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19/10/2014 Opera Mundi

Domingo 19|10

MACONHA: BRASIL DEVE IGNORAR MORALISMO PARA TER DEBATE


SÉRIO, DIZ PESQUISADOR BRITÂNICO

16/03/2014 - 06h00
por Marina Novaes

Para Steve Pudney, não existe motivo para temer legalização da maconha e, como um dos
benefícios, teria o afastamento de usuários e traficantes

Após o Uruguai legalizar a produção e o comércio da maconha, senadores e deputados brasileiros


também começam a discutir propostas para regulamentar o uso da erva. Para o pesquisador Steve
Pudney, do Instituto de Pesquisa Social e Econômica da Universidade de Essex, na Inglaterra, o
debate no Brasil só avançará se o país conseguir “ignorar a moralidade” e se ater a dados para avaliar
as consequências de uma mudança na lei, que hoje criminaliza quem consome e vende maconha.

O economista é autor de uma pesquisa publicada em outubro de 2013, com outros dois estudiosos,
sobre os impactos da legalização da cannabis (nome científico da planta) na Inglaterra e no País de
Gales. Assim como o Brasil, nestes países o consumo da droga também é crime. De acordo com o
estudo, se aprovada, a regulamentação da maconha garantiria aos cofres públicos cerca de £1,25
bilhões (ou o equivalente a R$4,88 bilhões) por ano.

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Para chegar ao número, os pesquisadores consideraram que a descriminalização da droga implicaria


cortes de gastos envolvendo prisões, processos na Justiça e tratamentos de usuários, o que geraria
uma economia de £361 milhões (R$ 1,4 bilhão) por ano aos dois países. Também avaliou que seria
possível arrecadar até £900 milhões (R$ 3,5 bilhões) com impostos sobre a indústria da maconha, se
fossem adotados moldes semelhantes ao da indústria do tabaco.

“Nós precisamos de um debate de adultos, onde todos admitam que sim: há vantagens e
desvantagens para a legalização da maconha. Não existem certezas nesse debate. [A legalização]
Envolve riscos. Mas a proibição não está funcionando também”, avaliou Pudney, em entrevista a
Opera Mundi.

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Aula Pública Opera Mundi - Saída para guerra às drogas é a legalização?

O estudo também avalia os impactos de uma mudança na lei sobre os índices de violência e
criminalidade dos países e o efeito da droga sobre a saúde mental da população. E traça
probabilidades de aumento de consumo caso a droga se torne legal - no cenário mais pessimista,
poderia chegar a 40%.

“Nós não achamos nada que possa amedrontar qualquer governo (a regulamentar a maconha). Não
há nenhuma ‘consequência decisiva’ que faz da legalização algo impensável”, defende Pudney.

No Reino Unido, 15% dos presos estão nesta condição devido ao envolvimento com tráfico de drogas.
Entretanto, o consumo da maconha no país vem caindo nos últimos 10 anos, bem como o interesse
político em mexer nas leis que abordam a questão. Uma pesquisa de 2012, publicada pela revista The
Economist, aponta que 75% dos parlamentares alegam ser difícil discutir mudanças na política anti-
drogas, justamente por ser um tema polêmico. E 58% dos britânicos acham que a maconha deve
continuar ilegal, segundo estudo de 2010.

Já no Senado brasileiro, o tema entrará em debate após a Casa receber, em fevereiro, um projeto de
iniciativa popular que reuniu mais de 22 mil assinaturas - a relatoria será do senador Cristovam
Buarque (PDT-DF), que pretende convocar audiências públicas para discutir a ideia. Também no mês
passado, o deputado federal Eurico Júnior (PV-RJ) protocolou na Câmara um projeto de lei para
legalizar a droga para fins medicinais e para o consumo doméstico. Já o deputado Jean Wyllys (PSOL-
RJ) anunciou que também levará um projeto de legalização da maconha ao Legislativo Federal nos
próximos dias.

Wikicommons

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Segundo o britânico, não há evidências de que uso da maconha torna as pessoas propensas a cometer crimes

A retomada do debate acontece mais de 11 anos depois de o Brasil arquivar o mais recente projeto de
lei que defendia a descriminalização da maconha. O texto, apresentado em 2001 pelo ex-deputado
Marcos Rolim (à época do PT-RS), não passou nas comissões e foi arquivado pela Câmara em 2003.
Por outro lado, um projeto de lei que vai na contramão deste debate - o PL 7663/10, do deputado
Osmar Terra (PMDB-RS) - quer endurecer as penas por uso e venda de drogas e aguarda aprovação
do Senado, depois de passar na Câmara.

Os estudiosos da Universidade de Essex também avaliaram como seria a adoção de um modelo de


regulamentação da droga. O estudo sugere algo nos moldes semelhantes ao do cigarro, com controle
da qualidade de produtos - o que possibilitaria obrigar o mercado a fornecer uma droga menos
prejudicial e fornecer informações sobre as substâncias componentes -; e defende a implementação
de campanhas educacionais nas escolas, campanhas publicitárias sobre saúde pública e efeitos da
droga sobre o corpo, além de banir a publicidade.

Leia a entrevista completa com Steve Pudney.

Opera Mundi: Quais as principais conclusões do seu estudo?


Steve Pudney: O debate sobre o uso de drogas no Reino Unido ainda é hoje de baixíssima qualidade.
É uma discussão muito emocional, onde as pessoas tendem a gritar seus argumentos, dos dois lados,

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sem se ater a fatos. Mas há muitos pontos que têm de ser considerados. E o que mais chamou
atenção foi a economia que a regulamentação geraria, considerando gastos com a polícia e o
Judiciário para prender e condenar o usuário, e para manter a população carcerária. Só com isso, são
menos £361 milhões por ano em despesas públicas.

Também consideramos o cenário da arrecadação, porque essa indústria teria que pagar impostos.
Nesse sentido, o impacto não seria muito grande. Mas chegamos à conclusão de que seria possível
arrecadar em torno de £900 milhões por ano, na Inglaterra e País de Gales (o estudo não considerou
a Escócia e a Irlanda do Norte).

OP: O senhor disse que, em toda sua pesquisa, não encontrou nada que pudesse justificar o
medo que os governos têm desse tema, nem que tornasse “impensável” a legalização da
maconha. O que quer dizer com isso?
SP: Não há dados suficientes que apontam como isso prejudicaria tanto a população. Nós
simplesmente não encontramos. Nós ignoramos completamente qualquer moralidade para fazer esse
estudo, nos baseamos apenas no banco de dados disponível.
Mas sempre há alguém que questiona se legalizar a maconha levaria a um aumento da violência. Isso
não é verdade. O fato dela ser ilegal que leva aos crimes, é por isso que as pessoas estão na prisão.
Há poucas evidências que apontem o usuário da maconha como propenso a cometer crimes. A
cannabis não é muito viciante e é barata, ou seja, é pouco provável que as pessoas roubariam para
comprar maconha. É exatamente o oposto da heroína, que é uma droga cara e extremamente
viciante, que comprovadamente leva a episódios de violência. Então sou muito cético em relação a
esse argumento.

Também concluímos que as pessoas tendem a se afastar dos traficantes (se a maconha fosse
legalizada). Então você separaria a cannabis de um mercado muito mais perigoso. E esse é um
argumento que precisa ser levado em consideração.

OP: Mas existe também o temor de que a maconha leve o usuário para drogas mais “pesadas”.
O estudo considerou essa hipótese?
SP: É verdade que as pessoas que usam cocaína e heroína já usaram, em algum momento, cannabis.
Mas também há pouca evidência que comprove que a maconha levou a isso. (...) E vale lembrar:
drogas como cocaína e heroína são muitas vezes apresentadas aos usuários pelos traficantes, porque
elas são mais caras e dão mais lucro que a cannabis. Ou seja, se você distancia o usuário do
traficante, você a afasta de drogas mais perigosas. Acho que é um pouco ingenuidade esse
argumento (de que maconha leva a drogas mais perigosas).

OP: Qual seria então o modelo ideal para tratar o tema?


SP: Não acho que existe hoje um modelo ideal, em parte, porque os países se sentem obrigados a
seguir as orientações da Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas), de pelo menos fingir

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que proíbem a droga. Eu acho que os países deveriam diminuir essa influência e buscar medidas que
funcionem para as suas realidades.

Mesmo países mais liberais falham em pelo menos um aspecto muito importante: a qualidade da
cannabis consumida. Estudos apontam que a maconha é hoje muito mais forte e prejudicial que no
passado, graças principalmente à substância THC (em inglês, Tetrahydrocannabinol), associada a
doenças mentais e psicoses. Por outro lado, outro componente, o CBD (Cannabidiol), é apontado
como mais brando e com efeitos antipsicótico. Em um mercado regulamentado, os países poderiam
ditar as regras e controlar o produto que chega ao consumidor. Os usuários, ao menos, saberiam
exatamente o que estão consumindo e os efeitos sobre a saúde. Eu ficaria muito satisfeito se o Brasil
abordasse essa questão ao debater o tema.

Divulgação

OP: Como o senhor avalia a política britânica para o tema?


SP: Nos últimos dez anos, o governo já mudou duas vezes a classificação da maconha. Em 2004, ele
deixou de classificar a cannabis como uma droga da classe B (intermediária) para a classe C (menos
prejudicial). Na época, eu fiz parte da comissão que estudou os impactos dessa medida. Mas quatro
anos depois, eles voltaram a classificá-la como classe B, sem muito diálogo (a mudança tem efeitos
sobre a pena). Desde então, o governo parece não ter muito interesse no debate sobre o assunto. Eu
ainda sou procurado por parlamentares para apresentar estudos, mas o governo parece ter fechado
os ouvidos. É muito decepcionante.
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OP: Qual a dificuldade em avançar no debate?


SP: As pessoas usam drogas há muitos anos. O álcool também afeta a saúde de quem consome.
Então porque a cannabis é imoral e o álcool não é? Eu realmente não sei. De alguma forma, o tema
[da legalização das drogas] parece opor a sociedade. Mas é muito difícil fazer uma política eficiente
com o peso do discurso moral. É importante destacar, porém, que você sempre pode reverter uma lei,
uma política anti-drogas. Desde que você monitore de perto os impactos dessa medida e avalie se ela
está funcionando ou não, quais as consequências dela. Nada é imutável. O modelo atual não está
funcionando, então porque não tentar outro?

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7 comentários Comentar

Jefferson Viana · Quem mais comentou


Ok, deixa ver se eu entendo uma coisa sobre nossa sociedade: fazemos campanha maciça
para diminuir o uso do álcool e do tabaco e vamos liberar a maconha? isso em um país que
não tem um motorista preso por ter bebido e matado famílias ao volante? liberar pra
diminuir o trafico, mas o cigarro e o álcool não existe contrabando ilegal? se for também
pela desculpa do trafico e as outras drogas? por que não liberar o crack também? e temos
que pensar no nível atrasado que o brasil é, não temos hospitais, clinicas, escolas nem
nada, vamos liberar mesmo a maconha, quem arcará com a conta final?
Responder · Curtir · 26 de março às 20:35

Mano Bap · Quem mais comentou · São Paulo


Sempre que se fala sobre a proibição da maconha nunca aparecem os reais motivos que
levaram os países a abraçar a causa no passado. Um lobista chamado Harry Anslinger que
fez uma cruzada mundial contra a cannabis apoiado em distorções bizarras, filmes
promocionais tendenciosos e muito preconceito pra beneficiar setores da indústria
americana e mundial. Os ecos dessa empreitada deixaram um rastro de destruição e
inversão de valores que só serão dissolvidos com muita coragem e maturidade. Elevar a
qualidade das informações a respeito dos efeitos, tanto pra quem usa quanto pra sociedade
em geral é urgente. Parabéns pela coragem, que o debate continue saudável!
Responder · Curtir · 20 de março às 14:22

Gilvan J. M. Ribeiro · Quem mais comentou · Universidade Gama Filho


É aquela velha história. O veneno da cobra é usado para se combater o próprio veneno. As
drogas não seria diferente.
Responder · Curtir · 19 de março às 18:50

Francisco Camargo · Hendaye


Embora discursos reacionários e moralistas tentem difundir o proibicionismo por um mundo
“livre de drogas”, sabemos que se trata de um artifício, de uma cortina de fumaça para
esconder a questão de fundo, que envolve toda uma rede de interesses dos setores
conservadores, representados pelo sistema financeiro, a indústria farmacêutica, a chamada
indústria de controle do crime (armamentista e de segurança) e setores religiosos.
Responder · Curtir · 19 de março às 16:24

Marvin Amaral · Quem mais comentou · Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Enquanto houver grupos religiosos no senado e na câmara, essa questão não poderá ser
discutida.
Responder · Curtir · 19 de março às 07:38

Jefferson Soares · Quem mais comentou · UFPB


enquanto houver grupos comunistas vai ser pior
Responder · Curtir · 1 · 22 de março às 15:38

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