos estudantes diante do ensino remoto. Os dados nos mostram que as
dificuldades são diversas, relacionadas à internet, a adequação a nova
metodologia (falta do ensino presencial), dificuldades de aprendizagem,
que com o ensino remoto podem se agravar em virtude de não ter o
professor ao lado do estudante de forma presencial, além disso, refor-
çando o que já foi citado anteriormente muitos estudantes tem acesso
ao ambiente de sala de aula apenas pelo celular, e isso é citado pelos
estudantes como uma dificuldade. Com intuito de reforçar os achados
da pesquisa são apresentados alguns trechos citados pelos respondentes.
Estudante A “minha maior dificuldade com relação ao ensino remoto
é o tempo para maior atenção as aulas e atividades, e muitas das vezes
a internet não é tão favorável como gostaria”. Estudante B “só tenho
o fim de semana para responder as atividades e isso é péssimo, tanto
para a aprendizagem tanto que acabo ficando sem tempo para outros
afazeres”. Estudante C “a questão da motivação para estudar pelo meio
digital e a falta de costume com o ensino remoto. Para Jandrić (2020)
vivemos uma situação que apresenta diversos desafios nas mais diversas
esferas que envolvem o ensino, na qual as intuições de ensino precisam
analisar estratégias e se adequar as necessidades atuais e do futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passada crise pandêmica provavelmente a Educação remota de


emergência ou ensino à distância de emergência) não será prioridade,
mas sempre será uma oportunidade de contingência para eventos
extraordinários. Importa ter presente a gestores que professores, ins-
trutores e alunos tenham acesso, habilidades e frequências distintas a
serem consideradas e equalizadas. Flexibilidade com prazos e tarefas
nos cursos, políticas dos cursos e normas institucionais precisam ser
consideradas (IFAP, USA, 2020). A presente possibilidade de ativação
da ERT deve tornar-se parte de rotina de contingência da instituição,
com conhecimento e participação de todos os envolvidos no processo.

50
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

A Organização das Nações Unidas no início de agosto, através de


sumário executivo (ONU, 2020) e reconhecendo a ausência de prece-
dentes para o choque para a educação, revela que a crise do Covid-19
definitivamente “acertou o relógio de volta aos objetivos internacionais
afetados desproporcionalmente que foi aos mais pobres e vulneráveis;
mais a comunidade educacional se mostrou resiliente preparando bases
para a educação”.
Diante disso as perspectivas do ensino remoto para os estudantes
do ensino técnico demostraram que embora existam muitas dificulda-
des e principalmente uma necessidade contínua de adequação a nova
ferramenta de ensino, a maioria dos estudantes visualiza as atividades
de ensino remoto como positivas e em suma a maioria tem buscado se
aquedar. Vale ressaltar que a instituição de ensino também vem buscando
continuamente favorecer por meio de acesso, auxílios e ferramentas
tecnológicas para que os estudantes possam acompanhar as aulas e ter
o melhor rendimento possivel diante da realidade atual.

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Nota: publicado em A Revista Brazilian Journal of Development. v.6,n.10, p


79175-79192.

53
A IMPORTÂNCIA DO PRÉ-TESTE NA PRODUÇÃO
DE JOGOS - RELATO DE EXPERIÊNCIA

Rafael Cavalcante Timbó Medeiros10


Gisele Simone Lopes11
Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro12

INTRODUÇÃO

O homem tem ratificado sua influência como força modificadora


da paisagem e dos aspectos naturais, contribuindo para a devastação
do planeta. Diante da complexidade da conservação ambiental, leis e
pactos nacionais e internacionais têm se mostrado ineficazes (Ardoin,
Bowers, & Gaillard, 2020). Muitas pesquisas e debates envolvem o tema
ambiental, porém, há uma lacuna entre os estudos e a problematização
com o mundo real, concernente a circunstâncias e experiências de con-
servação (Toomey et al., 2017). Uma dessas estratégias de implementação
de ações reais passa pelo trabalho com a temática Educação Ambiental
(EA), pois ela se desenvolve em primeiro plano, considerando os valores
e as práticas desenvolvidas a partir da aprendizagem e vivência local. A
EA é envolvente, inclusiva e aplica ações e técnicas auxiliares da cons-
trução de valores e conhecimentos sobre a importância de proteção ao
meio ambiente (Ardoin, Bowers, & Gaillard, 2020).
Nas últimas três décadas, houve um crescimento considerável
da pesquisa em EA, envolvendo diferentes finalidades, interpretações
e métodos, sendo cada vez mais laborioso o desenvolvimento temático
e suas inovações. Graças à interdisciplinaridade permitida pela EA,
observa-se a relevância em captar a relação entre a temática e os jovens
estudantes como motivador de aprendizagem social e emocional, que

10 
Licenciado em Química (UFC). Professor da rede pública estadual de ensino do Ceará.
E-mail: rafael2_ufc@yahoo.com.br.
11 
Doutora em Química (UFSCar). Professora do Magistério Superior da UFC. E-mail:
gslopes@ufc.br.
12 
Doutora em Química (UFC). Professora do Magistério Superior da UFC. E-mail: elenir.
ribeiro@ufc.br.

54
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

contribui para a promoção de conhecimentos, habilidades e competên-


cias dos discentes (Ardoin et. al, 2018). É dever do poder público promo-
ver EA em todos os níveis da educação, permitindo o tema transpassar
pelo currículo de todos os níveis e modalidades de ensino, com prática
e ações que influenciem a mudança de comportamento da sociedade a
partir da comunidade escolar.
A escola, por meio de seus agentes construtores do processo
educativo, tem empenhado esforços para a construção de técnicas que
chamem a atenção do corpo discente e comunidade escolar, no que tange
à proposição de situações-problema que abordem o tema EA. Para tal,
a utilização de softwares tem auxiliado nesse processo, sendo necessá-
rio pensar qual o melhor suporte lógico, com que finalidade e em que
situação é aplicável. A utilização desses aparatos digitais preconiza o
avanço tecnológico e sua utilização como recurso didático, reeditando
ambientes próximos à realidade dos alunos, o que facilita o desenvol-
vimento de conhecimentos significativos do que é estudado (Squires
& Preece, 1999). Esses acessórios objetivam facilitar a assimilação de
determinados conceitos e conhecimentos, tornando a aprendizagem
divertida, dinâmica e prazerosa para o aluno.
Como sugere Libâneo (2010), a educação escolar tem a necessidade
de se reinventar para assumir seu papel nesse contexto de mudanças
sociais, políticas, econômicas e culturais. A educação precisa atuar
como agente de mudanças no indivíduo, por meio de geração de conhe-
cimento e agregação de valores que levem o sujeito a formar uma cole-
tividade crítica e criativa, como atuante e interventor na sociedade. Na
concepção freiriana, o diálogo entre professor e aluno se inicia antes
de seu encontro físico, quando o educador se pergunta como e o que
irá conversar com os educandos. Tem se tornado cada vez mais forte a
utilização de ferramentas digitais para mediar a conversa entre esses
dois personagens, já que o fácil acesso a essas ferramentas se configura
em uma variedade de recursos didáticos.
Com o propósito de contribuir com esse tipo de educação, os
jogos atuam desenvolvendo a criatividade e aprendizagem por meio da

55
Cleber Bianchessi (org.)

motivação, a partir de uma visão sócio-construtivista na formação do


conhecimento. Com a intenção de consolidar tais argumentos, podem
ser citados vários referenciais teóricos, tais como: Cunha, 2012; Oliveira
et. al, 2017; Da Silva Jr. et. al, 2017; Souza, 2015; Squires & Preece, 1999.
Além disso, esses autores canalizam premissas no sentido de que os jogos
contribuem para formação dos jogadores, no que concerne a múltiplas
perspectivas, visão social da aprendizagem e facilidade de assimilação
por meio de processos ativos de promoção de conhecimento, permeando
uma aprendizagem significativa para o estudante.
A utilização de jogos didáticos é uma das diversas
ferramentas em grande potencial de utilização,
uma vez que traz a conotação de diversão, curiosi-
dade, satisfação e desafio durante a aplicação, o que
torna o ato de aprender mais atraente e prazeroso.
Além disso, os jogos estimulam o aluno a pensar e
a desenvolver ações, por meio do gerenciamento
das consequências que cada uma dessas ações
desenvolveria na vida real. Essas relações permitem
a apropriação do conhecimento por intermédio de
casos e fatos ocorridos no dia a dia, incentivando
o aluno a ter confiança nos assuntos abordados,
tratando-os com relevância. O trabalho utiliza uma
versão digital desenvolvida na plataforma 001 Game
Creator e visou a analisar a importância do pré-teste
antes de sua avaliação final no processo de ensino
e aprendizagem da Química e de temas ambientais.
O pré-teste visa a validar a prática pedagógica de
jogos no processo real de aprendizagem dos estu-
dantes. De Sá Leite et. al (2018) frisa a importância
de uma avaliação prévia dos instrumentos didáticos
antes da interação com o público-alvo, observando
a expressividade do que se deseja ensinar, elimi-
nando e corrigindo situações indesejáveis. Jappur,
Forcellini e Spanhol (2014) observam a necessidade
de articular o jogo aos princípios e necessidades
pedagógicas idealizadas, estimando sua ação e
aplicabilidade em sala de aula. Hauge et. al (2014)
descreve a importância da pesquisa e de testes de
desempenho na especificidade do que se intenta

56
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

produzir em termos de aprendizagem por meio


dos jogos.

DESENVOLVIMENTO

Na primeira etapa de concepção da pesquisa, foi desenvolvida


uma revisão bibliográfica, buscando material literário que imprimisse
a compreensão da temática de processos de fabricação de componen-
tes eletrônicos e a consequência ao ambiente do descarte incorreto,
mediante o levantamento de dados e informações para a boa com-
preensão do assunto. De posse do material bibliográfico, foi elaborado
o roteiro do jogo em uma abordagem Química como promotora de EA,
aplicada à prática de fabricação de componentes eletrônicos, a fim de
observar criticamente qual a intenção, o público-alvo e a estratégia
pedagógica envolvida no processo de validação do jogo (De Sá Leite et.
al, 2018; Jappur, Forcellini e Spanhol, 2014; Hauge et. al, 2014).
Após a construção do roteiro, foi desenvolvido um jogo na plata-
forma 001 Game Creator, versão gratuita, em busca de promover uma boa
interface de interação com o aluno e promover motivação, experiência
e conhecimento, como recomenda Savi et al. (2010). Após a elaboração
do jogo, este foi aplicado, na forma de pré-teste, a uma turma de 2º ano
integral do curso Técnico em Redes de Computadores como forma de
observação, desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico do jogo. Essa
turma foi escolhida para participar da prévia do jogo por sua afinidade
e conhecimento técnico em jogos eletrônicos, podendo contribuir para
o melhor desempenho do jogo. Participaram dessa etapa, também, três
professores com experiência em utilizar jogos eletrônicos, dentre os
quais um dos referidos é professor do curso Técnico em Multimídia e
criador de jogos eletrônicos, corroborando com o que Jappur, Forcellini
e Spanhol (2014) argumentam em prol da articulação entre princípios
e necessidades pedagógicas no processo de criação.
O questionário utilizado para o pré-teste (Figura 1) foi composto
pela junção de pontos específicos de trabalhos que orientam a avaliação
de jogos desenvolvidos por Savi et al. (2010) e Von Wangenheim (2007).

57
Cleber Bianchessi (org.)

Figura 1 – Modelo de questionário utilizado para o pré-teste.

Fonte: O autor.

Este questionário possui itens sobre vários aspectos em seus


parâmetros de avaliação, apresentados na forma de interrogações, para
que os alunos indiquem suas percepções do jogo, e sugestões para que
se tenha possibilidade de aprimorá-lo.
Os jogos educacionais são carentes de modelos de avaliação que
permitam apurar se o produto educacional consegue cumprir o objetivo
para o qual foi planejado. Os resultados das avaliações devem auxiliar os
desenvolvedores com informações sobre a finalidade do material, pois
a avaliação não diz respeito apenas a uma melhoria no desempenho,
mas também, à anuência, compreensão e ao contentamento do usuário
com o jogo (Hauge et. al, 2014). O pré-teste foi realizado objetivando,
além do ideal pedagógico, obter informações dos jogadores sobre a
clareza, o impacto e a viabilidade da versão inicial do produto. O teste
foi realizado com uma turma de 34 alunos do curso Técnico em Redes
de Computadores, avaliando o designer instrucional, tecnológico, con-
58
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

teudista e gráfico do jogo, apropriando-se dos resultados para a melhoria


da versão final do jogo.
Para o pré-teste, no que se refere à avaliação do desempenho
do jogo em relação à facilidade de utilização e participação, foram
realizadas perguntas que categorizam o desempenho de acordo com
comentários positivos e negativos sobre o jogo. Foram também incluídas
mais duas categorias para completar a análise: sugestões para melhoria
do jogo quanto ao conteúdo e sugestões para melhoria referente ao for-
mato/mídia. A partir da junção das respostas e observações realizadas
pelos alunos, foi possível compilar tudo em gráficos, como mostrados
na figura 2.
Após a análise do pré-teste, foi conduzida uma atualização
do jogo, sendo corrigido bugs, objetividade, sistematização e apli-
cabilidade do jogo, consoante à complexidade multidimensional de
avaliação de jogos (Hauge et. al, 2014). O jogo atualizado encontra-
-se no seguinte link: https://www.dropbox.com/sh/qqyxsl5701qd4kf/
AACTowvCarDPkipXFQfQPi9Ga?dl=0
Figura 2 - Gráficos demonstrativos das respostas referentes à
clareza, impacto e viabilidade da versão inicial do produto

Fonte: O autor.
Os resultados demonstraram que 55,9% dos alunos concordam
fortemente e 32,4% concordam que o jogo facilitou o entendimento

59
Cleber Bianchessi (org.)

no processo de ensino e aprendizagem, perfazendo um total de 90,3%


dos alunos. A avaliação é positiva e realça a necessidade e importância
de diversificação de metodologias aplicadas ao ensino de Química,
como profere Cunha (2012). Os jogos são importantes para o ensino e a
aprendizagem dos alunos e servem como suportes para os professores,
podendo ser utilizados como uma forma de dinamizar as aulas e motivar
os alunos. Nesse sentido, o professor funciona como o indutor de novas
situações que estimulem o aluno à aprendizagem.
No que diz respeito à interatividade com os recursos disponibili-
zados pelo jogo, resolução de problemas na área técnica e linguagem de
software, 57,8% dos alunos concordam fortemente e 36,2% concordam
que o produto desenvolve uma boa interatividade entre jogadores e
recursos, tornando-se um bom material para a resolução de problemas
práticos, a partir de uma linguagem tecnológica de fácil entendimento.
Como ressalta Cunha (2012), a interatividade é o carimbo do programa,
na dinâmica de aplicar conhecimentos sobre determinados assuntos
para resolver problemas sugeridos, comprovando ser o jogo um exce-
lente instrumento para o ensino lúdico.
Referente à diversão proporcionada pelo Jogo, 41,2% dos alunos
concordaram fortemente e 52,9% concordaram que a atividade lúdica
em questão proporciona um divertimento atrelado à aprendizagem de
Química. Elaborar jogos que contemplem diversão e aprendizagem é
uma provocação expressiva, pois é necessário ter uma especificidade
clara dos objetivos da aprendizagem aplicados a uma estrutura e dinâ-
mica do jogo que possibilite juntar os dois aspectos (Aleven et. al, 2010).
O quesito diversão está diretamente ligado a como o aluno encontra-se
imerso ao jogo, pois quanto mais profundo ele penetra sua atenção no
objeto de aprendizagem, maior a concentração e foco no conteúdo a
ser estudado (Oliveira et. al, 2017).
A análise dos dados forneceu que 31,3% dos alunos concordaram
fortemente e 47,0% concordaram que o jogo apresenta uma boa duração,
uma sequência apropriada e um grau de dificuldade oportuno para o
entendimento das temáticas e desafios propostos pelo jogo. Um dos

60
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

fatores preponderantes na aplicação de jogos educacionais é o tempo


de aplicação, que deve ser diminuído durante sua execução, com o
intuito de reduzir a interrupção da unidade instrucional (Savi et. al,
2011), também privilegiando a interação entre o conteúdo abordado
por meio de aulas e a construção do conhecimento contínua, tornando
a aprendizagem mais significativa (Souza, 2015).
As informações disponíveis no jogo conseguiram subsidiar a
resolução de problemáticas disponibilizadas pelo produto e tratadas
de forma objetiva, segundo 90,1% dos alunos. O escopo instrucional de
um bom jogo educativo deve aglutinar elementos verbais e visuais que
proporcionem uma sequência lógica ao aluno na prática de sua habi-
lidade cognitiva (Aleven et. al, 2010). O design instrucional direciona
os objetivos e necessidades da aprendizagem antes, durante e após a
criação e a aplicação do produto, garantindo seu contínuo aperfeiçoa-
mento (Savi et. al, 2011).
Durante a avaliação do pré-teste, foram feitas quatro perguntas
subjetivas que faziam menção ao que os pesquisados haviam gostado
ou não no jogo, às sugestões para melhorar o conteúdo, ao formato e às
mídias, como descrito no questionário da figura 1. As respostas dadas
pelos alunos chamaram atenção para a questão da leitura. Por um lado,
90% dos estudantes reclamaram da leitura durante o andamento do jogo,
por outro lado, quando abordados os dados referentes aos professores,
esses avaliaram os textos com um tamanho adequado às necessida-
des do jogo. Isso aponta para o fato de que boa parte dos estudantes
não enxergam a leitura como um componente do entretenimento, da
enculturação e do progresso, essencial para o desenvolvimento de
competências e habilidades (Tourinho, 2011).
Referente ao que mais gostaram no jogo, os estudantes relataram
que os desafios propostos permitiam um dinamismo e uma perspectiva
diferente a forma de aprender e compreender os assuntos, não sendo
uma atividade monótona. O desafio proporciona uma boa interatividade
do discente com o jogo, devendo manter-se em um nível que não pro-
duza frustações, ou por ser muito difícil, ou por ser monótono, muito

61
Cleber Bianchessi (org.)

fácil (Oliveira et. al, 2017). É necessário que o objeto possua uma escala
de dificuldade que se adeque ao nível de habilidade do jogador, possi-
bilitando a oscilação temporária no grau de desafio (Savi et. al, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa seguiu um rigoroso guia de avaliação de jogos educacio-


nais e referenciais teóricos com significações e perspectivas diferentes,
sempre no intuito de formalizar o produto educacional ao objetivo que
foi planejado, permitindo subsidiar os desenvolvedores com informa-
ções sobre a utilização e aplicabilidade. Foi fundamental precisar um
modelo de avaliação baseado na percepção da clareza, no impacto e
na viabilidade da versão inicial do jogo, apropriando-se dos resultados
para a melhoria da versão final do jogo.
Por meio da análise dos dados obtidos, o teste serviu para a cons-
trução da validação de um objeto educacional dinâmico e motivador,
mostrando-se como uma alternativa viável ao aprimoramento da cons-
trução do conhecimento e das habilidades sociais durante as aulas. A
observação mostrou, ainda, o grande potencial do jogo como ferramenta
a ser utilizada como material didático, tornando a ação de estudar um
momento de diversão e descontração, proporcionando experiências
positivas para o estudante mediante desafios com um nível adequado
de dificuldade, o que colabora para a aprendizagem significativa.
Procurou-se demonstrar a importância da validação de um ins-
trumento didático que possibilite o professor aplicar estratégias para
a estruturação do significado e do conhecimento, a partir de um bom
planejamento para efetivar o objeto educacional. Essa pesquisa propicia
uma perspectiva de validação para a formulação e implementação de
um bom material didático que favoreça a construção de uma aprendi-
zagem significativa à realidade do estudante.

62
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

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Educação em Engenharia de Software, v. 37, 2007.

Nota: parte deste trabalho foi apresentado no I Simpósio de Ensino em Ciências


e Matemática do Nordeste (I SECMAT) ocorrido em 2017 em Fortaleza.

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DIMENSÕES SOCIAIS, AFETIVAS E
DE APRENDIZAGEM: REPENSANDO
COMPORTAMENTOS EM UM
REFEITÓRIO INFANTIL

Lucas Collito13

INTRODUÇÃO

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, os chamados PCNs (MEC,


1998), norteiam o professor de forma clara sobre os conteúdos que ele
deverá levantar em prática docente através de seu programa, das quais
estão dispostas em lógica organizacional de conhecimentos através da
lente que valoriza a disciplina e suas abordagens clássicas, construindo
assim, os pilares essenciais na formação do professor.
Neste sentido, entendemos que tal modelo e disposição organi-
zacional conduz à fragmentação do conhecimento quando observamos
uma ênfase primordial na transmissão de informações o mais precisa
possível, especialista, exata e que se predomina em prática até mesmo
pela visão do docente. Seguindo este pensar é indispensável repensar
esta prática e como será conduzida propiciando que os alunos apoiem
suas ideias e sua bagagem na prática rotineira de ensino e ao mesmo
tempo de educação da sua qualidade de vida (DOMENE, 2008).
A escola é um espaço propício para estímulo e disseminação de
informações sobre o tema: “educação alimentar e nutricional”, visto que
as crianças de séries iniciais passam boa parte do tempo no ambiente
escolar. A educação alimentar entre crianças construindo suas condu-
tas alimentares e concepções do abstrato “saudável” é fundamental e
torna-se tema importante frente às praticas de profissionais que saibam
e estimulem o tema em refeitórios.

13 
Mestrando em Desenvolvimento Comunitário pela Universidade Estadual do Centro
Oeste do Paraná (PPGDC/UNICENTRO). Nutricionista especialista em Educação e Socie-
dade. Bolsista CAPES. E-mail: lucascollito@gmail.com

65
Cleber Bianchessi (org.)

Através deste prisma compreendemos que a abordagem e estí-


mulo aos temas chamados transversais, disposto como acessório aos
PCN tenham esta finalidade: levantar e trabalhar temáticas dentro do
ambiente escolar à luz da educação que dessem conta de outros olhares
que não se encaixam de forma exata em determinadas disciplinas e ati-
vidades diárias do mundo discente. Além disso, tratar de questões como
ética, pluralidade cultural, meio ambiente, orientação sexual e saúde – os
cinco temas propostos para a transversalidade (MEC, 1998b) – parece
mais ajustado em uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar,
dada a evidente multiplicidade de pontos de junção desses temas com
as variadas disciplinas (DOMENE, 2008).
No âmbito dos PCNs, a alimentação e nutrição ganhou papel
importante a ser desenvolvido pelas instituições, mas agora voltamos
o olhar para os profissionais aptos para desenvolver e estimular tal pro-
posta no meio educacional. A fim de refletir sobre estas questões, para
além do livros didáticos e pinturas de alimentos, propôs-se o seguinte
objetivo: acompanhar e analisar o comportamento de educadores de
um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) no município de
Guarapuava-PR através de uma observação não-participante nas três
refeições das crianças no refeitório da instituição.
Entre os 22 educadores, a maioria tinha formação em Pedagogia
seguido de Letras. Em seguida, aplicou-se sugestões individualizadas
aos educadores como sentar-se ao lado dos alunos, elogiar as refei-
ções, associar as refeições à estórias e personagens, não associar as
refeições a conceitos de vilãs, aguardar o tempo de cada educando nas
suas refeições e outras sugestões, todas através de um material folder
para uma prática alternativa e roda de conversa. Após uma semana de
orientação com os docentes, acompanhou-se novamente as turmas no
refeitório com os educadores. O estudo teórico e a pesquisa empírica
tiveram uma perspectiva interdisciplinar, aproximando os estudos das
práticas educativas, os estudos da educação alimentar entre crianças,
sociologia da infância e a antropologia.

66
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Consideramos que a leitura do mundo é fundamental para que


todos nós, que vivemos em sociedade, possamos exercitar nossas opções,
gostos e nossa cidadania. Queremos tratar aqui sobre qual a possibili-
dade de ensinar saúde, ensinando saúde na prática eficiente; e estimu-
lar os educadores neste ensinar, capacitando-os através desta mesma
prática. Para tanto, buscamos refletir sobre o papel deste profissional
no Centro Municipal de Ensino Infantil14, em especial na convivência
do refeitório, no momento do processo de construção e concepção de
gostos, sabores e mundo.

PERSPECTIVA DOCENTE

As licenciaturas são cursos que, pela legislação, têm por objetivo


formar professores para a educação básica: educação infantil (creche e
pré-escola); ensino fundamental; ensino médio; ensino profissionali-
zante; educação de jovens e adultos; educação especial. Neste sentido,
vem sentido discutido os currículos e sua institucionalização através
de suas aptidões e problemas na formação de docentes, cujo tema
vem sendo largamente discutido sob o olhar de propósitos formativos
por vários autores clássicos (Candau, 1987; Braga, 1988; Alves, 1992;
Marques, 1992).
Apesar dos vários problemas institucionais que se observa em
sociedade educacional, a preocupação com as licenciaturas é discutida
quanto a seus conteúdos, condutas e instituições que só tendem a se
complexificar. Embora tal discussão seja acesa, é importante ressaltar
que tais professores não são os únicos responsáveis sobre o desempenho
atual de ensino no país. São vários os fatores que contribuem para a
problemática como as políticas educacionais atuais, aspectos culturais,
locais e regionais, financiamento da educação básica, formação de
gestores, o social e a escolarização dos pais dos alunos, salário docente,
condições de trabalho, entre vários outros (DOMENE, 2008).

14 
Foram acompanhadas neste trabalho todas as turmas de um CMEI (Centro Municipal
de Ensino Infantil) no refeitório por quinze dias ao total da observação no município de
Guarapuava-PR no ano de 2019. Esta pesquisa fez parte de um projeto maior no âmbito
educacional.

67
Cleber Bianchessi (org.)

No estudo de Gatti & Barreto (2009), observa-se que a escolha da


docência como uma espécie de “seguro desemprego”, ou seja, como
uma forma de segurança caso não consiga o sujeito outro exercício para
atividade social, era até então relativamente alta (21%), sobretudo entre
os licenciandos de outras áreas que não a Pedagogia.
Gatti (2008) em outro estudo afirma achados de sua pesquisa
que mostram que o currículo apresentado pelos cursos de formação
de professores tem uma característica fragmentária, revelando uma
formação deficiente como a pouca preocupação em relacionar a teoria
com a prática, o quê e como ensinar de uma visão técnica, disciplinas
da formação profissional específica têm 30% do currículo, sendo o
restante outras disciplinas em natureza da prática, os conteúdos das
disciplinas a serem ensinadas na educação básica (Alfabetização, Lín-
gua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação
Física) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de formação e,
na grande maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma
genérica ou superficial, sugerindo frágil associação com as práticas
docentes, alem de serem poucos os cursos que propõem disciplinas
que permitam algum aprofundamento em relação à educação infantil.
Seguindo esta trilha, é fácil perceber através dos estudos citados
o porquê os currículos das formações docentes estão em discussão hoje,
sendo estes prejudicados em posteriormente trabalhar com temas e
ferramentas em habilidades profissionais para sua respectiva atuação
no âmbito educacional. Desta forma, a relação teoria-prática como
proposta nos documentos legais e nas discussões da área também se
mostra comprometida desde essa base formativa.
A narrativa que propomos aqui procura contribuir de forma
sucinta para refletirmos sobre o papel da escola e do professor e sua
ação de ensinar-educando, uma vez que pensamos que sem os conhe-
cimentos bases que auxiliem no caminhar da interpretação de mundo,
não há verdadeira educação. A análise de observação aqui feito busca
comtemplar as dimensões sociais, afetivas e de aprendizagem, que
entendemos serem as bases para um desenvolvimento pleno, por isso

68
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

a metodologia utilizada pela equipe pedagógica para esse momento no


refeitório como estratégia de trabalho é o locus da análise já que enten-
demos que este momento, assim como a sala de aula pode contribuir
com o desenvolvimento.

PRÁTICA

Crianças são produtoras de cultura, envoltas e produtoras através


da sua classe social, etnia, gênero e amplamente diferenciadas em face
psicológica e cultural. Aprendem, criam, sentem, dão sentido ao mundo,
produzem história e estão em momento de modificação no contexto
histórico da vida humana.
A construção da história pessoal dentro do seu próprio contexto
social a partir da cultura e linguagem estão presentes. Quando interagem,
compartilham, criam, elas aprendem e transformam tendo papel de
sujeitos ativos que vivem a realidade através de suas concepções. Neste
contexto, entendemos que os adultos são responsáveis pela mediação,
colaboração, onde o seu papel é essencial na perspectiva do desenvol-
vimento e interpretação do aprendizado ao longo da vida.
Como coadjuvantes na leitura e aprendizado de crianças, os
adultos que o cercam exercem importante interferência diária. Os
eventos acompanhados revelam perspectivas singulares e para além
desta leitura enunciam contextos amplos, das políticas, da formação,
das práticas diárias e de oralidade revelando os trabalhos realizados
nas escolas de educação infantil.
A comunicação entre adultos e crianças são sempre marcados
entre a forma de agir e interagir apoiado ao diálogo e imposição, do
carinho à rispidez, do respeito ao deboche. Ações e falas de atenção
que se norteavam conforme o tempo no refeitório. Dar sentido à indi-
vidualidade e ao mundo da criança é a problemática central observada
(CARVALHO, 2005).
Em prática, observa-se o adultrocentrismo com predominância
nas ações do refeitório. A ação do educador, o que ele manda como o
comer gostando ou não, o apresar da criança a comer porque é hora

69
Cleber Bianchessi (org.)

de retornar à sala de aula, o modo inferior como é tratado o gosto, a


preferência, o comentário da criança em relação ao prato, são todas
ações presenciadas de forma “naturalizada” neste momento.
Neste olhar, percebemos que o trabalho com a atenção e o uni-
verso próprio da criança a impede de imaginar e criar suas preferências,
através de uma intenção educativa dos educadores de forma ausente,
dificultando assim as possibilidades de estímulos do papel do docente
através da linguagem.
Os hábitos alimentares dão-se em construção a partir do nasci-
mento, por uma trilha a ser percorrida de prática alimentar que os pais
têm a responsabilidade de introduzir nos anos iniciais. O crescimento
é um ponto significativo no primeiro ano de vida e a alimentação sau-
dável é indispensável. O que refletimos aqui é de que este momento
escolar na vida das crianças é um momento importantíssimo para o
fortalecimento desta construção de alimentação, de gostos, de sabo-
res e de como os professores possuem papel modelo para estímulo ao
saborear, ao gostar de se alimentar com prazer e sua importância – ou
deveriam (JÜLG, 2015).
Observou-se aqui professoras que mostram condutas relevantes
em torno do sujeito da criança e suas ações no momento da refeição.
Algumas diferem as crianças de forma natural dos seus colegas, não o
chamando pelo nome, partindo de uma abordagem impessoal no refei-
tório como psiu, menino, menina, você, eram formas que os educadores
utilizavam no momento da punição em relação ao comportamento e
ao comer no local, tornando as crianças anônimas.
Acompanhou-se uma educadora colocando um aluno para comer
longe de todas as outras, do outro lado do refeitório, contra a vontade da
criança. Todas as sociedades possuem formas para estimular e corrigir
seus membros da infância à idade adulta, formas de transmissão de
conhecimento, de valores e de normas, Melatti (1979) relata o processo
educativo étnico de uma criança marubo: “Durante o tempo em que o
indivíduo é uma criança de colo, sem dúvida já se inicia sua formação
como marubo”. O autor coloca que desde o contato com os alimentos

70
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

até outros hábitos como amarrar os pulsos, os braços, os tornozelos e as


pernas para que engrossem, fazendo dele um bom trabalhador no futuro.
Não estamos falando aqui de uma criança marubo, mas certa-
mente é possível compreender à luz do autor a ideia de norma cultural
para conduta social. Neste pensar, entendemos que a punição através do
isolamento no momento do comer não é conduta favorável como punição
de forma educativa para o comportamento da criança. E que infelizmente
é aqui vista corriqueiramente nas observações não-participativas.
Vejamos, Cohn (2005, p. 21) coloca a importância do sistema de
simbolização compartilhado, porém, não ao modo de sujeitos, mas
sendo por eles formado a partir de suas relações e interações necessária
das crianças. Este fato nos possibilita compreender os discentes como
criadores de seu próprio sistema simbólico e visão de mundo,
Ao contrário de seres incompletos, treinando para
a vida adulta, encenando papéis sociais enquanto
são socializados ou adquirindo competências e
formando sua personalidade social, passam a ter
um papel ativo na definição de sua própria condição
(COHN, 2005, p. 21).
O distanciamento físico dos adultos em relação às crianças tam-
bém foi observado na organização do espaço, na postura corporal. Os
educadores comem ao mesmo tempo em que as crianças de forma
distanciada, sem quaisquer contato e atenção aos pedidos, comentá-
rios, estímulos. Até certo ponto, compreendemos que a ação permite
as relações interpessoais do próprio grupo, suas interações, mas num
outro olhar, a ausência do educador em vários momentos da refeição
também é deficitária para uma promoção de estímulo e relação.
Quando a professora menciona: “Pessoal, tem coisas que mesmo
não gostando, temos que comer” e nas atividades, ilustrações, quando
ela diz: “isso é bom”; “isso não é tão bom, devemos evitar”, podemos ver
a força do caráter dogmático da educação em saúde nessas atividades.
Mohr (2002, p. 211) coloca que muitos professores “não distin-
guem entre um processo educativo, uma instrução ou um treinamento”.

71
Cleber Bianchessi (org.)

Agindo desse modo, as atividades acabam se distanciando de princípios


educativos, colocando a pratica numa visão técnica, instrucional.
Havia ações que instigavam o interesse das crianças pelos pratos
e situações, como os comentário e dúvidas que surgiam, como que
bebida era naquele dia, os cheiros, a cor das comidas, as preferências
do prato. Estes contextos, em alguns momentos, não eram levados em
considerações ou sequer respondidas pelas professoras. Quando uma
criança dizia que não gostava ou não queria pela aparência a responsável
soltava a frase automática “deixa no cantinho do prato”. Novamente,
não observamos diálogo entre o educador e a criança para sequer
experimentar o prato do dia. Em nenhum dia.
Destacamos aqui a importância da pergunta, pois acreditamos
que assim como coloca Freire e Faundez (1985), que uma das formas de
conhecimento se inicia por meio de uma pergunta. Serão as perguntas
que irão estimular os alunos em busca de uma solução ao problema
com que foram confrontados.
Nem todos os dias as educadoras ouviam os pedidos e reclama-
ções e raramente as crianças tinham oportunidade de se expressar, de
escolher, de fazer suas leituras de mundo através das refeições. Dentro
deste prisma, ainda assim observaram-se duas educadoras que manti-
nham o sorriso todos os dias, eram atenciosas e estimulavam as crianças
nos mais diversos comentários e ações no momento da alimentação.
Presencia-se uma limitação das interações através dos limites
que os adultos colocam sobre as brincadeiras e ações. A despeito dos
avanços teóricos, das mudanças nas políticas públicas e nas propostas
curriculares, predominaram práticas instrucionais voltadas tão somente
ao ensino ou ao ato de comer, comer porque é hora de comer, isso
mesmo em relação às crianças mais pequenas dali.
Para tanto, entendemos aqui todas as dificuldades e problemá-
ticas na formação dos docentes em sua gênese, como já destacado
neste ensaio. Repensar e integrar de forma interdisciplinar as práticas
e atividades devem ser cogitadas pelos gestores de cada instituição e
Centro de Educação Infantil.

72
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

A linguagem das crianças está impregnada de marcas de seus


grupos sociais de origem, valores e conhecimentos. Seus modos de
falar e agir fazem parte de suas bagagens culturais, de vida. Colocar a
lente da pesquisa nas ações, produções e apropriações das crianças e
professores possibilitou a reflexão sobre a complexidade da linguagem
e do trabalho com as simples ações cotidianas na educação infantil.
Nesse contexto, a Educação Alimentar e Nutricional não pode
ser vista como transmissão de informações, mas como utilização des-
sas informações para a promoção de mudanças de comportamentos
e atitudes na prática diária, nos detalhes, como modelo e estímulo ao
ser da criança e suas concepções individuais. Daí a necessidade de um
trabalho que não se restrinja apenas às aulas de Ciências, ou ao desen-
volvimento de uma atividade durante o ano letivo, ou a estagiários da
área da saúde, porém que o conhecimento seja discutido e vivenciado
continuamente.
A parceria com o nutricionista no acompanhamento desse pro-
cesso é indispensável, no sentido mais educacional do ato de comer.
Entretanto, nunca a educação esteve no ápice da preocupação geral
da sociedade brasileira como nos últimos anos. Transformou-se em
interesse de todos, reconhecendo que, sem investimento sério neste
setor, os problemas e desafios sociais serão cada vez mais urgentes em
relação às possíveis resoluções (DA SILVA, 2015).
Ao realizarmos a relação entre as práticas educativas na ali-
mentação e sua atenção na formação das crianças com as implicações
decorrentes da prática dos docentes, podemos observar que essas estão
condicionadas as percepções epistemológicas do professor. A carga de
visão e conhecimento em relação a que ele tem e percebe em si mesmo.
Mesmo com as orientações individuais posteriores para a pratica no
refeitório, observamos que nada mudou, professoras jovens que não
possuem interesse nos próprios alunos e na sua ação frente à futura
geração, nos permitem observar os posicionamentos dos professores
em relação à prática da educação em saúde.

73
Cleber Bianchessi (org.)

Com base nas discussões de formação, das políticas educacionais


e da prática observada, compreendemos que o ponto central é trazer o
aluno da pedagogia, especialmente, para uma aproximação no campo
interdisciplinar como visão, bem como no campo teórico da antropologia
inteiramente desconhecido e fundamental à interação e compreensão
com os sujeitos. A razão é simples: a educação não tem sido um dos
campos privilegiados pela antropologia e pelas áreas da saúde. Com
isso, torna-se cada vez mais necessária a visão ampla e interdisciplinar
tantas vezes aqui citada como fundamental.

CONSIDERAÇÕES

Os relatos da prática fornecem material para a discussão das difi-


culdades e dos conflitos encontrados e para a reflexão sobre as formas
de enfrentá-los. As práticas podem ser subsidiadas e acompanhada das
diversas propostas apresentadas nos extratos discutidos na experiência
educacional, como forma de aproximar tal momento de se alimentar
com o crescimento e desenvolvimento das crianças mais consciência
à luz de uma prática pedagógica.
Talvez a observação não-participante tenha influenciado o com-
portamento de alguns docentes no refeitório em um primeiro momento,
mas não acreditamos que esta mudança tenha sido significativa ou
contínua durante todo o período acompanhado, visto que as condutas
nas refeições não eram positivas e nem tão pouco de preocupação com
a observação do pesquisador.
Sugerem-se aqui continuidade de observações dentro desta temá-
tica interdisciplinar educacional, bem como a prática religiosa ensinada
pelas docentes antes da alimentação neste ambiente, ponto para um
diálogo futuro. Diante desta tela, podemos facilmente reconhecer a
necessidade de uma reorganização da educação alimentar e prática
docente para além da sala de aula e repensá-la, como propomos no
título desta narrativa.
“Com as crianças aprendemos um pouco mais sobre nossa cultura,
nossas origens e sobre a diversidade em nosso país. Talvez nesse per-

74
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

curso tenhamos conhecido um pouco mais de nós mesmos” (ANDRADE


apud DELGADO, 2010, p. 58).

REFERÊNCIAS
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educação infantil e séries iniciais. SUMÁRIO, 2005, p. 29.

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COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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DELGADO, A.; PEREIRA, R. São Cosme e Damião, Carnaval e semana da Criança:


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v.18, 2010, p. 29-64.

DOMENE, Semíramis Martins Álvares. A escola como ambiente de promoção da


saúde e educação nutricional. Psicol. USP, São Paulo, v. 19, n. 4, 2008, p. 505-517.

FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro:


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ções formadoras e seus currículos; relatório de pesquisa. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas; Fundação Vitor Civita, 2008.

JÜLG, Lane Karina; FERREIRA, Pâmela Fantinel. Educação Nutricional na


Escola: Momentos de Aprendizado. Salão do Conhecimento, v. 1, n. 1, 2015.

MARINHO, Julio Cesar Bresolin; DA SILVA, João Alberto. Modos de organização


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v. 17, n. 1, 2015.

MELATTI, Delvair e MELATTI, Júlio C. “A criança marubo: Educação e cuida-


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Nº 143, jan./abril 1979, vol. 62, pp. 291-301.

MOHR, A. A natureza da educação em saúde no ensino fundamental e os pro-


fessores de ciências. Tese de doutorado. Florianópolis: Universidade Federal
de Santa Catarina, 2002.

75
COMPREENDENDO O PROCESSO DA AVALIAÇÃO
DA APRENDIZAGEM ESCOLAR

Maria das Vitórias Silva do Nascimento15

INTRODUÇÃO

Há muitos anos, a avaliação da aprendizagem escolar tornou-se


elemento central de discussão no contexto educacional brasileiro,
sendo campo de estudos e pesquisas por parte daqueles que buscam
compreender caminhos para realizar esta prática que traz consigo
complexidades, e ao mesmo tempo é indispensável para identificar e
acompanhar o desenvolvimento no processo da aprendizagem.
De acordo com a LDB nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996, o
artigo 24 preconiza uma avaliação contínua e cumulativa do desem-
penho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os
quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais
provas finais. E diante dessa prerrogativa não é aceitável que no século
XXI, ainda se exerça uma prática avaliativa classificatória e excludente,
muitas vezes por não ter um maior aprofundamento teórico acerca da
avaliação ou até mesmo porque a prática coerente da mesma demanda
maior esforço ou mudança de atitudes no ato contínuo de planejar
ações. Com o presente trabalho, propomos discutir as possibilidades
de se repensar a avaliação da aprendizagem escolar numa perspectiva
progressista, onde o aluno possa ser valorizado em todos os aspectos
e não apenas no cognitivo.
O capítulo intitulado “Compreendendo o processo da Avaliação
da Aprendizagem Escolar”, apresenta um breve histórico da avaliação
no Brasil desde o século XVII até os dias atuais, mostrando os avanços
acerca das mudanças no processo avaliativo no campo educacional e
suas normatizações de acordo com a LDB Nº 5.692/71 e Nº 9.394/96,

15 
Mestre em Ciências da Educação pelo Instituto Superior de Educação Lúcia Dantas
– ISEL (DF), Pedagoga nas redes municipais de Educação de Guamaré e de Macau (RN).

76
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

dando suporte através de estudos de Haydt (1988), e Luckesi (2001),


dentre outros, a fim de promover reflexão e engajamento dos sujeitos
do processo sempre com intuito de colaborar para melhoria do ato de
avaliar a aprendizagem no espaço escolar e assim, alcançar resultados
mais efetivos.

COMPREENDENDO O PROCESSO DA AVALIAÇÃO DA


APRENDIZAGEM

Quando ouvimos falar em avaliação da aprendizagem, dificil-


mente conseguimos dissociar da ideia de provas escritas, exames e
testes com intuito de mensurar para atribuir a nota, uma vez que esta
é uma prática tradicional que ainda está impregnada, fortemente, em
nosso meio educacional.
Porém, aos poucos os docentes estão despertando para a real
visão sobre o ato de avaliar, compreendendo-o como um processo que
possibilita professor e aluno a perceberem melhor suas dificuldades
buscando superá-las.
O tema da avaliação é complexo, e é comum vir acompanhado
por dúvidas, perguntas, incertezas, inseguranças, descrenças e medo.
Entretanto, são essas questões e o reconhecimento desta complexidade
que estimulam, paulatinamente, a reflexão, autocrítica e novas ideias
e debates sobre modelos de avaliação de aprendizagem adotada por
nossas escolas.
Esses fatores indicam, portanto, o quanto é importante discutir
o processo de avaliação da aprendizagem com toda a comunidade
escolar, para que haja uma melhor compreensão e a desmistificação
deste elemento que, muito embora passível de críticas – vale salientar,
necessárias - é essencial para prática sócio educativa.
Isso ocorre simplesmente pelo fato de que não se pode pensar
numa escola, dissociada da ideia de avaliação, visto que esta prática está
presente cotidianamente em nossas ações como sujeitos inseridos em
um meio social pautado por diferenças. Assim, em termos práticos, é
impossível não avaliarmos o que é melhor para nossa vida, nossa casa,

77
Cleber Bianchessi (org.)

e tantos outros aspectos da vida cotidiana, sem perder de vista o que


fazer para superar esse ou aquele problema diagnosticado por nós ao
longo do caminho.
Nesse sentido, é necessário, para fins de melhorias desses ins-
trumentos, analisar a prática de avaliação da aprendizagem dentro de
um conceito mais amplo que oportunize a comunidade escolar um
crescimento significativo do ensino e da aprendizagem dos alunos.
Isso porque pensar a avaliação da aprendizagem é pensar na
construção do conhecimento adquirido pelo aluno em sua trajetória
escolar resultante de todo um processo. De tal modo, a avaliação da
aprendizagem envolve princípios, técnicas, metodologias e objetivos
concretos. Nela está implícito o aluno, como ser social dotado de uma
cultura e visão de mundo que tem suas necessidades e possibilidades,
assim como o direito a escolher seu caminho na vida e de realizar suas
potencialidades na medida das possibilidades que lhes são oferecidas
na riqueza de sua própria cultura.

BREVE HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO

A avaliação da aprendizagem nos modelos atuais tem seu embrião


nos colégios por volta do século XVII, na era pós-escolástica tradicional
e absolutamente elitista dos mosteiros do medievo. De tal modo, com
o advento da burguesia e da sociedade moderna, esta tornou-se indis-
sociável do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX com
a escolaridade obrigatória até os dias de hoje (LUCKESI, 2006).
Muito se tem escrito a respeito da avaliação da aprendizagem
escolar e muitas experiências exitosas têm acontecido, além de muitas
propostas pedagógicas bem fundamentadas têm sido construídas no
âmbito de nossas escolas, muitas discussões sobre a prática docente e
a prática avaliativa. Ainda assim, segundo alguns autores a exemplo de
Gadotti (1995) e Haydt (1988) pontuam que a avaliação da aprendizagem
na forma como se dá ainda hoje em nossas escolas reflete as concepções
pedagógicas do século XIX.

78
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Os sistemas de ensino através da coleta de dados elaboram e


reelaboram documentos normativos e orientadores com vistas a uma
avaliação de qualidade. As propostas Político-Pedagógicas, o Regimento
Escolar, o Plano Anual da Escola, construídos a partir das orientações
previstas na LDB 9394/96, procuram seguir os princípios básicos para
que o processo de ensino e aprendizagem aconteça de forma global,
como mais uma oportunidade de aprendizagem para o aluno.
Não se pode negar, contudo, que de acordo com o contexto todas
essas orientações que os sistemas de ensino e a escola recebiam e ainda
recebem tem origem nos meios de produção visto que eram práticas
que estavam dando certo naquele momento, então essas experiências
eram trazidas para a escola.
Ainda assim essas práticas não foram bem sucedidas uma vez
que, ao professor, este deveria ser um engenheiro comportamental que
controla cientificamente o processo de ensino e aprendizagem enquanto
que a avaliação deve relacionar-se diretamente com os objetivos prees-
tabelecidos e traduzidos em desempenho observáveis e mensuráveis, e
como já falamos anteriormente obedece a todo um processo.
Ao aluno cabia-lhe ser um depósito vazio onde o professor ia
depositando os conhecimentos sem se preocupar em saber como este
aprendia. Muitos desses costumes acumulados ao longo do tempo
foram se cristalizando através de práticas de avaliação seletiva. Ainda
à escola, cabia-lhe selecionar e promover os “mais aptos” e os que não
acompanhassem se perdiam pelo caminho.
Na década de 70, as teorias em avaliação criticavam os processos
classificatórios que visavam a obtenção de resultados terminais e quan-
titativos, desprovidos do significado de acompanhamento do processo
de aprendizagem do estudante.
A avaliação formativa introduzida por Michael Seriven no Brasil
nos anos 70, já trazia o significado de acompanhamento do processo
avaliativo através de etapas parciais que iriam formando o conjunto dos
dados a serem analisados. Também a “recuperação preventiva”, nesta
mesma década significava a retomada parcial e gradativa das dificul-

79
Cleber Bianchessi (org.)

dades dos alunos ao longo do processo de aprendizagem, prevendo as


dificuldades mais sérias e complementadas por uma recuperação final,
terapêutica das dificuldades que ainda permanecessem.
Alguns especialistas norte-americanos, alertam para o sentido
dinâmico da avaliação ao afirmar que: “cabe aos pesquisadores des-
cobrir o mundo (coletar dados, constatar resultados), mas cabe aos
avaliadores torná-lo melhor” (HOFFMANN, 2005). No Brasil, Luckesi,
nos anos 80, bem como outros teóricos, desenvolveram seus estudos
nesse campo oferecendo importante contribuição à reflexão sobre o
sentido da avaliação. Segundo ele, não existe avaliação sem ação a não
ser por exercício de nominalismo: avaliar é ver, julgar e agir, num ciclo
ininterrupto.
Dessa forma podemos observar que ainda se tem muito a cons-
truir sobre a avaliação da aprendizagem visto que não se constitui ainda
matéria pronta e acabada, mas que precisa ser modelada passo a passo
pelo professor a cada dia, em cada aula e em cada grupo de alunos. A
escola precisa se debruçar e buscar alternativas que sejam favoráveis aos
educandos para que eles possam, de posses desses saberes, transferir
para os múltiplos contextos.
Muitos estudiosos afirmam que é preciso redimensionar o pro-
cesso de avaliação da aprendizagem, desenvolvido pelos professores,
para que haja mais êxito, quanto aos resultados obtidos pelos alunos.
A educação brasileira, paulatinamente tem seguido um novo
rumo, e ganhado novas preocupações. O número de alunos que fre-
quentam a escola aumentou consideravelmente e a conscientização
das pessoas quanto a terem direito a uma educação de qualidade são
alguns fatores que estão de certa forma impulsionando as escolas a
repensarem sobre seu sistema avaliativo, como diz Hoffmann, (1998).
Na avaliação educacional há que se levar em conta a relação entre o
avaliador e o avaliado.
Nessa nova perspectiva de avaliação da aprendizagem, o profes-
sor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e passa a ser
mediador do processo de ensino e aprendizagem, e o aluno - consequen-

80
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

temente é visto como sujeito construtor de sua própria aprendizagem.


Portanto, a avaliação da aprendizagem vai ganhando novos enfoques e
nomenclaturas: avaliação diagnóstica, formativa e somativa.
Nesse sentido, a concepção de avaliação passa de mecanicista
para sócio interacionista. A avaliação não pode centrar-se nos produtos,
mas sim no processo.
Não se espera, portanto, concluir o bimestre, semestre ou ano
letivo para verificar quem conseguiu ou não êxito na aprendizagem,
mas de maneira sistemática a avaliação acontece cotidianamente para
que professores e alunos possam fazer os ajustes necessários para que
ambos consigam atingir seus objetivos.

PRÁTICA AVALIATIVA E A LDB

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394


no seu artigo 3º orienta que o ensino será ministrado com base em
princípios norteadores dos quais destacamos alguns:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
IX – Garantia do padrão de qualidade.
X – Valorização da experiência extraescolar
Analisando a realidade escolar hoje, concluímos que ainda não
é assegurado o direito de usufruto do aluno no acesso e permanência
à escola uma vez que a prática avaliativa tradicional só confirma o con-
trole que a escola exerce sobre seus “comandados” incutindo regras e
valores ultrapassados de que “só passa quem sabe” daí observamos a
própria escola promovendo a desigualdade e exercendo uma prática
errônea “(…) um processo avaliativo classificatório fundamenta-se numa
concepção de tempo que contribui para o estabelecimento de critérios
competitivos e obstacularizantes ao acesso e permanência dos alunos nas
escolas e universidades.” (HOFFMANN, 2005, p. 28). Percebe-se, então,
que a escola continua traduzindo modelos rigidamente estruturados
com base nas práticas avaliativas, impedindo ao professor vivenciar
as diferentes formas de desempenho do aluno para chegar a um resul-

81
Cleber Bianchessi (org.)

tado satisfatório de aprendizagem. Conforme afirma Hoffmann (2005,


p. 62) quando esclarece que “No Ensino Fundamental, os professores
estão muito mais atentos, por exemplo, aos resultados obtidos pelos
alunos em problemas propostos do que às estratégias de pensamento
utilizadas por eles.”
Contudo, é preciso ter bem presente que a escola sendo concebida
como o lugar por excelência para a formação do cidadão não é por si
só a “detentora” do saber, não se encontra isolada do contexto histórico
social, político e econômico, e sendo assim tem uma tarefa prioritária:
servir à sociedade, construindo e socializando a cultura dos diferentes
grupos a ela agregados. Sobre isso, Hoffmann (2005, p. 81) ainda coloca
que “O respeito à realidade do aluno, às suas possibilidades e limitantes
(seus saberes diferentes) só poderá ser compreendido pela vivência de
um professor respeitado em seus próprios limites e possibilidades.”
Sobre a avaliação escolar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
9394/96 assegura que as etapas do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio, serão organizados de acordo com regras normativas. Temos no
artigo 1º uma grande ênfase no aproveitamento e apuração da assidui-
dade, no artigo 22 por sua vez, estão destacados alguns princípios da
avaliação do rendimento escolar como avaliação contínua e cumulativa
do desempenho do aluno, prevalência dos aspectos qualitativos sobre
os quantitativos e o que se entende a partir da leitura do Parâmetros
Curriculares Nacional que a avaliação deve ser diagnóstica, processual
e formativa.
Logo, a avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno,
com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos
resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais é o
modelo que mais se aproxima da realidade, ainda que com limitações.
É importante ressaltar, todavia, que a nova Lei não altera em
quase nada no que diz respeito a redação da Lei anterior. A Lei exige
que as escolas cumpram essas orientações compreendendo que uma
avaliação da aprendizagem realizada seguindo essas orientação trará
contribuições relevantes na redução da evasão e repetência escolar, uma

82
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

vez que um processo avaliativo pautado na observação do desempenho


do aluno nas diversas fases de atividade que envolve uma avaliação
onde os instrumentos utilizados ultrapassam a simples aplicação de
provas e testes bimestrais, ao contrário deve-se ter a preocupação na
busca do saber numa articulação entre a dimensão epistemológica e
uma dimensão afetiva da relação dos seres humanos com o mundo
e com os outros, uma ideia de prender- com, de apropriar-se junto.
(ARENDT, 1993)

CONSIDERAÇOES FINAIS

A educação é alvo de diversos estudos que constituem imenso


valor para que novas práticas sejam desenvolvidas e melhoradas. No
sentido da avaliação, viu-se nesta pesquisa que há ônus e bônus no
modelo vigente. Contudo, alguns aspectos precisam, urgentemente,
ser problematizados.
A ineficiência do sistema de semana de provas é flagrante, compa-
rando as respostas dos estudantes com os métodos avaliativos existentes.
Ademais, o resultado nos anos finais não tem se mostrado positivo,
pois não alcançou a meta proposta pelo IDEB nacional, na maioria dos
municípios, apenas se aproximam do score ideal.
Isso ocorre porque a média proposta no Plano Municipal de
Educação para ser alcançada, preconiza que os professores aliem sua
prática às teorias discutidas sobre a avaliação formadora, mediadora,
tal como apontam os autores trabalhados neste texto (LUCKESI, 2001;
HOFFMAN, 2005).
Entretanto, também é necessário afirmar que essa prática – a da
semana de provas, e outras que centram na avaliação o objetivo e aten-
ções da comunidade escolar - ainda é realidade e dificilmente deixará
de ser, por uma questão cultural na formação do pensamento escolar
que ainda existe no Brasil, conforme coloca Alencastro Veiga (1998)
um modelo ‘autoritário’, de ranking, competição, notas e valorização
extrema de provas e instrumentos ditos ‘formais’ de avaliar os estudantes

83
Cleber Bianchessi (org.)

Com isso, conclui-se que apesar de avanços notáveis, a pedagogia


do exame ainda impregna as escolas, sendo este um fato comprovado no
aspecto da historicidade. O que mudou no passar dos anos foi apenas sua
roupagem, exame para teste e posteriormente avaliação no século XIX.
Isso significa que a escola continua a selecionar através de ran-
kings ao invés de promover processos igualitários de aprendizagem e
suprimento de deficiências que qualquer aluno possa apresentar em
qualquer área do conhecimento. Observa-se, portanto que no modelo
avaliativo corrente, a escola continua sendo excludente.
Por fim, observa-se que é preciso maiores reflexões, discussões
no âmbito escolar, a fim de que a nota deixe de ser o centro das atenções
e o aprendizado e o diálogo tome esse lugar central no espaço escolar.
É, portanto, preciso centrar no processo avaliativo com ênfase na
avaliação diagnóstica ao invés de classificadora pois essa possibilitará o
planejamento e posteriormente a tomada de decisões para melhorias.

REFERÊNCIAS
ARENDT, H. A dignidade da política. Tradução de Helena Martins. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1993.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 5692/1971.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996 –


Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Publicada no Diário
Oficial de 23 de dezembro de 1996.

GADOTTI, J. S. Pedagogia da Práxis. São Paulo/SP/BRA. Cortez, 1995.

HAYDT, R.C. Avaliação do Processo Ensino-Aprendizagem. São Paulo. Ática, 1988.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré-escola: um olhar reflexivo sobre a


criança. 5ª ed., Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.

______. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Media-


ção, 2005.

LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem escolar, 11. ed. São Paulo: Cor-


tez, 2001.

_______. O objetivo da avaliação é intervir para melhorar. Nova Escola. Abr.2006.

84
MOBILE LEARNING NO ENSINO
MÉDIO INTEGRADO

Gabriel Pinheiro Compto16


Higson do Nascimento Vaz17
Renan Pinheiro de Oliveira18

INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI é impossível imaginar vivermos sem o uso


de celular, computadores e até mesmo internet. Essas tecnologias,
conhecidas como TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação são
imprescindíveis para a comunicação entre as pessoas, para o desenvol-
vimento de praticamente todas as áreas do conhecimento e, também,
para a inclusão digital da população. A evolução das TICs provocou
mudanças nas áreas de tecnologia e comunicação, além de diversas áreas
do conhecimento humano. Elas foram responsáveis por alterações nas
relações entre os indivíduos (de conduta, de costumes, de consumo, de
lazer, e nas formas como eles se comunicam) criando hábitos sociais e
surgindo novas formas de interação. (PEREIRA & SILVA, 2010).
A educação está rodeada por tecnologias que evoluem a cada
instante, como: lousas digitais, ambientes virtuais de aprendizagem,
redes de computadores, smartphones, mídias digitais, entre outros.
Possuímos um computador portátil na palma de nossas mãos, onde é
possível consultar uma infinidade de informações em qualquer lugar.
Nesse contexto que está inserida a aprendizagem móvel, onde é possível
incumbir ao aluno o papel de ator dinâmico no processo de ensino e
aprendizagem. Por exemplo, para aprimorar a integração entre: a) o
que é estudado, b) a forma como o conhecimento é transmitido e c) o
papel do professor em todo o processo, o uso de TICs tem o papel de
16 
Mestre em Educação – Docente no Instituto Federal do Amazonas. E-mail: gabriel.
compto@ifam.edu.br
17 
Mestre em Educação – Docente no Instituto Federal do Amazonas. E-mail: higson.
vaz@ifam.edu.br
18 
Mestre em Ensino de Física – Docente no Instituto Federal Goiano. E-mail: renan.
oliveira@ifgoiano.edu.br

85
Cleber Bianchessi (org.)

extensão da sala de aula, pois amplia os recursos didáticos, compen-


sando parcialmente a crescente redução da carga horária das disciplinas
– que diminuiu consideravelmente na última década (PIRES & VEIT,
2006). Segundo VANIEL et al. (2011), as TICs têm grande potencial de
investigação e desenvolvimento do processo educativo além de avançar
as práticas pedagógicas e estimular a criatividade e envolvimento dos
discentes envolvidos no processo.
Os dispositivos móveis (smartphones, tablets, entre outros) pro-
porcionam ao usuário o acesso a um grande volume de informações,
independente de espaço e tempo, trazendo uma forma de liberdade;
esse acesso é potencializado quando o dispositivo móvel se encontra
conectado à internet. Desta forma, uma oportunidade de uso para essa
liberdade, o seu uso é visto como facilitador do processo de ensino e
aprendizagem, conceito intitulado Aprendizagem Móvel (do inglês
M-Learning). O M-Learning é considerado um ramo do uso de TICs na
educação (UNESCO, 2013).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua – PNADC, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas –
IBGE, 92,3% dos lares brasileiros possuem telefone móvel celular (IBGE,
2016). Esse dado destaca a abrangência que essa tecnologia atinge na
sociedade brasileira. Os telefones móveis celulares, em particular os
smartphones, possuem poder computacional elevado e custo baixo em
comparação aos computadores da década de noventa.
O uso de dispositivos móveis no Ensino Médio Integrado (EMI)
pode ser explorado como solução para a falta de computadores nas ins-
tituições de ensino. Muitas instituições de ensino possuem laboratórios
de informática, porém estes não possuem computadores suficientes para
uma turma de alunos, tornando necessário o uso de um computador
por dois ou mais alunos. Os dispositivos móveis facilitam a implantação
de um computador por aluno, podendo o aluno trazer o seu dispositivo
móvel ou receber um dispositivo móvel no período da aula.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura – UNESCO (2013) afirma que M-Learning é o termo usado para

86
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

definir a aprendizagem móvel, que pode ser feita de forma isolada ou com
uso de outras tecnologias de informação e comunicação. A aprendizagem
móvel é onipresente, podendo o aluno aprender em qualquer lugar e
a qualquer momento. A potencialidade do uso de dispositivos móveis
na educação é vasta, o aluno pode realizar uma consulta rápida no seu
dispositivo móvel para sanar uma dúvida que surgiu em sala de aula.
O EMI também faz uso do aparato tecnológico disponibilizado
pelas TICs. A contribuição de TICs no EMI é vasta, em sua maioria
implantada em Institutos Federais (IFs) espalhados pelo território
brasileiro. As políticas públicas que aceleram a inserção das TICs na
educação brasileira, foram de grande importância e facilitam o processo
de ensino e aprendizagem. Algumas dessas políticas contribuíram para
a inserção ou renovação de computadores nos laboratórios de informá-
tica das instituições de ensino públicas; além de proporcionar diversas
ferramentas tecnológicas para professores e alunos, como computado-
res, tablets e lousas digitais interativas. Na Figura 1 pode ser observado
um dispositivo móvel, tablet educacional, disponibilizado aos docentes
dos IFs do Brasil, com a finalidade de servir de apoio como ferramenta
para preparação e organização do trabalho docente. O uso do tablet
educacional, também, proporciona uma ferramenta onde os docentes
podem se qualificar. Tal ferramenta é um exemplo de M-Learning no
EMI, na perspectiva docente.

Figura 1 – Ferramentas tecnológicas contempladas por políticas públicas:


(a) Tablet educacional – frente; (b) Tablet educacional – verso.

Mas como aplicar o M-Learning em cidades isoladas, a exemplo


de cidades do norte do país, onde não há internet banda larga e onde as
redes móveis são precárias? Um exemplo desta realidade está no inte-
87
Cleber Bianchessi (org.)

rior do Amazonas, na cidade de Tefé, onde a pesquisa foi desenvolvida.


Uma cidade, com 60.021 habitantes (IBGE, 2017), que ainda se encontra
isolada em pleno século XXI. A revista EXAME (2016) reforça que Tefé
ainda sofre com isolamento digital. A única forma de acesso à rede
mundial de computadores se dá apenas via satélite, e de forma onerosa
para uma parcela considerável de sua população. Pesquisando valores
com provedores locais, encontramos dois problemas. Primeiramente, o
acesso à cidade ocorre apenas por barco ou avião, dificultando a chegada
de cabos de transmissão de dados, como a fibra óptica. Outro problema
se dá em relação ao custo da internet via satélite. Encontramo-nos,
portanto, em um cenário que o desenvolvimento de atividades com o
uso dos tablets educacionais fica bastante prejudicadas devido à falta
de acesso aos potenciais das ferramentas a serem utilizadas.
Visando as tendências tecnologias de mobilidade o governo federal
lança o projeto “Educação Digital – Política para computadores interati-
vos e tablets”, que visa a distribuição de 600 mil tablets para professores
de ensino médio da rede federal, estadual e municipal. De acordo com
(MEC, 2012) “É importante que a gente construa uma estratégia sólida
para que a escola possa formar, preparar essa nova geração para o uso
de tecnologias da informação”, a partir desta perspectiva, o país, se
reestrutura no contexto de informatização da educação, viabilizando
um dispositivo mais portável que um computador, contudo, com fun-
ções semelhantes.

DESENVOLVIMENTO

O termo M-Learning pode ser definido como uma extensão do


ensino mediado por tecnologias (E-Learning), em particular o M-Lear-
ning utiliza tecnologias móveis no processo de ensino e aprendizagem.
(TAROUCO et al., 2004). Segundo UNESCO (2013, p. 15) os dispositivos
móveis na educação “podem oferecer aos estudantes maior flexibilidade
para avançar em seu próprio ritmo e seguir seus próprios interesses,
aumentando potencialmente sua motivação para buscar oportunidades
de aprendizagem”.

88
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

A UNESCO, no seu documento “Diretrizes de políticas para a


aprendizagem móvel”, destaca que:
Existem mais de 3,2 bilhões de assinantes de telefo-
nia celular em todo o mundo, tornando o telefone
celular a TIC interativa mais amplamente usada no
planeta. Nos países desenvolvidos, 4 entre 5 pessoas
possuem e usam um telefone celular, e, embora
essa proporção seja significativamente menor nos
países em desenvolvimento (2 entre 5 pessoas),
estes últimos também apresentam o crescimento
mais rápido em taxas de penetração. (2013, p. 09).

FERREIRA et al. (2016, p. 849) afirma que “O aprendizado móvel


acontece quando a interação é realizada por meio de dispositivos móveis
como smartphones, notebooks, tablets, entre outros”. A aprendizagem
móvel utiliza diversas tecnologias disponíveis, como as redes sem fio,
poder computacional de hardware dos dispositivos móveis, a diversidade
de aplicativos existente para essa plataforma, entre outros; sendo a
principal característica a mobilidade. (Ó, 2016)
A UNESCO (2012, p. 6), no seu documento “Turning on Mobile
Learning: global themes”, relata que:
[...] a grande maioria dos proprietários de telefones
celulares não são encontrados em Nova York e
Paris, mas sim no Cairo e Calcutá. Atualmente, mais
de 70% das assinaturas móveis em todo o mundo
vêm de países em desenvolvimento, e graças a
uma rápida queda de preços, poderosos celulares,
anteriormente disponíveis apenas para indivíduos
ricos, estão cada vez mais ao alcance dos pobres.

SACCOL et al. (2011, p. 25) destaca o conceito referente ao M-Lear-


ning e suas contribuições no processo de ensino e aprendizagem, inde-
pendentemente do local, conforme trecho abaixo:
O M-Learning (aprendizagem móvel ou com
mobilidade) se refere processo de aprendizagem
apoiados pelo uso de tecnologias da informação ou
comunicação móveis e sem fio, cuja característica
fundamental é a mobilidade dos aprendizes, que
podem estar distantes uns dos outros e também de

89
Cleber Bianchessi (org.)

espaços formais de educação, tais como salas de


aula, salas de formação, capacitação e treinamento
ou local de trabalho.
O M-Learning possui características próprias que podem ser des-
tacadas em quatro grandes categorias, como: Regras, Consequências,
Motivações e Usos didáticos; todas estão relacionadas com a implantação
e uso de dispositivos móveis no processo de ensino e aprendizagem
nas instituições de ensino. (NAGUMO, 2014). Estas categorias devem
ser consideradas para que o M-Learning possa proporcionar resultados
positivos no processo de ensino e aprendizagem no EMI.
As aplicações móveis referentes ao M-Learning já são ferramentas
utilizadas no processo de ensino e aprendizagem e podem ser utilizadas
em várias áreas do conhecimento, essas ferramentas estão ganhando
destaque no EMI. Os aplicativos móveis trazem grandes contribuições
para o M-Learning. Os aplicativos móveis educacionais são usados como
ferramentas de apoio pedagógico em várias atividades, que podem ser
aplicadas em diversas disciplinas, como: Biologia, Física, Matemática,
entre outras; com potencial para ser utilizado em partes das discipli-
nas, não necessitando abordar toda a disciplina. Segundo UNESCO, no
seu documento “O Futuro da aprendizagem móvel: implicações para
planejadores e gestores de políticas” (2014, p. 23, apud. McKINSEY &
COMPANY; GSMA, 2012), cita que “Um estudo recente constatou que,
em 2011, foram baixados mais de 270 milhões de aplicativos pedagógi-
cos – um aumento de mais de dez vezes desde 2009”.
A aprendizagem móvel, apesar de usar um dispositivo tecnológico
criado para o entretenimento, possui um grande potencial que ainda
é pouco explorado, poucas organizações e políticas públicas causaram
impacto que quebre o preconceito sobre M-Learning.
A resistência para a inserção de M-Learning deve ser reduzida
com a formação de professores para uso dos dispositivos móveis na
educação, a fim de realizar preparação pedagógica para os professores;
a preparação se dará com a finalidade de incluir o M-Learning na forma
correta na educação. Desta forma, o M-Learning será bem recebido por
todos os envolvidos na educação, em destaque o EMI.

90
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

MORAN et al. (2013, p. 30) destaca a importância das tecnologias


móveis no ambiente educacional, através da observação do trecho “As
tecnologias digitais móveis desafiam as instituições a sair do ensino
tradicional, em que o professor é o centro, para uma aprendizagem
mais participativa e integrada [...]”. MORAN et al. (2013) também relata
o perigo que o uso de tecnologias pode proporcionar uma dispersão
de atenção, pois em alguns casos, como o M-Learning, são utilizadas
ferramentas tecnologias desenvolvidas para o entretenimento. Essas
ferramentas devem ser inseridas na educação com planejamento peda-
gógico e devem ser mediadas pelo professor. Porém, o M-Learning
possui grande aceitação pelos alunos, tendo em vista a afinidade que
eles possuem com os dispositivos móveis, e também pelas instituições
de ensino, pois necessitam inserir práticas pedagógicas que utilizem
TICs. (OLIVEIRA & MAIA, 2016).
O M-Learning pode ser usado, também, na formação de novos
professores, além de proporcionar meio de aperfeiçoamento profissional
continuado. Os professores do EMI podem, com o uso de dispositivos
móveis conectados, acessar conteúdos e realizar comunicação e troca
de experiências pedagógicas, mostrando o potencial que as ferramentas
de aprendizagem móvel possuem no processo de ensino e aprendiza-
gem, não apenas no aluno, mas em todos os envolvidos no processo.
(UNESCO, 2017).
A UNESCO (2014) no seu documento “Reading in the mobile era:
A study of mobile reading in developing countries” destaca o potencial do
uso de dispositivos móveis para leitura, pois os textos digitais são mais
fáceis de propagar, principalmente em países em desenvolvimento.
A literatura abordada leva a concluir que os dispositivos móveis
podem ser usados em três temáticas na educação, sendo: 1- Através
de aplicativos móveis educacionais; 2- Uso para troca de mensagens
com a finalidade educacional; e 3- Leitura de textos digitais na tela dos
dispositivos móveis.

91
Cleber Bianchessi (org.)

PROPOSTAS PARA O ENSINO MÉDIO INTEGRADO

As três temáticas de uso de M-Learning podem ser exploras no


processo de ensino e aprendizagem no EMI. As propostas são aplicáveis
as disciplinas da base comum e disciplinas técnicas do EMI. O M-Lear-
ning no EMI possui uma perspectiva ampla, pois podem ser explorados
várias disciplinas e formas de uso. MOCELIN (2017) realizou uma Revi-
são Sistemática da Literatura (RSL) sobre os estudos de M- Learning
no cenário brasileiro e foi possível identificar o número de pesquisas
relacionadas aos componentes curriculares de ensino.
A aplicação de M-Learning através de aplicativos móveis no pro-
cesso de ensino e aprendizagem não fica apenas nas disciplinas da base
comum, como matemática, física, química e outras; mas também pode
ser explorada nas disciplinas do núcleo técnico dos cursos no EMI. O
processo de ensino e aprendizagem de disciplinas técnicas no EMI
pode ser apoiado com o uso de aplicativos móveis. As abordagens de
aplicação do são vastas, o M-Learning pode ser proposto em conjunto
com conceitos de Realidade Virtual nas aulas do EMI. A junção desses
conceitos potencializa o processo de ensino e aprendizagem, facilitando
o acesso aos locais de estudos que são considerados de difícil acesso,
ou conceitos diversos abordados no curso através de ambientes virtuais
imersivos.
Visando um melhor aproveitamento nas provas do ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio) o MEC (Ministério da Educação) lançou
um aplicativo na plataforma mobile e web para auxiliar alunos quanto
a preparação para o exame. Neste aplicativo o aluno pode escolher
um período que ficará disponível para estudo, sendo disponibilizados
simulados, conteúdos, vídeos e notícias. De acordo com Portal Hora
do ENEM (2017) “O portal Hora do Enem vai deixar a disposição dos
estudantes uma plataforma de estudo personalizada aonde a pessoa vai
ter a sua disposição planos de estudos, exercícios e simulados online
100% gratuitos”.
A troca de mensagens através de dispositivos móveis pode apro-
ximar os alunos, tornando o trabalho em equipe produtivo, além de

92
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

aproximar o aluno dos professores. Aplicativos para troca de mensagens


já são uma realidade em nossa sociedade. KAIESKI et al. (2015) destaca
que o uso de aplicativos móveis para troca de mensagens por alunos,
por exemplo Whatsapp, proporciona uma maior interação dos alunos
e engajamento na entrega de trabalhos acadêmicos.
A leitura digital é outra forma de aplicação de dispositivos móveis
na educação. No Instituto Federal do Amazonas – Campus Tefé estão
sendo utilizados tablets na biblioteca com a finalidade de proporcionar
uma ferramenta para leitura digital. Na Figura 2 pode ser observado o
uso dos tablets na biblioteca do Instituo Federal do Amazonas – Campus
Tefé. A leitura digital através de dispositivos móveis depende de dois
fatores: motivacional e demográfico. O fator motivacional está relacio-
nado com (UNESCO, 2014).

Figura 2 – Alunos utilizam tablets na biblioteca do IFAM – Campus Tefé.

Os tablets no Instituto Federal Amazonas – Campus Tefé também


são utilizados para realização de pesquisas na internet por alunos que
não possuem dispositivos para este fim. Esses dispositivos foram utiliza-
dos para aplicação de avaliações e desenvolvimento de aulas utilizando
simulações e animações. As aplicações de avaliações através desses
dispositivos móveis proporcionaram agilidade no processo de corre-
ção, além de proporcionar uma ferramenta tecnológica que o usuário,
no caso os alunos do EMI, já possui afinidade de uso com a interface.
93
Cleber Bianchessi (org.)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a necessidade


de abordar teorias, ferramentas e conceitos atuais. Os tablets se tornaram
peça fundamental nesse processo. Por ser uma disciplina que requer um
grau de abstração elevado, a disciplina de Física, por exemplo, desperta
à falta de interesse por parte dos alunos, pois não conseguem fazer uma
ponte entre os conceitos vistos em sala de aula e o seu cotidiano. Porém,
o ensino de Física se beneficia com a utilização de TICs. Trazer a física
para o mundo do aluno não é fácil, tampouco simples. É indispensável
fazer com que os alunos compreendam novas tecnologias presentes
no dia a dia, por exemplo, em utensílios tecnológicos como celulares,
notebooks e até mesmo vídeo games. O uso de tablets é a ponte entre o
conhecimento que o aluno possuiu e o conhecimento a ser aprendido,
pois o seu uso, através de simulações e animações, facilita o processo
de ensino e aprendizagem.
Tendo em vista a preocupação com o aprendizado e rendimento
dos discentes do IFAM Campus Tefé, no ano de 2016, os alunos finalistas
do curso de informática integrado ao ensino médio, criaram uma ferra-
menta para auxiliar no aprendizado de conteúdo da disciplina de física,
essa ferramenta foi um aplicativo que trouxe para os alunos do 1º ano
ensino do médio, conteúdos e experimentos da disciplina em questão.
Indagados quanto ao uso da ferramenta, os discentes informaram que
é muito mais fácil estudar via celular, sendo este portável, mais discreto
que um livro e pode ser guardada no bolso. Outra justificativa foi que:
“é mais fácil utilizar o celular enquanto se espera em uma fila, que
andar com um livro”. Diante dessas narrativas, evidenciou-se a grande
importância que a o Mobile Learning tem para a educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito embora as tecnologias móveis estejam presentes no coti-


diano das pessoas e enfocando principalmente estudantes do ensino
médio, a instituição de ensino ainda não está preparada para utilização
dessa nova ferramenta pedagógica, seja por fatores legais que impede
o discente utilizar o dispositivo em sala de aula, seja por falta de pre-

94
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

paro dos professores quanto a utilização dessa ferramenta. Apesar de


haver obstáculos a serem superados no que tange o ingresso efetivo
dessa tecnologia no ambiente escolar, esforços como da UNESCO e do
Governo do Brasil, vem ganhando popularidade, aceitação e adeptos
ao M-Learning.
Apesar do bom ânimo do Governo do Brasil se voltar para essa
nova perspectiva de ensino, muitos investimentos precisam ser realiza-
dos, tanto no âmbito estrutural quanto na formação profissional, para
que tenhamos efetividade na implementação das Políticas Públicas de
Inclusão Digital e promoção de ações que estimulem alunos e profes-
sores a utilizarem seus próprios dispositivos.
É muito mais complicado incluir um cidadão digitalmente
por meio de um computador desktop ou notebook, que um tablet ou
smartphone, pois com esses últimos é fácil para acessar os conteúdos
e a internet por meio das conexões 3G, 4G e redes sem fio, a interação
se torna mais atraente por meio de interfaces ricas, pois os alunos con-
seguem sentir, ver e ouvir em ambientes chamativos e que prendem a
atenção dando maior ênfase ao aprendizado.
Compreendemos que ao traçar uma visão tecnologia na esfera do
ensino médio integrado, não iremos mudar o pensamento de como os
docentes ministram aula, mas despertaremos em alunos e professores
o desejo de imergir nessa nova perspectiva tecnológica e pedagógica,
objetivando primordialmente o a qualidade de ensino e a formação do
ser pensante, independente e crítico da sua realidade.

REFERÊNCIAS
EXAME, 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/
dino/o3b-e-ozonio-levam- conectividade-de-banda-larga-para-a-remota-cidade-
-amazonica-de-tefe-atraves-de-rede-inovadora-via- satelite-dino890103797131/>.
Acesso em: 03 de março de 2018.

FERREIRA, A. P. L.; DINIZ, J. B.; JÚNIOR, J. E. G. S. EcoÁgua: M-learning e


gamification como estratégias de suporte ao desenvolvimento do consumo sus-
tentável de água. In: V Congresso Brasileiro de Informática na Educação, 2016.

95
Cleber Bianchessi (org.)

HORA DO ENEM. Disponível em: <http://www.horadoenem.org/>. Acesso em:


18 de junho de 2018.

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Nota: texto Publicado no II Seminário Nacional do Ensino Médio.

97
OS DISPOSITIVOS MÓVEIS COMO
FERRAMENTA EDUCACIONAL: UM ESTUDO
JUNTO À UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
PROFISSIONALIZANTE

Reni Aparecido Norberto Pinto19


Paulo César Cedran20

INTRODUÇÃO

A evolução das novas Tecnologias da Informação e Comunicação


(TICs) vem ocasionando mudanças expressivas no processo educacional
tradicional, promovendo novas formas de ensinar e aprender (RODRI-
GUES; PERES, 2013). Mesmo diante dessa tendência, ao se considerar
as possibilidades e os inúmeros benefícios do uso das TICs, ainda é
preponderante a valorização do ensino tradicional, onde a adoção das
novas Tecnologias da Informação e Comunicação dependem, muitas
vezes, do interesse docente, da sensibilidade ou da necessidade dos
professores e alunos, em utilizarem essas novas ferramentas. Assim,
fazem-se presentes, desafios relevantes no que se refere à formação
docente para a adequada condução de processos e incorporação das
TICs no ensino, no desafio apresentado ao processo educativo, nos dias
atuais (BARBOSA, 2016).
As TICs, caracterizadas como toda tecnologia de comunicação,
facilitam a transmissão de informações por meios digitais, tais como:
computadores, redes sem fio, dentre outros dispositivos, as quais têm
sido utilizadas de forma global em diversos contextos, como o pessoal,
educacional, empresarial e de saúde (ZUPPO; DEFINING, 2017).
Em relação ao uso das TICs nos dias atuais, destaca-se a utilização
dos dispositivos móveis do tipo smartphones, sendo o seu crescente uso
19 
Mestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Pós-graduado em
Tecnologia da Informação, Psicopedagogia e Gestão Escolar. Graduado em Tecnologia
da Informação, Matemática e Letras.
20 
Doutor em Educação Escolar. Docente do Curso de Educação Física e no Curso de
Pós-Graduação em Educação Escolar (Mestrado) do Centro Universitário Moura Lacerda.

98
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

justificado pela possibilidade da comunicação, de diversas funcionali-


dades, além de oferecerem muitas opções para o usuário, em virtude
do seu sistema operacional eficiente e a facilidade de acesso à internet
(PITICHAT, 2013).
Os dispositivos móveis estão presentes no cotidiano dos discen-
tes, o que é perceptível pela crescente aquisição destes aparelhos pelos
jovens brasileiros.
A inserção destes dispositivos no ambiente escolar fez com que
governos das esferas federal, estaduais e municipais percebessem e
investissem em ações voltadas à integração das tecnologias móveis nas
escolas, visando a melhoria na qualidade do processo ensino-aprendi-
zagem (ROSA; AZENHA, 2015).
Torna-se imprescindível compreender como as novas tecnolo-
gias penetraram no campo educacional e como passaram a impactar o
processo ensino-aprendizagem em sala de aula no sistema educacional
brasileiro. A existência de um mundo físico e digital, remete à ideia de
que o professor necessita mediar os múltiplos espaços e recursos, desde
a sala com lousa e giz até os computadores com internet.
Diante deste cenário, esta pesquisa teve como objetivos: implantar
o ambiente de aprendizagem Modular Object- Oriented Distance Learning
(Moodle), em dispositivos móveis, para subsidiar os conteúdos educa-
cionais desenvolvidos pelos professores de um curso de Técnico em
Enfermagem, em uma instituição de Ensino Profissionalizante, com
vistas à melhoria do nível de interesse e aprendizagem dos alunos, sob
a ótica dos professores. Além de verificar a disponibilidade das tecnolo-
gias diante da infraestrutura da escola e analisar a visão docente sobre
o uso dos dispositivos móveis como material de ensino, num processo
de integração dessas tecnologias ao aprendizado.

DISCUTINDO ALGUNS RESULTADOS

Por tratar-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que bus-


cou compreender o fenômeno pela ótica do sujeito pesquisado, tendo
como premissa que nem tudo é quantificável e demanda uma análise

99
Cleber Bianchessi (org.)

profunda e individualizada (MALHEIROS, 2011). A pesquisa foi realizada


em uma escola de Ensino Profissionalizante de uma cidade do interior
do Estado de São Paulo. A escolha pela instituição ateve-se ao fato de
que um dos um dos pesquisadores, faz parte do corpo docente, o que
possibilitou maior acessibilidade para a coleta de dados e contato com
os demais professores e alunos.
Participaram dessa pesquisa, seis professores que ministram aulas
no curso Técnico em Enfermagem, da instituição de ensino supracitada.
A escolha pelos professores da área de saúde, deve-se ao fato de que
os mesmos não possuem formação na área de tecnologia ou possuem
pouca familiaridade com o uso das mesmas, fator de grande importância
para identificar as dificuldades encontradas pelos professores no uso
dos dispositivos móveis como ferramenta de ensino.
Dos seis participantes, quatro são homens e duas mulheres,
com média de idade de quarenta e três anos. Quatro tinham mais de
seis anos de docência na instituição, e dois deles três anos ou menos.
Cinco ministravam aulas exclusivamente na instituição e um professor
atuava em outra instituição, na sua área de formação. Quanto à carga
horária de trabalho semanal, no momento da pesquisa, os docentes
cumpriam, trinta horas, o que facilitava a criação do vínculo para a
realização de projetos interdisciplinares estabelecendo atalhos e trocas
de práticas docentes.
Além do título de bacharel em Enfermagem, os participantes
apresentaram especializações em áreas diversas do tipo Stricto e Lato
Sensu, como, Bioquímica Médica, Mestrado em Ciências da Educação,
Doutorado em Ciências Pedagógicas, Nefrologia, Urgência, Emergência,
Unidade de Terapia Intensiva, Enfermagem do Trabalho, Cardiologia,
Oncologia, Administração Hospitalar e Docência em Enfermagem.
O software utilizado na pesquisa realizada junto aos professores
foi o Moodle, um software livre de apoio à aprendizagem que pode ser
instalado nos sistemas operacionais Unix, Linux, Windows, MAC, OS.
O Moodle vem sendo usado em cursos presenciais e não exige muito
conhecimento técnico do professor e nem do aluno, o que o torna viá-

100
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

vel para a aplicação na presente pesquisa, pois o mesmo será acessado


pelos dispositivos móveis dos alunos (CLARO, 2008, p. 1).
Os professores e alunos receberam um usuário e senha para
acessarem o Moodle. Os professores postaram os materiais da aula e
elaboraram questionários do tipo múltipla-escolha com a finalidade de
identificar se ocorreu, ou não, o aprendizado do aluno diante do tema
proposto. Os participantes da pesquisa passaram por um treinamento
presencial ministrado pelo pesquisador, referente a instalação do Moodle,
conhecimento das ferramentas disponíveis para uso em sala de aula,
junto aos dispositivos móveis dos alunos.
Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestrutu-
radas, sendo previamente elaborado pelos pesquisadores um roteiro
para a entrevista com cinquenta e cinco perguntas, que serviram para
orientar a coleta de dados, bem como alcançar o objetivo da pesquisa.
As entrevistas ocorreram em abril do ano de 2017, após autori-
zação junto ao Diretor da escola de Ensino Profissionalizante. Mediante
essa aprovação, os professores expressaram anuência após assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram
audiogravadas pelo próprio pesquisador, com duração média de 30
minutos. Para a garantia do anonimato, os participantes foram identi-
ficados por meio das letras do alfabeto de A a F. Em seguida, o mesmo
as transcreveu fielmente no computador por meio de digitação em
editor de texto.
Os dados coletados nas entrevistas foram analisados por meio
da técnica de análise de conteúdo, proposta por Laurence Bardin.
O referencial analítico, proposto por Bardin, caracteriza-se por um
conjunto de análise das comunicações, visando obter, por meio de
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores quantitativos, ou não, que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas
mensagens (Bardin, 2011).

101
Cleber Bianchessi (org.)

Assim, caracterizado o contexto da pesquisa e após a realização


do processo de análise do conteúdo, os assuntos foram organizados em
quatro categorias, que analisaremos a seguir.

FORMAÇÃO DOCENTE E AS TECNOLOGIAS

Os seis professores foram questionados sobre sua formação


acadêmica inicial, no que diz respeito a realização de disciplinas na
graduação, bem como sobre a continuidade do processo de formação
por meio de cursos na área de tecnologias. A formação inicial docente
foi discutida, bem como a necessidade de propiciar o conhecimento
básico a fim de que o professor se sentisse previamente capacitado para
lidar com a sala de aula, porém foi observado que a mesma não vem
ocorrendo a contento:
Não. A questão de informática é bem interessante,
mas creio que não é muito o foco de enfermagem,
então a disciplina de informática foi bem rápida.
(Professor A)
Não (risos), eu acho que foi só 40 horas, eu acredito
que poderia estender um pouco mais, porque hoje
e desde daquela época, o mundo gira em torno da
tecnologia. (Professor C)
Foram poucas aulas de informática e não consegui-
mos aprender todo aquele conteúdo de informática,
eu não gostava muito também. (Professor E)

Nos depoimentos acima, é nítida a carência de conhecimento


dos docentes sobre as tecnologias, bem como o discurso de que a carga
horária da disciplina oferecida no curso de graduação, era insuficiente
para uma capacitação inicial efetiva. Neste contexto, torna-se evidente
que a formação inicial de um profissional, além da formação acadê-
mica, requer uma permanente mobilização dos saberes adquiridos
em diversas situações do trabalho, que representarão subsídios para
situações de formação, e para novas situações eminentes no processo
de ensino-aprendizagem (GATTI, 2014).

102
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

DISPONIBILIDADE DE TECNOLOGIAS E
INFRAESTRUTURA DA ESCOLA

Para conhecer os recursos tecnológicos perguntamos aos entre-


vistados que conhecimento eles possuíam sobre esses recursos na uni-
dade em que atuavam. Todos os seis entrevistados responderam que a
escola dispunha de computadores, notebooks, projetores e lousas digitais,
porém, nenhum afirmou conhecer que a escola disponibilizava tablets
para serem utilizado em sala de aula. Para a análise da infraestrutura
recorremos ao setor Administrativo.
Observou que 100% (n=6) dos entrevistados utilizavam compu-
tador/notebook e projetor /datashow. Destes, 67% (n= 4) faziam também
o uso da lousa digital, e 33% (n=2) utilizavam caneta e lousa. Estes
dados demonstraram multiplicidade do uso das tecnologias em sala de
aula, bem como a prontidão docente de utiliza-los, como ferramentas
pedagógicas.
A utilização de computadores na Educação é muito mais diversi-
ficada, interessante e desafiadora, do que simplesmente a de transmitir
informação ao aprendiz. O computador pode ser também utilizado
para enriquecer ambientes de aprendizagem e auxiliar no processo de
construção do seu conhecimento (VALENTE, 1999).

VISÃO DOS PROFESSORES SOBRE O USO DOS


DISPOSITIVOS MÓVEIS COMO MATERIAL DE ENSINO

Nesta categoria foi analisado o entendimento dos docentes sobre


os dispositivos móveis. Observa-se nas respostas do Professor A e Pro-
fessor F, a tentativa de dar uma definição para estes dispositivos:
São os aparelhos que podem ser usados por qual-
quer pessoa, são os celulares, tablets e notebook.
(Professor A)
É alguma coisa que posso usar a qualquer momento.
(Professor F)

103
Cleber Bianchessi (org.)

Já para os Professores B, C, D e E, ficou evidente que estes ape-


nas identificaram os tipos de dispositivos móveis, não conseguindo
apresentar uma definição:
Celular, iphone, notebook e tablets. (Professor B)
Celular, notebook, tablets, relógios. (Professor C)
Celular, tablet, computador. (Professor D)
Tablet, celular, notebook. (Professor E)
Diante da definição insuficiente dos Professores A e F, e da ausên-
cia de definição dos Professores B, C, D e E, tornou-se pertinente apre-
sentar o conceito sobre os dispositivos móveis, o qual serviu também
de parâmetro para a presente pesquisa: sendo definidos como disposi-
tivos de computação portátil pequenos o suficiente para serem usados
enquanto mantidos na mão (RANDOM HOUSE, 2017).
O uso da informática na área educacional é bem mais complexo
que a utilização de qualquer outro recurso didático até então conhecido.
Uma vez que sua utilização é condicionada a diversidade dos recursos
disponíveis. Com ela é possível comunicar, pesquisar, criar desenhos,
efetuar cálculos, simular fenômenos, entre muitas outras ações. Nenhum
outro recurso didático possui tantas oportunidades de utilização e,
além disso, a tecnologia que mais vem sendo utilizada no mercado de
trabalho (VALENTE, 1999; TAJRA, 2007).
Embora os professores não utilizassem os dispositivos móveis
como recurso de ensino, fica implícito que os mesmos não se opõem
ao uso destes dispositivos para fins educacionais e mencionam que o
uso dos mesmos pode facilitar o trabalho, conforme as respostas dos
participantes à pergunta: os dispositivos móveis podem ser utilizados
como material de ensino?.
Sem dúvida, os dispositivos móveis são fundamen-
tais, eles potencializam nosso tempo, eu acho que
até o grupo do WhatsApp da sala é uma forma de
comunicação mais rápida. (Professor C)
Sim, usando com cautela, acredito que pode ser
usado. Porque se você deixar livre para eles usa-

104
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

rem o tempo todo, eles ficam em redes sociais e


no WhatsApp. (Professor D)
Implicitamente, os entrevistados identificaram a potencialidade
do uso dos dispositivos móveis como material de ensino, mesmo não
estando muito claro de que forma eles poderiam vir a utilizá-los para
conseguir atingir o aprendizado, gerenciamento e integração ao pro-
cesso de ensino-aprendizagem (MORAN, 2004).
Diante do desafio enfrentado pelo docente no exercício de seu
papel como facilitador e coordenador do processo ensino-aprendizagem,
os participantes foram indagados sobre a importância da utilização dos
dispositivos móveis para a educação. Os seis professores entrevistados
compreenderam que o dispositivo móvel – celular – é uma ferramenta
tecnológica que apresenta vantagens, tais como velocidade e acesso
rápido às informações buscadas pelos estudantes. Os excertos de suas
respostas indicam este posicionamento:
Temos que sair do modelo tradicional e ir para
o ensino radical, sem fazer apologia, hoje em dia
em dia eu não tenho direito de proibir alguém de
usar, tenho que orientar a forma correta, hoje em
dia o celular é insubstituível. (Professor C)
A partir do momento que os alunos utilizam a
tecnologia, eles saem da zona de conforto, não
proibir o uso dos aparelhos pode contribuir para
o aprendizado dos estudantes. (Professor F)

Portanto, segundo Weiss e Mara (2001, p. 33), “[...] é de fundamen-


tal importância a reflexão sobre a realidade da Informática nas escolas,
o seu potencial e o tipo de influência que os instrumentos tecnológicos
podem exercer sobre as crianças”. Ainda sob esse aspecto, Junquer e
Cortez (2010, p.61) complementam que:
Os jovens têm encontrado no uso desses aparelhos
um espaço de independência do mundo adulto, que
acelera uma pretensa maioridade, independente
da sua classe social e da variedade de modelos
desse suporte, uma vez que todas as classes sociais
portam celulares, dos mais simples aos mais sofis-
ticados e tecnologicamente avançados. A finali-

105
Cleber Bianchessi (org.)

dade justificada para a sua grande utilização é a


de que o contato entre pais e filhos requer mais
cuidado, atenção e proximidade no cotidiano. E
a maior parte dos jovens diz que não pode deixar
de valer-se desse instrumento de comunicação
tecnológica, uma vez que seu uso é a melhor forma
de ter e manter amigos com os quais estabelecem
relações que se caracterizam pela troca de conse-
lhos, desabafos, ideias, informações do momento
que estão vivendo. Usam também como artifício
para as atividades próprias de cada faixa etária,
pois resguardam-se de qualquer interferência dos
adultos (JUNQUER; CORTEZ, 2010, p. 61).

A UTILIZAÇÃO DOS DISPOSITIVOS MÓVEIS NO ENSINO


PROFISSIONALIZANTE

Nesta categoria analisamos como se deu a utilização dos disposi-


tivos móveis sob a ótica dos seis professores participantes da pesquisa.
Elencamos as dificuldades encontradas no ambiente de aprendizagem
Moodle, o relato da experiência em utilizar os dispositivos móveis junto
aos alunos, as dificuldades de ordem estrutural ou técnica durante a
aplicação da atividade e as principais dificuldades ou facilidades encon-
tradas pelos alunos na visão do professor.
Os Professores C, E e F afirmaram não encontrar nenhuma difi-
culdade no uso do ambiente de aprendizagem Moodle, conforme os
relatos abaixo:
Não, não encontrei nenhuma. (Professor C)
Ele é fácil de usar, não senti dificuldade.
(Professor E)
Não senti nenhuma dificuldade, o aplicativo é bem
atrativo e de fácil utilização, acredito que os alunos
também não sentiram dificuldade. (Professor F)
Já os Professores A e F relataram a experiência em utilizar, de
forma confortável, junto aos alunos, os dispositivos móveis:
Ele permite uma interação entre professore e o
aluno, permite interatividade entre os alunos, é

106
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

uma ferramenta prática e fácil, permite ver a cria-


tividade do estudante com esse tipo de aplicativos.
(Professor A)
Os alunos gostaram muito da atividade, eles não
estavam acostumados a usar o celular para algo
importante na aula (risos), gostei muito da prati-
cidade do programa, mas ainda preciso conhecer
aquelas funções que passou no treinamento, não
consegui usar todas na aula teste, passou muito
rápido. (Professor F)
É notável que a satisfação dos professores indicada pelos adjetivos
apresentados nos relatos das aulas se deve ao fato de que o Moodle se
caracteriza por ser um ambiente construtivista, livre, propício para o
desenvolvimento de um contexto de aprendizagem centrado no estu-
dante, podendo romper com a cultura de usuário, propiciar interação e
colaboração, conferindo liberdade, autonomia e criatividade ao processo
de ensino-aprendizagem (OLIVEIRA E NARDIN, 2017).
O ambiente de aprendizagem Moodle disponibiliza, para os alu-
nos, o chat, fórum de discussão e atividades de pesquisas que podem
ser atividades propostas pelos professores. Os recursos disponibili-
zados pelo Moodle permitem a interação entre alunos e professores,
divulgação e compartilhamento de trabalhos de pesquisa, por meio do
qual estes encontram inúmeras bibliotecas eletrônicas, revistas online,
com textos, imagens e sons, que facilitam a tarefa de preparar as aulas,
fazer trabalhos de pesquisa e ter materiais atraentes para apresentação.
O contexto, anteriormente citado, pode também possibilitar maior
proximidade ao aluno, podendo o processo de ensino e aprendizagem
ganhar um aspecto dinâmico e inovador (MORAN, 1995).
Os seis entrevistados foram questionados sobre as dificuldades
identificadas quando os alunos participaram da experiência em utilizar
o dispositivo móvel – celular – como recurso didático. Os Professores
A e C indicaram que a realização de um treinamento prévio facilitaria
aos alunos na utilização do Moodle:

107
Cleber Bianchessi (org.)

Muitos deles têm facilidade, seria válido um


pequeno treinamento para os alunos para o uso
do aplicativo. (Professor A)
Eu acredito que o principal foi o receio, alguma
desconfiança, até mesmo ser leigo no manuseio dos
dispositivos, algumas pessoas não têm o domínio
em sua totalidade. (Professor C)
O uso cotidiano do dispositivo móvel – celular – pelos alunos, e a
capacitação docente continuada, podem contribuir para a superação das
dificuldades tanto de alunos, quanto de professores, dificuldades essas
que poderão ser diminuídas, ou até, eliminadas. Os fatores primordiais
para a obtenção do sucesso na utilização da informática na educação
são frutos da capacitação do professor perante essa nova realidade
educacional (TAJRA, 2007).
Já os Professores B e F relatam que alguns alunos não possuíam
celulares ou estes não eram de última geração para suportar o ambiente
de aprendizagem Moodle.
A dificuldade foi que alguns celulares não eram de
última geração, dois alunos não tinham celulares,
talvez por condição financeira ou porque não quer,
não gosta. (Professor B.
Acho que um aluno não tinha celular, mas se colo-
car na escola, eles podem trazer o celular ou note-
book nas aulas para usar o aplicativo. (Professor F)
Segundo estes professores, são poucos os alunos que não pos-
suíam celulares, mas, para acessar o ambiente de aprendizagem Moodle,
o celular precisa apenas de acesso à internet, não sendo necessário
um dispositivo móvel de última geração. Diante dos problemas acima
relatados pelos professores, é necessário a busca de alternativas para a
utilização dos computadores e tablets disponibilizados pela instituição
para que todos os alunos possam participar das atividades em sala de aula.
Em seguida, os entrevistados relataram sobre a existência ou
não de dificuldades de ordem estrutural ou técnica durante a utiliza-
ção do Moodle. Os Professores A e B afirmaram que não encontraram

108
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

nenhuma dificuldade estrutural ou técnica na instituição de ensino


profissionalizante.
Não, pelo contrário, a gente conseguiu usar rápido
o aplicativo. (Professor A)
Não, não encontramos nenhuma dificuldade.
(Professor B)

Conforme as respostas dos entrevistados, acredita-se que a escola


possui a infraestrutura necessária para o funcionamento do ambiente de
aprendizagem Moodle. Ainda em relação à atividade, os seis professores
responderam se a aplicação da atividade atingiu o objetivo proposto
pelo professor junto aos alunos por meio da utilização do dispositivo
móvel – celular. Os seis entrevistados foram unânimes em afirmar que
o objetivo proposto foi atingido:
Sim, eles atingiram. (Professores A, B, C e D)
Sim, sem dúvida. (Professor E)
Sim, os alunos gostaram muito da atividade pelos
celulares. Achei legal que o programa embaralha
as questões, teve alguns alunos que copiaram a
resposta do colega e acabaram errando, eles tive-
ram que ler bem as questões antes de responder.
(Professor F)
Após análise desta categoria, identificamos que o dispositivo móvel
– celular permitiu um envolvimento integral do indivíduo, visto que a
aprendizagem pode se dar de forma integral, em relação ao emocional,
racional, do seu imaginário, do intuitivo, do sensorial em interação, a
partir de desafios, da exploração de possibilidades, do assumir de res-
ponsabilidades, do criar e da reflexão conjunta (KENSKI, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da presente pesquisa permitiram constatar que


os dispositivos móveis podem ser utilizados na escola de ensino pro-
fissionalizante e em outras escolas, pois as tecnologias se integram ao
cotidiano e estão presentes em praticamente todas as atividades diárias.

109
Cleber Bianchessi (org.)

Os professores não apresentam dificuldades no uso dos dis-


positivos móveis, conforme os resultados encontrados neste estudo,
estes utilizam o celular no cotidiano e reconhecem que a partir do
uso adequado desses dispositivos, os processos educativos ocorrem
com maior qualidade. Consequentemente, a aprendizagem acontece
e os conhecimentos, formais e não formais, são socializados, e todos
constroem, ampliam ou ressignificam os saberes.
O estudo da visão dos professores sobre o uso dos dispositivos
móveis, como material de ensino, nos permitiu identificar que os pro-
fessores, apesar de utilizarem com facilidade os recursos tecnológicos,
ainda possuem limitações na transição dos paradigmas tradicionais de
ensino para um cenário de novas possibilidades metodológicas, oferecido
pelos dispositivos móveis. Constatou-se, além disso, que os professores
estão familiarizados com o uso dos dispositivos móveis, mas ainda não
conhecem o potencial destes aparelhos para serem utilizados junto aos
alunos. Evidenciou-se que os entrevistados relataram que podem utilizar
os dispositivos móveis e não sentem dificuldades no uso dos mesmos.
O ambiente de aprendizagem Moodle pode ser utilizado em toda
a instituição. Para isso, o professor pode solicitar à escola o notebook
disponível para aulas em outros locais. Portanto são necessários poucos
recursos tecnológicos para o funcionamento Moodle; o professor precisa
de um notebook e os alunos de um dispositivo móvel. De acordo com os
dados coletados, evidenciou-se que a escola de ensino profissionalizante
possui a infraestrutura adequada para a implantação do ambiente de
aprendizagem Moodle na escola.
Este trabalho abre-se a novas possibilidades de pesquisas rela-
cionadas às tecnologias móveis na educação. Como trabalho futuro,
planeja-se caminhar nesta investigação e aprofundar a pesquisa em
novas experiências de como se utilizar dos dispositivos móveis em
outras escolas e cursos, considerando-os como objeto de ensino no
processo educacional.

110
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

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112
OS MÚLTIPLOS SABERES EM INTERAÇÃO NA
CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO

Maria de Lourdes Teixeira Barros21

INTRODUÇÃO

A formação do currículo compreende a interação de saberes


diversos, que, por meio dos atores envolvidos no processo de ensino e
de aprendizagem, se entrelaçam no espaço escolar. Projetos políticos
pedagógicos institucionais, mesmo quando construídos coletivamente -
como sempre deveriam ser - baseiam-se em programas e/ou orientações
pré-existentes, oriundos das esferas governamentais, responsáveis por
políticas públicas educacionais. No entanto, de acordo com os estudos
do sociólogo inglês Stephen Ball (1994, 2001) existe uma complexidade
no processo de tradução das políticas públicas em práticas pedagógi-
cas, visto que, na passagem da modalidade textual da política para a
modalidade da ação os atores a redimensionam, de acordo com seus
valores, experiências e expectativas, tornando inadequada a utilização
do termo “implementação” quando se trata de políticas públicas em
educação (MAINARDES; MARCONDES, 2009).
Nesse contexto, as diferentes interpretações dadas aos textos
oficiais se mostram relevantes para os efeitos das políticas em questão,
cuja definição pelo Estado surge a partir de uma disputa entre grupos de
interesses distintos sobre as finalidades sociais da educação. Ball (1993)
argumenta que a pluralidade de leitores provocará múltiplas leituras
aos textos das políticas e que essa interpretação também é um lugar de
disputa, podendo modificar substancialmente a proposta original. Os
professores, tidos muitas vezes como meros executores das políticas
definidas em âmbito externo à escola, assumem na realidade um papel
privilegiado de poder na sua construção, visto que são eles que estão
nas salas de aula e que seus conhecimentos e seus valores se sobrepõem
21 
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-
-Rio. Pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudo Formação de Professores, Currículo e
Cotidiano Escolar/ GEFOCC – PUC-Rio.

113
Cleber Bianchessi (org.)

aos discursos oficiais. O processo de formulação das políticas públicas


desvaloriza e menospreza o poder de ação dos professores como atores
do processo educacional, esquecendo que estes podem, cotidianamente,
fazer as suas escolhas, refazendo as políticas ao delas se apropriarem.
O que se percebe atualmente, por meio de diferentes estudos que
vêm sendo realizados em escolas de redes públicas de ensino (MAR-
CONDES, 2018), é que as reformas educacionais propostas pelo Estado
não intencionam proporcionar maior autonomia à gestão das escolas,
no que diz respeito às escolhas pedagógicas, mas sim maior respon-
sabilização quanto aos resultados. Dessa forma, vêm se constituindo
como processos de regulação menos visível, em que os professores são
levados a alterarem sua subjetividade em função da valorização de outros
aspectos, como a sua produtividade. Essa nova forma de controle do
processo educativo inclui a competição entre os pares, aumentando o
individualismo na relação profissional e a insatisfação no exercício da
profissão. Segundo Ball (2002, p. 3), as reformas educacionais não se
constituem em mecanismos apenas de mudanças nas estruturas organi-
zacionais, mas também são veículos para mudar “os professores e para
mudar o que significa ser professor”. A política da performatividade,
defende o autor, está ligada a uma nova forma de gestão, baseada na
lógica do controle empresarial que afeta a subjetividade dos professores,
estimulando-os à busca da eficiência medida por padrões de qualidade
e produtividade pré-estabelecidos. Por ser esta uma política poderosa,
a resistência dos professores às suas exigências é dificultada.

AS REFORMAS CURRICULARES NO CENTRO DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

As atuais políticas públicas em educação, originadas na Reforma


de Estado dos anos 1990, são baseadas em princípios de gestão por metas
de desempenho, controle de resultado e responsabilização individual
(BARROS, 2017). Têm como um dos principais alvos o currículo, por
meio do qual se busca impor aos sistemas educacionais os interesses
dos grupos dominantes. Silva (2003), ao discutir as teorias do currículo,

114
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

indica que todas têm como questão central a definição de qual conhe-
cimento deve ser ensinado e que o resultado dessa seleção de saberes
indica que pessoa se quer formar. Quando se privilegia determinado
conhecimento em detrimento de outro, se exerce um poder que não
se situa no âmbito puramente científico, mas adentra pelo político. As
teorias críticas e pós-críticas do currículo, fazendo um contraponto às
tradicionais, argumentam que nesse campo não há neutralidade, visto
que cada escolha é baseada em determinados interesses.
Em uma perspectiva histórica, Moreira e Silva (1994) demons-
tram que mudanças sociais, políticas e econômicas se sucederam para
a consolidação da ordem capitalista e provocaram o surgimento de
um novo campo de estudos curriculares, voltado para a construção de
um currículo que inculcasse valores e condutas considerados adequa-
dos às novas necessidades da economia. Após terem se considerado
derrotados na corrida espacial, quando a Rússia lançou o Sputinik em
1957, os americanos empreenderam políticas educacionais visando a
reforma curricular, dando ênfase no conteúdo científico (CHASSOT,
2004). Até os dias atuais, as políticas educacionais atuam diretamente na
estrutura curricular, ora associando-a às exigências de uma formação
científica, ora de uma formação tecnicista, mas sempre de acordo com
os interesses do Estado em atendimento ao discurso político que lhe
convém. Nesse cenário, as reformas curriculares passam a ser instru-
mentos de intervenção governamental no cotidiano escolar. Todavia,
a sua expressão na prática pedagógica não se dá sem resistência dos
atores sociais. Conforme Moreira e Silva (1994, p. 29): “O currículo está,
assim, no centro de relações de poder. Seu aspecto contestado não é
demonstração de que o poder não existe, mas apenas de que o poder
não se realiza exatamente conforme suas intenções”.
Os professores são apontados como “intelectuais transforma-
dores” por Giroux (1997), em contraposição à visão do profissional
docente como técnico e executor de políticas educacionais. Para o autor,
professores têm papel fundamental na legitimação de interesses, por
meio das suas práticas pedagógicas, portanto, suas reflexões e seus
posicionamentos deveriam ser considerados no debate que precede as
115
Cleber Bianchessi (org.)

reformas educacionais. Ainda segundo Giroux (1997, p. 157), as reformas


“ignoram a inteligência, julgamento e experiência que os professores
poderiam oferecer em tal debate”, insistindo em considerá-los como
técnicos, que cumprirão os programas definidos por especialistas,
em geral afastados da realidade escolar. Dessa forma, estes são vistos
como objetos das reformas, não como sujeitos, o que é um grande
equívoco, já que sem eles as suas propostas não serão colocadas em
prática. Para tentar minimizar as possíveis consequências indesejáveis
para a implementação das políticas públicas conforme concebidas, o
Estado cria mecanismos de treinamento e controle, como programas
de formação que enfatizam o conhecimento técnico; realização de
avaliações em larga escala, que vêm acontecendo em nível nacional e
local; distribuição de materiais didáticos para serem usados nas salas
de aula, que são a base para as avaliações externas. Um exemplo são
os Cadernos Pedagógicos distribuídos na Rede Municipal do Rio de
Janeiro, uma espécie de apostila, que, sob o pretexto de ser tão somente
um guia para as aulas, torna-se um instrumento de pressão e limitação
para o trabalho docente (BARROS, 2017).

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE AFIRMAM O PODER


DA AÇÃO DOS PROFESSORES NA CONSTRUÇÃO
CURRICULAR: A PEDAGOGIA CRÍTICA E O
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

A teorização crítica do currículo tem em Paulo Freire um expoente,


especialmente no que diz respeito à concepção libertadora de educação
e à conexão entre pedagogia e política (FREIRE, 1970). As reflexões do
autor levam à defesa de uma perspectiva curricular e pedagógica de
contestação aos modelos técnicos e à escola tradicional, destacando
o papel do educador como autônomo e não passivamente receptor
de políticas educacionais impostas. Professores, envolvidos em uma
relação dialógica com os estudantes, podem escolher os conteúdos
programáticos em conjunto, a partir da realidade vivida. Isso os torna
sujeitos ativos da prática educativa, superando aquilo que o autor chama
de “educação bancária”, ou seja, uma educação que concebe o educando
116
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

como passivo, depositário de saberes previamente selecionados, que


apenas devem ser guardados na memória. A concepção bancária “se faz
antidialógica; para realizar a superação, a educação problematizadora
– situação gnosiológica – afirma a dialogiocidade e se faz dialógica”
(FREIRE, 1970, p. 84). Nessa linha reflexiva, é possível compreender
que, por meio do diálogo, o educador se transforma em investigador
crítico junto aos seus alunos, livre das amarras dos conteúdos impostos.
Em Freire e Shor (1986, p. 124), vimos que o objeto de conheci-
mento não pode ser visto como propriedade exclusiva de um dos sujeitos
do processo educativo, no caso o professor, mas deve ser “colocado na
mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se encontram em
torno dele e através dele para fazer uma investigação conjunta”. Os
autores reconhecem que o professor tem certas experiências que o
aluno não tem e que estas o fazem escolher determinado objeto para
estudo, porém argumentam que isso não significa “que o professor tenha
esgotado todos os esforços e todas as dimensões no conhecimento do
objeto”. Assim, o professor deve demonstrar sua competência aos alunos
e contar o que já se sabe sobre o objeto estudado, mas sem esquecer
que nenhum conhecimento é absoluto.
O que os educadores dialógicos sabem, porém,
é que a ciência tem historiedade. Isto significa
que todo conhecimento novo surge quando outro
conhecimento se torna velho e não mais corres-
ponde às necessidades do novo momento, não mais
responde às perguntas que estão sendo feitas. Por
causa disso, cada conhecimento novo, ao surgir,
espera sua própria vez de ser ultrapassado pelo
próximo conhecimento novo, o que é inevitável
(FREIRE; SHOR, 1986, p. 125).

Assim como Freire, Giroux (1994) reafirma o poder do professor


na transformação das condições que produzem dominação ideológica
em práticas emancipatórias, defendendo a escola como espaço de luta
e a pedagogia como forma de política cultural. Desenvolvida por meio
de uma pedagogia crítica, a prática pedagógica pode incorporar não
só a visão política do profissional docente, mas também a experiência

117
Cleber Bianchessi (org.)

do educando ao conteúdo curricular oficial, “através das vozes e para


as vozes daqueles que são quase sempre silenciados” (GIROUX, 1994,
p. 95). A ação educativa baseada na pedagogia crítica questiona quais
saberes e formas de apreendê-los são necessários para um projeto
educacional em benefício da liberdade humana. Giroux (1994, p. 106)
argumenta que isso não significa que professores devam esquecer o que
sabem e como sabem. Ao contrário, ele afirma que “a luta pedagógica se
enfraquece sem tais recursos” e que os professores podem desenvolver
uma pedagogia que denuncie as injustiças sociais, analise criticamente
os discuros oficiais, rejeite o silenciar das múltiplas vozes, favoreça o
posicionamento dos atores educacionais e valorize as experiências e
subjetividades dos alunos.
Os professores precisam encontrar meios de criar
espaço para um mútuo engajamento das diferenças
vividas, que não exija o silenciar de uma multiplici-
dade de vozes por um único discurso dominante; ao
mesmo tempo, devem desenvolver formas de peda-
gogia ancoradas em uma sólida ética que denuncie
o racismo, o sexismo e a exploração de classes como
ideologias e práticas sociais que convulsionam e
desvalorizam a vida pública (GIROUX, 1994, p. 106).
A pedagogia crítica politiza a ação educativa, ampliando seu lugar
de atuação em torno de múltiplas formas de produção cultural e não
apenas naquelas tradicionalmente inseridas no currículo escolar. Incor-
pora a experiência do aluno ao conteúdo curricular e mostra-se sensível
a materiais curriculares que reproduzam relações sociais desiguais.
Essa pedagogia, ao ser posta em prática, qualifica a ação do professor
como autônoma, indicando sua competência para gerenciar o trabalho
no cotidiano das salas de aula, influenciando indiscutivelmente o resul-
tado das propostas das reformas educacionais promovidas pelo Estado.
Nesse ponto, cabe inserir um destaque para um campo da teori-
zação curricular que ampliou a compreensão das relações entre cultura
e currículo, tão presentes na proposta da pedagogia crítica: os Estudos
Culturais (HALL, 2003; SILVA, 1995). Um currículo concebido com base
nos Estudos Culturais equipara diversas formas de conhecimento e é

118
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

explícito em defesa dos grupos menos favorecidos nas relações sociais


e culturais (SILVA, 2003). Nessa perspectiva, o currículo é concebido
como uma construção social e compreendido a partir das relações de
poder que o definem de uma determinada forma, em detrimento de
outra, abrangendo um determinado tipo de conhecimento e não outro.
Corazza (1997, p. 121) aborda os Estudos Culturais como via para a
“reterritorialização” dos temas geradores propostos na obra de Paulo
Freire e propõe práticas pedagógicas que considerem o planejamento
de ensino por meio de “temas culturais”. Para a autora, esse planeja-
mento não tem cunho tecnicista, mas objetiva trazer para a cena os
conhecimentos que não foram pensados em se tornarem escolares e
pode ser visto como estratégia política de luta. Ainda, se constitui em
uma prática que pode ser aplicada nos cursos de formação docente,
proporcionando aos futuros professores a experiência de vivenciar,
de forma crítica, práticas pedagógicas alternativas que os capacitem “a
planejar e desenvolver currículos alternativos e contra-hegemônicos”
(CORAZZA, 1997, p. 140).
Devido ao contexto histórico de sua inserção na prática docente,
de viés tecnicista e diretamente relacionado a políticas conservadoras,
o planejamento de ensino vem sendo negado no discurso de algumas
teorias educacionais mais progressistas. No entanto, Corazza (1997)
argumenta por uma nova significação da prática de planejar o ensino,
considerando que a ação pedagógica só assumirá seu papel político-cul-
tural, antagonizando com o currículo oficial, se for originária de uma
intervenção intencional. Deixa-nos, assim, uma questão: “Então, como
ir para a escola (significada como um território de luta por sentidos e
identidades) e exercer uma pedagogia (entendida como uma forma de
política cultural) sem planejar nossas ações?” (CORAZZA, 1997, p. 121).
Tal planejamento, intencional e estratégico, constitui-se em uma
ação pedagógica que reafirma o poder do professor na recontextuali-
zação das políticas curriculares, por meio do qual são selecionados
e organizados os objetos de estudo, envolvendo a multiplicidade de
culturas presentes nas relações da sala de aula.

119
Cleber Bianchessi (org.)

Planejar para, intencionalmente, antagonizar


com o currículo “oficial” e com o discurso único
aprovado. Para que a multiplicidade de culturas
implicadas em nossas identidades e nas de nossos
alunos, bem como as diversas formas de expressão
popular possam se tornar materiais curriculares,
codificadas em temas de estudo, reproblematização
e questionamentos (CORAZZA, 1997, p. 123).
O planejamento estratégico poderá se constituir em um aliado para
a construção de um currículo em torno de temas de estudo, trazendo
para o cenário questões de gênero, classe, cultura popular, religiosidade,
força da mídia, meio ambiente, discursos de identidade e diferença e
outras temáticas culturais, que, na maior parte das vezes, ficam de fora
dos currículos oficiais das políticas públicas.

A RECONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS


CURRICULARES NO COTIDIANO ESCOLAR

Para demonstrar algumas das formas de recontextualização


das políticas curriculares, passamos ao relato de situações observadas
durante pesquisa realizada, nos anos 2000, em uma escola pública de
anos iniciais do ensino fundamental, na cidade do Rio de Janeiro. Essa
investigação ocorreu a partir da observação de professoras em seus
momentos de planejamento e durante as aulas, além de contar com
entrevistas individuais com essas docentes, todas dos anos iniciais. São
fragmentos que ilustram alguns dos caminhos percorridos no cotidiano
das escolas, tendo como atores os estudantes e suas professoras, por
meio dos quais é possível perceber os diferentes significados que as
políticas curriculares assumem nesse contexto.
Iniciamos o relato com uma situação vivenciada no encontro
semanal entre professores e coordenadores pedagógicos para o plane-
jamento de atividades, que seriam realizadas em turmas de 4º ano. A
proposta de trabalho era desenvolver os objetivos curriculares referen-
tes ao tema alimentação, apresentados pela instituição no seu Projeto
Político-Pedagógico Institucional (PPPI), construído com base nos Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN), o documento curricular vigente

120
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

à época, que apontava os objetivos educacionais para a educação no


Brasil (BRASIL, 1997). Os PCN vigoraram como documento orientador
até 2017, quando foi homologada a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), de caráter normativo (BRASIL, 2017).
Tomando um exemplo para análise, vimos que, na disciplina de
Ciências, o texto do PPPI indicava que se trabalhasse a importância da
alimentação e a qualidade nutricional dos alimentos. A coordenadora,
no entanto, apresentou uma proposta de planejamento em que acres-
centava outros aspectos: fome, desperdício de alimento e utilização
de tecnologias na alimentação e saúde. Tal plano, ao ser implemen-
tado em sala de aula, sofreria uma nova recontextualização, agora das
professoras, que se apropriaram desse discurso de acordo com suas
crenças, sua história, suas possibilidades. Nesse sentido, foi possível
perceber as múltiplas leituras do currículo formal, onde cada agente do
processo pedagógico valorizou mais ou menos determinados aspectos
apontados no texto do currículo oficial, interpretando-os de acordo
com o significado que objetivavam dar às suas práticas.
A partir da análise de uma ação desenvolvida na sala de aula, em
uma das turmas de 4º ano, foi feito um recorte sobre a questão da fome.
A professora optou por iniciar esse tema a partir de uma reportagem
que havia sido publicada em um grande jornal de circulação local,
sobre as pessoas que morrem por causa da fome no Brasil. Discutindo
a reportagem, lançou a pergunta: “Por que vocês acham que as pessoas
têm fome?”. A essa questão, seguiu-se um diálogo entre os estudantes,
do qual recortamos algumas de suas falas:
ESTUDANTE A: Por causa do desemprego. A pessoa
fica sem dinheiro para comprar comida.
ESTUDANTE B: As pessoas deveriam doar comida.
ESTUDANTE C: Se a gente plantar, vai ter alimento.
Pode pegar fruta na rua para não passar fome.
ESTUDANTE B (réplica): Mas as pessoas não con-
seguem tão fácil assim. E depois como vão plantar
se não têm dinheiro para comprar sementes?

121
Cleber Bianchessi (org.)

ESTUDANTE D: Para plantar precisamos de chuva,


adubo, semente, coisas do ambiente.
ESTUDANTE E: Se sobra comida, as pessoas dão
para cachorros, mas não para outras pessoas.
Com essas falas, muitas reflexões puderam ser levadas adiante,
na abordagem de questões, como a desigual distribuição de renda e de
alimento; o desemprego; o trabalho infantil; a função do poder público
e a participação de cada um diante dos problemas sociais; os programas
sociais implantados no Brasil. O trabalho desenvolvido pela professora,
que ouviu os alunos e partiu para uma discussão abrangendo a dimensão
sócio-política do tema destacado, foi a forma como ela recontextualizou
o planejamento inicial. Com certeza, há outras maneiras de se trabalhar
a questão da fome, dando maior ou menor destaque a determinados
aspectos. Mas é fato que cada assunto vai ser trabalhado de um modo,
por professores diferentes, com estudantes diferentes. Cada vez que
se cria nova dinâmica para trazer um “conteúdo” para a sala de aula, a
proposta curricular inicial é modificada, produzindo saberes diversos.
Na turma acompanhada, outras atividades compuseram o currí-
culo, no que diz respeito à temática da fome no Brasil. Foram discussões
de letras de músicas, elaboração de murais com as opiniões dos alunos,
leitura de reportagens e escrita de textos. Observou-se que os alunos
sentiram-se à vontade para expressar suas opiniões com argumenta-
ções e propostas de solução para o problema apresentado. Durante as
atividades, pelos diálogos que as antecederam ou as sucederam, foi
possível perceber que os alunos trazem para a escola muitas questões
relacionadas às ações políticas que acontecem no dia a dia do país. Cada
vez mais, o acesso a diferentes tipos de mídia e redes sociais amplia
as possibilidades de mobilizar informações e debates sobre variados
assuntos. Os estudantes formam suas opiniões a partir da interação
em diferentes espaços e a sala de aula pode se constituir em mais um
desses espaços para a troca de saberes sobre os assuntos aos quais eles
estão expostos no seu cotidiano fora da escola.
Um dos exemplos foi um debate acerca do auxílio dado pelo
governo às pessoas menos favorecidas social e economicamente. Um

122
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

estudante dizia que a assistência dada em forma de auxílio financeiro


era “para ajudar as pessoas”. Já outro questionava a ação, dizendo que
“as pessoas poderiam se acostumar a receber dinheiro e alimentos e
então não iam querer trabalhar mais”, acrescentando a fala de que
“por isso minha mãe não dá comida a quem pede na porta, para não
acostumar”. Uma outra criança divergiu, dizendo que “as pessoas não
trabalham porque não têm emprego, não é porque não querem”. Esses
estudantes ouvem seus grupos de convivência a expressarem opiniões
e percebem suas práticas. Ao terem oportunidade de debater sobre os
mesmos assuntos na escola, têm mais uma oportunidade de formar
sua própria opinião, discutir valores, questioná-los e buscar alternati-
vas. Assim se faz um currículo em ação, a despeito das propostas das
macropolíticas que possam pretender delimitá-lo, fazendo ecoar a
escola como um espaço privilegiado de formação.

CONSIDERAÇÕES

Ao tratar da recontextualização das políticas educacionais,


incluindo especialmente a questão curricular, é preciso considerar que
os profissionais que atuam nas escolas não estão excluídos da política
oficialmente proposta, pois sua ação no nível local a torna sujeita à
interpretação e recriação. Essa abordagem pressupõe os professores
como sujeitos ativos no contexto da prática, onde a política produz seus
efeitos. Consequentemente, podemos dizer que a tecitura dos currí-
culos escolares se dá não pelo que está definido a priori nos textos da
política oficial, mas a partir da reinterpretação desses textos na esfera
da micropolítica. Tal reinterpretação sofre influência dos múltiplos
saberes circulantes na sala de aula e da interação dos professores nas
diversas relações por ele experimentadas em sua trajetória profissional,
colaborando para tal o diálogo com os estudantes, a troca de experiência
com outros professores, a relação com demais profissionais da educação
envolvidos no processo pedagógico e os estudos por eles empreendidos.
Em síntese, os professores, em sua prática pedagógica, têm um
poder de ação que não pode ser menosprezado. Suas escolhas fazem

123
Cleber Bianchessi (org.)

com que as propostas concretizadas nas atividades cotidianas das salas


de aula não sejam exatamente aquelas formalmente planejadas, mas
as que se relacionam com aquilo que sabem, valorizam e acreditam.
Todavia, se as experiências empreendidas pelos professores em cada sala
de aula não forem objeto de discussão coletiva, permanecerão limitadas
ao seu caráter individual, e, mesmo bem sucedidas, não disputarão
para influenciar as políticas no campo educacional, em seu processo
de formulação. É possível que, se os órgãos formuladores atuassem nas
diferentes instâncias de formação das políticas educacionais, como
por exemplo, com a criação de grupos de trabalho representativos dos
profissionais das escolas, obtivessem subsídios que permitiriam avançar
na aproximação entre teoria e prática.

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SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo.


Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

125
POR UMA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA:
REFLEXÕES SOBRE AS FERRAMENTAS
DIGITAIS NA EDUCAÇÃO

Wesley Pinto Hoffmann22


Raquel Aparecida Loss23
Betiza Gonçalves Scortegagna24
Claudineia Aparecida Queli Geraldi 25

INTRODUÇÃO

A contemporaneidade está sendo modificada vertiginosamente


por processos desenvolvidos nas tecnologias digitais em diversas esferas
sociais. Esses processos alteram as formas de comunicação, as relações
de trabalho, e, consequentemente as relações de ensino e aprendizagem.
São necessárias sovas práticas a fim de se abranger o ensino contextua-
lizado às novas necessidades demandadas na sociedade.
A inserção digital e a comunicação nos meios virtuais se torna-
ram requisitos para a participação ativa dos sujeitos na sociedade. Há
diversas demandas de mobilização de conhecimentos contextualizados,
que serão úteis na participação social. As ferramentas próprias da
cibercultura dinamizam a convivência e a relação entre professores e
estudantes, que exigem novas práticas no contexto escolar.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é analisar possibilidades
de inserção tecnológica na promoção da autonomia, tendo em vista que
reconhecer e manejar diferentes dispositivos e sistemas tecnológicos
se tornou um requisito para inserção social.

22 
Acadêmico do Curso de Letras na Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail: wes-
leywph@gmail.com.
23 
Professora do Curso de Engenharia de Alimentos na Universidade do Estado de Mato
Grosso (UNEMAT) E-mail: raquelloss@unemat.br.
24 
Acadêmica do Curso de Letras na Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail:
95701@upf.br
25 
Professora do Curso de Engenharia de Alimentos na Universidade do Estado de Mato
Grosso (UNEMAT). E-mail: claudigeraldi@onda.com.br

126
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Justifica-se a necessidade de analisar o desenvolvimento das


tecnologias em espaços educacionais, uma vez que a tecnologia, como
toda prática, é permeada pelas ideologias. Todas escolhas entre cliques
e passadas de dedos por telas são movidas por ideologias e interesses
específicos. A tecnologia não é um campo neutro, nela se propagam
visões de mundo e de sociedade que fundamental o uso de ferramentas
digitais (FREIRE, 1968).
Conforme Prodanov e Freitas (2013), a pesquisa referencia-se sob
a abordagem qualitativa, e quanto aos procedimentos, enquadra-se em
uma pesquisa de caráter exploratório e bibliográfico, tendo em vista a
revisão crítica de pressupostos teóricos publicados.
Além desta introdução, o capítulo privilegia outras duas seções,
a seguir. Na próxima seção, contextualizaremos o uso de tecnologias
e as contribuições de Freire (2013) no desenvolvimento de práticas
pedagógicas que estimulam a autonomia. Por fim, apresentamos as
“Considerações finais” com reflexões sobre a pesquisa desenvolvida.

FATORES DE UMA PRÁXIS TECNOLÓGICA E A


PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

Conforme De Alencar (2005), o uso tecnológico precisa ser


mediado por preparação em práticas escolares. O primeiro fator para
uma práxis tecnológica se ocupa do uso intencional e político das tecno-
logias. A participação tecnológica está embebida de fatores ideológicos.
A ideologia se manifesta na instituição de toda ação tecnológica, e é
importante reconhecer que na construção de softwares, páginas web
e aplicativos de computador e dispositivos móveis, são baseados em
concepções e ideologias desenvolvidas no seio social.
O segundo fator se relaciona à necessidade de compreender e
controlar suas ações na tecnologia. Não é possível reforçar a alienação
em ferramentas digitais, sendo que a escola precisa ser uma promotora
de criticidade, até mesmo em relação às características da cibercultura
(DE ALENCAR, 2005).

127
Cleber Bianchessi (org.)

Conforme Freire (1977), as pessoas não podem se comportar


como máquinas de repetição automatizada. Compreender os processos
é fundamental para o aprendizado, nas concepções de Freire (1977).
Conforme o autor, o mundo é passível de transformações sociais que
se desvinculam da maquinação nos processos de aprendizado com a
tecnologia.
O terceiro elemento de uma práxis se refere à redução sociológica.
Em muitas circunstâncias, as inovações aplicadas em ferramentas digi-
tais estão sendo impostas verticalmente, caracterizando as inovações,
muitas das vezes, como uma invasão cultural, sendo que é necessário
mediar interferências, e prezar pela multiculturalidade. O autor defende
até um quarto elemento, para desenvolver uma práxis tecnológica, com
características específicas de circulação e tratamento de materiais em
produção online. (DE ALENCAR, 2005).
Ilustramos, a seguir, na Figura 1, os fatores envolvidos em uma
práxis educacional elaborada a partir de processos tecnológicos:

Figura 1: Fatores envolvidos no desenvolvimento de uma práxis


tecnológica

Fonte: Elaborado pelos autores, com base em De Alencar (2005).

Os fatores apresentados na Figura 1 são interdependentes e


expressam a complexidade das relações sociais em ambiente cibernético,
sobretudo no que concerne à preocupação com os cuidados e critérios
para navegar na web 2.0 em práticas pedagógicas, quer seja na escola,
como em outros espaços impactados por essas práticas desenvolvidas.

128
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Em consonância com Kellner (2001), o fator desenvolvido nas


ações conscientes e intencionais é um pilar na educação. Conforme
o autor, passamos por dramáticas e vertiginosas mudanças sociais e
tecnológicas que demandam novos letramentos a fim de proporcionar
aos estudantes circulação e oportunidades em diversas esferas sociais.
As novas tecnologias alteram todos os aspectos da sociedade e
cultura, e precisamos compreendê-las, agrega-las e de fato vivenciá-las
para entender e transformar o mundo. Novos letramentos dão força
aos indivíduos e aos grupos tradicionalmente marginalizados e recons-
troem as relações formadas nas escolas (ROJO, 2012). Os desafios para
uma sociedade democrática são vários, sendo que o estabelecimento
de escolas democráticas e multiculturais são fatores determinantes
para o reflexo de ações participativas em todas as esferas da sociedade.
A ubiquidade proporcionada pelas tecnologias digitais evidencia
ainda mais a necessidade de uma educação midiática no ensino regular,
com o fomento de práticas que desenvolvem competências e habilida-
des requeridas na BNCC (2017) que se relacionam às mídias digitais. O
desenvolvimento dessas práticas, conforme Kellner (2001), perpassa
o seio familiar, através de um trabalho conjunto, como o exemplo de
análise de programas televisivos e de conteúdos recebidos nos grupos
de família, por exemplo. De acordo com Kellner (2001), o professor tem
o papel de mediar e aguçar a percepção críticas dos textos e demais
conteúdos disponibilizados na web 2.0. Apresentamos, a seguir, no
Quadro 1, algumas possibilidades de textos que circulam socialmente
que podem servir como material para práticas pedagógicas digitais,
com base em Kellner (2001):

129
Cleber Bianchessi (org.)

Quadro 1: Possibilidades de textos digitais em práticas pedagógicas

Textos multimidáticos que circulam socialmente

Propagandas em
Conversas em grupos com aplicativos serviços como o
Youtube

Postagens de Facebook, Instagram, etc. Sites de notícias

Descrições
Jornais televisivos de Jogos para
Smartphone

Textos de Fóruns
Propagandas na Televisão e comunidades
virtuais

Fonte: Elaborado pelos autores (2020).


O Quadro 1 apresenta alguns formatos de textos que circulam
socialmente em diversas esferas sociais e que podem ser analisados
em práticas pedagógicas, de acordo com a Base Nacional Comum Cur-
ricular (2017). As escolhas de óticas a serem desenvolvidas nas análises
de textos podem variar muito, a depender do ano ou série, disciplina,
objetivo, competência ou habilidade a ser trabalhada. O que é funda-
mental, conforme Kellner (2001), é que essas questões provoquem o
viés crítico no trato dos textos que circulam socialmente.
A Alfabetização midiática, bem como a noção de multiletramentos,
conforme Kellner (2001) e Rojo (2012), envolvem o desenvolvimento de
concepções de compreensão, interpretação e criticidade nas práticas
pedagógica. As noções despertadas na web influenciam nas visões e
ideologias estabelecidas a respeito de gêneros, de classes sociais, e até
mesmo do fazer pedagógico.
É necessário dar espaço nas aulas para reflexões sobre pontos
negativos na cultura midiática, como a propagação do sexismo, racismo,
machismo, etnocentrismo, homofobia, movimentos nazistas, entre

130
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

outras expressões que vão no movimento contrário ao da democracia


e bem comum.
Nas suas concepções sobre as tecnologias, antes mesmo do
desenvolvimento da internet no Brasil, Freire (1968, p. 99), destacou
que a tecnologia é permeada pelas ideologias, com fins e propósitos
determinados, servindo a uma comunidade e a diferentes motivações.
Conforme Freire (1968), as tecnologias não são neutras, são intencio-
nadas e inseridas em contextos sociais. O autor alerta para o viés do
fazer político com as ferramentas digitais, já que essas plataformas
intensificam a formação da ubiquidade humana e a correlação de ações
virtuais e presenciais.
Conforme De Alencar (2005), é necessário rigor metodológico no
trabalho com tecnologias digitais que, consequentemente, são platafor-
mas que propiciam arenas virtuais de diferentes ideologias e relações
de poder que precisam ser bem mediadas.
De acordo com Freire (1968), a tecnologia atua como facilitadora
de ações e de maximização do tempo. As tecnologias estão presentes no
cotidiano de diversas maneiras, até no modo de cozinhar e lavar roupa,
que deixaram de ser estritamente manuais. A migração da escrita manual
para escrita em dispositivos eletrônicos possibilitou a democratização
aos textos e diversas fontes de informação e saber científico, como o
caso de artigos científicos e demais produções acadêmicas.
A acepção e trabalho ativo com as tecnologias parte do incentivo
e estímulo a curiosidade e instigação por conhecer o funcionamento
e os conteúdos que circulam da web 2.0. Conforme Freire (2013, p. 35)
Nenhuma formação docente verdadeira pode
fazer-se alheada, de um lado, do exercício da cri-
ticidade que implica a promoção da curiosidade
ingênua à curiosidade epistemológica, do outro,
sem o reconhecimento do valor das emoções, da
sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adi-
vinhação (FREIRE, 2013, p. 35).

Em consonância com Freire (2013, p. 41), é importante a noção de


inacabamento das ações do ser humano, já que a inconclusão é própria

131
Cleber Bianchessi (org.)

da existência humana. Também se concebe a noção de suporte, onde


é o espaço ao qual se delimita as ações e dominação; um espaço de
treinamento e de aprendizado. Da mesma forma, o suporte e a noção
de inacabamento das ações, conceituados por Freire, servem para a
acepção de suportes digitais.
Conforme Freire (2013), à medida que o suporte foi formando o
mundo, a vida e a existência, o corpo humano também foi se tornando
consciente, apreendedor e transformador de espaços vazios a serem
preenchidos por conteúdos, assim, a navegação em web 2.0 também
representa um suporte a ser povoado por conteúdos, conforme ilustra-
mos na Figura 2, a seguir:
Figura 2: Constituição de suportes virtuais na web

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Freire (2013).

A Figura 2 expressa os fatores empregados na construção dos


ambientes em suportes da web 2.0. São diversos conteúdos, ideologias
e textos que circulam nesses suportes, e cabe ao professor, em suas
práticas pedagógicas, promover a mediação do contato e produção
de textos que prezem pela ética, e pela promoção da autonomia, em
detrimento de conteúdos que reforçam relações opressoras na internet.
De acordo com Freire (2013, p. 48)

132
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Qualquer discriminação é imoral e lutar contra


ela é um dever por mais que se reconheça a força
dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de
ser gente se acha, entre outras coisas, nessa pos-
sibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo
respeito à autonomia e à identidade do educando
exige de mim uma prática em tudo coerente com
este saber. (FREIRE, 2013, p. 48).
É preciso motivar professores e estudantes a inovar no
desenvolvimento de práticas pedagógicas pautadas na transformação,
de modo que os estudantes tenham suas vozes ouvidas e saibam circular
de maneira autônoma entre páginas. Consoante Freire (2013, p. 60),
podemos conceber “o saber da história como possibilidade e não como
determinação. O mundo não é. O mundo está sendo.” Posto isso, apre-
sentamos na próxima seção deste capítulo, nossas considerações finais,
com reflexões, com vistas à continuidade das temáticas abordadas
neste estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias digitais da web 2.0 representam a complexidade


das relações sociais e são facilitadoras de demandas sociais, até mesmo
na esfera escolar. Faz-se necessário abranger as tecnologias virtuais no
desenvolvimento de práticas pedagógicas pautadas na promoção da
autonomia dos estudantes.
O objetivo deste capítulo foi analisar possibilidades de inserção
tecnológica na promoção da autonomia, já que, reconhecer e produzir
textos em diferentes dispositivos e plataformas digitais é um requisito
para a inserção dos indivíduos em diversas práticas sociais.
Foi alcançado o objetivo, uma vez que desenvolvemos reflexões
sobre a concepção tecnológica de autores basilares que fomentaram
as discussões, e promovemos exemplos de ações e da constituição de
conteúdos que circulam na web, passíveis de serem trabalhados em
sala de aula, em diferentes contextos.

133
Cleber Bianchessi (org.)

Foi desenvolvida neste estudo, uma breve discussão, dado o espaço


de escrita em um capítulo para temáticas abrangentes. Desejamos
que outros autores possam motivar-se com as discussões realizadas
neste capítulo, com vistas à novas publicações que possam abordar as
questões trazidas aqui, de modo mais abrangente e pertinente para os
interessados nos temas em questão.
Por fim, as discussões promovidas por Freire (2013), ainda que no
século XX, são contemporâneas, tendo em vista os propósitos de suas
aplicabilidades que são atemporais e representam objetivos basilares
da educação no Brasil, sobretudo na contemporaneidade, caracterizada
pela inserção de diferentes ferramentas digitais, que não podem estar
alheias aos espaços pedagógicos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
DF: MEC, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso
em 20 jun. 2020.
DE ALENCAR, Anderson Fernandes. O pensamento de Paulo Freire sobre a
tecnologia: traçando novas perspectivas. Recife: V Colóquio Internacional
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res. Brasília: Plano, 2003.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1968.
FREIRE, Paulo. Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em pro-
cesso. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educa-
tiva. 46ª edição–Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2013.
KELLNER, D.. Novas tecnologias: novas alfabetizações. Portal Brasileiro de
Filosofia da Educação. Disponível em <http://www.filosofia.pro.br>. Acesso
em 20 abril.2020.
PRODANOV, Cleber Cristiano; DE FREITAS, Ernani Cesar. Metodologia do tra-
balho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico-2ª
Edição. Editora Feevale, 2013.
ROJO, Roxane. Multiletramentos na escola. Parábola Ed., 2012.

134
TECNOLOGIAS DIGITAIS, MEDIAÇÃO
PEDAGÓGICA E PRÁXIS EDUCATIVA NA
CULTURA DIGITAL

Anderson dos Santos Carneiro26


Úrsula Cunha Anecleto27
Maria Jeane Souza de Jesus Silva28

INTRODUÇÃO

Em 2019, tínhamos 134 milhões de usuários de Internet29 no Brasil.


Desse total, cerca de 74% (setenta e quatro por cento) navegaram na
rede mundial de computadores para realizar atividades sociointerativas,
principalmente em redes sociais de comunicação on-line ou em plata-
formas comunicacionais. Iniciamos este texto com essas informações
para tornar nítido que aos espaços educativos, representantes de esferas
públicas para a socialização e para a produção de conhecimentos, não
é mais possível denegar a construção de ações pedagógicas em que
as potencialidades sociocomunicativas e educativas das Tecnologias
Digitais (TD) façam parte do processo de ensino e de aprendizagem, de
maneira a permitir o estabelecimento de novas relações com o saber
(LÉVY, 1999) na cultura digital.
As TD, enquanto tecnologias da inteligência, como produtos da
sociedade, permeiam as vivências dos sujeitos, seja “[...] como códigos
compartilhados, textos que circulam, programas que copiamos, ima-
gens que imprimimos e transmitimos [...]” (LÉVY, 2010, p. 176) ou como

26 
Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação e Diversidade (PPED/UNEB).
Docente da Educação Básica pública no estado da Bahia (SEC/BA).
27 
Doutora em Educação (PPGE/UFPB). Docente do Departamento de Educação (DEDU),
no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL) e no Programa de Pós-
-graduação em Educação (PPGE) na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
28 
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação e Diversidade (PPED/
UNEB). Docente da Educação Básica na rede municipal de ensino em Monte Santo (BA).
29 
Esta informação foi extraída dos resultados da Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias
de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros – TIC Domicílios 2019, cuja
publicação se encontra disponível no endereço eletrônico https://cetic.br/pt/arquivos/
domicilios/2019/domicilios/. Acesso em 01 out. 2020.

135
Cleber Bianchessi (org.)

meios sociotécnicos interacionais. Pela ubiquidade peculiar a esses


meios, instigam instituições e espaços formativos a engendrar novas
formas de aprender, tanto dentro quanto fora do espaço físico escolar,
provocadas pelas mudanças paradigmáticas da atualidade.
Em face disso, as instituições escolares brasileiras, públicas e
privadas, necessitam avançar na consolidação de uma estrutura tec-
nológica mínima; mas não se trata apenas de conectar as escolas com
recursos infraestruturais ou ampliar espaços de conexão à internet
para que sejamos dominados por App, redes sociais ou plataformas
digitais que nos permitam fazer apenas o que está programado. Um dos
maiores desafios constituem-se em lidar com as contradições ineren-
tes à construção cooperativa do conhecimento aliado à prática social.
Nesse sentido, esperamos um reposicionamento das ações escolares
e dos papéis atribuídos à escola: de um conhecimento centralizado,
monolítico, linear e individualizado para construções descentralizadas,
dispersas, alineares/multilineares e colaborativas.
Na cultura digital, pressupõem-se aprendizes autônomos, críticos
e criadores de sentidos, que transitem por diversos espaços de conhe-
cimento, o que exige metodologias que se apoiem na problematização
de situações concretas. Dessa forma, é preciso que as aprendizagens
trabalhadas e desenvolvidas no ambiente escolar se conectem com
a vida fora da escola, provocando os alunos para que reflitam sobre
situações reais, com vistas à construção de um conhecimento crítico e
engajado (GÓMEZ, 2015).
A escola, então, como instituição formativa, para onde os inte-
resses da sociedade se voltam, deve promover ações inovadoras para a
integração das TD na práxis pedagógica, justamente por tais tecnologias
serem meios estruturantes da complexidade que comporta a vida na
cultura digital. É fundante destacar que são os próprios sujeitos das
escolas (estudantes, professores gestores, coordenadores pedagógicos
e comunidade escolar) os responsáveis por repensar sentidos das ações,
funções e finalidades a serem desenvolvidas por essas instituições
nesses novos tempos.

136
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

A partir dessas considerações iniciais, este capítulo tem por


objetivo discutir sobre a importância da práxis e da mediação pedagó-
gica como constructos para a produção colaborativa de conhecimento
por meio das Tecnologias Digitais no espaço escolar, oportunizando
a construção da inteligência coletiva. Apresenta-se por um estudo
teórico-conceitual, que nos levaram à compreensão da ação educa-
tiva como ato de interação30 e de interlocução de saberes, visando a
uma perspectiva dialógica no espaço de sala de aula. Defendemos um
agir pedagógico que, quando também potencializado pelas TD, tem
sua essência na relação sujeito-sujeito, na qual ambos os partícipes
interagem linguisticamente mediados entre si, superando a dualidade
sujeito-objeto (HERMANN, 1999).

AGIR DOCENTE E USO DAS TD NA CULTURA DIGITAL

Mesmo não pensando de forma determinista, intuímos que o


uso das TD em sala de aula contribui para que a construção do conhe-
cimento ocorra de forma mútua, negociável, colaborativa, a partir da
valorização dos saberes produzidos e/ou organizados pelas pessoas no
ciberespaço31.. Na concepção de Brennand (2001), o ciberespaço possi-
bilita novas relações comunicativas transterritoriais entre indivíduos,
abrindo possibilidades para a troca de significações, ideias e argumen-
tos dispostos e conectados em rede, promovendo, assim, mudanças na
maneira como saberes e experiências são constituídos e disseminados.
Por meio do ciberespaço, “principal equipamento coletivo interna-
cional da memória, pensamento e comunicação” (LÉVY, 1999, p. 167), as
interações realizadas no meio digital minimizam o distanciamento entre
os diversos sujeitos que integram a sociedade, especialmente, quando
estes se encontram em espaços formais desterritorializados – tomamos

30 
“A interação é entendida como um processo interpretativo em que os intervenientes
negociam uma definição comum da situação com recurso a interpretação recíprocas”
(HABERMAS, 2010, p. 286 apud ANECLETO, 2016, p. 141).
31 
Lévy (1999) também chama o ciberespaço de “rede”. A concepção de ciberespaço
engloba “[...] não apenas a infraestrutura material da comunicação, mas também o uni-
verso oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam
e alimentam esse universo” (LÉVY, 1999, p. 17).

137
Cleber Bianchessi (org.)

como exemplo a desterritorialização da escola – e favorecem a comu-


nicação dialógica e a relação extra sala de aula entre professor e aluno.
Sobre as mutações que o fazer educativo tornou-se passível de
sofrer com a consolidação das TD como tecnologias da inteligência,
Lévy (1999, p. 172) assevera:
[...] Ao prolongar determinadas capacidades cogni-
tivas humanas (memória, imaginação, percepção),
as tecnologias intelectuais com suporte digital
redefinem seu alcance, seu significado, e algumas
vezes até mesmo sua natureza. As novas possibili-
dades de criação coletiva distribuída, aprendizagem
cooperativa e colaboração em rede oferecidas pelo
ciberespaço colocam novamente em questão o
funcionamento das instituições e os modos habi-
tuais de divisão do trabalho, tanto nas empresas
como nas escolas.

Lévy (1999) nos remete à necessidade de (re)pensarmos como


as TD estão sendo utilizadas, de maneira a diligenciar modificações na
práxis educativa e expandir, modificar e potencializar as funções inte-
lectuais do indivíduo e do coletivo do qual esse é parte integrante. Com
sua gama de recursos, o (ciber)espaço, caracterizado pela interconexão
de dispositivos tecnológicos, possibilita o surgimento de comunicações
virtuais, as quais, por suas ações interativas, tornam-se essenciais na
estrutura da mediação do conhecimento. Também, facilita e multiplica
a criação da inteligência coletiva.
A inteligência coletiva surge dos atos comunicativos dos sujeitos
propulsores dos constantes movimentos (desterritorializados e coor-
denados em tempo atual) efetuados pela coletividade na constituição
de saberes. Por estruturar-se a partir do trabalho em comum acordo,
requer o estabelecimento de atos dialógicos (os quais podem ocorrer
a partir de interfaces do mundo virtual – a exemplo da comunicação
em redes sociais e em plataformas digitais – para promover o entendi-
mento mútuo, o estabelecimento de consensos entre os integrantes do
coletivo cognoscente, de tal forma que cada indivíduo contribua com a
aprendizagem do outro, reciprocamente.

138
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Ao iniciar a sua escrita em “A inteligência coletiva: por uma


antropologia do ciberespaço”, Pierre Levy (2015, p. 22, grifo do autor)
marca fortemente no texto introdutório que no espaço cibercultural
“[...] a capacidade de formar e reformar rapidamente coletivos inteligentes
irá se tornar a arma decisiva dos núcleos regionais de conhecimentos especí-
ficos (savoir-faire) [...]”. Nessa perspectiva, a construção processual de
conhecimento realizar-se-á no universo das interações colaborativas
estabelecidas a partir das tecnologias da inteligência com meios digi-
tais, promovendo, ao mesmo tempo, a aprendizagem cooperativa e
estimulando os atos comunicativos entre os integrantes dos coletivos
cognitivos, permitindo a troca mútua de conhecimentos e saberes.
As TD firmaram no meio social e por meio de interfaces ali-
mentadas pela rede mundial de computadores (Internet) inúmeros
grupos/coletivos intelectuais marcados pela interação, demandando,
conforme Lévy (1999, p. 172), “[...] a transição de uma educação e uma
formação estritamente institucionalizada (a escola, a universidade)
para uma situação de troca generalizada dos saberes [...]”. Com isso, a
produção de conhecimento direciona, atualmente, para uma dinâmica
coletiva em detrimento da individualizada. Agora, cada indivíduo pode
tornar-se um (co)produtor de conhecimento e difusor de saberes, haja
vista ter o ciberespaço tornado as relações de comunicação interativas,
multidirecionais e com amplitude universal.
No espaço educacional, “[...] a direção mais promissora, que por
sinal traduz a perspectiva da inteligência coletiva no domínio educativo,
é a da aprendizagem cooperativa” (LÉVY, 1999, p. 171, grifo do autor).
Nesse sentido, os docentes precisam buscar maneiras de estruturar o
processo de ensino e de aprendizagem de modo a estabelecer ações
comunicacionais com o uso das TD voltados para a produção de conhe-
cimento e de consolidação dos saberes e não como uma transposição
de aulas tradicionais para o formato hipermidiático.
Fundada na valorização do compartilhamento de saberes e na
engenharia do laço social, a inteligência coletiva estimula o uso da
linguagem para a interação, bem como a compreensão e a organização

139
Cleber Bianchessi (org.)

dos objetivos de atuação que cada ser cognoscente deve ter, indepen-
dentemente de quais sejam seus propósitos de aprendizagem. Para Lévy
(1999), na constituição da inteligência coletiva, essas tecnologias com
suporte digital são basilares para o estabelecimento de ações interativas
entre sujeito-sujeito para a troca e produção de saberes e a valoração
mútua das qualidades dos interactantes.
Arrazoamos ser possível entender o espaço escolar, em face da
partilha de saberes e da construção coletiva de conhecimento, como
um Espaço de saber. Esse foi concebido por Lévy (2015) enquanto um
espaço virtual (a ser desenvolvido, desterritorializado) capaz de unir
os processos de subjetivação individuais e coletivos, sendo o saber um
savoir-vivre e não apenas o conhecimento científico; aqui, valoriza-se
o saber empírico e entende-se que quando um indivíduo (re)organiza
as suas (rel)ações e interage com o outro, o mesmo está inserto em ato
produtor de conhecimento.
No Espaço do saber, a inteligência coletiva se origina “[...] em
mundos vivos continuamente engendrados pelos processos e interações
que neles se desenrolam” (LÉVY, 2015, p. 129), nos quais os indivíduos
cooperam entre si, a partir do uso mais acentuado das TD para negociar
continuamente as suas relações/interações e a conjuntura que possibi-
lita significações coletivas. Os indivíduos que povoam e animam esse
espaço são integrantes de coletivos inteligentes, os quais correspon-
dem a comunidades humanas virtuais (com contatos e interações das
mais variadas tipificações) que atuam no ciberespaço com o objetivo
de encontrar novas maneiras de estabelecer comunicação, animando
espaços desterritorializados, intentando encontrar novas qualidades e
modos de ser, pautados em uma interatividade fundada no diálogo e
na reciprocidade dos participantes.
Em face das características do Espaço do saber, a
[...] produção e distribuição do saber dependem
não apenas das especificidades do sistema cognitivo
humano, mas também dos modos de organização
coletiva e dos instrumentos de comunicação e tra-
tamento da informação (LÉVY, 2015, p. 173).

140
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Nesse espaço, as significações partilhadas não são mais solipsis-


tas e sim intersubjetivas, emanadas de uma intersubjetividade plural.
Contudo, há que se ressalvar a existência, por parte de um ou de outro
membro integrante dos coletivos inteligentes de possíveis tentativas de
manipular e de enganar, como ocorre em qualquer outra comunidade
habitada ou transitada por humanos.
Assim, se utilizarmos as TD como meio para a construção do
conhecimento de forma colaborativa, de forma crítica, consolidare-
mos a engenharia do laço social (LÉVY, 2015). Com essa engenharia, a
coletividade inteligente tem a possibilidade de fomentar os potenciais
criativos individuais – sem cerceá-los -- para a geração de ações harmô-
nicas de uma coletividade, valorizando as mais diversas competências
humanas e corroborando para a produção e para a disseminação de
saberes coletivos. No ambiente educacional, espera-se a capacidade de
ensinar, aprender e resolver problemas em conjunto. Descentraliza a
construção dos saberes ao ensejar o acolhimento das mais diversifica-
das opiniões e interpretações de mundo, privilegiando a aprendizagem
recíproca entre os sujeitos envolvidos na comunidade.
Estamos imersos (alguns imergindo) na cultura do ciberespaço
e não cabem mais aulas monológicas, estritamente verbalistas e com
cunho transmissivo de informações, as quais, a partir de uma análise
empírica, têm-se demonstrado improfícuas. Aprender deixara de ser
sinônimo de acumular informações. Como consequência disso, deman-
das estão sendo apresentadas ao professor para que o mesmo, ao lançar
mão das TD na práxis pedagógica, objetive a consolidação da mediação
pedagógica no processo de ensino e de aprendizagem.

MEDIAÇÃO/PRÁXIS PEDAGÓGICA: UMA


INTERLIGAÇÃO DE SABERES

Reflexionar sobre a prática pedagógica com o uso das TD no


espaço escolar e as interações humanas promotoras e difusoras do saber
coletivo, cujas informações são impossíveis de serem quantificadas,
permite ao professor adotar uma postura crítico-reflexiva para pensar

141
Cleber Bianchessi (org.)

o seu agir docente, no sentido de tornar-se emancipado. Nesse exercício


de práxis, infere-se existir, por parte do professor, um desejo de aclarar
questões educativas influenciadoras da produção de conhecimento na
cultura digital, bem como o sentido e a significação dada pelos docentes
às ações de ensino e de aprendizagem que são realizadas no espaço
escolar, atualmente.
Entendemos a práxis como reverberação do uso da linguagem
para o entendimento mútuo e caracteriza-se como a execução de uma
atividade reflexiva (HABERMAS, 2013) voltada, intencionalmente, para
a emancipação dos indivíduos em formação. Denota-se, dessa forma,
conforme afirma Brennand (2001), um processo que extrapola o agir
pedagógico. Por meio da práxis, os indivíduos refletem sobre as res-
pectivas ações realizadas e as redimensionam antes de reaplicá-las,
bem como experimentam as mais variadas aprendizagens, mediadas
por meio da linguagem, criando sentido e significando para o saber
produzido colaborativamente.
Segundo Casagrande (2009, p. 175), a práxis educativa é
[...] entendida como processo dialógico, lugar da
palavra e da ação no encontro com o outro, implica
a possibilidade de que cada um diga a sua palavra,
tornando-se possível que se instaure um espaço
de entendimento mútuo entre os participantes da
comunicação e, ao mesmo tempo, que cada agente
envolvido no diálogo e na interação configure e
reconfigure a própria identidade.
Por essa perspectiva, a práxis pedagógica estrutura-se em inte-
rações comunicativas, pois espera-se dos sujeitos a competência para
falar e proceder com ações de forma crítica, explicar e contestar argu-
mentações, arguir para esclarecer dúvidas com o fim de entenderem-se
mutuamente. A práxis pedagógica deriva do agir-pensar-agir que pode
tornar o docente um sujeito autônomo e, por conseguinte, os seus
respectivos alunos.
Esses, também, precisam experimentar a criticidade e a reflexão
em suas aprendizagens, motivo pelo qual não deve prosperar a concep-

142
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

ção da aplicação das TD como forma de transmissão de um conceito


ou informação do professor para o aluno como ato educativo. Aqui,
apenas a assimilação de conhecimento mostra-se improfícua. Nesse
processo, a aprendizagem emana do movimento reflexivo-dialético,
potencializando a construção e a reconstrução de saberes significativos
para os próprios construtores.
A práxis, então, é construída a partir da ação executada, refletida
e (re)executada pelo próprio sujeito. Ela é forjada nas experimentações
do cotidiano escolar e na consolidação dos saberes experienciais refle-
tidos, conjuntamente, com os conhecimentos científicos teorizados;
resulta da interação entre sujeitos e não a partir de “iniciativas educa-
tivas” pensadas e estruturadas sem diálogo, desconexas do “chão” da
escola ou fulcrada em “receituários” de técnicas pedagógicas idealizadas
apenas para a execução de aulas, inclusive as que lançam mão das TD
para promover aprendizagem.
Almeja-se que, na cultura digital, a mediação pedagógica seja
mais que a soma dos objetos tecnológicos para se constituir em um
universo de valores, de linguagens e de redes de novos significados
para a sociedade. A isso, vincula-se uma evidência para a definição
larga, criativa e clara dos passos que iniciam e provocam a curiosidade,
o campo de partilha da cultura, o plano de voo para o conhecimento
significativo e humanizador.
A mediação pedagógica é um processo comunicativo, dialógico
e interativo, no qual há construção, ressignificação, intercambiamento
de saberes. Por isso, quem exerce a mediação “[...] se apresenta com a
disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem – não
uma ponte estática, mas uma ponte rolante, que ativamente colabora
para que o aprendiz alcance seus objetivos” (MASETTO, 2013, p. 151).
Quanto à utilização das TD para realizar a mediação pedagógica, o
professor, na cultura digital, deve ponderar que a práxis pedagógica
também é realizada pelo ciberespaço, o que torna possível acontecer
fora do espaço físico “formal” da escola. Por isso, o ensino e a apren-

143
Cleber Bianchessi (org.)

dizagem mediados pelas TD não se restringem mais aos quatro cantos


da sala de aula.
Não se deseja mais um professor a desempenhar um papel de
transmissor de pacotes de conhecimentos ou de um aplicador de téc-
nicas pedagógicas ou, também, de um exímio detentor de informações
julgadas (por ele mesmo) como importantes para o aluno. Na cultura
digital, a navegação pelas vias do ciberespaço possibilita ao discente
acessar informações sem estar atrelado aos “ditos ou ritos” do docente.
Logo, o ensino centrado apenas na acumulação de informações, a cada
dia que passa, perde o vigor. Com a educação acontecendo de maneira
desterritorializada no ciberespaço (onde se inclui as TD), a mediação
pedagógica caracteriza-se por interações comunicativas recíprocas
delineando o processo de construção de conhecimento, cabendo ao
professor fomentar o estabelecimento de diálogos diretos com os alunos,
tornando-se um guia, um estimulador das competências em concomi-
tância com a cognição dos estudantes.
Em sua obra Cibercultura, Lévy (1999, p. 171) nos permite infe-
rir que a função a ser desempenhada pelo professor na construção de
conhecimento
[...] não pode mais ser uma difusão dos conheci-
mentos, que agora é feita de forma mais eficaz por
outros meios. Sua competência deve deslocar-se
no sentido de incentivar a aprendizagem e o pen-
samento. O professor torna-se um animador da
inteligência coletiva dos grupos que estão a seu
encargo. Sua atividade será centrada no acompa-
nhamento e na gestão das aprendizagens: o incita-
mento à troca de saberes, a mediação relacional e
simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos
de aprendizagem etc.

O excerto acima, necessário à compreensão do papel a ser desem-


penhado pelo professor na cultura digital, nos remete à epistemologia
levyniana de ouvir o outro atenciosamente e de constituir saberes
alicerçados na comunicação e na interação coletiva. Requer, também,
o desenvolvimento de reflexões sobre o fazer docente correlacionado

144
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

ao uso das TD no espaço educacional, sobretudo, para a emergência de


uma práxis que oportunize a produção colaborativa de conhecimento.
Pensar no fazer docente por meio dessas tecnologias demanda
ações formativas contínuas na perspectiva da mediação pedagógica.
Nessas condições, toda e qualquer atividade planejada para a mediação
da práxis educativa, sobre ou via TD, precisa impulsionar o desenvolvi-
mento da inteligência coletiva e, consequentemente, aproximar, pelas
redes hipermidiáticas, docentes e estudantes em um mesmo universo.
Isso enriquecerá não só a trajetória desses sujeitos, como também
modificará caminhos numa interação coletiva, partilhada, valorizando,
assim, as relações pessoais e interpessoais por meio do diálogo, do
debate, mediados também tecnologicamente, os quais estreitam a
aprendizagem com o saber/fazer pedagógico.

CONCLUSÃO
Na cultura digital, as TD firmaram-se socialmente por meio de
interfaces alimentadas pela rede mundial de computadores; inúmeros
grupos/coletivos intelectuais consolidaram-se a partir dessas redes pro-
motoras de atos de comunicação marcados pela interação. Com isso,
a produção de conhecimento apresenta, atualmente, uma dinâmica
coletiva em detrimento da individualizada. Agora, cada indivíduo pode
tornar-se um (co)produtor de conhecimento e difusor de saberes, haja
vista ter o ciberespaço tornado as relações de comunicação interativas,
multidirecionais e com amplitude universal.
Em uma perspectiva de entrelaçamento, Guimarães (2016) destaca
uma forte influência das TD32 na educação escolar, ao tornar-se um elo
para a ligação entre os atos formativos e de currículo, professores, alu-
nos, mundo físico e mundo virtual, otimizando a produção de saberes
e contribuindo para a autonomia do aluno para pensar e protagonizar

32 
Conforme ressalta Levy (1999), a técnica e a tecnologia não são boas ou más. Dependem
do contexto e do objetivo de uso, de como foram concebidas e, especialmente, do uso
humano para adquirir as dimensões sociais e culturais e criar possibilidades de comu-
nicação e interação. Sendo assim, a utilização das TD no espaço escolar está atrelada,
dentre vários aspectos, à concepção de ensino e ao modo de aplicação dessa concepção
pelos atores educacionais.

145
Cleber Bianchessi (org.)

o seu percurso formativo. Ao aluno, enseja, também, o exercício da


liderança ou a faculdade de reconhecer em outro indivíduo habilidades
capazes de permitir a promoção do trabalho colaborativo e do pensar
criticamente.
Com um ciberespaço em constante evolução e com os indiví-
duos munidos de tecnologias e interfaces diversificadas (smartphones,
computadores, aplicativos digitais, jogos, Internet, redes sociais, den-
tre outras), a utilização das TD deve partir de práxis pedagógica que
reverberam na mediação de ensino e de aprendizagem interacionistas
e colaborativas, para a troca mútua de saberes. Ao entrelaçar o uso das
TD na educação escolar com formas comunicacionais e dialógicas de
aprender, o professor mediador concatena a realização de entendimen-
tos mútuos entre sujeito-sujeito/professor-aluno/aluno-aluno, por meio
de ações interativas, que partem do comprometimento e da implicação
dos docentes com a formação crítica de seus alunos.

REFERÊNCIAS
ANECLETO, Úrsula. Ação linguístico-comunicativa e a interação na esfera
pública comunicacional. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal
da Paraíba. João Pessoa, 2016.

BRENNAND, Edna G. de Góes. Ciberespaço e educação: navegando na cons-


trução da inteligência coletiva. Revista Informação e Sociedade: Estudos. João
Pessoa: v. 11, n.1, 2001, p.1-9. Disponível em: < https://periodicos.ufpb.br/ojs2/
index.php/ies/issue/view/33>. Acesso em 15 abr. 2020.

CASAGRANDE, Cledes Antonio. Educação, intersubjetividade e aprendizagem


em Habermas. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.

GÓMEZ, Pérez Angel I. Educação na era digital: a escola educativa. Trad. Marisa
Guedes. Porto Alegre: Penso, 2015.

GUIMARÃES, Daniela Eduarda da Silva. Impacte da Formação Contínua de


Professores em Quadros Interativos Multimédia: um Estudo no Centro de
Formação de Associação de Escolas de Sousa Nascente. Tese (Doutorado em
Ciências da Educação). Universidade de Coimbra, 2016.

HABERMAS, Jürgen. Teoria e Práxis: estudos de filosofia social. Tradução


Rúrion Melo. São Paulo: Editora Unesp, 2013.

146
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

HERMANN, Nadja. Validade em educação: intuições e problemas na recepção


de Habermas. Porto alegre: EDIPUCRS, 1999.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era


da informática. Tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Edi-
tora 34, 2010.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 10.


ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015.

MASETTO, Marcos T. Mediação pedagógica e Tecnologias da Informação e


Comunicação. In: MORAN, José M.; MASETTO, Marco T.; BEHRENS, Marilda
A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21 ed. Campinas: Papirus, 2013.

147
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E O USO DE
TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO: UM OLHAR PARA A
UNIVERSIDADE DE MINERVA

Bruno Massinhan33
Maria Alzira Leite34

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O cenário do Século XXI, marcado pelas características da socie-


dade em rede (Castells, 1999) ou da cibercultura (Levy, 1999), instaura
novos gestos profissionais. Com isso, as distintas práticas, envolvendo
as relações dialógicas, tendem a demandar inúmeros conhecimentos
para o uso de novas tecnologias digitais de informação e comunicação.
É possível notar que, com diversos mecanismos e operações ligadas a
Web 2.0, emerge uma aprendizagem em rede, pautada na ação de agir
colaborativamente.
Coscarelli e Ribeiro (2005) destacam que a tecnologia propicia
“novas formas de comunicação e o aperfeiçoamento das já existentes”
(COSCARELLI; RIBEIRO, 2005, p. 152). Por mais que algumas pessoas
não sejam adeptas das novas tecnologias virtuais, algumas situações
já requerem apropriações de usos de aplicativos no contexto digital.
Podemos citar, por exemplo, o atual momento de distanciamento
social, no qual a educação remota ganhou destaque, e os docentes,
a equipe pedagógica e os alunos procuraram assumir uma postura
de apropriação de plataformas comunicacionais para realização do
trabalho e/ou rotinas do dia a dia. Nessa linha, novos gêneros, como

33 
Mestrando em Educação (UTP) Linhas de Pesquisa Prática Pedagógica e Elementos
Articuladores. Instrutor do American College of Surgeons, programa ATLS. Especialista
em Medicina do Trabalho pela UFPR. Graduado em Medicina (PUCPR).
34 
Pós-doutora em Linguística Aplicada. Mestre e doutora em Letras: Linguística e Lín-
gua Portuguesa. Docente no Programa de Pós-Graduação em Letras (UTP). Graduada
em Letras (PUCMINAS).

148
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

a ‘live’; “conferências on-line” ganharam notoriedade, e os aplicativos


comunicacionais, como: Zoom, Google Meet, Google Teams, entre
outros, se popularizaram.
A partir desse contexto, buscamos responder a seguinte questão:
como a prática pedagógica permeia o cenário educacional na Univer-
sidade de Minerva? Objetiva-se, primeiramente, neste capítulo, abrir
uma discussão sobre o conceito de prática pedagógica, e ainda, oportu-
nizar uma reflexão sobre as estratégias de ensino de uma determinada
instituição educacional: Universidade de Minerva.
A abordagem teórica segue as principais concepções de Carr
(1996); Vazquez (2011); Franco (2016); Souza (2016); Kallick e Costa
(2009); Bergmann (2012); Davis (2015); a partir de ensino baseado em
metodologias ativas, sala de aula invertida, ensino híbrido e outras
ferramentas, estruturando o ensino a partir dos conceitos de hábitos
mentais como estratégias críticas e práticas para professores e alunos.
A linha metodológica contempla a pesquisa qualitativa em edu-
cação Alves-Mazzotti (1991), numa abordagem interpretativista, Moita
Lopes (1994).

O QUE É A PRÁTICA PEDAGÓGICA?

Entender o conceito de práticas pedagógicas é pensar o conjunto


de relações que circundam uma ação reflexiva (CARR, 1996), conside-
rando o aprendizado em seus aspectos sociais, humanos, neurofisiológi-
cos, econômicos e até mesmo políticos – todos expressos no currículo.
Diante de todas essas relações, é preciso diferenciar as práticas
pedagógicas das práticas educacionais.
De acordo com Franco (2016, p. 3),
uma aula ou um encontro educativo tornar-se-á
uma prática pedagógica quando se organizar em
torno de intencionalidades, bem como na constru-
ção de práticas que conferem sentido às intenciona-
lidades. Será prática pedagógica quando incorporar
a reflexão contínua e coletiva, de forma a assegurar
que a intencionalidade proposta é disponibilizada

149
Cleber Bianchessi (org.)

a todos; será pedagógica à medida que buscar a


construção de práticas que garantam que os enca-
minhamentos propostos pelas intencionalidades
possam ser realizados.

Nessa vertente, a prática pedagógica permeia uma dinâmica


de ação reflexiva, coletiva e participativa. Diante disso, essa prática
abre espaço para todos, e ainda, possui objetivos ligados às ações vol-
tadas à compreensão e transformação, haja vista o cumprimento da
intencionalidade.
Enquanto as práticas pedagógicas são práticas sociais, exercidas
com a finalidade de concretizar processos pedagógicos, as práticas
educativas referem-se a processos que ocorrem para a concretização
de projetos educacionais. Assim, uma atividade docente pode ser con-
siderada prática educativa e nem sempre ser uma prática pedagógica
(FRANCO, 2016).
Considerando a abordagem das práticas pedagógicas, há dois
pontos que merecem destaque quando as comparamos com as práti-
cas educativas: a presença e atuação da reflexão crítica exercidas pelo
docente, e a consciência das intencionalidades que norteiam a prática
pedagógica (FRANCO, 2016).
O conceito de práticas pedagógicas fundamenta-se em três ele-
mentos: contexto, intencionalidades e mediação de relações entre
intencionalidades e sujeitos da prática pedagógica. Além disso, a sua
organização se volta para as demandas de uma comunidade social. O
contexto refere-se ao local onde a prática pedagógica ocorre e está inse-
rida (escolas, universidades, hospitais, empresas); a intencionalidade,
por sua vez, refere-se à finalidade da prática pedagógica (por exemplo
formação profissional, escolar, política, sociocultural, entre outras).
As práticas pedagógicas são também influenciadas por um
conjunto de determinantes, externos e internos. São exemplos dos
determinantes internos a lógica escolar, regras disciplinares, relações
hierárquicas dentro do ambiente, professores, – e dos determinantes
externos as diretrizes curriculares, legislação educacional, normativas
e o próprio material didático. (SOUZA, 2016).
150
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

No cenário, por exemplo, da medicina, tendo em vista as práticas


pedagógicas, há indícios de que os determinantes externos, como as
avaliações do ENADE, normativas curriculares do MEC, legislação cível,
normativas e regulamentos éticos dos Conselhos Federais e Regionais,
direcionem a formação médica na graduação. Os determinantes internos,
como normas de universidades, normas disciplinares, alunos, profes-
sores, supervisores, técnicos de apoio diversos, exercem influências
importantes na formação profissional médica. Entretanto, há pouca
evidência científica sobre como ampliar ou reduzir as influências destes
determinantes internos, por exemplo, na formação médica.
O professor, nesse contexto, no seu exercício, precisa entender
a magnitude e a fundamental importância das práticas pedagógicas,
enquanto práxis, como meio para enriquecer e aprimorar o aprendizado
dos discentes. Quer seja na formação do ensino dos anos iniciais, desde
o primeiro letramento, quer seja na formação da pós-graduação nos
níveis mais aprimorados, exercer a prática pedagógica, e não apenas a
prática educativa é de fundamental importância.
Entretanto, as práticas pedagógicas não se limitam a locais de
ensino. Souza, na obra “práticas pedagógicas e elementos articuladores”,
no capítulo Sobre o Conceito de Prática Pedagógica, pag 25, pontua que
a prática pedagógica também permeia espaços educativos não escolares:
a pedagogia social e a educação não formal.
Na sociedade, nos movimentos, organizações
sociais, ao contrário do institucional-escolar, as
determinações existem em relação ao trabalho e
aos processos educativos, mas elas são mais dita-
das em função da conjuntura política do que dos
instrumentais administrativo-jurídico-normativos.
São determinadas pelos objetivos políticos e pelas
estratégias de enfrentamento e disputa por pro-
jetos societários. A ideologia passa a determinar
os conteúdos da prática e a ciência é colocada a
serviço de processos de transformação social ou
de conservação das relações sociais que mantém o
modo de produção capitalista e o renova. (SOUZA,
p. 50, 2016)

151
Cleber Bianchessi (org.)

Esse panorama demonstra que vivemos numa sociedade eminen-


temente pedagógica, com o poder pedagógico de meios de comunicação,
imprensa, rádio, televisão, projetos culturais (LIBANEO, 2001).
Destaca-se, entretanto, que a vivência de uma sociedade eminen-
temente pedagógica ocorre muitas vezes fora do ambiente escolar, em
que a presença de um currículo formal ou planejado (quer por insti-
tuições governamentais ou por outras instituições exercendo formas
de poder) pode não existir, e ainda assim, ocorrer práticas educativas.
Em várias esferas da prática social, mediante as modalidades de
educação informais, não-formais e formais, é ampliada a produção e
disseminação de saberes e modos de ação (conhecimentos, conceitos,
habilidades, hábitos, procedimentos, crenças, atitudes, levando a prá-
ticas pedagógicas. (LIBÂNEO, 2001, p. 3).
Para compreender melhor a diferenciação entre práticas edu-
cativas e práticas pedagógicas, é preciso o entendimento do conceito
de práxis. Em sua obra Filosofia da Práxis, Adolfo Sánchez Vásquez,
diante de uma abordagem do materialismo histórico dialético, refere-se
ao conceito de práxis como a atividade material consciente e objetiva,
que transforma o mundo exterior a partir da ação humana que acaba
transformando o homem, por isso uma ação dialética.
A atividade da consciência, que é inseparável de
toda atividade humana, apresenta-se a nós como
elaboração de fins e produção de conhecimento
em íntima unidade (...). Se o homem aceitasse
sempre o mundo como ele é, e se, por outro lado,
aceitasse sempre a si próprio em seu estado atual,
não sentiria a necessidade de transformar o mundo
nem de, por sua vez, transformar-se. (VAZQUEZ,
p. 226, 2011).

O conceito de práxis fundamenta-se em três pontos: intencionali-


dade da prática, ação crítica e consciente, e efetividade de transformação
ou ação no mundo real.
A matéria-prima das atividades e práticas pode mudar, originando
diversos tipos de práxis. Note-se que Vásquez não limita atividades

152
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

apenas ás atividades educacionais, e amplia o conceito para toda ati-


vidade humana.
Assim, práxis produtiva (também chamada práxis fundamental) é
aquela intermediada por meios de produção, em que o homem produz
um mundo humanizado com seu trabalho e se transforma a partir dele:
atividade orientada a um fim. (MARX, 2002).
A práxis artística refere-se à produção e obras de arte, não sendo
limitada por uma necessidade prático-utilitária (VÁSQUEZ, 2011). Por
sua vez, a práxis experimental satisfaz necessidades de investigação
teórico-científica em diversos campos de atuação humana. Já a práxis
política envolve o homem como sujeito e objeto da ação e, quando
coletiva, recebe o nome de práxis social (VÁSQUEZ, 2011).
Diante disso, é fundamental o entendimento de que não existe
uma “práxis teórica”, pois como conceitua VÁSQUEZ (2011, p. 234), a
atividade teórica não é uma forma de práxis, pois não transforma a
realidade.
Em suma, a práxis se apresenta como uma ati-
vidade material, transformadora e adequada a
fins. Fora dela, fica a atividade teórica que não se
materializa, na medida em que é espiritual pura.
Mas, entretanto, não há práxis como atividade
puramente material, isto é, sem a produção de
fins e conhecimentos que caracteriza a atividade
teórica. (VÁSQUEZ, p. 234, 2011).

O professor e pesquisador brasileiro Paulo Freire foi um teórico


importante nos estudos das práticas pedagógicas, enquanto formas de
práxis. Nos estudos que realizou destacam-se conceitos de educação
libertadora e educação bancária. Na obra “A pedagogia do oprimido”,
Freire utiliza o conceito de práxis para referir-se à reflexão e ação dos
homens sobre o mundo para transformá-los. (FREIRE, 1987, p. 38).
Nesse viés, destaca que:
[...] se o momento já é o da ação, esta se fará autên-
tica práxis se o saber dela resultante se faz objeto
da reflexão crítica. É neste sentido que a práxis
constitui a razão nova da consciência oprimida e

153
Cleber Bianchessi (org.)

que a revolução, que inaugura o momento histó-


rico desta razão, não pode encontrar viabilidade
fora dos níveis da consciência oprimida. (FREIRE,
1987, p. 53).
Freire salienta que a educação bancária refere-se à prática edu-
cativa em que o educador é o sujeito do processo e os educandos meros
objetos (FREIRE, 1987, p. 59). Este tipo de prática perpetua a domestica-
ção / dominação sobre os educandos, pois não é marcada por reflexão
crítica, e, portanto, não nutre o educando de reflexão que o liberte em
seu contexto.
Em oposição a esta prática, na prática libertadora, dialógica,
há o sujeito cognoscente, que “se encontra dialogicamente com os
educandos” (FREIRE, 1987, p. 69). Esta constitui a verdadeira práxis,
que é revolucionária ou libertadora, com adequada intencionalidade
e rompendo práticas sociais de dominação.

CURRÍCULO COMO EXPRESSÃO SOCIAL

A prática pedagógica é uma dimensão da prática social e, portanto,


não está isolada dos condicionantes conjunturais e estruturais que seu
permeiam o contexto histórico e cultural (SILVA, 2016).
O currículo também é uma dimensão da prática social. Sempre
relacionado a questões de expressão de poder (ora poder político,
econômico, ora poder social), mediante a priorização de ensino de
determinados conhecimentos em detrimento de outros, bem como a
manifestação de poder mediante o ensino baseado em características
culturais expressas nas normativas escolares, diretrizes educacionais
e outros determinantes externos da prática pedagógica.
Assim, para que um currículo possa ser inovador, é preciso que
as condições culturais, políticas, sociais, comunitárias, econômicas
que circundam e influem nas decisões de elaboração e aplicação deste
currículo permitam inovação. Portanto, a mudança não se refere apenas
à inovação em recursos audiovisuais, multimídia, computacionais ou
recursos tecnológicos como meio de comunicação com os alunos. Para

154
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

mudanças e inovações efetivas, é preciso exercer práticas pedagógicas


– enquanto práxis – e entender o currículo como expressão social.

A UNIVERSIDADE DE MINERVA: EXEMPLO DE


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTEGRADAS COM USO
DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE COMUNICAÇÃO E
INFORMAÇÃO

A universidade de Minerva foi fundada em 2011 por Ben Nelson.


Possui como missão alimentar a sabedoria crítica para o bem do Mundo.
Atualmente, seu programa de graduação é reconhecido como o mais
seletivo do Mundo e sua taxa de admissão é de apenas 1.2% (SÁNCHEZ,
B.). Sediada no estado da Califórnia (EUA), as aulas de graduação, pós-
-graduação e mestrado ocorrem com ensino a distância para alunos
de todo o mundo. Durante o programa de graduação, os alunos da
universidade são incentivados a ter uma experiência e formação como
cidadãos globais – seus estudos iniciam-se em São Francisco (EUA) e
progridem para Buenos Aires (Arg), Londres (R.U), Berlim (Alemanha),
Hyderabael (India), Seul (Coréia do Norte) e Formosa – Taiwan (China).
Com o claro objetivo de formar lideranças globais, a Minerva
propõe conexão entre os principais jovens talentos e líderes dos seto-
res privados, públicos e sociais. O objetivo é construir uma rede global
de conexões entre líderes, capaz de realizar mudanças profundas – do
tipo que remodela as sociedades. O propósito é melhorar a condição
humana por meio da educação. (MINERVA, 2018).
Com currículo de graduação de quatro anos, as aulas são realizadas
exclusivamente pela internet, com ensino á distância, numa plataforma
própria chamada “Fórum”; os alunos possuem atividades práticas que
visam á inserção comunitária nos países em que estão temporariamente
residindo; as práticas pedagógicas são baseadas em metodologias de
Aprendizagem Ativa (“Fully Active Learning”), uso de Andaimes na
educação (“Cross-contextual Scaffolging”) e uso de ferramentas de
Retroalimentação (“Systematic Formative Feedback”). O Currículo é

155
Cleber Bianchessi (org.)

fundamentado no ensino com uso de “Habits of Mind” (Hábitos Mentais),


a partir dos estudos de Kallick e Costa, publicados em 1991.
Conforme informado pela Instituição, os cursos de graduação
da Minerva são estruturados em quatro anos, designados Fundação,
Direção, Foco e Síntese.
No primeiro ano, na “Fundação”, o aluno dedica-se a quatro cursos
fundamentais chamados Análise Formal, Análise Empírica, Comunica-
ções Multimodais e Sistemas Complexos. Esses cursos sustentam quatro
competências essenciais: pensar criticamente, pensar criativamente,
comunicar-se com eficácia e interagir de maneira eficaz.
A Universidade prioriza a formação de competências, e não
apenas a aquisição de conteúdo. Assim, no curso de Análise Formal o
aluno recebe treinamento em logística avançada, pensamento racio-
nal, estatística, pensamento computacional e sistemas formais. O foco
é a capacidade de formular, analisar e resolver desafios complexos
(MINERVA, 2020).
No Segundo Ano, chamado “Direção”, o estudante escolhe os
principais cursos básicos, que servem como pré-requisitos para algumas
graduações. Há, neste ano, cinco especializações: Artes e Humanidades,
Negócios, Ciências Computacionais, Ciências Naturais e Ciências Sociais.
O terceiro ano, chamado “Foco”, concentra os estudos no campo
escolhido.
O último ano (Síntese) envolve a elaboração de um projeto e um
artigo, como uma forma de contribuição ao campo de atuação. Nesse
ano, os alunos intensificam tutoriais, exceto no campo de negócios, em
que os alunos realizam estágios obrigatórios em instituições financeiras.
(MINERVA, 2020).
As bases teóricas e pedagógicas da Universidade seguem a concep-
ção de “Habits of Mind” – Hábitos Mentais. Estudada inicialmente por
Kallick e Costa (1991), a pesquisa sobre hábitos mentais (referenciada
na obra HABITS OF MIND ACROSS THE CURRICULUM: practical and
creative strategies for teachers / Arthur L. Costa, Bena Kallick. 2009),

156
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

versa sobre hábitos mentais, comportamentos de sucesso e compor-


tamento inteligente.
Discutida por Ames (1997), Carregie e Stynes (2006), Ennis (1991),
Feuerstein , Rand, Hoffman e Miller (1980), Fredley (2004), Glatthorn e
Baron (1991), Goleman (1995), Parkins (1991), Sternberg (1984) e Waught
(2005), esta estruturação teórica do projeto pedagógico e do currículo
refere que pensamentos eficazes e de alto desempenho têm caracterís-
ticas identificáveis (Kallick e Costa, 2009). Na figura abaixo, transcrita
do livro “Habits Of Minds”, de Costa e Kallick (2009) apresenta-se um
breve resumo e ilustração das principais características de hábitos
mentais saudáveis e produtivos, que são discutidos por esses teóricos.

157
Cleber Bianchessi (org.)

Fonte: HABITS OF MIND ACROSS THE CURRICULUM: practical and creative


strategies for teachers / Arthur L. Costa, Bena Kallick. 2009, pag 11.

Com um viés voltado para a “Fully active learning” - Aprendi-


zagem Ativa, o Método desenvolvido pelo Massachusetts Institute of
Technology- MIT, a partir projeto TEAL/Studio Physic do professor John
Belcher (Belcher, 2001) e que é conhecido no Brasil como “modelo de
sala de aula invertida”. Essa metodologia de ensino exige do aluno estu-
dar o conteúdo a ser discutido antes da aula, e responder um conjunto
de questões estruturadas, embasadas no método PI - Peer Instruction
– (MAZUR, 1997).
Claramente, a aula é centrada nos alunos e não no
professor. Os alunos são responsáveis pela visua-
lização dos vídeos e fazer perguntas apropriadas.
O professor está lá simplesmente para fornecer
feedback de especialistas. Os alunos são responsá-
veis completando e compartilhando seu trabalho.
(BERGMANN e SAMS, p. 16, 2012).

Ressaltamos que esse método é também conhecido por mesclar


inúmeras estratégias, como a Aprendizagem Baseada em Pesquisa,
Aprendizagem Baseada em jogos, Aprendizagem Baseada em Proble-
mas (PBL), Aprendizagem Baseada em Projetos e Sala de Aula Invertida
(EACH/USP, 2016).
Outro método para destaque, nesse contexto, é o “Cross-Contex-
tual Scaffolding” – uso do método educacional de andaimes. Proposto
por Wood, Bruer e Ross (1976), o método do uso de andaimes envolve
apoios didáticos fornecidos pelo professor como suportes de com obje-
tivo de impulsionar o aprendizado do estudante (exemplificado no uso
158
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

de andaimes quando se objetiva alcançar níveis mais elevados, que


não poderiam ser alcançados de outa maneira num dado momento da
aprendizagem). Com o uso inserido no contexto de tutoria, a técnica
consiste no uso do andaime como um mediador dentro da zona de
desenvolvimento proximal do aluno – conceito baseado nos estudos
de Vygotsky (1978).
Ressaltamos que Stone (1998) identificou as principais caracterís-
ticas das interações de andaimes face a face, incluindo determinação
cuidadosa da tarefa, diagnóstico preciso do nível atual de proficiência
do aluno e calibração de suporte para corresponder a esse nível, forne-
cendo uma variedade de tipos de suporte, e enfraquecendo o suporte ao
longo do tempo para poder fornecer autonomia posterior. (Davis, 2015).
Este estudo permitiu uma correta aplicação de técnicas de andaimes
junto ás tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como
na aplicação das metodologias ativas em ensino presencial e remoto.
Assim, o sucesso na aplicação de metodologias ativas de apren-
dizagem não se deve apenas ao uso de recurso tecnológico, e sim, ao
uso integrado de metodologias ativas de ensino, sendo o uso de mídias,
computador, TV, tablet, celular, slide, imagens, entre outros, apenas
meios de comunicação entre alunos e professores.
De acordo com Moran (2015, p. 19), “nas metodologias ativas de
aprendizagem, o aprendizado se dá a partir de problemas e situações
reais; os mesmos que os alunos vivenciarão depois na vida profissional,
de forma antecipada, durante o curso.” Convém pontuar que é impor-
tante exercer os objetivos didáticos e pedagógicos estabelecidos, com
foco em prol das práticas pedagógicas enquanto práxis.
Na Universidade de Minerva a presença de metodologias ativas
orienta o ensino e o processo de ensino-aprendizagem. As discussões
interativas com os professores e as reuniões tutoriais têm como foco a
formação de competências, e não somente a aquisição de conteúdos. A
participação dos alunos durante estágios e projetos econômicos, sociais
e políticos junto ás comunidades em que se encontram inseridos têm
como objetivo a aplicação das competências e conhecimentos adquiridos.

159
Cleber Bianchessi (org.)

Há ainda um aspecto fundamental da inserção do aluno em diferentes


ambientes culturais: o entendimento das dificuldades em solucionar
problemas locais específicos com teorias generalizadas, geralmente
elaboradas fora do contexto daquela comunidade (MINERVA, 2020).
Na área de saúde, especificamente nas competências médicas,
as metodologias ativas enriquecem o aprendizado discente, permi-
tindo a interação de diversas metodologias e conteúdos, produzindo
multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. A utilização de técnicas
como o ensino híbrido e a sala de aula invertida permitem maior inte-
ração dos professores e alunos, criando espaços de trocas de vivências,
compreensão de conteúdos complexos e competências de formação de
modo inovador, pedagógico, crítico e consciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Exercer práticas pedagógicas – enquanto práxis – demanda


conhecimento, dedicação e consciência crítica. O currículo, enquanto
expressão social, é reflexo dos múltiplos contextos e intencionalidades
da prática pedagógica. O Educador, para conciliar práticas pedagógicas
dentro do currículo (muitas vezes imposto, e não escolhido) precisa
aperfeiçoar-se e enriquecer sua prática cotidiana.
A Universidade de Minerva, com um currículo inovador, utili-
zando-se de Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação, é um
exemplo que demonstra ser possível exercer práticas pedagógicas,
críticas e libertadoras, com apoio tecnológico adequado e estrutura
curricular adequada.
Essa Universidade direciona seu currículo para a aprendizagem
ativa com foco no desenvolvimento de lideranças. Seu currículo permite
múltiplas abordagens pedagógicas, com práticas que estimulam hábitos
mentais saudáveis, produtivos, com foco e resolutividade, estimulando
o aluno a ouvir o próximo e entender outros pontos-de-vista, adquirir
flexibilidade mental, controlar a impulsividade e questionar a natureza
dos problemas; porém, com o cuidado de manter a metacognição, ou
seja, a consciência crítica de intencionalidade nos contextos em que os

160
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

alunos encontram-se inseridos. Assim, a prática pedagógica permeia


o cenário educacional da Universidade de Minerva em sua melhor
condição: práxis.

REFERÊNCIAS
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162
EVARISTO E O QUIMBALAUE – OLHOS DÁGUA E MÃOS DE
VENTO: POR UMA ESCREVIVÊNCIA DO CORPO

Denise Bussoletti35
Thalita Moreira36

INCOMODAÇÕES INICIAIS

Nossa escrita, nossa escrevivência não é para adormecer os


da Casa Grande, e sim para incomodá-los de seus sonhos injustos37.
Conceição Evaristo foi quem disse isto e ao longo deste capítulo, nós
utilizaremos a palavra inclinada através do recurso digital do itálico
para realizar as citações38, especialmente as de Conceição Evaristo,
indicando nas notas de rodapé39 a referência conforme a norma aca-
35 
Doutora em Psicologia, Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Pelotas.
36 
Mestre em Educação, Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Pelotas.
37 
EVARISTO, Conceição. Não Escrevemos. Estação Plural. Entrevista concedida a TV
Brasil em 09/06/2017. Disponível: < http://tvbrasil.ebc.com.br/estacao-plural/2017/06/
naoescrevemos-para-adormecer-os-da-casa-grande-pelo-contrario-diz-conceicao >.
Acesso em: 01 mar. 2020.
38 
Em que pese o conhecimento da norma (ABNT - NBR 6023), neste capítulo a utilização
de códigos de formatação e estilo distintos possui um objetivo ancorado na concepção
de escrita com base nos estudos benjamininanos, onde a citação faz parte da filosofia da
composição de um trabalho. A escrita de pesquisa, nesta perspectiva, pretende cumprir
com sua função crítica provocando os estranhamentos necessários para que a emergência
do novo, em se tratando de produção de conhecimento, se verifique. Alertamos, assim,
que as referências das citações serão apresentadas no rodapé da página e as citações
serão condensadas em fragmentos narrativos adaptados para o propósito específico da
discussão proposta.
39 
Walter Benjamin afirma em um fragmento intitulado “ATENÇÃO: DEGRAUS!” que “ o
trabalho em uma boa prosa tem três degraus: um musical, em que ela é composta, um
arquitetônico , em que ela é construída, e , enfim um têxtil, em que ela é tecida”( BENJAMIN,
2000, p.27). Neste momento estamos utilizando as metáforas arquitetônicas em relação
ao texto acadêmico para explorar ainda mais a sua função, em nossa perspectiva, é evi-
dente. A imagem emprestada do rodapé aqui serviria para não só “proteger” a arquitetura
textual dialogando com o leitor e estabelecendo as vinculações e aproximando a troca
mais efetiva entre as possíveis interpretações. Mas a imagem do rodapé serve também
para dizer principalmente desta “filosofia de composição” onde a recepção estética do
texto é fundamental para que o ritmo, ou a troca entre a escrita e a leitura se verifique
de uma forma mais apropriada e condizente com a matriz epistemológica da qual se
reivindica. Ainda, cabe ressaltar que a noção de imagem, ou de escrita da história através
de imagens apoia-se na centralidade dessa para a compreensão da proposta do autor e de

163
Cleber Bianchessi (org.)

dêmica indica. Isto em parte como busca pelo método, ou por aquilo
que pode ser compreendido como uma tentativa de apropriação das
técnicas que caracterizam o processo da escrita autoral pelos caminhos
da pesquisa e da vida.
Método e técnicas, que ao mesmo tempo que buscam o diálogo,
pretendem também dizer dos limites que, por vezes, a escrita de pes-
quisa confere aos seus produtos (capítulos, artigos, teses, dissertações,
entre outros). Trabalhos e trabalhos, cuja ênfase e motivo se restringem,
ou atestam somente, da utilização/correção da técnica pela norma
acadêmica, aquilo que nós, do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em
Narrativas, Arte e Linguagem (GIPNALS)40 nomeamos como o sentido
“abenitável”41 do termo.
O que virá a seguir, não se trata, pois, de uma pura rejeição da
norma, ou do sentido “abenitável”, mas muito mais uma recusa ao empo-
brecimento da experiência narrativa42 que, não raramente, encarcera
as “pesadas estabilidades” do acadêmico mundo, através de palavras
esvaziadas e carentes da significação necessária às produções de conhe-

sua teoria da cultura e que em sua historiografia, podem ser vistas, entre outras, como:
arcaicas, de desejo, oníricas, de pensamento, dialéticas, alegóricas, fantasmagóricas
(BUSSOLETTI, 2010).
40 
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Narrativas, Arte e Linguagem (GIPNALS). Disponí-
vel em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/493857. Acessado em 26 de setembro de 2020.
41 
Como referência as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
A ABNT é a entidade responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (ABNT NBR),
elaboradas pelos Comitês Brasileiros (ABNT/CB), Organismos de Normalização Setorial
(ABNT/ONS) e Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE)” [...] Através desta entidade,
por exemplo, o conceito de norma pode ser assim apreendido: “Norma é o documento
estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece
regras, diretrizes ou características mínimas para atividades ou para seus resultados,
visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. A norma é,
por princípio, de uso voluntário, mas quase sempre é usada por representar o consenso
sobre o estado da arte de determinado assunto, obtido entre especialistas das partes inte-
ressadas. ABNT. Disponível em: http://www.abnt.org.br/normalizacao/o-que-e/o-que-e.
Acessada em 27 de setembro de 2020.
42 
O sentido da expressão empobrecimento da experiência narrativa é benjaminiano
naquilo que ele se faz como denúncia ao caráter que a experiência foi assumindo no
mundo moderno e na era capitalista como um declínio acentuado da experiência cole-
tiva, de aniquilamento da memória e por consequência da capacidade de intercambiar
experiências e de narrar (Benjamin, 1994.

164
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

cimento que se pretendem vivas - e isto na mais ampla significação que


a palavra vida pode conferir ao conhecimento e a escrita.
Escrita, conhecimento e vida, pois, através do que apresentamos,
se desejam articuladas por verbos conjugados em todas as pessoas, pois
a singularidade do que nos faz plural - em mim nos é vida – é somente
uma tentativa a mais (a nossa) de criação e recriação da dinâmica da
escrita de pesquisa. E se esta escrita parecer ao recurso da compreensão
do leitor, absurda, talvez o seja porque ainda não tenhamos dito que o
que virá seguir acontece no debate, e por que não dizer, nos embates,
que a escrita acadêmica e a literatura instigam.
Esperando que o decorrer da leitura mostre um maior sentido a
tudo isto, resta para esta seção um qualquer ponto (mesmo que provi-
sório) para reafirmar que a escrevivência que este texto ensaia através
de Evaristo, acima de tudo é uma interpretação do nosso grupo de pes-
quisa, singularizada através do diálogo com um trabalho dissertativo
específico. Interpretação esta baseada na necessidade de expressão e
de denúncia ao processo de colonização branco, europeu e masculino,
onde os senhores da Casa Grande43 seguem (infelizmente) dormindo
em seus sonhos injustos.

A ENCRUZILHADA NARRATIVA

Leda Martins auxilia a ver que é pela via das encruzilhadas que
os saberes e fazeres negros produzem identidades:
[...] é pela via dessas encruzilhadas que também
se tece a identidade afro-brasileira, num processo
móvel, identidade esta que pode ser pensada como
um tecido e uma textura, nos quais as falas e os
gestos mnemônicos dos arquivos orais africanos,
no processo dinâmico de interação com o outro,

43 
Evaristo utiliza a Casa Grande como referência ao processo histórico de escravidão onde,
entre outras coisas, as mulheres negras escravas, tinham por obrigação contar histórias
para adormecer as crianças, filhas dos senhores da Casa Grande. Escrevivência que fazia
com que essas mulheres negras, se apropriassem, também e por outro lado, de outra
forma de escrita da história. Estas mulheres negras foram tomando para si, um modo
de fazer literário, um modo de despertar e ao mesmo tempo de acordar uns e atordoar
outros, principalmente os que dormem em “seus sonhos injustos”.

165
Cleber Bianchessi (org.)

transformam-se e reatualizam-se continuamente,


em novos diferenciados rituais de linguagem e
de expressão, coreografando a singularidade e
alteridades negras 44.
A escrita de pesquisa que se pretende é a que permite pensar e
refletir sobre o processo de reconhecimento dos saberes pautados pela
diversidade cultural e que busca, na ancestralidade, as ferramentas de
construção de uma educação voltada para a vida e à existência negra, das
mulheres negras. Mulheres negras, de lábios grossos, narizes grandes,
cabelos crespos, de corpos que falam, gritam e que denunciam uma
história, milhões de histórias; a minha, a sua, a nossa história.
A escrevivência que nasce da escrita do corpo é, pois, nesta pers-
pectiva, uma luta contra toda e qualquer forma de deslegitimar o conhe-
cimento negro, em particular das mulheres negras. Um processo de
aprendizagem em que a escrita pelo corpo vai aos poucos se mostrando
pelas palavras através das imagens, e contra todos os silenciamentos.
Seguir este aprendizado é também uma forma de encontro com
outras tantas mulheres negras que vieram antes e que, através de suas
narrativas, e pela escrita, poderão amplificar a sua potência e o seu agir
libertador, a sua consciência no mundo. É necessário, porém, reaprender
a escrever através do corpo, para mais fazer acreditar na ancestralidade,
na oralidade e no saber das mulheres negras como potência e como ato
político, científico e poético.
Toda essa vida não deve pedir licença! Se a pesquisa faz a pes-
quisadora, e fazendo ela nos transforma, isso tudo pode e deve ser
também pedagógico. A ancestralidade pela educação pode se tornar,
assim, um caminho possível na afirmação da identidade e da singula-
ridade da mulher negra, fazendo com que a amplitude destes saberes
se espraiem e se multipliquem, potencializando o sentido da pesquisa,
da academia e da vida.
No entanto, escrever com o corpo em luta é um aprendizado
que se inscreve em marcações de tempo e de espaço distintas, e a sua

44 
MARTINS, 1997, p. 26

166
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

expressão pelo universo da palavra, em nossa convicção se manifesta,


ou se revela, através da alegoria45.
O que este texto pretende, desta forma, é apresentar parte dos
nossos esforços no sentido da busca por uma escrita do corpo. Uma
escrita alegórica que para fins deste trabalho (e os seus limites), se apre-
senta e reconhece na perspectiva de uma escrita que se mostra através
do encontro entre duas mulheres - Conceição Evaristo e Oquimbalauê.
Um encontro imaginado onde a primeira é uma escritora, poetisa,
ensaísta, negra, reconhecida mesmo que tardiamente pela riqueza
de sua qualidade literária e a segunda, é um personagem ficcional,
resultado das escrevivências propostas por Evaristo. Oquimbalaue é o
nome que Thalita Moreira confere a esta personagem, nascida de suas
memórias e interpretações ao longo de sua trajetória de mulher, negra,
educadora, artista pelo teatro e pesquisadora da escrita do corpo, pela
convicção desta como um dos lugares de empoderamento das mulheres
negras no mundo.
A escrita do corpo aqui proposta solicita, portanto, que seja
lida a partir dos fragmentos46 literários destas mulheres, articulados
como instrumento de luta contra toda forma de deslegitimar o conhe-
cimento negro, desde suas origens na história. Afinal, compreende - e
é cúmplice - da convicção de que inferiorizar a cultura de um povo é
uma das principais armas do pensamento colonizador na manutenção
de sua cultura de exploração e expropriação ao longo de uma história,

45 
Falar alegoricamente significa, nesta perspectiva, o uso de uma linguagem acessível
a todos e que remeter a outro nível de significação, dizendo uma coisa para significar
outra (BENJAMIN, 1984). Escrita alegórica no sentido que Walter Benjamin empresta ao
termo possui como pressuposto uma concepção de linguagem que não se limita a uma
função designadora das coisas e onde uma palavra remete sempre a algo diferente, para
além da função simbólica e como mero instrumento de comunicação.
46 
A noção de fragmento também é cara ao método de escrita. que se apoia em Walter
Benjamin. Para ilustrar tal perspectiva buscamos, em um fragmento de Rua de Mão Única
denominado “Canteiro de Obras” onde Benjamin chama a atenção para a necessidade de
atentar na para a forma como as crianças reconhecem em produtos residuais o rosto do
mundo, colocando materiais de espécies diferentes em novas relações, ou seja, através
do pequeno no grande, as crianças vão aos poucos formando para si seu mundo de coisas
(Benjamin, 2000). Mirar este pequeno mundo de coisas, nos parece necessário também
a fabricação dos objetos (livros e escritas) do adulto mundo.

167
Cleber Bianchessi (org.)

mal contada, que insiste em querer dizer que a escrita só possui uma
grafia - branca, europeia e feita por homens.

OLHOS D´ÁGUA – REENCONTRANDO A POTÊNCIA DA


PERGUNTA COM CONCEIÇÃO EVARISTO

Como parte das muitas cegueiras necessárias, ao modo de produzir


e reproduzir invisibilidades, o “não ver” foi se tornando, na história da
humanidade, quase uma forma de “bem estar”, ao mesmo tempo em
que foi solidificando e acentuando as desigualdades sociais como se
fossem naturais a toda e qualquer forma de vida, assim dita como civi-
lizada. Seguindo na mesma ladainha, desta forma, foi se constituindo
uma narrativa que objetiva se impor como hegemônica, cujo resultado
fez com que as significações da pobreza, da violência, da miséria e da
opressão, entre outras, fossem gradativa e brutalmente banalizadas a
olhos vistos e não vistos.
Conceição Evaristo, na obra “Olhos d´água”, através da crônica
de mesmo nome, demarca com muita beleza e força a denúncia destas
formas de não ver, ou destes esquecimentos cotidianos propositados.
Através da problematização do olhar como espelho e reflexo de um
mundo, a autora diz assim...
Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma
estranha pergunta explodiu de minha boca. De
que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada,
custei reconhecer o quarto da nova casa em eu que
estava morando e não conseguia me lembrar de
como havia chegado até ali. E a insistente pergunta
martelando, martelando. De que cor eram os olhos
de minha mãe? Aquela indagação havia surgido
há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e
outro, eu me pegava pensando de que cor seriam
os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha
sido um mero pensamento interrogativo, naquela
noite se transformou em uma dolorosa pergunta
carregada de um tom acusativo. Então eu não sabia
de que cor eram os olhos de minha mãe 47?

47 
14 EVARISTO, 2016, p.15

168
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Desse modo, o não saber se revela como um drama, onde o não


lembrar não pode ser tolerado. Afinal, quem transita pelos campos da
memória sabe que cada fragmento na lembrança significa um mundo a
ser descortinado aos olhos de quem narra, ou busca, narrar uma história.
E assim é que, narrar ou contar a história das mulheres pela
escrita, por Evaristo, nasce da pergunta, mas não de qualquer pergunta;
nasce da pergunta mais profunda, daquela que se alimenta do primeiro
reflexo, onde o ser mulher ensaia, pela imagem da mãe, uma possibi-
lidade de ser duas, ou mais, no identitário mundo.
Uma pergunta impregnada de culpa, aumenta o peso e a respon-
sabilidade de manter acesa a indagação-enigma expressa e condensada
através da busca pela cor dos olhos da mãe onde...
Eu achava tudo muito estranho, pois me lem-
brava nitidamente de vários detalhes do corpo
dela. Da unha encravada do dedo mindinho do
pé esquerdo... da verruga que se perdia no meio
uma cabeleira crespa e bela... Um dia, brincando
de pentear boneca, alegria que a mãe nos dava
quando, deixando por uns momentos o lava-lava,
o passa-passa das roupagens alheias e se tornava
uma grande boneca negra para as filhas, descobri-
mos uma bolinha escondida bem no couro cabe-
ludo dela. Pensamos que fosse carrapato. A mãe
cochilava e uma de minhas irmãs, aflita, querendo
livrar a boneca-mãe daquele padecer, puxou rápido
o bichinho. A mãe e nós rimos e rimos e rimos
de nosso engano. A mãe riu tanto, das lágrimas
escorrerem. Mas de que cor eram os olhos dela48?

Seguindo a pista de que a busca do olhar possibilita o encontro


do riso que se transforma em lágrimas, pela fome, um jogo que não se
brinca, mas que por Evaristo, assim é dito:
Eu me lembrava também de algumas histórias da
infância de minha mãe. Ela havia nascido em um
lugar perdido no interior de Minas. Ali, as crianças
andavam nuas até bem grandinhas. As meninas,
assim que os seios começavam a brotar, ganhavam
48 
IDEM.

169
Cleber Bianchessi (org.)

roupas antes dos meninos. Às vezes, as histórias


da infância de minha mãe confundiam-se com as
de minha própria infância. Lembro-me de que
muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela
subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali,
apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As
labaredas, sob a água solitária que fervia na panela
cheia de fome, pareciam debochar do vazio do
nosso estômago, ignorando nossas bocas infantis
em que as línguas brincavam a salivar sonho de
comida. E era justamente nesses dias de parco
ou nenhum alimento que ela mais brincava com
as filhas. Nessas ocasiões a brincadeira preferida
era aquela em que a mãe era a Senhora, a Rai-
nha. Ela se assentava em seu trono, um pequeno
banquinho de madeira. Felizes, colhíamos flores
cultivadas em um pequeno pedaço de terra que
circundava o nosso barraco. As flores eram depois
solenemente distribuídas por seus cabelos, braços e
colo. E diante dela fazíamos reverências à Senhora.
Postávamos deitadas no chão e batíamos cabeça
para a Rainha. Nós, princesas, em volta dela, can-
távamos, dançávamos, sorríamos. A mãe só ria de
uma maneira triste e com um sorriso molhado...
Mas de que cor eram os olhos de minha mãe? Eu
sabia, desde aquela época, que a mãe inventava
esse e outros jogos para distrair a nossa fome. E a
nossa fome se distraía 49.
Nesse processo de distração proposital, o céu é o limite e as nuvens
se revelam como o marcador implacável de um tempo que passa e faz
com que os sonhos se derretam e deixem esse sabor de tempo, ido ou
perdido, em nossa boca. Isto, por Conceição, é contado assim...
Ás vezes, no final da tarde, antes que a noite
tomasse conta do tempo, ela se sentava na soleira
da porta e, juntas, ficávamos contemplando as
artes das nuvens no céu. Umas viravam carnei-
rinhos; outras, cachorrinhos; algumas, gigantes
adormecidos, e havia aquelas que eram só nuvens,
algodão doce. A mãe, então, espichava o braço,

49 
IDEM. p. 15-16.

170
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

que ia até o céu, colhia aquela nuvem, repartia em


pedacinhos e enfiava rápido na boca de cada uma
de nós. Tudo tinha de ser muito rápido, antes que
a nuvem derretesse e com ela os nossos sonhos
se esvaecessem também. Mas de que cor eram os
olhos de minha mãe50?
Na ausência dos sonhos, o que permanece na memória fica como
medo, um medo da chuva...
Lembro-me ainda do temor de minha mãe nos
dias de fortes chuvas. Em cima da cama, agarrada
a nós, ela nos protegia com seu abraço. E com os
olhos alagados de prantos balbuciava rezas a Santa
Bárbara, temendo que o nosso frágil barraco desa-
basse sobre nós. E eu não sei se o lamento-pranto
de minha mãe, se o barulho da chuva... Sei que tudo
me causava a sensação de que a nossa casa balan-
çava ao vento. Nesses momentos os olhos de minha
mãe se confundiam com os olhos da natureza.
Chovia, chorava! Chorava, chovia! Então, por que
eu não conseguia lembrar a cor dos olhos dela51?

A significação maior da história por Evaristo se dá, também e,


talvez, principalmente pelo reconhecimento da importância da ances-
tralidade que, através de um mesmo canto, une as mãos de muitas
mulheres que possuem na África o mesmo lume. Prossegue contando,
Evaristo, da sua atormentada procura...
E naquela noite a pergunta continuava me ator-
mentando. Havia anos que eu estava fora de minha
cidade natal. Saíra de minha casa em busca de
melhor condição de vida para mim e para minha
família: ela e minhas irmãs tinham ficado para trás.
Mas eu nunca esquecera a minha mãe. Reconhecia
a importância dela na minha vida, não só dela, mas
de minhas tias e de todas as mulheres de minha
família. E também, já naquela época, eu entoava
cantos de louvor a todas nossas ancestrais, que
desde a África vinham arando a terra da vida com
as suas próprias mãos, palavras e sangue. Não, eu

50 
IDEM. p. 16
51 
IDEM.

171
Cleber Bianchessi (org.)

não esqueço essas Senhoras, nossas Yabás, donas


de tantas sabedorias. Mas de que cor eram os olhos
de minha mãe52?
E é assim que o caminho de volta à ancestralidade por Evaristo,
revela o vigor narrativo:
E foi então que, tomada pelo desespero por não
me lembrar de que cor seriam os olhos de minha
mãe, naquele momento resolvi deixar tudo e, no
dia seguinte, voltar à cidade em que nasci. Eu pre-
cisava buscar o rosto de minha mãe, fixar o meu
olhar no dela, para nunca mais esquecer a cor de
seus olhos53.

Porém, Evaristo diz ainda que a resposta da pergunta primeira


se faz pelo rito e que o caminho de volta só pode acontecer através do
sagrado. Conceição diz...
Voltei, aflita, mas satisfeita. Vivia a sensação de
estar cumprindo um ritual, em que a oferenda aos
Orixás deveria ser descoberta da cor dos olhos de
minha mãe54 .

O sagrado, pelas lágrimas, espelha emoções de rio, com face e


cor de água. Pelos olhos, lágrimas, águas e... correntezas ...
E quando, após longos dias de viagem para chegar
à minha terra, pude contemplar extasiada os olhos
de minha mãe, sabem o que vi? Sabem o que vi? Vi
só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz.
Mas eram tantas lágrimas, que eu me perguntei se
minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre
a face. E só então compreendi. Minha mãe trazia,
serenamente em si, águas correntezas. Por isso,
prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos
olhos de minha mãe era cor de olhos d’água. Águas
de Mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e
enganosos para quem contempla a vida apenas pela
superfície. Sim, águas de Mamãe Oxum. Abracei a

52 
IDEM.
53 
IDEM. p. 16-17
54 
IDEM. p.18

172
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

mãe, encostei meu rosto no dela e pedi proteção.


Senti as lágrimas delas se misturarem às minhas55
O que mais dizer depois de alcançar a cor dos olhos? Talvez
somente reste pontuar que pela filiação, a finitude se alie a ancestrali-
dade, em pergunta renovada de menina. Ou que....
Hoje, quando já alcancei a cor dos olhos de minha
mãe, tento descobrir a cor dos olhos de minha filha.
Faço a brincadeira em que os olhos de uma se tor-
nam o espelho para os olhos da outra. E um dia des-
ses me surpreendi com um gesto de minha menina.
Quando nós duas estávamos nesse doce jogo, ela
tocou suavemente no meu rosto, me contemplando
intensamente. E, enquanto jogava o olhar dela no
meu, perguntou baixinho, mas tão baixinho, como
se fosse uma pergunta para ela mesma, ou como
estivesse buscando e encontrando a revelação de
um mistério ou de um grande segredo. Eu escutei
quando, sussurrando, minha filha falou: — Mãe,
qual é a cor tão úmida de seus olhos56?

Na promessa apresentada anteriormente, não concluiremos o


texto, aqui. Mas continuamos com Evaristo através de um próximo
movimento onde fomos buscar Oquimbalauê e suas mãos de vento, na
expectativa de que a escrita do corpo se mostre em curso.

OQUIMBALAUE: A ESCRITA DO CORPO EM PESQUISA

Oquimbalaue se apresenta em pergunta:


Entre as muitas questões que me perseguem transformei uma
em questão de pesquisa: por quais caminhos, pela pesquisa e pela vida
o ser negra se faz, inverto e exclamação e eis que reafirmo, insistindo
pela pergunta: Negra sou57?
A pergunta aqui possui um outro lado da mesma face, mas se
mantém como pergunta. E através desse questionamento, prossegue
Oquimbalaue, dizendo...
55 
IDEM.
56 
IDEM.
57 
MOREIRA, 2020, p.26

173
Cleber Bianchessi (org.)

Eu, Oquimbalaue, me vejo assim, uma mulher


negra, educadora, artista, ativista e batuqueira. E
é essa prática batuqueira que me permite uma via
de acesso ainda maior a minha ancestralidade. Ao
vivenciar a ancestralidade pela religiosidade sinto
uma conexão com outros saberes, interligados
pela carne, pela memória, pela imaterialidade
que transcende a vida e a morte. Observo e vivo
a ancestralidade, pois, a quem interessar possa:
Negra sim! Negra eu sou58!
A pergunta em Oquimbalaue é pela sua identidade, ou pela busca
da sua identidade, o que a faz ser negra e transpor a pergunta, em excla-
mação, negra sou! E dizendo isto, elege, pelo sagrado, uma imagem,
uma imagem de devoção, e segue sua apresentação...
Sou a menina guerreira de Oyá, a filha do raio e do
vento, mulher da guerra, da luta, da resistência.
Yansã é minha mãe, é quem me guia, protege e
principalmente dá forças para minha existência
neste plano material, é ela quem alimenta minha
ancestralidade. Minha mãe me escolheu quando
gritou pelo meu “Ori – minha cabeça” para lutar e
seguir resistindo. Yansã me escolheu e eu sinto sua
força a cada batida do meu coração, sinto Yansã
ao respirar, ela transcende a minha matéria, ela
toca meu espírito. Oyá sempre esteve presente nas
encruzilhadas de minha vida através de minha
pomba-gira, Maria Padilha das Almas, enviada
de Yansã, pois é ela quem trabalha no mundo
terreno. Yansã rege minha vida, Maria Mulambo
das almas trabalha ao meu lado em nome de Oyá.
Nos momentos mais difíceis, a Oyá recorro, e nela
me amparo e nos momentos felizes agradeço, ao
sagrado, à ancestralidade, a todos e todas que vie-
ram antes de mim e ecoam através de mim e dela.
Gritei e grito. Sim, sou eu essa negra guerreira de
Oyá, filha da guerra.59 Sou, Oquimbalaue, a menina
dos olhos de Oyá 60.
58 
MOREIRA, 2020, p.73
59 
Trecho de ponto de Yansã, da Umbanda Disponível em: https://www.letras.mus.br/
umbanda/pontos-de-iansa-ela-e-oya/Acessado em: 25 de set de 2019.
60 
MOREIRA, 2020, p.70

174
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

No entanto, esta menina dos olhos, recoloca a pergunta através


de seu corpo, através da dança. E prossegue pelo corpo em música,
em nascimento...
As batidas na madeira ecoam uma música. Você não
ouve? Ou finge que não ouve? O que mais fingimos
que não escutamos, não vemos? Mas meu coração
não para, não gela, não consigo, ela quer sair ....
ela já saiu.... Queimando, queimando, gritando,
urrando, não consigo conceber e sinto a imagem!
Deitada, não sei, se noite ou dia, fim ou começo,
estou ou não estou, sou eu e não sou. Não existe eu,
essa é a verdade. Somos nós, o todo, tudo, o ciclo, a
poeira, a fênix. Da inocência à podridão humana...
Humanos... A imagem segue. É um movimento
de dentro para fora, e sim, ela já saiu. Está lá a
me olhar e qual é o espaço tempo entre a vida e a
morte, outro lado intriga tanto? Por um momento,
um lampejo, ser detentora da vida e da morte! A
música que eu não consigo parar de escutar sempre
presente, na verdade sempre esteve e fingimos não
ouvir. Pois dói tanto, me sinto cansada, tão cansada
do óbvio, mas ainda sinto as cicatrizes que por
muitas vezes fingi não ouvir. Então ela deitada me
olha de volta gritando negra... negraaa... negra...
Respiro fundo, não fecho os olhos, retribuo o olhar
e vou enfrentar61.

Diz Oquimbalaue, que escreve com o corpo e, através das suas


mãos, dança...
Escrevo com o corpo e através de minhas mãos
danço e jogo palavras ao vento e privilégios tran-
cados em enormes cofres bancários dizem que não
passa de exagero, vitimismo...... Insistem em não
ouvir, não veem! Não querem abrir os cofres que o
sangue e o suor daqueles que vieram antes de mim
encheram! Então o grito, a ausência ecoam.... Ela
já saiu. Deitada, sinto sua respiração. Está calma,
porém enfática, não quer abrir mão de mais nada,
pelo contrário. Falam através de mim, através dela,
e como ela é atordoante e hipnotizante.... Dei-
61 
MOREIRA, 2020, p.83

175
Cleber Bianchessi (org.)

tada, respirando, está com a pele ao ar livre inteira


segurando duas vidas humanas em cada braço,
através de seus dois corações grandes robustos ela
dá alimento, vida, chama. Para cada inocência que
segura uma em cada braço por igual, uma inocência
é a noite e a outra o dia. Enquanto transmite vida
para as inocências, saem do meio de suas pernas
abertas lindas plantas vivas, cobras, coelhos, flores
e pinga vida dos lábios famintos das duas inocên-
cias, a noite e o dia alimentam-se do líquido branco
da vida Vida, vida, vida62...
E assim conclui, ou quase, mostrando que a escrita do corpo é
uma dança por ela aprendida através das mãos do vento,
O grito da vida, quando rasguei o ventre em minha
mãe Outros rasgaram junto, afinal, a chave entre
as chamas do renascimento surge. E então quando
se permite morrer aí sim você renasce...Como
uma fênix, um ser que a cada batida do cora-
ção queima numa força vital. Não tenha medo!
A escrita do corpo é uma dança aprendida pelas
mãos do vento63.

INCOMODAÇÕES FINAIS

O que propomos neste texto foi buscar um diálogo possível, ou


imaginado, entre a proposta de escrita de Conceição Evaristo através da
obra Olhos D´água e os nossos ensaios investigativos através do GIPNALS,
mais especificamente, através do trabalho de dissertação de mestrado
de Thalita Moreira. Muitas poderiam ser ainda as relações, pontes,
fluxos, mas é chegado o limite que o número de páginas indica. E sem
a (pré)tensão que qualquer final confere, preferimos seguir apostando
nestas incomodações que prosseguem em nós como pistas.
Seguimos através desta alegórica busca pela cor dos olhos e, com
Evaristo, traçando possíveis percursos narrativos. Ousamos interpretar
que a autora nos convida a uma proposta de escrita do corpo em sua
arquitetura intangível. E ousamos, ainda, caso não tenha ficado explícito,
62 
MOREIRA, 2020, p.83
63 
MOREIRA, 2020, p.84

176
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

repetir o texto de forma a pontuar nestes as marcas que realizamos na


tentativa de alguma síntese. Identificamos, assim, em Evaristo, quase
que um roteiro (sub)escrito. Roteiro que agora, cedemos à tentação de
numerar (por mais absurdo que isto pareça) por acreditar na neces-
sidade de que alguma visualidade outra, isto permita, ou quem sabe
só para mais dizer dos passos e do percurso pelo corpo lido-escrito.
Enumerando os passos dedo roteiro visto, então: 1- Manter acesa a
pergunta: mais do que as respostas que fazem do imediato, pela escrita,
um falso espelho refletido; 2- Que pergunta? A que se situa próxima das
primeiras lembranças na memória. A pergunta primeira, quando da/
na descoberta através do olhar pelos significados do mundo; 3- Aliar
à pergunta escolhida alguns ingredientes que podem ser úteis, tais
como: estranhamento, indignação, necessidade de lembrar ou desejo
de não esquecer, teimosia, sonhos, coragem, sabedoria, medo (mas só
os necessários), devoção, sorrisos e lágrimas... 4- Nomear ou dar forma
a tudo isso através da referência corpo-natureza, profano-sagrado,
enfim... Um poético e devastador sentido...
O que buscamos dizer, enfim, até aqui, é que nas linhas e entre-
linhas desta proposta de escrita do corpo, existe um subtexto, um grito
encarcerado que diz: Chega da escrita colonizada! Queremos escrever
com o corpo! Minha escrita é negra! Minha escrita é luta de mulher,
é olho de mãe, é agua, é mão que empunha a espada. Minha escrita é
vento que dança. Ou só, que... Minha escrita possui olhos de água e
mãos de vento.

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, WALTER. Experiência e Pobreza. In: Magia e Técnica, Arte e Polí-
tica. Obras Escolhidas. São Paulo, 1994.

__________________. Rua de Mão Única. Obras Escolhidas. VII. São Paulo, 2000.

__________________. Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasi-


liense, 1984.

BUSSOLETTI, Denise. Fisiognomias: Walter Benjamin e a escrita da história


através de imagens. Estudios Historicos – CDHRP- Ano II – N.5, Novembro, 2010.

177
Cleber Bianchessi (org.)

Disponível em: http://www.estudioshistoricos.org/edicion5/0509Fisiognomias.


pdf. Acesso em: 06 setembro, 2020. p.1-11.

EVARISTO, Conceição. Não Escrevemos. Estação Plural. Entrevista concedida


a TV Brasil em 09/06/2017. Disponível: < http://tvbrasil.ebc.com.br/estacao-plu-
ral/2017/06/naoescrevemos-para-adormecer-os-da-casa-grande-pelo-contrario-
-diz-conceicao >. Acesso em: 01 mar, 2020.

__________________. Olhos d’água – 1. Rio de Janeiro: Editora: Pallas, Fundação


Biblioteca Nacional, 2016.

MARTINS Leda. Afrografias da memória: o reinado do Rosário no Jatobá. São


Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza, 1997.

MOREIRA, Thalita. OQUIMBALAUE: Negra sim! Negra Sou! Escrita, teatro,


resistência e educação. Dissertação. PPGE-UFPEL, 2020

Nota: este texto dialoga com o trabalho de pesquisa relacionado com a dis-
sertação de mestrado em educação de autoria de Thalita Moreira e intitulado
“OQUIMBALAUE: Negra sim! Negra Sou! Escrita, teatro, resistência e educa-
ção”. A dissertação foi orientada pela professora doutora Denise Bussoletti e
defendida em junho de 2020, no programa de Pós Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pelotas (Pelotas/Brasil) e contou com o financiamento
das agências de pesquisa CAPES/CNPQ.

178
AS MISSÕES JESUÍTICAS E A HISTÓRIA DA
RESISTÊNCIA INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES
DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES

Pollyana Cristina Alves Cardoso 64


Laíse Vieira Gonçalves 65
Antônio Fernandes Nascimento Junior 66

INTRODUÇÃO

Educar é uma prática social, que consiste na formação de pessoas


que possam contribuir para o desenvolvimento da sociedade. O processo
educativo deve fornecer os elementos necessários para que as pessoas
possam fazer uma leitura do mundo em que vivem, interpretá-lo e
participar coletivamente.
A realidade é fruto de escolhas culturais, de projetos políticos e
sociais que os seres humanos produziram e materializaram ao longo do
tempo. Nesse sentido, não é possível dissociar do ensino a perspectiva
humana, por isso é necessário compreender as relações do homem com
a natureza e só então a partir disso se deve pensar como o conhecimento
científico pode auxiliar a elaborar uma interpretação da realidade a
partir de um determinado contexto.
Isso exige a mobilização, por parte do professor, de uma série
de questões que estão ligadas à prática pedagógica de humanização.
No entanto, historicamente, os cursos de formação de professores
têm priorizado questões técnicas e científicas em detrimento da sua

64 
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Ambiental da
UFLA. Licenciada em ciências biológicas pela Universidade Federal de Lavras.
65 
Doutoranda em Educação para Ciência na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho. Mestre em processos socioeducativos e práticas escolares pela Universidade
Federal de São João Del Rei.
66 
Doutor em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho. Professor adjunto do departamento de Biologia da Universidade Federal de Lavras.

179
Cleber Bianchessi (org.)

articulação com as questões didático-pedagógicas e com as questões


sócio-históricas e culturais.
Durante muito tempo, os currículos dos cursos de licenciatura
não oportunizaram a prática como componente curricular, causando
uma fragmentação na visão dos professores sobre o processo de ensi-
no-aprendizagem (GATTI; BARRETO, 2009). Além disso, com a prio-
ridade localizada nas questões técnico-científicas, eles não tiveram a
oportunidade de pensar sobre questões que atravessam a sociedade,
como a cultura, o meio ambiente, a ética e a própria história dos seres
humanos e como eles estabeleceram as suas relações ao longo do tempo.
Nesse sentido, percebemos, atualmente, professores especializados em
transmitir conhecimentos específicos, mas que enfrentam dificuldades
de contextualizar e problematizar os conteúdos, o que distancia os
educandos da aula. Todavia, essa repercussão é fruto da fragmentação
dentro das licenciaturas, que não possibilitaram formas de pensar o
que ensinar, como ensinar e porque ensinar determinados conteúdos.
Dessa forma, Gatti e Barreto (2009) afirmam que os professores
eram formados técnicos e bacharéis em suas áreas, mas não como pro-
fessores. Esse tipo de formação, em alguns casos é chamada de modelo
3+1, em que nos três primeiros anos os licenciandos se apropriavam
dos conhecimentos da área e no último ano eles tinham disciplinas
pedagógicas. Vemos, portanto, um currículo fragmentado, que não da
a oportunidade de diálogo entre as duas perspectivas do curso.
Para romper com esta formação fragmentada, é preciso fomen-
tar momentos, durante a formação inicial e continuada, que possam
articular todas as perspectivas de uma prática pedagógica (GATTI;
BARRETO, 2009), relacionando o conhecimento científico com algum
tema transversal, por exemplo, em que o conteúdo possa ser pensado
no seu contexto histórico, social e cultural.
Nessa perspectiva, Tardif (2012) destaca que o “saber” docente
não pode se separar das demais instâncias, ou seja, os conhecimentos
que o professor se apropria precisa estar relacionado à realidade social,
organizacional, cultural e histórica.

180
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Entendendo que os cursos devem contribuir para a construção


da identidade docente, as formas como eles se estruturam influencia
muito a formação dos licenciandos, por isso é necessário repensar a
formação inicial.
Diante destas preocupações, foi realizado no ano de 2018, na
Universidade Federal de Lavras, na ocasião de formação inicial de pro-
fessores de ciências e biologia, um minicurso sobre o ensino de bioma e
seu diálogo com a guerra guaranítica. Esse evento se concretizou como
uma prática educativa, pois incitou o pensamento crítico e reflexivo dos
estudantes na construção do conceito de bioma, das características da
Mata Atlântica, e contextualizou o período da guerra guaranítica, que
ocorreu em um ambiente característico do bioma em questão. Asmis-
sões jesuíticas se concretizaram como um marco relevante na história
do Brasil que precisa ser pensado de forma crítica e contextualizada.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar as contribuições
do ensino das missões jesuíticas para a formação inicial de professores.

CONTEXTO DA PRÁTICA

No segundo semestre letivo de 2018 foi realizado na Universi-


dade Federal de Lavras (UFLA) um minicurso para o ensino de bioma
a partir do contexto da Guerra Guaranítica. A atividade teve como eixo
norteador o documentário “República Guarani” de Sylvio Back (1981),
e o poema “O Uraguai” de Basílio da gama”.
O início do minicurso se deu com a apresentação do poema para
os alunos, sendo que os participantes da atividade foram divididos em
quatro grupos. Cada grupo ficou responsável por analisar um fragmento
do poema e apresentar por meio de dança, poema, teatro ou paródia,
o que ele estava abordando. Em seguida, foi feita uma discussão com
os mesmos sobre o contexto geral do poema e sobre o ambiente que
ele retratava. Depois dessa conversa e das apresentações artísticas, foi
reproduzido um documentário, para que os alunos compreendessem
todas as nuances da história do tema. Posteriormente, ocorreu uma dis-
cussão sobre os pontos que os alunos julgaram mais interessantes para

181
Cleber Bianchessi (org.)

eles. A partir disso a conversa fluiu no sentido de compreender a relação


do contexto histórico com os aspectos culturais, sociais e ambientais.
Em outro momento foram mostradas fotografias da fauna e flora da
Mata Atlântica, para que os alunos pudessem identificar visualmente as
características do bioma, uma vez que eles se depararam com esse cená-
rio de forma imaginativa a partir da leitura dos fragmentos do poema.
Ao final do minicurso os participantes tiveram que responder
algumas perguntas, dentre elas a seguinte: “Qual a contribuição da
história das missões para a formação inicial de professores?”

ANÁLISE DE DADOS

No total 21 avaliações foram analisadas por meio da categorização,


a fim de compreender os aspectos que os alunos trouxeram como mais
relevantes e para interpretar as ideias em comum que foram percebidas
nas avaliações. Desta forma, foi possível compreender quais as contri-
buições da prática em questão para a formação inicial de professores,
além dos aspectos mais importantes que emergiram dela.
A categorização temática é um método da análise de conteúdo,
que permite a análise de dados descritivos, que não podem ser reduzi-
dos a variáveis estatísticas (MORAES, 1999). Gomes (2002) afirma que
as categorias são construídas para estabelecer classificações e refletir
sobre determinados aspectos da pesquisa.
A análise de conteúdo compõe a gama de métodos de uma pesquisa
qualitativa, que por sua vez, se caracteriza como o campo de pesquisa
que se preocupa com a reflexão dos fenômenos sociais e interpretar
os dizeres das pessoas de forma descritiva, buscando fundamentá-los
(MINAYO, 1994).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir das 21 avaliações observamos duas questões que apare-


ceram com mais frequência nas avaliações e que foram discutidas em
duas categorias, apresentadas no quadro a seguir:

182
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

Categoria Descrição Frequência Ocorrência


Importância Nesta categoria os 17 A1, A2,
da História licenciandos escreveram A3, A4, A5,
que é importante conhe- A7, A8, A9,
cer e discutir sobre o pro- A10, A13, A15,
cesso histórico de forma- A16, A17, A18,
ção do Brasil, assim como A19, A20, A21.
conhecer os povos que
constituem o país.
Práticas Os participantes do 9 A1, A2,
educativas minicurso disseram que A3, A4, A6, A8,
esse tema é importante de A12, A15, A17.
ser trabalhado em sala de
aula, e para isso é preciso
haver uma formação dos
professores nesse sen-
tido, para que no futuro
contribuam para a forma-
ção cidadã dos alunos.

Na primeira categoria “Importância da história” os licencian-


dos disseram que o minicurso foi importante porque contextualizou o
meio ambiente, situou um marco histórico importante que precisa ser
reconhecido e pensado de forma crítica. O contexto histórico possibi-
litou que os participantes compreendessem um pouco do processo de
colonização e catequização dos índios e o refletissem criticamente.
Os alunos ressaltaram que os professores em formação inicial
precisam se apropriar da perspectiva histórica dos acontecimentos para
que possam conhecer a si próprios e o lugar onde vivem, pois viver em
sociedade e para a cidadania exige esse reconhecimento.
Além disso, essa reflexão sobre as missões jesuíticas é importante
porque quando olhamos para esse momento com um olhar crítico,
percebemos que o processo de catequização acarretou, consequente-
183
Cleber Bianchessi (org.)

mente, na imposição da cultura europeia sobre a cultura indígena. Isso


impulsionou o silenciamento dos povos indígenas e o apagamento da
forma como eles enxergam o mundo e se relacionam com a natureza.
Consequentemente, as pessoas não conseguem ter uma visão do real e
se conformam com a ideia que lhes foi transmitida durante anos, mas
que confere um estereótipo que não corresponde com a realidade da
cultura dos povos nativos e nem com a sua história. O que é contado,
tradicionalmente por consequência da hegemonia de uma cultura oci-
dental, distorce da perspectiva deles, do que representou esse momento
para os povos nativos.
Dessa forma, conhecer a história na perspectiva contrária daquela
que foi perpetuada durante tantos anos, inclusive, e mais preponderante,
na escola, ajuda a reconhecer a autenticidade da cultura indígena, no
reconhecimento da sua resistência e para que as pessoas possam valori-
zá-los como importantes sujeitos na construção da sociedade. Isso con-
tribui para a formação de professores mais humanamente conscientes
e preparados para construir um diálogo mais crítico e reflexivo com
seus alunos, para que eles tenham uma dimensão da complexidade da
realidade (MONTEIRO; KRÜGER, 2009).
Nesse sentido, a história é um aspecto interessante para que
os professores tenham repertório e conheçam o processo de formação
do Brasil, assim como conhecer os povos que habitam o país, um local
pluricultural, em que as pessoas precisam respeitar e cuidar da diver-
sidade. Segundo Nascimento (2013) ao conhecer os povos que habitam
e que deram origem ao local, é preciso também discutir como se deu
o processo de ocupação e apropriação da terra. No caso do Brasil, um
país habitado inicialmente por indígenas, a invasão pelos povos euro-
peus se deu de maneira violenta e opressora, causando reflexos ainda
atualmente.
Portanto, é preciso que os cursos de licenciatura se apropriem de
práticas educativas que façam a transversalidade e interdisciplinaridade
entre as diferentes áreas do conhecimento, porque os professores de
ciências não devem se apropriar somente do conhecimento científico

184
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

e biológico, porque até mesmo esses conteúdos são atravessados pelas


questões históricas, sociais, políticas e ambientais (DARROZ; DOS SAN-
TOS, 2013).
Além disso, provocar o diálogo da história dentro do ensino de
ciências é uma forma de romper com o modelo eurocentrado da his-
tória, que não representa de fato a realidade de quem vive e viveu no
Brasil e de quem viveu os conflitos socioambientais ocasionados pelo
processo de colonização.
Não podemos deixar de pensar nesse sentido, duas questões
muito importantes. Primeiro, a escolha de um recurso metodológico que
pudesse mediar esse diálogo de forma prazerosa e crítica. A obra aponta
algumas situações que nos leva a refletir sobre o que representou esse
momento de guerra e catequização para os povos indígenas. Todavia,
o filme sozinho não dá conta do recado, ele precisa ser debatido no
coletivo, onde todas as pessoas possam dar suas impressões. Nesse sen-
tido, é importante a formação do professor para estabelecer as devidas
relações dos dizeres com o filme e saber fundamentar as argumentações
das pessoas, para que esse não se torne um momento vazio.
Nesse sentido, podemos afirmar que o cinema é um recurso com
bastante potencial de resgate histórico, como forma de pensar aconte-
cimentos do passado que nos ajudam a compreender o presente. Além
disso, estimula a participação dos educandos, pois, em geral, é algo
que gera interesse em muitas pessoas e é considerado um momento
prazeroso (SOUZA, 2014).
No quadro abaixo se encontram duas avaliações escolhidas para
elucidar a categoria:
A2: “Ao compreender os aspectos iniciais da colonização brasileira por meio da
catequização jesuítica dos índios, podemos nos formar com maior propriedade sobre
a história desses povos e da colonização do nosso país e assim poder contextualizar e
expandir horizontes de nossos alunos com maior riqueza de argumentação.”
A7: “Entender a história das missões é importante para se aproximar da história
dos povos indígenas, compreender os acontecimentos, as formas de dominação, assim
como a história de resistência desses povos, o que é importante para a formação de
professores.”

185
Cleber Bianchessi (org.)

Diante da importância da história como resgate cultural e social


dos povos nativos, é possível se pensar na segunda categoria intitulada
“Práticas educativas”. Ela se relaciona diretamente com a primeira
categoria, pois os alunos disseram que o minicurso com esse aspecto
de resgate histórico foi importante para prepará-los para o futuro na
sala de aula.
Desta forma, ao conhecer, a partir de uma perspectiva crítica
que parte do questionamento do modelo eurocentrado da história, os
licenciandos se apropriam de uma dimensão mais humana da história,
pois passam a compreender um lado da história que foi omitido durante
anos. Isso contribui para que as pessoas se humanizem mais, pois esse
processo foi violento e opressor. Pensando que o processo educativo visa
formar as pessoas para a cidadania, essa alternativa formativa contribui
muito para a formação de cidadãos pensantes e críticos do lugar em que
vivem, da história que não viveram, mas só ouviram falar. Apesar de
não terem vivenciado esse momento, as pessoas se apropriam de um
conhecimento que auxilia a sua interpretação da realidade atualmente.
Dessa forma, eles podem se posicionar frente o que acontece no mundo
ao seu redor (FREIRE, 1987).
O professor, como figura responsável em desenvolver essa pos-
tura nas pessoas, precisa ter espaço durante seu processo de formação
inicial para que não deixe de lado essa perspectiva crítica e reflexiva
que o ensino enquanto prática social deve proporcionar.
Contudo, a maioria dos professores em exercício encontra bar-
reiras ao falar destes assuntos. Uma das causas é uma formação inicial
fragmentada e tecnicista, que ao privilegiar a memorização dos con-
teúdos e a formação de profissionais capazes de transmiti-los aos seus
alunos, não proporcionou práticas de ensino dialéticas. Além disso,
esse modelo que estruturou grande parte das licenciaturas não contri-
buiu para uma formação histórico-cultural e social dos professores. Ao
separar as disciplinas específicas das disciplinas pedagógicas, não opor-
tunizou que os licenciandos experimentassem a interdisciplinaridade e

186
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

a transversalidade em um processo de construção dos conhecimentos


(DARROZ; DOS SANTOS, 2013).
Por conta dessas dificuldades os licenciandos enxergaram a
importância de se realizar práticas educativas nos cursos de formação
de professores. Nesse sentido, a prática que analisamos neste trabalho
possibilitou uma formação mais humana e não fragmentada, uma vez
que aliou as questões históricas, sociais, culturais e ambientais a partir
de um conteúdo do currículo de Biologia.
Dessa forma, Nóvoa (1992) aponta para o fato de que a formação
inicial de professores, assim como a continuada, deve fomentar prá-
ticas educativas que possibilitem uma consciência crítica e reflexiva
nos mesmos. Assim, os professores podem traçar uma trajetória de
aprendizado, de novas possibilidades na carreira profissional e cres-
cimento pessoal, afinal, professor é uma pessoa que precisa construir
sua identidade, que é uma possibilidade no âmbito de novas práticas de
formação. Além disso, o autor aponta para a benevolência de atividades
no coletivo, como é o caso da prática aqui analisada, que permitem a
troca de experiências e a partilha de saberes, que podem auxiliar na
construção da identidade do professor.
Assim, para que os professores estejam em constante movimento
com uma formação crítica e reflexiva, que valorize a relação entre áreas
e possibilite sua autonomia e formação de seu próprio ser, é preciso que
haja diversificação dos modelos e novas práticas de formação. Afinal,
a formação passa por processos de experimentação, inovação e ensaio
de novas formas de trabalhar o conhecimento (NÓVOA, 1992).
Esses processos estão intrinsecamente ligados às práticas edu-
cativas, que servem para contribuir na formação do profissional nestas
diversas instâncias. Isto é, tanto do que se refere ao conhecimento
acumulado ao longo do tempo pela humanidade, como pela posição
profissional. Além disso, contribui para a construção de um ser pen-
sante e atuante da sociedade que poderá contribuir com a educação de
outras pessoas (NÓVOA, 1992).

187
Cleber Bianchessi (org.)

No quadro abaixo se encontram duas avaliações escolhidas para


elucidar a categoria:
A3: “... Isso se faz de grande importância para os professores, pois mostrar e
preservar a cultura do local de origem e passar isso para os alunos é de grande rele-
vância para sua formação cidadã.”
A6: “A história das missões contribuem para que os professores em formação
se apropriem do “outro lado” da história que é contada sobre os índios. E dessa forma,
posteriormente, possam contribuir para a formação de seus estudantes, além de se
apropriar da história de seus antepassados e assim compreenderem a realidade em
sua totalidade.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das análises aqui realizadas foi possível perceber a relevân-


cia das práticas educativas no âmbito da formação inicial de professores,
por possibilitarem a troca de experiências e saberes entre os estudantes
e partilhar um momento de formação considerado inovador para eles.
A prática educativa nos cursos de licenciatura é uma forma de
potencializar a formação dos professores, pois apresenta um grande
potencial em fomentar o diálogo entre as questões da sociedade com
os conhecimentos sistematizados. Por meio dela os alunos constroem
novas metodologias de aula e novos modos de fazer o conteúdo dialogar
com as questões históricas, sociais, culturais, políticas e ambientais.
Nesse sentido, o professor também deve estar atento quanto ao
seu contato com essas questões, que na maioria dos casos, são abafa-
das do currículo das licenciaturas. Por isso, ele precisa estar formado
para contemplar as questões que rodeiam a sociedade dentro dos seus
conteúdos programáticos. Contudo, é preciso haver uma formação
nesta direção, orientando os professores a utilizá-las de maneira con-
textualizada e crítica.
A título de exemplo apresentamos a questão indígena, muitas
vezes abordada nas escolas superficialmente, tratando os povos indíge-
nas como submissos da cultura branca, passíveis dessa e homogêneos
com relação à sua. Todavia, é preciso ressaltar, acima de tudo, como
eles foram resistentes à imposição dessa nova cultura e quando na
188
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

apropriação das terras, assim como, mostrar que cada povo exibe uma
cultura diferente.
Nesse contexto, podemos perceber uma das potencialidades das
práticas educativas na formação inicial, como janela de conversa entre
essas questões que não são discutidas normalmente.

REFERÊNCIAS
DARROZ, L. M.; DOS SANTOS, F. M. T. Astronomia: uma proposta para promover
a aprendizagem significativa de conceitos básicos de Astronomia na formação
de professores em nível médio. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30,
n. 1, p. 104-130, 2013.

GOMES, R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: Pesquisa social.


Teoria, método e criatividade. P, 67-79, 2002.

MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,


RJ: Vozes, 1994.

MONTEIRO, D. M.; KRÜGER, M. F. A ciência como expressão da cultura e a


transposição didática. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciên-
cias–VII ENPEC, p. 1-12, 2009.

MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22,


n. 37, p. 7-32, 1999.

NASCIMENTO, José Antonio Moraes do. História e cultura indígena na sala de


aula. Revista Latino-Americana de História, v. 2, n. 6, p. 150-170, 2013.

NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. 1992.

SOUZA, Eder Cristiano. Cinema e educação histórica: jovens e sua relação


com a história em filmes. 2014. 357p. Tese de Doutorado. Tese de Doutorado em
Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Paraná. Curitiba.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Editora Vozes Limi-


tada, 2012.

Nota: este trabalho foi inicialmente apresentado no VII Congresso Brasileiro de


Educação, no ano de 2019 na Unesp de Bauru e publicado nos anais do evento.

189
SOBRE O ORGANIZADOR

Cleber Bianchessi

Mestre em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário


Internacional Uninter (2017-2019). Especialização em Mídias Integradas
na Educação na UFPR (2018); Especialização em Gestão Pública na UFPR
(2016); Especialização em Desenvolvimento Gerencial na FAE Business
School (2002); Especialização em Interdisciplinaridade na Educação
Básica no IBPEX (1998); Especialização em Saúde para Professores do
Ensino Fundamental e Médio na UFPR (2019). Graduação em Adminis-
tração de Empresas pelo Centro Universitário Cesumar - UniCesumar
(2017); Graduação em Filosofia, Sociologia e História pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná PUC PR (1997).
Contato: cleberbian@yahoo.com.br

190
ÍNDICE REMISSIVO currículo 7, 21, 55, 68, 113, 114, 115,
116, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 125, 145,
149, 152, 154, 155, 157, 160, 180, 187, 188
A
D
afetivo 22, 31,36
desafios 1, 3, 7, 19, 29, 34, 50, 60, 61, 62,
aluno 7, 8, 29, 32, 33, 35, 37, 38, 44, 55, 73, 97, 98, 109, 111, 129, 136, 156
56, 57, 60, 61, 70, 74, 76, 77, 78, 79, 80,
81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 91, 92, 93, 94, dimensões sociais 68, 145
100, 101, 106, 107, 108, 117, 118, 138, 143, dispositivos móveis 8, 9, 86, 87, 88, 89,
144, 145, 146, 156, 158, 159, 160 90, 91, 92, 93, 97, 98, 99, 100, 101, 103,
aprendizagem 2, 7, 8, 21, 28, 29, 30, 33, 104, 105, 106, 109, 110, 127
35, 36, 37, 38, 39, 40, 44, 45, 46, 47, 50, docente 7, 9, 10, 46, 48, 65, 67, 70, 74,
52, 54, 55, 56, 57, 60, 61, 62, 63, 68, 76, 78, 87, 98, 99, 100, 102, 103, 105, 108,
77, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 115, 116, 117, 119, 131, 142, 144, 145, 150,
89, 90, 91, 92, 94, 97, 99, 100, 102, 103, 180, 181, 189
105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113,
125, 126, 135, 138, 139, 140, 141, 142, 143, E
144, 145, 146, 148, 159, 160, 166, 180, 189 educação 7, 8, 16, 18, 22, 25, 26, 30, 31,
aprendizagem escolar 8, 76, 78 32, 33, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 51,
52, 55, 63, 65, 66, 67, 68, 69, 71, 73, 74,
aprendizagem móvel 85, 87, 89, 75, 80, 83, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 93, 94,
90, 91, 97 96, 105, 108, 110, 111, 112, 113, 114, 116,
ato educativo 143 117, 121, 123, 124, 125, 129, 134, 139, 144,
145, 146, 147, 148, 149, 151, 152, 153, 154,
avaliação 8, 44, 45, 56, 57, 58, 59, 60, 155, 161, 162, 166, 178, 187, 189
61, 62, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84
ensino 7, 8, 9, 15, 19, 20, 21, 23, 28, 29,
C 33, 36, 38, 40, 41, 42, 43, 45, 46, 47, 48,
competência 35, 97, 117, 118, 49, 50, 51, 52, 54, 55, 56, 60, 63, 64, 65,
130, 142, 144 67, 72, 75, 78, 79, 80, 81, 85, 86, 87, 88,
89, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100,
conquistas 1, 2, 3, 7 102, 104, 105, 107, 109, 110, 111, 113, 114,
cotidiano 7, 9, 15, 38, 94, 99, 106, 108, 119, 120, 124, 125, 126, 129, 135, 139, 141,
109, 110, 115, 118, 120, 122, 125, 131, 143 142, 143, 144, 145, 146, 149, 151, 154, 155,
156, 158, 159, 160, 179, 180, 181, 185, 186
covid 44, 45, 48, 52, 53
ensino médio 8, 67, 88, 94, 95, 96
cultura digital 135, 136, 142,
143, 144, 145 ensino remoto 8, 40, 41, 42, 43, 45,
48, 50, 51, 52
cultura indígena 184, 189
ensino técnico 40, 45, 51

191
Cleber Bianchessi (org.)

escola 8, 9, 15, 17, 20, 21, 22, 24, 28, Jogos 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63,
29, 30, 32, 33, 34, 38, 39, 43, 55, 65, 67, 64, 146, 158, 170
68, 75, 77, 79, 80, 81, 82, 84, 88, 96, 99,
M
100, 101, 103, 108, 109, 110, 113, 116, 117,
119, 120, 122, 123, 127, 128, 134, 136, 138, Mediação 9, 13, 38, 39, 69, 96, 132, 137,
139, 143, 146, 184 138, 141, 143, 144, 145, 146, 147, 150

escrevivência 163, 165, 166 Metodologia Ativa 8, 28, 29, 30, 32,
33, 34, 37, 38, 39
Evaristo 9, 163, 165, 167, 168, 169, 171,
172, 173, 176, 177 Missões Jesuíticas 9, 181, 183

experiências 1, 2, 3, 7, 9, 22, 30, 33, 34, múltiplos saberes 123


35, 36, 38, 44, 54, 62, 78, 79, 91, 110, 113,
P
117, 118, 124, 137, 164, 187, 188
paideia cristã 7, 12, 13, 14
F
prática social 35, 136, 152, 154, 179, 186
ferramentas digitais 55, 127,
128, 131, 134 práticas pedagógicas 7, 9, 12, 21, 86, 91,
97, 113, 115, 119, 127, 128, 129, 130, 132,
formação de professores 68, 90, 97,
133, 149, 150, 151, 152, 153, 155, 159, 160
134, 179, 184, 185, 187, 189
práxis 9, 127, 128, 136, 137, 138, 141,
formação do professor 65, 75, 185
142, 143, 145, 146, 151, 152, 153, 154,
formação inicial 7, 9, 102, 180, 181, 155, 159, 160, 161
182, 183, 186, 187, 188, 189
práxis educativa 138, 142, 145
Freire 32, 33, 72, 116, 117, 119, 127, 128,
professor 8, 19, 28, 29, 30, 31, 32, 33,
131, 132, 133, 134, 153, 154
35, 36, 37, 38, 39, 50, 55, 57, 60, 62, 65,
H 68, 73, 75, 77, 79, 80, 81, 82, 85, 91, 99,
100, 102, 106, 108, 109, 110, 111, 112, 114,
habilidade 61, 62, 130
117, 118, 119, 125, 129, 132, 138, 141, 142,
hábito 64, 70, 71, 85, 149, 152, 156, 157 143, 144, 146, 151, 153, 158, 179, 180, 185,
186, 187, 188
I
R
imagem 31, 35, 163, 169, 174, 175
reflexão 7, 8, 9, 14, 20, 26, 31, 37, 73,
imaginação 23, 31, 138
74, 77, 80, 105, 109, 142, 149, 150, 153,
instituições educacionais 7, 14, 154, 182, 183
19, 23, 25
S

saberes curriculares 2, 7, 9, 10
J
sala de aula 7, 29, 32, 36, 37, 38, 41, 42,
jogos 45, 46, 50, 56, 63, 69, 70, 74, 86, 87, 94,

192
Práticas Pedagógicas e Saberes Curriculares

99, 101, 102, 103, 108, 111, 119, 121, 122,


123, 124, 125, 133, 137, 138, 144, 149, 158,
160, 183, 186, 189

tecnologia 2, 8, 28, 40, 42, 43, 48, 85,


86, 95, 98, 100, 102, 104, 105, 125, 127,
128, 131, 134, 145, 148

tecnologias digitais 6, 7, 9, 91, 126, 129,


131, 133, 148, 159

tecnologias digitais de informação e


comunicação 6, 148, 159

193
Este livro foi composto pela Editora Bagai.

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/editorabagai contato@editorabagai.com.br

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