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Apostila das aulas de Setembro de 2021

Docência
Compartilhada
• Setembro 2021

Foto de fauxels no Pexels

PROFESSORA CLÁUDIA MISTRELI


“Partilhar conhecimento resulta em um novo ciclo de aprendizado, que por sua
vez quando compartilhado, gera um novo ciclo de conhecimento” Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 1
Cláudia Mistreli
1.1 QUAL O OBJETIVO DA INDÍCE
DOCÊNCIA COMPARTILHADA 03 Apresentação

05 1 Considerações iniciais

07 1.1 Qual o objetivo da


docência compartilhada

09 1.2 Como ocorre a docência


compartilhada na prática

11 2. O conhecimento pedagógico
e a interdisciplinaridade: o saber
como intencionalização da
4. DESAFIO DA QUALIDADE
prática
DA EDUCAÇÃO: GESTÃO DA
SALA DE AULA

Celso dos S. Vasconcellos 15 4. Desafio da qualidade da


educação: gestão da sala de aula

18 4. Organização da
coletividade de sala de aula

24 Referência Bibliográfica

2 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021


OLÁ
Me chamo Cláudia Regina Mistreli, sou Mestranda e
Doutoranda em Educação - Universidad Nacional de
Rosário - Rosário-Argentina.

Graduada em Pedagogia pela Universidade Braz


Cubas (2009). Especialista em Deficiência Intelectual
pela UNESP (2011).

Atualmente sou Professora de Educação Infantil e


Fundamental da SME, Prefeitura Municipal de São
Paulo e Prefeitura Municipal da Estância Hidromineral
de Poá. Atuando na sala do Atendimento Educacional
Especializado. Na formação inicial e continuada
de professores, tutora e professora nos cursos EAD
de Pós-Graduação e Licenciaturas do Ato Instituto
Educacional (Poá). Livros
Organizadora dos livros:
Professora universitária convidada no centro
universitário UNINOVAFAPI (Piauí). Educação, Relatos e Práticas
Com experiência na área de Educação com ênfase Novos olhares para uma
em dificuldades e processos de aprendizagem, educação prática, eficiente e
experiência na formação de professores inicial e humanística.
continuada.
Currículo Lattes
Possuo trabalho divulgados em coletânea e revistas,
http://lattes.cnpq.br/
que versam vários temas na área de educação.
9047928944197652.
Atuação na Assistente Técnica na Prefeitura de Poá/
SP. também na mobilidade docente de Educaçao Email
Inclusiva no Uruguai(2014). claudiamistreli@gmail.com

Atualmente participa do Projecto Netstem Brasil - Blog


Colômbia http://inclusaoemrede.blogspot.
com/

Formação
Pedagoga

Bacharel em administração de
empresas

Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 3


Este texto apresenta-se em forma de
recortes de artigos e teses, com abordagens
teóricas e práticas relacionadas à Docência
Compartilhada, com contribuições da
pedagogia, psicologia, filosofia, sociologia,
na visão política e epistemológica, referente
ao campo educacional geral, para o avanço
dentro do contexto da docência colaborativa,
interdisciplinar, apoiada nos quatros pilares
da educação, do desenho universal da
aprendizagem e gestão de sala de aula.

4 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021


Imagem: https://www.freepik.es/fotos/musica’>Foto de Música creado por wayhomestudio - www.freepik.es
DOCÊNCIA COMPARTILHADA:
POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO
DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL?
POR: SIMONE BORGES HOCHNADEL & ELAINE CONTE

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS social, a educação pouco avançou e passou


por transformações significativas, pois
Ao longo dos anos, o mundo mudou, as compreendemos que ainda continuamos com
pessoas mudaram, os interesses e os hábitos as concepções do século XIX, do professor
sociais se transformaram radicalmente, e um como um mero depositário de conhecimentos,
dos exemplos é que atualmente passamos mais que somente avalia os educandos por uma
tempo conectados no mundo virtual do que prova ou que a educação visa somente fazer
em outras ações conjuntas e projetos escolares. com que os estudantes assimilem os conteúdos,
Mesmo com todo o processo de mudança sem levar em conta sua dimensão emocional,
Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 5
comportamental, suas ações e potencialidades, referências que
conforme seus contextos socioculturais. É tratam da
altíssimo o número de estudantes que d o c ê n c i a
terminam o Ensino Médio na condição de compartilhada na
analfabetos funcionais. Fonte de dados da e duc aç ão,
segunda Avaliação Brasileira do Final do Ciclo especialmente no
de Alfabetização, a Prova ABC realizada pelo que se refere à
movimento Todos pela Educação, aponta que relação com outros níveis de ensino, para além
mais da metade (55,4%) dos estudantes do 3º da Educação Infantil, tais como: escolas
ano do ensino fundamental no país não leem cicladas (inclusão), superior e a distância
e não interpretam um texto de forma correta. (EAD) e Programa Institucional de Bolsa de
Desta forma, fica evidente a necessidade de Iniciação à Docência (PIBID). A Docência
uma maior atenção dos educadores no Compartilhada contribuiu com ricas
processo de alfabetização, acreditando que a oportunidades aos professores para o trabalho
docência compartilhada venha a contribuir colaborativo, construindo ações mais criativas
significativamente neste aspecto. É clara a a partir do pensar e criar juntos. Este processo
necessidade de uma transformação nas não pode ser considerado uma simples divisão
práticas pedagógicas, pois com o passar dos de tarefas, mas sim a possibilidade de encontro
anos, isso foi ficando cada vez mais claro e e troca de ideias e experiências que agrega
urgente, principalmente quando o professor já imensamente à práxis do educador. Podemos
não consegue mais manter o interesse dos seus citar algumas referências que se destacam com
estudantes nos seus planejamentos e atuações contribuições significativas nessa temática,
pedagógicas solitárias e centralizadas. Por como Traversini (2012), Freire (2005), Titton
isso, apresentamos a ideia da docência e Fernandes (2008), Beyer (2005), Libâneo
compartilhada que consiste em mais de um (2007), Baptista (2006) e Nóvoa (2011). Beyer
professor na sala de aula para promover a ação (2006) trabalha a partir do termo bidocência,
educativa. A docência compartilhada surge que seria a necessidade de se ter mais de um
como uma possibilidade de ser afetado, de professor em uma turma com estudantes de
tomar parte e participar com o outro inclusão. Nessa mesma perspectiva, Traversini
profissional de uma formação conjunta que (2010) também realiza reflexões de acordo
confere uma qualidade de docente ao ato de com suas experiências no Projeto Escola
educar. Portanto, o compartilhamento da Cidadã no município de Porto Alegre/RS,
docência se dará na partilha, de forma também dentro da ideia de inclusão, mas
cooperativa e solidária. Atualmente, esse tipo voltado para o termo de docência
de experiência recebe maior destaque na compartilhada. Traversini, juntamente com
Educação Infantil em virtude das leis que Rodrigues e Freitas (2010) referem sobre a
regem nos municípios, que determinam o pesquisa desenvolvida com um grupo de
número máximo de educandos por educador. estudos em escolas cicladas no município de
Também encontramos a docência Porto Alegre/RS, também ressaltam a questão
compartilhada em algumas escolas ou projetos da Docência Compartilhada e suas propostas
transformadores de educação, como por pedagógicas, com seus benefícios para a
exemplo, a Escola da Ponte, em Portugal, e o aprendizagem de todos os participantes.
Projeto ancora, em São Paulo. Há poucas
6 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021
1.1 QUAL O OBJETIVO DA
DOCÊNCIA COMPARTILHADA

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Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 7


A docência compartilhada tem o objetivo de planejamento de metas conjuntos, ocorre
atenuar a transição dos anos iniciais para os processo colaborativo que favorece o
anos finais do ensino fundamental, por meio atendimento individual, apresentam
da instituição de um professor referência para itinerários formativos são o conjunto de
a classe, conectando as áreas de conhecimento disciplinas, projetos, oficinas,núcleos de
por meio de projetos, favorecendo a intervenção estudo, entre outras situações de trabalho.
didático-pedagógica mais adequada a esse Nesta estratégia, dois professores de áreas
grupo. Essa docência é realizada também na distintas se unem para planejar aulas que
seguinte composição: possam interagir conteúdos, despertando
a curiosidade do aluno, desenvolvendo seu

1.
Professor polivalente / senso crítico, sua autonomia, e transformando
professor de educação seu conhecimento, que segundo Traversini et
infantil al (2012, p. 294) pode nos permitir deixar tocar
e transformar com e pelo outro, em direções

2.
Professor de ensino desconhecidas criadas no encontro de dois
fundamental I e professores do professores, tornando os fazeres docentes em
ensino fundamental II experiências criativas a cada circunstâncias
que nos acontece.

3.
Professor de Ensino
Fundamental II e Médio

4.
Professor de ensino médio e
especialista da área.

Com vistas ao desenvolvimento de projetos,


buscando a integração dos saberes docentes
e discentes, a partir da reflexão, análise,
avaliação e busca de respostas cada vez mais
adequadas às necessidades de aprendizagem
dos estudantes. (Portaria n° 5.930/2013-SP).
O modelo de docência compartilhada se
configura de acordo com cada instituição, seja
na docência em colaboração, quando os dois
professores planejam as metas em conjunto
atuam nas intervenções, processos e avaliação.
Acontece também na configuração do segundo
professor observador, com a atribuição de
observar e analisar onde há necessidade de
ajuste na prática, na intervenção e nas metas
planejadas.
Em comum nas configurações ocorre o
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1.2 COMO OCORRE A DOCÊNCIA
COMPARTILHADA NA PRÁTICA
Na prática de docência compartilhada, como: transposição didática, currículo e
tem gerado novas experiências que, por sua desenvolvimento curricular, planejamento,
vez, redundam em novas ações daqueles organização de tempo e espaço, gestão de classe,
que dela participam e exigem dos docentes contrato didático, interação grupal, criação,
conhecimentos pedagógico que trata do realização e avaliação das situações didáticas,
conhecimento de diferentes concepções avaliação das aprendizagens dos alunos,
sobre temas próprios da docência, tais inclusão de estudantes com deficiências,
Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 9
trabalho diversificado, relação professor- Nesse sentido, a presente
aluno, análises de situações educativas e de experiência didática sugere
ensino complexas, produção de conhecimento uma pedagogia diferenciada: a
pedagógico, entre outros. docência compartilhada. Segundo
E de diferentes conhecimentos experiencial Perrenoud (2000, p. 73), praticar
como o nome já diz, o conhecimento uma pedagogia diferenciada é
construído “na” experiência. Na verdade, fazer com que, quando necessário,
o que se pretende com este âmbito é dar cada aluno seja recolocado ou
destaque à natureza e à forma com que esse reorientado para uma atividade
conhecimento é constituído pelo sujeito. É fecunda para ele.
um tipo de conhecimento que não pode ser
construído de outra forma e de modo algum Assim, todos esses conhecimentos
pode ser substituído pelo conhecimento constituem a base para a gestão da classe,
“sobre” a realidade. Saber – e aprender – um uma das funções principais dos professores.
conceito, ou uma teoria é muito diferente de As demais dimensões da atuação profissional
saber – e aprender – a exercer um trabalho. (participação na definição do projeto
Trata-se, portanto, de aprender a “ser” educativo e curricular da escola, inserção
professor. Perceber as diferentes dimensões nas associações profissionais, interação
do contexto, analisar como as situações se com pais de alunos e demais membros da
constituem e compreender como a atuação comunidade escolar) também demandam
pode interferir nelas é um aprendizado aprendizagens experienciais, uma vez que
permanente, na medida em que as questões são se trata de conhecimentos que só se aprende
sempre singulares e novas respostas precisam fazendo. Entretanto, é preciso deixar claro
ser construídas. A competência profissional do que o conhecimento experiencial não se
professor é, justamente, sua capacidade de criar desenvolve se não for articulado a uma
soluções apropriadas a cada uma das diferentes reflexão sistemática. Constrói-se, assim, em
situações complexas e singulares que enfrenta. conexão com o conhecimento teórico, na
Assim, este âmbito de conhecimento está medida em que é preciso usá-lo para refletir
relacionado às práticas próprias da atividade sobre a experiência, interpretá-la, atribuir-lhe
de professor e às múltiplas competências que significado. ( Proposta De Diretrizes Para A
as compõem. Não se deve esquecer, também, Formação Inicial De Professores Da Educação
que a educação é uma prática relacional em que Básica, Em Cursos De Nível Superior-Brasil
todos participam como pessoas. A natureza -maio- 2000).
educativa da atuação profissional do professor
exige-lhe um envolvimento pessoal que
também precisa ser tematizado, refletido, para
que se explicitem as atitudes necessárias para
levar com sucesso sua atuação. O professor
precisa aprender a reconhecer esse aspecto, e
ser capaz de perceber-se para desenvolver um
estilo próprio de atuação.

10 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021


Antônio Joaquim Severino

Quando analisamos a prática da educação da unicidade do fim. A impressão que se tem


em nosso contexto histórico, seja apoiando- é que cada uma delas adquire um certo grau
nos em nossas experiências empíricas, seja de autonomia, cada uma trilha seu próprio
fundamentando-nos nas pesquisas científicas, caminho, como se cada uma tivesse seu
um dos aspectos que mais chamam a atenção é próprio fim. Merece destaque, nesse âmbito,
o seu caráter fragmentário. Essa fragmentação a hipertrofia do administrativo sobre o
se expressa de várias formas. Sem dúvida, o pedagógico, com o estranho desenvolvimento
que primeiro impressiona, tal sua visibilidade, de uma postura autoritária e autocrática
é que os conteúdos dos diversos componentes no exercício do poder. Nossa experiência
curriculares, bem como atividades didáticas, cotidiana das relações no interior da escola
não se integram. As diversas atividades e comprova, mais uma vez, que à divisão técnica
contribuições das disciplinas e do trabalho do trabalho se sobrepõe uma divisão social,
dos professores acontecem apenas se fundada na distribuição desigual do poder.
acumulando por justaposição: não se somam A desarticulação fragmentária se manifesta
por integração, por convergência. É como se ainda na dificuldade, reconhecidamente
a cultura fosse algo puramente múltiplo, sem presente nas diversas instâncias do sistema
nenhuma unidade interna. De sua parte, os institucional de ensino, de articular os
alunos vivenciam a aprendizagem como se os meios aos fins, de utilizar os recursos para
elementos culturais que dão conteúdo a seu a consecução dos objetivos essenciais. Os
saber fossem estanques e oriundos de fontes recursos, mesmo quando disponíveis, não
isoladas entre si. Além disso, as ações docentes, são adequadamente explorados e utilizados
as atividades técnicas e as intervenções como meios para alcançar os fins essenciais
administrativas, desenvolvidas no interior da do processo. Outra expressão marcante dessa
escola pelos diversos profissionais da área, não fragmentação se encontra na verdadeira
conseguem convergir e se articular em razão ruptura entre o discurso teórico e a prática real

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dos agentes. Isso compromete profundamente e transitivas. Daí a grande contribuição do
a atuação do agente, tornando-a totalmente saber também para o fazer pedagógico e para
estéril, uma vez que ele não consegue se dar o poder educacional. Só no campo de um
conta do mecanicismo de sua prática e das projeto, o educador, como profissional, poderá
exigências de sua contínua reavaliação. Ao articular seu projeto pessoal, existencial,
mesmo tempo em que vai pronunciando ao projeto global da sociedade na qual se
um discurso teórico esclarecido e crítico, encontra, seja ele um projeto universalizado,
transformador, vai realizando outro discurso identificado com os interesses de todos, ou
prático rotineiro, dogmático e conservador. um projeto “egoístico”, identificado com os
Finalmente, é possível identificar como interesses de poucos, ideologizado, caso em
vinculada a essa fragmentação generalizada, a que o trabalho educacional ainda terá de se
desarticulação da vida da escola com a vida da dar uma dimensão de crítica e de resistência.
comunidade a que serve, do pedagógico com o Mas é ainda apenas sob condução de uma
político, do microssocial com o macrossocial. intencionalidade que a equipe dos agentes do
Tudo se passa como se se tratasse de dois trabalho escolar poderá constituir efetivamente
universos autônomos, desenvolvendo-se uma equipe, ou seja, agir como um sujeito
paralelamente, intercomunicando-se apenas coletivo, superando as idiossincrasias de seus
de maneira formal, mecânica, burocrática, projetos particulares de existência e de suas
como se entre escola e comunidade não características pessoais. É que, incorporada
houvesse um cordão umbilical. A superação por todos, é a intencionalidade que guia a ação,
da fragmentação da prática da escola só se e, sendo ela estabelecida em razão do projeto
tornará possível se ela se tornar o lugar de universalizado da sociedade, não haverá
um projeto educacional entendido como o como contrapor os interesses particulares aos
conjunto articulado de propostas e planos interesses universais que estarão em jogo. O
de ação com finalidades baseadas em valores projeto viabiliza a instauração de um universo
previamente explicitados e assumidos, ou de relações sociais onde se desenvolvem as
seja, de propostas e planos fundados numa condições da cidadania e da democracia,
intencionalidade. Por intencionalidade está se entendidas como as duas referências
entendendo a força norteadora da organização fundamentais da existência dos seres
e do funcionamento da escola provinda humanos numa realidade histórica. Também
dos objetivos preestabelecidos. O projeto as demais manifestações da fragmentação
educacional cria um campo de forças, como se da prática escolar vão se diluindo quando a
fosse um campo magnético, no âmbito do qual intencionalidade é efetivamente vivenciada
as ações isoladas, autônomas, diferenciadas, no contexto de um projeto educacional
postas pelos agentes da prática educacional, consolidado. A convergência dos meios aos
encontram articulação e convergência em fins, a integração das funções especializadas e
torno de um sentido norteador. A explicitação a integração curricular. Consequentemente, a
e o delineamento dessa intencionalidade prática da interdisciplinaridade, em qualquer
constituem o fruto primordial da atividade nível, mesmo no plano da integração
teórica para a prática, exatamente em curricular, depende radicalmente da presença
decorrência do fato de que a prática humana, efetiva de um projeto educacional centrado
em geral, e a prática educacional, em particular, numa intencionalidade definida com base nos
não podem ser práticas puramente mecânicas objetivos a serem alcançados pelos educandos.
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Para essa convergência, a docência prescinde, ainda, do compartilhamento de
compartilhada envolve habilidades dos metodologias favoráveis ao aprendizado
professores em relação à interdisciplinaridade. de competências socioemocionais de forma
O profissional coloca em prática habilidades integrada à aquisição de outras aprendizagens
como o respeito ao conhecimento do outro, específicas.
seja ele um colega de profissão, seja ele um Certamente mediado pela ação singular
aluno. e dispersa dos indivíduos, que o faz, o
Assim, o saber que intencionaliza a ação conhecimento só tem seu pleno sentido quando
pedagógica pressupõe que o conhecimento seja inserido nesse tecido mais amplo do cultural.
um processo interdisciplinar de construção O fundamental no conhecimento não é sua
de seus objetos, do que foi visto, podemos condição de produto, mas seu processo. Com
concluir que o saber, ao mesmo tempo em efeito, o saber é resultante de uma construção
que se propõe como desvendamento dos histórica, realizada por um sujeito coletivo.
nexos lógicos do real, tornando-se então Daí a importância da pesquisa, entendida
instrumento do fazer, propõe-se também como processo de construção dos objetos do
como desvendamento dos nexos políticos do conhecimento, e a relevância que a ciência
social, tornando-se instrumento do poder. assume em nossa sociedade. Mas impõe-se
Por isso mesmo, o saber não pode se exercer à ciência a necessidade de efetivar-se como
perdendo de vista essa sua complexidade: só um processo interdisciplinar, exatamente ao
pode mesmo se exercer interdisciplinarmente. contrário das tendências predominantes no
Ser interdisciplinar, para o saber, é uma positivismo, historicamente tão importante
exigência intrínseca, não uma circunstância na consolidação da postura científica no
aleatória. Com efeito, pode-se constatar que Ocidente, mas tão pouco interdisciplinar em
a prática interdisciplinar do saber é a face sua proposta de divisão epistemológica do
subjetiva da coletividade política dos sujeitos. saber. Tanto quanto o agir, também o saber
não pode se dar na fragmentação: precisa
acontecer da perspectiva da totalidade. E isso é
Em todas as esferas de sua prática, os homens válido tanto para as situações de ensino como
atuam como sujeitos coletivos. Por isso mesmo, o de pesquisa. O desafio da multiplicidade,
saber, como expressão da prática simbolizadora expressão da riqueza da manifestação do
dos homens, só será autenticamente humano mundo em nossa experiência, não nos
e autenticamente saber quando se der exime da exigência da unidade, garantia da
interdisciplinarmente. significação especificamente humana do
mundo que os homens inauguraram. Mas,
se o sentido do interdisciplinar precisa ser
De acordo com o currículo Piauí (2018): redimensionado quando se trata do saber
teórico, ele precisa ser construído quando se
Nosso currículo valoriza as práticas trata do fazer prático. Rompidas as fronteiras
pedagógicas mais interativas, norteadas entre as disciplinas, mediações do saber, na
por projetos, estudos orientados, atividades teoria e na pesquisa, impõe-se considerar que
culturais ou esportivas cuidadosamente a interdisciplinaridade é condição também da
planejadas pelos professores, inclusive de forma prática social. Com efeito, toda ação social,
interdisciplinar. O foco na educação integral atravessada pela análise científica e pela reflexão
Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 13
filosófica, é uma práxis, e, dos agentes sociais no sentido amplo. Na verdade, o que está
portanto, coloca tanto as em jogo é a formação do homem, mas o homem só pode ser
exigências de eficácia do agir efetivamente formado como humano se for formado como
quanto as de elucidação do cidadão. Não sem razão, pode-se dizer ainda que o projeto
pensar. A intervenção práxica educacional se torna necessário tanto para os indivíduos como
é o correspondente social para a sociedade. O indivíduo precisa dele para superar sua
e concreto da concepção condição de mera individualidade, alçando-se à condição de
antropológica do homem cidadão, membro da cidade; a sociedade precisa dele para
como ser histórico e social, estender a todos os indivíduos emergentes das novas gerações
o que exige para sua prática a intencionalidade da cidadania, de modo a poder garantir a
subsídios produzidos por tessitura democrática de suas relações sociais.
uma convergente colaboração
dos especialistas das várias
áreas das ciências humanas,
evitando, assim, a hipertrofia
tanto de uma fundamentação
unidimensional como de
uma intervenção puramente
técnico-profissional.
O que não dizer, então, da
prática na esfera do ensino?
A questão aqui se torna
ainda mais crucial, dado o
efeito multiplicador da ação
pedagógica. A educação, em
todas as suas dimensões,
torna ainda mais pertinente
a necessidade da postura
interdisciplinar, tanto como
objeto de conhecimento e
de pesquisa quanto como
espaço e mediação de
intervenção sociocultural.
Essa interdisciplinaridade
exigida na esfera do
pedagógico educacional não
se refere unicamente aos
requisitos epistemológicos da
formação do cientista. Ela se
impõe, à luz dos pressupostos
anteriormente colocados,
também em relação à
formação do profissional,
14 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021
4. DESAFIO DA QUALIDADE
DA EDUCAÇÃO: GESTÃO DA
SALA DE AULA

Celso dos S. Vasconcellos

Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 15


O aluno vai para a escola, antes de mais nada, para aprender aqueles saberes necessários
para sua formação (Proposta Curricular), em todas as áreas do conhecimento: domínio das
linguagens, das quantidades, da natureza, da ciência, da tecnologia, do espaço, do tempo, do
corpo, da transcendência, da arte, etc. Nosso mundo é muito complexo e amplamente marcado
pelo conhecimento. O educando tem que se apropriar dos saberes para poder se inserir,
crítica e criativamente, nessa realidade. O domínio do conhecimento, a aprendizagem efetiva
é fundamental para que seja um cidadão contemporâneo, um cidadão do mundo que ele está
vivendo, considerando, justamente, todo o avanço que já tivemos em termos da produção e
sistematização do conhecimento. Tratando da docència compartilhada o ponto de maior ênfase
será dado ao relacional.

Relacionamento Interpessoal
A educação escolar pressupõe o encontro pessoal. O Relacionamento Interpessoal tem a ver
com essa capacidade de o professor se aproximar mais intimamente, com maior cuidado e
profundidade, diante de uma dificuldade do aluno, seja em termos de aprendizagem ou de
disciplina; é a capacidade de uma relação mais próxima; é a exigência da relação significativa
com um outro, o “olho no olho”, sujeitos em proximidade, o contato humano. É uma dimensão
que vai além da coletiva: o professor trabalha com todos, mas conhece cada um de seus alunos,
e desta forma pode melhor ajudá-los na aprendizagem e no desenvolvimento humano. Não se
trata de conhecer a “vida íntima” de cada aluno, mas de apreender suas principais características.
Temos sérias dúvidas sobre a perspectiva algumas vezes apontada de o professor conhecer mais
profundamente cada um e todos os seus alunos. Primeiro, porque não sabemos se isto seria
possível, dadas as condições do trabalho docente. Segundo, sobretudo, será que o professor
teria estrutura psicológica para lidar com os dramas todos dos alunos? Tampouco se quer cair
numa visão intimista, individualista do tipo ‘cada um é cada um’. Isto é verdade, mas não é toda
a verdade, pois ao mesmo tempo em que cada um é cada um, cada um é também um pouco do
outro, do grupo ao qual pertence. Devemos considerar que o universo cultural, social, político,
econômico dos alunos não é tão diferenciado assim; é certo que existem diferenças, que existe
a apropriação pessoal, etc., todavia participam também de um referencial social muito comum.
Todo homem, em certos aspectos, é:

A Igual a todos os outros homens,

B Igual a alguns dos outros homens,

C Diferente de todos os outros homens (Kluckhohn &


Murray, 22 1965: 89).
16 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021
O professor quer que o aluno preste atenção bloqueio não é com o conteúdo, é com a
nele; para isso, precisa prestar atenção no matéria. O aluno, por exemplo, não gosta de
aluno. Daí vai a capacidade de o professor Matemática, não por causa de um conteúdo
perceber o aluno concreto (resultado de específico: não gosta em geral porque, no ano
múltiplas relações), pois desta forma encontra anterior, o professor o traumatizou em relação
um espectro muito amplo de elementos à matéria. Assim, o bloqueio não tem nada a
comuns, visto que os educandos têm situações ver com o professor ou com o conteúdo, mas
de vida muito semelhantes, marcadas pela com a própria matéria. Isso, no entanto, só
condição social, pelos meios de comunicação, podemos saber a partir dessa aproximação,
pelo gênero, pelos objetos colocados no mais específica em cada situação, desse
consumo, etc. Estes condicionantes, em sendo relacionamento interpessoal. Uma criança que
dominados, ajudam o educador a aprofundar se sente bem vista e bem-querida realmente
o conhecimento de um ou outro aluno vai até o inferno com você. E vice-versa,
particularmente, quando há esta necessidade. se não existe este laço, a criança se tornará
Trata-se de um outro olhar, um olhar marcado agressiva e teimosa, que você não leva a lugar
por um profundo nenhum; mas ela leva
respeito, pelo cuidado, você ao desespero (cf.
pela crença sincera GAIARSA, 1995: 52).
na sua capacidade de A construção deste
aprender, de se superar, vínculo do professor
de se transcender, de com os alunos, além
melhorar. Isto exige de ser decisivo para
prestar atenção no a construção do
aluno, levá-lo a sério. conhecimento, é
O professor olha para fundamental também
o aluno não como para nos momentos de
alguém que um dia será enfrentamento
uma pessoa, mas para de conflitos em
quem já é uma pessoa. sala, nesse sentido,
Não para alguém que entram as chamadas
um dia será cidadão, mas competências
para quem já é cidadão. socioemocionais
Tal olhar tem implícita uma mudança do (BNCC). Esta relação marcada pelo respeito
paradigma educativo, qual seja, a superação e atenção dá ao professor legitimidade para
da lógica da exclusão na direção da inclusão. o exercício da autoridade, de tal forma que,
O professor deve trabalhar com aqueles alunos quando eventualmente necessário, o professor
que estão apresentando alguma resistência é mais firme com um ou outro aluno, tem o
maior, uma dificuldade maior, no vínculo com respaldo da classe, que reconhece que está
o objeto de estudo. Diante de situações mais fazendo isso porque quer o bem de todos, e
delicadas e difíceis, o professor deve ser capaz não por preconceito, narcisismo ferido ou
de se aproximar do aluno, criar um ambiente insegurança didática. Sem este relacionamento
de intimidade, procurar se aproximar e ver podemos ter outra coisa (instrução,
o que está acontecendo. Porque às vezes o informação, etc.), todavia, não educação.
Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 17
4. ORGANIZAÇÃO DA
COLETIVIDADE DE SALA
DE AULA

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18 • Cláudia Mistréli • Setembro 2021


A
segunda grande dimensão da Gestão da Sala de Aula é a Organização da Coletividade,
aquilo que, muitas vezes, chamamos de clima de trabalho ou disciplina. A situação
pedagógica, apesar de não dispensar, de forma alguma, o momento de elaboração
individual —condição para a construção do conhecimento no sujeito—, é marcada pela
dinâmica do coletivo, já que não se trata de apenas um aluno adquirindo conhecimento, mas
toda uma classe. Em sala, há um alto nível de interação coletiva, não só professor-alunos, mas
também aluno-aluno. Além disto, normalmente, os educandos estão sob a orientação de um
conjunto de educadores. Esta marca de encontro de gerações é muito característica, devendo
ser preservada e bem gerenciada. A Organização da Coletividade é uma dimensão também
decisiva, porque se não há um clima de participação, de interação, de respeito, de comunicação
em sala de aula, não há como propiciar a apropriação do conhecimento, o enriquecimento da
experiência pedagógica, a partir daquilo que a escola está oferecendo. Essa dimensão é, inclusive,
nos dias atuais, um dos pontos mais delicados, que normalmente os professores destacam. É
muito grande a queixa em relação aos chamados “problemas de disciplina”. Alguns colegas,
infelizmente, entendem que isso não seria tarefa deles. Entendem que o aluno deveria vir de
casa com os limites, vir motivado para a aprendizagem, de tal forma que o papel do professor
seria apenas transmitir as informações. Esta expectativa, todavia, dificilmente se realiza no
concreto. Na verdade, faz parte, sim, do trabalho do professor criar as condições de trabalho,
organizar a coletividade de sala de aula. Pesquisas sobre a Gestão da Sala de Aula revelam que
o sucesso ou fracasso do relacionamento do professor com a turma pode estar sendo definido
nas primeiras aulas; alguns autores são mais radicais e afirmam que isto se dá nos primeiros
momentos da primeira aula.

“orientação
Os educandos estão sob a
de um conjunto
de educadores. Esta marca de
encontro de gerações é muito
característica, devendo ser
preservada e bem gerenciada.

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Daí, então, definir as regras de trabalho, o
CONTRATO DIDÁTICO Contrato Didático. Notem que o Contrato
não é, não deve ser, uma mera formalidade,
A partir dos objetivos, explicitar para feito só porque “a direção/coordenação”
os alunos onde queremos chegar, qual o pediu. É preciso investir tempo aqui. Uma
significado, o que estamos fazendo na escola e vez estabelecido, o contrato deve ser levado
na sala de aula. “Ah, mas isso é óbvio”. Não, não a sério. Esse é o elemento muito importante
é óbvio. Muitas vezes, para o aluno isto não porque, se a classe está num clima caótico,
está claro. Ele está ali porque o pai mandou, num clima de dispersão, isso vai comprometer
porque é obrigado por lei, pela justiça, porque tanto o Trabalho com o Conhecimento quanto
a empresa exige, etc. Portanto, é importante o Relacionamento Interpessoal: como o
resgatar o sentido, o que estamos fazendo ali, o professor pode prestar atenção no aluno para
que queremos no decorrer do ano. Estabelecer, ver como fazer a mediação para ajudá-lo a
portanto, os objetivos. A partir desses aprender melhor? Ora, se o clima está caótico
objetivos, buscar as necessidades: se queremos em sala de aula, a preocupação do professor
atingir estas finalidades, quais as exigências, não vai ser a de olhar para o aluno. Ele não
como devemos organizar o trabalho em sala? tem condições de fazer isso.

METODOLOGIA DIALÉTICA DE CONSTRUÇÃO DO


CONHECIMENTO EM SALA DE AULA
Se organiza a partir das necessidades de Dialética de Construção do Conhecimento em
aprendizagem por parte do aluno, em três Sala de Aula é, propriamente, a Construção do
pontos básicos: para o aluno aprender, tem Conhecimento: é o momento em que o aluno
que querer, tem que agir e tem que expressar. vai analisar o objeto buscando chegar à sua
Essas três necessidades básicas do processo de síntese. Do ponto de vista pedagógico, uma
aprendizagem humana se desdobram nas três estratégia básica é a problematização. Estamos
dimensões da Metodologia Dialética em Sala dando respostas para perguntas que o aluno
de Aula. não fez; Paulo Freire insistia nisso: o educador,
A primeira dimensão é a Mobilização de modo geral, já traz a resposta sem lhe terem
para a Aprendizagem: se para aprender o perguntado nada! (1985) É muito importante
sujeito precisa querer, o professor tem que se aproveitar a pergunta do aluno, e quando ela
preocupar com esse querer. Como dissemos não vem, o professor pode trazer a pergunta,
ao tratar da disciplina, não podemos supor para desafiar o aluno, para que, a partir
que o aluno traga esse interesse de casa. É desse desafio, desse desequilíbrio, provoque
tarefa nossa procurar provocar esse interesse, a motivação e, então, busque as informações
resgatar esse interesse. Em muitos casos, para poder dar sentido, enfim, construir esse
inclusive, é uma questão de não sufocar esse conhecimento.
interesse, sobretudo quando nos referimos aos A terceira dimensão da Metodologia
anos iniciais. Dialética é a Elaboração e a Expressão da
A segunda dimensão da Metodologia Síntese do Conhecimento. Essa costuma ser
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uma das dimensões menos percebidas pelos professores. Na verdade, para se fechar o ciclo
do conhecimento, é preciso que o sujeito se expresse, seja de forma oral, textual, seja através
de modelo, de maquete, etc. Alguma forma de expressão é fundamental que exista. Porque,
ao buscar expressar aquele conhecimento que está adquirindo, acaba sendo obrigado a fazer
a articulação com a linguagem, a organizar as informações, portanto, a atribuir sentido e a
sintetizar.

OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO


A educação deve transmitir, de fato, de pode ser uma estratégia que amplia a inclusão,
forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e o avanço no tratamento da diversidade,
saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização oportunizando aprendizagem a todos (LUZ,
cognitiva, pois são as bases das competências BAUER e SANTOS, 2011), nos pilares da
do futuro. educação, nos saberes essenciais para a
Neste tocante à docência compartilhada aprendizagem plena.

APRENDER A CONHECER
Este tipo de aprendizagem visa não tanto Apesar dos estudos sem utilidade imediata
a aquisição de um repertório de saberes estarem desaparecendo, tal a importância dada
codificados, mas antes o domínio dos próprios atualmente aos saberes utilitários, a tendência
instrumentos do conhecimento pode ser para prolongar a escolaridade e o tempo
considerado, simultaneamente, como um livre deveria levar os adultos a apreciar, cada
meio e como uma finalidade da vida humana. vez mais, as alegrias do conhecimento e da
Meio, porque se pretende que cada um aprenda pesquisa individual. O aumento dos saberes,
a compreender o mundo que o rodeia, pelo que permite compreender melhor o ambiente
menos na medida em que isso lhe é necessário sob os seus diversos aspectos, favorece o
para viver dignamente, para desenvolver as suas despertar da curiosidade intelectual, estimula
capacidades profissionais, para comunicar. o sentido crítico e permite compreender o
Finalidade, porque seu fundamento é o prazer real, mediante a aquisição de autonomia na
de compreender, de conhecer, de descobrir. capacidade de discernir.

APRENDER A FAZER
Aprender a conhecer e aprender a fazer como adaptar a educação ao trabalho
são, em larga medida, indissociáveis. futuro quando não se pode prever qual
Mas a segunda aprendizagem está mais será a sua evolução? É a esta última questão
estreitamente ligada à questão da formação que a Comissão tentará dar resposta mais
profissional: como ensinar o aluno a pôr em particularmente. Convém distinguir, a este
prática os seus conhecimentos e, também, propósito, o caso das economias industriais
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onde domina o trabalho assalariado do das de transformar o progresso dos conhecimentos
outras economias onde domina, ainda em em inovações geradoras de novas empresas
grande escala, o trabalho independente ou e de novos empregos. Aprender a fazer não
informal. De fato, nas sociedades assalariadas pode, pois, continuar a ter o significado
que se desenvolveram ao longo do século XX, simples de preparar alguém para uma tarefa
a partir do modelo industrial, a substituição material bem determinada, para fazê-lo
do trabalho humano pelas máquinas tornou-o participar no fabrico de alguma coisa. Como
cada vez mais imaterial e acentuou o caráter consequência, as aprendizagens devem
cognitivo das tarefas, mesmo na indústria, evoluir e não podem mais ser consideradas
assim como a importância dos serviços como simples transmissão de práticas mais ou
na atividade econômica. O futuro destas menos rotineiras, embora estas continuem a
economias depende, aliás, da sua capacidade ter um valor formativo que não é de desprezar.

APRENDER A VIVER JUNTOS


Aprender a viver com os outros sem dúvida, as suas qualidades e as do grupo a que
esta aprendizagem representa, hoje em dia, pertencem, e a alimentar preconceitos
um dos maiores desafios da educação. O desfavoráveis em relação aos outros. Por
mundo atual é, muitas vezes, um mundo outro lado, o clima geral de concorrência que
de violência que se opõe à esperança posta caracteriza, atualmente, a atividade econômica
por alguns no progresso da humanidade. A no interior de cada país, e sobretudo em
história humana sempre foi conflituosa, mas nível internacional, tem tendência de dar
há elementos novos que acentuam o perigo prioridade ao espírito de competição e ao
e, especialmente, o extraordinário potencial sucesso individual. De fato, esta competição
de autodestruição criado pela humanidade resulta, atualmente, numa guerra econômica
no decorrer do século XX. A opinião pública, implacável e numa tensão entre os mais
através dos meios de comunicação social, favorecidos e os pobres, que divide as nações
torna-se observadora impotente e até refém do mundo e exacerba as rivalidades históricas.
dos que criam ou mantêm os conflitos. Até É de lamentar que a educação contribua, por
agora, a educação não pôde fazer grande coisa vezes, para alimentar este clima, devido a
para modificar esta situação real. Poderemos uma má interpretação da ideia de emulação.
conceber uma educação capaz de evitar os O que fazer para melhorar a situação? A
conflitos, ou de os resolver de maneira pacífica, experiência prova que, para reduzir o risco,
desenvolvendo o conhecimento dos outros, não basta pôr em contato e em comunicação
das suas culturas, da sua espiritualidade? É membros de grupos diferentes (através de
de louvar a ideia de ensinar a não-violência escolas comuns a várias etnias ou religiões,
na escola, mesmo que apenas constitua um por exemplo). Se, no seu espaço comum, estes
instrumento, entre outros, para lutar contra os diferentes grupos já entram em competição
preconceitos geradores de conflitos. A tarefa ou se o seu estatuto é desigual, um contato
é árdua porque, muito naturalmente, os seres deste gênero pode, pelo contrário, agravar
humanos têm tendência a supervalorizar ainda mais as tensões latentes e degenerar em
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conflitos. Pelo contrário, se este contato se deve utilizar duas vias complementares. Num
fizer num contexto igualitário, e se existirem primeiro nível, a descoberta progressiva do
objetivos e projetos comuns, os preconceitos outro. Num segundo nível, e ao longo de toda
e a hostilidade latente podem desaparecer a vida, a participação em projetos comuns,
e dar lugar a uma cooperação mais serena e que parece ser um método eficaz para evitar
até à amizade. Parece, pois, que a educação ou resolver conflitos latentes.

APRENDER A SER
Desde a sua primeira reunião, a Comissão ou tido como hostil, é também, por vezes, a
reafirmou, energicamente, um princípio melhor oportunidade de progresso para as
fundamental: a educação deve contribuir sociedades. A diversidade das personalidades,
para o desenvolvimento total da pessoa — a autonomia e o espírito de iniciativa, até
espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, mesmo o gosto pela provocação, são os
sentido estético, responsabilidade pessoal, suportes da criatividade e da inovação. Para
espiritualidade. Todo o ser humano deve ser reduzir a violência ou lutar contra os diferentes
preparado, especialmente graças à educação flagelos que afetam a sociedade, os métodos
que recebe na juventude, para elaborar inéditos retirados de experiências no terreno
pensamentos autônomos e críticos e para já deram prova da sua eficácia.
formular os seus próprios juízos de valor, de
modo a poder decidir, por si mesmo, como
agir nas diferentes circunstâncias da vida. É
possível que no século XXI estes fenômenos
adquirem ainda mais amplitude. Mais do
“A diversidade das
que preparar as crianças para uma dada personalidades, a
sociedade, o problema será, então, fornecer-
lhes constantemente forças e referências autonomia e o espírito
intelectuais que lhes permitam compreender
o mundo que as rodeia e comportar-se nele
de iniciativa, até mesmo
como atores responsáveis e justos. Mais do o gosto pela provocação,
que nunca a educação parece ter, como papel
essencial, conferir a todos os seres humanos são os suportes da
a liberdade de pensamento, discernimento,
sentimentos e imaginação de que necessitam
criatividade e da
para desenvolver os seus talentos e inovação.”
permanecerem, tanto quanto possível, donos
do seu próprio destino. Este imperativo
não é apenas de natureza individualista: a
experiência recente mostra que o que poderia
aparecer, somente, como uma forma de defesa
do indivíduo perante um sistema alienante
Cláudia Mistréli • Setembro 2021 • 23
Referência Bibliográfica
Hochnadel, Simone Borges & Conte, Elaine. Docência
Compartilhada: Possibilidade De Inovação E
Ressignificação Da Atuação Profissional? - Editora
Unilasalle - Brasília, DF - 2019

Brasil, Educação: um tesouro a descobrir MEC/UNESCO,


Brasília, DF, 2003.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Desafio da Qualidade
da Educação: Gestão da Sala de Aula. In: Gestão da Sala
de Aula . São Paulo: Libertad, 2014 (no prelo).

https://www.somospar.com.br/wp-content/
uploads/2018/07/ebook-competencias-socioemocionais-
bncc.pdf

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