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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

IE – INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO MODALIDADE A DISTÂNCIA

DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS


NATURAIS

MÓDULO: POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

PROFESSORES FORMADORES: EDNA HARDOIM e DÉBORA PEDROTTI

ALUNA: ELIZABETH BOLSONELLO OIWA

Japão 2021

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

INTRODUÇÃO

Considerando ambientes inclusivos para aprendizagens, este relato transcreve


situações vividas por crianças de origem estrangeira residentes no Japão, matriculadas
em escolas étnicas com currículo brasileiro e outras em escolas do sistema japonês de
ensino, bem como aquelas com deficiências, em ambos sistemas.
Este é um breve estudo realizado em comparativa aos documentos oficiais
junto à realidade educacional vivida no Japão e a comunidade estrangeira,
principalmente brasileira, residente nesse país. Devido o restrito espaço e tempo para
descrever a problemática, apega-se aos tópicos principais deixando em aberto para
aprofundar o assunto em novos estudos.

LEGISLAÇÃO e REALIDADE
Conforme a Declaração Mundial sobre Educação para Todos elaborada em
Jomtien 1990, educação para todos implica em oferecer e democratizar educação de
qualidade a todas as pessoas nos diferentes níveis de formação para aquisição de
conhecimento científico, valores, entre outras habilidades necessárias para desenvolver
plenamente suas potencialidades e viver com dignidade na sociedade, assim “a
educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no
mundo inteiro.” (UNESCO)
Partindo desse princípio, a educação como alicerce da vida social deve oferecer
oportunidades iguais a todos os indivíduos proporcionando a aquisição das habilidades
para independência onde os princípios básicos de valores e regras de convivência social,
a transmissão e ampliação da cultura, formação da cidadania, bem como construção dos
saberes para o trabalho, são aprendidos na escola. (Brasil, 2001)
Assim sendo, a igualdade de oportunidades deve estar disponível à todos,
independente da sua condição social, física, econômica, etária, cultura, territorial ou de
gênero. Nestes termos ao tratarmos das pessoas que se enquadram nas condições de
necessidades e atendimento educacional especializado, os processos de ensino e
aprendizagem devem ser adequados ao aluno e suas necessidades, a escola e as práticas

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pedagógicas devem criar condições adequadas, flexibilizando o currículo, adaptando e
manipulando metodologias para atender as especificidades e diversidade de seus alunos,
bem como contar com a participação da família neste processo.
A Declaração Universal dos Direitos das Crianças em seus princípios I, V e
VII asseguram a todas as crianças o direito à igualdade sem distinção raça, religião ou
nacionalidade, bem como o direito à educação e cuidados especiais para criança física
ou mentalmente deficiente, direito à educação gratuita e ao lazer infantil, a Constituição
do Japão, artigos 14 e 26 asseguram direitos iguais sem discriminação nas relações
políticas, econômicas e sociais por causa de raça, credo, gênero, posição social ou
origem familiar, todas as pessoas deverão ter o direito de receber uma educação igual e
correspondente com a sua habilidade.
Consonante com o supracitado e considerando os direitos da pessoa com
deficiência de receber educação escolar sem nenhuma forma de discriminação, cabe
Sistema adaptar e proporcionar meios adequados para que esta criança faça parte do
todo, interagindo com o meio social, desenvolvendo suas habilidades e possibilidades
para que não se sinta ou tenham-na como incapaz.
Cabe ao Estado, a escola e ao corpo docente inserir a criança com deficiência
proporcionando a real inclusão quando de efetivar adaptações necessárias para que a
educação realmente aconteça, tomando como base estes princípios comparados à
realidade educacional das crianças estrangeiras no sistema educacional do Japão, bem
como nas escolas brasileiras ali sediadas, vemos que as regras básicas elaboradas pelos
Ministérios de Educação de ambos os países para a educação inclusiva e atendimento
educacional especializado não são respeitadas quando se trata deste público em
particular, crianças brasileiras residentes no Japão.

REALIDADE JAPÃO
Considerando o Japão como membro da ONU, consignatário da Declaração de
Jomtien e os direitos garantidos pela sua constituição, o quadro atual vai de encontro
aos princípios supracitados, as crianças de origem estrangeira com dificuldade no
idioma e as com necessidades especiais ou deficiências não recebem o suporte
necessário para desenvolverem suas habilidades, as famílias são na maioria das vezes
ignoradas, sem voz para com a educação de seus filhos.
As escolas brasileiras, instituições particulares, situadas nesse país não seguem
a legislação brasileira quanto às diretrizes educacionais, os prédios onde desenvolvem

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suas atividades são espaços adaptados inadequados para funcionamento escolar,
conforme frisa o relatório oficial de viagem da Comitiva do Ministério de Educação e
Cultura do Brasil (MEC), ao Japão entre 28/9 e 13/10/2007 (BRASIL, 2007).
Ao analisar estas instituições fica claro que não há adaptação nos prédios a
favor das crianças com necessidades físicas, não há formação de professores para a
diversidade, capacitados para atuar com a educação especial, os alunos deste grupo
continuam sendo tratados como diferentes, excluídos do processo educativo, é visível a
mentalidade de o aluno ser o problema, exigindo dele se ajustar aos padrões da
normalidade daquelas escolas. A estas condições precárias adiciona-se o descaso das
autoridades brasileiras uma vez que conforme o parecer CNE/CEB No 30/2005, sobre
escolas brasileiras no Japão, quando atribui a estas escolas apenas o fator de convívio
social isentando-se de qualquer responsabilidade, vistoria ou suporte técnico,
administrativo ou de formação pedagógica. A este quadro reconhecemos a participação
zero da família e alunos nos projetos pedagógicos das escolas e atendimento precário
aos estudantes comuns e nada é feito pelos e para os alunos com necessidades especiais,
bem como não há inclusão.
Ao vermos as escolas brasileiras temos uma realidade aquém do esperado, a
inadequação de maior evidência encontra-se no atendimento da Educação Infantil e ao
Atendimento Educacional Especializado, as instituições apresentam falta de espaço
físico ou espaços alternativos para práticas de esportes e atividades livres, usam apenas
apostilados de empresas educacionais da iniciativa privada brasileira, massificando a
primeira infância, deixando atividades criativas e livres em segundo plano, no campo
do atendimento especializado, os profissionais que ali se encontram não estão
preparados para atender a diversidade, a adaptar os conteúdos para as crianças com
deficiências.
No Sistema japonês a situação também é desanimadora, as crianças típicas com
pouco conhecimento do idioma ficam em salas com tradutores, estes tradutores
denominados assistentes, não possuem formação profissional na área de Educação,
muitos nem mesmo tem concluído o ensino médio, alguns de origem da língua
espanhola fazem traduções para crianças brasileiras. Em suma, esta situação por si só já
comprova a falta de estrutura das instituições, soma-se a falta de compromisso para com
a criança estrangeira, uma vez que ela é vista não como um sujeito social e de direito,
mas sim como aquele que tem a opção de frequentar ou não a escola, não lhe é dado o
direito a educação e o Estado se abdica do dever de oferecer. Neste meio encontramos a

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criança com deficiência que também é tratada da mesma maneira, o caso complica
quando vai para escola especial, o caminho traçado para esses sujeitos, não há escolhas
e sim um destino pré determinado à escola especial. Ali segregado e privado do
convívio social inclusivo estes indivíduos não tem oportunidades de desenvolver suas
potencialidades.
Ao mesmo tempo em que temos leis que nos amparam, temos o sistema, a
sociedade, as escolas que com suas crenças arcaicas deixam a desejar o atendimento às
crianças e podam nossas possibilidades nos levando a uma luta solitária pelos direitos.

EXPERIÊNCIAS PARTICULARES
Trabalho na Escola Brasileira Sol Nascente, fundada em 2002 pela iniciativa
privada, homologada conforme Parecer no 22/2006, Processo 23123002522/2004-70,
publicado no Diário Oficial da União, Seção 1 em 15/3/2006, situada na cidade de
Kikugawa, estado Shizuoka e atende a Educação Infantil e Ensino Fundamental I. Como
todas as instituições brasileiras no Japão, funciona em prédio locado adaptado para fins
escolares, desde sua fundação esteve em expansão constante até a recessão econômica
mundial de 2008, quando devido o regresso de muitos brasileiros ao país de origem,
perdeu mais da metade de seus alunos. As precárias condições financeiras pelas quais a
escola passava levaram ao desligamento da proprietária e uma nova administração foi
implantada, o então proprietário procurou manter a escola ativa, porém com a
instabilidade econômica e falta de professores especializados deixou de atender o
Ensino Fundamental, continuando apenas com o atendimento à Educação Infantil e
atendimento contra turno para crianças provindas de escolas japonesas, bem como
crianças com deficiências, vindas de escolas especiais e salas especiais em escola
comum.
Delinear o Atendimento Educacional Especializado é um tema complexo para
nossa realidade. O que é limitação? Quem são as crianças com deficiências? Criança
deficiente, o que fazer? Criança estrangeira! Essa então, onde é o seu lugar dentro do
Sistema Educacional?
___O que eu faço com essa criança que não fala nada e só atrapalha a sala?
(Falas de professores na escola quando de um aluno com síndrome de down que
terminou por ficar isolado em um canto da sala, somente pintando durante um ano
inteiro, 2006.)

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___Manda para a sala especial, lá ela ficará melhor e não atrapalhará mais os
colegas.
___ Elas tem pai e mãe? É responsabilidade deles, nós não somos obrigados a
matricular crianças estrangeiras. (Fala da secretaria de educação quando de um pedido
para verificar dois irmãos que estavam sozinhos em casa sem frequentar escola, cidade
de Omaezaki em1999.)
___ Já fazemos muito em matricular essas crianças em nossas escolas, agora
você querer que nos esforcemos para encaminhá-las à universidades, é pedir demais,
elas não tem capacidades para isso. (Fala do secretário de educação da cidade, em uma
discussão acalorada comigo sobre a educação das crianças estrangeiras, cidade de
Kikugawa em 2014.)
___Procura outra escola para o seu filho, aqui ele não pode mais ficar, ele não
acompanha as tarefas e atrapalha a aula. A partir de amanhã não mais aceitaremos ele
aqui. (Relatos de três pais de crianças autistas que chegaram à Escola Brasileira Sol
Nascente, provindos de outras escolas brasileiras da cidade.)
Estas são apenas algumas poucas frases que ouvimos tanto das escolas
japonesas quanto das escolas étnicas aqui instaladas.
O Sistema japonês de ensino é muito bom, oferece muitas oportunidades,
difere muito do Brasil, há o acompanhamento e ligação desde a educação infantil até a
universidade. Tanto aqueles que decidem por trabalhar ao concluir o Ensino Médio,
quanto Universitário, a Escola ou Universidade, prepara, procura, encaminha e até
efetiva o aluno no mercado de trabalho. No segundo trimestre do terceiro ano iniciam as
entrevistas nas empresas, sabendo que a escola ensina e prepara o aluno para estas
entrevistas, nesse sentido as empresas preferem efetivar funcionários apresentados pelas
escolas ou universidades.
O Sistema realmente funciona para aqueles alunos considerados comuns, sem
deficiências, é claro. Porém àqueles que de alguma forma estão fora dos “padrões
comuns”, estes ficam segregados. A criança que apresenta alguma dificuldade já na
educação infantil e é enviada para a escola especial, ai realmente é feito um trilho e essa
criança não mais terá opções de mudar a linha do trem, seu destino será o “diferente”
para sempre e sem opções, somente aquele destino traçado por uma “ENORME
EQUIPE DE ESPECIALISTAS”, especialistas somente em teorias um tanto
retrógradas, digamos que com pouca especialização em vivência humana.

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Nesse contexto entra a dita “criança estrangeira”, essa então, em muitos casos
é deixada de lado, as vezes se torna “a visitante”, fica lá na sala por ficar. Aquela que
assimila bem os conteúdos, que domina perfeitamente o idioma, segue de maneira
comum na escola e segue da mesma forma que o aluno de origem japonesa, ensino
médio, universidade, trabalho, sem problemas, tudo funciona normalmente. Mas e
aquela que não domina o idioma? Aquela que realmente apresenta dificuldade,
deficiência? Aquela que a família não se importa e joga toda responsabilidade na
escola? À estas, a vida escolar é um verdadeiro descaso, o futuro é incerto e o mercado
de trabalho só lhes resta os terceirizados que realmente tratam o trabalhador como
“descartável”.
E o Sistema das Escolas Étnicas? Estas então realmente estão a desejar,
instaladas em uma sociedade fora do Brasil, mas que só ministram o currículo
brasileiro, uma grande incoerência, “Ensino Geografia e História do Brasil” para
indivíduos que vivem no Japão, nada é relevante, não conhecem a Geografia e História
da sociedade em que vivem, somente dados de um lugar distante que não tem nada a ver
com o seu dia a dia. Estes alunos não dominam o idioma local e isso reflete quando de
entrarem no mercado de trabalho. Como o próprio Sistema Brasileiro não encaminha
para o trabalho, as escolas aqui estabelecidas também não o fazem e mesmo se
tentassem trabalhar como o Sistema Japonês, seus alunos não têm a mínima condição de
competir com os japoneses. O que lhes resta então, apenas o trabalho “terceirizado
descartável”.
E neste contexto como ficam as crianças com dificuldades ou deficiências? São
“convidadas a se retirar” da maneira mais grosseira possível. “Procura outra escola
para o seu filho, aqui ele não pode mais ficar, ele não acompanha as tarefas e
atrapalha a aula. A partir de amanhã não mais aceitaremos ele aqui.”
Vivemos uma realidade atípica e frustrante para quem realmente acredita que a
Educação e só ela é capaz de mudar o mundo.

ESCOLA BRASILEIRA SOL NASCENTE


Escola brasileira homologada pelo MEC, qual durante dez anos também foi como as
escolas supracitadas, porém desde 2015 quando alterado a direção, mudamos o sistema,
hoje nos dedicamos a inserir nossas crianças na sociedade japonesa, trabalhamos com a
educação inclusiva, somos os únicos a atender Educação Especial, diga-se inclusiva.
Especializamo-nos em Educação Infantil e atendimento contra turno da escola japonesa,

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um tanto complexo. Estamos formando alunos bilíngues, até mesmo as crianças do
atendimento educacional especializado desenvolvem o bilinguismo, porém para nós
professores é um trabalho árduo, pois precisamos adaptar atividades em dois idiomas
para poder auxiliar as crianças.
De todas as crianças que passaram por nós, uma marcou muito, não por
apresentar dificuldade de aprendizagem ou limitações, deficiências e sim por apresentar
características de Desvio Anti Social, a falta de empatia, o comportamento atípico desde
os dois anos de idade causava muita apreensão, pois, nunca podíamos desviar os olhos
dele por medo de algo desagradável acontecer. Após tanto trabalho quando a criança
estava começando a atender aos nossos ensinamentos, quando começava a se conter e se
reservar um pouco, foi retirado da escola e transferido para outra, provavelmente voltou
a apresentar os “sintomas” e passou a usar tranquilizantes, sabemos que isso não
resolverá nada, pois empatia não se ensina, não se cria, tampouco se compra. Empatia
nunca aprenderá a ter, mas se recebesse Educação Social, aprenderia a conter seus
impulsos, mas isso lhe foi podado, e agora? E o futuro? E quando os tranquilizantes não
mais fizerem efeito? São tantas as interrogações...
Esta é uma sinopse bem restrita na nossa realidade. Este estudo continuará, necessito
continuar a estudar esta comunidade, é preciso ser ouvida a voz destas crianças de hoje,
para termos adultos comprometidos socialmente no futuro.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Disponível em: <
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ECidadania/Docs_referencia/declaracao_universal_direitos_cri
anca.pdf > Acesso em 1/3/2021

_________ Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf > Acesso em: 1/3/2021

_________ Documento Subsidiário À Política de Inclusão. Disponível em: <


http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/livro%20educacao%20inclusiva.pdf > Acesso em: 1/3/2021

JAPÃO. Constituição do Japão. Disponível em: < https://www.br.emb-


japan.go.jp/cultura/constituicao.html > Acesso em: 1/3/2021

______ Parecer CNE/CEB No 30/2005, sobre escolas brasileiras no Japão. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb030_05.pdf > Acesso: 9/7/2016.

_______ Parecer No CEB 25/2003, sobre Funcionamento de escolas para brasileiros no Japão.
Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb025_03.pdfn > Acesso: 5/3/2021.

______ Relatório de Viagem ao Japão. 13/10/2007. Disponível em: <


http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2007/relatoriojapao-2007-final.pdf > Acesso: 5/3/2021.

______ Resolução No 1, de 3 de dezembro de 2013, Define normas para declaração de validade de


documentos escolares emitidos por escolas de Educação Básica que atendem a cidadãos brasileiros no
exterior. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?
option=com_docman&view=download&alias=14811-rceb001-13-pdf&category_slug=dezembro-2013-
pdf&Itemid=30192 > Acesso: 5/3/2021.

UNICEF. Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990).
Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-
conferencia-de-jomtien-1990 > Acesso em: 1/3/2021

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