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Índice
Conep
Avaliação 2001 ......................................................................................................... 4
Por Corina Bontempo D. de Freitas
Dúvidas?
A Conep responde ................................................................................................... 7
Depoimento
A experiência de Manaus ..................................................................................... 8
Evento
A programação do VI Congresso Internacional ........................................ 9
Painel
Efeitos adversos .................................................................................................... 13
Minorias são excluídas ....................................................................................... 15
Mundo
Avaliação contínua: o modelo canadense ................................................... 17
Por Claudio Lorenzo
Análise
Mulheres e clonagem ......................................................................................... 22
Por Alejandra Rotania
Fundamentos
O protocolo de pesquisa .................................................................................... 25
Por Leonard M. Martin
Controvérsia
A questão do consentimento .......................................................................... 28
Por Luis Carlos Silva de Sousa
Editorial
A Conep responde
A experiência de Manaus
m novembro de 2002 o
E Brasil sedia o VI
30/10 – QUARTA-FEIRA
Cadernos
12 de Ética em
Pesquisa
Painel
Efeitos adversos
ublicada pelo Journal comercialização proibida, além de Várias drogas de amplo espec-
P of the American
analisar a Physician’s Desk Refe-
rence, um banco de dados com
tro foram retiradas do mercado
pela agências reguladoras nos úl-
Medical Association, uma alertas sobre efeitos colaterais. timos anos. Um dos medicamen-
Os pesquisadores calcularam tos, o anti-histamínico Seldane
pesquisa realizada no
que um medicamento lançado (terfenadina), conhecido como
Hospital Cambridge e na recentemente tem 20% de chance Teldane no Brasil, ficou quase 13
Escola de Medicina de de ser retirado do mercado ou anos no mercado antes de ter a
de produzir efeitos colaterais des- venda proibida em 1998. O
Harvard, em conhecidos durante um período cisapride, droga para tratar distúr-
Massachusetts, revela que de 25 anos. Um dos dados para bios gastrointestinais, ficou dispo-
20% dos medicamentos se chegar a essa conclusão foi que nível por mais de seis anos. Am-
durante o período do estudo, bos foram retirados de circulação
apresentam problemas 10% das drogas recentes haviam porque os pesquisadores verifica-
depois de liberados para registrado novos efeitos colaterais ram elevadas taxas de toxicidade
ou foram retiradas do mercado, cardíaca associadas ao uso.
comercialização
sendo que metade desses eventos A coordenadora do estudo dis-
ocorreu até sete anos depois que se que menos de uma em cada
entraram no mercado. dez reações adversas são informa-
A segurança dos novos medi- O impacto dos efeitos cola- das ao FDA, e que o problema
camentos não pode ser totalmen- terais pode ter sido grande, pois pode ser muito maior do que o
te conhecida até que a droga es- cerca de 20 milhões de norte- identificado. Para karen Lasser,
teja no mercado por vários anos. americanos tomaram um ou mais os medicamentos retirados do
Cerca de um quinto de todos os dos cinco medicamentos que fo- mercado ou que provocaram
medicamentos novos vendidos ram tirados de circulação duran- efeitos colaterais após a aprova-
sob prescrição médica produzem te o período da pesquisa. ção não foram avaliados de ma-
efeitos adversos potencialmente Os pesquisadores descobriram neira apropriada.
prejudiciais. Estas são as conclu- que 56 das 548 novas drogas apro- Os estudos sobre a segurança
sões de estudo da equipe de vadas pelo FDA num período de e eficácia das drogas (fases II e
Karen E. Lasser, do Hospital 25 anos receberam posteriormen- III), que são realizados antes da
Cambridge e da Escola de Me- te alertas de segurança (“tarjas pre- aprovação, podem estar usando
dicina de Harvard, em Massa- tas”), ou foram retiradas do mer- um número insuficiente de pa-
chusetts, EUA. cado, por causa de possíveis efei- cientes para detectar todos os
A pesquisa, publicada em tos colaterais perigosos ou sobre possíveis efeitos adversos. Além
maio de 2002 no Journal of the interações medicamentosas. Foram disso, os novos medicamentos
American Medical Association observadas ainda 81 alterações im- são testados primeiramente num
(JAMA), avaliou 548 drogas portantes de rótulo. Desde 1993, número relativamente reduzido
que foram aprovadas e comer- sete drogas aprovadas e depois re- de usuários, geralmente homens.
cializadas entre 1975 e 1999. O tiradas do mercado podem ter Somente quando as drogas são
Cadernos
trabalho investigou ainda todos contribuído para a morte de mais comercializados para a população de Ética em 13
os medicamentos que tiveram a de mil pessoas. como um todo, sendo então Pesquisa
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consumidos por um grande nú- sempre grátis. E agora que a Food sam prescrevê-los com 100% de
mero de mulheres, de crianças e and Drug Administration (FDA) segurança. Completam que mui-
de idosos é que os seus efeitos levantou as suas restrições em re- tas drogas passaram a ter tarja
colaterais mais graves aparecem. lação à propaganda direta, o pú- preta após novas descobertas e
No trabalho, a equipe reco- blico também está sendo assedia- que a tendência no desenvolvi-
mendou que os médicos não do por campanhas de anúncios mento de novas drogas é a dimi-
substituam os medicamentos nos jornais, nas revistas e na TV. nuição de feitos severos.
mais antigos – desde que este- Portanto, de certa forma, me senti Por fim, concordam que os
jam disponíveis e tenham eficá- confortado na minha atitude pelo estudos clínicos não conseguem
cia igual à dos mais recentes – por estudo a respeito da ocorrência de identificar todos os efeitos
drogas mais novas. problemas de segurança associa- colaterais, o que só é possível
Em artigo publicado na revista dos “as novas drogas”. após o consumo da droga em
Time, em 6 de maio de 2002, o larga escala, por grande número
neurocirurgião e correspondente Respostas de pessoas.
para assuntos médicos da CNN, Na mesma edição do JAMA Já a Associação das Indústrias
Sanjay Gupta, comenta a impor- que apresenta o estudo, editorial Farmacêuticas dos EUA conside-
tância da pesquisa: “O lançamen- assinado pelos funcionários do rou o estudo da Harvard Uni-
to de um novo remédio represen- FDA, Robert J. Temple e Martin versity ‘‘desinformado e distor-
ta um grande negócio no mun- H. Himmel, argumentou que a cido’’. A Associação é conheci-
do da medicina. A companhia que pesquisa exagerou os riscos as- da pela sua pressão ao FDA e pelo
o fabricou fará de tudo para pro- sociados aos novos medicamen- seu poderoso lobby junto aos
vocar um grande estardalhaço em tos. Segundo eles, mesmo os médicos. Um exemplo desse
torno dele. A Bolsa de Valores medicamentos disponíveis há lobby é pesquisa recente que re-
reagirá às notícias que foram anos no mercado podem apre- vela que 60% dos oncologistas
publicadas. Os médicos serão sentar efeitos colaterais, e é im- americanos consideram muito
submersos por quantidades de possível determinar um período lento o processo de liberação de
amostras e de caixas para testes exato para que os médicos pos- novas drogas pelo FDA.
Medicamentos “mascarados”
Outra pesquisa divulgada em década pelo FDA teriam substân- 1989 e 2000, apenas 153 eram
maio de 2002, realizada por um cias químicas novas e represen- classificados como “medicamen-
instituto ligado a planos privados tariam um significativo avanço tos prioritários”, aqueles que ga-
de saúde dos EUA, revelou que em relação a produtos mais an- rantem uma significativa melho-
apenas 15 por cento dos medi- tigos. De um total de 1.035 dro- ra na saúde, se comparados com
camentos aprovados na última gas que o FDA aprovou entre os tratamentos existentes.
Cadernos Fontes:
14 de Ética em The Journal of the American Medical Association 2002; 287:2215-2220, 2273-2275.
Pesquisa Revista Time (6 de maio de 2002); Agência Reuters: www.reutershealth.com; Jornal New York Times
Painel
Cadernos Fonte:
16 de Ética em New England Journal of Medicine (1º de maio de 2002).
Pesquisa The Washington Post e The New York Times ( 2 de maio de 2002)
Mundo
instauração dos Comitês de apresentada nos mais recentes do- Segundo a autora, termos como Claudio Lorenzo
A Ética em Pesquisa e a exi-
gência de aprovação dos proto-
cumentos internacionais de re-
gulação ética da pesquisa. Entre
fiscalização ética, monitorização
ética ou seguimento ético (do in-
é doutorando em
Ética Aplicada à
Pesquisa,
colos pelos mesmos no Brasil e as transformações, citaríamos as glês Ethical Monitoring), pare- Programa de
no mundo, guardam uma histó- seguintes: no plano do financia- cem instalar um sentido de des- Ciências Clínicas,
ria que não caberia aqui re- mento, a crescente supremacia confiança em relação ao pesqui- Universidade de
lembrar. Entretanto, vale ressal- dos investimentos privados em re- sador e dão a esta prática um ca- Sherbrooke,
Québec, Canadá.
tar que a criação dos CEP mar- lação aos estatais, gerando proble- ráter policialesco, o que viria a claudio.fortes
cou a necessidade evidente de mas na definição das prioridades gerar reações tão fortes quanto as @courrier.
uma passagem da autoregulação de pesquisa; no plano da relação que chegam a questionar a auto- usherb.ca
ética do pesquisador para o de direta com o pesquisador, as pres- ridade intelectual e mesmo moral
controle social sobre a pesquisa sões mantidas sobre ele para a ob- dos CEP para fazê-lo. Para Healt, * Este trabalho
foi realizado com
envolvendo seres humanos. Daí, tenção de recursos e comprova- o termo avaliação ética contínua auxílio do CNPq.
sua composição interdisciplinar e ção de produtividade; no plano seria melhor aceito. Propõe
a exigência de um representante da competição de mercado da in- sistematizá-lo como obrigações e
do público entre seus membros. dústria farmacêutica, a expansão papéis do pesquisador, dividindo-
Passadas as primeiras reações de práticas como pagamento do o em quatro categorias: apresen-
que entendiam o envio dos pro- pesquisador por cada sujeito de tação de proposta de avaliação
tocolos de pesquisa aos CEP pesquisa incluído, o pagamento ética contínua pelo próprio pes-
como apenas mais um procedi- dos próprios sujeitos de pesqui- quisador; avaliação do processo de
mento burocrático que aumen- sa, além de vantagens financeiras obtenção do consentimento; ava-
tava e atrasava o trabalho do pes- para instituições e revistas de pes- liação da adesão ao protocolo
quisador, a necessidade de con- quisa. Finalmente, no plano aprovado e avaliação das ativida-
trole social da pesquisa, parece metodólogico, a tendência atual des não aprovadas que forem
começar a ser absorvida. Um es- de grandes ensaios clínicos multi- identificadas.
tudo recente sobre a percepção cêntricos, envolvendo vários paí- A Resolução 196/96 faz men-
do pesquisador, mostrou que ses com as mais diversas situações ção a um processo de avaliação
apenas 10% deles consideravam socio-político-econômicas, mui- contínua no seu Capítulo VII
esta prática inadequada1. tas vezes sem instituições organi- sobre as atribuições do CEP, no
No entanto, as mais recentes zadas para um controle ético das parágrafo 13. Ali se encontra:
transformações no universo da pesquisas2,3,4. O objetivo da avalia- “Acompanhar o desenvolvimen-
pesquisa biomédica vêm criando ção ética contínua seria então ga- to dos projetos através dos rela-
graves conflitos de interesses que rantir que a pesquisa esteja sendo tórios anuais dos pesquisadores”.
apontam agora para a necessida- conduzida nas bases em que foi Assim sendo, esta avaliação en-
de de um acompanhamento éti- aprovada pelo CEP, ou pela Co- contra-se aqui, de certa forma,
co contínuo dos projetos em an- missão Nacional de Ética em Pes- submetida ainda quase que exclu-
damento. Essas transformações quisa. sivamente à autoregulação ética
seriam, para alguns autores, res- O trabalho de Healt, citado por do pesquisador, uma vez que o
ponsáveis, entre outras coisas, pela Bergeron1, busca uma sistemati- instrumento principal do controle
Cadernos
maior preocupação com popula- zação desse processo e começa por depende da qualidade e veracida- de Ética em 17
ções socialmente vulneráveis, discutir um entrave semântico. de das informações prestadas pelo Pesquisa
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▲
“Transformações mesmo. A resolução 251/97 Guidelines, se reuniu aos outros
para a área Temática de novos dois maiores conselhos subven-
no universo da fármacos é mais detalhada sobre cionários de pesquisa no Cana-
a avaliação ética contínua. Ela dá, Conselho de Pesquisas Na-
pesquisa
prevê relatórios no mínimo se- turais e em Engenharia do Ca-
biomédica vêm mestrais e procedimentos mais nadá e Conselho de Pesquisas em
ativos, como acesso direto a da- Ciências Humanas do Canadá
criando graves dos da pesquisa e convocação de para publicar, em agosto de
conflitos de sujeitos de pesquisa para avalia- 1998, o Tri-Council Policy
ção e seguimento. Assim sendo, Statement – Ethical Conduct for
interesses que o papel de controle social ineren- Research Involving Humans 8.
apontam para a te aos CEPs fica mais evidente Suas normas entraram em vigor
nesta resolução complementar. um ano depois. A regulamenta-
necessidade de Apesar do reconhecimento in- ção ética passou a ter uma maior
acompanhamento ternacional do Canadá em pro- abrangência, uma vez que reco-
dução intelectual e desenvolvi- nhecia pesquisas envolvendo o
ético contínuo dos mento humano, o intercâmbio ambiente e o domínio socio-
projetos.” com o Brasil na área de Ética em politíco como potenciais causa-
Pesquisa não parece claramente doras de risco humano, norma-
definido. As tendências em nos- tizando-as em conjunto.
sas publicações em Bioética pare- O Guidelines de 19877 apre-
cem polarizadas entre as escolas sentava, entre os procedimentos
da Europa e dos Estados Unidos, práticos propostos como obriga-
com uma clara tendência para a ções dos Comitês de Ética, o
última5,6. A Resolução 196/96 continuos monitoring ou, na ver-
cita entre as referências para sua são francesa, a surveillance per-
elaboração o documento cana- manentes. Para o Guidelines ca-
dense Guidelines on Research beria aos CEPs determinarem os
Involving Humain Subjects, pu- meios e a periodicidade desta fis-
blicado em 1987 7. Desde esta calização na dependência dos ris-
data, as regulamentações éticas cos envolvidos, estabelecendo o
para pesquisas com seres huma- mínimo de um relatório anual.
nos sofreram várias alterações no Chega a sugerir a possibilidade
Canadá, tanto no plano institu- de outros pesquisadores eleitos
cional, quanto no conteúdo como fiscalizadores para visitas
normativo, trazendo portanto cla- periódicas aos centros de pesqui-
ras implicações para a questão da sa e acesso direto aos dados, mas
avaliação ética contínua. não sistematiza ações. Na conclu-
Em de 1995, o Conselho de são deste sub-capítulo é comen-
Cadernos
18 de Ética em Pesquisas Médicas do Canadá, tada a questão dos custos mate-
Pesquisa responsável pela publicação do riais e humanos para a fiscaliza-
“O grau de ção contínua, os quais deveriam da à uma continua observação
ser assumidos pelas instituições ética, onde o rigor é determina-
dificuldade parece financiadoras das pesquisas. Co- do pela natureza da mesma. De-
menta-se também a necessidade termina que ao menos um rela-
envolver todo o
de atenção especial, uma vez que tório anual deve ser apresentado,
mundo, para que este procedimento seria um po- quando a pesquisa for conside-
tencial gerador de tensões entre rada sem riscos ou de risco míni-
se ponha em colegas e instituições, além de mo (risco semelhante ao do co-
prática oferecer riscos de infrações à re- tidiano para sujeitos saudáveis e
gras de confidencialidade e mes- semelhante ao já conhecidos para
procedimentos mo prejuízos metodológicos por a enfermidade em sujeitos doen-
eficazes de manuseio de informações. tes). O documento sistematiza
Onze anos depois, o Tri- ainda cinco procedimentos que
avaliação de Council Policy Statement traz um poderiam ser usados pelos CEPs
pesquisas em tratamento diferente à questão, para por em prática a avaliação
demonstrando o resultado do ética contínua, deixando-os livres
andamento.” processo de discussão que se se- e aos pesquisadores a proposição
guiu no curso deste tempo. Per- de outros métodos a serem ana-
maneceu a compreensão da ava- lisados. São eles:
liação ética contínua como ins- ✔ Exame formal do processo
trumento de controle social, mas, de obtenção do consentimento;
uma maior atenção voltou a ser ✔ A formação nas instituições
dada à autoregulação ética do de um comitê de proteção a su-
pesquisador, já que entre os pro- jeitos de pesquisa;
cedimentos indica que os pes- ✔ Exame periódico, feito por
quisadores devem apresentar si- uma terceira pessoa, dos docu-
multaneamente sugestões para o mentos gerados pela pesquisa;
método de avaliação ética contí- ✔ Análise dos relatórios dos
nua e que este pode ser aceito eventos externos desfavoráveis ao
pelo CEP. Fica claro desta for- andamento do projeto;
ma uma tendência de maior diá- ✔ Verificação, por sorteio, do
logo entre as partes e um enten- processo de obtenção do consen-
dimento de responsabilidades timento livre e esclarecido.
divididas. A sua norma 1.13, que Ao final da exposição, o docu-
dispõe sobre o tema, tem como mento argumenta que a avalia-
título: Évaluation des projets en ção deve ser vista como uma res-
cours, mostrando, desde aí, a pre- ponsabilidade coletiva no interes-
ocupação em usar uma termi- se da comunidade e propõe aos
nologia menos conflituosa. Nela, estabelecimentos investirem na
Cadernos
o documento determina que formação ética dos pesquisado- de Ética em 19
toda pesquisa deve ser submeti- res, convidando-os a participar de Pesquisa
▲
▲
ateliês de treinamento e outras “Na realidade
atividades educativas. A questão
dos custos não é abordada. brasileira, as
Passando do universo norma-
responsabilidades
tivo para o universo da prática, o
que se tem observado é que uma coletivas dos
avaliação ética contínua implica
em custos talvez ainda maiores
CEPs e dos
que os necessários à implantação pesquisadores
dos CEPs e à avaliação inicial dos
projetos. As responsabilidades
tornam-se ainda
por estes encargos não são de maiores.”
fácil definição, nem de fácil co-
brança. Talvez daí a omissão da le chegam a mesma conclusão: “a
responsabilidade dos custos no fiscalização, monitoramento, ou
documento atual. Entre os pro- avaliação contínua de projetos de
cedimentos mais utilizados no pesquisa, se existe, não são reali-
momento pelo Canadá para a zados, se não, em sua forma mí-
avaliação ética contínua, encon- nima.”
tram-se1: a determinação de re- Podemos notar, a partir da ex-
latórios periódicos em função periência do Canadá, o grau de
dos riscos implicados, que têm dificuldade que parece envolver
variado de três meses há um ano; todo o mundo para que se po-
a disponibilização dos CEPs para nha em prática procedimentos
recebimento de queixas, ou cri- eficazes de avaliação ética contí-
ação de um escritório específico nua de pesquisas em andamen-
para o propósito; e divulgação de to. Vale observar no entanto, que
informação nos centros de pes- as diferenças sócio-culturais en-
quisa aos potenciais sujeitos de tre países como Brasil e Canadá
experimentação. desempenham um papel funda-
Ainda na revisão apresentada mental neste debate. O Canadá
por Bergeron1, ele afirma, que é atualmente o primeiro país do
apesar de todo o debate para a mundo em índíce de desenvol-
racionalização de medidas, ape- vimento humano. Sua taxa de
sar de todas as normas e suges- analfabetismo é virtualmente
tões de métodos propostos pe- zero e a população tem garanti-
los diversos setores envolvidos da, pelo governo, educação gra-
com pesquisa em seres humanos, tuita até o segundo grau com-
todos os trabalhos realizados até pleto, com vaga para todos. Essa
Cadernos
20 de Ética em o momento com o intuito de realidade faz com que procedi-
Pesquisa verificar a eficiência desse contro- mentos de avaliação ética contí-
“A recente nua que necessitam de uma
maior participação do cidadão,
mobilização da como o registro de queixas nos
CEPs ou escritórios de proteção
sociedade
a sujeitos de pesquisa possam, ao
brasileira para a menos potencialmente, funcio-
nar de maneira razoável, ainda
ética na pesquisa que não estejam em curso pro-
mostra que já cedimentos mais ativos como
análises de dados por consulto-
compreendemos res eleitos, ou verificação in loco
a magnitude do do procedimento de obtenção
do consentimento.
problema e a Na realidade brasileira em que,
importância do na maioria das capitais, as taxas de
Referências:
indivíduos com o curso primário
exercício de um 1- Bergeron M La surveillance éthique
incompleto está em torno de 40%, continue: autorégulation ou contrôle so-
controle social.” torna-se difícil uma avaliação éti- cial? Éthique Publique 2(2) : 81-8,2000
ca contínua que dependa da com- 2- De Castro LD Explotation in the use
of human subjects for medical experi-
preensão dos riscos e do reconhe- mentation: A re-examination of basic
cimento de direitos pelo cidadão. issues Bioethics 9(3/4) : 259-68,1995
Assim sendo, as responsabilidades 3- Gottlieb S Medical societies accused
coletivas dos CEPs e dos pesqui- of being beholden to the drugs industry
BMJ 319(20) : 1321, 2001
sadores tornam-se ainda maiores,
4- Schüklenk U Protecting the vulnerable:
e a necessidade de implementar testing times for clinical research ethics
procedimentos eficazes para ava- Social Science & Medicine 51 : 969-78,
liação ética contínua ainda mais 2000
5- Lorenzo C, Azevêdo E. Bioethics
prementes.
publications in Brazil. A study of topic
A recente mobilização da socie- preferences and tendences. Eubios Journal
dade brasileira para a ética na of International Bioethics. 8 : 148-50, 1998
pesquisa, seja através das suas ins- 6- Lorenzo C, Estudo da Atuação da Bio-
ética no Brasil e de sua Aplicabilidade a
tituições competentes, seja atra- uma Realidade Brasileira. Dissertação de
vés da comunidade científica, e Mestrado apresentada a câmara de Pós-
de setores organizados da socie- Graduação da UFBA.
dade civil, mostra que já com- 7- Conseil de Recherches Médicales du
Canada. Lignes Directrices Concernant la
preendemos a magnitude do Recherche sur Sujets Humains, 1987
problema e a importância do 8- Medical Research Council of Canada,
exercício de um controle social Natural Sciences and Engineering Re-
search Council of Canada, Social Sciences
sobre as práticas de pesquisa que
and Humanities Research Council of Cadernos
possam envolver o ser humano e Canada. Ethical Conduct for Research de Ética em 21
seu ambiente. Involving Humans, 1998 Pesquisa
Análise
Mulheres e clonagem
Por Alejandra Rotania*
O protocolo de pesquisa
Por Leonard M. Martin
Cadernos
de Ética em 27
Pesquisa
Controvérsia
A questão do consentimento
Por Luis Carlos Silva de Sousa
Luis Carlos questão em torno da pes- entre consentimento e direitos O que torna difícil a questão
Silva de Sousa
é mestre em
Filisofia pela
A quisa com seres humanos
traz consigo uma multiplicidade
humanos (1). Essa rápida incur-
são em torno de um problema
de saber qual a relação entre
“consentimento” e “direitos hu-
Universidade de aspectos. Um desses aspectos tão amplo tem como objetivo manos” ou, mais precisamente,
Federal do Ceará, receberá nossa atenção aqui: o apenas preparar o leitor para o qual a noção de direitos huma-
professor de problema do consentimento. Por cerne de nosso argumento acer- nos pode ser passível de consen-
Filisofia no “problema do consentimento” ca dos limites do consentimento timento, é sobretudo a descon-
Instituto
Teológico-
entenda-se, no contexto que se- (2). Por último, e também de fiança pós-moderna em uma au-
Pastoral do gue, o conjunto de implicações modo sumário, faremos algumas toridade para além da autonomia
Ceará e na éticas advindas da adesão cons- considerações a partir do Códi- dos indivíduos. Em suma: falar
Universidade ciente de indivíduos que se sub- go Brasileiro de Ética Médica, de em direitos humanos, de forma
Estadual do metem a pesquisas médicas. 1988 (3). substancial, seria compatível com
Ceará.
Dito isso, excluímos assim de (I)A sociedade hodierna é bas- um certa concepção hodierna de
nossa análise os casos em que há tante sensível à autonomia dos consentimento, que não reco-
coerção e engano deliberado por indivíduos. Este aspecto é certa- nhece nenhuma autoridade se-
parte dos pesquisadores. Impor- mente resultado de um longo não aquela advinda dos próprios
ta saber aqui, na verdade, se o processo histórico, gestado so- indivíduos envolvidos?
consentimento informado (com bretudo a partir da modernidade. Ora, um consentimento que
o conhecimento, por parte do Essa característica, no que se re- assume já uma perspectiva pós-
paciente, do procedimento, ris- fere ao indivíduo que assume leis moderna, não apenas reconhece
cos e conseqüências) é condição próprias no curso de suas ações, a conquista moderna de valori-
não apenas necessária, mas sufi- é acompanhada por uma cons- zação da autonomia como algo
ciente para autorização de pes- ciência progressiva acerca dos di- incontornável, numa sociedade
quisa médica. Noutras palavras: reitos humanos. cada vez mais pluralista e secu-
se há consentimento informado, O termo “consentimento” lar, mas ainda deve radicalizar tal
então é lícito (ético) submeter o pressupõe aqui “autonomia”. postura no sentido de negar a
paciente à pesquisa, ou podemos Não podemos consentir nada se universalidade dos direitos hu-
reconhecer, ao menos em prin- não somos livres, no sentido de manos. Ao fazê-lo, uma deter-
cípio, casos em que o consenti- possibilitarmos a autorização de minada perspectiva pós-moder-
mento não é suficiente? A ética algo. Se, com efeito, aceitamos na apenas extrai as conseqüências
médica codificada, por exemplo, que um elemento central de nos- de seu princípio de consentimen-
deve assumir o consentimento so conceito de liberdade é preci- to, cuja máxima é a seguinte:
informado como condição sufi- samente a “autonomia”, então “Não faça aos outros aquilo que
ciente para a pesquisa com seres podemos também supor que o eles não fazem consigo mesmo,
humanos ou não? “consentimento” depende, de e faça por eles o que foi contra-
Ao propor essas questões em algum modo, da autonomia do tado para fazer” (Engelhardt).
torno da pesquisa com seres hu- indivíduo que consente. Por Para ser coerente, uma postura
manos, é imprescindível, para outro lado, podemos nos per- pós-moderna em Bioética deve
nossos propósitos, situar breve- guntar se, com o termo “consen- abandonar o discurso em defesa
Cadernos
28 de Ética em mente esse problema específico timento”, pressupomos algo em dos direitos humanos. Com efei-
Pesquisa no todo maior que é a relação torno dos “direitos humanos”. to, se não mais é possível, segun-
“Uma concepção do Engelhardt em seu livro Fun- de consentimento em Bioética. O
damentos da Bioética, uma mora- problema em torno desse princí-
adequada de lidade essencial, então, argumen- pio, como vimos, é que ele assu-
tamos, não é possível a defesa de me o consentimento não apenas
consentimento
direitos humanos neste sentido. como condição necessária, mas
deve respeitar o Engelhardt aceita o processo também suficiente. É certo que só
de secularização da sociedade podemos discordar de Engelhardt
valor objetivo da hodierna não apenas como fato, se já nos posicionamos numa pers-
pessoa humana, mas também como valor. Desta pectiva por ele abandonada. En-
forma, ele assume logicamente tretanto, ocorre que, abandonan-
seguindo um que o critério fundamental de do uma perspectiva de moralidade
princípio de uma moralidade pós-moderna é essencial devemos também aban-
o consentimento, que, por sua donar o discurso de defesa dos di-
autonomia e vez, supõe uma determinada reitos humanos, o que implica cer-
liberdade que noção de autonomia. Tal concei- tas conseqüências em torno do
to de autonomia, se assumido de problema da pesquisa com seres
transcenda o modo coerente, é incompatível humanos.
contrato com uma noção universal de di- Com efeito, se quisermos sal-
reitos humanos, no sentido de vaguardar limites para a pesquisa
intersubjetivo direitos inerentes ao ser huma- com seres humanos, devemos
médico-paciente”. no e independentes da aceitação também argumentar a favor de
ou não dos implicados. Ou seja: limites para o consentimento.
a noção pós-moderna de consen- Isto não significa, é claro, a ne-
timento (Engelhardt) nega qual- gação absoluta do consentimen-
quer moralidade essencial; mas a to informado ou da autonomia
noção de “direitos humanos”, tal dos indivíduos. Trata-se apenas
como a concebemos, supõe ne- de negar uma certa concepção de
cessariamente uma concepção es- consentimento que se considera
sencial de moralidade. ilimitada enquanto critério ético
(I) A argumentação preceden- e condição suficiente para pes-
te nos conduz à seguinte con- quisas médicas.
clusão: se aceitarmos o discurso Uma concepção adequada de
de defesa dos direitos humanos, consentimento deve respeitar o
a noção de consentimento (e, valor objetivo da pessoa humana,
portanto, a noção de autonomia) seguindo um princípio de auto-
deve assumir uma feição diversa nomia e liberdade que transcen-
daquela proposta pela visão pós- da o contrato intersubjetivo mé-
moderna. dico-paciente. Isto supõe, certa-
Apresentamos de modo exem- mente, direitos fundamentais que
Cadernos
plar, em linhas gerais, a perspecti- estão acima do consentimento. de Ética em 29
va de Engelhardt e seu princípio (II) Um breve comentário, a Pesquisa
▲
▲
“Se há partir do Código Brasileiro de sentimento do paciente. Se com-
Ética Médica, deve encerrar nos- pararmos esse Artigo com os do
consentimento sas observações. Código de 1988 – o Código atual
Somente após o Código de –, podemos destacar o seguinte.
informado, então
1953 a preocupação com a ques- O uso do termo “consenti-
é lícito (ético) tão da pesquisa com seres huma- mento”, no Código de 1988, é
nos começa a ocupar espaço. restrito aos Artigos 123 e 124.
submeter o O Artigo 57/1953 é bastante Nos dois Artigos, a pesquisa com
paciente à claro: seres humanos é admitida, des-
“São condenáveis as experiên- de que haja “consentimento”.
pesquisa, ou cias in anima nobili para fins Mas aqui retornamos ao nosso
podemos especulativos, mesmo quando problema inicial: se a pesquisa
consentidas; podem ser toleradas não for realizada com finalidades
reconhecer, ao apenas as de finalidades estrita- estritamente terapêutica e diag-
menos em mente terapêutica ou diag- nóstica, mas havendo consenti-
nóstica, no interesse do próprio mento por parte do paciente,
princípio, casos doente, ou quando não lhe acar- então seria ético permitir tal pes-
em que o retem, seguramente, perigo de quisa? A ênfase do Artigo 57/
vida ou dano sério, casos em que 1957 não deveria ser reafirmada,
consentimento serão precedidas de consenti- sem que se retrocedesse do nível
não é suficiente?” mento espontâneo e expresso do de benignidade e humanidade já
paciente, no perfeito uso de suas conquistado pelo Código de
faculdades mentais e perfeita- 1988? Eis algumas questões que
mente informado das possíveis apontam para uma reflexão mais
conseqüências da prova.” atenta sobre os limites do con-
Importante aqui é o fato de que, sentimento, quando o que está
neste caso, a pesquisa médica é em jogo é a dignidade objetiva
inaceitável, mesmo com o con- da pessoa humana.
Cadernos
30 de Ética em
Pesquisa
CNS
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