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A IDADE MÉDIA SOB A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA DOS CONCEITOS: O

ESTUDO DO CONCEITO DE INFANTE.

Dr. Carlos Eduardo Zlatic 1

Resumo: Para o desalento dos historiadores, advertiu Marc Bloch em sua obra Apologia da
História ou O Ofício do Historiador, os homens não mudam seu vocabulário de maneira
sincrônica ao câmbio dos costumes. Aceitar essa afirmação implica em manter constante
atenção aos termos empregados pelas fontes e os significados a eles atribuídos pelos sujeitos
históricos de um determinado contexto, preocupação estruturante da metodologia da História
dos Conceitos, conforme exposto por Reinhart Koselleck. Partindo dessa premissa, pretende-
se abordar a importância da compreensão dos conceitos para as pesquisas concernentes ao
período medieval a partir do estudo do conceito de infante no reino de Portugal ao longo da
Dinastia de Borgonha (1140-1385). Procedendo com a análise dos documentos contidos nas
chancelarias régias, é possível constatar alterações no emprego daquela palavra que
acompanham a afirmação do poder dos monarcas, a dinâmica política no interior da linhagem
régia e suas relações com a sociedade medieval portuguesa.

Palavras-Chave: História dos Conceitos, Dinastia de Borgonha, Infante.

As fontes escritas são um dos suportes privilegiados na pesquisa historiográfica a


respeito da Idade Média. Não se trata, com essa afirmação, de reduzir a importância do
recurso às imagens de variadas tipologias, moedas, medalhas e brasões, ou ainda os vestígios
arqueológicos, mas de reconhecer o peso que o registro escrito impõe ao medievalista. Ora, os
manuscritos, documentos régios, nobiliárquicos ou eclesiásticos, crónicas, inquirições, livros
de feitos e de linhagens, todos esses depósitos da memória possibilitam que as vozes do
passado possam ecoar até o presente. Mesmo a oralidade, para o medievalista, é escrita.
Mas esse diálogo através do tempo não se estabelece na mesma linguagem entre as
partes. O passado fala palavras que os ouvidos do presente não compreendem. Não me refiro
somente aos aspectos semânticos ou gramaticais da língua, mas ao significado que o léxico
adquire a partir da sociedade, política, economia e cultura da realidade histórica na qual
estava inserida. Reside, portanto, no estudo das palavras do passado, a chave para mais bem
compreender o que aquelas pessoas têm a nos informar. Dentre esse conjunto de termos, o
conceito ocupa lugar singular como aglutinador de significados e indicativo da realidade
histórica que orienta o seu emprego.

1
Bolsista do Programa Nacional de Pós Doutorado (PNPD/CAPES) junto ao Programa de Pós-Graduação em
História da UFPR (PPGHIS/UFPR). carloszlatic@gmail.com.
O conceito como ponto de toque

Partiremos das palavras de Marc Bloch, que afirma: “[...] para o grande desespero dos
historiadores, os homens não tem o hábito, a cada vez que mudam de costumes, de mudar de
vocabulário” (2001: 59). Em concordância com esse alerta, é necessário que aquele que busca
compreender o passado não perda de vista que os significados carregados pelas palavras são
determinados pelo contexto histórico e se prendem diretamente à realidade que envolve
aqueles que as empregam. Contudo, os homens não criam um conjunto lexical inteiramente
novo a cada modificação dos elementos históricos que o cercam; alguns termos são cunhados,
enquanto outros tantos experimentam modificação em seu significado e, portanto, no seu uso.
É desse pressuposto que busco partir para desenvolver minha análise.
O esforço em compreender as palavras do passado pelo conjunto de significados que
detinham para os que as registraram pode ser constatado em muitas das pesquisas de
medievalistas que, preocupados fugir do anacronismo impostos pelo olhar contemporâneo por
sobre a medievalidade, oferecem análises profundas a respeito da sociedade medieval a partir
do estudo de uma palavra. Dois exemplos podem ser aqui apresentados.
Com o intuito de construir um modelo explicativo para o feudalismo, Alan Guerreau
buscou compreender o léxico que designava as formas de poder na Idade Média. Conforme
apresentado pelo historiador francês, dominium, que em Cícero significava banquete, passou a
contemplar um conjunto de significados2 que, ao longo da Idade Média, designavam a
detenção de poderes sobre a terra e os homens que nela estavam. De modo similar, potestas,
sinônimo de poder de um magistrado no período antigo, passou a indicar os pressupostos da
autoridade do seignorie3, palavra que também experimentou uma alteração de sua acepção
desde a Idade Antiga para a medievalidade, deixando de fazer referência a alguém com idade
avançada para indicar o os ocupantes do cume da sociedade feudal (GUERREAU, 1982: 219-
221).
Partindo dessa compreensão, Alan Guerreau defende que o poder de domínio do
senhor englobava terra e homens de maneira indissolúvel. Esse entendimento não apenas atua
como um dos pilares da teoria desenvolvido pelo autor acerca do sistema feudal, como
também funciona como ponto de lança para suas críticas a concepção materialista acerca da
Idade Média, negando a existência da noção econômica entre uma classe de senhores e outra
de produtores (GUERREAU, 1982: 222).

2
Inserir os significados? 219
3
Inserir os significados? 220

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