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A verdade vem à tona

Estou no Agreste pernambucano, recorte geográfico que, desde a eleição presidencial de


um conterrâneo, tornou-se um dos principais territórios de apoio à esquerda nacional.
Moradores daqui defendem – ou pelo menos defendiam – majoritariamente tal
designação política, pois midiaticamente a pobreza fora abolida... O que, convém dizer,
não passa de falsa propaganda, porque pouco mudou desde o início do século. Quem o
diz, aliás, faz parte de uma considerável parcela do povo que aqui vive desde as décadas
de 40, 50 e 60. Constato isto não apenas pelo que os meus olhos avistam, mas pelo
testemunho dessas pessoas – as quais, supostamente beneficiadas pela famigerada
política do avanço social, não veem grande diferença ao comparar o presente com o
passado.

Um desses cidadãos chama-se Antônio, não o “conselheiro” da época de Canudos, mas


decerto um homem igualmente sábio. Encontro-o no sítio Barreiras, divisa dos
municípios de Pedra e Buíque, este último uma das cidades onde Graciliano Ramos
passou parte da infância. Semelhante trajeto é marcado pela ausência de asfalto e pela
prevalência de casas de pau-a-pique, telhas escuras e quintais rodeados de algarobeiras e
pés de palma. Seu Antônio não vive numa dessas moradias, mas numa casinhola de
alpendre, com curral e armazém gradeado. Para chegar lá, atravessam-se um povoado e
três porteiras, uma de ferro e as outras de arame. E ele, à espera do rapaz que lhe
compra queijo coalho, descansa em sua cadeira de balanço.

Recepciona o comprador com um riso encolhido, mas abertamente sincero, de quem


encontra esperança em desgosto. Em meio a caçoadas, refere-se logo a um dos temas de
distração do interior: a política. Afora, sobram festas de dimensão regional, cujos
falatórios a seu respeito não se estendem, o que converte as eleições municipais em
eventos tão esperados quanto partidas de Copa do Mundo. Dele ouço críticas quanto à
eleição passada, cujas campanhas resumiram-se em compras de voto a valores cada vez
mais elevados.

– No começo – ele me explica – o candidato chegava na casa de uma família de dez


pessoas e comprava todos os votos por um valor. Mas desde a eleição passada, cada
componente da família exige a sua parte.

Ele complementa argumentando que isto multiplicou em dezenas de vezes a quantia


gasta por cada político nas campanhas, o que também gerou reviravoltas. Antes, quando
um cidadão mudava de partido (e junto dele a sua família), nada o dissuadia. Agora, no
entanto, basta uma proposta mais generosa para que cada um troque de candidato a seu
bel-prazer, quantas vezes quiser.

– Nada muda isso – ele prossegue, convicto. – E, de agora em diante, cada eleição vai
ser mais cara que a anterior.

Voltando-se ao âmbito federal, seu Antônio diverge da assertiva midiática, que aponta o
grande líder político da esquerda nacional como vencedor incontestável da próxima
eleição presidencial. Ele argumenta que o que aconteceu em sua região, e em outras
tantas conhecidas, não foi a abolição da pobreza, mas o oferecimento de valores
simbólicos, ofertados através de programas, que servem apenas para mantimento de
certa imagem imaculada, a qual se desfigura frente à realidade inocultável. Em outras
palavras, o surgimento de determinados programas sociais do governo federal não
serviu para extinção da pobreza, mas para sua manutenção. E complementa:

– Antigamente, o povo vivia do trabalho, porque o trabalho é que dava sustento. Mas,
desses tempos pra cá, o que se vê é gente sem interesse em trabalho ou estudo. Os
trabalhadores vivem hoje da aposentadoria dos pais, e usam o dinheiro deles pra
conseguir droga e bebida. Com os estudantes não é muito diferente. Se vão pra escola,
não é com interesse de ser alguém na vida, mas de manter os benefícios do governo e
desistir antes de começar a trabalhar, indo viver do dinheiro dos pais, dos avós, dos tios.

Seu Antônio reforça o que diz com o argumento de que alguns pais perderam a vida
naqueles arrabaldes por se recusarem a dar dinheiro “de mão beijada” aos filhos, muitos
dos quais usuários de drogas, ladrões ou prostitutas. E conclui sua reflexão alegando
que não acha errado auxílio do governo, mas que, como moeda de troca, deveria haver
incentivo à agricultura, prática cada vez mais escassa devido ao fato de, mais do que
nunca, a juventude migrar para as capitais.

– Por causa da falta de incentivo – continua ele – a gente decente, que aqui ainda tem e
muita, está indo toda pra capital. Pra eles, não compensa mais viver de agricultura, pois
a vontade de pegar no pesado não existe mais pelas facilidades sem cobranças; aí o
povo fica mal costumado, sabe? Consegue as coisas muito fácil, e depois não dá valor.
A tendência, então, é produzir povo sem disposição, sem coragem de enfrentar a vida, e
cada vez mais exigente em coisas fáceis.

O que me impressiona no relato de seu Antônio, além de sua sabedoria – apesar de só


ter estudado até o hoje chamado quinto ano –, são suas convicções, sua análise acurada
do cenário político nacional. De acordo com ele, vivemos uma situação irrevogável:

– Se chega um homem bom pra governar, que nem esse, o povo da televisão cai em
cima... É certo que o “cabra” às vezes se coloca mal, mas não desconfio da verdade do
que ele fala. É um homem decente, que, apesar de não ser nordestino, é como se fosse,
pela firmeza do que diz, e, acima de tudo, pela fé dele em Deus... Sim, é dessa fé que o
nosso país precisa, diante de tanta safadeza, diante de tanto roubo.

E perguntado de novo acerca do político que, segundo muitos, é ídolo maior do povo
daquela região, seu Antônio discorre, com um risinho irônico:

– Aquele dali já era... Deus nos livre dele presidente de novo... Um homem que assaltou
o Brasil, deu nosso dinheiro pra outros países, que foi condenado por não sei quantos
juízes, agora vem pousar de santo... Você viu como o filho dele enricou, não foi?...
Santo?! Santo, mesmo, só Nosso Senhor Jesus Cristo... Esse, sim!

Ele me oferece um copo d’água e eu o bebo, em cinco generosos goles. Agradeço. E me


despeço de seu Antônio como quem, satisfeito por ouvir um conselheiro, distingo uma
fagulha de esperança num desanuviado céu de agosto.

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