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por
Orientadora:
Prof' Dr9 Marly Bulcao Lassance Brito
por
Banca Examinadora
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Agrade cimentos
RESUMO
-
"
-
'·
Esta dissertacáo tem por objetivo mostrar
RESUMÉ
SUMÁRIO
1. INTRODU<;ÁO 9
6. CONCLUSÁO 136
7. BIBLIOGRAFIA 141
O TEMPO GEROU meu sonho na mesma roda de alfareiro
Cecília MeireleH
,,_ l
9
1. INTRODUCAO
Henri Poinceré'
valor da ciencia, trazido a luz em 1905. Trata-se de um texto que reflete muito
francés traca um paralelo entre verdade científica e verdade moral, com vistas
humanas e se justifica: "Em urna palavra, aproximoas duas verdades porque sao as
1 In: POINCARÉ, H. O valor da ciencia. Traducáo: Maria Helena Franco Martins. Revisáo
técnica: lldeu de Castro Moreira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 5.
10
mesmas razóes que nos fazem amá-las, e sao as mesmas razóes que nos fazem
temé-las'".
domínios próprios elas "se tocam, mas náo se penetrarn'". A finalidade desse
2 ldem. p. 6.
3 lbidem
4 ldem, p. 9.
•
• 11
século XX.
Heidegger constitui-se como urna abertura forjada e mantida pela acáo direta
do "querer saber".
ente.
5 Ser-aí ou presenca; Heídegger recusa-se a usar o termo "homem" tendo em vista seu forte
caráter antropológico.
12
mutante, sempre e a tal ponto que nele cabe apenas o espanto filosófico: "O
Ciencia tal como ela se apresenta em seu cotidiano mais íntimo, praticando
"processo".
6 BACHELARD, G. Essai sur la connaissance approchée. 4 ed. Paris: J. Vrin, 1973. P.284.
Traducáo nossa.
7 LACROIX, Jean. Gestan Bachelard el hombre y la obra. In: Lacroix, J. et alii. lntroduccion a
Bachelard. Buenos Aires: Calden, 1973. p. 18. Traducáo nossa.
13
Bachelard.
emerge como tema central de sua obra fundamental Ser e Tempo. publicada
i
do próprio ser, onde o homem é apenas urna de suas entíñcacóes.
E o segundo met o de
estudos náo existem dados sensíveis de onde partir, nem idéias a partir das
quais se erguem teorías. Náo há, portante, a possibilidade do susbtrato seja ele
correspondencia seja do intelecto para com o real, seja do real para com o
há, portante. é apenas um processo infinito de retificacáo de erros que nao quer
imaqinacáo humana .
.......
problemas advindos da crise das ciencias nos primeiros anos do século XX. É a
estudo relembrando que no final do século XIX havia urna unidade acerca do
real sensível.
das geometrias nao euclidianas, urna nova no980 de real comeca a se delinear,
como poderemos ver nos exemplos que seráo desenvolvidos mais adiante.
caminhos e, por isto mesmo, com urna utilizacáo muito própria dos termos
brincadeira com a seguinte fórmula do poeta Paul Valéry para definir o fazer
científico: "é preciso reduzir o que se ve aquilo que se vé~. Diz agora Bachelard:
"é preciso reduzir aquilo que nao se ve áquilo que náo se ve, passando pela
Neste sentido, a relacáo racional deve concretizar-se num real "visível" cuja
das coisas e era justamente a impossibilidade de atingir este "ern si" que
Bachelard, urna ciencia que é puro construto (que nao parte nem quer chegar).
o que movimenta esta nova ciencia sáo os erros de sua própria caminhada.
9 In BACHELARD, G. Essai sur la connaissance approchée. 4 ed. Paris: Vrín, 1973. pp. 7-8.
Traducáo nossa.
21
'-...
... ~ As "concepcóes" realcadas por Bachelard, que suscitam a abordagem do
-- ..
-
·.- problema da verdade, tratam:
verdade tradicional:
fronteiras.
próprio ato de conhecer, nao há, neste sentido, paradeiros, limites, acertos; o
erres, que podemos traduzir como sendo isto a própria esséncia do ato de
conhecer, ato este que, em si mesmo, nao parte nem quer chegar, já que é
sua vez, constituí-se como algo capaz de se submeter a técnica. Portanto, nao
tradicáo.
acáo gerúndia. Para Bachelard, o vetor dessa acáo é "urna vontade técnica"
que aos poucos vai substituindo o apodítico pelo assertórico, ou seja, vai
dinamice.
dado importante é que o filósofo ergue, a partir de sua ótica, toda urna
10,
metafísica em polémica com a nocáo tradicional deste termo isto é, com a
conhecimento.
1 O O conceito de Metafísica em geral: (Cf. Abbaganano, 2. ed., 1982, p.633). "A ciencia
primeira, isto é, a ciencia que tem como objeto proprio o objeto comum de todas as outras e
como principio próprio um princípio que condiciona a validada de todos os outros. Por esta
pretensáo de prioridade {que a define) a M. pressupóe urna situacáo cultural determinada, isto
é, a situacáo na qual o saber se organizou e se dividiu em ciencias diferentes, relativamente
independentes urnas das outras e tais que exigem a deterrnínacáo de suas relacóes recíprocas
e sua integrayáo sobre um fundamento comum. Esta era precisamente a sltuacáo que se havia
verificado em Atenas por volta da metade do IV século {a.C.) por obra de Platáo e de seus
discípulos que haviam contribuído poderosamente no desenvolvimento da matemática, da
física. da ética e da política."
24
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Nosso intuito é tentar demonstrar que a epistemologia de Bachelard, de
física, na paisagem vigente das ciencias dos séculcs XVIII e XIX que
própria, cuja explicacáo, para que nao haja equívocos, deixo na voz do próprio
filósofo:
concretizayáo".12
requer um rompimento definitivo com tudo o que senso comum entende por
11 In: BACHELARO,G. ldéalism Discursif. In:--. Études. París: Vrin, 1970. p. 95-96. Traducáo
de Marly Bulcáo (textos de aula). ·
12 Ibídem, p. 91.
26
conhecer.
experiencia de obter dados, por isso direta; em última análise, a batanea nao
Bachelard:
técnico-matemática.
14 lbidem.
15 ldem, P- 124.
16 Ibídem.
17 Ibídem.
29
---
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Os exemplos que Bachelard expóe para justificar sua tese sao inúmeros.
"milagre" da razáo, mas fazer aparecer urna nova feicáo do que entendemos
de nos corroborar:
ser ou, por outras palavras, este ordenamento suscita descobertas que
preenchem as lacunas que levavam a crer na contingencia do ser material. 18
do que quer Bachelard nos fazer ver: a questáo da verdade científica. No lugar
tecer as sínteses das teorías acerca do real, mas ressaltar, fazer ver o processo
incandescente, cuja técnica rompe náo só com o que lhe antecede, mas
18 Op. Cit. traducáo de Joáo Gama. Lisboa: Edicóes 70, 1990, p. 260 (grifos do autor)
31
Aplicado, do qual vimos nos servindo desde o ítem anterior. Tal exemplo reforca
A Lampada de Edison consiste numa técnica que visa impedir que certo
por urna ampola de vidro, cujo objetivo é conservar o vácuo em torno dos
sem, com isto, se queimar. A primeira experiencia com éxito aconteceu no dia
19 ldem, p.125.
20 ldem, p:126.
32
lampada por Edison, 79 anos depois, é urna técnica racional inspirada por "Ieis
nunca o fogo em consideracáo, muito ao contrário: para que haja luz, neste
Edison toma por base a lei de Joule que relaciona energia (W), resistencia (R),
resistencia pode ser controlado náo pela quantidade ou qualidade do fogo, mas
caso, é o númeno que subjaz ao fenómeno lampada elétrica. lsto é o que faz a
21 ldem, p. 130.
33
outro.
que permitem o progresso, nao do aparato técnico que lhe é conseqüente, mas
da luz em si, mas da producáo de luz a partir da racionalidade que pode ser
infinitamente aperfeicoada,
-- náo saja a propria racionalidade e náo quer chegar a nenhuma verdade; desse
modo, náo há o que continuar ou para onde evoluir, há sim o que se construir
·.: J
fenómeno concreto certamente é porque o problema ou está mal colocado ou
22 Essai... , p. 244
23 fbidem.
35
existem nem sujeíto nem objeto, mas relacóes dialógicas que se resolvem pela
próprios elementos':"
24 ldem. p. 245
25 Op.Cit. 2 ed. Londrina: UEL, 1999, p.5.
36
bachelardiana.
Diz Bachelard:
gostaríamos de aprofundar.
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37
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A obra Númeno e Microfísica que corriecarnos a abordar, por exemplo, já
no seu título traz urna novidade, que é a associacáo dos termos númeno e
microfísica. Númeno é um termo utilizado por Kant (1770) para indicar o objeto
Kant o fenómeno é aquilo que pode ser conhecido pela razáo humana, ao
passo que o númeno, por ser o em si do fenómeno, pode apenas ser pensado,
urna em milhares de outras, cada vez mais ousadas, que váo sendo tecidas no
toda urna metafísica a partir do cotidiano (nao mais do resultado) das ciencias.
nao como um comentário ou urna síntese, mas como urna reflexáo acerca
desse novo real que vai se erigindo através das pesquisas científicas. Para
Bachelard a ciencia cría filosofía a medida que oferece a reñexáo rigorosa urna
"realidade" que nao possui limites ou substratos, já que é puro construto. Desse
este novo real. O númeno aquí, por exemplo, nao é mais o que subjaz ao
fenómeno, como muito bem estudou a crítica kantiana, mas, ao contrário, é, por
fenómeno científico: este fenómeno técnico, por sua vez, muito embora
aqui possui caráter indireto e hipotético, náo senda mais o que a tradicáo
tradicional de coisa. Objeto para Bachelard nao coincide coma nocáo de idéia,
coisa material, nem muito menos com o fenómeno kantiano. Para Bachelard o
constrói o sujeito, sujeito e objeto transmutam-se em projeto. Este, por sua vez,
nao habita mais o indivíduo, mas emerge do interior da cidade científica, que se
apontar. Tres termos estáo em jogo: objeto, sujeito e projeto; urna análise
significa estacar-se ante o que ali está lancado (do latim objectus); sujeito
mesmo (do latim projectus). Desse modo, nao se trata de estacar-se ante algo
redundam fenómenos. O projeto náo prevé sujeito nem objeto, o que ali está
próprio "ser" da cidade científica. Mais urna vez nos deparamos com urna
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Bachelard: "A verdadeira fenomenologia científica é portanto essencialmente
urna fenomenotécnica"29.
ele:
conhecimento aproximado, Bachelard afirma que "O real se oferece a nós como
pressionado por forcas que lhe sáo externas, de ordem social e económica; é o
em afirmar o contingente como real, daí resultam pelo menos duas quest6es de
pesquisa científica, por mais abstrata que em dado momento pareca ser,
questóes se levantam. Dizíamos acima que urna das questóes metafísicas que
realidade possível.
sujeito da verdade, urna verdade que se regula pelos ditames do útil. O objeto,
razáo de ser, onde, sobretudo, o desejo humano nao tem nenhuma importancia
nesse sentido radical que Bachelard afirma: "i! faut contempler."35, isto é, é
35 Op.Cit., p. 279.
45
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se a contingencia como quem se lanca num abismo sem fundo. Contemplar
elaboraram essa nocáo de átomo nos idos do século V a.c .. Diziam eles: "o
Leucipo acrescenta (frag. 2) que "nada ocorre sem rezéo, mas ludo ocorre por
praticamente incólume até o ano de 1808 quando Dalton expóe sua hipótese da
hidrogénio (H) com 1 átomo de oxiqénío (O), resulta no que conhecemos por
36 Cf. Dicionário de Filosofia. Nicola Abbagnano. SP: Mestre Jou, 1982. Vale aquí ressaltar
que náo existe elemento puro na natureza, ou seja, urna nocáo de átomo de hidroqénio (H) é,
por si só, já urna construcáo racional e náo urna "verdade" natural.
46
concepcáo física do átomo rompe com a visáo química que vigía até entáo: o
37 ldem
: '
47
"objeto" e "aparece" por "sujeito". leremos no fundo da sentenca "o objeto que
ele:
38 BACHELARO, G. Nournéne et microphysique. In: Études, Vrin, 1970. p. 14. Obs. grifo
nosso.
39 Op.Cit.. p. 243.
48
pouco mecanice. lsto náo quer dizer de jeito nenhum que as construcóes
Por isto o problema do erro nos pareceu vir antes do problema da verdade, ou
melhor nós náo encontramos solucáo possível para o problema da verdade a
41
nao ser descartando pouco a pouco os erros mais finos
conhecimento do mundo dos fenómenos, mas discorda dele ao náo admitir que
40 ldem, p. 244.
41 ldem, p. 244.
42 Cf. FERRATER MORA, J. Diccionario de Filosofía. v.4. 3 ed. Madrid: Alianza Editorial,
1981. pp. 2842-2845.
49
haja um "em si" por trás dos mesmos fenómenos. O ponto rnais importante de
pares de opostos que nos obrigam a urna tomada de posicáo, quais sejam:
para Renouvier o concreto está para o pessoal assim como o abstrato está para
o impesoal. Este ponto de vista leva-o a afirmar que a pessoa concreta náo se
ordem humana, em um ideal que pode ser alcancado mesmo que apenas de
como a utopia progressista devem ser eliminados por urna concepcáo que ve a
da própria moralidade.
levantar contra "um estudo ímediato dos erres", aponta a seguinte direcáo:
Estas objecóes náo térn a torca da evidencia que se dáo a elas. Elas
envolvem os postulados metafísicos que se créem necessários para o
desenvolvimento de urna filosofia idealista. Pode-se suprimí-los sem cair,
eremos nós, no realismo.45
conhecer, conhecendo.
44 Op.Cit., p. 245.
45 Ibídem.
-
-
51
conhecimento, etc., sao o dado primário com base no qual se hao de resolver
mais que todo outro sistema, deve posicionar um mundo que fique aberto a
evolucáo e por conseqüéncia imperfeito?". Na verdade, é por ocasiáo de Q
46 ldem, p. 246.
47 ldem, p. 292.
48 O novo espírito científico, p. 11.
49 ldem, p. 1 O.
52
absolutos ... nao se pode partir de urna atitude filosófica geral para julgar o
'·· O título da obra O Novo espírito científico por si só já nos remete a urna
·-~-·
nocáo de espírito, seja ela qual for. Espírito, do latim spiritu, vem a luz com o
preciso entender o sentido do termo matéria para que nao nos equivoquemos
ao racional-matemático.
50 Ibídem.
51 1) sujeito: embora já apareca com este sentido em Platáo, é Aristóteles quem diz: "Chamo
matéria o sujeito primeiro de urna coisa, isto é, do qual a coisa se gera náo acídentalmente
(Fis., 1, 9, 192 a 31 ); 2) poténcia: também assim entendida por Aristóteles. mas já encontramos
em Platáo a seguinte referencia: a matéría "nunca perde a própria potencia" (Tim., 50 b): 3)
extensáo: nocáo defendida por Descartes que profere a seguinte sentenca: "A natureza da
matéria ou dos corpos em geral, náo consiste em ser urna coisa dura ou pesada ou colorida ou
que toca os nossos sentidos em qualquer outro modo, mas semente em ser urna substancia
extensa, em comprimento, largura e profundidade" (Princ. Phil., 11,4); 4) ~: influenciados
pelos platónicos de Cambridge do século XVII, Newton, Leibniz e Wolff defenderam este
principio. Newton, de sua parte, associava a matéria com as "forcas" e "principios" que se
manifestam na experiencia (Ótica, 1704, 111, 1, q.31 ), Leibniz, por sua vez, defende que a
matéria seja constituida, além da extensáo, de urna torca passiva de resistencia que é a
impenetrabilidade (cf Abbagnano, p.620), e, por fim, Wolff dizia que matéria é "urn ente
extenso munido de torca de inércia" (Cosmol., § 141-42); 5) lei: segundo Mach a matéria é
urna "conexáo determinada dos elementos sensíveis em conformidade com urna leí" (Analyse
der empfindungen, XIV. 14); 6) massa: a matéria é assím entendida no domínia da Mecáníca,
definida pelo segundo principio da dinámica como relacac entre a torca e a aceleracáo
impressa (cf Abbagnano, p.620); 7) densídade: segundo Einstein (The Evolution of Physics,
cap. 111; trad. ital. p.;253) "Urna vez reconhecida a equivaléncia entre massas e energia, a
divisáo entre matéria e campo parece artificiosa e nao claramente definida. Náo poderemos
entáo renunciar ao conceito de matéría e edificar urna física do campo puro?
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53
... sem relacáo enfim com o realismo filosófico tradicional. Com efeito, trata-se
de um realismo de segunda posicáo, de um realismo em reacáo contra a
realidade habitual, em polémica contra o imediato, de um realismo feíto de
razáo realizada, de razáo experimentada. 54
próprio Canguilhem organiza urna série de artigas que, segundo ele, ao lado
52 ldem, p. 11.
53 lbidem.
54 lbidem.
55 lnquisitions, nº 1, junho de 1936, Editiones Sociales Internacionales. Apud: BACHELARD,
G. Et compromiso racionalista. Orqanizacáo de Georges Canguilhem. 2.ed. Buenos Aires:
Siglo XXI, 1976. pp. 13-18.
56 A título de curiosidade vale aquí citar urna obra escrita a seis máos por Briony Fer, David
Batchelor e Paul Wood intitulada Realismo. Racionalismo e Surrealismo: a arte do entre
guerras, traducáo de Cristina Fino - SP: Cosac & Naify, 1998. Nesta obra percebemos que
vários dos conceitos bachelardianos coincidem corn os das discussóes estéticas da época
como. por exemplo, L'Esprit Nouveau, título de urna Revista que publicou 28 números entre
1920 e 1925 (cf. p.19), onde saíram os primeiro manifestos "puristas", ern que os artistas
denunciavam a lógica como senda um instrumento de controle em detrimento da intuicáo
artística.
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54
seguinte maneira a Bachelard: "urn filósofo matemático que morreu porque nao
espirituais=".
retificacáo de erras, isto é, a nocáo de verdade deixa de ser algo para se tornar
Uma verdade só tem seu pleno sentido ao termo de uma polémica. Nao há
verdade primeira. Mas, apenas, erros primeiros. Nao se tieve, oois, hesitar em
inscrever no sujeito ativo sua experiéncia essencialmente infeliz. A primeira e a
mais essencial das tuncoes da atividade do sujeifo a de se enganar. Quanto
é
mais complexo for seu erro, mais rica será sua experiéncia. A experiéncia é,
mais precisamente, a recorcecéo dos erros retificados. O ser puro é o ser
desenganado. 59
mais próprio. Retificar erros é, portanto, retirar o sentido mais próprio do fazer
nutito niaisl
ltlário Quiutmw
Mário Quintana
56
nos dizque
1764 urna obra intitulada O Novo Órganon, onde constrói urna teoria do
como significante da teoría das ilusóes. O termo é retomado por lmmanuel Kant
seguinte:
concepcáo que dará sentido ao que hoje entendemos por fenomenología. Mais
pensamento humano na virada do século XIX para o XX. Com o declínio dos
ciencia rigorosa. Para entender o que isto significa é preciso antes compreender
o que quer dizer fenómeno para Husserl. Fenómeno aqui nao se trata de um
fumaca": o que é, só o é, porque ali está, pasto que o nada nunca é; desse
filosofia como ciencia rigorosa deveria voltar-se para a realidade e nao para a
didático deste tipo de intuicáo seria o cógito cartesiano. Para Descartes o que
"é" em última instancia é o "eu penso" desvelado no "eu existo". Desse modo, o
constitutivos do fenómeno
o que acabamos de relatar e merece ser lida e analisada com mais respeito e
de Edmundo Husserl.
60
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Na vísáo heideggeriana, a Fenomenologia náo consiste num movimento
elas sao em sua estrutura ontológica, em seu próprio ser. Neste sentido, a
~·
de um ente como outro qualquer, mas um existente que leva em seu ser o
próprio ser.
Heidegger, para nos conduzir para o ambiente da metafísica, toma como ponto
aversáo: "o nada". Apresentando, assim, a questáo que ora nos conduz para
de Heidegger.
63 VATTIMO, Gianni. lntroduc§o a Heidegger. 5 ed. Traducác de Joáo Gama. Lisboa: Edicóes
70, 1987. pp. 69-70.
61
antes de tudo por ser a mais vasta, depois por ser a mais profunda e afina/,
por ser a mais origínária das questoes/", embora a questáo nunca ocorra
ser.
que seja o espírito humano, ora confundindo-o com o intelecto, ora atribuindo-
ser do homem: ora harmónico, ora desarmónico; ora mau, ora bom; ora
religioso, ora cético etc. Tudo isso nos mostra que o ser do homem se revela
circunstancia, o que nao quer dizer que cada um de nós seja múltiplo, mas
que revelamos nosso ser de múltiplas formas, já que nao é possível mostrá-lo
na sua totalidade.
propria existencia.
63
verdade.
nao-ser, podemos concluir que "o ser" é aquilo que está no fundo do "é", sendo
66 lbidem, p. 109.
64
existencia.
por isso é que o ser só pode ser compreendido a partir do dasein - o "ser-aí-no-
O que se quer dizer, na verdade, com tudo isto é que o modo infinitivo
presente "é" e a substantivacáo "o ser" nada mais sao do que derivacóes
do ser. A medida que o homem foi se detendo no ente, no "é", foi, ao mesmo
lsto quer dizer que o homem, quando optou por um mundo quantificado,
Urna verdade relativa e fugaz tal qual a própria existencia do ente, levando o
pensamento ocidental a táo grande decadencia que foi até possível interpretar
atribuiu o sentido do incognoscível, já que tratava de tudo que estava para além
Ocidente'67.
Para Heidegger o ser náo está na base, por trás ou separado do ente,
mas se revela no ente, ou seja, o ente é a forma revelada do ser, que é aquele
67 lbidem, p. 113.
-
- 66
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como presenca no ente. É partindo do ente que alcancemos o ser e que este é
existencia.
historial que ele traz consigo mesmo. oculta, mas revelável a medida que nos
68 Ibídem, p. 155.
67
"tossir" que, oriundo do latim tossire, significa expelir da garganta; lancar tora de
si.
singular do indicativo presente: "é", que no seu uso cotidiano e vulgar acaba
Tomemos alguns exemplos: "o muro é de tijolo" significa que "é feito de";
"Pelé é brasileiro" significa "nasceu em"; "a cesta é de Maria" significa que "lhe
pertence a ela"; e assirn por diante até as construcóes onde seria necessário
serenídade"69, onde nao é possível obter nenhum significado ímediato para o "é"
69 Ibídem, p. 115-116_
~"""'"
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68
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Por isso dizemos que a linguagem é a morada do ser, por que é nela que
história.
A palavra, para Heidegger, tem caráter essencial. por isso sua filosofia é
urdir suas próprias leis. Buscar, analisar e interpretar as formas originárias das
palavras é desvelar este ato de forjar o verbo que se constituí no ser do homem
enquanto tal. O homem, quando forjou (fabricou) a forma verbal "eu sou",
traduziu, com ela, seu próprio ser: indefinível, mas perceptível como presenca
70 Ibídem, p. 118.
•• 69
-,
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num "algo", por isso a forma embrionária "eu sou" torna quase que imperativa a
·-
. ~·
cornplementacáo "algo" (eu sou algo) para entificar-se a razáo: entretanto lá
a
·· ......
·.::• permanece, embrionária, em sua arnbiéncia ontológica, aberta infinidade de
·~
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reino.
priori, no sentido de um tempo que demanda tempo para ser tempo, ou melhor,
tempo. Ouando dizemos duracáo nao nos reportamos a nocáo bergsoniana que
pela via do trabalho, um trabalho em mim, que pressupóe tornar este ser "terra
arável", capaz de forjar verbos, signos, culturas, cumprir sua dsstinacáo de ter
nao substancial. Para Heidegger o ser nao é um substrato a partir do qual tudo
se ergue. nern um fluido ou "espírito" que habita o ente. mas parte intrínseca e
própria deste ente, o homem, a quem define pela sugestiva expressáo Das-sein
própria de ter de ser algo já senda, enquanto os demais entes (mesa, pano,
carinho, mundo, etc.) "sao" na medida em que lhes atribuímos significado. Nao
é possível a urna mesa dizer-se a si mesma: "eu sou urna mesa". Nós, em nós
pois ternos o poder de vir a ser, ou seja, essencializamos (o ser) o que é por
propriedade do ser.
substantivo, solo a partir do qual se ergue alguma corsa. Esséncia aquí tem o
deste ente que tem como determinacáo ter de ser alguma coisa, já senda esta
coisa.
de ter de ser já sendo, ou seja, o vir-a-ser nao é algo pré-elaborado, cuja plano
lhe é próprio, por isso cada um de nós tem a sua maneira de dar-se na
71 Ibídem, p. 78.
72
próprio que nos é peculiar, pois "assirn" nos tornamos no decorrer de nossa
própría existencia, por isso nos referimos a nós mesmos na forma pronominal.
Vale ressaltar que "o modo de ser" a que Heidegger se refere náo é o
onde se pode escolher, onde se pode decidir e determinar o que ele mesmo
ondas das circunstancias e dos modismos que escolhem por nós ( em nosso
lugar) aquilo que somos ou seremos, como ovelha que se conduz ao pasto ou
ao estábulo.
prescindir da outra, o que seria táo nefasto quanto urna negar a outra, como no
como mediador entre e ser e o ente como determinante da presenca, mas sem
a partir de categorias, isto é, a partir de questóes corno "quern sou?" e "o que
sou?", a partir de questóes que permitam ver o ente em seu ser. O que se
óntico com a mesma importancia com que se analisa sua estrutura ontológica.
72 lbidem. p.81.
74
cientificismo vigente.
animal racional, ora como criatura, o que equivale dizer que, no primeiro caso, o
véem como um "ser vívo dotado de razáo", isto é, coisa dada, distinta das
demais pela razáo que lhe eleva o status em relacáo aos demais e, no segundo
caso, como algo que se ergue a partir de um substrato divino. Ambas se detérn
vida, ou seja, que o homem nao é algo já dado, mas algo que se dá na
73 Num sentido muito mais hegeliano, grosso modo, de ccnciliacáo de polaridades, do que o
sentido de superacáo proposto por Marx. Gastaríamos de ressaltar que o termo "dialética" náo
é um termo propríamente heideggeriano, mas a idéia de urna tese {o ente pesto no mundo
como qualquer outro} e urna antítese (no sentido do ente que possui sua própria natureza ou
vontade própria) que se concifiam numa síntese (o Dasein), nos parece bastante atratíva como
recurso para urna elucidacáo pedagógica do que venha a ser a idéia de "ser-aí" em Heidegger.
74 lbidem. p.85.
·"'l 75
homem que esquece seu ser, aquilo que lhe é próprio, seu caráter de escolha,
Heidegger, o ser do homem, o único ente que possui o ser, que pode tornar-se
75 lbidem. p.81.
76
urna análise etnológica dos povos primitivos é incorrer no mesmo equívoco das
estar dentro do mundo. como quem relaciona dois entes espacializados onde
~<.
ser (ter o que fazer em alguma coisa, produzir alguma coisa, tratar e cuidar de
sujeito que a analisa, o que pressupóe urna nocáo de verdade como já dada.
Ora, para Heidegger o Dasein nao é algo já dado, mas urna desünacáo de ter
masé o ser que produz um conhecimento proprio daquele ser que imerso no
ser-no-mundo.
emerge como tema central de sua obra fundamental Ser e Tempo, publicada
verdade constituí-se como urna abertura que possibilíta o nexo entre o ambiente
Aristóteles, em sua análise, acaba por concluir que o lugar da verdade é o juízo,
. ·-'
mostra.
constituicáo de seu exercício como erráncia, nos mostrando que assim como,
que traduz todo o nexo entre verdade e liberdade; diz ele: "O homem está
liberdade é algo que possa ser possuído, mas, tal como a verdade que em si
como-se-é, a um, diz Heidegger, "deixar-ser ek-sistente que desvela o ente. '133
->
82
cotidianidade, cria seu próprio "mundo" para o qual ele mesmo é a única
medida. Com isso esquece-se de que a náo-veroade é aquilo que está velado,
quer por dissimulacáo do já desvelado, quer por ainda náo ter sido desvelado.
qual edifica sua vida corrente a partir do solo da evidencia. É nesse sentido que
náo quer dizer que o homem caia no erro, mas que in-siste em ek-sistir no erro.
84 Ibídem, p. 43. Ver conceituacáo dos termos esséncia (Wesen) e anti-esséncia (Unwesen)
no último ítem deste capítulo.
--··.
83
Heidegger entrevé urna nocáo de verdade como "coise"; como "o que se mostra
--..
em sí mesmo", enfim, como fenómeno85.
Heidegger depara-se com urna terminologia que pode significar, de um lado, "o
quando assocíado ao termo grego ta onta que quer dizer os entes88, visto que
aspecto positivo cujas raízes encontram solo no termo grego phainomenon que
algo que possui um modo próprio de ser, encontrando-se assirn, diz ele, "num
90,
nexo origínário com o ser" por isso a temática náo é tratada aqui no seu
,_
conveníentia.
objeto, mas apenas no ámbito do sujeito, posta que conhecer é julgar, isto é, se
quem julga. Julgar é o processo psíquico de adequar o ideal ao real, sendo que,
nesse caso, a morada da verdade é o "conieúdo ideal do juizo. ,EJ1 Urna relacáo
91 lbidem, p. 284.
85
que quer dizer "deixar ver"92; portanto, urna proposicáo verdadeira é aquela que
descobridor.
mundo.
de, pelo julgar, descobrír o ente em seu próprio ser; por tudo isso dízemos, com
92 lbidem, p. 286.
93 lbidem.
94 lbidem, § 7: B.
86
nao compreende, mantém velado o ser do ente sobre o qual se volta. Portante,
também o é. lsto quer dizer que muito embora o lagos tenha a capacidade de
Mas, o que quer dizer cura ou cuidado? Para Heidegger, o fato do ser-aí
95 lbidem, p. 287.
87
-cv-,
? ¡
ser em sua totalidade originária, podendo assim desejar; ter vontade; tender;
possibilidades e que verdade, por sua vez, constitui-se como abertura que
ser-aí descobre o ser dos entes no e do mundo, o que o ser-aí evidencia como
cura, pasto que é capaz de verdade e como decadencia, posto que é capaz de
náo-verdade.
verdad e.
89
-,
sobre o ser deste ente: a verdade. Qual é o sentido deste ente, a verdade, nele
contorrnacáo da coisa com o intelecto, mas que também pode ser pensada no
passível de ser ou nao conhecida pelo intelecto. De outro lado, é a idéia que se
divinus"'100
encontraremos solo na alethéia grega que significa o nao (a) velado (lethéia). Aí
alethéia foi traduzido para o latim como véritas; entretanto o significado latino de
1 00 !bid. p. 23.
91
texto: A teoría platónica da verdade, o que náo obsta nossa referencia ao tema
Para Platáo todo ente é simulacro de urna idéia original, assim como todo
inatingível e paradigmática.
como se apresenta nele mesmo, assim como o juízo que fazemos do ente, além
de também o ser nele mesmo, é o sentido pelo qual nos "abrimos" para aquela
coisa.
101
Com a introducáo. por Platáo, dessa nova visáo de mundo como
"viver" nem sequer é real, pois real é aquele mundo ideal: tudo aquilo que até
entáo constituía-se como Physis, isto é, tudo aquilo que até entáo.
correlato, isolado e independente dos entes como eles se dáo no mundo. Aliás,
para Platáo, as coisas náo se dáo no mundo, mas, postas no mundo, sao urna
mas, sobretudo, a partir de entáo tudo que se refere a este tema é confronto e
confusáo, pesto que, verdadeiramente, quando nos abrimos para o ente que se
nos depara nao o vemos na sua inteireza e plenitude, assim como nao nos
Assim sendo, a verdade nao pode ser confundida com isto ou aquilo;
com algo que se oculta e se "esquece" por trás ou no fundo das evidencias,
Enunciar é apresentar algo, é deixar que algo surja aos nossos olhos.
Quando nos deparamos com um dado ente, nao é o juízo mais adequado
que fazemos dele ou vice-versa que se constitui como verdade, pois nem o
Grosso modo, o que Nietzsche nos diz é que, até que provem o contrário, náo
existe nenhuma vida "real" depois desta "vida de aparéncias", para a qual
94
devemos nos preparar pelo sofrimento. Esta vida que vivemos é que é
nao descreve o fenómeno tal como ele se dá. E é neste sentido, no sentido da
Heidegger.
conhecido."1 º3
mesrna é. Quando dizemos que alguma coisa ªqueremos dizer que ela é causa
96
.-"
algo, é um comportamento."106
este "está aberto sobre o ente."1 º 7 Diz-se, ainda, que é pela abertura do
comportamento que pode deixar-ser o ente como tal. Deixar-ser pela abertura
relacionar-se com outrem pela via da abertura. Humor nao pode ser aquí
entendido como estado de espirito. mas sim como ex-posicáo ek-sistente, isto
náo-verdade.
Unwesen, elaborada por Stein numa nota de rodapé a sua traducáo de Sobre a
homem, esquecído em sua cotidianidade, cria seu próprio "mundo" para o qual
ele mesmo é a única medida. Já dizia o grande sofista Protágoras, nos idos do
século V a.C.: "O homem é a medida de todas as coisas; das coisas que sáo
quer por díssímuracáo do já desvelado; quer por ainda náo ter sido desvelado.
no resultado de sua medida que se traduz pela dicotomia erro x acerto, com a
do mistério. Afasta-se do que há por ser desvelado por náo perceber a própria
no que se refere ao desvelamento do ente. O que nao quer dizer que o homem
caia no erro, mas que in-siste em ek-sistir no erro: "A erráncia é a anti-esséncia
nada?
chama a atencáo do homem para a responsabilidade que tem sobre sua própria
vida e razáo. Mais ainda, incita a própria Filosofía a tomar as rédeas de suas
próprías leis.
necessidade de urna reconstrucáo da metafísica sob novas bases, pois para ele
113 ldem, p. 48
101
pelo mistério ontológico que essencializa a realidade óntica e, por fim, é a que
imperar, de manifestar-se.
errante, pela torca da vontade, que possibilita desvelar o ser do ente e rnanter-
'.;¡:•
. ....
!f'
i'Uurilo Mendes
102
urna obra enderecada aos que pretendem se iniciar nos estudos sobre
114 CESAR, C.M. Bachelard: ciencia e poesía. Sáo Paulo: Paulinas. 1989. p.6.
103
Bachelard, sem com isto perder a profundidade necessáría, nem abrir máo do
pensamento próprio.
de seu íivro encimado pelo seguinte titulo: "Os eixos da poesía e da ciencia".
Nele a autora parte das "sugestóes feítas por Ginestier" na obra Pour connaltre
saber:
urna náo existe sem a outra, o que possibilita concluir que há urna preocupacáo
saber.
Nietzsche
L'activité ... , intitulado "As tarefas da filosofia das ciencias". Ei-la: "Ah!
vez por todas para náo mais talar dele, seria ísto que o capítulo se propóe de
118 In: Actualité et postérites de Gastan Bachelard. Direction de Pascal Nouvel. Publíé avec le
concours du Conseil régional de Bourgogne et de l'Associatíon des amis de Gasten Bachelard.
París: PUF, 1997. PP- 89-100.
119 Op. Cit. p. 89.
120 ldem, p. 90.
.""i
106
para Nouvel, além da origem campesina dos dois filósofos, qualquer tentativa
a análise das citacóes que Bachelard faz sobre Nietzsche, na quinta secáo do
crepúsculo dos ídolos, onde ressalta "o caráter debilitante do cientificismo atual
Bachelard.
para por aí. É fato que Bachelard desdenha dos filósofos que investigam a
espécie de aporia acerca de sua própria afirrnacáo. Diz Nouvel: "Pois, estando-
inauténtico.
para ser considerado auténtico. deve ser colocado fara da sua esfera e "sern
Heidegger 123:
A rneditacáo da ciencia sobre ela propria comporta sua própria ótica e sua
própria atitude interrogativa, sua própria forma de dsrnonstracáo e sua própria
elaboracáo de conceitos, tudo isto constítuindo sua solidez e sua regularidade
próprias. Para poder efetuar esta meditacáo metafísica sobre seu próprio
dominio é preciso que o pesquisador científico se transponha para urna
rnaneira de pensar de urna ordem pricipalrnente diferente.124
ciencia, inserindo no texto urna grande citacáo que aborda alguns aspectos, por
por muitos ríos, isto é, a ciencia e a técnica sao os dois lados de um mesmo
ensaio: seria possível, como o queria Bachelard, pensar a ciencia desde dentro
especialízacáo
ciencia se fazendo, alegando inclusive que aquele que ve a ciencia se fazer nao
comunga do "fogo da paixáo" vivido por aquele que a faz. Ressalta, ainda, o
direcáo, entretanto acreditamos que ele constituí um avance frente aos que o
impossibilidade, diziam que a única possibilidade era o ser, desse modo urna
questáo do erro em sua teoría do juízo; o erro aqui coincidía com ilogicidade ou
o erro a verdade que era aquí tida como a concordancia entre o juízo e a coisa
-:""
·....
112
divino, teologiza-se por assim dizer. Na ldade Moderna sáo muitas as. variantes
acerca do erro, mas é em Descartes que encentra especial destaque. Para este
filósofo o erro assume o aspecto de urna vontade que incide sobre o juízo;
dizem os especialistas que esta tese já teria sido adiantada por Duns Scotus.
puramente humanas que coíncidiriam com o erro que, por sua vez, obnubilaría a
principio metafísico do erro seria a liberdade, principio este que torna possível,
sem destino certo. É pelo reconhecimento do erro que nos percebemos livres
130 --. De l'Erreur, 3ª ed, 1926, p. 275. Apud In: Diccionario de Filosofía. José Ferrater Mora.
3 ed., Barcelona, Alianza. 1981, p.968.
113
----
impossíveL
115
partir daqui.
como a análise interna de urna ciencia que é puro construto como sendo um
lugar comum; urna análise mais ou menos simples de urna ciencia que aí está
faz ver que o que há no fundo de tudo é a trajetória da retíñcacáo dos erres, a
131 In: BACHELARD,G. ldéalism Discursif. In:--. Études. París: Vrin, 1970. p. 87-97.
116
-
'.. ......
modo, é fazer ver que náo é o "eu penso" que subjaz a reflexáo, mas o ato de
historicidade: é o "pensando". Ora, urna reflexáo desta monta está muito além
"cienciar", isto é, refletir sobre o ato mesmo da reflexáo donde redunda toda a
cultura humana.
novamente sobre nós mesmos, revela os nossos enganos e através deles faz
nosso próprio ser. Assim sendo, náo é possível, deste ponto de vista, conhecer
lugar, ressalta que a nocáo de idéia, em si mesma, nao diz nada. Urna idéia,
para ele, vem sempre impregnada, de um lado, por urna história psicológica, de
outro, por um processo de objetivacáo. O que possibilita pensar que urna idéia
movimento onde está ímerso aquele que contempla, sendo aquilo que
objeto, nao passa literalmente de urna relacáo, onde o lugar de cada um nao é
lá muito claro. Como estáo ambos. sujeito e objeto, imersos numa história
onde a dita relacáo está inserida, já que tudo esta envolvido por urna membrana
e objetos de estudo; pelo menos é isto que o fenómeno de ciencia nos mostra
em primeira instancia. Para Bachelard, esta é urna primeira visáo míope que
deve ser debelada, a primeira ilusáo a ser perdida: a ciencia nao é. para ele, a
relacáo entre cientistas e objetos de estudo, mas sim o fruto mais nobre que o
pensamento.
133 Haja vista toda urna caminhada que filósofo traca pelas vias da poética, via esta que náo
trataremos aqui.
119
por sua vez, se atém a particularidade, como urna espécie de gesto pela
aponta um ponto obscuro numa írnensa paisagem; a partir desse ponto. através
primeira ao mesmo tempo que cria toda urna nova paísagem, que possibilitará,
-
.._
'--'"
120
perdidas".
primeiro refere-se aoque já foi por nós exposto em línhas anteriores, ou seja, a
reconhecé-lo: desse modo, transcender pela apücacáo é o modo pelo qual nos
erros que dificultam a realizacáo do racional; erros estes que precisam ser
experimentar.". nao é com o conceito científico que ele está preocupado, mas
com o ser que pulsa através desta trajetória, tal como urna partícula atómica
que sé pode ser reconhecida pelo rastro que sua trajetória evidencia. É
Mais cedo ou mais tarde. será o pensamento científico que se tornará o terna
fundamental da polémica filosófica; esse pensamento levará a substituir as
metafísicas intuitivas e imediatas pelas metafísicas discursivas objetivamente
retificadas. 137
diz que "nada é sem razáo", trata-se de um colocar a razáo como o fundamento
tem de divino, ao lado (ou oriunda) da linguagem num sentido mais geral, a
si mesmo. Este é ponto ressaltado por Bachelard que lhe permite elevar sua
ciencias, muito mais que isto, desvela o espirito científico. Este movimento é
matemático.
137 ldem, p. 1 O.
122
respeito?
específicas a esses temas: urna a ciencia e outra a técnica. Nosso objetivo aqui
123
conferencias tematizam no seu cerne, do ponto de vista de Stein, "o uno que
intuito de alicercar nosso ponto de vista que permite ver: primeiro, urna unidade
sempre a palavra metafísica tal como a entende Heidegger e nao como reza a
tradicáo.
se com a morte, senda mais precisamente na morte que esta experiencia mais
{do ser). revelando-se como existencia. Pensar o homem como o ente que
possui o seré pensá-lo como sujeito de sua própria vida, isto é, o que subjaz a
vida do homem, enquanto homem, é o próprio ser, por isso só o homem
precisamente "no mundo" que o homem existe. Por isso, urn primeiro passo,
estrutural 'mundo"'.139
aoque venha a ser urna estrutura óntica e urna estrutura ontológica, evidenciar
ontológico, significa o ser dos entes que o constituem; 3) como sentido óntico
significa o "contexto em que de fato urna presenca vive como presenca" e, por
artista? Tal pergunta, num primeiro momento, nos remete a dimensáo óntica
inscrita numa conhecida aporía popular: "o que vem primeiro: o ovo ou a
a própria arte. Obra de arte e artista nada .rnais sáo do que entiñcacóes da
própria arte em sua articidade, tal como o mundo em sua mundanidade, pois
arte e mundo sáo mais que entes, sáo mais que coisas, sao presencas.
mundo de cada um) de forma que esta última está sempre inserida na primeira
que é apriorística.
importa para a análise fenomenológica, por isso Heidegger nos remete a urna
que vérn ao encentro no mundo circunoante"!". Este ente a que nos referimos
No entanto, ainda nao é simplesmente das coisas que estamos falando, mas da
lsto quer dizer que os objetos em si mesmos nao térn valor, éo homem
quem lhes atribui valor pelas categorias do útil e do inútil, sendo por estas
finalidade náo está na coisa, nem no "ern si" da coisa, mas na utilidade da
dos entes que o comp5em e ser-no-mundo nada mais é do que abrir-se para o
pois a pergunta acerca do "em si" é urna pergunta ontológica a qual só quemé
ontológico pode responder. Por outro lado, um sinal é aquilo que mostra alguma
ato de referir-se a alguma coisa. Assim podemos concluir que todo sinal remete
a urna referencia, muito embora a recíproca náo seja verdadeira, isto é, nem
urna relacáo, nem toda relacáo é urna referencia. A siqniflcacáo é urna atitude
estrutura ontológica das coisas é o que elas sao diante da presenca, tendo em
lnformacáo ou urna imagem mental que o signo transmite ao seu usuário; dessa
128
ontológico, cuja estrutura é dada pelo referencial que se lhe atribuí, tendo em
forma, o mundo nao é o substrato donde tudo se ergue, mas um modo próprio
aborda a questáo da ciencia como senda esta a "teoría do real"144. Para nao
Por tudo que até aquí já foi exposto, acerca do pensamento de Bachelard
145 lbidem.
146 ldem, p. 62_
147 BOUTOT, A. lntroducáo a filosofía de Heidegger. traducéo de Francisco Goncalves.
lisboa: P.E.A., 1993. p. 92.
· .
...:;,··
130
· filósofo que sintetize seus resultados, mas quer demonstrar que a polémica
conhecimento que importa, mas o "querer saber", onde a ciencia é apenas urna
aproxirnacáo entre estes dois pontos de vista acerca do filosofar. Para tanto,
explorado no ítem 2.2.2 desta dissertacáo. Dizíamos lá que "o que Bachelard
racional que subjaz as teorías [do real]". Assim sendo, muito embora Edison
lampada. nem a relacáo jouleana utilizada por Edison, que Bachelard quer nos
fazer ver, mas a capacidade que o espírito científico tem de revelar-se a partir
que esta lampada provocará, masé o ser que se desvela todas as vezes que
flogístico). Desse modo deixamos aqui a pergunta: será que a nocáo de ciencia
dado, nem muito menos a natureza, melhor dizendo, nao há objeto, mas
liberdade:
urna nocáo de verdade como um processo histórico livre. O que torna ísto
possível é urna reorientacáo do conceito de erro, seja pela rettñcacéo, seja pela
substancialistas.
como processo e como liberdade, ramificaram-se nas mais diversas linhas que,
Bachelard:
134
de reorientacáo do conceito de erro por parte dos dois filósofos aqui tratados: a
de William James:
relacáo
[menos irüenciouais
1Uanuel Baruleira
136
6- CONCLUSAO
erro. Para ambos a nocáo tradicional de verdade que se identifica com a raíz
sua raíz grega - alethea, que pressupóe o sentido do desvelamento. Para tanto
retificacáo de erros, isto é, a nocáo de verdade deixa de ser algo para se tornar
152 Op.Cit.
138
onde a verdade constituí-se como urna abertura que possibilita o nexo entre o
·~
Num terceiro momento, comentamos as tentativas de aproximacáo entre
filósofos.
ciencia nao precisa de um filósofo que sintetize seus resultados, mas quer
encentro: "Aliás esta retificacáo nos parece ter urna raíz metafísica profunda,
153 BACHELARD, G. Essai sur la connaissance approchée. 4.ed. Paris: Vrin, 1973. p.289
--
~;
140
--
-,,
é papel impresso:
que é isso
Ferreira Gullar
-
' 141
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