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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH

CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

BRUNA KAROLINE COSTA SOUZA

O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO FEMININA EM SIMONE DE BEAUVOIR:

uma análise do contexto atual no Brasil

São Luís

2017
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BRUNA KAROLINE COSTA SOUZA

O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO FEMININA EM SIMONE DE BEAUVOIR:

uma análise do contexto atual no Brasil

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em


Filosofia da Universidade Federal do Maranhão,
para obtenção do grau em Licenciatura em Filosofia.

Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Oliveira

São Luís

2017
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4

BRUNA KAROLINE COSTA SOUZA

O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO FEMININA EM SIMONE DE BEAUVOIR:

uma análise do contexto atual no Brasil

Monografia apresentada ao curso de


Licenciatura em Filosofia da Universidade
Federal do Maranhão, para obtenção do grau
em Licenciatura em Filosofia.

Aprovada: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profa. Dra. Rita de Cássia Oliveira - UFMA

(Orientadora)

________________________________________________

Prof. Dr. Luis Hernan Uribe Miranda - UFMA

Examinador

_________________________________________________

Prof. Esp. Thais Machado Moraes Correia - UFMA

Examinadora
5

Dedico este trabalho a minha mãe, Solange,

por todo amor e carinho.


6

AGRADECIMENTOS

Primeiramente ao criador, pela vida e oportunidades dadas nesta existência. À minha família,
minha mãe, madrinha, padrinho, tias e tio, por todos esses anos de amor e incentivo, aos meus
irmãos Bruno, Beatriz e Nayara pelas companhias e ouvidos. Aos meus amigos, família
Coutinho, especialmente, Danielle, pelos anos de graduação, ainda que em universidades
diferentes e ajuda na revisão deste trabalho e vó Dica (in memoriam) pela companhia e
almoço antes das aulas. À Bárbara, Letícia e Lucas que me ajudaram com informações,
revisões e esclarecimentos pertinentes à elaboração deste trabalho. À Mário, por todo o
cuidado, paciência e auxílio neste momento. À minha orientadora, professora Rita, que
aceitou está comigo nessa empreitada. Aos professores do curso de filosofia pelos anos de
estudos e trabalhos magníficos e funcionários da coordenação por todos os esclarecimentos e
ajudas prestadas. E a todos que direita ou indiretamente tornaram essa realização possível.
7

RESUMO

Neste trabalho buscou-se evidenciar a situação da mulher que busca emancipar-se, na


tentativa de obter os mesmos direitos e respeito que os homens. Apresentou-se o conceito de
emancipação feminina postulado na obra O Segundo Sexo, considerada um tratado do
movimento feminista, da filósofa existencialista Simone de Beauvoir, que leva em
consideração o conceito de consciência de si e a ocupação dos espaços ditos antes masculinos
na sociedade, neste processo, afirmando-se como sujeito. Fez-se uma análise das fases da vida
da mulher observando as situações que a coloca numa condição de inferioridade em relação
ao homem e suas alterações. E também, exposição de dados que apresentem as variações
ocorridas na vida da mulher brasileira nos segmentos educacional, trabalhista, político e da
violência nesse começo de século. Tudo isso, na expectativa de esclarecer as mudanças que
ocorreram, desde que a mulher se impôs como sujeito e a necessidade de continuarem
ocorrendo, pois por mais que muito tenha sido conquistado, os fatos mostram que a
discriminação por sexo ainda é grande.

Palavras-chave: Beauvoir. Mulher. Emancipação. Sujeito.


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ABSTRACT

This work intended to highlight the situation of the woman who seeks to emancipate herself,
in an attempt to obtain the same rights and respect as men. The concept of feminine
emancipation postulated in the book The Second Sex, considered a treatise of the feminist
movement, by the existentialist philosopher Simone de Beauvoir, takes into account the
concept of self-consciousness and the occupation of the previously masculine spaces in
society, in this process, asserting herself as subject. An analysis of the life of the woman was
made, observing the situations that put her in a relation to the man and his alterations. And
also an exposition of data that show the variations occurred in the life of the Brazilian woman
in the educational, labor, political and violence segments at the beginning of the century. All
of that, in the hope of clarifying the changes that have taken place, since the woman has
imposed herself as subject and the need for those changes to keep occurring, however much
has been achieved, for the facts show that discrimination by gender is still huge.

Keywords: Beauvoir. Woman. Emancipation. Subject.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8
2. SIMONE DE BEAUVOIR E O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO FEMININA ..... 12

3. AS FASES DA VIDA DA MULHER E A CONSTRUÇÃO DA CONDIÇÃO


FEMININA ............................................................................................................................ 17

3.1 A infância ........................................................................................................................... 17

3.2 A juventude ........................................................................................................................ 19

3.3 A idade adulta ..................................................................................................................... 23

3.4 A velhice ............................................................................................................................. 25

4. A MULHER NO BRASIL DO SÉCULO XXI ................................................................ 28

4.1 Dados da educação ............................................................................................................. 28

4.2 Dados do trabalho ............................................................................................................... 29

4.3 Dados da política ................................................................................................................ 30

4.4 Dados da violência.............................................................................................................. 32

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 39


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1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem como objetivo buscar apresentar o conceito de emancipação


feminina fazendo uma breve análise da situação da mulher no Brasil neste início de século.
Ele surgiu da necessidade de aumentar os estudos acerca da condição da mulher na sociedade
e neste caso mais específico, também da utilização de filósofas nos estudos acadêmicos
dentro do curso de graduação em filosofia, tendo em vista, que as pensadoras são pouco
estudadas e citadas e faz-se necessário romper com mais este estigma da situação da mulher
como submissa ou inferior. Tendo como tema o conceito de emancipação feminina e análise
das mudanças ocorridas em alguns campos sociais onde a mulher está se inserido, utiliza-se a
obra O Segundo Sexo, publicada pela primeira vez em 1949, como principal referência, obra
da filósofa existencialista, que também é considerada precursora do movimento feminista,
Simone de Beauvoir.

Hesitei muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante,


principalmente para as mulheres. E não é novo. A querela do feminismo deu muito
que falar: agora está mais ou menos encerrada. Não toquemos mais nisso... No
entanto, ainda se fala dela. E não parece que as volumosas tolices que foram ditas
neste último século tenham realmente esclarecido a questão. Ademais, haverá
realmente um problema? Em que consiste? (BEAUVOIR, 1980, p. 07)

A proposta de discussão de um problema, seja qual for a disciplina, se dá no


momento mesmo de sua consideração como temática importante ou necessária. Tão evidente
deverá ser sua importância quanto anormal seria justificar um debate cuja temática é
considerada irritante, indigna, não menos que uma querela. Colocar em questão o valor do
problema é mais do que uma posição irônica. Ela deixa antever desde sua vindicação aquilo
que vem expresso no que se tornou uma das sentenças mais conhecidas de Simone de
Beauvoir, na qual é expresso o problema da construção do gênero feminino1.
Andrea Nye (1995) coloca que o existencialismo de Simone de Beauvoir tratou do
assunto da condição da mulher de uma forma original, diferente de outros aspectos desse
estudo que tinha se visto até então, pois, já eram ponderadas algumas questões sobre a
“emancipação feminina”2.

1
Onde é dito que não se nasce mulher, mas torna-se ao longo da existência.
2
Segundo Nye, lutas por alguns direitos das mulheres foram feitas no século XIX pelo socialismo e capitalismo,
porém não conseguiram responder questões cruciais para a emancipação feminina.
11

O existencialismo que vem observar a relação sujeito x objeto, eu x outro,


situação x consciência, existência x essência, coloca principalmente a discussão na base de
uma consciência, de uma subjetividade.
O ser humano é um ser no mundo e na sua relação com o mundo, desse modo, o
homem vai se fazendo no mundo. Segundo Nye (1995, p. 102) sobre a subjetividade
existencialista de Sartre,

O homem se toma o que ele escolhe ser, e o que ele escolhe não decorre
automaticamente da hereditariedade, do meio, de traços da personalidade
preestabelecidos nem da estrutura social. O que ele vem a ser depende de suas
decisões livremente tomadas no sentido de agir e pensar de certa maneira. Essas
decisões constituem sua substância, uma substância jamais absolutamente fixa mas
sempre transformável numa nova decisão.

Beauvoir (1980) anuncia, deste modo, que a mulher se constitui em sua relação
com as situações3, com o outro, mas principalmente com aquilo que ela projeta ser, projeta no
sentido que vai se fazendo.
Deste modo a posição da mulher é ambígua, pois ainda que ela seja objeto ela
também é sujeito, e sabe disso. Enquanto se coloca de forma passiva, fazendo parte da
humanidade também vai ser ativa. Deste modo é obvio que além das amarras situacionais, a
mulher deve se desprender das amarras que a cultura lhe impôs se utilizando principalmente
do artifício da má-fé que Sartre tanto denunciou4.
Beauvoir (1980), e a própria realidade da mulher no mundo, nos mostram que ao
longo da história a ela tem sido posta como inferior, a que deve ser guiada pelo ser superior,
ou seja, o homem, pois a mesma tem sido definida com características consideradas
secundárias, especialmente como passiva. Veremos que estas características secundárias que
a mulher ocupa são apenas resultados das situações e deste modo, tendo a mulher também
uma subjetividade e expressando por meios de ações, as situações têm se alterado e as
perspectivas acerca dela também.
Desde o século passado com a obra O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, além
da segunda guerra mundial, esse contexto tem mudado. A mulher passou a discutir mais sua
situação e a ir de encontro com o discurso que a mantinha como inferior. A necessidade de

3
As situações aqui expressas são os aglomerados de condições tanto materiais como psicológicas, num
determinado período da história e grupo que definem uma “personalidade”, um “destino”, conceito apresentado
por Sartre na obra O Existencialismo é um humanismo, p. 31.
4
Má-fé, neste caso, é definida como mentir para si, como forma de aliviar ou mascarar algo que geralmente
desagrada ou camuflar um erro que o faz sentir bem, conceito apresentado por Sartre na obra O Ser e o Nada, p.
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sua mão de obra nas fábricas, ou seja, uma inserção mais efetiva no mercado de trabalho
trouxe, também, esse novo olhar. A mulher começou a questionar, e descobrir-se como ser
que tem possibilidades foi essencial. Ela começou a questionar sobre o porquê de ser
submissa e viver na dependência dos homens, sejam pais, maridos, chefes de estado, sobre o
porquê de não ter direitos perante a lei, de não ter espaço no mercado de trabalho e mais, de
não ter posse de si mesma, de não ter a voz ouvida, não ter algo, algo que a possibilitasse ser o
sujeito na sua história.
No seu estudo sobre a condição da mulher Beauvoir (1980) apontou essa
construção existencialista do sexo feminino, que até então, ao longo dos séculos tinha se
mantido passivo e assim não possuindo nenhuma história, nenhuma construção que o tornava
essencial. A mulher era apresentada sempre como o Outro, a passiva, a contingente, vista
como cheia de defeitos, mas vale lembrar que “nenhum de seus traços manifesta uma essência
ou uma vontade original: refletem uma situação” (BEAUVOIR, 1980, p. 381). Tudo que até
então tinha sido dito sobre a mulher eram definições acertadas pelas situações as quais ela foi
acorrentada.
Este trabalho buscou apontar como se dá a construção da mulher como inferior,
sem possibilidades de escolhas e logo, sem liberdade, e o que de fato caracteriza sua
emancipação no seio da sociedade na qual cresceu a margem, sempre como o Outro, como
aquele que é objeto para o homem, logo definido por ele. Primeiramente buscou-se evidenciar
a partir da obra O Segundo Sexo as ideias de Simone de Beauvoir para o caminhar rumo a
emancipação das mulheres. Depois quais são e como são fases da construção da condição
feminina como inferiores aos homens e sem liberdade ao longo de sua vida. Por fim, apontar
o que tem ocorrido no Brasil atual quanto à situação das mulheres em alguns parâmetros de
abordagem social.
O trabalho encontra-se dividido em três partes:
No primeiro capítulo apresenta-se a definição da filósofa Simone de Beauvoir
acerca da emancipação feminina, mostrando em suas ideias que o caminho seria árduo e
longo, como já temos visto desde que o movimento feminista surgiu.
No segundo capítulo estudou-se as fases da vida da mulher, ou seja, da infância a
velhice e como foi abordado seu papel na sociedade por aqueles que estavam a sua volta,
apresentando como se deu a construção de sua condição dentro das situações as quais era
exposta, tendo como resultado a posição de um ser sem possibilidades de escolhas, sempre
sendo escolhido, guiado pela figura do homem.
13

No terceiro capítulo faz-se uma análise de dados no Brasil do século XXI,


levando-se em consideração as mudanças e permanências da situação da mulher nos campos
educacional, trabalhista, político e da violência de forma a evidenciar os discursos que a
coloca como de menor valor dentro de uma sociedade e as propostas de mudança desse
quadro. E, por fim, têm-se as Considerações Finais e as Referências.
Diante do que foi exposto, esse trabalho tem importância no que tange a discussão
da condição feminina dentro dos âmbitos social e filosófico, apresentando a utilização de
filósofas no ambiente acadêmico, nas leituras e como referências nos trabalhos e a
continuação de estudos voltados para a manutenção de transformações sociais no que se refere
a situação da mulher, neste caso no Brasil. É mais uma tentativa de somar com as mulheres
que desde longas datas têm tentado mudar, minimamente que seja, a perspectiva das
possibilidades para as mulheres, dentro e fora da academia.
14

2. SIMONE DE BEAUVOIR E O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO FEMININA

O ponto crucial para a emancipação feminina parte do entendimento, segundo


Beauvoir (1980, p. 380) de que, no fundo, “todo existente, por mais perdidamente que se
renegue, permanece sujeito”. Isto é, ainda que a mulher esteja numa situação de inferioridade,
imposta e ao mesmo tempo consentida, consentida dentro de um limitador de suas
possibilidades perante os homens, ela continua construindo sua essência ao longo de sua
existência. Deste modo, é antes de tudo na consciência de si como transcendência, como
projeto no mundo, como possibilidades que a mulher iniciará seu movimento de emancipação.
Nye (1995, p. 105) afirma que Sartre define em sua obra que

cada ser humano é um sujeito em busca de transcendência e não há outra justificação


para a existência a não ser esse movimento em direção a um futuro vazio. O pior
mal é cair na condição de objeto ou infligir esse destino a outrem.

É isso exatamente o que ocorre a mulher, ela que, enquanto humanidade é


transcendência. Na luta entre as transcendências homem x mulher, segundo Nye (1995), no
perigo de tornar-se objeto para o outro, que é o receio de qualquer sujeito, o homem a foi
paralisando e domando através da sua subjetividade, tornando-a nisso mesmo que a prejudica.
O homem realizou-se em sua transcendência nos primordiais da humanidade pelo uso da força
na dominação da natureza e colocou, o sexo dito mais fraco, no caso, a mulher como objeto e
assim, ao longo da história, as situações e o uso da má-fé, reiteraram-na nesta condição.
Então, segundo Beauvoir (1980), diante dessas situações que submeteram a
mulher ao homem e, tendo aos poucos com o desenvolvimento social, ela identificado sua
condição e não mais a aceitando, precisa rebelar-se, revoltando-se contra a situação em que se
encontra, pois a revolta

é o único caminho aberto aos que não têm possibilidade de construir o que quer que
seja; cumpre-lhes recusar o limite de sua situação e procurar abrir para si os
caminhos do futuro; a resignação não passa de uma demissão e de uma fuga; não há,
para a mulher, outra saída senão a de trabalhar pela sua libertação. (BEAUVOIR,
1980, p. 393)

Beauvoir (1980, p. 471) é categórica ao afirmar que,

o que falta essencialmente à mulher de hoje, para fazer grandes coisas, é o


esquecimento de si: para se esquecer é preciso primeiramente que o indivíduo esteja
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solidamente certo, desde logo, de que se encontrou. Recém-chegada ao mundo dos


homens, e mal sustentada por eles, a mulher ainda está ocupada em como se achar.

Logo, mesmo que reconheça sua condição e a esteja denunciando perante a


sociedade, ela precisa, agora, começar agir, porque só agindo, ela se colocará, de fato, como
sujeito perante o mundo. A mulher tem que compreender, segundo Beauvoir (1980) que tudo
que foi colocado sobre ela e que a definiu como inferior foi definido pela intervenção do
outro, não cumpre uma natureza, um destino preestabelecido, são resultados de ocorrências
que se tivessem sido postas de outras formas teriam outras consequências. Desde modo, ela
tem que se libertar da situação de submissão, antes de tudo, por suas escolhas, sendo
transcendência, criando possibilidades e a partir disso lutar pelos espaços que lhe foram
negados dentro dos contextos sociais, que antes só eram preenchidos por homens.
Segundo Nye (1995, p. 118),

A mulher independente de Beauvoir quer ser ativa e sabedora, recusando a


passividade que os homens lhe impõem. A mulher independente aceita os valores
masculinos: ela se põe a pensar, atua e cria do mesmo modo que os homens. Ela não
denigre os feitos masculinos que são "muito superiores aos das mulheres”.

São superiores porque até aqui somente eles agiram no mundo. Agora, a mulher
também agirá e agirá porque escolhe assim e não porque o outro impõe, colocando-se como
igual.
Depois de tomar essa consciência de si, a mulher passa a ação e assim, Beauvoir
(1980, p. 449) afirma que ela tenta pela via econômica se libertar: “foi pelo trabalho que a
mulher cobriu em grande parte a distância que a separava do homem; só o trabalho pode
assegurar-lhe uma liberdade concreta”. Porém, defende que apesar da mulher, enfim, alcançar
um lugar no mercado de trabalho, que foi primordial, isso não é o suficiente para torná-la
livre.
Beauvoir (1980, p. 494) previu que as mudanças na situação econômica, ou seja,
na entrada no mercado de trabalho jamais seriam suficientes para a libertação feminina.

Por certo não se deve crer que basta modificar-lhe a situação econômica para que a
mulher se transforme: esse fator foi e permanece primordial de sua evolução; mas
enquanto não tiver acarretado as consequências morais, sociais, culturais etc. que
anuncia e exige, a nova mulher não poderá surgir.
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É preciso entender que a situação do trabalho está ligada a outro fator, a saber, o
desejo, a experiência sexual, e esse, faz parte da natureza humana e nisso se apresenta uma
querela fundamental da libertação da mulher, pois como afirma Nye (1995, p. 110),

A experiência sexual é confrontacional não só porque há outra subjetividade


envolvida, mas porque o que está em questão é a própria parte de si mesmo que é
uma coisa. [...] Sartre apontava a sexualidade como questão filosófica central. Se o
sexo não é um instinto primitivo a ser aplacado, também não é simples reflexo de
relações econômicas. Pelo contrário, a sexualidade vem antes dos órgãos sexuais e
da economia como o modo mais imediato de sobreviver ao conflito entre o eu e os
outros.

Deste modo, a sexualidade se mostra como uma necessidade anterior às situações


e assim, a mulher, que pelas situações foi posta como objeto sexual, ao tentar se libertar pelo
trabalho entra em mais um conflito. Ela pondera, a princípio, em manter sua feminilidade que
está diretamente ligada, num contexto situacional, a sua sexualidade, dando-se ao homem,
sendo objeto e satisfazendo esse desejo sexual que também é seu, ou mudar os rumos e buscar
satisfazer-se em sua profissão, apontando-se como sujeito em sua história.
Ela e o próprio meio ao qual faz parte cria uma ideia de que ao buscar uma
profissão a mulher deixa de buscar sua feminilidade, e nesta situação da sexualidade, a
feminilidade está como um atrativo, um meio de agradar ao homem e adquirir seu amor, sua
atenção. Como a mulher como um ser que também é sexualidade lidará com este conflito?
Beauvoir (1980) expõe, que ainda que seja difícil ela deve se empenhar em seus
empreendimentos profissionais, pois no contexto social da filósofa já era sabido, que, isso não
diminuiria a feminilidade necessária para a satisfação de seus desejos.
Diante dessa ideia da manutenção da feminilidade para satisfação dos desejos
físicos, e observando-se que isso prende as mulheres em suas teias de subserviência, tanto
pela intenção de agradar como pela ideia de ser presa do homem, faz-se preciso mudar as
consciências, pois mudando as consciências mudam-se as situações.

O fato é que os homens começam a conformar-se com a nova condição da mulher;


esta, não se sentido condenada a priori, acha-se a vontade: hoje a mulher que
trabalha não negligencia por isso sua feminilidade e não perde sua atração sexual.
(BEAUVOIR, 1980, p. 455)

E mais,

Uma mulher que desprende suas energias, que tem responsabilidade, que conhece a
dureza da luta contra as resistências do mundo, tem necessidade – como o homem –
não somente de satisfazer seus desejos físicos como ainda de conhecer o
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relaxamento, a diversão, que oferecem as aventuras sexuais felizes. (BEAUVOIR,


1980, p. 456)

É quase uma questão de recompensa, que o homem já recebia e agora a mulher,


que também está no mercado de trabalho deve receber.
Nye (1995. p. 113) aponta que Beauvoir sustentava como fator de emancipação na
experiência sexual que a

distância existencialista insuperável entre amantes — não se trata de que a mulher se


sinta o homem ou o homem se sinta mulher — mas os dois já não mais são hostis. O
homem vê seu prazer como proveniente da mulher, e é, portanto, dependente; a
mulher entrega-se como uma dádiva e é, portanto, ativa e mantém sua dignidade.
Ambos aceitam sua situação, mas ultrapassam-na.

É na troca da satisfação de seus desejos que homem e mulher, conseguem juntos a


autêntica experiência sexual e nisso também se encerra a libertação da mulher de uma
condição de inferioridade. Ambos saem ganhando em tal relação, pois se afirmam enquanto
sujeito.
Dando continuidade as ideias de emancipação feminina, segundo Beauvoir, é
preciso atentar ao fato que em toda sua obra, ela faz uma discussão sobre a relação de
encarceramento da mulher em relação à maternidade e o casamento. Na maternidade, quando
à mulher é vetado o controle de natalidade ou quanto com filhos ela não tem da sociedade
apoio, não tendo direito à licença maternidade e condições sociais para cuidar do filho e
continuar trabalhando, vendo-se obrigada a viver em função deles, ou extremamente
atarefada. E no contrato do casamento, se não for uma relação de igualdade, na satisfação dos
prazeres e liberdade nas buscas profissionais e pessoais e o homem se colocar como
proprietário e dominador da mulher.
Diante disso, Nye (1995, p. 118) expõe que, “o conselho de Beauvoir para as
mulheres foi sempre o mesmo. As mulheres devem trabalhar e, para serem bem-sucedidas,
recusar o casamento e, evidentemente, os filhos”. Afirmação que não pode ser vista como
correta de todo, de fato, que no contexto ao qual Beauvoir5 se encontrava tomar uma posição
mais radical por parte da mulher que se revoltava fazia-se necessário, porém, diferente do que
Nye (1980) afirma, Beauvoir jamais poderia em seu discurso, encerrar as mulheres que já se
encontravam casadas e com filhos, pois a emancipação feminina deve ser uma luta de uma

5
Explicando de forma geral e simplista, Simone de Beauvoir na defesa da emancipação feminina e sendo uma
mulher atípica em relação a passividade, viveu como companheira de Sartre por vida toda, eram companheiros,
nunca se casaram, nunca tiveram filhos e possuíam um relacionamento aberto onde ambos tinham outros
amantes.
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que integre todas, pois, “essa libertação só pode ser coletiva” (BEAUVOIR, 1980, p. 393).
Além da liberdade de escolha daquelas que quisessem satisfação profissional e casamento e
filhos.
Posto isso, é diante de uma consciência de si, na afirmação de sua subjetividade,
primeiramente e depois se lançando para o mundo como ação nos espaços ditos antes
masculinos que a mulher poderá se emancipar. Pois “não é certo que seus “mundos de ideias”
sejam diferentes do mundo dos homens, posto que será assimilando-os que se libertará”
(BEAUVOIR, 1980, p. 483).
Não há na emancipação feminina um rompimento com os homens, isto é
impossível, mas uma afirmação de si como ser humano, logo, mesmo nas diferenças,
igualdade de direitos devem ser buscadas: “libertar a mulher é recusar encerrá-la nas relações
que mantém com o homem, mas não as negar; ainda que ela se ponha para si, não deixará de
existir também para ele” (BEAUVOIR, 1980, p. 500).
Beauvoir, como uma mulher, que teve todas as possibilidades diante de si para se
afirmar, defendeu até o fim, que toda mulher tem o direito a tais possibilidades também, ainda
que não quisesse, jamais deveria lhe ser negada o direito de escolha perante o mundo, pois só
escolhendo o ser humano se faz livre.
19

3. AS FASES DA VIDA DA MULHER E A CONSTRUÇÃO DA CONDIÇÃO


FEMININA

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,


econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade: é o
conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre macho e o
castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir
um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode
apreender-se como sexualmente diferenciada. (BEAUVOIR, 1980, p. 09)

A máxima da filosofia de Simone de Beauvoir acerca da condição feminina vem


para atestar que a afirmação da mulher como inferior não está em nenhum contexto eterno,
fixo ou imutável. O que se verifica é que ao longo de uma construção social, ao longo dos
contratos firmados entre homens e mulheres, as nascidas do sexo feminino têm sido alegadas
pelas situações como inferiores. A filósofa faz em sua obra um apanhado dessas situações
apontando que as mulheres não tiveram espaço real para responder, argumentar e contradizer
as objetivações que foram feitas acerca de sua condição e com isso ficaram presas a um mito
do destino de casta inferior, algo, que como já se sabe, tem mudado, de forma mais acentuada
do século passado para cá.
Apresentar-se-á a seguir, de forma geral, as fases da vida da mulher, segundo
Beauvoir e estudos mais atualizados, onde a partir das situações ela assumirá e terá reafirmada
a condição de desvantagem perante os homens, ainda que dentro de um contexto de
mudanças.

3.1 A infância
Segundo Beauvoir (1980), as situações que foram se apresentando as mulheres
impeliram-nas desde a infância a assumirem uma posição de prejuízo em relação aos homens.
Nessa fase, as meninas são apresentadas a uma realidade diferente dos meninos. É depois da
desmama que de fato os tratamentos diferenciados se apresentam, afirma a filósofa. Ao
menino é colocada uma independência dos adultos que o fará “macho”, será afirmado para

a criança de que é por causa da superioridade dos meninos que exigem mais dela;
para encorajá-la no caminho difícil que é o seu, insuflam-lhe o orgulho da virilidade;
essa noção abstrata reveste para ele um aspecto concreto: encarna-se no pênis; não é
espontaneamente que sente orgulho de seu pequeno sexo indolente; sente-o através
da atitude dos que o cercam. (BEAUVOIR, 1980, p. 13)
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Beauvoir (1980) afirma que mulheres e homens darão ao órgão sexual masculino
um reconhecimento de valor, ainda na infância, que a princípio não se apresentará como
superioridade diante daquela que não o possui, será mais como uma reparação pelo
sofrimento imposto aos meninos depois da desmana. Porém, chegará um momento que esse
tratamento terá como consequência a declaração de que aqueles que possuem pênis são
soberanos em sua espécie. A princípio, a menina também não verá essa valorização e a
ausência do pênis em si como algo bom ou ruim, mas um conjunto de situações aos poucos
vai mostrar que o fato de ser diferente dos meninos faz-lhe ser, também, inferior a eles e esse
sentimento aos poucos, assim, como o sentimento de superioridade nos homens, será
inculcado nas mulheres.
Aos poucos, expõe Beauvoir (1980), ao menino é dado poder, primeiramente
colocado nele pela valorização do seu órgão genital. Depois, há um incentivo em suas
empreitadas, brincadeiras e jogos que o permitem sentir-se um dominador, um conquistador
dos espaços, da natureza e de suas relações. Enquanto que as meninas serão incorporadas ao
mundo feminino, ensinadas a serem mulheres, aprenderão a limpar, cozinhar, cuidar da casa,
a serem delicadas, passivas, contidas, arrumadas e perfumadas, preparando-as para um “futuro
feliz”.
Finco e Viana (2009), afirmam que desde muito cedo as crianças são estimuladas
a desenvolverem habilidades e capacidades distintas entre meninos e meninas, vejamos bem,
desenvolverem, elas não nascem com essas habilidades definidas. Todos esses fatores vão se
relacionando de forma a corroborar com os sentimentos de superioridade do menino e
inferioridade da menina. Beauvoir coloca que,

Assim, a passividade que caracterizará essencialmente a mulher “feminina” é um


traço que se desenvolve nela nos primeiros anos. Mas é um erro pretender que se
trata de um dado biológico: na verdade, é um destino que lhe é imposto por seus
educadores e pela sociedade. A imensa possibilidade do menino está em sua maneira
de existir para outrem encorajando-o a pôr-se para si. Ele faz o aprendizado de sua
existência como livre movimento para o mundo. (BEAUVOIR, 1980, p. 21)

A menina vai sendo educada para ser passiva, ficando à ela a fragilidade, a
faceirice, a espera, o capricho, enquanto ao menino fica a coragem, a força, a rigidez, o
descuido, a escolha. A menina vai se tornando um objeto, que deve agradar, pois só
agradando encontrará um bom destino.
Viana e Finco (2009, online) afirmam que,
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homens e mulheres adultos educam crianças definindo em seus corpos diferenças de


gênero. As características físicas e os comportamentos esperados para meninos e
meninas são reforçados, às vezes inconscientemente, nos pequenos gestos e práticas
do dia-a-dia na educação infantil (Finco, 2003). Por exemplo, a forma como a
família ou a professora conversa com a menina, elogiando sua meiguice ou como
justifica a atividade sem capricho do menino. O fato de pedir para uma menina a
tarefa de ajudar na limpeza e ao menino para carregar algo já demonstra como as
expectativas são diferenciadas. O que é valorizado para a menina não é, muitas
vezes, apreciado para o menino, e vice-versa.

Seja em casa, na escola, no parquinho ou qualquer outro ambiente é afirmado e


defendido um comportamento diferente para o menino e para a menina. Um estereótipo
diferente, que vai da cor da roupa, do corte ou penteado do cabelo, dos brinquedos fabricados,
desenhos e filmes produzidos etc., diferenças que parecem inofensivas, mas que reproduzem
comportamentos de segregação, vinculadas as ideias de superioridade e inferioridade entre
meninos e meninas.
Beauvoir (1980) reforça outra característica que reitera a ideia de inferioridade nas
meninas, a relação percebida em casa de poder entre o pai e a mãe, onde, ainda que a
princípio, na infância, as crianças pensem ser a mãe aquela que domina o espaço familiar, será
percebido ao longo do seu crescimento que não é a mãe, mas o pai que detém o poder de
dominação.6
E de fato, o que se percebe é que “tudo contribui para confirmar essa hierarquia
aos olhos da menina. Sua cultura histórica, literária, as canções, as lendas com que a embalam
são uma exaltação do homem” (BEAUVOIR, 1980, p. 30).
Todas as atitudes foram fundamentais para desde essa fase da vida colocar a
menina no lugar de menina, de objeto, logo passiva.
Mesmo que a consciência social esteja mudando e alguns comportamentos
estejam deixando de ser vinculados a apenas um ou outro sexo, ainda é muito forte nessa fase
da vida essa demarcação, onde, para a menina acabam sendo vetadas muitas possibilidades no
mundo, simplesmente por terem nascido fêmeas. Ela apreende que,

A esfera a que pertence é por todos os lados cercada, limitada, dominada pelo
universo masculino: por mais alto que se eleve, por mais longe que se aventure,
haverá sempre um teto acima de sua cabeça, muros que lhe barrarão o caminho.
(BEAUVOIR, 1980, p. 39)

Ao longo do desenvolvimento essa diferenciação tentará e poderá ser confirmada.

6
As novas estruturas familiares, de certa forma, minimizam esse quadro de associação de poder.
22

3.2 A juventude
Beauvoir (1980, p. 98) coloca que, na juventude, a moça percebe que uma “é
condição penosa saber-se passiva e dependente na idade da esperança e da ambição, na idade
em que se exalta a vontade de viver e de conseguir um lugar na terra”. Certamente essa era a
condição que vigorava, enquanto que atualmente são dadas às jovens mais oportunidades.
É na juventude que ocorrem mudanças cruciais na vida de uma mulher com
referência ao seu corpo7 e, assim, muitas indagações, temores, conflitos farão parte de sua
rotina. A adolescência8, segundo Trindade, Martins e Almeida (2003, p. 555) é “um período
no qual o indivíduo vive uma situação marginal, na qual novos ajustamentos devem ser feitos
entre o comportamento de criança e o comportamento de adulto”.
Beauvoir (1980) afirma que, enquanto a jovem vai se preparando para a fase
adulta seu corpo se torna mais frágil, sensível, parecendo-lhe um fardo e nisso ela abre mão
de fazer-se presente em atividades que ainda na infância lhe serviam, mesmo diante de várias
privações, como forma de afirmar-se como transcendência no mundo, e assim mais uma
diferenciação entre o homem e a mulher vai sendo instaurada, pois,

Um pode pôr o mundo em discussão sem cessar, pode a cada instante insurgir-se
contra o que lhe foi dado e tem, portanto, a impressão, quando o aceita, de o
confirmar ativamente; a outra não faz senão suportá-lo: o mundo define-se sem ela e
tem um aspecto imutável. (BEAUVOIR, 1980, p. 69)

O jovem pode se afirmar através do seu corpo, enquanto a jovem isso é negado.
Beauvoir (1980) diz que nessa fase, a distância que se abre entre o homem e a mulher tornar-
se cada vez maior; enquanto para o homem há uma comunhão entre sua condição humana e
seus propósitos viris, para a mulher sua feminilidade e a condição humana se apresentam em
total desacordo. Tornando deste modo a adolescência um momento tão importante na
formação da consciência social sobre a mulher.
Beauvoir (1980) expunha, no século passado, que nesta fase da vida a mulher
perderia terreno no campo intelectual, pois não seria incentivada por sua família aos estudos,
acumularia as tarefas dos afazeres da casa, das atividades impostas na formação de sua
feminilidade e o seu desejo por uma profissão, que ficaria renegado ao segundo plano.

7
No caso das meninas as mudanças visuais são a chegada da menstruação, o desenvolvimento das mamas,
cintura afina, quadril aumenta, surgem os pelos, o crescimento acelera e a voz afina, basicamente, segundo
Paixão (2016).
8
“Cronologicamente, a adolescência é o tempo que se estende, aproximadamente, dos 12 ou 13 anos até os
20/21/22 anos, com grandes variações individuais e culturais” (MARTINS, TRINDADE E OLIVEIRA, 2003, p.
555 ).
23

Enquanto o jovem poderia ser livre de coerção na busca de realização profissional que é
afirmação de sua virilidade. Hoje em dia o quadro se alterou, ainda que a responsabilidade dos
afazeres da casa fique principalmente com as mulheres, as famílias têm incentivado de forma
“idêntica” ambos a estudarem, reforçando o comportamento de busca por um futuro melhor,
que está ligado principalmente a um futuro profissional, ainda que o peso de conquistar um
casamento seja mantido sobre as mulheres.
Há nessa fase também, segundo Beauvoir (1980), a vocação para apropriar-se do
mundo, onde o brilho da vida, a vontade, a esperança, fazem parte de si, impelindo-lhe às
ações e ao mesmo tempo, para a mulher, há o confronto entre essa vocação, que é aceita para
o homem e o desejo de manter sua feminilidade e tudo que está implicada nela. A jovem quer
conquistar o mundo e também manter as características de uma feminilidade. Hoje em dia, ela
tem mais êxitos nesse propósito.
É ainda na juventude, segundo a filósofa, que nas moças, geralmente são
apresentadas tendências lésbicas, vividas nas relações de amizade, que se configuram como
uma adoração de si mesmas, de sua feminilidade (narcisismo), mas que são apenas etapas e
serão ultrapassadas, em sua maioria, se claro, não vier a configurar um quesito de orientação
sexual, tópico que não será abordado neste estudo. “É que há conflito entre o narcisismo da
jovem e as experiências a que a sexualidade a destina. A mulher só se aceita como inessencial
com a condição de se reencontrar como essencial em sua abdicação” (BEAUVOIR, 1980, p.
89). Percebe-se neste ponto uma defesa da descoberta de sua sexualidade, onde a jovem quer
satisfazer-se, mesmo sabendo-se presa.
Nessa fase, Beauvoir (1980, p. 92) coloca que a jovem pode apresentar também
tendências sadomasoquistas “que são, ao mesmo tempo, uma antecipação da experiência
sexual e uma revolta contra ela”, afinal, ela acredita que ao entregar-se ao homem, aceitará de
certa forma sua superioridade, e também há um sentimento de nojo que ela tenta superar. Há
ainda a possibilidade de apresentar tendências cleptomaníacas, acreditando, que a apropriação
indevida de objetos afirma de certa forma, sua autonomia, sua característica de sujeito, na
tentativa de negar o destino que lhe espera. Fases essas, que em sua maioria, passarão, na
aceitação inevitável da mulher de seu destino ou pelo simples fato de passar da adolescência.
Vale ressaltar, que o lesbianismo aqui dito, o sadomasoquismo e o cleptomanismo se
apresentam como formas de preencher algo na jovem, que são causados, geralmente, pelo
sentimento de inferioridade que lhe foi infligido. Le Breton (2010, p. 26) afirma o
sadomasoquismo na adolescente,
24

A mulher internaliza sua consternação, traduzida mais facilmente em fragilidade,


indo ao encontro dos critérios de sedução que são impostos a ela. Mas direcionando
seu sofrimento (aquele que existe em sua vida) contra a sua própria pele, a mulher
rejeita também o modelo de sedução que a sufoca e que faz de sua aparência o
principal critério de avaliação sobre quem ela é, enquanto homem é julgado
sobretudo pelos seus feitos. Ela diz exatamente que está sempre à flor da pele. E que
às vezes não aguenta mais, riscando-a com gestos raivosos, buscando se livrar de
uma identidade feminina que cola em sua pele mas que ela não mais suporta.

Para Beauvoir (1980), no erotismo, outro conflito na juventude se apresenta,


enquanto para o homem a relação sexual é afirmação de si, para a mulher se apresentará pelo
sentimento conflitante entre o amor de si, ser a realização de seus prazeres, afirmação de si e a
perspectiva futura real de tornar-se presa diante do homem.

É preciso não esquecer que o adolescente e a adolescente sentem o corpo de maneira


diferente: o primeiro o assume tranquilamente e reivindicar-lhe orgulhosamente os
desejos; para a segunda, a despeito de seu narcisismo, esse corpo é um fardo
estranho e inquietante. (BEAUVOIR, 1980, p. 124)

No século passado a fase sexual, de acordo com o que foi exposto por Beauvoir
(1980), iniciava-se principalmente para as mulheres na fase adulta, dentro do contexto
matrimonial e com o objetivo de formar uma família, ou seja, ter filhos. Porém nas últimas
décadas houve uma antecipação desse momento e assim, a iniciação sexual acontece na
juventude tanto para os homens como para as mulheres. Segundo Taquette e Vilhena (2008, p.
106),

Fatores biológicos, psíquicos, sociais, entre outros, interferem na sexualidade. A


baixa idade da menarca/semenarca pode favorecer a antecipação do primeiro coito,
já que os hormônios pubertários intensificam o desejo sexual. Em relação ao
desenvolvimento psíquico, a adolescência é uma fase de definição da identidade
sexual, em que há experimentação e variabilidade de parceiros.

Ainda assim, é preciso atentar para o fato de que a iniciação sexual tornou-se
precoce, mas os fatores que englobam essas relações, quase na totalidade, se mantêm os
mesmos. Para o homem a iniciação sexual se faz como uma prova de sua virilidade, um rito
de passagem, que o torna “macho”, pois ele toma uma mulher para si, não necessitando de
uma relação afetiva para ocorrer, apenas de um corpo feminino, enquanto que para a mulher a
iniciação sexual se faz através, majoritariamente, de uma relação afetiva, onde a maioria das
jovens subordina a relação sexual à “promessa” do casamento (TAQUETTE E VILHENA
2008).
25

Logo, as diferenciações na vivência sexual do homem e da mulher, mesmo com


maior liberdade incontestável para elas, ainda se apresentam.
Ocorreram mudanças na relação que a jovem fazia e faz do seu corpo e da busca
pela satisfação de seus prazeres, porém, ainda persiste o pensamento cultural de preservação
da virgindade da mulher até o casamento, como um valorativo feminino, e uma submissão de
seus desejos e vontades perante os desejos e vontades dos homens, posto por desígnios
sociais.
De fato, na juventude “uma mulher já passou por penosas provações: puberdade,
regras, despertar da sexualidade, primeiras inquietações, primeiras febres, medos, nojos,
experiências equivocas” (BEAUVOIR, 1980, p. 1995) e agora, também a iniciação sexual e
foi-lhe incutido por uma moral social que quanto mais impassível, amorosa, bonita, senão,
bem alinhada, com bons modos, prendada e de preferência virgem até o casamento, mais
reconhecimento terá ao entrar na idade adulta, isso no século passado e também atualmente,
com algumas mudanças, dentre elas o estimatório de possuir, agora, uma qualificação e
desejos profissionais no intuito de agregar financeiramente quando constituir sua família e, de
certa forma, maior liberdade sobre seu corpo.

3.3 A idade adulta


Na fase adulta, ocorreram mudanças muito importantes para as mulheres do
século passado para cá, foi no quesito profissional que elas buscaram se forcar nas últimas
décadas. É nesta fase da vida que a mulher irá firmar-se na carreira escolhida, porém as
diferenciações entre ela e o homem continuarão, em muitos quesitos, a se apresentar. Em
geral, ainda que a mulher tenha a mesma qualificação que o homem, seu salário será menor e
como ela será vista dentro do ambiente de trabalho, também será de forma inferiorizada,
duvidarão de sua capacidade por ser mulher.9
Diante dessa nova busca da mulher na idade adulta, ela terá como um dos
principais dilemas a conciliação entre suas ambições profissionais e o desejo/responsabilidade
de constituir e cuidar de uma família. Pois, mesmo diante de toda discussão, para a sociedade
e boa parte das mulheres, serão no casamento e na maternidade que ela será de fato feliz.
Dentro do casamento, ainda que haja a emancipação feminina pelo trabalho, as
diferenças entre o homem e a mulher continuam sendo acentuadas. A começar pela ideia de
que para que uma mulher seja bem-sucedida e feliz, deve ter um marido, enquanto ao homem

9
Confirmaremos tais afirmações no próximo capítulo.
26

é dito “natural” realizar-se profissionalmente primeiro e depois pensar no casamento. Ainda, o


homem é apresentado como sendo o responsável pelas despesas do lar, algo que sempre lhe
afirmou como independente, enquanto que à mulher, mesmo que também trabalhe fora, há as
responsabilidades com a casa, o marido e os filhos. Ele, trabalhando, é o chefe da família, ela
trabalhando, “ajuda” nas despesas. Nessa relação há uma ideia de propriedade, onde o homem
é o proprietário e a mulher e os filhos são suas propriedades.
Também é nessa fase que se apresenta uma das situações mais importantes para a
condição feminina, vista pela biologia como seu dom “natural”, a maternidade. Desde sua
infância, segundo Beauvoir (1980), a ideia da maternidade vem como uma recompensa por
todos os esforços da mulher em negar-se, tornando-se objeto, passiva.
Não negamos a beleza de uma maternidade bem quista, dentro de uma situação de
desejo por um filho e satisfação em criá-lo. Mas, na perspectiva dessa discussão, um filho se
apresenta a mulher, muito mais que ao homem como uma prisão ou limitador. É
principalmente a mulher, muito mais que o homem, que sente em sua vida o terror de uma
maternidade indesejada e quando não possuindo a possibilidade de um aborto aceito por lei,
que é a maioria dos casos, é a sua vida que põe em risco. Segundo Beauvoir (1980), no ato de
abortar, como a mulher tomou a ação, ela é a responsável pelo fim da gravidez, o homem, se
coloca pelo uso da má-fé, como a parte do problema. Assim, ela é a julgada, muito mais que
ao homem caso aborte, engravide fora do casamento ou abandone um filho, vista como uma
perturbadora da moral e dos bons costumes.
Para a mulher, segundo Beauvoir (1980, p. 262), que cumpre em levar sua
gravidez até o fim,

é principalmente um drama que se desenrola entre si e para si; ela sente-o a um


tempo como um enriquecimento e uma mutilação; o feto é uma parte de seu corpo e
um parasito que o explora; ela o possui e é por ele possuída; ele resume todo o
futuro e, carregando-o, ela sente-se ampla como o mundo.

Essa relação tem caráter de transcendência e imanência ao mesmo tempo. Na


gravidez a mulher se faz sujeito e também é objeto.
O parto se mostrará para cada mulher de maneira diferente, assim, como a relação
de primeiro contato com seu filho. Algumas sentirão a estranheza daquela que era em si e
agora é outro, e a maravilha de ter dado “vida” a esse ser. Algumas criarão laços no primeiro
instante, outras acolherão aos poucos essa nova existência. Com isso, Beauvoir (1980)
apresenta argumentos para negar uma ideia de “instinto materno”, posta, como foi dito acima
27

como um dom “natural” da existência fêmea da espécie humana. Os conjuntos de situações


definirão a atitude da mãe perante o filho, isso nada tem a ver com um dado fixo.
Durante o crescimento dos filhos as diferenciações entre homens e mulheres
também serão postas à vista, a mulher cuidará dessas crianças, dando-lhes instruções e
cuidado; em sua esmagadora maioria, o homem, manterá economicamente o lar e chefiará
como deus, distante, mas consciente, pela voz da mulher, os acontecimentos domésticos.
Nessa fase ele se reafirma como superior, quando consegue mesmo com menos
qualificação ganhar mais que uma mulher, quando no casamento a mulher é colocada, ainda,
como propriedade e sua independência financeira é vista como “ajuda” nas despesas, quando,
mesmo trabalhando, ela deve se dividir em várias, para dá conta de sua vida profissional e o
cuidado da casa e dos filhos, sendo deste modo, ainda encarcerada na condição de inferior.

3.4 A velhice
Primeiramente, faz necessário afirmar que ocorre nos dias de hoje uma
transformação social em relação a esta fase, onde,

A conquista da longevidade associada à queda da natalidade é um fenômeno real,


provocando mudanças na agenda dos programas de governo, diante do
reconhecimento da inviabilidade de qualquer projeto em que seja desconsiderado o
delineamento do novo perfil etário da população mundial. (BELO, 2013, online)

Desta forma, é fato que a população idosa tem aumentado em proporção ao


número de nascimentos, fazendo com que as sociedades tenham uma nova configuração.
Partindo de forma mais precisa para a mulher nesta fase, Belo (2013, online)
coloca que em qualquer população envelhecida as mulheres são maiorias e sendo do gênero
feminino, elas “vivem as desvantagens acumuladas ao longo de uma vida de discriminação e
desigualdades estruturais”. Por ganharem durante a vida toda salários menores que dos
homens, suas aposentadorias também serão menores, por viverem em geral mais que os
homens, cuidarão do marido e dos filhos e em muitos casos são a maior taxa de idosos que
vivem sozinhos e por preconceito social, sendo mulheres, têm maiores dificuldades de
recomeçar uma vida conjugal (BELO, 2013).
Além do dito acima, Beauvoir (1980) defendia, que neste momento a mulher
deixaria de lado algo que passou as outras fases moldando e mantendo, sua feminilidade. Pois
é na velhice que não poderá mais vivenciar a “justificação de sua existência e suas
possibilidades de felicidade” (BEAUVOIR, 1980, p. 343), fato que se inicia ainda na
28

menopausa, ou seja, no cessar de sua fecundidade, que está ligada, situacionalmente,


diretamente a ideia de feminilidade nas mulheres. Dessa forma, as mulheres sentiriam de
forma brutal o período da menopausa.
Hoje, há uma busca por manter o maior tempo possível características ligadas a
feminilidade, especialmente, conceitos de beleza e jovialidade, através de produtos e serviços
de beleza, além das cirurgias estéticas, algo que corrobora, em parte com o que é afirmado por
Beauvoir.
Segundo Beauvoir (1980), o homem, não terá os mesmos temores da mulher, ele
sabe de sua finitude, da degradação de seu corpo e sua força, mas compreende que durante
toda sua vida pôde realizar seus projetos, vivenciando suas escolhas, teve a liberdade de fazer
aquilo que queria, assim, envelhece de forma muito mais tranquila que a mulher. Essa sabe,
que não é o corpo que mais a atormenta e sim a consciência que foi feita de si como objeto. A
ela foram vetadas as possibilidades de realizar-se nas fases mais propicias e agora o tempo é
curto, a mulher se assusta com essa “revelação”, ela se olha e percebe que o tempo passou.
Beauvoir (1980) afirma que a velhice se mostra para a mulher como a fase das
redescobertas, pois neste momento ela deixa de ser objeto erótico 10 , recebe um pouco de
autonomia e na maioria dos casos, não sabe lidar com isso. Na velhice, que é o momento da
vida de uma mulher que ela tem certo nível de independência é também a fase que “falta-lhe o
entusiasmo, a confiança, a esperança, a cólera que lhe permitiriam descobrir novos objetivos
ao redor de si” (BEAUVOIR, 1980, p. 361), características que tinha na infância e juventude,
mas que foram, de certa forma, tolhidas.
Logo, será nesta fase, quando os filhos já tiverem crescidos e não mais a mulher
tiver que ser somente sacrifícios, e quando seu corpo já não for mais um objeto erótico, uma
máquina de reprodução que

Infelizmente, na história da mulher repete-se o fato que constatamos durante toda a


história da mulher: ela descobre essa liberdade no momento em que ela não tem
mais o que fazer dela. Essa repetição nada tem de acaso: a sociedade patriarcal deu a
todas as funções femininas a figura de uma servidão; a mulher só escapa da
escravidão no momento em que perde toda eficiência. (BEAUVOIR, 1980, p. 351)

E agora sem forças para tomar seu destino nas mãos, ela não mais construirá, se
projetará, terminará seus dias na mais extrema passividade, justificada por aquilo que as

10
Vale ressaltar que deixa de ser objeto erótico, mas não deixa de possuir desejo sexual, vários estudos rompem
com o mito da falta de atividade/desejo sexual na velhice.
29

situações fizeram dela. A elas as possibilidades são negadas e dessa forma as mulheres foram
se construindo ao longo dos séculos, da história.
E assim se firma, pelas situações colocadas às mulheres, que “em nenhuma idade
de sua vida ela consegue ser ao mesmo tempo eficiente e independente” (BEAUVOIR, 1980,
p. 362), pois repete seus dramas na sombra dos homens. Durante toda a vida serão tiradas as
possibilidades de empreendimentos, de criar seus objetivos, ou se os criarem, ainda serão
pautados como secundários, pois a primazia é do sexo masculino.
A mudança comportamental nas criações, de formas de incentivos para um ou
outro sexo é o principal caminho, socialmente, para desde a infância a velhice estimular na
mulher a consciência de igualdade perante os homens.
30

4. A MULHER NO BRASIL DO SÉCULO XXI

Nos dados apresentados a seguir, faz-se um panorama simples, sucinto, mas


pontual dentro dos campos da educação, do trabalho, da política e da violência no que se
refere a situação da mulher no Brasil neste início de século, observando períodos variados
dentro de cada perspectiva.

4.1 Dados da Educação

Fazendo um breve apanhando de alguns dados do IBGE, podemos observar como


a situação das mulheres no Brasil tem se apresentado no campo da educação do ano de 2004
ao ano de 2014. A princípio, destaca-se que o número de mulheres no país é superior ao de
homens.

Em 2014, a razão de sexo foi de 93,9 para o Brasil, sendo que a composição da
população por sexo foi de 51,6% de mulheres e 48,4% de homens. Percebe-se que
em todas as Regiões Metropolitanas, em 2014, a razão de sexo foi inferior a 100,0,
ou seja, apresentavam maior concentração de mulheres que homens. (SÍNTESE...,
2015, online)

Porém sabe-se que,

Em todos os países do mundo nascem mais homens do que mulheres, geralmente em


uma proporção de 105 nascimentos de meninos para cada 100 meninas, a chamada
razão de sexo ao nascer. Como a mortalidade dos homens é maior para cada idade, a
proporção de homens tende a diminuir com o aumento da idade. Por esse motivo,
uma população que possui uma maior idade média tende a possuir uma menor razão
de sexo. (SÍNTESE..., 2015, online)

Com este primeiro dado geral sobre o percentual de homens e mulheres na


população, parte-se para as mudanças no que se referem às mulheres na educação. Foi
observado que a taxa de jovens que concluíram o ensino médio aumentou e que desses “a taxa
de conclusão do ensino médio era de 54,9% em 2014 para os homens, enquanto que para as
mulheres essa taxa atingiu 66,9%, 12,0 pontos percentuais acima da dos homens”
(SÍNTESE..., 2015, online). As mulheres são aquelas que mais concluem o ensino médio e
também são elas que mais buscam um ensino superior. Os dados da pesquisa mostram que na
década pesquisada a mulher sempre esteve mais presente nas universidades. Em 2004 elas
representavam 36,4% enquanto que os homens não passavam de 30% e no ano de 2014 elas
31

passavam de 70% enquanto que eles não chegavam a 54%. Percebe-se assim, que ainda que
historicamente os livros e a erudição tenham sido negados às mulheres, no Brasil, aos poucos
elas têm mudado esse quadro, buscando qualificar-se, adentrando nos espaços educacionais
que antes eram predominantemente masculinos, passando a ocupá-los da mesma forma ou até
mais que eles.

4.2 Dados do Trabalho


No Brasil, os dados do mercado de trabalho também têm apresentado certas
mudanças, constatou-se que,

o crescimento da inserção feminina no mercado de trabalho também é evidenciado


pela variação da população ocupada - PO que avançou 21,9%, enquanto o aumento
da população masculina efetivamente no mercado de trabalho foi de 16,3%.
(SÍNTESE..., 2015, online)

Mas também elas continuam sendo as principais responsáveis pelos trabalhos


domésticos.

Em 2014, 90,7% das mulheres ocupadas realizavam afazeres domésticos e de


cuidados. Um quadro que pouco se alterou nos últimos anos considerando que, em
2004, este percentual era 91,3%, o que mostra que a maior participação das
mulheres no mercado de trabalho não implica numa substituição de trabalho e sim
no acúmulo. (SÍNTESE..., 2015, online)

Neste ponto podemos afirmar que as mulheres continuam sendo a classe


explorada no âmbito do lar, as tarefas domésticas, como lavar, passar, limpar, cozinhar e os
cuidados com os filhos são, ainda que as despesas da casa sejam divididas, das mulheres.
Observou-se na pesquisa que a taxa de mulheres desempregadas é grande e que
nesse aspecto as mulheres só perdem para os jovens, sendo que as mulheres jovens são
aquelas com maiores dificuldades para adentrarem no mercado de trabalho. Esse dado,
segundo a pesquisa, é preocupante não só no Brasil, mas em todo o mundo. Mesmo diante
dessa taxa alarmante de desemprego, algo muito importante tem acontecido para as mulheres
como um todo, pois,

apesar do maior, desemprego feminino, observa-se uma melhora na qualidade do


emprego delas, visto que no período de 2004-2014 houve um aumento de 60,0% no
número de mulheres ocupadas em trabalhos formais, sendo que na população
masculina essa variação foi de 43,6%. Em contrapartida, houve uma redução de
7,6% no contingente de ocupados em trabalhos informais, o que reforça este aspecto
positivo na década de geração de empregos de maior qualidade para uma população
32

mais escolarizada. E esse crescimento da formalidade, de certa forma, tem


repercutido no indicador de evolução do rendimento real, considerando que foram as
mulheres que apresentaram os maiores ganhos na última década. (SÍNTESE..., 2015,
online)

Os dados nos mostram que a situação das mulheres no país tem mudado em
alguns segmentos, elas são as que mais se qualificam, logo, tem avançado no mercado de
trabalho e sabe-se que sua referência nos lares, como aquelas que mantêm financeiramente a
casa, também está em destaque.
Porém, em nosso país, apesar dessas mudanças, em muitas outras perspectivas as
situações se mantém como eram em décadas passadas, por exemplo, ainda que as mulheres
tenham obtido expressividade na inserção no mercado de trabalho, seus salários continuam
sendo inferiores aos dos homens, em 2014 foi constatado que as mulheres ocupadas recebem
em média 74% do rendimento médio dos homens. Em relação aos cargos de direção as
mulheres ainda são, mesmo que qualificadas, discriminadas, dados do Relatório Anual
Socioeconômico da Mulher (RASEM) de 2014, segundo Andrade (2016), apontam que
apenas 36% dos cargos de direção em diferentes ramos são ocupados por mulheres. E que em
um estudo feito pela empresa de auditoria e consultoria Grant Thornton em 2015, das 150
empresas pesquisadas “no país, nenhuma possuía mulheres na presidência ou vice-
presidência, e apenas 5% das executivas eram diretoras” (ANDRADE, 2016, p. 36), colando o
Brasil na terceira posição entre os países que menos incentivam as mulheres aos cargos de
chefia nas empresas.
Andrade (2016) apresenta dois motivos como principais barreiras para que as
mulheres não alcancem melhores padrões no mercado de trabalho, primeiro é a relação delas
como suporte da família, cuidado com os idosos da família, maridos, companheiros e filhos,
mas o principal seria o segundo motivo, que é a descriminação por gênero, ou seja, o fato de
não alcançarem, não serem incentivadas por êxitos trabalhistas simplesmente por serem
mulheres.
Tais dados nos levam a perceber que as portas do poder que a independência
econômica traz ao indivíduo são bem protegidas, no intuito de manter o homem como
dominador do campo econômico, afirmando assim a necessidade da mulher continuar na luta
por esse espaço, afinal, ela já tem conseguido se afirmar como capaz e competente em pé de
igualdade.

4.3 Dados da Política


33

No campo político, a mulher também ainda tem sido mantida segregada, mesmo
que na última década tenha sido eleita a primeira presidenta da história no Brasil, em 2010. O
número de mulheres na câmara não chega a ter real expressividade, embora as mulheres sejam
a maioria dos eleitores, representando 51,4% da população votante, segundo dados do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso nos leva a perceber que a discriminação política em
relação ao sexo feminino é grande. Porém, há uma alteração, pequena, mas significativa em
alguns dados.
Dados do TSE de 2016 apontam que 31,60% dos candidatos às eleições de 2016
para cargos de vereador (a) e prefeito (a) eram de mulheres, ou seja, 3 em cada 10 candidatos,
enquanto que em 2008 não passavam de 22% para os cargos, ou seja, menos de 2 em cada 10.
Ainda, enquanto em 2006 duas mulheres se candidataram à presidência do país em 2014 três
mulheres concorreram ao cargo.
Nos partidos os números também se modificaram, enquanto que na eleição de
2008, entre 15.258 coligações inscritas, 12.266 tinham menos de 30% de mulheres e que
1.099 não tinham nenhuma candidata a vereadora, em 2016 das 25.741 coligações, 2.751
tinham menos de 30% de mulheres, e todas as coligações possuíam candidatas para o cargo de
vereadora. Observou assim, que houve um aumento no número de mulheres eleitas em 60%
das capitais brasileiras, se bem que nas 5.570 apenas 52 mulheres foram eleitas prefeitas, na
última eleição.
Porém, mesmo com essa melhor expressividade, observa-se que as mulheres
ocupam apenas 10% e 14% das cadeiras da câmara dos deputados e Senado, respectivamente.
Isso se deve, também, a falta de incentivo político recebido pelas mulheres para concorrer aos
cargos, pesquisa do Datafolha do ano de 2016 apontou que os candidatos homens recebem
30% a mais de verba do que as mulheres. Inclusive, afirma que,

o principal motivo alegado pelas próprias mulheres para não se candidatarem é a


falta de apoio dos partidos políticos (com 41% das respostas). A falta de interesse
por política aparece em segundo lugar (23%), e a dificuldade de concorrer com
homens em terceiro (19%). A falta de apoio da família e as tarefas domésticas são
pouco citadas, ficando apenas com 6 e 5% das respostas respectivamente.
(MONTEIRO; LINHARES, 2016, online)

Mostrando que o incentivo político, mais que qualquer motivo, leva as mulheres
a essa falta de participação política. Podemos especular que essa falta de incentivo se deva
principalmente pela discriminação de gênero, fator que já se mostrou muito importante nas
questões de desigualdade de gênero no campo trabalhista também.
34

Pelos motivos dessa falta de representatividade feminina na política foi criada a


Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, que altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de
1997, que sanciona em seu Art. 10, “§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas
neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o
máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.” Dessa forma, buscando
trazer uma igualdade de representação de sexo ao meio político. Especula-se aqui também,
que, mais que uma igualdade de sexos é uma tentativa de trazer, de fato, a mulher à atividade
política nacional, pois, é explícito que, ainda que tal lei esteja em vigor, às coligações, em sua
maioria, preencham minimamente a proporção citada, estando nesse percentual mínimo às
candidatas do sexo feminino, crê-se mais, por uma questão de obedecer à lei do que por
questões de mudança de pensamento em relação a problemática exposta.
Deste modo, percebemos que o campo político ainda se mostra muito aquém de
uma igualdade de gênero, mesmo que a distância, que separava homens e mulheres nas
disputas, tenha diminuído. Esse número ainda é muito pequeno, enaltecendo que o olhar
social sobre as mulheres neste campo pouco mudou. Enfatizando a importância de aumentar a
abrangência representativa e leis que incentivem, nesse campo, a participação das mulheres.

4.4 Dados da Violência


Embora atualmente o discurso em vigor seja por respeito e igualdade de gênero,
alguns dados têm deixado bem claro como a mulher é subjugada socialmente, e os dados da
violência são os que mais assustam. Observou-se que no Brasil o número de agressões contra
as mulheres é alarmante, as pesquisas apontam que 70% das mulheres já sofreram algum tipo
de violência simplesmente por serem mulheres, ou seja, sofreram uma violência de gênero,
levando em consideração violência psicológica, social, simbólica, sexual, patrimonial e física,
segundo o ensaio Meu corpo não é seu: desvendando a violência contra a mulher (2014).
Os dados do Ministério da Saúde de 2013 mostram que as mulheres são as
maiores vítimas de violência sexual e doméstica, somando 72% dos casos. E os dados são
ainda mais enfáticos ao afirmar que o principal agressor é o parceiro ou o ex-parceiro. O
Balanço 2015 do Ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher (SPM, 2016) apresentou que
a relação afetiva se faz presente em 72% dos casos denunciados. Também apontou que as
agressões acontecem de forma diária ou semanal em 74% dos casos, ou seja, a repetição da
violência tem se mantido, não há uma mudança no quadro e a mulher padece física e
psicologicamente nessa relação.
35

Outro dado marcante aponta que, por hora, cinco mulheres são estupradas no país,
no entanto só 10% dos casos são denunciados (MENA, 2016). A mulher, que é posta como
objeto sexual, sofre violência sexual de forma banal todos os dias, uma informação bastante
pertinente acerca desse dado é que a vítima ainda é vista como culpada da agressão por causa
suas atitudes, como a roupa que veste ou o fato de andar sozinha em determinados locais e
horários. Pesquisa do Datafolha de 2016 aponta que 41% dos homens e 32 % das mulheres
concordam com a frase “mulheres que se dão respeito não são estupradas”, 30% dos
brasileiros, ou seja, homens e mulheres, segundo a pesquisa, culpam de alguma forma a
mulher pela agressão sexual sofrida, sinalizando desta forma como o gênero feminino é posto
pela sociedade como objeto sexual, propriedade do homem, dentro de uma sociedade
predominantemente caracterizada pelo machismo e patriarcalismo.
Outros dados apontam igualmente que há uma naturalização do assédio sexual
pela sociedade, um discurso que justifica o assédio no ideário de objetivação da mulher que
foi inculcada culturalmente na sociedade, que é reafirmada pela culpabilização das vítimas,
com uma má preparação do setor público, as delegacias e hospitais principalmente, para lidar
com as denúncias e acolher as vítimas, bem como, com a ineficácia na aplicação das leis,
resultando numa pena que não protege efetivamente as mulheres ou impunidade dos
agressores.
Os casos de assassinatos de mulheres no Brasil pelas razões de seres mulheres,
logo, “objeto, propriedade” do homem se tornou tão desproporcional e absurdo, que esse tipo
de crime criou uma nova instância e desse modo, deu-se:

A entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal
(Decreto-Lei nº 2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio. Assim, o assassinato de uma mulher cometido
por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolve:
“violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de
mulher. (FEMINICÍDIO, [2016?])

Tentando assim punir os casos, tratando tal crime como hediondo11 e dando penas
que variam de 12 a 30 anos reclusão12 e que antes eram irrisórias, isso quando aconteciam,
segundo o artigo, e dar a real importância a este tipo de crime que se configurou por muito

11
Crimes de grau elevado, onde o acusado ou os acusados são considerados de alta periculosidade, que tenham
sido consumados ou tentados, segundo Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994, publicada no site do Planalto.
12
Ressaltamos que em alguns casos de feminicídio há um teor agravante, podendo à pena do acusado aumentar
de um terço até a metade, são eles: se a mulher estiver grávida ou durante os três meses após o parto; praticado
contra menores de 14 ou maiores de 60 anos; e, na presença de descendentes ou ascendentes da vítima, segundo
a Lei nº 13.104/2015, publicada no site do Planalto.
36

tempo de forma livre e aceitável pela sociedade, deixando impune assassinos. Essa mudança
visa denunciar e reverter esse quadro.
A Lei do Feminicídio vem de certa forma, lidar com casos que, geralmente, já
passaram por outra lei, porém não houve um tratamento efetivo das ocorrências, no caso,
proteção das vítimas e punição dos agressores, a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006,
conhecida como Lei Maria da Penha13, criada no intuito de coibir a violência doméstica e
familiar contra toda mulher, ou seja, livre de discriminação por classe, credo, orientação
sexual, renda, raça, cultura, escolaridade, idade e etnia, protegendo-a de qualquer tipo de
violência, à saber, morte ou danos psicológico, moral, físico, patrimonial ou sexual.
Apresentaremos apenas os pontos necessários sobre a lei no que concerne a
discussão desse estudo. Essa lei visa, segundo o que prever, na generalidade, proteger o
direito à vida e a liberdade de todas as mulheres, porém, há um desacordo no poder jurídico e
executivo que muitas vezes, obviamente, julgam de forma interpretativa cada caso, dando
margem para muitos erros e não fazem a manutenção correta deles, deixando as vítimas
desprotegidas e o agressor livre para repetir suas ações, o que em muitas ocorrências leva ao
feminicídio. Existe ainda, o problema do jurídico para abarcar o título “violência doméstica e
familiar contra toda mulher”, focando nas violências de caráter afetivo-sexual, ou seja,
namorados, maridos e amantes, esquecendo as relações de gênero entre pai e filha, irmãos,
primos e etc., que fazem jus ao conceito de “doméstica e familiar”.
Mesmo diante dessa contrariedade, não há como negar a importância dessas leis
para a visibilidade e assim combate real do problema, pois elas dão voz as vítimas, pelo poder
da denúncia e assistência aos casos e punição efetiva aos agressores. Libertando-as de um
medo que as paralisa, tanto pela ideia de que nada acontecerá aos seus algozes mesmo que
sejam delatados, como por acreditar numa reprovação social, ou porque sofre, há uma ideia de
que a vítima aceita e “gosta”, ou porque denuncia, onde ela seria ingrata diante daquele que a
amou, protegeu e “aparentemente” sustentou algo bastante dúbio, mas que ainda acontece em
nossa sociedade. As leis vêm para mudar este quadro.

13
Maria da Penha é uma mulher, brasileira, que sofreu inúmeras agressões do marido, juntamente com suas
filhas, agressões essas que culminaram em duas tentativas de assassinato, a primeira, com um tiro de espingarda
que a deixou tetraplégica, e ao voltar para casa houve a segunda, uma tentativa de assassinato por eletrocutação
durante o banho. Nesse tempo ficou comprovada a primeira tentativa de assassinato a qual o agressor tinha dado
outra versão e Maria da Penha pode sair de casa com seus direitos assegurados (a casa e a guarda das filhas), a
partir daí, ela buscou justiça para o seu caso, porém a justiça brasileira não deu a real importância ao caso e
Maria da Penha partiu para buscar ajuda no exterior, em 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
acusou formalmente o Brasil por negligenciar os casos de violência contra as mulheres, em 2002, o agressor de
Maria da Penha foi condenado, e a partir desse caso o país buscou rever sua omissão nos casos de violência de
gênero, culminando na Lei Maria da Penha, segundo o site Compromisso e Atitude do Ministério Público de
Santa Catarina (2012).
37

E dando mais força ainda a essa busca efetiva de assistência às mulheres que
passam por diferentes quadros de violência, numa luta por sua emancipação, foi inaugurada
em 2015 a primeira Casa da Mulher Brasileira, que,

é uma inovação no atendimento humanizado às mulheres. Integra no mesmo espaço


serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres:
acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público,
Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças –
brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.
A Casa, um dos eixos do programa Mulher, Viver sem Violência, coordenado pela
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, facilita o
acesso aos serviços especializados para garantir condições de enfrentamento da
violência, o empoderamento da mulher e sua autonomia econômica. É um passo
definitivo do Estado para o reconhecimento do direito de as mulheres viverem sem
violência. (CASA..., 2015, online)

Enfim, todos os dados apontam que ainda existe olhar opressor e subjugador da
sociedade brasileira sobre as mulheres, porém, observa-se uma melhoria em relação ao
passado, pela criação de leis e delegacias que protegem a mulher contra qualquer tipo de
violência e haja, atualmente, uma busca incessante de conscientização social por parte
daqueles que defendem a igualdade de gênero, buscando deste a infância ensinar meninos e
meninas que são diferentes, porém detentores das mesmas igualdades e responsabilidades
sociais. Assim, os números de denúncias e campanhas para mudar esse quadro têm se tornado
cada vez mais frequentes, ainda assim os fatos chocam, tendo em vista os números que se
apresentam em pleno século XXI.
38

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de emancipação feminina, elaborado pela filósofa Simone de Beauvoir


no século passado, dentro de uma perspectiva existencialista, traz a mulher enquanto sujeito
que se lança ao mundo de possiblidades em sua existência e assim, vai definindo sua essência.
Deste modo, a mulher, antes de qualquer ação, deve se conscientizar que é transcendência e
assim, possui as mesmas possibilidades que o homem no mundo. Sendo deste modo que

As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade; começam a afirmar


concretamente sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver
integralmente sua condição de ser humano. (BEAUVOIR, 1980. p. 1980)

As mudanças, segundo Beauvoir (1980), tinham que ocorrer de vários pontos e


como se observa no contexto atual do Brasil, algumas mudanças têm acontecido.
Beauvoir (1980) postulou a importância da educação para a libertação das
mulheres e hoje em dia se nota que elas são maioria nas escolas, na busca por qualificação e
entrada nas universidades. Recebem incentivos, ainda com alguns entraves, e reconhecimento,
muito diferente de antes.
No ambiente trabalhista também se notam algumas mudanças, e a própria
Beauvoir (1980) colocou a importância dessa independência econômica como primordial para
a emancipação feminina. Agora a mulher já adentra em espaços trabalhistas que antes lhe
eram barrados, alcança cargos de chefia por ter mais estudos e mesmo, a sua condição de
trabalho tem melhorado. Porém a mácula da dupla jornada de trabalho, fora e dentro de casa,
se mantém bastante fiel a antes, e de certa forma, também a diferenciação por sexo em relação
aos salários dentro de muitas empresas.
Dentro do ambiente político também há mudanças e dificuldades, agora no Brasil
exista uma lei que “apoia as mulheres” politicamente e faça com que sua presença, que antes
era mínima ou inexistente, seja mais significativa nos cargos políticos, mas ainda são poucas
representantes, mesmo que as mulheres sejam a maioria do eleitorado.
Os dados relacionados a violência contra a mulher assustam bastante, violências
de vários tipos, porém foi nesse quesito que a mulher, que antes era vista como propriedade
do homem, logo, tendo que aguentar calada qualquer ação cometida contra si por parte dele,
ganhou mais visibilidade. Conquistou leis para sua proteção, como a Lei Maria da Penha, e a
Lei do Feminicídio, bem como delegacias, rede de denúncias especializadas nos seus casos (a
Delegacia da Mulher e o Disque 180) e uma casa de assistência com várias especialidades e
39

espaços, no intuito de acolher ao máximo possível mulheres que sofram diferentes tipos de
violência.
De fato, muito se tem alcançado, mas a ideia do homem como superior a mulher,
na atualidade, impera, a emancipação feminina ainda é um processo, com muitas portas
abertas, logo, com um longo caminho a ser percorrido. Ainda existem muitos espaços para
serem conquistados, muitas construções para serem feitas, muitos debates a serem
promovidos, muitas consciências a serem modificadas, muitas ações a serem realizadas. As
mulheres ainda são tímidas, ainda contam com muitos obstáculos, entre eles a querela que
defende a ideia de um destino fixo traçado para todas as fêmeas da espécie humana e
principalmente nisso, se encerra a ideia de inferioridade da fêmea, fazendo do uso da má-fé
tanto por homens como por mulheres um meio para manter cada gênero em seu “lugar”.
Simone de Beauvoir já havia previsto que o caminho seria árduo, entrevistada em 1976, ao
perguntarem acerca da luta de emancipação feminina ela respondeu “talvez daqui a quatro
gerações.
Faz necessário continuar a indagar a situação da mulher em nossa sociedade e o
que é feito na luta contra qualquer subjugo da mesma, rever o que já se tem produzido e o que
ainda falta aprimorar é fundamental. Devemos nos questionar: “de que modo é possível tornar
mais eficaz o combate contra violência da mulher? ”; “como tornar a representativa feminina
real dentro do âmbito político?”; “quais ações devem ser tomadas para tornar igualitárias as
relações trabalhistas para homens e mulheres?; “é possível romper com uma educação
pautada nos preconceitos de gênero dentro de nossa sociedade?”. Responder tais questões é
um passo importante rumo a igualdade de direitos, logo, emancipação feminina.
Homens e mulheres precisam entender que mesmo que sejam detentores de
inúmeras diferenças

em ambos os sexos representa-se o mesmo drama da carne do espírito, da finalidade


e da transcendência; ambos são corroídos pelo tempo, vigiados pela morte; têm a
mesma necessidade essencial do outro; podem tirar de sua liberdade a mesma gloria;
se soubessem apreciá-la não seriam mais tentados a disputar privilégios falazes; e a
fraternidade poderia então nascer entre ambos. (BEUAVOIR, 1980, p. 497)

Deste modo, homens e mulheres precisam ser ver como dotados de semelhanças e
diferenças, entender que a existência dessas semelhanças e diferenças, os coloca como
pertencentes à humanidade, e logo devem ao longo da vida existir projetando uma essência e
buscar sim a igualdade de direitos e deveres de gêneros, para que assim, enfim, as mulheres
40

possam, como um todo, que necessita um do outro, desfrutar da real liberdade/existência de


serem pertencentes à mesma humanidade.
41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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