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28/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto


Processo: 0631053
Nº Convencional: JTRP00038986
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP200603230631053
Data do Acordão: 23-03-2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Os danos não patrimoniais indirectos ou reflexos estão abrangidos na previsão do artº 496º
do CC, pois o nº 2 deste normativo legal não abrange apenas aquele que é directamente
atingido por lesões de natureza física ou psíquica graves, mas também os terceiros que só
reflexa ou indirectamente são atingidos com tais lesões.
II- A tal resultado já se chegaria pela simples leitura do nº 1 do artº 496º CC, o qual impõe
como única condição para haver lugar à ressarcibilidade dos dano não patrimoniais que tais
danos “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, não se fazendo, aí, qualquer
limitação ao dano sofrido pelos lesados directos.
III- Como tal, embora tenha natureza excepcional, nada obsta a que se faça uma
interpretação extensiva (ut artº 9º do CC) da norma do artº 496º, nº2, do Cód. Civil para os
casos de ofensa corporal não causadora da morte, situação em que as pessoas referidas nesse
nº 2 se poderão apresentar como credoras de indemnização por danos não patrimoniais que
elas próprias tenham sofrido, desde que se trate de situações compreendidas no espírito da
norma (designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou
quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia do lesado).
IV- Daí, também, que tal direito de indemnização por danos indirectos ou reflexos deve ser
circunscrito às pessoas indicadas no aludido nº2 do art.496º.
V- A incapacidade permanente parcial (IPP) é, de "per se", um dano patrimonial
indemnizável;
VI- Mesmo não tendo havido perda de salário, a indemnização pela IPP é sempre devida,
pois tal incapacidade não se esgota num dano funcional que tenha repercussão,
imediatamente, ou não, numa perda de ganho efectiva, antes pode constituir um dano que
perturba a vida de relação e o bem estar do lesado ao longo da vida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No ..º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão B….. e
mulher C…., melhor id. a fls. 2, por si e em representação legal do seu filho menor D…..,
intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário,
contra
E…. e mulher F….., melhor id. a fls. 2.

Pedem:
A condenação dos RR a pagar: A) ao menor D……., filho dos 2 primeiros AA. e através
destes, a indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 150.000
euros; B) aos 2 primeiros AA., indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais, no
montante de 1.909,60 euros; C) a cada um dos AA., a título de indemnização, por danos não
patrimoniais, o montante de 12.500 euros.

Alegam:
Que os RR. violaram o seu dever de vigilância, descuidando o perigo do uso e
armazenamento deficiente de explosivos usados na profissão do R. marido e a educação do
seu filho nessa matéria, o que motivou a deflagração de explosivos levados pelo filho dos RR,
causando danos ao filho dos autores.

Os RR. contestaram, impugnando alguns dos factos alegados pela Autora, alegando que tudo
ocorreu à sua revelia, cumprindo as regras de cuidadas exigidas e que os AA. pais
descuidaram a sua vigilância. Invocam ainda a existência de contrato de seguro que cobre a

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actividade profissional do R. marido. Concluem, pela improcedência da acção e sua


consequente absolvição.

Pelos RR. foi provocada a intervenção da Companhia de Seguros Bonança, S.A., (fls. 82), o
que foi deferido ao abrigo do disposto no art. 325º, do C. de Proc. Civil (fls. 93.94).
Citada, veio a G…., S.A., melhor id. a fls. 100, apresentar articulado de contestação.
Neste invoca a nulidade do contrato de seguro em causa e a falta de cobertura do risco
concretizado, esclarecendo que o limite indemnizatório para danos corporais seria sempre de
25.000.000$00, depois de descontada a franquia de 10%.
Pede, a final, a sua absolvição do pedido.

Elaborou-se o despacho saneador e fixou-se a Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória.

Teve lugar a audiência de julgamento, após a qual o tribunal respondeu à matéria de facto da
base instrutória, conforme despacho de fls. 375 ss.

Por fim foi proferida sentença, decidindo-se:


“Julgar parcialmente procedente a demanda e, em conformidade:
Condenar os RR. E….. e F…. no pagamento solidário ao Autor D…., de indemnização no
valor global de 80000€ (sendo 50000€ por danos patrimoniais e 20000€ por danos morais);
Condenar os mesmos RR. no pagamento solidário aos AA. B...... e C...... de 505 € de
indemnização por danos patrimoniais;
Condenar ainda os mesmos RR., solidariamente, no pagamento à Autora C......, de
indemnização por danos patrimoniais no valor de 1.220.37 euros.
Absolver esses RR. do restante peticionado;
Julgar irresponsável pelos danos em causa a chamada G…., conforme referido em 2.2.7.”.

Inconformados com o sentenciado, recorreram Autores e Réus, apresentando alegações que


rematam com as seguintes

CONCLUSÕES:

A)- DOS AUTORES B…. E MULHER (fls. 428):


I- A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496°, dl e 483° do Código Civil.
II- Os recorrentes têm direito a indemnização por danos não patrimoniais próprios, ainda
que não tenha ocorrido a morte do seu filho menor.
III- O montante indemnizatório arbitrado a favor do menor, filho dos recorrentes, é muito
inferior ao necessário para ressarcir, durante a sua vida laboralmente útil, a perda de
rendimento, de modo a mostrar-se esgotada no fim do período considerado.
IV- A douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e proferido acórdão que
condene os RR. no pagamento:
a) a favor de cada um dos recorrentes, de indemnização, por danos não patrimoniais
próprios, no montante de € 12.500,00
b) a favor do menor filho dos recorrentes, de indemnização, para ressarcimento da perda de
rendimento, resultante da sua incapacidade, durante a vida laboralmente útil, no montante
de € 100.000,00,
tudo a acrescer aos demais montantes indemnizatórios já determinados na sentença
recorrida, como é de
JUSTIÇA”

B)- DOS RÉUS E….. E MULHER F….:


“1) Aos RR incumbia provar que empregaram todas as providencias exigidas para prevenir o
acidente, o que conseguiram fazer ao provar as condições em que eram guardados os
detonadores;
2) A responsabilidade dos RR só pode advir do seu dever de vigilância sobre o seu filho;
3) O menor H…. retirou os detonadores de um armário fechado à chave que se encontrava
guardado dentro de um aposento fechado à chave;
4) O menor H…. entregou os detonadores ao D...... quando ambos estavam confiados aos
cuidados e vigilância do ATL que ambos frequentavam;
5) Os RR desconheciam que o menor teve acesso aos detonadores os quais estavam aí
guardados, porque quando utilizados não detonaram;
6) Os detonadores foram feitos explodir pelo menor D......depois de ter saído do ATL, depois
de ter, regressado a casa, em lugar ermo com o recurso a fósforos ou isqueiro a que teve
acesso e quando estava sobre a vigilância dos seus pais - os AA;
7) O menor D......à data do acidente tinha a mesma idade, frequentava o mesmo

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estabelecimento de ensino e o mesmo ATL, sendo pois exigível o mesmo grau de vigilância
sobre ele, dever este que se impunha aos seus pais, os ora recorridos.
8) Se os recorridos tivessem exercido tal dever de vigilância não teria ocorrido o acidente;
9) A imputar-se culpa aos RR esta deve ser repartida, na forma de concorrência de culpas,
com os AA.;
10) Em última instancia atento o circunstâncialismo apurado sempre se impunha o recurso
ao principio da equidade, reduzindo deste modo substancialmente a indemnização em que os
recorridos foram. condenados;
11) Ao menor D......foi fixado pelo Instituto de Medicina legal uma incapacidade parcial
permanente de 25%, não abrangendo esta qualquer incapacidade profissional, mas sim uma
incapacidade permanente parcial genérica e indiferenciada;
12) Porém as referidas sequelas são compatíveis com a ocupação que o menor D...... detinha à
data do acidente;
13) As lesões sofridas pelo menor D......não, são uma limitação para a escolha de uma
profissão futura;
14) O menor D......não está presentemente incapacitado para a prática de gestos diários e
imprescindíveis, tais como os de apertar os botões da sua própria roupa ou atacadores dos
sapatos;
15) A sentença recorrida classificou erradamente a incapacidade do menor atribuindo-lhe o
efeito de dano patrimonial;
16) O tipo de lesões determinariam somente um dano de ordem moral, consequentemente já
abrangido pela indemnização atribuída para esse fim;
17) O dano sofrido pelo menor D...... não é um dano certo, futuro e contínuo, pois não estando
o menor D...... privado de qualquer actividade das que tinha antes do acidente não é de lhe
atribuir a indemnização de E 50 000,00;
18) Não é devida qualquer indemnização a titulo de danos materiais, por não ser previsível
esse tipo de dano:
19) Quanto aos danos morais a ser reconhecida a responsabilidade aos RR não deve esta
ultrapassar e 15 000,00 por aplicação de um juízo de equidade;
20) A responsabilidade que advier para os AA deve considerar-se transferida para a
seguradora;
21) Foi no âmbito da vida privada aos AA como pais, que ocorreram os factos que podem
determinar a responsabilidade dos AA;
22) Para efeitos de apurar o direito contratual dos AA à transferência de risco para a
seguradora não pode recorrer-se a fundamentação diversa daquela que sustenta a
responsabilidade perante os AA.;
23) A apólice de seguro cobre a responsabilidade dos RR por não ter ocorrido qualquer causa
de exclusão de aplicação da mesma;
24) A douta sentença violou as disposições dos art°s 490, 491, 494, 497, 500 e 570 do C.C.;
25) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os RR; Se
assim não se entender, deve ser considerada a concorrência de culpas e a indemnização a
fixar basear-se em juízo de equidade, não sendo de considerar a verificação de danos
materiais; mais se deve julgar transferida para a seguradora a responsabilidade a atribuir
aos RR”.

CONTRA-ALEGARAM:
- Os Réus, respondendo às alegações dos Autores, pugnando pela improcedência do recurso
destes (fls. 460 ss);
- Os Autores, respondendo às alegações dos Réus (fls. 469 ss);
- A Ré G…., SA, respondendo às alegações dos Réus, sustentando a manutenção da decisão
recorrida no que toca à responsabilidade da ora respondente ( fls. 484 ss).

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não
podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de
conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado
pelo conteúdo do acto recorrido,

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as questões a resolver são as seguintes:

APELAÇÃO DOS AUTORES B…. E MULHER:


Se há lugar à indemnização por danos não patrimoniais próprios dos apelantes, mesmo não
tendo ocorrido a morte do seu filho;
Montante indemnizatório a arbitrar a favor do filho menor dos ora apelantes,
correspondente aos danos futuros relacionados com a I.P.P. de que sofre.

APELAÇÃO DOS RÉUS E…. E MULHER:


Se, a existir culpa dos RR/apelantes, deve a mesma ser repartida na forma de concorrência
de culpas com os Autores ou, então, se, face aos factos provados, sempre se impunha,
recorrendo à equidade, que a indemnização a pagar pelos RR fosse “substancialmente”
reduzida.
Se as lesões sofridas pelo menor D......“não são uma limitação para a escolha de uma
profissão futura” e, por isso, se de tais lesões não resulta um dano patrimonial mas apenas
moral, logo já abrangido pela indemnização atribuída para esse fim e se sempre não haveria
lugar a qualquer indemnização a título de danos materiais pelo facto de o dano sofrido pelo
menor D...... ser imprevisível.
Se é excessiva a indemnização atribuída a título de danos morais ao autor D…. .
Se a responsabilidade que advier para os Réus/apelantes deve considerar-se transferida para
a Ré seguradora.

II. 2. FACTOS PROVADOS:


No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:
“Os AA. são os pais do menor D….., consigo residente, nascido no dia 2 de Setembro de 1990.
Por sua vez, os RR. são os pais do menor H…., com eles residente, actualmente com 11 anos
de idade.
No ano lectivo de 1999/2000, ambos os referidos menores, estudantes, frequentavam o
primeiro ciclo do ensino básico, num estabelecimento escolar da freguesia de Fradelos.
São os RR., como pais e conviventes com o menor H…., quem o educa e lhe assegura a
subsistência.
São os RR. que alimentam o menor H…., que o vestem, enviam-no para a escola, sendo os
seus encarregados de educação.
No ano lectivo de 1999/2000, ambos os referidos menores, estudantes, frequentavam o
primeiro ciclo do ensino básico, num estabelecimento escolar da freguesia de Fradelos.
São eles RR., como titulares plenos do poder paternal, os responsáveis pela formação e
desenvolvimento físico, psicológico, intelectual, emocional e afectivo do menor H…. .
Tanto mais que o acompanham diariamente, em comunhão de mesa e de lar.
O A. marido exerce a actividade de mineiro e com vista à cobertura dos riscos inerentes à sua
vida privada [É apenas isto que se pode considerar assente por acordo, tendo em conta o
alegado pelos AA., documentados nos autos (fls. 84 a 90) e aceite pela chamada (fls. 100, art.
1º, e 101, art. 14º), dado o que prescreve o disposto no art. 659º, nº 3, do C. de Proc. Civil, e o
entendimento de que o saneador de fls. 129 não constitui caso julgado sobre essa questão]
celebrou com a Companhia de Seguros G…., S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice
n° 2/343691, abrangendo a cobertura de condições especiais - modalidade H- familiar.
Entre outros riscos cobre tal apólice "factos, actos ou omissões ocorridas ou praticadas no
âmbito da sua actividade privada".
De acordo com a cláusula 3º, al. a), das Condições Especiais desse contrato, para além das
exclusões referidas nas Condições Gerais, está excluída a responsabilidade da seguradora
G…. por perdas e ou danos causados durante o exercício da actividade profissional, pública
ou política do Segurado [Cf. Art. 659º, nº 3, do C.P.C. – Provado por documento de fls. 86.].
De acordo com as respectivas Condições Gerai, essa responsabilidade fica sempre também
excluída quanto for resultante de acidentes devidos a efeitos directos ou indirectos de
explosão, calor ou radiações provenientes de uma transmutação do núcleo de átomo e/ou
radioactividade, assim como de acidentes devidos aos efeitos de radiações provocadas pela
aceleração artificial de partículas radioactivas (cláusula 4ª, nº 1, al. g), no Doc. de fls. 87 v.
junto pelos RR.).
Tal apólice é extensivo ao agregado familiar do segurado, o aqui R. marido, no qual está
incluído o seu filho menor H…. .
Cobre também a referida apólice" pagamento das indemnizações emergentes da
responsabilidade civil, que legalmente sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais
e/ ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e materiais causadas a terceiros por
eventos fortuitos, imprevisíveis e independentes da sua vontade ou de pessoa por quem seja
civilmente responsável e, quando tais eventos resultem de actividade ou qualidade expressa e
taxativamente enumeradas nas condições especiais e Particulares".

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À data da celebração do mesmo, o segurado não referiu na proposta, que armazenava


explosivos junto a sua casa.
Nem tão pouco comunicou à ora interveniente, durante a vigência daquele, a existência de
material explosivo nesse local.
O capital da apólice nº 220121343691 é, por sinistro e anuidade de seguro, limitado à quantia
de 25.000.000$00.
No dia 13 de Março de 2000, o menor H…. compareceu, da parte da tarde, como de costume,
no ATL.
O mesmo acontecendo com o menor D….., filho dos AA..
O H…. levou consigo diversos artefactos explosivos (detonadores de dinamite), destinados a
trabalhos da actividade de mineiro.
Objectos esses que trouxe da sua própria casa, uma vez que o R. marido, seu pai, pelo menos
naquela data e anteriormente, dedicava-se à actividade de mineiro.
Esses engenhos eram constituídos por material explosivo, contido em invólucro de alumínio.
Tratavam-se de explosivos com invólucro metálico, que ao deflagrar projectam pequenos
bocados de alumínio (vulgo estilhaços).
No referido dia 13 de Março de 2000, o menor H…., portador de alguns objectos, ofereceu
pelo menos 2 deles, ao D…., filho dos AA..
Oferta esta que ocorreu quando se encontravam no A.T.L..
O D....... não tinha completa noção da forma como tais explosivos deviam ser accionados com
segurança.
O H…., na mesma altura e no mesmo local, ofereceu outros explosivos, com iguais
características e perigosidade, a outros menores, igualmente frequentadores do ATL.
Cerca das 18 horas, daquele dia 13 de Março de 2000, o menor D…., na companhia de outro
menor, de nome I…., também frequentador do ATL, deixaram este estabelecimento cerca das
18 horas, isto é, após o termo das actividades.
Foi então que ambos se dirigiam para um caminho público, no lugar de Felgueiras, onde
quase não existe circulação de pessoas.
Nesse local, o D….., acompanhado do I….., procurou, então, fazer detonar os referidos
explosivos, que lhes haviam sido oferecidos pelo H…. .
E naquele local e hora, quando o menor D…., filho dos AA., procurava fazer detonar um
desses engenhos, o mesmo explodiu, antes de ser arremessado.
Com efeito, como consequência directa e necessária da explosão, o menor D…. sofreu esfacelo
da mão esquerda.
Esse engenho explosivo pertencia ao R. marido e que se destinava a uso na respectiva
actividade profissional de mineiro, como o próprio o reconhece.
O R. marido guardava os explosivos da sua actividade profissional de mineiro, numa
dependência do prédio onde habita, construída de madeira e chapas de metal zincado.
Nesse dia 13, antes do sucedido com o D…., o menor H…. era portador de pelo menos 5
engenhos explosivos iguais.
O R. marido é mineiro e manuseia explosivos quando tal se torna necessário.
Quando manuseia fogo (explosivos) este vem normalmente directamente do fornecedor para
a obra e é consumido aí.
Os detonadores de que o seu filho H…. se terá apoderado não são propriamente os explosivos
aplicados para as explosões, mas detonadores explosivos que provocam a explosão da
dinamite.
Alguns desses detonadores não deflagraram na obra quando foram utilizados e o R. marido
guarda-os para os secar e/ou colocar novos rastilhos a fim de serem reutilizados.
O R. marido retirou da obra e guardou os explosivos referidos em 2.1.85..
O R. marido guardava os mesmos num armário com cadeado com chave, sendo que esse, à
data do sucedido estava dentro de um barracão, também com porta e fechadura com chave.
O H…. teve acesso a essas chaves e, por isso, pode apoderar-se dos detonadores.
Em resultado da dita explosão, o D...... sofreu ainda outros diversos ferimentos, no rosto,
tórax, abdómen e coxa direita, provocados pelos estilhaços, provenientes do invólucro
metálico do engenho e projectados com a mesma explosão.
Face ao estado em que se encontrava, o menor D...... foi socorrido por pessoas alertadas para
o efeito, que chamaram uma ambulância, e, nesta, foi transportado para o Hospital Distrital
de V.N. Famalicão.
Ali observado, no Serviço de Urgência, foi, de imediato, transferido para o Hospital de S.
João, na cidade do Porto.
Neste estabelecimento hospitalar, o D...... foi submetido a intervenção cirúrgica à mão
esquerda.
Permaneceu internado por 8 dias.
Terminado o internamento, recebeu alta hospitalar, passando a ser submetido a tratamento,
em Consulta Externa do referido Hospital de S. João, até ao dia 25 de Maio de 2000.
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Após esta data, passou a ser acompanhado pelo médico de família.


Fazendo, a partir daí, tratamentos de fisioterapia, até ao dia 12 de Junho de 2000.
Além dos ferimentos causados pelos estilhaços, que lhe deixaram cicatrizes no rosto, tórax,
abdómen e coxa direita, as sequelas mais graves sofridas pelo menor D...... verificaram-se na
mão esquerda.
Desta mão, o único dedo que se encontra íntegro é o quinto.
O quarto dedo ficou amputado de mais de metade da falange distal, ficando com unha
rudimentar na sua extremidade.
O terceiro dedo apresenta-se amputado as 3 falanges, com cicatrizes que se estendem pelas
faces palmar e dorsal da mão.
O segundo dedo apresenta-se amputado nas duas últimas falanges distais, com coto.
O primeiro dedo (polegar) apresenta-se amputado pela falange distal, com coto.
Antes dos acontecimentos acima descritos, o menor D...... era criança saudável e sem
qualquer traumatismo ou deficiência física.
Era também uma criança alegre, sociável e no ano lectivo do acidente (2000/2001) transitou
para 6º ano, que concluiu no ano seguinte.
Não tinha qualquer limitação física ou funcional, para as actividades da sua vida corrente,
fosse a de se alimentar, de se vestir, tratar da sua higiene, dos seus estudos ou outras.
Não sofria de qualquer perturbação psicológica, fosse de que natureza fosse.
Sofreu uma incapacidade temporária geral parcial durante 90 dias, correspondente ao
período em que pôde retomar, com limitações, a realização de alguns gestos individuais da
vida familiar e social.
Durante a fase inicial desse período, o D...... necessitou de apoio de familiares para gestos tão
básicos como o de se lavar ou de cortar os alimentos, no prato, pois que não utilizava a mão
esquerda.
Sofreu dores intensas na mão esquerda no período pré e pós-operatório.
Não podia tocar com a mão esquerda em nenhum objecto.
Pois que qualquer contacto com os cotos lhe causava dores intensas.
Essa situação esta que se verificou durante o período referido em 2.1.51..
Na fase inicial desse período esteve incapacitado para gestos diários, tão simples como os de
apertar botões da sua própria roupa ou de apertar os atacadores dos sapatos.
Actualmente é uma criança incapaz de realizar actividades próprias da sua idade,
nomeadamente algumas actividades escolares, mesmo as que se relacionam com actividades
físicas (alguns exercícios de ginástica ou de desporto) ou que exigem a acção de ambas as
mãos (trabalhos oficinais), embora não com a destreza própria de quem sofreu esse tipo de
amputações. Viu reduzida a sua destreza em actividades manuais.
O D...... em Abril de 2003 frequentava o 7º ano de escolaridade.
Em consequência dessas sequelas o D...... sofre de uma incapacidade permanente parcial de
25% desde 12.10.2000.
O D...... tem cicatrizes no rosto, tórax, abdómen e coxa direita.
Bem como cicatrizes nas faces palmar e dorsal da mão esquerda.
Inicialmente o D...... andava com a mão esquerda escondida.
Por vezes, metia então a mão num bolso, das calças ou de blusão.
Outras vezes, nessa altura, quando usava manga comprida, esticava essa mesma manga, para
encobrir a mão.
Tudo, evidentemente, para esconder a sua deficiência física.
Durante meses, teve dificuldades em adormecer e não tinha sonos tranquilos, como deveria
ter na sua idade.
O D...... deixou de frequentar as aulas do ensino básico durante 30 dias.
O que lhe causou dificuldades temporárias na aprendizagem.
Situação que ultrapassou com esforço complementar, que lhe permitiu transitar de ano com
aproveitamento.
Mas tal esforço foi muito custoso para o D…., já que, em simultâneo, continuava a sofrer
dores e tinha dificuldades em dormir e descansar.
Durante o período de internamento do D...... no Hospital de S. João, os AA. fizeram
deslocações diárias, desde a respectiva residência até àquele estabelecimento, a fim de visitar
e acompanhar o seu filho, o que era indispensável, face à sua tenra idade e ao débil estado
psicológico em que se encontrava.
Nessas deslocações, efectuadas em viatura própria, os AA. percorreram vários quilómetros.
Após o internamento, o D...... teve ainda de ser acompanhado no serviço cirurgia plástica e
reabilitação física do dito Hospital, onde se deslocou várias vezes.
Estas deslocações foram feitas também em viatura própria dos AA., na qual percorreram
vários quilómetros.
Durante o período de reabilitação, o D...... fez tratamentos de fisioterapia numa clínica da
cidade de V.N. Famalicão.
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Nas deslocações, para estes tratamentos, os AA. despenderam a quantia de 24,35 euros.
Durante o mesmo período, em consultas médicas, medicamentos e exames Complementares,
de que o D...... necessitou, os AA. despenderam a quantia de 80,65€.
Com a explosão, danificaram-se três peças de vestuário, que o D......usava no momento
(calças, camisa e blusão), que ficaram perfurados pelos estilhaços, os quais tinham o valor
70,00€.
Desde o dia da explosão e até 14.6.00, a A. esposa teve de faltar ao trabalho, afim de
acompanhar o D…., no internamento, nas consultas e exames, nas deslocações e tratamentos,
uma vez que, atenta a idade do menor e a sua incapacidade física o mesmo não podia
deslocar-se, nem executar tarefas e praticar actos essenciais, além de carecer do carinho, do
afecto e do apoio psicológico da mãe.
Durante esse tempo a A. esposa deixou de auferir a retribuição mensal de 66.304$00 (x 3), a
percentagem nocturna (cerca de 7.000$00 por mês) e subsídio de alimentação de 375$00 por
dia.
Os AA. sofreram muito com o padecimento do seu filho, tendo-o acompanhado a todo o
momento.
Viram-no chorar com as dores, após o acidente, choro que, durante as primeiras fases do
tratamento, frequentemente ocorria, sempre que o D...... tinha que executar qualquer acto e
movimentava a mão esquerda ou tocava em qualquer objecto, fosse a comer, a vestir-se ou a
lavar-se.
Durante muitas semanas, os AA. atravessaram períodos de intranquilidade, com tristeza e
angústia, que lhes perturbava o próprio sono.
Muitas e muitas vezes a A. esposa chorou de desgosto, por si e pelo sofrimento do filho, que é
o único rapaz.
Hoje os AA. continuam sofrer e não deixarão de o fazer, por verificarem que o seu filho será,
para sempre, uma criança com evidentes deficiências físicas e com uma incapacidade
elevada.
Ele que era uma criança fisicamente perfeita, alegre e saudável.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, as questões suscitadas.

III. 1. APELAÇÃO DOS AUTORES B….. E MULHER:


Primeira questão: se há lugar à indemnização por danos não patrimoniais próprios dos
apelante - mesmo, portanto, não tendo ocorrido a morte do seu filho:

Trata-se de uma questão controversa e que consiste em saber se devem ser ressarcidos, no
âmbito da responsabilidade extra contratual, os danos de natureza não patrimonial
suportados por pessoas diversas do lesado directo fora dos casos em que ocorre morte da
vítima.

Entendeu-se na sentença recorrida que não tinham os pais da vítima – D…. - direito ao
ressarcimento de danos não patrimoniais próprios.
A fundamentação foi a seguinte:
“No que diz respeito aos danos morais próprios que os AA. B…. e C...... invocam, entendemos
que, ab initio, independentemente do que ficou apurado, a sua pretensão carece de sustento
legal dado que a previsão do art. 495º, do Código Civil, se reporta apenas e só a danos
patrimoniais relacionados com o tratamento e assistência à vítima. Sobre os danos morais
que poderão ser ressarcíveis a terceiros regem as normas do art. 496º, do Código Civil, e esta
só as admite no caso de morte da vítima e dentro do núcleo referido no seu nº 2.”.

Dúvidas não há que os autores, pais do menor D…., sofreram danos de natureza não
patrimonial.
Efectivamente, provou-se que:
- “Sofreram muito com o padecimento do seu filho, tendo-o acompanhado a todo o momento”
- “Viram-no chorar com as dores, após o acidente, choro que, durante as primeiras fases do
tratamento, frequentemente ocorria, sempre que o D...... tinha que executar qualquer acto e
movimentava a mão esquerda ou tocava em qualquer objecto, fosse a comer, a vestir-se ou a
lavar-se.”
- “Durante muitas semanas, os AA. atravessaram períodos de intranquilidade, com tristeza e
angústia, que lhes perturbava o próprio sono.”
- “Muitas e muitas vezes a A. esposa chorou de desgosto, por si e pelo sofrimento do filho, que
é o único rapaz.”
- “Hoje os AA. continuam sofrer e não deixarão de o fazer, por verificarem que o seu filho

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será, para sempre, uma criança com evidentes deficiências físicas e com uma incapacidade
elevada”, “ele que era uma criança fisicamente perfeita, alegre e saudável.” (pontos 2.1.92 a
2.1.97 da relação de factos provados constante da sentença.
Trata-se, sem dúvida, de danos que, pela sua gravidade, merecem, sem dúvida, a tutela do
direito.

Como é sabido, os danos não patrimoniais são aqueles que não atingem o património do
lesado e são insusceptíveis de avaliação patrimonial e correspondem à angústia, à dor física, à
doença, ao abalo psíquico-emocional, complexos e frustrações de ordem estética e psicológica,
à dor da perda de um ente querido, etc..
E igualmente é sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e
própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga
adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo
número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no
património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que,
com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, “para restabelecer
um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade
humana (Pachioni).
Por isso que o valor dessa reparação, como ensina o Prof. Antunes Varela, deva ser
proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras
de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação
das realidades da vida.
Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código
Civil.

Indo, então, à questão que ora nos ocupa, é nosso entendimento que tais danos próprios dos
pais da vítima - indirectos, portanto-- devem ser indemnizados. E, precisamente, ao abrigo do
disposto no artº 496º, nº1 do CC-- mesmo, portanto, sem que tenha ocorrido morte da vítima.
Ou seja, cremos que no ordenamento jurídico português não são indemnizáveis os danos
morais causados a terceiros apenas no caso de morte da vítima.
Vejamos melhor.

A questão tem sido abundantemente discutida na doutrina e jurisprudência pátrias. E de


forma alguma tem sido consensual a posição tomada, antes pelo contrário.
Na sentença recorrida tomou-se partido pela doutrina clássica, segundo a qual os danos não
patrimoniais indirectos ou reflexos não estão abrangidos na previsão do artº 496º do CC, já
que o nº 2 deste normativo legal apenas abrange directamente o lesado e já não terceiros.
Ou seja, seguiu-se na decisão recorrida a posição dos que sustentam que, em princípio,
apenas tem direito à indemnização o titular dos bens ou interesses violados pelo facto danoso
(ut nº 1 do artº 496º CC) e não os terceiros que só reflexa ou indirectamente sejam
prejudicados com a violação desse direito.
Essa doutrina sustenta-se, efectivamente, na natureza excepcional do nº 2 do artº 496º -- que
se refere à situação de “morte da vítima” -, bem assim na impossibilidade de interpretação
analógica das normas excepcionais e na impossibilidade de interpretação extensiva,
concluindo que o legislador apenas pretendeu abranger as pessoas indicadas no preceito (cfr.
neste sentido, Dário Martins de Almeida, Manual, pág.165, Antunes Varela, RLJ ano 103,
pág.250, nota 1, Revista dos Tribunais, ano 82, pág.409; Ac RP de 4/4/91, C.J. ano XVI, tomo
I, pág.255; Ac RC de 20/9/94, C.J. ano XIX, tomo IV, pág.35, Ac RC de 26/10/93, C.J. ano
XVIII, tomo IV, pág.69, Ac RL de 6/5/99, C.J. ano XXIV, tomo III, pág.88, Ac STJ de
21/3/2000, C.J. ano VIII, tomo I, pág.138 e ).

Cremos, porém, que nada obsta a que se faça uma interpretação extensiva, em conformidade
com o disposto no artº 9º do CC, da norma do artº 496º, nº2 CC.
Efectivamente, se compararmos, v.g., a gravidade dos danos morais sofridos por um familiar
da vítima directa no caso de morte desta com a gravidade de tais danos em situações em que
a morte não ocorre, facilmente chegaremos à conclusão de que em certas situações a
diferença não se faz sentir.
Veja-se, por exemplo, o caso de um pai que vê o seu filho morrer num acidente de viação e de
outro que vê o seu filho ficar irremediavelmente preso a uma cadeira de rodas, arrastando
esse fardo ao longo de uma vida. Será que é razoável dizer-se que o sofrimento do pai no caso
da morte do filho é maior do que aquele que viveu e viverá ao longo de uma vida por ver o
seu filho naquele estado, por vezes vegetal ?
Não cremos que o seja.
Efectivamente, não só a morte de um filho causa sofrimento aos pais. Também o causa, e por

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vezes em grau não menor, a deformação física permanente do filho, não só estética, mas
igualmente incapacitante.
E no caso sub judice, tal incapacidade e dano estético até é especialmente relevante, tanto
mais atenta a idade do filho dos Autores e o facto de se tratar de uma criança que antes dos
factos sofridos nos autos era saudável, sem qualquer traumatismo ou deficiência física ou
psicológica (cfr. pontos 2.1.58, 2.1.58, 2.1.60 e 2.1.92 a 2.1.97 dos factos provados).

Por isso se têm manifestado contra a aludida posição clássica cada vez mais autores, atenta a
injustiça a que tal posição pode conduzir.
Assim, Vaz Serra ( RLJ ano 104, pág.14 ), Ribeiro de Faria ( Direito das Obrigações, vol.1º,
pág.491, nota 2) e Américo Marcelino (Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 6ª ed.,
pág.380) sustentam a possibilidade de uma interpretação extensiva da norma do art.496, nº2
do CC.

VAZ SERRA, em anotação ao Ac STJ de 13/1/70, para justificar a possibilidade de


interpretação extensiva, escreveu:
“Ora, o dano não patrimonial pode ser causado a parentes do lesado imediato, não somente
no caso de morte deste, mas também em casos diversos desse e, pode ser em tais casos tão
justificado o direito de reparação do dano não patrimonial dos parentes como no de morte do
lesado imediato.
“Se, por ex., como na hipótese sobre que o acórdão incidiu, um filho menor é vítima de um
acidente de viação, ficando aleijado gravemente, a dor assim causada a seus pais pode ser tão
forte como o seria se o filho tivesse morrido em consequência do acidente ou mais forte ainda.
“Seria, pois, incongruente a lei que, reconhecendo aos pais o direito a satisfação pela dor
sofrida por eles no caso de morte do filho, lhes recusasse esse direito pela dor por eles sofrida
no caso de lesão corporal ou da saúde do filho.”
“A lei refere-se expressamente só ao caso de morte por ser aquele em que, em regra, maiores
danos existem, não excluindo, portanto, que os parentes da vítima imediata tenham também
direito de reparação dos seus danos em outros casos. A razão de ser é a mesma “ (pág.15 ).
Conclui VAZ SERRA que, embora sejam excepcionais as normas dos artigos 56 nº1 al.3 do
CE/56, 495 e 496 nº2 do Código Civil, elas são susceptíveis de interpretação extensiva e, por
conseguinte, de extensão a outros casos compreendidos no espírito da lei (loc. cit., pág.16 ).

Mas a igual resultado chegaremos pela simples leitura do nº 1 do artº 496º CC.
Efectivamente, este preceito impõe como única condição para haver lugar à ressarcibilidade
dos dano não patrimoniais que tais danos “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Sobre tal gravidade, pois, é que será legítimo questionar - não sobre os sujeitos passivos dela.
Mera questão de prova, portanto.
Não se faz, de facto, no citado nº 1, qualquer limitação ao dano sofrido pelos lesados directos.
E, por isso, não se vê que haja impedimento a que, mesmo com base nesse nº 1, possa haver
lugar ao ressarcimento dos danos morais sofridos por terceiros.
E tal posição não é afastada pelo nº 2. É que o que aqui se prevê é apenas e só o círculo de
pessoas que, em caso de morte do lesado, ficam com direito a indemnização por danos não
patrimoniais e qual a ordem a seguir, sem afastar a norma ou princípio geral contido naquele
nº 1-- para as situações em que não há lugar à morte da vítima.
Ou seja, o que o nº 2 do artº 496º faz é apenas designar, em caso de morte, o titular do direito
à indemnização. É esse - e só esse - o seu objectivo, não conferindo o direito a indemnização,
antes designando o titular desse direito… no caso de morte, afirmando que os familiares são
titulares desse direito à indemnização por direito próprio, e não por via hereditária (cfr.
Antunes Varela e Pires de Lima, CCAnotado, em comentário ao artº 496º).

Apenas se imporá uma limitação quanto ao círculo de pessoas que podem exigir
indemnização por danos não patrimoniais fora do caso de morte da vítima. E tal limitação é
precisamente aquela que vem prevista na lei para a situação em que a vítima… morre.
Com efeito, se a lei limita - aos familiares referidos no nº 2 do artº 496º CC-- o círculo de
pessoas que podem pedir indemnização por danos morais no caso de a vítima vir a falecer,
por maioria, ou identidade de razões, deverá funcionar tal limitação nos casos em que o
sinistrado não vem a falecer.
Não se compreenderia, de facto, que a lei limitasse, no caso de morte, o número de pessoas
que, por via reflexa, pudessem pedir indemnização, e já não existisse qualquer limitação para
os casos de simples lesão ou incapacidade permanente.
Assim sendo, por indirecta disposição da lei positiva, em casos como o sub judice, haverá
lugar a indemnização - reduzindo-se, porém, o círculo dos eventuais beneficiários aos limites
da previsão do artº 496º, nº2.

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Tem-se referido como exemplo de situações em que as lesões corporais na pessoa do


sinistrado se repercutem imediatamente noutras pessoas, que, assim, são simultaneamente
afectadas, o caso em que, por virtude de um acidente de viação, o lesado ficou numa situação
de impotência sexual, prejudicando o relacionamento sexual no casamento. Nesta situação,
trata-se de um dano directo, e não reflexo, cuja obrigação radica na violação do direito da
personalidade, o direito à sexualidade sexual (art.70 do CC) (cf., Cons. Sousa Dinis, Dano
Corporal em acidentes de viação, C.J. ano IX, tomo I, pág.11 e 12, Ac RP de 26/6/2003, C.J.
ano XXVIII, tomo. III, pág.200).
Mas a situação é - e deve ser - mais abrangente.
Com efeito, a solução ora sustentada vale para uma multiplicidade de situações. E de entre
elas está precisamente a sub judice: provado está que com o sofrimento e desgraça do filho
dos Autores também estes sofreram, então temos como lesados não só o filho, mas também os
pais: um lesado imediato (o filho) e outros lesados mediatos, por ricochete (os pais).

Citam os apelados em desfavor da posição dos apelantes - e aqui defendida - a posição do


Exmº Sr. Desembargador António Geraldes, in Temas da responsabilidade Civil- II Vol.,
págs. 30 e 37.
No entanto, como emerge das citações que os apelados fazem desse autor, a posição que segue
não é aquela que acabam por lhe atribuir. Desde logo, os apelados limitam-se a referir que o
aludido autor, “depois de analisar a questão acaba por concluir que o “saldo geral” é o da
recusa da ressarcibilidade dos terceiros”.
Cremos, porém, ser entendimento deste autor o que aqui sufragamos.
Efectivamente, veja-se o que escreveu no artigo sobre a “Ressarcibilidade dos danos não
patrimoniais de terceiros “, publicado nos Estudos de Homenagem ao Prof. INOCÊNCIO
GALVÃO TELES, vol. IV, pág.263 e segs.), onde se fez um estudo aprofundado do tema.
Ali concluiu o autor que vimos referenciando:
“São ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é
directamente atingida por lesões de natureza física ou psíquica graves, nos termos gerais do
art.496 nº1 do CC, designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com
o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia do
lesado;
“Tal direito de indemnização deve ser circunscrito às pessoas indicadas no nº2 do art.496 “.

Assim, portanto, cremos que se justifica uma interpretação extensiva da norma do nº 2 do


artº 496º CC para os casos de ofensa corporal não causadora da morte, situação em que as
pessoas referidas nesse nº 2 se poderão apresentar como credoras de indemnização por danos
não patrimoniais que elas próprias tenham sofrido, desde que se trate de situações
compreendidas no espírito da norma.

Diremos que em tais casos o legislador minus dixit quam voluit.

Américo Marcelino, ob cit., a págs. 215/216, dá conta de que a doutrina e jurisprudência


francesa vão no entendimento aqui defendido, citando - com algumas transcrições - Alex
Weill e Francois Terré - Les Obligations, pág. 841 e Carbonnier, Droit Civil – Les Obligatios-
Thémis, 1976.

Permitimo-nos parafrasear a seguinte passagem do Ac. da Rel. de Coimbra, de 25.05.2004, in


dgsi.pt, a respeito da questão ora em apreciação, por nos parecer de todo oportuna e
acertada.
Ali se defendeu “ser de rejeitar a doutrina clássica, eivada de uma lógica demasiado formal,
sem atentar que o direito deve servir para a vida e a jurisprudência, que tem desempenhado
um papel preponderante na reelaboração do direito da responsabilidade civil,
designadamente no âmbito dos acidentes de viação, não pode deixar de utilizar todo o arsenal
metodológico que possibilite adequar eficazmente o direito à realidade social dos tempos
modernos, o que implica, no dizer do grande pensador do século XX, que foi MICHEL
FOUCAUL, transformar o direito civil numa “jurisdição de tipo sociológico “ (FRANÇOIS
EWALD, Foucault, A Norma e o Direito, pág.153 e 154).”.

Atento o explanado, tendo presente a gravidade dos danos sofridos pelos pais do menor D….
-- “sofreram muito com o padecimento do seu filho, tendo-o acompanhado a todo o
momento”; “Viram-no chorar com as dores, após o acidente, choro que, durante as primeiras
fases do tratamento, frequentemente ocorria, sempre que o D...... tinha que executar
qualquer acto e movimentava a mão esquerda ou tocava em qualquer objecto, fosse a comer,
a vestir-se ou a lavar-se.”; “Durante muitas semanas, os AA. atravessaram períodos de
intranquilidade, com tristeza e angústia, que lhes perturbava o próprio sono”; “Muitas e

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muitas vezes a A. esposa chorou de desgosto, por si e pelo sofrimento do filho, que é o único
rapaz”; “Hoje os AA. continuam sofrer e não deixarão de o fazer, por verificarem que o seu
filho será, para sempre, uma criança com evidentes deficiências físicas e com uma
incapacidade elevada.”, “ele que era uma criança fisicamente perfeita, alegre e saudável.”
(pontos 2.1.92 a 2.1.97 da relação de factos provados constante da sentença”--, sem dúvida
alguma merecedores da tutela do direito ( ut nº 1 do artº 496ºCC), com recurso à equidade
entende-se adequado fixar a indemnização a cada um dos autores, pelos danos não
patrimoniais sofridos, no valor de € 4.000,00 (quatro mil euros).

Assim procede esta primeira questão suscitada pelos Autores/apelantes.

Segunda questão: montante indemnizatório a arbitrar a favor do menor filho dos ora
apelantes, correspondente aos danos futuros relacionados com a I.P.P. de que sofre:

Entendeu-se na decisão recorrida atribuir uma indemnização pelos danos patrimoniais


futuros relacionados com a I.P.P. no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), do que
discordam os apelantes, sustentando que tal indemnização se deve situar nos € 100.000,00.

Dizem os apelantes que, embora não discordem da sentença “na parte em que lança mão da
fórmula matemática usada e inserta no site www.verbojurídico.net”, discordam, no entanto,
“apenas e tão só com os elementos utilizados relativos à remuneração mensal, à taxa de
crescimento dos salários e à taxa de remuneração de capital”.

É certo que o salário médio parece situar-se um pouco acima dos € 500 referidos na sentença;
já não parece tão certo que o crescimento anual dos salários seja superior aos 2%-- atento o
estado da nossa economia e as medidas de contenção que têm sido introduzidas e certamente
continuarão a ser; certo é, finalmente, que a taxa de juros para o mercado de capitais
considerada na sentença se situa um pouco acima da realidade actual - as remunerações de
capital, em geral, serão inferiores, sendo certo, porém, que tudo está dependente do sector em
que se investe, pois ainda há investimentos onde se garante uma taxa de rendimento anual
bem acima dos 5% (cfr., v.g., o recente estudo na Revista Sábado).

Como quer que seja, as coisas não devem ser vistas nos termos secos e simplistas como
pretendem os apelantes.
Efectivamente, vemos que na sentença se recorreu no essencial à fórmula matemática inserta
no site www.verbojuridico.net, fórmula essa que se tomou como “indicativo” para a
determinação da referida indemnização.
No entanto, temos entendido que o princípio geral a presidir à tarefa de determinação do
aludido quantum indemnizatório deve assentar em critérios de equidade, como decorre do
disposto nos artsº 564º e 566º, nº3, do CC (ver artº 4º do mesmo Código), sendo tal noção
absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, assim, portanto,
devendo ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.
É certo que a equidade não corresponde a arbitrariedade. E por isso impõe-se encontrar um
capital que, tendo presente a esperança de vida do lesado, seja susceptível de garantir, ao
longo daquela, as prestações actualizadas correspondentes à efectiva perda de ganho. E para
tal efeito se pode recorrer a tabelas financeiras ou matemáticas, mas apenas e só como meros
auxiliares, posto que o critério que aqui deve prevalecer é o recurso à equidade (cfr., v.g., o
Ac. STJ, in CJ/STJ/02, Tomo 2, pág. 132).
Porque pertinente e cremos que ajustada, permitimo-nos transcrever a seguinte passagem do
Acórdão da relação de Coimbra, supra citado:
“Nesta medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística,
emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito,
rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira
law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à
solução dos concretos problemas da vida (CLAUS CANARIS, O Pensamento Sistemático e o
Conceito de Sistema na Ciência do Direito.).
Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade,
LARENZ afirma que se exige do juiz a formulação de “ juízos de valor “ devendo orientar-se
“ em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo
para além disso, a sua própria intuição axiológica (Metodologia da Ciência do Direito,
pág.335).
A equidade, nas judiciosas considerações feitas no Ac STJ de 10/2/98, C.J. ano VI, tomo I,
pág.65, “ é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos
fixados na lei “ devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso
prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida “.

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Daí que quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não sejam vinculativas,
apenas servindo como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano
(art.566 nº3 Código Civil) (cf., por ex., Ac do STJ de 8/3/79, com anotação favorável de VAZ
SERRA na RLJ ano 112, pág.263, de 8/6/93, C.J. ano I, tomo II, pág.130).
Por isso, é de repudiar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em
equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em
alguns arestos (cf., por ex., Ac do STJ de 4/2/93, C.J. ano I, tomo I, pág.129, e de 6/7/2000,
C.J. ano X, tomo II, pág.144), encontrando-se criticamente comentadas no estudo do Cons.
SOUSA DINIS, “ Dano Corporal em Acidente de Viação “, publicado na C.J. do STJ ano V,
tomo II, pág.11, e mais recentemente na C.J. ano IX, tomo I, pág.6 e segs. Sem embargo da
utilização de critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução baseada na
equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do
quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas pode servir como factor
adjuvante e auxiliar do percurso decisório.
Note-se que, ao contrário de alguns países, não se instituiu ainda em Portugal um sistema
semelhante à “baremación “, vigente em Espanha com a Ley nº30/1995 de 8/11, vinculativo
para os tribunais, e, ainda que sem pendor vinculativo, semelhante modelo assente em
“barèmes “foi também implantado em França, integrado numa Convenção destinada a
regularizar os sinistros de circulação rodoviária, adoptada depois da publicação da “Loi
nº85-677 “de 5/7/1985, apelidada de “ Loi Badinter “”.
Isto posto, tendo presente a idade do D…., a data previsível da sua inserção na actividade
laboral, o período provável da vida activa, a taxa de juro de referência - certamente inferior à
considerada na sentença--, a provável progressão na sua remuneração e a previsível taxa de
crescimento, certamente que um pouco superior à referida na sentença, com recurso às
aludidas tabelas ou fórmulas certamente que chegaríamos a um valor um pouco superior ao
fixado na sentença.

No entanto, considerando, por um lado, que deve imperar aqui a equidade - sempre não
olvidando que os elementos referidos supra atinentes à carreira profissional do D…., à sua
evolução profissional, bem assim à evolução da situação económico-financeira do país (v.g. há
factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, como, por exemplo, a
evolução profissional, a inflação e variabilidade das taxas de capitalização), se revestem de
uma enorme incerteza, dependendo da convergência ou verificação de inúmeros factores que
podem ou não ocorrer, estando-se, portanto, a laborar em puras conjecturas, baseadas num
juízo de previsibilidade; e, por outro lado, atendendo a que o valor a que se chegaria sempre
teria de sofrer um ajustamento, já que o lesado vai receber de uma só vez, aquilo, que em
princípio deveria receber em fracções anuais, para se evitar uma situação de injustificado
enriquecimento à custa alheia, sendo razoável a dedução de uma percentagem ( cfr. Cons.
Sousa Dinis, in C.J. ano X, tomo I, pág.9 ),
cremos que se mostra equilibrada a indemnização de € 50.000,00 (cinquenta mil euros)
arbitrada na sentença a título de indemnização pelo dano (patrimonial) futuro, a qual,
portanto, se mantém, por se enquadrar nos pressupostos específicos de cálculo acabados de
referir, situados bem acima de um resultado meramente aritmético que poderia emergir da
ponderação crua e nua desses mesmos factores

Assim improcede esta segunda questão suscitada pelos Apelantes/Autores.

III. 2. APELAÇÃO DOS RÉUS E…. E MULHER:


Primeira questão: se, a existir culpa dos RR/apelantes, deve a mesma ser repartida na forma
de concorrência de culpas, com os Autores.

Entendem os RR/Apelantes que a culpa do acidente se deveu aos Autores/Recorridos, uma


vez que não exerceram, como deviam, o dever de vigilância. Se o exercessem, dizem, “não
teria ocorrido o acidente”.
Ou seja, entendem os RR/apelantes que provaram o que lhes incumbia provar: ”que
empregaram todas as providências exigidas para prevenir o acidente”. E como tal, não lhes
deve ser assacada culpa pelo acidente, a qual, pelo contrário, se deve aos Autores/recorridos.
Acrescentam, porém, os apelantes que “a imputar-se culpa aos RR esta deve ser repartida, na
forma de concorrência de culpas, com os AA”.
Que dizer?

Cremos que nenhuma razão assiste aos apelantes.


E a demonstração disso está bem descrita na sentença recorrida.
Não parece haver dúvidas de que funciona aqui uma dupla presunção de culpa dos Réus
(pais do H….): por violação do dever de vigilância do filho (ut artº 491º CC) e por se tratar

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de danos causados por actividade perigosa (manuseamento de detonadores contendo


produtos explosivos), ut artº 493º CC.
Face a tais presunções, inverte-se o ónus da prova (ut artº 344º CC), passando a incumbir aos
RR/apelantes provar que empregaram todas as providências necessárias - em termos de
vigilância do filho e em termos de vigilância do acesso deste aos detonadores - para que o
acidente pudesse ser evitado.
Ora, é certo que os RRE provaram que guardavam os explosivos num “armário com cadeado
com chave, sendo que esse, à data do sucedido, estava dentro de um barracão, também com
porta e fechadura com chave”.
Mas igualmente se provou que “o H…. teve acesso a essas chaves e, por isso, pode apoderar-
se dos detonadores” (pontos 2.1.41 e 2.1.42 dos factos provados).
Ora, é precisamente aqui que radica a culpa dos RR: tendo o H…. apenas 10 anos de idade,
deveriam os seus pais saber que era perfeitamente natural que, na natural ânsia de
traquinice e curiosidade próprias dessa mesma idade, se viesse a dirigir ao dito barracão à
procura de algo com que se entreter, ou na busca de qualquer novidade que pudesse mostrar
ou exibir aos colegas de escola.
É claro que sabendo os apelantes/pais do H…. que os materiais que guardavam no barracão
eram perigosos - designadamente para o seu próprio filho--, deveriam ter o cuidado de
guardar as chaves do armário ou do aloquete que prenderia o cadeado, se necessário, até,
trazendo-as sempre consigo.
Não o fizeram e a natural curiosidade da criança fez o resto: descobriu
As chaves, abriu o armário, levou os detonadores e, de novo com a naturalidade que seria de
esperar duma criança de 10 anos de idade, a explosão teve lugar quando o filho dos autores
manuseava tal material explosivo na companhia de um outro menor.
Portanto, face ao acesso do menor H…. às chaves do armário onde estavam os explosivos,
temos como assente que os seus pais não tomaram todas as medidas que se impunham para
que o acidente não ocorresse, assim, portanto, não ilidindo a presunção de culpa que sobre si
impendia resultante dos normativos supra citados.

Como se escreveu no Ac. do S.T.J., de 02.11.1989, Bol. M.J., AJ, 1º/3-9), o artº 493º do CC,
traduz uma situação de presunção legal de culpa, cabendo ao demandado provar que
empregou “todas as medidas exigidas pelas circunstâncias, com o fim e prevenir os danos
causados” - sendo que a perigosidade a que alude tal normativo legal pode resultar também
de qualquer actividade complementar da principal, desde que indispensável e inerente.
Seguramente que os pais do H…. não tomaram todas as medidas que eram “exigidas pelas
circunstâncias, com o fim e prevenir os danos causados” (deflagração dos explosivos e suas
nefastas consequências).

Escreveu-se, muito a propósito, na sentença:


“Aliás os RR. não se coibiram de alegar que ambas essas chaves estavam escondidas num
bloco da parede do referido barracão !!!, ou seja, em local em que qualquer estranho ou
qualquer residente da casa, atentos a esse “esconderijo”, podiam ter acesso. Esse
“esconderijo” tipo “chave debaixo do tapete da porta” ficou por demonstrar mas certo é que
o referido menor conseguiu obtê-las e o R. não provou que as guardou em lugar ou de forma
que não lhe fossem acessíveis.
Pelo exposto, ficou demonstrada a sua culpa nessa matéria.
Outra presunção de culpa que, neste caso, é dirigível também à progenitora do referido H….,
a Ré F…., resulta da previsão do art. 491º, do Código Civil, onde se estabelece que as pessoas
que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade
natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem
que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o
tivessem cumprido.
Igualmente aqui cabia aos AA. apenas e só a demonstração, aliás confessada, da relação de
filiação entre os RR. e o menor H…. para se imputar aos primeiros o dever de vigilância que
natural e legalmente lhes incumbe, além de mais, na actividade deste (cf. Arts. 122º, 123º e
1878º, do Código Civil). Apurada essa relação e o inerente dever, incumbia aos RR. a
demonstração de alguma das duas excepções previstas na parte final do mencionada art.
491º.
Porém, não fizeram prova de tal zelo, incumprindo o ónus do citado art. 344º, permitindo que
se lhes impute culpa e responsabilidade nos danos provocados pelo referido H…. (ainda que
se admitisse a sua imputabilidade cível nos termos do art. 488º, nº 2, do Código Civil).
Portanto, está estabelecida a imputabilidade subjectiva do comportamento e resultado em
causa aos RR. E…. e F…., que entendemos ser exclusiva, uma vez que, atendendo à idade do
D...... (10 anos à data dos factos) e à natureza do acto, de acordo com o estabelecido no art.
487º, nº 2, do Código Civil, não se poderia considerá-lo imputável. Aliás não se poderia

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também, com o desconhecimento apurado em 2.1.26. exigir outros cuidados que permitissem
invocar a previsão do art. 570º, do Código Civil. E saliente-se que esta conclusão não pode ser
contrariada pelo simples facto de outra criança da mesma idade ter participado
materialmente na conduta danosa.
De resto, em relação aos pais deste também consideramos não haver imputabilidade por via
do art. 491º, do Código Civil. Nenhum pai está espera que num A.T.L. o seu filho receba de
outra criança explosivos perigosos e os vá utilizar/deflagrar naqueles momentos em que,
como no caso, é normal uma criança da sua idade ter alguma autonomia que impede os pais
de um controle eficaz desse tipo de perigos. Por isso, é aceitável que nas circunstâncias
apuradas se julgue cumprido o dever de cuidado que lhes era exigível.” - os sublinhados e
negritos são da nossa autoria.

Dizem os apelantes que era exigível aos AA, relativamente ao seu filho, o mesmo grau de
vigilância que era exigível aos RR, já que o menor D...... tinha a mesma idade, frequentava o
mesmo estabelecimento de ensino e o mesmo ATL. E tal dever de vigilância não foi
observado.
Não é assim, porém.
Com efeito, não está em questão a vigilância dos filhos pelos pais enquanto frequentam o
estabelecimento de ensino.
O que está em causa é a falta de vigilância no acesso do filho dos RR aos explosivos. E essa só
aos seus pais pode ser imputada.

Efectivamente - e a respeito da alegada violação do dever de vigilância que os RR imputam


aos Autores - deve esclarecer-se que “o dever de vigilância, a que alude o artº 491º do Cód.
Civil, deve ser apreciado em face das circunstâncias de cada caso, não exigindo uma actuação
constante dos pais que levaria a uma limitação de liberdade de movimentos prejudicial à
educação dos filhos, contentando-se, naturalmente, com os cuidados que, segundo um juízo
de normalidade, garantam a segurança destes” (Ac. STJ, de 15-06-1982, Bol. M.J., 318º-430).
Aliás, tal limitação de movimentos do filho até traduziria uma violação do exercício do poder
paternal. É que, enquanto titulares do poder paternal, os pais têm o direito de ver o filho
menor crescer e desenvolver-se em saúde (cfr. nº 1 do artº 68º da Constituição da Rep.
Portuguesa). E tal crescimento saudável também passa-- e muito - pela atribuição de uma
certa autonomia aos filhos - bem diferente, porém, de independência e de “autogestão”,
acentue-se --, pelo respeito da aludida (embora até certo ponto controlada, ponderando a
idade dos filhos) liberdade de movimentos.

Assim, portanto, pergunta-se: que mais era exigível aos pais do D…., pois este mais não
estava do que a frequentar o estabelecimento de ensino (regressava deste, para ser mais
preciso) ?
Quererão os RR sustentar que deveriam os AA contratar um “polícia” para acompanhar em
permanência o seu filho, mesmo durante o tempo em que frequentava o ATL ?
É claro que não! E não vemos que os RR tenham violado aqueles “cuidados que, segundo um
juízo de normalidade, garantam a segurança” do seu filho.
Em suma, não cremos que fosse exigível aos RR outro comportamento, motivo porque
entendemos não lhes dever ser assacada qualquer quota de responsabilidade na produção do
evento danoso.

Improcede, assim, esta questão.

Segunda questão: se, face aos factos provados, sempre se impunha, recorrendo à equidade,
que a indemnização a pagar pelos RR fosse “substancialmente” reduzida:

Esta questão - que tem a ver com os danos patrimoniais futuros relacionados com a IPP de
que ficou a padecer o filho dos Autores-- já foi respondida na segunda questão suscitada
pelos Apelantes/Autores.
Com efeito, aí se entendeu manter tal indemnização no valor de € 50.000,00 - precisamente,
também, recorrendo à equidade. E para a argumentação ali vertida se remetem os ora
apelantes.

Assim improcede esta questão.

Terceira questão: se as lesões sofridas pelo menor D...... “não são uma limitação para a
escolha de uma profissão futura” e, por isso, se de tais lesões não resulta um dano
patrimonial mas apenas moral, logo já abrangido pela indemnização atribuída para esse fim
e se sempre não haveria lugar a qualquer indemnização a título de danos materiais pelo facto

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de o dano sofrido pelo menor D...... ser imprevisível:

O que, no essencial, aqui se põe em questão é saber se os danos sofridos pelo D...... não devem
ser considerados pelo facto de, no entender dos apelantes, os mesmos não serem obstáculo ao
exercício de uma profissão ou para a progressão nela, não traduzindo qualquer “perda de
rendimentos de trabalho”, além de - no entendimento dos apelantes-- se tratar de danos que
devem ser qualificados de imprevisíveis.
Assim, também, entendem os apelantes que os danos físicos sofridos pelo D...... já se incluem
nos danos morais, “pois caracterizam-se por um dano estético”.
Vejamos.

É certo que se não provou que o D...... exercesse à data dos factos qualquer actividade laboral
- não podia ser trabalhador por conta de outrem, atenta a sua tenra idade (10 anos). Mas daí
não é legítimo conclui - como pretendem os apelantes - que por causa dos danos sofridos no
acidente não tenha ficado afectado na sua capacidade de trabalho, ou seja, que tenha deixado
de auferir qualquer quantia que previsse vir a auferir no futuro.

Provado ficou, designadamente, o seguinte:


“Além dos ferimentos causados pelos estilhaços, que lhe deixaram cicatrizes no rosto, tórax,
abdómen e coxa direita, as sequelas mais graves sofridas pelo menor D...... verificaram-se na
mão esquerda.
Desta mão, o único dedo que se encontra íntegro é o quinto.
O quarto dedo ficou amputado de mais de metade da falange distal, ficando com unha
rudimentar na sua extremidade.
O terceiro dedo apresenta-se amputado as 3 falanges, com cicatrizes que se estendem pelas
faces palmar e dorsal da mão.
O segundo dedo apresenta-se amputado nas duas últimas falanges distais, com coto.
O primeiro dedo (polegar) apresenta-se amputado pela falange distal, com coto.”
“Não tinha qualquer limitação física ou funcional, para as actividades da sua vida corrente,
fosse a de se alimentar, de se vestir, tratar da sua higiene, dos seus estudos ou outras.”
“Actualmente é uma criança incapaz de realizar actividades próprias da sua idade,
nomeadamente algumas actividades escolares, mesmo as que se relacionam com actividades
físicas (alguns exercícios de ginástica ou de desporto) ou que exigem a acção de ambas as
mãos (trabalhos oficinais), embora não com a destreza própria de quem sofreu esse tipo de
amputações. Viu reduzida a sua destreza em actividades manuais.”
“Em consequência dessas sequelas o D...... sofre de uma incapacidade permanente parcial de
25% desde 12.10.2000.
O D...... tem cicatrizes no rosto, tórax, abdómen e coxa direita.
Bem como cicatrizes nas faces palmar e dorsal da mão esquerda.
Inicialmente o D...... andava com a mão esquerda escondida.
Por vezes, metia então a mão num bolso, das calças ou de blusão.
Outras vezes, nessa altura, quando usava manga comprida, esticava essa mesma manga, para
encobrir a mão.
Tudo, evidentemente, para esconder a sua deficiência física.”

Ora, parece mais que evidente que a incapacidade de que ficou a sofrer o menor D...... o irá
afectar, irremediavelmente, na sua capacidade de ganho, sendo, sem dúvida um dano
patrimonial previsível. O que de forma alguma é posto em causa pelo facto de não exercer
actualmente qualquer actividade remunerada.

A questão já foi por nós tratada noutros acórdãos que relatámos, designadamente nos
proferidos nos procs. nºs nº1755/05 e 6203/2005, desta mesma 3ª Secção-- os quais, por isso,
aqui seguimos de perto.

Ora, temos entendido - e continuamos a sustentar-- que uma incapacidade permanente geral
(e, portanto, também.… para o trabalho), não se esgota num dano funcional que tenha
repercussão, imediatamente, ou não, numa perda de ganho efectiva. Pode constituir um dano
que perturba a vida de relação e o bem estar do lesado ao longo da vida.
Como tal, trata-se de um dano futuro previsível e, por isso, indemnizável (ut artº 564º, nº2 do
Cód. Civil).

O simples facto de o D...... ter ficado com as cicatrizes acima referidas – além, portanto, da
deficiência acentuada na mão esquerda--, atenta a sua variedade e localização, por si só até já
poderiam ser susceptíveis de, num futuro mais ou menos próximo - ou longínquo, se
quisermos--, influenciar o D...... no exercício de uma actividade profissional, ou na procura

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dela, pela repercussão negativa que possam ter na sua imagem física, diminuindo a sua
aceitação e, logo, colocando-o em desvantagem no mercado de trabalho, perante a
concorrência. É que há actividades em que a existência de meras cicatrizes como as que o
D...... adquiriu com o acidente pode marcar a diferença entre conseguir ou não um almejado
emprego.

Mas mesmo abstraindo das “cicatrizes”, o certo é que não é por se não encontrar a trabalhar
à data do acidente-- como o não seria caso estivesse apenas desempregado - que lhe não
assiste o direito a ser indemnizado pela IPP.

Efectivamente, têm sido várias as decisões de Tribunais Superiores, em especial do STJ, no


que tange à indemnização devida por danos futuros associados a IPP, designadamente em
virtude de acidentes de viação.
Assim, no Ac. do STJ de 19.02.2004, disponível na base de dados do MJ (relator o Exmº Sr.
Conselheiro Nuno Cameira), escreveu-se muito a propósito:
"[…] não procede o argumento central da recorrente para negar a concessão da
indemnização - o de que não há perda da capacidade de ganho porque o lesado deixou de ter
actividade profissional; como bem observa o recorrido, e acresce a tudo quanto já se disse, o
dano aqui em causa não se esgota na perda da capacidade de ganho; vai além disso, incluindo
a limitação do lesado como pessoa atingida na sua integridade física: hoje e no futuro, até ao
final dos seus dias, terá de despender mais esforço físico e psíquico para levar a cabo todas as
tarefas indispensáveis à sua sobrevivência. E isto, face aos textos legais citados, é susceptível
de indemnização.”

Cremos dever ser esta a posição a seguir, a qual, aplicada ao caso sub judice, justifica
indemnização a arbitrada pela IPP de que o filho dos Autores/ apelantes ficou a sofrer por
causa do acidente dos autos.
Efectivamente, a incapacidade permanente parcial é, de "per se", um dano patrimonial
indemnizável, é um dano patrimonial futuro, como bem se observou nos acórdãos do S.T.J.
de 4/12/96 e de 8/6/93, B.M.J. nº462, pág. 396 e C.J./S.T.J., ano 1, tomo 2, pág. 138--
independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante--, dada a
inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física e/ou psíquica- cfr. acórdãos
de 5/2/87, BMJ nº 364, pgs. 819 e segs., de 17/5/94, Col. Jur. - STJ, 1994, Tomo II, pgs. 101-
102, de 24/2/99, BMJ nº 484, pg. 359, e de 23/1/01, revista nº 3617/00, 1ª secção.
Não se deve olvidar que o direito à integridade corpórea (física e psíquica) beneficia de tutela
constitucional (v. artº25 CRP) e que a saúde se nos apresenta como um estado de bem estar e
equilíbrio global físico-psíquico. [Na doutrina, veja-se em apoio desta ideia, o Pof. Antunes
Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição, pg. 942].

O filho dos Autores sofreu, assim, um dano que tem de ser juridicamente protegido e
quantificado.
Tal tipo de dano é um conceito normativo e tomado por vezes como sinónimo de dano à
saúde; o chamado dano biológico (conceito eminentemente médico-legal) não pretende
significar senão a diminuição somático-psiquica do indivíduo, sendo o dano à saúde um
conceito jurídico-normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal
(v. João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos
Ressarcitórios, Teses, Almedina, Setembro 2001, pág.99).

Portanto, apesar de se não ter verificado no caso em apreço perda imediata de salário [Da
mesma forma se escreveu no Ac. STJ de 11 de Fevereiro de 1999 (Consº Miranda Gusmão),
disponível na mesma base de dados do MJ:
“A doutrina deste acórdão - subscrita pelo Relator do presente acórdão - vem, pois, na
sequência da doutrina uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de basta a
alegação de incapacidade permanente parcial para fundamentar, uma vez provado, um
pedido de indemnização por danos patrimoniais futuros. Dito de outro, o ónus de afirmação
esgota-se com a invocação da incapacidade permanente parcial, sendo irrelevante a
invocação de perda de rendimento no futuro, o que diga-se tratar-se de uma invocação que
não passaria de uma invocação dada a impossibilidade de prova: caso de um menor em idade
escolar, caso de estudante que é forçado a mudar de curso, mercê da advinda incapacidade
permanente parcial.
Basta pois, a alegação da incapacidade parcial permanente para, uma vez provada, servir de
base ao pedido de indemnização de dano patrimonial cujo valor não se prova, sendo certo
que o valor desse dano terá de ser apreciado equitativamente - artigo 566 n. 3, do Código
Civil.
O que se acaba de dizer reflecte a doutrina deste Supremo Tribunal (acórdãos de 5 de Julho

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de 1987 - B.M.J. n. 364, página 819; de 17 de Maio de 1994 - Colectânea - Acórdãos do S.T.J.
- ano II, tomo II, página 101; de 4 de Dezembro de 1996 - B.M.J. n. 462, página 396; de 7 de
Outubro de 1997 - B.M.J. n. 470, página 569; e de 5 de Fevereiro de 1987, B.M.J. n. 364,
página 819). A doutrina que se conhece é toda no sentido de que a incapacidade permanente
parcial é, de per si, um dano patrimonial cujo valor não se encontra apurado (cfr. ANTUNES
VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 9. edição, página 942).
Não deixa de ser um precioso contributo para a doutrina defendida os ensinamentos que se
colhe de FERNANDO OLIVEIRA SÁ - Clínico Médico Legal da Reparação do Dano
Corporal em Direito Civil, 1992, páginas 225 e seguintes.] -- o D......, atenta a sua idade,
naturalmente que ainda não estava a trabalhar--, aquela indemnização é sempre devida,
atendendo a que o dano físico determinante dessa incapacidade exige, ou seguramente que
exigirá, do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do
trabalho, no mercado da forte e, por vezes, cruel concorrência, sendo certo que tal
incapacidade vai acompanhar o D...... pela vida fora, seguramente aumentando a dificuldade
de sucesso, e, assim, limitando as suas aptidões e bem estar.
Uma coisa é a situação económica e profissional actual do D…., outra, bem diferente-- e que
ora releva--, aquela que no futuro se lhe possa deparar.

Assim, sem dúvida que se impõe atribuir uma compensação ao menor D...... pelos danos
futuros – previsíveis - que resultarão da sua IPP.
O que está em sintonia com o art. 564º, nº2 do Cód. Civil que dispõe: “na fixação da
indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não
forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão
ulterior".

No sentido de que o lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros
resultantes de incapacidade permanente resultante de acidente de viação - prove-se ou não
que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do
trabalho -, ver, ainda, entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-12-99, in
Proc 808/99 - 1ª Sec, de 27-9-01, in Proc 1979/01- 7ª Sec e de 15-5-01, in Proc 1365/01-6ª Sec.

E foi ponderando todo o supra explanado e a factualidade apurada, e recorrendo ao prudente


arbítrio do julgador por via da equidade [O apelo a critérios de equidade tem em vista o
encontrar no caso concreto a solução mais justa - aquela é sempre uma forma de justiça.
Como diz o Prof. Castanheira Neves a "equidade" exactamente entendida não traduz uma
intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade (vide
Dário de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 105 e segs.).], que entendemos
manter a indemnização de € 50.000,00 por danos patrimoniais futuros emergentes da IPP--
montante que nos parece, como supra já referido, estar em conformidade com os princípios
da justiça, da equidade e da proporcionalidade.

Improceder, assim, esta questão.

Quarta questão: se é excessiva a indemnização atribuída a título de danos morais (ao D….):

Na decisão recorrida fixou-se a indemnização por danos morais a pagar pelos réus ao D…. no
valor de € 30.000,00 - a fls. 407 escreveu-se, por manifesto lapso, “20000€” quando se queria
escrever € 30.000, como claramente resulta de fls. 406 e do valor global fixado na sentença
(50000 € + 30000 € = 80000 €).

Como supra já referimos, não há aqui uma indemnização verdadeira e própria mas antes
uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a
compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de
alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer. Não se visa preencher uma lacuna
verificada no património do lesado, mas apenas aumentar um património intacto para que,
com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor.

Perante a factualidade apurada, os danos que neste domínio deverão ser valorados
traduzem-se, pois, em :
ofensa à integridade física;
dores sofridas quando da lesão e posteriormente em consequência dos tratamentos;
dano estético, isto é “uma alteração morfológica do indivíduo que se traduz na diminuição da
sua integridade física”(Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, Coimbra, 1991, pág.
465) in casu consistente nas já referidas cicatrizes várias e na deficiência na mão esquerda.
Ora, como emerge do acima já referido, diferentemente do que ocorre no domínio dos danos

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patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, como o não é a


tradução em números do volume de dores, angústias e desilusões, o legislador manda logo
julgar de acordo com a equidade (art. 496º, nº3 CC que remete para o artº 494º, do mesmo
diploma), devendo o Juiz procurar um justo grau de «compensação». O bom senso, o
equilíbrio, a objectividade e o sentido das proporções são particularmente, aqui, vectores
essenciais.

Todos os aludidos danos sofridos pelo Tiago, pela sua gravidade, merecem indiscutivelmente
a tutela do direito e, nessa medida, deverão ser compensados [sobre a caracterização do
prejuízo estético (pretium pulchritudinis) como dano não patrimonial, cfr. por todos, o Ac. do
S.T.J. de 6-4-1978, B.M.J. n.º 253, pág. 241, Ac. do S.T.A de 4-1-1997, Rec.º n.º 37057 da 1ª
secção (2ª subsecção) e Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed.,
Coimbra, 1980, págs. 129-130].
Deve ter-se em conta, na ressarcibilidade de tal dano não patrimonial, que a sua gravidade
“(...) há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de
conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade
particularmente embotada ou especialmente requintada)” - Antunes Varela, Das Obrigações
em Geral, 10ª ed., Coimbra, 2000, pág. 606).

Vimos o dano estético com que ficou o menor D...... e o natural sofrimento que sofreu em
resultado do acidente.
Não pode, no entanto, deixar de ser ter em conta que tal dano estético já foi ponderado para
efeitos de determinação do dano patrimonial futuro decorrente da IPP de que ficou a
padecer. Agora há que valorar apenas os sofrimentos sofridos, as dores físicas e psíquicas
passadas e a passar no futuro por via desse mesmo dano, procurando compensá-los mediante
a fixação de uma indemnização.
Obviamente que o facto de ter ficado deformado da mão esquerda irá ser causa de fortes
angústias e sofrimentos no futuro, em especial quando o D...... entrar na idade difícil dos
12/13 anos e passar a olhar-se ao espelho e, bem assim, quando pretender praticar desporto e
se vir parcialmente limitado em inúmeras modalidades, etc, etc..
É, sem dúvida, um dano acentuado, com gravidade, portanto, a merecer a devida atenção em
termos compensatórios.

Assim sendo, considerando todos os factores a que alude o artigo 494º do Código Civil, e
nomeadamente:
- a gravidade das lesões;
- as dores sofridas em consequência das lesões e bem assim dos tratamentos a que teve de
sujeitar-se e as dores que os acompanham.
- o prejuízo estético sofrido, nomeadamente a sua natureza, extensão e localização;
- o desgosto - maior com o andamento da idade-- por se ver esteticamente afectado, nos
sobreditos termos,
- a situação económica dos pais do H…. - o pai é mineiro (cfr. ponto 2.1.36 da relação de
factos provados) e dos pais do D…., tudo devidamente ponderado, sem esquecer a idade do
D...... à data do acidente (tinha apenas 10 anos de idade), sem miserabilismos, é certo, mas,
também, sem exageros, afigura-se-nos equitativa a verba de € 20.000,00.

Procede parcialmente esta questão suscitada pelos Réus na sua apelação (fls. 441 verso).

Quinta questão: se a ré seguradora deve responder pela indemnização em que forem


condenados os RR:

Entendem os apelantes que a exclusão da responsabilidade prevista na al. g) do artº 4º das


cláusulas gerais da apólice do contrato de seguro que os RR celebraram com a Ré seguradora
- aí se prevê a exclusão da responsabilidade resultante de acidente devido a efeitos directos ou
indirectos de explosão - não vale para a presente situação, pois a “explosão” ali prevista “não
é aquela que originou os danos ao ofendido”.
Que dizer?

Cremos não assistir qualquer razão aos apelantes.


Efectivamente, entre o Réu e a Ré seguradora foi celebrado um contrato de seguro de
“responsabilidade civil familiar” (cfr. fls. 114/115).
Tal contrato rege-se pelas “condições gerais” e “condições especiais” da respectiva apólice,
que foram juntas pela seguradora a fls. 111 a 113.

Ora, quer nas condições gerais, quer nas especiais estão contempladas várias situações em

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28/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

que é excluída a responsabilidade da ré seguradora pelos danos em cuja indemnização serão


os réus condenados.
De entre tais situações de exclusão da responsabilidade, estão as previstas no artº4º, nº 1, als.
a) e g) e nº2, al. a).
Vejamos.

Assim, na referida al. a) prevê-se a exclusão da responsabilidade “ … por actos ou omissões


que constituam violação consciente de normas legais ou regulamentos”.
Ora, como resulta dos factos provados e da abordagem da questão supra suscitada atinente à
culpa na produção do evento - donde se conclui que a mesma é exclusiva dos Réus--, vemos
que o acidente ocorreu, designadamente, pelo facto de o réu marido - mineiro de profissão -
não ter cumprido as regras que regulamentam a posse e armazenamento de explosivos.
Isto mesmo foi observado na sentença, quando se escreveu:
“independentemente da necessária licença, as instalações onde estavam armazenados esse
detonadores explosivos não cumpriam, pelo menos, as regras estabelecidas no art. 20º (pontos
1 e 8), do então vigente D.L. 142/79, de 23.5. depositando tais detonadores em receptáculo e
edificação com revestimento metálico e, neste último caso, madeira (2.1.90.).”.
Portanto, o acidente deu-se, designadamente e em especial, porque os materiais explosivos
eram guardados pelo réu marido em condições manifestamente deficientes, em violação,
portanto, das normas e regulamentos sobre a posse, utilização e armazenamento dessa
natureza.

Por sua vez, na referida al. g) prevê-se, também, a exclusão da responsabilidade “resultante
de acidentes devidos a efeitos directos ou indirectos de explosão, calor ou radiações […]”.
Ora, não há dúvida que os danos sofridos pelo D...... tiveram origem numa explosão.
Deve dizer-se, desde já, que - como bem salienta a ré seguradora--, na modalidade de seguro
como o sub judice, denominado seguro “de responsabilidade civil familiar”, não se pretende
acautelar situações como aquela que se discute nos autos. Parece obvio que os RR não o
celebraram para esse efeito, ou prevendo acautelar tais situações.
No entanto, a aludida cláusula g) do nº 1 do artº 4º das condições gerais da apólice afasta de
forma expressa a situação de danos decorrentes de “explosão”.
E não tem sustento na letra das aludidas condições gerais da apólice a interpretação que os
RR/apelantes pretendem dar à citada al. g): que a “explosão” a que se refere a dita cláusula
“não é aquela que originou os danos ao ofendido; Tal “explosão” tem que provir de uma
transmutação do núcleo de átomo e/ou da radioactividade… ”. É que os Réus esquecem as
vírgulas e a partícula “ou”, das quais claramente resultamente que se procurou
individualizar cada uma das situações ali previstas, ou seja, a “explosão”, o “calor” e as
“radiações”. E daí quem, tendo os danos sofridos pelo D...... sido - como foram - provocados
pela “explosão” dos artefactos explosivos que o filho dos RR levou consigo de casa de seus
pais e deu ao filho dos RR, excluída está a responsabilidade da ré seguradora pelos danos
decorrentes dessa mesma “explosão”.

Improcede, assim, esta última questão suscitada pelos Réus/apelantes.

CONCLUINDO:
Os danos não patrimoniais indirectos ou reflexos estão abrangidos na previsão do artº 496º
do CC, pois o nº 2 deste normativo legal não abrange apenas aquele que é directamente
atingido por lesões de natureza física ou psíquica graves, mas também os terceiros que só
reflexa ou indirectamente são atingidos com tais lesões.
A tal resultado já se chegaria pela simples leitura do nº 1 do artº 496º CC, o qual impõe como
única condição para haver lugar à ressarcibilidade dos dano não patrimoniais que tais danos
“pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, não se fazendo, aí, qualquer limitação ao
dano sofrido pelos lesados directos.
Como tal, embora tenha natureza excepcional, nada obsta a que se faça uma interpretação
extensiva (ut artº 9º do CC) da norma do artº 496º, nº2, do Cód. Civil para os casos de ofensa
corporal não causadora da morte, situação em que as pessoas referidas nesse nº 2 se poderão
apresentar como credoras de indemnização por danos não patrimoniais que elas próprias
tenham sofrido, desde que se trate de situações compreendidas no espírito da norma
(designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou
quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia do lesado).
Daí, também, que tal direito de indemnização por danos indirectos ou reflexos deve ser
circunscrito às pessoas indicadas no aludido nº2 do art.496º.
A incapacidade permanente parcial (IPP) é, de "per se", um dano patrimonial indemnizável;
Mesmo não tendo havido perda de salário, a indemnização pela IPP é sempre devida, pois tal
incapacidade não se esgota num dano funcional que tenha repercussão, imediatamente, ou

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não, numa perda de ganho efectiva, antes pode constituir um dano que perturba a vida de
relação e o bem estar do lesado ao longo da vida.
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IV. DECISÃO:

Termos em que acórdão os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
Julgar parcialmente procedente a apelação dos Autores B….. E MULHER, em função do que
fixam a indemnização a pagar, solidariamente, pelos RR a cada um dos autores, pelos danos
não patrimoniais por estes sofridos, no valor de € 4.000,00 (quatro mil euros), no mais
improcedendo a apelação;
Julgar parcialmente procedente a apelação dos Réus E….. E MULHER, em função do que se
fixa a indemnização ao autor D…., a título de danos morais, no valor de € 20.000,00 (vinte
mil euros), a pagar solidariamente pelos RR, no mais improcedendo a apelação.

Custas em ambas apelações a cargo de Autores e Réus E…. e mulher, na proporção de


metade por cada parte.

Porto, 23 de Março de 2006


Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves

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