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1.5.2.2.3. Imputação subjectiva da responsabilidade.

"principio da culpa"

Hi diferenças importantes no tratamento da imputação subjectiva da

Penal responsabilidade dsciplinar, relativamente a0 que se pasa no direito

Pode dizer-se que a tomalidade geral tem sido dada por dois traços:

)denegaçio parcial do principio da culpa, na concepção e interpretação

de pelo menos algumas infracções, pela ausència de dolo e/ou de

negligencia como seus elementos necessarianente integrantes, isto é.

admissão da responsabilidade objectiva;

b) confusão, na maioria das infracçbes, dos planos do doloe da

neglgéncda
1.5.2.23.1. Denegação parcial do "principio da culpa"

Adousrina e a jurtisprudėndia mais antigas concediam pequena ou nula

relevincia ao facto de a infracçio disciplinar ter sido cometida com dolo

ou com aegigència, chegando a afimar: "A intenção ariminosa não

interessa: basta, como nas contravenções, um facto materal contrário i

Embora entendendo que o ED. (de 1913) punia mais gravemente as

faltas doloas do que as negligentes, o Prof. M. Caetano considerava: "Se

a culpa Qela-se: negligtncia) ou o dolo importam paraa graduaçio da

pena&aplicar, entendemos que aão são esencieis par a cxitimcia da falhe".

(talico meu). Se o serviço público foi perurbado por um procedimento


imputável a uma vontade esdaredida e livre, a falta existe, independen-

temente da intenção do agente" (").

Isto significa duas coisas:

que dolo e negligëncia são tratados, não como titulos diferentes de

responsabilidade (*). mas apenas como circunstâncias de atenuação

ou agravação da pena;

2 que se admite a existěncia de faitas cometidas sem dolonem negligên-

cia, com a única condição de serem "factos voluntărios" (ar° 2° do

E.D. de 1943), ou seja, produzidos "na posse ou pleno uso de uma

vontade livre e esclarecida" (").

Para além do exemplo acabado de citar, é amplamente esclarecedor o


texto do Acórdão do S.T.A. de 2/3/195+ (portanto, no domínio do E.D.

de 1943) (*):"O propósito fraudulento ou intenção dolosa de prodazir

um mal não constitui elemento necessário da infracção disciplinar. Esta

existe desde que o facto violador dos deveres da função ou ofensivo dos

deveres gerais impostos pela lei ou pela morai (*) seja voluntário,

independentemente de ter produzido resultado perturbador no serviço

art 2° e $ único): é o acto é voluntário quando possa atribuir-se a uma

vontade livre e esclarecida.

Nestes termos, só pode ter-se como não imputável, pere efeitos disciplinores, o acto

que seja inconsciente ou que emane de uma vontade viciade de erro, violència ou coacção".

itálico meu).
Isto é a admissão clara da responsabilização objectiva.

No entanto, ainda no dominio do Estatuto de 1943, e por intluência

do principio da culpa, que não aceita a existėncia da responsabilidade

objectiva, havia quem entendesse, embora moderadamente, que, "a

medida emque as penas disciplinares são um mal infligido a um agente,

devem(.), em tudo quanto não esteja expressamente regulado (")

aplicar-se os principios que garantem e defendem o individuo contra

todo o poder punitivo. Assim a culpa, com todos os seus requisitos (.)

deve, ao menos em principio (*"). ser pressuposto da punição" (**).

Alguma jurisprudência recente tem sustentado principios semelhan-

es.
De resto, parece não poder sequer interpretar-se de modo diferente o

novo Estatuto (1984) que, à semelhança do anterior (1979) substituiu,

na definição de infracção disciplinar, a expressão "facto voluntărio" do

art° 2° do E.D. de 1943 (*). pela expressão "facto, ainda que meramente

culposo... (art° 3°) (*). O que isto significa é que, até 1979, todas as

infracçöcs delineadas no Estatuto deviam ser lidas ä luz do art° 2° como

"factos voluntários", sendo o conteúdo de tal voluntariedade definido

como a possibilidade de atribuição de tais actos ou factos a uma vontade

livre e esclarecida, de tal modo que só poderiam considerar-se

"involuntários" os actos inconscientes e os viviados por "erro, violėncia


ou coacção".

Isto era entendido como um puro nexo de ligação do facto ao agente,

sem nenhum outro propósito "subjectivante": a doutrina e a jurispru-

dência sempre sublinharam, como vimos, que havia infracção inde-

pendentemente da existência de intenção maléfica (dolo) ou de mera

culpa (negligência) (*). A substituição da expressão "facto voluntário"

pela de fācto culposo ou meramente culposo deve. pois, ser

entendida como a deliberada adopção do principio da culpa, ainda à

maneira clássica, englobando o dolo ea negligência (").

1.5.2.2.3.2. Confusão dos planos do dolo e da negligência

A admissäo da responsabilidade objectiva e a indiferenciação do


tratamento do dolo e da negligëndia, que vimos, tinham uma consequéncia

óbvia e que logo se deduzia da simples leitura da maioria dos artigos do

E.D. de 1943 que descreviam, mais ou menos tipicamente, o

circunstancialismo das penas: era a de que muitas das infracções pode-

riam (ou, talvez, segundo a lögica irdicada: deveriam) ser punidas com

a mesma pena, quer tossem comnetidas com dolo ou com negligëncia.

Deste modo, o dolo eanegligëncia eram "autonomamente" conside-

rados em dois casOS:

a. quando eram elementos integrantes da infracção,

- quer implicitamente, pela própria narureza desta (dolosa: desobe-

diencia escandaiosa, art° 21°. S único, n° 6; aceitação de dăádivas


ou incitamento ä indiscipíína, art" 23° ST, ns 3e 6; negigente

todas aquelas, a maioria, quepodiam ser simultaneamente ao.osas:

arr 21, n's 2 (erro de ofício) e 3 (procedimento indigno)eS

único, n°s 1, 3. 5, etc.).

quer expiicitamente. peia referência taxativa (dolosa: art- 23. $ 3°

embora aqui "dolosamente" significasse também "artificiosa-

mente.para induzir em erro Ou manter nele"-ar" 663° único,

CC, 1866-negligente: arr 19, corpo; ar21", n° 1 -agligancia

3rave- eS unico, n*2 (informação errada, "por falta de

cuidado"); e

b quando, no caso do dol, era cireunstância agravante especial (ar? 26*,


n°1).

Curiosamente, o Estatuto de 1979, como o actual, mantém pratica-

mente a redacção do de 1943 relativa ås infracções, com algumas

aleragões sobrerudo quanto aos efeitos, apesar de a modificação de texto

do art" 3 ter podido significar, como vimos, uma tomada de consciencia

destes problemas.

E assim que

a. Da pena de reprensdo scrita (arti1, n° 1 al. a)) se diz apenas que

consiste em mero reparo pela irregularidade praticada" (ar" 12°, n°

. Fegularidade dolosa? Negigente?


b. A pena de multa parece toda apontada a "casos de negligência (e "má

compreensão dos deveres fundonais) art 23°, n° 1. Mas aparece

peio menos um termo que tem habitualmente uma coloração dolosa:

Deobelecrcm (s ordens dos superiores hierárquicos" - ar" 23", n

2. al. c)). Pretendendo-se abranger casos de "desobediência negligen-

te deveria talvez dizer-se de outro modo. por exemplo, "deixarem

de cumprir as ordens".

Também a pena de suspensão parece estar pensada para casos de

negligëncia, na modalidade de "negligéncia grave ou grave desinte-

resse" (art 24°, n° 1). Mas - para alėin de a própia expressão grave

sesinteresse poder já significar uma indiferença peios deveres


profissionais ou os valores do serviço público que ultrapasse a

negligëncia grave-aparecem trés situações que dificilmente poderão

ser qualiicadas ou como de apenas negigència grave ou sequer como

de negigëncia. São os casos das alíneas c)- exercicio de actividades

privadas, sem participação prëvia ou autorização; f) - cratamento de

favora ceierminada pessoa, empresa ou organização; e h) - desobe

diencia escandalosa ou perante o püblico às ordens superiores.

As penas mais graves de inactividade, zposentação compulsiva e

demissão, naão sö por o serem, mas sobretudo pela formulação da

maioria das alineas dos artts 25° e 26 . parecem punir excusivamente

condutas dolosas (Ex.: art 25°, 2. 2). 5). d).e): ar°26°, 2. a). b). ).
d).e).g) e+, 2). b). c). e)). Mas, mais uma vez, é o próprio texto da

lei que inuroduz a dúvida:

alinea c) do n* 2 do ar 25° fala em violação do doct de

mparcialndadc (um dos devers gerais agora, pela 1'vez, enunciados no

estatuto, art s° a 12; de resto, a imparciaiidade é um principio

constitucional que vincula a Administração art° 266°, 2) com

cuipa grave ou dole;, parece 1sto significar que qualquer das intracções

previstas nas restantes alineas do art 25, em que não existe

qualquer referëncia a culpa grave ou dolo, pode ser cometida sen

a l' ou semo? ou senm qualquer dos dois (se não entendermos


que a responsabilidade objectiva oi afastada, pelo menos em

aguns casos).

- A alinea 9 do n° 4 do ar 26" refere a infracção daqueles que

taltarem a0s deveres do seu carg° (..) ou lesarem(..) OS

interesses patrimoniais que (...) lhes cumpre (..) administrar,

fiscalizar, defender ou realizar "com a intengão de obteren para si

ou para terceiro beneficio económico ilícito".

Esta referència à intengão (que sublinhei e que habitualimente a doutrina

dentilica como o dcio) é duplamente embaraçosa. Porque, tal como no

caso antecedente, ela poderia induzir a ideia de que as restantes alineas

do art 26, em que não hà quaisquer indicaçües quanto ao elemento


Subjectivo da infracção (*). seriam violáveis serm negigëncia ou sem

(08)-Except0, aparentemente, quanto a lamentáve! "confusão" da alinea )

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dolo ou sem nenhum dos dois elementos (se nos parecer que se mantém

a responsabilidade objectva, pelo menos em aiguns casos). E étambém

embaraçosa esta referência à intenção. porque se poderá dizer que ela não

exprime verdadeiramente o dolo, mas apenas um elemento especifico e

caracterizador desta particular infracção, tal como a intenção de apropri-

ação de coisa alheia, no furto.

Em resumo, poderão concluir-se duas coisas:

a. Apesar de o texto dos vários preceitos ser praticamente-muitas vezes


literaimente - o mesmo do Estatuto de 1943, ele deve agora ser

interpretado à luz do art° 3°. com exciusão da responsabilidade

objectiva.

b. Isto não obsta a que continuem indefinidas as infracções dolosas e as

negligentes. pelo que, numa maioria de casos, qualquer delas poderá

ser punida por un dos dois tirulos, que, no entanto, funciona só no

sentido da agravação ou da atenuação da pena, nos casos em que isso

e possivel-e não é nas penas mais graves: aposentação compulsiva

e demissão.

1.5.2.2.4. Causas de exclusão da ilicitude e da culpa

No que se refere aos dominios da ilicitude e da culpa, julgo que tem


interesse dois aspectos:

a. A evolução das circunstäncias atenuantes e agravantes

b. A evolução paralela das causas de exciusão da ilicitude e da culpa.

1.5.2.2.4.1. As circunstâncias atenuantes e agravantes

O E.D. 1943 previa cinco circunstäncias agravantes da inlracçāo

disciplinar:

A premeditaçao.

2 O ser cometida durante o cumprimento de pena disciplinar.

3 ser cometida de combinaçāo com outros indivíduo0s.

4 A acumulação de infracções.
S° A reincidëncia".

e tres circunstancas atenuantes

"1° O bom comportamento anterior.

2° A contissão espontänea da infracção.

3 Ter o funcionário prestado serviços relevantes à República".

O Prof. Marcello Caetano ("), de acordo com as ideias da época eo

proprio espirito do regulamento, interpretava este E.D., coIn a sua

enumeração legal exaustiva de penas, mas năão de infracções- "donde a

impossibilidade para o legislador de estabelecer a relação de causalidade

entre cada infracção e a respectiva pena", o que originava, "na aplicação

desta, uma larga zona de discricionariedade do superior" - conmo um


corpo de normas meramente indicativo (), de modo que, mesmo os

casos de inracções "tüpicamente" enumeradas (art's 17° a 22°), deviam

ser tomados como apenas exemplificativos.

Esta interpretação era inculcada e suportada sobretudo pelo art° 23°

"As infracções não especificadas nos artigos antecedentes serão

punidas do mesmo modo e em proporção da sua gravidade ou do

dano por elas causado" C).

Partindo desta concepção do direito e processo disciplinar, o Prof. M.

Caetano comentava, com perspicăcia: "a inclusão destas circunstäncias

(agravantes e atenuantes) na lei não pode deixar de ser reputada

Supertlua".
E explicava:

"Se a consideração da falta e a oportunidade do procedimento

dependem da conveniência do serviço püblico; se na puniçāo se deve

atender, em princípio, ao passado e às possi bilidades do funcionário;

Se nem sempre, portanto, há uma responsabilidade definida, locali.

zada no tempo e no espaço é bom de ver que as circunstâncias

modificatvas desta mais proveitosa e logicamente cedem o lugar a

uma equilibrada equidade".

O E.D. de 1943 acrescentou ao catalogo das atenuantes- art 25° 72

- dois novOs nùmeros:


"4° A provocação do superior hierárquico.

S°O acatanento bem intencionado da ordem do superior hierárqui-

co, nos casos em que não fosse devida obediência".

On° 1 (bom comportamento anterior) toi remodelado com maior

exigência:

I° A prestação de mais de cez anos de serviço com exemplar

comportamento e zelo".

Mais interessantes são as duas novas circunstäncias acrescentadas ao

catalogo das agravantes (que agora passam a chamar-se especiais):

"1° A vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir

resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral,


independentemente de estes se verificarem:

2° Aprodução efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público

ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário devesse

prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta".

Hávárias observações a fazer aos dois últimos textos ea primeira é esta:

eles são o desenvolvimento, num certo sentido, agravador, da nova

definição de infraccão disciplinar contida no art° 2° (corpo, citado, supra na

nota (63), em especial do seu § único:

"A violação de deveres é punível, quer consista em acção, quer em

omissão, e independentemente de ter produzido resultado perturbador

do serviço" C).
A expressão "vontade determinada (...) de produzir resultados preju-

diciais..." deve ser idenificada, não só com o dolo directo (ver, infra, n°

8.7.5.) mas também com o então chamado correntemente dolus malus, isto

é, o dolo carregado de culpabilidade (a que hoje chamamos culpa) e que era

traduzido por "intenção maléfica".

Além disso, as expressões

independentemente de ter produzido resultado perturbador do

serviço" (S único do art° 2°, cit., infra) e "independentemente de (os

resultados prejudiciais) se verificarem" (circunstância 2)

se. por um lado, contiguram em dolo de perigo, por outro, positivan a


possibilidade de infracções disciplinares tomais, que me parecem ser a

pedra de toque deste Estaruto e que estavamn de todo ausentes do

Regulamento Disciplinar de 1913 (pelo menos, do seu texto).

Excepcionada a referência indirecta que acabámos de er ("vontade

determinada.... etc."), a única alusão à culpa em todo o Estatuto, vinha

contida nesta expressão daquela 2 circunstāncia agravante ("):

. nos casos em que o funcionário devesse prever essa consequëncia

como efeito necessário da sua conduta".

A violação deste "dever de previsão" não traduzia apenas e eventual-

mente um caso de negligència grave (cf. art° 21°, n° 1): sobretudo, funda-

nentava a agravação da responsabilidade disciplinar, sublinhando que,


nesses casos, o agente era mais censurável (").

Apesar desta escassa referència, a doutrina entendia (°). c alguma

jurisprudência também, que o princípio da culpa devia estar presente na

interpretação e aplicação do Estatuto.

A Constituição da República de 1976 (arte 293, n° 3) imps a

compatibilização do E.D. de 1943 com os seus principios.

O E.D. de 1979 ("), se bem que tenha mantido criticavelmente

intocados certos aspectos já então duvidosos e/ou censuráveis, como

acima vimos, veio no entanto inovar, pelo nenos, em termos de lei

positiva, quanto às matérias da ilicitude e da culpa.

Foi o caso de o arr° 3°. que definia "infracção disciplinar", ter incluido
referência expressa à culpa ("facto culposo") como já vimos (supra, n°

1.5.2.2.3.1.).

Por outro lado, os art°s 26° e 28° que fixavam respectivamente os

critérios de "medida e graduação das penas" e de "atenuação extraordi-

nária", mandavam que, na aplicação delas, se atendesse, entre outras

coisas "ao grau de culpa" do agente (o primeiro) e à "cuipado arguido"

(o segundo).

Além disso, no catálogo das circunstâncias agravantes "especiais" (ar

29), mantcve-se o eienco do E.D. de 1943 8) e. por conseguinte, as

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