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PUBLICAÇÃO DA CONEP – COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA – ANO V – NÚMERO 10 – JULHO DE 2002

Índice

Conep
Avaliação 2001 ......................................................................................................... 4
Por Corina Bontempo D. de Freitas

Dúvidas?
A Conep responde ................................................................................................... 7

Depoimento
A experiência de Manaus ..................................................................................... 8

Evento
A programação do VI Congresso Internacional ........................................ 9

Painel
Efeitos adversos .................................................................................................... 13
Minorias são excluídas ....................................................................................... 15

Mundo
Avaliação contínua: o modelo canadense ................................................... 17
Por Claudio Lorenzo

Análise
Mulheres e clonagem ......................................................................................... 22
Por Alejandra Rotania

Fundamentos
O protocolo de pesquisa .................................................................................... 25
Por Leonard M. Martin

Controvérsia
A questão do consentimento .......................................................................... 28
Por Luis Carlos Silva de Sousa
Editorial

Consentimento: livre e esclarecido


Por William Saad Hossne

“A palavra é metade daquele que a diz, e metade de quem a escuta.” (Montaigne)

lhes do projeto de pesquisa que


O termo de consentimento, exi-
gido nas pesquisas envolven-
do seres humanos, é em sua essên-
possam envolvê-lo, e, por isso, ele
é livre não apenas para suspender o
ção 196/96 para a obtenção do
TCLE cria condições para efetiva e
salutar relação entre pesquisador e
cia expressão de auto determinação seu consentimento. Ele é livre para sujeito da pesquisa, reduzindo a
(direitos) do ser humano, deriva- também não concedê-lo (sem ne- assimetria de tal relação – é um
do do respeito ao referencial nhum óbice ou prejuízo de qual- momento e um espaço em que o
bioético da autonomia. quer natureza), bem como ter as- sujeito da pesquisa pode ter a opor-
Na literatura estrangeira, com segurado o direito de atuar livre de tunidade de ser ouvido e respeita-
relativa freqüência, utiliza-se ex- qualquer tipo de coação, coerção, do como ser humano.
pressões termo de consentimento in- sedução, constrangimento. Dai in- Lamentavelmente, ainda há pro-
formado ou pós-informação. sistir-se na expressão Livre. jetos enviados a CONEP sem ter
Dos três documentos internacio- De acordo com a ótica da Reso- atendidas devidamente as exigên-
nais mais relevantes, verifica-se que lução 196/96, o TCLE, longe de cias referidas na Resolução 196/96.
o Código de Nuremberg utiliza a se configurar como documento de Há casos em que nitidamente o
expressão consentimento voluntá- isenção de responsabilidades, está TCLE não foi elaborado pelo pes-
rio, ao passo que a Declaração de eminentemente voltado à proteção quisador, sendo mera tradução, às
Helsinque (Associação Médica da dignidade do ser humano, seja vezes equivocada e confusa, que
Mundial) e as Diretrizes Internaci- ele o sujeito da pesquisa seja ele o nem revista pelo pesquisador foi.
onais (Organização Mundial de pesquisador. Vale ressaltar que a exigência de
Saúde) empregam a terminologia Por isso a exigência de que o ter- ser fornecida cópia do TCLE ao
consentimento informado. A Decla- mo seja redigido em linguagem sujeito da pesquisa ou ao seu re-
ração de Helsinque estipula que ele acessível ao sujeito da pesquisa. presentante legal constitui forte ele-
deve ser dado livremente. Forçoso é reconhecer, infelizmen- mento que sustenta legalmente os
No Brasil, a Resolução 196/96- te, que chegam à CONEP versões direitos do sujeito da pesquisa, pe-
CNS/MS dá grande ênfase ao ter- de TCLE em linguagem altamente rante o CEP, a CONEP, os Con-
mo de consentimento, dedicando- técnica (às vezes até mesmo inaces- selhos de ordem e a justiça comum.
lhe todo o capítulo IV. sível a pesquisadores não especia- Na análise dos projetos de área
O Grupo de Trabalho que ela- listas na área) e que assumem mais temática, grande parte dos motivos
borou a minuta da Resolução 196/ características de bula de isenção de de pendência está relacionada ao
96 e o Conselho Nacional de Saú- responsabilidades, do que outra TCLE (ver Cadernos de Ética em
de, que a aprovou, assumiram com coisa. Pesquisa nº 7/2001).
muita clareza e determinação que Insiste-se na disposição contida A CONEP considera, portanto,
a terminologia mais adequada aos no item IV.2. indispensável o emprego da termi-
imperativos éticos é a de Termo de a) o TCLE deve “ser elaborado nologia adequada (Termo de Con-
Consentimento Livre e Esclareci- pelo pesquisador responsável sentimento Livre e Esclarecido),
do – TCLE. b) ser aprovado pelo CEP bem como o integral cumprimen-
Partiu-se da premissa de que o c) ser elaborado em duas vias, to das disposições previstas na Re-
sujeito da pesquisa deve ser suficien- sendo uma retida pelo sujeito da solução 196/96 para o TCLE. O
temente esclarecido e não apenas pesquisa ...” não atendimento poderá implicar
informado quanto a todos os deta- A sistemática prevista na Resolu- no arquivamento do processo.
Conep

Avaliação positiva de 2001


Por Corina Bontempo D. de Freitas

Corina e acordo com as


Bontempo
Freitas é
Pediatra e
D prioridades
As prioridades
estabelecidas no início de 2001
elencadas na avaliação
Sanitarista, ➜ Prioridade absoluta para a finalização e lançamento do SISNEP
especialista em do período 97 a 2000
Gestão Pública e
Qualidade e foram definidas as ➜ Desenvolvimento de projetos de apoio à capacitação dos CEPs
secretária atividades da Comissão
executiva da ➜ Implementação de programa de acompanhamento e avaliação do
CONEP Nacional de Ética em sistema CEPs - CONEP, incluindo visitas interpares à rede de CEPs
Pesquisa/CNS para
➜ Promoção de eventos com participação dos setores da socieda-
2001, preparadas pela
de interessados, pesquisadores, patrocinadores, instituições de
secretaria executiva ciência e tecnologia, usuários e órgãos de divulgação científica.
em colaboração com o
DECIT/SPS e
DATASUS.
Veja o resumo das Nossos comentários:
atividades em 2001. 1 O SISNEP – Sistema de Infor- sos para membros de CEP e pes-
mação Nacional sobre Ética em quisadores das instituições.
Pesquisa – via internet foi desen- Selecionadas 40 instituições ins-
volvido e iniciada sua implantação critas, tendo sido efetivados 17
em três CEPs no final de 2001, de em 2001 e os restantes em de-
forma experimental, estando em senvolvimento no 1º semestre de
condições de seguir a implantação 2002. Foi elaborado o Manual
em 2002. Contempla informações Operacional para CEPs com a
para os pesquisadores, CEPs, contribuição e experiência de
CONEP e público em geral. Está coordenadores se 10 comitês, vi-
hoje em fase final de implanta- sando apoiar a organização dos
ção beta (experimental em 11 CEPs em todo o país e o funcio-
comitês). namento com critérios comuns,
consolidando assim uma rede de
2 Projeto de fortalecimento e CEPs institucionais.
capacitação dos CEPs, realizado
em parceria com o DECIT e 3 Projeto de acompanhamento
UNESCO, incluindo melhoria e avaliação dos CEPs está em
de estrutura física com compra desenvolvimento, com assessoria
Cadernos
4 de Ética em de computadores e móveis e or- do Dep. Med. Preventiva/USP,
Pesquisa ganização de treinamentos e cur- tendo sido desencadeada parte


Demonstrativo das atividades da CONEP/2001
ATIVIDADES PREVISTAS CRONOGRAMA AVALIAÇÃO 2002
Avaliar atividades da Conep de 97 a 2000 e analisar Janeiro e Realizado
a situação dos projetos analisados. fevereiro
Estabelecer prioridades para o ano 2001 Fevereiro Realizado
e divulgar a avaliação de 97 a 2000 ao CNS e CEPs.
Continuar o desenvolvimento da informatização em rede Janeiro a Realizado
internet – SISNEP – com a colaboração do DATASUS dezembro
Contratar técnico especializado para Março Realizado
preparar a Etapa 2: módulo CEP
Desenvolver metodologia de treinamento e fazer Novembro e Realizado
implantação piloto do SISNEP em 3 CEPs dezembro
Desenvolver projeto de apoio à capacitação Março a Realizado de
dos CEPs em colaboraçao com o DECIT, através agosto abril a dezembro
de convênio com UNESCO
Lançar edital e fazer seleção de propostas de CEPs Junho Realizado
para treinamentos (40 propostas a serem apoiadas)
Participar dos treinamentos com apoio técnico à Setembro 17 cursos efetivados
programação e em palestras, mesas redondas a dezembro Os outros reprogramados
e grupos de discussão. para início de 2002
Preparar o Manual Operacional para CEPs com a Março a Realizado
colaboraçao de 10 coordenadores de CEPs agosto Concluído em outubro
com experiência variada.
Editar e distribuir o Manual Operacional para CEPs Setembro Reprogramado
para inicio de 2002 –
limitações da gráfica MS
Realizar avaliação – supervisão de 50 CEPs Setembro Reprogramados
a dezembro para 2002
Publicar edições. 7, 8 e 9 dos Março
Cadernos de Ética em Pesquisa. agosto, novembro Realizado
Promover discussão sobre notificação e Março a Realizado
acompanhamento de eventos adversos junto a ANVISA. dezembro
Estruturar a Secretaria da CONEP em novo local, com Maio Realizado
melhoria da infraestrutura.(apoio CNS e DECIT/MS)
Desenvolver atividades rotineiras conforme atribuição Janeiro a 11 reuniões
da Res. 196/96 CNS, com reuniões mensais Dezembro ordinárias de 2 dias
de fevereiro a dezembro: 24 CEPs novos
✔ registro e acompanhamento dos CEPs aprovados
✔ apreciação de projetos de áreas temáticas especiais 1316 projeto Cadernos
✔ atendimento de consultas, recursos e denúncias apreciados de Ética em 5
Pesquisa
inicial, através de questionários modificações nos projetos. Editado e
em novembro/2001. Etapa se- Uma análise específica para
guinte de visitas locais está cada Comitê merecerá um esfor- distribuído pela
reprogramada para 2002. ço especial da Comissão e das
CONEP, o Manual
equipes dos CEPs institucionais
4 Evento não foi possível em nesse ano de 2002, através de Operacional para
2001, estando previsto para proposta de avaliação e acompa-
2002 provavelmente, o II En- nhamento dos Comitês.
CEPs passa a ser
contro Nacional de CEPs. Quanto a áreas especiais, con- instrumento de
tinua marcante a alta proporção
5 Quanto aos projetos de áreas de projetos de farmacologia clí-
consolidação da
temáticas especiais, em 2001, a nica, multicêntricos internacio- rede de Comitês
CONEP recebeu 1316 protoco- nais, observando-se ainda au-
los para avaliar, tendo se verifi- mento de projetos da área de ge- de Ética em
cado um aumento de 37% em nética humana. Pesquisa em todo
relação ao ano anterior. Desses, Pode-se concluir que a CONEP
66% (dois terços) foram apro- desempenhou satisfatoriamente o país
vados ao primeiro parecer da muitas das atividades programadas,
CONEP, restando 30% com pa- com algumas dificuldades que fa-
recer pendente de esclarecimen- zem parte do processo de ama-
tos e modificações e 4% não durecimento do sistema como
aprovados. um todo. Conclui-se também
Esses dados demonstram au- que é relevante a participação da
mento de captação de projetos comunidade científica brasileira
na rede de CEPs e maior unifor- em projetos cooperativos inter-
midade de critérios, uma vez que nacionais e, sem dúvida, há um
houve diminuição de projetos aumento significativo da ativida-
que ficaram pendentes ao serem de de pesquisa envolvendo seres
apreciados na CONEP (diminui- humanos no país. Evidencia-se
ção de 38% em 2000 para 30% assim a responsabilidade de
em 2001). melhoria do sistema de acompa-
De toda forma, evidencia-se nhamento ético e de controle
que a CONEP tem tido um pa- social, visando a proteção das
pel específico dentro do sistema, pessoas envolvidas, especialmen-
talvez pela experiência acumula- te tendo em vista o papel dos Co-
da nesses anos, conseguindo mitês de Ética em Pesquisa
identificar dilemas e situações de institucionais, na busca de um
risco para os sujeitos de pesquisa trabalho eficiente, independen-
que merecem esclarecimentos ou te e transparente.
Cadernos
6 de Ética em
Pesquisa
Dúvidas?

A Conep responde

Considerações tocolo da pesquisa proposto e do


spaço reservado
E às dúvidas de
A Resolução 196/96 (outu-
bro de 1996) estipula:
Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
O Termo de Consentimento,
pesquisadores, esta Capítulo VI – Protocolo de
Pesquisa a ser assinado pelo sujeito da pes-
seção apresenta quisa, deverá esclarecer que o
VI.2 - descrição da pesquisa,
observações e compreendendo os seguintes material a ser armazenado pode-
encaminhamentos itens: rá ser utilizado para outro proje-
n) declaração sobre o uso e to de pesquisa com as seguintes
indicados na destinação do material e/ou da- salvaguardas:
Resolução 196. dos coletados. a) Compromisso do pesquisa-
No capítulo III (Aspectos Éti- dor responsável de obter sem-
cos da Pesquisa envolvendo se- pre que possível novo consenti-
res humanos), mento (específico) do sujeito da
a) Resolução estabelece exigên- pesquisa para a nova finalidade.
Consulta (1) cias: “As pesquisas envolvendo Quando não for possível, justifi-
O CEP da Unimep (SP) soli- seres humanos devem atender às car o fato perante o CEP.
cita esclarecimentos com relação exigências (grifo nosso) éticas e b) Sempre, porém, a nova fi-
a projetos de pesquisa que se pro- científicas fundamentais (grifo nalidade deverá estar consubs-
põem a utilização de bancos de nosso). tanciada em projeto específico, o
dados já existentes coletados sem III.3 - A pesquisa em qualquer qual deverá ter aprovação do
o consentimento livre e esclare- área do conhecimento envolven- CEP (e da CONEP no caso das
cido dos sujeitos da pesquisa e do seres humanos deverá obser- áreas temáticas).
que, portanto, não obedecem var as seguintes exigências (grifo A utilização do banco de da-
aos indicativos da Resolução nosso): dos, constituído antes da publi-
196/96. t) utilizar o material biológico e cação da Resolução 196/96,
os dados obtidos na pesquisa ex- deve atender à seguinte exigên-
Consulta (2) clusivamente para a finalidade pre- cia: apresentação do projeto de
O CEP da Faculdade de Odon- vista no protocolo (grifo nosso). pesquisa específico, prevendo a
tologia de Piracicaba (Unicamp), utilização do material do ban-
informa que tem recebido folhe- Parecer co. O projeto de pesquisa deve
tos de outras Faculdades de A partir da publicação da Re- ser previamente aprovado pelo
Odontologia anunciando a cria- solução 196/96 todo e qualquer CEP (e pela CONEP, no caso
ção de banco de dentes, que tem material biológico só pode ser de área temática), antes de ser
facilitado a realização de pesqui- utilizado, em princípio, para a iniciado.
sas e uso em aulas de práticas de finalidade prevista no protocolo. Quanto aos aspectos legais re-
graduação. O CEP solicita infor- Eventual armazenamento ferentes à utilização de cadáve-
mações sobre a legalidade de (“banco”) de material só pode res e ou peças anatômicas, suge-
banco de dentes em faculdades ocorrer se autorizada tal medi- re-se buscar subsídios junto aos
Cadernos
de odontologia para uso em pes- da pelo sujeito da pesquisa. Essa Departamentos de Medicina (e
de Ética em 7
quisa. finalidade deverá constar do pro- ou de Odontologia) Legal. Pesquisa
Depoimento

A experiência de Manaus

riado em fevereiro de 1997, uma conduta desejável para pro-


C o Comitê de Ética em Pes-
quisa da Fundação Alfredo da
teção do sujeito da pesquisa, e
da própria educação dirigida aos
Matta, o CEP-FUAM, em Ma- pesquisadores e promotores.
naus, é formado por sete membros Em 2000, iniciou-se a elabo-
e contempla as diversas categorias ração do Regimento Interno do
profissionais da instituição, além CEP. O documento foi aprova-
de incluir um representante do do em 16 fevereiro de 2001.
usuário. O CEP revê a possibili- Também em 2001, foram elabo-
dade de ampliação do grupo. radas as Normas e o Fluxograma
Desde março de 2000, a mé- de Projetos de Pesquisa na
dica Rossilene Conceição da Sil- FUAM.
va Cruz é a coordenadora do A maioria dos projetos anali-
CEP-FUAM, que, além de ter sados são do Grupo III. As pen-
aumentado o número de proje- dências recaem principalmente
tos avaliados, segue em pleno no Termo de Consentimento de-
processo de crescimento. vido a linguagem pouco acessí-
Além dos projetos realizados na vel, na co-responsabilidade da
instituição, o CEP também ana- unidade e das instituições envol-
lisa projetos de instituições que vidas, e na falta de clareza na ela-
não têm seus próprios comitês. As boração do projeto.
reuniões acontecem mensalmen- As dificuldades não são dife-
te, ordinariamente, mas se hou- rentes das de outros comitês,
ver necessidade são agendadas onde a desinformação quanto ao
reuniões extraordinárias. conteúdo da Res. 196 por parte
De março de 2000 até dezem- dos pesquisadores e o desconhe-
bro de 2001 foram avaliados 15 cimento quanto as funções e for-
projetos. Só no primeiro semes- ma de atuação do CEP conti-
tre deste ano, o CEP recebeu nuam sendo os principais entra-
oito projetos, cinco dos quais ves no desenvolvimento de ati-
foram aprovados. Dois estão em vidades na FUAM.
análise e um está pendente. No momento, o Comitê de
De acordo com os integrantes Ética discute um Fórum de De-
do Comitê, os números poderi- bates sobre o papel do CEP na
am ser maiores, mas a função e a Instituição, contando com o
imagem do CEP ainda não es- apoio da CONEP, a elaboração
tão totalmente claros aos pesqui- de um Informativo Mensal do
sadores, que interpretam a atua- CEP, assim como divulgação das
ção como entrave burocrático atividades do CEP no Informa-
Cadernos
8 de Ética em que dificulta a realização da pes- tivo Interno da Fundação.
Pesquisa quisa e não como referência para E-mail: cpd@fuam.am.gov.br
Evento

Congresso Mundial de Bioética


Confira a Programação do evento que acontece no Brasil, de 30 de outubro a 3 de novembro de 2002

m novembro de 2002 o
E Brasil sedia o VI
30/10 – QUARTA-FEIRA

20:00 – CERIMÔNIA DE ABERTURA


Congresso Internacional de
31/10 – QUINTA-FEIRA
Bioética em Brasília, com o
SESSÕES PLENÁRIAS (MANHÃS)
tema Bioética, Poder e
Injustiça, integrando o 09:00 - 09:30
Presidente da IAB
calendário oficial da Solomon Benatar (África do Sul)
Internacional Association of 09:30 - 10:00
Presidente da SBB e do VI Congresso Mundial
Bioethics (IAB). O Congresso é Volnei Garrafa (Brasil)
organizado pela Sociedade 10:00 - 10:50
Conferência: Bioética, poder e injustiça
Brasileira de Bioética (SBB, Giovanni Berlinguer (Itália)
com apoio do Núcleo de 10:50 - 11:10
Café
Bioética da Universidade de 11:10 - 12:10
Brasília, do Centro Mesa Redonda:
Bioética, globalização e direitos humanos
Universitário São Camilo, de Inclusão/exclusão social no processo de globalização
São Paulo; do Conselho Federal Daniel Wikler (USA)
Cidadania: complexidade e participação
de Medicina, a Organização Aguardando confirmação (Espanha)
Pan-Americana de Saúde Conceitos de equidade e justiça em um mundo
globalizado
(OPAS/OMS), Unesco e Naomar de Almeida Filho (Brasil)
Ministério da Saúde. 12:10 - 12:30
Debate
A seguir, divulgamos a
01/11 – SEXTA-FEIRA
programação do Congresso,
ainda sujeita a alterações. 09:00 - 09:40
Conferência: Bioética, vulnerabilidade e proteção
Outras informações sobre Ruth Macklin (USA)
inscrições e apresentação de 09:40 - 10:00
Debatedor 1 - Hans Martin Sass (Alemanha)
trabalhos podem ser 10:00 - 10:20
acessadas no site Debatedor 2 - Miguel Kottow (Chile)
10:20 - 10:40
www.bioethicscongress. Debate
10:40 - 11:00 Cadernos
org.br. de Ética em 9
Café
Pesquisa


11:00 - 12:00 10:20 - 10:40
Mesa Redonda: Bioética, vulnerabilidade e proteção Debate
Formas de poder e vulnerabilidade 10:40 - 11:00
Aguardando confirmação (Brasil) Café
Formas de proteção frente à vulnerabilidade 11:00 - 12:00
Hasna Begun (Bangladesh) Mesa Redonda: Poder e injustiça na pesquisa com
Os vulneráveis: sobre realidade e esperança – seres humanos
experiências Controvérsias sobre as diretrizes internacionais em
Alastair Campbell (UK) pesquisa com seres humanos
12:00 - 12:30 Florencia Luna (Argentina)
Debate AIDS e ética na pesquisa com vacinas na África
Godfrey Tangwa (Camarões)
02/11 - SÁBADO Poder econômico e pesquisa com seres humanos
William Saad Hossne (Brasil)
09:00 - 09:40 12:00 - 12:30
Conferência: Genoma, o valor da vida e direitos Debate
humanos 12:30 - 13:00
John Harris (UK) Cerimônia de encerramento
09:40 - 10:00
Debatedor 1 - Fernando Lolas (Chile) SESSÕES PRINCIPAIS – MESAS REDONDAS
10:00 - 10:20 (TARDE)
Debatedor 2 - Marco Segre (Brasil) No último dia, o Congresso termina às 13:00
10:20 - 10:40 De 31/10 a 02/11– QUINTA-FEIRA a SÁBADO
Debate TOTAL: 18 mesas redondas/06 por dia
10:40 - 11:00
Café 14:00 - 15:30
11:00 - 12:00 1. Teorias e métodos em bioética
Mesa Redonda: Bioética, pesquisa genética Principialismo - teoria hegemônica da bioética
(genoma) e implicações na saúde/vida humana Raanan Gillon (UK)
SESSÃO OMS/OPAS - Conclusões do Fórum Global Análise crítica do principialismo
Aguardando os nomes Sören Holm (Dinamarca)
12:00 - 12:30 Bioética Dura - uma perspectiva periférica de ética
Debate interventiva
Volnei Garrafa (Brasil)
03/11 - DOMINGO

09:00 - 09:40 2. Reprodução assistida - novas tecnologias e


Conferência: Poder e injustiça na pesquisa implicações éticas
com seres humanos Autonomia na reprodução
Dirceu Grecco (Brasil) Maurizio Mori (Itália)
09:40 - 10:00 Paternidade/maternidade na perspectiva ética
Debatedor 1 - Alex Capron (USA) Lisa Sowle Cahill (USA)
Cadernos 10:00 - 10:20 Novas tecnologias: prós e contras
10 de Ética em Debatedor 2 - Peter Lurie (USA) Marilena Corrêa (Brasil)
Pesquisa
3. Genética, limites e novas fronteiras 8. Conflitos de interesse em pesquisa
Questões éticas na pesquisa genética Ética dos negócios
Michael Parker (UK) Adela Cortina (Espanha)
Ética da pesquisa na Europa Central e Ocidental Patentes
Boris G. Yudin (Rússia) Salvador Bergel (Argentina)
Ética e responsabilidade em genética Interesses na escolha da metodologia
José Eduardo de Siqueira (Brasil) Charles Weijer (Canadá)

9. Bioética, meio ambiente e biodiversidade


4. Clonagem humana: prós e contras
Biodiversidade no Hemisfério Sul
Fundamentação filosófica da clonagem
Senadora Marina Silva (Brasil)
Matti Hayry (Finlândia)
A ética na introdução de organismos
Clonagem humana: uma perspectiva promissora
geneticamente modificados (OGMs)
Fermin Roland Schramm (Brasil)
para propósitos de saúde pública
Limites da clonagem humana
Darrel Macer (Japão)
Paul Schotsmans (Bélgica)
Algumas reflexões filosóficas sobre
biodiversidade e vida futura
5. Genética e células tronco: Sergio Zorrilla Fuenzalida (Chile)
status moral - usos e abusos
Aspectos filosóficos na pesquisa e uso de células 10. Aids, placebo e duplo standard
tronco: uma perspectiva européia Posição do National Institutes of Health
Demetrio Neri (Itália) James Lavery (USA)
A nova genética ameaça nossa livre vontade? Duplo standard: prós e contras
O exemplo dos genes do vício Aguardando confirmação (Brasil)
Julian Savulescu (Austrália) A posição brasileira no contexto internacional
Limites na utilização de células tronco Jorge Beloqui (Brasil)
Dietmar Mieth (Alemanha)
11. Status moral do embrião
6. Contextos culturais e consentimento Ética reprodutiva e o conceito filosófico
Contextos culturais e consentimento: uma visão de pré-embrião
antropológica Mary Warnock (Inglaterra)
Maria do Céu Patrão Neves (Portugal) O estatuto do embrião: a posição do
Consentimento em pesquisa Conselho da Europa
Frank Leavitt (Israel) Daniel Serrão (Portugal)
Consentimento em saúde O futuro da natureza humana. No caminho de uma
Diego Gracia (Espanha) eugenia liberal?
Guillermo Hoyos (Colombia)
7. Bioética feminista
Fundamentos da bioética feminista 12. Morte assistida:
Susan Sherwin (Canadá) os últimos desenvolvimentos
Bioética e gênero Eutanásia na Holanda
Juan Guillermo Figueroa (México) Hans van Delden (Holanda)
Feminismo, raça, etnia, pobreza e bioética Eutanásia em uma perspectiva utilitarista Cadernos
Fátima Oliveira (Brasil) Peter Singer (Austrália) de Ética em 11
Pesquisa


Novas leis, novas tecnologias, novos problemas no Organ for sentence commutation: incentivos para a
debate sobre a morte assistida nos EUA doação de órgãos
Margaret Peggy Battin (USA) Leonardo de Castro (Filipinas)
Mercado humano
13. Futilidade e cuidados no final da vida Giovanni Berlinguer (Itália)
Pacientes terminais e cuidado paliativo
Aguardando confirmação (USA) 17. Bioética e saúde pública
Medicina e cuidados no final da vida: Poder e injustiça na saúde pública
uma perspectiva brasileira e latino-americana Paul Macneill (Austrália)
Délio Kipper (Brasil) Saúde pública e direitos humanos
Tratamento fútil Solomon Benatar (África do Sul)
Leo Pessini (Brasil) Como priorizar recursos escassos em países em
desenvolvimento
14. Bioética e prática profissional em saúde Paulo de Carvalho Fortes (Brasil)
Bioética e a prática da enfermagem
Helga Kuhse (Austrália) 18. Bioética e direito ou bioética e “biodireito”?
Bioética e cuidado médico “Biodireito”: uma crítica ao neologismo
Juan Carlos Tealdi (Argentina) Pedro Federico Hooft (Argentina)
Ética profissional e a rapidez dos avanços tecnológicos Biodireito: em defesa do conceito
Ruth Chadwick (UK) Maria Celeste Cordeiro dos Santos (OAB/Brasil)
Uma visão internacional sobre a questão
15. Pluralismo moral e fundamentação religiosa Christian Byk (França)
Religião e violência
Alastair Campbell (UK)
Pluralismo moral e santidade da vida humana
H. T. Engelhardt Jr. (USA) SESSÕES SIMULTÂNEAS – APRESENTAÇÃO
Bioética na perspectiva da Teologia da Libertação TRABALHOS ENVIADOS (TARDE)
Márcio Fabri dos Anjos (Brasil) No último dia, o Congresso termina às 13:00
De 31/10 a 02/11– QUINTA-FEIRA a SÁBADO
16. Doação e transplantes de órgãos 15:30 - 16:00 INTERVALO
O conceito de morte 16:00 - 18:20 Sessões simultâneas
Calixto Machado (Cuba) (TRABALHOS ENVIADOS)

Cadernos
12 de Ética em
Pesquisa
Painel

Efeitos adversos

ublicada pelo Journal comercialização proibida, além de Várias drogas de amplo espec-
P of the American
analisar a Physician’s Desk Refe-
rence, um banco de dados com
tro foram retiradas do mercado
pela agências reguladoras nos úl-
Medical Association, uma alertas sobre efeitos colaterais. timos anos. Um dos medicamen-
Os pesquisadores calcularam tos, o anti-histamínico Seldane
pesquisa realizada no
que um medicamento lançado (terfenadina), conhecido como
Hospital Cambridge e na recentemente tem 20% de chance Teldane no Brasil, ficou quase 13
Escola de Medicina de de ser retirado do mercado ou anos no mercado antes de ter a
de produzir efeitos colaterais des- venda proibida em 1998. O
Harvard, em conhecidos durante um período cisapride, droga para tratar distúr-
Massachusetts, revela que de 25 anos. Um dos dados para bios gastrointestinais, ficou dispo-
20% dos medicamentos se chegar a essa conclusão foi que nível por mais de seis anos. Am-
durante o período do estudo, bos foram retirados de circulação
apresentam problemas 10% das drogas recentes haviam porque os pesquisadores verifica-
depois de liberados para registrado novos efeitos colaterais ram elevadas taxas de toxicidade
ou foram retiradas do mercado, cardíaca associadas ao uso.
comercialização
sendo que metade desses eventos A coordenadora do estudo dis-
ocorreu até sete anos depois que se que menos de uma em cada
entraram no mercado. dez reações adversas são informa-
A segurança dos novos medi- O impacto dos efeitos cola- das ao FDA, e que o problema
camentos não pode ser totalmen- terais pode ter sido grande, pois pode ser muito maior do que o
te conhecida até que a droga es- cerca de 20 milhões de norte- identificado. Para karen Lasser,
teja no mercado por vários anos. americanos tomaram um ou mais os medicamentos retirados do
Cerca de um quinto de todos os dos cinco medicamentos que fo- mercado ou que provocaram
medicamentos novos vendidos ram tirados de circulação duran- efeitos colaterais após a aprova-
sob prescrição médica produzem te o período da pesquisa. ção não foram avaliados de ma-
efeitos adversos potencialmente Os pesquisadores descobriram neira apropriada.
prejudiciais. Estas são as conclu- que 56 das 548 novas drogas apro- Os estudos sobre a segurança
sões de estudo da equipe de vadas pelo FDA num período de e eficácia das drogas (fases II e
Karen E. Lasser, do Hospital 25 anos receberam posteriormen- III), que são realizados antes da
Cambridge e da Escola de Me- te alertas de segurança (“tarjas pre- aprovação, podem estar usando
dicina de Harvard, em Massa- tas”), ou foram retiradas do mer- um número insuficiente de pa-
chusetts, EUA. cado, por causa de possíveis efei- cientes para detectar todos os
A pesquisa, publicada em tos colaterais perigosos ou sobre possíveis efeitos adversos. Além
maio de 2002 no Journal of the interações medicamentosas. Foram disso, os novos medicamentos
American Medical Association observadas ainda 81 alterações im- são testados primeiramente num
(JAMA), avaliou 548 drogas portantes de rótulo. Desde 1993, número relativamente reduzido
que foram aprovadas e comer- sete drogas aprovadas e depois re- de usuários, geralmente homens.
cializadas entre 1975 e 1999. O tiradas do mercado podem ter Somente quando as drogas são
Cadernos
trabalho investigou ainda todos contribuído para a morte de mais comercializados para a população de Ética em 13
os medicamentos que tiveram a de mil pessoas. como um todo, sendo então Pesquisa


consumidos por um grande nú- sempre grátis. E agora que a Food sam prescrevê-los com 100% de
mero de mulheres, de crianças e and Drug Administration (FDA) segurança. Completam que mui-
de idosos é que os seus efeitos levantou as suas restrições em re- tas drogas passaram a ter tarja
colaterais mais graves aparecem. lação à propaganda direta, o pú- preta após novas descobertas e
No trabalho, a equipe reco- blico também está sendo assedia- que a tendência no desenvolvi-
mendou que os médicos não do por campanhas de anúncios mento de novas drogas é a dimi-
substituam os medicamentos nos jornais, nas revistas e na TV. nuição de feitos severos.
mais antigos – desde que este- Portanto, de certa forma, me senti Por fim, concordam que os
jam disponíveis e tenham eficá- confortado na minha atitude pelo estudos clínicos não conseguem
cia igual à dos mais recentes – por estudo a respeito da ocorrência de identificar todos os efeitos
drogas mais novas. problemas de segurança associa- colaterais, o que só é possível
Em artigo publicado na revista dos “as novas drogas”. após o consumo da droga em
Time, em 6 de maio de 2002, o larga escala, por grande número
neurocirurgião e correspondente Respostas de pessoas.
para assuntos médicos da CNN, Na mesma edição do JAMA Já a Associação das Indústrias
Sanjay Gupta, comenta a impor- que apresenta o estudo, editorial Farmacêuticas dos EUA conside-
tância da pesquisa: “O lançamen- assinado pelos funcionários do rou o estudo da Harvard Uni-
to de um novo remédio represen- FDA, Robert J. Temple e Martin versity ‘‘desinformado e distor-
ta um grande negócio no mun- H. Himmel, argumentou que a cido’’. A Associação é conheci-
do da medicina. A companhia que pesquisa exagerou os riscos as- da pela sua pressão ao FDA e pelo
o fabricou fará de tudo para pro- sociados aos novos medicamen- seu poderoso lobby junto aos
vocar um grande estardalhaço em tos. Segundo eles, mesmo os médicos. Um exemplo desse
torno dele. A Bolsa de Valores medicamentos disponíveis há lobby é pesquisa recente que re-
reagirá às notícias que foram anos no mercado podem apre- vela que 60% dos oncologistas
publicadas. Os médicos serão sentar efeitos colaterais, e é im- americanos consideram muito
submersos por quantidades de possível determinar um período lento o processo de liberação de
amostras e de caixas para testes exato para que os médicos pos- novas drogas pelo FDA.

Medicamentos “mascarados”
Outra pesquisa divulgada em década pelo FDA teriam substân- 1989 e 2000, apenas 153 eram
maio de 2002, realizada por um cias químicas novas e represen- classificados como “medicamen-
instituto ligado a planos privados tariam um significativo avanço tos prioritários”, aqueles que ga-
de saúde dos EUA, revelou que em relação a produtos mais an- rantem uma significativa melho-
apenas 15 por cento dos medi- tigos. De um total de 1.035 dro- ra na saúde, se comparados com
camentos aprovados na última gas que o FDA aprovou entre os tratamentos existentes.

Cadernos Fontes:
14 de Ética em The Journal of the American Medical Association 2002; 287:2215-2220, 2273-2275.
Pesquisa Revista Time (6 de maio de 2002); Agência Reuters: www.reutershealth.com; Jornal New York Times
Painel

Minorias são excluídas de ensaios

s negros e integrantes dos brancos de participar de tes- crutamento de populações mar-


O de outras minorias
tes de novos tratamentos e, con-
seqüentemente, a metade das
ginalizadas. Os autores do estu-
do também apontam o fato de
étnicas nos EUA, apesar de chances de ser tratados com me- que os membros das minorias ét-
representarem importante dicamentos potencialmente ino- nicas, particularmente os negros,
vadores. O estudo foi coordena- são historicamente sujeitos de
parcela da população do por Allen L. Gifford, profes- pesquisas médicas – um legado
infectada pelo HIV, são sor adjunto de medicina da Uni- do notório experimento Tuske-
versidade da Califórnia, res- gee, no qual negros pobres nos
discriminados ou estão sub-
ponsável pelo serviço de saúde de campos do Alabama eram deixa-
representados nos ensaios Aids de San Diego. Gifford e dos sem tratamento para a sífilis.
clínicos que testam novos seus colegas basearam sua análi- Isso faz com que parte dessa po-
se em uma amostra representati- pulação tenha receio em partici-
medicamentos anti-Aids.
va nacional de 2.864 pacientes par de ensaios clínicos.
Essa é a conclusão de um que já estavam recebendo trata-
estudo realizado por equipe mento para a Aids entre 1996 e Resposta
1998. Eles examinaram os pron- De acordo com o Centro para
de pesquisadores da tuários médicos dos pacientes e Controle de Doenças e Preven-
Califórnia, divulgado no New os entrevistaram em três ocasiões. ção (CDC), em dezembro de
England Journal of Os pesquisadores descobriram 2000, os brancos correspondiam
que 14% dos adultos infectados a 43% dos americanos diagnos-
Medicine, em maio de pelo HIV que receberam trata- ticados com Aids, os negros
2002. mento médico nos EUA haviam correspondiam a 38% e os hispâ-
participado do teste para um nicos a 18%.
medicamento durante o período Especialistas do Instituto Na-
do estudo. Descobriram ainda cional de Saúde (NIH) afirmam
que as disparidades são reais mes- que a constituição étnica dos tes-
mo quando a posição sócio-eco- tes clínicos reflete em parte essas
nômica e o fato do paciente ter porcentagens. Também afirmam
seguro-saúde são levados em que o estudo da Califórnia está
consideração. Um fator secundá- desatualizado, pois foi baseado
rio também influencia a partici- em entrevistas com pacientes fei-
pação nos testes clínicos. Os pa- tas entre 1996 e 1998.
cientes que vivem próximos aos “Muita coisa mudou nos últi-
hospitais que abrigam os testes mos quatro anos”, disse Jo-
clínicos têm maior chance de se- nathan Kagan, chefe do progra-
A abrangente análise envolven- rem escolhidos. ma de Aids do instituto. Kagan
do tratamentos para o HIV Dentre as explicações possíveis diz que os especilialistas vêm se
aponta que afro-americanos e para as disparidades raciais, está esforçando para trazer mais pa-
Cadernos
hispânicos nos EUA têm prati- o preconceito dos pesquisadores, cientes de minorias para ensaios de Ética em 15
camente a metade das chances que evitam propositalmente o re- clínicos com novas drogas. Pesquisa


Resultados de pesquisas
são divulgadas antes da hora
A pesquisadora Lisa Schwartz, tratamentos inúteis, ou até
de um centro médico de Ver- mesmo prejudiciais,” concluiu a
mont, em artigo no JAMA, em pesquisadora.
maio de 2002, apresentou da- Mais de um terço das 147
dos de uma avaliação de 147 apresentações não envolviam
pesquisas divulgadas em cinco estudos em humanos, em ani-
grandes encontros científicos mais ou nem mesmo de labora-
em 1998. Mais de um quarto tório. Três anos depois, somen-
gerou notícias de primeira pági- te metade das pesquisas que
na em pelo menos um jornal de geraram cobertura da impren-
grande circulação. sa terminou sendo publicada em
“Frequentemente as apresen- um dos principais jornais médi-
tações representam um traba- cos. Um quarto ganhou menos
lho em andamento. Infelizmen- destaque nos informativos mé-
te, muitos projetos não sobre- dicos e outro quarto nem che-
vivem às primeiras promessas; gou a ser publicada.
em alguns casos, aparecem fa- Schwartz chama atenção
lhas fatais,” escreveu Schwartz. para que pesquisadores e re-
A CONEP recomenda que, “A cobertura da imprensa pórteres enfatizem limitações e
tendo em vista frequentes re- nestes primeiros estágios pode a natureza preliminar de alguns
ferências a pesquisas em seres dar ao público a falsa impres- estudos. O artigo diz, por fim,
humanos nos veículos de co- são de que os dados na verda- que o exagero da importância
municação, o CEP oriente aos de estão maduros, os métodos de algumas notícias por repór-
pesquisadores no sentido de estão válidos e os achados, acei- teres mal orientados, a falta de
assinalarem que os projetos tos em grande escala. Como divulgação das desvantagens
estão aprovados pelo CEP da consequência, os pacientes po- dos estudos e o financiamento
instituição (e CONEP, quan- dem ser induzidos a falsa espe- da indústria podem interferir
do for o caso), evitando que rança ou ansiedade, a procurar nos resultados.
sejam referidos projetos ainda The Journal of the American Medical Association 2002;287:2853-2856
não aprovados. Agência Reuters: www.reutershealth.com

Cadernos Fonte:
16 de Ética em New England Journal of Medicine (1º de maio de 2002).
Pesquisa The Washington Post e The New York Times ( 2 de maio de 2002)
Mundo

Avaliação contínua: o modelo canadense


Por Claudio Lorenzo

instauração dos Comitês de apresentada nos mais recentes do- Segundo a autora, termos como Claudio Lorenzo
A Ética em Pesquisa e a exi-
gência de aprovação dos proto-
cumentos internacionais de re-
gulação ética da pesquisa. Entre
fiscalização ética, monitorização
ética ou seguimento ético (do in-
é doutorando em
Ética Aplicada à
Pesquisa,
colos pelos mesmos no Brasil e as transformações, citaríamos as glês Ethical Monitoring), pare- Programa de
no mundo, guardam uma histó- seguintes: no plano do financia- cem instalar um sentido de des- Ciências Clínicas,
ria que não caberia aqui re- mento, a crescente supremacia confiança em relação ao pesqui- Universidade de
lembrar. Entretanto, vale ressal- dos investimentos privados em re- sador e dão a esta prática um ca- Sherbrooke,
Québec, Canadá.
tar que a criação dos CEP mar- lação aos estatais, gerando proble- ráter policialesco, o que viria a claudio.fortes
cou a necessidade evidente de mas na definição das prioridades gerar reações tão fortes quanto as @courrier.
uma passagem da autoregulação de pesquisa; no plano da relação que chegam a questionar a auto- usherb.ca
ética do pesquisador para o de direta com o pesquisador, as pres- ridade intelectual e mesmo moral
controle social sobre a pesquisa sões mantidas sobre ele para a ob- dos CEP para fazê-lo. Para Healt, * Este trabalho
foi realizado com
envolvendo seres humanos. Daí, tenção de recursos e comprova- o termo avaliação ética contínua auxílio do CNPq.
sua composição interdisciplinar e ção de produtividade; no plano seria melhor aceito. Propõe
a exigência de um representante da competição de mercado da in- sistematizá-lo como obrigações e
do público entre seus membros. dústria farmacêutica, a expansão papéis do pesquisador, dividindo-
Passadas as primeiras reações de práticas como pagamento do o em quatro categorias: apresen-
que entendiam o envio dos pro- pesquisador por cada sujeito de tação de proposta de avaliação
tocolos de pesquisa aos CEP pesquisa incluído, o pagamento ética contínua pelo próprio pes-
como apenas mais um procedi- dos próprios sujeitos de pesqui- quisador; avaliação do processo de
mento burocrático que aumen- sa, além de vantagens financeiras obtenção do consentimento; ava-
tava e atrasava o trabalho do pes- para instituições e revistas de pes- liação da adesão ao protocolo
quisador, a necessidade de con- quisa. Finalmente, no plano aprovado e avaliação das ativida-
trole social da pesquisa, parece metodólogico, a tendência atual des não aprovadas que forem
começar a ser absorvida. Um es- de grandes ensaios clínicos multi- identificadas.
tudo recente sobre a percepção cêntricos, envolvendo vários paí- A Resolução 196/96 faz men-
do pesquisador, mostrou que ses com as mais diversas situações ção a um processo de avaliação
apenas 10% deles consideravam socio-político-econômicas, mui- contínua no seu Capítulo VII
esta prática inadequada1. tas vezes sem instituições organi- sobre as atribuições do CEP, no
No entanto, as mais recentes zadas para um controle ético das parágrafo 13. Ali se encontra:
transformações no universo da pesquisas2,3,4. O objetivo da avalia- “Acompanhar o desenvolvimen-
pesquisa biomédica vêm criando ção ética contínua seria então ga- to dos projetos através dos rela-
graves conflitos de interesses que rantir que a pesquisa esteja sendo tórios anuais dos pesquisadores”.
apontam agora para a necessida- conduzida nas bases em que foi Assim sendo, esta avaliação en-
de de um acompanhamento éti- aprovada pelo CEP, ou pela Co- contra-se aqui, de certa forma,
co contínuo dos projetos em an- missão Nacional de Ética em Pes- submetida ainda quase que exclu-
damento. Essas transformações quisa. sivamente à autoregulação ética
seriam, para alguns autores, res- O trabalho de Healt, citado por do pesquisador, uma vez que o
ponsáveis, entre outras coisas, pela Bergeron1, busca uma sistemati- instrumento principal do controle
Cadernos
maior preocupação com popula- zação desse processo e começa por depende da qualidade e veracida- de Ética em 17
ções socialmente vulneráveis, discutir um entrave semântico. de das informações prestadas pelo Pesquisa


“Transformações mesmo. A resolução 251/97 Guidelines, se reuniu aos outros
para a área Temática de novos dois maiores conselhos subven-
no universo da fármacos é mais detalhada sobre cionários de pesquisa no Cana-
a avaliação ética contínua. Ela dá, Conselho de Pesquisas Na-
pesquisa
prevê relatórios no mínimo se- turais e em Engenharia do Ca-
biomédica vêm mestrais e procedimentos mais nadá e Conselho de Pesquisas em
ativos, como acesso direto a da- Ciências Humanas do Canadá
criando graves dos da pesquisa e convocação de para publicar, em agosto de
conflitos de sujeitos de pesquisa para avalia- 1998, o Tri-Council Policy
ção e seguimento. Assim sendo, Statement – Ethical Conduct for
interesses que o papel de controle social ineren- Research Involving Humans 8.
apontam para a te aos CEPs fica mais evidente Suas normas entraram em vigor
nesta resolução complementar. um ano depois. A regulamenta-
necessidade de Apesar do reconhecimento in- ção ética passou a ter uma maior
acompanhamento ternacional do Canadá em pro- abrangência, uma vez que reco-
dução intelectual e desenvolvi- nhecia pesquisas envolvendo o
ético contínuo dos mento humano, o intercâmbio ambiente e o domínio socio-
projetos.” com o Brasil na área de Ética em politíco como potenciais causa-
Pesquisa não parece claramente doras de risco humano, norma-
definido. As tendências em nos- tizando-as em conjunto.
sas publicações em Bioética pare- O Guidelines de 19877 apre-
cem polarizadas entre as escolas sentava, entre os procedimentos
da Europa e dos Estados Unidos, práticos propostos como obriga-
com uma clara tendência para a ções dos Comitês de Ética, o
última5,6. A Resolução 196/96 continuos monitoring ou, na ver-
cita entre as referências para sua são francesa, a surveillance per-
elaboração o documento cana- manentes. Para o Guidelines ca-
dense Guidelines on Research beria aos CEPs determinarem os
Involving Humain Subjects, pu- meios e a periodicidade desta fis-
blicado em 1987 7. Desde esta calização na dependência dos ris-
data, as regulamentações éticas cos envolvidos, estabelecendo o
para pesquisas com seres huma- mínimo de um relatório anual.
nos sofreram várias alterações no Chega a sugerir a possibilidade
Canadá, tanto no plano institu- de outros pesquisadores eleitos
cional, quanto no conteúdo como fiscalizadores para visitas
normativo, trazendo portanto cla- periódicas aos centros de pesqui-
ras implicações para a questão da sa e acesso direto aos dados, mas
avaliação ética contínua. não sistematiza ações. Na conclu-
Em de 1995, o Conselho de são deste sub-capítulo é comen-
Cadernos
18 de Ética em Pesquisas Médicas do Canadá, tada a questão dos custos mate-
Pesquisa responsável pela publicação do riais e humanos para a fiscaliza-
“O grau de ção contínua, os quais deveriam da à uma continua observação
ser assumidos pelas instituições ética, onde o rigor é determina-
dificuldade parece financiadoras das pesquisas. Co- do pela natureza da mesma. De-
menta-se também a necessidade termina que ao menos um rela-
envolver todo o
de atenção especial, uma vez que tório anual deve ser apresentado,
mundo, para que este procedimento seria um po- quando a pesquisa for conside-
tencial gerador de tensões entre rada sem riscos ou de risco míni-
se ponha em colegas e instituições, além de mo (risco semelhante ao do co-
prática oferecer riscos de infrações à re- tidiano para sujeitos saudáveis e
gras de confidencialidade e mes- semelhante ao já conhecidos para
procedimentos mo prejuízos metodológicos por a enfermidade em sujeitos doen-
eficazes de manuseio de informações. tes). O documento sistematiza
Onze anos depois, o Tri- ainda cinco procedimentos que
avaliação de Council Policy Statement traz um poderiam ser usados pelos CEPs
pesquisas em tratamento diferente à questão, para por em prática a avaliação
demonstrando o resultado do ética contínua, deixando-os livres
andamento.” processo de discussão que se se- e aos pesquisadores a proposição
guiu no curso deste tempo. Per- de outros métodos a serem ana-
maneceu a compreensão da ava- lisados. São eles:
liação ética contínua como ins- ✔ Exame formal do processo
trumento de controle social, mas, de obtenção do consentimento;
uma maior atenção voltou a ser ✔ A formação nas instituições
dada à autoregulação ética do de um comitê de proteção a su-
pesquisador, já que entre os pro- jeitos de pesquisa;
cedimentos indica que os pes- ✔ Exame periódico, feito por
quisadores devem apresentar si- uma terceira pessoa, dos docu-
multaneamente sugestões para o mentos gerados pela pesquisa;
método de avaliação ética contí- ✔ Análise dos relatórios dos
nua e que este pode ser aceito eventos externos desfavoráveis ao
pelo CEP. Fica claro desta for- andamento do projeto;
ma uma tendência de maior diá- ✔ Verificação, por sorteio, do
logo entre as partes e um enten- processo de obtenção do consen-
dimento de responsabilidades timento livre e esclarecido.
divididas. A sua norma 1.13, que Ao final da exposição, o docu-
dispõe sobre o tema, tem como mento argumenta que a avalia-
título: Évaluation des projets en ção deve ser vista como uma res-
cours, mostrando, desde aí, a pre- ponsabilidade coletiva no interes-
ocupação em usar uma termi- se da comunidade e propõe aos
nologia menos conflituosa. Nela, estabelecimentos investirem na
Cadernos
o documento determina que formação ética dos pesquisado- de Ética em 19
toda pesquisa deve ser submeti- res, convidando-os a participar de Pesquisa


ateliês de treinamento e outras “Na realidade
atividades educativas. A questão
dos custos não é abordada. brasileira, as
Passando do universo norma-
responsabilidades
tivo para o universo da prática, o
que se tem observado é que uma coletivas dos
avaliação ética contínua implica
em custos talvez ainda maiores
CEPs e dos
que os necessários à implantação pesquisadores
dos CEPs e à avaliação inicial dos
projetos. As responsabilidades
tornam-se ainda
por estes encargos não são de maiores.”
fácil definição, nem de fácil co-
brança. Talvez daí a omissão da le chegam a mesma conclusão: “a
responsabilidade dos custos no fiscalização, monitoramento, ou
documento atual. Entre os pro- avaliação contínua de projetos de
cedimentos mais utilizados no pesquisa, se existe, não são reali-
momento pelo Canadá para a zados, se não, em sua forma mí-
avaliação ética contínua, encon- nima.”
tram-se1: a determinação de re- Podemos notar, a partir da ex-
latórios periódicos em função periência do Canadá, o grau de
dos riscos implicados, que têm dificuldade que parece envolver
variado de três meses há um ano; todo o mundo para que se po-
a disponibilização dos CEPs para nha em prática procedimentos
recebimento de queixas, ou cri- eficazes de avaliação ética contí-
ação de um escritório específico nua de pesquisas em andamen-
para o propósito; e divulgação de to. Vale observar no entanto, que
informação nos centros de pes- as diferenças sócio-culturais en-
quisa aos potenciais sujeitos de tre países como Brasil e Canadá
experimentação. desempenham um papel funda-
Ainda na revisão apresentada mental neste debate. O Canadá
por Bergeron1, ele afirma, que é atualmente o primeiro país do
apesar de todo o debate para a mundo em índíce de desenvol-
racionalização de medidas, ape- vimento humano. Sua taxa de
sar de todas as normas e suges- analfabetismo é virtualmente
tões de métodos propostos pe- zero e a população tem garanti-
los diversos setores envolvidos da, pelo governo, educação gra-
com pesquisa em seres humanos, tuita até o segundo grau com-
todos os trabalhos realizados até pleto, com vaga para todos. Essa
Cadernos
20 de Ética em o momento com o intuito de realidade faz com que procedi-
Pesquisa verificar a eficiência desse contro- mentos de avaliação ética contí-
“A recente nua que necessitam de uma
maior participação do cidadão,
mobilização da como o registro de queixas nos
CEPs ou escritórios de proteção
sociedade
a sujeitos de pesquisa possam, ao
brasileira para a menos potencialmente, funcio-
nar de maneira razoável, ainda
ética na pesquisa que não estejam em curso pro-
mostra que já cedimentos mais ativos como
análises de dados por consulto-
compreendemos res eleitos, ou verificação in loco
a magnitude do do procedimento de obtenção
do consentimento.
problema e a Na realidade brasileira em que,
importância do na maioria das capitais, as taxas de
Referências:
indivíduos com o curso primário
exercício de um 1- Bergeron M La surveillance éthique
incompleto está em torno de 40%, continue: autorégulation ou contrôle so-
controle social.” torna-se difícil uma avaliação éti- cial? Éthique Publique 2(2) : 81-8,2000
ca contínua que dependa da com- 2- De Castro LD Explotation in the use
of human subjects for medical experi-
preensão dos riscos e do reconhe- mentation: A re-examination of basic
cimento de direitos pelo cidadão. issues Bioethics 9(3/4) : 259-68,1995
Assim sendo, as responsabilidades 3- Gottlieb S Medical societies accused
coletivas dos CEPs e dos pesqui- of being beholden to the drugs industry
BMJ 319(20) : 1321, 2001
sadores tornam-se ainda maiores,
4- Schüklenk U Protecting the vulnerable:
e a necessidade de implementar testing times for clinical research ethics
procedimentos eficazes para ava- Social Science & Medicine 51 : 969-78,
liação ética contínua ainda mais 2000
5- Lorenzo C, Azevêdo E. Bioethics
prementes.
publications in Brazil. A study of topic
A recente mobilização da socie- preferences and tendences. Eubios Journal
dade brasileira para a ética na of International Bioethics. 8 : 148-50, 1998
pesquisa, seja através das suas ins- 6- Lorenzo C, Estudo da Atuação da Bio-
ética no Brasil e de sua Aplicabilidade a
tituições competentes, seja atra- uma Realidade Brasileira. Dissertação de
vés da comunidade científica, e Mestrado apresentada a câmara de Pós-
de setores organizados da socie- Graduação da UFBA.
dade civil, mostra que já com- 7- Conseil de Recherches Médicales du
Canada. Lignes Directrices Concernant la
preendemos a magnitude do Recherche sur Sujets Humains, 1987
problema e a importância do 8- Medical Research Council of Canada,
exercício de um controle social Natural Sciences and Engineering Re-
search Council of Canada, Social Sciences
sobre as práticas de pesquisa que
and Humanities Research Council of Cadernos
possam envolver o ser humano e Canada. Ethical Conduct for Research de Ética em 21
seu ambiente. Involving Humans, 1998 Pesquisa
Análise

Mulheres e clonagem
Por Alejandra Rotania*

Alejandra os últimos cinqüenta anos, ção genética hereditária humana


Rotania
é coordenadora-
executiva do Ser
N o processo de consolidação
mundial do campo dos direitos
e inclui vários anexos relativos às
posições tomadas por diferentes
“A ética deve
abraçar a
humanos, as expressões de repú- setores representativos da socie-
Mulher, filiada à responsabilidade
Rede Nacional dio aos autoritarismos e funda- dade. Ambos eventos tecno-cien-
Feminista de mentalismos e a luta pela imple- tíficos estão sendo criticamente com o futuro, a
Saúde e Direitos mentação de processos democrá- avaliados por estes setores e há,
Reprodutivos,
ticos de participação e organiza- segundo o documento citado,
permanência da
membro da
CONEP, ção social vêm configurando, não uma crescente oposição por par- identidade e da
representante de sem entraves e conflitos, a expres- te não só de cientistas, médicos e
usuários. são dos cidadãos e cidadãs do especialistas, mas também de re-
dignidade
mundo no que diz respeito aos presentantes do setor de saúde humana.”
eventos fundamentais da vida hu- pública, formadores de opinião,
mana e ao avanço do conheci- lideranças dos movimentos sociais
mento. Neste sentido, a proble- de defesa dos direitos humanos,
mática do vertiginoso progresso dos que lutam contra a discrimi-
das biotecnologias a partir da se- nação, o racismo e a eugenia, das
gunda metade do século XX e feministas, dos ambientalistas, dos
seus impactos, tende a sair do grupos de defesa dos direitos das
campo reduzido da competência pessoas portadoras de necessida-
científica e política e a fazer par- des especiais, das comunidades re-
te da pauta de preocupações da ligiosas e outro, à medida que se
sociedade civil. conscientizam dos perigos e dile-
O Center of Genetics and Society mas que as novas tecnologias re-
(info@genetics-and-society.org) é presentam quando contextua- O documento incorpora um
uma organização da sociedade ci- lizadas em determinada ideologia anexo intitulado A clonagem hu-
vil sediada em San Francisco, científica e modelo econômico. mana e a modificação genética
California, que trabalha no senti- Os argumentos são de fundo va- como questões relativas a mulhe-
do de alertar e informar aos res- riado e as fundamentações apon- res e crianças, que, entre outras
ponsáveis pelas políticas públicas tam razões de cunho religioso, considerações, denuncia o dis-
e à sociedade em geral sobre as filosófico, cultural, com base nos curso que se apropria do concei-
implicações das novas tecnologias princípios de igualdade, autono- to de direitos reprodutivos cu-
genéticas aplicadas ao ser huma- mia, não-discriminação, justiça nhado historicamente na pers-
no e sobre as ações necessárias à social, dignidade humana, direi- pectiva feminista e aponta para o
prevenção do uso indevido das tos humanos. Contudo, há con- perigo destas tecnologias exacer-
mesmas. Em 2001 elaborou um senso básico para propor: a) proi- barem a mercantilização das
documento intitulado The Case bições nacionais e globais da crianças, do material biológico/
Against Human Cloning and clonagem humana e da modifi- genético e da procriação huma-
Inheritable Genetic Modification, cação genética hereditária e b) a na e conduzirem à instrumen-
Cadernos
22 de Ética em que informa sobre os aspectos téc- regulamentação responsável e efe- talização das mulheres.
Pesquisa nicos da clonagem e da modifica- tiva das biotecnologias. Nos EUA, o Council for Res-
ponsible Genetics (CRG – www. na década de 80). O abaixo- as- “O
gene-watch.org), pronunciou-se sinado convoca o Congresso a
contra a manipulação germline banir de forma efetiva a clonagem desenvolvimento
humana (termo que se refere às com vistas à criação de seres hu-
científico e
células “germinais”ou “germi- manos. Considera que atitudes
nativas”, i.e., óvulos e esperma- permissivas neste sentido condu- tecnológico
tozóides). Esta entidade desem- zem ao tratamento de humanos
penhou papel fundamental na como objeto e mercadoria vio-
contemporâneo,
definição e promoção de uma lando os fundamentos básicos da sua natureza, sua
agenda para a discussão pública dignidade humana. Propõe uma
da biotecnologia, desde a sua moratória de cinco anos para o
dinâmica e seus
fundação em l983. Na Inglater- uso da clonagem com vistas à significados
ra, A Campaign Against Human criação de embriões humanos
Genetic Engineering (CAHGE) para pesquisa (stem cells) defen- devem fazer parte
(www.users.globalnet.co.uk/ dendo a pesquisa que contribui- da pauta de
cahge) foi lançada em 1998 com rá para determinar se as células-
o objetivo de trazer tanto a pes- tronco têm efetivamente efeitos discussões
quisa genética quanto sua apli- terapêuticos. No Brasil, o Ser amplas,
cação para o controle social de- Mulher – Centro de Estudos e
mocrático. Ação da Mulher do estado do Rio multisetoriais e
No campo feminista, em junho de Janeiro, (sermulher@netflash. democráticas.”
de 2001, o Boston Women’s com.br), ONG feminista que atua
Health Book Collective (entida- na área de saúde da mulher, re-
de responsável pela publicação digiu um pronunciamento sobre
do histórico livro Our Bodies, esta matéria que recebeu apoio significados econômicos, sociais,
Ourselves for the New Century, da Rede Mundial de Mulheres políticos e morais devem fazer
uma entidade americana reco- pelos Direitos Reprodutivos parte da pauta de discussões am-
nhecida mundialmente dedicada (Amsterdã, Holanda) e do pró- plas , multisetoriais e democráti-
ao trabalho na área da saúde, vei- prio Boston Women’s Health cas e de ações concretas de con-
culou um manifesto sobre a Book Collective e de outras enti- trole social da sociedade civil or-
clonagem humana por ocasião dades e pessoas físicas. O teor des- ganizada.
do Congresso americano estar tes documentos consiste em ne- Um dos grandes desafios da
em vias de analisar legislação so- gar que a clonagem e outras contemporaneidade é que hoje,
bre a matéria. Uma primeira ini- biotecnologias de ponta de risco como nunca, a ética deve abra-
ciativa feminista neste campo de na área da reprodução humana e çar a responsabilidade com o fu-
tomada de posição sobre as ex- da genética signifiquem amplia- turo humano e a permanência da
periências de clonagem e da en- ção dos direitos reprodutivos das identidade e dignidade humanas.
genharia genética nos últimos mulheres. O processo de ampliação da dis-
anos (outras iniciativas interna- O desenvolvimento científico cussão social sobre a ciência e a
Cadernos
cionais pioneiras tinham se ex- e tecnológico contemporâneo, tecnologia da vida vem lenta- de Ética em 23
pressado de modo visionário já sua natureza, sua dinâmica e seus mente se configurando no Bra- Pesquisa


“É preciso sil a partir de diversos fóruns e
instâncias institucionais apresen-
provocar tando, contudo, uma morosida-
de significativa em relação à ver-
mudanças no
tiginosa sucessão de eventos
enfoque tecno-científicos, grandes lacunas
em termos de ampliação da base
hegemônico social crítica e participativa e da
especializado da incorporação da problemática à
pauta das ações de controle so-
questão ética, da cial. É preciso provocar mudan-
ciência e da ças no enfoque hegemônico es-
pecializado da questão ética, da
tecnologia, ciência e da tecnologia, estimu-
estimulando a lando a compreensão adequada
de problemáticas inéditas e a ação
compreensão de responsável e cidadã da socieda-
problemas de. Segundo Jacques Testart,
diretor de pesquisas no Institut
inéditos e a ação National de la Santé et de la
responsável e Recherche Medicale (Inserm) e
presidente da Commission Fran-
cidadã da çaise du Développement Du-
rable, pai do primeiro bebê de
sociedade.”
proveta da França, ... “os peritos
examinam os riscos potenciais de
uma nova tecnologia, essencial-
mente em relação à saúde huma-
na e ao ambiente, e os resulta-
dos desta perícia constituem, em
seguida, a base concreta sobre a
qual se fundamentará a decisão
política. Entre a ciência e a lei,
nada, ou muito pouco. Os cida-
dãos, em nome dos quais se de-
veria introduzir a inovação em
questão, ficam à margem: são o
elo que falta no dispositivo”.
Cadernos
24 de Ética em
Pesquisa
Fundamentos

O protocolo de pesquisa
Por Leonard M. Martin

res humanos: cada pesquisa deve Leonard M.


O protocolo de pesquisa é um
conjunto de documentos
que o pesquisador prepara como
ser formulada num protocolo de
pesquisa e submetido a um co-
ganizar sua proposta de trabalho
de tal forma que ele mesmo pode
avaliar a cientificidade daquilo
Martin é
professor titular
de Ética,
parte do processo de elaboração mitê de ética independente do que propõe realizar, como tam- Universidade
do seu projeto de pesquisa. A pesquisador (B.13). bém sua eticidade. Em segundo Estadual do
preparação deste material tem O protocolo de pesquisa assim lugar, permite que o comitê de Ceará – UECE,
uma dimensão burocrática, o que exigido visa garantir duas coisas ética em pesquisa desempenhe Fortaleza-CE,
membro da
pode provocar um certo descon- ao mesmo tempo: a cientificidade sua função de controle social, CONEP,
tentamento por parte do pesqui- da pesquisa e sua eticidade. Em tendo a seu dispor um texto cla- presidente do
sador, que sente que está perden- relação à cientificidade, a Decla- ro, organizado e avaliável. Comitê de Ética
do tempo valioso juntando do- ração exige que o protocolo O nível da pesquisa não impor- em Pesquisa da
cumentos que, à primeira vista, explicite o desenho e os proce- ta. Trabalhos de conclusão de gra- UECE.
parecem sem maior relevância, e dimentos adotados (B.13) e, duação, de iniciação científica, de
aguardando sua apreciação por também, que a pesquisa seja mestrado e de doutorado, se fo-
parte de um ou mais comitês ou conduzida apenas por pessoas rem pesquisas em seres humanos,
comissões. Esta burocracia, po- cientificamente qualificadas de interesse acadêmico ou opera-
rém, tem sua legitimidade quan- (B.15). Em relação à eticidade, cional, requerem a elaboração de
do mantida dentro de seus devi- o protocolo deve incluir uma um protocolo de pesquisa, como
dos limites e quando está a servi- discussão das questões éticas ine- medida de proteção justamente
ço da cientificidade e da eticidade rentes ao projeto e uma declara- para os seres humanos.
do projeto de pesquisa. ção que ele está de acordo com O recém publicado Manual
A Declaração de Helsinque (de os princípios enunciados na Re- Operacional para Comitês de Éti-
1964, e revisada em 1975, 1983, solução 196/96 do Conselho ca em Pesquisa (Brasília 2002),
1989, 1996 e 2000), dando Nacional de Saúde. baseando-se nas exigências da
continuidade à Declaração de Este protocolo, com os dois Resolução 196/96 do Conselho
Nüremberg (1947) insiste que elementos, deve ser submetido a Nacional de Saúde – item VI, fala
qualquer pesquisa conduzida em um comitê de ética independen- de alguns dos documentos que
seres humanos precisa ser funda- te. Nos Estados Unidos, estes devem ser incluídos no protoco-
mentada cientificamente. Tal comitês assumiram a forma de lo de pesquisa e aponta para sua
pesquisa deve ser de acordo com Institutional Review Boards e, no finalidade.
os princípios científicos comu- Brasil, a forma de Comitês de O primeiro documento indis-
mente aceitos e respaldada pela Ética em Pesquisa. A própria pensável é a Folha de Rosto. Iden-
literatura, por outras fontes de in- Declaração de Helsinque insiste tifica o projeto, o pesquisador res-
formação, por trabalho em labo- que, para sua eficácia maior, es- ponsável, a instituição onde se
ratório e, quando indicado, por tes comitês devem estar de acor- realizará o projeto e o Comitê de
experiências em animais (B.11). do com as leis e regulamentação Ética em Pesquisa responsável
A Declaração de Helsinque acres- do país onde se realizam as ex- pela apreciação do projeto. Esta
centa à esta exigência mais duas periências (B.13). Folha de Rosto inclui o termo de
novas exigências que tiveram O protocolo de pesquisa é um compromisso do pesquisador e da
Cadernos
grande importância histórica no instrumento que permite, em instituição em cumprir a Resolu- de Ética em 25
controle de experiências em se- primeiro lugar, o pesquisador or- ção 196/96 do Conselho Nacio- Pesquisa


“A burocracia é nal de Saúde, devidamente assi- A Resolução 196/96 exige
nado pelo pesquisador e pelo res- que este documento seja em por-
legítima quando ponsável legal da instituição. Além tuguês. O primeiro objetivo des-
de ser um instrumento burocrá- ta exigência é de facilitar a com-
mantida dentro de
tico muito útil para a organiza- preensão do projeto por parte do
limites e quando ção dos arquivos do Comitê de próprio pesquisador e por parte
Ética em Pesquisa e da Comissão dos membros dos CEP que tem
está a serviço da Nacional de Ética em Pesquisa, a tarefa de analisá-lo do ponto
cientificidade e da este é um documento que dá con- de vista da ética. O segundo ob-
sistência jurídica ao projeto, for- jetivo é incentivar, na medida do
eticidade do malizando compromissos que vi- possível, o pesquisador brasilei-
projeto de sam a proteção dos sujeitos de ro a participar ativamente na ela-
pesquisa. boração do desenho do estudo,
pesquisa.” O segundo documento que mesmo havendo participação es-
deve ser incluído no protocolo trangeira, para que o papel do
de pesquisa é o próprio projeto pesquisador nacional não seja
de pesquisa. É através dele que reduzido a simplesmente coletar
os membros do CEP que vão dados e material biológico para
avaliar o projeto tomam conhe- remeter ao exterior sem nenhu-
cimento do tema em estudo, do ma interferência criativa ou ana-
objetivo da pesquisa, da metodo- lítica por parte do pesquisador
logia proposta e dos riscos e be- local e sem nenhuma transferên-
nefícios inerentes nos procedi- cia de tecnologia ou de conheci-
mentos a serem adotados. Estes mentos para o Brasil.
dados são de fundamental im- O terceiro documento a ser in-
portância para o CEP poder ava- cluído no protocolo de pesqui-
liar os aspectos éticos do projeto sa, do ponto de vista ético, tem
e sua adequação metodológica um peso todo especial. É o Ter-
do ponto de vista científica. Há mo de Consentimento Livre e
quem argumenta que não é da Esclarecido. Este texto, em por-
competência do CEP avaliar o tuguês, deve ser elaborado pelo
aspecto científico do projeto, próprio pesquisador em lingua-
mas, é importante ressaltar que a gem simples e acessível, levando
solidez metodológica é em si em consideração a situação con-
uma questão ética. Um projeto creta dos sujeitos de pesquisa es-
de pesquisa que não for cientifi- pecíficos que pretende abordar.
camente bem fundamentado é É importante lembrar que o Ter-
necessariamente anti-ético por mo de Consentimento Livre e
causa dos danos que pode oca- Esclarecido não é apenas um tex-
Cadernos
26 de Ética em sionar aos sujeitos da pesquisa, to jurídico com a assinatura do
Pesquisa entre outros motivos. sujeito de pesquisa afixada. É um
“O protocolo deve instrumento que se usa para fa- talhes como recursos, fontes de
cilitar a comunicação entre pes- financiamento, o destino deste
incluir uma quisador e sujeito de pesquisa no dinheiro e a forma e o valor da
intuito de firmar uma parceria remuneração do pesquisador. Há
discussão das
entre pessoas humanas autôno- pesquisas que envolvem pouco
questões éticas mas. A idéia é envolver o sujeito investimento e nas quais as des-
de pesquisa num processo no pesas correm por conta do pró-
inerentes ao qual toma conhecimento daqui- prio pesquisador, mas há outras
projeto e uma lo que o pesquisador propõe fa- nas quais grandes somas de di-
zer e, à luz deste conhecimento, nheiro são aplicados e nas quais
declaração que toma uma decisão livre de parti- são previstos gastos públicos ao
ele está de cipar ou não na pesquisa, saben- lado de gastos cobertos pela ini-
do plenamente os riscos e bene- ciativa privada. Em ambos os ca-
acordo com os fícios decorrentes da sua partici- sos, o orçamento deve ser apre-
princípios pação. Na visão da Resolução sentado, permitindo transparên-
196/96, o Termo de Consenti- cia e justiça no uso de recursos.
enunciados na mento Livre e Esclarecido não é O quinto documento é a
Declaração de um termo de isenção de respon- curriculum vitae do pesquisador
sabilidade visando proteger o principal e dos demais pesquisa-
Helsinque.” pesquisador contra processos por dores. O motivo desta solicita-
imperícia, imprudência e negli- ção é a verificação da capacidade
gência. Pelo contrário, o Termo técnica do pesquisador para a rea-
de Consentimento visa, em pri- lização daquele pesquisa. Não
meiro lugar, proteger o sujeito precisa ter feito uma pesquisa se-
de pesquisa na sua dignidade e melhante antes, mas precisa mos-
integridade física. É garantindo trar capacidade científica e técni-
que o pesquisador aja eticamen- ca para levar adiante a pesquisa
te em relação às pessoas pesqui- proposta.
sadas que se garante a dignida- Finalizando, podemos afirmar
de, integridade e o bem do pes- que o protocolo de pesquisa,
quisador. embora tendo uma dimensão
O quarto documento que não burocrática acentuada, se justifi-
deve faltar é o orçamento deta- ca por causa dos valores científi-
lhado do projeto, incluindo de- cos e éticos que a serve.

Cadernos
de Ética em 27
Pesquisa
Controvérsia

A questão do consentimento
Por Luis Carlos Silva de Sousa

Luis Carlos questão em torno da pes- entre consentimento e direitos O que torna difícil a questão
Silva de Sousa
é mestre em
Filisofia pela
A quisa com seres humanos
traz consigo uma multiplicidade
humanos (1). Essa rápida incur-
são em torno de um problema
de saber qual a relação entre
“consentimento” e “direitos hu-
Universidade de aspectos. Um desses aspectos tão amplo tem como objetivo manos” ou, mais precisamente,
Federal do Ceará, receberá nossa atenção aqui: o apenas preparar o leitor para o qual a noção de direitos huma-
professor de problema do consentimento. Por cerne de nosso argumento acer- nos pode ser passível de consen-
Filisofia no “problema do consentimento” ca dos limites do consentimento timento, é sobretudo a descon-
Instituto
Teológico-
entenda-se, no contexto que se- (2). Por último, e também de fiança pós-moderna em uma au-
Pastoral do gue, o conjunto de implicações modo sumário, faremos algumas toridade para além da autonomia
Ceará e na éticas advindas da adesão cons- considerações a partir do Códi- dos indivíduos. Em suma: falar
Universidade ciente de indivíduos que se sub- go Brasileiro de Ética Médica, de em direitos humanos, de forma
Estadual do metem a pesquisas médicas. 1988 (3). substancial, seria compatível com
Ceará.
Dito isso, excluímos assim de (I)A sociedade hodierna é bas- um certa concepção hodierna de
nossa análise os casos em que há tante sensível à autonomia dos consentimento, que não reco-
coerção e engano deliberado por indivíduos. Este aspecto é certa- nhece nenhuma autoridade se-
parte dos pesquisadores. Impor- mente resultado de um longo não aquela advinda dos próprios
ta saber aqui, na verdade, se o processo histórico, gestado so- indivíduos envolvidos?
consentimento informado (com bretudo a partir da modernidade. Ora, um consentimento que
o conhecimento, por parte do Essa característica, no que se re- assume já uma perspectiva pós-
paciente, do procedimento, ris- fere ao indivíduo que assume leis moderna, não apenas reconhece
cos e conseqüências) é condição próprias no curso de suas ações, a conquista moderna de valori-
não apenas necessária, mas sufi- é acompanhada por uma cons- zação da autonomia como algo
ciente para autorização de pes- ciência progressiva acerca dos di- incontornável, numa sociedade
quisa médica. Noutras palavras: reitos humanos. cada vez mais pluralista e secu-
se há consentimento informado, O termo “consentimento” lar, mas ainda deve radicalizar tal
então é lícito (ético) submeter o pressupõe aqui “autonomia”. postura no sentido de negar a
paciente à pesquisa, ou podemos Não podemos consentir nada se universalidade dos direitos hu-
reconhecer, ao menos em prin- não somos livres, no sentido de manos. Ao fazê-lo, uma deter-
cípio, casos em que o consenti- possibilitarmos a autorização de minada perspectiva pós-moder-
mento não é suficiente? A ética algo. Se, com efeito, aceitamos na apenas extrai as conseqüências
médica codificada, por exemplo, que um elemento central de nos- de seu princípio de consentimen-
deve assumir o consentimento so conceito de liberdade é preci- to, cuja máxima é a seguinte:
informado como condição sufi- samente a “autonomia”, então “Não faça aos outros aquilo que
ciente para a pesquisa com seres podemos também supor que o eles não fazem consigo mesmo,
humanos ou não? “consentimento” depende, de e faça por eles o que foi contra-
Ao propor essas questões em algum modo, da autonomia do tado para fazer” (Engelhardt).
torno da pesquisa com seres hu- indivíduo que consente. Por Para ser coerente, uma postura
manos, é imprescindível, para outro lado, podemos nos per- pós-moderna em Bioética deve
nossos propósitos, situar breve- guntar se, com o termo “consen- abandonar o discurso em defesa
Cadernos
28 de Ética em mente esse problema específico timento”, pressupomos algo em dos direitos humanos. Com efei-
Pesquisa no todo maior que é a relação torno dos “direitos humanos”. to, se não mais é possível, segun-
“Uma concepção do Engelhardt em seu livro Fun- de consentimento em Bioética. O
damentos da Bioética, uma mora- problema em torno desse princí-
adequada de lidade essencial, então, argumen- pio, como vimos, é que ele assu-
tamos, não é possível a defesa de me o consentimento não apenas
consentimento
direitos humanos neste sentido. como condição necessária, mas
deve respeitar o Engelhardt aceita o processo também suficiente. É certo que só
de secularização da sociedade podemos discordar de Engelhardt
valor objetivo da hodierna não apenas como fato, se já nos posicionamos numa pers-
pessoa humana, mas também como valor. Desta pectiva por ele abandonada. En-
forma, ele assume logicamente tretanto, ocorre que, abandonan-
seguindo um que o critério fundamental de do uma perspectiva de moralidade
princípio de uma moralidade pós-moderna é essencial devemos também aban-
o consentimento, que, por sua donar o discurso de defesa dos di-
autonomia e vez, supõe uma determinada reitos humanos, o que implica cer-
liberdade que noção de autonomia. Tal concei- tas conseqüências em torno do
to de autonomia, se assumido de problema da pesquisa com seres
transcenda o modo coerente, é incompatível humanos.
contrato com uma noção universal de di- Com efeito, se quisermos sal-
reitos humanos, no sentido de vaguardar limites para a pesquisa
intersubjetivo direitos inerentes ao ser huma- com seres humanos, devemos
médico-paciente”. no e independentes da aceitação também argumentar a favor de
ou não dos implicados. Ou seja: limites para o consentimento.
a noção pós-moderna de consen- Isto não significa, é claro, a ne-
timento (Engelhardt) nega qual- gação absoluta do consentimen-
quer moralidade essencial; mas a to informado ou da autonomia
noção de “direitos humanos”, tal dos indivíduos. Trata-se apenas
como a concebemos, supõe ne- de negar uma certa concepção de
cessariamente uma concepção es- consentimento que se considera
sencial de moralidade. ilimitada enquanto critério ético
(I) A argumentação preceden- e condição suficiente para pes-
te nos conduz à seguinte con- quisas médicas.
clusão: se aceitarmos o discurso Uma concepção adequada de
de defesa dos direitos humanos, consentimento deve respeitar o
a noção de consentimento (e, valor objetivo da pessoa humana,
portanto, a noção de autonomia) seguindo um princípio de auto-
deve assumir uma feição diversa nomia e liberdade que transcen-
daquela proposta pela visão pós- da o contrato intersubjetivo mé-
moderna. dico-paciente. Isto supõe, certa-
Apresentamos de modo exem- mente, direitos fundamentais que
Cadernos
plar, em linhas gerais, a perspecti- estão acima do consentimento. de Ética em 29
va de Engelhardt e seu princípio (II) Um breve comentário, a Pesquisa


“Se há partir do Código Brasileiro de sentimento do paciente. Se com-
Ética Médica, deve encerrar nos- pararmos esse Artigo com os do
consentimento sas observações. Código de 1988 – o Código atual
Somente após o Código de –, podemos destacar o seguinte.
informado, então
1953 a preocupação com a ques- O uso do termo “consenti-
é lícito (ético) tão da pesquisa com seres huma- mento”, no Código de 1988, é
nos começa a ocupar espaço. restrito aos Artigos 123 e 124.
submeter o O Artigo 57/1953 é bastante Nos dois Artigos, a pesquisa com
paciente à claro: seres humanos é admitida, des-
“São condenáveis as experiên- de que haja “consentimento”.
pesquisa, ou cias in anima nobili para fins Mas aqui retornamos ao nosso
podemos especulativos, mesmo quando problema inicial: se a pesquisa
consentidas; podem ser toleradas não for realizada com finalidades
reconhecer, ao apenas as de finalidades estrita- estritamente terapêutica e diag-
menos em mente terapêutica ou diag- nóstica, mas havendo consenti-
nóstica, no interesse do próprio mento por parte do paciente,
princípio, casos doente, ou quando não lhe acar- então seria ético permitir tal pes-
em que o retem, seguramente, perigo de quisa? A ênfase do Artigo 57/
vida ou dano sério, casos em que 1957 não deveria ser reafirmada,
consentimento serão precedidas de consenti- sem que se retrocedesse do nível
não é suficiente?” mento espontâneo e expresso do de benignidade e humanidade já
paciente, no perfeito uso de suas conquistado pelo Código de
faculdades mentais e perfeita- 1988? Eis algumas questões que
mente informado das possíveis apontam para uma reflexão mais
conseqüências da prova.” atenta sobre os limites do con-
Importante aqui é o fato de que, sentimento, quando o que está
neste caso, a pesquisa médica é em jogo é a dignidade objetiva
inaceitável, mesmo com o con- da pessoa humana.

Cadernos
30 de Ética em
Pesquisa
CNS
Coordenador: Nelson Rodrigues dos Santos

CONEP
Coordenador: William Saad Hossne
Secretária executiva: Corina Bontempo de Freitas
Assessoras: Geisha B. Gonçalves e Mirian de Oliveira Lobo

INTEGRANTES DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA


Conforme Resolução 246 do CNS, de 03/07/97
TITULARES: SUPLENTES
Beatriz Tess (Médica – Departamento de Alejandra Rotania (Representante Usu-
Ciência e Tecnologia em Saúde/SPS/MS), ários – Integrante do Centro de Estudos
Ednilza Pereira de Farias Dias (Farm./Bi- e Ação da Mulher Urbana e Rural Ser Mu-
oquímica Centro de Assistência Toxico- lher/RJ), Carlos Fernando de Maga-
lógica/UFPB), Elma Zoboli (Enfermeira – Fa- lhães Francisconi (Médico Gastro-
culdade Integrada São Camilo/ SP – Facul- enterologista – HCPA/UFRGS), Cláudia
dade Enfermagem USP), Gabriel Oselka Cunha (Médica – Departamento de Ciên-
(Médico Pediatra - HCFMUSP), Jorge cia e Tecnologia em Saúde/SPS/MS),
Beloqui (Matemático – USP – Represen- Dirce Guilhem de Matos (Enfermeira –
tante de Usuarios – Integrante do Grupo Faculdade Ciências da Saúde/UNB/DF) ,
de Incentivo à Vida - GIV), Leonard Michael Francisco das Chagas Lima e Silva (Mé-
Martin (Teólogo – Instituto de Filosofia Mo- dico – Santa Casa de Belo Horizonte),
ral do Ceará – UFCE e UECE), Marco Segre
Helmut Tropmair (Geógrafo – Inst. de
(Médico – Prof. Med. Legal e Bioética
Urologia e Nefrologia de Rio Claro/ SP),
HCFMUSP – Pres. Sociedade Brasileira de
João Yunes (Médico Pediatra – Faculda-
Bioética), Sueli Gandolfi Dallari (Jurista –
de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão
Faculdade de Saúde Pública da USP), Susie
Preto/USP), Leocir Pessini (Teólogo –
Dutra (Psicóloga Clínica – Hemominas/BH),
Teresinha Röhrig Zanchi (Odontóloga – Uni- Inst. Bras. Controle de Câncer – Fac. In-
versidade Federal de Santa Maria/RS), tegradas São Camilo/SP), Maria Liz Cu-
Volnei Garrafa (Odontólogo – Núcleo de Es- nha de Oliveira (Enfermeira – SES/DF),
tudos e Pesquisas em Bioética – UnB-DF), Oscar José Hue de Carvalho (Jurista –
William Saad Hossne (Médico – Faculda- Hospital Pró-Cardíaco/PROCEP - RJ), Pau-
de Medicina UNESP Botucatu – Conselhei- lo Antônio Carvalho Fortes (Médico – Fac.
ro do CNS – Coordenador da Comissão Na- de Saúde Pública USP), Rubens Augusto
cional de Ética em Pesquisa) e Wladimir Brasil Silvado (Médico Cirurgião – Facul-
Queiroz (Médico – Instituto de Infectologia dade de Medicina de Marília/ SP) e Sônia
Emílio Ribas/SP). Vieira (Bioestatítisca – Unicastelo/SP).

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/ Participação:


Conselho Nacional de Saúde - Ministério da ● Abrasco – Associação Brasileira de Pós
Saúde - Anexo - Ala B - 1º andar - Salas 128 Graduação em Saúde Coletiva. ● Coorde-
a 147 - CEP 70058-900 - Brasília - DF nação Nacional de DST/Aids do Ministé-
Fone (61) 315-2951 / Fax: (61) 226-6453 rio da Saúde. ● UNDCP - Programa das
e-mail: conep@saude.gov.br Nações Unidas Para o Controle Internacio-
Cadernos de Ética em Pesquisa - Nº 10 nal de Drogas
– Julho de 2002 – Publicação da Comis-
são Nacional de Ética em Pesquisa – Con- Edição: Sérgio de Araújo e Mário Scheffer.
selho Nacional de Saúde – CNS/MS Redação: Fernando Silva, Vânia Delpoio e
Conselho Editorial Maria Casarotto. Assessoria Técnica:
William Saad Hossne, Corina Bontempo Corina Bontempo de Freitas. Ilustração:
de Freitas, Alejandra Rotania, Leonard João Vicente Mendonça. Diagramação e
Martin, Francisco das Chagas Lima e Sil- Fotolitos: CGL. Impressão: Rettec. Tira-
va e Mário Scheffer. gem: 10.000 exemplares

Conep na Internet:
http://conselho.saude.gov.br

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