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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA

DIREÇÃO DE ARTE E CENOGRAFIA


RAFAEL BRUNO SILVA
2020

AOS TREZE

Introdução: Aos Treze é um filme com temática jovem que fez sua estreia em
2003 em Nova Iorque. O filme foi produzido de forma independente, mas devido ao
sucesso em seu recebimento pelo público a obra foi aos cinemas. Indicado ao Oscar na
categoria de Melhor Atriz Coadjuvante e ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor
Atriz em filme dramático e Melhor Atriz Coadjuvante em Cinema, entre outras
premiações, a obra faz sua marca como um dos melhores filmes Coming of Age (categoria
de filmes sobre amadurecimento, transição entre a adolescência e a vida adulta).
A história é inspirada parcialmente na vida de uma das roteiristas e atriz no filme.
Nikki Read tinha apenas seus treze anos durante a escrita do roteiro e após estar saindo
de um período conturbado em sua vida, a artista junto a Catherine Hardwicke tomaram a
decisão de transformar essa vivência em um filme. Nikki atua como Evie Zamora na obra
e devido sua relação próxima na concepção e produção o filme se tornou mais próximo
do público jovem e realista sobre como pode se da essa relação dos jovens de classe baixa
e vida em casa conturbada com drogas, sexo e criminalidade, de um ponto de vista
feminino.
Catherine também relacionou sua vivência no desenvolvimento da obra, a diretora
e roteirista agiu como uma figura materna na mãe de Nikki durante o período difícil de
sua vida, seu envolvimento torna a personagem da mãe da protagonista, Melanie
Freeland, também próxima de uma audiência de país que tem medo dos filhos seguirem
ao caminho que o filme retrata ou já passaram por uma situação parecida.
O toque pessoal na produção do filme se conecta também com a produção de arte
com Catherine participando da equipe responsável por pensar as cores, cenário e figurino.
A escolha da paleta de cores é utilizada para transmitir a essência dos personagens para
além do que o tempo de tela possibilita. O cenário funciona como ferramenta de
apresentar o público a um ambiente que é próximo deles, uma casa nos subúrbios perto
de Los Angeles que é repleta objetos contando a história daquela família, assim como
retratando a dificuldade deles com o dinheiro. Já o figurino mostra a transição desse
ambiente familiar a um caos pela mudança na índole da principal junto ao seu estilo, se
utilizando de símbolos da moda da época que a audiência já interliga a uma série de
comportamento, tornando essa identificação mais fácil.

O uso das cores no filme: A obra adota o uso de cores para diferentes significados
nos mesmos usos. Os tons azulados são ligados a Tracy, não apenas sendo a cor utilizada
para a identificar nas cenas, como também indicador da tristeza que a jovem carrega
consigo. O filme em seu início faz referências a mãe de Tracy, Melanie, ter sido uma
dependente química em processo de reabilitação, assim como expõe o relacionamento
amoroso instável da mãe afetando sua saúde mental e as condições financeiras da família
aumentando a carga emocional na protagonista, como também sendo um fator crucial
para muitas de suas necessidades passarem despercebida pela mãe que foca em conseguir
dinheiro para a família, apesar da sua dificuldade em se afirmar aos seus clientes em sua
vida profissional, os deixando fazer o que quiserem.
O azul também simboliza a juventude de Tracy, sua essência em ainda ser uma
criança de treze anos, apesar de exposta a situações que não são apropriadas a sua idade
e impedem que a jovem cresça em um ambiente familiar saudável. É utilizado na linha
de tempo do começo do filme e predomina novamente em seu final, levando até a cena
que Tracy chora descontroladamente nos braços de Melanie que a abraça e beija,
relembrando o público através da atuação e paleta de cores apresentada que a protagonista
continua sendo apenas uma criança.
O filme tem uma paleta de cores simples, apesar das diversas interpretações
possíveis, consistindo apenas de duas cores contrastantes e uma meio termo. Do azul ao
amarelo alaranjado, até um verde e de volta ao azul.

Evie Zamora marca sua presença na tela com a predominância de cores quente
assim que se insere na narrativa da principal. A escolha por uma cor contrastante aumenta
o simbolismo na transição da Tracy como uma filha exemplar a uma adolescente
problemática, esteriotipo de qualquer modelo de criança que os pais não queriam na
época, as cores contrastantes despertam um outro lado da protagonista, podendo até ser
entendido como ela saindo de sua índole.
Outro papel da coloração quente são os sentimentos subentendidos no filme de
uma afetividade homossexual da principal pela amiga, a temática é explorada na obra
desde o começo quando a protagonista só se importa com a aprovação de Evie, se
aproximando de forma extremamente rápida e intensa a ela assim que conquista sua
atenção, chegando a dormir com ela toda noite e tendo cenas como Evie confessando a
amar enquanto ela dorme e momentos de beijo, até momentos que as duas parecem
indiretamente citar casamento. De forma direita ou não, tons quentes são por diversas
vezes utilizados na mídia com a função de informar uma afinidade romântica entre
personagens e em Aos Treze não foi diferente.
Para além dessas colocações, a paleta de cores interligada a Evie também expressa
a euforia que a personagem proporciona a Tracy, operando como sua escapatória dos tons
de azul que a jovens tem em sua vida, esses que retornam na ausência da amiga,
confirmando essa mensagem a audiência.
Seguindo essa linha de raciocínio, a variação de cores até o esverdeado faz sentido
até nas diversas nuances do mesmo filme. Sobre a influência da amiga na vida de Tracy,
ela começa a perceber que se encontra cada vez mais em situações que a fazem remeter a
um modelo de pensamento ruim, semelhante ao que ela formulou por causa da família,
Evie não é mais suficiente para a distrair dessa realidade e agora, na verdade, piora a
situação.
Já em outro ponto de vista, a transição do filme a tons esverdeados também remete
a Tracy está retornando a sua infância ou querendo escapar novamente, já que começa a
perceber que Evie se tornou um pouco demais para lidar e as coisas começam a escalar
para níveis piores e piores no filme até ela realmente regredir a uma versão mais infantil,
uma filha que precisa da proteção de sua mãe.
Apesar das três cores serem as principais representantes da obra, elas não são as
únicas, o filme também apresenta tons avermelhados puxados ao vinho como um
indicativo de sexualidade das meninas, tanto sobre a hiper sexualização que as jovens se
submetem, tanto pelo sentimento subliminar de atração entre elas. Uma demonstração
mais clara dessa escolha na direção de arte é uma iluminação e tratamento de imagem um
pouco mais avermelhado na cena do beijo das garotas.
Por fim, no retorno ao azul do filme aparece com ainda mais força na tela, com
Tracy voltando a ter suas vestimentas em sua maioria com cores frias similares, como no
começo do filme, não só mostrando que voltou a aquele estado de tristeza inicial, mas
como agora se agravou e tudo que ela internalizava no começo da trama agora é exposto
a todos.

O figurino: A principal função da construção do figurino nas cenas é de se utilizar


de imagens que a audiência poderia facilmente compreender para representar a mudança
na índole de Tracy, ou seja, o foco em piercing, roupas relevadoras e a calcinha das
personagens a amostra, são todos signos da cultura pop da época que um público mais
adulto se sente desconfortável vendo em crianças, já que remetem a uma ideologia mais
sexual no começo dos anos 2000, fazendo com que os telespectadores sintam mais
empatia com as figuras de autoridade na vida da principal se desesperando com a situação.
Preservando a intenção principal das roupas demonstrarem a mudança na
personalidade da protagonista, no começo do filme o figurino de Tracy é adequado a
idade dela, mais ainda infantil, assim como de suas amigas exemplares. Ela usa uma
mochila amarela, que não tem conexão com nada de sua personalidade ou paleta de cores,
demonstrando como aparenta uma persona que não é de fato, usa roupas mais recatadas
e meias de bichinhos, tornando claro sua natureza inocente. Entretanto, todas essas roupas
ainda são em sua maioria em tons frios, deixando nas entrelinhas a infelicidade da garota.
Ao ser ridicularizada pelas suas vestimentas por uma das amigas de Evie, Tracy
resolve modificar toda seu estilo, fazendo uma birra a mãe que vai as pressas com ela até
uma vendedora e assim a protagonista tenta adotar um estilo um pouco mais descolado
para época, na intenção de conseguir a atenção da garota popular, também declarar que
não é tão inocente quanto aparente.
Nesse ponto do filme ela ainda não mudou por completo, na realidade são detalhes
que ela altura em si, como o uso de blusas mais justas e com estampas e a adoção de
alguns tons quentes, demonstrando como a presença de Evie começa a alterar sua
personagem. Na primeira vez que o público ver Tracy fazendo uso da cor vermelha,
apesar de ainda se manter com uns tons azuis, a personagem rouba um cigarro de sua mãe
e fuma escondido, começando a mudar a visão da audiência sobre os valores da garota.
A aparição do vermelho também marca o primeiro crime de Tracy que furta uma
carteira cheia de dinheiro de uma mulher de negócios distraída ao seu lado, ato que ela
toma iniciativa como forma de conquistar o respeito de Evie após a ver furtando alguns
pequenos itens em uma loja de roupas. Essa cena tem a função de mostra que apesar da
garota popular ser quem a apresenta a esse mundo, Tracy vai ainda mais longe e as roupas
durante o filme demonstram o mesmo, a um certo ponto seu estilo se torna mais radical
do que Evie.
Desse ponto em diante na obra a protagonista se distancia de cores azuladas como
sinal da sua euforia com Evie em sua vida. Tons avermelhados e o preto são os mais
utilizados, a função das cores em tons vinhos já foram determinadas, mas o preto também
carrega o significado de rebeldia da garota e de sua amiga em relação aos valores de
família e conduta.
Embora o preto e azul já tenham se mostrado como cores da personalidade natural
da Tracy desde o começo do filme, então a rebeldia já estava reprimida na personagem
que só nesse ponto começa a demonstrar. A forma como essas cores fazem ligação com
a essência da personagem é pelo uso de um acessório em específico que aparece durante
a maior parte do filme, uma faixa listrada nas cores preto e azul que Tracy usa para
esconder seus cortes no pulso. A presente desse detalhe até em seus bons momentos
relembra o público que ela ainda carrega aquela tristeza mal resolvida.
A função dos piercings se apresenta como indicativo da força na amizade das
principais, os processos que Tracy se submete para provar que realmente é como a Evie,
assim como são sinais que elas utilizam para parecerem mais velhas. A primeira vista
pode parecer óbvio que a protagonista vá esconder o acessório da mãe já que não obteve
permissão para usar, entretanto como diversas outras coisas desaprovadas pela mãe são
expostas a ela, pode-se interpretar que a escolha de Tracy em omitir os piercing partem
de um sentimento de ainda querer preservar parte da imagem de uma garotinha que sua
mãe tem dela, a teoria faz ainda mais sentido quando a mãe a pressiona a os revelar e a
jovem fala uma frase memorável do filme “Sem sutiã e sem calcinha” provocando a sua
mãe a surtar, tendo claramente aberto completamente a mãe de conservar sua relação com
a mãe.
A construção de personagem da Evie Zamora é fortemente relacionada ao seu
figurino também, consistindo principalmente de itens populares na moda dos anos 2000,
deixando claro desde sua primeira aparição que ela deveria ser o modelo de garota
“descolada”. Ela usa principalmente tons quentes e roupas reveladores, deixando claro
sua vontade de expressar sua sexualidade. Evie usa um colar de uma cruz em seu pescoço
em sua primeira conversa com Tracy, simbolizando exatamente o que ela passa a ser na
vida da protagonista: alguém que se finge de boa moça, mesmo incoerente com suas
ações, assim como a cruz é incoerente com o resto de sua roupa.
Uma única mudança que o estilo da personagem sofre é a adoção de roupas de
Tracy, Evia se torna desesperada para estabelecer uma conexão com a família de Tracy,
principalmente com Melanie e aparenta se utilizar das roupas da garota como uma forma
de tentar atingir seu objetivo. Uma calça que a mãe da protagonista faz a filha só é vista
novamente na tela quando Evie a usa, de forma discreta querendo sinalizar como ela quer
que Melanie a veja come uma filha também.

Cenário: O cenário tem sua principal função de trazer o público ao ambiente do


filme, mostrando primeiro a casa dos personagens nos subúrbios, familiarizando com a
escola pública que Tracy atende, a decoração da casa dela e finalmente levando a
audiência ao centro de L.A. terminando de contextualizar a história aos telespectadores.
Para além dessa apresentação, o cenário se torna mais pessoal já que o filme foi
produzido de forma independente, se assumiu primeiramente que pessoas locais o
assistiram, pessoas que podem se identificar com aquela vida nos subúrbios sendo uma
classe baixa ou pelo menos reconhecem algo assim perto deles, pessoas que sabem como
são os jovens andando a tarde no centro de L.A. e pessoas que reconhecem certas coisas
na casa que expressão a condição financeira da família, como o chão grudado a fita para
se manter inteiro ou o desaparecimento de alguns itens ao longo da trama representando
como o dinheiro está diminuindo e tendo que abrir mão de certas coisas, até mesmo o
carro da mão da principal.
O quarto de Tracy é o ambiente que mais consegue contar sobre a personagem,
sendo um contraste de figuras seminuas na parede e sua admiração por aquelas figuras da
cultura pop da época, algo que influencia seu estilo pessoal com bichinhos de pelúcia,
relembrando a natureza infantil que ela costumava ter no começo da obra. Quando é
revelado que a personagem utilizada o ambiente como estoque de drogas, dinheiro
roubado e bebida entre essas figuras infantis, o significado intensifica ainda mais.
O cômodo contém toda a personalidade de Tracy com fotos de seus pais e objetos
que expressão sobre toda sua juventude e é o primeiro local que sofre alteração quando
ela tenta conquistar a atenção de Evie, em uma cena que ela joga várias decorações no
lixo por serem muito infantis, em uma tentativa de modificar a si mesma como o quarto.

Conclusão: O filme faz um bom uso de todos recursos disponíveis em uma


produção de arte em um filme independente e o toque pessoal na história é bem
representado, ajudando o filme a se tornar tão realista que é desconfortável assistir
adolescentes naquelas situações, a sensações que devem ser repassadas são bem
transmitidas a audiência pelas cores e figurino, como também ajudam a contar mais da
história do que é mostrado no óbvio, estendendo para além do roteiros várias pistas de
outros aspectos dos personagens, seus valores e traumas.

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