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Psicologia Aplicada à

Fisioterapia
Autora: Profa. Rita de Cássia Rezende Maciel
Professora conteudista: Rita de Cássia Rezende Maciel

Rita de Cássia Rezende Maciel, mestre em Educação pela Universidade de Sorocaba – Uniso, é formada em
Psicologia pela Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro e em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Sorocaba. Possui pós‑graduação em Formação em Educação a Distância e especialização nas áreas de
Psicologia Aplicada à Área da Saúde e Intervenções Psicológicas em Emergência.

Foi docente no curso de graduação à distância de Pedagogia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho – Unesp em convênio com a Prefeitura Municipal de Sorocaba, nos anos de 2004 e 2005, e no curso de
pós‑graduação Esquema I do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETPS, no ano de 2008.

Na Universidade Paulista – UNIP atua como docente desde 2003, ministrando diversas disciplinas em cursos
da área da saúde, sendo líder, no curso de Fisioterapia, das disciplinas de Psicomotricidade e Psicologia Aplicada à
Fisioterapia.

Além de professora universitária, atua como psicóloga clínica no atendimento a doentes crônicos. É psicóloga
concursada no Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes em Itu/SP, referência em hanseníase.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M152p Maciel, Rita de Cássia Rezende

Psicologia aplicada à fisioterapia / Rita de Cássia Rezende


Maciel. - São Paulo: Editora Sol, 2013.

180 p., il.

1. Psicologia. 2. Fisioterapia. 3. Desenvolvimento físico-motor.


I. Título.

CDU 615.8:159.9

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Profa. Melissa Larrabure

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Lucas Ricardi
Virgínia Bilatto
Sumário
Psicologia Aplicada à Fisioterapia
Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O FISIOTERAPEUTA.......... 11
1.1 A relação do fisioterapeuta com o “cliente”: a importância em conhecer a
realidade socioeconômica‑cultural....................................................................................................... 16
1.1.1 Formação do vínculo.............................................................................................................................. 18
1.2 A empatia e o processo de comunicação nas relações interpessoais.............................. 19
1.3 A importância do autoconhecimento........................................................................................... 22
2 AS EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS DO ADOECER E OS PRINCIPAIS MECANISMOS
INCONSCIENTES DE ADAPTAÇÃO E DEFESA: REGRESSÃO, NEGAÇÃO E RACIONALIZAÇÃO............. 24
2.1 Os ganhos secundários de adoecer e suas consequências................................................... 28
2.2 A dor e suas repercussões emocionais: os diversos tipos de dor....................................... 29
3 A formação da autoimagem............................................................................................................... 31
3.1 A autoestima........................................................................................................................................... 34
4 A personalidade: desenvolvimento, traços e aspectos relevantes....................... 35
4.1 A importância dos vínculos afetivos na formação da personalidade.............................. 37
4.2 A importância da regulação da ambivalência na formação da personalidade............ 40
4.3 Distúrbios graves de personalidade............................................................................................... 40
4.4 Noções básicas sobre as principais teorias psicológicas....................................................... 44
4.4.1 Teoria psicanalítica.................................................................................................................................. 44
4.4.2 Teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget.............................................................. 47
4.4.3 Teoria do desenvolvimento psicossocial........................................................................................ 48
4.4.4 Teoria do desenvolvimento de Gesell.............................................................................................. 49
4.4.5 Teoria comportamental......................................................................................................................... 50
Unidade II
5 Desenvolvimento intelectual, Motor, Emocional, Sexual e Social nas
diversas etapas da vida............................................................................................................................. 58
5.1 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 0 a 2 anos..................................................... 60
5.1.1 Desenvolvimento cognitivo da criança de 0 a 2 anos.............................................................. 69
5.1.2 Desenvolvimento psicossocial da criança de 0 a 2 anos......................................................... 70
5.1.3 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 2 a 6 anos....................................................... 71
5.1.4 Desenvolvimento cognitivo da criança de 2 a 6 anos.............................................................. 75
5.1.5 Desenvolvimento psicossocial da criança de 2 a 6 anos......................................................... 76
5.1.6 Desenvolvimento físico‑motor da criança de 6 a 12 anos..................................................... 77
5.1.7 Desenvolvimento cognitivo da criança de 6 a 12 anos........................................................... 79
5.1.8 Desenvolvimento psicossocial da criança de 6 a 12 anos...................................................... 80
5.1.9 Desenvolvimento físico‑motor do adolescente.......................................................................... 81
5.1.10 Desenvolvimento cognitivo do adolescente.............................................................................. 83
5.1.11 Desenvolvimento psicossocial do adolescente.......................................................................... 83
5.1.12 Desenvolvimento do jovem adulto: físico, cognitivo e social............................................. 85
5.1.13 Desenvolvimento da terceira idade: físico, cognitivo e social............................................ 88
5.2 Noções de psicomotricidade............................................................................................................. 91
5.2.1 Definição de psicomotricidade........................................................................................................... 92
5.2.2 Psicomotricidade: áreas de atuação..............................................................................................102
6 AS ESPECIALIDADES MÉDICAS E SUAS ESPECIFICIDADES: ASPECTOS PSICOLÓGICOS
DO PACIENTE, ASPECTOS FAMILIARES E ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE.............104
6.1 Cardiologia e pneumologia.............................................................................................................104
6.2 Dermatologia........................................................................................................................................105
6.3 Ortopedia e traumatologia..............................................................................................................108
6.4 Psiquiatria...............................................................................................................................................108
6.5 Estresse, estratégia de enfrentamento e saúde......................................................................110
Unidade III
7 A depressão e sua repercussão no adoecimento e no tratamento.....................120
7.1 Fatores motivacionais: a importância da motivação no tratamento............................125
7.2 Pouca ou nenhuma melhora dos “pacientes” e aspectos psicológicos do
fisioterapeuta...............................................................................................................................................128
7.3 Paciente terminal e a morte...........................................................................................................130
7.4 O luto: fases de enfrentamento....................................................................................................137
7.5 O luto patológico................................................................................................................................140
8 O fisioterapeuta e suas relações interdisciplinares......................................................142
8.1 O fisioterapeuta na participação de projetos de prevenção de doenças e
estímulo a melhor qualidade de vida.................................................................................................145
8.2 Projeto e suas definições..................................................................................................................145
8.3 Projeto com eficiência, eficácia e efetividade.........................................................................147
8.3.1 Projeto eficiente.................................................................................................................................... 147
8.3.2 Projeto eficaz.......................................................................................................................................... 149
8.3.3 Projeto efetivo....................................................................................................................................... 149
8.4 A gestão na área da saúde..............................................................................................................150
8.5 Programas de prevenção primária, secundária e terciária.................................................156
Apresentação

Caro aluno,

A disciplina Psicologia Aplicada à Fisioterapia visa propiciar a você, futuro profissional, a aplicação
de conceitos básicos da Psicologia por meio do conhecimento de diversos temas relacionados ao
conhecimento psicológico humano e, dessa forma, instrumentalizá‑lo a compreender os mecanismos
de ajustamento da pessoa frente ao adoecimento. Como ciência que estuda o comportamento, o campo
da Psicologia é amplo; portanto, se faz necessário conhecer os caminhos do desenvolvimento desde o
nascimento até o final da vida. Apresentaremos autores que, com suas pesquisas e estudos, tornaram
possíveis a compreensão das relações humanas, os meandros da mente humana, os mecanismos de
ajustamento e os quadros psicopatológicos. Por fim, estaremos abordando o trabalho em equipe
multiprofissional e a importância do conhecimento para a construção de programas e projetos para a
prevenção de doenças, tendo como propósito a melhor qualidade de vida para a população.

Esta disciplina tem como objetivos gerais:

• formar profissionais capazes de valorizar e compreender as relações humanas e de adotar uma


postura profissional compatível com esse valor;

• abordar, a partir da Psicologia evolutiva, o desenvolvimento pessoal e psicomotor do ser humano,


buscando, desta forma, inserir as informações teóricas nos campos de ação da Psicologia aplicada
à fisioterapia;

• levar o aluno à compreensão do que é Psicologia, quais são seus conceitos principais e como ela
se relaciona com a fisioterapia;

• fazer com que o aluno, ao final do semestre, seja capaz de entender como a percepção, a
personalidade e a afetividade determinam os comportamentos das pessoas, seres biopsicossociais,
e que esses comportamentos e suas consequências não são dissociados;

• contribuir para que o aluno adquira uma postura técnica, uma visão holística sobre o ser humano
que vier a necessitar de sua atenção profissional.

Já os objetivos específicos são:

• ajudar o aluno a compreender o homem sempre como unidade biopsicossocial, a ouvir e respeitar
os “pacientes” e seus familiares e a conhecer o funcionamento básico da personalidade humana,
seus aspectos adaptativos e seus modos mais comuns de adoecer;

• fornecer subsídios para uma compreensão do desenvolvimento humano nas diversas etapas de
vida, desde o período gestacional até a 3ª idade;

• conhecer as psicopatologias e os aspectos psicológicos de alguns tipos de doenças;


7
• compreender o processo motivacional e o estresse;

• instigar o desenvolvimento do autoconceito e da autoavaliação;

• desenvolver uma visão crítica da formação e prática da fisioterapia;

• discutir sobre as possíveis dificuldades emocionais que podem surgir, principalmente, no início
da prática profissional, como insegurança no procedimento, frustração na melhora de alguns
“pacientes” e medo da morte.

Este livro‑texto tem por finalidade servir como suporte didático para que as aulas sejam amparadas
por um conteúdo teórico‑didático e de fácil compreensão e acesso para você, aluno. Sua elaboração
teve como objetivo o uso de uma linguagem de fácil acesso, embora utilizando de termos técnicos,
conforme esperado para a formação do profissional.

Iniciaremos trazendo uma breve história da Psicologia, mostrando os caminhos por ela trilhados
desde os filósofos da Grécia Antiga até os dias atuais. Veremos a relevância da relação do fisioterapeuta
com seu cliente e a importância das relações interpessoais para o sucesso do tratamento. Abordaremos
o adoecer e suas consequências na vida da pessoa, incluindo a dificuldade de enfrentamento da dor
e os ganhos secundários. Você conhecerá também a importância dos vínculos para a formação da
personalidade, os distúrbios graves de personalidade e as noções básicas sobre as principais teorias
psicológicas.

Na sequência, estudaremos sobre o desenvolvimento intelectual, motor, emocional, sexual e social


nas diversas etapas do desenvolvimento humano, e você terá a oportunidade de conhecer os autores
que estudaram as etapas humanas em todas as suas dimensões, desde o nascimento até a velhice. Em
seguida, você aprenderá sobre a psicomotricidade e sua importância para o desenvolvimento humano.
Também estudaremos as especialidades médicas e suas especificidades, como os aspectos psicológicos
do paciente, aspectos familiares e a atuação dos profissionais da saúde. Além disso, abordaremos o
tema do estresse e as estratégias de enfrentamento para esse mal que se tornou tão presente no mundo
contemporâneo.

Finalizando nossos estudos, teremos como temas a depressão e as possíveis interferências no curso
do tratamento, a importância da motivação no tratamento e os aspectos psicológicos do fisioterapeuta
na melhora dos pacientes. Estaremos abordando a questão da morte e do luto, visto que, apesar da
dificuldade do tema, ele se torna mais presente entre os profissionais que atuam com pessoas portadoras
de diversos tipos de doenças. Na sequência, trataremos a questão do luto, suas fases de enfrentamento
e o momento em que o luto se torna patológico. Para encerrar, você terá a oportunidade de conhecer
as possibilidades de trabalho do fisioterapeuta, suas relações interdisciplinares e a importância na
participação de projetos de prevenção para melhor qualidade de vida da população em geral.

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Introdução

Imagine que em sua clínica, dentre os diversos clientes que você atende, há um sujeito adulto do
sexo masculino que chama sua atenção pela forma negativa como enfrenta o seu tratamento. Apesar
de seus esforços como profissional e das características positivas da recuperação, o sujeito olha para
você com desconfiança e acredita que todas as palavras são ditas apenas para amenizar suas dores,
tanto físicas quanto psíquicas – afinal, cada dia é visto como um grande fardo. Ele não vê possibilidade
de cura ou melhora para o seu caso e seu comportamento deixa evidente que não acredita no trabalho
profissional.

A partir deste caso, convido você a refletir sobre a diversidade de comportamentos que podemos
encontrar quando trabalhamos com pessoas e também sobre a forma como cada ser humano enfrenta
um momento de crise, como um acidente ou uma doença, que muitas vezes expõem o sujeito a uma
condição de dúvidas e incertezas com relação a si mesmo e à sua vida.

No caso do sujeito aqui apresentado, nos parece que todos os esforços do profissional são insuficientes
no sentido de fazê‑lo acreditar que a sua recuperação é possível. A fim de incrementar sua reflexão,
deixo algumas questões para que você faça a sua análise:

Como profissional, de que modo você enfrentaria um cliente com as características descritas no
caso?

E se não houvesse realmente a possibilidade de cura para o sujeito, como enfrentar tal situação?

A Psicologia aplicada à Fisioterapia

A Psicologia é uma ciência que tem como objetivo estudar os processos mentais do ser humano e
o seu comportamento. Estudar essa ciência é conhecer diferentes autores que, com seus trabalhos e
pesquisas, nos ajudam na busca da compreensão e análise da diversidade comportamental e mental do
sujeito.

Sua aplicação na área da saúde é de grande importância, pois o adoecer traz grandes transtornos
(físico, psíquico, social, cognitivo, espiritual) tanto para a pessoa que adoece como para aqueles que
estão próximos. Na maioria das vezes, é necessário também que muitos profissionais estejam envolvidos
no cuidado, no tratamento e na recuperação da pessoa.

Acrescentamos a importância da família nesse momento, o que nos leva a concluir que o contato
do profissional não se restringe apenas ao ser doente, mas a um grupo de pessoas, podendo variar de
acordo com as características do indivíduo e da situação em que ele se encontra.

No campo da Fisioterapia, é necessário ressaltar a importância do profissional no restabelecimento


físico e na busca de conforto para os casos mais complexos e que exigem do profissional tempo e
envolvimento maiores do que os habituais. Assim, conhecer e estudar algumas teorias da Psicologia
é instrumentalizar‑se para uma compreensão que afasta o profissional do senso comum e o leva para
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Unidade I

o conhecimento científico na interpretação do sujeito em seu cotidiano, esteja ele doente ou em


reabilitação, mas distante daquilo que apenas “achamos” em termos de comportamentos apresentados
pelo outro.

A proposta da disciplina não é o aprofundamento das temáticas apresentadas – mesmo porque


isso seria inviável, dado o tempo e os objetivos propostos. Entretanto, esperamos que, a partir dos
estudos e do despertar do interesse de acordo com cada tema, o aluno busque o aprofundamento e se
instrumentalize cada vez mais na compreensão não apenas objetiva, mas também subjetiva do sujeito.

Para uma boa formação, é necessário muito estudo e dedicação, como bem sabemos; assim, convido
você a percorrer algumas áreas da Psicologia e a refletir sobre a complexidade do ser humano.

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Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Unidade I
1 BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O
FISIOTERAPEUTA

Conhecer a história da Psicologia é de certa forma entrar em contato com a história da humanidade,
pois a busca pelo conhecimento, principalmente a compreensão da mente humana, sempre esteve
presente nas investigações do homem.

Assim, comecemos pela Grécia Antiga e os filósofos da época, pois foram eles os primeiros a tentar
sistematizar a Psicologia. O próprio termo Psicologia vem do grego, sendo que psyché significa alma
e logos quer dizer razão; assim, Psicologia significa estudo da alma, conforme nos apresentam Bock,
Furtado e Teixeira (1999). Os mesmos autores escrevem que a alma, ou o espírito, era concebida pelos
filósofos antigos como a parte imaterial do ser humano e compreenderia o pensamento, os sentimentos
de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção.

Os filósofos pré‑socráticos (assim chamados por antecederem Sócrates,


filósofo grego) preocupavam‑se em definir a relação do homem com o
mundo através da percepção. Discutiam se o mundo existe porque o homem
o vê ou se o homem vê um mundo que já existe. Havia uma oposição entre
os idealistas (a ideia forma o mundo) e os materialistas (a matéria que forma
o mundo já é dada para a percepção) (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 33).

A Psicologia toma consistência na antiguidade com Sócrates (469‑399 a.C.). A preocupação do


filósofo era conhecer o limite que separa o homem dos demais animais, reconhecendo que a diferença
estava na razão, pois é ela que permite ao homem se sobrepor aos instintos, base da irracionalidade.

Sócrates, ao definir a razão como característica exclusivamente humana (ou seja, a sua essência),
acabou abrindo caminho para a Psicologia, pois as teorias da consciência acabariam sendo obras dessa
primeira sistematização filosófica.

Na sequência, Platão (427‑347 a.C.), que foi discípulo de Sócrates, procura definir um “lugar” para a
razão no corpo e define a cabeça como o local onde se encontra a alma humana. O tórax ou a medula
seria o elemento de ligação entre a alma e o corpo.

Para Platão, havia necessidade de um elemento de ligação, já que ele concebia a alma como separada
do corpo, ficando livre para ocupar outro corpo quando a matéria deixava de existir.

Outro filósofo, Aristóteles (384‑322 a.C.), que foi discípulo de Platão e um dos mais importantes
pensadores, deixou sua contribuição inovadora. Aristóteles postulou que a alma e o corpo não podem
11
Unidade I

ser separados, considerando psyché como o princípio ativo da vida. Assim sendo, tudo o que cresce e se
reproduz possui a sua psyché ou alma. Dessa forma, os vegetais, os animais e o homem possuem alma,
sendo que a alma dos vegetais seria vegetativa, definida pela função de reprodução e alimentação. A
além dos vegetais, os animais teriam uma alma sensitiva, cuja função seria a percepção e o movimento.

Figura 1 – Aristóteles

O estudo de Aristóteles sobre as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações resultou no De


anima, obra sistematizada da psyché considerada o primeiro tratado em Psicologia.

Continuando nosso percurso na história, chegamos ao período romano e o desenvolvimento do


cristianismo, que passa a ser a força religiosa dominante e oficial no império a partir do século IV. Nesse
período a Psicologia é relacionada ao conhecimento religioso, tendo em vista que todo o poder político
e econômico também estava sob o poder da Igreja Católica. Dois filósofos se destacam nesse período:
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Inspirado em Platão, Santo Agostinho (354‑430) também fazia a separação entre a alma e o corpo.
A alma, além de sede da razão, era considerada a imortal prova da manifestação divina no homem e
elemento de ligação entre o homem e Deus. Era também considerada a sede do pensamento e, por esta
razão, algo a ser compreendida para a Igreja.

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Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Vivendo no período de ruptura da Igreja Católica e o aparecimento do protestantismo, São


Tomás de Aquino (1225‑1274) buscou em Aristóteles a distinção entre a essência e a existência.
Esse filósofo considerava que o homem, na sua essência, buscava a perfeição a partir da sua
existência. Vivendo no período religioso, ao contrário de Aristóteles, afirmava que Deus – e
apenas Ele – é capaz de reunir a essência e a existência, no sentido de igualdade. Nesse sentido, a
busca da perfeição se traduz na busca de Deus. Por meio de argumentos racionais para justificar
os dogmas da Igreja, São Tomás de Aquino garante para ela o privilégio exclusivo do estudo do
psiquismo.

Chegando ao período do Renascimento, a Europa atravessa profundas transformações. A descoberta


de novas terras e a consequente acumulação de riquezas pelas nações em formação (França, Itália,
Espanha, Inglaterra) faz com que o mundo vislumbre um novo tempo.

É um período de transição, em que o feudalismo perde a sua força para o surgimento de uma nova
organização econômica e social, dando início ao capitalismo. Bock, Furtado e Teixeira (1999) escrevem:

As transformações ocorrem em todos os setores da produção humana.


Por volta de 1300, Dante escreve A Divina Comédia; entre 1475 e 1478,
Leonardo da Vinci pinta o quadro Anunciação; em 1484, Botticelli pinta
o Nascimento de Vênus; em 1501, Michelangelo, esculpe o Davi; e, 1513,
Maquiavel escreve O Príncipe, obra clássica da política (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999, p. 36).

Grandes avanços também ocorrem na área da ciência. Copérnico (1473‑1543), astrônomo e


matemático, revoluciona o mundo apresentando a teoria heliocêntrica do Sistema Solar, colocando o
Sol como centro do universo, e não a Terra, como até então se acreditava.

Outro estudioso da época, Galileu (1564‑1642), físico, matemático, astrônomo e filósofo, foi
fundamental na revolução da ciência, estudando a queda dos corpos e assim realizando as primeiras
experiências da física moderna.

Ainda nesse período, Descartes (1596‑1660), um dos pensadores mais importantes na Revolução
Científica, concebe um trabalho revolucionário nas áreas da Filosofia e da Ciência, no qual postula a
separação entre a mente e o corpo, afirmando que o homem possui uma substância pensante e que o
corpo é apenas uma máquina quando desprovido do espírito.

No período renascentista foi possível o estudo do corpo humano morto, conforme afirmam Bock,
Furtado e Teixeira (1999). Isso tornou possível o conhecimento nas áreas da Anatomia e da Fisiologia, o
que muito contribuiu para o progresso da Psicologia. Nos períodos anteriores não era possível qualquer
violação ao corpo humano, pois toda verdade era ditada pela Igreja e o corpo humano era visto por ela
como sagrado por ser a sede da alma.

Em nossa trajetória pela história da Psicologia, chegamos ao século XIX, período em que vamos
encontrar o crescimento de uma nova ordem econômica e social. O capitalismo e o processo de
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Unidade I

industrialização fazem com que a ciência apresente respostas e soluções práticas no campo tecnológico;
assim, a ciência recebe um grande impulso, pois será o sustentáculo dessa nova ordem.

No período, independente da fé, o conhecimento toma novo impulso, e por meio da racionalidade é
possível o homem caminhar pela ciência. Bock, Furtado e Teixeira (1999) escrevem:

[...] estavam dadas as condições materiais para o desenvolvimento da


ciência moderna. As ideias dominantes fermentaram essa construção:
o conhecimento como fruto da razão; a possibilidade de desvendar a
natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A busca de um
método rigoroso, que possibilitasse a observação para a descoberta dessas
leis, apontava a necessidade de os homens construírem novas formas de
produzir conhecimento – que não era mais estabelecido pelos dogmas
religiosos e/ou pela autoridade eclesial. Sentiu‑se necessidade da ciência
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 38).

Como vemos, o homem liberta‑se das verdades consideradas absolutas ditadas pela Igreja e nesse
contexto surgem personagens que ajudam a transformar a história. Um deles foi o alemão Hegel
(1770‑1830), que demonstrou a importância da história para a compreensão do homem. Outro
personagem foi Darwin (1809‑1882), naturalista inglês que acabou com o antropocentrismo, trazendo
para o mundo a teoria da evolução.

Observação

A Teoria da Seleção Natural de Charles Darwin foi uma tentativa de


explicar a diversidade de espécie de seres vivos por meio da evolução.

Com tantos avanços, a Filosofia também necessitou se adaptar a esses novos tempos. Assim, com
o filósofo francês Augusto Comte (1798‑1857), surge com o Positivismo, postulando a necessidade de
maior rigor científico na construção do conhecimento nas ciências humanas.

Nesse contexto, em meados do século XIX, a Psicologia – que até então era estudada pela Filosofia
– passou a ser alvo de estudo pela Fisiologia e pela Neurofisiologia. Tais estudos levaram à formulação
de teorias sobre o sistema nervoso central, demonstrando que o pensamento, as percepções e os
sentimentos humanos eram produtos desse sistema.

Foram muitas as descobertas no campo da Psicologia a partir desse período:

• neurologia: em 1846 se descobre que a doença mental é consequência da ação direta ou indireta
de diversos fatores sobre as células cerebrais;

• neuroanatomia: a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, por não estar
necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores;
14
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

• fisiologia psicofísica: fenômenos psicológicos estudados pelos fisiologistas, como a fisiologia do


olho e a percepção das cores.

Com tantos estudos no campo na Psicologia, em 1860, Fechner (1801‑1887), físico e matemático,
e o alemão Weber (1864‑1920), considerado um dos fundadores da Sociologia, estudaram a relação
entre estímulos e sensação, permitindo a sua mensuração. Surgiu então a Lei de Fechner‑Weber. Tal lei
teve grande importância para a história da Psicologia porque instaurou a possibilidade do fenômeno
psicológico, o que era visto como impossível até então.

A Psicologia moderna surgiu na Alemanha no final do século XIX com Wundt (1832‑1920), Weber
e Fechner, que juntos trabalharam na Universidade de Leipzig. A eles se juntaram outros estudiosos: o
inglês Titchner (1867‑1927) e o americano William James (1842‑1910).

Apesar de nascer na Alemanha, foi nos Estados Unidos que a Psicologia encontrou um campo fértil
para o seu desenvolvimento, devido ao grande avanço econômico que colocou a América do Norte na
vanguarda do capitalismo. A partir disso surgiram as primeiras escolas em Psicologia, as quais deram
origem às inúmeras teorias existentes até os dias de hoje. Elas foram as seguintes escolas:

• associacionismo: teoria psicológica já anunciada por Aristóteles,


quando explicava as complexas experiências mentais como produto
de combinações (associações) entre elementos psíquicos mais
elementares (CABRAL; NICK, 2006, p. 33);

• estruturalismo: estuda a consciência em seus aspectos estruturais,


isto é, os estados elementares da consciência como estruturas do
sistema nervoso central (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 41);

• funcionalismo: considerada a primeira sistematização


genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Para
responder às questões: “o que fazem os homens” e “por que o fazem”,
W. James elege a consciência como o centro de suas preocupações
e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida em que o
homem a usa para adaptar‑se ao meio (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
1999, p. 41).

Já no século XX as teorias da Psicologia foram divididas em:

• behaviorismo: 1. doutrina de Watson (1913) segundo o qual o objeto


da Psicologia seria exclusivamente limitado aos dados observáveis do
comportamento exterior, motor, verbal, glandular, com eliminação
total da consciência, e sem apelo à introspecção, nem aos processos
fisiológicos internos. 2. Em sentido mais amplo, este termo passou a
designar Psicologia objetiva (PIÉRON, 1978, p. 52);

15
Unidade I

• gestalt: nascida na Europa surge como uma negação da fragmentação


das ações e processos, realizada pelas tendências da Psicologia
científica do século XIX, postulando a necessidade de se compreender
o homem como uma totalidade. A gestalt é a tendência mais ligada à
Filosofia (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 43);

• psicanálise: nasce com Freud na Áustria, a partir da prática médica,


recupera para a Psicologia a importância da afetividade e postula
o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da
Psicologia como ciência da consciência e da razão (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999, p. 43).

Cada uma dessas teorias apresenta um enfoque diferente para a compreensão do comportamento
humano. O behaviorismo nega a consciência e observa o comportamento como resultado do mundo
que rodeia a pessoa. Tanto o que podemos considerar como bom ou não bom na pessoa será resultado
do mundo que a cerca. A gestalt também não considera a consciência, mas, entre outros aspectos, a
percepção da pessoa sobre o mundo que a cerca e os estímulos que recebe. Já a psicanálise resgata
para a Psicologia os aspectos da consciência. Freud um escreveu extenso trabalho sobre os estudos que
realizou nesta área, os quais estaremos estudando em capítulos mais adiante.

Concluímos aqui esse breve histórico da Psicologia. Temos certeza de que esse conhecimento trouxe
para você a base necessária para a compreensão dos temas que estaremos abordando neste livro‑texto.

Lembrete

A Psicologia recebe o status de ciência a partir do seu “desligamento”


da Filosofia. No início do século XIX, estudiosos e pesquisadores buscam
novos padrões para a produção do conhecimento humano.

Conhecer o ser humano em todas as suas dimensões, tanto física como psicologicamente, além
dos aspectos cognitivos e sociais, ajudará você a reconhecer que, ao adoecer fisicamente, a pessoa terá
alterado todos os aspectos da sua existência, pois o homem deve ser considerado e compreendido em
todas as dimensões e sua interação no mundo.

Passaremos para o tema sobre a importância da relação fisioterapeuta‑cliente e a necessidade do


conhecimento socioeconômico‑cultural da pessoa.

1.1 A relação do fisioterapeuta com o “cliente”: a importância em conhecer


a realidade socioeconômica‑cultural

Estar tecnicamente preparado não é o suficiente para que o profissional se relacione bem com o
seu paciente. A técnica é importante, fundamental para que os resultados sejam positivos, mas toda a
técnica será insuficiente se o relacionamento entre o fisioterapeuta e o paciente não for adequada.
16
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Considerando que o trabalho do fisioterapeuta exige o uso das mãos, o tocar o outro, podemos
afirmar que, apesar da ética e dos cuidados que o profissional usa para esse tipo de procedimento, o
tocar pode desencadear reações negativas ou positivas no paciente, pois nem todas as pessoas recebem
e sentem da mesma forma essa proximidade física.

É importante lembrar que a pessoa só chega até o profissional porque algo não está bem com ela. É
isso que a faz procurar pelo profissional ou ser encaminhada até ele. Vamos entender um pouco sobre
o significado do adoecer:

Do ponto de vista médico, o adoecimento é sempre visto como alguma


função do organismo que não está desempenhando direito seu papel. A
visão que a medicina tradicional tem do homem é de um corpo com uma
expectativa previsível de funcionamento. Basta lembrarmos que para todo
o diagnóstico são solicitados vários exames, que vêm acompanhados de
uma tabela ou gráfico diante do qual é possível avaliar a “normalidade”
do resultado. Isso significa que existe um funcionamento desejável do
organismo, e quando esse funcionamento não é satisfatório, tem‑se uma
doença (ROTH, 2002, p. 130).

Entretanto, além dos aspectos físicos e dos métodos que a medicina utiliza para determinar se
a pessoa está doente ou não, temos que considerar também os aspectos psicológicos, as reações
emocionais diante do adoecer. E sobre isso temos a seguinte explanação:

Do ponto de vista psicológico, o adoecimento é uma situação inesperada


para a qual não estamos preparados, pois ninguém escolhe adoecer. Do
ponto de vista psicológico, trabalhamos estão com o sofrimento psíquico.
Uma situação desagradável, um certo mal‑estar, dor física e a incerteza
sobre o futuro são condições potenciais para que o sofrimento exista, mas
não são em si a dor de fato. O modo como reagimos a esses fatores é que
determina a intensidade do nosso sofrimento psicológico.

Quando a pessoa doente não tem clareza sobre a doença que tem e nem dos
recursos de que dispõe para enfrentá‑la, o medo pode tornar‑se extremo,
e isso, certamente, interferirá no curso do tratamento (ROTH, 2002, pp.
130‑131).

Podemos afirmar que sempre haverá um sofrimento psíquico no adoecer, pois a incerteza pelo
amanhã e o medo são condições inerentes nesse contexto, conforme exposto pela autora.

É necessário também ao profissional conhecer a realidade socioeconômica e cultural da pessoa,


pois podem ser pontos de apoio e sustentação importantes no enfrentamento da doença. Conhecer os
valores, o papel que a pessoa doente desempenha na família, suas crenças, enfim, tudo o que envolve
a pessoa ajudarão o profissional na sua avaliação sobre os recursos que a pessoa dispõe ou não para
enfrentar o momento.
17
Unidade I

Com certeza, para todo esse conhecimento e também para o trabalho a ser realizado, o diálogo entre
o profissional e a pessoa doente será fundamental, pois ajudará a amenizar a situação estimulando a
confiança da pessoa no profissional, bem como a autoconfiança.

Assim, não é possível estabelecer o sucesso do tratamento sem antes conhecer a pessoa, o diagnóstico
das causas que levaram o indivíduo para o tratamento (curativo ou paliativo). É importante também
conhecer as expectativas da pessoa que receberá o tratamento, seu estado emocional diante da doença,
seu grau de ansiedade e avaliar que tipo de relação o paciente tem consigo mesmo e com os outros.

É necessário que se estabeleça uma relação de confiança e ajuda mútua entre o fisioterapeuta e o
paciente, para que o ideal do tratamento seja conseguido e para que a pessoa se sinta cuidada.

Sobre o cuidar, vamos entender o que coloca Callanhan (1993 apud Pessini, 2004, p.168):

Cuidar de alguém é dar a ele nosso tempo, atenção, simpatia e qualquer


ajuda social que possamos prover para tornar a situação suportável, pelo
menos que nunca leve ao abandono. O cuidado deve sempre ter prioridade
sobre a cura, pelas razões óbvias: nunca existe uma certeza de que nossas
doenças possam ser curadas ou de que nossa morte possa ser evitada.
Eventualmente elas podem e devem triunfar. Nossas vitórias sobre a doença
e a morte são sempre temporárias, mas nossas necessidades de apoio,
cuidado diante delas são sempre permanentes.

Cuidar exige disponibilidade tanto de quem trata como de quem será tratado. Para tanto, vamos
entender como se formam as relações entre as pessoas por meio do vínculo.

1.1.1 Formação do vínculo

O sucesso das relações entre as pessoas depende do entrosamento entre elas e isso só é possível se
houver um vínculo que garanta o entendimento e a comunicação.

No que se refere ao profissional‑paciente, isso é essencial porque a formação de um vínculo


consistente dará ao paciente segurança em relação aos procedimentos que o fisioterapeuta irá realizar.
Há uma tendência de abandono do tratamento caso o paciente não sinta confiança no profissional e
isso independe da técnica e da competência do fisioterapeuta.

O primeiro vínculo/apego que o ser humano estabelece em sua vida ocorre quando, ao nascer, é
recebido por alguém que, além de acolhê‑lo, o protege e cuida para que ele possa sobreviver.

Segundo alguns estudiosos do comportamento humano, todos os vínculos que são estabelecidos no
decorrer da vida estão baseados nessa primeira experiência, essa vivência primitiva.

Para melhor compreender, vamos às explicações de Papalia, Olds e Feldman (2006, p. 245):

18
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

O apego é um vínculo emocional recíproco e duradouro entre um bebê e um


cuidador, cada um deles contribuindo para a qualidade do relacionamento.
O apego tem valor adaptativo para os bebês, assegurando que suas
necessidades psicossociais, bem como físicas, sejam atendidas. Segundo a
teoria etológica, bebês e pais possuem uma predisposição biológica para se
ligarem um ao outro.

O tema é tão importante, conforme os estudos realizados na área, que a qualidade das relações que a
pessoa estabelece com o mundo posteriormente está baseada nessas primeiras experiências. As mesmas
autoras escrevem:

A Teoria do Apego propõe que a segurança de apego influencia a competência


emocional, social e cognitiva das crianças (VAN IJZENDOORN; SAGI, 1997). A
pesquisa tende a confirmar isso. Quanto mais seguro é o apego da criança a
um cuidador, mais fácil parece ser para a criança posteriormente tornar‑se
independente daquele adulto e desenvolver boas relações com os outros. O
relacionamento entre o apego no primeiro ano de vida e as características
observadas anos depois ressaltam a continuidade do desenvolvimento e o
inter‑relacionamento dos diversos aspectos do desenvolvimento (PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006, p. 250).

É necessário atenção para que possamos entender as dificuldades que muitas vezes a pessoa
em tratamento apresenta e que não necessariamente estão focadas na pessoa do terapeuta.
Continuando nosso tema sobre a relação profissional‑cliente, vamos avaliar outros aspectos das
relações interpessoais.

1.2 A empatia e o processo de comunicação nas relações interpessoais

Neste item utilizaremos a conceituação de empatia como base fundamental para as reflexões críticas
posteriores, já que ao denotar conhecimento científico faz‑se necessária a vertente da fundamentação
teórica. Devemos reportar a empatia no processo de comunicação interpessoal.

Vamos à definição da palavra empatia:

Compreensão intelectual de uma pessoa por outra pessoa, associada


à capacidade de sentir como se fosse essa outra pessoa. Característica
essencial das atitudes e emoções de natureza estética, quando a pessoa se
identifica com um personagem literário, por exemplo. A psicanálise emprega
frequentemente empatia como sinônimo de introjeção e incorporação. A
empatia é fenômeno muito mais complexo do que a simpatia (CABRAL;
NICK, 2006, p. 98).

Essa definição é utilizada por vários pesquisadores, já que a empatia é definida como a forma citada,
ou seja, a capacidade para reconhecer ou compreender o estado de espírito ou a emoção da outra pessoa.
19
Unidade I

Podemos compreender então que a empatia é caracterizada como a capacidade de colocar‑se no


lugar da outra pessoa e, dentro de limites, tentar ajudá‑la.

A empatia não implica necessariamente compaixão, ela envolve compreender as emoções da


outra pessoa e o modo como ela se caracteriza é derivado da forma como a própria emoção é
caracterizada.

A capacidade de imaginar‑se como uma outra pessoa é um sofisticado processo imaginativo. No


entanto, a capacidade de reconhecer emoções básicas provavelmente é inata e pode ser alcançada sem
querer – ainda que possa ser treinada e conseguida com vários graus de intensidade ou de precisão.

Dessa forma, o profissional necessita sentir empatia pela pessoa doente e que necessita do seu
atendimento; ser solidário ao seu sofrimento não significa abster‑se das manobras do seu trabalho e
muitas vezes é inerente ao seu trabalho.

Observação

De acordo com o dicionário Michaelis (1998), compaixão significa dor


que nos causa o mal alheio; comiseração, dó, pena, piedade.

Para que a empatia possa acontecer, é necessário que haja uma comunicação eficiente entre o
profissional e a pessoa que necessita dos seus cuidados, pois sem ela toda informação poderá ser mal
compreendida ou distorcida.

Para melhor compreensão, vamos definir o que é comunicação. Embora o saibamos, pois estamos
sempre nos comunicando, é necessário entender o seu significado, já que para este estudo entende‑se
comunicação como a ação em comum, ou seja, ação visando à proximidade com o outro, caminhar sobre
a mesma perspectiva. No Dicionário de Psicologia (PIÉRON, 1978, p. 86) encontramos: “[...] transmissão
de informação. A teoria da informação emprega a linguagem das comunicações”.

Nesse contexto, é importante considerarmos que a informação pode ser transmitida tanto
verbalmente como a partir de outros meios, ou seja, existe a linguagem verbal que habitualmente
utilizamos para nos comunicar e há também a não verbal.

Conforme define Silva (2002), esse tipo de comunicação não está associada às palavras e ocorre por
meio de gestos, silêncio, expressões faciais, postura corporal etc. A autora apresenta ainda um estudo
realizado sobre a comunicação, no qual:

[...] apenas 7% dos pensamentos (das intenções) são transmitidos por


palavras, 38% são transmitidos por sinais paralinguísticos (entonação de
voz, velocidade com que as palavras são ditas) e 55% pelos sinais do corpo
(SILVA, 2002, p. 28).

20
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Neste sentido, é preciso estar atento para que a comunicação não verbal não seja mal interpretada
ou distorcida pela outra pessoa, o que poderá trazer transtornos na relação profissional‑paciente.

Procure fazer o exercício de observar quando alguém conversa com você, perceba se a expressão
facial ou corporal, por exemplo, corresponde àquilo que a pessoa está falando. Note, por exemplo, se a
pessoa está tensa ou descontraída e como é a expressão do seu rosto.

Esse é um exercício muito interessante e pode nos ajudar na construção de uma boa relação com a
pessoa doente, entendendo seu momento e seu sofrimento.

Mas há também outros aspectos a serem considerados na relação entre as pessoas, pois,
além da formação do vínculo e da empatia, é importante estar atento à relação de transferência e
contratransferência.

Embora seja um termo usado pela psicanálise de Freud, transferência e contratransferência não
surgiram dessa teoria e são usadas também por outras e em diferentes contextos das relações entre as
pessoas. Vamos à sua definição:

Transferência é o processo psicológico pelo qual são trazidos para o


relacionamento atual sentimentos e conflitos originários de relacionamentos
com pessoas importantes no início da vida, ou seja, reações emocionais que
ocorreram no passado são transferidas para o presente. Esse fenômeno
pode resultar em ligações afetivas intensas, irracionais, que não podem ser
explicadas com base em situações da vida atual.

Na maioria dos clientes, as atitudes transferenciais são predominantemente


positivas, contendo o mesmo tipo de expectativas e sentimentos que foram
um dia dirigidos para pais bons, que eram sentidos e percebidos como
principal fonte de proteção e segurança.

[...] Os sentimentos transferenciais do cliente com o profissional também


podem ser negativos. Neste caso, de transferência negativa, a atitude do
cliente se mescla com alguma matiz da escala negativa de sentimentos, tais
como a desconfiança, a inveja, o desprezo, a irritação ou até mesmo a ira, a
raiva ou a ira aberta (NOGUEIRA‑MARTINS, 2004, p. 37).

Conforme explica a autora, na transferência positiva o profissional terá menos com o que se
preocupar em sua relação com o paciente do que na transferência negativa, pois nesse caso o sucesso
do tratamento poderá ficar comprometido, já que a pessoa em tratamento terá um olhar negativo para
tudo o que o profissional possa estar realizando com ela. É importante estar atento e procurar avaliar o
tipo de comportamento manifestado pela pessoa. Sobre a contratransferência, Martins (2004) explica:

A contratransferência designa os movimentos afetivos do profissional como


reações aos de seu cliente e em relação à sua própria vivência infantil. A
21
Unidade I

contratransferência pode também ser positiva ou negativa e depende de


inúmeros fatores, advindos tanto do cliente (idade, sexo, situação social,
apresentação e comportamento) como do próprio profissional (estado de
cansaço, irritação, situação conjugal, social e de trabalho). Quando negativa,
a contratransferência pode se manifestar por atitudes que ocultam rejeição
ou agressividade inconscientes, como recusa de ouvir o cliente, por motivo
de pressa ou falta de tempo, e atos falhos, como esquecimento do horário
de atendimento, e “ameaça” de consulta psiquiátrica ou de hospitalização
(JEAMMET; REYNAUD; CONSOLI, 1989 apud NOGUEIRA‑MARTINS, 2004, p. 37).

Como podemos ver, as relações interpessoais são bem mais complexas do que poderíamos avaliar.
Assim, podemos afirmar que o sucesso ou não do tratamento estão baseados nessas relações e, conforme
colocado inicialmente, toda técnica e conhecimento científico por parte do profissional não garantem
o sucesso final do seu trabalho.

Figura 2 – Relações interpessoais

Para chegar à empatia é necessário percorrer um caminho em que as relações estejam calcadas no
autoconhecimento e no conhecimento do outro. Desse modo, dando continuidade aos nossos estudos,
passaremos para algumas explanações sobre o autoconhecimento.

1.3 A importância do autoconhecimento

Muito se ouve falar sobre o conhecimento e o autoconhecimento. De fato, o tema é de grande


importância quando se trata de estabelecer relações interpessoais e, principalmente, de cuidar do outro,
como faz o fisioterapeuta.

22
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Para que possamos contextualizar o tema ao trabalho do profissional e sua relação com o cliente,
é necessário compreender que, como a própria palavra esclarece, autoconhecimento é conhecer a si
mesmo em todas as suas dimensões e potencialidades.

Embora pareça simples, é preciso entender que para que a pessoa chegue a ter o conhecimento de
si mesma é necessária a consciência daquilo que ela construiu sobre si mesma, durante todo o percurso
da sua existência até o presente momento.

A importância do autoconhecimento leva a pessoa àquilo que ela acredita para si mesma, pois o
sucesso tanto nas relações como nos ideais que a pessoa estabelece para sua vida está baseado no
conhecimento de si mesma e do seu potencial para atingir o que estabelece como meta.

Confirmando a importância do autoconhecimento para a vida pessoal e profissional, apresentamos


a colocação de Mazulo e Silva (2010, p. 162):

Hoje, o autoconhecimento é uma ferramenta muito valorizada, permitindo


a conscientização sobre quem somos e a aceitação das nossas próprias
características. Saber realmente o que se quer e como projetar nossa carreira
fará de nós profissionais diferenciados, pois o resultado de nosso trabalho
será de melhor qualidade. [...] O autoconhecimento é um fator preponderante
para a construção de uma carreira bem sucedida e feliz (MAZULO; SILVA,
2010).

Como vemos, o sucesso da pessoa está calcado no autoconhecimento, tendo em vista que,
conforme as autoras afirmam, quando o sujeito conhece a si mesmo e aquilo que ele é com todas as
suas características, irá se projetar para o que planeja e acredita para a sua vida, tanto pessoal quanto
profissional.

Entretanto, para alcançar o autoconhecimento é preciso saber diferenciá‑lo de autoconceito, pois é


comum haver certa incompreensão a respeito do significado de cada um.

Vamos à definição do autoconceito conforme James (1968 apud Beraquet et al., 2004, p. 106):

Numa perspectiva mais ampla e abrangente pode‑se dizer que o


autoconceito surge da inter‑relação de três dimensões essenciais da vida
humana: 1 – a autoimagem; 2 – a imagem social e 3 – a imagem ideal, ou
seja, o autoconceito abrange uma percepção organizada, subjetiva e singular
de cada indivíduo sobre si mesmo, que se manifesta na autoestima ou no
nível de satisfação com essa percepção que pode ser de autoconfiança ou
autorrejeição, comparando o “eu percebido” com o “eu idealizado”.

Para concluir nosso tema, ressaltamos que para a pessoa obter o autoconhecimento é necessário
que, no decorrer do seu desenvolvimento, ela construa o autoconceito, ou seja, o conceito que ela
tem de si mesma, integrando na mesma perspectiva a maneira como ela se vê, a imagem que ela
23
Unidade I

projeta socialmente e que tudo esteja coerente com a imagem idealizada. Todas as pessoas têm em si a
percepção de como ela é; assim, todas essas dimensões, o autoconhecimento e o autoconceito devem
estar coesas com a autoestima, tema esse que veremos mais adiante.

Exemplo de aplicação

Realize uma reflexão sobre como você se vê e como anda o seu autoconhecimento e o autoconceito.

Posteriormente, observe as pessoas que o rodeiam e tente perceber como elas se comportam de
acordo com o que estudamos. Este é um exercício que o ajudará a ampliar o seu relacionamento
interpessoal e o seu desenvolvimento profissional.

2 AS EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS DO ADOECER E OS PRINCIPAIS


MECANISMOS INCONSCIENTES DE ADAPTAÇÃO E DEFESA: REGRESSÃO,
NEGAÇÃO E RACIONALIZAÇÃO

Para iniciarmos nosso estudo sobre o adoecer, é necessário pensarmos sobre o que é exatamente
adoecer; afinal, até que a pessoa tenha um diagnóstico médico, ela pode sentir‑se doente e apresentar
sintomas, mas somente após a avaliação de um especialista será possível afirmar que há uma doença.

Observação

Em medicina, diagnóstico é o conhecimento da doença por meio de


seus sintomas (SIMONETTI, 2009, p. 33).

Para deixar claro o trabalho que vamos desenvolver, vamos definir que trataremos do tema a partir
da confirmação de que se a pessoa está com diagnóstico médico confirmado, ela está doente.

A partir disso, vamos conhecer os mecanismos psicológicos que são desencadeados na pessoa e,
consequentemente, na família; afinal, quando um membro da família adoece, a família também será
afetada de alguma forma.

De acordo com Potter e Perry (2009), doença é um estado no qual o funcionamento físico, emocional,
intelectual, social, do desenvolvimento ou espiritual de uma pessoa está reduzido ou deteriorado em
comparação com experiencia anterior. A partir da colocação das autoras, podemos entender que o
adoecer não é apenas algo físico, mas também psíquico e cognitivo, afetando também as relações da
pessoa com o seu meio.·

Partindo da definição de doença propriamente, vamos entender quais os tipos em que ela pode se
apresentar:

24
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

• Doenças agudas: geralmente são de curta duração e não necessariamente são graves. Uma
virose, por exemplo, pode desencadear uma doença aguda, mas sendo adequadamente tratada,
em poucos dias a pessoa retorna ao seu cotidiano. Outro exemplo é quando a pessoa sofre uma
fratura ou necessita de certo tempo para se recuperar.

• Doença crônica: são aquelas que normalmente se desenvolvem lentamente e que duram
acima de seis meses. “De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças
crônicas são as principais causas de morte e incapacidade no mundo” (Fonte: <http://
www.min‑saude.pt/portal/conteudos/enciclopedia+da+saude/doencas/doencas+cronicas/
doencascronicas.htm>). Como exemplo de doenças crônicas, podemos citar a hipertensão
arterial, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e muitas outras.

É evidente que a doença crônica acaba sendo mais preocupante e causa maior transtorno na vida
da pessoa, mas adoecer é sempre algo sentido como uma ameaça à vida, pois a partir do momento em
que alguém sabe que está doente, seja um problema agudo ou crônico, poderá haver sentimentos de
impotência diante do adoecer e até desesperança em relação à vida.

Lembrete

A dor crônica e a doença crônica apresentam as mesmas características


com relação ao tempo, ou seja, se elas não melhoram no prazo mínimo de
seis meses, são consideradas crônicas.

Sobre o adoecer, Simonetti (2009, p. 37) expõe que:

[...] adoecer é como entrar em órbita. A doença é um evento que se


instala de forma central na vida da pessoa, que tudo o mais perde
importância ou então passa a girar em torno dela, numa espécie de órbita
que apresenta quatro posições principais: negação, revolta, depressão e
enfrentamento.

Conforme coloca o autor, a partir do diagnóstico de uma doença a pessoa não consegue conduzir
sua vida da mesma forma como até então o fez, e mecanismos psíquicos inconscientes serão acionados
na pessoa até que ela possa enfrentar ou não a nova realidade que se vislumbra.

Esses mecanismos citados pelo autor (negação, revolta, depressão e enfrentamento) podem ser
explicados da seguinte maneira:

• Negação: na posição de negação a pessoa pode agir como se a doença simplesmente não existisse,
ou então minimizar sua gravidade e adiar as providencias e cuidados necessários. De acordo com
Simonetti (2009), é o famoso “empurrar com a barriga”, deixando para amanhã a consulta com o
médico, a realização de determinado exame, o início do tratamento etc.

25
Unidade I

• Revolta: em geral é a fase mais difícil para o profissional, pois a pessoa, por estar doente,
mostra‑se inconformada com o que está vivendo e projeta sua frustração para o outro. Conforme
Simonetti (2009) a pessoa “cai na real”, enxerga a doença e enche‑se de uma revolta que pode ser
dirigida para qualquer lado: contra a doença, contra o médico que a comunica, contra a equipe
de enfermagem, contra si mesmo, contra a família, contra o mundo ou contra quem aparecer por
perto. O autor justifica tal comportamento afirmando que, quando uma pessoa adoece, ela perde
a liberdade e não pode mais agir como quer, tendo que fazer algo em relação à doença, gastando
seu tempo procurando tratamento ou então mudando hábitos de vida, e todos nós sabemos como
é irritante mudar nossos hábitos.

• Depressão: Kübler‑Ross (1996) considera este tipo de depressão como reativa, ou seja, é uma
reação emocional aos acontecimentos negativos pelas quais a pessoa está passando e pela perdas
que poderão ocorrer. A mesma autora o considera um momento importante e que ajudará na
aceitação do diagnóstico e do tratamento.

• Enfrentamento: nesta posição, a pessoa se sente fortalecida para enfrentar tudo o que está
acontecendo: a doença, o tratamento e até mesmo a morte, se for o caso. Simonetti (2009, p. 63)
define esta fase da seguinte maneira:

[...] na posição de enfrentamento a pessoa, mesmo estando doente, é potente


porque nada está sendo negado. Quando não nego nada em mim mesmo,
nem a existência de minhas fraquezas, quando posso ser eu mesmo com
meus defeitos e qualidades, quando posso agir a partir de meus sentimentos,
é, enfim, quando sou mais forte.

Outros mecanismos usados para o enfrentamento, além dos citados pelo autor, e que também
ocorrem a partir do diagnóstico de uma doença, são:

• regressão: mecanismo que ocorre, geralmente, em períodos de frustração. No caso da pessoa que
tem o diagnóstico de uma doença, é uma tentativa do sujeito de retornar a períodos anteriores
em que o problema atual não existia e as experiências eram mais prazerosas;

• racionalização: por meio da racionalização, a pessoa procura controlar as fontes de perigo, a


partir da formação de explicações. No caso da doença, a pessoa tenta, com explicações aceitáveis
e intelectualmente coerentes, justificar a sua doença.

Conforme encontramos descrito por diversos autores, o tipo e a intensidade das reações da pessoa
diante do adoecer irão variar de acordo com o diagnóstico da doença, com sua gravidade e também
com as características de personalidade da pessoa, pois cada uma irá enfrentar a situação de maneira
pessoal.

26
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Observação

Mais adiante você encontrará as noções básicas das principais teorias


psicológicas. Entre elas está o trabalho desenvolvido por Sigmund Freud
(1856‑1939) e o estudo sobre os mecanismos de defesa.

A médica Elizabeth Kübler‑Ross (1926‑2004) foi pioneira no estudo sobre as reações emocionais
da pessoa com doença grave. Seu trabalho é fundamental para os profissionais que trabalham com
pacientes crônicos, graves e/ou sem possibilidade de tratamento, pois os ajuda na compreensão das
reações e dos comportamentos apresentados por esses pacientes.

São descritos por Kübler‑Ross como estágios de adaptação. A autora escreve que eles não se manifestam
seguindo uma ordem, podendo variar de acordo com o momento e a própria situação da pessoa.

Os estágios são descritos da seguinte forma:

• negação e isolamento: é mais observado no início, quando a pessoa recebe a notícia de sua
doença e da gravidade da situação. A frase mais comum nesse estágio é: “Não é possível, não é
comigo”. Outra reação esperada é a dúvida quanto à troca dos exames. Quanto ao isolamento,
isso ocorre como uma tentativa da pessoa fugir do sofrimento. Gradativamente, vai havendo a
aceitação parcial;

• raiva: quando não há como negar a situação e tudo é uma certeza, a reação será de raiva e
indignação. Aqui a frase comum é: “Com tanta gente ruim no mundo, por que isso foi acontecer
comigo? Afinal, sempre fui uma boa pessoa”. Nesse estágio a relação profissional‑paciente é difícil,
sendo importante a compreensão por parte dos profissionais. A raiva é sempre projetada para o
exterior, por meio de comportamentos agressivos;

• barganha: nesse momento a pessoa tenta negociar com Deus ou com o que ela acredita que
pode devolver‑lhe a condição anterior à doença. Há uma tentativa de “troca”: o importante é
resgatar a saúde e, para tanto, podem ser realizadas promessas ou sacrifícios. Tudo será válido
para que a doença regrida ou desapareça;

• depressão: aqui uma grande tristeza se abate sobre a pessoa. Há um desânimo, a vontade de ficar
em silêncio, e a pessoa lamenta para si as perdas que vem acumulando devido à doença e também
pela possibilidade da morte. É importante que a família e os profissionais estejam atentos para
que esse estágio não se estenda por longo tempo, pois trata‑se de um período de lamento, mas
que deve haver uma reação para que o próximo estágio aconteça;

• aceitação: é o último estágio descrito por Kübler‑Ross. Nesse momento, a pessoa conseguiu
superar os estágios anteriores, principalmente a depressão. É possível para a pessoa aceitar tanto
o tratamento como também a morte.

27
Unidade I

Concluindo, Kübler‑Ross afirma que em todos os estágios o sentimento de esperança sempre está
presente, mesmo quando a pessoa já está na aceitação, pois tal sentimento está voltado para a sua
recuperação e melhora. Enfim, é com a esperança que o profissional deve trabalhar junto ao paciente,
pois isso trará confiança no tratamento e aumentará a sua expectativa de vida.

Continuando nosso estudo sobre o adoecer, vamos conhecer duas situações que ocorrem nesse
período e que são importantes de serem identificadas pelo profissional, pois são fatores que podem
interferir no desenvolvimento do tratamento.

Saiba mais

Assista ao filme Um golpe do destino (The doctor). Nele, o Dr. Jack McKee
(William Hurt), um bem sucedido médico, recebe o diagnóstico de câncer. A
partir de então, passa a ver a medicina sob outra perspectiva.

2.1 Os ganhos secundários de adoecer e suas consequências

Como vimos, o adoecer provoca diferentes sentimentos e reações na pessoa e, consequentemente,


na família. Pinto (2009, p. 169) escreve:

O adoecer provoca uma alteração na representação de mundo do paciente e


seus familiares; passam a frequentar mais o hospital, aproximam‑se de um
universo novo, com procedimentos e termos desconhecidos, para os quais
são leigos. É preciso interromper seus projetos para se dedicar a algo que
desconhecem: as cirurgias, a rotina hospitalar, os procedimentos clínicos.
Esta experiência é relatada por muitos pacientes como um sentimento de
despersonalização, como se a vida tivesse sido retirada e a doença ficado no
lugar, com as exigências de uma nova rotina, mudança de hábitos comuns,
interrupções de projetos de vida e o medo da morte.

Entretanto, apesar de toda mudança na rotina e dos projetos de vida interrompidos, há a necessidade
de enfrentamento desse universo desconhecido que agora a pessoa e a família passam a trilhar.

De acordo com Simonetti (2009), ao observamos com mais atenção e critério a pessoa doente,
vemos que a doença não lhe traz somente perdas; há também ganhos. A pessoa ganha mais atenção e
cuidados porque está doente. Continua o autor:

[...] ganha‑se o direito de não trabalhar, ganha‑se, se for o caso,


autocomiseração e até uma desculpa genuína para explicar dificuldades
existenciais, profissionais ou amorosas. Esses ganhos secundários da doença
demonstram como os aspectos psicológicos podem atuar como fatores de
manutenção do adoecimento (SIMONETTI, 2009, p. 18).
28
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Podemos entender que os ganhos secundários são de certa forma compensações que a pessoa tem
e que só foram possíveis a partir da doença.

Até mesmo na criança, conforme Peçanha (2008), observa‑se o desejo de preservar ganhos
secundários, como a obtenção de maior atenção da mãe. A atenção, o carinho e outros ganhos materiais
que a pessoa pode ter a partir do adoecer parecem aparentemente interessantes, mas do ponto de vista
psicológico e da recuperação da pessoa eles podem representar algo negativo; afinal, para o paciente há
o medo de que tudo se perca depois da cura.

É importante que o profissional esteja atento, principalmente quando o paciente começa a


demonstrar desinteresse pelo tratamento – por exemplo, com ausências injustificáveis ou referindo não
sentir melhora, mesmo quando tudo indica que ela deveria existir.

2.2 A dor e suas repercussões emocionais: os diversos tipos de dor

Outro aspecto do adoecer e que merece muita atenção por parte dos profissionais é a questão da
dor. Se adoecer é algo que transforma a vida da pessoa e da família, sentir dor é dificultar ainda mais o
sofrimento de quem a sente.

Ao mesmo tempo, a dor é um aviso, um alerta de que algo não está bem no organismo, pois quando
alguém a sente é recomendado que busque ajuda a fim de verificar qual é a sua causa.

Arantes (2008) escreve sobre a dor:

A dor significa algum sentimento que machuca, fere. Pelo corpo há milhares
de terminações nervosas que reagem quando há algo errado nas suas
proximidades. A dor é um sinal de alerta que notifica a presença de perigo
ou ameaça à integridade do ser. Esses sinais são conduzidos pelos nervos
até o cérebro, que processa a informação recebida. Segundo a Associação
Internacional para o Estudo da Dor (Iasp), dor é definida pela “sensação
desagradável, subjetiva, relacionada a uma lesão real ou potencial, ou
descrita em termos de tal lesão” (ARANTES, 2008, pp. 287‑288).

Pela sua subjetividade, é muito difícil estabelecer o grau e a intensidade de uma dor sentida por outra
pessoa. Entretanto, apesar de sua subjetividade, a dor não é algo abstrato, conforme afirma Carvalho
(1999). De acordo com o autor, ela é sentida e precisa ser compreendida e respeitada na sua totalidade,
para assim poder ser tratada. As características da dor e suas variações podem se apresentar da seguinte
maneira:

• Localização: a dor pode ocorrer nos músculos, juntas, dentes, pele ou


membros amputados, caracterizando a dor fantasma. A localização
também pode ser pontual e bem definida ou difusa, difícil de ser
apontada.

29
Unidade I

• Qualidade: principal sensação, ou forma que a dor toma, pode ser


formigamento, queimação, ardor, pontada, latejamento, pressão,
perfuração e corte, entre outros.

• Intensidade: a “intensidade” da dor pode ser percebida como forte,


fraca e em uma grande variedade de graduação entre os extremos
“sem dor” e “dor excruciante”, ou insuportável.

• Frequência: a dor pode ser ininterrupta ou episódica, ocorrendo em


diferentes intervalos de tempo.

• Natureza: a dor pode ser orgânica, com causa física conhecida e


reconhecida, ou psicogênica, sem qualquer causa física, associada ao
funcionamento ou momento psicológico da pessoa.

• Etiologia: a variável desencadeadora da dor pode ser fratura, cirurgia,


artrite reumatoide, cortes acidentais, acidente químico ou pancada,
entre várias outras.

• Duração: um episódio doloroso pode permanecer por diferentes


períodos de tempo, variando de alguns segundos a meses (CARVALHO,
1999, p. 17).

Na sequência do nosso estudo, é importante para o profissional conhecer e saber distinguir as


características da dor, tendo em vista que ela poderá variar de acordo com o tipo e a sua duração. São elas:

• dor aguda: de acordo com diversos autores, a dor aguda é o desconforto que tem duração de
alguns segundos a menos de seis meses. Ela está associada ao trauma ou lesão tecidual, algum
processo inflamatório ou doenças. São exemplos: se machucar, lesão ou trauma muscular, situação
de pós‑operatório, entre outros;

• dor crônica: é o desconforto com duração superior a seis meses, podendo durar muitos anos.
Geralmente acompanha alguma doença ou está associada a uma lesão tratada. Como exemplo,
temos a fibromialgia, a artrite reumatoide, alguns tipos de câncer e outros tantos, inclusive a dor
fantasma. Como visto anteriormente, esta é a dor que ocorre na pessoa que teve um membro
amputado, mas continua sentido dores ou latejamento apesar de saber que o membro não mais
existe;

• dor recorrente: Carvalho (1999) escreve que a dor recorrente é também aguda, porque ocorre
em episódios de curta duração, mas tem uma característica crônica, já que se repete ao longo
de muito tempo (às vezes ao longo de quase uma vida) e não está claramente associada a uma
etiologia específica, tal como ocorre com as dores agudas e crônicas. O exemplo mais conhecido
de dor recorrente é a enxaqueca, na qual o paciente sofre de forte dor de cabeça intercalada por
períodos livres de qualquer dor.
30
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Figura 3 – O grito

Podemos ilustrar o sentimento da pessoa com dor crônica por meio da conhecida pintura de Edvard
Munch intitulada O grito. Nela, vemos a figura de uma pessoa em desespero, o que nos leva a pensar
sobre o sofrimento físico e psíquico da dor como algo imensurável. Logo, merece de todo profissional
cuidado e atenção na busca de melhor qualidade de vida para o doente, principalmente aquele com dor
crônica.

O assunto da dor é tão sério que diversos estudos são realizados a esse respeito. Seu acompanhamento
e tratamento exigem a participação de diversos profissionais num trabalho de equipe, em função do
alívio da dor.

É fundamental que sejam oferecidos todos os recursos possíveis para o alívio e que a pessoa nunca
seja banalizada em suas queixas, pois é comum a pessoa ter seu humor alterado e a própria percepção
da realidade se compromete diante de todo sofrimento que a dor provoca.

3 A formação da autoimagem

Para dar início ao tema sobre a autoimagem é necessário conhecer o seu significado, e como a
própria palavra determina, autoimagem é a imagem que a pessoa tem de si mesma.

Aparentemente parece ser algo simples e de fácil compreensão, e de fato seria se parássemos apenas
no significado da palavra. Ocorre que a autoimagem compreende algo maior e mais profundo, por se
tratar da relação que a pessoa estabelece com o seu corpo e consigo mesma.

E aí surge uma pergunta importante: será que a imagem que a pessoa tem si mesma corresponde
ao que ela realmente é? Seria essa imagem positiva ou negativa? Um exemplo da distorção que pode
ocorrer nesse interstício é o caso da pessoa que sofre de anorexia nervosa (AN). A percepção de si e a
31
Unidade I

realidade de como ela realmente é está tão distorcida e comprometida que em muitos casos a situação
pode ser fatal para a pessoa.

Inicialmente, vamos entender o significado da palavra imagem no seu sentido psicológico: ela pode
ser definida como o “[...] produto da transposição psíquica da percepção de um objeto externo ou
interno” (CABRAL; NICK, 2001, p. 150).

Podemos entender, de acordo com a definição dos autores, que imagem é algo que pode estar tanto
internamente em nós quanto ser algo externo, como é a autoimagem. Assim, temos a percepção de
como é nosso corpo, mas não há garantias de que tal imagem seja a mesma que as pessoas vêm. Assim,
podemos considerar a autoimagem como algo pessoal, singular.

Nesse sentido, Tavares (2003, p. 27) traz a seguinte definição:

[...] imagem corporal é a maneira pela qual nosso corpo aparece para nós
mesmos. É a representação mental do nosso próprio corpo. A abordagem
da imagem corporal incrementa a convergência de intervenções motoras
e psíquicas na busca do desenvolvimento da pessoa. A questão central se
refere ao cerne da identidade do ser humano.

Toda identidade pessoal é construída em consonância com a imagem corporal e abarca tudo aquilo
que a pessoa sente e percebe de si mesma.

Para melhor compreensão entre a autoimagem e a imagem corporal, citamos Silva (2006, p. 74), que
escreve que “a autoimagem é o que pensamos de nós mesmos e parte importante dela é nossa imagem
corporal”.

Figura 4 – Imagem corporal

32
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Quando nos referimos à imagem corporal, estamos objetivamente discorrendo sobre o corpo físico,
e é sobre ele que a autoimagem, e consequentemente a imagem corporal, é construída.

Em casos em que a pessoa não consegue se perceber dentro de suas medidas reais, mesmo quando
o seu peso também está adequado, podemos dizer que está havendo uma distorção na autoimagem e
ela pode estar desenvolvendo a doença conhecida como anorexia.

Estar bem consigo mesmo e ter uma relação saudável com o próprio corpo é a essência para uma
vida com equilíbrio. A relação do sujeito com seu corpo é tão importante que Tavares (2003, p. 23)
escreve:

[...] percebemos o mundo e nós mesmos com nosso corpo. Nosso corpo carrega
a memória de nossa existência. Cada memória representa uma história de
relação com o mundo. Cada memória pode ser revivida, implicando uma
pequena mudança em nosso corpo. Percebemos com esse mesmo corpo que
se mostra aos outros. Ora nosso foco de percepção está no nosso corpo, ora
está no mundo externo. E esse movimento de expansão e recolhimento é
dimensionado pela nossa imagem corporal.

Como vemos, todo corpo carrega em si a história de uma existência, conforme podemos entender
daquilo que afirma a autora. No percurso do desenvolvimento humano e na própria trajetória da
existência, são deixadas inscritas no corpo as suas marcas.

Quanto maior forem os estímulos e as possibilidades de novas experiências do recém‑nascido


durante toda sua trajetória de vida, mais completa será a formação do esquema corporal. As experiências
corporais que definem a imagem corporal contribuem para a modelação de um esquema que refletirá
na adolescência e na vida adulta.

Sobre a imagem corporal, de acordo com diversos autores, esse é o período considerado como o
mais crítico para o curso da formação da imagem corporal. As transformações corporais nessa fase
ocorrem de maneira muito rápida e na maior parte das vezes a maturidade psicológica e a mental não
acompanham as mudanças físicas.

Lembrete

A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar grave que acomete


principalmente adolescentes e jovens do sexo feminino. Se não for tratada
adequadamente, pode levar a pessoa à morte.

O aumento da produção hormonal leva à maturação, fazendo com que surja um “novo corpo”, com
outra forma, um “novo rosto”, não mais de criança, mas de alguém que necessita se reconhecer e dele
se apoderar.

33
Unidade I

Concluindo, em qualquer fase do desenvolvimento é fundamental que a pessoa se sinta em equilíbrio


com sua imagem corporal, visto que esse é um processo dinâmico e em constante transformação.

3.1 A autoestima

Entender o significado da autoestima é simples, basta sabermos que estima significa, de acordo com
o dicionário Michaelis (1998), o “[...] ato ou efeito de estimar. 2 Apreço, consideração. 3 Apreciação,
avaliação. 4 Afeição, amizade”.

Acompanhando o interesse do nosso estudo, podemos entender que autoestima é a estima, o apreço,
a apreciação, a afeição que a pessoa tem por si mesmo. Confirmando tal interpretação, Beraquet et al.
trazem a seguinte definição:

[...] autoestima é o sentimento que a pessoa tem sobre si mesmo como um


todo. A autoestima é uma experiência íntima, é o que o sujeito pensa e sente
sobre si mesmo, portanto se define como a autoavaliação das características
do indivíduo (MALLE, 1999). Para Brockner (1988), a autoestima é definida
como a autoavaliação favorável das características individuais. O autor
formulou a hipótese de que pessoas com baixa autoestima são mais
vulneráveis aos eventos adversos do que pessoas com nível elevado de
autoestima (BERAQUET et al., 2004, p. 107).

Podemos entender, a partir da citação das autoras, que há em todas as pessoas um potencial favorável
ou não para o desenvolvimento da autoestima, tendo em vista que a relação que a pessoa tem consigo
mesma pode ser de amor e afeto ou de desprezo e desprazer.

Podemos pensar, por exemplo, em uma pessoa com autoestima positiva. Com certeza ela enfrenta
as dificuldades com confiança e acredita que é possível superar as adversidades, mesmo quando elas
parecem intransponíveis.

Ao contrário, as pessoas com autoestima negativa encaram a vida como um fardo. Sua confiança é
inexistente e os problemas são encarados como impossíveis de serem superados.

Confirmando nosso exemplo, temos a seguinte colocação:

[...] a autoestima é o valor ou afeto que depositamos sobre nós mesmos,


sobre nosso autoconceito. Quanto maior a autoestima, mais o indivíduo crê
em seu valor como pessoa. A autoestima está relacionada com a percepção
de eficácia do indivíduo. As pessoas com uma autoestima positiva tendem
a ser mais realistas em suas demandas, sendo os indivíduos com baixo
nível de autoestima os que tendem a pedir muito pouco nos processos de
negociação, terminando por serem tidos como menos eficazes e capazes do
que o são na realidade (BRANDEN, 1998 apud GARROSA‑HERNANDEZ et al.,
p. 250).
34
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Podemos afirmar que pessoas com baixa autoestima são aquelas que apresentam maior dificuldade
no relacionamento interpessoal. A crença na vida e no sucesso pessoal são metas inalcançáveis para
esse tipo de pessoa, pois o sentimento que os move é o de inferioridade, tanto com relação às pessoas
como consigo mesmo.

Todo profissional deve estar atento a pessoas que apresentam as características de baixa
autoestima, afinal, recuperar‑se pode representar algo que não condiz com o seu “merecimento”.
Desta forma, o tratamento pode arrastar‑se por muito tempo e dificilmente será sentido como
uma melhora significativa.

4 A personalidade: desenvolvimento, traços e aspectos


relevantes

Iniciaremos nosso tema sobre a personalidade explicando cientificamente o seu significado, pois
encontramos comumente pessoas discutindo sobre esse tema e afirmando que determinada pessoa tem
personalidade fraca ou o contrário, que sua personalidade é forte.

Mas, o que seria exatamente personalidade?

Personalidade é uma palavra de origem latina, cujo significado é persona, e está na raiz de ressoar;
portanto, persona significa soar através de.

Para melhor compreensão é necessário pensar que aquilo que somos reflete em nossas ações e
naquilo que somos.

No Dicionário de Psicologia de Piéron encontramos a seguinte definição de personalidade:

Este termo, entre todos os que a Psicologia moderna emprega, é, talvez, o que
tenha sofrido maior número de variações em seu significado. Allport (1937)
enumerou cinquenta acepções diferentes. O que personalidade representa
essencialmente é a noção de unidade integrativa de um ser humano, pelo
que inclui todo o conjunto de suas características (atributos) diferenciais
permanentes (constituição, temperamento, inteligência, caráter) e suas
modalidades específicas de comportamento. A definição dada por Sheldon,
inspirada nas definições de Warren e Allport, corresponde suficientemente
a essa noção: personalidade é a “organização dinâmica dos aspectos
cognitivos, afetivos, conativos, fisiológicos e morfológicos do indivíduo
(PIÉRON, 1978, p. 329).

Mesmo sendo estudada e definida por diferentes autores, podemos entender que personalidade
corresponde ao conjunto de características de uma pessoa, abrangendo todos os seus aspectos, como os
sentimentos, o comportamento e os pensamentos, fazendo o sujeito ser único e singular.

35
Unidade I

O estudo da personalidade se dá por meio de diferentes concepções de pesquisadores e


estudiosos que se debruçaram em sua investigação. Friedman e Schustack (2007) comentam que
a Psicologia da personalidade realiza seus estudos científicos sobre as forças psicológicas que
tornam as pessoas únicas. Os autores apresentam oito aspectos principais, que juntos ajudam na
compreensão da natureza complexa do indivíduo. Os fatores que influenciam a pessoa estão assim
descritos:

• aspectos inconscientes: forças que não estão na consciência imediata. Por exemplo,
poderíamos dizer ou fazer coisas para outras pessoas que nossos pais costumavam dizer ou
fazer para nós, sem nos darmos conta de estarmos motivados pelo desejo de ser semelhantes
a eles;

• forças do ego: que oferecem um sentimento de identidade ou self. Por exemplo, na maioria das
vezes nos esforçamos por manter um senso de domínio e consistência em nosso comportamento;

• biológico: como uma única natureza genética, física, fisiológica e temperamental. A espécie
humana vem evoluindo há milhões de anos e ainda assim cada um de nós é um sistema biológico
único;

• as pessoas são condicionadas e modeladas pelas experiências e pelo ambiente à sua volta. Ou
seja, as circunstâncias à nossa volta, às vezes, nos ensinam a responder de determinada forma,
possibilitando nosso crescimento em diversas culturas. A cultura é um aspecto fundamental na
determinação de quem somos;

• dimensão cognitiva: as pessoas pensam e interpretam ativamente o mundo a seu redor.


Diferentes pessoas interpretam os acontecimentos à sua volta de maneira também única;

• conjunto de habilidade e predisposição. Não há como negar que cada um de nós tem
determinadas capacidades e inclinações;

• dimensão espiritual em relação à própria vida, que os enobrece e os induz a ponderar sobre
o significado de sua existência. As pessoas não são meros robôs programados por computador;
a natureza do indivíduo é uma interação contínua entre a pessoa e determinado ambiente
(FRIEDMAN; SCHUSTACK, 2007, p. 2).

Podemos entender que é a interpretação e a influência de cada um desses fatores que formam a
personalidade da pessoa e, a partir da observação do comportamento humano, é que pesquisadores
escreveram as suas teorias.

Apresentamos a seguir as principais teorias da personalidade e seus representantes, conforme


descrito por Morris e Maisto (2004, p. 343):

• teoria psicodinâmica: considera que as origens da personalidade


estão nas motivações e nos conflitos inconscientes – frequentemente,
36
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

sexuais (MORRIS; MAISTO, 2004, p. 343). Seu principal representante


foi Freud (1856‑1939) que afirmava que o desenvolvimento da
personalidade tem sua base principal na satisfação dos instintos
sexuais, que ele denominou como libido. Alguns representantes desta
teoria são: Carl Jung (1875‑1961), Alfred Adler (1870‑1937), Karen
Horney (1885‑1952) e Erik Erickson (1902‑1994);

• teoria humanista: seus autores concentram‑se nas motivações


positivas para o crescimento e na realização do potencial na
formação da personalidade (MORRIS; MAISTO, 2004, p. 343). Carl
Rogers (1902‑1987) defendia que todo ser humano desenvolve sua
personalidade, a serviço de objetivos positivos;

• teoria de traços: categoriza as personalidades e afirma que as pessoas


diferem de acordo com o grau que têm de determinado traço de
personalidade. Gordon Allport (1897‑1967) afirmava que esses traços
são codificados no sistema nervoso central como estruturas que
guiam o comportamento;

• teoria da aprendizagem – cognitivo‑social: encontra as raízes da


personalidade nos modos como as pessoas pensam o ambiente, agem
sobre ele e reagem a ele, ou seja, todo comportamento está baseado
na interação do sujeito a partir da sua cognição (como ele pensa uma
situação), as experiências passadas e de aprendizagem e do ambiente
imediato. Para Albert Bandura, as pessoas avaliam uma determinada
situação a partir de expectativas internas e são essas expectativas que
influenciam o comportamento.

Podemos afirmar que não há entre essas teorias aquela que melhor explique o desenvolvimento
da personalidade de uma pessoa. Cada uma delas possui sua importância, tendo em vista que as
abordagens se fundamentam em aspectos relevantes e trazem sua contribuição para a compreensão do
comportamento humano.

4.1 A importância dos vínculos afetivos na formação da personalidade

Além dos aspectos até aqui estudados sobre as influências na formação da personalidade e as teorias
que buscam explicações a respeito do comportamento humano, há também outras influências, como a
as relações da pessoa com o seu meio familiar desde o seu nascimento.

Nesse sentido, encontramos a teoria do vínculo ou vinculação, que estuda sobre as primeiras relações
do bebê com o seu cuidador principal, seja ela a mãe ou a pessoa que a substitua.

37
Unidade I

Figura 5 – Vínculo afetivo

De acordo com estudiosos, para que haja um vínculo positivo da pessoa com o mundo, é necessário
que suas primeiras relações com o meio tenham sido desenvolvidas em uma base segura, que fará com
que a criança sinta que o mundo é um lugar confiável. Nesse sentido, é fundamental o estudo da teoria
do apego, que tem seu campo de pesquisa nessas relações.

Pioneiro no trabalho sobre a influência do apego na formação da personalidade, o médico inglês


John Bowlby (1907‑1990) considerava que todo o comportamento de vínculo tem valor de sobrevivência
para todas as espécies, não apenas para o ser humano.

Sobre o apego, Kaplan, Sadock e Grebb (2007, p. 164) explicam que:

[...] o apego se desenvolve gradualmente, resultando no desejo do bebê de


estar com uma pessoa preferida, que é percebida como mais forte, mais
sábia e capaz de reduzir a ansiedade ou a perturbação. Assim, essa condição

38
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

proporciona sentimentos e segurança. O processo é facilitado pela interação


entre a mãe e o bebê. A quantidade de tempo que passam juntos é menos
importante do que a quantidade de atividade entre os dois.

A respeito do vínculo, os autores escrevem:

[...] o termo vínculo às vezes é usado como sinônimo de apego, mas os dois
são fenômenos diferentes. O vínculo diz respeito aos sentimentos da mãe
para com seu bebê. As mães, em grande parte, não precisam de seus bebês
como fonte de segurança, como no caso do comportamento de apego.
Muitas pesquisas revelam que o vínculo ocorre quando há contato de pele
entre os dois ou quando outros tipos de contato são feitos, como pela voz
ou pelo olhar. Alguns pesquisadores concluíram que a mãe que tem contato
de pele com seu bebê imediatamente após o nascimento apresenta um
padrão de vínculo mais forte e pode proporcionar um cuidado com mais
atenção do que aquela que não teve essa experiência (KAPLAN; SADOCK;
GREBB, 2007, p. 164).

Podemos concluir que para que a pessoa desenvolva uma personalidade saudável, é necessário que
exista uma pessoa, não necessariamente a mãe biológica, mas alguém que sirva de apoio oferecendo
confiança desde o seu nascimento.

Para que o desenvolvimento ocorra da maneira como explicam os autores, existem algumas etapas
que devem ser vencidas pelo bebê na sua relação com a mãe ou cuidador. Tais etapas são divididas por
Bowlby e apresentadas por Kaplan, Sadock e Grebb da seguinte maneira:

[...] na primeira fase, às vezes chamada de estágio pré‑apego (do nascimento


a 8 ou 12 semanas), o bebê se orienta para sua mãe, segue‑a com os olhos
ao longo de uma faixa de 180º voltando‑se e movendo‑se ritmicamente
conforme a voz dela. Na segunda fase, também chamada de formação de
apego (de 8 a 12 semanas a 6 meses) o bebê se apega a uma ou mais
pessoas do ambiente. Na terceira fase, conhecida como apego claro (de 6 a
24 meses), chora e demonstra outros sinais de perturbação quando separado
do cuidador ou da mãe. Essa fase pode ocorrer já aos 3 meses em certos
bebês. Ao retornar à mãe, para de chorar e se segura nela, para se certificar
do seu retorno. Às vezes, enxergar a mãe após uma separação já é suficiente
para que o choro pare. Na quarta fase (25 meses e mais), a figura materna
é vista como independente, e um relacionamento mais complexo se forma
entre ela e a criança (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007, p. 164).

Podemos concluir que a formação de uma personalidade saudável exige uma série de etapas e
assimilações por parte da pessoa. A teoria do apego, a formação do vínculo, a influência dos fatores,
todos são aspectos fundamentais nesse desenvolvimento.

39
Unidade I

4.2 A importância da regulação da ambivalência na formação da


personalidade

Para tratarmos do tema sobre a ambivalência e sua importância para a formação da personalidade,
vamos entender o que significa ambivalência. Cabral e Nick (2006, p. 18) escrevem que se trata do:

[...] estado emocional em que a pessoa é atraída para direções psicológicas


opostas (afirmação‑negação, aceitação‑rejeição, amor‑ódio), gerando
um estado de impasse mental. Escreve H. Guntrip: “A ambivalência é vida
emocional de via dupla, caracterizada pelo amor e ódio simultâneos, que
entram em conflito logo que a pessoa se envolve em situação emocional
concreta. Constitui a base da depressão clássica. A culpa psicopatológica,
por se odiar alguém a quem também se ama, converte o ódio pelo objeto em
ódio pelo eu, até que toda a energia parece ficar absorvida na autotortura e
a personalidade parece mergulhar em estado paralisante, no que diz respeito
a suas atividades externas”.

A alternância entre um estado emocional e outro caracterizam a ambivalência, pois conforme o


desenvolvimento humano ocorre, diversos sentimentos se alternam naquilo que a pessoa estabelece em
suas inter‑relações.

Desde o início da vida da criança, a maturação anatômica, fisiológica e neurológica, somadas


ao desenvolvimento psicológico, vão construindo a formação da personalidade. Nesse percurso, é
natural que a criança sinta prazer com a presença da mãe ou substituta; porém, conforme ela vai se
desenvolvendo, há naturalmente um distanciamento físico da mãe, por volta do primeiro e do segundo
ano de vida.

Nesse momento irão ocorrer sentimentos de medo e insegurança pela figura perdida. A criança
normalmente chora, mas se houver vínculo seguro ela irá gradativamente percebendo que sua mãe
estará de volta depois de algum tempo. Em situações como esta os sentimentos se alternam, mas deve
prevalecer a confiança, garantindo o desenvolvimento psíquico saudável da criança.

Diante de situações de frustrações também podemos observar que os sentimentos se alternam, num
misto de desejo e repulsa, amor e ódio, prazer e desprazer. Todas essas experiências provocam emoções
e para a criança ainda em desenvolvimento será de fundamental importância aquilo que ela introjetar
dentro de si. É necessário avaliar quais os sentimentos que irão prevalecer.

Afinal, o mundo e o meio em que os seres humanos vivem oferece sempre situações das mais
diversas e nem sempre é possível sentir‑se realizado.

4.3 Distúrbios graves de personalidade

Quando nos referimos à personalidade de uma pessoa, habitualmente usamos adjetivos para designar
suas características. Falamos que uma pessoa é agressiva, ambiciosa ou calma, por exemplo. Há uma
40
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

infinidade de termos que podem ser usados para definir alguém, mas todos eles sinalizam características
coerentes com comportamentos esperados, que podem incomodar em determinados momentos, mas
que não irão interferir na dinâmica do ambiente com o qual ela convive.

Figura 6 – Distúrbio de personalidade

Entretanto, nem sempre o comportamento que observamos em determinadas pessoas correspondem


com aquilo que esperamos dela. Algumas se mostram contraditórias, seu comportamento não condiz
com o que ela expressa verbalmente ou ela se mostra enérgica demais em situações em que é necessário
certa flexibilidade. Em casos como esses ou outros em que não conseguimos traçar um perfil adequado,
acabamos confusos quanto ao que esperar da pessoa. Assim, é necessária a avaliação de um especialista
– no caso, o médico psiquiatra, que usará de critérios específicos para determinar um diagnóstico. Após
isso, deve‑se realizar o tratamento e o acompanhamento multiprofissional para que o sujeito seja visto
não apenas na sua psicopatologia, mas de maneira integral.

Os critérios que irão determinar o diagnóstico dos transtornos de personalidade estão descritos no
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders – DSM‑IV‑TR), elaborado pelos psiquiatras da Associação de Psiquiatria Norte‑Americana.

O DSM‑IV‑TR agrupa os transtornos de personalidade em três classes:

O grupo A cobre os transtornos de personalidade paranoide, esquizoide e


esquizotípica; os indivíduos com tais condições costumam ser percebidos
como estranhos e excêntricos. O grupo B é formado pelos transtornos da
personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista; os indivíduos
incluídos nesta categoria parecem dramáticos, emocionais e erráticos. O
grupo C inclui os transtornos da personalidade esquiva depende, dependente
e obsessivo‑compulsiva e uma categoria denominada transtornos
de personalidade sem outra especificação (como o da personalidade
passivo‑agressiva e o da personalidade depressiva); nesses casos, os
pacientes parecem ansiosos e medrosos. Vários indivíduos exibem traços
que não são limitados a um único transtorno de personalidade. Quando não
são satisfeitos os critérios para mais de um, os clínicos devem diagnosticar
cada condição (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007, p. 853).

41
Unidade I

Com base no DSM‑IV‑TR, Kaplan, Sadock e Grebb (2007, pp. 856‑870), apresentam as características
dos transtornos de personalidade que veremos a seguir:

• transtorno da personalidade paranoide: se caracterizam por


suspeita e desconfiança, persistentes das pessoas em geral. Recusam
responsabilidades por seus próprios sentimentos e atribuem‑na aos
outros. Costumam ser hostis, irritáveis e raivosos. Fanáticos, coletores
de injustiças, cônjuges patologicamente ciumentos e maníacos
litigantes muitas vezes têm essa condição;

• transtorno da personalidade esquizoide: é diagnosticado em


pacientes que exibem um padrão de reclusão social por toda a vida.
Seu desconforto com as interações humanas, sua introversão e seu
afeto embotado e restrito são notáveis. Os indivíduos com transtorno
da personalidade esquizoide costumam ser vistos como excêntricos,
isolados e solitários;

• transtorno da personalidade esquizotípica: os pacientes com esta


condição são notavelmente esquisitos ou estranhos, mesmo para
pessoas leigas. Pensamento mágico, noções peculiares, ideias de
referência, ilusões e desrealização são parte do seu mundo;

• transtorno da personalidade antissocial: trata‑se de uma incapacidade


de se adaptar às normas sociais que ordinariamente governam vários
aspectos do comportamento do indivíduo adolescente e adulto.
Embora caracterizado por atos antissociais e criminosos de forma
contínua, o transtorno não é sinônimo de criminalidade (a décima
revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde – CID‑10 – utiliza o nome transtorno
de personalidade dissocial);

• transtorno da personalidade borderline: pacientes com tal condição


se situam no limite entre a neurose e a psicose e se caracterizam
por afetos, humor, comportamento, relações objetais e autoimagem
extraordinariamente instáveis. O transtorno tem sido denominado
também esquizofrenia ambulatória, personalidade como se (descrita
por Helene Deutsch), esquizofrenia pseudoneurótica (descrita por Paul
Hoch e Phillip Politan) e transtorno psicótico do caráter (descrito por
John Frosch). A CID‑10 utiliza o termo transtorno da personalidade
emocionalmente instável;

• transtorno da personalidade histriônica: as pessoas com transtorno da


personalidade histriônica são excitáveis e emocionais e se comportam
de forma colorida, dramática e extrovertida. Acompanhando seus
42
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

aspectos bombásticos, contudo, por vezes há uma incapacidade da


manutenção de relacionamentos profundos e duradouros;

• transtorno da personalidade esquiva: as pessoas com este transtorno


exibem uma sensibilidade excessiva à rejeição e podem levar uma vida
socialmente reclusa. Embora tímidas, não são associais e mostram um
grande desejo de companhia, mas necessita de garantias muito fortes
de aceitação sem críticas. Em geral, são descritas como tendo um
complexo de inferioridade. A CID‑10 utiliza o termo transtorno da
personalidade ansiosa;

• transtorno da personalidade dependente: indivíduos com transtorno


da personalidade dependente subordinam suas próprias necessidades
às dos outros, conseguem que outros assumam responsabilidades
pelas áreas principais de suas vidas, têm falta de autoconfiança e
podem experimentar desconforto extremo quando sozinhos por mais
que um breve período de tempo. O transtorno tem sido denominado
personalidade passivo‑dependente. Freud descreveu uma dimensão
oral‑dependente da personalidade caracterizada por dependência,
pessimismo, medo da sexualidade, dúvida a cerca de si próprio,
passividade, sugestionabilidade e falta de perseverança. Tal definição
é similar à categorização do transtorno da personalidade dependente
apresentada pelo DSM‑IV‑TR;

• transtorno da personalidade obsessivo‑compulsiva: caracteriza‑se


por restrição emocional, tendência à ordem, perseverança, teimosia
e indecisão. A manifestação essencial do transtorno é um padrão
global de perfeccionismo e inflexibilidade. A CID‑10 utiliza o nome
transtorno da personalidade anancástica;

• transtorno da personalidade sem outra especificação: no DSM‑IV‑TR,


a categoria transtorno sem outra especificação é reservada para
transtornos que não se enquadram em nenhum dos tipos descritos
anteriormente. O transtorno de personalidade passivo‑agressiva
e transtorno da personalidade depressiva são exemplos. Um
espectro estreito de comportamento ou um traço particular – como
oposicionismo, sadismo ou masoquismo – também podem ser
classificados nesta categoria. Um paciente com manifestações de
mais de um transtorno da personalidade, mas sem critérios plenos de
qualquer um deles pode ser designado com essa classificação.

A partir das descrições apresentadas, é importante considerar que cada uma das características dos
transtornos da personalidade são uma referência para o diagnóstico da psicopatologia apresentada,
sendo muito importante uma avaliação criteriosa para se estabelecer o diagnóstico. Tão importante
43
Unidade I

quanto a avaliação da pessoa é o cuidado com a família, pois toda doença, tanto física como psíquica,
afeta também o ambiente onde a pessoa vive.

Observação

Conforme visto no site <http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.


php?area=040203>, a Classificação Internacional das Doenças (CID‑10)
foi conceituada para padronizar e catalogar as doenças e problemas
relacionados à saúde, tendo como referência a Nomenclatura Internacional
de Doenças, estabelecida pela Organização Mundial de Saúde.

4.4 Noções básicas sobre as principais teorias psicológicas

Como estudamos anteriormente, a Psicologia é uma ciência que tem como objetivo estudar o
comportamento humano. Assim, vimos que ela se baseia em estudos de diversos autores que se debruçaram
na análise de determinados aspectos da pessoa, a fim de entender suas reações e comportamentos.

A partir de profundas análises, o trabalho foi tomando corpo e acabaram resultando em teorias
psicológicas, a respeito das quais passamos a discorrer.

Embora já tenhamos citado os trabalhos de Sigmund Freud, vamos nesse momento conhecer as
bases de sua teoria, que recebeu o nome de psicanálise.

4.4.1 Teoria psicanalítica

Desenvolvida por Freud, seu método de estudo sobre o comportamento humano surgiu a partir
das observações e investigações como médico psiquiatra. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (1999), a
teoria caracteriza‑se por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida
psíquica. O método de investigação usado por Freud caracteriza‑se pelo método interpretativo, que tem
como objetivo buscar o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de ações e palavras ou
por meio das produções imaginárias, como os sonhos e os delírios.

Saiba mais

Assista ao filme Uma mente brilhante, produção de 2001 dirigida


por Ron Howard com interpretação de Russell Crowe. A história narra o
sofrimento de um gênio da Matemática que, a partir de alterações no seu
comportamento, recebe o diagnóstico de esquizofrenia.

44
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Figura 7 – Sigmund Freud

Freud produziu uma ampla obra sobre o desenvolvimento da mente humana com base no inconsciente.
Em 1900, escreveu sobre a estrutura do aparelho psíquico, que segundo ele refere‑se a três sistemas ou
instâncias psíquicas, divididas em inconsciente, pré‑consciente e consciente. Entre os anos de 1920 e
1923, reformulou este trabalho, chamando‑o de Segunda teoria do aparelho psíquico. Conforme Bock,
Furtado e Teixeira (1999, p. 77), tal trabalho se apresenta do seguinte modo:

• id: constitui o reservatório da energia psíquica, onde se “localizam”


as pulsões de vida e de morte. As características atribuídas ao sistema
inconsciente, na primeira teoria, são, nesta teoria, atribuídas ao id,
que é regido pelo princípio do prazer. Para melhor entendimento, o id
é o inconsciente, e não há como a pessoa ter acesso àquilo que está
nele, pois tudo fica reprimido, guardado, todas as experiências vividas,
tanto as boas como as ruins;

• ego: é o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id


e as exigências da realidade e as “ordens” do superego. Procura dar
conta dos interesses da pessoa. É regido pelo princípio de realidade
que, com o princípio do prazer, rege o funcionamento psíquico. É
um regulador, na medida em que altera o princípio do prazer para
buscar a satisfação considerando as condições objetivas da realidade.
As funções básicas do ego são: percepção, memória, sentimentos e
pensamento. O ego é o mesmo que eu, a parte consciente da pessoa,
a sua identidade e tudo aquilo que ela sabe de si;

• superego: origina‑se com o complexo de Édipo, a partir da


internalização das proibições, dos limites e da autoridade. A moral e
os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere‑se

45
Unidade I

a exigências sociais e culturais. Para compreender a constituição do


superego, é necessário introduzir a ideia de sentimento de culpa.
Neste estado, o indivíduo sente‑se culpado por alguma coisa errada
que fez ou que não fez e desejou em algum momento ter feito. Algo
considerado como mal pelo ego, mas não necessariamente perigoso
ou prejudicial, pode, pelo contrário, ter sido muito desejado. É
considerada mal porque alguém importante para ele, como o pai, por
exemplo, pode puni‑lo por isso. E a principal punição é a perda do
amor e do cuidado desta figura de autoridade. Portanto, por medo
dessa perda, deve‑se evitar fazer ou desejar fazer a coisa má; mas, o
desejo continua e, por isso, existe a culpa.

Ao se referir ao princípio do prazer, Freud afirma que o homem sempre busca, por meio do id
(inconsciente), o prazer pela satisfação dos instintos. Ao mesmo tempo, o ego (consciência) tem que
realizar a regulação, que é não permitir que todos os prazeres sejam satisfeitos, visto que isso seria
também impossível – mesmo porque há o superego, que não permite que todos os desejos sejam
realizados, agindo como uma força moral.

Nesse conflito que se instala, já que o ego parece pressionado tanto pelo id como pelo superego,
Freud vai buscar nos mecanismos de defesa do ego os recursos para que essa pressão seja “resolvida”.
No caso, o ego usa de tais mecanismos de modo inconsciente, ou seja, independente de sua vontade. Os
principais mecanismos são:

• reacalque: neste caso, o indivíduo “não vê” e “não ouve” o que aconteceu, existindo uma supressão
da realidade. No recalque, a percepção da pessoa sofre uma distorção. Por exemplo: ao ler um
documento, a pessoa “não vê” algumas palavras ou frases, comprometendo sua compreensão ou
lendo apenas aquilo que ela gostaria que estivesse ali;

• formação reativa: no caso, o ego afasta o desejo real para uma direção oposta. Um exemplo é o
excesso de atenção, a superproteção. De acordo com Freud, o desejo é exatamente inverso daquilo
que a pessoa demonstra;

• regressão: é o retono a etapas anteriores ao do desenvolvimento atual. Por exemplo, quando uma
pessoa adoece, ela pode apresentar um comportamento que não condiz com a sua idade, ficando
mais infantilizada;

• projeção: conforme explicam Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 79), é uma confluência de
distorções do mundo externo e interno. A pessoa projeta algo que é do seu interior e que ela não
reconhece como sendo seu para outra pessoa, por exemplo;

• racionalização: aqui a razão é colocada a serviço do ego e a pessoa usa de argumentos


intelectualmente convincentes e aceitáveis para justificar algo. Diversos autores escrevem que na
racionalização o ego coloca a razão a serviço do irracional.

46
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

Essa foi uma apresentação básica sobre a teoria de Freud. Em outro momento do nosso estudo
discorreremos sobre as etapas do desenvolvimento humano e voltaremos a discutir o seu trabalho.
Passaremos agora a estudar sobre outro teórico importante para a Psicologia e para a compreensão da
Psicologia humana.

4.4.2 Teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget

Jean Piaget (1896‑1980), biólogo, iniciou seu trabalho na área da Educação observando a interação
dos seus filhos com o meio. Ele percebeu que as crianças possuem uma forma particular de pensar e
aprender, ocupando‑se em estudar de que maneira se desenvolve a inteligência – o que resultou em um
extenso trabalho.

Figura 8

Para Piaget, o conhecimento construído pelo homem é resultado do seu esforço de compreender e
dar significado ao mundo. O autor escreve que:

[...] o desenvolvimento mental é uma construção contínua, comparável


à edificação de um grande prédio que à medida que se acrescenta algo,
ficará mais sólido, ou à montagem de um mecanismo delicado, cujas
fases gradativas de ajustamento conduziriam a uma flexibilidade e uma
mobilidade das peças tanto maiores quanto mais estável se tornasse o
equilíbrio (PIAGET, 1978, p. 12).

Por entender o desenvolvimento como construção, Piaget escreve as etapas nas quais o conhecimento
é construído, sempre de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento da criança.
Todo conhecimento tem início a partir do nascimento do bebê e se estende até a vida adulta.

Piaget usou o modelo biológico para explicar o desenvolvimento intelectual, afirmando que o homem
caminha na busca entre suas necessidades biológicas de sobrevivência e as restrições do ambiente para
a satisfação de tais necessidades. Nessa relação ocorre a organização, que é a capacidade que permite
ao sujeito ter condutas eficientes para atender às suas necessidades, consequentemente levando‑o a
uma adaptação.

47
Unidade I

Tanto o desenvolvimento intelectual como o biológico procuram sempre o equilíbrio e são


inseparáveis. O desenvolvimento intelectual é o resultado da constituição de um equilíbrio progressivo
entre o que Piaget chamou de:

• assimilação: a incorporação de novas experiências e informações recebidas pela pessoa;

• acomodação: para receber as novas informações há a necessidade de modificação das estruturas


mentais a fim de incorporar as novas experiências.

Assim, conforme a criança vai se desenvolvendo física e intelectualmente, ela vai passando por
diversos estágios que caracterizam a sua relação com o meio ambiente. Bock, Furtado e Teixeira (1999)
afirmam que cada período do desenvolvimento é caracterizado por aquilo de melhor que o indivíduo
consegue fazer naquela faixa etária (p. 101).

Mais adiante detalharemos os períodos do desenvolvimento escritos por Piaget. Por enquanto,
iremos apenas citá‑los:

• 1º período: sensório‑motor (dos 0 aos 2 anos de idade);

• 2º período: pré‑operatório (dos 2 aos 7 anos de idade);

• 3º período: operações concretas (dos 7 anos 12 anos de idade aproximadamente);

• 4º período: operações formais (dos 11/12 anos em diante).

As pesquisas realizadas por Piaget resultaram em amplo trabalho e farto material, servindo até
os dias de hoje como referência para outros autores da área da Educação, como Emília Ferreiro, que
aprofundou‑se no estudo da aprendizagem da escrita pela criança.

4.4.3 Teoria do desenvolvimento psicossocial

Erick Erickson (1902‑1994), médico psiquiatra, desenvolveu sua teoria partindo do aprofundamento
da teoria psicossexual de Freud, mas rejeitando que se explique a personalidade apenas com base na
sexualidade. Erickson acreditava na importância da infância para o desenvolvimento da personalidade,
mas para ele a personalidade continua a se desenvolver além dos cinco anos de idade, o que o diferencia
também de outros teóricos.

Em seu trabalho, Erickson propõe oito estágios do desenvolvimento psicossocial pelos quais um ser
humano em desenvolvimento saudável deve passar da infância para a idade adulta e, posteriormente,
quando idoso.

De acordo com o autor, é importante que cada fase do desenvolvimento seja bem resolvida
para que a fase seguinte possa ser superada sem problemas. O desenvolvimento acontece de
maneira crescente e sequencial, e quando algo não acontece da maneira esperada, podemos
48
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

pensar que há uma tendência de, na fase seguinte, aquilo interferir negativamente ou ocorrer o
seu oposto.

Assim como Piaget, Erickson concluiu que o desenvolvimento da criança não dever ser apressado, pois
é importante que se dê a ela o tempo necessário para cada fase, já que cada uma é fundamental para a
saúde mental. Isso significa dizer que apressar o desenvolvimento da criança pode trazer consequências
emocionais para a sua vida futura.

Os estágios do desenvolvimento descritos por Erickson são os seguintes:

• confiança versus desconfiança: até 1 ano de idade;

• autonomia versus vergonha e dúvida: 2 e 3 anos de idade;

• iniciativa versus culpa: 4 e 5 anos de idade;

• construtividade versus inferioridade: dos 6 aos 11 anos de idade;

• identidade versus confusão de papéis: 12 aos 18 anos de idade;

• intimidade versus isolamento: jovem adulto;

• produtividade versus estagnação: meia‑idade;

• integridade versus desesperança: velhice.

Assim como as teorias anteriormente apresentadas, esta também será detalhada mais adiante neste
livro‑texto.

4.4.4 Teoria do desenvolvimento de Gesell

Arnold Gesell (1880‑1961), médico pediatra, ocupou‑se em estudar o desenvolvimento da criança


considerando os aspectos maturacionais e explicando a influência dos processos fisiológicos. O ponto
central de sua teoria é sobre o padrão de crescimento, o qual Gesell afirma que cada criança é única e
orientada pela atividade genética.

O autor afirma que:

[...] o desenvolvimento da mente acha‑se profunda e inseparavelmente


ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso. Esse desenvolvimento
inicia‑se ainda durante a vida fetal (GESELL, 1999, p. 7).

Os estudos de Gesell apontam para outros aspectos do desenvolvimento que até então haviam sido
pouco valorizados, tendo em vista que para ele a integração dos fatores genéticos, o sistema nervoso
49
Unidade I

e o social estão intrinsecamente ligados, relacionados para o desenvolvimento do indivíduo. Daí seus
estudos apontarem para quatro dimensões de conduta do desenvolvimento, sendo elas: motora, verbal,
adaptativa e social.

Para que possamos entender o desenvolvimento a partir da perspectiva de Gessel, Berns (2002, p. 9)
explica:

[...] Arnold Gesell acreditava que o desenvolvimento ocorre numa sequência


ordenada determinada pela evolução da espécie e pela configuração biológica
de cada pessoa, isto é, seus genes. Embora a sequência do desenvolvimento
seja fixa pelo fato de ocorrer na mesma ordem para todas as pessoas, o
ritmo no qual um indivíduo progride nessa sequência é diferente.

A importância dos trabalhos de Gesell está extamente na compreensão que ele oferece do
comportamento motor da criança, o qual detalharemos mais adiante, quando serão apresentadas as
características de cada idade.

4.4.5 Teoria comportamental

Conhecida também como teoria behaviorista ou experimental, teve seu início nos Estados Unidos
com John Watson (1878‑1958).

Como estudioso do comportamento humano, Watson defendeu a ideia de que a Psicologia deveria
se ocupar apenas dos comportamentos possíveis de serem observados e medidos. Tais ideais foram ao
encontro daquilo que muitos psicólogos da época procuravam, visto que até então a Psicologia era
apenas subjetiva e vinculada às tradições filosóficas.

Como sabemos, para que um estudo se torne científico é necessário que alguns critérios rigorosos
sejam cumpridos, e a dificuldade da Psicologia estava exatamente em cumprir tais critérios, devido à
sua subjetividade.

Watson apresentou seus estudos defendendo uma perspectiva funcionalista para a Psicologia, ou
seja, o estudo do comportamento em função de certas variáveis do meio. Isso significa que, de acordo
com os estímulos que o organismo recebe, haverá uma determinada resposta, porque o organismo se
ajusta ao ambiente por meio da hereditariedade e pela formação de hábitos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
1999).

Watson tentava construir uma Psicologia livre de conceitos mentalistas e da subjetividade, sem alma
e sem mente, com capacidade de prever e controlar o comportamento.

Sobre a evolução da teoria comportamental, Bock, Furtado e Teixeira (1999, pp. 46‑47) escrevem:

[...] apesar de colocar o “comportamento” como algo objetivo da Psicologia,


o behaviorismo foi, desde Watson, modificando o sentido desse termo. Hoje
50
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

não se entende comportamento como uma ação isolada de um sujeito, mas,


sim, como uma interação entre aquilo que o sujeito faz e o ambiente onde
o seu “fazer” acontece. Portanto, o behaviorismo dedica‑se ao estudo das
interações entre o indivíduo e o ambiente, entre as ações do indivíduo (suas
respostas) e o ambiente (as estimulações).

Podemos entender que, com o passar do tempo, a teoria foi tomando corpo e aprimorando suas
descobertas científicas.

Assim, tendo em vista que o objeto de estudo estava centrado no comportamento do indivíduo, a
partir de observações os estudiosos chegaram aos termos resposta e estímulo, o que significa dizer que
o homem é resultado do ambiente onde ele está inserido: ele responde aos estímulos que recebe do seu
meio, mas ao mesmo tempo é ele quem faz o ambiente; portanto, o indivíduo tem uma ação sobre ele.

O sucessor de Watson foi B. F. Skinner (1904‑1990), que estudou a análise experimental do


comportamento por meio de um behaviorismo radical. Skinner formulou alguns conceitos, os
quais são:


comportamento respondente: conhecido também como
comportamento reflexo. São todas as respostas que ocorrem
na interação estímulo‑resposta e são incondicionadas, ou seja,
o sujeito não tem controle sobre o seu comportamento quando
recebe determinado estímulo. Por exemplo, quando estamos em um
ambiente onde há a incidência de uma luz forte, nossos olhos irão
controlar a entrada de luz através do “retraimento” ou diminuição
das pupilas. Existe uma infinidade de situações às quais somos
expostos e reagimos independentemente da nossa vontade ou
controle, ou seja, não estamos condicionados a responder desta
ou daquela maneira quando recebemos o estímulo. Isso significa
que o comportamento respondente independe de aprendizagem
para que ele ocorra;

• comportamento operante: são todas as respostas que o sujeito dá


a partir do estímulo que recebe. Na verdade, conforme Skinner,
todos os comportamentos humanos, todas as suas ações, das mais
simples às mais complexas, são comportamentos operantes. Para ele
o “comportamento operante refere‑se à interação sujeito‑ambiente.
Nessa interação, chama‑se de relação fundamental à relação entre
ação do indivíduo (a emissão da resposta) e as consequências” (BOCK;
FURTADO; TEIXIEIRA, 1999, p. 49).

A análise experimental do comportamento é utilizada em diversas áreas para treinamento de pessoas,


como é o caso, por exemplo, da Educação com os métodos de ensino programado.

51
Unidade I

Concluindo, vemos que há outras teorias que se debruçaram no estudo sobre o desenvolvimento
humano, mas nos ativemos àquelas que estarão servindo de base para a compreensão do indivíduo a
partir dos objetivos propostos na disciplina de Psicologia Aplicada à Fisioterapia.

Resumo

A Psicologia se inicia com a história da humanidade, por meio da


busca pelo conhecimento e a compreensão da mente humana. Quanto ao
significado do termo Psicologia, psyché significa alma e logos quer dizer
razão. Seu ponto mais consistente foi na Grécia Antiga e seus filósofos.
Sócrates define a razão como característica exclusivamente humana e abre
caminho para a Psicologia. Platão procura apontar um “lugar” para a razão
no corpo e define a cabeça como o local onde se encontra a alma humana.
Aristóteles postulou que a alma e o corpo não podem ser separados e
considera psyché como o princípio da vida. Posteriormente, Descartes
(1596‑1650) postula a separação entre a mente e o corpo, afirmando que
o homem possui uma substância pensante e que o corpo é apenas uma
máquina quando desprovido do espírito.

No século XIX, a Psicologia se desmembra da Filosofia por meio dos


estudos da Fisiologia e da Neurofisiologia, que afirmam que o pensamento, as
percepções e os sentimentos humanos são produto desses sistemas. A Lei de
Fechner‑Weber (1860) instaurou a possibilidade do fenômeno psicológico,
visto como impossível até então. As primeiras escolas em Psicologia foram
a do associacionismo, do estruturalismo e do funcionalismo. No início do
século XX, as teorias da Psicologia ficaram divididas em: behaviorismo,
gestalt e psicanálise. Cada uma apresenta um enfoque diferente, mas todas
buscam, por meio de seus estudos, a compreensão do comportamento
humano.

Conhecer as características do comportamento humano possibilita ao


fisioterapeuta maior facilidade na compreensão do sofrimento humano,
ponto fundamental para quem trabalha tão próximo da pessoa. Para a
relação profissional‑paciente, é necessário que haja um vínculo, o que
garante à pessoa em tratamento segurança e confiança no tratamento e
no profissional. A empatia também se faz necessária, visto que possibilita
ao profissional ver o outro com espírito de solidariedade. Para tanto, é
preciso haver uma comunicação eficiente e o autoconhecimento por parte
do fisioterapeuta.

O adoecer é uma experiência que traz à pessoa sofrimento, insegurança


e medo com relação ao futuro. Pode ser classificada como doença aguda,
ou seja, com curta duração, ou doença crônica, que em geral tem seu
52
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

desenvolvimento lento e com persistência acima de seis meses. Alguns


mecanismos de enfrentamento do adoecer apresentado pela pessoa e
também por sua família são a negação, a revolta, a depressão, a regressão
e a racionalização.

Kübler‑Ross (1926‑2004), médica e pioneira no estudo das reações e


emoções de pacientes com doença grave, descreve os seguintes estágios
de adaptação, encontrados na família: negação e isolamento, raiva,
barganha, depressão e aceitação. Em todos os estágios, a médica afirma
que a esperança é sempre encontrada, seja na cura, a partir de uma nova
medicação, ou a esperança em relação aos aspectos espirituais da morte.

Apesar do sofrimento do adoecer, pode haver benefícios, os quais


são chamados de ganhos secundários, pois em geral se ganha atenção e
cuidados, além de outras vantagens – o que somente é possível a partir da
doença.

Muitas vezes a doença traz consigo, além das dores psíquicas, as dores
físicas, que podem ser divididas em aguda, que tem curta duração, crônica,
com duração acima de seis meses, ou recorrente, com episódios de curta
duração, mas que possui as características da dor crônica.

A imagem que a pessoa tem de si mesma, chamada de autoimagem, é o


produto da transposição psíquica da percepção interna e externa do corpo.
Já a imagem corporal é como a pessoa parece para si mesma. Esta envolve
a autoestima, que é o sentimento que a pessoa tem sobre si mesma como
um todo.

Personalidade ou persona corresponde a um conjunto de características


de uma pessoa. Diversos autores descrevem os fatores que influenciam a
pessoa na formação da sua personalidade, assim como diferentes teorias
estudam o seu desenvolvimento, sendo elas a psicodinâmica, a humanista,
a de traços e a da aprendizagem.

Verifica‑se a importância da relação de vínculo para a formação da


personalidade. A teoria do vínculo estuda as primeiras relações da criança
com seu principal cuidador e espera‑se que haja uma base segura para que
o bebê sinta que o mundo é um lugar confiável.

A alternância entre um estado emocional (amor e ódio) caracteriza a


ambivalência e há necessidade da frustração para que a criança perceba que
nem tudo é possível no mundo, construindo relações que em determinado
pode encontrar prazer e em outros o desprazer. Isso colabora no equilíbrio
da personalidade.
53
Unidade I

Os distúrbios graves de personalidade só podem ser diagnosticados por


rigoroso exame psiquiátrico e a partir dos critérios estabelecidos pelo DSM
IV‑TR, que agrupa os transtornos nos grupos A, B ou C. A Classificação
Internacional das Doenças CID‑10 padroniza e cataloga as doenças
relacionadas à saúde, tendo como referências à Nomenclatura Internacional
de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como principais teorias psicológicas temos a psicanalítica, a do


desenvolvimento cognitivo, a do desenvolvimento psicossocial, a do
desenvolvimento de Gessel e a comportamental.

Exercícios

Questão 1. Mauro e Luciano aguardam por atendimento médico no Ambulatório de Saúde da


cidade onde moram. Apesar de residirem na mesma cidade, eles não se conhecem. Mauro carrega
uma expressão de dor e sofrimento; já Luciano, apesar de aparentemente emagrecido, mostra certa
tranquilidade e aguarda por sua vez para ser atendido.

Após alguns minutos, Mauro é chamado e relata ao médico os motivos de sua ida até lá:

— Doutor, como todo final de semana, fui com os amigos para um joguinho de futebol. Sempre
gostei do esporte e, apesar de estar com 48 anos, não abro mão dessa atividade, já que trabalho a
semana toda e levo uma vida muito sedentária. Acontece que no último sábado perdi o equilíbrio
enquanto corria no campo atrás da bola e cai. Desde então estou com muita dor na perna e no ombro.
Não estou aguentando andar e não suporto mais tanta dor.

Após solicitar alguns exames, o médico diagnosticou uma lesão muscular, receitou algumas
medicações e dispensou Mauro, recomendando que ele se não se sentisse melhor até os próximos dias,
retornasse.

Luciano entra tranquilo para o atendimento e relata ao médico a seguinte história:

— Doutor, tenho 38 anos e faço tratamento há um ano porque sou portador do vírus HIV (vírus de
imunodeficiência). Eventualmente sinto náuseas e não consigo ir para o trabalho porque sinto fortes
dores de cabeça. Acho que é enxaqueca, pois de tempos em tempos tenho tido essa dor. O médico
conversa com Luciano, prescreve as medicações de acordo com suas queixas e o orienta para que procure
o ambulatório de especialidade, visto que Luciano já faz acompanhamento lá.

De acordo com os relatos, identifique qual o tipo de dor que cada um dos personagens apresenta e
também a característica da doença de cada um.

A) Tanto Mauro como Luciano apresentam o mesmo tipo de dor, que é aguda. Embora as queixas
sejam diferentes, ambos também apresentam o mesmo tipo de doença, que é crônica.
54
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

B) Mauro apresenta sintomas de doença aguda e suas dores têm características de dor crônica. Já
Luciano apresenta uma doença aguda e dores crônicas.

C) Toda queixa apresentada por Mauro traz características de dor aguda e seu diagnóstico é de
doença crônica. As queixas de Luciano são de dor crônica e sua doença é crônica.

D) As características das dores de Mauro são de dor aguda e seu diagnóstico é de doença aguda.
Mauro apresenta o diagnóstico de dor recorrente e o diagnóstico é de doença crônica.

E) Pelas características dos sintomas, Mauro apresenta uma doença crônica e suas dores podem ser
classificadas como recorrentes. Luciano tem o diagnóstico de uma doença também crônica e suas
dores têm características de aguda.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: assim como o tipo de doença, as características das dores descritas por cada um dos
personagens são diferentes, o que não condiz com o que se afirma na alternativa.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a característica das queixas de Mauro é de dor aguda, mas ao contrário do que se afirma
na alternativa, sua doença não é crônica, e sim aguda. Luciano, por sua vez, apresenta o diagnóstico de
doença crônica e sua dor é recorrente, inviabilizando a alternativa.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: as características das queixas apresentadas por Mauro são de doença e dor agudas; já
Luciano apresenta o diagnóstico de doença crônica, mas sua dor é recorrente, visto que a enxaqueca
não é uma dor constante (crônica), mas se repete de tempos em tempos.

D) Alternativa correta.

Justificativa: Mauro apresenta dor aguda, pois ela se caracteriza pelo desconforto, tem duração de
alguns segundos e menos de seis meses. Geralmente está associada a algum trauma ou lesão tecidual.
Com relação ao diagnóstico que recebeu, também é do tipo agudo, pois é um problema que em pouco
tempo estará sanado. Luciano apresenta dor recorrente, pois de acordo com as características da dor
da enxaqueca, ela ocorre em episódios de curta duração mas se repete ao longo de muito tempo. Por
ser portador do vírus de imunodeficiência, Luciano tem o diagnóstico de uma doença crônica, que se
caracteriza por seu desenvolvimento lento e duração acima de seis meses.

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Unidade I

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a dor apresenta por Mauro não é recorrente, conforme se afirma na alternativa, bem
como seu diagnóstico não apresenta as características de doença crônica. Já no caso de Luciano, embora
ele tenha diagnóstico de doença crônica, sua dor não é aguda, mas recorrente.

Questão 2. Leia com atenção a tabela a seguir:

Tabela 1

Características teóricas Autor


1. Apresentou o método de investigação que
se caracteriza pela interpretação, buscando o A. Erick Erickson
significado oculto daquilo que é manifestado
por ações ou palavras.
2. Estudou a maneira como a inteligência se
desenvolve, afirmando que o conhecimento é B. Sigmund
construído pelo homem é resultado do esforço Freud
para compreender o mundo.
3. Para ele, a personalidade continua a se
desenvolver além dos cinco de anos idade e o
desenvolvimento ocorre por meio de estágios C. Jean Piaget
que se iniciam desde o nascimento, indo até a
velhice.

Agora, relacione a coluna numérica (das características das teorias) com a alfabética (dos autores) e
assinale a alternativa que traz a sequência correta:

A) 1C, 2A, 3B.

B) 1B, 2C, 3A.

C) 1B, 2A, 3C.

D) 1A, 2B, 3C.

E) 1C, 2B, 3A.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: nenhum dos pares está correto.

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Psicologia Aplicada à Fisioterapia

B) Alternativa correta.

Justificativa: o método de investigação que se caracteriza pela interpretação, buscando o significado


oculto daquilo que é manifestado por ações ou palavras, é o de Sigmund Freud. Logo, 1B. Quem estudou
a maneira como a inteligência se desenvolve, afirmando que o conhecimento é construído pelo homem
e é resultado do esforço para compreender o mundo Foi Jean Piaget. Portanto, 2C. Por fim, para Erick
Erickson a personalidade continua a se desenvolver além dos cinco de anos idade e o desenvolvimento
ocorre por meio de estágios que iniciam desde o nascimento indo até a velhice. Assim, 3A.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: embora a afirmação sobre Sigmund Freud esteja correta, as demais estão invertidas.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: nenhum dos pares está correto.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: embora a afirmação sobre Erick Erickson esteja correta, as demais estão invertidas.

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