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doi 10.1590/S2237-96222023000200002
Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
1
2
Columbia University Medical Center, Nova York, NY, Estados Unidos
RESUMO
Objetivo: analisar as tendências das taxas de mortalidade por doença de Alzheimer no Brasil e nas
suas macrorregiões, por faixa etária e sexo, no período de 2000 a 2019. Métodos: estudo de séries
temporais sobre mortalidade por doença de Alzheimer no Brasil e suas macrorregiões por faixa
etária e sexo; os dados foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM); o modelo
de Prais-Winsten foi utilizado para análise das tendências. Resultados: houve 211.658 óbitos no
período analisado, com tendência crescente na mortalidade por doença de Alzheimer no país em
idosos de 60-69 anos (VPA = 4,3; IC95% 2,9;5,9), 70-79 anos (VPA = 8,1; IC95% 4,8;11,5) e ≥ 80 anos (VPA =
11,3; IC95% 8,1;14,6), e em todas as macrorregiões, faixas etárias e sexo. Conclusão: o Brasil e todas as
suas macrorregiões apresentaram tendência crescente nas taxas de mortalidade por doença de
Alzheimer, seguindo a tendência mundial.
Palavras-chave: Doença de Alzheimer; Saúde Mental; Saúde Pública; Estudos de Séries Temporais;
Mortalidade; Registros de Mortalidade.
INTRODUÇÃO
base 10 da taxa de mortalidade por Alzheimer, sendo que a média da taxa de mortalidade fe-
e a variável independente, o ano. A variação minina foi maior, quando comparada ao sexo
percentual anual (VPA) e seu respectivo inter- masculino. As regiões Sul e Sudeste apresenta-
valo de confiança de 95% (IC95%) foram estima- ram as maiores médias da taxa de mortalidade,
dos. A tendência foi considerada significativa independentemente da estratificação realiza-
quando o zero não estava contido no intervalo da, enquanto as regiões Norte e Nordeste tive-
de confiança da VPA; crescente, quando a VPA ram as menores médias. Observou-se também
era positiva; e decrescente, quando a VPA era que as médias das taxas de mortalidade por
negativa. O nível de significância utilizado foi doença de Alzheimer no Brasil, no período de
de 5%, e empregou-se o software R, versão 4.1.0, 2000 a 2019, para o sexo masculino, nas faixas
na realização das análises. etárias de 60-69 (41,4) e 70-79 (356,3), foram
superiores às médias das taxas de mortalidade
Aspectos éticos para o sexo feminino, em ambas as faixas etárias
(36,8 para 60-69; e 346,5 para 70-79). O mes-
O estudo utilizou dados secundários de do-
mo aconteceu na maioria das macrorregiões
mínio público, estando dispensado de avaliação
brasileiras. Em relação à análise de tendência,
por um Comitê de Ética em Pesquisa.
e considerando-se as estratificações realizadas,
o Brasil e todas as suas macrorregiões apresen-
RESULTADOS taram tendência crescente, estatisticamente
No Brasil, houve 211.658 óbitos por doença significativa, durante o período de estudo. Além
de Alzheimer entre 2000 e 2019, dos quais 64% disso, na faixa etária ≥ 80, a VPA foi maior nas
eram do sexo feminino. Setenta e três por cento regiões Norte (VPA = 23,3; IC95% 15,7;31,5; p-valor <
dos óbitos tinham 80 anos ou mais de idade, 0,001), Nordeste (VPA = 18,3; IC95% 13,4;23,6; p-valor
23% pertenciam à faixa etária de 70-79 e 4% à < 0,001) e Centro-Oeste (VPA = 16,2; IC95% 10,0;22,8;
de 60-69. A maioria destas mortes foi registrada p-valor < 0,001), em comparação às regiões Sul
na região Sudeste (56%), seguida pelas regiões (VPA = 9,0; IC95% 6,4;11,6; p-valor < 0,001) e Sudeste
Sul (20%), Nordeste (16%), Centro-Oeste (6%) e (VPA = 8,5; IC95% 5,7;11,5; p-valor < 0,001) (Figura 3).
Norte (2%).
A Figura 1, que apresenta as séries temporais DISCUSSÃO
das taxas de mortalidade por doença de Alzhei- A mortalidade por doença de Alzheimer
mer estratificadas por região brasileira, sexo e mostrou-se crescente no Brasil e regiões
idade, no período de estudo, mostra a evolução entre 2000 e 2019. As regiões Norte e Nordeste
crescente da taxa de mortalidade ao longo do apresentaram maior variação anual, em
tempo, para todas as variáveis analisadas.
comparação às regiões Sul e Sudeste, em
Por sua vez, a Figura 2 mostra a evolução as- octogenários. As taxas médias de mortalidade
cendente da taxa de mortalidade entre os anos por doença de Alzheimer foram elevadas no
de 2000 e 2019 no Brasil, por faixa etária. Nota-se grupo de indivíduos com ≥ 80 anos e no sexo
que a taxa de mortalidade na faixa etária de in- feminino, nessa faixa etária. Porém, as médias
divíduos com idade igual ou superior a 80 anos das taxas de mortalidade foram maiores
foi superior às demais, no período analisado. no sexo masculino nas faixas etárias de 60-
A Tabela 1 apresenta a análise de tendência 69 e 70-79. Além disso, as regiões Nordeste
e as médias das taxas de mortalidade pela do- e Norte apresentaram menores médias
ença, segundo local de ocorrência, faixa etária das taxas de mortalidade por doença de
e sexo. As maiores médias foram observadas Alzheimer em relação às outras macrorregiões,
no grupo de indivíduos com 80 anos ou mais, independentemente da faixa etária.
4.000
80 anos ou maiS
Taxa de mortalidade por doença de Alzheimer (por 1 milhão de hab.)
2.000
600
70 - 79 anos
400
200
80
60
60 - 69 anos
40
20
0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Ano
Figura 1 – Taxa de mortalidade por doença de Alzheimer (por 1 milhão de habitantes) segundo
região brasileira, sexo e idade, no período 2000-2019
4.000
Taxa de mortalidade por doença de Alzheimer (por 1 milhão de hab.)
3.000
2.000
1.000
0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Ano
Figura 2 – Taxa de mortalidade por doença de Alzheimer (por 1 milhão de habitantes) no Brasil,
segundo faixa etária, no período 2000-2019
Tabela 1 – Média, variação percentual anual (VPA) e intervalo de confiança de 95% (IC95%) das taxas de mortalidade por doença de Alzheimer
(por 1 milhão de habitantes), segundo região, sexo e idade, Brasil, 2000-2019
Total Feminino Masculino
Macrorregião Faixa etária (anos)
Média VPA (IC95%) p-valor a
Média VPA (IC95%) p-valor a
Média VPA (IC95%) p-valora
60-69 16,5 9,1 (5,2;13,1) < 0,001 17,2 10,1 (7,2;13,2) < 0,001 16,6 7,2 (3,8;10,7) < 0,001
Norte 70-79 155,5 12,4 (10,3;14,6) < 0,001 164,9 11,9 (10,0;13,8) < 0,001 145,7 13,5 (11,0;16,0) < 0,001
≥ 80 992,8 23,3 (15,7;31,5) < 0,001 1.134,9 19,9 (15,1;24,9) < 0,001 818,2 24,7 (14,9;35,2) < 0,001
60-69 23,9 9,6 (7,3;11,9) < 0,001 22,3 9,7 (7,3;12,3) < 0,001 25,7 9,8 (7,7;12,0) < 0,001
Nordeste 70-79 199,7 12,0 (9,1;15,0) < 0,001 198,1 12,0 (9,5;14,5) < 0,001 201,8 12,2 (8,9;15,7) < 0,001
≥ 80 1.298,9 18,3 (13,4;23,6) < 0,001 1.422,1 17,3 (12,2;22,6) < 0,001 1.116,0 20,4 (15,0;26,2) < 0,001
60-69 37,5 5,0 (3,0;7,0) < 0,001 36,6 4,7 (1,6;7,9) 0,005 38,6 5,7 (3,5;8,0) < 0,001
Centro-Oeste 70-79 351,7 10,1 (6,3;14,0) < 0,001 352,9 9,6 (6,7;12,7) < 0,001 350,3 11,0 (6,3;15,9) < 0,001
≥ 80 2.380,3 16,2 (10,0;22,8) < 0,001 2.700,2 14,3 (9,8;19,1) < 0,001 1.979,1 19,6 (10,5;29,5) < 0,001
60-69 44,6 3,0 (1,6;4,5) < 0,001 42,0 3,0 (1,7;4,3) < 0,001 47,7 3,0 (1,6;4,4) < 0,001
Sudeste 70-79 412,9 6,8 (3,1;10,6) 0,001 403,6 6,6 (2,9;10,4) 0,001 425,4 7,1 (3,1;11,2) 0,001
≥ 80 2.929,7 8,5 (5,7;11,5) < 0,001 3.163,6 8,8 (5,6;12,1) < 0,001 2.524,8 8,0 (5,0;11,1) < 0,001
60-69 54,4 3,3 (1,8;4,8) < 0,001 50,7 4,0 (2,1;6,0) < 0,001 58,6 2,4 (1,2;3,5) < 0,001
Sul 70-79 473,8 8,1 (4,3;12,0) < 0,001 462,7 8,4 (4,4;12,6) < 0,001 488,3 7,2 (4,4;10,1) < 0,001
≥ 80 3.145,9 9,0 (6,4;11,6) < 0,001 3.413,2 9,0 (6,4;11,7) < 0,001 2.690,6 8,7 (6,6;10,8) < 0,001
60-69 38,9 4,3 (2,9;5,8) < 0,001 36,8 4,5 (2,8;6,1) < 0,001 41,4 4,2 (3,0;5,4) < 0,001
Brasil 70-79 350,8 8,1 (4,8;11,5) < 0,001 346,5 8,0 (4,6;11,6) < 0,001 356,3 8,2 (4,9;11,6) < 0,001
≥ 80 2.368,1 11,3 (8,1;14,6) < 0,001 2.609,1 11,1 (7,7;14,5) < 0,001 1.985,4 11,7 (8,5;15,0) < 0,001
a) Modelo de Prais-Winsten.
30-
Variação percentual anual
20-
10-
0-
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Macrorregião
Figura 3 – Variação percentual anual (VPA) e intervalo de confiança de 95% (IC95%) da taxa de
mortalidade total por doença de Alzheimer, segundo macrorregião e faixa etária, Brasil, 2000-2019
masculino, nas faixas etárias 60-69 e 70-79, po- já bem estabelecidos, como escolaridade, perda
dem estar associadas a menor expectativa de auditiva, lesão cerebral traumática, hipertensão,
vida e maior número de comorbidades.18 consumo de álcool, obesidade, tabagismo, de-
As menores taxas de mortalidade observadas pressão, isolamento social, diabetes e poluição
nas regiões Norte e Nordeste, em comparação do ar se relacionam a 40% dos casos de de-
com as demais regiões, são possivelmente ex- mência em todo o mundo.3 Esse potencial de
plicadas pelo alto percentual de óbitos por cau- prevenção é maior nos países de média e baixa
sas mal definidas nessas regiões. No período de renda, onde os casos de demência crescem de
estudo, enquanto as regiões Norte e Nordeste forma mais acentuada.3 O acesso à educação, a
apresentaram uma média de 15% e 14% de óbi- serviços de saúde e a políticas públicas de saúde
tos por causas mal definidas, respectivamente, sobre prevenção da demência poderia modifi-
a região Centro-Oeste apresentou 5%, o Sul car o cenário da doença de Alzheimer no Brasil.
5% e o Sudeste 8%, sugerindo que os óbitos A qualidade dos dados é questionável, devido
não diagnosticados por doença de Alzheimer ao alto percentual de óbitos com causas básicas
podem ocorrer mais nas macrorregiões Norte classificadas como inespecíficas ou incomple-
e Nordeste. Outra possível explicação para as tas (códigos garbage), o que pode acarretar
menores médias terem ocorrido nestas duas uma limitação deste estudo.20 Tais códigos são
regiões são as diferenças de expectativa de vida utilizados para causas que não são as básicas de
entre as regiões brasileiras. Entre 2000 e 2019, a um óbito ou para causas inespecíficas, o que,
expectativa média de vida no Norte e Nordeste portanto, prejudica a identificação, o desenvol-
foi de 71 anos, enquanto no Centro-Oeste foi de vimento e o aperfeiçoamento de ações voltadas
74 anos, no Sudeste, de 75 anos, e no Sul, de à área da saúde pública. Além disso, a propor-
76 anos.19 Trata-se de um fator relevante, uma ção de óbitos por causas mal definidas é um
vez que a prevalência da doença de Alzheimer reflexo da desigualdade ao acesso à saúde e ao
aumenta em função da idade. Nos Estados atendimento médico prestado à população.18
Unidos, em 2020, por exemplo, a prevalência da Apesar das limitações, este estudo usou
doença de Alzheimer na população entre 65 e dados de todo o território nacional, coletados
74 anos foi estimada em 17%, e 47% no grupo por um longo período. Tendo em vista a vasta
de indivíduos com idade entre 75 e 84 anos.1 área geográfica e o tamanho da população do
Assim, uma hipótese plausível é que a menor Brasil, uma abordagem ecológica possibilita
expectativa média de vida nas regiões Norte e identificar com rapidez a existência de grupos
Nordeste poderia estar se refletindo nas taxas vulneráveis, que necessitam de ações prioritá-
de mortalidade por doença de Alzheimer, uma rias. Dessa forma, acredita-se que o estudo tra-
vez que indivíduos destas regiões não sobrevi- ga uma análise importante, até então escassa,
veriam por tempo suficiente para desenvolver sobre a doença de Alzheimer no Brasil.
a doença de Alzheimer. Conclui-se que o Brasil e todas as suas
Outros fatores de risco modificáveis associa- macrorregiões apresentaram tendência
dos à doença de Alzheimer e demência tam- crescente nas taxas de mortalidade por doença
bém podem desempenhar um papel crítico de Alzheimer, independentemente do sexo e
nos resultados. Estima-se que fatores de risco da faixa etária, seguindo a tendência mundial.
CONFLITOS DE INTERESSE
As autoras declararam não haver conflitos de interesse.
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