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Silvia Rodrigues Vieira &
Monique Débora Lima
(organizadoras)

Variação,
gêneros textuais
e ensino de Português:
da norma culta à norma-padrão

Rio de Janeiro

Letras UFRJ

2019

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organização e revisão:
Silvia Rodrigues Vieira & Monique Débora Alves de Oliveira Lima

diagramação/projeto gráfico/capa:
Matheus Pereira Antunes

faculdade de letras da ufrj


Av. Horácio de Macedo, 2151
Cidade Universitária – CEP 21941-917
Rio de Janeiro – RJ

Este livro foi desenvolvido no âmbito do Projeto Contínuos de/em variedades


do Português: análises contrastivas, coordenado por Silvia Rodrigues Vieira
e parcialmente financiado pelo Edital Universal MCTI/CNPq 28/2018.

2019

V658 Vieira, Silvia Rodrigues &


Lima, Monique Débora Alves de Oliveira (orgs.)

Variação, gêneros textuais e ensino de Português: da norma


culta à norma-padrão / Vários autores. – Rio de Janeiro:
Letras UFRJ, 2019.
129p.

Ebook.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-8363-013-5
DOI: https://doi.org/10.6084/m9.figshare.11857965

1. Língua portuguesa 2. Gramática 3. Ensino 4. Variação


linguística 5. Propostas pedagógicas I. Título. II. Vieira, Silvia Rodrigues
& Lima, Monique Débora Alves de Oliveira (orgs.)

CDD 469
Ficha produzida pelo diagramador
Sumário

6 Apresentação
Silvia Rodrigues Vieira | Monique Débora Alves de Oliveira Lima

8                      INTRODUÇÃO: Para uma abordagem da norma no continuum fala-escrita


Monique Débora Alves de Oliveira Lima | Silvia Rodrigues Vieira

17 CAPÍTULO 1: Variação estilística das estratégias de preenchimento do acusativo


anafórico de terceira pessoa
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana | Karen Cristina da Silva Pissurno | Monique
Débora Alves de Oliveira Lima

42 CAPÍTULO 2: Estratégias de retomada do dativo de 3ª pessoa em diferentes


gêneros textuais: uma análise sobre letramento, normas e ensino
Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho | Pedro Henrique dos Santos Regis | Thaissa
Frota Teixeira de Araujo Silva

63   CAPÍTULO 3: Variação em estratégias de relativização no Português Brasileiro


Adriana Cristina Lopes Gonçalves Mallmann | Juliana Cristina Vasconcellos Garcia |
Rachel de Carvalho Pinto Silvestre Escobar

89 CAPÍTULO 4: Tem variação entre as formas verbais impessoais ter e haver


nas modalidades oral e escrita, em realizações da norma culta, do Português
Brasileiro?
Deyse Edberg Ribeiro Silva Gama | Eneile Santos Saraiva | Maitê Lopes de Almeida

103    CONCLUSÃO: Contribuições dos estudos de fenômenos variáveis em continuum


de gêneros textuais: para uma pedagogia da variação linguística
Silvia Rodrigues Vieira

112 Referências

124 Os autores
APRESENTAÇÃO

Silvia Rodrigues Vieira


Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Uma das frentes de trabalho adotadas pelo GT de Sociolinguística da Asso-


ciação Nacional de Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), especifica-
mente no eixo que trata de variação e ensino (VIEIRA, 2019b), é exatamen-
te a sistematização das diversas regras variáveis em uso no Português do
Brasil, considerando sobretudo o chamado continuum oralidade-letramento
(BORTONI-RICARDO, 2005) ou fala-escrita (MARCUSCHI, 2008). A presente
obra pretende ser, a partir de experiência compartilhada por alunos no âmbito
da disciplina Tópicos especiais, do Programa de Pós-graduação em Letras Ver-
náculas da UFRJ, uma efetiva contribuição a essa frente de trabalho.
Embora haja vasta literatura sobre os usos relativos a fenômenos diversos
na fala brasileira, percebe-se que o mapeamento de dados em meios escritos
segundo estilos variados e contemplando diversos tópicos gramaticais ainda
está por ser construído. A fim de contribuir com esse propósito, tomaram-se as
seguintes providências no âmbito da referida disciplina: (i) construção de um
corpus com diversidade de gêneros textuais principalmente dos domínios
jornalístico e acadêmico, tomados como expressões de usos cultos; (ii) le-
vantamento de dados de oito fenômenos variáveis (preenchimento do objeto
direto/acusativo de 3ª pessoa; preenchimento do objeto indireto/dativo de 3ª
pessoa; construções existenciais; orações relativas; colocação pronominal;
estratégias de indeterminação do sujeito; expressão de futuro); e (iii) siste-
matização dos resultados buscando uma distribuição dos dados em função do
suposto continuum fala-escrita.
Participaram da tarefa de constituição do banco de textos e elaboraram
trabalhos finais os seguintes alunos da Pós-graduação (a quem agradecemos
a parceria nesse empreendimento!), que cursaram a disciplina, ministrada por
Silvia Rodrigues Vieira, no primeiro semestre de 2018: Adriana Cristina Lopes
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Gonçalves Mallmann, Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho; Camila Nunes
de Melo; Cristiane Barbalho da Silva Gaio de Sá; Daniela Gonçalves Ribei-
ro da Silva; Deyse Edberg Ribeiro Silva Gama; Eneile Santos Saraiva; Joyce
Coutinho Nóbrega de Araújo; Juliana Cristina Vasconcellos Garcia, Juliana
Magalhães Catta Preta de Santana; Karen Cristina da Silva Pissurno; Luan de
Sousa Guimarães; Luzia de Cassia Almeida Passos da Silva; Maitê Lopes de Al-
meida; Michael de Araujo Palmieri; Monique Débora Alves de Oliveira Lima;
Pedro Henrique Regis dos Santos; Rachel de Carvalho Pinto Escobar Silvestre;
Robson Borges Rua; Thaissa Frota Teixeira de Araujo Silva; Vanessa Antunes
da Silva.
A fim de apresentar parte dos resultados dessa experiência, a presente
obra detalha as análises relativas a quatro dos fenômenos variáveis estuda-
dos, para, ao fim, sistematizar as tendências observadas e tratar de orientações
gerais para a abordagem das normas no ensino de Língua Portuguesa. Com
base em tal empreendimento, assume-se, aqui, que a delimitação da chamada
norma-padrão no contexto escolar depende necessariamente do conhecimen-
to detalhado das chamadas variedades cultas, em diversos gêneros textuais.
Elegeu-se esse caminho como condição essencial para o bom êxito das orien-
tações normativas.
Espera-se que o conhecimento dos usos linguísticos cultos, efetivamente
detectados em gêneros textuais distribuídos em um continuum fala-escrita,
possa fundamentar o profissional de Língua Portuguesa no tratamento das
variantes de cada fenômeno analisado. Que a leitura desta obra colabore
com a prática de todo aquele que partilhe conosco o sonho de promover uma
abordagem que, a um só tempo, considere a tarefa de padronização no con-
texto escolar, sem desmerecer a complexidade e a exuberância da variação
linguística.

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INTRODUÇÃO

Para uma abordagem da


norma no continuum fala-escrita
Monique Débora Alves de Oliveira Lima
Silvia Rodrigues Vieira

Conforme reconhecem diversos especialistas na área da Sociolinguística


Educacional, a sistematiza­ção das diversas regras variáveis em uso no Português
do Brasil, considerando sobretudo o chamado continuum oralidade-letramento
(BORTONI-RICARDO, 2005) ou, em outra dimensão, o continuum fala-escrita
(MARCUSCHI, 2008), constitui relevante frente de trabalho a ser perseguida por
pesquisadores de todo o país. A presente obra - conforme já se detalhou no texto
de apresentação - pretende ser, a partir de experiência compartilhada por alunos
no âmbito de disciplina do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da
UFRJ, uma efetiva contribuição a essa frente de trabalho.
Embora haja vasta literatura sobre os usos relativos a fenômenos diversos
na fala brasileira, percebe-se que o mapeamento de dados em meios escritos
segundo estilos variados e contemplando diversos tópicos gramaticais ainda
está por ser construído. A fim de contribuir com esse propósito, tomaram-se as
seguintes providências no âmbito da referida disciplina: (i) construção de um
corpus com diversidade de gêneros textuais principalmente dos domínios jorna-
lístico e acadêmico, tomados como expressões de usos cultos; (ii) levantamento
de dados de oito fenômenos variáveis1; e (iii) sistematização dos resultados

1 Os fenômenos estudados foram os seguintes: preenchimento do objeto direto/acusativo


de 3ª pessoa (clítico, zero, SN, pronome reto); preenchimento do objeto indireto/dativo de
3ª pessoa (clítico lhe(s), zero, a/para ele, a mais SN); construções existenciais (ter versus
haver); orações relativas (cortadora, copiadora, padrão); colocação pronominal (próclise,
ênclise, mesóclise); estratégias de indeterminação do sujeito (clítico se, formas
pronominais, expressões nominais); expressão de futuro (forma analítica, forma
simples, presente do indicativo)

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buscando uma distribuição dos dados em função do referido continuum.
A fim de apresentar parte dos resultados dessa experiência, a presente
obra detalha as análises relativas a quatro dos fenômenos variáveis estudados,
nos capítulos seguintes, para, ao fim, sistematizar as tendências observadas e
tratar de orientações gerais para o tratamento das normas no ensino de Língua
Portuguesa. Para tanto, as seções seguintes deste texto propõem-se a sistema-
tizar os pressupostos teórico-metodológicos adotados que nortearam a mon-
tagem do corpus e a interpretação dos resultados.

1. Pressupostos teóricos: continua de variação no Português do


Brasil e o estabelecimento de normas
Frente ao complexo e dinâmico quadro de variantes que caracterizam o Portu-
guês do Brasil, um dos maiores desafios do profissional de Língua Portuguesa
diz respeito ao estabelecimento da norma-padrão, aqui concebida, segundo
Faraco (2008), como “uma codificação relativamente abstrata, uma baliza
extraída do uso real para servir de referência, em sociedades marcadas por
acentuada dialetação, a projetos políticos de uniformização linguística” (p. 75).
No contexto escolar, a prática de orientação nas atividades de produção
textual demanda um olhar que assume, por sua própria definição, essa na-
tureza normativa, no sentido de constituir escolhas de variantes tomadas
como mais prestigiosas ou adequadas a determinados contextos, sobretudo
na modalidade escrita e em situações sócio-comunicativas de alta
monitoração estilística e formalidade. Para que a escola não estabeleça uma
norma-padrão que soe desatualizada e improdutiva no contexto escolar, es-
pera-se que as orientações normativas não sejam concebidas como mera
divulgação da norma preconizada nas gramáticas tradicionais – cujo perfil
assumidamente remete à escrita literária supostamente praticada no século
XIX –, mas que se alinhem minimamente às práticas cultas contemporâneas.
Desse modo, espera-se que os usos linguísticos propostos nos meios es-
colares se aproximem tanto quanto possível das variedades efetivamente pra-
ticadas pelos indivíduos com acesso à cultura letrada, sobretudo em situações
mais monitoradas de fala e de escrita. Trata-se, aqui, portanto, efetivamente de
conhecer a variedade da língua conhecida nos meios acadêmicos como “nor-
ma culta”, aqui concebida como um “conjunto de fenômenos linguísticos que
ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais moni-
toradas de fala e escrita” (FARACO, 2008, p. 73).
Em outras palavras, trata-se, aqui, da saudável relação entre padronização

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(norma-padrão) e usos (norma(s) ou variedade(s) culta(s)).
Em obra que versa integralmente sobre a chamada “pedagogia da variação
linguística”, Faraco (2015) propõe alguns princípios para a elaboração de guias
normativos que sirvam aos desafios da realidade brasileira, dentre os quais se
destacam os seguintes:

(a) o reconhecimento da necessidade de que os instrumentos normativos refli-


tam a norma efetivamente praticada; [...]

(b) O reconhecimento do fato de que não existe “a” norma culta – assim no
singular. (...) As variedades cultas são diversificadas e heterogêneas.

(FARACO, 2015, p. 28)

Refletindo sobre esses princípios, parece inegável assumir que a delimi-


tação da norma-padrão depende necessariamente do conhecimento detalhado
das chamadas variedades cultas. Considerando, então, essa assunção, os tra-
balhos desenvolvidos na presente obra observam o comportamento de regras
variáveis em textos de diversos gêneros textuais produzidos por indivíduos
em sua maioria com alto grau de escolarização (sendo, portanto, expressões
da chamada norma culta, aqui concebida como variedades cultas). Elegeu-se
esse caminho como condição essencial para o bom êxito das orientações
normativas.
Diversas obras brasileiras apresentam descrições sociolinguísticas de
variedades brasileiras – das mais populares às mais cultas – quanto a diver-
sos fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos (cf., por exemplo,
MARTINS; ABRAÇADO, 2014; VIEIRA; FREIRE, 2014). Entende-se, entre-
tanto, que a sistematização do comportamento das variedades em função do
continuum fala-escrita ainda está por ser feita. Perseguir esse propósito parece
ser essencial para que o profissional de ensino possa avaliar a extensão da
variabilidade interna à norma culta e, assim, consequentemente, repensar suas
práticas de orientação normativa, ao menos em dois sentidos: (i) respaldar-se
cientificamente nas decisões do que é geral e daquilo que constitui apenas
preferências estilísticas, de professores, escritores, revisores; e (ii) identificar
formas que não mais são produzidas nos textos escritos nem nos mais for-
mais, representando apenas estruturas que podem ser consideradas arcaicas
ou pertencentes a tradições exclusivas de determinadas circunstâncias ou
domínios discursivos bem particulares.

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Em última instância, ter conhecimento dos usos linguísticos cultos,
efetivamente detectados em gêneros textuais distribuídos em um continuum
fala-escrita, poderá fundamentar o profissional no sentido de fazê-lo evitar
a propagação de uma equivocada cultura do erro, que é altamente prejudi-
cial ao desenvolvimento autônomo e auto-confiante dos alunos brasileiros.
Manter exigências acerca da produção de formas obsoletas – e não apenas de
seu reconhecimento no ato da leitura – acabaria por promover o que Faraco
(2008) identifica como uma norma curta, um “conjunto de preceitos dogmáti-
cos que não encontram respaldo nem nos fatos, nem nos bons instrumentos
nor­mativos, mas que sustentam uma nociva cultura do erro e tem impedido
um estudo adequado da nossa norma culta/comum/standard” (p. 92).
A fim de apresentar resultados que fundamentem o estabelecimento de
uma norma-padrão operacional, parte-se aqui do pressuposto de que é preciso
dispor do mapeamento dos fenômenos variáveis consoante diversos gêneros
textuais dispostos em um continuum de oralidade-letramento ou fala-escrita.
Os continua de variação linguística, propostos por Bortoni-Ricardo (2005)2,
constituem um modelo sociolinguístico de percepção da variação linguística
considerando três linhas imaginárias, nas quais se distribuiriam as variantes
linguísticas de um polo a outro. A partir desse modelo, entende-se que é pos-
sível apreender de forma mais segura a complexa situação sociolinguística do
Português do Brasil.
O primeiro continuum seria o rural-urbano, no qual as variantes estariam
distribuídas de acordo com a variedade linguística utilizada pelo falante – das
mais rurais (utilizadas por comunidades geograficamente mais isoladas) às
mais urbanas (mais centrais nas cidades, sendo mais ativas nos processos de
padronização da língua). Em segundo lugar, a autora propõe o continuum de
oralidade-letramento, cujos polos seriam constituídos pelas variantes utiliza-
das nas práticas sociais de fala e de escrita. Dentro desse continuum, não ha-
veria barreiras rígidas para demarcar as fronteiras entre eventos de oralidade
e eventos de letramento, pois os gêneros e situações comunicativas utilizados
nesses eventos poderiam agregar características tanto de um quanto de outro.
Finalmente, o terceiro continuum para conceber a variação linguística seria o
de monitoração estilística, no qual as variantes estariam distribuídas de acordo

2 É importante esclarecer que o capítulo “Um modelo para a análise sociolinguística do


português brasileiro”, presente no livro Nós cheguemu na escola, e agora? (2005), já havia sido
publicado anteriormente sob o título de “A análise do português brasileiro em três continua: o
continuum rural-urbano, o continuum de oralidade-letramento e o continuum de monitoração
estilística”, em 1988.

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com as situações interacionais, desde as mais espontâneas até as de maior
planejamento prévio – o que definiria o grau de monitoração da fala (mais ou
menos formal).
Marcuschi (2001), também adotando a noção escalar das dimensões da
variabilidade linguística, dispôs diversos gêneros textuais tomando por base
não só certa concepção de gêneros textuais, mas também a proposta de um
continuum compósito de fala-escrita correlacionável, guardadas suas especi-
ficidades em nível teórico, a “oralidade-letramento” e graus de formalidade
(“monitoração estilística”).
Conforme definidos por Marcuschi (2008, p. 155), os gêneros textuais
constituem “textos materializados em situações comunicativas recorrentes”,
escritos ou orais, que apresentam uma estabilidade histórica e social. Assim,
essas formas, em função da sua recorrente estabilidade, apresentam caracterís-
ticas sociocomunicativas, que são definidas por meio de conteúdos, proprieda-
des funcionais, estilo e também sua composição característica.
Marcuschi (2001), ao discutir os conceitos de oralidade e letramento como
práticas sociais viabilizadas pelos gêneros textuais, pontua que “as diferenças
entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas so-
ciais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”
(p. 37). O pesquisador parte desse pressuposto para indicar que um continuum
de fala-escrita é composto tanto por gêneros textuais com características mais
prototípicas de uma ou de outra modalidade quanto por aqueles mais híbridos,
que apresentam aspectos de ambas as modalidades. Em outras palavras, isso
significa que a alocação dos gêneros textuais em dois grandes blocos antagôni-
cos (fala versus escrita) seria equivocada, uma vez que os gêneros intermodais
são de difícil alocação em uma ou outra modalidade de maneira mais precisa.
Marcuschi (2001) propõe, então, que a caracterização dos gêneros textuais
seja determinada a partir de dois princípios: o meio (sonoro versus gráfico) e a
concepção (oral versus escrita). Assim sendo, há gêneros que são mais prototí-
picos da fala (meio sonoro e concepção oral), aqueles mais representativos da
escrita (meio escrito e concepção escrita) e também os híbridos (meio escrito e
concepção oral e vice-versa).
Quanto à correlação entre gênero textual e grau de formalidade, é preciso
admitir que não se dispõe de parâmetros seguros para a determinação prévia
de relações claras entre cada gênero e determinado nível de monitoração esti-
lística ou de determinado grau de formalidade. Embora Marcuschi (2001) tenha
proposto graus crescentes de formalidade no eixo da fala e no eixo da escrita,
entende-se ser a relação gênero-grau de formalidade por si mesma um tema de

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pesquisa a ser desenvolvido. Por ora, assume-se tão-somente que, embora cada
gênero textual possa admitir variação de graus de formalidade – a depender
de diversos fatores, como audiência, suporte textual, tema, dentre outros (cf.
GORSKI, COELHO, SOUZA, 2014) –, a observação empírica de diversos fenô-
menos variáveis tomando por base apenas a categoria gênero textual constitui
tarefa relevante para a detecção das tendências quanto ao uso das variantes
linguísticas.

2. Pressupostos metodológicos: constituição do banco de dados


e procedimentos para o estudo de fenômenos no continuum
fala-escrita
Para a constituição do corpus que serviu de base para as descrições realizadas
na presente obra, foram selecionados textos de dez gêneros textuais distintos,
quais sejam: entrevistas sociolinguísticas3; tirinhas; anúncios; entrevistas im-
pressas (em jornais ou revistas); cartas de leitor; crônicas jornalísticas; notí-
cias; editoriais; teses/dissertações; artigos em revistas científicas – esses três
últimos também pertencentes à área da Comunicação Social.4
De todos os gêneros textuais selecionados, apenas o primeiro deles, a en-
trevista sociolinguística, seria uma representação mais prototípica da fala, uma
vez que combina as duas propriedades dessa modalidade (cf. MARCUSCHI,
2001): meio sonoro e concepção oral. Por outro lado, alguns outros, como en-
trevistas impressas, tirinhas e anúncios, poderiam ser alocados dentre os mais
híbridos, já que são de meio escrito e concepção oral. Em nível mais intermedi-
ário, podem-se localizar gêneros do meio escrito, mas com concepções diversas,
em função de diversos fatores, como grau de autoria e uso de discurso direto,
por exemplo: crônica, carta de leitor, notícia. Finalmente, o corpus ainda reúne
os gêneros mais prototípicos da modalidade escrita, tanto em meio quanto em
concepção: editorial, artigo científico, e tese/dissertação.
O quadro a seguir ilustra essa suposta caracterização dos gêneros

3 Conferir amostra do Rio de Janeiro do Banco de dados Concordância do Projeto Estudo


comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e européias do
Português. Disponível em www.corporaport.letras.ufrj.br.
4 Essa iniciativa deu origem aos primeiros empreendimentos do projeto científico intitulado
Continuum de/em variedades do Português: análises contrastivas, que tem por um de seus
principais objetivos descrever, em um mesmo banco de dados e com os mesmos procedi-
mentos metodológicos, o comportamento de regras variáveis em uma diversidade de gêneros
textuais, da fala e da escrita.

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selecionados para o corpus, a partir da conceituação de Marcuschi (2001) sobre
os meios e concepções inerentes a cada gênero textual:

Quadro 1 Distribuição dos gêneros textuais do corpus quanto


ao meio de produção e à concepção discursiva

  Com relação às fontes para a composição do corpus, os gêneros de jornal


e revista foram extraídos de veículos de circulação pública, em sua maioria
destinados à classe média-alta e alta, como O Globo, Jornal do Brasil e, mais
raramente, Extra. Já os textos acadêmicos foram extraídos de bancos de tese
e revistas acadêmicas da área de Comunicação Social, produzidos na Região
Sudeste.
O critério adotado para a delimitação do corpus foi o de número de páginas
por gênero textual de modo a viabilizar uma amostra equilibrada quanto ao
tamanho. Assim sendo, há um total de 45 cartas de leitor, que, em termos de
volume textual, é proporcional ao total de 15 editoriais. Dessa forma, chegou-se
à seguinte distribuição do quantitativo de textos coletados por gênero textual:

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Quadro 2 Composição do corpus de gêneros textuais

Faz-se necessário esclarecer três pontos principais acerca da constitui-


ção do referido corpus: (1) a amostra de gêneros textuais em questão foi pro-
duzida pela contribuição coletiva dos diferentes discentes do referido curso6;
(2) o tempo reservado para a seleção dos textos foi limitado, em função das
condições de organização programática do curso – a coleta só foi possível
após o estudo da parte teórica do curso; e (3) essa constituição constitui uma
experimentação baseada em toda a parte teórica estudada anteriormente.
As condições de constituição do corpus não foram, portanto, as mais ri-
gorosas, como evidenciam os fatores elencados acima: amostra constituída co-
letivamente, com uma seleção de textos dos mais variados gêneros, coletados
em um tempo curto. Apesar dessas possíveis condições adversas, a experiência
de tratamento de fenômenos variáveis diferentes com a amostra delimitada

5 Foram coletados trechos das entrevistas sociolinguísticas transcritas no âmbito do Banco de


dados Concordância, como referido na nota (3). Os dados foram retirados das cinco primeiras
páginas de cada arquivo de transcrição, selecionado de acordo com a estratificação proposta
pelo projeto em questão: local, gênero e faixa etária.
6 Participaram da tarefa de constituição do banco de textos e elaboraram trabalhos finais os
alunos da Pós-graduação, que cursaram a disciplina intitulada Tópicos Especiais,
já mencionados na apresentação desta obra.

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revelou notável sistematicidade na distribuição das variantes – como se verá
adiante, nos capítulos específicos de análise dos fenômenos variáveis –, o que
revela a adequabilidade do material aos propósitos da pesquisa.
Os resultados referentes à investigação realizada por alguns grupos de pes-
quisadores, considerando o conjunto de textos do corpus de gêneros textuais já
apresentado, são descritos e discutidos nos próximos capítulos. Lima, Pissurno
e Santana, no Capítulo 1, abordam o preenchimento do objeto direto/acusativo
anafórico de 3ª pessoa. A descrição das estratégias de retomada do objeto
indireto/dativo anafórico de 3ª pessoa é realizada por Carvalho, Silva e Regis,
no Capítulo 2. No Capítulo 3, o fenômeno da relativização/orações relativas é
apresentado por Escobar, Garcia e Gonçalves. O Capítulo 4, por sua vez, traz
a investigação de Almeida, Gama e Saraiva acerca da expressão de futuro no
corpus constituído. Finalmente, no último capítulo são sistematizados os re-
sultados gerais obtidos para todos os fenômenos, assim como são discutidas
orientações gerais para a abordagem das formas variantes no ensino de Língua
Portuguesa.
Com base na constituição do corpus de gêneros textuais, cada investigação
procedeu à coleta dos dados quanto à regra variável em análise. Além dos pos-
síveis fatores relevantes ao tratamento do fenômeno linguístico em questão,
foi sistematicamente controlada a atuação dos gêneros textuais. A discussão
dos resultados obtidos em cada trabalho desenvolvido nos próximos capítulos
deu-se com o objetivo de elaborar um continuum de oralidade-letramento que
supostamente se alia, de forma compósita, ao de monitoração estilística.
Por meio desses procedimentos, espera-se apresentar contribuições rela-
cionadas a possíveis orientações para o ensino das variantes de cada fenômeno
analisado. Reafirma-se, assim, a proposta de Vieira (2019b), de que os resulta-
dos das pesquisas apresentados na presente obra possam permitir que “guias
normativos efetivamente reflitam as normas praticadas na complexa rede de
variedades, modalidades e registros” (p. 258).

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CAPÍTULO 1

Variação estilística das


estratégias de preenchimento
do acusativo anafórico
de terceira pessoa
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana
Karen Cristina da Silva Pissurno
Monique Débora Alves de Oliveira Lima

Dentre os diversos fenômenos variáveis do Português Brasileiro (PB), o pre-


enchimento do acusativo anafórico de terceira pessoa vem despertando o in-
teresse de das pesquisas linguísticas desde o final da década de 70. Como re-
sultado das discussões realizadas nas últimas décadas acerca desse objeto de
estudo, pode-se afirmar que já há uma descrição ampla do comportamento
desse fenômeno tanto na modalidade oral quanto na escrita da Língua Portu-
guesa utilizada no Brasil.
A literatura descreve quatro estratégias para a retomada do objeto direto
de terceira pessoa no PB, exemplificadas a seguir a partir de dados da amostra
organizada para esta obra:

1. Clítico acusativo, como em “Deviam dar casa, trabalho, proteção e


bem estar aos pobres! Pra que tudo isso? Era só escondê[-los]!” (Tirinha);

2. Sintagma nominal (SN anafórico), como no exemplo “No espaço de


uma caminhada, o Espírito do Natal também levou Lúcio para Ruanda em
1994... O Espírito conduziu [Lúcio], mãos dadas e olhos abertos, para o
centro do massacre” (Crônica);

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3. Pronome lexical, como em “{Entrevistador: “Você pediu opinião para
o Bruno?”}... Quis surpreender [ele]” (Entrevista jornalística impressa); e

4. Objeto nulo ou zero, como no exemplo “O novo aplicativo do Frango


no Pote está de lamber os beiços. Todo mundo ama [Ø]” (Anúncio).

De maneira geral, sabe-se que a variante clítico acusativo é considerada


a forma padrão para o preenchimento do acusativo anafórico, associada aos
eventos de letramento – que, a depender do gênero textual em questão, pa-
recem preferir algumas variantes a outras. Tanto na fala quanto na escrita,
seu uso pode ser relacionado a indivíduos com maior nível de escolaridade,
embora apresente baixos índices mesmo na fala culta. Por outro lado, a va-
riante pronome lexical é a forma cujo uso parece ser bastante estigmatizado,
principalmente em contextos de maior letramento. Ainda assim, as pesquisas
relevam que sua ocorrência, em níveis não tão elevados como supõe o ima-
ginário dos falantes, é condicionada a alguns fatores linguísticos, tais quais a
animacidade do antecedente e a estrutura sintática da frase em que se encontra
o objeto retomado por pronome lexical. As demais variantes, sintagma nomi-
nal e categoria zero, são consideradas neutras, pois são utilizadas como estra-
tégias de “esquiva” (cf. TARALLO, 2018 [1993]; DUARTE, 2013), já que seu uso
não constituiria prestígio nem sofreria estigma por parte dos falantes.
O presente trabalho pretende descrever o comportamento dessas quatro
variantes do fenômeno na amostra de gêneros textuais descrita anteriormente,
na primeira parte deste e-book. Objetivou-se compreender, apesar das limi-
tações de composição do corpus, a distribuição dessas estratégias de preen-
chimento de retomada do objeto direto de terceira pessoa, ao longo de um
continuum compósito de oralidade-letramento e monitoração estilística. Ten-
cionou-se ainda investigar a relevância da variante extralinguística gênero tex-
tual para o condicionamento do uso de uma ou outra variante utilizada para a
expressão do referido fenômeno.
Com o intuito de fundamentar a presente investigação, tomaram-se como
pressupostos teóricos a Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 2006 [1968]; LABOV, 2008 [1972])); a conceituação de norma lin-
guística (FARACO & ZILLES, 2017); a proposta dos continua de variação lin-
guística (BORTONI-RICARDO, 2004; 2005); e o continnum de fala-escrita dos
gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008).
Assim sendo, apresenta-se, nas próximas seções, o tratamento desse
fenômeno tanto da tradição gramatical quanto nos estudos sociolinguísticos,

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seguido da análise quantitativa e qualitativa dos dados encontrados, a qual
permite a formulação do continnum compósito de oralidade-letramento e
monitoração estilística do fenômeno em estudo nos gêneros averiguados. A
partir disso, por fim, discute-se uma proposta de orientações para o seu ensino
relativo ao tema.

O acusativo anafórico de terceira pessoa na tradição gramatical


Há uma crítica frequente à abordagem que as gramáticas tradicionais (GT’s)
fazem sobre qualquer tema gramatical, respaldada na alegação de que o conhe-
cimento disponibilizado nesses manuais carece de uma urgente atualização,
baseada nos resultados das pesquisas linguísticas. Fato é que essa crítica é bas-
tante injusta, já que, na construção do pensamento tradicional, não somente
eram inexistentes os aparatos que atualmente contribuem para as pesquisas
linguísticas, como também as condições sociais e históricas em que se deu essa
construção eram bastante distintas das atuais.
Amparada nessa ressalva estritamente necessária, Santana (2016) analisa
a abordagem do fenômeno em estudo por três gramáticas tradicionais: Ro-
cha Lima (2012 [1972]), Cunha & Cintra (2001 [1985]) e Bechara (2015 [1999]).
Optou-se por apresentar a revisão de Santana (2016), uma vez que a pesquisa-
dora organizou de modo bastante sistematizado o conteúdo dessas gramáticas
no que concerne a esse fenômeno.
De modo geral, as três gramáticas tratam do assunto ao apresentar as
funções dos pronomes pessoais: os que exercem a função de sujeito são repre-
sentados pelas formas retas; já para os que funcionam como objeto da oração
(direto ou indireto), são utilizadas as formas oblíquas – estas divididas ainda
em formas átonas e tônicas. A organização do quadro de pronomes pessoais
tradicional é realizada com base nessa divisão a partir da função sintática exer-
cida pelos pronomes.
Segundo o quadro de pronomes proposto nas três gramáticas em questão,
as formas que funcionam para a retomada do objeto direto de terceira pessoa
são especificamente os seguintes pronomes oblíquos átonos: o, a, os, as e suas
variantes (lo, la, los, las, no, na, nos, nas, a depender das formas verbais às quais
se acoplam em casos de colocação enclítica). Não há, portanto, qualquer alusão
às demais formas utilizadas para a expressão do acusativo anafórico de tercei-
ra pessoa nessa proposta de quadro pronominal.
Cunha & Cintra (2001) fazem menção a um caso específico em que uma
forma oblíqua pode funcionar como sujeito. São as construções, normalmente

19
com verbos perceptivos ou causativos, em que o termo acusativo também
exerce função de sujeito da próxima oração (como em Mandei-o fazer o traba-
lho/ Deixe-nos pensar). Em construções do PB, no entanto, essa mesma estrutu-
ra referida pelos gramáticos pode ser preenchida pelos pronomes nominativos
(caso reto): Mandei ele entrar/Deixe a gente pensar. Ainda em sua proposta, os
gramáticos apontam como “erro” ou “equívoco” o uso do pronome reto em
função acusativa, o que eles consideram uma construção da fala vulgar ou
familiar. Os exemplos dados pelos gramáticos são Vi ele e Encontrei ela, so-
bre os quais há uma prescrição específica: devem ser evitados. (Cf. CUNHA;
CINTRA, 2001 [1985], p. 288).
Bechara (2015), apesar de apresentar uma proposta semelhante às dos
gramáticos anteriores, faz breves considerações acerca de casos específicos
em que o pronome reto pode figurar como objeto direto: (a) quando o verbo
e seu complemento estiverem distanciados, separados por uma pausa; (b) nas
enumerações e aposições; (c) precedido de todo, só e mais alguns adjuntos; e
(d) quando dotado de acentuação enfática. Outra atualização tímida que Be-
chara (2015) faz – contida na versão pedagógica de sua gramática – é acerca da
retomada por objeto nulo (categoria zero): “Estando perfeitamente conhecido
pela situação linguística, pode-se calar o pronome complemento; esta lingua-
gem é correta, apesar da censura que lhe faziam os gramáticos de outrora.”
(BECHARA, 2010, p. 144). Ainda assim, essa referência à categoria zero não
descreve amplamente a extensão que essa forma de preenchimento alcança
no PB.

O acusativo anafórico de terceira pessoa e os resultados científicos


quanto às tendências de uso da regra variável – fala e escrita
Estudos diversos anteriores investigaram as estratégias de preenchimento do
objeto direto de terceira pessoa nas duas modalidades de uso da língua: oral e
escrita. A seguir, abordam-se os principais resultados das pesquisas empreen-
didas acerca das duas modalidades em relação ao referido fenômeno.

Modalidade oral
A pesquisa de Cyrino (1994, 1997) buscou rastrear o surgimento do objeto nulo
no PB e relacioná-lo à perda de pronomes clíticos na língua. Os resultados des-
sa investigação diacrônica permitem compreender as origens dessa mudança,

20
que remonta ao século XIX. A variante objeto nulo começou a se implementar
a partir dos itens menos referenciais, afetando os objetos com antecedentes
oracionais (“Queria ir na praia amanhãi. Infelizmente não vou mais poder [Ø]i
porque está chovendo.”)1. A partir de então, a forma inovadora passou a ser
licenciada em outros contextos não-oracionais, como os de antecedente [-ani-
mado] (“Pedi pra minha mãe um livroi de aniversário, mas ela não vai poder
me dar [Ø]i”), encontrando maior resistência apenas nos contextos de antece-
dente [+animado] (“O Joãoi é meu amigo tem muitos anos. Você sabe como eu
conheci [Ø]i?”). Os dados de fala espontânea mais atuais já revelam, contudo,
ampla ocorrência da categoria zero mesmo com esse traço [+animado] (“Meu
irmãoi é muito teimoso e não gosta de ler, aí eu fico tentando convencer [Ø]i
que isso é muito ruim”).
O primeiro trabalho a tratar das estratégias de retomada do acusativo
anafórico utilizadas na modalidade oral do PB é o de Omena (1978), no Rio
de Janeiro. A pesquisadora analisou a fala de quatro estudantes da classe de
alfabetização do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), co-
letando dados de três variantes do fenômeno: o clítico acusativo, o pronome
lexical e o objeto nulo.
Em termos gerais, os resultados mostram a variante de prestígio, clítico
acusativo, totalmente ausente na fala dos indivíduos com pouca escolarização.
Os dados encontrados pela autora distribuem-se da seguinte maneira: 76% de
ocorrências da variante objeto nulo e 24% da variante pronome lexical. A pes-
quisa de Omena (1978) já indicava o que, posteriormente, seria confirmado por
outros trabalhos: a categoria zero é a preferida pelos cariocas na modalidade
oral.
No estudo de Omena (1978), ainda foi possível observar a atuação de al-
guns fatores sintático-semânticos que condicionavam o uso de uma ou outra
variante: (a) a animacidade do antecedente; (b) a função sintática do antece-
dente; e (c) a estrutura sintática da frase. O trabalho foi conclusivo em relação
ao seguinte: antecedentes com traço [-animado] favoreceram a retomada pela
categoria zero, como também ocorreu nos casos em que o termo antecedente
exercia também a função de acusativo. Por outro lado, nas estruturas sintáticas
em que o termo retomado exercia “dupla função”, atuando como sujeito da
próxima oração – sujeito de oração infinitiva, complemento de verbos percep-
tivos ou causativos ou sujeito de miniorações –, a variante pronome lexical foi
favorecida.

1 Exemplos inventados apenas para ilustrar os contextos descritos.

21
Outro trabalho igualmente importante para a compreensão do tema é o
de Duarte (1986), que investigou a fala de informantes de diferentes graus de
escolaridade e faixa etária e acrescentou uma variante não observada anterior-
mente: o sintagma nominal (SN). Os resultados novamente mostram a variante
objeto nulo como a preferida pelos cariocas (62,6%), seguida do sintagma no-
minal (17,1%) e do pronome lexical (15,4%) – houve preferência por esse último
quando o traço do antecedente era [+animado]. Em geral, os índices para o
clítico acusativo foram os mais baixos (4,9%).
A autora aponta alguns contextos linguísticos relevantes para ocorrência
da variante de prestígio: em construções com formas simples do modo indi-
cativo – principalmente com os tempos presente e pretérito perfeito – e com
formas no infinitivo. Quanto aos fatores extralinguísticos acrescentados – fai-
xa etária e grau de escolaridade –, a pesquisadora verifica o seguinte: falantes
mais novos não realizam a variante clítico acusativo na fala; por outro lado,
há um aumento perceptível da realização dessa variante, conforme aumenta o
nível de escolaridade.
Outra contribuição significativa da pesquisa de Duarte (1886) para o estu-
do do tema foi a aplicação de testes de percepção e produção aos informantes
envolvidos. A partir disso, foi possível perceber um dado interessante sobre o
fenômeno: não só há um forte estigma associado à variante pronome lexical
pelos falantes brasileiros como também pouca consciência linguística acerca
do uso da variante objeto nulo.
As pesquisas de Corrêa (1991) e Averbug (1998) trouxeram dados inte-
ressantes para o estudo do fenômeno, ao apontarem que a variante clítico
acusativo é aprendida via processo de escolarização. Corrêa (1991) analisou
textos orais e escritos em sua pesquisa. Quanto à modalidade oral, a pesqui-
sadora investigou a fala de informantes paulistas, distribuídos desde adultos
analfabetos até adultos universitários, passando pelas diferentes séries esco-
lares de ensino fundamental e médio. Em sua análise, não houve ocorrências
da variante clítico acusativo entre os adultos analfabetos e as crianças até a
3ª/4ª séries (atuais 4ª/5º anos do ensino fundamental). A partir da 5ª série (6º
ano do ensino fundamental), os índices aumentaram, apresentando 2,1% nos
informantes de 5ª/6ª série, 0,9% nos de 7ª/8ª série e 10,7% nos universitários.
Por outro lado, a incidência da variante pronome lexical diminuiu considera-
velmente nos extremos dos graus de escolaridade, com 25,6% entre os adultos
analfabetos e 7,1% entre os universitários.
Averbug (1998) também observou o comportamento do fenômeno em
textos falados de indivíduos de diferentes graus de escolaridade (da classe de

22
alfabetização – infantil e adulta – a adultos com nível superior), aos quais
foi solicitada a produção oral de narrativas recontadas. Os resultados dessa
pesquisa mostram que não houve ocorrências da variante clítico acusativo
sequer no nível mais elevado de escolaridade – o único dado dessa variante
encontrado no corpus foi realizado por um adulto da classe de alfabetização.
Assim como no estudo de Corrêa (1991), o uso da variante pronome lexical
diminuiu conforme o aumento do grau de escolaridade – 26% entre os adultos
em processo de alfabetização e 9% entre adultos com nível superior.
Diversas pesquisas posteriores às mencionadas nesta subseção também
investigaram as estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico de
terceira pessoa na modalidade oral do PB e confirmaram os resultados aqui
apresentados: Mafaroni (2004); Averbug (2008); Freire (2000); Mafaroni (2010);
entre outros.
De modo geral, no que concerne à modalidade oral do Português Brasi-
leiro, pode-se sintetizar a expressão do fenômeno a partir das seguintes con-
siderações:

• O PB começou a perder os clíticos acusativos a partir do século XIX,


licenciando o preenchimento pela categoria zero nos contextos de menor
animacidade, como a retomada oracional.

• Atualmente, há ampla preferência, na modalidade oral da língua, pela


categoria zero.

• O PB falado apresenta baixos índices da variante de prestígio, clítico


acusativo, mesmo no mais alto nível de escolaridade.

• Os falantes com maior nível de escolaridade apresentam índices meno-


res da variante por vezes estigmatizada, pronome lexical.

Modalidade escrita
As investigações acerca do comportamento do acusativo anafórico de terceira
pessoa na modalidade escrita do PB demonstram uma incidência maior da
variante clítico acusativo, diretamente relacionada ao aumento do grau de
escolaridade dos informantes envolvidos. Quanto a isso, Averbug (2000) – em
estudo realizado acerca da escrita de cariocas com diferentes graus de escola-
ridade – aponta que há um movimento inverso à subida dos índices de clítico
acusativo: o declínio dos usos da variante pronome lexical no maior nível de

23
escolaridade (ensino superior). Os resultados da pesquisa empreendida por ela
revelaram um percentual de 19% de pronomes lexicais na classe de alfabetiza-
ção que contrasta com nenhuma ocorrência no nível superior. Em contrapar-
tida, a variante clítico acusativo apareceu com 3% na classe de alfabetização e
alcançou o percentual de 40% no ensino superior, ficando à frente das demais
variantes.
Freire (2005) também averiguou a ocorrência de clíticos na escrita culta
brasileira (carioca) e lusitana. Para a investigação da variedade carioca, o pes-
quisador analisou uma amostra de gêneros textuais escritos – presentes no
domínio jornalístico –, desde os mais representativos da oralidade (tirinhas)
aos mais característicos da escrita (editoriais), a fim de compor um continnum
de oralidade-letramento acerca do comportamento desse fenômeno. A investi-
gação apresentou resultados que podem ser confrontados com os anteriores do
autor, a respeito da modalidade oral (FREIRE, 2000): o clítico acusativo apre-
sentava 3% para a fala e saltou para 47% na escrita. Freire (2005) conclui que,
embora a escola não recupere os clíticos acusativos na fala, consegue fazê-lo
na modalidade escrita. Essa recuperação ocorreria, muito provavelmente, em
função do enfoque maior dado às atividades de escrita em ambiente escolar
e também pelo fato de essa modalidade pressupor uma maior monitoração
estilística.
Ainda em relação à escrita, Machado (2006) analisa um corpus de redações
escolares produzidas por alunos de três níveis de escolaridade (ensino funda-
mental: antiga 4ª série/ atual 5º ano; antiga 8ª série/ atual 9º ano; ensino médio:
3ª série). Os resultados obtidos corroboraram os anteriores ao indicarem o
aumento da variante clítico acusativo com a subida do nível de escolaridade.
Além disso, a pesquisadora controlou o tipo de sequência textual (narrativa
ou dissertativa) e também o gênero do informante. A autora encontrou maior
frequência de pronomes lexicais nas redações com predominância de sequên-
cias narrativas (24%), que são mais próximas da oralidade, do que nas sequ-
ências dissertativas (6%). Em contrapartida, a frequência de clíticos acusativos
(41%) foi maior nas sequências dissertativas, contrastando com os 36% das
narrativas. Quanto à variável extralinguística gênero textual, foi possível per-
ceber que as mulheres produzem mais pronomes lexicais no nível mais baixo
de escolaridade, mas diminuem a frequência de uso dessa variante mais do que
os homens o fazem no nível mais alto.
Outros trabalhos também se dedicaram à investigação da escrita, obten-
do resultados semelhantes: Oliveira (2007); Santana (2016); Lima (2017); entre
outros.

24
Quanto ao preenchimento do acusativo anafórico de terceira pessoa na
modalidade escrita do PB, as seguintes considerações podem sintetizar o
comportamento do fenômeno:

• A recuperação do clítico acusativo, variante de prestígio, é feita via pro-


cesso de escolarização, com o aumento de seus índices de uso ocorrendo
conforme a subida do nível de escolaridade dos falantes.

• A variante estigmatizada, pronome lexical, diminui com o aumento do


grau de escolaridade, o que indica que o processo de letramento interfere
também nessa variante.

O acusativo anafórico de terceira pessoa no banco de dados


Na tentativa de alcançar o objetivo primeiro deste trabalho – compreender
o comportamento do acusativo anafórico de terceira pessoa no tangente à
variação estilística, a partir da amostra observada –, questionou-se sobre o
modo mais adequado para estabelecer e visualizar um continuum de oralida-
de-letramento e um continuum de monitoração estilística entre os gêneros
textuais aqui investigados. Tendo em vista a complexidade de elementos que
influenciam o caráter mais ou menos oral/escrito dos referidos gêneros e,
sobretudo, o nível de monitoração envolvido nessas diferentes situações co-
municativas, julgou-se pertinente tomar os resultados empíricos relativos ao
fenômeno como ponto de partida para a formulação dos continua de gêneros,
referentes (i) à modalidade oral/escrita e (ii) ao grau de planejamento/mo-
nitoração linguística a eles associado. Dessa forma, expõe-se primeiramente
a descrição do comportamento do fenômeno na amostra investigada e, na
sequência, formulam-se os continua de gêneros textuais com base no banco
de dados em análise.

O comportamento do fenômeno na amostra


Ao considerar os dez gêneros textuais da amostra em estudo, foram coletadas
238 ocorrências de preenchimento de objeto direto de terceira pessoa, distri-
buídas entre as variantes já citadas: o clítico pronominal (encontrei-o), o sin-
tagma nominal anafórico (encontrei aquele livro), o pronome lexical (en-
contrei ele) e a variante zero ou objeto nulo (encontrei Ø). Tais ocorrências
foram quantificadas com o auxílio do programa estatístico Goldvarb X para a

25
obtenção (i) de percentuais que demonstrassem a distribuição do fenômeno
em relação aos contextos observados e (ii) de pesos relativos, a partir de roda-
das multivariadas, que permitissem compreender a atuação das variantes na
amostra em questão.
A Tabela 1, a seguir, demonstra a distribuição desses dados em relação a
cada uma das variantes, com seus respectivos percentuais de uso, mostrando
que, nessa amostra, as variantes mais utilizadas foram o SN anafórico (41%) e o
clítico acusativo (39%):

Tabela 1 Distribuição das variantes de preenchimento


do objeto direto segundo gêneros textuais

 Observa-se que o clítico acusativo e o SN anafórico obtiveram um número


de ocorrências equiparado (93 e 96, respectivamente), totalizando 80% dos da-
dos obtidos. A variante zero representa 17% das ocorrências e o pronome lexi-
cal, apenas 3% do total, com somente 8 dados encontrados.
Em relação aos gêneros textuais especificamente, como a distribuição do Gráfico
1 revela, as variantes clítico acusativo e objeto nulo ocorreram em todos os gê-
neros explorados. O SN anafórico também apareceu em todos, exceto nos edito-
riais, que obtiveram o maior índice de uso do clítico acusativo. Esse cenário já de-
monstra o predomínio da variante de prestígio nos editoriais, nos quais, quando
a ocorrência não é de clítico, o item retomado aparece apagado – variante zero
que supostamente não sofreria estigma, por ser menos saliente. Por fim, a varian-
te pronome lexical só apareceu nas entrevistas (sociolinguísticas e jornalísticas
transcritas), gêneros que, na presente amostra, estão mais próximos do eixo da

26
oralidade, modalidade na qual o uso de tal estratégia tende a ser mais frequente.

Gráfico 1 Distribuição das variantes de preenchimento do objeto direto


segundo gêneros textuais

Em síntese, pode-se observar que as estratégias se distribuem da seguinte


forma entre os gêneros: (i) maior frequência de clítico em editoriais (88%), arti-
gos (54%), teses/dissertações (52%), cartas de leitor (50%); (ii) maior frequência
de SN em notícias (57%), crônicas (57%), anúncios (54%), entrevistas impressas
(48%), tirinhas (46%); (iii) maior frequência de variante zero nas entrevistas
sociolinguísticas (45%) e; (iv) ocorrências de variante pronome lexical apenas
em entrevistas sociolinguísticas (30%) e impressas (4%).
Tal distribuição, ainda que de maneira incipiente, devido às particulari-
dades do corpus aqui estudado, corrobora o que já afirmavam Vieira; Freire
(2014):

De forma geral, os dados revelam que a escrita brasileira recupera, de modo bas-
tante expressivo, uma variante praticamente ausente da fala, assim como reduz
drasticamente o emprego do pronome reto em função acusativa, chegando a ne-
nhuma ocorrência no nível mais monitorado, fenômeno que evidencia a influên-
cia do processo de escolarização (VIEIRA; FREIRE, 2014, p. 93).

Sendo assim, em relação aos percentuais alcançados, investigou-se a atua-


ção da variante promovida pela escola (o clítico) versus as outras três variantes

27
(SN, nulo e pronome lexical) e, a partir dos resultados obtidos, verificou-se
que, de fato, quanto maior for o nível de formalidade esperado para cada gê-
nero, maior será o uso explícito de clíticos, como mostra a Tabela 2, a seguir:

Tabela 2 Aplicação das variantes clítico x SN, zero e pronome lexical

  Seguindo a ordem de apresentação da Tabela 2, e considerando-se, em um


dos extremos, o editorial (.96 de favorecimento ao uso de clítico), e, no outro, as
entrevistas sociolinguísticas (apenas .07 de favorecimento de clítico), verifica-
-se que os pesos relativos vão diminuindo conforme a maior flexibilidade dos
gêneros, ou seja, aqueles que se podem considerar menos monitorados aceitam
mais facilmente as outras variantes. Vale ainda ressaltar que as variantes SN,
zero e pronome lexical se revelaram extremamente presentes na amostra como
um todo, totalizando 61% das ocorrências coletadas (145). Novamente, esses
resultados são validados nas palavras de Vieira; Freire (2014):​

é natural esperar que os textos representantes desse nível do continuum [mais


monitorado] tenham maior compromisso com a tradição literária e gramatical:
conforme lembra Bortoni-Ricardo (2004:52), a imprensa é uma das “agências
padronizadoras”, responsáveis por codificar a língua numa cultura de letramento.
Por conseguinte, aquilo que prescreve a tradição deve aparecer com mais força

a
28
nessa extremidade do continuum. Não obstante isso, os dados relativos à varie-
dade brasileira mostram que nem na escrita mais monitorada essa tradição é ab-
soluta. [...]. Por conseguinte, os resultados aqui aduzidos apontam para um fato
contundente e inegável: já se encontram infiltradas na escrita estratégias alterna-
tivas ao clítico acusativo comuns na fala (VIEIRA; FREIRE, 2014, p. 94).

Destaca-se que, como dito anteriormente, os editoriais, que se encontram


no extremo de maior uso do clítico, optaram, nas duas únicas ocorrências em
que a estratégia utilizada não foi io clítico, pela forma menos estigmatizada – o
objeto nulo:

5. “Mas não há novidade no esforço de o deputado ou senador recusar,


momentaneamente, de olho nas urnas, o cargo mais cobiçado do país.
Quando Fernando Henrique estava no governo, tendo de se ausentar em
ano eleitoral, o vice Marco Maciel não quis assumir [Ø]”. (Editorial); e

6. “e quando o ministro Dias Toffoli devolver o processo, do qual pediu


vista, estará consumada a decisão. O ministro prometeu [Ø] para logo.
(Editorial)

Por fim, vale ainda ressaltar algumas informações sobre o uso do pronome
lexical na amostra estudada. A primeira conclusão a que se pode chegar é a de
que, de fato, essa estratégia é fortemente combatida, haja vista sua pouquíssi-
ma produtividade no corpus, com apenas 8 ocorrências. Além disso, fica claro
que esta é uma estratégia mais presente nos contextos de fala e evitada, ao má-
ximo, em textos escritos, o que foi constatado nos dados, destacados a seguir,
que só foram encontrados no gênero entrevista sociolinguística:

7. “o Lindberg fez a ... fez com que a Via Light se tornasse grande cartão
postal de Nova Iguaçu... embelezou [ela] de uma maneira.”;

8. “brincava com os primos e depois saía todo mundo com o meu pai ele
levava [eles] nas casas dele aí tomava... refri/ normalmente um refrige-
rante sorvete e voltava pra casa.”;

9. “os meus filhos sempre tiveram assim amigos que desde pequenos que
acompanharam [eles] na trajetória toda”;

29
10. {Entrevistador: “essa missão é cumprida por dia?”} “por dia... senão
você acumula [ela] aí já era...”;

11. “o leão aí se eu não mato [ele] hoje aí amanhã tem um: e o outro...
tem um e meio”;

12. {Entrevistador: “Você pediu opinião para o Bruno? Afinal, você fala
dele no espetáculo”}... “Quis surpreender [ele]”;

13. “não de que eu não queira ser igual, porque ela não tem culpa de ter...
Porque se eu vejo [ela] mal eu vou ficar mal...

14. “meu pai era meio meio bravo minha mãe também tinha um geniozi-
nho forte mas... isso é um exemplo que eu trago deles... nunca vi [eles]
discutirem nem na nossa frente...”

Para além disso, é válido mostrar que houve um dado, retirado da codifi-
cação final da amostra, em que esta relação entre o uso do pronome lexical e
a fala pode ser diretamente destacada. Em uma carta de leitor, a autora relata
uma conversa com a neta e a reproduz literalmente, entre aspas, da seguinte
forma:

15. “Mas se o vídeo gravou [ele] recebendo dinheiro ilegal, por que não
vai direto pra cadeia?” (Carta de Leitor)

O questionamento que se faz sobre esse dado, motivo pelo qual o mesmo
foi retirado da análise multivariada, é que, uma vez que não houve qualquer
outra ocorrência de pronome lexical nas cartas de leitor, essa única estrutura
teria sido mantida no jornal por ser um claro registro de fala ou ou ela teria
passado despercebida ao olhar de um possível revisor, por ser um dado em
contexto de uma minioração? A resposta para o questionamento quanto a esse
e a outros dados semelhantes carece de investigação que não caberia ao escopo
do presente trabalho, mas serve como reflexão para futuras investigações.
Cabe, de modo geral, notar que o uso dessa estratégia é extremamente
combatido na escola e, consequentemente, amplamente desfavorecido em con-
textos de escrita mais monitorada, como ficou refletido na ausência de dados
na presente amostra que, em sua quase totalidade, foi constituída de gêneros

30
escritos. Ademais, é importante observar que, assim como no exemplo (15), as
ocorrências de pronome lexical são favorecidas por contextos em que o objeto
serve, ao mesmo tempo, como sujeito da oração que se segue, como explicam
Duarte; Ramos (2015):

O pronome, por outro lado, era favorecido por um antecedente [+ humano] em


estruturas em que funciona como objeto de verbos obrigar, convencer, persuadir,
etc., que controla o sujeito da subordinada; em estruturas em que ele é, na rea-
lidade, o sujeito de uma minioração ou de uma completiva infinitiva (DUARTE;
RAMOS, 2015, p. 174).

Assim, pode-se concluir, resumidamente, que, através dos dados aqui rela-
tados, se constatou forte preferência pelo preenchimento do objeto de terceira
pessoa na forma de clíticos e de SN. Em relação à distribuição das variantes,
observou-se a presença de clítico e objeto nulo em todos os gêneros. O SN
aparece em quase todos, com exceção dos editoriais, e o pronome lexical só foi
realizado nas entrevistas transcritas. Dessa forma, identificou-se que, em uma
suposta escala de formalidade, os editoriais e as entrevistas, especialmente as
sociolinguísticas, estariam em polos opostos no que tange ao uso das varian-
tes, sendo o primeiro o maior favorecedor da estratégia promovida pela escola,
enquanto o segundo seria o mais flexível de todos os gêneros, permitindo, in-
clusive, o uso da estratégia explicitamente rejeitada pela gramática tradicional
– o pronome lexical.

Os continua de gêneros textuais com base no corpus


Com a descrição do comportamento do fenômeno na amostra, constatou-se
que, em síntese, a estratégia de retomada por um objeto nulo, largamente di-
fundida entre os falantes brasileiros (de acordo com a literatura da área) foi
predominante somente entre os dados das entrevistas sociolinguísticas (45%),
único gênero representativo de uma oralidade prototípica na amostra analisa-
da, embora a variante tenha ocorrido também nos demais gêneros. A retomada
com um SN anafórico, por sua vez, demonstrou uma frequência expressiva de
uso na maioria dos gêneros observados, à exceção justamente das entrevistas
sociolinguísticas, nas quais foi a estratégia menos utilizada (10%). Isso permite
relacionar tanto o emprego do objeto nulo ao contexto de modalidade oral
como o uso do SN anafórico ao contexto de modalidade escrita. Esta variante,

31
no entanto, atingiu seus maiores índices entre as notícias, anúncios, crônicas
e tirinhas, ao passo que os editoriais, artigos científicos e teses/dissertações
acadêmicas, gêneros escritos que pressupõem um maior grau de planejamento
linguístico, revelaram o uso predominante do clítico acusativo. Dessa forma,
entende-se que o objeto nulo se mostra representativo da oralidade em opo-
sição aos objetos expressos SN e clítico, associados, portanto, à modalidade
escrita.
A estratégia com pronome lexical ocorreu em nossa amostra exclusiva-
mente nos dados de entrevistas, especialmente as sociolinguísticas (30%2), não
sendo verificado qualquer uso da variante nos demais gêneros, o que permite
relacioná-la simultaneamente ao domínio da oralidade e ao contexto de menor
grau de planejamento/monitoração linguística. O clítico acusativo, por outro
lado, atingiu seu ápice de produtividade nos gêneros escritos que implicam um
mais alto nível de planejamento em sua construção (editoriais, artigos cien-
tíficos e teses/dissertações acadêmicas). Neste caso, considera-se para estes
gêneros um maior grau de planejamento linguístico dada, entre outros quesi-
tos, a demanda de tempo para a (re)formulação de seus textos, frente a outros
gêneros escritos que, em tese, exigiriam um período de planejamento mais
curto, como as notícias e os anúncios, por exemplo. Esse comportamento con-
duz a uma associação entre o uso dessa variante e os contextos de modalidade
escrita e de maior monitoração linguística, de modo concomitante e contrá-
rio ao comportamento da variante pronome lexical. Assim, essas variantes se
mostram particularmente influentes no que tange ao registro mais ou menos
monitorado de uso da língua, enquanto aquelas (objeto nulo e SN anafórico)
parecem atuar maiormente no que difere suas modalidades oral ou escrita.
O Quadro 1 abaixo sintetiza os traços do fenômeno relacionados aos dife-
rentes contextos do compósito modalidade oral/escrita e registro mais ou me-
nos monitorado de uso da língua, tal como identificados a partir dos resultados
da análise realizada.

2 Ainda assim, o pronome lexical alcançou menos de 50% de uso nesse contexto, o que
provavelmente remete ao “paradoxo do observador” (LABOV, 2008 [1972]) envolvido nas
entrevistas sociolinguísticas. Estima-se que a frequência de uso dessa variante deva aumen-
tar conforme diminui o nível de atenção dada à fala. No entanto, ressalta-se a dificuldade de
coletar e analisar gêneros de fala ainda mais espontânea, dos quais não dispomos em nossa
amostra.

32
Quadro 1 Traços do acusativo anafórico de 3ª pessoa conforme contextos do
compósito modalidade e registro de uso da língua

+

    Pode-se notar, portanto, certa simetria no comportamento das variantes


do fenômeno no corpus em questão. O objeto nulo e o SN anafórico compor-
tam-se de maneira oposta, sendo o objeto nulo representativo da modalidade
oral e o SN anafórico mais característico da modalidade escrita, ao passo que
o clítico acusativo e o pronome lexical apresentam um comportamento tam-
bém em oposição, porém relativo ao nível de planejamento dos gêneros, e não
apenas à modalidade de uso da língua: o emprego do clítico remete a uma
associação entre a modalidade oral e o registro mais monitorado, e o uso do
pronome lexical pressupõe uma associação entre a modalidade oral e o regis-
tro de menor monitoração linguística.
Em vista disso, optou-se por estabelecer, em caráter experimental, os
seguintes critérios para a formulação dos continua de gêneros textuais da
amostra. Para o continuum de oralidade-letramento, propôs-se identificar os
gêneros em que sobressai o traço [+nulo], os quais serão característicos, por
conseguinte, de maior oralidade. Em outras palavras, os gêneros que revelam
maior probabilidade de uso do objeto nulo determinarão os pontos mais orais
do eixo fala-escrita. Para o continuum de monitoração estilística, a maior pro-
babilidade de uso do clítico acusativo definirá o caráter mais monitorado do
gênero, sendo considerados menos monitorados, aqui, os gêneros que apresen-
tem menor probabilidade de uso do clítico3. Com esse propósito, observaram-
-se os resultados em pesos relativos obtidos com a rodada de clítico acusativo
versus demais variantes no programa Goldvarb X, já explicitados na Tabela
2, e realizou-se nova rodada, controlando o objeto nulo versus as variantes

3 Constatou-se que o nível de monitoração linguística incide diretamente sobre a probabili-


dade de uso do clítico acusativo, haja vista a ocorrência ínfima da variante pronome lexical no
corpus, o que, em certa medida, demonstra o caráter mais escrito e até mesmo mais monitora-
do de nossa amostra, ressalvadas as particularidades de cada gênero.

33
expressas SN anafórico e clítico acusativo4, cujos resultados são expostos na
Tabela 3 a seguir.

Tabela 3 Aplicação das variantes objeto nulo x objeto expresso (SN e clítico)

                A partir desses resultados, não surpreende que as entrevistas


sociolinguísticas se caracterizem como o gênero de maior oralidade, com peso
relativo .96 de favorecimento ao emprego do objeto nulo. Como segundo gênero
mais oral, entretanto, aparecem os anúncios, que, embora propriamente escritos,
demonstram forte probabilidade de carregar traços da oralidade, favorecendo
o uso da categoria zero com peso relativo .81. Na sequência, encontram-se as
entrevistas impressas e as tirinhas também como gêneros representativos da
modalidade oral, com pesos relativos .70 e .69, respectivamente. Em ordem,
os gêneros mais escritos da amostra foram as crônicas, que desfavoreceram o
objeto nulo com peso relativo .16, os artigos científicos; as teses/dissertações e
as notícias, com pesos relativos .33, .35 e .37 de desfavorecimento à categoria
zero; e os editoriais e cartas de leitor, que desfavoreceram o uso dessa variante
com peso relativo .45. Dessa forma, é possível visualizar o seguinte continuum

4 Nesta etapa, foram eliminados os dados de pronome lexical, já que esta variante é também
associada ao contexto de modalidade oral, com a particularidade de pressupor, com base nos
critérios aqui estabelecidos, uma oralidade menos monitorada. Por esse motivo, exibe-se o
total de 230 dados na Tabela 7, em lugar de 238, que foi o total de dados geral do corpus.

34
de oralidade-letramento (figura 1) referente ao comportamento do acusativo
anafórico de terceira pessoa na amostra aqui investigada:

Figura 1 Continnum de oralidade-letramento dos gêneros da amostra

No que se refere à monitoração estilística dos gêneros, o editorial se re-


velou como o gênero de mais alta monitoração, com peso relativo .96 de fa-
vorecimento ao emprego do clítico, seguido pelos artigos científicos e teses/
dissertações acadêmicas, com pesos relativos .76 e .72, respectivamente. As
cartas do leitor e as notícias demonstraram também o traço de gêneros mais
monitorados, favorecendo o uso do clítico com pesos relativos .71 e .53. No
entanto, cabe mencionar o provável processo de (re)edição que deve nortear
a produção dessas cartas de leitor até sua efetiva publicação nas revistas, o
que provavelmente influencia esse favorecimento de .71 à estratégia de maior
prestígio social. Na contramão desse processo, encontram-se as entrevistas
sociolinguísticas e jornalísticas, os anúncios, as tirinhas e as crônicas, que des-
favoreceram o uso do clítico, nesta ordem, como pesos relativos .07, .22, .26,
.37 e .435:

Figura 2 Continnum de monitoração estilística dos gêneros da amostra

5 Para conferir tais resultados, ver Tabela 2.

35
Como se pode observar, os gêneros distribuídos ao longo dos continua
de oralidade-letramento e monitoração estilística naturalmente se encontram
em determinados pontos, mas podem se diferenciar em outros. Ressalta-se,
pois, que o entendimento de maior ou menor monitoração estilística, aqui,
considera apenas a maior ou menor probabilidade de uso do clítico acusativo,
como critério estabelecido, o que não esgota as reais influências que atuam na
composição do nível de formalidade das diversas situações comunicativas. A
separação dos continua de modalidade e registro foi assim realizada na tentati-
va de ilustrar seus “macropontos” de encontro e seus eventuais desencontros,
em decorrência das particularidades da cada gênero. Dessa forma, há grupos
de gêneros que refletem o extremo mais oral e informal dos continua – as en-
trevistas sociolinguísticas e impressas, os anúncios e as tirinhas – e outros que
se encontram no extremo oposto, caracterizando-se como gêneros mais escri-
tos e mais formais – os artigos científicos e as teses/dissertações acadêmicas.
Em função dos critérios estabelecidos para a formulação dos continua, os
editoriais, particularmente, não se enquadraram exatamente no extremo de
maior letramento em nossa amostra, embora configurem naturalmente um
contexto de escrita. Ocorre que, nestes, não houve sequer uma ocorrência da
variante SN anafórico – a que caracterizaria o contexto de modalidade escrita
–, fato que decorre, no entanto, da quase totalidade de uso do clítico acusa-
tivo entre os dados do gênero (cf. Tabela 1), configurando-o como o extre-
mo de maior formalidade em nossa amostra. Em contrapartida, as crônicas,
por exemplo, embora situadas no extremo de maior letramento do continuum
referente à modalidade, não atingiram um alto grau de formalidade em nossa
amostra (a partir dos critérios aqui estabelecidos), ocupando o meio [–for-
mal] do continuum de monitoração estilística. Tal condição parece razoável,
no sentido de que as crônicas seriam um domínio de forte letramento, mas, ao
mesmo tempo, de maior liberdade de escrita, com um caráter mais subjetivo e
particular. Já os anúncios, por exemplo, apesar de serem literalmente escritos,
podem sugerir certa intenção de interação e proximidade com o público, o que
os relaciona às características da modalidade oral e à informalidade do registro
de uso da língua.
Com base nesses resultados, propõem-se algumas orientações para o
ensino do fenômeno, expostas na próxima seção.

Reflexões sobre norma e ensino


A partir dos resultados acima explorados para o fenômeno do acusativo

36
anafórico de terceira pessoa, nos quais se fundamentaram os continua de gêne-
ros textuais ora estabelecidos, é válido refletir sobre o que deve ser recuperado
pela escola em um nível de recepção linguística, isto é, apenas para o reconhe-
cimento, leitura e compreensão textual-discursiva, e o que se deve recuperar
em nível de produção linguística, ou seja, para que os alunos desenvolvam o
domínio de determinado elemento a ponto de efetivamente utilizá-lo em suas
produções textuais.
No que tange à ampliação do nível de recepção linguística dos alunos,
julgou-se essencial o conhecimento das quatro variantes do fenômeno em
questão (bem como de qualquer outro) – clítico acusativo, SN anafórico, ob-
jeto nulo e pronome lexical –, haja vista a legitimidade de todas as variantes
linguísticas no comportamento social e no percurso histórico da língua em
uso (qualquer que seja ela). Além disso, entende-se que, quanto maior o nível
de recepção linguística do alunado, maior será sua gama de compreensão tex-
tual, seu leque de leitura de mundo. Já no que se refere à ampliação do nível
de produção linguística dos alunos, sugere-se a promoção de atividades que
envolvam especialmente as variantes clítico acusativo e sintagma nominal,
não apenas por terem sido as mais frequentes no corpus analisado, mas por
considerar-se que as demais – objeto nulo e pronome lexical – se caracterizam
como mais vernaculares em relação ao PB, não demandando a realização de
atividades escolares sistemáticas em prol do seu uso exclusivo, para além do
seu reconhecimento e do entendimento da sua funcionalidade na língua.
No entanto, mesmo em nível de produção linguística, acredita-se que o
clítico acusativo e o SN anafórico pressupõem estatutos de ampliação distin-
tos. O primeiro traz ao plano da consciência o exercício da regra variável,
de maneira a exigir a prática, em sala de aula, de atividades sistemáticas que
visem o desenvolvimento das habilidades linguísticas discentes na direção
de um maior domínio sobre essa regra variável. Nesse intuito, o trabalho do-
cente se daria em prol do uso do clítico acusativo, variante mais distante do
vernáculo do PB, cujo acesso seria mais laborioso, portanto, para os alunos
brasileiros. Não por acaso, seria interessante que esse trabalho envolvesse os
gêneros que apresentem o traço [+clítico] em sua composição, como, nesta
amostra, os editoriais, artigos científicos, as teses e dissertações acadêmicas.
Não obstante, até que ponto recuperar essa estratégia de maior prestígio social
é uma questão que persiste em aberto, dependendo inclusive dos condiciona-
mentos estruturais que venham a conservar sua expressão. Vale mencionar
que, no corpus desta investigação, houve ainda um dado de clítico utilizado
para a retomada de antecedente oracional, contexto em que o emprego dessa

37
estratégia de retomada do objeto foi o primeiro a praticamente desaparecer na
fala brasileira.
De forma distinta, o uso do SN anafórico parece advir não exatamente do
funcionamento da regra variável, considerando os diferentes gêneros e con-
textos de maior ou menor formalidade de uso da língua, nas modalidades oral
ou escrita – como é o caso do clítico acusativo –, mas sim, e principalmente,
da noção semântico-discursiva que envolve a escolha dessa variante pelo fa-
lante. Nesse caso, entrariam em jogo atividades que alcançassem a produção
de diferentes sentidos no texto, promovendo uma consciência de intenções do
discurso, para as quais se poderiam explorar gêneros que apresentem o traço
[+SN], como ocorreu, em nossa amostra com as crônicas, anúncios e notícias,
por exemplo.
Apesar de nossa proposta para a ampliação do repertório de uso dos alunos
recair particularmente sobre o emprego das variantes clítico acusativo e SN
anafórico, ressalvadas suas diferenças, isso não significa que estas seriam as
únicas variantes aceitas na correção dos textos de produção discente. Sob essa
perspectiva, supõe-se que o grau de aceitabilidade das variantes do fenômeno
possa variar a depender do nível de flexibilidade do gênero respectivo a
essa produção, o que funcionaria basicamente como um possível critério
de avaliação docente. Na amostra analisada pela presente investigação, os
gêneros observados demonstraram a seguinte disposição relativa à frequência
de uso de cada variante:

38
Quadro 2 Graus de aceitabilidade das variantes do acusativo anafórico de 3ªp.
conforme sua frequência de uso nos gêneros textuais da amostra

  O Quadro 2 acima não pretende (e sequer pode) delimitar o grau de aceita-


bilidade de cada variante em cada gênero observado, mas ilustra a distinção do
comportamento de cada uma delas nos diferentes gêneros. O clítico acusativo
demonstrou sua aceitabilidade em todos os gêneros da amostra, em ordem
decrescente, desde os editoriais, que obtiveram maior frequência de uso da va-
riante, até os anúncios, em que seu uso foi menos expressivo. O SN anafórico
apresentou maior grau de aceitabilidade nas crônicas e foi menos frequente
nas entrevistas sociolinguísticas, contexto em que sobressaiu o emprego do
objeto nulo, como já mencionado, direcionando a mais abrangente aceitação
desta variante em contexto de modalidade oral. O pronome lexical, por fim, in-
dicou um grau de aceitabilidade atrelado apenas às entrevistas, especialmente
as sociolinguísticas, o qual permanece aberto a diferentes gêneros com traços
[+oral] e [–monitorado] que excedem os limites de nossa amostra. Assim, essa
disposição pode, talvez, sugerir a maior ou menor adequação de uma ou outra
variante a determinado gênero textual, embora não esgote as diversas possibi-
lidades desses gêneros.
Nesse sentido, mais importa considerar a noção de flexibilidade associada

39
a cada gênero. Os artigos científicos, teses e dissertações acadêmicas, por
exemplo, que ocupam o extremo de maior letramento e formalidade dos conti-
nua averiguados, bem como os editoriais, que figuram como o ponto de maior
monitoração estilística em nossa amostra, comportam-se como gêneros menos
flexíveis, haja vista a preponderância da variante clítico acusativo (ou do SN
anafórico, a depender do contexto de uso) em sua escrita, em detrimento da
expressão das demais variantes. As entrevistas sociolinguísticas e impressas,
os anúncios e as tirinhas, que se aproximam do extremo mais oral e menos
formal dos continua, por outro lado, apresentam um caráter de maior flexi-
bilidade, isto é, estão mais abertos ao uso das quatro variantes do fenômeno.
Nesse caso, as crônicas, notícias e cartas do leitor, por sua vez, demonstram um
comportamento mais ou menos flexível no que tange à expressão do acusati-
vo anafórico de terceira pessoa, podendo oscilar entre uma maior ou menor
maleabilidade de escrita, cujas escolhas pelo uso de uma ou outra variante
decorrerão, provavelmente, de influências outras que extrapolam o controle
situacional desta pesquisa (tipo de texto, tema abordado, suporte ou veículo de
comunicação etc.).
Dessa forma, em síntese, propõe-se a inserção das quatro variantes do
fenômeno em estudo no desenvolvimento do nível recepção linguística dos
alunos (clítico acusativo, sintagma nominal, objeto nulo e pronome lexical)
e a ampliação de seu nível de produção linguística especialmente (i) com a
promoção de atividades sistemáticas que visem o aumento de sua habilidade
linguística com o domínio da variante clítico acusativo, o que implica o desen-
volvimento da consciência da regra variável, dado a partir do trabalho com
gêneros que carreguem o traço [+clítico] – em nossa amostra, os editoriais,
artigos científicos e teses/dissertações acadêmicas, e (ii) com a promoção
de atividades que busquem um avanço no uso da variante SN anafórico, de
modo a explorar a produção de distintos sentidos no texto e desenvolver a
consciência, no nível semântico-discursivo, de diferentes intenções do discur-
so em prol de uma escrita cada vez mais elaborada e criativa, sobretudo por
meio do trabalho com gêneros que carreguem o traço [+SN] – em nossa amos-
tra, as crônicas e notícias, por exemplo.
Paralelo a isso, sugere-se que o grau de aceitabilidade de cada variante,
como critério para a avaliação da produção discente, pode variar a depender
do nível de flexibilidade de cada gênero, que varia também em um continuum
desde os gêneros mais flexíveis, como os anúncios e as tirinhas, até os gêneros
menos flexíveis, como os editoriais, artigos, teses e dissertações acadêmicas.
Assim, espera-se que essas considerações, ainda que restritas aos limites desta

40
pesquisa, possam contribuir com a descrição da variação estilística atrelada à
expressão do acusativo anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil,
em suas modalidades falada e escrita, e possam, ainda, colaborar para a discus-
são relativa ao ensino deste fenômeno no âmbito de nossa Educação Básica.

41
CAPÍTULO 2

Estratégias de retomada do
dativo de 3ª pessoa em diferentes
gêneros textuais: uma análise
sobre letramento, normas e ensino
Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho
Pedro Henrique dos Santos Regis
Thaissa Frota Teixeira de Araujo Silva

O Português Brasileiro oral vem apresentando um transcurso de mudanças, em


diferentes níveis, que resultam em um distanciamento da descrição presente nas
gramáticas normativas em relação ao que é efetivamente utilizado na língua
corrente no país, como aponta Freire (2011). Destaca-se, dentre os fenômenos
descritos nas últimas décadas, a “decadência” dos clíticos acusativo e dativo de
terceira pessoa.
Cumpre ressaltar que, paralelamente a essas mudanças na fala, uma grande
parte das escolas segue ensinando aos alunos a abordagem tradicional da utiliza-
ção desses clíticos. Nesse sentido, essa conduta escolar leva a acreditar que, pelo
menos na escrita, haja ocorrências congêneres aos processos descritos pelas
gramáticas normativas, uma vez que o ensino formal sabidamente prima pela
tradição, instruindo os aprendizes a rejeitar as “incorreções”, ou seja, aquilo que
foge dos tratados gramaticais tradicionais. Contudo, a análise de diferentes ma-
teriais já é suficiente para revelar usos alternativos aos da descrição tradicional.
Ao recorrermos à tradição gramatical, sobre o dativo de terceira pessoa,
fica evidente a canonicidade do uso do lhe(s) enquanto estratégia anafórica. Por
exemplo: “Encontrei Mateus e entreguei-lhe o dinheiro”. No entanto, não causam
estranhamento a um falante de Português Brasileiro construções como “Encon-
trei Mateus e entreguei o dinheiro para Mateus”, “Encontrei Mateus e entreguei o

42
dinheiro para ele” ou até mesmo “Encontrei Mateus e entreguei o dinheiro”. Es-
sas alternativas são realizadas naturalmente em contextos de fala e escrita e já
vêm sendo consideradas e descritas nos últimos anos (cf. GOMES, 1999, apud
FREIRE, 2011; SILVEIRA, 2000).
Sob essa perspectiva, cabe questionar quais são as circunstâncias propícias
para a ocorrência do clítico ou para sua eventual substituição por uma estraté-
gia anafórica não prevista pela tradição. Levando isso em conta, este trabalho
buscará traçar um panorama acerca da expressão de dativo anafórico de terceira
pessoa, a partir da análise de textos de variados gêneros, considerando o
continuum oralidade/letramento postulado por Bortoni-Ricardo (2005) e
os conceitos de norma propostos por Faraco (2008) e Faraco & Zilles (2017),
visando, por fim, a uma reflexão em torno dos resultados obtidos em relação ao
modelo de ensino em vigor.

Pressupostos teórico-metodológicos
Como já observado, este trabalho tratará, especificamente, do dativo anafórico
de terceira pessoa. Para tanto, consideraremos a noção de Mateus et al. (2003),
de que o objeto indireto é uma relação gramatical central cujo constituinte é
argumento interno de um verbo de 2 ou 3 lugares, com papel semântico de alvo
ou fonte. Esse argumento é tipicamente animado e substituível pela forma pro-
nominal lhe.
Não obstante, para além da forma pronominal, consideraremos outras
possibilidades de expressão de dativo anafórico de terceira pessoa do Português
Brasileiro atual, a saber: SP anafórico com pronome, SP anafórico com SN e
objeto nulo. Para ilustração, recorremos a exemplos de Freire (2011):

• Clítico pronominal: Minha filha ainda cabe no meu colo… E gosta de


ouvir canções de ninar… E gosta de chocalho… E chupeta… E de comer a
papinha que eu [lhe] dou… (PB: Almanaque do Cebolinha, n.º 78, dezembro
de 2003 – História em quadrinhos);

• Sintagma Preposicionado (SP) anafórico (com pronome): O Cebo-


linha vai adorar o computador! […] Vou aproveitar que ele está dormindo
pra montá-lo e dar uma boa lida no manual! E amanhã cedo ensino tudo
direitinho [pra ele]! (PB: Almanaque do Cebolinha, n.º 77, outubro de 2003
– História em quadrinhos);

43
• Sintagma Preposicionado (SP) anafórico (com Sintagma Nominal
– SN): Regulei o relógio para atirar uma pedra ao telhado dos porquinhos
de cinco em cinco minutos… a noite toda! Acho que vou dar [àqueles
gorduchos] uma amostra do que está para acontecer! (PB: Disney Espe-
cial, n.º 222, outubro de 2004 – História em quadrinhos);

• Objeto nulo: A mamãe gastou um tempão preparando refeição para


nós! Tudo o que tinha a dizer [Ø] era um “obrigado”… e não “como estão
seus pulsos depois de abrir todas essas latas?” (PB: Zé do Boné em O Globo,
04-08-2004 – Tira em quadrinhos).

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), os estudos dialetológicos do início


do século XX caracterizavam as variedades linguísticas com base em catego-
rias discretas, o que nem sempre esclarecia as diferenças e semelhanças entre
essas variedades. Dessa forma, para dar conta da complexidade sociolinguís-
tica do Português Brasileiro, a autora postulou um modelo de três continua: o
rural-urbano, o de monitoração estilística e o de oralidade-letramento. Este úl-
timo, em particular, interessa-nos por acreditarmos dar conta da discussão em
torno dos gêneros textuais selecionados para levantamento, haja vista seus ex-
tremos de práticas sociais da oralidade e práticas sociais do letramento. Como
aponta Bortoni-Ricardo (2005),

o continuum de letramento ocorre paralelamente à estandardização da língua.


Nos diversos domínios sociais, inclusive na sala de aula, as atividades próprias
da oralidade são conduzidas em variedades informais da língua, enquanto para
as atividades de letramento os falantes reservam um linguajar mais cuidado.
(BORTONI-RICARDO, 2005, p. 40)

Isto é, segundo a autora, há uma certa relação entre as práticas do letra-


mento e a formalidade e entre as práticas da oralidade e da informalidade.
Dessa forma, é de se esperar que as variantes informais sejam favorecidas em
gêneros considerados mais orais e que as variantes formais sejam favorecidas
em gêneros de maior letramento.
Outro conceito que nos ajuda a aprofundar a discussão sobre o fenômeno
analisado é o de “norma(s)”, que será retomado adiante, na seção na qual dis-
corremos sobre como o fenômeno atrelado a esse conceito pode trazer contri-
buições no âmbito do ensino. Quanto à conceituação de norma(s), adotamos as

44
ideias de Faraco (2008) e Faraco & Zilles (2017), que distinguem dois sentidos
para o termo:

a. um geral: norma equivalente à variedade linguística – a toda e qualquer varie-


dade linguística; e

b. um específico: norma equivale a um conjunto de preceitos que definem o cha-


mado “bom uso”, o uso socialmente prestigiado. (FARACO; ZILLES, 2017, p. 12)

Dessa forma, para a, trabalham-se as noções de “norma culta” e “norma


popular”, por exemplo. Ambas consistem em variedades linguísticas, já que
designam o apanhado de características linguísticas de grupos sociais espe-
cíficos. Neste caso, o de falantes ditos cultos, aqueles com formação superior,
e o de falantes não cultos, com menor escolaridade, respectivamente. Já para
o sentido b, encontramos o conceito de “norma-padrão”, que não representa
uma variedade espontânea do uso real da língua, mas sim “um construto, um
conjunto de preceitos padronizadores com os quais se busca homogeneizar o
uso linguístico em determinados contextos” (FARACO; ZILLES, 2017, p. 18).
Para análise do dativo anafórico sob as perspectivas citadas anterior-
mente, vale-se, conforme já detalhado na introdução desta obra, do corpus
obtido a partir de material de análise constituído de (238) textos de gêneros
variados, conforme detalhado: anúncios (49), artigos científicos (15), cartas
de leitor (45), crônicas jornalísticas (14), editoriais (15), entrevistas jornalís-
ticas transcritas (15), entrevistas sociolinguísticas (12), notícias (15), teses/
dissertações (15) e tirinhas (45). Os gêneros foram selecionados por serem
considerados representativos da norma culta, isto é, provenientes de falantes
com formação superior e/ou maior contato com a língua escrita.
Realizamos um levantamento exaustivo de ocorrências reconheci-
das como expressões de dativo anafórico de terceira pessoa, conforme
considerações já apresentadas neste trabalho. A partir desse procedimento,
quantificamos e analisamos os resultados, à luz dos parâmetros do continuum
oralidade-letramento, considerando, com base na proposta de Bortoni-Ricardo
(2005), que gêneros como artigos científicos, dissertações e teses apresentam
maior grau de letramento, enquanto entrevistas sociolinguísticas e tirinhas
apresentam maior grau de oralidade.
Na próxima seção, serão apresentadas informações sobre os dativos de
terceira pessoa em quatro gramáticas renomadas e em dois trabalhos socio-

45
linguísticos baseados no uso, um com dados de entrevistas sociolinguísticas,
outro com dados escritos de diversos gêneros textuais. Essa apreciação é rele-
vante para a discussão sobre norma e ensino, uma vez que as gramáticas em
grande parte representam aquilo que é considerado como norma-padrão, e as
pesquisas científicas evidenciam o que os informantes, falantes do PB, efetiva-
mente utilizam na língua oral e escrita, o que também pode fornecer indícios
do que faz parte da norma culta, além de ser um passo importante para identi-
ficar como e o que se deve ensinar na escola.

O que dizem as gramáticas?

Cunha e Cintra (1985)


Na gramática de Cunha e Cintra, a definição e os exemplos do que corres-
ponde, em parte, àquilo que, com base em Mateus et al., consideramos como
complemento dativo (para os autores, objeto indireto) aparecem no capítulo 7,
intitulado “Frase, oração, período”. Os autores afirmam que “objeto indireto é
o complemento de um verbo transitivo indireto, isto é, o complemento que se
liga ao verbo por meio de preposição.” (p. 139). Com base na definição, compre-
endemos que os autores não diferenciam complemento dativo de complemento
oblíquo, considerando todos aqueles complementos de verbo ligados a ele por
preposição como objeto indireto.
Em relação à preposição, Cunha e Cintra ressaltam que nem sempre o objeto
indireto será precedido por preposição, como é o caso dos pronomes pessoais
oblíquos, mais especificamente o pronome lhe, que é aquele que nos interessa e
o qual os autores denominam como “essencialmente objeto indireto”.
Ao definirem os pronomes pessoais, os autores afirmam que esses pro-
nomes se caracterizam por “poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma
forma nominal anteriormente expressa.” (p. 269), ou seja, por serem anafóri-
cos. Os autores reconhecem tanto o clítico lhe(s) quanto os pronomes tônicos
ele(s)/ela(s) como formas oblíquas – ou seja, que exercem função de comple-
mento –, porém, como não separam objeto direto de complemento oblíquo,
não é possível identificar se consideram as formas tônicas também como
dativas ou apenas como oblíquas, precedidas por preposição com, de etc.
Cunha e Cintra, bem como os autores das gramáticas que serão contem-
pladas a seguir, não tratam especificamente do objeto indireto anafórico, mas
retomam tal função sintática na descrição do quadro pronominal, já que os
pronomes de 3ª pessoa são uma classe anafórica por natureza. Portanto, con-

46
sideramos como dativos anafóricos na gramática aqueles mencionados no
quadro pronominal relacionados à 3ª pessoa. Vale ressaltar que este é o quadro
que vigora no ensino básico.

Castilho (2014)
Na gramática de Castilho (2014), a definição e as descrições acerca do objeto
indireto aparecem também no capítulo 7, intitulado “Estrutura funcional da
sentença”. Segundo o autor, o objeto indireto pode possuir as seguintes pro-
priedades:

são proporcionais aos pronomes dativos; são preenchidas por sintagma preposi-
cionado nucleado por a e para; a construção em que figuram não é conversível à
voz passiva; podem ocorrer juntamente com o objeto direto; o papel temático de
objeto indireto é, em geral, /beneficiário/; sua colocação de base é após o verbo;
ocorrendo objeto direto, após este. (CASTILHO, 2014, p. 404-405)

Dessa forma, podemos identificar que a definição de Castilho coincide


com a de Mateus et al. O autor, inclusive, apresenta na seção seguinte a defi-
nição de complemento oblíquo, deixando ainda mais claro que separa objeto
indireto (dativo) de oblíquo. Em relação ao quadro pronominal, o autor divide
as formas pronominais de acordo com a função sintática e a formalidade das
situações em que aparecem. O pronome lhe no singular é apontado como PB
formal e como PB informal; já sua versão plural é considerada apenas como
PB formal. A forma prep. + ele/ela tanto no singular quanto no plural se con-
figuram, de acordo com o autor, como PB informal. O autor não fornece, no
entanto, dados de estudos empíricos que corroboram tal divisão por formali-
dade. Além disso, os conceitos de formalidade não foram abordados em um
continuum – como observamos na proposta de Bortoni-Ricardo (2005) –, o
que talvez não seja a maneira mais eficiente de se abordar o tema. Será que o
clítico dativo é sempre formal? E, ainda, será que o SP é informal em qualquer
contexto?

Bechara (2009)
Segundo Bechara (2009), no capítulo “A oração: funções oracionais”, o objeto

47
indireto apresenta as seguintes características:

é introduzido apenas pela preposição a (raramente para); o signo léxico denota


um ser animado ou concebido como tal; expressa o significado gramatical
‘beneficiário’, ‘destinatário’; comutável pelo pronome pessoal objetivo lhe/lhes,
que leva a marca e número do signo léxico referido. (BECHARA, 2009, p. 421)

Assim como observamos na gramática de Castilho, a definição de objeto


indireto de Bechara coincide com a de Mateus et al. Além disso, em relação
às formas pronominais, o autor considera o pronome lhe(s) (átonos) como
forma dativa de terceira pessoa. Por outro lado, quanto às formas tônicas ele/
ela, não é possível identificar se o autor as considera como formas dativas
ou apenas oblíquas, uma vez que não especifica quais preposições podem
precedê-las e, ao dar exemplos de formas pronominais de objeto indireto de
terceira pessoa, o autor utiliza sempre lhe.

Rocha Lima (2005)


No capítulo “Teoria geral da frase e sua análise” da gramática de Rocha Lima,
coincidindo com a definição de Mateus et al., o objeto indireto aparece defi-
nido como aquele que “morfologicamente, caracteriza-se por vir encabeçado
pela preposição a (às vezes, para) e corresponder, na terceira pessoa, às for-
mas pronominais átonas lhe, lhes.” (p. 249).
As formas pronominais reconhecidas pelo autor como objetivas indire-
tas de terceira pessoa são lhe(s) (átona) e a ele(s)/ a ela(s) (tônicas).

O que dizem as pesquisas?


Trabalhos anteriores, com base em dados de uso, têm apontado alguns re-
sultados interessantes em relação aos dativos anafóricos de terceira pessoa.
Silveira (2000) utilizou um corpus de entrevistas sociolinguísticas com infor-
mantes da cidade de Florianópolis (projeto VARSUL) para analisar o dativo
em todas as pessoas do discurso na forma clítica e na forma pronominal
tônica.
Resultados gerais acerca do dativo de terceira pessoa apontaram para
um desfavorecimento do clítico em detrimento da forma tônica, uma vez

48
que, de 40 dados, a pesquisadora identificou apenas 1 clítico e 39 pronomes
tônicos ocupando tal função.
Além disso, dentre outros fatores, a autora controlou a escolaridade dos
informantes, separando-os entre os que tinham concluído o primário (ensino
fundamental) e aqueles com colegial (ensino médio). Essa análise demonstrou
que os informantes com grau colegial utilizaram mais as formas clíticas do que
aqueles com grau primário, enquanto o contrário ocorreu em relação à forma
pronominal tônica, que obteve maiores percentuais relacionados aos infor-
mantes com menor escolaridade do que em relação àqueles com ensino médio.
Essas informações não se referem apenas ao dativo de terceira pessoa, mas,
ainda assim, nos permitem verificar uma influência da escola na aquisição
do clítico, o que pode trazer explicações significativas acerca de normas e do
papel do ensino em relação aos usos dos dativos em geral e aos de terceira
pessoa, que mais nos interessam nesse momento.
Com base em dados orais de 14 entrevistas do Corpus NURC-RJ, Freire
(2000) aponta para uma alta frequência do Sintagma Preposicional e do objeto
nulo em detrimento do clítico dativo na fala brasileira. O autor identificou
64% de frequência de uso do SP anafórico e 36% do objeto nulo, enquanto não
registrou nenhum dado de clítico.
O pesquisador explicou a ausência do clítico dativo como consequência
da entrada da forma você como referência à segunda pessoa do singular no
quadro pronominal brasileiro, o que licencia o uso de lhe como referência à
segunda pessoa. Assim, o falante brasileiro não reconhece mais o clítico dativo
como uma forma de 3ª pessoa e precisa usar outras estratégias para cumprir
essa função, o objeto nulo e o SP anafórico.
Já em relação a dados escritos, Freire (2011) analisou os dativos anafóricos
de terceira pessoa em diversos gêneros textuais, os quais foram distribuídos
pelo autor da seguinte forma:

a) [+oralidade/ –letramento]: tiras e histórias em quadrinhos;

b) [+oralidade/ +letramento]: crônicas, trechos de fala transcrita em


reportagens e entrevistas transcritas;

c) [–oralidade/ +letramento]: reportagens, editoriais, críticas de livro/


filme e artigos de opinião.

49
Os resultados gerais obtidos pelo pesquisador apontaram para uma pre-
ferência, na variedade brasileira do Português, do SP anafórico, seguido do
dativo nulo e, por último, do clítico. Em relação à distribuição no continuum
de oralidade-letramento, o autor demonstrou que a estratégia preferida nos
gêneros mais próximos da oralidade foi o SP (75%) enquanto o clítico teve
baixíssima frequência (3,5%); nos gêneros que se enquadram no meio do
continuum, o SP (43%) e o dativo nulo (41%) foram as variantes mais frequen-
tes, com percentuais bastante próximos e houve um aumento na frequência do
clítico (16%), apesar de essa ter sido a estratégia menos utilizada; e, por fim,
nos gêneros mais próximos do letramento, o clítico (42%) foi a variante mais
utilizada, enquanto as outras duas variantes apresentaram a mesma frequência
(29%). Sobre os resultados, o autor aponta, ainda, que:

tal constatação sinaliza um fato contundente na variedade brasileira: também na


função dativa as estratégias alternativas à variante considerada padrão já estão
plenamente infiltradas na escrita, o que evidencia uma influência limitada da tra-
dição escolar na recuperação do clítico na modalidade escrita brasileira. (FREIRE,
2011, p. 27)

Dessa forma, evidencia-se, com base nos resultados e nas conclusões de


Freire, que o clítico se manteve como forma preferida (e com percentuais rele-
vantes) apenas nos gêneros textuais de alto letramento; ainda assim, o uso das
outras formas, mesmo nesses casos, não foi insignificante.
Os resultados apontados nas pesquisas vão de encontro ao que se observa
nas gramáticas, que ora descrevem apenas o clítico ‘lhe(s)’ como dativo ana-
fórico de terceira pessoa, ora reconhecem que o pronome tônico exerce essa
função, mas enfatizando que esse uso seria considerado informal. Já o dativo
nulo, que não é contemplado pelas gramáticas, mostra-se relevante no uso,
uma vez que aparece com percentuais bastante altos nas análises de pesquisas
sociolinguísticas.

O dativo anafórico no banco de dados


Nesta seção, apresentamos os resultados obtidos para análise do dativo ana-
fórico de terceira pessoa. Através do corpus formado por diferentes gêneros
textuais, considerados representativos da norma culta brasileira, observamos
o comportamento de quatro variantes: o clítico lhe, o sintagma preposicional

50
com a forma tônica do pronome, o sintagma preposicional com SN pleno e o
objeto nulo.

A realização do dativo anafórico de terceira pessoa


Foram encontradas 52 ocorrências de dativo anafórico distribuídas entre as
variantes citadas anteriormente. Apesar da baixa produtividade do fenômeno,
a distribuição das variantes por gênero textual nos permitiu tecer importantes
reflexões a respeito do continuum oralidade-letramento. A distribuição geral
dos dados levantadas na amostra é apresentada na Tabela 1:

Tabela 1 Distribuição geral das variantes para o dativo anafórico de 3ª pessoa

Os resultados apontam que as variantes sintagma preposicional com


pronome tônico e objeto nulo são as mais utilizadas, ambas com 38,5% das
ocorrências, seguidas pelo clítico lhe, com 19%. A estratégia menos utilizada
foi o sintagma preposicional com SN pleno, correspondendo a 4% dos dados
levantados.
Para a análise do fenômeno, foi observada a ocorrência das variantes cita-
das anteriormente em diferentes gêneros textuais produzidos por falantes na-
tivos. Consideramos que o corpus analisado representa usos efetivos da norma
culta brasileira, visto que a maior parte dele figura entre o domínio jornalístico
e o acadêmico. Através da distribuição das variantes por gênero textual, pre-
tendemos demonstrar que não há total convergência entre o que está descrito
pelas gramáticas e o que é efetivamente produzido pela norma culta.

A distribuição dos dados por gênero textual


A análise da disposição das variantes por gênero textual sugere indícios de
sistematicidade. Desta maneira, o controle do gênero se mostra relevante
para a investigação do uso do dativo anafórico de 3ª pessoa. Apresentamos

51
na Tabela 2 os resultados da distribuição das variantes em cada gênero textual
analisado:

Tabela 2 Distribuição das variantes para o


dativo anafórico de 3ª pessoa por gênero textual

O clítico lhe apresentou altos percentuais em crônicas, editoriais, artigos


científicos e teses/dissertações, visto que, apesar da baixa produtividade do da-
tivo anafórico, em apenas cinco dados houve a preferência pelo uso do clítico.
Em cartas de leitor, essa variante apresentou uma ocorrência que correspon-
deu a 20% dos dados encontrados. Como podemos observar em (1), trata-se de
uma referência a um possível diálogo. Em entrevistas sociolinguísticas, foram
registradas duas ocorrências equivalentes a 6% das formas de clítico anafórico
neste gênero. Observamos em (2) um exemplo deste uso.

1. “Francamente, se meu filho fizesse parte da Polícia Militar, no enterro


do centésimo policial, eu [lhe] diria” (Jornal O Globo, 2017 – Carta de
leitor)

2. “ele simplesmente tirou ZERO ... o professor de ciências deu-[lhe]


ZERO” (Dado do Projeto Concordância – NIG C3M – Entrevista Sociolin-
guística)

52
O sintagma preposicional com pronome tônico obteve altos percentuais em
entrevistas sociolinguísticas (48,5%) e entrevistas jornalísticas transcritas (67%).
Em tirinhas, foi utilizado em uma das duas ocorrências de dativo anafórico. Em
editoriais, correspondeu a uma das três ocorrências de dativo no gênero.
O SP com SN apresentou apenas duas ocorrências: uma em tirinhas e
outra em entrevistas sociolinguísticas. Em (3) e (4), ilustramos esses casos, que
correspondem aos únicos usos da variante no corpus analisado.

3. L: “olha não... nenhum dos dois os dois eu/... responsabilidade eu dei


[para os dois]” (Dado do Projeto Concordância – COP B3H – Entrevista
Sociolinguística)

4. “Quando eu vejo um pobre fico com o coração apertado! Deviam dar


casa, trabalho, proteção e bem-estar [aos pobres]”. (Toda a Mafalda, 1993,
p. 91 – Tirinha)

O objeto nulo foi a forma mais frequente em cartas de leitores (80%), e a


segunda mais utilizada em entrevistas sociolinguísticas (42,5%) e entrevistas
jornalísticas (33%). Em notícias, houve apenas uma ocorrência de dativo ana-
fórico, que se realizou na forma de objeto nulo. No exemplo (5), apresentamos
o uso da variante no gênero em que foi mais frequente.

5. “Está bem difícil explicar à minha neta o que está acontecendo no Brasil
(...). Expliquei [Ø] que na verdade o Brasil são dois” (Carta do Leitor)

Observamos que, em alguns gêneros como teses/dissertações, artigos


científicos e editoriais, houve preferência pela variante lhe, a mais recomenda-
da para se aproximar da norma-padrão. No entanto, em entrevistas sociolin-
guísticas e entrevistas jornalísticas transcritas, a preferência foi pelo SP com
pronome seguido pelo dativo nulo. Desta maneira, constatamos que apenas
determinados gêneros apresentam o comportamento esperado pela norma-
-padrão, o uso de lhe. Os índices elevados de SP com pronome e dativo nulo
vão ao encontro dos resultados de estudos linguísticos sobre dativo anafórico
(SILVEIRA, 2000; FREIRE, 2005).

53
A distribuição dos dados no continuum oralidade-letramento
Com base no continuum de oralidade-letramento proposto por Bortoni-Ricardo
(2005), sugerimos a separação dos gêneros textuais em três grupos. Enquanto
as entrevistas sociolinguísticas constituem transcrições de fala espontânea, as
entrevistas jornalísticas transcritas representam, através da escrita, trechos
fornecidos de maneira oral. As tirinhas são representações fictícias de textos
falados e integra, junto aos gêneros citados anteriormente, o extremo de maior
oralidade do continuum.
Os editoriais, artigos científicos e teses/dissertações são gêneros de maior
letramento, pois serem majoritariamente divulgados e concebidos como textos
escritos no domínio jornalístico e acadêmico, formando, portanto, o extremo
de maior letramento do continuum.
As cartas de leitor, apesar de serem publicadas por jornais, possuem como
autores os leitores e apresentam um tom de comentário, sendo textos autorais
e assinados. A crônica discorre sobre fatos cotidianos e busca aproximação
com o leitor. No gênero notícia, ocorreu apenas um dado de dativo anafórico,
sendo realizado na forma nula, comportamento que o aproxima do verificado
no gênero carta de leitor. Consideramos, portanto, que esses gêneros se locali-
zam num ponto intermediário do continuum.
Por fim, as entrevistas sociolinguísticas e as entrevistas jornalísticas
transcritas pertencem ao ponto de maior oralidade no continuum, uma vez que
as primeiras são transcrições da fala e as segundas apresentam as respostas
possivelmente fornecidas em uma conversa oral. As tirinhas, apesar de serem
construídas no meio escrito, são feitas para ilustrar a fala de personagens,
e foram, portanto, agrupadas às entrevistas sociolinguísticas e às entrevistas
transcritas.
Como não houve ocorrência de dados no gênero anúncio, optamos por
não inseri-lo no esquema a seguir, que ilustra a distribuição dos gêneros pelo
continuum:

+ oralidade/- letramento: Entrevistas sociolinguísticas, Entrevistas jornalís-


ticas e Tirinhas

+ oralidade/+ letramento: Cartas de leitor, Crônicas e Notícias

- oralidade/+ letramento: Editorial, Artigos científicos e Teses/Dissertações

54
Descrevemos, na Tabela 3, os resultados das variantes de dativo anafórico
de terceira pessoa em relação aos contextos do continuum oralidade/letramento.

Tabela 3 Distribuição das variantes para o dativo anafórico de 3ª pessoa no


continuum oralidade/letramento

Quando analisamos o comportamento da variante lhe, percebemos que


o percentual aumenta gradativamente. No contexto +oralidade/-letramento,
apresentou 5%, passando pelo contexto intermediário com 29%, até alcan-
çar 86% no contexto -oralidade/+letramento. Os exemplos listados de (6) a (8)
ilustram o uso dessa variante em cada contexto:

6. “beleza muita gente... saía da faculda:de... por não poder pagar ... e ia
para o curso técnico que [lhe] dava uma: ... uma base né... mas ... hoje em
dia não tem mais” (Dado do Projeto Concordância – NIG C3M – Entrevis-
ta Sociolinguística [+oralidade /-letramento])

7. “Ainda que o relógio na parede da casa mal tivesse ganho um minuto


depois de uma hora da manhã, quando abriu os olhos na cama, Lúcio,
o lúcido, pouco conseguia lembrar da vida que tinha no Brasil de 2016.
Despertou da longa jornada com o espectro soprando, ao pé do ouvido, a
frase que iria [lhe] assombrar pelo resto dos seus dias” (The intercept Bra-
sil, Um conto de natal – Crônica [+oralidade/+letramento])

8. “Foucault (2015) [...] nunca pretendeu lançar uma teoria do poder, mui-
to menos trazer-[lhe] uma definição” (LAMBERT, 2017 – UFES – Disser-
tação [-oralidade+letramento])

55
Quanto ao comportamento da variante SP com pronome tônico, obser-
vamos a sua concentração no contexto +oralidade/-letramento com 50% das
ocorrências. Apenas um dado foi realizado no contexto -oralidade/+letramen-
to. Em (9), apresentamos um exemplo da variante no continuum +oralidade/-le-
tramento. Em (10), destacamos a sua única ocorrência no continuum -oralida-
de/-letramento e observamos que a substituição pelo clítico, apesar de possível
(somam-se-lhes), não soaria natural no contexto brasileiro. Acreditamos que
este pode ser um indicativo para escolha pelo SP com pronome tônico nesse
ponto do continuum.

9. “a história de um cara com dois pais diferentes... um pai dele biológi-


co... e o pai dele... que era pai do amigo dele que começou a dar conselho
[pra ele]”. (Dado Projeto Concordância – NIG B3H – Entrevista sociolin-
guística [+oralidade/-letramento])

10. Além dos 23 senadores que concluem o mandato e podem ficar ao


alcance da segunda instância, há inúmeros deputados na mesma situa-
ção. [A eles] se somam, ainda, ministros (Jornal O Globo, 2018 – Editorial
[-oralidade/+letramento])

O dativo nulo foi a segunda variante mais frequente no contexto de +ora-


lidade/-letramento, com 40% dos dados. É interessante notar os altos índices
de dativo nulo (71%) justamente nos gêneros que se concentram nos pontos
intermediários do continuum, isto é, gêneros que não estão nem no polo do
letramento, nem da oralidade, o que pode indicar que os informantes utilizam
essa variante como estratégia de esquiva, uma vez que as outras variantes po-
dem soar, nos termos de Castilho (2014), informais ou formais demais. Em (11)
e (12), apresentamos ocorrências da variante nos dois contextos.

11. “Meus amigos falavam: ‘O que você vai fazer no Dancing? Pagar
mico?’. Falei [Ø]: ‘Vou, gente. Vou pagar mico!’” (Revista Quem, 2018 –
Entrevista jornalística [+oralidade/-letramento])

12. Será que a maioria dos leitores de ÉPOCA tem obras de arte que

1 Os resultados referentes ao SP com SN já foram apresentados na seção anterior. Reforça-


mos, no entanto, que a variante foi utilizada apenas no contexto +oralidade/-letramento.

56
precisem ser fotografadas antes da separação? Não seria mais útil dar [Ø]
conselhos mais básicos? (Revista Época, 2004 – Carta de leitor [+oralida-
de/+letramento])

A distribuição das variantes pelo continuum oralidade-letramento


demonstrou que o fenômeno é sensível a diferentes graus de letramento. Em
contextos considerados mais orais, houve preferência pelo SP com pronome
tônico e pelo objeto nulo e, vale ressaltar, o crescimento desta variante em
gêneros do ponto intermediário do continuum. Já nos contextos de maior le-
tramento, a variante mais utilizada foi o clítico lhe. A descrição encontrada
nos compêndios gramaticais foi aplicada, mas não categoricamente, apenas
em determinados gêneros – os de maior letramento. Desta maneira, podemos
perceber a pluralidade da norma culta, que se realiza de maneira diferenciada
de acordo com o gênero textual e na distribuição pelo continuum.

Normas e ensino
Os resultados de trabalhos sociolinguísticos anteriores (SILVEIRA, 2000;
FREIRE, 2011) e aqueles apresentados na seção anterior nos permitem identi-
ficar grandes diferenças nos usos das variantes do dativo anafórico de terceira
pessoa em relação aos gêneros textuais e à concepção de oralidade/letramento
que os integra. Nos trabalhos que contrastaram gêneros textuais, o SP anafóri-
co e o dativo nulo apresentam comportamentos similares, apesar de o primeiro
ter sido a estratégia preferida nos gêneros relacionados à maior oralidade e o
segundo ter sido mais utilizado nos gêneros que se encontram no meio do con-
tinuum. Já o clítico lhe parece estar relacionado a gêneros de maior letramen-
to, uma vez que é a estratégia preferida apenas nesses casos. Além disso, na
pesquisa com dados de entrevistas sociolinguísticas, Silveira (2000) encontrou
39 dados de pronome tônico e apenas 1 clítico na função dativa relacionado
à terceira pessoa e, vale ressaltar, esse único dado foi produzido por um dos
informantes com ensino médio (maior letramento da amostra em questão).
Com base nesses resultados e nas descrições sobre o objeto indireto nas
gramáticas, podemos correlacionar as formas variantes aos conceitos de nor-
ma propostos por Faraco (2008) e Faraco & Zilles (2017). De acordo com os au-
tores, os conceitos de norma, como já se apresentou, podem ser sistematizados
em dois grandes blocos: o primeiro se refere à idealização sobre o que seria
considerado “falar bem/certo/bonito”, nesse caso estão incluídas as normas

57
gramaticais (aquelas descritas por gramáticos) e as normas-padrão (aquelas,
muitas vezes baseadas na gramática tradicional e em livros didáticos, que
fazem parte do ideário dos falantes); o segundo está relacionado aos usos ca-
racterísticos de determinados grupos de falantes de uma determinada língua
e é composto, por exemplo, pelas normas cultas e pelas normas populares.
Dessa forma, considerando que o clítico lhe se relaciona a gêneros de
maior letramento e que é a forma adotada pelas gramáticas como represen-
tante do objeto indireto anafórico de 3ª pessoa (o pronome tônico, quando
descrito, aparece em segundo plano ou como informal e as outras variantes
não são descritas), pode ser concebido como a variante mais padrão. Por
outro lado, o SP anafórico, o dativo nulo e o pronome tônico também estão
presentes na norma culta, uma vez que aparecem, nas pesquisas, na fala
e na escrita de falantes cultos (indivíduos com ensino superior completo,
jornalistas, e estudantes de pós-graduação). Sendo assim, todas as varian-
tes podem ser consideradas como representantes das normas cultas, embora
apenas o clítico seja visto como a variante eleita pela norma-padrão.
Tendo em vista esses resultados, que demonstram uma relação entre o
uso do dativo anafórico de terceira pessoa e diferentes níveis de letramento
e de normas linguísticas, chegamos à reflexão: qual é o papel da escola na
aquisição/aprendizagem de tais variantes? As normas de prestígio devem ser
ensinadas da mesma forma que as normas vernaculares?
Em relação ao ensino, Freire (2011) aponta que o papel da escola na
recuperação do clítico lhe (variante de prestígio) na língua oral se mostra
ineficaz, uma vez que o autor não encontrou ocorrências do clítico em um
estudo em que analisou a língua falada. Por outro lado, na língua escrita, o
clítico se mantém, sobretudo em textos de caráter mais formal. Dessa forma,
o autor afirma:

o uso dos clíticos acusativo e dativo na escrita brasileira parece ser mais um
fenômeno de morfologia estilística que gramatical, segundo a observação de
Kato (1996), ou seja, no português brasileiro esse uso não é comum em qualquer
evento de comunicação, como no português europeu, mas somente em eventos
com marca de formalidade. (FREIRE, 2011, p. 381-382)

Desse modo, um dos fatores a ser levado em conta pelo professor é, além
das diferenças entre oralidade e letramento relacionadas ao fenômeno, a for-
malidade que circunda os diferentes gêneros e de que maneira isso influencia

58
o uso das variantes e o prestígio/estigma que elas podem assumir quando
empregadas em diferentes contextos.
No caso do dativo anafórico de terceira pessoa, apesar de o clítico lhe ser
a variante padrão, as variantes vernaculares, em geral, não sofrem estigma,
sobretudo na língua falada, como afirmam Vieira e Freire (2014):

É provável que as baixas taxas de uso do clítico dativo – o que sinaliza que
este deva ser priorizado pelos professores em sala de aula – se correlacionem
ao problema da avaliação laboviano: como as demais variantes não costumam
ser estigmatizadas, o processo de mudança parece ser naturalmente favorecido,
mesmo na escrita mais monitorada. (VIEIRA; FREIRE, 2014, p. 96)

Esse fator, possivelmente um dos que desfavorecem o uso do clítico,


deve ser considerado pelo professor no momento de preparo de atividades
de recepção e/ou produção de forma a promover um aprendizado mais eficaz
do que se tem demonstrado até o momento.
Dessa maneira, é importante que o professor seja também um pesquisa-
dor de forma a se manter atualizado sobre pesquisas a respeito dos temas que
abordará em sala, conhecer as descrições de gramáticas e refletir (e instigar
a reflexão dos alunos) sobre o prestígio/estigma que as formas variantes a
serem trabalhadas carregam na comunidade à qual pertencem a escola e seus
alunos.
Outra questão que deve ser levada em consideração pelo professor é a
de que as normas vernaculares são adquiridas pelos indivíduos sem o ensino
formal e que, dessa forma, algumas variantes já serão conhecidas pelos alu-
nos antes mesmo de ingressarem à escola. Com base nisso, Naro e Scherre
(2006) afirmam que não é possível ensinar a língua vernácula aos alunos,
uma vez que eles já a possuem. O que pode ser ensinado na escola são as va-
riantes de prestígio, às quais muitos alunos só têm acesso a partir do ensino
formal. Isso não significa dizer que as variedades populares devam ser es-
quecidas na escola e que não devam ser trabalhadas de forma alguma, como
bem apontam os autores:

Isto significa aceitar o ensino de gramática normativa e de variedades de pres-


tígio como se fosse uma segunda língua ou uma segunda variedade a ser usada
como ferramenta de ascensão social. Todavia este processo deve ser planejado
levando-se em conta a estrutura linguística tanto de variedades de prestígio

59
como de variedades populares e isto deve ser feito de tal forma a evitar o em-
pobrecimento expressivo de opções disponíveis ao falante. (NARO; SCHERRE,
2006, p. 237)

Dessa forma, no caso específico do dativo anafórico de terceira pes-


soa, o que deve ser ensinado é o clítico, uma vez que as outras variantes
(SP anafórico, pronome tônico e dativo nulo) são provavelmente adquiridas
anteriormente, porque estão presentes na língua falada; porém, todas as
variantes devem ser trabalhadas, das variantes vernaculares à variante de
prestígio, sempre considerando fatores como o gênero textual e o grau de
formalidade. A leitura de textos de diferentes gêneros e atividades que per-
mitam que os alunos reconheçam as formas mais utilizadas e mais adequadas
a cada gênero podem ser muito produtivas, não só em relação à expansão do
seu repertório linguístico e cultural como também acerca de discussões sobre
preconceito linguístico, o que, consequentemente, pode tornar os alunos mais
confiantes e autônomos em relação aos seus usos linguísticos.

Proposta para o ensino


Com base nos resultados da presente pesquisa e nas discussões acerca de nor-
mas, ensino e do continuum de oralidade/letramento, propomos que as formas
variantes do dativo anafórico de terceira pessoa sejam trabalhadas na escola
da seguinte forma:

1) Atividades de recepção linguística


As atividades de leitura devem contemplar todas as formas variantes em
diferentes gêneros textuais. Dessa forma, tais atividades não só ampliarão as
possibilidades de reconhecimento e de realização do dativo anafórico, como
também permitirão que os alunos reflitam sobre as variantes, considerando:
quais já eram conhecidas e utilizadas por eles; quais parecem ter mais prestí-
gio em sua comunidade; se o prestígio se modifica conforme se altera o con-
texto em que aparecem; se todas estão adequadas a todos os gêneros textuais.

2) Atividades de produção linguística


No caso das atividades de produção, o clítico lhe deve ser priorizado, já

60
que é a forma de prestígio e aquela que pressupõe maior letramento dos fa-
lantes no seu uso. Atividades sistemáticas contemplando os gêneros de maior
letramento – e que sejam viáveis para se trabalhar no âmbito da produção em
sala e/ou em casa – podem ser uma ferramenta eficaz para desenvolver maior
consciência e domínio sobre essa variante, à qual os alunos provavelmente
só terão acesso ao ingressarem à escola. As variantes vernaculares também
podem ser trabalhadas em atividades de produção, visto que as pesquisas de-
monstram que elas aparecem na escrita mesmo em gêneros de maior letra-
mento e comumente não sofrem estigma. Em relação à correção de textos dos
alunos, é importante que o professor considere os gêneros textuais e quais
variantes se relacionam de forma mais apropriada a cada gênero, mas admita
também que as variantes vernaculares circulam por diferentes gêneros e que
nem sempre sofrem avaliação negativa.

Considerações finais
Com base no que foi exposto neste trabalho, constatamos, apesar do baixo núme-
ro de dados, que o estudo do dativo anafórico como fenômeno variável apresenta
sistematicidade quando observada a sua distribuição em diferentes gêneros tex-
tuais e segundo a sua disposição no continuum oralidade-letramento, proposto
por Bortoni-Ricardo (2005). Com base em Freire (2005), as variantes analisadas
foram o clítico lhe, o SP com pronome tônico ou com SN e a forma nula.
Descrições fornecidas pelas gramáticas consultadas não contemplavam
todas as estratégias mencionadas anteriormente. Os resultados de estudos
como os de Silveira (2000) e Freire (2005) fornecem evidências segundo as
quais o fenômeno não se realiza da maneira como é apresentada pelas descri-
ções teóricas.
Neste trabalho, através da análise do corpus com textos de diferentes gêne-
ros, observamos que aqueles que pertenciam ao contexto -oralidade/+letramento
apresentaram maior percentual do clítico. No contexto de +oralidade/-letra-
mento, houve maior frequência da variante SP com pronome tônico, seguida
pela forma nula. Os nossos resultados indicaram que o uso do dativo anafórico
de terceira pessoa não apresentou o comportamento esperado para alcançar
determinadas exigências da suposta norma-padrão, visto que há variantes
que, embora não mencionadas em manuais tradicionais, não soam como
“não-padrão”.
Considerando os conceitos e discussões a respeito de norma propostos por
Faraco (2008) e Faraco & Zilles (2017) e que o professor precisa dominar estes

61
conhecimentos, compreendemos que os resultados encontrados com base no
uso dos falantes da norma culta devem ser levados em conta para a reflexão
sobre o ensino de Língua Portuguesa. Desta maneira, acreditamos que tais es-
tudos permitem ampliar o repertório de descrição gramatical, tendo em vista
o que é descrito tradicionalmente e o que é realmente praticado pelos falantes.
As formas encontradas nas gramáticas devem ser ensinadas e aquelas que fa-
zem parte do uso precisam ser sistematizadas. O aluno estaria, então, apto a
reconhecer a variação inerente à língua e a refletir sobre a sua sistematicidade
de acordo com diferentes contextos.

62
CAPÍTULO 3

Variação em estratégias
de relativização no
Português Brasileiro
Adriana Cristina Lopes Gonçalves Mallmann
Juliana Cristina Vasconcellos Garcia
Rachel de Carvalho Pinto Silvestre Escobar

O ensino de Língua Portuguesa no Brasil é marcado por um conflito de normas,


com destaque para a polarização norma-padrão/norma culta, pois, segundo
Faraco (2008), enquanto a primeira é uma construção ideológica para fins de
uniformização, baseada, muitas vezes, em um padrão de escrita literária, a
segunda é uma variedade de uso comum entre os falantes urbanos que pos-
suem acesso aos bens da cultura escrita. Igualmente, o ensino de Português,
por décadas, foi pautado nessa tradição gramatical europeia, que descrevia
não a língua em uso, mas um ideal de língua, trazendo um padrão de regras
de “bom uso”, com referência à produção de escritores clássicos. Dessa forma,
é consenso entre os linguistas que há um abismo entre a realidade linguística
do Brasil, heterogênea e constituída por uma pluralidade de normas, e o que
tem sido ensinado em sala de aula, a língua como um sistema homogêneo e
invariável, com base nas gramáticas tradicionais.
Nesse sentido, a partir da constatação de que há diversos fenômenos lin-
guísticos variáveis no Português Brasileiro, esta pesquisa, portanto, propõe-se
a revisar como são tratadas as orações relativas, pela tradição e pelos estudos
linguísticos modernos, além de analisar, a partir de uma amostra de textos,
como as estratégias de relativização são utilizadas em relação aos gêneros tex-
tuais. A partir dessa investigação, será possível repensar como ocorre esse
fenômeno variável e propor orientações para um ensino mais consciente e
reflexivo de Língua Portuguesa.
As orações relativas, tema desta pesquisa, correspondem às orações

63
subordinadas adjetivas da tradição e, em outras palavras, são aquelas que
desempenham função de modificador de uma expressão nominal. Alguns
estudiosos, como Tarallo (1983), Kato (1996) e Bispo (2003, 2009), apresentam
algumas variantes que competem com a relativa padrão, fugindo ao modelo
proposto pela tradição gramatical, nomeadas de relativas não padrão.
Dessa forma, os estudos linguísticos apontam que não há apenas uma es-
tratégia de relativização no Português Brasileiro, mas três: a padrão, a copiado-
ra (também chamadas de resumptivas) e a cortadora. Na padrão, os pronomes
relativos exibem as formas correspondentes à função sintática que exercem na
subordinada a que pertencem, como exemplificado a seguir:

1. “Houve um tempo [em que o município de Iguaçu ia até a Pavuna].”


(Entrevista sociolinguística – NIG C3H)

As relativas copiadoras ocorrem quando o antecedente do pronome relati-


vo, que introduz a oração relativa, é copiado na oração subordinada, por meio
de um anafórico, como atesta o exemplo a seguir:

2. “ah como referência tem o instituto de educação Rangel Pestana... [que


ele fica no centro de Nova Iguaçu]…” (Entrevista sociolinguística – NIG
A3M)

Já as relativas cortadoras ocorrem quando há a supressão da preposição


anteposta ao pronome relativo, como ilustrado em (iii):

3. “Os filmes [que eu assistia] eram em inglês, as músicas que eu ouvia


também, não todas, mas muitas”. (Entrevista jornalística)

Sendo assim, as orações relativas têm despertado o interesse dos pes-


quisadores do PB, já que se notou que essas construções possivelmente se
diferenciariam das do Português Europeu e, por isso, requeriam bastante
atenção do âmbito acadêmico brasileiro. Desse modo, esta investigação tem
o objetivo de descrever, à luz da Sociolinguística em interface com diferentes
perspectivas, a variação nas estruturas relativas do Português Brasileiro, prin-
cipalmente por meio dos estudos de Mollica (1977), Bispo (2003, 2007, 2009,

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2014), Tarallo (1983) e Kato (1996), que, embora sejam de abordagens diferen-
tes, foram fundamentais para a elaboração deste artigo.

O que dizem as gramáticas tradicionais?


A revisão bibliográfica das gramáticas tradicionais demonstra que, em geral,
a tradição reconhece apenas a variante padrão como estratégia de relativi-
zação e nem mesmo menciona as outras variantes. Os gramáticos, Cunha e
Cintra (2008) e Rocha Lima (1994), por exemplo, ao apresentarem as orações
adjetivas, informam, basicamente, sobre sua função de adjunto adnominal e
sobre a semântica de se dividirem em restritivas e explicativas. Ademais, uti-
lizam trechos de obras literárias com exemplos da variante padrão, exemplos
esses que, por serem extraídos de obras literárias, ilustram com exclusividade
a norma-padrão da língua, sem prestigiar as múltiplas normas que compõem
a Língua Portuguesa.
Bechara (2009) é o estudioso que problematiza as estratégias de relativiza-
ção. O gramático comenta a existência das variantes não padrão, ao dizer que
ocorrem quando o pronome relativo é despido de qualquer função sintática
e passa a servir apenas como elemento transpositor oracional, a que ele cha-
ma relativo universal. Apesar de não nomeá-las, demonstra que a função que
caberia ao relativo vem mais adiante expressa por substantivo ou pronome,
como ilustram os exemplos de relativas cortadoras e copiadoras a seguir:

4. “O homem [que eu falei com ele].” em vez de “O homem [com quem


(ou com que) eu falei].”

5. “A amizade é coisa [que nem sempre sabemos o seu significado].”


em vez de “A amizade é coisa [cujo significado nem sempre sabemos].”

Embora Bechara (2009) reconheça a existência do fenômeno variável, ao


afirmar que o relativo universal é um elemento extremamente prático, o autor
faz uma ressalva e afirma que esse não é um uso recomendado pela língua
padrão e que essas construções ocorrem em linguagem coloquial e popular.
Dessa forma, observa-se que a gramática tradicional reconhece somente a va-
riante padrão como a estratégia de relativização de prestígio.

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O que os estudos linguísticos revelam em geral?
As orações relativas desempenham função de modificador de uma expressão
nominal. Para o estudo dessas estruturas, podem ser seguidos dois modelos
baseados na teoria gerativa: “wh-movement” ou o modelo “raising”. A maioria
dos estudos concentra-se no modelo gerativista, como podemos perceber em
Chomsky (1995) e em Kenedy (2002); contudo, Bispo (2003, 2009) traça uma
investigação cognitivo-funcional sobre esse assunto.
Seguindo a teoria cognitivo-funcional, Bispo (2007, 2009, 2014) dedicou-se
aos estudos de relativização. Para o autor, a relativa padrão preposicionada é
mais complexa, estrutural e cognitivamente, do que a cortadora, o que dificulta
a sua realização, já que envolve um elemento a mais – a preposição:

A RPP envolve alteração da ordem linear da cláusula, mais precisamente o des-


locamento da preposição para a esquerda (no caso, para antes do pronome rela-
tivo), fato que demanda maior esforço cognitivo tanto na elaboração (por parte
do falante) quanto no processamento (por parte do ouvinte) da oração. (BISPO,
2007, p. 173)

Portanto, produzir uma relativa padrão preposicionada demanda maior


esforço mental, além de envolver o conhecimento da noção de regência. Em
razão disso, as relativas cortadoras competem com as relativas padrão em al-
guns contextos, principalmente nos mais espontâneos. Por outro lado, o autor
mostra que as copiadoras são mais complexas, cognitivamente, se comparadas
às cortadoras ou às relativas padrão – embora sejam menos complexas es-
truturalmente do que a relativa padrão –, pois há a presença de um pronome
cópia, o que também requer maior esforço cognitivo.
Outra estudiosa que se dedicou a essas estruturas foi Mollica (1977), que
é considerada pioneira nos estudos das relativas, cuja investigação foi realiza-
da com alunos do curso Mobral, no Rio de Janeiro. Em seu estudo, a cientista
considerou o apagamento do pronome cópia regra de aplicação, verificando os
fatores semânticos e sintáticos, conforme salientado em Bispo (2014). A autora
verificou que os sujeitos foram preenchidos, configurando o uso da estratégia
copiadora com o pronome relativo atuando. Mollica (1977) também verificou a
presença de relativas cortadoras em ambientes preposicionados. Uma das jus-
tificativas para esse uso das cortadoras seria a perda no sistema preposicional
de alguns verbos.

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Outro estudioso que tratou sobre a relativização no PB foi Tarallo (1983),
que considera que as relativas derivariam dependendo do tipo de anáfora ati-
vada, a saber: (a) anáfora pronominal, quando um pronome resumptivo retoma
um elemento nominal relativizado, o que corresponderia à relativa copiadora
ou (b) anáfora zero, quando há elipse da preposição, correspondendo à rela-
tiva cortadora. Segundo o autor, a relativa cortadora seria uma inovação com
base na copiadora e não com base na relativa padrão. Dessa forma, quando a
posição relativizada fosse preenchida por pronome lexical, seria copiadora e
quando tivesse preenchimento nulo, seria cortadora. Segundo o pesquisador,
embora as duas variantes sejam usadas por todas as classes sociais, a relativa
copiadora é mais estigmatizada do que a relativa cortadora.
Além disso, Tarallo (1983) também nomeia a relativa copiadora de estra-
tégia do pronome lembrete, já que essa estrutura apresenta a posição de lacu-
na da relativa preenchida por um pronome correferente ao sintagma nominal
núcleo da oração relativa, como visto em (1). Em relação às cortadoras, o pes-
quisador argumenta que ocorre em ambiente preposicionado, já que para se
caracterizar como cortadora a preposição e o sintagma nominal relativizado
não devem estar presentes, como percebido em (2).
Existem pelo menos duas hipóteses para a realização das estruturas não
padrão:

• Segundo Tarallo (1983), o que perdeu as propriedades de pronome rela-


tivo nessas formas inovadoras.

• Segundo Kato (1996), o que é pronome relativo e que a diferença tem


relação com a posição da variável, que é de deslocamento à esquerda, de
modo que o elemento deslocado pode ser retomado ou por um pronome
expresso, ou por um pronome nulo.

Kato (1981) propôs também a hipótese de que pode haver uma correlação
entre as estratégias de relativização e a gramática de clíticos disponível pelo
falante, já que os clíticos e os pronomes relativos compartilham a propriedade
de foricidade. Nesse sentido, o falante que produz as sentenças em (6), (7) e (8)
tendem a relativizar, respectivamente, como em (6.1), (7.1) e (8.1):

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As pesquisas linguísticas mostram que, em uma escala de prestígio social,
a copiadora é a estratégia mais estigmatizada, enquanto as cortadoras teriam
uma aceitação gradativa devido à sua alta produtividade, inclusive entre os fa-
lantes cultos, e as relativas padrão permaneceriam como a estratégia de pres-
tígio, principalmente na língua escrita.
Em resumo, entendemos que há, de fato, uma dificuldade por parte dos fa-
lantes em utilizar a relativa padrão preposicionada, já que é preciso conhecer a
regência verbal e saber aplicá-la, como também há uma tendência à economia
de esforço na realização de relativas cortadoras. Além disso, os estudos lin-
guísticos mostram que, no PB, a relativa padrão preposicionada não faz parte
de nosso processo de aquisição, e sim, de aprendizagem durante o processo de
escolarização, de modo que, cognitivamente, sua produção não será natural e
intuitiva, mas exigirá maior atenção no momento de produção. Ademais, acre-
ditamos que a natureza do gênero textual, juntamente ao grau de atenção e de
planejamento do falante diante da situação sociocomunicativa, interferem na
produção de relativas mais ou menos padrão, o que poderá ser observado no
desenvolvimento deste trabalho.

A distribuição das orações relativas nos gêneros textuais


Este estudo se predispõe a analisar as orações relativas nos 10 (dez) gêneros
textuais que compõem o já referido banco de dados construído: anúncio, ar-
tigo, carta de leitor, crônica, entrevistas de jornal/revista, entrevista sociolin-
guística, editorial, notícias, tese/dissertações e tirinhas. Esses gêneros foram
selecionados com o intuito de se observar como as orações relativas são em-
pregadas por falantes do Português Brasileiro em contextos mais ou menos
formais e mais ou menos monitorados, além de possibilitar a análise desse
fenômeno linguístico em gêneros mais ou menos orais∕escritos.

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Ainda acerca dos gêneros selecionados para a constituição desse corpus,
é importante apontar algumas motivações para a sua constituição, principal-
mente, no que se refere à perspectiva Bakhtiniana, isto é, conceber os gêneros
textuais como uma instância de circulação social da variação linguística já que
“há um direcionamento” para o público. Desse modo, a seleção dos 10 (dez)
gêneros textuais supracitados busca correlacionar alguns conceitos como o de
variedade linguística, modalidade e registro/adequação com as preferências
estilísticas linguísticas dos falantes.
A variedade linguística é inerente a todo código linguístico; por isso, atra-
vés dos gêneros textuais selecionados, é possível observá-las. Em outras pala-
vras, pode-se observar, por exemplo, a variação social (diferenças linguísticas
influenciadas por fatores concernentes à organização socioeconômica e cul-
tural de uma comunidade) e a variação estilística (diferenças linguísticas que
ocorrem decorrente das práticas sociais, dos papéis sociais envolvidos e ao
tópico comunicacional de um determinado grupo de falantes).
Vale ressaltar que os gêneros textuais empregados neste estudo também
possibilitam observar se a modalidade, oral ou escrita, influencia no uso da
relativa padrão e não padrão. É importante apontar também que o conceito de
modalidade, com frequência, é associado, de forma equivocada, ao conceito de
registro, uso formal ou coloquial da língua. Em outras palavras, a modalidade
escrita da língua muitas vezes é associada com o registro formal da língua,
enquanto a modalidade oral é associada com o registro coloquial. É importante
refletir, no entanto, que todos os falantes fazem o uso de diferentes variantes
a depender da situação comunicativa e do grupo social em que está inserido,
ou seja, os falantes adéquam o nível de formalidade da língua às interações
comunicativas cotidianas.
Desse modo, acredita-se que o uso das relativas padrão e não padrão ocor-
rerá de acordo com o continuum oralidade-letramento e o continuum moni-
toração linguística proposto por Bortoni-Ricardo (2005). Isso ocorre, pois o
contato de um determinado falante com outras comunidades de fala mais ou
menos letradas e mais ou menos urbanas interfere diretamente nas estraté-
gias linguísticas utilizadas por ele em diversos contextos e gêneros discur-
sivos. Assim, alguns gêneros textuais podem ser mais empregados e apro-
priados por um determinado grupo de falantes, como, por exemplo, o gênero
tese/dissertação, que é utilizado por um grupo menor de falantes, enquanto
outros gêneros, como tirinha e anúncio, são direcionados e utilizados por um
grupo maior de falantes, o que favorece o emprego de variantes menos formais
e mais acessíveis.

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Sendo assim, acredita-se que haverá maior uso das relativas não padrão
nos gêneros textuais menos formais, menos monitorados e menos escritos,
enquanto haverá maior uso das relativas canônicas nos gêneros mais formais,
monitorados e escritos, como ilustra o esquema a seguir:

Figura 1 A relativização no continnum oralidade-letramento

Descrição do fenômeno nos gêneros textuais


No corpus em análise, foram encontrados 2.411 dados de orações relativas.
Destes, separamos apenas as ocorrências que se encaixavam em contexto
preposicionado (434 relativas), de modo que fosse possível observar a
alternância cortadora x copiadora x padrão. O maior número de relativas não
preposicionadas pode se relacionar ao que sinaliza Tarallo (1983) em seus es-
tudos sobre o conceito de Hierarquia de acessibilidade dos sintagmas nomi-
nais, doravante SN, segundo o qual existe maior facilidade em se relativizar
um SN que desempenha funções sintáticas que não exigem preposição, como
as funções sintáticas de sujeito e objeto direto, do que em relativizar um SN
que exerce funções sintáticas mais complexas, em contextos preposicionados,
como as de objeto indireto e adjunto adverbial, por exemplo. Sendo assim, a
Tabela 1, apresentada a seguir, aponta a distribuição das 434 orações relativas
padrão encontradas no referido corpus em cada gênero textual que o constitui.

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Tabela 1 Distribuição das orações relativas em gêneros textuais

Vale ressaltar que as relativas copiadoras, orações que copiam o sintagma


nominal antecedente ao pronome relativo e o projetam na oração seguinte por
meio de um pronome lembrete/resumptivo, não foram incluídas na Tabela 1,
pois não apresentaram um quantitativo expressivo no corpus analisado. Em
outras palavras, foram encontradas apenas 7 ocorrências em 434 dados e não se
referiam a contextos preposicionados, por exercerem funções que não exigem
preposição necessária, como as funções de sujeito, objeto direto e predicativo,
de modo que não foram foco desta análise.

Por serem uma variante estigmatizada, as copiadoras apareceram apenas


na entrevista sociolinguística, gênero que se aproxima mais da oralidade. Isso
demonstra que as formas linguísticas passam por avaliação social e que a acei-
tação que os agentes sociais têm sobre os fenômenos interfere diretamente na
implementação de usos. Seguem alguns exemplos:

9. “ele é um presidente assim [que ele não tem pulso].” (Entrevista socio-
linguística – NIG C3M)

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10. “é uma cidade assim que [ela tem vida de noite].” (Entrevista socio-
linguística – NIG C3M)

11. “e umas senhoras faziam a renda [que vendiam essa renda]... pra
poder mandar dinheiro aqui pra cá... pra uma creche aqui em Mesquita”.
(Entrevista sociolinguística – NIG A3M)

Os dados da tabela confirmam nossa pressuposição de que haveria mais


ocorrências de relativas não padrão nos gêneros que se aproximam de carac-
terísticas [+orais], com suposta tendência à [-monitoração] e com traços de
[-formalidade], como podemos observar nos percentuais: Entrevista sociolin-
guística (83%) > Crônica (63%) > Entrevistas – jornais e revistas (41%) > Artigo
(36%) > Teses/Dissertações (22%). Cabe ressaltar que a monitoração estilística
será observada, neste trabalho, como parte integrante de um continuum com-
pósito, não sendo tomada de forma absoluta e restrita, pois se entende que,
embora qualquer falante possa monitorar seu discurso, o nível de monitoração
depende de que ponto ele alcança em um continuum, de modo que quanto mais
letrado o falante, maior a possibilidade de monitoração.
Em se tratando de relativas não padrão, foi evidente que o maior número
de cortadoras ocorreu no gênero Entrevista sociolinguística, com 83% de uso
dessa estratégia. Embora esse gênero não seja necessariamente o [-formal],
nota-se que, do conjunto de textos controlados, há uma tendência a oferecer
maior espaço a estruturas inovadoras, já que se concretiza na modalidade oral
e não permite um planejamento tão minucioso da fala, devido às característi-
cas da situação comunicativa.
Por outro lado, é interessante notar que ocorreu um expressivo número de re-
lativas cortadoras em gêneros nos quais o grau de atenção e de planejamento é mais
exigido, por se tratar de textos escritos científicos, com características [+ formais],
como podemos notar nos resultados: artigo (36%) e teses/dissertações (22%). Nesse
sentido, ainda que prevaleçam as ocorrências de relativas padrão nesses gêneros,
(64%) em artigos e (78%) em teses/dissertações, é possível relacionarmos esses ín-
dices à constatação de que as cortadoras realmente fazem parte da norma verna-
cular do brasileiro, mas que, em contextos mais formais, consequentemente,
mais monitorados, os falantes se esforçam para fazer uso de uma estrutura que,
em geral, não é natural de sua gramática internalizada. Além disso, cabe destacar
que, comumente, esses dois gêneros passam por revisão antes de serem publica-
dos, o que pode sinalizar para a ausência de avaliação negativa dessa variante no
Português Brasileiro e no espaço que vem conquistando em textos escritos.

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Dessa forma, os resultados apontam tanto para a produtividade das
cortadoras nos gêneros mais próximos da oralidade, quanto para um aumento
gradual dessa estratégia nos gêneros mais escritos, em consonância com o que
afirmou Bagno (2007) sobre ser comum que as inovações linguísticas apare-
çam primeiramente em gêneros [+orais] e [- formais] e, à medida que deixem
de ser estigmatizadas, avancem para os gêneros [+escritos] e [+ formais].
Ademais, vale lembrar, conforme Mollica (1977), que a alta produtividade
das construções cortadoras pode se relacionar também à preferência do câno-
ne da língua pela transitividade direta no tocante à regência. Isso reafirma o
entendimento de que a supressão da preposição pelo falante é uma tentativa de
conferir menor esforço cognitivo ao processo de relativização, simplificando
estruturalmente as construções, na busca de padrões mais universais.
A seguir, apresentamos alguns exemplos de relativas cortadoras extraídas
de diferentes gêneros do corpus:

12. “Ele traz todo o carinho [que você precisa]...” (Anúncios)

13. “Chorava tanto quando li as palavras dele, era o apoio [que eu mais
precisava]”. (Entrevista jornalística)

14. “Isso me faz lembrar aquela vez [que Mao Tsé Tung disse (...)].” (Ti-
rinha)

15. “Me refiro a esse tempo [que estamos vivendo]. Ou que os vivos
estão vivendo”. (Crônica)

16. “Lascivas, as cidades nos convidam  a penetrá-las ao mesmo tempo


[que somos possuídos por elas]”. (Artigo)

É importante ressaltar que as expressões de tempo parecem favorecer a


ocorrência de relativas cortadoras, como ilustram os exemplos (14), (15) e (16).

A distribuição das relativas nos continua


Para organizar os dados em continua, de oralidade-letramento e monitoração
estilística, consideramos o quantitativo de relativas cortadoras como indicador
de textos que se aproximam de [+oralidade] e [- formalidade], com tendência
a menor monitoração. A expectativa é a de que houvesse mais ocorrências

73
de orações relativas não padrão nos gêneros com características menos for-
mais, menos monitoradas e mais orais; no entanto, essa expectativa foi cor-
respondida parcialmente ao esperado. É importante observar, no Gráfico 1, o
resultado decrescente em relação ao uso das relativas padrão com preposição
e o uso crescente das relativas cortadoras. Além disso, é importante observar
também a sistematicidade na atuação dos gêneros, isto é, os gêneros notícias,
cartas do leitor e editoriais apresentam um quantitativo muito semelhante no
que se refere ao uso das orações relativas padrão com preposição. Em con-
trapartida, tirinhas e anúncios apresentam um resultado muito semelhante
quanto ao uso de relativas cortadoras. Acreditamos que o resultado referente
ao emprego da relativa padrão com preposição possa estar relacionado à inter-
ferência dos corretores e revisores nos gêneros jornalísticos, a saber, notícias,
carta ao leitor e editoriais. No que tange ao resultado das relativas cortadoras,
acreditamos que a maior ocorrência nos gêneros tirinha e anúncio seja devido
à intencionalidade comunicativa desses gêneros textuais, isto é, refletir a fala
cotidiana da população a fim de promover maior identificação com o gênero e
com a temática nele desenvolvida.

Gráfico 1 Ocorrências das estratégias de relativização no corpus

74
Entretanto, o continuum I, disposto a seguir, permite a observação de que os
gêneros não se distribuem de forma linear, em polos rigidamente definidos
e opostos, mas que podem estar situados em qualquer ponto ao longo do
continuum, de acordo com suas características próprias. Conforme salienta
Marcuschi (2001, p. 37), “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um
continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação
dicotômica de dois polos”. Dessa forma, há os gêneros prototípicos da fala e da
escrita e aqueles que Marcuschi (2001) chama de gêneros intermediários, cuja
produção é gráfica, mas de concepção sonora, e outros que são de produção
sonora, mas de concepção gráfica.

Figura 2 Continuum I: Oralidade-letramento e monitoração estilística

Nesse continuum, chama a atenção o fato do gênero crônica, de produção


escrita, aparecer como segundo ponto, logo ao lado de entrevistas sociolin-
guísticas, de produção oral. Isso se justifica pela noção de concepção discur-
siva, pois, embora o meio de produção da crônica seja escrito, sua concepção
pode estar mais próxima da oralidade devido às características particulares
da crônica, de tratar de temas corriqueiros do cotidiano, com uma linguagem
simples, distensa e com espaço para informalidade.
Ainda nessa perspectiva, é interessante destacar que os gêneros artigo
e crônica, embora de produção gráfica, apresentam resultados inversamente
proporcionais quanto à ocorrência de relativas, como se pode observar nos
gráficos abaixo:

75
Gráfico 2 Ocorrência das relativas padrão com
preposição e das cortadoras em artigos científicos

Gráfico 3 Ocorrência das relativas padrão com


preposição e das cortadoras em crônicas

76
Essa comparação revela muito sobre a particularidade desses gêneros,
pois suas concepções discursivas são diferentes, embora ambos se concreti-
zem por texto escrito. Nesse sentido, percebe-se que trabalhar com a noção de
diversidade linguística associada à ideia de continua é muito produtiva, pois
permite ao professor, entre outras coisas, desmistificar a noção equivocada de
que a fala está diretamente ligada à informalidade e mostrar que as formas
inovadoras na língua não estão associadas apenas à língua falada.
Outro destaque no continuum são os gêneros carta de leitor e editorial,
os quais apresentaram 100% de relativas padrão, não dando espaço para a
ocorrência de cortadoras, o que fez com que se localizasse antes mesmo de
teses/dissertações ao longo do continuum. Essa restrição à presença das for-
mas inovadoras se relaciona provavelmente ao veículo desses textos, isto é,
um texto jornalístico que passa por revisão criteriosa de acordo com as nor-
mas editoriais que regem o periódico. Isso é diferente das teses∕dissertações
e artigos científicos que, apesar de passarem por revisão, são gêneros autorais
e, por isso, há maior ocorrência de formas inovadoras que refletem a escolha
do autor.
O gênero editorial, por ser um texto escrito de maneira impessoal, pu-
blicado sem assinatura e representar a opinião institucional, o ponto de vista
do veículo, é, em geral, rigorosamente revisado para estar de acordo com as
normas de prestígio. Já em relação às cartas de leitores, escritas, neste caso,
pelo público alvo do Jornal do Brasil e O Globo – leitores mais urbanos, le-
trados e pertencentes a uma elite cultural –, há a hipótese de que os leitores
se monitorem ao máximo para não fugir à norma de prestígio, já que estão
escrevendo para um jornal de grande circulação, e também a suposição de
que os revisores dos jornais atuem sobre o texto dessas cartas antes de serem
publicadas, de forma que as variantes não padrão são eliminadas.
Ademais, visto que o quantitativo de relativas cortadoras foi significativo
no corpus analisado, foi relevante observar quais preposições mais foram eli-
minadas no processo de relativização:

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Tabela 2 Quantitativo de preposições apagadas nas cortadoras

É notório que a preposição “em” foi a mais eliminada nas orações não
padrão, tanto na escrita (artigo com 37 ocorrências) quanto na fala (Entrevistas
sociolinguísticas com 80 ocorrências). Na maioria das ocorrências, as relativas
se referiam a tempo ou lugar, diante de expressões como “a partir do momen-
to”, “primeira vez”, “no momento/no contexto”, “no ano” ou diante de subs-
tantivos com acepções de lugar ou de tempo, como o vocábulo “local/lugar”.
Uma hipótese para esse número é a de que algumas estruturas que formam
expressões de tempo e lugar (hora que/época que/ano que/local que) já se cris-
talizaram sem a preposição no Português Brasileiro, de modo que são usadas
como formas fixas na língua, na fala e na escrita.
Vejamos dados do corpus que ilustram a ocorrência de relativas cortadoras
diante de expressões que denotam tempo/lugar:

17. “Cabe comentar que a história de Luke Cage, partiu dos quadrinhos
e, não coincidentemente, lançado exatamente no ano [que ocorreu a
denúncia no The New York Times em 1972, sobre procedimentos
científicos experienciados em 600 negros, dos quais foram encon-
trados apenas 74 vivos].” (Artigo – Luke Cage: a representação da luta
de uma comunidade sitiada)

18. “Corpos operários, atléticos ou, simplesmente, seguros de si. Lascivas,


as cidades nos convidam a penetrá-las ao mesmo tempo [que somos pos-
suídos por elas].” (Artigo – Da Cidade-espetáculo à Cidade-mercadoria:
a comunicação urbana e a construção da marca RIO)

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19. “É nessa tensão [que se dá o transitar de Gil no passado] que per-
mite compreender o seu presente.” (Artigo – Identidades no contemporâ-
neo: uma reflexão a partir da narrativa audiovisual “Meia-Noite em Paris”)

20. “Nesse sentido, a imprensa tinha um importante papel, agindo edu-


cativa e disciplinarmente, a partir do momento [que transmitia um pa-
drão de comportamentos condizentes com o status de metrópole e
disseminava os valores da vida moderna].” (Artigo – Rio Olímpico: a
mercantilização da cidade e o declínio do espaço público)

21. “Essa era uma praia [que eu nunca pensei que eu fosse nadar].”
(Entrevistas sociolinguísticas – NIG C3M)

22. “Existem bairros bem lá pro interior [que falta saneamento básico].”
(Entrevistas sociolinguísticas – NIG B3H)

23. “Eu estudei num colégio público [que a merenda não podia faltar]
porque era a única refeição.” (Entrevistas sociolinguísticas – NIG B3M)

Exemplos com o apagamento de outras preposições já parecem apontar


para dificuldades de regência verbal. Com o verbo desobedecer/obedecer, por
exemplo, sabemos que, embora seja um verbo transitivo indireto, há uma ten-
dência no PB para a omissão da preposição exigida por sua transitividade, o
que se reflete também no momento da relativização:

24. “Quando o analisamos a partir da visão política, vê-se como uma au-
toridade [que não pode ser desobedecida], um poder legitimado para
estabelecer e manter a ordem.” (Teses/dissertações)

Em se tratando da fala, Bagno (2002) mostra que o uso da estratégia corta-


dora algumas vezes ocorreria para evitar o tom pedante que a relativa padrão
preposicionada poderia trazer ao discurso, o que aponta mais uma vez para a
preferência do PB pela forma não padrão. Seguem dados da fala, nos quais se
observa o apagamento da preposição em verbos em que, comumente, não se
omite a preposição, o que pode apontar para o que supõe Bagno (2002):

79
25. “A violência [que você tá se referindo] é um resultado do desgoverno”.
(Entrevistas sociolinguísticas – NIG C3M)

26. “A gente vai tocar num ponto [que você vai gostar muito de falar]”.
(Entrevistas sociolinguísticas – NIG C3M)

Outros desvios de performance em relação à norma gramatical


Em algumas construções, observou-se, também, que houve desvios em rela-
ção ao que propõe a norma gramatical na tentativa de emprego da estraté-
gia padrão. Acreditamos que isso ocorra com a construção “no (a) qual”, pois,
frequentemente, os falantes brasileiros avaliam essa construção como mais
formal, mais erudita. Ademais, é importante ressaltar que no exemplo (27) é
difícil encontrar até mesmo o referente que o falante busca avaliar através da
oração relativa. 

27. “Para a diretora Viviane Ferreira as dificuldades no que se refere à


produção de cineastas negros está em um dos principais mecanismos de
funcionamento do campo, que são, as instituições de fomento, por meio
de suas comissões avaliadoras. [No qual, sugere que as narrativas ne-
gras causam estranheza aos avaliadores, em que as consequências,
óbvia, é a dificuldade de aprovar projetos], quando aprovam, não con-
seguem captar.” (Teses/dissertações) 

Ocorreu também o uso do pronome relativo onde sem retomar expressão


de lugar, como prescrito por compêndios normativos. Sobre esse desvio, há al-
guns estudos linguísticos (MACHADO, 2017; entre outros) que apontam para
a gramaticalização desse item, como ilustra o exemplo (28):

28. “existe agora o PDE, que é uma parte né um projeto  [onde os


professores tão buscando melhorar].” (Entrevista sociolinguística –
NIG B3M) 

Houve também um caso em que, mesmo sendo necessária a utilização


da oração relativa, evitou-se o uso. Acredita-se que isso possa ocorrer pela
dificuldade dos falantes em utilizar a relativa padrão preposicionada, já que é

80
preciso conhecer a regência verbal e saber aplicá-la.

29. “A dupla também encontrou corrosão e  trincamentos  em trechos


próximos, [e precisam de mais manutenção].” (Notícia) 

Esses dados confirmam o que Bispo (2003, 2007, 2009, 2014) concluiu em
seus estudos: há uma tentativa de conferir um menor esforço cognitivo na pro-
dução das relativas. Portanto, o uso de onde e da hesitação em produzir uma
relativa reafirmam esses resultados.

Orientações para o ensino 


Conforme observado anteriormente, diferentemente do que afirma Bechara
(2009), as estratégias de relativização não padrão não ocorrem somente na fala
e também não se restringem à linguagem coloquial e popular. Esse “equívoco”
ao apresentar somente usos linguísticos que correspondem a determinado uso
canônico da língua se justifica na medida em que as gramáticas tradicionais
têm como propósito apresentar as regras do bem falar e escrever relativos
à norma-padrão da língua a partir de um modelo literário de outra sincro-
nia. Entretanto, a Língua Portuguesa, por ser plural, resulta de uma atividade
social composta por diversas variedades linguísticas, inclusive a norma culta,
variedade que se submete a condicionamentos socioeconômicos considerados
de prestígio social como ser mais urbana, letrada e mais próxima da modalida-
de escrita da língua.
Desse modo, nota-se, no corpus analisado, o uso amplo das relativas
cortadoras, que foram expressivas no gênero entrevistas sociolinguísticas
[+oralidade], mas também ocorreu bastante no gênero artigo [+letramento].
Esse dado evidencia que língua falada e língua escrita não são tão distantes
quanto a escola, muitas vezes, faz parecer e que, por esse motivo, não devem
ser ensinadas como polos opostos, mas “dentro de um continuum tipológico
das práticas sociais e de produção textual” (MARCUSCHI, 2001, p. 37). 
Sendo assim, cabe à escola, em consonância com os documentos que regem
o ensino brasileiro, a saber, os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000; 2002)
e as Orientações Curriculares Nacionais (2006), no que se refere ao ensino das
orações relativas:

81
• Explicar o fenômeno das orações relativas e reconhecer as estratégias
variáveis associadas a ele, tendo em vista o grande número de ocorrências
das relativas não padrão em diversos gêneros textuais.

• Aprofundar o trabalho com a modalidade oral em sala de aula, esmiu-


çando suas características próprias e organização interna, desmistificando
a fala como lugar de informalidade. 

• Explicar os valores sociais associados às variantes, demonstrando que as


relativas copiadoras, tanto na fala quanto na escrita são estigmatizadas,
embora também ocorra na fala de letrados. Por outro lado, as cortadoras
são de amplo uso no Português Brasileiro, por falantes mais ou menos
letrados, aparece em textos escritos mais monitorados e não é alvo de
avaliação negativa da sociedade.

• Ensinar a construção padrão de relativas que apresentam preposição,


pois ainda é a única variante com prestígio social admitida em instrumen-
tos avaliativos e se aprende basicamente por meio da escolarização.

• Ampliar o repertório e a consciência dos alunos sobre o funcionamento


da língua e dar a eles a possibilidade de transitar pela variedade de normas
que constitui a Língua Portuguesa.

• Associar a ocorrência de estratégias mais ou menos padrão às caracterís-


ticas próprias de cada gênero textual. 

Como trabalhar as orações relativas na escola?


Em concordância com as competências e habilidades propostas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), concebe-se,
neste estudo, que o ensino de Língua Portuguesa deve desenvolver o potencial
crítico do aluno por meio de maior contato com gêneros textuais diversos
que favoreçam, consequentemente, uma percepção mais aguçada das múlti-
plas possibilidades de expressão linguística de um falante. Ademais, conce-
bemos também que, no contexto escolar atual, se fazem necessárias novas
abordagens pedagógicas que foquem o protagonismo dos alunos, motivando
estudos da Língua Portuguesa e promovendo a autonomia dos discentes. Por
isso, sugerimos, a seguir, uma atividade pautada em uma metodologia ativa, a
rotação por estação, que possibilita o contato com um gênero pouco utilizado

82
na escola, a letra de música, além de oportunizar o trabalho em conjunto e
a escuta dos estudantes, exercitar a empatia e valorizar as opiniões diversas
conforme evidencia Berbel (2011). Vale ressaltar que essa atividade não me-
nospreza a importância de exercícios que possibilitem a sistematização através
da identificação e classificação das orações relativas, pois esses também são
muito necessários no cenário escolar.

Sugestão da atividade rotação por estação para trabalhar as


orações relativas

Descrição da atividade

Informações prévias
A atividade foi pensada para dois tempos de aula (aproximadamente 1 hora e
30 minutos). O público alvo são as turmas de 2ª série de Ensino Médio, mais
especificamente, para uma turma com em média 20 alunos.

Como a atividade deve ser aplicada?


No primeiro tempo de aula, ocorrerá a rotação por estação. Primeiro, os alu-
nos assistirão juntos o videoclipe da música Fotografia do Leoni (com duração
aproximada de 3 minutos). Em seguida, eles serão divididos em 5 (cinco) gru-
pos, um em cada estação, totalizando 5 (cinco) estações de discussão. Em cada
estação, haverá uma folha com a impressão da letra da música e da atividade
de identificação e produção que os alunos farão em conjunto com o seu grupo
(cada estação durará aproximadamente 8 minutos). Vale ressaltar que cada
grupo começa em uma estação e, a cada intervenção do professor, “roda para
a estação mais próxima”. A atividade termina quando todos os grupos tiverem
passado por todas as estações.
Além disso, é importante dizer que cada estação tem um propósito textual
e/ou linguístico, a saber:

• a 1ª estação é uma atividade interpretativa que se propõe a analisar a


temática desenvolvida na música e reproduzida no videoclipe;

• a 2ª tem como propósito trabalhar o tempo verbal empregado, presente

83
atemporal e futuro hipotético, frequentemente estudados na 1ª série do
Ensino Médio. Ademais, é possível discutir como o uso do “quando” re-
mete a um universo hipotético e o uso do advérbio “hoje” e dos verbos no
presente remetem às atividades cotidianas e simples da vida;

• a 3ª visa retomar os conceitos de “oração” e “período”, estudados ante-


riormente. Esses conceitos ajudarão muito na segmentação das orações,
reconhecimento do referente e estudo das orações relativas intercaladas,
posição oracional que, com frequência, os alunos apresentam dificuldade
de reconhecer — além de trabalhar a coesão textual através do uso de
conectivos;

• a 4ª estação busca proporcionar ao aluno a identificação do referente


nominal retomado pelo pronome relativo “que”; percepção da finalidade
comunicativa, mais especificamente a adjetivação desse referente, que a
oração relativa possibilita, e relembrar a transitividade verbal que auxi-
liará, no segundo tempo da aula, na discussão sobre as orações relativas
padrão e não padrão (relativa cortadora);

• a última estação tem como propósito discutir norma linguística, isto


é, apesar da música ser MPB, gênero musical concebido como culto, ela
discute um tema coletivo, a percepção da passagem de tempo e o saudosis-
mo observado na fotografia, e faz isso através do uso do termo “a gente”,
variante pronominal frequentemente utilizada em contextos situacionais
mais e menos formais e pouco estigmatizada.

No segundo tempo de aula, o professor retomaria as atividades respon-


dendo-as em conjunto com a turma, após a reflexão apresentada pelos alunos.
Em seguida, o professor usaria os exemplos extraídos do texto pelos alunos
na estação 4, sistematizando o conteúdo referente às orações relativas. O pro-
fessor, como continuação da atividade, solicitaria uma pesquisa sobre os usos
dessa estrutura em outros gêneros textuais.

84
A rotação por estação:

Fotografia - Leoni

Hoje o mar faz onda feito criança E quando o dia não passar de um retrato
No balanço calmo a gente descansa Colorindo de saudade o meu quarto
Nessas horas dorme longe a lembrança Só aí vou ter certeza de fato
De ser feliz Que eu fui feliz

Quando a tarde toma a gente nos braços O que vai ficar na fotografia
Sopra um vento que dissolve o cansaço São os laços invisíveis que havia
É o avesso do esforço que eu faço As cores, figuras, motivos
Pra ser feliz O sol passando sobre os amigos
Histórias, bebidas, sorrisos
O que vai ficar na fotografia E afeto em frente ao mar.
São os laços invisíveis que havia
Letra retirada de: https://www.letras.
As cores, figuras, motivos mus.br/leoni/69309/
O sol passando sobre os amigos
Histórias, bebidas, sorrisos Link do clipe da música: https://
E afeto em frente ao mar www.youtube.com/watch?time_
continue=29&v=FD_YHSMAsaE
Quando as sombras vão ficando compridas
Enchendo a casa de silêncio e preguiça
Nessas horas é que Deus deixa pistas
Pra eu ser feliz

1ªestação

Que tipo de temática é desenvolvida na letra da música Fotografia do cantor


Leoni? Relacione a temática desenvolvida às imagens apresentadas no video-
clipe da música através de um parágrafo dissertativo-argumentativo.

2ª estação
A música por ora apresenta um universo situado no presente atemporal (1ª,
3ª e 6ª estrofes) e em outros momentos em um universo futuro (2ª, 4ª e 5ª
estrofes). A partir dessa afirmação, responda às perguntas a seguir:

85
O que possibilita a você, leitor/ouvinte, perceber essa diferença?
Aponte dois elementos linguísticos e, em seguida, retire, ao menos, um
exemplo para cada um deles.

3ª estação
Observe a 2ª estrofe e discuta com seus amigos quantas orações e quan-
tos períodos a constituem. Em seguida, reescreva-a em prosa através de dois
períodos compostos.

4ª estação
Observe as orações sublinhadas na letra da música e responda:
A que termo/palavra cada oração se refere?
Qual é a finalidade dessa oração na estrofe em que ela é usada?
Essas orações estão de acordo com a norma-padrão da língua? (observe a
transitividade do verbo para responder a esse questionamento)

5ª estação
A música vale-se de uma metalinguagem, isto é, é um texto em formato de
poesia que trata sobre outro tipo de texto, a fotografia.
Discuta com o seu grupo sobre como o eu-lírico aborda o tema fotografia. De
acordo com ele, essa experiência fotográfica é individual, somente dele, ou é
coletiva? Justifique com um recurso linguístico empregado no texto.
Em seguida, avaliem o grau de formalidade empregado na letra da música a
partir das escolhas linguísticas realizadas pelo eu-lírico.

Considerações finais
Esta investigação permitiu-nos verificar que os gêneros textuais, enquanto
“entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis de qual-
quer situação comunicativa” (MARCUSCHI, 2001), interferem na variação do
fenômeno em estudo, já que refletem a língua em uso pela sociedade nos mais
diversos contextos comunicativos. Nesse sentido, ficou evidente que é neces-
sária uma sensibilidade ao que o gênero representa e que, no âmbito escolar, o

86
trabalho docente deve levar em consideração tudo o que o gênero textual tem
a oferecer, inclusive a variação linguística, de forma que o tratamento desse
tema não seja marginal nem estereotipado, mas abrangente e integrado aos
textos.
Nesse sentido, foi possível também a percepção do que já vem sendo bas-
tante debatido pelos estudos linguísticos sobre a variação ter também sua re-
gularidade e sobre não estar restrita à fala, mas presente inclusive em textos
mais formais. Assim, ainda que haja distância entre as modalidades, a fala
sendo mais dinâmica e maleável quanto à presença de formas inovadoras e a
escrita mais conservadora, percebe-se que não há barreiras tão rígidas entre
elas como os compêndios gramaticais muitas vezes fazem parecer.
Isso foi observado na análise do corpus, em que o esperado era que as
relativas cortadoras ocorressem em gêneros textuais menos formais, como
as entrevistas sociolinguísticas, por exemplo. No entanto, nos gêneros
dissertações/teses e artigos, embora apresentem características mais formais
e maior grau de planejamento, foi constatado expressivo quantitativo de rela-
tivas cortadoras, como podemos observar pelos resultados demonstrados no
presente estudo.
Dessa forma, embora as gramáticas tradicionais, em geral, não reconhe-
çam o uso das estratégias de relativização não padrão, pode-se notar que esses
usos já são bastante produtivos, revelam a preferência mais geral da fala brasi-
leira. Isso pode ser justificado pelo fato de o falante tentar minimizar o esforço
cognitivo ao produzir essas estruturas, ou por desconhecimento do indivíduo
ao aplicar a preposição para o emprego adequado da regência.
Nota-se, também, que embora as relativas cortadoras já estejam se incor-
porando aos textos escritos mais formais, o uso da estratégia padrão ainda
prevalece nesses contextos, revelando que, embora não façam parte de nossa
gramática de fala, aparecem mais na escrita devido ao efeito da escolarização.
Embora ainda sejam consideradas estigmatizadas em alguns contextos, as
cortadoras ocorreram em uma quantidade maior que as relativas copiadoras
no corpus desta pesquisa, pois, como vimos, com base em Bispo (2003, 2007,
2009, 2014) e outros estudiosos, as relativas copiadoras parecem ser menos
produzidas por falantes cultos e, consequentemente, mais estigmatizadas,
de modo que não ocorreram em gêneros textuais escritos e mais formais,
diferentemente das relativas cortadoras, que ocorreram em diversos gêneros,
exceto nos que são marcados por rígida revisão jornalística.
É fundamental, portanto, que as escolas e os professores se comprometam
a se atualizar e a investir no conhecimento dos diversos estudos sobre a

87
realidade linguística brasileira que são elaborados nas universidades, de modo
que tenham uma formação que vá além do que as gramáticas tradicionais
apresentam e muitos livros didáticos insistem em reproduzir. Assim, por meio
do contato com a pluralidade de normas que constituem a Língua Portuguesa,
será possível ampliar a competência linguística do público discente e promo-
ver um ensino crítico e significativo no Brasil, que leve em consideração as
diferenças sociolinguísticas e culturais e que se oponha ao preconceito linguís-
tico, à medida que reconhece todas as variedades como legítimas.

88
CAPÍTULO 4

Tem variação entre as formas


verbais impessoais ter e haver
nas modalidades oral e escrita,
em realizações da norma culta, do
Português Brasileiro?
Deyse Edberg Ribeiro Silva Gama
Eneile Santos Saraiva
Maitê Lopes de Almeida

Esta pesquisa tem como principal objetivo analisar a alternância de uso entre
os predicadores verbais impessoais ter e haver nas modalidades oral e escrita
do Português Brasileiro (PB), que representem expressões da norma culta, em
contextos como os exemplificados abaixo:

1. “Há muitas coisas para discutir no interesse da sociedade como um


todo.” (Entrevista transcrita, Revista Veja).

2. “Tem vários eventos que podem me pagar o valor para continuar.” (No-
tícia, Jornal Extra).

3. “O ponto de Harel é que a esmagadora maioria da população do país,


vivendo sua vidinha do lado certo do muro, prefere ignorar o estado de
opressão e miséria que seu governo impõe aos palestinos há décadas.”
(Crônica, Folha de São Paulo).

4. “[...] não terminei agora em dezembro tem uns seis meses mais ou

89
menos não terminei agora em dezembro.” (Entrevista sociolinguística,
Corpus Concordância).

Em 1 e 2, os predicadores foram utilizados com valor existencial, enquanto


em 3 e 4 com valor temporal. Cabe observar que, apesar de apresentar uso
recorrente no Português Brasileiro (PB), o verbo ter não é apresentado nas
Gramáticas Tradicionais (GT’s) com as referidas significações.
Cabe destacar que, desde o português arcaico (século XIII – primeira
metade do século XVI), já ocorria “a lenta mas progressiva substituição do
verbo aver por teer” (COSTA, 2010, p. 60). Assim, já se verificava que os ver-
bos habere (habeo, -es, -ere, habui, habitum) e tenere (teneo, -es, -ere, tenui,
tentum) tinham múltiplas realizações e apresentavam várias acepções. Habere
comportava os seguintes significados: ter, possuir, guardar, dever etc., enquan-
to tenere podia ser utilizado com as significações de segurar, obter, ser senhor
de, ocupar, guardar, entre outros. Nota-se que já havia alguns pontos que apro-
ximavam tenere de habere. De acordo com Costa (2010, p. 61),

Habere foi-se revelando um verbo mais fraco que tenere e, à medida que a de-
bilitação semântica de habere se acentuava, tenere ia ganhando espaço e maior
aceitação entre os falantes. Algumas das utilizações destes dois verbos manter-se-
-ão desde o latim até às línguas românicas, outras formar-se-ão em cada língua,
conferindo a estes verbos o estatuto de permanente adaptabilidade face às neces-
sidades de cada comunidade falante. (COSTA, 2010, p. 61)

Foi a partir do século XV que a forma verbal teer superou em número de


ocorrências aver. Nesse tempo, o verbo teer, na sua semântica, já expressava
todos os sentidos de posse. A partir dos estudos de Costa (2010), conclui-se
que, desde o português arcaico, as formas verbais aver e teer estavam em com-
petição.
Espera-se, assim, no presente texto, a partir da variação ter e haver, propor
reflexões sobre: (i) a constituição dos padrões normativos do PB e (ii) as contri-
buições da Sociolinguística à educação, bem como o ensino da variação através
dos diferentes gêneros textuais, visto que o estudo da mudança línguística é
tido como um dos pontos necessários ao ensino da língua em sala de aula, se-
gundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (BRASIL, 1998).
A hipótese inicial desta pesquisa é a de que o verbo ter é mais utilizado
na modalidade oral, uma vez que a escrita se faz mais conservadora e mais

90
resistente à mudança linguística. Conforme descrito na introdução desta obra,
o corpus utilizado na análise é constituído por fala espontânea culta e gêneros
textuais, em modalidade escrita, de domínio jornalístico e acadêmico que fo-
ram escolhidos pela turma do curso de Pós-graduação em Letras Vernáculas da
Faculdade de Letras da UFRJ, Tópicos Especiais de 2018.1, ministrado pela Pro-
fessora Doutora Silvia Rodrigues Vieira. Os resultados são discutidos com base
na noção de continuum de monitoração (Bortoni-Ricardo, 2004) e dos pressu-
postos teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH,
LABOV & HERZOG, 2006 [1968]).

A alternância ter~haver na tradição gramatical


Para Sampaio (2000), estudar o verbo ter separado do verbo haver é impossível,
já que, desde o latim, os dois verbos se comportam de maneiras semelhantes
em estruturas verbais. Em Costa (2010), podemos perceber a gradativa substi-
tuição do verbo habere pelo verbo tenere, que já ganhava mais aceitação entre
os falantes. A autora ainda aponta que o verbo teer superou o verbo aver em
número de ocorrências na fala. Logo, podemos perceber que a alternância en-
tre ter e haver ocorre na fala há bastante tempo.
Sabemos que, na escrita culta, não é produtivo o uso de ter em detrimento
de haver. Para a análise coerente dessa questão, apresentaremos as visões de
gramáticos e de autores de livros didáticos, pois somente com essa abordagem
poderemos entender como os verbos ter e haver estão sendo apresentados nas
obras de referência para o uso e o ensino de Língua Portuguesa.

Uso do TER impessoal e a tradição gramatical


A fim de averiguar como a temática de verbos impessoais é abordada, recor-
reu-se, nesta seção, às principais gramáticas brasileiras de Língua Portuguesa,
a saber: Nova gramática do Português contemporâneo, de Cunha e Cintra, Gra-
mática normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima, e Fundamentos de gra-
mática do Português, de Azeredo.
Cunha e Cintra (2001) apontam um uso do ter impessoal como coloquial.
Como exemplo, os autores citam as frases “Hoje tem festa no brejo”, de Carlos
Drummond de Andrade e “...tem um processo seguro”, de Manuel Bandeira.
Assim, os autores consideram que as construções com “ter coloquial”, como as
informadas acima, devem ser evitadas.

91
Já Rocha Lima (2010) e Azeredo (2000) não fazem referência ao verbo ter
com valor impessoal; em Azeredo (2000), apenas é citado o verbo haver como
um verbo irregular forte, sendo assim uma análise apenas aspectual de forma-
ção do referido verbo.
Nessa breve visita a esses compêndios gramaticais, apreende-se que, no
que tange a construções de sentenças impessoais no PB, o uso do verbo ter com
valor impessoal não é recomendado e, por vezes, é colocado como incorreção.
Assim, observa-se que, na constituição das gramáticas tradicionais brasileiras,
é seguido o padrão normativo lusitano no que diz respeito à construção de
sentenças impessoais. Desse modo, tenciona-se verificar, na análise dos dados
levantados, em que medida a escrita culta brasileira atende a esse padrão.

O que é proposto para o ensino de impessoalização com


ter  e haver
Para a análise voltada ao ensino, analisamos os livros didáticos seguintes: (1)
Português: contexto, interação e sentido, de Maria Luiza Marques Abaurre, Ma-
ria Bernadete Marques Abaurre e Marcela Pontara; (2) Português: literatura,
gramática e produção de textos, de Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano; e
(3) Gramática, Literatura e produção de textos para o ensino médio: curso com-
pleto, de Ernani Terra e José de Nicola.
Percebemos que, nas três obras analisadas, a abordagem dos verbos im-
pessoais é bem pequena. Na obra (1), os verbos ser, estar, fazer e haver são
relacionados a construções relacionadas a fenômenos da natureza e expres-
sões temporais. Nas obras (2) e (3), não há menção ao verbo ter como verbo
impessoal.
Sendo assim, podemos ver que não há abordagens vistas como tradicionais
que considerem o uso do verbo ter como um verbo impessoal próprio da escrita e
nem mesmo da fala culta, como será observado na seção seguinte, que aborda re-
sultados de pesquisas sociolinguísticas que versam sobre a alternância ter~haver.

Os estudos sociolinguísticos e a alternância ter~haver

Atualmente no PB, de acordo com Callou e Duarte (2005), o processo de subs-


tituição da forma verbal haver impessoal por ter encontra-se em um estágio
mais ou menos avançado. As autoras ainda destacam que é possível observar,
na história do PB, que a presença de uma expressão locativa adjacente e a
não ocorrência de um sujeito contíguo, como será demonstrado nas sentenças

92
abaixo, favorecem o uso do ter por gerarem certo grau de ambiguidade:

5. Ali tem muitas pessoas

6. Aquela casa tem muitas pessoas

Tanto em 5 quanto em 6, as orações podem ser analisadas como possessi-


vas ou existenciais, a depender da interpretação dos sintagmas [Ali] e [Aquela
casa] (ou adjunto ou sujeito do verbo ter). Sendo assim, de acordo com Callou e
Duarte (2005, p. 149), “parece ter sido esse o caminho para a inserção do verbo
ter entre os existenciais”.
Estudos linguísticos apontam que a variação ter e haver em construções
existenciais é frequentemente condicionada pelos grupos de fatores tempo
verbal, especificidade semântica do argumento, escolaridade e faixa etária,
mostrando, de maneira sistemática, não só que o uso de haver é fortemente
favorecido pelo verbo no tempo passado e pelo argumento interno com traço
[+ abstrato], como também que, quanto maiores a escolaridade e a faixa etária
dos falantes, maior o uso de haver, embora o emprego de ter seja sempre supe-
rior na língua falada.
Na fala, Callou e Duarte (2005), ao analisarem um corpus formado por
dados de cinco capitais brasileiras (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e
Salvador e Recife), observaram que a tendência de uso do verbo ter existencial
na fala culta é geral no Brasil. No Rio de Janeiro, tomando como base o acervo
do NURC1, nos anos 70, havia 65% de uso do verbo ter impessoal, e nos anos
90, o percentual é de 76%. Já no acervo do PEUL2 (norma popular carioca), os
índices de uso do verbo ter impessoal são mais altos: 92% nos anos 80 e 94% nos
anos 2000. Na amostra dos anos 90, na fala dos mais jovens, praticamente não
se encontra a ocorrência do verbo haver. Entretanto, ainda há um expressivo
percentual de uso do verbo haver na fala dos indivíduos com mais de 55 anos
(33%).
As autoras apontam como uma possível hipótese para a diminuição do
verbo haver na modalidade oral o fato de essa forma não dispor de um locus
para que haja a inserção de um sujeito fonético, como ocorre com o verbo ter,
que, como um verbo possessivo, dispõe dessa propriedade. Assim, como no PB
há uma preferência por sujeitos referenciais expressos, as estruturas com ter

1 Projeto da Norma Urbana Oral Culta. Informações em: www.nurcrj.letras.ufrj.br


2 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua. Informações em: http://www.letras.ufrj.br/peul/

93
são as que mais facilmente permitem a transformação de sentenças impesso-
ais em pessoais, como em: “A vizinhança é ótima. Nós temos vários comércios,
temos mercado, temos feira, temos feirinha” (fala popular RJ).
Ao se colocarem lado a lado dados da escrita e da oralidade, em um estudo
sincrônico, Avelar e Callou (2007) notaram que as frequências de uso de ter e
haver são opostas nas modalidades oral e escrita. Assim, na modalidade falada,
o verbo ter é utilizado em 87% das construções existenciais; já na escrita, a
frequência desse mesmo verbo não passa de 14%. Conclui-se, portanto, que
“haver é uma variante de prestígio na Língua escrita, muito embora não haja
qualquer estigma o uso de ter na língua falada”.
Para reforçar a proposta de Avelar e Callou (2007), Marins (2013) mostra,
em comparação com os dados de Duarte (1993, 1995) que, à medida que os su-
jeitos pronominais de referência definida aparecem cada vez mais expressos,
sobem também os percentuais de uso de ter em construções existenciais; ou
seja, as construções existenciais com ter aumentam juntamente com as cons-
truções com sujeitos referenciais definidos plenos, enquanto as construções
com haver diminuem na mesma medida que as sentenças com sujeito nulo.
O mesmo fenômeno foi observado por Vitório (2013) na fala culta
alagoana e na escrita acadêmica (dissertações/teses -2005 a 2010), perten-
centes às áreas de humanas da UFAL3. Na fala, foram computados 255 dados
de construções existenciais, sendo 223 (88%) para ter e 32 (12%) para o verbo
haver. Na escrita, foram analisados 319 dados, sendo 21 (7%) para o verbo ter
e 298 (93%) para haver.
Na escrita acadêmica, a quase não realização de ter está associada ao fato
de que há uma tendência, nos manuais normativos, a condenar tal uso, mos-
trando que a recuperação/manutenção de haver na escrita é, sem dúvida, fruto
do processo de escolarização. No entanto, o indivíduo culto não leva para a
sua fala essa variante recuperada, exceto em contextos bem restritos. Na es-
crita escolar, por sua vez, Vitório (2010) verificou que o verbo ter predomina
(64% versus 36% de haver), mas, com o aumento do nível de escolarização dos
alunos, há um aumento no percentual de uso de haver.
Na variedade baiana do PB, Dutra (2000) analisou a alternância entre
ter~haver em orações existenciais, em sua dissertação de mestrado. Nesse mo-
mento, foram usados dados da norma culta de Salvador, retirados do NURC.
Mais tarde, a autora comparou seus primeiros resultados com dados da fala

3 Universidade Federal de Alagoas.

94
popular, fornecidos pelo corpus do PEPP4, em Salvador (DUTRA, 2004).
Comparando os dados da fala culta e popular da capital baiana, Dutra
(2004, p. 559) verificou que o fator escolaridade não atua como determinante,
pois tanto os falantes não universitários (ter 23,2% / haver 1,7%) quanto os uni-
versitários (ter 32,5% / haver 4,3%) priorizam o uso da variante mais inovadora,
ter. Os resultados, então, reforçam o fato de que a ocorrência de ter está mais
para a oralidade, pois todos os dados analisados em suas pesquisas foram da
fala. Isso indica que, tratando-se do fenômeno em questão, na modalidade oral
da língua, o fator escolaridade não atua como uma tônica determinante.

Análise de gêneros e o continuum fala-escrita


Nesta seção, pretende-se avaliar a alternância dos predicadores verbais impes-
soais ter e haver considerando um continuum compósito fala x escrita e moni-
toração estilística. Dessa forma, insere-se, a seguir, um quadro que apresenta
todas as fontes analisadas e a distribuição das variantes em cada uma delas:

4 Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado. Mais informações em:


http://editoraquarteto.com.br

95
Tabela 1 Distribuição dos dados de ter~haver no corpus de gêneros textuais

96
Como demonstra a Tabela 1, é alto o índice de impessoalização com o ver-
bo ter nas entrevistas sociolinguísticas (fala semiespontânea). Entretanto, em
cartas do leitor, crônicas, notícias, editoriais, teses e dissertações e artigos em
revistas científicas (escrita culta), nota-se a preferência pelo uso do predicador
impessoal haver. Já em representações e transcrições de fala culta5 (entrevistas
e anúncios), há maior equilíbrio entre os usos de ter e haver, como se pode
observar no gráfico abaixo:

Gráfico 1 Distribuição percentual dos dados

A partir da análise do Gráfico 1, é possível verificar que o comportamento


das variantes é inverso na modalidade escrita, com predominância de uso de
haver e, na fala, com preferência pela impessoalização com ter. Todavia, no
meio do continuum (reprodução e transcrição da fala), nota-se distribuição
equilibrada no uso das variantes.
Dessa forma, pelo prestígio da forma verbal haver, seu uso é menor no
contexto das entrevistas sociolinguísticas, em que teoricamente teríamos

5 Aponta-se que, nas tirinhas, não houve produtividade para o fenômeno em análise.

97
menor monitoração estilística6 e, consequentemente, maior espontaneidade,
em relação às demais fontes do corpus.
A seguir, são reproduzidos exemplos levantados em algumas fontes, com
o intuito de avaliar os contextos de uso de ter e haver:
7. “[...] qualquer problema que ocorra com menino você vai e dá um jei-
tinho agora com menina não tem jeitinho.” (Entrevista sociolinguística,
Corpus Concordância)

8. “[...] a minha faculdade por exemplo na UFRJ que é pública e s/... tem
gente de/ de fora da zona sul mas... a maioria das pessoas é da zona sul
a maioria das pessoas tem dinheiro assim” (Entrevista sociolinguística,
Corpus Concordância)

9. “Há, em Barthes, o prazer confesso da audição, mas ele não diminuiria


a potência da análise.” (Artigo científico, Revista Novos Olhares)

10. “Tem-se o exemplo do capitalismo que só conseguiu se manter domi-


nante por não se basear em sistemas repressivos (...)” (Teses e dissertações)
(forma como o ter impessoal pode atuar na escrita acadêmica)

Ao observarmos esses exemplos, intuitivamente, parece que as constru-


ções com ter em (7) e (8), extraídas de entrevistas sociolinguísticas, soariam ar-
tificiais, na permuta pela forma há: “agora com menina não há jeitinho” e “há
gente de/de fora da zona sul”. O mesmo acontece em (9) dado extraído de um
texto acadêmico, com a permuta por tem: “Tem em Barthes o prazer”. Assim
como proposto por Callou e Avelar (2007), as estruturas com haver, com pre-
sença prioritária na escrita, estariam no acervo do usuário do Português como
uma estrutura de L2, mais acessada em textos escritos, supostamente, contexto
em que haveria maior preocupação com “um bom uso da língua”, haja vista o
elevado uso de haver na escrita acadêmica.
Destaca-se também que, em (10), há uma construção formada pelo pre-
dicador ter + clítico SE (tem-se) e esse seria um caminho para que essa forma
verbal adentrasse na modalidade escrita da língua, considerando o prestígio
que o clítico SE apresenta, sendo utilizado como estratégia de indeterminação,
principalmente em textos de domínio acadêmico (cf. SARAIVA, 2013). Ainda,

6 Sobre o continuum monitoração estilística, Bortoni-Ricardo (2004) aponta que quanto mais
desconhecido o interlocutor, quanto maior for a pressão comunicativa, maior atenção o falante
dará à produção verbal.

98
considera-se que a permuta por há, nesse exemplo, ecoaria adequada ao con-
texto acadêmico (Há o exemplo do capitalismo...), diferentemente da permuta
com tem (Tem o exemplo do capitalismo...).

Reflexões sobre o ensino de normas e a alternância ter~haver


O professor/pesquisador já vem há algum tempo se questionando sobre como
ministrar aulas de Língua Portuguesa de uma maneira mais coerente, já que,
muitas vezes, como foi possível perceber em seções anteriores, materiais didá-
ticos e gramáticas se pautam em uma idealização da língua.
Segundo Vieira; Freire (2014), os estudos sociolinguísticos realizados du-
rante as últimas décadas que buscam descrever o PB (modalidades oral e escri-
ta) demonstram que, em muitos aspectos, as descrições linguísticas realizadas
contrastam com o que está inserido nas gramáticas que são utilizadas no ensi-
no regular de Língua Portuguesa.
Nessa perspectiva, os referidos autores apontam que os PCN’s reconhe-
cem o fenômeno da variação linguística, mas, paralelamente, o documento faz
referência ao que se convencionou chamar de “língua padrão”, sem esclarecer
qual seria essa língua, que é privilegiada no ensino de Português. Essa língua
seria a dos compêndios gramaticais ou a que é efetivamente utilizada pelos
brasileiros cultos? Apreende-se, assim, que, na prática escolar, as concepções
de normas ficam superpostas.
Dessa forma, para que haja coerência no ensino de Língua Portuguesa, é
preciso, primeiramente, que o professor trabalhe sob a perspectiva da plurali-
dade de normas e que os conceitos de norma-padrão (no campo da idealização
– aquela que prevê regras de prestígio quanto ao uso da língua) e culta (no
campo da realização – aquela que consiste na forma como a língua é efetiva-
mente utilizada por uma camada da sociedade, uma elite letrada e avaliada
positivamente em relação ao seu comportamento social), que normalmente
são articulados como sinônimos, sejam bem compreendidos.
Uma proposta coerente para a apreensão da variação ter~haver seria
propor o ensino de gramática em 3 eixos (cf. VIEIRA, 2014; 2017), um meio de
ensinar em que se enfatiza maior proficiência para o aluno falante nativo de
Língua Portuguesa, oriundo de diferentes camadas sociais e culturais.
O Eixo 1 propõe um ensino de gramática reflexivo partindo dos seguintes
componentes: linguístico (respeita o saber interiorizado do aluno, a produ-
ção ocorre com o que o aluno já conhece), epilinguístico (o aluno deve testar
possibilidades, experimentar; o professor deve incentivar novos modos de

99
construção linguística) e metalinguístico (momento de sistematizar o que já
foi aprendido). O Eixo 2 está diretamente ligado à produção de sentido. O en-
sino deve partir do texto, da predicação, da referência que o aluno traz para
a escola para que, assim, ocorra a conexão de significados e, dependendo da
origem do aluno, os significados produzidos serão diferentes. O Eixo 3 com-
plementa o Eixo 2 já que prega a variação das normas, em que o aluno deve re-
conhecer e produzir as diversas variantes, caso (o discente) julgue necessário.
Com base nos três eixos, pode-se pensar em um meio eficaz de ensino
de Língua Portuguesa (cf. LIMA, 2017), inclusive, no que tange à exposição
da temática deste trabalho, para além do que prevê a gramática ou o livro
didático, que, como se viu, prioriza o ensino da variante padrão, ou seja, o uso
de haver. Acredita-se que, assim, os alunos se envolveriam mais na relação de
ensino/aprendizagem e o professor teria artifícios para ensinar de maneira
mais significativa e atender aos PCN’s de Língua Portuguesa.
O ensino de Língua Portuguesa deve englobar a Gramática Tradicional
para que o aluno seja apresentado à norma gramatical e possa utilizá-la se qui-
ser. Segundo Barbosa (2007), a decodificação e interpretação de textos eruditos
mais complexos é também papel do professor de Língua Portuguesa e da esco-
la de ensinar. Para isso, podemos nos utilizar dos textos dos grandes autores da
Literatura Brasileira como base para a realização desse trabalho.
É importante que o professor de Língua Portuguesa, em sala de aula,
trabalhe com as normas linguísticas com coerência. Inclui-se, assim, a abor-
dagem da norma culta, que corresponde aos usos observados no grupo de
fala composto por usuários letrados, com prestígio na sociedade. Entretanto,
com suporte de pesquisas da área da Sociolinguística, cabe ao docente
diferenciar norma-padrão e norma culta, todavia, sem desconsiderar a
proposta da norma -padrão, com seu caráter abstrato e seus referenciais que
são apreciados, por exemplo, em correções de redações do ENEM. Faraco
(2008) aponta que:

...numa sociedade diversificada e estratificada como a brasileira, haverá inúmeras


normas linguísticas, como, por exemplo, normas características de comunidades
rurais tradicionais, aquelas de comunidades rurais de determinada ascendência
étnica, normas características de grupos juvenis urbanos, normas características
das periferias urbanas, e assim por diante. (FARACO, 2008, p. 42-43)

Assim, é imprescindível que o professor conheça o seu alunado e aborde,

100
nas aulas de Língua Portuguesa, as normas utilizadas por seus alunos, pos-
sibilitando que os discentes escolham qual variante eleger para uso em um
determinado contexto sociocomunicativo.

Considerações finais
Ao longo deste texto, buscou-se avaliar a alternância ter~haver em expressões
cultas das modalidades oral e escrita do PB. Desse modo, foi possível apreen-
der que, apesar de o verbo ter impessoal apresentar alto percentual de uso na
fala espontânea, na escrita, principalmente na acadêmica (mais monitorada),
predomina o uso do predicador haver.
De acordo com Kato (2005), a aquisição da linguagem é um processo natu-
ral e, nesse momento, construímos a nossa gramática nuclear, formada a partir
do input, ou seja, das estruturas linguísticas com as quais entramos em con-
tato. Entretanto, o letrado adquire outra gramática via escolarização. Sendo
assim, haveria uma gramática periférica a ser preenchida ao longo do ensino
formal de Língua Portuguesa.
Desse modo, pode-se apreender que, por ser a variante padrão recomendada
pelos compêndios gramaticais, haver resiste fortemente na escrita, mesmo
sendo uma construção que não faz parte da gramática nuclear do brasileiro.
No que diz respeito às reflexões sobre estudos linguísticos já realiza-
dos sobre o fenômeno (cf. CALLOU e DUARTE, 2005; AVELAR, 2006, 2011;
AVELAR e CALLOU, 2007; DUTRA, 2000, 2004), observa-se que a variação
ter~haver é amplamente encontrada no Brasil, de modo que não se trata de
qualquer distinção diatópica. Além disso, os resultados encontrados nas va-
riedades do PB corroboram os resultados deste labor, uma vez que também
apontam para uso mais produtivo da forma inovadora ter na modalidade oral
da língua.
Outra questão relevante é o nível de escolaridade dos indivíduos. Esse fa-
tor não é determinante quando o fenômeno é observado na modalidade oral da
língua (DUTRA, 2004). No entanto, quando há inserção da escrita, a tendência
ao uso de haver é mais evidente, sendo possível perceber que, nesse contexto,
o grau de letramento do indivíduo pode determinar a escolha pela forma mais
conservadora.
Assim, destaca-se a importância de apresentar dados de pesquisas so-
ciolinguísticas no ambiente escolar, para que seja possível perceber os usos
das variantes em estudo e notar as diferenças existentes entre o que se prevê
(norma-padrão) e o que realmente se produz (norma culta).

101
De acordo com Faraco (2008, p. 39), “uma comunidade linguística não
se caracteriza por uma única norma, mas por um determinando conjunto de
normas”. Destarte, acredita-se que é função da escola a apreciação da norma
padrão e também o ensino da norma culta, mas não com o intuito de que o
aluno passe a somente fazer uso desta última, já que a primeira está no campo
da idealização, e sim para que o mesmo tenha competência comunicativa,
tenha domínio em mais de uma variedade linguística e faça as suas escolhas
sobre as formas linguísticas que quiser usar.

102
CONCLUSÃO

Contribuições dos estudos de


fenômenos variáveis em continuum
de gêneros textuais: para uma
pedagogia da variação linguística
Silvia Rodrigues Vieira

A fim de fundamentar o tratamento pedagógico de fenômenos variáveis que


considere a necessária relação entre as duas faces da polissemia do termo
norma – a da norma-padrão (norma normativa) e a das normas de uso (normas
normais) –, o presente texto sistematiza os resultados detalhados nos capítulos
anteriores e apresenta reflexões finais para a formulação de orientações esco-
lares de natureza normativa.
Conforme se anunciou na introdução desta obra, o pressuposto básico
assumido para essa formulação advém de dois dos princípios propostos por
Faraco (2015) para a elaboração de guias normativos que sirvam aos desafios
da realidade brasileira, quais sejam:

(a) o reconhecimento da necessidade de que os instrumentos normativos reflitam


a norma efetivamente praticada; [...]
(b) o reconhecimento do fato de que não existe “a” norma culta – assim no singu-
lar. (...) As variedades cultas são diversificadas e heterogêneas.
(FARACO, 2015, p. 28)

Considerando, então, o comportamento de regras variáveis em tex-


tos de diversos gêneros textuais produzidos por indivíduos em sua maio-
ria com alto grau de escolarização (sendo, portanto, expressões da chama-
da norma culta, aqui concebida como variedades cultas), propõe-se, aqui,
não somente estabelecer um continuum de gêneros textuais, consoante seus

103
perfis prototípicos de oralidade/letramento e de monitoração estilística
(cf. BORTONI-RICARDO, 2005), mas também apresentar mais evidências para
sustentar a proposta de Vieira (2018, 2019a, 2019b)1 quanto à elaboração de
orientações normativas no contexto escolar.

Sistematização do comportamento das regras variáveis


no continuum de gêneros textuais
Os resultados referentes aos fenômenos debatidos nos capítulos anteriores – a
expressão do acusativo anafórico, a expressão do dativo anafórico, as estra-
tégias de relativização e as construções existenciais com ter e haver –, além
de outros temas também quantificados nos gêneros em questão (embora não
apresentados no desenvolvimento desta obra) – como a expressão verbal de
futuro, a colocação pronominal e a indeterminação do sujeito –, permitem
aferir o comportamento altamente variável da chamada norma culta (um con-
junto de variedades cultas, na realidade).
A hipótese central que motivou a escolha de gêneros textuais para a aná-
lise das variedades cultas foi a de que, consoante o suposto maior grau de le-
tramento e/ou de formalidade atribuído(s) ao gênero em questão2, maior seria
o uso da variante considerada de prestígio, identificada muitas vezes como
variante padrão. Os estudos descritos na presente obra — embora tenham

1 A proposta de fundamentar orientações normativas com base em parte dos resultados


que estão apresentados neste livro foi objeto de alguns artigos recentes de minha autoria
(VIEIRA, 2018, 2019a, 2019b), motivo pelo qual o conteúdo desses textos é retomado em certa
medida na sistematização do presente capítulo. Vieira (2018), em artigo relacionado a unidade
e diversidade no ensino de Língua Portuguesa, apresenta resultados relativos à alternância ter
versus haver existenciais. Vieira (2019a), em artigo sobre o ensino de conectivos/conexão de
orações, apresenta os resultados relativos às estratégias de relativização. Por fim, Vieira (2019b),
considerando a alternância ter versus haver existenciais e a expressão verbal de futuro, propõe
princípios para orientações normativas empiricamente fundamentadas.
2 Salienta-se, aqui, que não constituiu objetivo da presente obra formular um continuum
específico de gêneros textuais quanto às concepções de fala e de escrita, como realizou, por
exemplo, Marcuschi (2008) – propósito que demandaria investigação específica e detalhada na
área da Linguística Textual e da Teoria de gêneros. Antes, o presente texto vale-se da distribui-
ção das variantes linguísticas nos gêneros controlados de modo a delinear um suposto conti-
nuum de maior ou menor oralidade/letramento e de maior ou menor monitoração estilística.
Sem dúvida, um complexo debate, em termos teórico-metodológicos, pode ser feito acerca da
relação que aqui se faz entre determinados gêneros e supostos graus de formalidade. De fato,
o que se testou, por ora, foi apenas relacionar os índices quantitativos das variantes à categoria
gênero textual, sempre buscando observar a sistematicidade das tendências. Com a continui-
dade da pesquisa, pretende-se aprofundar esse debate, a fim de aferir o escopo de cada uma
das categorias ora postas em questão: norma, modalidade e variação estilística.

104
perseguido alguns objetivos particulares e tenham proposto, por vezes, inter-
pretações distintas para a formulação dos continua - permitiram, ainda assim,
observar empiricamente a validade da referida hipótese.
O gráfico a seguir reúne os fenômenos debatidos nos capítulos anteriores e
apresenta o comportamento da variante considerada mais prestigiosa em cada
caso: o clítico acusativo o, a(s), para o preenchimento do objeto direto; o clítico
dativo lhe(s), para o preenchimento do dativo; o haver, para as construções
existenciais; e a relativa padrão, para as estratégias de relativização.

Gráfico 1 Distribuição de variantes prestigiosas no continuum de gêneros textuais

Fonte: capítulos anteriores da presente obra.

Em termos gerais, a observação da imagem demonstra haver um aumento


crescente, na direção da esquerda para a direita, no uso das variantes dos qua-
tro fenômenos: quanto mais à direita, maior o uso das variantes supostamente
mais prestigiosas; quanto mais à esquerda, menor o uso dessas formas.
Considerando que há certas irregularidades no padrão crescente de em-
prego das variantes, ao menos três porções do continuum, à semelhança do
que propôs Vieira (2018, 2019a, 2019b), podem ser delimitadas: no extremo
esquerdo, os três primeiros gêneros, os de maior concepção de fala – entrevis-
tas sociolinguísticas, tirinhas e anúncios – apresentam os índices mais baixos
das variantes supostamente mais prestigiosas; no extremo direito, os três últi-

105
mos gêneros, os de maior concepção de escrita – um do domínio jornalístico,
o editorial, e dois do domínio acadêmico, artigo científico e tese/dissertação
– apresentam os índices mais altos das referidas variantes; em uma porção
intermediária, em que se encontram os gêneros entrevista impressa, notícia,
crônica e carta de leitor, verifica-se certa instabilidade no comportamento dos
dados, que parece ser motivada por fatores diversos não controlados nas pes-
quisas em questão. Embora a presente obra não tenha assumido por objetivo
investigar especificamente as características de cada gênero textual que com-
põe o corpus em análise, algumas considerações iniciais podem servir à com-
preensão do comportamento dos dados.
Levando em conta em conjunto os gêneros entrevista sociolinguística,
anúncio e tirinha, por serem supostamente os de maior concepção de orali-
dade, o único índice discrepante dessa porção de gêneros diz respeito ao uso
do haver existencial, registrado em 100% das ocorrências em tirinhas. Esse re-
sultado, entretanto, não representa efetivamente uma tendência específica do
gênero, visto que não houve praticamente dados de construções existenciais
no material, tendo sido registradas apenas duas ocorrências da forma haver
no conjunto das tirinhas. Fica, assim, justificada a aparente irregularidade na
primeira porção de gêneros textuais.
Na porção mais à direita do continuum, que reúne os gêneros de maior
uso das variantes consideradas mais prestigiosas, encontram-se, em quase to-
dos os fenômenos, os índices maiores de realização. Observando, entretanto, o
comportamento das variantes (sobretudo o das relativas padrão) em cada um
dos gêneros, verifica-se que o domínio acadêmico, que inclui artigo científico
e tese/dissertação, apresenta maior flexibilidade na realização da variante mais
prestigiosa do que o domínio jornalístico, aí representado pelo editorial. Essa
diferença entre os domínios precisa ser investigada com maior detalhamento
para que se detectem suas motivações; por ora, supõe-se que a ausência de
revisão profissional em gêneros do meio acadêmico possa explicar certa fle-
xibilidade na realização das formas alternantes, enquanto a presença de um
profissional para atuar na revisão linguística dos jornais motivaria o maior uso
das formas consideradas padrão, não só nos gêneros do extremo direito, mas
também nos gêneros da porção intermediária.
Nos gêneros da porção intermediária – entrevistas impressas, notícias,
crônicas e cartas de leitor –, pressupõe-se que certa instabilidade no uso da
variante considerada mais padrão seja esperada. Isto porque, em primeiro lu-
gar, trata-se de gêneros híbridos no que se refere à concepção de oralidade/
letramento, de modo que alguma proximidade com a oralidade é direta ou

106
indiretamente prevista. Notícias, embora produzidas por jornalistas e passíveis
de revisão linguística profissional, contêm, muitas vezes, reprodução de fala;
entrevistas impressas constituem, a princípio, reprodução de diálogos falados;
crônicas e cartas de leitor, por serem textos também autorais, reúnem estilos
diversos, de modo que não precisam atentar para o rigor da revisão linguística
profissional por que passam os textos escritos pelos jornalistas.
O conjunto dessas tendências confirma a proposta de Vieira (2018) – con-
siderando a alternância ter/haver – e de Vieira (2019b) – considerando tam-
bém a expressão verbal de futuro – de um continuum de gêneros textuais (cf.
Figura 1), que indiretamente refletiria um continuum supostamente compósito
de oralidade-letramento e monitoração estilística3.

Figura 1 Continuum de gêneros textuais: haver existencial e


forma simples de futuro segundo Vieira (2019b)

Fonte: Vieira (2019b, p. 253)

O comportamento dos dados em relação aos quatro fatos variáveis em


questão no presente capítulo faz ver que o espectro de variação dos gêneros
da porção intermediária pode ser maior do que o representado na Figura 2, a
depender do fenômeno em questão. No caso das estratégias de relativização,

3 Conforme já se esclareceu na introdução da presente obra, não se estabeleceu, como


objeto da investigação, a relação entre gênero textual e grau de formalidade. As considerações
feitas quanto à monitoração estilística limitam-se a constatações quanto à concretização do
maior ou menor uso das variantes do tipo padrão em relação ao perfil dos subconjuntos de
gêneros textuais.

107
por exemplo, notícias e cartas de leitor não registram qualquer ocorrência de
relativa cortadora, o que pode estar relacionado à ação do revisor profissional
em atender a certo rigor jornalístico quanto a esse tema gramatical. De todo
modo, pode-se assumir que a porção intermediária terá um comportamen-
to mais próximo da extrema direita ou da extrema esquerda do continuum, a
depender do fenômeno em questão e de outras condições de produção do texto
por ora não observadas.
De todo modo, ainda que o corpus de onde foram coletados os dados com-
preenda uma pluralidade de condições e que se trate de fenômenos linguís-
ticos de naturezas distintas, a sistematicidade das tendências revelada pelos
resultados postos em debate confirma a hipótese que motivou o projeto de
investigação em relato nesta obra. Assim, continua válida a conclusão propos-
ta por Vieira (2019b):

Por ora, fica evidente o amplo espectro de variação inerente ao uso da forma
prestigiosa em variedades cultas (que registra índices que vão de 14 a 100%) con-
soante a modalidade (mais oralidade – mais letramento) e a suposta monitoração
estilística (mais ou menos controlada em função de diversas condições sociointe-
racionais). (VIEIRA, 2019b, p. 253)

Essa conclusão não só pode ser reafirmada mas também ampliada, já que
o espectro de variação das variedades cultas no âmbito dos fenômenos morfos-
sintáticos ora em questão passa a ser de 6% a 100%. De posse dos fundamentos
empíricos fornecidos pela investigação desenvolvida e sintetizada na presente
obra, passa-se, na seção seguinte, à síntese da proposta de orientações norma-
tivas escolares desenvolvida por Vieira (2019b).

Da abordagem empírica à formulação de orientações normativas4


Em termos teórico-descritivos, fica evidente que a descrição das regras vari-
áveis em uma diversidade de gêneros textuais de concepção falada e escrita é
absolutamente necessária para a formulação de orientações normativas pro-
dutivas para as práticas sociais de produção textual, práticas que devem ser
objeto do ensino formal.
Os resultados relativos aos fenômenos apresentados no presente texto (a

4 Esta seção reproduz a parte final do artigo de Vieira (2019b), com adaptações.

108
expressão de acusativo anafórico de 3ª pessoa; a expressão de dativo anafórico
de 3ª pessoa, a alternância ter versus haver existenciais, as estratégias de relati-
vização, e, ainda, a expressão de futuro) permitem constatar um dos princípios
propostos por Faraco (2015) para a elaboração de guias normativos: “o reco-
nhecimento do fato de que não existe “a” norma culta – assim no singular. As
variedades cultas são diversificadas e heterogêneas” (p. 28).
Com base nas evidências empíricas apresentadas, Vieira (2019b), além de
enfatizar essa produtiva variabilidade interna à chamada norma culta, adverte
quanto à consequente impossibilidade de propor uma norma-padrão única se
atendida a premissa de que esta deva refletir a norma praticada. Em outras pa-
lavras, se a norma culta compreende um conjunto variável de formas (que vão
de baixíssimos a altíssimos índices a depender do contexto/gênero textual),
seria absolutamente improdutivo propor orientações pedagógicas uniformes
para todas as situações de expressões/instâncias cultas.
Mediante a configuração do uso que se faça das formas alternantes, as
diretrizes normativas emergirão naturalmente. Nesse sentido, Vieira (no pre-
lo; 2019b) formulou situações básicas para a definição de tais orientações, que
aqui se retomam:

(a) Produtivo registro na fala e na escrita em diversos gêneros

Se houver produtivo registro de determinada variante nos diversos segmen-


tos dos continua fala-escrita e monitoração estilística, praticamente não serão
necessárias orientações escolares quanto à padronização. Isto porque, dada a
circulação e a aceitação geral da forma em questão, trata-se, muito provavel-
mente, de um indicador, em termos labovianos, forma que não é passível de
avaliação consciente por parte dos falantes.
Essa situação dispensa exemplificação, visto compreender muitas estrutu-
ras da língua em uso, sem avaliação expressa quanto à padronização.
(b) Produtivo registro sobretudo na fala, particularmente em determinadas
variedades
Em outro extremo, figura a situação em que determinada variante esteja inti-
mamente relacionada à fala de determinadas comunidades, como, por exem-
plo, as representativas das chamadas variedades populares, configurando uma
espécie de traço linguístico descontínuo, com reconhecível valor indexical
(identificando pessoas não escolarizadas ou, muitas vezes, de forma precon-

109
ceituosa, supostamente não inteligentes, por exemplo). Nessa situação, serão
necessárias orientações expressas sobre o valor social das variantes em termos
de prestígio ou desprestígio. Isto porque, dada a especificidade na circulação e
na avaliação social da forma em questão, trata-se muito provavelmente de um
estereótipo, em termos labovianos – forma passível de avaliação consciente,
configurando traço de caráter estigmatizante.
Podem ilustrar essa situação as construções verbais e nominais sem a mar-
ca explícita de plural, sobretudo em estruturas muito salientes (alta saliência
fônica, ordem direta SVO, como em nós falava ou os avião saiu, por exemplo).
(c) Produtivo registro sobretudo na escrita e de gêneros mais monitorados
Se houver produtivo registro quase exclusivo na escrita (ou em falas altamente
controladas) de gêneros mais monitorados e de menor circulação social, como
os produzidos em meios profissionais e acadêmicos, serão necessárias orienta-
ções expressas para a produção (se o indivíduo precisar utilizar tais variantes,
por razões profissionais ou por interesse em termos de variação estilística, ou
até mesmo se o indivíduo for submetido a uma avaliação formal, como a de
redações em concursos) e para a recepção das variantes (em termos de leitura/
interpretação de produções alheias). Isto porque, dada a circulação restrita a
determinados meios e controlada a depender da situação, trata-se, muito pro-
vavelmente, de um marcador, em termos labovianos.
Exemplos de estruturas referentes a essa situação podem ser as investiga-
das na presente obra, cujo comportamento é altamente variável no continuum
de gêneros textuais proposto – a estratégia de relativização padrão, haver exis-
tencial, clíticos acusativo e dativo de 3ª pessoa anafóricos, dentre outras.
(d) Ausência de registro na fala e na escrita contemporâneas ou registro apenas
em gêneros de circulação em uma determinada comunidade de prática
Não havendo efetivo registro de determinada variante nem na fala nem na
escrita contemporâneas ou, em havendo, se estiver limitado a comunidades
de prática/tradições discursivas específicas, a conduta em termos pedagógicos
também precisa ser particular. Assim, as orientações devem estar restritas ao
campo da recepção dos dados (reconhecimento pela leitura/escuta – do domí-
nio religioso ou literário, por exemplo), e não da produção, sob pena de promo-
ção de arcaísmos. A produção da referida variante só será viável, na verdade,
se estiver vinculada a uma necessidade de um grupo específico (religiosos,
escritores, advogados, por exemplo) e não de uma comunidade de fala geral.

110
Em outras palavras, está-se, possivelmente, diante de uma variante antiga ou
estrangeira ou, em situação específica, um marcador estilístico para a constru-
ção de uma persona (cf. ECKERT, 2004).
Trata-se, aqui, de um caso particular de formas linguísticas em flagrante
desuso. Pode-se exemplificar essa situação com formas tidas como “arcaicas”,
como os pronomes de segunda pessoa plural (vós, vos, vosso) ou as formas clí-
ticas contratas (mo, ta, ma, lho), dentre outras.
Esse conjunto de situações articulado ao conhecimento do perfil das re-
gras variáveis da Língua Portuguesa, nos continua de oralidade-letramento e
monitoração estilística, poderá contribuir valiosamente para que diretrizes
normativas efetivamente reflitam as normas praticadas na complexa rede de
variedades, modalidades e registros.

Considerações finais
Com base na proposta ora apresentada, objetiva-se cumprir parte da agenda
que diversos autores têm sugerido para a área chamada Sociolinguística
Educacional (cf. BORTONI-RICARDO, 2005) ou para o que Faraco intitulou
Pedagogia da variação linguística (FARACO, 2008).
A sistematização de resultados relativos ao continuum de gêneros textuais
produzidos na chamada norma culta é de fundamental importância para que
o professor possa investir em “práticas de letramento que levem os alunos a
dominar as variedades cultas da língua”, conforme propõe Cyranka (2014, p.
35), ou desenvolver uma “abordagem explícita da diversidade linguística e da
avaliação social que a recobre ao tratarmos dos usos orais e escritos da língua”,
conforme defendem Faraco & Zilles (2017, p. 176).
Por fim, espera-se que a presente obra possa contribuir com a área do
ensino de Língua Portuguesa, no sentido de fundamentar o que se anunciou
na introdução deste capítulo: o tratamento pedagógico de fenômenos variá-
veis que considere a necessária relação entre as duas faces da polissemia do
termo norma – a da norma-padrão (norma normativa) e a das normas de uso
(normas normais). A nosso ver, a abordagem empírica de fenômenos mor-
fossintáticos na diversidade de gêneros textuais no continuum fala-escrita –
que supostamente seria um compósito de oralidade-letramento e monitoração
estilística – tem se mostrado um caminho eficiente para tal propósito.

111
REFERÊNCIAS

112
Referências

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123
OS AUTORES

124
ORGANIZADORAS
Silvia Rodrigues Vieira é professora-pesquisadora da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre e doutora pela mesma
instituição, pesquisadora-bolsista CNPq, atua no Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas e no Mestrado Profissional em Letras (Profletras).
Coordenadora de projetos de pesquisa nacional e internacional, sua pro-
dução bibliográfica conta com  diversos artigos em periódicos,  capítulos e
organização de livros, dentre os quais se destaca Ensino de gramática: descri-
ção e uso  (Contexto,  2007),  Ensino de Português e Sociolinguística  (Contexto,
2014) e Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas pedagógicas (Editora
Blucher, 2018). Atua principalmente nas áreas de Sociolinguística, sobretudo
no que se refere à variação morfossintática, Descrição de variedades do
Português e Ensino de gramática.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0212277538092835

Monique Débora Alves de Oliveira Lima é mestre pela UFRJ, e atua, como
professora efetiva, em turmas do ensino fundamental, no Colégio Pedro II
(Campus Realengo II). Além das atividades de regência, participa como pes-
quisadora no Grupo de Estudos em Ensino de Português e Literatura (GEEPOL),
na referida instituição, orientando alunos de Iniciação Científica Junior, no
âmbito do Projeto A leitura e a escrita acadêmica: interface com a educação
básica. Integra, ainda, como participante, o Projeto Contínuos de/em variedades
do Português: análises contrastivas (UFRJ), coordenado pela Profª. Drª. Silvia
Rodrigues Vieira. Tem interesse, principalmente, nas áreas de Sociolinguística
e Ensino de Língua Portuguesa.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8712699246790475

AUTORES
Adriana Cristina Lopes Gonçalves Mallmann possui graduação em
Português-Inglês (2013), com especialização em sintaxe, mestrado (2017) e
doutorado, em andamento, em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Foi professora substituta de Língua Portuguesa (2016)
no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e, atualmente, é professora de

125
Língua Portuguesa na Escola SESC de Ensino Médio (ESEM). Tem experi-
ência na área de Linguística, com ênfase em Sintaxe, mais especificamente,
no âmbito do período composto. Desenvolve pesquisas nos campos da sin-
taxe, prosódia e pragmática, atuando principalmente nos seguintes temas:
interface sintaxe-prosódia e análise discursiva-funcional. Seus trabalhos se
fundamentam majoritariamente em teorias funcionalistas de base americana.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1501804331361912

Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho é mestre em Língua Portuguesa


pela UFRJ e professora substituta de Língua Portuguesa pela mesma institui-
ção. Atualmente é aluna no curso de doutorado em Letras Vernáculas na UFRJ
e, desde 2014, integra o projeto de pesquisa A configuração diatópico-diacrôni-
ca do sistema de tratamento do português brasileiro (PB): análise linguística em
materiais diacrônicos e sincrônicos do século XIX e XX, coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Célia Regina dos Santos Lopes, e atua principalmente nas áreas da Socio-
linguística e da Linguística Experimental.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2047887009494598

Deyse Edberg Ribeiro Silva Gama é licenciada em Letras Vernáculas pela


Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) desde 2012, mestre em Estu-
dos Linguísticos pela mesma instituição e pós-graduada (Lato Sensu) em Estudos
Linguísticos e Literários pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é alu-
na no curso de doutorado em Letras Vernáculas na UFRJ, integrando o projeto
de pesquisa intitulado Análises contrastivas da sintaxe do português e outras
variedades românicas, coordenado pela Profª. Drª. Maria Eugênia Lammoglia
Duarte. Possui experiência acadêmica na abordagem dos principais temas:
sistema pronominal, variação linguística do Português Brasileiro.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5541624047543480

Eneile Santos Saraiva é mestre em Língua Portuguesa pela UFRJ e doutoranda


em Letras Vernáculas na mesma instituição. É pós-graduada (Lato Sensu) em
Planejamento, implementação e gestão da educação a distância (2015) pelo
Lante – Universidade Federal Fluminense. Participante do Projeto PREDICAR
– Formação e expressão de predicados complexos: estabilidade, variação e mu-
dança construcional, coordenado pela Profª. Drª. Marcia dos Santos Machado
Vieira. Atualmente, é Professora Docente I de Língua Portuguesa da Rede

126
Pública Estadual do Rio de Janeiro. Tem interesse, principalmente, em estudos
de Morfossintaxe à luz das perspectivas sociofuncionalista, funcional-cogniti-
va e da abordagem da Gramática de construções.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5196279772369306

Juliana Cristina Vasconcellos Garcia é licenciada em Português-Litera-


turas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestranda pela
mesma instituição. Possui especialização em Língua Portuguesa pelo Liceu Li-
terário Português (CELLP – UERJ). Tem interesse, principalmente, nas áreas
de História da língua e Sociolinguística, com experiência na abordagem dos
temas Norma linguística e Ensino de Língua Portuguesa.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6566099883816603

Juliana Magalhães Catta Preta de Santana é bolsista de doutorado em


Língua Portuguesa pela UFRJ. Pela mesma instituição, é mestre em Língua
Portuguesa (2016) e licenciada em Letras/Português-Espanhol desde 2012.
Atua como professora de Português na rede municipal de ensino de Duque de
Caxias (RJ) e integra o projeto de pesquisa Estudo comparativo de variedades
africanas, brasileiras e europeias do Português (Projeto 21 ALFAL/COMPARA-
PORT), coordenado pela Profª. Drª. Silvia Rodrigues Vieira. Tem interesse pela
área da Sociolinguística e dedica-se, especialmente, à produção e à percepção
linguística relativa à variação morfossintática do Português Brasileiro.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0788819194346549

Karen Cristina da Silva Pissurno é mestre em Língua Portuguesa pela UFRJ


e doutoranda na mesma instituição. Atua como professora de ensino funda-
mental e participa do grupo de pesquisa do Projeto Estudo comparativo de
variedades africanas, brasileiras e europeias do Português (Projeto 21 ALFAL/
COMPARAPORT), coordenado pela Profª. Drª. Silvia Rodrigues Vieira. De-
senvolve pesquisas nas áreas de Sociolinguística e Descrição de variedades do
Português, considerando, em especial, a variedade moçambicana, além de ter
interesse pelas áreas de Contato Linguístico e Aquisição de segunda língua.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3959327776554192

Maitê Lopes de Almeida é graduada em Letras/Português-Literaturas pela


UFRJ, Mestre e doutoranda pela Faculdade de Educação da mesma instituição,
e atua como instrutora de Língua Portuguesa no Colégio Naval desde 2015. Foi,

127
anteriormente, professora de colégios particulares do Rio de Janeiro, nos ensi-
nos fundamental e médio, entre os anos de 2012 e 2014. Possui uma trajetória
de oito anos como professora em projetos comunitários voltados para o acesso
de camadas populares ao Ensino Superior, tendo realizado pesquisa em Pré-
-Vestibular comunitário da zona oeste do Rio de Janeiro para identificar as
estratégias de acesso ao Ensino Superior.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3466032776894425

Pedro Henrique dos Santos Regis é graduado em Letras/Português-Árabe


pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista (Lato sensu) em
Língua Árabe. Possui experiência acadêmica e profissional na área de
Letras/Língua Portuguesa, especificamente no ensino de Português como lín-
gua estrangeira e no ensino de árabe para brasileiros.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8717122475569604

Rachel de Carvalho Pinto Escobar Silvestre possui graduação em


Português-Italiano (2013) pela UFRJ e graduação em Inglês e Literaturas
(2017) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em
Língua Portuguesa pela UFRJ, é atualmente aluna de doutorado em Língua
Portuguesa pela mesma instituição. Tem experiência na área da Sintaxe do
período composto à luz da teoria funcionalista de base americana. Atua, no
momento, como professora de Língua Portuguesa, Produção Textual e Inglês
em instituições públicas de ensino.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2006849260237171

Thaissa Frota Teixeira de Araujo Silva é licenciada em


Português-Literaturas pela UFRJ desde 2017 e mestranda em Língua
Portuguesa pela mesma instituição desde 2018. Integra, desde 2015, o
Projeto de pesquisa A configuração diatópico-diacrônica do sistema de tra-
tamento do português brasileiro (PB): análise linguística em materiais dia-
crônicos e sincrônicos do século XIX e XX, coordenado pela Profª. Drª. Célia
Regina dos Santos Lopes, desenvolvendo estudos descritivos das formas
oblíquas de segunda pessoa do singular em cartas pessoais no Rio de Ja-
neiro. Atua como professora de Língua Portuguesa e Redação em colégios
particulares desde 2019 e tem interesse pela associação entre os estudos
sociolinguísticos e o ensino de Português na educação básica.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3296537889703662

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