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O direito comum é um tema

Gustavo César central na história do direito


Machado Cabral ocidental, constituindo-se
Professor da graduação e pós- questão essencial para
Esta obra pretende servir de
-graduação (mestrado e dou- compreender a formação das
introdução aos estudos do
torado) da Faculdade de Direi- ordens jurídicas medievais e
direito comum, analisando o
to da Universidade Federal do modernas. Este estudo oferece
processo de formação das or-
uma discussão focada na sua

IUS COMMUNE | Gustavo César Machado Cabral


Ceará (UFC). Pesquisador do dens normativas na tradição
CNPq (Pq-2). Doutor em His- gênese a partir dos seus elementos Gustavo César Machado Cabral jurídica europeia nos períodos
tória do Direito pela Universi- estruturais e dos pontos de
tardo-medieval e moderno.
dade de São Paulo (USP). Pós- contato com as nascentes ordens
-Doutorado pelo Max-Planck
Institut für europäische Recht-
jurídicas estatais, destacando
a literatura jurídica como IUS
sgeschichte. Foi professor visi-
tante na Universidad Autóno-
protagonista desse processo.
COMMUNE
ma de Madrid.
Uma introdução à
história do direito
comum do Medievo
à Idade Moderna

ISBN 978-85-519-1322-2
IUS
COMMUNE
Gustavo César Machado Cabral

IUS
COMMUNE
Uma introdução à
história do direito
comum do Medievo
à Idade Moderna

Editora luMEN JuriS


rio dE JaNEiro
2019
Copyright © 2019 by Gustavo César Machado Cabral

Categoria: História do Direito

Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Rosane Abel

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


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Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

C117i
Cabral, Gustavo César Machado
Ius Commune : uma introdução à história do direito co-
mum do medievo à idade moderna / Gustavo César Machado
Cabral. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2019.
196 p. ; 21 cm.

Bibliografia : p. 155-179.

ISBN 978-85-519-1322-2

1. Direito - História. 2. Direito comum. I. Título.

CDD 340

Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927


Sobre o autor

Gustavo César Machado Cabral

Professor Adjunto (graduação, mestrado e doutorado) da


Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Pesquisador do CNPq (PQ-2). Foi pesquisador associado ao
Max-Planck Institut für europäische Rechtsgeschichte (2017-2018).
Doutor em História do Direito pela Universidade de São Paulo
(USP). Pós-Doutorado pelo Max-Planck Institut für europäische
Rechtsgeschichte (2014 e 2016-2017). Foi professor visitante da
Universidade Autónoma de Madrid (2015).
Sumário

Lista de Abreviaturas...............................................................IX
1 - Situando o Ius Commune......................................................1
2 - Elementos............................................................................. 11
2.1 Ius civile...................................................................................... 12
2.2 Ius canonicum............................................................................. 27
2.3 A herança germânica.................................................................. 45
2.4 A ordem feudal........................................................................... 53
3 - Características..................................................................... 63
4 - Ius Patrium e Ius Commune .............................................. 77
4.1 O que foi o ius patrium............................................................... 77
4.2 Experiências nacionais................................................................ 90
4.2.1 França................................................................................... 91
4.2.2 Inglaterra.............................................................................. 98
4.2.3 Alemanha........................................................................... 106
5 - A essência do Ius Commune: A Opinio Communis..... 119
6 - Últimas palavras: derrocada do direito comum?............ 139
Anexo...................................................................................... 143
Referências.............................................................................. 155
Lista de Abreviaturas

C.Th. Codex Theodosianus

D. Digesto

DG. Decretum Gratianii

MGH, FIGA, T I Monumenta Germaniae Historica. Fontes Iuris Ger-


manici Antiqui, nova series. Tomus I: Sachsenspiegel.
2 v (v. 1 Landrecht; v. 2 Lehnrecht). 2 ed. Göttingen:
Musterschmidt, 1955.

MGH, LS II, T I Monumenta Germaniae Historica. Legum Sectio II:


Capitularia Regum Francorum. Tomus I. Hannover:
Impensis Bibliopolii Hahniani, 1883.

MGH, LS II, T II Monumenta Germaniae Historica. Legum Sectio II:


Capitularia Regum Francorum. Tomus II. Hannover:
Impensis Bibliopolii Hahniani, 1897.

MGH, LS IV, T I Monumenta Germaniae Historica. Legum Sectio IV:


constitutiones et acta publica imperatorum et regum.
Tomus I (911-1197). Hannover: Impensis Bibliopolii
Hahniani, 1893.

MGH, LS IV, T XI Monumenta Germaniae Historica. Legum Sectio IV:


constitutiones et acta publica imperatorum et regum.
Tomus XI (1354-1356). Weimar: Hemann Böhlaus
Nachfolger, 1978-1992.

IX
X
Primeiras palavras

Se os objetivos deste trabalho pudessem ser reduzidos a poucas


palavras, elas seriam as seguintes: pretende-se oferecer ao leitor
uma introdução ao estudo do direito comum e do seu tempo. Con-
forme se abordará nas páginas a seguir, a existência de um direito
comum aplicado em muitas regiões da Europa foi o elemento cen-
tral do fenômeno jurídico até que acontecessem que se consoli-
dasse o mundo pós-revoluções liberais. Entender a complexidade
desse fenômeno é o desafio que se propõe com este livro.
Desde meados do século passado, e seguindo metodologias,
propostas e perspectivas diversas, esse tema vem sendo trabalha-
do enfaticamente pela historiografia jurídica europeia, resultando
esse interesse em uma rica e extensa bibliografia. Nela se encon-
tram tanto estudos sobre aspectos conjunturais amplos do direito
comum e sobre temas específicos, notadamente em artigos e mo-
nografias, quanto alguns textos que se propõem a sevir de intro-
dução ao tema, proporcionando um contato inicial àqueles que
não estão familiarizados com a matéria. Desta forma, a proposta
que se apresenta com este livro – funcionar como uma introdução
ao direito comum – não consiste propriamente em uma inovação.
Os estudos clássicos sobre o direito comum remontam às dé-
cadas de 1950 e 1960, quando foram publicados, entre outros, os
principais trabalhos de Francesco Calasso e Helmut Coing. A In-
troduzione al diritto comune de Calasso, publicada em 1951, teve
pretensão semelhante ao difundido Historia del Derecho: derecho
común, publicado por Bartolomé Clavero na década de 1990: faci-
litar as primeiras leituras sobre o direito comum.

XI
Seja em textos específicos ou em trechos extensos de obras
mais longas, alguns dos mais destacados historiadores do direito
da Europa também cuidaram do tema. No primeiro grupo, pode-se
mencionar o livro L’Europa del diritto comune, de Manlio Bellomo,
cuja tradução para a língua inglesa contribuiu para a sua popu-
larização, e, no segundo, Cultura jurídica europeia: síntese de um
milênio, de António Manuel Hespanha, cujas traduções para as
línguas espanhola, francesa e italiana também colaboraram para
a sua difusão em outros meios acadêmicos além do lusitano. Mais
recentemente, Hespanha publicou Como os juristas viam o mun-
do (1550-1750): direitos, estados, pessoas, coisas, contratos, ações e
crimes, em que analisa o período sob a perspectiva da produção
doutrinária, e dois manuais importantes, um organizado por Mar-
ta Lorente e Jesús Vallejo (Manual de Historia de Derecho) e outro
escrito por Tamar Herzog (A short history of European Law: the last
two and a half millennia) também olham com cuidado para esse pe-
ríodo. Entre os livros de introdução ao Direito em que a História
exerce um papel estrutural, destacam-se Prima lezione di diritto, de
Paolo Grossi, Introduction historique au droit, de Alain Wijffels e,
mais recentemente, Instituição Histórica do Direito, de Bartolomé
Clavero; apesar de não dedicados exclusivamente ao período, em
ambos os livros o processo de formação do direito comum foi apre-
sentado como um componente essencial para a compreensão do
fenômeno jurídico como um todo.
Existindo uma produção bibliográfica muito significativa sobre
esse contexto, da qual são exemplares os títulos mencionados nos
parágrafos anteriores, o que justificaria uma nova obra monográ-
fica dedicada ao direito comum? Preencher uma lacuna na produ-
ção jurídica brasileira é uma das respostas. No crescente interesse
pela História do Direito no Brasil se percebe uma concentração da
pesquisa no período Imperial e, principalmente, na República, res-
tando poucos trabalhos dedicados ao período colonial – momento

XII
em que o direito comum exercia papel central na Europa. O afã de
entender as peculiaridades do fenômeno jurídico brasileiro fez com
que grande parte dos historiadores do direito brasileiro deixasse
de enxergar a profunda conexão entre a experiência da América
Portuguesa colonial e o que acontecia na Europa. Não se acredita,
em absoluto, nessa dissociação. Como já se demonstrou em textos
anteriores1, acredita-se que a América era parte do ius commune
tanto quanto a Europa. E por essas razões se justifica uma leitura
do tema pela historiografia jurídica brasileira, o que se pretende
fazer neste livro.
Por outro lado, utiliza-se uma estrutura que se diferencia dos
livros acima relacionados. Partindo de um exame das condições
sociais e políticas dos momentos de gestação do direito comum,
o trabalho concentra grande parte da sua atenção nas discus-
sões sobre o que se chamou de elementos constitutivos do direito
comum, que seriam o Direito Romano, o Direito Canônico, os
direitos germânicos e o direito feudal. Cada um deles contribuiu
com a formação de uma ordem cujo âmbito de validade esteve
circunscrito a um espaço amplo e difuso, o qual alcançou grande
parte da Europa e para além dela se expandiu com as conquistas
iniciadas no século XV. Compreendendo os elementos do direito

1 CABRAL, Gustavo César Machado.; Os senhorios na América Portuguesa: o


sistema de capitanias hereditárias e a prática da jurisdição senhorial (séculos
XVI a XVIII). Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, 52, 2015, p. 65-86;
Senhores e ouvidores de capitanias hereditárias: uma contribuição ao estudo das
fontes do direito colonial a partir da literatura jurídica (séculos XVI a XVIII). In:
SIQUEIRA, Gustavo Silveira; FONSECA, Ricardo Marcelo (Org.). História do
Direito Privado: olhares diacrônicos. Belo Horizonte: Arraes, 2015, p. 97-118; Ius
commune in Portuguese America: criminal issues on local canon law in the “First
Constitutions of the Diocese of Bahia”. Glossae: European Journal of Legal
History, n. 13, 2016, p. 307-327; Antonil jurista? Uma contribuição à história da
literature jurídica no Brasil Colonial no século XVIII. Fronteiras & Debates, v. 4,
n. 1, jan./jun. 2017, p. 7-28; Pegas e Pernambuco: notas sobre o direito comum e o
espaço colonial. Direito & Práxis, v. 9, n. 2, 2018, p. 697-720.

XIII
comum, facilita-se o entendimento das suas características essen-
ciais, bem como da forma como se relacionavam o direito comum
e os direitos pátrios.
Dentre essas características, enfatizou-se o papel da literatura
jurídica – a opinião dos doutores, figura central na sistemática do
direito comum. Como um direito de juristas, o estudo da produ-
ção doutrinária no longo período analisado se faz fundamental.
Optou-se por uma análise que não incluiu documentos da prática
processual, tal qual tem sido feito em obras recentemente publica-
das principalmente sobre o século XVIII, como o livro The Enli-
gtenment on Trial: ordinary litigants and colonialismo in the Spanish
Empire, de Bianca Premo, o que tenho feito, para uma história
do direito na América Portuguesa, em projetos em curso. Tem-se,
portanto, a consciência de que a vida jurídica prática, especial-
mente em áreas periféricas desse mundo jurídico de matriz crisã-
-europeia, oferece nuances e particularidades não necessariamente
captadas pelos autores. O foco do livro que aqui se apresenta ficou
na literatura jurídica, razão pela qual se acrescentou ao final do
texto um anexo relevante: uma lista não exaustiva com nomes de
juristas que publicaram obras na chamada era do direito comum,
constituindo-se ferramenta de consulta importante para conhecer
a produção jurídica do período e os seus atores.
Esclarecidos os pontos que compõem a estrutura do livro,
bem como a sua proposta, passa-se aos agradecimentos. A ideia
de publicar este texto como uma monografia surgiu quando da
minha submissão ao exame de qualificação de tese de doutorado
na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A banca
examinadora composta pelos professores doutores Eduardo Toma-
sevicius Filho (orientador), Ignacio Maria Poveda Velasco e José
Reinaldo de Lima Lopes (examinadores) sugeriu que o capítulo da
tese que seria dedicado a explicar as principais características do
direito comum deveria ser publicado separadamente, a fim de que

XIV
eu me concentrasse na execução do que fosse realmente essencial
para o trabalho. Não obstante, sugeriu-se que os trechos apresen-
tados fossem publicados.
Percebi que a minha intenção de dedicar um capítulo inteiro às
características do direito comum era fruto da inexistência no Bra-
sil de trabalho com essa finalidade. Logo, a publicação desses tre-
chos como uma monografia supriria essa ausência. Esta publicação
acontece cerca mais de seis anos após a tarde em que aconteceu
o exame, quando já conclui a tese e tive oportunidades de discu-
tir algumas das questões aqui apresentadas em diversos centros,
destacando-se, pelo impacto no amadurecimento das ideias e dos
argumentos, o Max-Planck Insitut für europäische Rechtsgeschi-
chte, a Facultad de Derecho da Universidad Autónoma de Madrid
e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
Além dos professores acima citados, agradeço aos professores
António Manuel Hespanha e Airton Cerqueira Leite Seelaender,
que participaram da defesa da tese de doutorado, fazendo suges-
tões e críticas preciosas que também foram aproveitadas para este
trabalho. No Instituto Max-Planck para a História do Direito Eu-
ropeu, agradeço a Thomas Duve, por ter me acolhido nas várias
oportunidades em que pude pesquisar, sempre com financiamento
do Instituto; a Douglas Osler, com quem pude discutir teses essen-
ciais para este trabalho; e aos amigos Belinda Rodríguez Arrocha,
Francesco de Chiara, José Luis Alcalter Guzmán e Óscar Santiago
Hernández, que colaboraram decisivamente com tantas conversas
sobre essas questões. Os debates que tive na primeira estadia no
Instituto, em 2013, foram fundamentais para o amadurecimento
deste trabalho. Na Universidad Autónoma de Madrid, onde fui
professor visitante no inverno de 2015, meus agradecimentos espe-
ciais a Laura Beck Varela, que me acolheu na condição de profes-
sor visitante, e a Javier Barrientos Grandón. Na Universidade Fe-
deral do Ceará, agradeço especialmente aos alunos do Programa

XV
de Pós-Graduação em Direito, com quem tive o privilégio de ler e
discutir pontualmente cada página deste livro, e aos meus orien-
tandos de iniciação científica, mestrado e doutorado, que com-
partilham muitas das inquietações que me fizeram dar contornos
finais a estas páginas. Os meus mais sinceros agradecidmentos.

XVI
1
Situando o Ius Commune

O estudo do Direito no Antigo Regime passa, necessariamen-


te, pelo estudo do que se convencionou chamar de direito comum
ou ius commune. Seu aparecimento se deu na Baixa Idade Média,
juntamente com uma série de mudanças estruturais que alteraram
profundamente as feições da Europa de então. Da mesma forma
que a maioria dessas grandes mudanças, a exemplo das chamadas
revoluções econômicas e urbanas, definidoras de uma tendência
comercial e citadina que predomina até hoje1 e cuja origem se deu
no período em referido, o direito comum não teve vida efêmera
nem foi substituído prematuramente por outro modelo. Ao con-
trário. Se o seu surgimento de deu no Medievo, foi durante o Anti-
go Regime que ele alcançou o seu ponto máximo em importância
e, da mesma forma que as já mencionadas grandes revoluções me-
dievais, deixou marcas profundas na contemporaneidade2.

1 Refere-se, aqui, à substituição de um modelo feudal, marcado pela autosuficiência


e pela ausência de intercâmbio comercial, por relações proto-capitalistas, baseadas
na intensa comunicação comercial entre as localidades e, depois do surgimento
das comunidades políticas nacionais, nas relações comerciais internacionais. Por
outro lado, fala-se na tendência de formação de centros urbanos, praticamente
desaparecidos na Alta Idade Média, na qual se observara majoritariamente uma
ruralização da vida social. Sobre as revoluções comerciais e urbanas, cf. dentre
muitos outros, LOPEZ, Robert L. The Commercial Revolution of the Middle
Ages, 950-1350. Nova York: Cambridge University Press, 1998.
2 Não é a toa que Helmut Coing, em obra fundamental sobre as fontes do Direito
desde a Baixa Idade Média até o século XIX, referiu-se ao período entre 1500 e
1800, ou seja, o Antigo Regime, como “das Zeitalter des gemeinen Rechts”, a era do
direito comum. Trata-se de obra seminal e que será fortemente utilizada ao longo
deste trabalho. COING, Helmut (Org.). Handbuch der Quellen und Literatur der

1
Gustavo César Machado Cabral

Este capítulo apresentará as linhas gerais do que foi o direito


comum, trazendo não somente a sua gênese histórica, mas tam-
bém as suas principais características e elementos e, sobretudo,
uma confrontação com o que é frequentemente apontado como
a sua antítese, os iura propria, especialmente o direito pátrio. De-
ve-se esclarecer, de logo, que não se acredita aqui numa estreita
contraposição entre ius commune e ius patrium, pois, em dado mo-
mento, houve uma intensa comunicação entre os dois sistemas,
implicando uma relação de proximidade.
De que o direito comum foi um fenômeno observado na Euro-
pa baixo-medieval e exerceu importância fundamental nos séculos
que se seguiram não restam maiores dúvidas. No entanto, afora
isso, poucos são os pontos pacíficos3, a começar pelas definições.
Optou-se por não as oferecer, a fim de evitar os problemas nor-
malmente oriundos das conceituações. Prefere-se, a uma definição
lógica, uma abordagem que, como afirmou Calasso, cuide do tema
a partir de uma interpretação histórica4, a qual partirá das suas
características e da sua formação e conseqüentes modificações du-
rante os séculos em que o direito comum foi aplicado.
A característica essencial do ius commune foi a pretensão de
unidade que o cercou, tanto que Calasso defende que a época do
direito comum teria se iniciado a partir da penetração da ideia de

neueren Europäischen Privatrechtsgeschichte. Zweiter Band: Neurere Zeit (1500-


1800). Das Zeitalter des gemeinen Rechts. München: C. H. Beck, 1977.
3 Nesse sentido, cf. CLAVERO, Bartolomé. Historia del Derecho: Derecho común.
Salamanca: Universidad de Salamanca, 1994, p. 24.
4 “Precisare il concetto di 'diritto commune' (...) non importa unicamente una
definizione d'ordine logico: ma, piuttosto, la interpretazione storica, condotta
sopra una base dogmatica, di un fenomeno grandioso che sta al centro della storia
giuridica d'Europa”. CALASSO, Franceso. Introduzione al diritto comune. Milão:
Giuffrè, 1951, p. 35.

2
Ius Commune

unidade no mundo jurídico5. Ser um unum ius significava, de um


lado, a sua caracterização como um verdadeiro sistema jurídico,
com fontes normativas delineadas, como se verá; mas, por outro
lado, representava uma crença na existência de um ordenamento
universal, válido indistintamente em toda a Europa6, inicialmente,
mas que, com a expansão marítima, como se verá adiante, passou
a ser aplicado também no Novo Mundo. Para fundamentar a va-
lidade do direito comum, ele foi erigido sob dois pressupostos, um
político e outro espiritual, ligados a instituições com pretensões de
universalidade: o Império e a Igreja.
A Antiguidade, especialmente os seus séculos finais, foi mar-
cada pela força do Império Romano, cuja constituição foi decisi-
va para delinear os rumos das organizações políticas européias. A
herança romana da organização do que atualmente se conhece
como direito público é larga, principalmente porque esse modelo
foi adaptado pelas nascentes monarquias nacionais européias do
Medievo; assim, as instituições políticas romanas, como o Sena-
tus, o praetor, os decuriones e os comissia, serviram de inspiração
para que a maioria dos reinos europeus desenvolvesse as suas ins-
tituições de direito público7. Entre os muitos elementos do direito
público romano norteadores da formação de um direito público
interno está a noção de imperium, discutida no Medievo a partir
da definição de Ulpiano no Digesto (2.1.3): “Imperium aut merum
aut mixtum est. Merum est imperium habere gladii potestatem ad ani-

5 CALASSO, Francesco. . Introduzione al diritto comune. Milão: Giuffrè, 1951, p. 106.


6 “Il diritto comune nasce, in quanto l’idea unitária che è propria del medio evo
penetra nel mondo giuridico”. CASSANDRO, Giovanni. Lezioni di Diritto
Comune I. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1980, p. 271.
7 Nesse sentido, cf., entre outros, HOMEM, António Pedro Barbas. Judex Perfectus:
função jurisdicional e estatuto judicial em Portugal, 1640-1820. Coimbra: Almedina,
2003, p. 373-374; LOPES, José Reinaldo de Lima. O Oráculo de Delfos: o Conselho
de Estado no Brasil-Império. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 15.

3
Gustavo César Machado Cabral

madvertendum facinorosos homines, quod etiam potestas appellatur.


Mixtum est imperium, cui etiam iurisdictio inest, quod in danda bono-
rum possessione consistit”.
O simbolismo da conquista de Roma em 476 pode ofuscar o
fato de que esse evento nem foi a primeira capitulação de cidade,
que, a essa altura, sequer era o mais importante centro urbano do
Império. Já a essa época ele havia sido bipartido, permanecendo a
parte oriental, sediada em Constantinopla, com considerável po-
der durante vários séculos, até a sua derrocada definitiva em 1453.
O Império Bizantino, inclusive, chegou a reconquistar Roma no
século VI, momento em que viveu o seu momento áureo com o
imperador Justiniano, figura chave no tema ora desenvolvido8.
As características peculiares do Império Oriental, contudo, im-
pediram-no de se tornar o herdeiro natural de Roma, mesmo tendo
dele surgido e ter continuado a existir nos anos que se seguiram
à queda da cidade. Esse vazio de um poder político amplo, a ser
exercido por todo o continente, era cada vez mais sentido à medida
que as áreas antes controladas pelo Império passaram a sofrer com
invasões de povos vindos do leste da Europa. O suprimento desse
vácuo ocorreu no natal do ano 800, quando Carlos Magno, rei dos
francos, foi coroado Imperador Romano pelo papa Leão III.
Essa coroação simbolizou a força da Igreja, que, de um pe-
queno grupamento surgido numa longínqua província imperial,
se transformou, em pouco mais de trezentos anos, na religião

8 Para uma história do Império Bizantino, cf., entre outros, WILLIAMS, Stephen.
The Rom that did not fall: the survival of the East in the fifth century. Londres:
Routledge, 1999; GIORDANI, Mário Curtis. História do Império Bizantino.
Petrópolis: Vozes, 1968; RUNCIMAN, Steven. Byzantine Civilization. Londres:
Methuen, 1961; BREHIER, Louis. Le monde byzantin: les institutions de l’empire
byzantin. Paris: Albin Michel, 1949; WICKHAM, Chris. The inheritance of Rome:
a history of Europe from 400 to 1000. Londres: Allen Lane, 2009, p. 255-278.

4
Ius Commune

oficial do Império9. Quando este sucumbiu, a Igreja se conside-


rou guardiã das instituições romanas; mesmo não estando mais
amparada pelos poderes militar e político, fragmentados e pra-
ticamente inexistentes de forma organizada na maior parte do
antigo território imperial, ela deteve praticamente o monopólio
da fé institucionalizada nessas mesmas áreas. Portanto, a Igreja
foi a única das duas instituições universais em plena atividade
entre os séculos VI e VIII.
Esse renascimento do Império Romano a partir da dinastia
Carolíngia foi viabilizado com o mito da doação de Constantino,
segundo o qual o papa Silvestre I recebera do referido imperador,
após curá-lo de grave enfermidade, todo o poder imperial do Oci-
dente, o que significaria que o summo potestate estaria nas mãos da
Igreja. Com esse argumento, a coroação de Carlos Magno se deu
com a chamada translatio imperii, passando o rei franco a receber
legitimamente o poder imperial10.
Ainda que a suposta doação de Constantino a São Silvestre
não tenha passado de uma lenda forjada para fundamentar uma
ação política11, o seu resultado foi, pelo menos àquele momento,
muito bem sucedido: recriou-se a chamada Respublica Christiana,

9 Sobre os primeiros séculos da cristandade, cf., entre outros, RAHNER, Hugo.


Church and State in Early Christianity. Trad. Leo Donald Davis, S.J. San
Francisco: Ignatius Press, 1962, p. 1-132.
10 Sobre a translatio imperii, entre outros, cf. DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos.
O princípio da legitimidade do poder no direito público romano e sua efetivação
no direito público moderno. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 204-210.
11 Sobre a doação de Constantino, cf., entre outros, VALLA, Lorenzo. La falsa
donazione di Constantino. Trad. Olga Pugliese. 2 ed. Milão: RCS Libri, 2001,
p. 59-247; BERTELLONI, Francisco. El pensamiento político papal en la donatio
Constantini: aspectos históricos, políticos y filosóficos del Documento Papal. In:
Leopoldianum. Vol. XV. N° 44. 1988, p. 33-59; BERTELLONI, Francisco. Das
Wiederauftauchen der Donatio Constantini 1236: ein Beitrag zur Rekonstruktion
des politischen Denkens des Mittelalters. In: Freiburger Zeitschrift für Philosophie
und Theologie, Bd. 37 (1990), p. 303-325.

5
Gustavo César Machado Cabral

dotada da pretendida universalidade e fundada nas duas institui-


ções universais, o Império, que representava o poder político, e
a Igreja, relacionada à fé e ao espiritual. É bem verdade que o
Império Carolíngio não teve longa sobrevida à morte de Carlos
Magno, vindo a se fragmentar com o término das guerras entre os
herdeiros a partir da paz com o Tratado de Verdum, em 84312, mas
uma prática já havia sido criada: em 962, Otto I, foi coroado em
Aachen como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico,
considerado, por alguns séculos, herdeiro direto de Roma.
Desta forma, surgiram estruturas que permitiram, na transição
da Alta para a Baixa Idade Média, acreditar na existência de po-
deres universais. Na linha de Paul Koschaker, essa universalidade
tem a ver com a idéia de Europa, cuja essência não é geográfica
nem de nenhuma forma natural, mas um produto cultural, fruto
de elementos romanos e, fundamentalmente, cristãos13. Europa e
cristandade, nesse período, identificavam-se, e era natural pensar
que essa unidade precisaria de um ordenamento próprio, aplicável
a todos que compunham a Respublica Christiana.
Um ponto importante na definição material do ius commune
diz respeito à delitimitação do seu espaço jurídico14. A historio-
grafia tradicional sempre viu o ius commune como um fenôme-

12 Sobre Carlos Magno e o Império Carolíngio, cf., entre outros, HALPHEN, Louis.
Charlemagne et l’Empire carolingien. Paris: Albin Michel, 1995; MCKITTERICK,
Rosamond. Charlemagne: the formation of a European identity. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009.
13 Cf. KOSCHAKER, Paul. Europa und das römische Recht. München: C.H. Beck,
1958, p. 2-5.
14 Sobre espaços jurídicos, cf. DUVE, ALBANI, Benedetta; BARBOSA, Samuel;
DUVE, Thomas. La formación de espacios jurídicos ibero-americanos (s. XVI-
XIX: actores, artefactos e ideas. Comentarios introductorios. Max Planck Institute
for European Legal History Research Paper Series, n. 7, 2014; MECCARELLI,
Massimo. The assumed space: pre-reflective Spatiality and doctrinal configurations
in juridical experience. Rechtsgeschichte, v. 23, 2015, p. 241-252.

6
Ius Commune

no essencialmente europeu, sendo exemplares desse pensamento


os trabalhos de Helmut Coing15. Nas últimas décadas, a própria
historiografia jurídica europeia tem ampliado essa visão, a fim de
alcançar as possessões ultramarinas europeias na América e par-
tes da África e da Ásia, muito em virtude de uma aproximação
metodológica com os autores que se dedicam a estudar o chamado
derecho indiano, ordem jurídica aplicável às possessões da Coroa
Espanhola fora da Península Ibérica. Nesse sentido, são exempla-
res, entre muitos outros, os trabalhos de Thomas Duve16. Isso sem
mencionar o fato de que tanto se pensou num direito comum de
matrizes europeias a partir da América, como nos casos de Juan de
Matienzo (1520-1579) e de Juan de Solórzano Pereira (1575-1655),
como a América acabou influenciando juristas europeus, como
demonstrou um estudo de Christiane Birr17.
Se fora da Europa não via Coing um espaço particular do ius
commune, o mesmo não pode se dizer da sua visão interna, que
tendia a uma ampliação do alcance no continente. O espaço jurí-
dico do ius commune dentro da Europa, a bem da verdade, não foi
ilimitado, alcançando, como referem Jesus Vallejo e Laura Beck
Varella, desde as costas dinamarquesas e alemãs no norte até a
Península Itálica e a Sícila ao sul, e desde a Inglaterra a oeste até
a Polônia e a Hungria, tendendo a se expandir também para o

15 COING, Helmut. Die europäische Privatrechtsgeschichte der neuren Zeir als einheitliches
Forschungsgebiet: Probleme und Aufbau. Ius commune, v. 1, 1967, p. 1-33.
16 Von der Europäischen Rechtsgeschichte zu einer Rechtsgeschichte Europas in
globalhistorischer Perspektive. Rechtsgeschichte – Legal History, 20, 2012, p. 18-
71. No mesmo sentido, NUZZO, Luigi. Dall’Italia alle Indie. Um viaggio del diritto
comune. Rechtsgeschichte, v. 12, 2008, p. 102-124.
17 BIRR, Christiane. Dominium in the Indies. Juan López de Palacios Rubios’Libellus
de insulis oceanis quas vulgus índias appelat (1512-1516). Rechtsgeschichte, v. 26,
2018, p. 264-283.

7
Gustavo César Machado Cabral

sudoeste, na Península Ibérica18. Ou seja, o território europeu que


ficou na área da Igreja sediada em Roma após o cisma de 1054, a
partir do qual se consolidou a Igreja Ortodoxa19.
Como a ligação cultural foi estabelecida por matrizes religiosas,
foi justamente delas que decorreram os antecedentes lógicos dessa
ordem comum: como bem lembra Calasso, a subordinação de todo
direito humano ao direito divino é uma premissa fundamental dessa
ordem20, o que reflete bem a forte influência religiosa na vida coti-
diana da Alta Idade Média. A matriz religiosa da universalidade,
portanto, foi observada mais facilmente, até porque essa premissa
de subordinação deveria compor o modelo seguido em todas as par-
tes dessa grande comunidade cristã. O elemento político, ligado ao
Império e representado pelo Direito Romano, só veio a ser relevante
nos séculos seguintes, pelas razões que serão expostas a seguir.
O direito comum, mesmo sendo unum ius, não tinha o cará-
ter de um ordenamento jurídico formal, da forma como são os
ordenamentos estatais contemporâneos. Sempre foi, em verdade,
desprovido dessa característica, não dependendo a sua validade
de questões políticas e sim de elementos intrínsecos, como a iden-
tidade cultural e religiosa e a racionalidade. E é por isso que a
formação do direito comum não pode ser identificada com um
momento preciso, como acontece na contemporaneidade, em que
uma ordem jurídica é inaugurada por uma constituição. Tratou-se
de um sistema complexo, composto por uma pluralidade de fontes
de diferentes matrizes, com destaque, naturalmente, para as rela-
cionadas aos dois pressupostos mencionados (o Império e a Igreja),

18 VALLEJO, Jesús; VARELLA, Laura Beck. La cultura del derecho común (siglos
XI-XVIII). In: LORENTE, Marta; VALLEJO, Jesús (Org.). Manual de Históra del
Derecho. Valéncia: Tirant lo Blanch, 2012, p. 60-61.
19 Cf. VALLEJO, Jesús; VARELLA, Laura Beck, op. Cit., p. 61.
20 CALASSO, Francesco. Medio Evo del Diritto. I: le fonti. Milão: Giuffrè, 1954, p. 470.

8
Ius Commune

mas sem se esquecer de outros importantes, como o direito feudal


e os costumes locais.
Nesse sentido, vê-se no ius commune um grande sistema com
pretensão de universalidade e com fundamentos bem claros e
precisos, ainda que as suas fontes ou, mais precisamente, os seus
elementos sejam de naturezas diversas, o que pode gerar, a prin-
cípio, alguma dificuldade. Suas origens se relacionam com uma
pretensão do Império de criar uma ordem jurídica para toda a sua
extensão territorial21, entretanto essa idéia não foi aceita, como se
verá adiante, continuando a valer o direito comum. Foi, assim, um
sistema complexo cuja elaboração foi fruto de um processo dinâ-
mico que levou séculos para se aperfeiçoar.
Essa pretensão de elaboração de um direito válido para toda a
cristandade não teria passado de mera vontade se não tivesse ha-
vido um esforço de organização e de sistematização das fontes. Foi
uma ação empreendida por determinado grupo de pessoas, unidas
em virtude de possuírem um sedimentado conhecimento técnico
em matéria jurídica, sem as quais a busca pela unidade teria se
frustrado. A importância da sistematização foi tamanha que au-
tores como Paolo Grossi veem na interpretação o protagonismo
na elaboração do direito comum, por tê-lo feito emergir enquanto
sistema a partir de um caráter eminentemente científico22. Per-
cebe-se, assim, o papel de suma importância desempenhado pelos
juristas na integração e na organização das fontes do direito co-
mum, o que o levou a ser classificado por Paul Koschaker como
um direito de juristas (Juristenrecht), compreendido como a ordem

21 Nesse sentido, cf. CLAVERO, Bartolomé, op. cit., p. 31-32.


22 “Il diritto comum si incarna e si identifica nella interpretatio. Il che vuol dire due
cose: che ha una dimensione sostanzialmente scientifica, è prodotto dalla scienza;
che la scienza – in quanto interpretatio – lo produce non da sola, fantasiosamente, ma
elaborando dalla fondazione e sotto il presidio di un testo autoritativo”. GROSSI,
Paolo. L’ordine giurdicio medievale. 2 ed. Roma: Laterza, 1996, p. 227.

9
Gustavo César Machado Cabral

cuja formação decorria diretamente da ação de pessoas com for-


mação técnica no Direito23.
Vê-se, assim, que a formação do ius commune foi um processo
longo e sem uma data precisa para se determinar o início, mesmo
seja difícil de acreditar isso tenha acontecido antes do século XI. En-
tretando, considerando isoladamente os seus elementos constituvos,
nota-se claramente um emprego que remonta a momentos históricos
anteriores, ainda que sem a organização que se observou a partir no
início do segundo milênio, principalmente. É o que se verá adiante.

23 KOSCHAKER, Paul. Europa und das römische Recht. München: C.H. Beck,
1958, p. 165.

10
2
Elementos

Remonta ao período em análise a referência ao ius commune


como utrumque ius, expressão que, literalmente, significa “um e
outro direito”. Ou seja, o direito comum era composto por “dois
direitos”: o direito civil (Direito Romano) e o direito canônico.
Essa dualidade, muitas vezes problemática, esclarece de antemão
quais os principais elementos componentes do direito comum, jus-
tamente o ius civile e o ius canonicum. Mas não é só; havia temas
que compunham o ius commune e que não foram tratados nem
por um nem pelo outro, por fugirem dos âmbitos de discussão de
ambos, destacando, nesse sentido, o chamado direito feudal. Em
razão da sua importância e do seu enquadramento enquanto lei
geral, com a sua normatização essencial sendo aplicada nas diver-
sas partes da Europa em que o feudalismo foi observado, não é pos-
sível deixar de relacioná-lo como elemento fundamental do direito
comum. Da mesma forma, o elemento consuetudinário teve papel
destacado nessa complexa gênese, por ser herança típica dos direi-
tos dos povos germânicos que invadiram e dominaram a Europa,
compondo matriz importante na ordem jurídica medieval.
Portanto, é a partir desses elementos – ius civile, ius canonicum,
ius feudorum e direitos dos povos germânicos – que se constituirá
materialmente o ius commune, tendo todos eles contribuído, ob-
viamente, em diferentes medidas24. O objetivo, por hora, é enten-
der qual a medida de influência desses elementos na sua gênese.

24 Para uma visão mais restrita do ius commune, reduzindo o seu alcance ao direito
romano civil (ius civile Romanorum), cf. DECOCK, Wim. Theologians and

11
Gustavo César Machado Cabral

2.1 Ius civile


O Direito Romano foi a principal matriz formadora do ius
commune. Contudo, deve-se esclarecer de que Direito Romano se
está a falar. Isso porque, como todo fenômeno humano de longa
duração, o Direito Romano não se manifestou uniformemente, e
os mais de mil anos entre o surgimento de Roma e a sua queda fo-
ram cenários de mudanças sociais, econômicas, políticas e cultu-
rais extremamente intensas e com profunda influência no Direito.
Tradicionalmente, a História do Direito Romano é analisada a
partir do que se convencionou chamar de História Externa e His-
tória Interna: aquela cuidaria das instituições políticas e das suas
atuações como fontes produtoras do direito, ao passo que esta foca
a atenção nos institutos de direito privado e na sua formação e de-
senvolvimento25. Nessa perspectiva, a História Externa é dividida
em: a) Realeza (entre a fundação de Roma até 510 a.C), b) Repú-
blica (de 510 a.C. até 31 a.C.), c) Império, com o c.1) Principado
(do governo de Augusto ao de Diocleciano) e c.2) Dominato (de
Dicocleciano até a morte de Justiniano). Por outro lado, a História
Interna pode ser dividida em: a) período das origens (coincidência
com a Monarquia), b) período do Direito Antigo (do início da
República até a época dos Gracos, no século II a.C.), c) período
clássico (dos Gracos até a época de Diocleciano, no começo do sé-
culo IV d.C.), d) período pós-clássico ou bizantino (de Diocleciano
até a morte de Justiniano, em meados do século VI).
Não se pretende empreender uma ampla História do Direito
Romano, inclusive porque há trabalhos de muita qualidade

Contract Law: the moral transformation of the Ius commune (ca. 1500-1650).
Leiden/Boston: Martinus Nijhoff, 2013, p. 31-32.
25 Sobre o tema, cf. VELASCO, Ignácio Maria Poveda. História externa e interna do
direito romano. Revista de Direito Civil Imobiliário, Agrário e Empresarial. Ano
13, julho/setembro/1989, p.74-89.

12
Ius Commune

dedicados especificamente ao tema26, mas é importante deixar


claro que, para o que se pretende fazer neste livro, a noção de
história interna é fundamental, especialmente quanto aos períodos
clássico e pós-clássico. Isso porque o Direito Romano que serviu
de base para o direito comum tem caráter eminentemente híbrido:
tratou-se da grande codificação empreendida pelo imperador
Justiniano, posteriormente denominada de Corpus iuris civilis,
provavelmente entre 529 e 534 d.C.
O Corpus iuris civilis era composto por quatro partes muito
bem delineadas, cada qual com características próprias. O Codex,
primeira parte, era uma compilação das constituições imperiais27
instituídas desde o imperador Adriano (117-138 d.C.) e organizado
em doze livros; Digesto ou Pandectae, segunda parte, foi uma com-
pilação de escritos dos grandes juristas romanos, majoritariamente
do período clássico, organizado em cinquenta livros; em seguida,
as Institutiones funcionavam como um compêndio didático a ser
utilizado para os estudos do Direito Romano, funcionando, por-
tanto, como um manual oficial por meio do qual ele deveria ser
ensinado; por fim, a quarta parte eram as Novellae, que reuniam as
novas leis imperiais, majoritariamente bizantinas e, por isso mesmo,

26 Especificamente sobre a História do Direito Romano, só para ficar em alguns dos mais
conhecidos, cf., DE MARTINO, Francesco. Storia della Costituzione Romana.
6 v. 2 ed. Napoli: E. Jovene, 1972-1974; ARANGIO-RUIZ, Vincenzo. Storia del
diritto romano. 7 ed. Napoli: Jovene, 1984; BONFANTE, Pietro. Storia del Dirirro
Romano. 2 v. 3 ed. Milão: Società Editrice Libraria, 1923; COSTA, Emílio. Storia
del diritto romano privato. 3 ed. Firenze: G. Barbèra, 1921; TALAMANCA,
Mario (Org.). Lineamenti di storia del diritto romano. Milão: A. Giuffrè, 1979;
GUARINO, Antonio. Storia del diritto romano. 2 ed. Milão: A. Giuffrè, 1954.
27 Sobre o conceito constitutio, cf. MOHNHAUPT, Heinz. Konstitutions, Status,
Leges fundamentales Von der Antike bis zur Aufklärung. MOHNHAUPT, Heinz;
GRIMM, Dieter. Verfassung: zur Geschichte des Begriffs von der Antike bis zur
Gegenwart. Berlin: Duncker & Humblot, 1995, p. 10-14.

13
Gustavo César Machado Cabral

em grego, ao contrário do conteúdo das partes anteriores, as quais


estavam em latim.
Essas compilações que Justiniano mandou organizar por uma
comissão de juristas, destacando-se entre eles a figura de Tribonia-
no28, são parte de um contexto que remonta aos séculos anterio-
res, quando os atos emanados dos imperadores passaram a ocupar
importante espaço dentre as fontes do direito. Desde a ascensão
de Otaviano e o início do Império, passou-se a enxergar no impe-
rador a fonte da qual emanavam as regras jurídicas29, situação que
se consolidou com a lex de imperio de Vespasiano: a partir do ano
70 d.C., portanto, passou-se a reconhecer que o Imperador não es-
tava mais vinculado às leis senatoriais ou aos plebiscitos30, situação
coerente com os altos poderes por eles exercidos já há um século31.
A partir daí, consolidaram-se as prerrogativas e os poderes legis-
lativos imperiais32, fazendo surgir a tese do princeps legibus solutos,

28 Para dados biográficos de Triboniano, cf., entre outros, KUPISCH, B. Tribonian. In:
STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon. Von der Antike
bis zum 20. Jahrhundert. München: C.H. Beck, 1995, p. 619-620.
29 Fundamento similar faz compreender as razões pelas quais o exercício da iurisdictio,
especialmente em última instância, passou, paulatinamente, à esfera imperial,
através da chamada cognitio extra ordinem. Sobre o tema, cf. CABRAL, Gustavo
César Machado. Do ordo à cognitio: mudanças políticas e estruturais na função
jurisdicional em Roma. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 149, abr/jun.
2012, p. 227-239.
30 Calasso lembra a contraposição formada entre os conceitos de leges, basicamente
as constituições imperiais, e iura, que englobava as outras fontes do direito, um
complexo de direito antigo. CALASSO Francesco, op. cit., p. 43.
31 Sobre essa transição, especialmente sobre a Lex de Imperio Vespasiani, cf. DINIZ,
Marcio Augusto de Vasconcelos. O princípio da legitimidade do poder no Direito
Público Romano e sua efetividade no Direito Público moderno. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 125-131.
32 Nesse sentido é a passagem de Ulpiano trazida no Digesto: “Quod principi placuit,
legis habet vigorem: utpote cum lege regia, quae de imperio eius lata est, populus ei et
in eum omne suum imperium et potestatem conferat. 1. Quodcumque igitur imperator
per epistulam et subscriptionem statuit vel cognoscens decrevit vel de plano interlocutus

14
Ius Commune

de grande relevância na Baixa Idade Média; conseqüentemente,


cresceram em volume e em importância as regras jurídicas ema-
nadas diretamente do Imperador, sendo o instrumento normativo
mais utilizado as já mencionadas constitutiones.
A grande quantidade de constitutiones gerava dúvidas sobre o
que continuava em vigor e o que já não era mais aplicado, tornando
necessárias tentativas de organização da qual o Codex de Justiniano
foi um exemplo. Antes dele, contudo, houve outros códices imbu-
ídos da mesma pretensão. Inicialmente, tratava-se de compilações
privadas, das quais os grandes exemplos são o Codex Gregorianus e
o Codex Hermogenianus, datados do século III d.C. e que reuniram
constituições oriundas desde a época de Septimius Severus (193-
211) até por volta de 292 d.C. Foram compilações muito úteis à ela-
boração da compilação justinianéia, fornecendo informações sobre
o direito antigo que continuava em vigor em Roma33.
A mais importante do período, porém, foi a realizada por or-
dem do Imperador Teodósio I, publicada em 438 d.C. sob o nome
de Codex Theodosianus, a qual, ao contrário do que aconteceu
com as duas anteriormente mencionadas, já nasceu com um cará-
ter oficial. Numa constitutio de 429 e presente na compilação, Te-
odósio explicou os seus objetivos ao realizar essa tarefa: apresentar
um panorama geral das leis emitidas desde Constantino I (306-337
d.C.), ainda que não mais estivessem em vigor, a fim de servir aos
que estudavam o Direito. Por outro lado, no intuito de auxiliar
a quem atuava na prática, o Codex trazia a legislação vigente, a
qual era válida e aplicável no Império para solucionar problemas

est vel edicto praecepit, legem esse constat. Haec sunt quas vulgo constitutiones
appellamus” (D. 1.4.1).
33 Sobre o Codex Gregorianus e o Codex Hermogenianus, cf. CALASSO Francesco,
op. cit., p. 46-47; STEIN, Peter. Roman Law in european history. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999, p 24-29; SIRKS, Adriaan Johan Boudewijn. The
Theodosian Code: a study. Friedrichsdorf: Éditions Tortuga, 2007, p. 4-8.

15
Gustavo César Machado Cabral

concretos34. Essa dupla finalidade demonstrava tanto a grande ati-


vidade legislativa imperial quanto a necessidade e a preocupação
com a sua organização.

34 O texto completo da Constitutio: “Ad similitudinem Gregoriani atque Hermogeniani


codicis cunctas colligi constitutiones decernimus, quas Constantinus inclitus et post
eum divi principes nosque tulimus, edictorum viribus aut sacra generalitate subnixas.
Et primum tituli, que negotiorum sunt certa vocabula, separandi ita sunt, ut, si capitulis
diversis expressis ad plures titulos constitutio una pertineat, quod ubique aptum est,
collocetur; dein, quod in utramque dici partem faciet varietas, lectionum probetur
ordine non solum reputatis consulibus et tempore quaesito imperii, sed ipsius etiam
compositione operis validiora esse, quae sunt posteriora, monstrante; post haec, ut
constitutionum ipsa etiam verba, quae ad rem pertinent, reserventur, praetermissis
illis, quae sanciendae rei non ex ipsa necessitate adiuncta sunt. Sed cum simplicius
iustiusque sit praetermissis eis, quas posteriores infirmant, explicari solas, quas valere
conveniet, hunc quidem codicem et priores diligentioribus compositos cognoscamus,
quorum scholasticae intentioni tribuitur nosse etiam illa, quae mandata silentio in
desuetudinem abierunt, pro sui tantum temporis negotiis valitura. Ex his autem tribus
codicibus, et per singulos titulos cohaerentibus prudentium tractatibus et responsis,
eorundem opera, qui tertium ordinabunt, noster erit alius, qui nullum errorem, nullas
patietur ambages, qui nostro nomine nuncupatus sequenda omnibus vitandaque
monstrabit. Ad tanti consummationem operis et contexendos codices - quorum primus
omni generalium constitutionum diversitate collecta nullaque extra se, quam iam proferri
liceat, praetermissa inanem verborum copiam recusabit, alter omni iuris diversitate
exclusa magisterium vitae suscipiet - deligendi viri sunt singularis fidei, limatioris
ingenii; qui, cum primum codicem nostrae scientiae et publicae auctoritati obtulerint,
adgredientur alium, donec dignus editione fuerit, pertractandum. Electos vestra
amplitudo cognoscat: Antiochum virum illustrem, exquaestore et praefectum elegimus,
Antiochum virum illustrem quaestorem sacri palatii, Theodorum virum spectabilem
comitem et magistrum memoriae, eudicium et eusebium viros spectabiles magistros
scriniorum, Iohannem virum spectabilem ex comite nostri sacrarii, Comazontem atque
Eubulum viros spectabiles ex magistris scriniorum et apellem virum disertissimum
scholasticum. Hos a nostra perennitate electos eruditissimum quemque adhibituros
esse confidimus, ut communi studio vitae ratione deprehensa iura excludantur
Fallacia. In futurum autem si quid promulgari placuerit, ita in coniunctissimi parte
alia valebit imperii, ut non fide dubia nec privata adsertione nitatur, sed ex qua parte
fuerit constitutum, cum sacris transmittatur adfatibus in alterius quoque recipiendum
scriniis et cum edictorum sollemnitate vulgandum. Missum enim suscipi et indubitanter
optinere conveniet, emendandi vel revocandi potestate nostrae clementiae reservata.
Declarari autem invicem oportebit nec admittenda aliter”. (C.Th., 1.1.5)

16
Ius Commune

O Codex Theodosianus foi a última das grandes compilações


do Império Ocidental e demonstra o estado do Direito Romano
no seu ocaso; era, portanto, um típico produto situado no período
pós-clássico da história interna. Trata-se de instrumento muito útil
para entender esse período final do Império, razão pela qual existe
um grande número de estudos dedicados ao tema35, conferindo-
-lhe papel de destaque, justamente por simbolizar esse período de
decadência do Império. Foi, portanto, um ponto de referência do
Ocidente pós-Roma, ainda que, com a fragmentação do Império,
os direitos dos reinados recém-formados tenham sido diferentes
em vários aspectos, como se verá a seguir36.
A compilação justinianéia, por sua vez, tem outro significado.
Ainda que os seus propósitos, especialmente no Codex, tenham
sido similares ao das compilações anteriores, tendo-se utilizado em
larga medida, inclusive, as compilações privadas como fonte de
informações sobre as constitutiones mais antigas, não foi pela sua
aplicação em Roma que é até hoje lembrado como fonte essencial
para o conhecimento sobre o Direito Romano. Além do seu pa-
pel enquanto fonte do Direito Bizantino, funcionando, inclusive,
como principal texto de caráter geral até o advento de outros ins-
trumentos normativos como a Écogla, as Isáuricas e as Basílicas37,
o Corpus Iuris Civilis serviu como base textual a partir da qual

35 Cf., entre vários outros, SIRKS, Adriaan Johan Boudewijn, op. cit.; HARRIS,
Jill; WOOD, Ian N. The Theodosian Code: studies in the imperial law of late
antiquity. Londres: Duckworth, 1993; KROPPENBERG, Inge. Der gescheiterte
Codex: Überlegungen zur Kodifikationsgeschichte des Codex Theodosianus.
Rechtsgeschichte, n. 10, 2007, p. 112-126; COMA FORT, José María. Codex
Theodosianus: historia de un texto. Madrid: Dykinson, 2014.
36 Nesse sentido, cf. WICKHAM, Chris. The inheritance of Rome: a History of
Europe from 400 to 1000. Londres: Allen Lane, 2009, p. 31.
37 Para uma introdução ao Direito Bizantino, especialmente sobre as fontes e as
codificações pós-justinianéias, cf. LOKIN, Jan H.A.; STOLTE, Bernard H. (Org.).
Introduzione al diritto bizantino: da Giustiniano ai Basilici. Pavia: IUSS Press,

17
Gustavo César Machado Cabral

se desenvolveu o direto comum. Ou seja, tanto foi relevante en-


quanto fonte formal do direito quanto, e principalmente, pelo que
representou séculos depois da sua finalização.
A aplicabilidade do direito justinianeu foi bastante limitada na
Península Itálica, pois, apesar da restauração do império, a Itália
passou pouco tempo sob a autoridade bizantina, em virtude do
domínio dos Ostrogodos, antes de Justiniano, e dos Lombardos,
posteriormente38. Exceto em alguns casos isolados39, não se pode
afirmar que o Corpus Iuris tenha sido utilizado largamente na re-
gião como direito positivo. Isso pode ser explicado pelo teor da
obra de Justiniano: das quatro partes que a compuseram, o Digesto
foi mais relevante no Ocidente, tendo sido elaborado a partir de
fragmentos de textos de juristas romanos do período clássico, o
qual, como já indicado, se estendeu entre os séculos II a.C. e IV
d.C. Portanto, materialmente, o Digesto já era composto por um
direito histórico, o qual não mais correspondia integralmente ao
que se aplicava no momento em que se elaborou a compilação,
quando já outros elementos concorriam, a exemplo dos costumes
dos povos germânicos que ocuparam a península a partir de me-
ados do século V d.C. O Direito Romano não era mais o direito
clássico presente no Digesto, mas outro, modificado pelas circuns-

2011; SIMON, Dieter. Die Epochen der byzantinischen Rechtsgeschichte. Ius


Commune, v. 15, 1988, p. 73-106; CALASSO, Francesco, op. cit., p. 95-105; .
38 Sobre o domínio Bizantino na Itália, cf. BRANDILEONE, Francesco. Il diritto
bizantino nell’Italia meridionale dall’VIII al XII secolo. Napoli: Jovene, 1987;
CARAVALE, Mario. Ordinamenti giuridici dell’Europa Medievale. Bologna:
Mulino, 1994, p. 61-65.
39 “Ma in Italia pochi, pochissimi hanno il tempo e la possibilità di conoscerla: perché
le regioni centro-setentrionali, a cominciare dal 568, sono sconvolte dall'irruzione e
dall'insediamento dei longobardi e le regioni fedeli e legate a Bisanzio sono largamente
grecizzate nell'uso della lingua e guardano anche con ostilità a quelle leggi appartenute
ad un Roma ch'è stata ed è nel ricordo capitale dura e rapace.”. BELLOMO, Manlio.
L’Europa del Diritto Comune. 4 ed Roma: Galileo Galilei, 1989, p. 45.

18
Ius Commune

tâncias, daí porque se enxerga no Corpus Iuris, já no tempo da sua


elaboração, uma era do Direito Romano que não mais subsistia.
O Direito das várias partes de um Império que não mais persis-
tia já era marcado por elementos germânicos, trazidos pelos povos
que, vindos das regiões ao leste do Império, penetraram e fizeram
ruir a sua estrutura. Como se verá adiante, o que se observou, a
partir do século VI d.C., foi um hibridismo entre o legado romano
e o que foi trazido pelos germânicos – muito distante, assim, do
período áureo do Império. É nesse contexto que se pode falar nas
codificações romanas vulgares, com destaque para as visigóticas,
principalmente, além das burgúndias e das francas, com as quais
é possível entender que houve, de fato, uma grande mistura entre
as duas matrizes. Compilações como a Lex Romana Wisigothorum
são a prova de que os elementos romanos, ainda que modificados,
faziam parte da realidade jurídica alto-medieval, mormente nas
áreas mais próximas aos centros de poder político.
Por outro lado, o Direito Romano compilado por Justiniano
serviu, seis séculos depois do trabalho liderado por Triboniano,
para o fenômeno que ficou conhecido como “redescoberta” ou “re-
nascimento” do Direito Romano, expressões que, mesmo sendo
largamente utilizadas, não ficam sem críticas40. Se o Direito Ro-
mano típico do período pós-clássico permanecia vivo e mesclado
com os direitos dos povos germânicos, o direito clássico, se não era
totalmente desconhecido, tampouco fora utilizado em larga escala
no Ocidente: praticamente desconhecida entre os Visigodos, os
Burgúndios e os Sálicos, o Corpus Iuris, como já se viu, foi pouco

40 Entre os críticos, está Santarelli, que não acredita num “renascimento” do Direito
Romano, porque “essendo manifestamente impossibile che um diritto rinaca nella sua
interezza, sai che questo diritto lo si voglia identificare com l’ordinamento, sia che ló si
consideri come esperienza giuridica l’uno e l’altra essendo realtà storiche non suscetibili,
certo, di resurrezioni forzose”. SANTARELLI, Umberto. L’esperienza giuridica Basso-
Medieval: lezioni introduttive. 2 ed. Torino: G. Giappicheli, 1986, p. 105.

19
Gustavo César Machado Cabral

utilizada na Itália em razão do curto período de restauração do


Império na Península41. Pouco se conheceu sobre ele durante a
Alta Idade Média, e vários séculos separaram a compilação e a
sua ampla utilização no Ocidente, a qual, deve-se ressaltar, não
decorreu de ato formal de um poder soberano.
Os termos “redescoberta” ou “renascimento” podem dar a fal-
sa ideia de que o Direito Romano justinianeu foi desconhecido
no ocidente durante a Alta Idade Média, o que não condiz com
a verdade. A despeito de não ter funcionado como fonte do di-
reito, a obra de Justiniano era conhecida, porém em um âmbito
absolutamente restrito, praticamente reduzido a algumas cópias,
na maioria das vezes não integrais, preservadas em mosteiros42,
merecendo destaque, segundo Peter Stein, um volume manuscrito
do século VI encontrado em Pisa43. O que se conhecia, à época,
não passava de fragmentos do Direito Romano, e a atenção rece-
bida, especialmente a partir do surgimento das primeiras escolas
de artes liberais, era menor sobre o conteúdo mesmo das normas
do que sobre o seu valor argumentativo.
Esse cenário mudou drasticamente a partir do final do sécu-
lo XI, quando, em Bolonha, alguns clérigos interessados no tema
procuraram organizar o conteúdo dos códices. Esses estudos te-
riam começado com Pepo, figura sobre a qual pouco se sabe44, mas
foi com Irnério que se consolidou essa tendência. Irnério foi o pri-
meiro organizador do material que até então se conhecia sobre Di-
reito Romano, e esse esboço de sistematização, no começo do sé-
culo XII, acarretou a independência do Direito diante das demais

41 BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 44.


42 BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 67-68.
43 STEIN, Peter, op. cit., p. 43.
44 Sobre as controvérsias envolvendo a figura de Pepo, cf. CALASSO, Francesco, op.
cit., p. 504-510.

20
Ius Commune

artes liberais, especialmente a retórica. A definição elaborada por


Isidoro de Sevilha, cujas Etymologiae foram o livro elementar na
formulação do conhecimento na Alta Idade Média, dá à busca
pelo bem e pela justiça um caráter de diretriz da retórica45, e no
mesmo livro se encontram considerações sobre lex46 47. O Direito,
sob uma perspectiva da sua transmissão culta, foi muito claramen-
te uma parte da retórica, sem protagonismo algum. Com a “redes-
coberta”, essa nova ars ganhou contornos de especificidade que,
aparentemente apenas com a modernidade, tiveram pretensões de
isolamento de outros setores do conhecimento.
Assim como os demais ramos formais do conhecimento no Me-
dievo, o Direito tinha sua autoridade fundada na palavra escrita48,
e o livro fundamental foi o Digesto, cujo caráter era essencialmente
doutrinário. A partir do século XII, ele passou a ser disponível numa

45 “Rhetorica este bene dicendi scientia in civilibus quaestionibus, ad persuadendum


iusta et bona”. Etymologiae, lib. 2, I.
46 Etymologiae, lib. 2, X.
47 O livro V das Etymologiae de Isidoro de Sevilha, que não será objeto de maiores
considerações por este trabalho, se chama de De Legibus et Temporibus e também
cuida do Direito, passando tanto por questões introdutórias, como as divisões entre
ius naturale, ius civile e ius gentium, quanto por temas mais específicos, a exemplo
de testamentos, coisas ou crimes e penas. Apesar de dedicar um livro inteiro ao
Direito, a obra não enxerga nele uma verdadeira ciência, não o reconhecendo como
estando em um mesmo patamar que a grammatica, a rhetorica e a dialectica.
48 “Ogni ars (che noi moderni possiamo tradure anche col termine scienza), há Il
suo fondamento nell’autorità di un libro, e da questo, interpretato e commentato,
perché altri lo intendano, consegue la sua”. CASSANDRO, Giovanni. Lezioni
di Diritto Comune I. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1980, p. 49. Mesmo
ciências hoje vistas como essencialmente práticas, como a Medicina, seguiam
essa linha; em Coimbra, por exemplo, a tradição medieval de estudá-la a partir
dos livros de Hipócrates, Galeno e Avicena e praticamente sem experimentos,
perdurou até os Estatutos de 1612. Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra.
Coimbra: Officina de Thome de Carvalho, 1654, p. 143-144 (Liv. III, Tit. V, 20-26).
A falta de empirismo foi objeto de crítica dos racionalistas do século XVII, como
René Descartes, mas ela só foi suprida no final do Antigo Regime, com as grandes
reformas universitárias das quais a de Coimbra, em 1772, é exemplo.

21
Gustavo César Machado Cabral

divisão em três partes, o Vetus, o Infortiatum e o Novum, as quais


compreendiam, respectivamente, os livros 1 a 24.2, 24.3 a 38 e 39 a
50 do texto original. A origem dessa terminologia é desconhecida,
ainda que pareça estar ligada à ordem em que os textos do Digesto
foram sendo descobertos49. O Digesto foi, desta forma, o principal
material de trabalho daqueles que se dedicaram ao Direito, e por
uma razão essencial: a perspectiva cada vez mais corrente de que ele
era a própria ratio scripta, nele se depositando a racionalidade huma-
na e a sua capacidade de deduzir, do mais perfeito possível, as regras
para a vida social. Trata-se de ideia fundamental para a validade do
Direito Romano no âmbito do ius commune.
Nesse contexto, a importância das universidades foi destacada.
Sua origem está amplamente ligada às corporações de ofícios, em
que os discípulos aprendiam com os seus mestres alguma atividade
profissional. Tanto isso é verdade que foi amplamente frequente a
adoção de regimes de privilégios, mesmo de ordem fiscal e jurisdi-
cional, às universidades50, tal qual ocorria com as demais corpora-
ções; a própria organização interna de muitas dessas entidades, em
que os estudantes elegiam entre eles um ou dois para os cargos de
reitor51, demonstra o caráter independente das universidades nos
primeiros tempos. A finalidade inicial da maioria das artes, por-
tanto, era profissional, formando pessoas aptas a trabalharem no
ofício sobre o qual estudou. Quando Irnério, em Bolonha, passou
a ensinar primordialmente o Direito Romano, proporcionou-se
um processo de preparação do jurista que esteve mais ligado ao

49 Nesse sentido, cf. STEIN, Peter, op. cit., p. 43-44; BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 62-63.
50 Nesse sentido, cf. CALASSO, Francesco, op. cit., p. 513-515.
51 Dentre as universidades cujas reitorias eram ocupadas por estudantes escolhidos entre
eles próprios esteve o Estudo Geral de Portugal, até 1503, quando a Coroa passou a
indicar o reitor. Nesse sentido, MARQUES, José. Os corpos acadêmicos e os servidores.
In: História da Universidade em Portugal. Volume I. Tomo I (1290-1536). Coimbra:
Universidade de Coimbra/Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 115.

22
Ius Commune

Direito Romano do que às questões práticas. Ainda que a histo-


riografia clássica do período enfatize o papel do Direito Romano
nos currículos universitários, há trabalhos mais recentes, como os
de Maria Paz Alonso e Laura Beck Varela, que chamam a atenção
para a força das preocupações com o direito pátrio e com questões
práticas nas universidades espanholas na Idade Moderna52.
Inicialmente, o texto puro do Digesto serviu de base para o en-
sino do Direito Romano, mas foi no âmbito das universidades que
se percebeu a incompletude dos seus textos, os quais não alcan-
çavam a totalidade das relações sociais do período. Isso não lhes
retirou o protagonismo nos estudos jurídicos, mas, ao contrário,
fez surgir a necessidade de se estabelecer outra forma de ensino,
preocupada com a exegese dos textos. Portanto, o ensino do Direi-
to nas universidades via no Digesto um objeto a ser desvendado, e
isso significou, em muitos momentos, meditações e discussões so-
bre o alcance dos preceitos se comparados ao contexto do começo
da transição do século XII para o século XIII.
Nessa busca pela compreensão do objeto de estudo, alguns pro-
fessores passaram a redigir pequenos comentários às margens dos
textos e glosas sobre as matérias discutidas no Digesto. Essa prática
começou com o próprio Irnério e logo se tornou corrente entre os
seus sucessores, dos quais merecem referência Azo (-1220) e, prin-
cipalmente, Acúrsio (1185-1263), representantes do que se conven-
cionou chamar de Escola dos Glosadores53. O trabalho de Acúrsio,

52 Neste sentido, cf. ALONSO ROMERO, María Paz. Del “amor” a las leyes patrias
y su “verdadera inteligencia”: a propósito del trato con el derecho regio en la
Universidad de Salamanca durante los siglos modernos. Salamanca, escuela de
juristas: estudios sobre la enseñanza del derecho en el Antiguo Régimen. Madrid:
Universidad Carlos III, 2012, p. 165-189; VARELA, Laura Beck. Bártolo y “las
demás leyes del Reino”. La formación del jurista según el “Modo de pasar del Doctor
Bustos” (c. 1587). Annali di storia delle universita italiane, v. 20, 2016, p. 3-29.
53 É vasta a bibliografia sobre os glosadores. Cf., entre outros, CALASSO, Francesco,
op. cit., p. 522-555; CARAVALE, Mario, op. cit., p. 290-295; ASCHERI, Mario.

23
Gustavo César Machado Cabral

pela sua qualidade técnica, alcançou maior importância no período,


tendo havido constantes menções à sua obra como glossa ordinaria
ou magna glossa em virtude de ter representando, àquele momento,
uma iniciativa bastante completa e satisfatória para os objetivos dos
glosadores54, que consistiam na pretensão de eliminação de contra-
riedades para entender e reconstruir o direito justinianeu55, exercen-
do, desta forma, também uma função prática56.
No ambiente universitário e partindo da autoridade do Diges-
to, surgiu a Escola dos Comentadores, cujo método, em geral, era
inicialmente similar ao da escola anterior. Para Calasso, a princi-
pal diferença entre glosadores e comentadores residia no fato de
que enquanto aqueles pretendiam esclarecer o texto, estes cuida-
vam da compreensão do seu sentido57, tendo sido profundamente
influenciados pela escolástica, especialmente pelos trabalhos de
Pedro Abelardo (1079-1142), Alberto Magno (1193/1206-1280)
e Tomás de Aquino (1225-1274). A diferença, entretanto, é bem
mais sutil do que se pode parecer, afinal tanto glosadores quan-
to comentadores tinham em textos determinados o foco das suas

Introduzione Storica al Diritto Medievale. Torino: G. Giappichelli, 2007, p. 119-


120, 144-149 e 225-230;
54 “Questo [o emprego das expressões glossa ordinaria ou magna glossa] prova che
rispondeva veramente a um bisogno sentito, non solo dai pratici, ma dagli stessi
scienziati: accadde infatti che la Glossa d’Accursio segnasse, com’è stato detto a ragione,
la serrata delle glosse, un punto fermo della elaborazione scientifica, di là dal quale era
possibile procedere, ma solo per altra via”. CALASSO, Francesco, op. cit., p. 543.
55 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 112.
56 “Die Tätigkeit des Glossatoren war zunächst der Erschließung des Sinnes des
justinianischen Gesetzbuchs zugewandt, ihre Methode daher eine exegetische,
die den Sinn jeder einzelnen Stelle festzustellen suchte. Andreseits war ihr
Interesse an Corpus iuris kein bloß theoretische; das Gesetz Justinians war für sie
unmittelbar praktiches Rechts; und endlich fält ihre Tätigkeit schon in die Zeit
der Frühscholastik, weshalb sich auch bei ihnen bereits Ansätze zu systematischer
Behandlung des Rechtsstoffes zeigen”. KOSCHAKER, Paul, op. Cit., p. 87.
57 CALASSO, Francesco, op. cit., p. 564.

24
Ius Commune

preocupações. As obras dos comentadores eram, na realidade,


bem mais extensas do que a dos primeiros glosadores, o que torna
mais complexos esses trabalhos.
Entre os comentadores do Digesto, os mais destacados foram
Cino de Pistóia (1270-1336), Baldo de Ubaldi (1327-1400) e espe-
cialmente Bártolo de Sassoferato (1313/14-1357), principal repre-
sentante do mos italicus e uma das figuras centrais do ius commu-
ne58. Como se verá adiante, as obras de Bártolo se constituíram
um verdadeiro padrão estético e estilístico do mos italicus, tendo
se difundido pela Europa do direito comum com uma força que
perdurou até os últimos séculos do Antigo Regime no ensino e na
formação do jurista do período.
As obras de glosadores e comentadores tiveram enorme rele-
vância no âmbito do direito comum. Muito mais do que as pa-
lavras puras do Digesto e de outros textos objeto de atenção dos
juristas, o que se lia e estudava eram as glosas e os comentários
sobre esses textos. Não se estudava o que expressamente falava o
Digesto sobre penhora ou sucessão testamentária, mas o que Bár-
tolo escreveu sobre o tema, da mesma forma que, a partir do século
XVI, as glosas de Gregório López sobre as Siete Partidas circularam
muito mais efetivamente do que o próprio texto de Alfonso X.
Em virtude desse panorama, em que o direito culto teve muita
força, autores como Cassandro passaram a falar em um cáráter
científico do direito comum59. A ideia de uma ciência do direito

58 “Namentlich Bartholus ist trotz seinem kurzen Leben – er starb mit 43 Jahren – zu
einem Gott der Juristen und des mos italicus geworden. Nemo jurista nisi bartolista. Die
Meinung des Bartolus galt geradezu als Gesetz, und zwar angesichts der europäischen
Stellung der Kommentatoren nicht bloß in Italien, wo an der Universität Padua ein
Lehrstuhl zur Kommentierung des Bartolus errichtet wurde; sondern in Spanien, (…)
weniger in Frankreich”. KOSCHAKER, Paul, op. Cit., p. 104-105.
59 Para o autor, ao se falar em “rinascita del diritto romano, non si vuol parlare di rinascita
del diritto romano, com’era stato sistemato nella compilazione giustinianea, nella pratica
della vita giuridica (che è di quelle rinascite che la storia non ha mai registrato), ma del

25
Gustavo César Machado Cabral

no período tardomedieval, ainda que bastante difundida, deve ser


analisada com cautela, a fim de não se fazer incorrer em um erro
comum: pensar que havia uma preocupação dos autores em aná-
lise de construírem teorias abstratas e de cunho essencialmente
científico ou acadêmico. Não era essa a intenção desses juristas.
Como se verá adiante, o período do direito comum foi marcado pela
indissociabilidade entre teoria e prática, e isso não somente porque
o direito comum teve um caráter essencialmente casuísta, como
verá adiante, mas principlamene porque a finalidade das obras dos
comentadores era subsidiar a formação de juristas que teriam uma
atuação prática ao término do seu estudo formal. A relação desses
autores com a prática jurídica era notória, uma vez que a maioria de-
les trabalhou na resolução das consultas que lhes foram submetidas,
as quais costumavam ser reunidas e publicas, atingindo grande pres-
tígio – é a chamada literatura conciliar, da qual também se tratará
a seguir. Os mais importantes comentadores do Digesto, Bártolo e
Baldo, também publicaram os seus consilia, o que só demonstra a
intensa relevância da vida prática e dos problemas concretos para a
formação da literatura jurídica no período.
O Direito Romano de que se fala ao tratar do ius commune,
portanto, era um direito de juristas, tanto porque a sua base tex-
tual, o Digesto, foi produzido por eles quanto em razão do papel
verdadeiramente criador desempenhado pelos juristas ao interpre-
tarem esses textos. A realidade mostrou que, na difusão do Direito
Romano, o Digesto e as obras dos glosadores e dos comentadores
circularam de forma praticamente indissociada, uma vez que o
acesso aos textos do Digesto só acontecia por meio da literatura
jurídica. Se já há séculos não mais existia um direito justinianeu

diritto romano come scienza o, se preferite, come oggeto di una autonomia consapevole
interpretazione e sistemazione scientifica”. CASSANDRO, Giovanni. Lezioni di
Diritto Comune I. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1980, p. 16.

26
Ius Commune

puro, o trabalho da doutrina foi justamente ampliá-lo ou limi-


tá-lo60. O ius romanum a que se refere como componente do ius
commune, portanto, era o Direito Romano a partir da perspectiva
dos comentadores e dos glosadores.

2.2 Ius canonicum


A segunda matriz do ius commune foi o direito canônico, o qual,
juntamente com direito romano, compôs o que ficou conhecido
como utrunque ius. Com a queda do Império, a Igreja se tornou a
única instituição com pretensão de universalidade no Ocidente,
estendendo a sua autoridade basicamente por todo o continente
europeu. Desde o Édito de Tessalônica, em 380, a Igreja passou a
ser a religião oficial do Império61, garantindo-lhe uma posição de
predominância na fé adotada pelos romanos e, simultaneamente,
grande proximidade com as esferas de poder, o que, em verdade, já
se observou desde o reinado de Constantino I, especialmente com
o Édito de Milão, em 313.
A queda de Roma e as invasões germânicas não significaram
uma diminuição da esfera de influência da Igreja. Primeiramente,
porque houve uma conversão em massa da maioria desses povos,

60 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 288.


61 O essencial do Édito pode ser encontrado no Codex Theodosianus: “Cunctos
populos, quos clementiae nostrae regit temperamentum, in tali volumus religione versari,
quam divinum petrum apostolum tradidisse Romanis religio usque ad nunc ab ipso
insinuata declarat quamque pontificem Damasum sequi claret et Petrum Alexandriae
episcopum virum apostolicae sanctitatis, hoc est, ut secundum apostolicam disciplinam
evangelicamque doctrinam patris et filii et spiritus sancti unam deitatem sub parili
maiestate et sub pia trinitate credamus. 1. Hanc legem sequentes christianorum
catholicorum nomen iubemus amplecti, reliquos vero dementes vesanosque iudicantes
haeretici dogmatis infamiam sustinere nec conciliabula eorum ecclesiarum nomen
accipere, divina primum vindicta, post etiam motus nostri, quem ex caelesti arbitrio
sumpserimus, ultione plectendos”. (C.Th.. 16.1.2)

27
Gustavo César Machado Cabral

notadamente entre aqueles que, após o processo de fixação ter-


ritorial, estruturaram o poder político de maneira mais estável,
como os Visigodos e os Francos62. Em segundo lugar, porque esse
caráter de supranacionalidade garantiu um status elevado e dife-
renciado, que fazia da Igreja, simultaneamente, uma entidade com
grande autoridade dentro dos reinos e com um poder centralizado
em Roma, sede da principal diocese.
Enquanto durou a convivência entre Império e Igreja, a relação
foi marcada por uma adaptação desta à realidade que já existia em
Roma, onde o imperador era o chefe da religião oficial. Além de
ter criado uma tensão antes inexistente, a problemática relação
entre o temporal e o espiritual63, a proclamação do cristianismo
como um culto oficial e, portanto, de natureza pública, implicou
a visão de que o imperador seria o seu chefe, em uma noção de
liderança até então desconhecida64. Essa tese sofreu resistência de

62 Ainda que tenha havido divergências de tendências, pois havia forte presença
do arianismo entre os Visigodos na Espanha até o século VI, desde o reinado de
Leovigildo (569-586) foi estabelecida uma unidade religiosa sob padrões católicos.
Símbolo dessa unidade foram os Concílios, especialmente os realizados em Toledo,
reuniões de bispos com a presença do monarca. Sobre o tema, cf. WICKHAM,
Chris, op. cit., p. 130-140.
63 Como lembra Brian Tierney, até Constantino permitir o culto dos cristãos, “the
church could hope nothing from the state except, at best, freedom from persecution.
The whole situation was transformed, however, by the conversion of the emperor
Constantine in the fourth century and the subsequent spread of Christianity as
the official religion of the Roman Empire. The church had found a new champion.
The crucial question that arose at once was whether she had found a new master
too”. TIERNEY, Brian. The crisis of Church and State, 1050-1300. Toronto:
University of Toronto Press, 1992, p. 8.
64 Sobre essa relação e as suas raízes ligadas à religião oficial romana antes do
Cristianismo, cf. KÖLMEL, Wilhelm. Regimen Christianum: Weg und Ergebnisse
des Gewaltenverhältnisses und des Gewaltenverständnisses (8. Bis 14. Jahrhundert).
Berlin: Walter de Gruyter, 1970, p. 69-75.

28
Ius Commune

pensadores da Igreja65 que viam na sua confirmação uma submis-


são do poder espiritual ao temporal inclusive quando se tratasse
de assuntos eminentemente religiosos, destacando-se, nesse com-
bate, Santo Ambrósio, bispo de Milão, que travou polêmica com
o então imperador Valentiniano II (375-392)66. No entanto, não
restam dúvidas de que a Igreja absorveu a ideia de universalidade
do Império, sendo uma das suas grandes manifestações a adoção,
já a partir do Papa Leão I (440-461), dos termos principatus para se
referir à Sé Apostólica e Princeps para o Papa.
A almejada universalidade dependia de uma unificação da au-
toridade em último nível, sem a qual não seria possível a necessária
organização interna que lhe garantiria a independência de outras
esferas. Desde o século IV, parece ter estado consolidada a posição
de predominância de Roma frente a outras dioceses, ainda que
tenha havido resistência a essa medida, especialmente por parte
de Constantinopla67, tendo essa predominância fundamentos teo-
lógicos68. Porém, foi somente durante os pontificados de Inocêncio
I (402-417), Leão I e, principalmente, de Gelásio I (492-496), que

65 Para um panorama dessas divergências, nos primeiros séculos da cristandade, cf.


DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos, op. cit., p. 191-199.
66 Esse enfrentamento de Santo Ambrósio ao imperador se deu através de cartas,
atualmente organizadas como as Epistolae XX e XXI. Para o seu conteúdo, cf.
Migne Patrologia Latina. Volumen 016. Col. 994-1007. Sobre o pensamento de
Santo Ambrósio, cf. CARLYLE, R. W.; CARLYLE, A. J. A History of Mediaeval
Political Theory in the West. Volume I: the second century to the ninth.
Edinburgh and London: William Blackwood & Sons, 1950, p. 179-184.
67 Sobre esse embate, cf., entre outros, RAHNER, Hugo. Church and State in Early
Christianity. Trad. Leo Donald Davis, S. J. San Francisco: Ignatius Press, 1992, p.
74-76. Tellenbach, por sua vez, defende que essa universalidade, especialmente no
que concerne a elementos litúrgicos, só teria sido alcançada em meados do século
XI. TELLENBACH, Gerd. The Church in western Europe from the tenth to the
early twelfth century. Trad. Timothy Reuter. Cambridge: Cambridge University
Press, 1996, p. 22-25.
68 Cf. RAHNER, Hugo, op. cit., p. 134-136.

29
Gustavo César Machado Cabral

a autoridade do papado no comando geral da Igreja, partindo de


Roma, ganhou contornos de universalidade69. Na famosa carta de
Gelásio I ao imperador bizantino Anastácio I (491-518), o papa
deixou clara a existência de dois poderes distintos, a autoridade
pontifícia e a imperial, devendo esta se sujeitar àquele em virtude
dos deveres espirituais de todos os fiéis, independentemente do
ofício ocupado70. Isso significou a tendência de a Igreja buscar a
sua independência, mantendo-se longe de interferências desneces-
sárias de um Império que, mesmo reconhecido como persistente
no Oriente, não mantinha a autoridade na Europa de modo simi-
lar ao que fizera o Ocidental71, numa clara influência do preceito
“quae Dei Deo, quae Caesaris, Caesari”, do Novo Testamento.
Inicialmente, a autonomia da Igreja restringiu-se a matérias es-
pirituais, implicando a consciência de que delas deveria cuidar a
autoridade eclesiástica, sem interferência do poder temporal. Não
se resumiu, no entanto, a esses elementos, à medida que a situação
política européia foi se mostrando órfã de um poder centralizado.

69 “These three men gathered the material for the structure of the Church’s freedom
and while building it up in the West carried the struggle to the East as well”.
RAHNER, Hugo, op. cit., p. 133.
70 O trecho mais importante da carta: “Absit, quaeso, a Romano principe, ut intimatam
suis sensibus veritatem arbitretur injuriam. Duo quippe sunt, imperator auguste, quibus
principaliter mundus hic regitur: auctoritas sacrata pontificum, et regalis potestas. In quibus
tanto gravius est pondus sacerdotum, quanto etiam pro ipsis regibus hominum in divino
reddituri sunt examine rationem. Nosti etinem, fili clementissime, quod licet praesideas
humano generi dignitate, rerum tamen praesulibus divinarum devotus colla submittis,
atque ab eis causas tuae salutis exspectas, inque sumendis coelestibus sacramentis eisque
ut competit disponendis, subdi te debere cognoscis religionis ordine potius quam praeesse,
itaque inter haec ex illorum te pendere judicio, non illos ad tuam velle redigi voluntatem”
(Epist. XII, 2). Para o seu conteúdo completo, cf. THIEL, Andreas (Org.). Epistolae
Romaroum Pontificum genuinae. Tomo I: a S. Hilario usque ad S. Hormisdam, ann.
461-523. Brunsbergae: Aedibus Eduardi Peter, 1868, p. 349-358.
71 Para uma noção geral do pensamento de Gelásio I, cf. CARLYLE, R. W.; CARLYLE,
A. J., op. cit., p. 184-193.

30
Ius Commune

O Império Bizantino, mesmo presente em algumas áreas da Pe-


nínsula Itálica, nunca chegou, depois de Justiniano, a representar
uma sombra do que fora o antigo Império. Tendeu, assim, a Igreja
a ocupar algumas funções que antes couberam ao poder temporal.
As razões para essa realidade não são tão dificilmente visualiza-
das: a Igreja passou a cuidar de assuntos anteriormente exclusivos
da Administração Imperial, como viúvas, órfãos, menores e prisio-
neiros, chegando a desenvolver um sistema de tribunais eclesiás-
ticos que resolvia disputas judiciais entre fiéis na esfera religiosa e
nas relações civis, o que, aliando-se ao fato de a Igreja ser a maior
proprietária de terras na Itália, explica o seu crescente poder72.
Desta forma, cada vez mais a Igreja, enquanto instituição, ga-
nhou contornos híbridos, tendo, simultaneamente, uma pretensão
de universalidade já consolidada e, de modo crescente, uma respu-
blica como os demais reinos que se formaram na Europa a partir do
esfacelamento de Roma. Não se está a afirmar que o Alto Medievo
foi palco do surgimento dos Estados Pontifícios, autoridade tem-
poral que só veio a se consolidar séculos depois e cuja importância
é suficientemente complexa para os objetivos deste trabalho; mas,
desde meados do século V, coube ao Papado tomar medidas que,
originalmente, não estavam na alçada eclesiástica, como o abas-
tecimento de comida para combater a fome73 e mesmo a assunção
dos ofícios de jurisdição civil em Roma, os quais haviam passado
para o controle dos tribunais eclesiásticos74. É inegável, portanto,
que o período entre o fim do Império do Ocidente e o surgimento
do Sacro Império, na Alemanha, foi uma etapa de gestação do que

72 NOBLE, Thomas F. X. The Republic of St. Peter: the birth of the Papal State,
680-825. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1991, p. 9-10.
73 Cf. NOBLE, Thomas, op. cit., p. 230-232.
74 Cf. NOBLE, Thomas, op. cit., p. 236-237.

31
Gustavo César Machado Cabral

Thomas Noble chamou de República de São Pedro, consolidada


nos primeiros séculos do segundo milênio75.
As relações entre o Papado e as poderes seculares na Alta
Idade Média não parecem ter sido turbulentas, muito pelo con-
trário. Com os Francos, essa relação foi mais do que cordial, fa-
lando-se mesmo em aliança76. Desde o período Merovíngio, que
remonta ao final do século V, as relações entre o poder político
no Reino dos Francos e a Igreja já eram de uma aproximação
visível, a qual se materializou, como bem observa Marcelo Cân-
dido da Silva, na própria legislação merovíngia e no movimento
de cristianização da utilitas publica77. A aliança se verifica com a
translatio imperii, no ano 800, ato que simbolizou uma confiança
mútua com o argumento do ressurgimento do Império Roma-
no por meio da dinastia Carolíngia (renovatio imperii). Mesmo
tendo sido investido no ofício de imperador, Carlos Magno e os
seus sucessores não interferiram nos assuntos da Igreja, os quais
abrangiam, nesse momento, tanto matérias eclesiásticas quanto
o livre domínio e exercício do poder sobre as suas terras78. Mais
do que não-intervenção, essa política significou proteção: o fato
de a mais poderosa entidade política européia ser aliada da Igreja
e respeitar os seus poderes desestimulava tentativas de medidas
contrárias. A força dessa aliança faz alguns autores defenderem a

75 Sobre a gênese desse momento, cf. WILKS, Michael. Legislator divinus-humanus:


the medieval Pope as sovereign. In: GUICHARD, P.; LORCIN, M.-T.; POISSON,
J.-M; RUBELLIN, M. Papauté, Monachisme et Théories politiques. I. Le pouvoir
et l’institution ecclésiale: etudes d’histoire medieval offertes à Marcel Pacaut. Lyon:
Presses Universitaires de Lyon, 1994, p. 181-195.
76 Nesse sentido, cf. TIERNEY, Brian, op. cit., p. 16-19.
77 SILVA, Marcelo Cândido da. A realiza cristã na Alta Idade Média: os fundamentos da
autoridade pública no período merovíngio (séculos V-VIII). São Paulo: Alameda, 2008.
78 NOBLE, Thomas, op. cit., p. 332-333.

32
Ius Commune

existência de tendência a uma espécie de soberania única, unin-


do o poder terreno ao eclesiástico79.
O que se sucedeu ao Império Carolíngio, porém, foi a sua divisão
com o Tratado de Verdum, em 843, e a autoridade imperial só vol-
tou a ser exercida com alguma força a partir de 962, quanto Otto I
foi coroado imperador pelo Papa João XII. Ainda que tenha surgido
de uma aliança entre a Igreja e o poder secular para manter a idéia
de unidade, essas relações não foram estáveis, caracterizando-se pe-
los conflitos. As interferências constantes e as ameaças militares
exercidas pelos imperadores causaram várias crises, a começar pela
chamada questão das investiduras, relativa aos privilégios conferidos
a alguns monarcas de nomearem bispos80.
Vários papas do período simbolizaram essa resistência eclesiás-
tica às pretensões imperiais, numa tentativa de manter a sua esfera
de poder. O papel de Gregório VII (1073-1085), nesse contexto,
foi fundamental ao defender a separação entre as esferas temporal
e espiritual, de matrizes gelasianas, com a peculiaridade de reco-
nhecer a supremacia desta, a qual garantia, inclusive, o poder do

79 Nesse sentido, cf. DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos, op. cit., p. 217. Partindo
da concepção de que a Igreja, desde esse período, parece guardar autonomia do
Império para assuntos referentes aos seus domínios territoriais, não se pode
concordar com esse posicionamento.
80 Sobre a questão das investiduras, cf. GOEZ, Werner. Kirchenreform und
Investiturstreit, 910-1122. Stuttgart, W. Kohlhammer, 2000, p. 119-180;
TELLENBACH, Gerd. Church, State and Christian society at the time of the
investiture contest. Trad. R. F. Bennet. Toronto: Univesity of Toronto Press, 1991,
p. 89-125. Tratando da questão e dos autores que, à época, escreveram sobre ela, cf.
KÖLMEL, Wilhelm, p. 107-143; CARLYLE, R. W.; CARLYLE, A. J. A History of
Mediaeval Political Theory in the West. Volume IV: the theories of the relation
of the Empire and the Papacy from the tenth century to the twelfth. Edinburgh and
London: William Blackwood & Sons, 1950, p. 49-164.

33
Gustavo César Machado Cabral

papa de depor imperadores por violações a matérias de fé81 82. Essa


postura, que influenciou o Dictatus Papae (1075), base da reforma
gregoriana, fundamentou a resolução da crise das investiduras por
meio da Concordata de Worms, de 1122, a qual adotou a idéia da
separação entre ambas as esferas. Com isso, garantiu-se formal-
mente a inviolabilidade dos assuntos eclesiásticos pelos poderes
temporais. O Dictatus Papae foi uma típica manifestação da ideia
de imitatio imperii83, em que várias das instituições e tradições ro-
manas foram observadas no papado; em certa medida, o Papa-
do era encarado como herdeiro do poder imperial romano, o que
implicava um poder universal, soberano e acima das autoridades
temporais, como se percebe em diversas passagens84.
Após um período de busca por afirmação política, para o qual
o papa Inocêncio III (1198-1216) teve importância fundamental
na tentativa de consolidar o Papado como um poder temporal85,

81 Para um panorama das controvérsias entre historiadores sobre o papel de Gregório


VII, cf. TELLENBACH, Gerd. The Church in western Europe from the tenth
to the early twelfth century. Trad. Timothy Reuter. Cambridge: Cambridge
University Press, 1996, p. 185-252; TIERNEY, Brian, op. cit., p. 45-48.
82 Sobre a reforma gregoriana, cf., entre outros, TOUBERT, Pierre. Eglise et Etat au
XIe siècle: la signification du moment grégorien pour la genèse de l’État moderne.
In: GENET, Jean Philippe; VINCENT Bernard. (Org.). État et Eglise dans la
gênese de l’État moderne. Madrid: Casa de Velázquez, 1986, p. 9-22.
83 Sobre a imitatio imperii, cf. KÖLMEL, Wilhelm, op. cit., 160-164.
84 “Quod solus Romanus pontifex iure dicatur universalis” (§2º), “quod solus possit uti
imperialibus insigniis” (§8º); “quod solius pape pedes omnes principes deosculentur”
(§9º), “quod illi liceat imperatores deponere” (§12), etc. Para uma visão geral do
Dictatus Papae, cf. GAUDEMET, Jean. Église et cité: histoire du droit canonique.
Paris: Montchrestien, 1994, p. 301-311.
85 Sobre o pontificado de Inocêncio III, cf. SAYERS, Jane. Innocent III: leader of
Europe 1198-1216. Londres e Nova York: Longman, 1997, passim; TIERNEY, Brian,
op. cit., p. 127-131; CARLYLE, R. W.; CARLYLE, A. J. A History of Mediaeval
Political Theory in the West. Volume V: the political theory of the thirteenth
century. Edinburgh and London: William Blackwood & Sons, 1950, p. 151-235.

34
Ius Commune

os embates entre Igreja e Império continuaram com os impera-


dores Frederico I Barbarossa (1155-1190) e Frederico II (1220-
1250). Buscando fundamentos no Direito Romano e nos juristas
da época, Frederico I defendeu a tese da supremacia absoluta do
poder imperial, herdeiro direto da tradição romana, utilizando-se
de expedientes como a nomeação dos antipapas para confrontar
a autoridade de Roma86. Com Frederico II, contudo, a situação
parece ter sido solucionada; mesmo tendo passado a maior parte
do seu reinado em guerra com os Estados Pontifícios, a sua exco-
munhão pelo papa Inocêncio IV (1243-1254) e os eventos que se
seguiram provocaram a sua ida a Roma e o seu simbólico pedido
de perdão, acarretando o enfraquecimento do poder imperial e a
sua submissão à autoridade papal87. Os problemas entre as esferas
temporal e espiritual, a partir de então, deixaram de ser entre ins-
tituições pretensamente universais, já que, a partir do século XIII,
o Império perdera definitivamente esse caráter, mas entre a Igreja
e as nascentes monarquias nacionais88.

86 Sobre o reinado de Frederico I Barbarossa, cf., entre outros, GÖRICH, Knut.


Die Staufer: Herrscher und Reich. 2 ed. München: C.H. Beck, 2008, p. 38-68;
SCHNEIDMÜLLER, Bernd. Die Kaiser des Mittelalters: von Karl dem Großen
bis Maximilian I. München: C.H. Beck, 2007, p. 74-80
87 Sobre esse embate, cf. ULLMAN, Walter. Frederick II’s opponente, Innocent IV,
as Melchisedek. In: Atti del Convegno Internazionale di Studi Federiciani.
Palermo: [s.e], 1952, p. 53-81; TIERNEY, Brian, op. cit., p. 139-143 Sobre o
reinado de Frederico II, cf., entre outros, GÖRICH, Knut, op. cit., p. 87-115;
SCHNEIDMÜLLER, Bernd, op. cit., p. 83-88; COLLIVA, Paolo. Lo Stato di
Federico II: opera ‘d’arte’ ed opera di necessità. Annali di Storia del Diritto:
rassegna internazionale, X-XI. Milão: A. Giuffrè, 1966-1967, p. 377-404.
88 Para uma síntese dos embates entre Igreja e Estado no período, cf., entre muitos
outros, HOFFMANN, Hartmut. Die beiden Schwerter im hohen Mittelalter.
In: BAETHGEN, Friedrich; GRUNDMANN, Herbert. Deutsches Archiv für
Erfoschung des Mittelalters: namens der Monumenta Germaniae Historica. 20
Jahrgang, Heft 1. Köln: Böhlau, 1964, p. 78-114.

35
Gustavo César Machado Cabral

Essa longa introdução foi necessária para fazer entender as


conseqüências desse embate entre Igreja e Império, o qual repre-
sentou, segundo Harold J. Berman, a primeira das grandes revo-
luções da História do Ocidente: uma revolução do clero contra
o seu domínio por imperadores, reis e senhores, estabelecendo a
Igreja Romana como uma entidade independente89 90. Tratou-se,
portanto, de uma verdadeira luta por independência, cuja face po-
lítica se procurou delinear aqui. No entanto, a sua mais intensa
manifestação só poderia acontecer por meio do Direito, e o desen-
volvimento do Direito da Igreja é mais bem compreendido quando
também se entende esse longo processo de mudanças.
A necessidade de se estabelecerem normas jurídicas no âmbito
da Igreja é praticamente tão antiga quando ela própria, mas foi
com o seu reconhecimento oficial, no século IV, que o Direito
Canônico ganhou importância estrutural. Como menciona Pa-
doa-Schioppa, tratou-se, inicialmente, de um direito constituído
de normas escritas e de costumes, de órgão e sanções específicas,
as quais não eram menos eficazes por terem natureza espiritual91,

89 BERMAN, Harold J. Law and Revolution: the formation of the Western Legal
Tradition. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997, p. 520.
90 “Revolutionary changes in State and Monarchy were the result of his beliefs.
Monarchical rule had in Christian times always been theocratic. God held the
king’s heart in His hands and guided it as He willed. The state had stood beside
the Church, which was ready to accept the State’s actions as a manifestation of the
divine providence. Conversely, it was the sacred duty of every Christian king to serve
the Church; the duty of obedience to God, Christ and the Church was never once
disputed by any party. If the pope reminded princes that they had a Lord over them,
and that it was right for a man whom God had set over so many thousands to be
himself the servant of God, none would contradict him. Conflicts only arose when
he used this truism to secure obedience for his own orders, when he presupposed a
certain identity of his commands with those of God, and seemed to lay claim to an
authority which no man had yet possessed”. TELLENBACH, Gerd, op. cit., p. 161.
91 “Un diritto costituito di norme scritte e di consuetudini, di organi ed anche di
specifiche sanzione, le quali non erano meno efficaci per il fatto di avere natura

36
Ius Commune

e a sua aplicação, inicialmente restrita às pequenas comunidades


cristãs, foi sendo ampliada, à medida que se expandiu a fé cristã.
As duas principais características do Direito Canônico no que
diz respeito às mudanças de paradigma frente aos sistemas jurídi-
cos que até então se conheciam foram a universalidade e a igual-
dade. Ao contrário dos direitos de matrizes eminentemente locais,
o Direito Canônico era aplicado a todos os povos que compunham
a cristandade, como já se procurou delinear nas páginas anteriores.
Por outro lado, de modo inovador, as normas de Direito Canônico
eram aplicadas a todos indistintamente, numa igualdade imparcial
que não via distinções de gênero, classe ou estamento, pelo menos
em teoria92. Portanto, não importava a origem do cristão – desde
que ostentasse essa condição, deveria obedecer às regras da Igreja
e, caso não o fizesse, seria punido.
Essas regras da Igreja tinham como fontes primárias as Sagra-
das Escrituras, definitivamente constituídas no Concílio de Ni-
céia, em 325. A Bíblia, como todo livro sagrado, exercia o papel
de fonte do direito divino, mas, como toda instituição social, a
Igreja precisava de normas temporais, a fim de regular as relações
sociais e, posteriormente, institucionais entre os seus membros.
O elemento teológico aparece como extremamente relevante nes-
se contexto, guiando estruturalmente o direito canônico. Dessa
necessidade surgiram os cânones, cuja natureza de regulamentos
da vida religiosa dos primeiros cristãos foi sendo ampliada para
alcançar outros temas, a exemplo de matérias de casamento ou o
exercício da jurisdição eclesiástica pelos bispos93. Inicialmente, as

spirituale”. PADOA-SCHIOPPA, Antonio. Il Diritto nella storia d’Europa. Il


Medievo, parte prima. Milão: CEDAM, 1995, p. 28.
92 BRUNDAGE, James A. Medieval Canon Law. Londres e Nova York: Longman,
1995, p. 3-4.
93 BRUNDAGE, James A., op. cit., p. 11-17.

37
Gustavo César Machado Cabral

principais regras jurídicas da Igreja eram oriundas de concílios e


sínodos diocesanos, cujas importantes decisões foram sendo cole-
tadas a partir do século IV94. Posteriormente, já no Baixo Medie-
vo, a legislação conciliária voltou a ganhar importância95.
Com o progressivo crescimento da autoridade do bispo de
Roma, ganhou relevo a produção normativa pelo Papado, ainda
que não tenham cessado as normas sinodais e conciliares, que ti-
veram suma importância para os direitos canônicos próprios. Os
cânones, termo oriundo do grego κάνων96, passaram a designar
as decisões tomadas pelo Papado, fundadas, portanto, na superio-
ridade da sua autoridade, decisões essas inicialmente chamadas de
constitutiones97, edicta, rescripta, decreta, epistolae decretales e, final-
mente, decretales98. Sua origem, de acordo com Jean Gaudemet,
estaria ligada a respostas dadas pelo Papado às instâncias locais a
partir de casos concretos, sendo, portanto, a formulação de uma

94 Sobre as coleções de normas conciliares, cf. GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 51-54.
Para um período posterior, cf., entre outros, HARTMANN, Wilfried. Synoden
schaffen Räume: Metropolen, Diözesen und Pfarreien in den Synodalkanones des
9. Jahrhunderts. Rechtsgeschichte, v. 23, 2015, p. 174-184; DEUTINGER, Roman.
Recht und Raum in den Anfängen der karolingischen Reform: zu den fränkischen
Synoden 742-762. Rechtsgeschichte, v. 23, 2015, p. 110-118.
95 Sobre a legislação conciliária baixo-medieval, cf. GAUDEMET, Jean, op. cit., p.
381-386.
96 “In fati, κάνων in greco è una misura lineare, e, per traslato, regola: la Chiesa
adoperò la parola in questo senso, di norma di vita, confacente ai precetti di Gesù”.
CALASSO, Francesco. Medio Evo del Diritto. I – Le fonti. Milano: Giuffrè, 1954,
p. 171-172.
97 Trata-se de mais uma influência do Direito Romano no ordenamento jurídico da
Igreja, pois, como já se demonstrou, as constitutiones eram instrumentos normativos
emanados pelo Imperador. Como o papa era o soberano espiritual, tendo, portanto,
poderes análogos ao do imperador, só que em matéria espiritual, era plenamente
compreensível que possuísse também o poder de editar constitutiones.
98 CARAVALLE, Mario. Ordinamenti giuridici dell’Europa Medievale. Bologna: il
Mulino, 1994, p. 230-231.

38
Ius Commune

regra jurídica a partir de um caso concreto, mas a prática foi lhe


conferindo um poder normativo de aplicação geral99.
A Alta Idade Média, especialmente até o século X, viu a am-
pla utilização das decretales, principalmente a partir de coleções
organizadas em mosteiros, merecendo referências, dentre muitas
outras, a Collectio Dionysiana, ampliada na transição do século
VIII para o IX por ordem do papa Adriano (772-795) e sendo re-
batizada como Collectio Dionysio-Hadriana; a Collectio Hispana,
compilação erroneamente atribuída a Santo Isidoro de Sevilha, da
mesma forma que as Decretales Pseudo-Isidorianae; os Libri poeni-
tentiales, tratando de pecados e de penitências100. No contexto da
reforma da Igreja, buscando a diminuição da influência dos pode-
res temporais, a atividade legislativa se converteu em importante
instrumento para se estabelecer uma nova ordem, tendo exerci-
do forte influência nesse período a já comentada postura do papa
Gregório VII e o seu Dictatus Papae. Foram notáveis, no período,
as coleções organizadas por Anselmo de Lucca (Collectio cano-
num, finalizada em 1083), pelo Cardeal Deusdedit (por volta de
1087) pelo Cardeal Burcado (se Decretum) e, especialmente, os
trabalhos empreendidos por Ivo de Chartres (o Decretum, a Panor-
mia e a Trium partium ou Tripartita)101.
Percebe-se a existência de um Direito da Igreja já no primeiro mi-
lênio, mas as leis e a ordem jurídica eclesiástica, como afirma Berman,

99 GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 46-47.


100 Sobre o tema, cf. CALASSO, Francesco, op. cit., p. 172-176; CARAVALLE, Mario,
op. cit., p. 230-233; BRUNDAGE, James A., op. cit., p. 26-35.
101 Sobre o tema, cf., entre outros, CALASSO, Francesco, op. cit., p. 316-324;
BRUNDAGE, James A., op. cit., p. 32-43; CARAVALLE, Mario, op. cit., p. 234-240.
Especificamente sobre Anselmo de Lucca, cf. CUSHING, Kathleen G. Papacy and
Law in the Gregorian Revolution: the canonistic work of Anselm of Lucca. Nova
York: Clarendon Press, 1998, p. 41-143. Especificamente sobre Ivo de Chartres, cf.
LANDAU, Peter. Das Dekret des Ivo Von Chartres. In: Zeitschrift der Savigny-
Stiftung für Rechtsgeschichte / Kanonistische Abteilung. 70, 1984, p. 1-44.

39
Gustavo César Machado Cabral

não significavam a existência de um sistema de direito eclesiástico


totalmente diferenciado da liturgia e da teologia102. A chamada re-
volução gregoriana, no século XI, possibilitou o que o direito canôni-
co adquisse um grau de autonomia formal, o qual, deve-se ressaltar,
nunca foi absoluto, uma vez que a teologia nunca esteve totalmente
apartada nem do direito canônico nem do direito civil.
O principal responsável por essa autonomia formal do direito
canônico foi Gratianus, cuja obra fundamental foi a Concordia dis-
cordantium canonum, conhecida majoritariamente como Decretum,
composta por volta de 1140. Nela, Gratianus partiu da doutrina já
existente em matéria eclesiástica, como os trabalhos de Isidoro de
Sevilha, Anselmo de Lucca e Ivo de Chartres, e de elementos de Di-
reito Romano, majoritariamente ligados ao Digesto, para construir
um códice organizado de direito canônico. A própria divisão interna
da obra estabeleceu um padrão que seria seguido posteriormente: a
primeira parte, composta de 101 distinctiones, cuidava do direito em
geral; a segunda, com 36 causae divididas em questiones, tratava de
matérias específicas, como direito penal e processual, direito matri-
monial e patrimônio eclesiástico; e a última delas, com as suas 5 dis-
tinctiones, abordava alguns sacramentos. Preocupado em apresentar as
discordâncias existentes entre as diversas fontes de direito canônico,
Gratianus procurou apresentar pequenos comentários para propor so-
luções para esses problemas, razão pela qual não se deve dizer que a
obra é apenas uma compilação de textos, contendo uma contribuição
do autor para além do caráter meramente compilativo103.
Com o Decretum de Gratianus, o direito canônico adquiriu
um objeto de estudo definido e uma organização definitiva104,

102 BERMAN, Harold J., op. cit., p. 202.


103 Nesse sentido, cf. GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 396.
104 É muito vasta a bibliografia sobre Gratianus. Cf., entre muitos outros, GAUDEMET,
Jean. Das römische Recht in Gratians Dekret. In: Österreichisches Archiv für

40
Ius Commune

convertendo-se, nos termos de Bartolomé Clavero, no corpo


normativo básico da Igreja romana centralizada105 e influenciando
as gerações seguintes de canonistas, alguns dos quais vieram
a ocupar posições importantes dentro da Igreja. Foram os
casos de Rolandus Bandinelli e Lottario di Segni, que foram
papas sob os nomes de Alexandre III (1159-1181) e Inocêncio
III, respectivamente, e nas suas atividades legislativas foram
fortemente influenciados pela obra de Gratianus106. Da mesma
forma, as coleções oficiais de decretales posteriores seguiram o
modelo inaugurado por ele, destacando-se as empreendidas por
Gregório IX (1227-1241), em 1234, Bonifácio VIII (1294-1303),
em 1296, por Clemente V (1305-1314), em 1314, e por João XXII
(1316-1334), em 1327107.
Essas compilações constituíram a essência do direito da Igreja.
Como a única diferença entre elas – afora o fato de o Decretum
de Gratianus não ser obra oficial – era o período em que foram
compilados os decretos papais, houve uma organização em 1580,
a mando do papa Gregório XIII (1572-1585), que culminou com a
publicação do chamado Corpus iuris canonici, verdadeira codifica-
ção do direito canônico, composta pelas cinco obras mencionadas
mais as Extravagantes comunes. Sua validade se estendeu até 1917,

Kirchenrecht 12. Wien, 1961, p. 177-191; CALASSO, Franceso, op. cit., p. 391-
399; GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 393-399; BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 65-68;
BRUNDAGE, James A., op. cit., p. 44-49.
105 CLAVERO, Bartolomé, op. cit., p. 19.
106 BERMAN, Harold J., op. cit., p. 202-204.
107 Sobre elas, cf. GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 398-401; CALASSO, Francesco, op.
cit., p. 399-404; BRUNDAGE, James A., op. cit., p. 53-59. Mais modernamente, cf.
DUVE, Thomas. El corpus iuris canonici: uma introducción a su historia a la luz de
la reciente bibliografia. Prudentia iuris, v. 61, 2006, p. 71-100.

41
Gustavo César Machado Cabral

quando o texto foi substituído pelo Código de Direito Canônico


elaborado durante o pontificado de Pio X (1903-1914) 108.
Paralelamente à atividade legislativa papal, continuaram a
acontecer sínodos e concílios, nos quais também eram produzidas
normas jurídicas. Os sínodos estão associados ao âmbito da dioce-
se, sendo presididos pelo bispo e contando com a participação dos
párocos a ela vinculados, enquanto os concílios são reuniões dos
bispos no âmbito de uma mesma província eclesiástica, presididas
pelo arcebispo correspondente109. Em geral, as normas produzidas
nessas reuniões tinham validade restrita ao espaço determinada
para cada circunscrição, ou seja, a diocese para o sínodo e a pro-
víncia eclesiástica para o concílio, o que significava serem as nor-
mas uma espécie de direito canônico próprio, de validade local.
Esse tema teve especial relevância na América, onde as normas
canônicas próprias, produzidas nos muitos concílios realizados no
continente e atentando para as peculiaridades locais, exerceram
papel importante na regulação da matéria canônica. Isso se evi-
dencia pelo fato de que uma das principais características do di-
reito comum é justamente a predominância da norma particular
diante da norma geral. Na América Hispânica, os concílios pro-
vinciais de maior destaque foram realizados em Lima (1582-1583)
e no México (1585)110, frutos da Contra-Reforma e de disposições

108 Sobre o Codex Iuris Canonici de 1917, cf. STUTZ, Ulrich. Der Codex iuris canonici
und die kirchliche Rechtsgeschichte. In: Zeitschrift der Savigny-Stiftung für
Rechtsgeschichte / Kanonistische Abteilung. 7, 1917, p. V – XVIII.
109 DUSSEL, Enrique (Org.). Historia general de la Iglesia en América Latina. Tomo
I.1: introducción general a la historia de la Iglesia en America Latina. Salamanca:
Sígueme, 1983, p. 472-473.
110 Para uma visão geral dos sínodos e concílios na Hispano-América, cf. DUSSEL,
Enrique (Org.). Historia general de la Iglesia en América Latina. Tomo I.1:
introducción general a la historia de la Iglesia en America Latina. Salamanca:
Sígueme, 1983, p. 472-516. Sobre os concílios provinciais, especialmente sobre o
Terceiro Concílio de Lima, cf. LISI, Francisco Leonardo. El tercer concilio limense

42
Ius Commune

tridentinas que mandavam que se realizassem sínodos e concí-


lios para adaptarem as suas normas às particularidades locais. Na
América Portuguesa, realizou-se apenas um sínodo diocesano em
1707, presidido pelo Arcebispo da Bahia, após tentativas frustradas
de reunirem os bispos das outras dioceses do Estado do Brasil111.
As normas produzidas em alguns concílios, entretanto, tiveram
validade geral em toda a cristandade, como nos concílios realizados
nos primeiros séculos de institucionalização da Igreja. No período
que se analisa aqui, o Concílio de Trento (1545-1563) foi o mais
importante, e os seus decretos consistiram em balizas fundamentais
para o direito canônico geral, ao lado das fontes que faziam parte do
Corpus iuris canonici112. As normas tridentinas tinham caráter geral
e, como se verá adiante quando se tratar dos direitos particulares,
deveriam ser aplicadas quando não houvesse peculiaridade local
suficientemente forte a ponto de afastar a norma geral. Nesses casos,

y la aculturación de los indígenas sudamericanos: estudio crítico con edición,


traducción y comentario de las actas del concilio provincial celebrado en Lima entre
1582 y 1583. Salamanca: Univ. Salamanca, 1990; DUVE, Thomas. Das Konzil als
Autorisierungsinstanz: die Priesterweihe von Mestizien vor dem Dritten Limenser
Konzil (1582/83) un die Kommunikation über Recht in der spanische Monarchie.
Rechtsgeschichte, 16, 2010, p. 132-153. Sobre o Terceiro Concílio Provincial do
México, cf. MOUTIN, Osvaldo Rodolfo. Legislar en la América hispánica en la
temprana edad moderna: procesos y características de la producción de los decretos
del Tercer Concilio Provincial Mexicano (1585). Frankfurt am Main: Max Planck
Institute for European Legal History, 2016; GALINDO BUSTOS, José. Estudio del
aparato de fuentes del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Zamora,
Mich.: El Colegio de Michoacán.
111 VIDE, Sebastiao Moreira da. Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia
feitas, e ordenadas pelo Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Sebastião
Monteiro da Vide: propostas, e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito
Senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. Brasília: Senado Federal, 2007.
Sobre o tema, cf. CABRAL, Gustavo César Machado. Ius commune in Portuguese
America: criminal issues on local canon law in the “First Constitutions of the Diocese
of Bahia”. Glossae: European Journal of Legal History, n. 13, 2016, p. 307-327.
112 Para ter acesso aos decretos do Concílio de Trento, cf. Concilii Tridentini
canonibvs et decretis insertae. Coloniae Agrippinae: Petrum Henningium, 1619.

43
Gustavo César Machado Cabral

aplicava-se o direito particular, fruto dos concílios provinciais, dos


sínodos diocesanos ou mesmo de determinações de autoridades
locais, como os cabildos eclesiásticos113.
Examinar todo esse longo processo de elaboração do direito
canônico serve para entender tanto a sua essência quanto a sua
amplitude. O ius canonicum era direito escrito, positivo e, seguindo
a linha de teólogos como o Cardeal Hostiensis, essencialmente
humano114. Seu locus era a Igreja e o seu governo, mas, em geral,
o direito canônico era dotado de uma validade que se pretendia
universal porque também era universal a autoridade de quem
emanavam muitas das normas de direito canônico. Como fun-
damento relevante, a teologia cercava tanto o direito canônico
quanto o civil, num contexto em que o teológico e o jurídico não
estavam muito bem dissociados, como se verá a seguir. O direito
canônico geral, verdadeiro direito comum da Igreja, valia por toda
a Cristandade, ao passo que também existiam direitos canônicos

113 BARRIENTOS GRANDÓN, Javier. História del Derecho Indiano del


descumbrimiento colombiano a la codificación. I. Ius commune – ius proprium en
las Indias Occidentales. Roma: Il Cigno Galileo Galilei, 2000, p. 371-390. Ainda sobre
o Direito Canônico Indiano, cf., entre muitos outros, SIEVERNICH, Michael. Recht
und Mission in der frühen Neuzeit. Normative Texte im kirchlichen Leben der Neuen
Welt. Rechtsgeschichte, v. 20, 2012, p. 125-137. Sobre a força do costume no direito
canônico indiano, cf., entre outros, DUVE, Thomas. “... de Bulla lacticioniorum
nulla est necessitas in his Regnis...”. Ein Beitrag zum Gewohnheitsrecht im Derecho
Canónico Indiano. Zeitschrift der Savigny-Stiftung für Rechtsgeschichte /
Kanonistische Abteilung, 90 (121), 2004, p. 406-429.
114 “Et quidem generaliter potest dici constitutio jus humanum. Nam jus divinum,
aliud humanum, aliud in scriptis redigitur. (...) quinimo tractatur hic specialiter
de quibusdam constitutionibus quae Constitutiones constitutionum merito dici
possunt, quia tractatur hic de canonicis institutis observandis”. HOSTIENSIS,
Cardinalis. Aurea summa. Colloniae: Sumptibus Lazari Zetzneri Bibliopolae, 1612,
p. 18 (Lib I, rubrica II : de constitutionibus, 1). A seguir, o autor afirma que o papa
pode fazer constituições espirituais e eclesiásticas, bem os concílios provinciais, os
sínodos diocesanos e os próprios bispos, mas, nestes casos, sem a presença do papa,
serão considerados como direito particular (p. 19, 3-7).

44
Ius Commune

particulares dotados de força e validade plena nos seus espaços, de


modo similar ao que acontecia com o direito civil.
Para além das fortes matrizes teológicas que os cercaram,
a aproximação conceitual entre o direito canônico e o Direito
Romano era possível tanto pela pretensão de validade universal
quanto por um aspecto material, uma vez que muitas das questões
centrais do direito canônico foram diretamente inspiradas pelo
Direito Romano. Ainda que não seja uma exclusividade sua, tal
qual defendeu Berman numa comparação com o direito romano115
(provavelmente a partir de uma visão reducionista do direito ro-
mano que talvez não considerasse que, no Medievo e na Idade
Moderna, o direito comum apresentava uma intensa dinâmica,
fruto do papel central dos juristas na criação do direito), não se
pode deixar de reconhecer que o direito canônico, justamente por
ser direito positivo e, pelo menos quando encarado sob o aspecto
geral, essencialmente escrito, continuava em constante elaboração
e atravessava mudanças em seus vários níveis. Tratava-se, desta
forma, de um processo de constante reelaboração do âmbito geral
e das particularidades.

2.3 A herança germânica


A Europa que nasceu no Medievo foi formada a partir das tradi-
ções romana, cristã e germânica. Romana em virtude da herança e
da sombra do Império; cristã pela religião majoritária no continente
desde o século IV; e germânica pela importância dos povos que vie-
ram da porção oriental e conquistaram o antigo território imperial,
dando origem a reinos poderosos nesse contexto. Não se pretende
reconstruir o contexto do que tradicionalmente se chamou de

115 BERMAN, Harold J., op. cit., p. 204-205.

45
Gustavo César Machado Cabral

“invasões bárbaras”116, mas, tão somente, discutir a relevância da


contribuição desse elemento para a formação do ius commune.
Inicialmente, é preciso esclarecer que, sob a denominação
genérica de “germânicos”, pretende-se tratar aqui dos povos que
viviam ao leste do Império e que, pouco a pouco, migraram para
dentro do seu território e conquistaram áreas e cidades relevantes,
até mesmo Roma. Foi um processo longo e que se estendeu desde
o século IV até o VIII, coincidindo, principalmente a partir de me-
ados do século VII, com as conquistas mulçumanas na Ibéria. Dos
inúmeros povos que circularam pelo continente no período, al-
guns merecem maior cuidado em razão da sua importância, como
os Visigodos, os Burgúndios, os Lombardos e os Francos117, do que
outros, a exemplo dos Frísios, Anglo-Saxões, Hunos, Vândalos e
Alamanos. Se a paz e a estabilidade do período clássico do Império
há muito haviam deixado de fazer parte do cotidiano romano, as
invasões germânicas fulminaram qualquer sensação de segurança
e provocaram alterações profundas na vida social do período. São
exemplares dessa tendência a progressiva diminuição das cidades e
a crescente ruralização em torno de fortalezas e fortificações, onde
as populações estariam mais seguranças, dando origem aos feudos,
como se verá no tópico seguinte.
Os primeiros tempos de invasões germânicas costumam ser re-
tratados como caóticos, situação provocada tanto pela violência
da guerra quanto pelas profundas diferenças culturais entre esses
povos e os germânicos. Foram importantes fatores estabilizadores

116 Para uma visão mais abrangente desse fenômeno, cf., entre outros, HALSALL, Guy.
Barbarian migrations and the Roman West, 376-568. Nova York: Cambridge
University Press, 1997; LE GOFF, Jacques. La civilization de l’occident medieval.
Paris: Flamarion, 1982, p. 11-32.
117 Como se verá nos próximos parágrafos, optou-se por concentrar as atenções
nos Visigodos e nos Francos. Para uma visão geral do direito dos Lombardos, cf.
CARAVALE, Mario, op. cit., p. 83-104.

46
Ius Commune

a instalação definitiva dos invasores nas áreas ocupadas e a sua


conversão em massa, e em especial a conversão dos seus líderes,
ao cristianismo. A Igreja, que não deixava de ser representante da
tradição romana, foi fundamental para a realização dessa verda-
deira fusão entre as culturas germânicas e os elementos romanos.
Caso se estabeleça uma comparação entre os direitos dos povos
germânicos e o direito romano, perceber-se-á que as diferenças são
profundas. Partindo de uma análise macro, sem levar em conside-
ração, portanto, institutos jurídicos, como propriedade, contrato
ou casamento118, é possível enxergar três elementos típicos sobre
os quais se construirá a argumentação nesta parte do trabalho.
O primeiro deles diz repeito à natureza das leis que constituí-
am os seus ordenamentos: tratava-se eminentemente de um direi-
to costumeiro, cuja origem se relacionava muito mais às práticas
correntes daquele povo do que, propriamente, de uma atividade
formalmente legislativa. É uma realidade que, mesmo tendo sido
observada na Monarquia e nos primeiros tempos da República ro-
mana, há séculos já havia perdido esse papel de relevância119, com
o surgimento das leis aprovadas nos comícios e, posteriormente,
das constituições imperiais120. Roma foi cenário de uma profunda

118 Há diversos trabalhos que abordam esses institutos entre os germânicos. Para uma
visão geral, cf. CALASSO, Francesco, op. cit., p. 125-137. Especificamente sobre
o direito visigótico, cf. MERÊA, Paulo. Estudos de Direito Visigótico. Coimbra:
Universidade de Coimbra, 1948; DREW, Katherine Fischer. The Lombard Laws.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1996, p. 1-38.
119 Inicialmente, o Direito Romano foi eminentemente costumeiro, realidade que só
se alterou na República; além da redução a escrito desses costumes, através da Lei
das XII Tábuas, as mudanças políticas transferiram essa capacidade legislativa para
outros órgãos, como os comícios, de onde emanava a lex, e as consilia plebis. Os
costumes foram, paulatinamente, perdendo o protagonismo.
120 A bibliografia sobre o conceito de lex em Roma é muito ampla. Cf., dentre muitos
outros, GRAWERT, Rolf. Gesetz. Geschichtliche Grundbegriffe: historisches
Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland. Tomo 2. Stuttgart: Klett-
Cotta, 2004, p. 465-467.

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Gustavo César Machado Cabral

organização e hierarquização da administração da justiça, o que


não era uma realidade entre os povos germânicos antes do con-
tato com os romanos. Inicialmente, portanto, era um direito bem
menos complexo do que o romano.
O segundo elemento está relacionado ao primeiro. Aliando-se
a ausência de institucionalização da administração da justiça à
própria estrutura da organização dos povos germânicos, que ge-
ralmente viviam em grupos bem menores do que as cidades roma-
nas121, é possível entender o porquê de a função jurisdicional ser
normalmente entregue aos seus líderes ou a conselhos e grupos de
pessoas próximas a ele. A aplicação da justiça cabia às principais
autoridades desses povos, cujas funções também eram eminen-
temente militares. A figura de um rei-juiz, que também era um
rei-guerreiro, é um elemento marcante nos direitos germânicos122.
O terceiro elemento que se pretende realçar se liga ao que
se convencionou chamar de princípio da personalidade do direito,
oposto ao da territorialidade. Na síntese de Calasso, a ideia de
personalidade significava que sujeitos de um mesmo ordenamento
jurídico-político podiam viver e regular suas relações privadas se-
gundo leis diversas, que eram as da natio à qual eles pertencem123,

121 Como os povos germânicos não possuíam registros escritos sobre a sua história e a
sua organização social antes de terem abandonado o nomadismo para se fixar na
Europa, toda tentativa de descrição da vida social dos povos germânicos se baseia
em uma reconstrução a partir de fontes do período, como a Germania de Tacitus.
Para um esboço sobre o tema, cf. HALSALL, Guy, op. cit., p. 112-136.
122 Sobre a aplicação da justiça no Reino Franco, cf., entre outros, FOURACRE, Paul.
‘Placita’ and the settlement of disputes in later Merovingian France. In: DAVIES,
Wendy; FOURACRE, Paul. The settlement of disputes in Early Medieval Europe.
New York: Cambridge University Press, 1992, p. 23-43; NELSON, Janet L. Dispute
settlement in Carolingian West Francia. In: DAVIES, Wendy; FOURACRE, Paul.
The settlement of disputes in Early Medieval Europe. New York: Cambridge
University Press, 1992, p. 45-64.
123 CALASSO, Francesco, op. cit., p. 110.

48
Ius Commune

o que permitiu a preservação das leis anteriormente aplicadas


nos territórios conquistados. Em outros termos, o princípio da
personalidade possibilitou a continuidade da aplicação do direito
romano. Essa ideia, tipicamente germânica, foi sendo adotada à
medida que o Império deixava de existir124, tornando-se a regra no
Medievo e fundamentando uma das principais características do
ius commune: a pluralidade de ordenamentos. Nesse sentido, Peter
Oestmann, ao tratar do princípio da personalidade, cita o caso da
Lex Salica e da Lex Ripuaria, as quais cuidavam de modos parti-
culares das duas linhagens dos Francos, os sálicos e os ripuários125.
Em diferentes medidas, esses três elementos foram fundamen-
tais na construção do direito comum, mas, com relação à base
costumeira, um esclarecimento deve ser feito. A fixação desses po-
vos em áreas determinadas e a estabilização das relações políticas,
para a qual muito contribuíram a Igreja e o modelo semelhante ao
do Império, implicaram uma necessidade de organização política
mais complexa, e o tradicional regime consuetudinário foi sendo
paulatinamente substituído126.
Ainda no século V e principalmente na centúria seguinte, sur-
giram as primeiras codificações germânicas, conhecidas como leges
barbarorum e elaboradas a partir da redação dos costumes de cada
povo, sendo, assim, um direito escrito, mas baseado nas tradições
conservadas oralmente. A redação desses textos, em regra, foi feita

124 “Law became necessarily personal and local in its application”. VINOGRADOFF,
Paul. Roman Law in Medieval Europe. 2 ed. Oxford: Clarendon Press, 1929, p. 24.
125 OESTMANN, Peter. Rechtsvielfalt. In: JANSEN, Nils; OESTMANN, Peter.
Gewohnheit. Gebot. Gesetz: Normativität in Geschichte un Gegenwart: eine
Einführung. Tübingen: Mohr, 2011, p. 105-107.
126 “Trascorso un certo periodo dalla fondazione del regno (in genere dopo qualche
decennio, ma talora anche alquanto più tardi), il regime giuridico puramente
consuetudinario non fu più sufficiente”. PADOA-SCHIOPPA, Antonio. Il Diritto
nella storia d’Europa. Il Medioevo: parte prima. Padova: CEDAM, 1995, p. 66.

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Gustavo César Machado Cabral

em latim, o que já denota uma forte influência cultural da Igreja


e da sombra de um império que não mais existia fisicamente, mas
cujas marcas ainda não haviam sido apagadas. Nesse primeiro mo-
mento, apareceram o Codex Euricianus (480-490), dos Visigodos, a
Lex Burgundiorum (501-515), dos Bungúndios, o Pactus legis Salicae
(507-511), dos Francos, e o Edito Rotari (643), dos Lombardos127.
Enquanto nos dois últimos, especialmente no Pactus legis Salicae,
parece ter havido um esforço mais intenso para preservar a pureza
do elemento consuetudinário, nos dois primeiros já se percebe a
influência do Direito Romano válido à época.
Os Visigodos, instalados na parte mais ocidental da Europa,
entre o que hoje compõem o oeste da França e a toda a Ibéria,
constituíram um reino importante e que contribuiu sobremaneira
para formação do ius commune128. Desde o Euricianus, a sua pri-
meira codificação, demonstrou-se a profunda relação estabelecida
entre eles e os romanos ou, especificamente, o Direito Romano,
preservado, em larga medida, pelas sucessivas codificações visi-
góticas. A mais importante dessas compilações foi a Lex Romana
Visigothorum ou Breviário de Alarico, realizada em 506 a mando
do rei Alarico II. Nos moldes das compilações romanas do final do
século anterior, como o Theodosianus, o Breviário consistiu num
compilação de constituições imperiais e obras doutrinárias, espe-
cialmente o Gregorianus e o Hermogenianus e as Sententiae Pauli129;

127 Sobre as leges langobardorum, cf., entre outros, MEYER, Christoph H. F. Maßstäbe
frühmittelalterlicher Gesetzgeber. Raum und Zeit in den Leges Langobardorum.
Jahrbuch des Historischen Kollegs 2007, 2008, p. 141-188; idem. Langobardisches
Recht nördlich der Alpen unbeachtete Wanderungen gelehrten Rechts im 12.-14.
Jahrhundert. Tijdschrift voor rechtsgeschiedenis, 71, 2003, p. 387-408.
128 Para uma visão geral das compilações visigóticas, sobre as quais há numerosa
bibliografia, cf. PADOA-SCHIOPPA, Antonio, op. cit., p. 66-72; ASCHERI, Mario.
Introduzione storica al diritto medievale. Torino: G. Giappichelli, 2007, p. 45-64.
129 GAUDEMET, Jean. Le Bréviaire d’Alaric et lês Epítome. In: Ius Romanum Medii
Aevi, Pars I. Milão, 1965, p. 9-15.

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Ius Commune

a originalidade da obra, contudo, reside na presença de interpre-


tatio para cada um dos textos ou, ao menos, menção de que ela
não é necessária130. A utilização da Lex Romana Wisigothorum em
várias áreas da Europa, a qual fez muitos autores compararem o
seu papel ao da compilação de Justiniano no Oriente131, foi crucial
para estender a permanência do Direito Romano aos locais que o
adotaram como direito vigente, vindo a compor o que posterior-
mente serão os direitos locais.
Dos povos germânicos, o reino dos Francos foi o de maior rele-
vância histórica, não somente porque ele foi único que, em certa
medida, durou até os dias atuais, já que a França é sua sucessora
política direta, mas também pelo papel desempenhado durante a
Alta Idade Média. A formação do reino ocorreu ainda no século
V, no reinado de Clóvis, cuja conversão ao cristianismo, na primei-
ra década do século seguinte, permitiu uma grande proximidade à
Igreja, fundamental para os acontecimentos narrados nas páginas
anteriores: na dinastia Carolíngia, o Papado fez do rei franco Im-
perador Romano, simbolizando a aliança entre as duas esferas de
poder. Na primeira dinastia franca, a dos Merovíngios, realizou-se a
primeira compilação costumeira, o mencionado Pactus Legis Salicae,
cujas preocupações principais giram em torno de questões obriga-
cionais, especialmente de reparações de danos oriundos de furtos132,

130 GAUDEMET, Jean, op. cit., p. 37.


131 Nesse sentido, cf. VINOGRADOFF, Paul, op. cit., p. 17.
132 II. De furtis porcorum, III. De furtis animalium, IV. De furtis ouium, V. De furtis
caprarum, VI. De furtis canum, VII. De furtis auium e VIII. De furtis apium. Há, ainda,
a LVIII. De chrenecruda, previsão para quando o devedor, não tendo condições de
adimplir as suas obrigações, assume compromisso numa espécie de ritual através do
qual há a transferência da dívida para alguém com mais posses, o qual se sub-roga
nos direitos do antigo credor.

51
Gustavo César Machado Cabral

questões sexuais133 e casos de homicídio134. O direito franco, por-


tanto, como os demais povos germânicos, era essencialmente cos-
tumeiro e baseado em tradições, e a redação dessas normas não
lhes fez perder esse caráter, mantido por todo o período merovín-
gio. Em razão do princípio da pessoalidade, contudo, manteve-se
a possibilidade de convivência entre vários ordenamentos, o que
teve reflexos na aplicação da justiça nesse período135.
Com a dinastia Carolíngia, a situação das fontes do direito foi
profundamente alterada. Mesmo sendo este tema objeto do próximo
capítulo, em que serão apresentadas as linhas gerais da formação do
direito pátrio francês, deve-se esclarecer que os Francos adotaram
uma fonte do direito que veio na contramão do direito costumeiro
germânico: a emissão de comandos gerais oriundos do poder real.
Herança romana, com as constitutiones, e do direito canônico,
os reis francos emitiam leis gerais denominadas capitulares, cuja
autoridade era superior às das demais fontes e que continham
preceitos de Direito Romano136, mesmo porque, a essa época, o rei

133 XIII. De rapto ingenuorum uel mulierum e XVIII. De eo qui ingenuae mulieri manum
aut brachium extrinxerit.
134 XXIV. De homicidiis paruulorum, XXXV. De homicidiis seruorum uel expoliationibus,
XLI. De homicidiis ingenuorum, XLII. De homicidiis a contubernio factis e XLIII. De
homicidio in contubernio facto.
135 Olivier Guillot, ao tratar da função jurisdicional entre os Francos na dinastia
Merovíngia, fala da convivência, já durante o reinado de Clóvis, entre pelo menos
três ordenamentos: o do Direito Canônico, o do Direito Romano, em razão da
aplicação da Lex Romana Wisigothorum, e o sistema da Lex Salica. GUILLOT,
Olivier. La justice dans le royaume franc à l'époque mérovingienne. Arcana imperii
(IVe-IXe siècle): recueil d’articles. Paris: Pulim, 2003, 36-61.
136 Nesse sentido, cf. GAUDEMET, Jean. Survivances romaine dans le droit de la
monarchie franque du Ve au Xe siècle. In: Tijdschrift voor Rechtsgeschiedenis
XXIII. La Haye, 1955, p. 160-163.

52
Ius Commune

franco também era imperador romano. Era prática que remonta aos
Merovíngios137, mas que ganhou importância com Carlos Magno.
Desta forma, a contribuição dos povos germânicos para a for-
mação do ius commune pode ser percebida no direito costumeiro,
na formação e na relevância de órgãos de confiança dos reis e na
manutenção da aplicação dos preceitos de Direito Romano na Eu-
ropa, mesmo que por meio das leis bárbaras.

2.4 A ordem feudal


Outro elemento que contribuiu para dar configurações ao ius
commune foi o chamado direito feudal. Sua origem se relaciona
profundamente à invasão e à ocupação da Europa pelos povos ger-
mânicos, a qual provocou um intenso movimento de ruralização de
uma população amedrontada com as consequências das guerras.
O destino desses migrantes eram áreas mais seguras, geralmente
fortalezas e castelos onde pessoas com relações de proximidade ao
rei onde havia melhores condições de defesa dos invasores.
Esse contexto de insegurança e de constantes ameaças ajuda a
entender o que foi a relação feudal. Basicamente, a sua estrutura
compreende a ideia de vassalagem; estabelecia-se, com fundamen-
to num compromisso de fidelidade, um vínculo pessoal de depen-
dência entre dois homens livres, obrigando-se um (iunior, vassus) a

137 O Monumenta Germaniae Historica traz algumas capitulares emitidas pelos reis
merovíngios e pelo maior domus, mas a quantidade de emissões a partir de Pipino
e, especialmente, Carlos Magno é bem maior. Para uma comparação, cf. MGH,
LS II, T I, p. 1-22 (dinastia merovíngia e maior domus) e 44-186 (só no reinado de
Carlos Magno). Sobre as capitulares, cf. GANSHOF, François Louis. Was waren
die Kapitularen? Trad. Wilhelm A. Eckhardt. Darmstadt: Wissenschftl. Buchges.,
1961. Para uma visão geral do Direito Carolíngio na transição do século VIII para
o IX, cf. BERCOVICI, Milene Chavez Goffar Majzoub. Juízos de Deus e justiça
real no direito carolíngio: estudo sobre a aplicação dos ordálios à época de Carlos
Magno (768-814). São Paulo: Quartir Latin, 2015.

53
Gustavo César Machado Cabral

prestar auxílio militar ao outro (senior, dominus) em troca do reco-


nhecimento da posse e do gozo sobre um território (beneficium)138.
A celebração do vínculo entre dois homens, um que pretende ser-
vir e outro que aceita ser o chefe, era formalizada pelo que se cha-
mava de homenagem, cujas origens, como descreve Marc Bloch,
remontam aos povos germânicos em toda a sua simbologia139. Nos
termos de Heinrich Mitteis, a vassalgem foi o fator de confiança
no desenvolvimento do feudalismo140.
Geralmente, o dominus era um rei preocupado com os territó-
rios do seu reino, ao passo que o vassus era alguém próximo a ele,
com ou sem vínculo sanguíneo, mas em cuja lealdade o rei poderia
confiar. Dessa relação teve origem a alta nobreza medieval, liga-
da aos reis por fidúcia e com funções eminentemente militares: a
defesa das propriedades de um nobre impediria a penetração dos
invasores no território do reino e, consequentemente, o saque e a
destruição. O posto de Graf ou de comes, desde a vinda dos Fran-
cos da Europa oriental à Gália até a dinastia Merovíngia, era es-
sencialmente militar141. Para melhor exercer essas funções, tornou-

138 Nesse sentido, cf. ASTUTI, Guido. Feudo. Tradizione romanistica e civiltà
giuridica europea: raccolta di scritti. Tomo 1.III. Roma: Edizioni Scientifiche
Italiane, 1984, p. 2008.
139 BLOCH, Marc. La société féodale. Paris: Albin Michel, 1973, p. 209-217.
140 MITTEIS, Heinrich. Lehnrecht und Staatsgewalt: Untersuchungen zur
Mittelalterlichen Verfassungsgeschichte. Weimar: Hermann Böhlaus Nachfolger,
1958, p. 16.
141 “Erede, con molta probabilità sia del comes civitatis romano, sia del grafio germanico,
il conte merovingio era autorità militare competente su un gruppo di uomini
liberi stanziati in una regione e, come tale, aveva anche il compito di curare la
conservazione della pace all’interno di tale gruppo, presiedendo la corte di giustizia
incaricata di rimuovere gli ostacoli al funzionamento dei meccanismi della faida e
delle compositiones. La storiografia appare concorde nel rilevare che la competenza
del conte merovingio guardava non già un preciso distretto territoriale, ma una
comunità di persone a prescindere dalla zona del loro insediamento”. CARAVALLE,
Mario, op. Cit., p. 126. Sobre as funções militares dos vassalos

54
Ius Commune

-se necessária a delegação de outros poderes, a exemplo da aplicação


da justiça142; no Império Carolíngio, os comes, além dos tradicionais
poderes, adquiriram a possibilidade de fazer justiça143 144, o que lhes
garantiu, com o passar dos tempos, um controle praticamente total
sobre as suas terras145. Desta forma, enquanto os chefes das monar-
quias pós-romanas tinham ao seu lado a força militar dos seus no-
bres para combater qualquer ameaça vinda de fora, estes ganhavam
importância na configuração política e social Alto-Medieval.
Olhando para os Francos, onde as relações de vassalagem se
desenvolveram mais precocemente, o modelo costumou ter o rei
na posição de dominus pelo menos até a o fim do período Caro-
língio. À medida que avançaram os anos, porém, as relações de
vassalagem passaram a ser estabelecidas também na alta nobreza.
O uso das forças militares dos vassalos foi um dos fatores que con-
tribuíram para o fortalecimento dos poderes senhoriais na maior

142 MITTEIS, Heinrich, op. cit., p. 194-198.


143 Nesse sentido, foi muito importante a Capitulare missionum generale, emitida por
Carlos Magno em 802, na qual há previsão expressa sobre a nova função dos comites:
“Ut comites et centenarii ad omnem iustitiam faciendum conpellent et iuniores tales in
ministeriis suis habeant, in quibus securi confident, qui legem adque iustitiam fideliter
observent, pauperes nequaquam oppriment, fures latronesque et homicidas, adulteros,
malificos adque incantatores vel auguriatrices omnesque sacrilegos nulla adulatione
vel praemium nulloque sub tegimine celare audeat, sed magis prodere, ut emendentur
et castigentur secundum legem, ut Deo largiente omnia haec mala a christiano populo
auferatur”. MGH, LS II, T I, p. 96 (§25).
144 “It was a basic principle of justice throughout the West that every lord had the right
to hold court, that is, to preside over his vassals – or over his tenants, whether or not
they were vassals – in court proceedings”. BERMAN, Harold J., op. cit., p. 307.
145 Na mesma Capitulare missionum generale, é possível encontrar passagem importante
em que há limitação ao poder de fazer justiça, o qual não deveria ser livre do
respeito às leis reais: “Ut iudices secundum scriptam legem iuste iudicent, non secundum
arbitrum suum” (§26). Na segunda parte desta tese, quando se examinará o exercício
das jurisdições senhoriais, ver-se-á que essa regra geral do Império não prosperou em
boa parte da Europa.

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Gustavo César Machado Cabral

parte da Europa Ocidental, num contexto marcado pelas chama-


das guerras privadas146.
Por constituir realidade nova e não observada antes da queda
de Roma, o feudalismo não era disciplinado pelo Direito Romano.
Não obstante essa ausência de regulamentação jurídica, as relações
de dependência mútua entre reis e senhores e entre estes deman-
daram regras gerais para o seu funcionamento, e a resposta para
essa necessidade foi dada pelos usos e costumes. Ou seja, tratou-se
de uma criação espontânea por parte de quem precisava de um di-
reito novo para reger relações novas147, nas quais ius privatum e ius
publicum se aproximavam148, com uma ligeira prioridade deste149.
O nascimento do direito feudal, portanto, é fruto do regramento
costumeiro, não sendo exagerado apontá-lo como a maior criação
costumeira do Medievo150 em virtude da duração do regime feudal
na Europa, que beirou os mil anos.
É praticamente impossível precisar o momento em que surgi-
ram, de fato, o feudalismo e o direito feudal, já que, por se tratar de
criação costumeira, o seu aparecimento é livre e não imposto por
uma regra escrito. Mais comum é enxergar no Império Carolíngio
essa origem, indicando Otto Brunner ter sido utilizado o termo
feudum, no começo do século X, como derivado da expressão fehu,

146 MITTEIS, Heinrich, op. Cit, p. 591-602.


147 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 146.
148 SANTARELLI, Umberto, op. cit., p. 77.
149 “Gioverà súbito notare che Il contratto feudale esorbita dal sistema dei contratti
obligatorio o reali di diritto privato, in quanto è anzittutto fonte di diritti ed obblighi
di contenuto pubblicistico: funzioni giurisdizionali, civili e militari, immunità
negative e positive, prestazioni personali e reali, di servizi o uffici pubblici, o anche
di altra natura, che variano nei tempo e nei luoghi, e secondo l’importanza e l’ordine
della concessione nella gerarchia feudale”. ASTUTI, Guido, op. Cit., p. 2021.
150 Nesse sentido, CALASSO, Francesco, op. cit., p. 188.

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Ius Commune

que, na língua dos Francos, significava algo como “bens”151. O uso


e a formulação desse conceito, porém, não indicam, necessaria-
mente, o seu nascimento; o fenômeno foi gestado ao longo dos
séculos, à medida que se tornou vital essa cooperação entre o rei
e a alta nobreza. Essa marca do costume foi presente e decisiva
na elaboração das regras específicas que regiam a relação feudal e
constituíram a fonte principal do direito feudal.
Não obstante essa natureza consuetudinária, alguns diplomas le-
gislativos foram emitidos com a finalidade de regular de forma expres-
sa alguns temas importantes; porém, ao que parece, tratou-se menos
de inovação do que de reconhecimento e consolidação de práticas
que já eram adotadas. A Capitulare Carisiacense do imperador franco
Carlos, o Calvo, de 14 de junho de 877, estabeleceu como norma geral
o princípio da hereditariedade do feudo152, o que contribuiu definiti-
vamente para o estabelecimento de linhagens nobiliárquicas ligadas
aos territórios153. Outra lei importante foi o Edictum de beneficiis regni
Italici, emitido pelo imperador Conrado II em 28 de maio de 1037,
cujo texto, bem mais curto, estabeleceu regras extremamente rele-
vantes154: não haveria supressão de poder de senhor do feudo sem
culpa155, além de ter sido expresso ao determinar a sucessão hereditá-

151 BRUNNER, Otto. Feudalismus, feudal. Geschichtliche Grundbegriffe:


historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland. Tomo 2.
Stuttgart: Klett-Cotta, 2004, p. 337.
152 Para o texto completo da Capitularia Carisiacense, cf. MGH, LS II, T II, p. 355-361.
153 Sobre o nascimento dessas linhagens nobiliárquicas, a perpetuidade de algumas
famílias mais importantes e o papel dos libri memoriales para a manutenção da
memória desses clãs mais tradicionais, cf. SCHMID, Karl. The structure of the
nobility in the earlier middle ages. In: REUTER, Timothy (Org.) The Medieval
Nobility: studies on the ruling classes of France from the sixth to the twelfth
century. Amsterdan: North Holland Publishing Company, 1979, p. 37-59.
154 Para o texto completo do Edictum de beneficiis Regni Italici, cf. MGH, LS IV, T I, p. 89-91.
155 “Ut nullus miles episcoporum, abbatum, abbatissarum sut marchionum vel comitum vel
omnium, qui benefitium de nostris publicis bonis aut de ecclesiarum prediis tenet nunc aut

57
Gustavo César Machado Cabral

ria para o território156. Pouco mais de um século depois, na Curia


Roncaliae, entre 11 e 26 de novembro de 1156, Frederico I Bar-
barossa estabeleceu, entre outras leis, a importante Constitutio de
Iure Feudorum, que estabeleceu as regras da inalienabilidade157 e
da indivisibilidade158 dos feudos sem autorização.
Ambos os diplomas impuseram medidas fundamentais para
a continuidade do instituto, tornando-o vitalício, hereditário,
inalienável e indivisível. No entanto, por tratarem de temas
específicos, o seu exame não basta para se adquirir uma visão geral
do que foi, em essência, o direito feudal. Assim como aconteceu
com os direitos locais em época semelhante ou um pouco posterior
as normas costumeiras de direito feudal também foram objeto de
consolidação ou codificação privada, empreendida em meados
do século XII por Obertus de Orto. Tratou-se dos Consuetudines
feudoroum ou Libri feudorum, obra essencial para se compreender o
funcionamento do regime feudal e que foi objeto de diversos estudos

tenuerit vel hactenus iniuste perdidit, tam de nostris maioribus valvasoribus quam et eorum
militibus, sine certa et convicta culpa suum beneficium perdat, nisi secundum constitucionem
antecessorum nostrorum et iudicium parium suorum”. MGH, LS IV, T I, p. 90.
156 “Precipimus etiam, ut cum aliquis miles sive de maioribus sive de minoribus de hoc seculo
migraverit, filius eius beneficium habeat. Si vero fillium non habuerit et abiaticum ex
maculo filio reliquerit, pari modo beneficium habeat, servato usu maiorum valvasorum
in dandis equis et armis suir senioribus. Si forte abiaticum ex filio non reliquerit et fratrem
legittimum ex parte patris habuerit, si seniorem offensum habuit et sibi vult satisfacere et
miles eius effici, beneficium quod patris sui fui habeat”. MGH, LS IV, T I, p. 90.
157 “Habito igitur consilio episcoporum, ducum marchiorum et comitum, simul etiam
palatinorum iudicum et aliorum procerum, hac edictali lege Deo propitao perpetuo
valitura sanecimus: ut nulli liceat feudum totum vel partem aliquam vendere vel pignorare
vel quoquo modo alienare vel pro anima iudicare sine permissione maioris domini ad
quem feudam spectare dinoscitur” (§2º). MGH, LS IV, T I, p. 247.
158 “Preterea ducatus, marchia, comitatus de caetero non dividatur. Aliud autem feudum,
si consortes voluerint, dividatur, ita ut omnes, qui partem feudi habent iam divisi vel
dividendi, fidelitatem domino faciant. Ita tamen ut vassalus pro uno feudo plures dominos
habere non compellatur, nec dominus feudum sine voluntate vassalorum ad alium
transferat” (§6º). MGH, LS IV, T I, p. 248.

58
Ius Commune

e comentários até meados do Antigo Regime159, influenciando o


tratamento jurídico dos feudos em toda a Europa160.
Essencialmente, a formação do vínculo entre vassalo e suse-
rano se dava por meio de um contrato, o qual, como bem lembra
Astuti, tinha características próprias, especialmente quanto à sua
formação: ela só acontecia com a conclusão de um processo com
etapas bem delineadas, sucessivas e independentes161. Com a ho-
menagem, um sujeito reconhecia num senhor a superioridade e a
hierarquia, fazendo nascerem obrigações recíprocas entre senhor e
vassalo. Em seguida, com a investidura, o vassalo recebia do senhor
um feudo em troca da prestação de serviços ou do exercício de
ofícios perante o suserano. Por fim, havia o juramento de fidelidade,
ato formal a ser realizado ao término da investidura e que sacra-
mentava e tornava perfeito o contrato feudal162.
A partir desse processo de formação solene e repleto de sim-
bologia, firmava-se um vínculo entre o senhor e o vassalo, o qual
era forte e não deveria ser quebrado sem que houvesse motivo re-
levante para tanto. A concessão de feudo feita por um senhor
(rei ou nobre) deveria representar, simultaneamente, um benefício
para o concedente, que teria nos senhores aliados estratégicos, e

159 Entre os comentadores do Libri feudorum podem ser mencionados, entre outros,
Jacques de Cujas ou Cujacius (1522-1590) e François Duaren ou Duarenus (1509-
1559), ambos representantes do mos galicus.
160 Sobre a penetração e a influência do Libri feudorum em uma das regiões onde o feudalismo foi
mais longevo, a Alemanha, cf. LEHMANN, Karl. Die Entstehung der Libri Feudorum.
Rostock: Commissionsverlag der Stiller'schen Hof- und Universitätsbuchhandlung, 1891,
p. 3-57. LEHMANN, Carolus. Consuetudines feudorum (libri feudorum, jus feudale
langobardorum). Gotttingae: Dieterichiana, 1892.
161 ASTUTI, Guido, op. cit., p. 2020-2021.
162 Sobre o procedimento formal de investidura no feudo, com as fases que o antecedem
e o sucedem, cf. DUARRENUS, François. Commentarius in consuetudines
feudorum. 2 ed. Coloniae Aggripinae: Ioannem Birckmannum & Theodorum
Baumium, 1570, p. 81-94 (Cap. VI).

59
Gustavo César Machado Cabral

para os vassalos, que exerceriam nos territórios concedidos am-


plos poderes. O avanço dos séculos e o amadurecimento desse
sistema fazem concluir que essa estabilidade não foi observada
uniformemente, em especial se forem consideradas as diferentes
experiências nacionais: nem sempre os senhores foram aliados dos
reis, chegando mesmo a representar ameaças e provocar diversas
guerras internas; da mesma forma, o exercício dos poderes pelos
senhores passou, em diversos lugares, por severas limitações, a
exemplo de proibições de alienação e de divisão dos feudos163.
O desenvolvimento do regime feudal não pode ser lido de ma-
neira uniforme, tendo dependido, na verdade, das experiências
locais no que vieram a ser os Estados Nacionais. Em geral, ob-
servou-se o fortalecimento do poder senhorial e, nas regiões que
formalmente tinham uma autoridade régia com pretensões de
generalidade e centralidade, a inexistência de um contraponto
equitativo do poder dos reis, acarretando a descentralização ob-
servada na maior parte do Medievo. Medidas como a imposição
de cláusulas gerais de inalienabilidade ou regramentos nacionais
mais específicos, como, no caso de Portugal, os referentes à en-
fiteuse e aos morgados, podem ser encaradas como tentativas de
o poder real limitar os poderes dos senhores. O feudalismo im-
plicou uma renúncia do poder real ao governo de determinadas
áreas, como bem lembra Ascheri164, mas essa renúncia não foi
absoluta nem muito menos definitiva. O processo de formação
do chamado Estado Moderno foi, essencialmente, uma luta con-
tra a concorrência interna de poderes, a qual só parece ter sido
sanada no final do Antigo Regime.
Com esta seção, quis-se chamar a atenção para o direito feudal
enquanto elemento do ius commune. O feudalismo foi um fenôme-

163 Sobre o tema, cf. ASTUTI, Guido, op. cit., p. 2025-2030.


164 ASCHERI, Mario, op. cit., p. 70.

60
Ius Commune

no observado em toda a Europa, ainda que com feições diferen-


tes a depender da área analisada, e as suas regras gerais também
circularam pelo continente. O Libri feudorum constituiu a base
de um ius feudale commune, regramento geral para a matéria que
não excluía, obviamente, as regras específicas de cada reino. Otto
Brunner lembra que, assim como os outros componentes do direi-
to comum (ius civile e ius canonicum), o ius feudale foi glosado e co-
mentado, circulando pela Europa e sendo parte do ius commune165.
Para os objetivos deste livro, acredita-se que a principal conse-
quência da adoção do modelo feudal foi a consolidação do pluralis-
mo jurídico, com a convivência de diversos ordenamentos dentro
do mesmo reino. É verdade que essa pluralidade de ordens não se
resumia a aspectos unicamente territoriais, atingindo, por exem-
plo, corporações de ofício, ordens militares e, principalmente, a
Igreja, mas a grande presença de jurisdições senhoriais na maior
parte da Europa foi um fator decisivo para a fragmentação do po-
der até o final do Antigo Regime. O direito feudal, cuja função
precípua era regulamentar essas relações entre senhores e vassalos,
tornou absolutamente visível essa convivência de ordenamentos.

165 BRUNNER, Otto, op. cit., p. 338.

61
3
Características

Os quatro elementos descritos no capítulo anterior compuse-


ram, materialmente, o ius commune, e uma das pretensões desse
trabalho, além de fornecer uma visão geral de todos eles, é fazer
compreender que o direito romano, o direito canônico, o direito
feudal e os direitos germânicos foram as matrizes a partir das quais
se desenvolveu o direito comum. Apesar de ser fundamental para
a compreensão do fenômeno, isso não é suficiente para entender
o direito comum na sua integralidade, porque ele não foi simples-
mente uma reunião pura e simples dessas quatro matrizes.
O ius commune foi um “direito de juristas”, o que significa ter
sido muito marcante para a sua composição o papel de pessoas
com um conhecimento técnico e formal de algumas das matri-
zes do direito comum, notadamente o direito romano e o direi-
to canônico. Os juristas que escreveram o que hoje se chama de
obras doutrinárias, ou, mais precisamente, de literatura jurídica,
acabaram por organizar os elementos do ius commune e mesmo
por conferir a sua validade à época, sem que, para isso, tenha sido
necessária uma uniformidade de opiniões. Ao contrário, o direito
comum foi marcado por visões divergentes sobre os vários temas
de que os juristas se ocuparam. O critério definidor do caminho
a se seguir, no período, foi da autoridade da opinião, tema que se
abordará no capítulo seguinte.
A preocupação central de quem lidava com questões jurídicas
no período foi a resolução de problemas concretos, daí porque
frequentemente se associa o direito no Antigo Regime à resolução

63
Gustavo César Machado Cabral

de conflitos e ao casuísmo. A dimensão fática, tão enfatizada


no século XVII por Bermudez de Pedraza166, por exemplo, foi
elementar para se enxergar no direito um instrumento destinado
a encontrar soluções para os problemas que se colocavam diante
de si. A ideia de sistema, portanto, não cabia nesse contexto167,
ainda que existissem contornos comuns às normas jurídicas. Birr
e Decock descrevem bem esse processo como uma combinação de
um conhecimento teórico de princípios morais (synderesis) com a
aplicação prática dessas normas aos casos concretos168.
O elemento comum era garantido por um conteúdo teológico
que cercava o direito. No fundo, não houve, pelo menos até o final
do Antigo Regime, uma clara dissociação entre direito, incluindo
tanto o canônico quanto o civil, e teologia, menos a especulativa
e mais a moral. Melhor dizendo: as fronteiras eram muito mais
fluídas do que as de hoje. O uso das fontes é exemplar disso: tanto
se utilizavam fontes eminentemente teológicas, especialmente a
Bíblia, como fonte do direito civil, inclusive, como demonstra im-

166 “(…) todo el Derecho consiste en hecho, y qualquier pequeña variedad de hecho,
varia también el Derecho; pues para que en tal vtil y necessaria arte de diesen
preceptos certissimos, se reduxo el derecho no a reglas generales, sino à particulares
determinaciones de especies, de hecho (…)”. BERMUDEZ DE PEDRAZA,
Francisco. Arte legal para el estudio de la iurisprudencia. Madrid: Francisco
Martínez, 1632, p. 130 (Cap. XVII)
167 Neste sentido, são fundamentais os trabalhos de Victor Tau Anzoátegui. Cf.,
principalmente, TAU ANZOÁTEGUI, Victor. Causísmo y sistema: indagación
histórica sobre el espíritu del Derecho Indiano. Buenos Aires: Instituto de
Investigaciones de Historia del Derecho, 1992.
168 “Durch die Kombination von theoretischer Erkenntnis moralischer Prinzipien
(synderesis) mit der praktischen Anwendung dieser Normen auj die partikularen
Umstände des Tatbestandes (conscientia) gelangte di rechte Vernunft (recta ratio)zu
einem Schluss über das im kronkrete Fall das im konkreten Fall richtige Verhalten“.
BIRR, Christiane; DECOCK, Wim. Recht und Moral in der Scholastik der
frühen Neuzeit. Berlin/Boston: De Gruyter, 2016, p. 26.

64
Ius Commune

portante estudo de Tamar Herzog169, como as obras de direito civil


e de direito canônico eram utilizadas por teólogos, como mencio-
na Wim Decock e, numa expressa referência do período, o teólogo
espanhol Melchior Cano170.
Foro interno e foro externo, cujas províncias passaram a mar-
car, com o advento do jusnaturalismo racionalista de matriz alemã
do final do século XVII e início do século XVIII, as diferenças en-
tre direito e moral171, tampouco parecem estar muito claramente
em terrenos distintos. A análise das matérias abordadas em um
dos principais compêndios de teologia moral do período, escrito
por Paul Laymann172, faz perceber que os casos de consciência sub-
metidos ao foro interno, chamado de foro de consciência, tinham
clara relevância jurídica173. A própria busca por uma compreensão
do que seria justiça, ponto crucial do direito no período, era objeto

169 HERZOG, Tamar. Sobre la cultura jurídica en la América Colonial (siglos XVI-
XVIII). Anuario de historia del derecho español, v. 65, 1995, p. 903-911.
170 DECOCK, Wim. Theologians and Contract Law: the moral transformation of the
ius commune (ca. 1500-1650). Leiden/Boston: Martinus Nijhoff, 2013, p. 29.
171 Entre muitos outros, cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno.
3 ed. Trad. António Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2004, p. 353-365.
172 Entre as matérias abordadas por Paul Laymann na sua Theologia Moralis, podem ser
encontrados, especialmente no Livro II, temas como justiça, obrigações contratuais,
crimes, benefícios eclesiásticos, casamento, entre outros. LAYMANN, Paul. Theologia
Moralis, in quinque libros. Bambergae: Joh. Martini Schönwetterei, 1699.
173 “Conscientia definitur, actus intellectus practici judicantes, liquid hic, & nunc
agendum esse, vei fuisse tanquam bonum honestum, vel fugiendum esse, aut fuisse
tanquam turpe & inhonestum, vel sic, Conscientia est judicium rationis practica circa
particularia, per ratiocinationem deductum ex principiis universalibus contentis in
synteresi”. LAYMANN, Paul, op. cit., p. 1 (Lib. 1, Tract. 1, Cap. II). Sobre os foros
de consciência, em especial a partir da Contra-Reforma, cf. PRODI, Paolo. Una
storia della giustizia: dal pluralismo dei fori al moderno dualismo tra coscienza e
diritto. Bologna: il Mulino, 2000, p. 265-331; PROSPERI, Adriano. Tribunali della
coscienza: inquisitori, confessori, missionari. Torino: Giulio Einaudi, 1996.

65
Gustavo César Machado Cabral

de preocupação de teólogos como Domingo de Soto174, Luís de


Molina175 e o próprio Laymann176.
Desta forma, a fé se erguia como estrutura central do direito
comum, o qual não pode ser analisado sem que se atente para isso.
Era justamente essa fé cristã que lhe garantia uma universalidade
mesmo que não houvesse uma coerência sistêmica nem que exis-
tisse uma pretensão de completude. A vida do ius commune não
esteve ligada a uma estrutura de poder político do qual emanas-
sem regras que deveriam ser obedecidas.
As tentativas de ressurreição do Império podem ter sido bem-
-sucedidas sob alguns aspectos e por tempo determinado, mas a
tese do reaparecimento de um único poder político na Europa
não se consolidou na realidade. A isso se opuseram a Igreja e as
nascentes monarquias nacionais, já observadas no final da Bai-
xa Idade Média. Foram várias as demonstrações de que os reinos
europeus não se submeteriam ao imperador na Alemanha, sendo
bastante conhecidas, nesse sentido, as manifestações em França,
levando até à proibição do estudo do Direito Romano nas univer-
sidades do reino177. Na Ibéria, as manifestações se deram tanto em
Leão e Castela, onde o rei Afonso VI (1039-1109) utilizou, com
certa frequência, o título de imperator Hispaniae, numa clara de-

174 SOTO, Dominici. De iustita et iure. Lugduni : Bartholomaeum Honoratvm, 1582,


p. 67-136 (Lib. III-IV).
175 MOLINAE, Lodovici. De iustitia et iure. Tomus Primus . Moguntiae : Balthasar
Lippus, 1613, p. 1-27 (Tract. I).
176 LAYMANN, Paul, op. cit., p. 212-215 (Lib. III, Tract. I, Cap. I-IV).
177 “La difesa [tentativa do rei da França de proibir o estudo do direito romano nas
universidades] non era contro un’invasione che si presentava sotto bandiera
imperiale, ma contro l’invasione di um diritto forte dell’auctoritas che l’ars ius
studiata da Montpellier a Orléans gli conferiva”. CASSANDRO, Giovanni, op. cit.,
p. 203-204. Ainda sobre o tema, cf. KRITSCH, Raquel. Soberania: a construção de
um conceito. São Paulo: Humanitas/Imprensa Oficial, 2002, p. 383-392.

66
Ius Commune

monstração de não subordinação ao Sacro Império178, quanto em


Portugal, onde o rei D. Dinis (1279-1325) expressamente declarou
a inexistência de submissão aos imperadores179.
Diante dessa situação, não há como afirmar que a validade do
Direito Romano tenha decorrido de um valor como direito posi-
tivo, ou seja, por um aspecto de forma, pois isso implicaria aceitar
a autoridade suprema do imperador – tese adotada por alguns dos
glosadores180. Frederico I Barbarossa foi pioneiro na tentativa de
justificar juridicamente a preponderância do Império frente a ou-
tros reinos, tendo levado importantes professores do Estudo de Bo-
lonha, como Martinus e Bulgarus, para a Curiae Roncaliae (1156);
da mesma forma, ao questionamento sobre a extensão do seu po-
der responderam alguns dos principais glosadores, a exemplo de
Azo, contribuindo para se criar, na transição do século XII para o
século XIII, um sentimento de que a autoridade imperial detinha
poderes similares aos dos seus antecessores romanos181. Essa tese,
contudo, não sobreviveu ao século XIII, quando o Papado derro-
tou o Império numa disputa particular e as demais monarquias

178 Sobre esse tema, cf. MARAVALL CASESNOVES, José Antonio. El concepto de
España em La edad média. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p.
412-429 e 459-463
179 Tratou se lei aprovada em Cortes e reproduzida nas Ordenações de D. Afonso V,
relacionada ao direito subsidiário, tema que será tratado no capítulo seguinte. Sobre
essa medida de D. Dinis, cf. SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da, op. cit., p. 139-140.
180 “Als kaiserliches Recht erhob es Anspruch auf Geltung auch in den
westeuropäischen Ländern; es fand aus diesem Grund dort Opposition. Diese Idee
haben die Glossatoren aufgegriffen. Das imperium romanum war für sie niemals
untergegangen. Es lebte fort im christlichen Imperium des Abendlands, dessen
Recht das römische sein mußte. Wie es nur ein Imperium gibt, so auch nur ein
Recht, das in ihm gilt, nämlich das römische”. KOSCHAKER, Paul, op. Cit., p. 70.
181 Há vasta bibliografia sobre o tema, mas, para uma visão geral das discussões, cf.
PENNINGTON, Kenneth. The Prince and the Law, 1200-1600: sovereignty and rights
in the Westen Legal Tradition. Berkeley: University of California Press, 1993, 8-37.

67
Gustavo César Machado Cabral

fora da Península Itálica e da Germânia simplesmente se recusa-


ram a uma submissão.
Por outro lado, foi inegavelmente ampla a utilização do Direi-
to Romano por toda a Europa, e esse fato, ainda que não decor-
resse da existência de uma autoridade temporal universalmente
válida, precisava ser justificado. Outra não foi a explicação senão
uma permeada de razões substanciais: o Direito Romano era vá-
lido porque se acreditou que se tratava de ratio scripta, da pura
manifestação da razão humana deduzida em preceitos norma-
tivos que, mesmo tendo sido pensados e desenvolvidos em um
contexto específico, poderiam ser aplicados a quaisquer outros.
Essa tese, cuja permanência ainda pode ser observada pelos sé-
culos seguintes, foi fundamental para o movimento codificador
iluminista do final do século XVIII e começo do século XIX; sua
origem, porém, está no Medievo.
Para entender o Direito Romano como ratio scripta, deve-se
enxergá-lo com alto grau de abstração, retirando-lhe todo o con-
teúdo histórico e tratando-o sob uma perspectiva praticamente
filosófica. Os juristas medievais, especialmente os ligados ao que,
posteriormente, viria a ser conhecido como mos italicus, não viam
nele um produto cultural e com aplicação específica e delimitada
espacial e temporalmente, mas sim um ordenamento geral e que
tinha resolvido a totalidade das questões jurídicas da sua época. A
solução trazida pelo Direito Romano não era simplesmente “uma
solução”, mas sim a melhor solução possível, pensada pelos melho-
res juristas da mais grandiosa civilização que o mundo até então
havia conhecido e durante a sua época de maior esplendor. Quan-
do os juristas do período comparavam o direito justinianeu com
as ordens jurídicas vigentes, a maior complexidade daquele diante
destes era evidente, contribuindo para que alguns defendessem a
tese de que se trataria do melhor direito do mundo, nos termos de

68
Ius Commune

Koschaker182. Portanto, por ser ratio scripta, o Direito Romano de-


veria valer não porque era romano, mas porque era Direito (“non
quia romanum, sed quia ius”)183.
Toda essa teorização sobre a superioridade racional do Direi-
to Romano não deve excluir a constatação de que havia temas
que, por inexistirem na realidade do período clássico do Impé-
rio Romano, não foram seu objeto de consideração. As matérias
eclesiásticas e as relações feudais não aparecem na compilação
justinianéia e, no entanto, eram parte da realidade europeia do
Medievo. Tanto o ius canonicum quanto o ius feudale eram parte
do ius commune, e não havia, propriamente, uma hierarquia entre
qualquer deles e o ius civile. Todos compunham o direito comum,
possuindo características próprias que, em muitos momentos e em
virtude de uma comunicação intensa sobre eles, não são individu-
alizadas precisamente: muitos preceitos de Direito Romano, como
algumas definições gerais, eram encontrados no Decretum Gratia-
nis184, bem como, em temas como o padroado, o uso de preceitos
de Direito Canônico e de Direito Romano foi extremamente pró-
ximo185; o Direito Feudal, por lidar com questões de propriedade

182 “Das römische Recht ist das beste der Welt”. KOSCHAKER, Paul, op. Cit., p. 80.
O autor critica comparações entre sistemas jurídicas como essa prática constante
dos autores medievais, mas reconhece como admirável a formação cultural e o
conhecimento dos juristas romanos. Cf. KOSCHAKER Paul, op. cit., p. 81.
183 ASCHERI, Mario, op. cit., p. 215-216. Ainda sobre o tema, cf. SCHRAGE, Eltjo
J. H. Non quia Romanum, sed quia ius: das Entstehen eines europäischen
Rechtsbewusstseins im Mittelalter. Stockstadt am Main: Keip, 1996.
184 Na primeira parte do Decretum (Concordia Discordantium canonum as primum
de iure naturae et constitutionis), são apresentadas diversas definições gerais de
temas oriundos do Direito Romano, como lex (DG. I, C.III), mos (DG. I, C.IV),
ius ciuile (DG. I, C.VIII), ius publicum (DG. I, C.XI), plebisscitum (DG. II, C.II),
senatusconsultum (DG. II, C.III), constitutio e edictum (DG.II, C.IV). Elas foram
muito importantes para preservar esses conceitos romanos.
185 Sobre o padroado, cf. LANDAU, Peter. Jus patronatus: Studien zur Entwicklung
des Patronats in Dekretalenrecht und der Kanonistik des 12. und 13. Jahrhunderts.
Köln: Böhlau, 1975.

69
Gustavo César Machado Cabral

da terra, não poderia ser apartado dos conceitos de propriedade


apreendidos do Direito Romano; o Direito Canônico era afetado
pelas determinações de Direito Feudal, pois as dioceses e os bis-
pos, com muita frequência, recebiam feudos dos reis ou do impe-
rador186. Nos termos de Wolter, a estrita separação entre o Direito
Romano e o Direito Canônico no Medievo foi muito mais um re-
sultado da moderna ciência do Direito187.
Todos os componentes do ius commune tinham pretensão de vali-
dade universal porque havia inúmeros problemas essencialmente idên-
ticos e que, de fato, poderiam ser resolvidos da mesma forma, indepen-
dentemente de onde se estivesse, o que não significou a inexistência de
ordenamentos próprios. Muito pelo contrário. As principais manifesta-
ções da existência de reinos independentes e autônomos, desde o Alto
Medievo, eram a existência de ordens jurídicas específicas e do poder
de aplicar o direito. Desde os reinos bárbaros, havia a consciência de
que cada povo seguia leis próprias, as quais, em alguns momentos, se
confundiam com outros ordenamentos, a exemplo da miscigenação
entre o direito visigótico e o direito romano pós-clássico.
A Europa da Baixa Idade Média foi palco dessa tensão entre
unidade e singularidade. Ao mesmo tempo em que o direito co-
mum ganhava força, tomava-se consciência de que havia direitos
particulares diferentes entre si e com um âmbito de aplicação es-
pecífico. Ou seja, o pluralismo jurídico medieval foi caracterizado
pela convivência simultânea entre o ius commune e os diversos iura
propria, os quais não eram necessariamente direitos estatais188,

186 Prova disso é a inclusão dos bispos ao lado de duques, marqueses e condes como
destinatários da Constitutio iure feudorum, conforme o trecho transcrito anteriormente.
187 WOLTER, Udo. Ius canonicum in iure civili: Studien zur Rechtsquellenlehre in
der neueren Privatrechtsgeschichte. Köln: Böhlau, 1975, p. 23-24.
188 No Digesto, a menção aos iura propria leva em consideração precisamente a relação
com um direito local: “Omnes populi, qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio,
partim communi omnium hominum iure utuntur. Nam quod quisque populus ipse sibi ius

70
Ius Commune

sendo esta uma das marcas mais fortes do direito medieval, como
já se pode perceber: o Estado não era a única fonte de normas
jurídicas. O período de que se trata aqui, marcado pelo que alguns
autores chamaram de “sociedade de estados”189, foi a era do plura-
lismo justamente porque o poder era oriundo de fontes diferentes
e se explica em sedes diferentes, “mais ou menos em concorrên-
cia entre elas, mais ou menos coordenadas entre si”190. Medievo e
Idade Moderna, assim, foram períodos em que predominaram as
fontes do direito com natureza extraestatal, a exemplo dos direitos
e costumes locais e senhoriais, o Direito Canônico, um direito co-
mercial de matrizes costumeiras191, entre outros.
Desses direitos próprios, o mais importante foi o que a literatu-
ra de hoje chama de ius patrium, cujo conceito e abrangência serão
averiguados logo a seguir. Nas monarquias modernas que se for-
maram a partir da Baixa Idade Média, o ius regnum, nos termos de
Italo Birocchi, foi progressivamente ocupando uma posição central
no ius patrium, ainda que tenha concorrido em importância com
outras jurisdições exercidas nos mesmos espaços jurídicos. Como
demonstrou António Manuel Hespanha para o caso de Portugal,

constituit, id ipsius proprium civitatis est vocaturque ius civile, quasi ius proprium ipsius
civitatis: quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit, id apud omnes peraeque
custoditur vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes gentes utuntur” (Gaio, D. 1, 1, 9).
189 É uma tradução literal da ständisch Gesellschaft ou, na linha de Otto Brunner,
altständische Gesellschaft. Esses estados seriam “o conjunto das pessoas que gozam,
em virtude da comum condição em que se encontram, da mesma posição no que
diz respeito aos direitos e aos deveres políticos”. SCHIERA, Pierangelo. Sociedade
“de estados”, “de ordens” ou “corporativa”. In: HESPANHA, António Manuel.
Poder e instituições na Europa do Antigo Regime: colectânea de textos. Lisboa:
Fundação Calouuste Gulbenkian, 1984, p. 147.
190 SCHIERA, Pierangelo, op. cit., p. 149.
191 Sobre o direito comercial, cf. BERMAN, Harold J., op. cit., p. 333-356; ROBINSON,
O. F.; FERGUS, T. D.; GORDON, W. M. European Legal History. 3 ed. London,
Edinburgh, Dublin: Butterworths, 2000, p. 91-106.

71
Gustavo César Machado Cabral

o qual, em larga medida, também pode ser ampliado para a maio-


ria dos reinos europeus, a principal jurisdição concorrente ao ius
regnum foram as de natureza senhorial192. Mesmo no período do
chamado absolutismo, essa concorrência entre jurisdições perma-
neceu pelo menos até o final do Antigo Regime.
A regra primordial para a convivência das fontes e jurisdições
é a da especialidade: se havia um regramento ou um ordenamen-
to específico, ele deveria ser cumprido. E quem garantia isso, no
mais das vezes, era o direito pátrio, que era direito particular frente
ao direito comum, com destaque para o direito régio, que tinha
característica de direito comum do reino. As imunidades e privi-
légios jurisdicionais, que significavam para o destinatário um com-
promisso do Reino de não aplicar o seu direito e de estabelecer ju-
risdições especiais ou excluir da jurisdição régia as situações da sua
competência (privelegio de non appellando), eram instrumentos que
se materializavam por meio do direito régio, o que lhe dá um ca-
ráter peculiar: por meio do direito régio, reconhece-se e garante-se
a existência de direitos particulares. Pela regra da especificidade,
o direito particular deve afastar o direito comum, o que implica,
neste caso, que as outras ordens jurídicas paralelas ao direito régio
seriam prioritárias em relação a ele.
De um modo geral, ius commune e ius patrium conviviam nos
mesmos espaços jurídicos, cabendo a este, em razão da especifici-
dade, uma aplicação prioritária, enquanto que aquele servia, em
linhas gerais, a uma aplicação subsidiária e à função integrado-
ra em casos para os quais não haja previsão em direitos próprios.
Quando não houvesse, para o caso concreto, regra própria e espe-
cífica, deveria ser utilizado o direito comum. Essa tese foi muito
difundida pelo que ficou conhecido como fórmula de Nicolini,

192 HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder


político, Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994.

72
Ius Commune

segundo a qual o juiz deveria decidir de acordo com os estatutos,


e, só na deficiência deles, deveriam ser aplicados, sucessivamente,
os costumes – que eram parte do ius partrium, deve-se lembrar – e
o ius commune193. O modo como ele foi aplicado variou a depender
da experiência de cada reino, mas, de um modo geral, o seu pa-
pel foi de direito subsidiário, ainda que houvesse previsão expressa
da sua utilização, como no caso de Portugal. Como lembra Klaus
Luig, a sua autoridade e a sua aplicação não derivavam de ser fonte
primordial, mas pelo seu elemento racional, por ser fruto da razão
humana194, o que garantiu ao direito comum uma presunção de
conter a melhor decisão.
Em um contexto em que não se pensava sistematicamente o Di-
reito, que foi marcado por uma preocupação casuística, ou seja, a
partir de problemas concretos, não havia uma preocupação efetiva
com a existência de lacunas, tema que marcou o jusnaturalismo que
deu origem aos códigos dos séculos XVIII e XIX. Na mentalidade
do jurista do direito comum, o mais relevante era dar soluções a
problemas para os quais não se havia pensado ainda em uma res-
posta. Para esses casos não respondidos pelas fontes estatutárias195, a
inspiração no direito comum foi caminho bastante usual, da mesma

193 “Iudex iudicet secundum statuta, deficientibus statutis secundum consuetudines;


deficientibus consuetudinibus secundum ius romanum (o ius commune, o ius romanum
et canonicum, o iura communia)”.
194 “Kein europäischer Staat, auch nicht das Reich und Italien, fühlte sich dem römischen
Recht als positivem Gesetz verflichtet. Trotz der in allen Ländern vorhandenen
antiromanistischen Tendenzen, die sich zumindest gegen ein allzu grosses
Übergewicht des römischen Rechts richteten, wurde ihm aber im Ergebnis überall
eine Geltung als ratio scripta zuerkannt, die es sich durch praktischen Gebrauch
erworben hatte. Seine Autorität reichte auch nur so weit, wie es die ratio gestattete.
Der Massstab dafür war das Vernunftrecht”. LUIG, Klaus. Institutionenlehrbücher
des nationalen Rechts im 17. und 18. Jahrhundert. In: COING, Helmut (Org.). Ius
Commune 3. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1970, p. 71.
195 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 183.

73
Gustavo César Machado Cabral

forma que também aproximava e integrava as fontes principais do


direito a partir da sua racionalidade intrínseca196.
O que se expôs serviu para pensar no direito comum não tan-
to como um ordenamento jurídico, no sentido contemporâneo do
termo, mas sim como um sistema não completo e baseado nas
ideias centrais de unidade e universalidade, fundando-se na cren-
ça de representar verdadeira manifestação escrita da razão e cuja
aplicação, subsidiária em relação aos direitos próprios, se dava em
virtude da existência de problemas comuns e que haviam sido re-
solvidos por algumas das suas matrizes (direito romano, direito
canônico e direito feudal). Desta forma, o direito comum cumpria
outra função relevante para além das já mencionadas: ele servia de
modelo para a elaboração de normas de direito próprio.
De nada adiantaria a extensa teorização sobre o ius commune
se, na realidade fática, ele não tivesse desempenhado papel impor-
tante. Em outros termos, o direito comum, cujo caráter de univer-
salidade foi exaustivamente mencionado nestas páginas, só alcan-
çou tamanha repercussão por causa da sua expansão pela Europa.
Bartolomé Clavero, de forma clara, apresentou quatro razões para
essa expansão do direito comum: a) cópia e transmissão dos livros
jurídicos, b) presença de estudantes de várias nacionalidades nos
principais centros de estudo, c) criação das universidades nacio-
nais, d) crescente papel de destaque dos juristas nos conselhos das
cidades e dos reis, formando um corpo especializado197.
O elemento central de todas as causas apresentadas é a uni-
versidade, a mais importante herança cultural do Medievo. A
primeira universidade europeia foi fundada em Bologna, em
1088, mas foi a partir dos séculos seguintes que a expansão do
ensino universitário se consolidou: na primeira metade do século

196 CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 195


197 CLAVERO, Bartolomé, op. cit., p. 44.

74
Ius Commune

XIII, importantes centros foram fundados em Paris, Montpellier,


Toulouse (1229) e Orléans (1235), na França, Oxford e Cam-
bridge, na Inglaterra, Palência e Salamanca, em Castela, Pádua,
Nápoles e Roma, na Itália; em 1290, fundou-se o Estudo Geral
de Coimbra, enquanto que, no Sacro Império, a primeira a uni-
versidade só surgiu em 1348, em Praga198. Inicialmente ligadas às
corporações de ofício, muitas dessas universidades foram sendo
absorvidas pelo poder real, que passou a enxergar um importante
instrumento de poder199.
A escolha de qual universidade frequentar era “livre” do estu-
dante, como bem lembra Bellomo200, mas, entre os estudantes de
Direito, a preferência por Bologna era visível, muito em virtude
da tradição de bons professores de que dispunha o referido cen-
tro. Mais do que isso: como relatado, Bologna foi palco do res-
surgimento do estudo do Direito Romano e do seu renascimento
enquanto ciência, bem como foi a casa das duas principais escolas
medievais, os glosadores e os comentadores. Isso atraiu estudantes
de toda a Europa, que frequentavam os cursos jurídicos e volta-
vam aos seus países. Os estudantes egressos dos cursos jurídicos
levavam consigo habilitações tanto em Direito Civil (quase ex-
clusivamente romano) quanto em Direito Canônico, numa clara
demonstração das profundas ligações entre eles. Eram doutores

198 Para um panorama da história das universidades, especialmente na Itália, na


França, na Espanha e na Alemanha, cf. RASHDALL, Hastings. The Universities
of Europe in the Middle Ages. Volume II. London: Oxford University Press, 1969.
199 Na síntese de Wolfgang Reinhard, desde o século XIII o poder político e as universidades
mantiveram relações fortes: inicialmente, a partir das concessões de privilégios aos
Estudos Gerais, passando pela postura ativa na fundação de novas universidades e até
pela encampação das universidades já existentes. REINHARD, Wolfgang. Geschichte
der Staatsgewalt: eine vergleichende Verfassungsgeschichte Europas von den Anfängen
bis zur Gegenwart. München: C.H. Beck, 1999, p. 399-401.
200 BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 123-124.

75
Gustavo César Machado Cabral

utrunque ius, conhecedores dos dois elementos mais importantes


do ius commune e aptos a utilizarem ambos.
Ao retornarem aos seus lugares de origem, os doutores estavam
aptos a ocupar diversas funções graças ao valor do seu conheci-
mento técnico. Alguns se tornaram advogados ou juízes em ju-
risdições régias ou senhoriais, enquanto outros, pela proximidade
com os reis, passaram a ocupar cargos importantes ligados às fun-
ções de Estado, especialmente nas curiae regis, nas chancelarias
e, posteriormente, nos altos tribunais com funções jurisdicionais.
Muitos dos que voltaram para vilas menores participaram dos
conselhos citadinos, ao passo que outros optaram pela docência,
contribuindo para a fundação dos primeiros estudos gerais dos
seus reinos. Entre todos os caminhos, um elemento comum: a
utilização do conhecimento adquirido em Direito Romano e em
Direito Canônico para questões práticas, alegando em juízo, jul-
gando processos, auxiliando os reis e outros monarcas ou mesmo
senhores na tomadas de decisões jurídicas relevantes ou outras
medidas estratégicas, redigindo os estatutos locais de cada cidade
ou ensinando nas novas universidades. O ius commune, aprendido
segundo o modelo bolonhês, foi amplamente divulgado por toda
a Europa graças às universidades, fazendo a nova ciência chegar
aos principais centros de poder do continente, no mais das vezes
seguindo um modelo que, em geral, era uniforme.

76
4
Ius Patrium E Ius Commune

4.1 O que foi o ius patrium


Ver no ius patrium a antítese do ius commune não parece ser
o caminho mais acertado para estudar fenômenos tão comple-
xos. Essa idéia de contraposição vem de característica importante
daquele, marcado pela limitação e pela aplicação restrita, como
era típico dos direitos particulares. O direito comum, por sua vez,
tinha validade ampla, aplicando-se em todo o continente inde-
pendentemente do espaço jurídico definido como estatal. Isso leva
a acreditar em uma contraposição inexistente, determinada pelo
âmbito de validade, o que não aconteceu. Não só ius patrium e ius
commune valeram em espaços jurídicos similares como também
mantiveram relação de proximidade e de comunicação.
José Reinaldo de Lima Lopes lembra que o crescimento em im-
portância do ius patrium e o advento da noção de soberania foram
fenômenos praticamente simultâneos201, os quais tiveram lugar a
partir de meados do século XVI. Alguns dos marcos teóricos dessa
fase foram os comentários de Bártolo, que reconheceu o direito de
todos os povos estabelecerem um direito próprio202, e Les six livres
de la République, de Jean Bodin (1530-1596), em que a noção de

201 LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a lei: direito, ordem e justiça na
história do pensamento jurídico moderno. São Paulo: 34/Edesp, 2004, p. 145.
202 “Omni populo iurisdictionem habenti, ius proprium statuere permittitur”.
BÁRTOLO. Com. ad. D. 1.1.9, nr. 1. “facere statuta est iurisdictio in genere
sumpta”. BÁRTOLO. Com. ad. D. 1.1.9, nr. 3.

77
Gustavo César Machado Cabral

soberania é identificada com o poder de legislar203. De fato, neste


momento a atividade legislativa régia se intensificou na França e
em outras partes da Europa, passando os reis-legisladores a ocupar
papel proeminente nesta atividade. Com a progressiva supressão
das reuniões do monarca com os estados do seu reino, que já nesse
período eram cada vez menos freqüentes, o rei-legislador passou
a protagonizar o processo legislativo204. E esse potestas legislatoria,
segundo Heinz Mohnhaupt, compreendia as possibilidades de ins-
tituir, alterar, revogar e interpretar as leis205.
O conceito de ius patrium que se adota neste trabalho é mais
amplo do que o de direito legislado, aproximando-se de noção
apresentada por Italo Birochi. Para o autor, ius patrium englobava
os diversos ordenamentos particulares no reino206, não se confun-
dindo com o direito emanado diretamente do poder legislativo ré-
gio, o qual compunha o chamado ius regium207. A legislação régia,

203 “Et par ainsi nous conclurons que la première marque Du Prince souverain, c’est la
puissance de Donner loi à tous eb general, et chacun em particulier”. BODIN, Jean.
Les six livres de la République. Paris: Iacques du Pois, 1583, p. 221 (Liv. I, Chap. X)
204 “Die Theorie, daß allein der Wille des Gesetzgebers das Gesetz bilde, wird dabei zum
entscheidenden Fundament für den Machtanspruch des europäischen Herrschers
im Absolutismus”. MOHNHAUPT, Heinz. Potestas legislatoria und Gesetzesbegriff
im Ancien Régime. In: COING, Helmut (Org.). Ius Commune 4. Frankfurt am
Main: Vittorio Klosterman, 1972, p. 200.
205 MOHNHAUPT, Heinz, op. cit., p. 208.
206 Nesse sentido: “Quanto al ius patrium, fermo restando che l'espressione non di rado
nelle fonti si trova usata senza distinzione con quelle precedenti, di solito se ne parlava
non per designare questa o quell'altra fonte del diritto nuovo (la decisione di un Supremo
Tribunale o l'editto di un sovrano, ecc), bensì per designare il complesso unitario del
diritto dello specifico ordinamento”. BIROCCHI, Italo. Alla ricerca dell’ordine: fonti e
cultura giuridica nell’Età Moderna. Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 54.
207 BIROCCHI, Italo. La formazione dei diritti patri nell’Europa Moderna tra política
dei Sovrani e pensiero giuspolitico: prassi ed insegnamento. In: BIROCCHI, Italo;
MATTONE, Antonello. Il diritto patrio tra diritto comune e codificazione.
Roma: Viella, 2006, p. 37.

78
Ius Commune

fruto de um poder que passou a tentar, ao longo da Idade Moder-


na, superar em força os demais poderes internos, funcionava como
uma norma geral dentro dos limites do Estado. Por essa razão,
não é incomum a referência às leis gerais, como as Ordenações do
Reino de Portugal ou as Leyes de Toro em Castela, como sendo o
ius commune do Reino, tal qual descreveu, entre outros, Jorge de
Cabedo208. O papel da literatura jurídica, nas palavras de Peter
Oestmann, foi decisivo para a construção de ius commune in loco,
cujo conteúdo, em larga medida, variava de lugar para lugar em
virtude dos direitos particulares209.
Falar em direito comum do reino significava uma tentativa de
trazer unidade a um cenário de pluralidade de ordenamentos den-
tro do espaço estatal, o que fazia do Estado o limite territorial nes-
sa busca. O processo de fortalecimento das instituições das coroas,
em especial as ligadas à administração da justiça, parece ter sido
fundamental para a criação de uma ordem jurídica nacional, o que
evidencia a relação de dependência entre instituições régias fortes
e a afirmação de um direito nacional, centrado na ordem jurídica
régia e na jurisdição régia.
Portanto, o ius patrium era uma referência direta ao poder real,
que foi atraindo para si o máximo poder político dentro dos limi-
tes do Estado a partir de uma atuação legislativa e jurisdicional
que, em virtude dessa generalidade, funcionou como afirmação

208 “Legis nostri regni sunt nobis ius commune”. CABEDO, Jorge de. Pract. Obs., Dec.
CCXI, I, 1, p. 207.
209 "Die Rechtslehre konstruierte deswegen ein ius commune in loco. Der Inhalt des
gemeinen Rechts war damit von Ort zu Ort verchieden, denn auch das gesetzte
Partikularrecht gehörte dazu. Der Richter, so war dies zu verstehen, sollte bei
seiner Tätigkeit also nicht nur das römisch-kanonische Recht, sondern etwa
auch städtische Statutenbüche kennen und von Amts wegen berücksichtigen".
OESTMANN, Peter. Rechtsvielfalt. In: JANSEN, Nils; OESTMANN, Peter.
Gewohnheit. Gebot. Gesetz: Normativität in Geschichte un Gegenwart: eine
Einführung. Tübingen: Mohr, 2011, p. 113.

79
Gustavo César Machado Cabral

do ordenamento pátrio210. Por essa razão, a sua identificação com


um direito real é frequente, o que não significou a inexistência de
outras ordens jurídicas concorrentes. Além das leis gerais, o poder
régio se manifestou por meio dos altos tribunais, compostos em
geral por juristas com formação técnica e que detinham jurisdição
por meio de delegação régia, exercendo a justiça em última instân-
cia ordinária211. Aos reis, contudo, costumava-se resguardar ainda
a possibilidade de atuar fora da ordem jurídica geral, reservando-
-se a eles o poder extraordinário da graça, de suma importância
principalmente para questões de natureza criminal212. A graça é
uma manifestação contundente de que o poder régio estava acima
dos demais, e em alguns casos acima até mesmo da própria ordem
jurídica criada por ele.
Não foram raros, porém, os casos em que os tribunais régios
aplicaram ordenamentos outros que não o régio, quando, por
exemplo, se reconhecia como aplicável, em determinadas situa-
ções, não o ius patrium, mas costumes locais213; ou seja, uma es-
trutura de direito régio julgava com base em outra fonte que não
a emanada diretamente do poder real. Da mesma forma, quando
as normas gerais previam entre as suas fontes normas de costume

210 Neste sentido, BIROCHI, Italo. La formazione dei diritti patri nell’Europa Moderna
tra política dei Sovrani e pensiero giuspolitico: prassi ed insegnamento. In:
BIROCCHI, Italo; MATTONE, Antonello. Il diritto patrio tra diritto comune e
codificazione. Roma: Viella, 2006, p. 39
211 Sobre os altos tribunais régios, cf., entre muitos outros, CABRAL, Gustavo César
Machado. Literatura jurídica na Idade Moderna: as decisiones no Reino de
Portugal (séculos XVI-XVII). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 40-72.
212 HESPANHA, António Manuel. La economia de la gracia. La gracia del Derecho:
economía de la cultura en la Edad Moderna. Trad. Ana Cañellas Haurie. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 151-176.
213 É o caso de decisão tomada pela Casa da Suplicação em 28.02.1597, reconhecendo
como aplicável costume da cidade de Arronches. Cf. CABEDO, Jorge de. Pract.
Obs., Dec. CCV, I, p. 203.

80
Ius Commune

locais ou concediam privilégios, os quais poderiam alcançar, por


exemplo, a instituição de jurisdições senhoriais, o direito régio re-
conhecia a existência de outras ordens e lhes conferia legitimidade
para existirem. O ponto é exatamente este: com essas medidas, o
direito pátrio não criava outros ordenamentos, mas reconhecia a
sua existência, autorizava a sua manutenção e conferia uma es-
pécie de legitimidade para continuarem a existir, ao mesmo tem-
po em que, atraindo esses ordenamentos para a sua esfera, reco-
nhecia-os como válidos e partes dessa pluralidade de ordens. As
normas gerais do ius patrium foram oriundas, em regra, do direito
régio, já que do monarca partiram essas determinações.
Superados esses aspectos iniciais, a continuidade de uma aná-
lise do ius patrium depende da compreensão de uma noção de his-
toricidade que envolveu o fenômeno. Ainda que o direito pátrio
tenha começado a adquirir feições muito próximas das que dispõe
da contemporaneidade nos primeiros tempos do Antigo Regime,
esse processo se iniciou bem antes, levando extenso período para
se consolidar. Um início dessa percepção se deu com a fragmen-
tação do Império Romano e o surgimento de unidades políticas
autônomas, as quais foram, progressivamente, criando um direito
aplicável internamente, fruto da convergência entre o direito ro-
mano tardio e de fatores outros, como influências germânicas e de
povos que já viviam na região. Desta forma, foram sendo gestados
os direitos locais, que se materializram nos costumes. 
De origem
natural e sem planejamento, os costumes locais se formaram por
prática e repetição de determinados hábitos, tidos pelos membros
de determinada comunidade territorial como válidos e aplicá-
veis214. As tentativas de institucionalização desses costumes locais

214 “Nell’ambito di ogni collettività o gruppo sociale convivente su um medesimo


território, e legato da comunanza di interessi politici, sociali, economici, religiosi,
Il sorgere di pratiche consuetudinarie e di usi comuni è fenômeno spontaneo,
naturale, di cui la esperienza giuridica di ogni tempo e luogo offre testimonianze”.

81
Gustavo César Machado Cabral

passaram pelas reduções a escrito dessas normas, empreendidas


em alguns reinos de origem germânica, conforme já comentado
anteriormente. Na Baixa Idade Média, esse fenômeno se repetiu
com alguma freqüência em várias partes da Europa, onde se par-
tiram dos costumes locais para se criarem regras mais incisivas e
com pretensão de perenidade. Em França e em alguns estados ale-
mães, como se verá no tópico seguinte, essa prática foi observada,
da mesma forma que em Portugal, sendo comum a essas realidades
a validade local dessa redação dos costumes. Num cenário mais
amplo, tendo o reino como paradigma, essas normas locais foram
reconhecidas como válidas durante praticamente todo o Antigo
Regime, ainda que não sem resistência do poder régio. António
Manuel Hespanha retratou essa realidade em importante trabalho
sobre o tema, no qual a tese da permanência dos costumes locais
é reafirmada215.
De toda forma, os costumes locais foram a principal fonte do
direito antes que houvesse qualquer movimento no sentido de
reconhecer na autoridade uma fonte de normas para todo o reino.
Quando essa tendência ainda era incipiente, os costumes locais
continuaram válidos em razão da pouca penetração do direito
régio em várias partes do reino, seja em razão da incapacidade de a
administração periférica alcançar a contento áreas muito afastadas,
seja pela demanda de normas particulares para situações particulares.
Assim, nas comunidades locais, as câmaras ou conselhos citadinos
eram extremamamente importantes para a administração da vida
em sociedade, da mesma forma que os juízos escolhidos pelos

ASTUTI, Guido. Cosuetudine (Diritto intermédio). In: ASTUTI, Guido.


Tradizione romanistica e civiltà giuridica europea: raccolta di scritti. Tomo 1.III.
Roma: Edizioni Scientifiche Italiane, 1984, p. 1878.
215 HESPANHA, António Manuel. Savants et rustiques: la violence douce de la raison
juridique. In: SIMON, Dieter; WILHELM, Walter (Org.). Ius Commune 10.
Frankfurt am Main: Vittorio Klosterman, 1983, p. 1-48.

82
Ius Commune

cidadãos, normalmente sem uma formação técnica. Para consolidar


essa situação, também não foi rara, desde a transição da Alta para
a Baixa Idade Média, a concessão de privilégios reais para cidades e
vilas inteiras, liberando-as de seguir o direito régio.
Na Corte, por sua vez, os reis regulavam os atos da vida pala-
tina e, progressivamente, cuidavam da aplicação da justiça, seja
diretamente ou através dos seus conselheiros. Na Baixa Idade Mé-
dia, as provisões de validade mais ampla eram comumente oriun-
das das reuniões do rei com os seus estados, em assembléias cuja
nomenclatura variou a depender da região (Reichstage, Landschaf-
ten, États Géneraux, États Provinciaux, Landstinge, Sejm, etc), mas
que na Ibéria ficaram conhecidas como Cortes216.
Trata-se de tema polêmico e sobre o qual há muitas questões
por responder, mas, para os fins deste trabalho, devem-se ressaltar
as suas características principais: eram assembléias eminentemen-
te consultivas convocadas pelos reis ou pelos estados, geralmente
sem uma periodicidade definida, e que tratavam de assuntos rela-
tivamente padronizados, como aumentos de tributos, participação
em guerras e eleição ou confirmação dos reis217. A votação se dava
por estados, ou seja, os três estamentos da sociedade – nobreza,
clero e povo – lá representados tinham direito a um voto cada.
Em vários reinos, havia a prática de o rei legislar em cortes, o

216 Já se escreveu, anos atrás, um trabalho específico sobre o tema. Nele não estão
algumas idéias aqui defendidas, mas há vários argumentos apresentados nos próximos
parágrafos. Cf. CABRAL, Gustavo César Machado; DINIZ, Marcio Augusto de
Vasconcelos. As Cortes e a legitimidade do poder em Portugal (séculos XII-XVII).
In: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI; Centro
Universitário de Maringá - CESUMAR. (Org.). Anais do XVIII Encontro Nacional
do CONPEDI. 1 ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 5054-5081.
217 Nesse sentido, Heinz Mohnhaupt fala numa nítida bipartição da legisferação: de um
lado, o poder legislativo mais amplo, que ficaria com o rei, enquanto que, noutro,
ficava com os Stände o poder de outorgar impostos. MOHNHAUPT, Heinz, op.
cit., p. 192.

83
Gustavo César Machado Cabral

que não implicava necessariamente a sua natureza deliberativa,


mas, aparentemente, uma publicização do provimento real entre
aqueles que compunham os reinos; desta forma, as normas gerais
passavam a ser encaradas como válidas a partir dessas reuniões.
Sobre a discussão quanto à natureza das cortes, se elas eram con-
sultivas ou deliberativas, contra esta tese há argumento forte de
que são exemplos algumas provisões constantes no Livro de Leis e
Posturas, compilação de leis em cortes realizadas entre os séculos
XIII e XIV em Portugal: as provisões são bem claras no sentido de
que a ordem foi real, e não oriunda das cortes, que apenas foram
participadas da medida218.
O auge da importância das cortes no cenário político europeu
se deu na Baixa Idade Média e no começo do Antigo Regime.
À medida que os séculos avançaram, passam a ser cada vez mais
raras nos países que adotaram esse modelo, e, nas poucas vezes em
que ocorriam, nada mais eram do que meras formalidades. A ati-
vidade legislativa na maioria das monarquias europeias, já a partir
do século XVI, era eminentemente oriunda do poder real, de quem
partiam comandos gerais e abstratos a serem aplicados indistinta-
mente por todo o território do reino – a menos que o próprio rei
emitisse algum tipo de dispensa formal dessa submissão, por meio
de privilégios como o de non appellando. O nome do instrumento
era o menos importante: emanando do rei, o ato normativo era

218 Das Cortes de Coimbra, em 1211, as leis possuíram transcrição com começo
semelhante ao seguinte: “Como elRey manda que nom leuem nemjgalha dos que
forem acusados en casos de treyçom”. SILVA, Nuno Espinosa Gomes da (Org.).
Livro de leis e posturas. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito,
1971, p. 10. Em lei oriunda das Cortes de 1272, o registro se deu em primeira pessoa
do singular: "Mando que assy sseia por mjm en todalas demandas como por eles
saluo as despesas que nom paguem a mjm nem eu a outrem". Idem, p. 25. Em outra,
já de 1322, o começo é bastante parecido com o dos atos legislativos dos séculos
seguintes: "Dom dinis pella graça de deus. Rey de portugal e do algarue. a uos
alvazijs de tauira". Idem, p. 86

84
Ius Commune

válido e deveria ser obedecido. O fenômeno do rei-legislador re-


monta à Baixa Idade Média, em especial aos séculos XIII e XIV,
mas Kenneth Pennington, em interessante estudo sobre o poder
de legislar do rei Ruggero II da Sicília, remonta a meados do sé-
culo XII alguns dos primeiros registros, os quais foram fortemente
influenciados pelo Direito Romano219.
O direito régio, portanto, era fruto dessa atividade legislativa
do rei, seja em cortes ou, mais comumente, sozinho. Surgiu com
pretensão de validade indistinta e geral em todo o reino, sem ter
concorrentes internos. Isso, porém, não significava que o direito ré-
gio fosse ilimitado. Desde o Medievo, discutiram-se os limites da
atuação régia, considerando-se tirano e ilegítimo o monarca que
ultrapassasse esses limites das atividades ligadas à condução do
Estado. Jean Bodin sintetizou a tradição européia sobre o tema ao
apresentar como limitações à soberania o direito natural, o direito
divino e as leis fundamentais do reino220. Estas são uma categoria
muito importante neste contexto, servindo, nos termos de Airton
Cerqueira Leite Seelaender, “para ressaltar a ilicitude da expansão

219 PENNINGTON, Kenneth. Roman Law, 12th Century Law and Legislation. In:
DROSSBACH, Gisela (Org.). Von der Ordnung zur Norm: Statuten in Mittelalter
und Früher Neuzeit. Wien: Ferdinand Schöningh, 2010, p. 17-20.
220 Como bem lembra Heinz Mohnhaupt, a referência de Bodin é à proibição de derrogar
a Lei Sálica, não usando a expressão “lois fondamentales”. MOHNHAUPT, Heinz.
Die Lehre von der „Lex Fundamentalis“ un die Hausgesetzgebund europäischer
Dynastien. Historische Vergleichung im Bereich von Staat und Recht:
gesammelte Aufsätze. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2000, p. 16-17.
Sobre as leis divinas: “Mais quant aux lois divines et naturelles, tous les Princes de la
terre y sont sujets, et n'est pas en leur puissance d'y contrevenir”. BODIN, Jean, op.
cit., p. 133 (Lib. I, Chap. VIII). Sobre a Lei Sálica: “Quant aux loix qui concernent
l'estat du Royaume, & de l'establissement d'iceluy, d'autant qu'elles sont annexees &
unies avec la couronne, le Prince n'y peut deroger, comme est la loy Salique: & quoy
qu'il face, tousiours le successeur peut casser ce qui aura esté fait preiudice des loix
Royalle, et sus lesquelles est appuyé et fondé la majesté souveraine". BODIN, Jean,
op. cit., p. 137 (Lib. I, Chap. VIII).

85
Gustavo César Machado Cabral

do poder monárquico” 221, que não poderia ferir determinados pon-


tos quando cuidasse de questões ligadas, principalmente, a maté-
rias de direito público. As leis fundamentais, que, via de regra, não
constituíam um documento único222, tratavam de questões ligadas
à continuidade do reino, mormente à sucessão régia, à independên-
cia e indivisibilidade do Reino e à inalienabilidade da Coroa e dos
seus domínios223 e foram um fenômeno observado em praticamente
toda a Europa, como demonstra importante estudo de Heinz Moh-
nhaupt224. Independentemente do nome que adotaram – leges funda-
mentales, lois fondamentales, Grundgesetze, fundamentele wetten, leyes
fudamentales, prawa kardinalne, Fundamental Law, fundamental lag,
etc225, a idéia de que havia limites à atuação régia com a finalidade
de protegerem a continuidade do reino foi uma realidade européia
com grande importância no âmbito do direito régio.
Começou-se esta parte do trabalho com a afirmação de que não
seria correto segregar ius patrium e ius commune. Uma vez carac-
terizado o que se quer dizer com direito pátrio, é possível explicar
o porquê dessa impossibilidade, a começar com o argumento mais
importante neste sentido: o direito pátrio foi profundamente in-
fluenciado pelo direito comum. As razões e os modos em que acon-
teceu essa influência foram muitos, mas em comum entre eles está
o fato de que o direito comum, enquanto fenômeno cultural, teve
nas universidades o seu principal veículo de difusão. Ao contrário

221 SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. Notas sobre a Constituição do Direito


Público na Idade Moderna: a Doutrina das Leis Fundamentais. Seqüência: Estudos
Jurídicos e Políticos, n. 53, 2006, p. 201.
222 BERCOVICI, Gilberto. Soberania e constituição. São Paulo: Quartier Latin,
2008, p. 70-71.
223 SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite, op. cit., p. 199 e 205.
224 MOHNHAUPT, Heinz, op. cit., p. 1-33.
225 MOHNHAUPT, Heinz, op. cit., p. 7.

86
Ius Commune

dos rústicos, que aplicavam os costumes e as leis locais enquanto


juízes das pequenas comunidades das quais faziam parte226, os ju-
ristas letrados recebiam formação técnica em direito romano e em
direito canônico e tendiam a reproduzir o que aprenderam quando
deixassem as universidades. Como muitos deles passaram a ocupar
postos importantes no funcionamento do Estado, especialmente nos
conselhos reais e nos altos tribunais, o emprego do direito comum
foi frequente, seja na legislação ou na jurisdição. As decisões dos
altos tribunais e muitas das leis gerais, válidas para todo o território
do reino, foram fortemente influenciadas pelo direito comum, em
especial pela sua principal manifestação: as obras dos doutores227.
Essa influência tem relações com a noção, já explorada, de que
o direito comum, em especial pela força do Direito Romano, cons-
tituía o mais perfeito ordenamento e a própria materialização da
razão, constituindo a tendência de aqueles que o haviam estudado
continuariam a segui-lo. E o Direito Romano de que se está a fa-
lar era o justinianeu, principalmente o do Digesto, cujo conteúdo
era majoritariamente relacionado ao ius privatum. Por essa razão o
tratamento do direito privado, dentro dos reinos, seguiu as obras
daqueles que escreveram sobre o Digesto, especialmente os glo-
sadores e comentadores, e isso explica a existência de um padrão
do direito privado no Antigo Regime. Isso não impediu diferenças
nas experiências nacionais, tendo em vista a ampla aceitação de
que o rei poderia alterar o ius commune228, como se evidencia a

226 HESPANHA, António Manuel, p. 4-5 e 31-39.


227 Neste sentido, cf. CABRAL, Gustavo César Machado. Literatura jurídica na
Idade Moderna: as decisiones no Reino de Portugal (séculos XVI-XVII). Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017..
228 “Al Rey le competerá, em lo que aquí nos interessa, El dictado de la Lex; el Rey
podrá modificar mediante sus disposiciones el mismo ius commune”. CLAVERO,
Bartolomé, op. cit., p. 38.

87
Gustavo César Machado Cabral

partir, por exemplo, das obras dos portugueses Jorge de Cabedo229


e Domingos Antunes Portugal230. Em países que adotaram legis-
lações gerais sobre esses temas, como foi o caso de Portugal, a
influência do direito comum na elaboração desses instrumentos,
via de regra, foi bastante intensa.
As matérias enquadradas como direito público231, por sua vez,
tinham algum grau de variação entre as monarquias europeias. Não
havia forma prevista no direito comum para a organização do poder,
então os reinos foram bastante livres para determinar como iriam se
organizar. Não obstante, houve influências do direito comum, seja
nos fundamentos do poder político do rei, baseado em teses como
“princeps legibus solutos”, “princeps condere legis et interpretari”,
“rex imperator in regno suo est” e outras, apreendidas diretamente
do Digesto ou desenvolvidas a partir dos comentários de Bártolo ao
livro correspondente, seja na tentativa de explicar o funcionamento
das estruturas do Estado. Por essa razão, os juristas que escreveram

229 "Ex Rex noster in suo regno potest facere legem contra ius commune". CABEDO,
Jorge de. Pract. Obs., Dec. CCXI, I, 3, p. 207.
230 “Unde quaecumque sit in Principe extraordinaria, & absoluta potestas, illa tantum uti
debet Princeps, ut possit statuere bono publico contra jus commune; imnio eriam contra
privatorum immunitatem; ut totum conservetur; multoties enim tales possunt indicere
casus, ubi si Princeps leges observaret, perperam Rempublicam administraret. Et sic, si
casus occurrerit, in quo fallus, & utilitas publica, necessitas, aut justitiae ratio expostulet,
absoluta potestate recte uti poterit, & bono communi consulere, negligendo leges, &
contra illas dispensando; imo, & jus ipsum naturale, seu gentium prudenti arbitrio limitare
poterit, & secundum aequitatem”. PORTUGAL, Domingos Antunes. Tractatus de
Donationibus Jurium et Bonorum Regiae Coronae. Tomo 2. Lugduni: Anisson
& Posuel, 1699, p. 127 (Liv. II, Caput II, §16).
231 É importante lembrar que as diferenças entre direito privado e direito, no contexto
do Antigo Regime, não seguiam os mesmos conceitos da diferença na realidade
contemporânea. Nesse sentido, IMMEL, Gerhard. Typologie der Gesetzgebung
des Privatrechts und Prozessrechts. In: COING, Helmut. Handbuch der Quellen
und Literatur der Neueren europäischen Privatrechtsgeschichte. Zweiter Band:
Neuere Zeit (1500-1800), das Zeitalter des Gemeinen Rechts. Zweiter Teilband:
Gesetzgebung und Rechtsprechung. München: C. H. Beck, 1976, p. 72-73.

88
Ius Commune

sobre temas de direito público se apoderaram do vocabulário roma-


no para descrever o Estado; nesse sentido, os juízes das altas cortes
eram senatores, os conselheiros municipais eram decuriones, as cor-
tes eram comitiis publicis, o Regedor da Casa da Suplicação, em Por-
tugal, era o praefectus praetorio, entre dezenas de outros exemplos232.
Outro aspecto importante foi a da própria independência e não
subordinação à autoridade imperial, tese difundida por Bártolo e
seus seguidores e que ajudou a manter a autonomia das monarquias
frente a quaisquer pretensões do Sacro-Império. Por fim, como bem
lembra António Pedro Barbas Homem, havia difícil barreira para
dar tratamento autônomo ao direito público, residente na inexistên-
cia de parâmetro normativo superior à lei ordinária, razão pela qual
os tratadistas que cuidaram especificamente dessas questões, como
as de natureza política, precisaram lançar mão de conceitos privatís-
ticos, como contrato, mandato e propriedade233, demonstrando que a
influência do direito romano no direito público pode ser ainda mais
intensa do que se pensa.
Em síntese, enquanto o direito privado foi herdeiro direto do
direito comum, o direito público, ainda que não seguisse um pa-
drão específico, sofreu influências do ius commune. A questão que
se impõe, neste cenário, é saber se houve influência reflexa, ou
seja, até que ponto o ius patrium contribuiu, de alguma forma, na
gênese do ius commune. Acredita-se que sim: as decisões dos altos
tribunais, por exemplo, circulavam pelo continente por meio das
obras da literatura jurídica, em especial as decisiones, gênero litera-
tário em que casos práticos decididos por tribunais eram o ponto

232 Sobre esse paralelismo institucional, cf. BARBAS HOMEM, António Pedro.
Judex perfectus: função jurisdicional e estatuto judicial em Portugal, 1640-1820.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 373-374.
233 BARBAS HOMEM, António Pedro, op. cit., p. 157.

89
Gustavo César Machado Cabral

de partida para a construção da argumentação234. Essas decisões,


legítimas manifestações do direito régio, eram parte dos argumen-
tos utilizados pelos decisionistas na construção dos seus trabalhos,
e, considerando o fato de que eles compunham a opinio commu-
nis, não restam dúvidas de que eram parcelas importantes do ius
commune. Essa hipótese será retomada no momento oportuno.
Assim, quis demonstrar aquilo que autores como Giovanni
Cassandro defendem, que ius patrium e ius commune eram elemen-
tos de um mesmo e único “sistema”235.

4.2 Experiências nacionais


Retomando o que foi dito em parágrafos anteriores, não se
pode olvidar que o ius patrium, assim como o ius commune, foi
fruto de processos históricos; diferentemente do direito comum,
porém, o direito pátrio não foi uniforme nas diversas partes da
Europa em razão das diferenças políticas, sociais e culturais entre
os Estados236. As experiências nacionais demonstram que, mesmo
sendo possível traçar um padrão para determinados acontecimen-
tos, o que se tentou realizar nesta parte do trabalho, cada unidade
política européia teve acontecimentos específicos que foram fun-
damentais na construção dos seus ordenamentos nacionais.
O objetivo desta seção do trabalho é partir das experiências
de três Estados distintos, França, Inglaterra e Alemanha, para re-
tratar a formação do direito pátrio, relacionando-o sempre aos ius

234 Sobre as decisiones, cf., entre outros, CABRAL, Gustavo César Machado. Literatura
jurídica na Idade Moderna: as decisiones no Reino de Portugal (séculos XVI-XVII).
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 73-121.
235 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 272.
236 “Il problema della formazione degli iura patria è dunque e concerne Il processo di
diversificazione dei vari ordinamenti, che avvenne in modo non retilíneo e ovviamente
secondo forme e tempi a loro volta specifici”. BIROCHI, Italo, op. cit., p. 34.

90
Ius Commune

commune. Não serão analisados os aspectos concernentes à juris-


dição, para os quais se remete a outro trabalho237.

4.2.1 França

A França do Antigo Regime era herdeira direta de uma monar-


quia milenar de origem germânica, os Francos. A primeira dinastia,
a Merovíngia, governou o reino entre 481 e 751, quando se iniciou
o importante período Carolíngio. O direito franco era eminente-
mente consuetudinário, assim como nos demais povos germânicos,
mas foi promovida redação desses costumes no que ficou conhe-
cido como Pactus legis Salicae (507-511). Já entre os carolíngios, o
rei exerceu importante papel de legislador por meio da edição das
chamadas capitulares, das quais já se falou anteriormente.
Compilações e instrumentos normativos emanados diretamen-
te do rei, ainda que muito importantes, tiveram a sua aplicação
concentrada nas áreas que circundavam o monarca, obedecendo o
restante do reino a uma outra ordem, mais tradicional e majorita-
riamente ligada aos costumes. Ainda que os francos tivessem uma
estrutura administrativa relativamente organizada, o que garantia
uma presença mínima de representantes do poder régio nas pro-
víncias238, isso não impediu o progressivo surgimento de grandes

237 CABRAL, Gustavo César Machado. Literatura jurídica na Idade Moderna: as


decisiones no Reino de Portugal (séculos XVI-XVII). Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2017, p. 40-52.
238 Nessas regiões distantes da Coroa, os pays, a administração militar cabia ao grafio,
função de origem germânica, ao passo que os assuntos civis, que em Roma tinham
nos comites uma figura proeminente, passaram a ficar a cargo dos missi dominici,
pessoal de confiança do rei que administrava as novas divisões do reino, as missalica.
Sobre o tema, cf. OLIVIER-MARTIN, François. Histoire du droit français: des
origines à la Révolution. 2 ed.Paris: CNRS, 2005, p. 50-52.

91
Gustavo César Machado Cabral

diferenças entre as regiões distantes da sede da Coroa239. Para a


formação do direito aplicado nessas áreas contribuíram diversos
fatores, tanto ligados à tradição germânica quanto ao direito ro-
mano pós-clássico, muito em razão da circulação do Breviário de
Alarico entre os Francos, que o incorporaram, ao longo dos tem-
pos, aos seus costumes240.
Com o avançar do sistema feudal, fruto desse distanciamento
entre os poderes locais e o poder central, que persistia em Paris, foi
se consolidando um cenário de independência quanto às fontes do
direito. O exemplo mais significativo desse cenário foi a conhecida
divisão da França em Pays de droit écrit, na região meridional, e Pays
de droit coutumier, ao norte. O direito escrito aplicável no sul era,
segundo a historiografia tradicional, o direito romano, de matrizes
teodosianas e, a partir do século XII, justinianéias, ao passo que o
direito costumeiro do norte era um direito interno germanizado e
que se expressava através de normas consuetudinárias241. Segundo
Cavanna, essa distinção seria meramente formal242, uma vez que em
ambos houve a presença do direito romano, seja através de textos
escritos ou diluído nos costumes, juntamente com elementos germâ-
nicos. Da mesma forma, o pays de droit écrit tinha os seus costumes,

239 “Le sustème était excellent, mais son efficacité dépandait de l'autorité pesonelle
du roi. Charlemagne en obtint de bons résultats; mais, à partir du règne de Louis
le Pieux, l'action des inspecteurs royaux perd de son efficacité; les missatica sont
confiés aux évèques et aux comtes de la régio. Dans la seconde moité du IXe
siècle, l'institution est en pleine décadence. L'indicispline des comtes s'accroit; ils
obtiennent leurs fonctions pour une durée illimitée, parfois même à titre héréditaire;
ils ne supportent plus de contrôle des inspecteurs royaux“. OLIVIER-MARTIN,
François, op. cit., p. 52.
240 Neste sentido, cf. GAUDEMET, Jean. Survivances romaines dans le droit de la
monarchie franque du Ve au Xe siècle. In: Tijdschrift voor Rechtsgeschiedenis
XXIII. La Haye, 1955, p. 149-206.
241 Sobre essa divisão, cf., entre outros, OLIVIER-MARTIN, François, op. cit., p 111-112.
242 CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 394.

92
Ius Commune

que também eram fonte do direito, e no pays de droit coutumier, além


de o direito romano influenciar a interpretação dos costumes, havia
matérias não tratadas por eles, a exemplo dos contratos e obrigações
civis, cujo regime era definido no direito romano243.
Quando do surgimento das universidades e do estudo cientí-
fico do direito romano, a questão ganhou novos contornos, espe-
cialmente em virtude do valor conferido a ele nessas duas áreas.
No pays de droit écrit, o direito romano justinianeu era considerado
um direito comum em meio aos diversos costumes locais, enquan-
to que, no pays de droit coutumier, nem o número crescente de es-
tudiosos nem a penetração cada vez mais constante dos precei-
tos romanísticos nos costumes implicaram o seu reconhecimento
como direito positivo ou como direito comum. Essa crescente im-
portância do direito romano, no começo do século XIII, preocu-
pou a monarquia francesa, pois se poderia encarar o rei da França
como vassalo do Imperador; no período, o Sacro Império tinha
força política e militar e, ao seu lado, a pretensão, posteriormente
superada, de identificar direito romano e direito imperial. Por essa
razão, foi proibido o ensino do direito romano na Universidade
de Paris em 1219, por bula do Papa Honório III (1216-1227), em
convergência com o rei Felipe II (1180-1223).
Seu restabelecimento, por uma ordonnance do rei Felipe IV,
o Belo (1285-1314), em 1312, resolveu a questão. Reconheceu-se
que o direito francês seria primordialmente consuetudinário e não
escrito, e, nas áreas de utilização do direito romano, ela não de-
correria de se tratar de um direito escrito, mas de fazer parte de
costumes locais. Com esse provimento, Felipe IV afastou qualquer
argumento de autoridade do direito romano, reconhecendo, po-
rém, a possibilidade de ser utilizado por razões intrínsecas e não

243 OLIVIER-MARTIN, François, op. cit., p. 427-428.

93
Gustavo César Machado Cabral

formais, ligadas à sua racionalidade244. Nas palavras de Birochi,


Felipe, o Belo, fez da observância ao direito comum um ato de
vontade da própria monarquia245.
A essência costumeira, mas influenciada pelas heranças ger-
mânicas, romanas pós-clássicas e justinianéias, marcou o direito
francês. Isso não impediu o aparecimento de tentativas de redação
dessas normas costumeiras, a fim de organizar e ampliar o acesso a
elas, os chamados coutumiers246. As mais importantes, na Baixa Ida-
de Média, foram o Codi e os Coutume de Beauvaisis, ambos oriundos
do sul da França. O Codi foi escrito em provençal e teve destinação
eminentemente profissional, constituindo-se exemplo da recepção
de normas de direito romano e do seu uso prático no Pays de droit
coutumier247. Os Coutumes, por sua vez, foram uma compilação rea-
lizada, entre 1279 e 1283, por Philippe de Beaumanoir, cuja forma-
ção técnica, adquirida por seus estudos em Orléans e, provavelmen-
te, em Bolonha, influenciou a elaboração desse empreendimento.
Escritos para o Conde de Clermont, a quem Beaumanoir servia,
os Coutumes tiveram como finalidade servir de guia sobre o direito

244 Sobre o tema, cf. CAVANNA Adriano, op. cit., p. 394-397; OLIVIER-MARTIN,
François, op. cit., p. 120-122.
245 “In sostanza Filippo Il Bello prendeva atto della distinzione tra terre di diritto
consuetudinario e terre di diritto comune, ma riconduceva l’osservanza del diritto
comune ad um ato di volontà della monarchia, riconfermata quindi nella propria
indipendenza”. BIROCHI, Italo. Alla ricerca dell’ordine: fonti e cultura giuridica
nell’età moderna. Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 106.
246 “On appele coutumier, dnas la langue moderne, un ouvrage rédigé à titre privé
par un jurisconsulte ou un praticien sur les coutumes de sa région ou des régions
voisines. Le coutumier n'a pas un caractère officiel et ses décision ne lient pas
le juge. Mais, s'il est l'oeuvre d'un bon jurisconsulte, il a pu acquérir une grande
autorité. En tout cas, il renseigne utilement sur le driot de la région et de son temps”.
OLIVIER-MARTIN, François, op. cit., p. 116.
247 Sobre o Codi, cf., entre outros, VINOGRADOFF, Paul, op. cit., p. 72-77.

94
Ius Commune

costumeiro na região248, não impedindo que adquirissem, segundo


Montazel, verdadeiro caráter de obra doutrinária, com influências
múltiplas que alcançavam o direito romano e o direito canônico249.
Quanto ao Direito Romano, sua influência é percebida ao longo da
obra, mas a sua validade estava intimamente ligada à sua incorpora-
ção aos costumes locais, na forma que, décadas mais tarde, passaria
a ser a regra no direito francês250.
Em meio ao protagonismo do direito costumeiro, o papel do
rei na produção legislativa foi crescendo progressivamente. Desde
a dinastia Capetíngia, principalmente a partir de Felipe II, os reis
franceses, como afirma Harold Berman, foram legisladores, per-
tencendo-lhes o direito e o dever elaborar novas leis, geralmente
chamadas de établissements ou de ordonnances251. Com Felipe IV,
consolidou-se essa postura, fruto da recepção da idéia, presente
no Digesto, de que “quod principi placuit leges habet vigorem”.
Se, inicialmente, os établissements só diferiam dos atos gerais ema-
nados de nobres e senhores em virtude do seu alcance252, que se
estendia por todo o Reino, já no começo do Antigo Regime esse

248 Entre as razões dadas por Beaumanoir para a elaboração da sua obra, o autor
menciona expressamente, no prólogo, a finalidade de fazer conhecer os costumes
da sua região: “La seconde [razão] si est, porce que noz puissons fere, à l'ayde de
Diu, aucune coze qui plese à nostre signeur le conte et à ceux de son conseil; que,
se Diex plest, par cest livre porra il estre enseigniez comment il devera garder et
fere garder les coustumes de se terre et de la conté de Clermont, si que si home et li
menus pueples puisse vivre en pes dessoz li; et que, par cest enseignement, li triceur
et li bareteur soint tout conneu en lor barat et en lor tricerie, et bouté ariere par le
droit et par le justice le conte”. BEAUMANOIR, Philippe de. Les coutumes du
Beavoisis. Tomo 1. Paris: Jules Renouard, 1843, p. 12.
249 MONTAZEL, Laurence. Beaumanoir, Philippe de. In: STOLLEIS, Michael (Org.).
Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert.
München: C. H. Beck, 1995, p. 71-72.
250 Sobre os Coutumes, cf., entre outros, VINOGRADOFF, Paul, op. cit., p. 80-96.
251 BERMAN, Harold, op. cit., p. 467.
252 OLIVIER-MARTIN, François, op. cit., p. 345-346.

95
Gustavo César Machado Cabral

poder legislativo régio representava importante fonte do direito,


bastante útil em meio a uma pluralidade de ordenamentos terri-
toriais e de costumes. Essa atuação, contudo, não era ilimitada,
já que, em França, era muito forte a idéia de leis fundamentais do
reino, as quais, diferentemente das leis do rei, não poderiam ser
modificadas. Majoritariamente, a doutrina francesa do século XVI
e do XVII reconheceu a Lex Salica como a primeira lei dos fran-
ceses, atribuindo-lhe o caráter de lei fundamental253. Seus efeitos
recaíram sobre aspectos importantes, como a inalienabilidade da
coroa e as regras de sucessão, que não permitiam a ascensão de
mulheres ao trono254.
A intensificação da atividade legislativa real provocou verda-
deira inflação de ordonnances e établissements, razão pela qual,
desde o final do século XVI, via-se como necessária a organização
desses instrumentos. Surgiram, então, as primeiras compilações, o
Code Henry III (1587), o Code Henry IV (1603) e o Code Marillac
ou Code Michau (1629), tentativas frustradas de organização da le-
gislação existente255. No reinado de Luís XIV (1643-1715), ao con-
trário, foram bem-sucedidas as ordannances gerais, que consegui-
ram compilar matérias importantes como o processo civil (1667),
o processo penal (1670), o comércio (1673) e o comércio marítimo
(1681). Nesse contexto, organizar o direito nacional significava re-
afirmar a autoridade régia, num momento em que o Reino havia
sediado tentativas de resistência ao poder real, como a ocorrida na
Fronda (1648-1653). Nessa mesma direção, foi editada ordonnance

253 MOHNHAUPT, Heinz. Die Lehre von der „Lex Fundamentalis“ un die
Hausgesetzgebund europäischer Dynastien. Historische Vergleichung im
Bereich von Staat und Recht: gesammelte Aufsätze. Frankfurt am Main: Vittorio
Klostermann, 2000, p. 15-18.
254 OLIVIER-MARTIN, François, op. cit., p. 324-325.
255 Sobre essas primeiras codificações, cf. CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 265-266;
BIROCHI, Italo, op. cit., p. 111-114.

96
Ius Commune

que instituiu a obrigatoriedade do ensino do direito francês nas


universidades, a fim de formar juristas que conhecessem as leis
pátrias e dessem efetividade ao produto dessas reformas256 257.
O resultado das compilações foi uma definição mais precisa
do que seria o direito pátrio francês, aplicável em todo o Reino.
Entretanto, os costumes continuaram a ter grande importância na
França, muito em razão de relevante perspectiva que os relaciona-
va às decisões dos tribunais régios, chamados de parlements. Den-
tre os mais de dez tribunais que existiram na França do Antigo
Regime, o mais importante foi o Parlément de Paris. Os estilos das
cortes eram constatações dos costumes, provas da sua validade e
aplicação. Nesse contexto, foram importantes as tentativas de se
estabelecer um droit commun coutumier, cujo ponto máximo foi o
Coutume de Paris, organizados em 1510 e, numa segunda edição,
em 1580. Serviu para acabar com as lacunas dos costumes locais e
teve como principal comentador Charles Dumoulin (1500-1564),
cujos escritos serviram de base para a reorganização da compila-
ção258. Formava-se, assim, o conceito de direito comum francês.
Por outro lado, algumas matérias continuaram sem tratamento
específico pela legislação real, sendo regidas pelo ius commune e
pelos costumes, os quais, majoritariamente, seguiam aquele. Foi
o caso do direito das obrigações e dos contratos, matérias essen-
cialmente relacionadas ao direito comum e que, a par de não se-

256 Sobre as ordonnances de Luís XIV, cf. BIROCHI, Italo, op. cit., p. 114-126;
CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 269-276; OLIVIER-MARTIN, François, op. cit.,
p. 353-356.
257 Sobre a reforma dos estudos universitários na França, em 1679, cf. COING, Helmut.
Die juristische Fakultät und ihr Lehrprogramm. In: COING, Helmut. Handbuch
der Quellen und Literatur der Neueren europäischen Privatrechtsgeschichte.
Zweiter Band: Neuere Zeit (1500-1800), das Zeitalter des Gemeinen Rechts. Erster
Teilband: Wissenschaft. München: C. H. Beck, 1977, p. 56-58.
258 Sobre o tema, cf. CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 402-405; OLIVIER-MARTIN,
François, op. cit., p. 421-426.

97
Gustavo César Machado Cabral

rem regidas por ordonnances específicas, foram objeto de estudo


dos principais juristas franceses do período. O tratamento abstra-
to conferido por esses autores fez essas matérias se aproximarem
do que ficou conhecido posteriormente como filosofia do direito,
materializada no processo de codificação do começo do século
XIX, em especial no que vieram a ser as partes gerais dos códigos.
Inicialmente com os humanistas, dentre os quais Jacques Cujas
ou Cujacius, (1522-1590), Hugo Doneau ou Donellus (1527-1591),
François Duarren ou Duarenus (1509-1559) e François Hotman
ou Hotomannus (1524-1590), ligados ao que ficou conhecido como
mos galicus, e, nos séculos seguintes, com Jean Domat (1625-1696)
e Robert-Joseph Pothier (1699-1772), a doutrina francesa contri-
buiu imensamente para a unificação do direito nacional, a qual só
se concluiu ao final do Antigo Regime259.

4.2.2 Inglaterra

A história da formação do direito inglês tem uma série de pe-


culiaridades frente aos demais Estados europeus. Já que a sua prin-
cipal fonte é o costume, entendido como estilo dos tribunais ou,
num sentido mais atual, os precedentes judiciais, a boa compreen-
são da formação do direito inglês, dentro do período que se estuda
neste trabalho, depende de uma análise do seu sistema jurisdicio-
nal, do qual foram geradas as principais normas jurídicas.
Ainda que a Bretanha tenha sido domínio romano durante al-
guns séculos, seus habitantes não assimilaram os costumes roma-
nos, inclusive quanto ao Direito. As origens das instituições inglesas

259 Sobre o tema, cf., LOPES, José Reinaldo de Lima, op. cit., p.96-100, 119-121 e 176-
183; BIROCHI, Italo, op. cit., p. 126-157; KOSCHAKER, Paul, op. cit., p. 120-
124; TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e
codificazione del diritto. Bolonha: Il Mulino, 1993, p. 156-189.

98
Ius Commune

são eminentemente germânicas260, tendo o Direito Romano exer-


cido uma influência bem menos intensa do que nos demais áreas
da Europa Ocidental. Por essa razão, Criscuoli afirma que o direi-
to inglês nem é romanístico nem romanizado: não é romanístico
porque não pertence à família dos direitos derivados do romano,
não se utilizando de termos, conceitos, figuras, institutos ou técni-
cas operativas, nem é romanizado porque a influência exercida pelo
Direito Romano teria sido apenas modesta261. Assim como não seria
correto afirmar que não houve influência do Direito Romano no
direito inglês262, é imperioso reconhecer o processo de contato não
foi semelhante ao ocorrido na Alemanha, na Itália e na França263.
Uma primeira razão histórica para esse fato parece ter sido a
pequena assimilação do direito romano entre os habitantes da ilha
quando ela esteve sob o domínio romano, a ela se aliando o su-
cesso das invasões germânicas, principalmente dos Anglo-Saxões,
que deram origem aos sete reinos medievais (East Anglia, Essex,
Kent, Mercia, Northumbria, Sussex e Wessex) que, em 1066, ca-
pitularam frente aos normandos. Desde o período anglo-saxônico,
os senhores territoriais tiveram grande força na estrutura política
e social britânica; segundo Lovell, as estruturas locais pré-existen-
tes à conquista normanda se mantiveram em decorrência de os
eventos de 1066 não terem representado uma mudança drástica,

260 LYON, Bryce. A constitutional and legal History of Medieval England. New
York: Harper & Brothers, 1960, p. 11-18.
261 CRISCUOLI, Giovanni. Introduzione allo Studio del Diritto Inglese: le fonti. 3
ed. Milano: Giuffrè, 2000, p. 28-29.
262 CANATTA, Carlo Augusto; GAMBARO, Antonio, op. cit., p. 125.
263 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 171.

99
Gustavo César Machado Cabral

já que essas estruturas administrativas não mantiveram intenso


contato com o governo central264.
Nesse cenário, a implantação do sistema feudal, que ganhou
força com o governo normando, não teve maiores dificuldades265,
instituindo-se, assim, um “feudalismo centralizante”, no qual o rei
era o senhor de todos os senhores266. Isso teve conseqüências na
formação do sistema judicial inglês, como se verá no próximo ca-
pítulo, mas, por hora, é importante deixar claro que o principal
reflexo foi o surgimento de um direito válido para todo o reino,
e não apenas no âmbito das unidades senhoriais. Esse direito co-
mum britânico, o Common Law, foi fruto da prática do sistema
judicial, nascido, portanto, não de um rei-legislador, mas da expe-
riência oriunda da jurisdição.
Como lembra Pococok, da mesma forma que qualquer direito
costumeiro, o surgimento do Common Law foi imemorial267, sem
data precisa, mas absolutamente ligado à estrutura real destinada
à solução de conflitos. Só é possível falar em Common Law, por-
tanto, a partir do momento em que surgem as cortes de Common
Law268, ou seja, órgãos ligados ao poder central com a finalidade
de decidir questões cuja validade se estenderia não somente a uma
unidade territorial, mas a todo o reino. É esta a sua principal ca-
racterística: funcionar como um direito nacional, aplicado, inclu-

264 LOVELL, Colin Rhys. English Constitutional and Legal History: a survey. New
York: Oxford University Press, 1962, p. 17.
265 Sobre o sistema feudal normando, cf. LOVELL, Colin Rhys, op. cit., p. 52-61;
LYON, Bryce, op. cit., p. 127-137.
266 Nesse sentido, LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições
introdutórias. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 78.
267 POCOCK, J. G. A. The ancient constitution and the Feudal Law: a study of
English Historial thought in the seventeenth century. New York: Cambridge
University Press, 1990, p. 37-41.
268 CRISCUOLI, Giovanni, op. cit., p. 65.

100
Ius Commune

sive, às cortes senhoriais e aos juízes reais das comunidades fora


da sede da Corte. O costume de que se fala para caracterizar o
Common Law eram os precedentes dos principais tribunais, que
passaram a ser compilados e organizados na forma de Year Books
e Law Reports, sobre os quais se falará a seguir; trata-se de ins-
trumentos fundamentais na sistemática inglesa, por funcionarem
como verdadeiro repositório do direito comum do reino.
O que se conhece como Common Law, esse direito não-escrito,
prático e oriundo da atividade judicial dos tribunais, levou séculos
para ser elaborado269; a sua existência, contudo, não significou a não
observância de um direito escrito. Ele efetivamente existiu e existe
na forma dos statutes, dos quais é representativa a conhecida Magna
Charta (1215), do reinado de João I (1199-1216). Inicialmente, o rei
editava os statutes sozinho, destacando-se, nesse sentido, a intensa
atividade legislativa do reinado de Eduardo I (1272-1307)270; já no
fim da Baixa Idade Média, o Parlamento ganhou força e passou a
participar da elaboração do Statutoy Law271, deixando de ser mera
assembleia de barões, de natureza consultiva, para se converter em
órgão deliberativo e fundamental para o funcionamento do reino,
sem que isso tenha significado a perda da força dos costumes.
Num contexto em que o direito era fruto da experiência e ti-
nha caráter prático, é de se perguntar até que ponto o Direito
Romano influenciou o direito inglês, mesmo que entre eles haja

269 Maitland reconhece que, no século XIII, ainda não se falava em Common Law: “The
term common law is not as yet a term frequent in the mouths of our temporal lawyers”.
MAITLAND, Frederic William; POLLOCK, Frederick. The History of English
Law: before the time of Edward I. Volume I. 2 ed. Cambridge: University Press, 1923.
270 Sobre os Statutes de Eduardo I, cf. LOVELL, Colin Rhys, op. cit., p. 139-144.
271 Sobre o Parlamento medieval e até o século XVI, cf. LYON, Bryce, op. cit., p.
408-423; GOLDSWORTHY, Jerry. The sovereignty of Parliament: History and
Philosophy. New York: Oxford University Press, 2002, p. 22-77.

101
Gustavo César Machado Cabral

diferenças estruturais272. Houve alguns espaços em que esse con-


tato efetivamente aconteceu, sendo o mais importante deles o da
universidade. Desde a primeira metade do século XII, quando foi
fundada a Universidade de Oxford, houve contato da Inglaterra
com o direito romano, sendo figura importante nesse momento
Vacarius (1120-1200), jurista italiano que lecionou direito justi-
nianeu na Universidade entre 1139 e 1151273. Por alguns anos, o
estudo do Direito Romano ficou proibido, mas, a bem da verdade,
a essência do direito inglês, criado a partir da experiência e seguin-
do firmemente os precedentes das cortes de Common Law, não
permitiu a penetração de uma aplicação prática, ao menos nesse
sistema. Essa situação era facilitada pela formação requerida para
um jurista, que não precisava passar pela universidade e deveria
ser muito mais versado na técnica aprendida no cotidiano dos tri-
bunais do que na ciência jurídica dos bancos da academia.
Não obstante, alguns dos principais juristas britânicos conhe-
ciam bem o Direito Romano. William Longchamp (-1097), bispo
Ely e Lord Chancellor, escreveu a obra Practica legum et decreto-
rum, para servir de manual de estudo em direito romano e em
direito canônico, da mesma forma que o Liber pauperam (Liber ex
universo enuncleato iure exceptus), composto por Vacarius para os
estudantes que não dispunham de meios para conhecer Direito
Romano. Os dois principais tratadistas do começo do Common
Law, Ranulf de Glanville (-1190) e Henry de Bracton (1210-1268),
escreveram trabalhos importantes que ajudaram o direito inglês a
se afirmar como um sistema independente e eminentemente con-
suetudinário. Tanto De Legibus et Consuetudinibus Regni Angliae

272 Para as diferenças quanto às fontes, cf. BUCKLAND, W. W.; MCNAIR. Arnold D.
Roman Law and Common Law: a comparison in outline. Cambridge: University
Press, 1936.
273 Sobre Vicariatus e o ensino do direito romano na Inglaterra entre os séculos XII e
XIII, cf. MAITLAND, Frederic William; POLLOCK, Frederick, op. cit., p. 117-124.

102
Ius Commune

quanto De Legibus et Consuetudinibus Angliae demonstram que os


seus autores, cuja atuação se estendeu a importantes tribunais ré-
gios, conheciam o Direito Romano, mas não entendiam que fosse
válido, enquanto lei positiva, na Inglaterra274. Neste, a influência
do Direito Romano foi patente a ponto de Maitland afirmar que a
obra de Bracton era romanesca na forma e inglesa no conteúdo275,
o que implicava que o autor reconhecia o valor do método dos
juristas formados no ius civile, mas pretendia construir um livro
dedicado ao direito real da Inglaterra, meta que foi alcançada.
Como lembra David Ibbetson, porém, foi apenas com a criação
das cátedras régias (Regius professorships) de Civil Law, em 1540,
que o direito comum passou a ser ensinado com maior atenção
nas universidades276. É bem verdade que a formação dos advoga-
dos, para a qual foram fundamentais os Inns of Court, verdadei-
ra associação de barristers na Inglaterra fundada no século XIV,
era essencialmente prática277. No entanto, o grande número de
benchers (profissionais admitos nos Inns of Court) que frequenta-
ram as universidades e mesmo o uso do direito comum por muitos
juristas importantes, como Francis Bacon (1561-1626), Edward

274 Sobre essas obras, cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a lei: direito,
ordem e justiça na história do pensamento jurídico moderno. São Paulo: 34/Edesp,
2004, p. 86-88; VINOGRADOFF, Paul, op. cit., p. 100-103; PLUCKNETT,
Theodore F. T. A concise history of the Common Law. 5 ed. Londres: Butterworth,
1956, p. 256-266; CRISCUOLI, Giovanni, op. cit., p. 495-499.
275 MAITLAND, Frederic William; POLLOCK, Frederick, op. cit., p. 207-211.
276 IBBETSON, David. Common law and ius commune. London: Seldon Society,
2001, p. 20-21.
277 Sobre os Inns of Court, cf., entre outros, MCGLYNN, Margaret. The royal
prerogative and the learning of the Inns of Court. Cambridge: Cambridge
University Press, 2003. Para uma discussão sobre a educação jurídica na Inglaterra
antes dos Inns of Court, cf. BRAND, Paul. Legal education in England before the
Inns of Court. In: BUSH, Jonathan A.; WIJFFELS, Alain (Org.). Learning the
law: teching and transmission of English Law, 1150-1900. London: The Hambledon
Press, 1999, p. 51-84.

103
Gustavo César Machado Cabral

Coke (1552-1634) e John Dodderidge (1555-1628), são sinais su-


ficientes para suegerir que os advogados ingleses não parecem ter
sido totalmente desconhecedores do civil law278.
Se nas universidades inglesas o direito romano foi ensinado
praticamente como método279 ou como uma jurisprudência geral
que influenciou, ainda que indiretamente, a prática do Common
Law280, no direito canônico essa influência se deu de outras for-
mas. Por ter a pretensão de ser uma instituição universal, a Igreja
seguia o ordenamento que, neste momento, guardava intensas re-
lações com o ius civile. Os clérigos conheciam bem o direito canô-
nico, o que, de certa maneira, implicava ser versado também em
Direito Romano, e a sua atuação não se resumiu a tribunais ecle-
siásticos, passando a compor importantes postos próximos aos reis.
Essa relevância do direito romano foi ainda mais sentida quan-
do do surgimento do outro sistema jurídico inglês, o da equity. O
sistema do Common Law, representado pelas três cortes que o
compunham (King’s Bench, Common Pleas e Exchequer), tornou-se
bastante rígido à medida que se fortaleceu a noção de precedente,
cuja alteração é suficiemente difícil a ponto de enrijecer o sistema.
A estrutura do Common Law, baseada em uma dura rede de ações
e remédios281, deixou de alcançar todas as necessidades da vida so-
cial à medida que esta foi se tornando mais complexa com o avan-
çar dos séculos. Diante dessa situação, passou-se a admitir o direi-
to petição ao rei para que resolvesse questões não alcançadas pelo

278 IBBETSON, David, op. Cit., p. 11.


279 CASSANDRO, Giovanni, op. cit., p. 176.
280 VINOGRADOFF, Paul, op. cit., p. 98
281 Ainda segundo Ibbetson, a forma das ações foi uma das mais importantes
características diferenciadoras entre ius commune e common law, por ser este
extremamente formal no que diz respeito à estrutura processual. IBBETSON,
David, op. Cit., p. 24.

104
Ius Commune

Common Law; como não havia um procedimento a ser seguido, o


rei e os seus conselheiros – papel que foi sendo assumido pelo Lord
Chancellor – deveriam julgar as petições por equidade282. Como
até meados do século XVI, precisamente até o reinado de Henri-
que VIII, o Lord Chancellor normalmente era clérigo, a influência
do direito canônico na tomada de decisões e na elaboração de um
procedimento foi patente283.
Os dois sistemas conviveram, nem sempre de modo pacífico,
até a unificação, que se deu através do Judicature Acts, de 1873 e
1875, mas a ligação com o rei foi muito mais intensa nas cortes de
equity. Nelas, também, a influência do Direito Romano foi mais
observada, especialmente quando do seu início, pelas razões ex-
postas. Maitland reconheceu o contato dos primeiros juristas do
novo sistema com o Direito Romano, mas refutou a tese de uma
romanização da Inglaterra pela equity284; estando ou não correto,

282 “It will be seen that we are in the presence of a transition between an earlier type
of jurisdiction which was more administrative than judicial, and based merely upon
the elementary duty of governments to maintain order through administrative
forms, and the more developed jurisdiction of classical equity based on the idea of
conscience”. PLUCKNETT, Theodore F. T, op. cit., p. 686.
283 Sobre o início e o desenvolvimento da equity, cf. MAITLAND, Frederic William.
Equity: a course of lectures. 2 ed. Cambridge: University Press, 1936, p. 1-22;
PLUCKNETT, Theodore F. T., op. cit., p. 675-677.
284 Depois de refutar a tese de que a Court of Chancery julgava com base nos casos
encontrados nos Year Books, Maitland refuta o julgamento baseado no direito romano:
"Nor do I believe that to any very large extent the Chancellors had borrowed from the
Roman law - this is a disputed matter, Mr. Spence has argued for their Romanism,
Mr Justice Holmes against it. No doubt through the medium of the canon law these
great ecclesiastics were familiar with some of the great maxims which occur in the
Institutes of the Digest. Once of the parts of the Corpus Juris Canonici, the Liber Sextus,
ends with a bouquet of these high-sounding maxims - Qui prior est tempore potior
est jure, and so forth, maxims familiar to all readers of equity reports. No doubt the
early Chancellor knew these and valued them - but I do not believe that we ought to
attribute to them much knowledge of Roman law or any intention to Romanize the
law of England”. MAITLAND, Frederic William, op. cit., p. 8.

105
Gustavo César Machado Cabral

o certo é que, em maior ou menor medida, o Direito Romano in-


fluenciou mais o sistema da equity do que fez no Common Law.
Quis-se demonstrar, com estas páginas, que a formação do di-
reito pátrio na Inglaterra obedeceu a uma ordem diversa do que
aconteceu no continente, ainda que haja vários pontos de contato
entre as duas tradições. Até um certo momento, inclusive, essas se-
melhanças não foram suficientemente grandes para se pensar numa
separação estrutural285. Sua formação prática, baseada na lógica de
precedentes judiciais, a qual se percebe inclusive nas obras dos seus
mais importantes juristas contemporâneos ao que se analisa neste
livro, como Edward Coke (1552-1634) e William Blackstone (1723-
1780), guarda diferenças diante das experiências de modelos mais
fortemente influenciados pela tradição do direito romano e, mais
precisamente, do direito comum, como França, Alemanha ou Por-
tugal. Se, nos termos de Ibbetson, o direito inglês teve uma base
flexível de construção das decisões judiciais, em que se combina-
vam fundamentações baseadas em autoridade ou em precedentes286,
o papel das decisões tomadas pelo mesmo tribunal parece ter sido
menos relevante, ao contrário da autoridade dos juristas, a qual foi
fundamental para a construção dos argumentos e das decisões287.

4.2.3 Alemanha

A história da formação do direito pátrio alemão é, provavelmen-


te, a mais singular dentre as experiências europeias ocidentais. De

285 Neste sentido, cf. IBBETSON, David, op. Cit., p. 3-9. Este argumento foi melhor
desenvolvido em CABRAL, Gustavo César Machado. Literatura jurídica na Idade
Moderna: as decisiones no Reino de Portugal (séculos XVI-XVII). Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2017, p. 15-121.
286 IBBETSON, David. Authority and precedent. In: GODFREY, Mark (Org.).
Law and authority in british legal history, 1200-1900. Cambridge: Cambridge
University Press, 2016, p. 60-84.
287 Cf. CABRAL, Gustavo César Machado Cabral, op. Cit., p. 40-72.

106
Ius Commune

província romana, a região que compõe a atual Alemanha passou à


possessão carolíngia até chegar, no século X, a sede de um renovado
Império Romano. Nas palavras de Wieacker, a Alemanha “foi desde
o tempo dos Otões a detentora e a vítima da idéia de império”288,
trazendo conseqüências importantes para o Direito e a política de
um Sacro Império herdeiro direto de Roma, mas que, séculos de-
pois, se transformou no que Samuel Pufendorf, sob o pseudônimo de
Severino de Monzambano, caracterizou como uma forma monstru-
osa entre uma monarquia e uma federação de Estados289.
De fato, a estrutura feudal marcou o funcionamento do Sacro
Império durante praticamente toda a sua existência. Desde a sua
fundação, foi-se desenvolvendo um sistema em que os senhores
locais, normalmente altos nobres, preservavam grande indepen-
dência frente ao poder central, o que se facilitava pela não rara
ausência do imperador da região que hoje compreende a Alema-
nha. Essa nobreza seria caracterizada, segundo Wilhelm Störmer,
por possuir potestas, tornando o nobre um senhor (Hausherr, do-
minus)290, responsável por todos aqueles que estivessem sob o seu
domínio, notadamente os seus servos. Com essa estrutura senho-
rial, fragmentou-se a jurisdição e, com ela, o Direito, durando essa
estrutura, com pontuais modificações, até o princípio do século

288 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3 ed. Trad. António
Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 97.
289 “Nihil ergo aliud restat, quam ut dicamus Germaniam esse irregulare aliquod corpus,
& monstro simile, siquidem ad regulas scientiae civilis exigatur”. PUFENDORF,
Samuel. Severini de Monzambano De statu imperii Germanici ad Laelium
fratrem líber. Utopiae [?] : Udonem Neminem, 1668, p. 115 (Cap. VI, §9).
290 “Der Adel ist im Rahmen der Gesamtgesellschaft besonders gekennzeichnet
durch den Besitz der potestas (…). Der Adelige ist der ‚Hausher‘, der dominus;
er übt Hausherrschaft – und im erweiterten Sinne Grundherrschaft - aus”.
STÖRMER, Wilhelm. Früher Adel: Studien zur politischen Führungschicht im
Fräkisch-Deutschen Reich von 8. bis 11. Jahrhundert. Volume 1. Stuttgart: Anton
Hiersemann, 1973, p. 27.

107
Gustavo César Machado Cabral

XIX291. A força desses senhores era sentida em virtude do seu poder


militar292, que causou inúmeros conflitos que marcaram o Império.
Otto Brunner identifica nesses conflitos internos (Fehde) peça fun-
damental da vida política medieval293, conclusão que ajuda a com-
preender o porquê de o Sacro Império não ter passado por processo
de centralização semelhante aos demais Estados europeus.
A força da nobreza territorial conseguiu neutralizar quaisquer
tentativas de exercício de poder efetivamente soberano pelo impe-
rador, seja por meio de conflitos armados para determinar quem
ascenderia ao trono, seja por meio de instrumentos políticos que
limitavam os poderes imperiais. Pela sistemática desenhada, o Sa-
cro Império deveria ser uma monarquia eletiva, mas a questão da
hereditariedade não pode ser totalmente afastada, pois os laços
sanguíneos ou de afinidade eram fundamentais para definir o
próximo imperador294. A eleição servia, principalmente, quando
existiam problemas para definir quem seria o sucessor, funcionan-
do, também, como instrumento de legitimidade para o exercício
do poder, simbolizando a chancela dos príncipes-eleitores àquele

291 STÖRMER, Wilhelm, op. cit., p. 28.


292 Sobre o tema, cf., entre outros, STÖRMER, Wilhelm, op. cit., p. 157-199
293 “Die Fehde gehört untrennbar zum mittelalterlichen Staatsleben und zur
mittelalterlichen Politik wie der Krieg zum souveränen Staat und zum Völkerrecht
der neueren Zeit. Ein wirkliches Aufhören der Fehde, nicht bloß ein Verbot, das
nicht durchgeführt wurde, mußte die Gesamtstruktur des mittelalterlichen Staates
von Grund auf ändern”. BRUNNER, Otto. Land und Herrschaft: Grundfragen
der territorialen Verfassungsgeschichte Österreichs im Mittelalter. 4 ed. Wien:
Rudolf M. Rohrer, 1959, p. 106. Para uma caracterização geral do papel das guerras
e conflitos internos no Medievo, cf. BRUNNER, Otto, op. cit., p. 41-110.
294 Trata-se questão complexa em todas as monarquias medievais, a começar pela
monarquia Franca. Para uma visão dos problemas que envolviam hereditariedade,
eleição ou aclamação e coroação dos reis francos, especialmente na dinastia
Merovíngia, cf. SCHNEIDER, Reinhard. Königswahl und Königserhebung im
Frühmittelalter: Untersuchungen zur Herrschaftsnachfolge bei den Langobarden
und Merowingern; Stuttgart: Anton Hiersemann, 1972, p. 187-261.

108
Ius Commune

nome. Por essa razão, ainda que se estivesse diante de uma monar-
quia eletiva, com um procedimento solene para a eleição295, com-
preende-se o porquê da formação de verdadeiras dinastias, como
os Otões (962-1024), os Sálicos (1024-1125), os Staufen (1155-
1250) e os Habsburgo (1440-1806)296. O fortalecimento de uma
família, geralmente ligado ao poder do seu território, ocasionou
disputas de poder, especialmente em casos de sucessão imperial.
Num primeiro momento, ser imperador significou ser deten-
tor de uma pretensão de poder temporal universal, situação que
durou até que os conflitos entre Império e Igreja se resolvessem
com o enfraquecimento daquele. Internamente, a mutilação de
qualquer tentativa de supremacia do poder imperial veio com a
Goldene Bulle, de 1356297, que estabeleceu as regras para a eleição
do imperador, conferindo direito de votar a apenas sete prínci-
pes eleitores (Kurfürsten), três espirituais – os arcebispos de Co-
lônia, Trier e Mainz – e quatro temporais – o Duque da Saxônia,
o Margrave de Brandemburgo, o Palatinado do Reno e o Rei da

295 Na Goldene Bulle, a descrição do processo de eleição denota um caráter quase


místico dessa escolha: “Postquam autem sepedicti electores seu nuncii civitatem
Frankenfordensem ingressi fuerint, statim sequenti die diluculo in ecclesia sancti
Bartholomei apostoli ibidem in omnium ipsorum presentia missam de sancto
spiritu faciant decantari, ad finem ut ipse sanctus spiritus corda ipsorum illustret et
eorum sensibus lumen sue virtutis infudat, quatenus ipsi suo fulti presidio hominem
iustum, bonum et utilem eligere valeant in regem Romanorum futurumque cesarem
ac pro salute populi Christiani”. MGH, LS IV, T XI, p. 574-576 (Cap. II, 1).
296 Sobre essas dinastias, cf., entre outros, HAGEN, Keller. Die Ottonen. 4 ed.
München: C. H. Beck, 2008; LAUDAGE, Johannes. Die Salier: das erste
deustche Könighaus. 3 ed. München: C. H. Beck, 2011; GÖRICH, Knut. Die
Staufer: Herrscher und Reich. 2 ed. München: C. H. Beck, 2008; STOLLBERG-
RILINGER, Barbara. Das Heilige Römische Reich Deustcher Nation: vom Ende
des Mittelalters bis 1806. 4 ed. München: C. H. Beck, 2009.
297 Para conhecer o texto completo da Goldene Bulle, cf. MGH, LS IV, T XI, p. 560-633.
Sobre como se davam as eleições antes da Goldene Bulle, cf. MITTEIS, Heinrich.
Die deutsche Königswahl: ihre Rechtsgrundlagen bis zur Goldene Bulle. Wien:
Verlag Rudolf M. Rohrer, 1938.

109
Gustavo César Machado Cabral

Boêmia298. A eleição deveria ocorrer em Frankfurt am Main, en-


quanto a coroação, realizada pelo papa, ocorreria em Aachen299;
entre a eleição e a coroação, o escolhido detinha o título de rei dos
alemães, ou, na terminologia da Goldene Bulle, rei dos romanos, só
se convertendo em imperador quando da coroação pelo papa. Ao
lado dessas regras, consolidaram-se algumas regras que já existiam
como costumes, a exemplo dos privilégios de non evocando e non
appellando, que garantiram aos príncipes um domínio amplo sobre
a jurisdição300. Cada vez mais, a nobreza e os senhores territoriais
dependiam menos do Imperador301.
Os muitos Estados que compuseram o Sacro Império se reu-
niam em grandes assembleias (dietas) cujas origens remontam ao
período Carolíngio, mas que, a partir de meados do século XIV,
passaram a ser conhecidas como Reichstag. Com origens seme-
lhantes às cortes portuguesas ou os États Géneraux franceses, de-
las o Reichstag se diferenciou em virtude do poder dos Estados no
Sacro Império, especialmente nas definições sobre a configuração
do Império. Tanto é verdade que as mais importantes decisões es-
truturais passaram por essa instância: a Goldene Bulle (Reichstag
de Nuremberg, em 1356), a criação do Reichskammergericht e a
aprovação do seu regimento (Reichstag de Worms, 1495), a proibi-
ção dos escritos Lutero pelo Édito de Worms (Reichstag de Worms,
1521), aprovação da Constitutio Criminalis Carolina (Reichstag de
Regensburg, 1532), etc. Tratou-se, portanto, de órgão com impor-
tante função legislativa.
Diferentemente das demais monarquiais européias, no Sacro
Império o exercício do poder legislativo pelos reis não cresceu

298 MGH, LS IV, T XI, p. 568-570 (Cap. I, 7-12).


299 MGH, LS IV, T XI, p. 572 (Cap. I, 17).
300 MGH, LS IV, T XI, p. 592-594 (Cap. XI).
301 REINHARD, Wolfgang, op. cit., p. 53.

110
Ius Commune

ao longo dos séculos. Como herdeiros do Império Carolíngio, os


primeiros imperadores legislaram através de instrumentos como
as capitulares e constitutiones, que atualmente são conhecidas em
decorrência de organização e publicação, no século XIX, do Mo-
numenta Germinae Historica, que reúne as constituições imperiais
até meados do século XIV. Aliás, a atividade legislativa imperial,
segundo Peter Landau, teria sido anterior até mesmo às dos mo-
narcas, como se observa no caso do imperador Frederico II, no
século XIII, que teria legislado primeiramente como imperador e
só posteriormente como rei da Sicília302. A fórmula original, do rei
legislando sozinho ou em cortes, foi observada no Sacro Império,
onde o modelo não se modificou a ponto de a elas reservar funções
meramente fiscais. Como se viu, às cortes imperiais – o Reichstag
– cabiam funções legislativas. Formalmente, os atos eram decisões
imperiais, mas a deliberação se dava nas dietas303.
As matérias às quais se referiam esses instrumentos, adotados
no âmbito do poder central, eram basicamente temas de interesse
geral, notadamente de direito público, tanto que leis como a
Goldene Bulle e a Wahlkapitulation (1519) foram encaradas como
leis fundamentais. Questões relativas a matérias religiosas e,
posteriormente, liberdade de religião ocuparam o Reichstag, ao passo
que questões tidas como de direito privado não eram tratadas em
nível imperial304. A razão para isso é muito simples: no âmbito da

302 LANDAU, Peter. Über die Wiederentdeckung der Gesetzgebung im 12. Jahrhundert.
In: DROSSBACH, Gisela (Org.). Von der Ordnung zur Norm: Statuten in
Mittelalter und Früher Neuzeit. München: Ferdinand Schöningh, 2010, p. 14.
303 É o que se percebe, por exemplo, da longa introdução da Goldene Bulle, em cujo
começo se percebe a invocação do então imperador, Carlos IV, como se dele tivesse
partido a lei.
304 Nesse sentido, Heinrich Gehrke, em importante trabalho sobre a legislação
imperial, reconhece a inexistência de um repertório legislativo de natureza
puramente privada, a qual só apareciam quando mesclada com matérias de
ordem processual, em especial aos regimentos do Reichskammergericht. GEHRKE,

111
Gustavo César Machado Cabral

organização do Sacro Império, essas matérias cabiam aos poderes


locais. Neste sentido, há duas vias importantes na elaboração desse
direito local, os ordenamentos dos Estados que compunham o Sacro
Império, ou seja, os direitos territoriais, e os chamados direitos
municipais, típicos das cidades livres305. O papel relevante dos
Estados componentes do Sacro Império na administração imperial,
como descreveu Angela De Benedectis306, também foi observado
na elaboração de um Direito para o Império, mas seguindo a lógica
da particularidade, tendo em vista que cada Estado possuía ordens
jurídicas nem sempre coincidentes das ordens dos demais Estados.
Materialmente, os costumes foram fontes bastante utilizadas307.
A fragmentação política ajudou a consolidar a existência de dife-
renças entre os direitos costumeiros das diversas regiões do Sacro
Império, especialmente os que tiveram origens populares, funda-
dos numa criação espontânea e que foram sendo consolidados

Heinrich. Gesetzgebung inm Deutschen Reich. In: COING, Helmut. Handbuch


der Quellen und Literatur der Neueren europäischen Privatrechtsgeschichte.
Zweiter Band: Neuere Zeit (1500-1800), das Zeitalter des Gemeinen Rechts. Zweiter
Teilband: Gesetzgebung und Rechtsprechung. München: C. H. Beck, 1976, p. 312.
Da mesma forma, IMMEL, Gerhard, op. cit., p. 74.
305 Sobre os estatutos locais, cf., entre muitos outros, DROSSBACH, Gisela (Org.). Von
der Ordnung zur Norm: Statuten in Mittelalter und Früher Neuzeit. München:
Ferdinand Schöningh, 2010.
306 “Con la lex regia gli Stati dell'Impero trasferivano solo condizionatamente le redini dello
Stato (della respublica) all'imperatore, ed erano quasi resi partecipi della sua maiestas
e potestas: perciò il loro potere consisteva nell'amministrazione di tutto l'Impero e
perciò erano richiesti il loro consiglio e consenso. Per quanto sciolto dalle leggi civili,
l'imperatore era obbligato dalla lex regia sia al rispetto delle leggi naturali e divine, sia
delle leggi fondamentali e dei recessi”. DE BENEDECTIS, Angela. Politica, governo e
istituzione nell’Europa moderna. Bologna: il Mulino, 2001, p. 229.
307 Sobre o uso e o valor dos costumes na “época da recepção”, de acordo com a opinião
comum do período, cf. WIEGANG, Wofgang. Studien zur Rechtsanwendungslehre
der Rezeptionszeit. Ebelsbach: Verlag Rolf Gremer, 1977, p. 93-126.

112
Ius Commune

e fixados pelos juízes locais308. Assim como em outras partes da


Europa, houve forte tendência de redigir esses costumes, situação
que, na Alemanha, teve no Sachsenspiegel o seu mais importante
representante. Elaborado por Eike von Repgow no século XIII, a
obra, escrita em língua popular, foi dividida em duas partes, cui-
dando a primeira do direito territorial (Landrecht), principalmente
de temas ligados a sucessão, casamento e direito penal, enquanto
que o segundo cuidou do direito feudal (Lehnrecht), mormente das
relações entre os Estados e o poder imperial309. Constituiu-se, as-
sim, herança da tradição germânica. Os direitos municipais, oriun-
dos da concessão de privilégios a determinadas regiões urbanas,
também foram exemplares dessa herança popular, num primeiro
momento. A prática legislativa nascida nas câmaras municipais ou
nos escabinos (Schöffen)310 constituíram fontes desse direito costu-
meiro que seriam aplicadas pelos juízes locais.
O elemento material mais importante na elaboração do direito
alemão, porém, foi o Direito Romano. Sua importância foi tama-
nha que a historiografia jurídica se refere a um fenômeno cha-
mado de “recepção do Direito Romano” na Alemanha, processo
lento e complexo que é frequentemente dividido em dois grandes
momentos, a chamada Frührezeption e a recepção prática. A forma
de penetração do Direito Romano foi diferente em ambos, mas os
elementos envolvidos foram similares. Antes de falar no tema, po-
rém, deve-se esclarecer que o fato de a Alemanha ser a nova sede

308 WIEACKER, Franz, op. cit., p. 108-109.


309 Para o texto do Sachsenpiegel na sua língua original, publicado em duas partes, cf.
MGH, FIGA, T I. Sobre o tema, cf KANNOWSKI, Bernd. Die Rechtsgrundlagen
von Königtum und Herrschaft in der Gegenüberstellung von "Sachsenspiegel" und
"Buch'scher Glosse". In: DILCHER, Gerhard; QUAGLIONI, Diego (Org.). Gli inizi
del diritto pubblico. V. 3: verso la costruzione del diritto pubblico tra medioevo e
modernità. Bologna/Berlin: il Mulino/Duncker & Humblot, 2011, p. 89-108.
310 WIEACKER, Franz, op. cit., p. 111-118.

113
Gustavo César Machado Cabral

do Império não teve grandes conseqüências na recepção do Direi-


to Romano. Se não havia dúvidas quanto à legitimidade do impe-
rador alemão como sucessor dos imperadores romanos, o mesmo
não se pode afirmar quanto à principal conseqüência jurídica des-
sa alegação: o Direito Romano continuava sendo encarado como
direito estrangeiro, ainda que, até o final do Medievo, a sua utili-
zação fosse justificada pela sua pretensa autoridade racional. Por
volta dos séculos XV e XVI, surgiu outra tentativa de justificação
da sua utilização, oriunda da lenda lotárica, segundo a qual o im-
perador Lotário III (1033-1037) teria recebido a legislação romana
através de lei imperial, a qual caiu em descrédito a partir de estudo
de Hermann Conring, já no século XVII311.
Nesse processo de recepção, seu objeto não foi um direito
romano puro, mas o ius commune312, direito de natureza científica
ou Juristenrecht, no mencionado termo de Paul Koschaker. Para
essa consolidação, também na Alemanha, até mais do que nos
outros países, foram fundamentais as universidades. É certo que as
primeiras universidades do Império só foram fundadas na segunda
metade do século XIV313, mas a procura pelos estudos jurídicos
no período anterior também foi bastante intensa, destinando-
se majoritariamente às universidades italianas e francesas. Ao
retornarem dos seus estudos, versados em ius civile e ius canonicum,
os juristas puderam atuar em várias frentes, inicialmente nos

311 O título do capítulo no qual Conring desmete a lenda é bem direto ao afirmar a
opinião do autor sobre a discussão: “Quod vulgo afferitur, Justinianeas leges in scholas
Lotharii jussu & auctoritate esse reductas, id non tantum incertum sed & falsum
esse”. Cf. CONRING, Hermann. De origine iuris Germanici. Helmstadt: Herm.
Daniel Hammii, 1720, Cap. XXI, p. 117-132. Sobre os estudos de Conring em história
do direito, cf. WILLOWEIT, Dietmar. Hermann Conring. In: STOLLEIS, Michael
(Org.). Staatsdenker in der frühen Neuzeit. München: C. H. Beck, 1995, p. 141-145.
312 WIEACKER, Franz, op. cit., p. 139-140; KOSCHAKER, Paul, op. cit., p. 161-164 e 223.
313 Sobre as universidades do Império no período que hora se analisa, cf. WIEACKER,
Franz, op. cit., p. 161-165; RASHDALL, Hastings, op. cit., p. 211-288.

114
Ius Commune

conselhos e tribunais territoriais, como juízes de primeira instância


ou dos órgãos colegiados, e nos conselhos municipais; com a criação
das universidades, passaram a compor os seus corpos docentes. O
uso do direito romano, em qualquer das funções, foi patente, razão
pela qual ele se expandiu pelo Império principalmente através da
prática, influenciando os direitos municipais e territoriais, os juízes
e tribunais locais e territoriais e os estudos de formação de novos
juristas. Com o costume de os conselhos municipais recorrerem às
universidades para elaborarem consultas (consilia), essa incorporação
do direito romano ao direito alemão se intensificou.
A chamada Frührezeption, portanto, foi marcada por essa pene-
tração difusa do Direito Romano, da qual são exemplos as redações
dos direitos particulares realizadas a partir do século XV, nelas se
configurando uma hibridez. Em meio ao direito tradicional, per-
cebe-se a influência romana, ainda que mais presente em algumas
cidades, como Frankfurt am Main (1509) e Worms (1499), do que
em outras, a exemplo de Colônia (1437) e Hamburgo (1497)314. No
âmbito territorial, ou seja, dos Estados (Stände) que compunham
o Império, a influência romana foi mais intensa, muito em razão
da atuação dos tribunais internos na tentativa de uniformizar os
costumes dentro do território, tema ao qual se voltará no próximo
capítulo. O processo de codificação do direito territorial alemão foi
bastante longo e durou do começo do século XVI até o final do sé-
culo XVIII, neste já marcado pelo iluminismo reformista, do qual é
exemplar o Allgemeine Landrecht (ALR, de 1794) da Prússia315.

314 Sobre as redações de direitos municipais no período, cf. WIEACKER, Franz, op.
cit., p. 206-213.
315 Para uma visão geral dos direitos territoriais do Sacro Império entre os séculos XVI e
XVIII, o já mencionado estudo de Heinrich Gehrke indica vasta bibliografia relativa
à legislação de uma grande quantidade de Stände (Brandemburgo/Prússia, Holstein,
Braunschweig-Lüneburg, Saxônia, Eleitorados de Colônia, Trier e Mainz, Jülich e

115
Gustavo César Machado Cabral

Como se pode perceber, a Frührezeption criou um cenário pro-


pício à recepção prática do direito romano no Sacro Império, o
que só se concretizou em razão, basicamente, de dois elementos.
O primeiro e talvez mais importante deles foi a atuação do Rei-
chskammergericht, o mais alto tribunal com funções jurisdicionais
no Império316. Desde a sua fundação, em 1495, uma de suas princi-
pais atribuições foi a solução de conflitos entre os diversos direitos
existentes no Império, e, para alcançar esse objetivo, o tribunal
acabou por atuar como um órgão unificador do direito interno por
meio do Direito Romano. Com a Reichskammergerichtsordnung de
1495, estabeleceu-se a regra viabilizadora da unificação: enquanto
a vigência dos direitos locais e dos costumes deveria ser provada
ao ser alegada perante o tribunal, o direito comum dispensava pro-
va, sendo conhecido de ofício pelos juízes317. Na prática, portanto,
era muito mais fácil para as partes alegarem o direito comum do

Berg, Hessen, Frankfurt am Main, Palatinado, Baden, Württemberg e Bavieria).


GEHRKE, Heinrich, op. cit., p. 310-418.
316 Sobre o Reichskammergericht, cf. SMEND, Rudolf. Das Reichskammergericht.
Weimar: Hermann Böhlaus Nachfolger, 1911; RANIERI, Filippo. Recht und
Gesellschaft im Zeitalter der Rezeption: eine rechts- und sozialgeschichtliche
Analyse der Tätigkeit des Reichskammergericht im 16. Jahrhunderts. 2 v. Köln/
Wien: Böhlau, 1985; JAHNS, Sigrid. Das Reichskammergericht und seine
Richter: Verfassung und Sozialstruktur eines höchsten Gerichts im Alten Reich.
2v. Köln/Weimar/Wien: Böhlau, 2011.
317 RKGO 1495, §3º. “Ferner sollen der Kammerrichter und die Beisitzer vor Unserer
Königlichen oder Kaiserlichen Majestät einen Eid ablegen und zu den Heiligen
schwören: Unserem Königlichen oder Kaiserlichen Kammergericht gewissenhaft und
mit Fleiß zu dienen und nach des Reiches gemeinen Rechten, auch nach redlichen,
ehrbaren und leidlichen Ordnungen, Statuten und Gewohnheiten der Fürstentümer,
Herrschaften und Gerichte, die ihnen vorgelegt werden müssen, über die Hohen und
Niederen nach bestem Wissen und Gewissen gleich zu urteilen und sich durch nichts
davon abbringen zu lassen, auch von den Parteien oder Dritten in einer bei Gericht
anhängigen Sache keine Gaben, Geschenke oder andere Vorteile für sich selbst
oder Dritte anzunehmen oder annehmen zu lassen; auch keine Partei oder eine ihr
nahestehende Person in den Urteilen zu bevorzugen und keine Partei zu beraten oder
zu warnen, den Inhalt der geheimen Beratungen weder den Parteien noch anderen

116
Ius Commune

que os direitos particulares dos Estados. Desde a Reforma até o


final do Antigo Regime, o Reichskammergericht atuou também na
construção da liberdade religiosa em um Império que ficou dividi-
do no tema da religião318.
O outro elemento foi a doutrina, uma vez que, na Alemanha,
o papel dos juristas na construção de um direito nacional foi bem
maior do que em outras partes da Europa. Ao estudarem o Direito
Romano, os juristas alemães se preocuparam com a sua atualiza-
ção, ou seja, pretenderam verificar em que medida aquela norma
presente no Direito Romano e mesmo no direito comum era vá-
lida e aplicável nos estados alemães do período. Esse exercício, de
verificar o uso moderno do Direito Romano, nomeou a mais im-
portante escola jurídica alemã do Antigo Regime, o usus modernus
pandectarum. Com ela, sistematizou-se o Direito Romano aplicável
na Alemanha, consolidando-se a sua utilização até que, ao longo
do século XIX, o país, já unificado a partir de 1871, pudesse ter
uma codificação nacional em direito civil. Nesse processo, o usus
modernus, cujos mais destacados autores foram Johannes Brunne-
mann (1608-1672), Georg Adam Struve (1619-1692), Samuel Stryk
(1640-1710) e Justus Henning Böhmer (1674-1749), teve papel fun-
damental, construindo um direito unificado com bases romanísti-
cas e na receptividade prática, no âmbito da praxe dos tribunais319.

Personen vor oder nach dem Urteil zu eröffnen, die Rechtssachen aus unredlichen
Motiven nicht zu verzögern und überhaupt ohne jede böse Absicht zu handeln”
318 Cf., entre muitos outros, HAUG-MORITZ, Gabriela. Die kaiserliche Gerichtsbarkeit
in der Deutung der Protestanten der Reformationszeit. In: AUER, Leopold et all
(Org.). Höchstgerichte in Europa: Bausteine früheneuzeitlicher Rechtsordnung.
Köln/Wien: Böhlau, 2007.
319 Em trabalho anterior, este autor teve a oportunidade analisar o usus modernus
pandectarum com um pouco mais profundidade. Sobre o trabalho, cf. CABRAL,
Gustavo César Machado. Direito natural e iluminismo no direito português
do final do Antigo Regime. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011, p. 95-99. Para uma visão geral

117
Gustavo César Machado Cabral

Quis-se demonstrar, com estas páginas, que o longo processo


de elaboração de um ius patrium no Sacro Império teve no Direito
Romano o seu principal fator de unificação. Em meio a uma inten-
sa fragmentação política, o direito comum serviu para construir
uma unidade. Nesse sentido, o papel da jurisdição de cúpula, exer-
cida no âmbito do Reichkammergericht a partir do final o século
XV, foi fundamental.

do fenômeno, cf. SÖLLNER, Alfred. Zu den Literaturtypen des deutschen Usus


modernus. In: COING, Helmut (Org.). Ius Commune 2. Frankfurt am Main:
Vittorio Klosterman, 1969, p. 167-186; SÖLLNER, Alfred. Die Literatur zum
gemeinen und partikularen Recht in Deutschland, Österreich, den Niederlanden
und der Schweiz. In: COING, Helmut. Handbuch der Quellen und Literatur
der Neueren europäischen Privatrechtsgeschichte. Zweiter Band: Neuere Zeit
(1500-1800), das Zeitalter des Gemeinen Rechts. Erster Teilband: Wissenschaft.
München: C. H. Beck, 1977, p. 501-516.

118
5
A essência do Ius Commune:
A Opinio Communis

Não é uma novidade afirmar, neste momento do trabalho,


que o direito comum foi fruto de uma construção essencialmen-
te doutrinária, ou seja, produto de um trabalho de juristas que
acabaram por conferir, ainda que não de todo organizadamente,
interpretações sobre um corpo bastante extenso e complexo de
fontes. Como tinham natureza diversa e, em geral, pouco conexa,
o trabalho de integração cabia aos doutores, que, ao tentarem, por
exemplo, eliminar essas dúvidas sobre a aplicação do Direito Ro-
mano, tentaram dotar o direito comum de mais certeza320. Essas
contribuições doutrinárias formavam o que ficou conhecido como
opinio communis, noção que já era conhecida desde o Antigo Re-
gime.
Em obra cuja primeira edição é 1572, Antonius Maria Coratius
tratou exclusivamente da opnio communis. Coratius começou apre-
sentando uma definição de opinio communis, a qual se centrava na
idéia de uma aprovação de determinada “sententia de iure” não
por todos, mas pelos especialistas na matéria321. Ao detalhar o seu
conceito, o autor desmentiu uma possível contradição entre a des-
necessidade de aprovação geral e a aprovação pelos especialistas;

320 ASCHERI, Mario, op. cit., p. 232.


321 “Communis opinio est probata sententia de iure nom aperto ab omnibus, vel à peritioribus”.
CORATIUS, Antonius Maria. Tractatus de comunis opinio utriusque iuris
doctorum opinione. Coloniae Agrippinae: Ioannem Gymnicum, 1784, p. 19 (Lib.
1, Tit. 1, 1).

119
Gustavo César Machado Cabral

estes, os doutores com maior autoridade, deveriam ser seguidos


por todos322. Por ser uma opinião geral, ela não poderia se resumir
à opinião de um ou de alguns doutores, mas da maior parte daque-
les cuja autoridade era comprovada323. Não havia uma presunção
de perícia dos doutores, e Coratius estabeleceu um caminho que
acreditava ser o mais correto para alguém se tornar um especialis-
ta324; nas etapas sucessivas, percebe-se uma tendência de defender
que se sigam as glosas, bem como o respeito para com as opiniões
daqueles que compõem os principais órgãos do Estado, como con-
selhos e tribunais325. Dentre as opiniões mais respeitadas, Coratius
indicou que, em primeiro lugar, viria a de Bártolo e, em seguida,
a dos demais glosadores e comentadores que se constituíssem em
opinio communis326. Contudo, determinar quais autores poderiam
ser considerados como parte desse grupo, definido pela autoridade
das suas opiniões, não era tarefa das mais fáceis, e o próprio Cora-
tius reconheceu essa situação327. Por isso, dedicou um capítulo in-
teiro a detalhar as situações em que, segundo ele, se poderia iden-
tificar a opinião comum, na maior parte das vezes quando inexiste

322 CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 21 (Lib. 1, Tit. 1, 4).


323 “quae non possunt verificari in opinione unius, sed in opinione omnium, vel maioris
partis, ut iuribis, & auctoritatibus late comprobat”. CORATIUS, Antonius Maria, op.
cit., p. 26 (Lib. 1, Tit. 2, 3).
324 CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 26-27 (Lib. 1, Tit. 1, 5-6).
325 “Ultimo pro complemento istius disquisitionis sciendum est, quod numerus in Communi
debet esse plurium Doctorum, qui non habeantur loco unius, ut sunt Doctores Collegij,
Consilij, Senatus, Rotae, vel alterius ordinis, vel magistratus, in actibus Collegij, &
similium, sed qui singuli per se separatim numerum faciant, quia plures, qui habentur
loco unius, non faciunt, quia plures, qui habentur loco unius, non faciunt commune”.
CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 27 (Lib. 1, Tit. 2, 8)
326 CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 29-36 (Lib. 1, Tit. 3, 1-20).
327 CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 81 (Lib. 1, Tit. 6, 1).

120
Ius Commune

divergência com o estabelecido pelos autores mais celebrados328.


As idéias de autoridade e de hierarquia, portanto, são fundamen-
tais no perfil que Coratius traçou para a opinio communis.
Resolveu-se partir de uma obra publicada no período analisado
para se comprovar o que se dirá aqui sobre a opinio communis, a qual
teve a sua essência bem explorada por Coratius. Como se percebe do
seu texto, a opinio communis foi um conjunto de opiniões dos mais
importantes juristas do período, representantes de uma tradicional
tendência que vinha desde o Medievo. A principal idéia que cercava
esse conceito é a de autoridade: para ser parte da opinio communis,
o pressuposto era que a contribuição possuísse autoridade. Não era
à toa que as opiniões de típicos representantes de alguns dos prin-
cipais gêneros literários, como Cino de Pistóia, Bártolo e Acúrsio,
praticamente substituíam os textos objeto de estudo329.
Essa autoridade de alguns autores se aproxima da noção de hie-
rarquia. De fato, os autores da opinio communis tinham autoridade
porque as suas opiniões eram mais valorosas e mais respeitadas por
quem praticava o direito, constituindo-se no que Ascheri chamou
de “opinione-guida”330. Como bem lembra Braga da Cruz, opinio
communis não significava simplesmente a opinião da maioria dos
juristas, ou, em outros tempos, uma maioria quantitativa dos au-
tores. Era, antes de tudo, uma maioria qualitativa331, na qual para
a composição era fundamental estar respaldado em autoridade e
respeitabilidade. Há diversos meios para se aferir essas qualidades,
dentre os quais as quantidades de edições dos trabalhos desses au-

328 CORATIUS, Antonius Maria, op. cit., p. 79-139 (Lib. 1, Tit. 6).
329 CAVANNA, Adriano, op. cit., p. 152.
330 ASCHERI, Mario, op. cit., p. 231.
331 BRAGA DA CRUZ, Guilherme. O direito subsidiário na História do Direito
Português. Obras Esparsas. Volume II, 2ª parte: Estudos de História do Direito.
Direito moderno. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1981, p. 367-369.

121
Gustavo César Machado Cabral

tores e a influência das suas obras em outros juristas, medida, por


exemplo, a partir do número de citações em trabalhos de terceiros.
Sendo alta a penetração dos trabalhos de alguns autores, o que os
legitimava diante da maioria, tendia-se a resolver a problema da
pluralidade do ius commune: com a hierarquia de opiniões, os juris-
tas tendiam a seguir as mais valorizadas, que carregavam consigo,
portanto, mais autoridade332.
O uso e a autoridade de um autor não estavam relacionados
necessariamente ao gênero literário praticado por ele, ou seja, a
autoridade não dependia da estrutura utilizada pelo jurista para
tratar dos problemas que se dispôs a discutir, mesmo porque os
gêneros não eram muito distantes entre si. Seguir a tradição do
mos italicus ou do mos galicus tampouco era fator de díscrimen,
ainda que se perceba uma presença maior de autores ligados ao
mos italicus entre os citados, por exemplo, nos livros portugueses.
Havia uma tendência de se seguir um padrão de opinião a partir
daquilo que fosse dotado de autoridade.
É importante, porém, demarcar essas diferenças formais dentro
da opinio communis, a começar pelos modos de construção dos tex-
tos. “Modo” é uma tradução praticamente literal do termo latino
mos, empregado para designar as formas italianas e francesas de se
elaborar e organizar as obras jurídicas durante a época do direito
comum. A diferença entre mos italicus e mos galicus era visível e
alcançava a estrutura dos textos e a forma de realizar o trabalho.
O mos italicus é mais antigo, remontando aos primeiros glosadores
e comentadores italianos e ao seu método, fortemente influen-
ciado pelo pensamento escolástico e pela visão de que o Direito
Romano, a manifestação de uma razão universal, pode e deve ser
aplicado à realidade contemporânea; o texto romano, portanto,
era atual e útil àquele momento. O mos galicus, por outro lado, foi

332 CLAVERO, Bartolomé, op. cit., p. 25.

122
Ius Commune

marcado pela influência do renascimento e do humanismo, para


quem o clássico tinha importância tamanha que era necessário
recuperar a pureza do texto romano do período333. Enquanto o
mos italicus tinha preocupações mais práticas, o mos galicus se uti-
lizou de diversos mecanismos auxiliares, notadamente a filologia
e a história, para recorrerem às fontes originais e entender o seu
contexto de criação e aplicação, sem o qual não se compreenderia
verdadeiramente o direito romano. O mos italicus, ao contrário, se
fundava na força da argumentação e da autoridade dos autores,
não os antigos, mas os modernos334.
A predominância do mos italicus se estendeu pelo menos até o
século XVI, quando começam a ser bastante utilizados os autores
ligados ao mos galicus, principalmente os franceses, como Cujácio,
Donnelus, Duarrenus e outros, e os seguidores da escola elegante
holandesa. O período que se está a estudar, portanto, é de tran-
sição, em que conviveram essas duas tendências, ainda que com
predominância do mos italicus.
Por outro lado, a análise dos gêneros da literatura jurídica do
período demonstra que eles tinham diferenças estruturais entre si,
o que não era suficiente para afastar a utilização de outro gênero
em uma obra pertencente a um deles. Uma obra de decisiones, por
exemplo, não usava necessariamente congêneres para construir a
sua argumentação.
Os comentários335, provavelmente, foram o gênero mais bem-
-sucedido na literatura jurídica do Antigo Regime, o que se fa-

333 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 2 ed.
São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 135.
334 HOLTHÖFER, Ernst. Literaturtypen des mos italicus in der europäischen
Rechtsliteratur der frühen Neuzeit (16.-18. Jahrhundert). In: COING, Helmut (Org.).
Ius Commune 2. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1969, p. 133-134.
335 Sobre os comentários enquanto gênero literário, cf. KÄSTLE-LAMPARTER,
David. Welt der Kommentare: Struktur, Funktion und Stellenwert juristischer

123
Gustavo César Machado Cabral

voreceu pela típica crença do direito comum na autoridade dos


textos. Partia-se de um texto, que poderia ter diversas naturezas,
e construía-se a argumentação sobre as suas diversas passagens,
utilizando-se, para isso, de instrumentos dos mais diversos, desde
obras de outros autores – principalmente os representantes da opi-
nio communis – até, posteriormente, decisões de tribunais. É certo
que os seguidores do mos italicus criaram o estilo dos comentários,
mas os autores ligados ao mos galicus também construíram obras
do gênero, tanto que, em importante estudo sobre a literatura ju-
rídica do Antigo Regime, Ernst Holthöffer divide os comentários
entre antigos (altere Typ), que seguiam a forma tradicional dos co-
mentários medievais336, e os de nova forma (jüngere Typ). Estes
seriam ligados ao mos galicus, caracterizados pela influência hu-
manística e uma forma mais livre de organizar o texto337.
Para os comentários, o ponto de partida era a fonte, e a base,
em regra, um texto ou um livro, o qual seria objeto de considera-
ções do comentador. O primeiro objeto de análise foi o Digesto,
cujo mais famoso comentador foi Bártolo de Sassoferato (1313-
1357), considerado o mais importante e típico representante da
opinio communis338, num cenário em que não era rara a referência
ao bartolismo para designar o próprio mos italicus339. Também Bal-
do de Ubaldi (1327-1400) alcançou grande projeção nesse cenário,
tendo sido editados por praticamente três séculos, já que datam de

Kommentare in Geschichte un Gegenwart. Tübingen: Mohr, 2016.


336 HOLTHÖFER, Ernst. Die Literatur zum gemeinen und partikularen Recht in
Italien, Frankreich, Spanien und Portugal. In: COING, Helmut. Handbuch der
Quellen und Literatur der Neueren europäischen Privatrechtsgeschichte.
Zweiter Band: Neuere Zeit (1500-1800), das Zeitalter des Gemeinen Rechts. Erster
Teilband: Wissenschaft. München: C. H. Beck, 1977, p. 107.
337 HOLTHÖFER, Ernst, op. cit., p. 114-115.
338 ASCHERI, Mario, op. cit., p; 232-234; BELLOMO, Manlio, op. cit., p. 190-195.
339 KOSCHAKER, Paul, op. cit., p. 104-105.

124
Ius Commune

1616 e 1618 as últimas grandes edições dos comentários ao Digesto


de Bártolo e Baldo, respectivamente340. Não obstante, a influência
já fora estabelecida sobre uma grande quantidade de autores, den-
tre os quais é possível nomear Joannes Gozadinus (1477-1517)341
e Petrus Paulus Parisius (1473-1545)342. Também comentando o
Digesto, mas seguindo uma linha mais ligada ao humanismo e ao
mos galicus, devem ser mencionadas as obras de Andreas Alciatus
(1492-1550)343 e dos franceses Guilherme Budaeus (1467-1540)344,
Donellus (1527-1591)345, Cujacius (1522-1590)346, François Duaren
ou Duarenus (1509-1559)347 e François Hotman (1524-1590)348, os
quais compuseram o núcleo essencial do mos galicus.

340 HOLTHÖFER, Ernst, op. cit., p. 113.


341 Commentaria super prima parte Digesti Infortiati, primeira edição de 1551.
342 Commentaria in primam et secundam partem Digesti Infortiati et Novi, cuja primeira
edição é de 1574.
343 In secundum tomum Pandectarum iuris civilis Commentarius (1550), In aliquot titulos
tomi tertii Pandectarum iuris civilis (quod Digestum Novum vocant) Commentarii
hactenus nusquam editi (1550), In secundam Infortiati partem de legatis praeclarissima
Commentaria (1559) e In Digestorum títulos aliquot, pagina quarta enumeratos,
Commentaria (1560).
344 Adnotationes in quattur et viginti Pandectarum libros (1508), Altera editio adnotationum
in Pandectas ex libro quadragésimo Digestorum (1526) e Adnnotationes priores in
Pandectas (1527).
345 In tit. de usuris in Pandectis et sequentem Commentarius ordine haec capita iuris
complectens (1558) e Commentarii ad titulos Digestorum (1582)
346 Commentarii ex libro quadragesim primo …, ex libro quarto …, ex libro vicesimo octavo
…, ex libro secundo Digestorum (1559), Commentarii ad varios Digestorum iuris civilis
titulos (1575) e Commentarii ex libro quarto Digestorum ad titulos quattuor de in
integrum restitutionibus, quod metus causa, de dolo malo, de minoribus viginti quinque
annorum (1559).
347 Commentaria in septem Digestorum partes (1570).
348 Epitomarum in Pandectas libri XXII (1599) e Scholia in quamplurimos titulos
Digestorum et Codicis adhibita ad singulas leges interpretatione (1599).

125
Gustavo César Machado Cabral

Outros textos serviram de base para que juristas escreveram


importantes comentários. Entre as fontes romanas, houve obras
destinadas às Institutiones, a exemplo da realizada por Thomas
Grammaticus (1473-1556)349 e, entre os franceses, os trabalhos
de Stephanus Bodeus (-1555)350 e novamente Cujacius351, Hotma-
n352e Donnelus353. Arnold Vinnius (1588-1657), talvez o mais típi-
co expoente da Escola Elegante Holandesa, também escreveu um
famoso comentário às Institutiones354. Os comentários ao Codex
de Justiniano também foram escritos tanto por seguidores do mos itali-
cus quanto do mos galicus, naquele se situando Matthäeus De Afflictis
(1443-1523)355 e nestes Alciatus356, Duarenus357, Cujacius358, Donellus359

349 Ad primum Institutionum librum, et ad secundum super tit. de rerum divisione (Inst. 2.1) doctae
admodum et ius civile profiteri incipientibus utilissimae, cuja primeira edição é de 1570.
350 In quatuor Institutionum libros Commentarii (1555).
351 Notae priores ad quattuor libros Institutionum (1556), In libros quattuor Institutionum
Notae posteriores (1585), Commentari in iuris Justinianaei libros elementares hoc
elencho comprehensos (1590) e Ad libros quattuor Institutionum D. Justiniani notae,
priores et posteriores, nunc primum in unum corpus redactae (1592)
352 Commentatius in quatuor libros Institutionum juris civilis (1560).
353 Commentarii ad librorum Institutionum D. Justiniani (1566).
354 In quatuor libros Institutionum imperialium commentarius academicus et forenses
(1642). Sobre a obra de Vinnius, cf. VARELA, Laura Beck. Literatura jurídica y
censura: fortuna de Vinnius em España; Valencia: Tirant lo Blanch, 2013.
355 Lectura super VII, com primeira edição de 1560.
356 In tres posteriores Codicis Iustiniani annotationes, in quibus obter quamplurima aliorum
authorum explanantur (1513), Ad rescripta principum Commentarii (1530).
357 Commentarii in aliquot Codicis (1542).
358 Ad tres postremos libros Codicis Justiniani Commentarii (1562) e Paratitla in libros
novem Codicis Justiniani repetitae prelectionis (1579).
359 Commentarii ad aliquas Codicis Justinianei libri secundi, tertii, quarti, septimi, octavi
partes (1574), Commentarii absolutissimi ad secundum, tertium, quartum, sextum,
octavum librum Codicis Justiniani (1599-1602) e Commentarii absolutissimi ad
secundum, tertium, quartum, sextum, octavum librum Codicis Justinianei, tit. quintum
lib. XIX Dig. de praescriptis verbis, et tit. primum, lib. XLV (1622).

126
Ius Commune

e Hotman360. Numa posição de transição, com influência de ambos


os lados, enquadra-se o português Agostinho Barbosa (1590-1649)361.
Os canonistas também lançaram mão de comentários para re-
alizarem algumas obras importantes. Praticamente todos os livros
que, posteriormente, viriam a compor o Corpus iuris canonici foram
objeto de comentários. Cuidaram das Decretais, entre outros, os
italianos Philippus Decius (1454-1535)362 e Petrus Paulus Parisius363,
o castelhano Diego Covarruvias y Leyva (1512-1577)364, autor bas-
tante influente em Portugal, e os humanistas e galicistas Alciatus365
e Cujacius366, Alberico da Roste (-1360)367. Sobre as Repetitiones es-

360 Scholia in quamplurimos títulos Digestorum et Codicis adhibita ad singulas leges


interpretatione (1599).
361 Collectanea Doctorum tum priscorum tum neotericorum in Jus Civile Universum in duos
tomos divisa (1634), Collectanea ex doctoribus tum priscis tum neotericis in Codicem
Justiniani (1637) e Collectanea in Codicem Justiniani, ex doctoribus tum priscis tum
neotericis (1697).
362 Lectura super Decretalibus (1522/1523).
363 Commentaria in Decretales (1522).
364 In librum quartum Decretalium epítome, Salmanticae, cuja primeira edição é de 1545.
365 Commentaria … in rubricas iuris canonici (1538), In Decretalium (títulos) aliquot
Commentarii (1560), Decretum Gratiani, emendatum, et notationibus dilucidatum,
uma cum glossis, Gregorii XIII (1605) e Liber Sectus Decretalium Bonifacii Papae VIII,
Clementis Papae V. Constitutiones, Extravagantes tum viginti Joannis Papae XXII,
tum communes, Haec omnia cum suis glossis suae integritati restituta et ad exemplar
Romanum diligenter recognita, et nunca recens perutilibus Addiitionibus Andreae
Alciati illustrata (1605).
366 Recitationes in secundum et quartum librum Decretalium, nunc primun in lucem editae
(1594) e Recitationes solemnes in Decretalium librum tertium (1598).
367 Commentarium super sextum librum Decretalium (1585).

127
Gustavo César Machado Cabral

creveram Decius368, Parisius369, Manuel da Costa370, Covarruvias371


e Joannes Gutiérrez (1535-1618)372. Sobre o Decreto de Gratiano,
escreveu o português Rodrigo da Cunha e Silva (1577-1643)373, en-
quanto que Alciatus escreveu sobre o Liber Sextus374, as Clemen-
tinas375 e as Extravagantes376. António de Butrio (1338-1408) es-
creveu comentários às Decretais de Gregório IX e ao Liber Sextus.
Agostinho Barbosa, por sua vez, realizou comentários, de modo
geral, ao Corpus iuris canonici377 e sobre outras fontes do direito ca-
nônico378. Nicolaus de Tudeschis, também conhecido como Abade

368 Lectura super (Decretalium) titulo de testibus (X 2.20), de fide instrumentorum (X


2.22), et de praebendis (X 3.5) et l. Gallus de liberis et postumis (D. 28.2.29) (1524).
369 Repetitiones in vários títulos iuris civilis (1587).
370 Commentaria et Repetitiones (1564).
371 In varios civilis ac pontificii iuris titulos (1568) e Variarum Resolutionum quas libris
quatuor complexi sumus Tomus secundus (1568).
372 Repetitionum Allegationumque Novus Commentarius (1570), Repetitiones sex,
quatuordecim iuris Allegationes et duo quinquaginta Consilia (1604), Repetitiones atque
Allegationes iuris variae, itemque Consilia eiusdem sive Responsa, hactenus in germanica
edition desiderata (1609), Repetitiones sex et Allegationes, sive Consilia plura (1618),
Repetitiones sex, Allegationes quattordecim et Consilia sive Responsa quinquaginta et duo
(1730) e Repetitiones et Allegationes sive Consilia plura et informationes iuris omnium
iurisconsultorum tam theoricorum quam practicorum commodo et Bono prostant (1730).
373 Commentarii super primam Partem Decreti Gratiani (1629).
374 Additiones super Sexto Decretalium (1605).
375 Additiones super Clementinas (1605).
376 Additiones super Extravagantes Communes (1605).
377 Interpretationes selectae iuris canonici, sive Praetermissa et Additamenta ad
Collectaneae Doctorum tam veterum quam recentiorum in Potificium Jus universum
(1626) e Collectaneae Doctorum tam veterum quam recentiorum in ius pontificium
universum, seis tomos (1636).
378 Remissiones Doctorum qui varia loca Concilii Tridentini incidenter tractarunt, non
solum parochis et confessariis, et iis, qui casus conscientiae decidunt, sed etiam iudicibus
et advocatis illisque in foro ecclesiastico versantur, maxime utiles et necessriae (1618)
e Collectanea Doctorum, qui in suis Operibus Concilii Tridentini loca referentes
illorum materiam incidenter tractarunt, et varias quaestiones, in foro ecclesiastico

128
Ius Commune

Parormitano (1386-1445), escreveu uma vasta obra que alcançou a


maior parte dos gêneros desenvolvidos no direito comum (lecturae,
comentários às decretais, consilia, repetitiones, disputationes), da mes-
ma forma que Petrus de Ancharano (1333-1416) (comentários às
decretais, repetitiones, lecturae, allegationes e consilia).
Outro aspecto muito importante do ius commune também foi
objeto de comentários no período analisado. Trata-se do direito
feudal, que foi sistematizado no já tratado Libri feudorum. Tanto
autores ligados à tradição do mos italicus quanto ao mos galicus
realizaram obras importantes a partir do Libri feudorum. Daque-
le, podem ser citados De Afflictis379, Jacobutius de Franchi (1450-
1517)380 e Antonius Capycius (-1545)381, enquanto, entre os fran-
ceses, o mais importante comentário veio de Duarenus382.
Mas não só de temas tipicamente ligados ao ius commune foram
escritos comentários. Os direitos particulares também foram ana-
lisados sob a perspectiva desse gênero literário, havendo comentá-
rios importantes sobre diversas das suas espécies. Sobre legislações
gerais, podem ser citados como comentadores, nos Reinos de Ná-

versantibus maxime utiles, deciderunt, omnia ex eorum libris fideliter desumpta ac ad


mentem Decretorum Sacrarum Congregationum Concilii Tridentini et Indicis librorum
prohibitorum relegatis, diligenter expurgata (1626/1629).
379 Amplissima Commentaria in primum (-tertium) librum feudorum, nunc primum in
lucem edita, accurata recognitione illustrata I-III (1517), Commentaria super feudorum
libro, nunc primum in lucem edito. Dilligenti correctione per Nascinbenum Pettinellum
exornato (1545) e Commentarius super tres libros feudorum (1598).
380 Praeludia et Quaestiones in usus feudorum ou Epitome iuris feudalis, cuja sucesso é
comprovado pelas suas 25 edições.
381 Investitura feudalis ad omnes fere feudales quaestiones enucleandas iurisperitis omnibus
utilis, ac per quam necessária, ab exemplari ipsius auctoris manu perscripto excerpta,
Nec unquam ante in lucem edita, cuja primeira edição é de 1569.
382 Commentarius in consuetudines feudorum (1563).

129
Gustavo César Machado Cabral

poles e Sicília, os recorrentes Matthäeus De Afflictis383 e Gramma-


ticus384; nos Estados Papais, Virginius de Boccatiis de Cingulo385;
na França, Pierre Rébuf (1487-1557)386 e Charles Dumoulin (1500-
1566)387. A Espanha também produziu importantes comentadores,
que cuidaram dos principais textos legislativos do Reino. Sobre as
Siete Partidas, escreveram Gregório López (1496-1560)388 e Joannes
Gutiérrez (1535-1618)389; sobre as Leyes de Toro, Diego del Castillo
de Villasante (1485-1544)390 e António Gómez (1500-1572)391; so-

383 Singularis Lectura super omnibus sacris Constitutionibus Regnorum utriusque Siciliae
citra et ultra (1517), Laurea de Afflictis ad Constitutiones Neapolitanas (1535), In
primum librum Sacrarum Constitutionum Regni utriusque Siciliae Commentarii insignes,
cum fidelius quam usquam antea castigati, tum pluribus iisque doctis Adnotationibus
illustrati (1550) e In utriusque Siciliae Neapolisque Sanctiones et Constitutiones
novíssima praelectio (1556).
384 In Constitutionibus, Capitulis, et Pragmaticis Regni Neapolitani, et Ritibus Magnae
Curiae Vicariae Additiones, et Apostillae, quas tum ipse lucubrant tum ex aliquot
veterum et modernorum iurisconsultorum vigilis vivens congreserat (1562) e Apparatus
super Pragmaticis Regis Ferdinand I. cum ipsius Additionibus (1582).
385 Adnotationes super c.2. libri 6. Constitutionum Aegidianarum (1570).
386 Ordonnance, loix, statuts et édicts royaulx, de tous les Roys de France depouis le règne
de Sainct Loys, iusque au Roy Henry second de ce nom, digestes et reduictes à la forme
du droit imperial et civil em tiltres et rubriques de matières semblables, consecutives et
correspondentes (1547).
387 Commentaire sur l’Ordonnance du Roy François Ier en l’na 1539 (1637) e Commentarius
ad Edictum Henrici II. Regis Galliae contra parvas datas et abusus Curiae Romanae et
in antiqua edicta et senatus-consulta Franciae contra annatarum et id genus abusus,
multas novas decisiones iuris et práxis continens (1552).
388 Las Siete Partidas del Sabio Rey Alfonso et Nono nuevamente glosadas por Gregorio
López (1555), totalizando sete edições.
389 De tutelis minorum, deque officio et obligationibus tutorum ac curatorum… Tractatus ad
leges regias, tit. XVI. Partitae VI (1602).
390 Las Vegas de Toro glosadas (1527).
391 Opus praeclarum et Commentum super Legibus Tauri (1552) e Ad Leges Tauri
Coentarius (1591).

130
Ius Commune

bre a Nueva Recompilación, novamente Gutiérrez392. Em Portugal,


os monumentais treze volumes escritos por Manuel Álvares Pegas
(1635-1696) tornam a obra, sem dúvida, uma das mais vastas no
gênero dedicadas ao direito pátrio.Os direitos municipais também
foram objeto de comentários; houve comentários sobre o direito
estatutário, como os de Ludovicus Gozzadinus (1479-1536)393 so-
bre os estatutos municipais de Bolonha e os de Dominicus Picus
ou Pighius (-1633)394 sobre os de Roma. Sobre os costumes locais,
por sua vez, escreveram autores relevantes na sistemática do ius
commune, como De Afflictis395 e Capycius396, em Nápoles e Sicília,
e Nicolaus Boerius397 (1469-1531), Dumoulin398, Robert Josèphe
Pothier (1699-1772)399 e Louis Le Caron (1526-1617)400, na França.

392 Practicarum quaestionum circa Leges Regias Hispaniae, em sete tomos editados a
partir de 1589.
393 Copiosssimae Adnotationes ad Statuta cum civilia tum criminalia Civitatis Bononiae,
quae noviter miro quodam ordine sub suis titulis collocatae in lucem prodeunt (1561) e
Statuta civilia Civitatis Bononiae, multis Glossis, variis provisionibus, ac amplíssimo índice
novissime formata, quibus nunc primum accesserunt doctissimae Annotationes (1566).
394 Commentaria ad Statuta Urbi Romae (1645).
395 Consuetudines Neapolitane cum glosis Sebastiani Neapolitani (1546).
396 Praeletiones in Consuetudines Neapolitanas (1556).
397 Consuetudines generales Bituricensis, Turonensis, ac Aurelianensis praesidatuum, seu si
mavis bailliviatum, unico nunc etquidem praeclaro volumine redactae, cum fertillissimo
utilium ac saepius occurentium materiarum Glossemate, Consuetudines ipsas non parum
exornante (1520) e Consuetudines inclitae civitatis et septenae Biturigum (1508).
398 Le Grand Coustumier general, contenant toutes les coustumes generalles et particulières
du Royaume de Frances et des Gaulles (1567), a partir da qual foram desmembrados
os costumes locais de várias partes da França e publicadas separadamente, sob a
autoria de Dumoulin. Dos comentários sobre costumes locais, os mais importantes,
sem dúvida, são os Commentarii in Consuetudines Parisienses (1574).
399 Coutumes d’Orléans (1740).
400 Le droit civil, ou Coustume réformée et redigée par escrit de la ville prévosté et vicomté de Paris
(1582) e Coustumes de la ville, prévosté et vicomté de Paris, ou droit civil Parisien (1595).

131
Gustavo César Machado Cabral

Escreveram-se, na época do direito comum, muitos textos de


natureza monográfica sobre temas variados. Como demonstrou
Clavero, o direito comum, na transição do Medievo para o Anti-
go Regime, atravessou uma tendência à especialização, a qual se
refletiu em exposições particularizadas de algumas matérias com
características semelhantes401. Essas divisões acarretaram análises
mais aprofundadas sobre alguns temas, ao contrário do que se fazia
nos comentários: estes partiam de fontes, enquanto as monografias
tinham nas matérias jurídicas o seu principal ponto de apoio402. Por-
tanto, a pretensão dos tratadistas era elaborar um estudo específico
sobre algum tema, desprovido da generalidade que cercava os co-
mentários. Várias foram as formas assumidas por essas monografias:
tratados, disputationes, observationes, practicae, questiones403.
Os temas abordados pelas monografias foram bastante vastos.
Lembrando-se da distinção entre ius publicum e ius privatum, alu-
dida nos tópicos anteriores, as matérias eminentemente privatísti-
cas eram reguladas pelo ius commune, o que implicava, dentro da
sua sistemática, um amplo tratamento doutrinário. Obviamente,
os comentários representaram um gênero fundamental na forma-
ção da opinio communis sobre esses temas, mas a contribuição das
monografias específicas também foi bastante relevante, o que se
evidencia tanto pela grande quantidade de trabalhos publicados
no período quanto pela penetração dessas obras.
Ernst Holthöfer realizou amplo levantamento sobre as monogra-
fias publicadas entre os séculos XVI e XVIII na Itália, na França,
em Portugal e na Espanha e os resultados comprovam a riqueza te-

401 CLAVERO, Bartolomé, op. cit., p. 82-83.


402 HOLTHÖFER, Ernst, op. cit., p. 314.
403 Para uma caracterização geral da literatura monográfica, cf. HOLTHÖFER, Ernst,
op. cit., p. 314-322.

132
Ius Commune

mática desse gênero literário404. Alcançam-se desde questões mais


abstratas, como equidade405, direito e justiça406, história do direi-
to407, interpretação408 e fontes do direito409, até se chegar a matérias
tipicamente ligadas ao ius commune. Há numerosas monografias
sobre condição410, restitutio in integrum411, precrição412, enfiteuse413,

404 Para ter acesso aos dados completos, cf. HOLTHÖFER, Ernst, op. cit., p. 324-430.
405 Albertus Bolognettus (1538-1585), De lege, jure et aequitate disputationes, tam
jurisprudentiae quam philosophiae Aristotelica (1570); Jacobus de Puteo (1508-1563),
Tractatus de iure et aequitate (1580).
406 Petrus Faber (1540-1600), Ad 1.I. Dig. de iustitia et iure (D. 1.1.1.), itemque de origine iuris
(D.1.1.2) (1604); Cujacius, Recitationes ad titulum Digestorum de iustitia et iure (1595);
Jabocus Menochius (1532-1607), Recitationes ad tit. Inst. De iustitia et iure (I. 1.1.) (1595).
407 Cujacius, De origine iuris ad Pomponium Commentarius (1585).
408 Constantius Rogerius, Tractatus de iuris interpretatione (1549); Stephanus de
Federicis, Tractatus de interpretatione legum (1577).
409 Sebastianus Medici (-1595), Tractatus de legibus, statutis, et consuetudinibus (1569);
Antonius Scappius (1540-1610), Tratactus de iure non scripto, quod in utroque foro
observatur (1586).
410 Manuel da Costa, Commentaria ad 1. Cum tale § si arbitratu Dig. de conditionibus et
demonstrationibus (D. 35.1.72.4) (1548). Esta, de importante autor português, teve
sete edições.
411 Francisco Caldas Pereira Castro (1543-1597), Commentarius analyticus ad
celebratissimam 1. si curatorem habens Cod. de in integrum restitutione minorum (C.
2.21.3) (1583), com oito edições.
412 Alciatus, De quinque pedum praecriptione (1529); Cujacius, Πραγματετα de
diversis temporum praescriptionibus et terminis (1562); Pedro Barbosa (1530-1606),
Commentarii ad rubr. et leges Codicis de praescriptione triginta vel quadraginta annorum
(C. 7.39) (1627), com sete edições.
413 Julius Clarus (1525-1585), Tractatus de emphyteusi (1565); Álvaro Vaz ou Valasco
(1526-1593), Quaestionum iuris emphyteutici (1569), com treze edições; Francisco
Caldas Pereira e Castro, Syntagma tripartitum de iure universo emphyteutico (1585).

133
Gustavo César Machado Cabral

hipoteca414, usufruto415, alimentos416, frutos417, posse418, obriga-


ções419, usura420, casamento421 e tantos outros, assuntos de que o
direito pátrio cuidava com bastante influência do direito comum.
O último gênero da literatura jurídica para o qual se chama
atenção é o da literatura prática, em que os problemas tratados nos
livros tinham origem em questões concretas com as quais tiveram
contato os autores. O foco era, portanto, a resolução de casos con-
cretos, apresentados, em geral, às centenas nas obras desse gênero.
É possível situar na literatura voltada à prática pelo menos quatro
grupos, a saber, as decisiones, as allegationes, os consilia e a litera-
tura prática em sentido estrito. Em comum, a proposta de traba-
lharem a partir de problemas concretos e, assim como em todos os

414 Hotman, Commentarius in tit. Dig. et Cod. de pignoribus et hypothecis (1576);


Donellus, De pignoribus et hypothecis Commentarius (1558).
415 Hotman, Commentarius in tit. Cod. de usufructu (1575).
416 Manuel Mendes de Castro (1550/60-1620/23), Commentarii ad Justiniani
Constitutionem in 1. cum oportet Cod. de bonis quae liberis (C.6.61.6), (1587), com
oito edições; Stephanus Forcatulus (1534-1579), Penus iuris civilis sive de alimentis
Tractatus (1542); Ioannes Petrus Surdus (-1598), Tractatus de alimentis (1592).
417 Petrus Rebuffus (1487-1557), Tractatus de fructibus et illorumque restitutionibus (1608).
418 Menochius, In omnes praecipuas recuperandae possessione Constitutiones Commentarii
(1565) e De adipiscenda et retinenda possessione Commentaria (1571); Cujacius,
Recitationes in titulum Digestorum de acquirenda vel amittenda possessione (1595); Manuel
Álvares Pegas (1635-1696), Opusculum de maioratus possessorio interdicto (1695).
419 Hieronymus Manfredus (1510-1598), Tractatus de obligationibus (1565); Gaspar Antonius
Thesaurus, Tractatus novus et utilis de augmento et variatione monetarum (1602).
420 Dumoulin, Tractatus commerciorum et usurarum redituumque (1546); Hotman, De
usuris libri duo (1551); Martinus de Azpilcueta (1493-1586), Commentario resolutiorio
de usuras (1556).
421 Joannes Nevizanus (1470-1540), Silva nuptialis, in qua questiones in matéria
matrimonii, dotium, filiationis, adulterii, originis, successionis et monitorialium (1521);
Covarruvias, De sponsalibus epítome et de matrimoniis (1545); Ioannes Gutiérrez
(1535-1618), Quaestiones tam ad sponsalia de futuro quam matrimonia earumque
impedimenta pertinentes (1616/1617)

134
Ius Commune

gêneros da literatura jurídica do Antigo Regime, a tendência de os


autores construírem as suas argumentações a partir de argumentos
dotados de autoridade, em especial a opinião de outros autores.
O fator diferenciador entre as três primeiras espécies reside pri-
mordialmente na origem dos problemas concretos: nas allegationes,
tratava-se de casos levados a juízo por um advogado, que costu-
mava escrever o livro com base nesses problemas; nos consilia, as
questões eram fruto de consultas feitas a um jurista, que preparava
um parecer a partir do problema; e nas decisiones cada decisio cos-
tumava estar relacionada a uma decisão tomada por tribunal para
problema concreto que lhe foi submetido. Já no quarto grupo se
encontram os livros dedicados mais diretamente à prática, muitos
dos quais pensados a partir de questões discutidas no foro, mas
não necessariamente nos altos tribunais; aqui se situam também
obras de prática processual escritas no vernáculo, as resolutoiones
forenses e os livros dedicados a alguma atividade jurídica específi-
ca, principalmente a advocacia e o notariado. Em geral, portan-
to, os autores de cada uma dessas espécies tinham uma atuação
próxima à natureza dos problemas concretos discutidos nos livros.
A lista de autores de consilia é bastante extensa, especialmente
de autores italianos. Os nomes de maior destaque são Oldrado
da Ponte, Bartolus de Saxoferrato (1313-1357), Baldus de Ubaldi
(1327-1400), Giovanni Calderini (-1365), Paulo de Castro (1360-
1441), Lorenzo Ridolfi (1363-1443), Johannes de Imola (1372-
1436), Ludovico Pontanus (Romanus) (1409-1439), Alexander de
Tartagnis (1424-1477), Batholomaeus Caepolla (1420-1475), Ange-
lo de Ubaldi ou Aretino (-1423), Bartolomeo Socinus (1436-), Lu-
dovico Bologninus (1446-), Martinus Laudensis (-1453), Andreas
Barbatius (-1479), Felippo Decio (1454-1535), Giovanni de Ami-
cis (1463-1522), Giovanni Francesco Sannazari dela Ripa (1480-
1535), Francesco Corti (-1533), Giasone del Maino (1435-1519),
Johannes Antonius Rubeus (1489-1544), Aimone da Savigliano

135
Gustavo César Machado Cabral

Cravetta (1504-1569), Petrus Paulus Parisius (1473-1545), Nicolaus


Bellonus (-1552), Hieronymus Gratus (-1544), Marianus Socinus
Iunior (1482-1556), Carolus Ruinus (1456-1530), Johannes Hie-
ronymus Albanus (1509-1591), Giovanni Bolognetti (1506-1575),
Iacobus Mandellus (1510-1555), Marcus Antonius Natta (-1568),
Giovanni da Nevizzano (-1540), Andrea Alciato (1492-1550), Ro-
lando dela Valle, Giulio Ferretti (1488-1547), Hieronymus Gigas
(-1566), Giovanni Cefali (1510-1579), Augustino Beroius, Giovan-
ni da Crotto (-1540), Petrus Antonius Angusola, Fabio D’Anna
(1555-1605), Jacobus Menochius (1532-1607), Hieronymus Gabrie-
lius (1513-1587), Giovanni D’Anna (1524-1582), Hieronymus Zan-
chus (1516-1590), Guido Pancirolli (1523-1599), Tiberio Deciani
(1509-1582), Lorenzo Pini (1493-1542), Paulo Leoni, Quintilianus
Mandosius (1514-1593), Roberto Maranta (-1530), Johannes Vin-
centius Hondedus (-1603), Marcus Antonius Peregrinus (1530-
1616), Fulvius Pacianus (-1613), Stephanus Gratianus, Andreas
Fachineus (-1607), Antoninus de Amato (-1653), Camillus de
Medicis (1543-1598), Johannes Antonius Bellonus (-1640), Rolan-
dus Cavagnolius, Scipio Rovitus (1556-1636), Vincentius Fusarius
(-1627), Franciscus Niger Marcellus Marcianus (1570-1639), Lae-
lius Altogradus (-1660) e Hector Latro Capycius.
Dentre os decisionistas, podem ser citados, dentre muitos ou-
tros, os italianos Matthaeus de Afflictis (1448-1528)422, Guillel-
mus Cassador (-1528)423, Antonius Capycius (-1545)424, Thomas
Grammaticus (1473-1556)425, Augustinus Berous (1474-1554)426,

422 Decisiones S. R. Consilii Neapolitani (1499).


423 Decisiones S. Rotae Romanae.
424 Decisiones S. R. Consilii Neapolitani (1541).
425 Decisiones S. R. Consilii Neapolitani (1547).
426 Familiares quaestiones (1550).

136
Ius Commune

Octavianus Cacheranus d’Osasco (-1580)427, Ioseph Ludovicus428,


Borgninus Cavalcaneus (1530-1607)429, Iacobus Puteus (1496-
1563)430, Hieronymus Magonius (1530-1596)431, Bruno dal Sole
(1528-1588)432, Hieronymus Laurentius (1517-1606)433, Franciscus
Vivius (1532-1616)434, Antoninus Thesaurus (1526-1590)435, Fran-
ciscus Milanensis (-1595)436, Johannes Petrus Surdus (-1598)437,
Stepanhus Gratianus438, Garsia Mastrillus (-1620)439, Iacobus An-
tonius Marta (1559-1629)440, Camillus Borrellus (-1631)441, Fran-
ciscus Mantica (1534-1614)442 e Marius Muta (-1636)443; os fran-
ceses Jean Le Coq (1340-1399)444, Gilles Bellemère (1342-1407),

427 Decisiones S. Senatus Pedemontani (1569).


428 Decisiones seu deffinitiones causarum Perusinarum et provinciae Umbriae (1569).
429 Decisiones Fori Fiviznensis aliorumque locorum (1581).
430 Decisiones Rotae Romanae (1582).
431 Decisiones Rotae Lucensis (1587).
432 Quaestiones legales quae ut plurimum in facto occurunt (1588).
433 Decisiones Rotae Avenionensis collectae (1588).
434 Decisiones Regni Neapolitani.
435 Novae decisiones S. Senatus Pedemontani (1590).
436 Decisiones Regiae Curiae Regni Siciliae (1596).
437 Decisiones S. Mantuani Senatus (1597).
438 Decisiones Rotae Provinciae Marchiae (1604).
439 Decisiones S. Regiae Conscientiae Regni Siciliae (1606-1621).
440 Decisionum novissimarum almi Collegi Pisani (1608).
441 Summa decisionum universarum (1618-1627).
442 Decisiones Rotae Romanae (1618)
443 Decisiones novissimae Magnae Regiae Curiae (1619).
444 Quaestiones.

137
Gustavo César Machado Cabral

Joannes Corserius445, Guido Papa (-1477)446, Nicolaus Boerius


(1469-1539)447, Hieronymus Laurentius448 e Jean Grivel449; no Sa-
cro Império, Joachim Mynsinger von Frundeck (1514-1588)450 e
Andreas Gail (1526-1587)451; na Espanha, José de Sesse y Pinol452,
Miguel de Cortiada453, Juan Pedro Fontenella454; nas Províncias
Unidas, Paul van Christynen (1553-1631)455 e Johannes à Sande456;
e em Portugal, António da Gama, Álvaro Valasco, Jorge de Cabe-
do, Gabriel Pereira de Castro, Belchior Febo, António de Sousa de
Macedo, Diogo Guerreiro Camacho de Aboim e Miguel Themudo
da Fonseca457.

445 Decisiones capellae Tholosanae (1483).


446 Decisiones grationopolitanae.
447 Decisiones supremi senatus Burdegalensis (1544).
448 Decisiones rotae Avinionensis.
449 Decisiones celeberrimi Sequanorum senatus Dolani (1663).
450 Singularum observationum iudicij imperialis camerae (1563).
451 Practicarum observationum, tam ad processum iudiciarum, praesertim imperialis
camerae.
452 Decisionum Sacri Senatus Regii Regni Aragonum (1610).
453 Decisiones Reverendi Cancellaria, et Sacri Regii Senatus Cathaloniae (1661).
454 Decisiones Sacri Regii Senatus Cathaloniae (1639).
455 Practicarum quaestionum rerumque in supremis Belgarum curiis actarum et
observatarum decisiones (1626).
456 Decisiones Frisicae siue rerum in Suprema Frisiorum Curia (1615).
457 Sobre as decisiones em Portugal, cf. CABRAL, Gustavo César Machado. Literatura
jurídica na Idade Moderna: as decisiones no Reino de Portugal (séculos XVI-XVII).
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

138
6
Últimas palavras: derrocada
do direito comum?

Se o objetivo principal deste trabalho era apresentar um pano-


rama geral do ius commune, não se deve avançar muito na análise
até alcançar a sua derrocada e, consequentemente, a substituição
desse modelo. Os momentos de transição, em verdade, costumam
ter elementos dos dois períodos, o antecedente e o subsequente, e
uma análise profunda da crise do ius commune extrapolaria a fina-
lidade deste texto. Não obstante, alguns esclarecimentos parecem
oportunos ao fechamento deste livro.
O direito comum se formou após uma série de acontecimentos
iniciados na Alta Idade Média, mas que só no final do Medievo se
consolidaram a ponto de dar as características gerais observadas
quando se pensa, por exemplo, no fenômeno jurídico na Europa
Ocidental em meados do século XVI. Em sua essência, o direito
comum tinha um fortíssimo componente de direito pátrio, o que
acarreta a necessidade de compreendê-lo a partir de uma marca-
da influência do local, que funcionava como definidor da forma
como se desenvolveram as experiências jurídicas de cada Estado
europeu. Por essas razões, a influência do ius commune na Alema-
nha foi bastante diferente do que aconteceu na Espanha, ou na
Inglaterra ou na Itália ou nas Províncias Unidas. Fatores internos,
portanto, foram decisivos para as manifestações do direito comum
em cada experiência nacional.
A derrocada, se é que se pode falar assim, do direito comum
não pode ser dissociada de uma ampliação do direito pátrio até

139
Gustavo César Machado Cabral

um ponto em que ficou incompatível a existência de outra ordem


jurídica, ainda que desprovida de uma autoridade personificada.
A crise do Antigo Regime se associa ao absolutismo e a um mo-
vimento do poder régio, a partir de meados do século XVII e com
mais força ao longo do século XVIII, para se afirmar como prin-
cipal fonte de poder interna do Estado, combatendo, para isso, os
outros poderes paralelos. Essa definição dos “inimigos” do poder régio
pode ser observada muito claramente na experiência de Portugal du-
rante o reinado de D. José I (1750-1777) e a gestão de Sebastião José
de Carvalho Melo, o Marquês de Pombal: desarticularam-se as casas
nobiliárquicas mais importantes, em especial a Casa de Aveiro, e o
poderio dos jesuítas, fortaleceram-se a legislação pátria e as decisões
da Casa da Suplicação, combateu-se o uso do direito comum e da
opinio communis, introduziu-se o ensino do direito pátrio na Univer-
sidade de Coimbra e, já no reinado de D. Maria I, em 1790, aboli-
ram-se as jurisdições senhoriais que ainda restavam458. Combateu-se,
em alguma medida, aquilo que poderia representar uma concorrência
para o poder régio. Paradoxalmente, só se alcançou a eliminação pra-
ticamente completa dos poderes concorrentes com o do Estado com
o advento do Estado Liberal, a partir das seguidas revoluções liberais
ocorridas na Europa e na América, as quais proporcionaram a adoção
de um dos mais relevantes mitos da contemporaneidade: o monopólio
do poder (e do Direito) pelo Estado.
Entretanto, não representou a derrocada do direito comum uma
total substituição desse modelo. Muito pelo contrário. Como se
quis demonstrar, o direito comum serviu de inspiração direta para
a formação dos direitos pátrios, especialmente do direito régio, ao
mesmo tempo em que os textos inseridos na tradição do direito co-

458 Sobre o período, cf. CABRAL, Gustavo César Machado. Direito natural e
iluminismo no direito português do final do Antigo Regime. Dissertação
(Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2011.

140
Ius Commune

mum e da opinio communis também contribuíram para a construção


da nova ordem. As obras de Domat e Pothier, por exemplo, foram
decisivas no processo de elaboração do Código Civil Francês, ao
mesmo tempo em que as discussões abstratas de Tiberio Deciani
no seu Tractatus criminalis459 influenciaram a formação das partes
gerais dos códigos penais460 e o usus modernus pandectarum contri-
buiu para a modernização do direito privado alemão, por meio da
discussão sobre o que ainda era válido do direito comum nos séculos
XVII e XVIII. Isso sem contar que, mesmo com uma frequência
bem menor do que antes, as obras de Bártolo continuaram a ser
consultadas e mesmo utilizadas na vida forense do século XIX.
O direito comum sobreviveu ao final do Antigo Regime, seja por
meio da influência nos ordenamentos pátrios ou pela continuidade
do emprego de alguns dos autores mais relevantes do período. Em
meados do século XX, porém, a ideia de direito comum reapareceu
de uma forma distinta: como argumento. Com o final da Segunda
Guerra Mundial e o início do processo de redemocratização e re-
construção de uma Europa marcada pela separação, utilizou-se o ius
commune como o argumento de que haveria um passado jurídico co-
mum e que deveria levar à unificação, o que de fato aconteceu com
a criação de organismos como a União Europeia e o surgimento de
um direito comunitário. Neste contexto, a criação do Instituto Max
Planck para a História do Direito Europeu, em 1964, na Alemanha,
e a organização de várias obras imbuídas dessa vontade de compro-

459 DECIANI, Tiberio. Tractatus criminalis. Venetiis: Franciscum de Franciscis


Senemsem, 1590.
460 Neste sentido, cf., entre outros, PIFFERI, Michele. Generalia delictorum: il
Tractatus criminalis di Tiberio Deciani e la “Parte generale” di diritto penale.
Milano: Giuffrè, 2006.

141
Gustavo César Machado Cabral

var a existência de um passado comum461 demonstram como a ideia


de um direito comum segue em marcha.
Portanto, falar em uma derrocada do direito comum não pa-
rece adequado, mesmo numa época em que esse modelo foi subs-
tituído pelo monismo. Seja como argumento essencialmente retó-
rico ou como subsídio teórico, a ideia de um direito comum segue
presente na discussão jurídica europeia. Entender a sua dinâmica
é uma necessidade para compreender o processo de formação do
direito ocidental em sua matriz continental, o qual se expandiu,
em virtude de muitos regimes colonais extintos apenas na segunda
metade do século XX, por todos os continentes, mas também é es-
sencial para entender uma lógica em que ordens normativas gerais
e particulares convivem simultaneamente em um mesmo espaço,
num modelo que parece seguir existindo na contemporaneidade.

461 COING, Helmut. Die europäische Privatrechtsgeschichte der neuren Zeir als
einheitliches Forschungsgebiet: Probleme und Aufbau. Ius commune, v. 1, 1967,
p. 1-33; MARTÍN, António Perez (Org.). España y Europa: un pasado jurídico
común. Múrcia: Universidad de Múrcia, 1986.

142
Anexo

Abade Parormitano (Cardeal Nicolaus de Tudeschis)


Acúrcio
Agostinho Barbosa
Agostinho Ribeiro
Aimon Cravetta
Aires Pinhel
Alberico da Rossate
Alberto Bruno
Alexander de Nevo
Alexander de Tartagni
Alfonso de Azevedo
Alfonso de Castro
Alfonso Díaz de Montalvo
Alfonso Olea
Alfonso Pérez de Lara
Alonso de Orozco
Álvaro Valasco
André de Isernia
André Tiraqueau
Andrea Alciato
Andrea Censalio
Andreas Barbatius (Siculus)
Andreas de Escobar
Andreas Gail
Andreas Rauchbar
Angelo de Castro
Angelus Aretino

143
Gustavo César Machado Cabral

Angelus Perusino
Anton Maria Corassius
Anton Matthaeus
Antonin Diana
Antonino Thesaurus
António Ayerbe de Ayora
António Ayerve de Ayora
António Cabreros de Avendaño
António Cardoso do Amaral
António da Gama
Antonio de Amato
António Gómez
Antonio Negri
António Padilla y Meneses
António Perez
Antonio Quesada
Antonius Capicius
Antonius de Butrio
Antonius Favre
Antonius Gabriel
Antonius Herengius (Anton Hering)
Antonius Negusantius
Antonius Rosellis
Aristóteles
Arnold Vinnius
Augustinus Berous
Azo
Baldo de Ubaldi
Balthazar Ayala
Barthélemy de Chasseneuz
Bartholomeu Caepolla
Bártolo

144
Ius Commune

Bartolomé de Humada
Bartolomé Felippe
Bartolomé Saliceto
Bartolomeu Socino
Belchior Febo
Benedictus Capra
Benedictus de Plumbino
Benedictus Egidius
Benedikt Carpzov
Benvenutto Straccha
Blasius Michalorius
Borgninus Cavalcaneus
Camillus Borellus
Camillus Visitarinus
Capella Tolosana
Cardeal Caetano (Tommaso De Vio)
Carlo Antonio Moccia
Carlo Pasquale
Carlo Ruini
Carolus de Grassalis
Carolus Molinaeus
Cesare Lambertini
Cino de Pistóia
Claudio Aquensis
Claudius Cantiuncula
Diego Covarruvias y Leiva
Diego de Simancas
Diego del Castillo de Villasante
Diego Valdez
Dinus Mugellanus
Diogo de Brito
Domenicus de Sancto Germiniano

145
Gustavo César Machado Cabral

Domingo de Soto
Domingos Antunes Portugal
Domingos Homem de Almeida
Egídio Bossi
Étienne Bertrand
Fabianus de Monte Sancti Sabini
Federico de Novellus
Federico de Senis
Felinus Sandeus
Fernando Rebello
Fernando Vázquez de Menchaca
Filippo Decio
Filippo Pasquale
Fortunius Garcia
Francesco Antonio Monaco
Francesco Ercolani
Francesco Negri Ciriaco
Francesco Niconisio
Francesco Vivio
Francisco Caldas Pereira
Francisco de Avilés
Francisco Milanese
Francisco Salgado
Francisco Sarmiento de Mendonza
Francisco Suárez
Franciscus Balduinus
Franciscus Becius
Franciscus Borsatus (Borsati)
Franciscus Curtius
Franciscus de Aretino
Franciscus de Marchis
Franciscus Mantica

146
Ius Commune

Franciscus Marcus
Franciscus Poleto
François de Connan
François Duarren
Fransciscus Merlinus
Fulvius Paccianus
Gabriel Mudeus
Gabriel Pereira de Castro
García de Gironda
Garcia Falcon
Garzia Mastrillo
Gaspar Baeza
Gaspar de Hermosilla
Gerónimo de Cevallos
Giacobo Mandello
Giacobo Menocchio
Giacomo Antonio Marta
Giasone del Maino
Gilles Bellemère
Giovanni Antonio Mangili
Giovanni Bolognetti
Giovanni Calderini
Giovanni Campeggi (Johannes Campegius)
Giovanni Cefali (Johannes Caephali)
Giovanni D'Anania
Giovanni de Amicis
Giovanni Diletto Durante
Giovanni Francesco Andreoli
Giovanni Francesco Balbo
Giovanni Francesco Porporato
Giovanni Nevizzano
Giovanni Stafileo

147
Gustavo César Machado Cabral

Girolamo Gabrielle
Giulio Claro
Giulio Ferretus
Giuseppe Mascardus
Gregorio López de Tovar
Guido Bossi
Guido de Baisio
Guido Pancirolus
Guido Papa
Guilelmus de Cugno
Guillaume Benoit (Guiliel. Benedict)
Guillelmus Cassador
Guillelmus Luduvel
Hartmann Hartmann
Henricus de Segusio (Cardinalis Hostiensis)
Hieronymus Cagnolus
Hieronymus de Monti
Hieronymus Gratis/Girolamo Grati
Hieronymus Laurentius
Hieronymus Magonius
Hieronymus Zanchus
Hieroymus de Monte
Hippolytus de Marsiliis
Hippolytus Riminaldi
Hugo Grossius
Hugues Doneau
Iacob Butrigarius
Iacob Butrio
Iacob Pérez
Iacobo de Arena
Iacobus (Jaime) Pérez de Valentia
Ignacio de Lassarte y Molina

148
Ius Commune

Ignacio del Villar Maldonado


Ignacio López de Salcedo
Ignácio Pereira de Sousa
Innocentius IV (Sinibaldo de’ Fieschi)
Ioannes Corrasius
Iosephus de Sesse
Iosephus Ludovicus
Jacques Cujas
Jean de Coras
Jean Grivel
Jean le Cirier
Jerónimo Castillo de Bobadilla
Joachim Mynsinger von Frundeck
Joannes Baptista Baiardus
Joannes Baptista Ciarlinus
Joannes Baptista Hodierna
Joannes Corserius
Joannes de Crassis
Joannes Franciscus da Ponte
Joannes Franciscus Sanfelice
Joannes Gozadinus
Joannes Jacobus Speidel
Joannes Vincente Honded
João Pinto Ribeiro
Johan van den Sande
Johannes Andrea
Johannes Antonius Rubeus
Johannes Baptista a Villalobos
Johannes Baptista Caccialupus
Johannes Baptista Lupus
Johannes Baptista Plotus
Johannes Crotus

149
Gustavo César Machado Cabral

Johannes de Imola
Johannes Faber
Johannes Franciscus Ripa
Johannes Gutiérrez
Johannes Orosco
Johannes Petrus Surdus
Johannes Staphileus
Johannes Vincentius Hondedeus
Jorge de Cabedo
José Ramon
Josephus de Sesse
Josephus Ludovicus
Juan Arce de Otálora
Juan Azor
Juan Bautista Larrea
Juan Bautista Valenzuela y Velázquez
Juan Benito Guardiola
Juan Bernardo Díaz de Luco
Juan de Matienzo
Juan de Rojas
Juan García de Saavedra
Juan López de Palacios Rubios
Juan Martinez de Olano
Juan Pedro Fontanella
Lapus de Castellione
Laurentio Calcaneus
Laurentius Silvanus
Leonardus Lessius
Lluís de Peguera
Lodovico Postio
Lucas de Penna
Ludovico Bologninus

150
Ius Commune

Ludovico Cassanate
Ludovico Pontanus (Romanus)
Ludovico Rodolfini
Luís de Molina
Luis Gómez
Luís López
Luís Velázquez de Avendaño
Manuel Barbosa
Manuel da Costa
Manuel Mendes de Castro
Manuel Themudo da Fonseca
Marcantonio Bianchi
Marco Antonio Cucchi
Marco Antonio Natta
Marco Antonio Peregrino
Marcus Antonius Marcellus
Marcus Mantua Bonavites
Marcus Salón de Paz (Burgos de Paz)
Mariano Soccino
Mario Giurba
Marius Muta
Martín de Azpilcueta Navarro
Martino Bonacina
Martino Laudensis
Mathaeus de Afflictis
Matthaeus Mathesilanus
Matthias Berlich
Melchior Pelaez de Mieres
Miguel de Cifuentes
Miguel de Reinoso
Miguel Ferro Manrrique
Nellus de Sancto Germiniano

151
Gustavo César Machado Cabral

Nicolaus Boerius
Nicolaus de Matavel
Nicolaus de Ubaldi
Octavianus Cacherano d'Osasco
Octavius Simoncelli
Odofredus
Oldrado da Ponte
Paridis de Puteo/Paride del Pozzo
Paulo de Castro
Paulus Aemilius
Paulus Christianaeus
Paulus de Montepico
Paulus Zacchia
Pedro Agustin Morla
Pedro Barbosa
Pedro Diez de Ribadeneyra Noguerol
Pedro Jerónimo Cenedo
Pedro Núñez de Avendaño
Pedro Peralta
Pedro Plaza y Moraza
Petrus Belluga
Petrus de Ancharano
Petrus de Petra
Petrus Duenas
Petrus Nicolaus Mozius
Petrus Paulus Parisi
Petrus Pechius
Petrus Philippus Corneus
Petrus Tholosanus Gregorius
Philippo Franco
Pierre Rebuffi
Pietro Cavallo

152
Ius Commune

Prosperus Farinacius
Quintilianus Mandosius
Raphael Fulgosi
Raphael Raymundus (Cumanus)
Raphael Schilletu
Remigio de Gonni
Roberto Bellarmino
Roberto Lancellotti
Roberto Maranta
Rochus de Curte
Rodrigo Suárez
Rogerius
Rolando do Valle
Sebastiano Guazzini
Sebastianus Vantius/Sebastiano Vanzi
Segismundo Scaccia
Seraphinus Olivier (Cardeal)
Sforzia Odo
Simon de Praetis
Solórzano Pereira
Spino de Cáceres
Stephano Aufrerio/Etienne Aufreri
Stephanus Budeus
Stephanus Gratianus
Sylvester Aldobrandinus
Thomas Grammaticus
Thomas Parpalia
Thomas Valasco
Tiberio Deciano
Tomás de Aquino
Tomás Sánchez
Ubertino Zuccardi

153
Gustavo César Machado Cabral

Ulrich Zasius
Vicente de Franchis
Vincentius Paleottus
Vincentius Tancredus
Vitalis da Cambanis

154
Referências

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PUFENDORF, Samuel. Severini de Monzambano De statu


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